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On Planning the Ideology of Planning

David Harvey.
Planejando a Ideologia do Planejamento – Tradução livre
(No Planejamento da Ideologia do Planejamento)
(Sobre o Planejamento da Ideologia do Planejamento)
Reimpresso sob autorização de David Harvey, 1985. A Urbanização do Capital.
Baltimore: Johns Hopkins University Press, pp. 165-184.

[176]
É um truísmo dizer que todos nós planejamos. Mas o planejamento como uma
profissão possui um domínio muito mais restrito. Lutando como podem por alguma
razão para a sua existência, os profissionais planejadores encontram-se confinados,
na maior parte, na tarefa de definir e tentar alcançar uma ordenação “bem-sucedida”
do ambiente construído. Em última instância, o planejador está relacionado com um
local próprio, um mix apropriado de atividades no espaço de todos os diversos
elementos que compõem a totalidade das estruturas físicas – as casas, estradas,
fábricas, escritórios, instalações de eliminação de água e esgoto, hospitais, escolas e
similares – que constituem o ambiente construído. De tempos em tempos, a
ordenação espacial do ambiente construído é tratada como um fim suficiente em si
mesmo, e alguma forma de determinismo ambiental toma conta. Em outros tempos,
essa ordenação é vista côo um reflexo em vez de um determinante das relações
sociais, e o planejamento é visto como um processo ao invés de um plano – e então,
o planejador é deixado, ele mesmo, longe da prancheta para participar de encontros
com banqueiros, grupos comunitários, desenvolvedores imobiliários [land developers]
e similares, na esperança de que uma intervenção oportuna aqui ou uma medida
preventiva lá possam alcançar um “melhor” resultado geral. Mas o “melhor” assume
alguma proposta, a qual é muito fácil de especificar no geral, mas difícil de
particularizar sobre. Como um complexo recurso físico criado fora do trabalho humano
e engenhosidade, o ambiente construído deve funcionar primeiramente para ser útil à
produção, circulação, troca e consumo. [176/177] Este é o trabalho do planejador para
assegurar a sua adequada [proper] gestão e manutenção. Mas isto imediatamente
coloca a questão: útil ou melhor para o que e para quem?
[177]
O Planejamento e a Reprodução da Ordem Social
Seria fácil pular essas questões iniciais para cair imediatamente dentro de um modelo
pluralístico da sociedade na qual o planejador atua tanto como um árbitro ou como um
peso corretivo nos conflitos entre uma diversidade de grupos de interesse, cada um
dos quais se esforçando para pegar um pedaço da torta. Tal salto deixa de fora um
passo crucial. A sociedade trabalha, afinal, com o princípio básico de que a atividade
mais importante é a que contribui para a sua própria reprodução. Não temos de
perguntar longe para descobrir o que esta atividade implica. Considere, por exemplo,
as diferentes concepções sobre a cidade, como “workshops da civilização industrial”,
como o “centro nervoso da vida econômica, social, cultural e política” da sociedade,
como centros de inovação, troca e comunicação, e como ambientes vivos para as
pessoas1. Todas essas – e mais – são concepções bastante comuns. E se nós
aceitamos uma ou todas elas, então o papel do planejador pode simplesmente ser
definido como garantia de que o ambiente construído é composto por todas essas
necessárias infraestruturas físicas que servem aos processos que temos em mente.
Se o “workshop” se dissolve em um caos de desorganização, se o “nervo central”
perde sua coerência, se a inovação é frustrada, se a comunicação e os processos de
troca se tornaram ilegíveis, se as condições de vida se tornaram intoleráveis, então a
reprodução da ordem social está em dúvida.
Nós podemos empurrar esse argumento para mais longe. Nós vivemos, além de tudo,
em uma sociedade a qual, na ausência de uma expressão melhor, está fundada sobre
os princípios capitalistas da propriedade privada e do mercado de troca, uma
sociedade que pressupõe certas relações sociais com respeito à produção,
distribuição e consumo, os quais, eles mesmos, precisam ser reproduzidos se a ordem
social deve sobreviver. E então nós chegaremos ao que pode parecer como uma
pergunta bastante cósmica: qual é o papel do planejador urbano-regional no contexto
desses processos globais da reprodução social? Uma análise crítica deve revelar as
respostas. No entanto, é uma medida da falha da ciência social contemporânea (da
qual a literatura do planejamento extrai muito de sua inspiração) que nós tenhamos
que abordar as respostas tanto com cautela como com tato, nós devemos nos atrever
a afastarmo-nos dos cânones tradicionais quanto ao que pode ou não ser dito. Por

1 Essas várias concepções de cidade podem ser encontradas, por exemplo, em L. Mumford (1961); J.
Jacobs (1969); L. Wirth (1964); Comitê de Recursos Nacional (dos Estados Unidos) (1937); e R. Meier
(1962).
esta razão, eu devo começar com uma breve digressão a fim de abrir novas
perspectivas para a discussão.
Quando nós consideramos o sistema econômico, a maioria de nós se sente em casa
com as análises baseadas nas categorias de terra, trabalho e capital como “fatores”
da produção. Nós reconhecemos que a reprodução social depende da combinação
perpétua desses elementos e que o crescimento requer [177/178] a recombinação
desse fatores dentro de novas configurações que são, em certo sentido, mais
produtivas. Essas categorias, nós com frequência admitimos, são bastante abstratas
e, de tempos em tempos, nós as quebramos para ter em conta o fato de que nem terra
nem trabalho são homogêneos, e que o capital pode assumir forma produtiva (física)
ou líquida (dinheiro). Não obstante, nós parecemos preparados a aceitar um alto nível
de abstração, sem muitos questionamentos sobre a validade ou a eficácia dos
conceitos envolvidos. Ainda que a maioria de nós empalideçamos quando nos
deparamos com a descrição sociológica da sociedade que apela para o conceito de
relações de classes entre senhores de terra, trabalhadores e capitalistas. Se nós
escrevemos em tais termos, nós provavelmente seremos julgados como simplistas
demais ou como envolvidos em níveis de abstração que não fazem sentido. na pior
das hipóteses, tais concepções serão consideradas como ofensivas e ideológicas se
comparadas aos conceitos supostamente não ideológicos de terra, trabalho e capital.
Por que e em que terreno – folosófico, prático ou qualquer outro – foi decidido que
uma forma de abstração faz sentido e é apropriada, enquanto as outras estão fora da
ordem? Não faz sentido razoável conectar nosso pensamento sociológico com nossa
economia, ainda que de forma bastante simplista e primitiva? Faz sentido mesmo
dizer que o inquilino do centro da cidade que a renda paga ao senhorio não é
realmente um pagamento para que o homem que dirige um carro grande e vive nos
subúrbios, mas um pagamento a um fator de produção escasso? A "cientificação" da
ciência social parece ter sido realizada para mascarar as relações sociais reais –
representando as relações sociais entre as pessoas e grupos de pessoas como
relações entre coisas. A reificação implicada por tais táticas é clara o suficiente para
ver, e os perigos da reificação são bem conhecidos. No entanto, nós parecemos estar
à vontade com as reificações e a aceitá-las de forma acrítica, mesmo que exista a
possibilidade de que, ao fazè-lo, nós destruímos nossa capacidade de entender,
gerenciar, controlar e alterar a ordem social de maneira favorável para nossos
propósitos individuais ou coletivos. Neste capítulo, portanto, procuro colocar o
planejador no contexto de uma descrição sociológica da sociedade que vê as relações
de classe como fundamentais.

Relações de Classe e o Ambiente Construído


Em qualquer sociedade, a atual relação de classes que existe está limitada a ser
complexa e fluida. Isto é particularmente verdadeiro em uma sociedade como a nossa.
As categorias de classes que nós usamos não são consideradas imutáveis. E, do
mesmo modo, já que podemos desagregar terra, trabalho e capital como fatores de
produção, então nós podemos produzir uma malha mais fina de categorias para
descrever as estruturas de classe. Nós sabemos que terra e propriedade privada
compreendem instituições feudais residuais (a igreja, por exemplo), grandes
companhias proprietárias, senhorios a tempo parcial, proprietários e assim por diante.
Nós sabemos também que os interesses dos rentistas “money capitalists” pode
divergir substancialmente dos [178/179] interesses dos produtores na indústria e
agricultura e que as classes trabalhadoras não são homogêneas por conta das
estratificações e diferenciais gerados de acordo com as divisões hierárquicas do
trabalho e vários níveis salariais. Mas em um curto capítulo deste tipo, eu devo forçar
a batuta [stick] para as mais simples categorias que nos ajudem a entender o papel
dos planejadores dentro da estrutura social. Então deixe-nos proceder com a mais
simples concepção que nós podemos conceber e considerar, por sua vez, como cada
classe ou fração de classe se relaciona com o ambiente construído, o qual é a principal
preocupação do planejador.
1 A classe dos trabalhadores é constituída por todos esses indivíduos os quais
vendem uma mercadoria – a força de trabalho – no mercado em troca de um salário
ou vencimento. As necessidades de consumo do trabalhador – as quais são, na
prática, altamente diferenciadas – serão, em parte, satisfeitas pelo trabalho dentro da
família e, em parte, adquiridas através da troca do salário ganho em troca de
mercadorias produzidas. As mercadorias requeridas pelo trabalhador dependem do
equilíbrio entre os produtos da economia nacional e as compras no mercado bem
como sobre as questões ambientais, históricas e culturais que fixam o padrão de vida
do trabalhador. O trabalhador olha para o ambiente construído como um meio de
consumo e como um meio de sua própria reprodução e, talvez, expansão. O
trabalhador é sensível tanto ao custo quanto à disposição espacial (acesso) dos vários
itens do ambiente construído – moradia, instalações educacionais e recreativas,
serviços de todos os tipos e assim por diante – que facilitam a sobrevivência e
reprodução em um determinado padrão de vida.
2 Nós podemos definir os capitalistas como todos aqueles que engage em funções
empreendedoras de qualquer tipo com a intenção de obter um lucro. Como uma
classe, os capitalistas estão primeiramente preocupados com a acumulação, e suas
formas de atividade, em nosso tipo de sociedade, o motor principal para o
desenvolvimento e o crescimento econômico. O capital “em geral” – o qual eu uso
como um termo útil para a classe capitalista como um todo – olha para o ambiente
construído por duas razões. Primeiro, o ambiente construído funciona como um
conjunto de valores de uso para reforçar a produção e acumulação de capital. As
infraestruturas físicas formam um tipo de capital fixo – muitas das quais são
coletivamente fornecidas e utilizadas – o qual pode ser usado como um meio de
produção, de troca ou de circulação. Segundo, a produção do ambiente construído
forma um mercado substancial de mercadorias (tais como uma estrutura metálica) e
serviços (tais como serviços legais e administrativos) e, portanto, constribui para a
demanda total efetiva dos produtos que os capitalistas produzem eles mesmos. Nesta
ocasião, o ambiente construído pode se tornar uma espécie de “lixeira” para o capital-
dinheiro excedente ou a capacidade produtiva ociosa (às vezes pelo design, como
nos programas de obras públicas dos anos 1930), com o resultado de que existem
periódicos crises de superprodução e subsequente desvalorização dos ativos
incorporados no próprio ambiente construído. O padrão “wavelike” de investimento no
ambiente construído é uma característica muito visível na história econômica das
sociedades capitalistas2.
3 Uma facção particular do capital procura uma taxa de retorno de seu capital através
da construção de novos elementos no ambiente construído. Essa facção – o interesse
da construção – se engaja em um tipo particular de produção de mercadoria sob
condições bastante peculiares. Muito do que acontece na maneira da atividade de
construção [179/180] precisa ser entendido em termos da organização técnica,
econômica e política dos interesses da construção.
4 Podemos definir os donos de terra como aqueles que, em virtude de sua posse da
terra e propriedade, pode extrair uma renda (real ou imputada) pelo uso dos recursos
que controlam. Em sociedades dominadas por resíduos feudais, os interesses do

2Os ciclos econômicos e, em particular aqueles associados ao investimento nos vários componentes
do ambiente construído, são discutidos por B. Thomas (1973); M. Abramovitz (1964); S. Kuznets (1961);
e E. Mandel (1975).
dono da terra podem ser muito distintos dos interesses do capital; mas nos Estados
Unidos, a posse de terra e a propriedade se tornaram uma importante forma de
investimento a partir do século XVIII em diante. Sob essas condições, a “terra e os
interesses da propriedade” são simplesmente reduzidos a uma facção do capital
(usualmente os capitalistas de dinheiro e os rentistas) investido na apropriação da
renda. Isso nos leva a considerar o importante papel das companhias proprietárias,
desenvolvedores, bancos e outros intermediários financeiros (companhias de
seguros, fundos de pensão, associações de poupança e empréstimo etc.) no mercado
de terras e propriedades. E eu devo também adicionar que a “casa própria” não chega
a significar o que diz, por que a maioria dos proprietários de imóveis atualmente
compartilham equidade com uma instituição financeira e não possuem título de
propriedade. Nos Estados Unidos, além disso, temos que pensar no interesse terras
e propriedades principalmente como uma facção do capital investido na apropriação
de rendas.
Eu devo assumir por propósitos de conveniência analítica que uma distinção clara
existe entre essas classes e frações de classes e que cada uma persegue seus
próprios interesses única e exclusivamente. Em uma sociedade capitalista, é claro, a
estrutura toda das relações sociais está fundada na dominação de capitalistas sobre
trabalhadores. Colocar isto desse modo é simplesmente reconhecer que os
capitalistas tomam as decisões de investimento, criam os empregos e as mercadorias,
e funcionam como agentes catalisadores no crescimento capitalista. Nós não
podemos sustentar, por um lado, que a América foi criada pelos esforços de
empreendedores privados e negar, por outro lado, que o capital domina o trabalho. O
trabalhador não é passivo, é claro, mas suas ações são defensivas e, no melhor dos
casos, confinadas a ganhar uma parcela razoável do produto nacional. Mas se o
trabalhador controlasse as decisões de investimento, então não se justificaria por mais
tempo a descrição de nossa sociedade como capitalista. Nosso interesse aqui não é
nem tanto focar nesse primeiro antagonismo, mas examinar a miríade de formas
secundárias de conflitos que podem girar fora dele para tecer uma complexa teia de
argumentos sobre a produção e o uso do ambiente construído. Apropriadores (donos
de terras e proprietários de imóveis) podem estar em conflito com interesses da
construção, capitalistas podem estar insatisfeitos com as atividades de ambas
facções, e o trabalhador pode estar em desacordo com todos os outros. E se o sistema
de transportes ou o sistema de esgoto não funciona, então tanto trabalhador quanto
capital irão, igualmente, externalizar. Deixe-nos considerar dois exemplos que, apesar
de sua natureza hipotética, ilustram as complexas alianças que podem formar e lançar
alguma luz nos tipos de problemas que os planejadores urbanos tipicamente encaram.
Inicio com a proposição de que o preço dos recursos existentes no ambiente
construído – e, portanto, a taxa de apropriação de renda – é [180/181] altamente
sensível aos custos e taxas da nova construção. Suponha que os interesses da
construção estejam mal organizados, em uma recessão ou incapazes de ganhar fácil
acesso à terra barata e que a taxa de novas construções seja baixa e os custos altos.
Sob essas condições, aqueles que procuram a apropriação de renda possuem o poder
de aumentar suas rendas de retorno pelo levantamento de locação de, digamos,
moradia. O trabalhador pode resistir; organizações de inquilinos podem surgir e
procurar controlar a taxa de aluguel de apropriação e para manter o custo de vida
baixo. Se obtiverem sucesso, as organizações de inquilinos podem mesmo dirigir a
taxa de retorno sobre os recursos existentes para baixo para o ponto onde os
investimentos são inteiramente retirados (talvez produzindo o abandono). Se o
trabalho carece de organização e poder na comunidade, mas é bem organizado e
poderoso no local de trabalho, um aumento na taxa de apropriação pode resultar na
busca de salários mais altos, os quais, se forem concedidos, podem diminuir a taxa
de lucro e acumulação. Uma resposta racional da classe capitalista sob essas
condições é procurar uma aliança com o trabalho para conter apropriações de renda
excessivas, para liberar terra para novas construções, e para fazer com que a moradia
mais barata seja construída para a classe trabalhadora. Podemos ver esse tipo de
coalizão em ação quando grandes interesses corporativos em localizações
suburbanas se juntam com grupos de direitos civis numa tentativa de quebrar o
zoneamento restritivo suburbano que excluem as populações com baixos salários dos
subúrbios. Uma exploração dessa dimensão do conflito pode nos dizer muito sobre a
estrutura dos problrmas urbanos contemporâneos.
O segundo caso que eu devo considerar surge da dinâmica geral da acumulação
capitalista, a qual, de tempos em tempos, gera uma superprodução crônica,
excedentes reais da capacidade podutiva e capital-dinheiro ocioso desesperadamente
precisando de saídas produtivas. Em tal situação, o dinheiro é facilmente passado por
aqui [come by] para produzir investimentos a longo prazo no ambiente construído, e
uma vasta onda de investimentos flui para dentro da produção do ambiente
construído, o qual serve como um desafogo para o capital excedente – tal era o boom
experenciado de 1970 a 1973. Mas em algum ponto, a existência da superprodução
se tornou fácil de ver – seja espacial em Manhattan ou habitacional em Detroit – e o
boom de propriedade entrou em colapso em uma onda de bancarrotas e
“refinanciamentos” (considere, por exemplo, a queda dos bancos secundários
associados ao mercado imobiliário de Londres em 1973 e o péssimo desempenho dos
Investimentos Imobiliários Confiáveis nos Estados Unidos, o qual tinha US $11 bilhões
em ativos, metade dos quais sem ganhar atualmente absolutamente nenhuma taxa
de retorno). O que se tornou evidente neste caso foi que investimentos excessivos
trazem em seu rastro desinvestimentos e desvalorização do capital para, pelo menos,
algum seguimento dos interesses da propriedade territorial. Os interesses da
construção também se defrontam com uma padrões extremamente difíceis de booms
e crises, os quais militam contra a criação de uma organização viável a longo prazo
para a coerente produção do ambiente construído. Se o trabalho afunda parte de sua
equidade dentro do mercado imobiliário, então isto, também, pode encontrar suas
poupanças desvalorizadas por esses processos; e através da comunidade organizada
e da ação política, eles podem procurar proteger a eles mesmos tão bem quanto
possível. Neste [181/182] caso também, podemos discernir uma estrutura para nossos
problemas urbanos que são explicados em termos de requisitos conflitantes das várias
classes e facções como elas encaram os problemas criados pelo uso do ambiente
construído como um desafogo para o excedente de capital em um período de
superacumulação.
Essas dimensões do conflito são atravessadas, contudo, por um conjunto
completamente diferente de considerações, os quais surgem do fato de que o
ambiente construído é composto por ativos que são tipicamente tanto de longa
duração quanto fixos no espaço. Isso significa que estamos lidando com mercadorias
que devem ser produzidas e usadas sob condições de “monopólio natural” no espaço.
Acontece também que, desde que o ambiente construído deve ser concebido como
uma mercadoria composta complexa, os elementos individuais possuem o poder de
efeitos de “externalidades” sobre outros elementos. Encontramos, assim, que a
competição pelo uso de recursos é a concorrência monopolística do espaço – que
capitalistas podem competir com capitalistas por recursos vantajosamente
posicionados, que operários podem competir com operários por chances de
sobrevivência, acesso e similares, e que a terra e os proprietários imobiliários
procuram influenciar a posição de novos elemetos no ambiente construído
(particularmente meios de transporte) bem como para ganhar benefícios indiretos. A
estrutura básica de conflitos de classes e de facções é, portanto, modificada, e em
algumas instâncias totalmente transformada, dentro de uma estrutura de conflito
geográfico que opõe os trabalhadores dos subúrbios contra os trabalhadores da
cidade, os capitalistas no nordeste industrial contra os capitalistas do Cinturão do Sol,
e assim por diante.
Os distintos papéis e tarefas que o planejador precisam ser entendidos no contexto
das fortes correntes tanto do conflito interclasses e facções, por um lado, quanto da
competição geográfica que os monopólios naturais no espaço inevitavelmente geram,
por outro.

A produção, Manutenção e Gestão do Ambiente Construído


O ambiente construído deve incorporar os valores de uso necessários para facilitar a
reprodução social e o crescimento. Sua eficiência overall e racionalidade podem ser
testadas e medidas em termos de quão bem ele funciona em relação a essas tarefas.
O sofisticado modelo dos construtores dentro de um [planning fraternity] tem buscado
traduzir essa concepção dentro de uma procura por algum optimum optimorum
idealizado para uma cidade ou para uma estrutura regional. Essa busca pode ser
divertida e pode gerar insights sobre características típicas da estrutura urbana mas,
como uma empresa se torna utópica, idealizada e infrutífera. Uma análise mais pé no
chão sugere que as indicações da ineficiência do ambiente construído em prover os
valores de uso necessários não são muito difíceis de detectar. A evidência das crises
e das falhas de se reproduzir de forma eficaz ou o crescimento de uma taxa constante
de [182/183] acumulação é uma clara indicação da falta de um equilíbrio que requer
algum tipo de ação corretiva.
Infelizmente, crise é uma palavra muito usada em excesso. Ninguém que queira
qualquer coisa nessa sociedade é forçado a gritar “crise” o mais alto possível a fim de
obter qualquer coisa feita. Para o desprivilegiado e o pobre, a crise é permanente e
endêmica. Devo tomar uma visão mais estreita e definir a crise como uma conjuntura
particular na qual a reprodução da sociedade capitalista está em perigo. Os principais
sinais são as quedas das taxas de lucro; desemprego e inflação crescentes;
capacidade produtiva ociosa e capital-dinheiro ocioso ausente de empregos rentáveis;
e caos financeiro, institucional e político e conflitos civis. E nós podemos identificar
três mananciais pelos quais as crises na sociedade capitalista normalmente fluem.
Primeiro, um desequilibrado resultado da luta entre as classes ou facções de classe
podem permitir que uma classe ou facção adquira excessivo poder e assim,
desestabilizar o sistema (trabalhadores bem organizados podem forçar a taxa salarial
para cima e a taxa de acumulação para baixo; o capital financeiro pode dominar todas
as outras facções do capital e se engajar em farras especulativas descontroladas, e
assim por diante). Segundo, a acumulação empurra o crescimento para além da
capacidade de base de sustentação dos recursos naturais ao mesmo tempo em que
uma inovação tecnológica enfraquece. Terceiro, uma tendência em direção à
superacumulação e superprodução está onipresente nas sociedades capitalistas por
que os empreendedores individuais, perseguindo seu próprio interesse individual,
coletivamente empurram a dinâmica da acumulação agregada para longe de uma
trajetória de crescimento equilibrada.
O papel especial do ambiente construído em tudo isso é complexo em seus detalhes,
mas simples em princípio. A falta de investimento nos elementos no ambiente
construído que contribuem para a acumulação não é diferente, em princípio, que o
fracasso dos empresários em investir e reinvestir em bens de capital fixo. O problema
com o ambiente construído é que muito do que funciona como capital fixo coletivo
(transporte, sistemas de esgoto e eliminação etc.). Algum modo precisa ser
encontrado, portanto, para garantir um fluxo de investimento para dentro do ambiente
construído e para assegurar que as decisões individuais de investimento estejam
coordenadas tanto no tempo quanto no espaço para que as necessidades agregadas
dos produtores capitalistas sejam atendidas. Pela mesma razão, a falta de
investimento nos meios de consumo para o trabalhador pode elevar a taxa de salário,
gerar conflitos civis ou (nos piores casos de eventualidade) diminuir fisicamente a
oferta de trabalho. Em ambos os casos, a falta de investimentos nas quantidades
adequadas, no tempo certo e em certos espaços pode ser o progenitor da crise de
acumulação e crescimento. O sobreinvestimento no ambiente construído é, em
contraste, simplesmente uma desvalorização do capital que ninguém, com certeza,
acolhe. E então nós aterrissamos na concepção geral do potencial para um processo
de investimento equilibrado e harmonioso no ambiente construído. Qualquer partida
por esse caminho implicará ou subinvestimento (e um constrangimento na
acumulação) ou um superinvestimento (e a desvalorização de capital). O problema é
encontrar [183/184] alguma forma de garantir que uma tal potencialidade para o
crescimento equilibrado é realizada sob as condições de um processo de
investimentos capitalistas.
O ambiente construído possui longa duração; fixo no espaço; e uma mercadoria
complexa e composta, os elementos individuais os quais podem ser produzidos,
geridos e [owned] por interesses bastante diversos. Claramente, existe um problema
de coordenação, por que os erros são muito difíceis de recuperar e os produtores
individuais nem sempre pode agir para produzir o próprio mix de elementos no espaço.
O fluxo de tempo de benefícios a serem obtidos também coloca alguns problemas
peculiares. A paisagem física criada em um ponto no tempo pode ser adequada às
necessidades da sociedade neste ponto, mas se torna antagonista depois como as
dinâmicas da acumulação e crescimento social altera os requisitos dos valores de uso
tanto do capital quanto do trabalho. As tensões podem, então, aumentar por conta dos
duradouros valores de uso incorporados no ambiente construído não podem ser
facilmente alterados em uma grande escala – testemunham os problemas endêmicos
para muitos das mais velhas cidades industriais e comerciais no nordeste industrial
dos Estados Unidos no presente momento.
Os investimentos no ambiente construído podem ser coordenados com os requisitos
sociais em geral de uma maneira, ou em uma mistura de três:
1 As atribuições podem chegar através de mecanismos de mercado. Os elementos
que podem ser apropriadas privadamente sob as relações legais de propriedade –
casas, fábricas, escritórios, lojas, warehouses etc. – podem ser alugados e
comercializados. Isso configura sinais de preços que, sob licitação pura, alocariam
terra e planta para os usos que pagassem melhor. Os sinais de preço também tornam
possível calcular uma taxa de retorno em novos investimentos, os quais geralmente
geram um fluxo de novos investimentos para onde quer que a taxa de retorno está
acima do que é para ser tido, dando riscos similares, em outros setores do mercado
de capitais. Mas os inumeráveis efeitos de externalidade e a importância dos “bens
públicos” itens que não podem ser apropriados privadamente – ruas, calçadas, e
assim por diante – gerando frequentes falhas de mercado e imperfeições de modo em
que nenhum país o investimento no ambiente construído é deixado inteiramente aos
competitivos mecanismos de mercado.
2 As atribuições podem chegar sob os auspícios de algum interesse de controle
hegemônico – uma terra ou fomentador de monopólio, controle de interesses
financeiros e similares3. Isto não é um movimento irracional, por que um
empreendimento de larga escala coordena investimentos de tipos muito diferentes
podem “internalizar as externalidades” e, assim, tomam decisões mais racionais do
ponto de vista do investidor – a concessão de terras para ferrovias provêem um
exemplo histórico de tal controle monopolístico, enquanto Rouse’s Columbia fornece

3Alguma ideia da extent do controle hegemônico exercido pelo capital sobre a terra e o mercado de
propriedade pode ser ganho de L. Downie (1974); G. Barker, J. Penney e W. Seccombe (1973); e P.
Ambrose e R. Colenutt (1975).
um exemplo contemporâneo. O problema com o monopólio e o controle hegemônico
é que o sistema de preços torna-se artificial (e isto pode levar a desapropriações),
enquanto não exista nada que assegure que o poder do monopólio não seja abusivo.
3 As intervenções do Estado são uma característica onipresente na produção,
manutenção e gestão do ambiente construído4. O sistema de transporte – primeiro
exemplo de um “monopólio natural” no espaço – tem posto sempre o problema do
ganho privado versus o benefício público social, propriedade privada versus [184/185]
as necessidades sociais agregadas. O abuso do poder de monopólio (que é muito
fácil de acumular em termos espaciais) trouxe a regulação estatal como resposta. Os
penetrantes efeitos de externalidade têm em todos os países deixado a regulação
estatal da ordem espacial para reduzir os riscos que se prendem às decisões de
investimentos de longo prazo. E os elementos de “bens públicos” no ambiente
construído – as ruas, calçadas, sistemas de drenagem e esgoto e tudo isso – os quais
não podem, a rigor, ser apropriados privadamente têm sempre sido criados por
investimentos diretos por parte dos órgãos do Estado. O tema das “melhorias
públicas” tem sido citado largamente na história de todas as cidades americanas.
O mix exato de mercado privado, controle monopolista e intervenção e provisão
estatal tem variado no tempo bem como de lugar para lugar. Tal mistura é escolhida
ou, mais provavelmente, chegou por um complexo processo histórico não é tão
importante assim. O que é importante é que isso parece garantir a criação de um
ambiente construído que serve ao propósito da reprodução social e que isso deve
fazê-lo de tal maneira que as crises sejam evitadas na medida do possível.

O Planejamento Urbano como uma parte dos Instrumentos do Estado


A própria concepção do papel do Estado na sociedade capitalista é controverso 5. Eu
devo simplesmente tomar a visão de que as instituições estatais e os processos pelos
quais os poderes do Estado são exercidos devem ser assim formados que os dois
contribuem, na medida em que conseguem, para a reprodução e o crescimento do
sistema social. Sob essa concepção, nós podemos auferir certas funções básicas do
Estado capitalista. Deveria:
1 Ajudar a estabilizar um sistema econômico e social de outra forma um tanto errático
por agir como um “gestor de crises”;

4 Os urbanistas franceses têm trabalhado neste aspecto mais cuidadosamente em M. Castells e F.


Godard (1973) e C. G. Pickvance (1976). Ver também os vários ensaios em Antipode 7, nº 4 – uma
questão especial intitulada “A Economia Política do Urbanismo” – e D. Harvey (1975).
5 Ver, por exemplo, E. Altvater (1973); R. Miliband (1968); N. Poulantzas (1973); e J. O’Connor (1973).
2 Esforçar-se por criar as condições para o “crescimento equilibrado” e um suave
processo de acumulação;
3 Conter os conflitos civis e lutas fracionais pela repressão (poder de polícia),
cooptação (comprar política ou economicamente), ou integração (tentando
harmonizar as demandas de classes ou frações antagônicas).
O Estado pode, efetivamente, realizar todas essas funções apenas se conseguir
internalizar dentro de seus processos os interesses conflitantes das classes, frações,
grupos geograficamente diversos etc. um Estado que é inteiramente controlado por
uma e apenas uma fração, que pode operar apenas repressivamente e nunca através
da integração ou cooptação, provavelmente será instável e provavelmente irá
sobreviver apenas sob certas condições que são, em qualquer caso [185/186],
cronicamente instáveis. O Estado socialmente democrático é aquele que pode
internalizar diversos interesses conflitantes e que, através de freios e contrapesos que
ele contem, consegue prevenir qualquer fração ou classe de assumir o controle direto
de todos os instrumentos de governo e os colocando para o seu próprio uso direto.
Ainda que o Estado social-democrata ainda é um Estado capitalista no sentido de que
é uma ordem social capitalista que está ajudando a reproduzir. Se os instrumentos do
poder do Estado estão voltados contra a ordem social existente, então nós vemos a
crise do Estado, cujo resultado irá determinar se a ordem social muda ou se a
organização do Estado retorna ao seu papel básico de servir à reprodução social.
O planejador urbano ocupa apenas um nicho dentro do complexo total de
instrumentos do poder do Estado. A internalização de interesses conflitantes e
necessidades dentro do Estado normalmente põe um ramo da burocracia em
desacordo com o outro, um nível ou ramo do governo contra outro, e mesmo diferentes
departamentos em disputa contra outro dentro da mesma burocracia. No que se
segue, contudo, eu devo deixar de lado essas diversas correntes cruzadas de conflito
e procurar abstrair algum senso de limitações reais colocada sobre o planejador
urbano em virtude do papel dele ou dela e, desse modo, adequada para identificar
mais claramente a natureza de seu próprio papel. Para acelerar o argumento ao longo,
devo simplesmente sugerir que a tarefa do planejador é contribuir para o processo da
reprodução social e que, ao fazê-lo, o planejador está equipado com poderes vis-à-
vis a produção, manutenção e gestão do ambiente construído que permite a ele ou
ela intervir a fim de estabilizar, criar as condições para o “crescimento equilibrado”,
para conter os conflitos civis e lutas de frações pela repressão, cooptação ou
integração. E para preencher esses objetivos com sucesso, o processo de
planejamento como um todo (no qual o planejador preenche apenas uma parte dessas
tarefas) precisa ser relativamente aberto. Essa concepção pode parecer
indevidamente simplista, mas uma análise mais pé no chão de que os planejadores
realmente fazem, em oposição ao que eles ou os mandarins da irmandade do
planejamento pensam que eles fazem, sugere que esta concepção não está longe da
marca. E a história daqueles que procuram se afastar radicalmente desse caminho
bastante circunscrito sugere que eles irão encontrar quer seja a frustração ou irão
desistir do papel do planejador inteiramente6.

O Conhecimento do Planejador e as Visões de Mundo Implicadas


A fim de realizar as tarefas necessárias efetivamente, o planejador precisa adquirir um
entendimento de como o ambiente construído funciona em relação à reprodução
social e como as várias facetas da produção competitiva, monopolista e estatal do
ambiente construído se relaciona com as outras no contexto do frequente conflito de
classes e requisitos das frações. [186/187] Os planejadores, assim, são ensinados a
apreciar como tudo se relaciona com tudo o mais em um sistema urbano, para pensar
em termos de custo e benefício (embora eles possam não necessariamente recorrer
às técnicas de análises de custo-benefício), e ter alguma compreensão solidária dos
problemas que encaram os produtores privados do ambiente construído, os interesses
dos donos de terra, do pobre urbano, a gestão de instituições financeiras, os
interesses dos negócios no centro e tudo o mais. A acumulação do conhecimento do
planejamento surge através de entendimentos incrementais do que seria a “melhor”
configuração de investimento (tanto espacial quanto em termos de equilíbrio
quantitativo) para facilitar a reprodução social. Mas na mais importante mudança de
entendimento vem no curso dessas crises nas quais alguma coisa obviamente precisa
ser feita por que a reprodução social está em perigo.
O planejador requer alguma coisa a mais, bem como o entendimento básico de como
o sistema funciona de um ponto de vista puramente técnico. Ao recorrer a ferramentas
de repressão, cooptação e integração, o planejador requer justificação e legitimação,
um conjunto de argumentos poderosos com os quais confronta interesses de frações
antagônicos e antagonismos de classes. Na tentativa de afetar a reconciliação, o
planejador deve necessariamente recorrer à ideia da potencialidade de um equilíbrio
harmônico na sociedade. E é nessa noção fundamental de harmonia social que a

6Um bom exemplo de como os planejadores devem descer por tal caminho é descrito por R. Goodman
(1971).
ideologia do planejamento é construída. O planejador procura intervir para restaurar o
“equilíbrio”, mas o “equilíbrio” implícito é o que é necessário para reduzir conflitos civis
e para manter as condições requeridas para a constante acumulação de capital. De
tempos em tempos, é claro, os planejadores devem ser capturados (por corrupção,
clientelismo político ou mesmo argumentos radicais) por uma classe/fração ou outra
e, assim, perder a capacidade de agir como estabilizadores e harmonizadores – mas
essas condições, embora endêmicas, são inerentemente instáveis, e um inevitável
movimento de reforma irá, muito provavelmente, varrê-las quando não for mais
consistente com os requisitos da ordem social. O papel do planejador, então,
frequentemente deriva sua justificação e legitimidade pela intervenção para restaurar
aquele equilíbrio que perpetuou a ordem social. E o planejador moldou uma ideologia
apropriada para esse papel.
Isso não necessariamente significa que o planejador é um mero defensor do status
quo. As dinâmicas da acumulação e do crescimento social são tais que criam tensões
endêmicas entre o ambiente construído como é e como deveria ser, enquanto os
males que resultam do abuso do monopólio espacial podem rapidamente se tornar
muito difundidos e perigosos para a reprodução social. Parte da tarefa dos
planejadores é identificar perigos tanto do presente quanto do futuro e afastar uma
incipiente crise do ambiente construído. De fato, toda a tradição do planejamento é
progressiva no sentido de que os planejadores se comprometem com a ideologia da
harmonia social – a menos que tenha sido pervertido ou corrompido de algum modo
– sempre coloca o planejador no papel do “justiceiro”, “corregedor de desequilíbrios”
e “defensor dos [187/188] interesses públicos”. Os limites dessa postura progressista
são claramente definidos, contudo, pelo fato de que as definições de interesse público,
ou desequilíbrio e de injustiça são definidos de acordo com os requisitos de
reprodução da ordem social, a qual é, quer nós gostemos do termo ou não, uma ordem
social distintamente capitalista.
O conhecimento de mundo dos planejadores não pode ser separado de seu
compromisso necessariamente ideológico. Ordenações do ambiente construído
existentes e planejadas são avaliadas em relação a alguma noção de um
ordenamento sócio-espacial “racional”. Mas esta é a definição capitalista de
racionalidade à qual apelamos (Godelier, 1972). O princípio de racionalidade é um
ideal – o núcleo central de uma ideologia difusa – o qual ele mesmo depende da noção
de processos harmoniosos de reprodução social sob o capitalismo. Os limites do
entendimento de mundo dos planejadores são definidos por esse compromisso
ideológico subjacente. Na direção oposta, o conhecimento do planejador é usado
ideologicamente, tanto como legitimação quanto como justificação de certas formas
de ação. A força e os argumentos políticos podem, sob a influência do planejador, ser
reduzidos a argumentos técnicos pelos quais uma solução “racional” pode facilmente
ser encontrada. Aqueles que não aceitam isso como solução estão, então, abertos ao
ataque como “não razoáveis” e “irracionais”. Desta maneira, tanto a compreensão real
do mundo quanto a ideologia se fundem dentro de uma visão de mundo prevalecente.
Eu não quero dizer que todos os planejadores se submetem à mesma visão de mundo
– eles manifestamente não o fazem, e seria disfuncional se o fizessem. Alguns
planejadores são muito tecnocratas e procuram traduzir todas as questões políticas
em problemas técnicos, enquanto outros planejadores assumem uma postura muito
mais política. Mas, qualquer que seja sua posição, a fusão de entendimentos técnicos
com a ideologia necessária produz uma mistura complexa dentro da fraternidade do
planejamento da capacidade de entender e intervir de uma maneira realística e
vantajosa para reprimir, cooptar e integrar de uma forma que parece justificável e
legítima.

Conflitos Civis, Crises de Acumulação e Mudanças na Visão de Mundo dos


Planejadores
A visão de mundo dos planejadores, definida como o conhecimento necessário para
uma intervenção apropriada e uma necessária ideologia para justificar e legitimar a
ação, tem alterado com a mudança das circunstâncias. Mas o conhecimento e a
ideologia não mudam da noite para o dia. Os conceitos, categorias, relações e
imagens através dos quais nós interpretamos o mundo são, por assim dizer, o capital
fixo de nosso mundo intelectual e não são mais facilmente transformados do que as
infraestruturas físicas da própria cidade. Isso normalmente leva a crises, uma onda de
ideias derramada sob a pressão de eventos, radicalmente para mudar a visão de
mundo dos planejadores, e mesmo as mudanças radicais chegam devagar. E
enquanto os fundamentos da ideologia [188/189] – a noção de harmonia social –
podem permanecer intactas, os significados a ela ligados podem mudar de acordo
com o que quer que esteja fora de equilíbrio. A história das sociedades capitalistas
nessas últimas duas centenas de anos sugere, contudo, que certos problemas são
endêmicos, e simplesmente não vão embora, não importa o quanto tentemos.
Consequentemente, nós encontramos que a mutante visão de mundo do planejador
exibe uma acumulação de entendimentos técnicos combinados com um mero
balançar de um lado para o outro na postura ideológica da qual o planejador parece
aprender pouco ou nada. Deixe-me ilustrar.
O processo de crescimento capitalista tem sido pontuado, a intervalos bastante
regulares, por fases de aguda tensão social e conflitos civis. Essas fases não são
acidentes históricos, mas podem ser rastreadas para as características fundamentais
das sociedades capitalistas e para os processos de crescimento inerentes. Eu não
tenho espaço para elaborar este tema aqui, mas é importante notar que a organização
do trabalho sob o capitalismo está baseada na separação entre “trabalhar” e “viver”,
no controle do trabalho pelo capitalista e trabalho alienado para o empregado, e em
uma relação dinâmica entre a taxa de salário e a taxa de lucro, o qual é fundado na
necessidade social de uma mais-valia do trabalho que pode variar quantitativamente
de acordo com o tempo e o lugar. Falando de maneira geral, esta é a concentração
de populações com baixos salários e desempregos em qualquer tempo ou espaço que
prepara o palco para conflitos civis.
A resposta é alguma mistura de repressão, cooptação e integração. O papel do
planejador em tudo isso define políticas que facilitam o controle social e servem para
restabelecer a harmonia social através de cooptação e integração. Considere, por
exemplo, a distribuição espacial da população, particularmente dos desempregados e
os assalariados mais mal remunerados. As revoluções de 1848, a Comuna de Paris
de 1871, a violência urbana que acompanhou as greves ferroviárias de 1877 nos
Estados Unidos, e a comemoração de Chicago do “caso Haymarket” de 1886
demonstram o perigo revolucionário associado com as concentrações do que Charles
Loring Brace (1889) denominou, nos anos 1870, as “classes perigosas” da sociedade.
O problema pode ser lidado a partir de uma política de dispersão, o que significa que
maneiras precisam ser encontradas para permitir ao pobre e ao desempregado que
escapem desse crônico aprisionamento no espaço. A classe trabalhadora urbana
precisa ser dispersada e sujeitada ao que reformadores de ambos os lados do
Atlântico chamaram de “a influência moral” dos subúrbios (Tarr, 1973). A
suburbanização facilitada pela comunicação barata foi vista como parte da solução.
Os planejadores urbanos e reformadores da época pressionaram forte por políticas
de dispersão via instalações de transporte de massa como os que eles proveram sob
a Lei dos Trens Baratos [the Cheap Trains Act] de 1882, na Grã-Bretanha, e os bondes
[streetcars] nos Estados Unidos, enquanto a busca por moradia barata e meios de
promover a estabilidade social através das classes trabalhadoras possuidoras de casa
própria começou a sério. Muito da mesma maneira, os planejadores dos anos 1960
responderam aos motins urbanos procurando meios de dispersar o gueto [189/190]
pela melhoria nas relações de transporte, promovendo casa própria e abrindo
oportunidades de moradia nos subúrbios (embora desta vez, a retórica Vitoriana de
“influência moral” tenha sido substituída pelo mais “racional” apelo à “estabilidade
social”). No processo, as classes trabalhadoras indubitavelmente ganharam em
padrões de vida reais enquanto as ações dos planejadores como advogado do pobre
e do desprivilegiado levanta o grito da justiça social e da equidade, manifesta
indignação moral sobre as condições de vida do pobre urbano e encontra maneiras
de restaurar a harmonia social.
A alternativa à dispersão é o que nós agora chamamos de “decoração do gueto”, e
isto, também, é uma tática experimentada na luta por controlar conflitos civis em áreas
urbanas. No início de 1812, o Reverendo Thomas Chalmers levantou o espectro de
uma maré de violência revolucionária varrendo a Grã-Bretanha enquanto as
populações de classes trabalhadoras firmemente concentradas em grandes áreas
urbanas. Chalmers viu “o princípio da comunidade” como o principal baluarte de
defesa contra essa onda revolucionária – um princípio que procurou estabelecer a
harmonia entre as classes ao redor de instituições comunitárias básicas. O princípio
também implicava um compromisso à melhoria da comunidade, a tentativa de inculcar
algum senso de orgulho cívico ou comunitário capaz de transgredir as fronteiras de
classe. A igreja foi, então, a instituição mais importante, mas nós agora cremos que
outros instrumentos também – inclusão política, participação cidadã e compromisso
comunitário com a educação, recreação e outros serviços foram, da mesma forma,
senso de orgulho na vizinhança que, inevitavelmente, significavam uma “melhor”
qualidade do ambiente construído. Desde Chalmers, passando por Octavia Hill e Jane
Addams, até o Modelo de Cidades e participação civil, nós temos um fio contínuo de
um argumento que sugere que a estabilidade social pode ser restaurada em períodos
de inquietação social por uma persuasão ativa do “princípio de comunidade” e tudo o
que isso significa no caminho da melhoria da comunidade e melhoria social – e, de
novo, o planejador normalmente age como advogado, como catalisador na promoção
do espírito das melhorias comunitárias.
Uma dimensão dessa ideia de “melhoria” é a da qualidade ambiental. Olmsted foi,
talvez, o primeiro a reconhecer totalmente que a eficiência do trabalho podia ser
melhorada pela promoção de um senso compensatório de harmonia com a natureza
no lugar de morar, embora seja importante reconhecer que Olmsted foi criado em uma
tradição muito mais antiga7. Em questão aqui está a relação da natureza em seu
sentido mais fundamental. O capitalismo industrial, armado com o sistema fabril,
organizado num processo de trabalho que transformou a relação entre trabalho e
natureza numa caricatura de seu próprio artesão mais velho. Reduzido a uma coisa,
uma mercadoria, um mero “fator” da produção, o trabalhador se tornou alienado do
produto de seu trabalho, do processo de produção e, ultimamente, de sua própria
natureza pura, particularmente nas cidades industriais, onde, como Dickens (1961)
coloca, “A natureza foi fortemente emparedada para fora, enquanto que o ar mortífero
e os gases foram emparedados dentro”. A romântica recriação contra a nova ordem
industrial ultimamente levou na [190/191] prática ou no desenho urbano e
planejamento à tentativa de combater na esfera do consumo pelo que tem sido perdido
na esfera da produção. A tentativa de “trazer a natureza de volta aos ambientes de
viver” dentro da cidade tem sido um tema consistente no planejamento desde o tempo
de Olmsted. No entanto, numa análise final, uma tentativa baseada no que Raymond
Williams (1973) chamou de “uma efetiva e impositiva mistificação”, pois há alguma
coisa em relação à natureza no processo de trabalho que nunca pode ser compensada
para a esfera de consumo. O planejador, armado com os conceitos de equilíbrio
ecológico e noções de harmonia com a natureza, age mais uma vez como advogado
e traz ganhos reais. Mas as reais soluções para esses problemas estão em outro
lugar, no próprio processo de trabalho.
Os conflitos civis e o descontentamento social fornecem apenas um conjunto de
problemas que os planejadores precisam abordar. A dinâmica da acumulação, com
suas periódicas crises de superacumulação, colocam um conjunto inteiramente
diferente. As crises não são acidentais. Elas são para ser vistas, sim, como principais
períodos de “racionalização”, de “shake-outs and shake-downs” que restauram o
equilíbrio a um sistema econômico que temporariamente vai mal. O fato de que as
crises executam esta função racionalizadora não é confortável para aqueles
capturados em seu meio. E, em certas conjunturas, os planejadores devem muito
simplesmente administrar os cortes do orçamento e planejar o encolhimento de
acordo com os requisitos estritos de uma lógica fiscal externamente imposta, do tipo
da que foi recentemente aplicada em Nova York, ou procurar encabeçar um
movimento por uma racionalização forçada do sistema urbano. A perseguição do City
Beautiful foi substituída pela procura da cidade eficiente; o grito de justiça social foi

7 Ver, por exemplo, T. Bender (1975) e R. A. Walker (1976).


substituído pelo slogan de “eficiência no governo”; e aqueles planejadores armados
com cálculos implacáveis de custo-benefício, um racional e tecnocrata compromisso
com a eficiência pelo amor da eficiência, surgiu em si próprio.
“Racionalização” significa, é claro, fazer o que deve ser feito para restabelecer as
condições para uma positiva taxa de acumulação. Quando o crescimento econômico
vai negativo – como ele foi, por exemplo, em 1893, no início dos anos 1930, ou em
1970 e 1974, quando a reprodução da ordem social foi posta em dúvida. A tarefa em
tais conjunturas é encontrar o que está errado e endireitar. A infraestrutura física da
cidade pode estar congestionada, ineficiente e muito cara para fins de produção e
troca. Tais barreiras (as quais estão, obviamente, em toda a Era Progressista, por
exemplo), precisam ser removidas, e se o planejador não ajuda de bom grado, então
a concorrência crescente entre as jurisdições do “desenvolvimento” em tempos de
declínio geral irão forçar o planejador a agir, se ele ou ela valorizam a base tributária
(esse tipo de pressão competitiva com frequência leva as comunidades a subsidiarem
os lucros). Se o problema está na esfera de consumo – subconsumo ou movimentos
erráticos nos comportamentos pessoais agregados – então o Estado pode procurar
gerenciar o consumo ou por dispositivos fiscais ou através da coletivização. A gestão
do consumo coletivo por meio do ambiente construído em certos pontos se torna uma
parte crucial da tarefa dos planejadores8. Se o [191/192] problema está na falta ou
excesso de investimento no ambiente construído, então o planejador deve,
forçosamente, trabalhar [set to work] para estimular o investimento ou para gerenciar
e racionalizar a desvalorização com técnicas de “encolhimento planejado”, renovação
urbana e mesmo a produção de “obsolescência planejada” (o que equivale a nada
mais do que a afetação de certas áreas para desvalorização).
Eu listei essas várias possibilidades por que não é sempre auto-evidente o que muito
tem sido feito no calor de uma crise de acumulação. Em tais conjunturas, nosso
conhecimento do sistema e de como ele funciona é crucial para a ação, a menos que
estejamos para ser levados perigosamente perto do precipício da depressão
cataclísmica. E isso é exatamente em tais pontos que a visão de mundo do planejador,
restringida como ela é por um compromisso ideológico, aparece com mais defeito,
enquanto a postura ideológica do planejador pode ser alterada sob a pressão de
eventos de um advogado do pobre urbano para um dedicado à racionalidade dos
negócios e eficiência no governo.

8De novo, os urbanistas franceses têm discutido essa ideia longamente em, por exemplo, E. Preteceille
(1975) e M. Castells (1975).
Mas ideologias, eu tenho argumentado, não mudam assim tão facilmente, nem nosso
conhecimento do mundo. E assim nós encontramos, em cada um dos maiores turning
points da nossa história, uma crise de ideologia9. Os compromissos do passado muito
obviamente são abandonados por que eles impedem nosso poder de entender e mais
certamente perdem seu poder de legitimar e justificar (imagine tentar justificar o que
aconteceu no orçamento da cidade de Nova York em meados dos anos 1970 pela
apelação dos conceitos de justiça social). E como os pilares da visão de mundo dos
planejadores desmoronam lentamente, também a busca por um novo patamar para o
futuro. Em tal momento, se torna necessário planejar a ideologia do planejamento.

Planejando a Ideologia do Planejamento


Em meados dos anos 1970, se tornou claro que as inspirações do planejamento dos
anos 1960 tinham desbotado e que nossa principal tarefa era definir novos horizontes
para o planejamento nos anos 1980 – novas tecnologias, novos instrumentos, novos
objetivos... novo tudo, de fato, exceto uma nova ideologia. Ainda, se minha análise
está correta, a real tarefa era planejar a ideologia do planejamento para ajustar as
novas realidades econômicas, no lugar de resolver a agitação social e os conflitos
civis dos anos 1960.
Desde que muito do que nos inspirou nos anos 1960 ainda estão ativos, é útil
questionar o que, se alguma coisa, deu errado. O problema crucial dos anos 1960
foram os conflitos civis e, em particular, a forma concentrada de sua associação com
os motins urbanos nas áreas centrais das cidades. Esses conflitos tinham que ser
contidos pela repressão, cooptação e integração. Nisto, o planejador, armado com
diversas ideologias e uma variedade de visões de mundo, jogou um papel crucial. Os
dissidentes foram incentivados a irem através de “canais”, a aderir ao “procedimentos
previstos”, e, em algum lugar por esse caminho, o planejador estava à espera com
uma tecnologia aparentemente sofisticada e um [192/193] intrincado entendimento do
mundo, através do qual as questões políticas podiam ser traduzidas em questões
técnicas que a massa da população encontrava dificuldade em entender. Mas o
descontentamento não pode ser facilmente controlado, e, assim, a outra corda para o
arco do planejador foi encontrar maneiras de dispersar o pobre urbano, dividi-los e
controlá-los e melhorar suas condições de vida (Piven e Cloward, 1971; Cloward e

9Existe uma importante conexão entre as crises de ideologia e legitimidade – ver por exemplo J.
Habermas (1975); por uma história da mudança da ideologia no desenvolvimento urbano, ver R. A.
Walker (1976).
Piven, 1974). O gerenciamento desse processo caiu muito dentro do domínio do
planejamento urbano, e isso gera conflitos de posturas ideológicas e visões de mundo
dentro da própria profissão de planejamento. Ao primeiro sinal (e, aliás, no tempo),
parecia que a teoria do planejamento estava fragmentada nos anos 1960 em
diferentes seguimentos da fraternidade do planejamento movida de acordo com sua
posição ou inclinação para um ou outro pólo do espectro ideológico. Com o benefício
da retrospectiva, nós podemos ver que esse processo não foi mais do que a
internalização dentro dos aparatos do planejamento das pressões e posições do
conflito social. E essa internalização, e as oposições que provocou, se comprovaram
funcionais, não importa o que os indivíduos pensaram ou fizeram. Os tecnocratas
ajudaram a definir as outras fronteiras do que podia ser feito ao mesmo tempo em que
eles solicitaram novos instrumentos para acompanhar a dispersão e estabelecer o
controle social. Os advogados do pobre urbano e os instrumentos que eles
idealizaram forneceram os canais para cooptação e integração ao mesmo tempo em
que empurraram o sistema para fornecer o que quer que tivesse que ser fornecido,
tendo o cuidado de parar perto dos limites que os tecnocratas e os “conservadores
fiscais” ajudaram a definir. Aqueles que empurraram a advocacia tão longe foram
forçados a sair ou desistiram do planejamento por completo, e se tornaram ativistas e
organizadores políticos.
Julgados em termos de sua própria retórica ideológica, os perseguidores da justiça
social falharam, muito do que eles fizeram na Era Progressista, para realizar o que se
propuseram a fazer, embora a posição das “classes perigosas” na sociedade
indubitavelmente melhorou um pouco em fins dos anos 1960. Mas julgadas em
relação da redução de conflitos civis, o restabelecimento do controle social, e o
“salvamento” da ordem social capitalista, as técnicas de planejamento e ideologias
dos anos 1960 foram altamente bem sucedidas. Aqueles que nos inspiraram nos anos
1960 podem se congratular pelo bom trabalho que eles fizeram.
Mas as condições mudaram radicalmente em 1969/1970. A estagflação emergiu como
o problema mais sério, e a taxa de crescimento negativo em 1970 indicaram que os
processos fundamentais de acumulação estavam em profundo problema. Uma política
monetária frouxa – a mais potente ferramenta na gestão do “ciclo político de negócios”
– nos diz através das eleições de 1972. Mas o boom foi especulativo e pesadamente
dependente de um sobreinvestimento massivo em terra, propriedade e setores da
construção que o dinheiro fácil tipicamente encoraja. Mas o final dos anos 1973
deixava claro que o ambiente construído não podia mais absorver na maneira de
capital excedente, e o rápido declínio em propriedade e construção, associados a uma
instabilidade financeira, desencadeando uma subsequente depressão. [193/194] O
desemprego dobrou, os salários reais começaram a se mover para baixo sob o
impacto de severas políticas de “disciplinamento do trabalho”, programas sociais
começaram a ser selvagemente cortados, e todos os ganhos feitos depois da década
de luta nos anos 1960 pelo pobre e o desprivilegiado foram praticamente revertidos
dentro do espaço de um ano. A lógica subjacente da acumulação capitalista afirmou-
se na forma de uma crise na qual os salários reais diminuíram a fim de que a inflação
fosse estabilizada e as apropriadas condições de acumulação fossem restabelecidas.
A pressão dessa lógica subjacente foi sentida em todas as esferas. Os orçamentos
locais tiveram que se deslocar do conservatismo fiscal e precisaram alterar as
prioridades dos programas sociais para programas que estimulassem e encorajassem
o desenvolvimento (com frequência por subsídios e taxas de benefícios). Os
planejadores falaram sobriamente sobre as “duras, difíceis decisões” que estava por
vir. Aqueles que solicitaram a justiça social tiveram um fim em si mesmo nos anos
1960 gradualmente mudaram seu chão assim que começaram a argumentar que a
justiça social podia ser melhor conseguida pela garantia da eficiência do governo.
Aqueles que solicitavam o equilíbrio ecológico e a conservação em seu próprio direito
nos anos 1960 começaram a apelar a princípios da gestão racional e eficiente de
nossos recursos. Os tecnocratas começaram a procurar maneiras de definir padrões
mais racionais de investimentos no ambiente construído, a calcular custos e
benefícios mais refinados do que nunca. O evangelho da eficiência veio para reinar.
Tudo isso pressupõe uma capacidade de realizar uma transformação do equilíbrio
ideológico dentro da fraternidade do planejamento – uma transformação que acaba
por ser quase idêntica àquela a qual foi conseguida com sucesso durante a Era
Progressista. Isso pode, é claro, ser feito. Mas é preciso esforços e argumentos
razoavelmente sofisticados para fazê-lo. E a transformação é feita muito mais fácil por
que os fundamentos da ideologia permanecem intactos. Os compromissos com a
ideologia da harmonia dentro da ordem social capitalista continuam o ponto
permanente sobre os quais as oscilações da ideologia do planejamento voltam.
Mas se nós nos afastarmos e refletirmos algum tempo sobre as tortuosas voltas e
voltas em nossa história, uma sombra de dúvida deve cruzar nossas mentes. Talvez
a mais imponente e efetiva mistificação de todas as mentiras na proposição da
harmonia no ponto imóvel do giratório mundo capitalista. Talvez resida o fulcro da
história capitalista não na harmonia, mas numa relação social de dominação do capital
sobre o trabalho. E se nós perseguíssemos essa possibilidade, nós devemos vir a
compreender por que os planejadores parecem condenados a uma vida de perpétua
frustração, por que os ideais altissonantes da teoria do planejamento são
frequentemente traduzidas em sujas práticas rasas [no chão], como as mudanças na
visão de mundo e uma postura ideológica são produtos sociais, ao invés de serem
livremente escolhidas. E nós devemos, mesmo, vir para ver que este é o compromisso
com uma ideologia alheia que encadeia nosso pensamento e entendimento a fim de
legitimar uma prática social que preserve, em um sentido profundo, a dominação do
capital sobre o trabalho. Nós devemos chegar a esta conclusão, então devemos
certamente testemunhar uma reconstrução marcadamente diferente [194/195] da
visão de mundo dos planejadores que estamos acostumados a ver. Nós devemos
mesmo começar a planejar a reconstrução da sociedade, ao invés de uma mera
ideologia do planejamento.

Notas:
1 Essas várias concepções de cidade podem ser encontradas, por exemplo, em L.
Mumford (1961); J. Jacobs (1969); L. Wirth (1964); Comitê de Recursos Nacional (dos
Estados Unidos) (1937); e R. Meier (1962).
2 Os ciclos econômicos e, em particular aqueles associados ao investimento nos
vários componentes do ambiente construído, são discutidos por B. Thomas (1973); M.
Abramovitz (1964); S. Kuznets (1961); e E. Mandel (1975).
3 Alguma ideia da extent do controle hegemônico exercido pelo capital sobre a terra
e o mercado de propriedade pode ser ganho de L. Downie (1974); G. Barker, J.
Penney e W. Seccombe (1973); e P. Ambrose e R. Colenutt (1975).
4 Os urbanistas franceses têm trabalhado neste aspecto mais cuidadosamente em M.
Castells e F. Godard (1973) e C. G. Pickvance (1976). Ver também os vários ensaios
em Antipode 7, nº 4 – uma questão especial intitulada “A Economia Política do
Urbanismo” – e D. Harvey (1975).
5 Ver, por exemplo, E. Altvater (1973); R. Miliband (1968); N. Poulantzas (1973); e J.
O’Connor (1973).
6 Um bom exemplo de como os planejadores devem descer por tal caminho é descrito
por R. Goodman (1971).
7 Ver, por exemplo, T. Bender (1975) e R. A. Walker (1976).
8 De novo, os urbanistas franceses têm discutido essa ideia longamente em, por
exemplo, E. Preteceille (1975) e M. Castells (1975).
9 Existe uma importante conexão entre as crises de ideologia e legitimidade – ver por
exemplo J. Habermas (1975); por uma história da mudança da ideologia no
desenvolvimento urbano, ver R. A. Walker (1976).

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