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O QUE TOCA À/A PSICOLOGIA ESCOLAR

Maria Cristina Machado Kupfer

Como todo jovem que se preza, a Psicologia Escolar não cansa de perguntar por sua própria
identidade. O coro dos estudantes, profissionais e teóricos dessa área/ária vem repetindo de modo exaustivo e
monocórdico uma só frase musical. Cantam em uníssono: "qual é o papel do psicólogo escolar?".
Nos tempos da sua infância, a melodia era outra. Provinha da certeza de seus praticantes de que a
Psicologia Escolar tinha assegurado o seu lugar no mundo da Educação. Jubilosamente, festejavam a
imagem recém-construída, tomada porém de empréstimo às ideologias que nela queriam ver uma prática
ortopédica, corretiva das ações dos professores sobre as crianças. Mais que isso, pediam que confirmasse a
máxima liberal segundo a qual'as diferenças não provêm da desigualdade de oportunidades e sim das
diferenças individuais. Assim, buscando ir ao encontro daquilo que seus criadores dela esperavam, a
Psicologia Escolar elegia o objeto sobre o qual iria concentrar seus esforços: os problemas de aprendizagem
das crianças.
Durante algum tempo, então, foi necessário que a Psicologia Escolar se alienasse nessa imagem que
ela própria não construíra, mas que lhe conferia uma identidade e uma existência.
Para os psicólogos orientados por essa perspectiva, foi conferido um lugar concreto na escola,
dentro do qual podia exercitar suas funções. Não se tratava nem de sala de aula, nem do pátio de recreação,
nem das dependências administrativas. Era apenas uma sala de atendimento, um espaço em que podia
aplicar testes. Um espaço à margem: caso fosse eliminado, em nada mudaria a configuração geral da escola.
Se instalado a uma distância de dois quarteirões, seu trabalho poderia prosseguir sem prejuízos. Sua voz não
fazia coro com as demais vozes da escola.
No entanto, o psicólogo entrou na escola. E lá dentro, não podia deixar de ouvir as vozes da escola.
Tinha agora ao seu alcance novos dispositivos teóricos de leitura da realidade escolar e de seus problemas.
Sabia, por exemplo, do peso dos determinantes sociais sobre os problemas de aprendizagem. Dispunha das
leituras estruturais, segundo as quais há uma relação de determinação recíproca entre os elementos de uma
instituição. Ou seja, não seria jamais possível estudar uma criança sem levar em conta as peculiares relações
com seus professores e pais, por exemplo.
Diante dessa mudança de visão, o psicólogo passou então a enfrentar dois problemas: o da demanda
e o da técnica. Em primeiro lugar, como participar mais ativamente da vida da escola, se só o que lhe
pediam era que testasse, discriminasse e "expulsasse" as crianças indesejáveis? E, caso uma brecha lhe fosse
aberta, com que instrumentos iria trabalhar, se essas teorias mais recentes ajudavam a entender, mas pouco
diziam sobre como intervir na realidade escolar?' A ética que o orientava era agora a ética da transformação
social, mas não tinha idéia de corno promovê-la com os poucos instrumentos que a Psicologia lhe havia
fornecido. Estamos agora naquele momento em que o pré-adolescente cresceu, mas não interiorizou ainda
seu novo tamanho, e vive esbarrando pelos cantos. Sua voz oscila freqüentemente de um registro grave para
um agudo, o que decididamente não facilita a sua participação no coro da escola! Ou seja, ora aceita seu
antigo lugar de psicometrista, ora deseja participar de uma reunião de professores. De modo canhestro,
opina, aponta erros, critica o modo "pouco afetivo" de alguns professores, "interpreta-os". Quer agora ocupar
o lugar do maestro do coro... A escola se fecha, o trabalho do psicólogo escolar sofre uma retração.
Onde encontrar teorias psicológicas que viessem a orientar uma intervenção nas escolas ao mesmo
tempo que levassem em conta a análise da realidade social? Que Psicologia poderia propor uma intervenção
"não-alienante"?
Na busca das respostas a essas perguntas, o psicólogo acabou por "topar" com a Psicanálise. Não
que ela já não estivesse de alguma forma presente. Estava, sim, exercendo influências, sobretudo na
Psicologia Clínica, e de modo impreciso quando se falava, por exemplo, em projeção, em identidade, em
"desenvolvimento afetivo". Mas agora se tratava de ir beber diretamente da fonte, ir em busca da teoria
psicanalítica da "personalidade".

1 Justiça seja feita ao movimento institucionalista e à proposta dos grupos operativos de Bleger. Tais idéias
não chegaram, no entanto, a se constituir em um prática efetiva junto aos psicólogos escolares em nosso
meio.

De início, as perspectivas pareciam muito promissoras. Tudo levava a crer que a ética da
Psicanálise não casava bem com a idéia de adaptação do indivíduo à realidade social, pois seus
compromissos eram com outras coisas; com o “desejo”, por exemplo, muito embora não se pudesse entender
exatamente do que se tratava quando se falava em desejo. A Psicanálise era vista como uma prática não
ideológica, e o que se pretendia, com a Psicanálise, era transformá-la em um auxiliar na luta pela
transformação social: um homem mais equilibrado teria mais condições de lutar por ela.
No entanto, as principais barreiras contra um casamento da Educação com a Psicanálise foram
levantadas pela própria Psicanálise. No início de sua obra, Freud acreditava que uma educação
psicanaliticamente orientada podia ter um valor profilático, porque evitaria excessos repressivos e
conseqüentemente a instalação das neuroses. No final, porém, essa crença havia sido desmontada: faça o que
fizer um educador, não haverá como evitar a castração, o recalque e a neurose. Além disso, a sexualidade, o
inconsciente e a morte, temas que constituem a seara da Psicanálise, precisam ser cuidadosamente evitados
pelo educador. A Psicanálise e a Educação assentam-se em terrenos opostos, não podem auxiliar-se
mutuamente. Devido à antinomia entre essas duas práticas, não é possível transformar o professor em um
psicanalista, nem criar um método pedagógico inspirado na Psicanálise (Millot, 1987).
Mais cio que isso, o encontro da Psicanálise com a Educação e com o psicólogo interessado em
intervir de modo “não-alienado” na instituição escolar criou ainda um outro impasse: as explicações dadas
pela Psicanálise a respeito das origens dos problemas das pessoas parece não coincidir nem um pouco com as
explicações que colocam um grande peso sobre os determinantes sociais.
Em busca de um esclarecimento a respeito desse aparente choque de opiniões, o psicólogo
encontrou uma explicação que lhe pareceu satisfatória: se a Psicanálise não se importa com os determinantes
sociais, é porque ela está operando com o sujeito do inconsciente, e não com o eu do sujeito.
O eu é constituído por identificações, e se molda a papéis sociais, se encaixa em tipos psicológicos,
varia com as condições históricas. Para a Psicanálise, todo trabalho psicológico, seja ele realizado em uma
psicoterapia individual, seja ele em uma instituição, tem como alvo esse eu, e não o sujeito do inconsciente.
Mas é preciso não esquecer que esse eu não se confunde com o eu do cogito, da consciência. Ele possui
partes inconscientes, e é basicamente uma instância de defesa, o que o toma “cego”.
Longe de haver, nessa formulação, um menosprezo pelo trabalho sobre o eu, o que a Psicanálise faz,
ao afirmar essa distinção, é colocar com rigor um divisor de águas. A doença mental, por exemplo, é do
âmbito do sujeito do inconsciente, e precisa ser tratada como tal; os problemas de aprendizagem são na sua
maioria problemas no funcionamento egóico, e, portanto amplamente determinados pelas relações vividas
pelas crianças no interior da instituição escolar.
A Psicanálise coloca, portanto, limites claros a respeito das possibilidades de uso dessa teoria fora
dos consultórios: não pode auxiliar diretamente um professor, a não ser que esse professor se analise, não
pode criar métodos pedagógicos inspirados por ela, e não tem os mesmos objetivos de qualquer trabalho
institucional.
Levando em conta todas as restrições que a Psicanálise coloca, e admitindo que o trabalho do
psicólogo em uma instituição escolar se dirija principalmente ao eu, poderia a Psicanálise contribuir para a
leitura das instituições, para a definição de objetivos e para a criação de “técnicas” de trabalho psicológico
em uma escola?

O “espaço psi” na escola

Modernamente, existem teorias que podem ajudar a responder afirmativamente a essa questão.
Será preciso ter em mente que a Psicanálise que vai nos ajudar não é a Psicanálise que se preocupa
em descrever fases psicossexuais do desenvolvimento (oral, anal etc.), nem é aquela interessada em apontar
constantemente desígnios e motivações inconscientes para os comportamentos humanos – essas formas de
Psicanálise não são, aliás. Freudianas (Japiassu, 1982). A partir do ensino de Jacques Lacan. Psicanalista
francês, alguns parâmetros passam a dirigir de modo mais preciso o trabalho do analista. O discurso – e não
o comportamento – é o alvo da análise, e urna vez que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, o
analista estará operando com as leis de funcionamento da linguagem, e extraindo delas a eficácia de sua
ação.
Dito de outro modo, para essa Psicanálise a linguagem é condição do inconsciente, assim como é
condição da Ciência, assim como é condição, fundamento, de toda construção cultural. Condição, portanto.
Da construção das instituições humanas, e entre elas, a escola.
Transportando esses princípios para o âmbito de um trabalho institucional interessado em adotá-los,
admitir-se-á então que toda instituição está estruturada como urna linguagem. Se assim é estará sujeita às
leis de funcionamento da linguagem.
Se as instituições seguem essas regras, também podemos ler os discursos que ali se desenrolam da
mesma maneira como se lê o discurso de um sujeito em análise. Embora não estejamos psicanalisando as
pessoas da instituição, estaremos aplicando as regras de funcionamento da linguagem à instituição como um
todo.
Os discursos institucionais tendem a produzir repetições. Mesmice, na tentativa de preservar o igual
e garantir sua permanência. Contra isso, emergem vez por outra falas de sujeitos, que buscam operar
rachaduras no que está cristalizado. É exatamente como “auxiliar de produção” de tais emergências que
um psicólogo pode encontrar seu lugar: eis o que pode propor unia Psicologia na escola que opere com
parâmetros da Psicanálise.
O que poderá acontecer quando uma instituição estiver toda voltada para a repetição, para o igual?
Pois bem, quando houver apenas repetições, quando houver apenas discursos cristalizados, os sujeitos não
mais poderão manifestar-se. Não falarão, não poderão “oxigenar-se”, ou seja, não poderão beneficiar-se dos
efeitos de verdade e de transformação que surgem quando há espaço para emergências ou falas singulares.
Nesses casos, o resultado poderá ser a impossibilidade de criação de novos discursos, mais flexíveis e
acompanhadores das mudanças. O passo seguinte é a fixação das crianças em estereotipias, em modelos que
lhes são pré-fixados; vem a inibição intelectual, o fracasso escolar. Para os demais grupos da instituição
escolar onde não houver circulação discursiva, o resultado será a falta de oxigenação e a conseqüente necrose
do tecido social. A falta de circulação discursiva é o início do fim de uma instituição, já que, não podendo
jamais ficar parada, não lhe sobrará outra alternativa a não ser recuar, e iniciar a sua atrofia.
Independentemente dos alvos a que se propõe essa instituição, eles não serão atingidos.
De modo contrário, quando há circulação de discursos, as pessoas podem se implicar em seu fazer,
podem participar dele ativamente, podem se responsabilizar por aquilo que fazem ou dizem. Mudam
ativamente os discursos, assim como são por eles mudadas, de modo permanente.
Um psicólogo munido dessa leitura poderá então propor-se a criar condições para a produção de tais
mudanças.
Note-se ainda uma outra conseqüência do fato de encarar a instituição como linguagem. As
modificações sofridas por um grupo podem provocar modificações em outros grupos da instituição, sem que
esses outros tenham sido tocados ou mencionados, já que a instituição está sendo encarada como uma rede
de relações interligadas e em constante movimento, na qual a mudança de um elemento provocará
necessariamente uma alteração de posição nos demais. Isso é uma decorrência do fato de ela ser encarada
como uma linguagem. Se há mudanças em um grupo de professores, essas mudanças poderão “transbordar”
para o grupo de crianças, sem que tenham sido dados conselhos, orientações, ou sem que os professores
tenham tido “consciência” da necessidade dessa mudança. Simplesmente o ângulo de visão passa a ser outro,
e o que se vê é outra coisa.
Um psicólogo que faça, por exemplo, um grupo de professores tendo como referência essa “leitura”
institucional, de modo amplo, e do grupo, em seu funcionamento interior, estará operando com princípios da
Psicanálise, sem, contudo estar psicanalisando ninguém.
Assim, acredita-se que um psicólogo possa, atualmente, pedir à Psicanálise que lhe forneça alguns
princípios orientadores da construção de um espaço de trabalho dentro da escola.

Parâmetros do espaço psi

O espaço psi, definido por parâmetros tomados de empréstimo à Psicanálise, pode ser assim
caracterizado:
1. O objetivo do trabalho do psicólogo na escola é o de abrir um espaço para a circulação de
discursos, naquelas instituições em que a ausência dessa circulação estiver comprometendo a realização dos
objetivos institucionais.
2. Um psicólogo estará “autorizado” a intervir em uma instituição quando estiver criada a
transferência, seu principal instrumento de trabalho, da qual extrairá seu poder de ação, e com a qual poderá
criar o espaço psi na escola.
3. Diante da demanda da escola, o psicólogo não a atenderá, nem a recusará, mas a “escutará”
(entendendo-se “escuta” em seu sentido psicanalítico).
4. O trabalho do psicólogo se movimentará na intersecção entre a Psicologia e a Pedagogia.
5. A ética que o orienta pode ser assim enunciada: um coordenador dirige os trabalhos, mas não
dirige as pessoas 2. Cada um deverá responsabilizar-se por aquilo que diz, condição para a eficácia da
direção dos trabalhos. Disso se deduz ainda que o psicólogo não participa da definição ou da transformação
dos objetivos daquela instituição, pois não faz uso político do poder que lhe confere a transferência. Usa-a
apenas para produzir efeitos de verdade nos participantes dos grupos, e para ajudar na reorganização das
condições de “oxigenação” daquele organismo.

Tais princípios requerem uma explicação sobre seus fundamentos na Psicanálise. Seguem-se
algumas delas.

A escuta

A palavra recolocada em circulação é o alvo. Para isso, seria necessário apontar, mostrar,
interpretar os sujeitos nos grupos, mostrando aquilo que só o psicólogo pode escutar? Isto não seria tirar
proveito das leis de funcionamento da linguagem, e sim das leis de funcionamento do poder da sugestão.
Estaríamos tirando proveito do pedido dirigido ao psicólogo para que ele faça pela instituição. Há
transferência de poder da instituição para as mãos do psicólogo, mas ele não deve usá-lo efetivamente, se
quiser ser fiel aos princípios da Psicanálise.
Usando seu conhecimento sobre o funcionamento da linguagem, será necessário supor que só a
palavra proferida pelo sujeito pode ser por ele ouvida. No entanto, ele precisa dirigir sua fala a alguém para
que esta retome e ele a ouça. Não se ouve se não usar esse recurso 3. Portanto, o psicólogo estará em posição
de escuta ativa. Para que esses efeitos se produzam, é preciso, em primeiro lugar, que o psicólogo tenha sido
colocado pelo falante em posição privilegiada. O falante precisa autorizá-lo a ser seu escutante. Essa
autorização é “assegurada” pela transferência de que o psicólogo será alvo. Em seguida, será necessário
proferir um “escuto”, para demonstrar essa sua disposição, para oferecer-se nessa posição específica e não
em qualquer outra. Ao contrário, caso atenda ao pedido proferido na superfície, é possível que se feche a
possibilidade de aquele pedido ter suas “verdadeiras” raízes escutadas.
Em conseqüência, um psicólogo não aceitará a demanda da instituição, e tampouco se recusará a
aceitá-la. Só poderá escutá-la se quiser que os sujeitos nela envolvidos venham a saber efetivamente o que
está em jogo, o que querem, do que precisam, e por que não podem formular tudo isso.

O espaço criado pela transferência

O trabalho do psicólogo cria na escola um espaço que não existe concretamente, que não é nem a
sala de aula, nem a sala da diretora. Nem o pátio de recreio. Trata-se de um espaço montado, de um recorte a
partir de todos os espaços da escola. E um novo espaço que se cria quando se entra na escola.
Como montar esse espaço na escola? E por que ele não pode coincidir com os já existentes?
A partir do momento em que um psicólogo se dispõe a ouvir a demanda de trabalho psicológico
feita por uma escola, já se inicia o desenho desse espaço. A escola autoriza o psicólogo a ocupar um
determinado lugar, e essa autorização indica o estabelecimento de uma transferência.

2. Paráfrase de um dito de Lacan: “o analista dirige o tratamento, mas não dirige o sujeito”.
3. Eis um trecho de O homem do mão seca, de Adélia Prado, que ilustra muito bem o valor da escuta cio
uma análise: “Por que peso de Corcovado e não de Pão de Açúcar? Perguntou-me o doutor, inábil.
Recusando meu primeiro discurso. Tomando meu desenfeite orgulhoso por despojamento. Tinha mau
sorriso. Não confiaria àquele homem afoito a dor da minha alma. (...) O segundo doutor ouviu-me a um
ponto que eu mesma ouvi-me. Eu gostava da minha voz narrando, da tez, do sorriso obsceno, da estatura anã
dos monstrinhos que permitia passear entre a estante è a poltrona de couro da sala, o doutor balançando a
cabeça sem me criticar. Falei de novo ‘peso de Corcovado’, ficou impassível escutando, era bom falar,
chamar á luz do dia a população das trevas, meu desassossego”. São Paulo, Siciliano, 994. pp. 87-88.

Sendo ele o alvo da transferência, é a ele que serão dirigidos os discursos, e essa e a condição para
que ele possa lê-los. Um psicólogo pode saber sobre a relação que um sujeito estabelece com ele porque ele
mesmo é o alvo. Mas não há como saber como é a relação de um professor com seu aluno. Mesmo indo
observá-la em sala de aula, ou ainda que o professor a relate, estaríamos apenas vendo comportamentos, com
um risco enorme de erros de interpretação. Só poderemos intervir sobre as relações transferenciais de que
formos alvo, daí a necessidade de criar instâncias especiais de trabalho, sem a interferência de outras tarefas
ou de outras figuras de autoridade presentes.
Após ser configurada pelo estabelecimento da transferência, prossegue a montagem desse espaço
quando o psicólogo cria enquadres mais ou menos fixos para acionar seu ‘’eu escuto”: monta grupos, marca
reuniões. Ao fazê-lo, põe a palavra em circulação. Falam os professores no grupo, falam as crianças em
outro, falam os pais na reunião. As alternâncias de falas, as relações que o psicólogo estabelece entre elas,
vão “desenhando”, dando contornos a esse espaço. A transferência de que se é suporte e as falas encadeadas
montam o campo psi em que circulará o psicólogo 4.
Entre a Pedagogia e a Psicologia

O espaço psi se define, em termos de “conteúdos”, a partir da intersecção entre o pedagógico e o


psicológico. Ou seja, há aspectos do pedagógico que caem fora do seu âmbito, assim corno há aspectos do
psicológico que também não devem ser abordados. Se uma professora, por exemplo, põe-se a falar da
infância, será preciso pensar a intersecção dessa história com a questão dela enquanto professora ali. O
trabalho dirige a discussão para esse espaço de intersecção, e despreza os aspectos mais propriamente
psicanalíticos do discurso daquela professora. Ao fazer isso, haverá também aspectos do pedagógico que
cairão fora: técnicas de alfabetização etc. Do âmbito institucional, ficarão dentro do espaço psi aqueles
aspectos que dizem respeito, por exemplo, ao especial modo como as crianças e os professores vivem e
filtram para si as relações de poder, e ficarão fora as ações concretas que buscam modificar tais relações.
A justificativa disso advém do âmbito possível de qualquer trabalho com a subjetividade
psicanaliticamente orientado, mas realizado fora do enquadre do consultório: o âmbito será o do eu do
sujeito, e portanto o das identificações, o dos papéis socialmente definidos. Em uma palavra, o do
imaginário. O que está em jogo é o modo como aqueles professores imaginam seu papel, e quais os discursos
em torno desse papel que impedem seu exercício eficaz, muito mais que a verdade última daquele sujeito do
inconsciente que “habita” um professor.
O psicólogo voltou agora, como no início, a não fazer parte do coro da escola. Tampouco é seu
maestro, nem o compositor da melodia que entoam. Resta-lhe então o lugar do ouvinte, lugar difícil de
manter. Mas não é pelo fato de haver um ouvinte que se justifica toda a mobilização de um coro? Não é por
ele que trabalham, que se orientam? Se o psicólogo puder se manter nesse lugar, e se puder reproduzir em
uma escola os efeitos que um.ouvinte causa a um coro, não terá trabalhado para “consertar” uma esco1a,
mas para ser um dos agentes na produção de uma instituição bem “concertada”!

BIBLIOGRAFIA

JAPIASSU. H. Indrodução à Epistemologia da Psicologia. Rio de Janeiro, lmago. 1982.

MILLOT, C. Freud anti-pedagogo. Rio de Janeiro, Zahar, 1987.

SOUZA, H.R. “Institucionalismo: a perdição das instituições”. Temas IMESC, v.1, n o.l, pp.l3-24, 1984.

MACHADO, Adriana Marcondes & PROENÇA, Marilene (orgs). Psicologia Escolar: Em busca de novos
rumos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004

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4. Para entender melhor a transferência, ver Miller, J.A., Percurso de Lacan. Rio de Janeiro, Zahar, 1987.

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