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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS

Organizadores

Laboratório de Algas Marinhas Laboratório de Fitoquímica


Fabio Nauer da Silva Edgar Miguel Peña Hidalgo
Sabrina Gonçalves Raimundo Fernanda Anselmo Moreira
Janayne Gagliano
Laboratório de Ensino de Botânica Wilton Ricardo Sala de Carvalho
Luis Carlos Saito
Laboratório de Fisiologia do
Laboratório de Biologia Celular de Desenvolvimento Vegetal
Plantas Antônio Azeredo Coutinho Neto
Bruno Viana Navarro Dêvisson Luan Oliveira Dias

Professora responsável
Profa. Dra. Cláudia Maria Furlan

Autores

Ana Maria Amorim Juliana Lovo


Annelise Frazão Laura Montserrat
Antônio Azeredo Coutinho Neto Leandro Francisco de Oliveira
Bruno Michael Brabo Luis Carlos Saito
Bruno Viana Navarro Luíza Teixeira-Costa
Carolina Krebs Kleingesinds Luiz Henrique Martins Fonseca
Daniele Rosado Marcelo Tomé Kubo
Dêvisson Luan Oliveira Dias Marco Octávio de O. Pellegrini
Erik Yasuo Kataoka Mario Celso Machado Yeh
Fabiana Marchi dos Santos Matheus Martins Teixeira Cota
Fabio Nauer Naomi Towata
Fernanda Anselmo Moreira Nuno Tavares Martins
Fernanda Mendes de Rezende Paulo Tamaso Mioto
Filipe Christian Pikart Priscila Primo Andrade Silva
Gabriela Carvalho Lourenço da Silva Renata Souza de Oliveira
Geisly França Katon Ricardo Ernesto Bianchetti
Geovani Tolfo Ragagnin Sabrina Gonçalves Raimundo
Gisele Alves Vanessa Urrea-Victoria
Janaína Pires Santos Victoria Carvalho
Jéssica Nayara Carvalho Francisco Wilton Ricardo Sala de Carvalho
Juan Pablo Narváez-Gómez

São Paulo
2016
VI Botânica no Inverno 2016 / Org. Miguel Peña H. [et al.]. – São Paulo: Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, 2016. 223p. : il.

ISBN Versão online: 978-85-85658-61-8


Inclui bibliografia
1. Biodiversidade e evolução. 2. Ensino em Botânica. 3. Recursos econômicos vegetais.
4. Estrutura e desenvolvimento VI Botânica no Inverno 2016.
PREFÁCIO

Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher, o Departamento de Botânica do


Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo atualmente é referência em nível
internacional de pesquisa e ensino. Possui uma equipe formada por 28 docentes (3 aposentados),
os quais estão distribuídos em 8 áreas de conhecimento. Apresenta como infraestrutura 11
laboratórios, um herbário com a coleção de plantas vasculares, algas e madeiras estimado em
300.000 espécimes e um fitotério, com uma coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e
casas de vegetação. Somando-se ao grande número de pós-graduando (dentre esses,
estrangeiros) e a alta atividade científica dessa comunidade, a Pós-Graduação de Botânica
possui conceito CAPES 6, o mais alto entre as botânicas do país.
Realizado desde o ano de 2011, o curso de Botânica no Inverno, é uma iniciativa dos pós-
graduandos que visa divulgar esse trabalho realizado no Departamento de Botânica,
possibilitando o futuro acolhimento de alunos/(potenciais) pesquisadores ao seu corpo discente.
Na VI edição, o Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos de graduação e
recém-formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais das subáreas Anatomia Vegetal,
Educação em Botânica, Ficologia, Fisiologia Vegetal, Fitoquímica, Sistemática e Taxonomia
Vegetal e Biotecnologia Vegetal, além de proporcionar a experiência de vivenciarem as
atividades realizadas em nossos laboratórios, despertando o primeiro interesse dos possíveis
futuros acadêmicos em projetos de pesquisa do Departamento.
Para a realização do VI Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de São
Paulo, à direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de Botânica, à Comissão
Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Botânica, às agências de fomento FAPESP,
CAPES e CNPq, à Monsanto, ao Hospeda-SP, ao Residencial das Bromélias, à Sinth, à Editora
GrupoA, ao Garoa Hostel, ao Guest House Butantã e à RCS Copiadora.

O conteúdo dos capítulos é de responsabilidade dos respectivos autores.

Desejamos a todos um bom curso.


Comissão Organizadora do VI Botânica no Inverno

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ÍNDICE
PREFÁCIO ......................................................................................................................................................... 5

PARTE I: DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO


Capítulo 1: Sistemática vegetal: conceitos, estado atual e perspectivas futuras ................................................... 8
Capítulo 2: Inferindo a história evolutiva de organismos: dos fundamentos básicos da obtenção dos
dados à reconstrução de uma hipótese filogenética .............................................................................................20
Capítulo 3: Introdução às macroalgas marinhas ..................................................................................................41
Capítulo 4: Histórico de vida em algas ...............................................................................................................48
Capítulo 5: Diversidade Intraespecífica: modificações da do talo em algas vermelhas (Rhodophyta) ...............57
Capítulo 6: Aquecimento Global ........................................................................................................................ 63
Capítulo 7: Ecologia de costões rochosos e metodologias de amostragens ........................................................66

PARTE II: ENSINO EM BOTÂNICA


Capítulo 8: Formação de professores de botânica: bases teoricas e dificuldades na formação............................78
Capítulo 9: Por que a botânica é tão chata ...........................................................................................................86

PARTE III: RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS


Capítulo 10: Vias de síntese de metabólitos secundários em plantas ..................................................................93
Capítulo 11: Ensaios in vitro para determinação do potencial medicinal de extratos de plantas.......................105
Capítulo 12: Compostos bioativos em macroalgas ............................................................................................119
Capítulo 13: Algas marinhas como fonte de polissacarídeos: Ficocoloides ......................................................124

PARTE IV: ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO


Capítulo 14: Plantas Parasitas .......................................................................................................................... 131
Capítulo 15: Metabolismo ácido das Crassuláceas ............................................................................................138
Capítulo 16: Nitrogênio: um dos elementos essenciais para as plantas .............................................................144
Capítulo 17: Formação e controle dos estômatos ..............................................................................................153
Capítulo 18: Espécies Reativas de oxigênio ......................................................................................................161
Capítulo 19: Fisiologia de frutos: aspectos bioquímicos e hormonais...............................................................169
Capítulo 20: Embriogênese vegetal: aspectos gerais e aplicações biotecnológicas ...........................................184
Capítulo 21: Sinalização entre planta e bactéria ................................................................................................193
Capítulo 22: Marcadores moleculares na delimitação de espécies: um enfoque nos retrotransponsons ...........200
Capítulo 23: Evolução molecular: a base da biodiversidade .............................................................................205
Capítulo 24: Ilustração botânica ........................................................................................................................212

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PARTE I

DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO

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CAPÍTULO 01

Sistemática vegetal: conceitos, estado atual e


perspectivas futuras
Juliana Lovo
Erik Yasuo Kataoka
Matheus Martins Teixeira Cota
Gisele Alves
Jéssica Nayara Carvalho Francisco
Bruno Michael Brabo
Marco Octávio de O. Pellegrini

Introdução
Considerada a ciência da diversidade dos organismos, a Sistemática abrange a descoberta e a
interpretação da diversidade biológica, assim como a síntese destas infomações sob a forma de sistemas
de classificação preditivos. O propósito fundamental desta ciência é desvendar os ramos da árvore da
vida, documentando e relatando as modificações que ocorreram durante a evolução dos organismos, além
de buscar identificar os processos responsáveis por esta diversidade.
A Sistemática consiste de quatro elementos básicos: Descrição, Identificação, Nomenclatura e
Classificação. A escola mais aceita da sistemática atualmente é baseada no critério de que as
classificações devem refletir a história evolutiva dos organismos, adicionando a reconstrução
filogenética como um de seus elementos.
A descrição é produzida em forma escrita pela listagem detalhada de todos os atributos
estruturais do organismo, sendo, no caso das plantas, iniciada pelos órgãos vegetativos: raiz, caule e
folhas; seguidos pelos reprodutivos: flores, frutos e sementes.
A identificação é o processo de determinação de um nome a um espécime, um indivíduo inteiro
ou suas partes. Este nome está associado a um material testemunho, o tipo nomenclatural, que é
designado quando se elabora a descrição da espécie. O método mais usual para a identificação de um
organismo é a utilização de chaves de identificação, sendo as dicotômicas as mais utilizadas,
possibilitando a identificação do material por meio de características morfológicas objetivas e excludentes
entre si. Abaixo segue um exemplo simples de chave de identificação:

Chave de identificação para alguns super-heróis:


1. Super-herói homem
2. Usa capa vermelha, tem super-poderes, é vulnerável à kryptonita, seu símbolo é um “S” de
coloração vermelha. ..................................................................................................... Super Homem
2*. Usa capa preta, não possui super-poderes, não é vulnerável à kryptonita, seu símbolo é
representado por um morcego de coloração preta .................................................................. Batman
1*. Super-herói mulher
3. Usa uma tiara com estrela, cabelo de coloração preta, luta com um laço da verdade, não pode
voar, por isso usa um jato invisível ....................................................................... Mulher Maravilha
3*. Não usa tiara, possui cabelo branco, luta controlando o clima e pode voar ................ Tempestade

A identificação pode também ser realizada por comparação, através de descrições das espécies
candidatas ou por comparação com espécimes já identificados, vivos ou fixados, depositados em coleções
biológicas. Apesar de ser um método eficiente deve-se levar em consideração a confiabilidade da
identificação dos espécimes da coleção para que não ocorra a duplicação de uma identificação errônea.
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Por isso é importante a utilização de materiais identificados por pessoas (consideradas especialistas) que
tenham um profundo conhecimento do grupo em questão.
A nomenclatura é fundamental para que o nome aplicado ao organismo descrito seja único e
universal. Para isso a nomenclatura vegetal é regida pelo Código Internacional de Nomenclatura para
Algas, Fungos e Plantas, cujas regras visam à indexação de todo o conhecimento disponível acerca do
organismo nomeado. O código pode ser alterado apenas durante o Congresso Internacional de Botânica
que ocorre a cada seis anos. Dessa forma, a nomenclatura é atualmente regida pelo Código de Melbourne
(2011) e no próximo congresso, que ocorrerá em 2017 na cidade de Shenzhen na China, será produzido o
futuro Código de Shenzhen.
A classificação consiste na ordenação das plantas em níveis hierárquicos de acordo com suas
características (atualmente, de acordo com as relações filogenéticas). Assim, um nível hierárquico mais
inclusivo (mais abrangente) incluirá níveis menos inclusivos (menos abrangentes) e suas respectivas
características. As categorias são atualmente estabelecidas de acordo com linhagens monofiléticas sendo
o Reino a mais inclusiva e a de Espécie a menos inclusiva (Figura 1).

Figura 1. Níveis hierárquicos das categorias taxonômicas.

Sistemática e Taxonomia - Um breve histórico


A Sistemática usualmente segue atrelada à Taxonomia, e, algumas vezes, divide opiniões quanto
às suas diferenças conceituais. Para alguns autores, a Taxonomia é caracterizada por ser uma área mais
empírica e descritiva, que nomeia e classifica os organismos de forma subjetiva. Outros ressaltam certas
diferenças entre elas, mas frisam sua complementariedade, como o paleontólogo George Gaylord
Simpson, que define Sistemática como o estudo científico dos tipos de diversidade e organismos, bem
como todas as relações entre eles, e a Taxonomia como o estudo teórico da classificação, incluindo suas
bases, princípios, procedimentos e regras. De modo geral, podemos considerar a Taxonomia como parte
importante da Sistemática, cujas análises subsidiam estudos mais aprofundados na classificação e
compreensão da biodiversidade.
A história da Sistemática Vegetal tem início na Antiguidade (Figura 2), quando Aristóteles (384
a.C. - 322 a.C) tentou fazer o primeiro sistema de classificação dos vegetais, separando as plantas pela
presença ou ausência da estrutura floral. Esse sistema foi utilizado durante a maior parte da idade média e
pode ser considerado o início da classificação dos vegetais. Desde Aristóteles até o presente momento
podemos dividir a História da Sistemática vegetal em 6 fases.
1º Fase. Classificações Antigas: Ainda, concomitante no século III a.C., temos as contribuições
expressivas do filósofo grego Theophrastus (c. 371-286 a.C.), sucessor de Aristóteles, que utilizava um
método de classificação em divisões sem muita complexidade. Theophrastus estabeleceu a primeira
classificação artificial dos vegetais, em árvores, arbustos, sub-arbustos e ervas. Durante essa fase da

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sistemática, outro personagem que se destaca na história é o médico do exército romano Pedanius
Dioscorides, considerado fundador da farmacognosia, por meio da sua obra De materia medica, Ele
apresentou interesse nas propriedades medicinais das plantas e em sua obra ele descreve cerca de 600
plantas.
2° Fase. Herbalista: Durante a idade média foram os médicos que deram uma ampla
contribuição aos estudos dos vegetais, como Andrea Cesalpino (1519-1603). Nesse momento da história,
surgem ilustrações e descrições que facilitam as identificações das plantas, essas informações eram feitas
apontando as propriedades medicinais que elas possuíam.
3º Fase. Sistemas artificiais. Momento em que surgem os primeiros taxonomistas, nesse período
a classificação busca agrupar as plantas por “afinidades naturais”, sem a preocupação de reuni-las por
relação de parentesco. As plantas eram classificadas com base em poucos caracteres, avaliando a ausência
ou presença de determinadas características morfológicas e considerando sua similaridade.
Durante essa fase da história surgem grandes taxonomistas, um dos mais citados desse período
foi de Carl Linnaeus (1707-1778), que escreveu Species Plantarum, baseando sua análise em um sistema
de classificação denominado “sexual”, uma vez que buscava similaridades estruturais reprodutivas. Assim
como o trabalho de todos os naturalistas da época, os sistemas de classificação buscavam refletir a Ordem
Divina da Criação.
4º Fase. Sistemas Naturais: Tempo de oposição às doutrinas religiosas, ocorre no final do século
XVIII. As plantas ainda eram classificadas de forma comparativa, porém os naturalistas levavam em
conta um maior número de informações, essencialmente do conhecimento acumulado sobre morfologia
vegetal.

Figura 2. Linha do tempo ilustrando diferentes fases da sistemática vegetal ao longo da História.

5º Fase. Sistemas Evolutivos (Sistemática Evolutiva): Com o advento do evolucionismo no


século XIX, a publicação de Origem das Espécies de Darwin direciona a sistemática para a compreensão
das relações entre os grupos, modificando o cenário das classificações hierárquicas e passando a buscar as

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relações evolutivas dos organismos. Nessa fase surge a escola Gradista, que apesar de ser baseada em
conceitos evolutivos, não apresenta uma base metodológica com inferência empírica.
A teoria da sistemática passou novamente por modificações a partir de 1950, quando o
entomólogo alemão Willi Hennig (1913-1976) propõe que a classificação dos organismos deveria refletir
seu parentesco filogenético e que somente novidades evolutivas compartilhadas por estes organismos
(sinapomorfias) permitiriam inferir essas relações; é fundada a escola Cladística ou Filogenética, que
buscava traçar a história evolutiva de ancestralidade dos organismos mediante um diagrama hipotético: o
Cladograma. Para essa reconstrução, somente grupos de organismos que compartilham uma série de
características únicas (apomorfias) com o mesmo ancestral (grupos monofiléticos) podem ser utilizados
na classificação.
6º Fase. Sistemas Filogenéticos na atualidade: Os estudos taxonômicos da atualidade utilizam
inúmeras ferramentas, incluindo a incorporação da biologia molecular e métodos que visam compilar os
estudos da filogenia dos diversos grupos. O sistema de classificação atual mais utilizado hoje é o APG III
(Angiosperm Phylogeny Group, 2009), sendo que acaba de ser publicado o APG IV (2016) que o
substituirá. Esse sistema da classificação, proposto por Walter S. Judd e colaboradores na década de 90,
reformulou os sistemas de classificação das angiospermas, considerando apenas grupos que compartilham
o mesmo ancestral. O sistema do APG é amplamente aceito pelos sistemas atuais e isso ocorre
principalmente porque a sistemática filogenética representa um importante avanço conceitual nos
métodos utilizados para classificar os organismos. Fundada em um arcabouço teórico objetivo, que busca
a opção mais válida das evidências disponíveis em uma análise, sujeitando-as a testes e confrontos com
evidências adicionais, a sistemática filogenética possibilita um sistema de referência muito mais estável e
preditivo.

O papel da sistemática filogenética


Criada por Hennig em 1955 a nova escola de sistemática filogenética ou cladística tornou-se o
paradigma contemporâneo no campo da sistemática e taxonomia. Sua importância deve-se principalmente
por proporcionar o entendimento da diversidade à luz da evolução e permitir a reconstrução de cenários
histórico-evolutivos mais amplos e complexos. Trata-se de uma ferramenta que possibilita a interação de
diversas áreas das ciências biológicas, proporcionando estudos mais completos de biologia comparada e
melhor sistematização da diversidade biológica. Por isso, tem servido de base para diversos trabalhos com
seres vivos, principalmente nos últimos 20-30 anos.
Desse modo, a sistemática filogenética não se limita às classificações, mas também oferece um
arcabouço para outros aprofundamentos a respeito dos padrões de relacionamento encontrados e as
possíveis explicações para esses padrões (ou seja, processos evolutivos como seleção natural e migração).
Dado isso, ela permite examinar ou testar hipóteses sobre o modo como os organismos ou caracteres
específicos surgiram ou mudaram ao longo do tempo, além de elucidar novas teorias sobre os
mecanismos da evolução e biogeografia. Por exemplo, a análise filogenética pode ser usada para avaliar
mudanças passadas na distribuição biogeográfica de plantas neotropicais e para testar hipóteses sobre o
soerguimento dos Andes.
O contínuo avanço nos fundamentos teóricos e melhorias computacionais impulsionaram o
campo da sistemática filogenética. Tal progresso possibilita o emprego de metodologias capazes de
formular hipóteses testáveis de parentesco, bem como a concepção de métodos para avaliar a força dessas
hipóteses, o desenvolvimento de novas fontes de informação e a percepção do poder dos padrões
resultantes quando aplicado as perguntas que tratam da evolução dos organismos.
As reconstruções filogenéticas tradicionalmente derivadas de dados morfológicos e anatômicos
são agora integradas com múltiplas fontes de evidências cada vez mais robustas e precisas, tais como a
citologia, ontogenia, embriologia, ecologia, química e, principalmente, genética. Por isso, a “taxonomia
integrativa” tenta fazer uso de muitas fontes diferentes de dados para delimitar as espécies de maneira
mais estável e concisa. O advento de novas técnicas moleculares permitiu obter vasto conjunto de dados
macromoleculares, por exemplo, DNA genômico, de maneira cada vez mais rápida e barata. Deste modo,
11
o aperfeiçoamento e desenvolvimento de técnicas de extração, sequenciamento de genes, alinhamentos de
sequências e programas computacionais rápidos e eficientes são relevantes recursos para sistemática.
Em virtude da disponibilidade de métodos moleculares houve um aumento significativo de
filogenias baseadas em sequências genéticas. Tal fato tem gerado grande dinamismo e instabilidade na
taxonomia e classificação botânica de famílias, ordens e hierarquias superiores (ver APG I, 1998; APG II,
2003; APG III, 2009; APG IV, 2016). Porém, ao mesmo tempo, diversos estudos corroboram as relações
entre alguns táxons anteriormente sugeridos por estudos de morfologia comparativa. Portanto, estamos
progressivamente mais próximos de um sistema de classificação filogenético consistente que seja capaz
de retratar os diversos grupos de plantas.
Embora as unidades operacionais (OTUs) das filogenias sejam representadas por táxons de um
determinado nível taxonômico (ordem, famílias, gêneros, etc.), em última instância é preciso nomear as
entidades biológicas que pertencem a uma categoria. Assim, ao longo do trabalho, é imprescindível que
em algum momento sejam nomeadas as unidades básicas da biodiversidade, ou seja, as espécies. Por
exemplo, uma filogenia onde reconhecemos relações entre táxons A, B, C, e D – tem pouco (ou nenhum)
significado, se não soubermos nada sobre A, B, C e D. É essencial que possamos nomeá-los e caracterizá-
los. Disso resulta que nomearmos e reconhecermos as espécies é essencial para qualquer tipo de trabalho,
incluindo reconstrução de filogenias. Daí surge a importância fundamental das atividades taxonômicas
básicas como trabalhos de campo, estudos florísticos, descrições de espécies e revisões taxonômicas. É
importante salientar que o aprimoramento da sistemática filogenética depende de identificações corretas e
a base científica estabelecida pelos passos iniciais da Sistemática e Taxonomia se mantém como
extremamente importantes para que a classificação dos seres vivos mantenha esta eficiência. Com a
disponibilização de diferentes ferramentas na biologia molecular, os trabalhos de base como floras,
flórulas, estudos morfológicos e estruturais, descrições e monografias têm recebido menos atenção por
grande parte dos sistematas, e filogenias inteiras baseadas em dados moleculares têm ganhado grande
destaque e atraído mais as agências financiadoras de pesquisas (FAPESP, CAPES, CNPq). Análises
completas e que melhor reflitam a realidade devem contar com um número grande de dados variáveis,
que vão desde a identificação e descrições corretas dos organismos à disponibilidade de dados
morfológicos, anatômicos, palinológicos, entre tantos outros. Autores como Quentin D. Wheeler tem
chamado a atenção à importância da renovação da Sistemática Vegetal, apontando que a atualização desta
ciência é extremamente necessária, bem como a utilização de dados de base combinadas aos dados e
análises modernas.
Assim, a nova geração de taxonomistas deve ser composta de cientistas de campo e laboratório
capazes de integrar taxonomia clássica como eixo da sistemática e as diferentes ferramentas disponíveis.
Dado a enorme bagagem necessária para desenvolver estudos desse porte, torna-se cada vez mais
relevante o estabelecimento de parcerias entre pesquisadores de diferentes áreas.

A importância fundamental de trabalhos taxonômicos


Como exposto anteriormente, a busca por classificações mais robustas, requer que estudos
taxonômicos clássicos e obtenção de filogenias sejam esforços cada vez mais interdependentes. Neste
contexto, os trabalhos taxonômicos clássicos ganham importância cada vez maior também em outros
âmbitos do conhecimento sobre a biodiversidade. A identificação de espécies e sua descrição geram
informações iniciais essenciais sobre os organismos, que em interação com outros conhecimentos
(evolutivos, biogeográficos, classificativos), geram informações sobre o status de conservação das
espécies. Todas essas diversas informações permitem, por exemplo, elaborar e implementar planos de
manejo mais adequados a cada ambiente. Assim, apesar da crescente e inegável importância dos métodos
filogenéticos, computacionais e a multidisciplinaridade da sistemática atual, em última instância, é apenas
depois de descrita que uma espécie nova fica disponível ao conhecimento do homem. Sendo assim, essa
primeira etapa é crucial para que todo o restante possa ser desenvolvido.
Novas espécies são ainda descritas regularmente e estudos indicam que o número de publicações
contendo espécies novas aumentou desde meados da década de 1980. Além disso, sabe-se que muitas
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espécies ainda se encontram em herbários e/ou na natureza desconhecidas do homem. Ainda não se sabe
ao certo quantas espécies de plantas existem no planeta (há diversas hipóteses, com números bastante
variáveis), mas estima-se que sejam ainda desconhecidos ca. 10- 20 por cento da flora. Esse cenário,
associado ao contexto atual de grandes/rápidas mudanças globais, ressalta ainda mais a importância de
trabalhos taxonômicos como descrições e inventários florísticos.

Tipos de trabalhos taxonômicos


Existem diferentes tipos de trabalhos taxonômicos. Em muitos casos, publicações como
descrições de espécies podem ser realizadas sozinhas ou estar atreladas a trabalhos taxonômicos maiores,
como inventários florísticos e outros. Dentre esses trabalhos taxonômicos mais abrangentes, ressaltamos:
monografias, floras, guias de campo (field-guides) e listas de espécies (checklists).
As floras são trabalhos que descrevem as espécies de um grupo taxonômico de uma região
específica, com chaves de identificação, ilustrações científicas das espécies e/ou características
diagnósticas (eg. Leguminosae – Flora do Brasil). Nesse tipo de trabalho, as descrições e discussões
costumam ser mais restritas, relativas às populações do local estudado. Já as listas de espécies são
trabalhos mais simples, pois apenas apresentam uma listagem das espécies identificadas sem sua
descrição. Em geral são listas de plantas vasculares, comuns em artigos e em relatórios ambientais.
Atualmente as floras e outros trabalhos taxonômicos são mais relevantes do que o foram no passado. Isso
ocorre principalmente porque a legislação referente à conservação ocorre em escala nacional e as floras
são a base para a compreensão da diversidade de uma dada área.
Monografias são parecidas com as floras, pois também descrevem espécies, mas são feitos de
forma mais completa, incluindo o máximo de informação disponível, como por exemplo, sobre a
biologia, ecologia e distribuição geral do grupo em questão. Além disso, as monografias diferem também
por apresentarem resultados mais abrangentes relacionados à pesquisa do autor, como novidades
taxonômicas (novidades nomenclaturais, espécies novas, etc.). São em geral, trabalhos bastante
volumosos e que demandam bastante tempo e esforço para serem completados.
Uma sinopse é um trabalho taxonômico mais conciso, onde são apresentas de forma resumida
conhecimentos sobre os grupos em questão (morfologia, ecologia, classificação). São trabalhos focados
na identificação de espécies e geralmente incluem uma chave de identificação e ilustrações.
Apesar de cada trabalho taxonômico ter um foco diferente, todos utilizam uma mesma
ferramenta fundamental: o conceito de espécie. Discussões acerca de o que é espécie sempre gerou
grande interesse e muitas discussões, sendo incontáveis as publicações a esse respeito. As diferentes
visões sobre o que é uma espécie sempre lidaram, em algum cien, com as diferenças e semelhanças
entre os organismos dependendo do que é convencional, seja por meio social ou definido por
estudiosos/especialistas de um grupo.
Dentre os inúmeros conceitos de espécie já publicados (Rieseberg & Brouillet 1994, De Queiroz
2007), os três mais comumente empregados em trabalhos taxonômicos são os conceitos biológico,
filogenético e taxonômico. Os dois primeiros conceitos são mais utilizados quando os grupos
taxonômicos estudados possuem vários outros trabalhos que auxiliam na sua melhor classificação. Já o
conceito taxonômico de espécie, que é baseado no menor conjunto de características persistentes que as
tornam distinguíveis entre outras, é geralmente utilizado em grupos com poucos estudos, onde as
descrições são bem sucintas e/ou carecem de alguma informação. Entretanto, apesar dessa importância
inegável, ainda são poucos os trabalhos taxonômicos que explicitam o conceito de espécie adotado e essa
falta pode gerar mais divergências e dificuldade de compreensão do que são táxons, dado o caráter
subjetivo que esse tema possui.
Outro problema frequente em trabalhos de taxonomia é a falta de detalhamento e/ou
padronização nas descrições. Nesse aspecto, os trabalhos atuais têm seguido padrões para descrições de
espécies, seguindo dicionários botânicos e artigos de caracterização estrutural. Alguns dicionários
botânicos exibem terminologias para todas as estruturas tanto vegetativas quanto florais utilizados de
forma ampla nos diferentes grupos vegetais. Mas, há também outros trabalhos similares, porém mais
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específicos, que apresentam certas estruturas e/ou complexibilidades não observadas em obras mais
abrangentes. Atreladas às descrições, as ilustrações das espécies são de grande importância, pois
representam visualmente todos os termos utilizados, evitando dúvidas.
Portanto, trabalhos taxonômicos são tarefas complexas e dependem essencialmente de um
grande esforço de levantamento de dados e envolvem diversas etapas que devem ser executadas sempre
com rigor na padronização, precisão e detalhamento (p.e.: descrições, ilustrações), além da escolha e
explicitação de um conceito de espécie que reflita todo o conhecimento obtido proporcionando uma
melhor compreensão do trabalho.

Taxonomia na atualidade
A taxonomia é uma ciência que remonta à Antiguidade humana, mas foi operacionalizada e
formalizada no século XVIII, com a publicação do Systema Naturae pelo botânico sueco Carolus
Linnaeus. Considerado o pai da taxonomia, o sistema proposto por Linnaeus é empregado até os dias de
hoje.
O principal aspecto que caracteriza o trabalho dos taxonomistas é o de lidar com o total ou
parcialmente desconhecido. Além disso, a motivação primária é de que os organismos só existem, sob
uma visão antropocêntrica, se forem devidamente descritos. Assim, a taxonomia é primordial na maioria,
senão todas, as áreas das Ciências Biológicas, pois delimita as unidades básicas de estudo (i.e. espécies)
de qualquer trabalho que envolva seres vivos. Os dados gerados em trabalhos taxonômicos têm diversas
aplicações e alguns exemplos incluem: (i) embasar estratégias conservacionistas, que têm como foco
principal as espécies (p.ex. a lista vermelha de espécies ameaçadas, da IUCN e o Livro Vermelho da
Flora do Brasil); (ii) monitorar espécies invasoras; (iii) gerar informações que permitem o uso humano
direto da biodiversidade, entre outras.
No entanto, ao longo do tempo, principalmente a partir da década de 80, taxonomia foi sendo
pouco a pouco desvalorizada sob a justificativa de que essa se dedica “somente” à descrição de espécies.
Este cenário é decorrente de diversos fatores, sendo os principais: a valorização de pesquisas
experimentais, e consequentemente menos incentivo à ciência descritiva, o argumento de que não há
testes de hipóteses em taxonomia e também ao status associado a novas metodologias, consideradas mais
modernas. A taxonomia é, em sua essência, uma ciência descritiva que busca caracterizar a diversidade
biológica em seus mais diversos níveis de organização, nem por isso pode ser menosprezada diante de
outras áreas do conhecimento humano. Além disso, cada espécie constitui uma hipótese evolutiva
inequívoca, estabelecida pelos taxonomistas a partir da análise criteriosa dos atributos do grupo de estudo.
Desta forma, os argumentos que embasam algumas justificativas de menor valorização da taxonomia não
se sustentam e basicamente demonstram o desconhecimento das bases desta Ciência.
Atualmente, o conhecimento taxonômico constitui umas das metas mais urgentes, pois vivemos
em meio a uma „crise de biodiversidade‟ na qual a velocidade de extinção supera a taxa de descrição de
novas espécies. As consequências deste cenário de pouca valorização dos estudos taxonômicos são
diversas, como a diminuição do número de taxonomistas treinados, seja pelo menor financiamento de
pesquisas bem como pela supressão de posições, em institutos de pesquisa, para estes profissionais.
Apesar disso, com a inclusão da questão da crise de biodiversidade na agenda da Convenção
sobre Diversidade Biológica, realizada no Rio de Janeiro em 1992, foi estabelecido como metas: (i)
completar o inventário sobre a diversidade biológica; (ii) elucidar as relações evolutivas entre as espécies;
e, (iii) disponibilizar informações via Internet. A partir disso, diversas ações têm sido tomadas, dentre as
quais estão a informatização de dados armazenados em coleções ao redor do mundo e, assim, a criação de
iniciativas internacionais para armazenar e compartilhar dados da biodiversidade como, por exemplo, o
GBIF (Global Biodiversity Information Facility) e, no Brasil, o CRIA (Centro de Referência em
Informação Ambiental), e especificamente para espécimes de plantas: o Herbário Virtual Reflora. As
iniciativas de infraestrutura informatizada (do inglês, cyberinfrastructure) são consideradas promissoras e
comumente elencadas como parte das medidas para que o conhecimento taxonômico seja difundido.
Assim, essas medidas permitiriam a difusão do conhecimento taxonômico acumulado, e também
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sensibilização do público e dos tomadores de decisões políticas sobre a importância da biodiversidade e
das ciências que se encarregam de estudá-las
Além disso, cada vez mais é reforçada a necessidade de uma taxonomia integrativa, baseada em
evidências de múltiplas fontes que aumentará a robustez das delimitações de espécies. E é por meio destas
abordagens que se busca pelo chamado renascimento da taxonomia.

O Renascimento da Taxonomia no século XXI


Como dito anteriormente, a taxonomia vem sendo considerada uma ciência datada, ultrapassada,
“retrô” e limitada. Entretanto, a mesma vem sofrendo grandes mudanças e acompanhando os avanços
tecnológicos mais recentes. Como resultado do aumento na taxa da extinção de espécies devido à ação
antrópica, foi criada a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), uma estratégia global visando a
conservação e o conhecimento da biodiversidade mundial. Como parte da criação da CDB, foram
originadas estratégias específicas para grandes grupos biológicos e metas gerais e específicas a serem
cumpridas pelos países membros. A Meta 1 da Estratégia Global para a Conservação de Plantas (GSPC-
CDB) consistia na elaboração de listas de espécies (checklists) confiáveis, preferencialmente on-line, de
todas espécies conhecidas de plantas. O objetivo final desta meta é a elaboração de uma Flora do Mundo,
on-line e multilíngue. No final de 2010, a primeira meta foi cumprida em nível mundial com o
lançamento do “The Plant List”, graças a colaboração entre o Missouri Botanical Garden e o Royal
Botanic Gardens, Kew, U.K. Em setembro de 2013, com a colaboração de outras instituições ao redor do
mundo, foi lançada uma versão atualizada do site, visando sintetizar todo o conhecimento taxonômico
sobre plantas vasculares e briófitas (não abordando algas e fungos). O The Plant List apresenta uma lista
com grande parte dos nomes científicos conhecidos, juntamente com links para os sinônimos para os
quais cada espécie já foi conhecida. Uma outra iniciativa bastante importante foi o eMonocot, lançado
também em 2010. O projeto foi coordenado pelo Royal Botanic Gardens, Kew, e teve como objetivo
inventariar as monocotiledôneas. O eMonocot foi um dos primeiros sites a apresentar chaves interativas
para a identificação de táxons, imagens de campo, dados sobre forma de vida, descrições, status de
conversação, etc. Assim como foi a Lista do Brasil, e continua sendo a Flora do Brasil On-line 2020, o
eMonocot é constantemente atualizado. E ele hoje é uma ferramenta essencial para o trabalho de
especialistas em monocotiledôneas ao redor do mundo.
Em âmbito nacional, o Brasil tem cumprido com louvor as metas propostas pela GSPC-CDB.
Também em 2010, nós lançamos a primeira versão da Lista de Espécies da Flora do Brasil, um projeto
coordenado pelo Intituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), com a coloboração de
mais de 300 taxonomistas brasileiros e estrangeiros. Assim como o The Plant List, a Lista do Brasil se
propunha a proporcionar uma lista de espécies vegetais aceitas e seus referentes sinônimos. Mas diferente
do primeiro, a Lista do Brasil abrangia, além das plantas vasculares e briófitas, algas e fungos e
apresentava a distribuição geográfica desses táxons. A cada ano, uma nova versão da Lista do Brasil era
lançada, somando novidades como: detalhes sobre forma de vida, substrato, fotos de exsicatas e fotos de
campo. Na última versão da Lista do Brasil, lançada em 2015, o sistema contava com a colaboração de
cerca de 500 taxonomistas e apresentava um total de 46078 espécies aceitas para o território brasileiro. De
forma bastante orgânica foi possível acompanhar a evolução de um checklist em uma flórula. No começo
desse ano foi lançado o novo sistema da segunda etapa do projeto, a Flora do Brasil On-line 2020 (FBO
2020). No novo sistema, os taxonomistas são capazes de apresentar descrições, chaves de identificação,
comentários e todos os outros requisitos para uma verdadeira flora. Tudo apresentado de forma trilíngue
(Português, Inglês e Espanhol) e bastante dinâmica. O sistema já se encontra on-line e à medida que as
monografias são concluídas, elas se tornam disponíveis ao público.
Outra ferramenta clássica da taxonomia que se adaptou às últimas tecnologias, foi a chave de
identificação. Como já comentado acima, algumas páginas da internet têm disponibilizado essas
ferramentas para auxiliar na identificação de vários níveis taxonômicos. Existem algumas iniciativas
bastantes importantes na botânica mundial, em relação a chaves virtuais. Uma das primeiras chaves
virtuais foi disponibilizada na página Neotropikey. O site coordenado e compilado pelo Royal Botanic
15
Gardens, Kew, contou com a colaboração de especialistas do mundo todo, especialmente de brasileiros.
O Neotropkey apresenta uma chave interativa para as famílias de Angiospermas da Região Neotropical e
uma página individual para cada uma das famílias. Cada página faz uma breve sinopse sobre o grupo,
listando os gêneros registrados para a Região Neotropical e como diferenciá-los. Outro excelente exemplo
desse tipo é o CATE-Araceae, que primeiramente apresentou uma chave de identificação para todos os
gêneros de Araceae (Monocot; Alistamatales), além de listagem de espécies, seus sinônimos e dados de
distribuição. O site, gerenciado pelo Dr. Thomas Croat, é constantemente atualizado com fotos e todo tipo
de dados sobre espécies da família. E agora com o grande acervo digital, especialmente de fotos, começou
a produzir chaves de identificação ilustradas para todos os gêneros de Araceae. Páginas voltadas para
grupos específicos têm se tornado cada vez mais comuns, com sites para Araceae, Caricaceae,
Lecythidaceae, Malpighiaceae, etc.
Além das páginas voltadas para grupos específicos, checklists, floras e chaves virtuais,
praticamente tudo relacionado a taxonomia pode ser encontrado on-line hoje em dia. Índices e bibliotecas
inteiros estão hoje disponíveis na internet e são constantemente atualizados. Exemplos marcantes de sites
que se tornaram ferramentas diárias do taxonomista moderno são: o Tropicos.org, que apresenta
informações sobre nomes aceitos, sinônimos, imagens, dados de distribuição, tipificação, obras originais,
entre muitas outras; o Index Herbariorum, gerenciado pela Barbara Thiers, que reúne todos os herbários
registrados ao redor do mundo, seu curadores, contatos e inúmeras informações sobre as coleções; o
Biodiversity Heritage Library (BHL) e o Botanicus.org, que são duas bibliotecas on-line que reúnem
inúmeras obras e publicações, antigas e modernas. É cada vez mais comum os herbários terem suas
coleções inteiras digitalizadas e fotografadas, auxiliando enormemente o trabalho dos taxonomistas.
Páginas como o JABOT e o speciesLink se tornaram essenciais para a realização de qualquer trabalho de
fundo taxonômico hoje em dia. Além dessas obras, duas publicações essenciais em trabalhos
nomenclaturais e revisões taxonômicas também se encontram digitalizados. Atualmente, é possível
acessar toda a coleção da obra por Stafleu & Cowan, Taxonomic Literature, e inúmeras versões do
Código Internacional de Nomenclatura de Algas, Fungos e Plantas. No caso do Código, o site é de fácil
navegação, com links para partes importantes e a possibilidade de procurar por termos específicos ao
longo de toda a obra.
Parte desse enorme processo de informatização, além de bibliografias e publicações, a
digitalização de coleções é talvez uma das mais marcantes novidades taxonômicas da modernidade.
Inúmeros herbários mundo à fora tem hoje pelo menos parte de suas coleções fotografadas em alta
qualidade e com dados de etiqueta transcritos. O JSTOR funciona como uma enorme base de dados de
todo o tipo de material científico e artístico. Dentro desta vasta coleção encontramos periódicos
científicos e materiais-tipo de espécies, depositados em vários herbários ao redor do mundo. A ideia do
projeto do JSTOR Plants é tornar acessível para taxonomistas do mundo todo os materiais-tipo dos
grupos que eles trabalham. Deste modo, o projeto facilita o trabalho dos taxonomistas e evita o manuseio
excessivo desses materiais. Entretanto, a empreitada mais icônica de digitalização de coleções é nacional.
O Projeto REFLORA, coordenado pelo JBRJ, tem como principal objetivo informatizar e digitalizar
coleções de herbários brasileiros. Uma vez fotografados e informatizados, esses materiais são incluídos na
base de dados do Herbário Virtual REFLORA (HV), podendo ser acessados por qualquer taxonomista. A
segunda e mais ousada etapa do REFLORA é o processo de repatriamento de espécimes da flora
brasileira. Essa etapa é feita com base em parcerias entre o Brasil e coleções situadas em diversos países,
como os Estados Unidos, França, Inglaterra etc. Nestas coleções todos os espécimes coletados em
território brasileiro são fotografados e posteriormente tem os seus dados de etiqueta capturados por uma
segunda equipe, situada no JBRJ. Assim, como os espécimes dos herbários brasileiros, os espécimes de
herbários internacionais passam a integrar o Herbário Virtual, assim como o herbário digital de sua
instituição original. Além de ser essencial para taxonomistas brasileiros em geral, essa etapa do
REFLORA possibilita alunos de doutorado e pós-doutorado a viajarem para o exterior e desenvolverem
seus projetos de tese. Os bolsistas selecionados trabalham meio expediente como membros do projeto e a
outra metade do expediente é livre para o desenvolvimento de seus projetos.
16
Com todas essas ferramentas e facilidades da taxonomia moderna é possível fazer grande parte
de um trabalho taxonômico sem nem precisar sair do seu computador. Essas ferramentas complementam
e facilitam grandemente o trabalho dos taxonomistas, permitindo uma maior agilidade científica e um
considerável aumento na acessibilidade à essas publicações e todo tipo de conhecimento científico. Fora
isso, elas facilitam a realização de trabalhos de base, essenciais para o desenvolvimento de todos os
trabalhos de ponta. O Quadro 1 representa um compilado dos endereços que mencionamos neste capítulo.
Como muito bem expressado em inúmeros trabalhos sobre a valorização da taxonomia, floras e coleções
científicas, sem esses trabalhos e sem os taxonomistas, não é possível conhecer, preservar, nem explorar o
infinito potencial da nossa biodiversidade. A taxonomia é essencial para a construção do conhecimento
científico, emergindo hoje em novos formatos e abordagens. A taxonomia hoje não é e não deve ser
considerada uma ciência estática, mas sim uma área extremamente dinâmica, que sempre acompanha as
inovações de nossa era.

Quadro 1. Lista de endereços da Internet mencionados no texto.


Projeto Endereço
Atlas Digital de Sistemática de http://www.criptogamas.ib.ufu.br/node/5
Criptógamas
BHL http://www.biodiversitylibrary.org/Default.aspx
Botanicus http://botanicus.org/
CATE Araceae http://araceae.e-monocot.org/
CRIA http://blog.cria.org.br/2013/11/ cience.html
e-Monograph of the Caricaceae http://herbaria.plants.ox.ac.uk/bol/caricaceae
eMonocot http://e-monocot.org/
Flora do Brasil 2020 http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/listaBrasil/PrincipalUC/Princip
alUC.do
Handwritings from the http://linnaeus.nrm.se/botany/fbo/hand/schreber.html.en
Linnean Herbarium
Herbário Virtual REFLORA http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/herbarioVirtual/ConsultaPublic
oHVUC/ConsultaPublicoHVUC.do
Index Herbariorum http://sweetgum.nybg.org/ cience/ih/
Index Nominum Genericorum http://botany.si.edu/ing/
Index of All The World‟s Plant http://www.iplants.org
Species Together
IUCN Red List http://www.iucnredlist.org/
JABOT http://www.jbrj.gov.br/jabot
JSTOR Plants https://plants.jstor.org/
Lecythidaceae Pages http://sweetgum.nybg.org/lp/
Livro Vermelho http://cncflora.jbrj.gov.br/arquivos/arquivos/pdfs/LivroVermelho.pdf
Malpighiaceae http://www.lsa.umich.edu/herb/malpigh/
Neotropikey http://www.kew.org/ cience/tropamerica/neotropikey.htm
Phyto Images http://phytoimages.siu.edu/index.html
Plant Systematics http://www.plantsystematics.org
SBB. Catálogo da rede brasileira de http://www.botanica.org.br/rede_herbarios.
herbários. Sociedade Botânica do
Brasil.
Smithsonian plant image collection http://botany.si.edu/plantimages/
The Plant List http://www.theplantlist.org/
Tropical Plant Guides http://fm2.fieldmuseum.org/plantguides/
http://ibot.sav.sk/icbn/main.htm
17
Tropicos http://www.tropicos.org
Useful Plants of the Tropics http://www.plantasutilesdeltropico.com/?lang=en
Virtual Classroom Biology http://www.vcbio.science.ru.nl/em/virtuallessons/landscape/raunkiaer
/
World Checklist of Selected Plant http://apps.kew.org/wcsp/prepareChecklist.do;jsessionid=22362E5D
Families FBDE5CF19F16819509F1B678?checklist=selected_families%40%4
0064040320081717825

Referências

Dicionários amplos
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Lake Publishing, Spring Lake, 206 pp.
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New York. 891 pp.

Dicionários/trabalhos mais específicos


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Theobald WL; Krahulik JL & Rollins RC. (1979). Trichome description and classification. In: Metcalfe
CR, Chalk L (eds.) Anatomy of the dicotyledons: systematic anatomy of the leaf, stem. Vol I. 2 ed.
Claredon Press.
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Cambridge. 405 pp.

Referências gerais
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19
CAPÍTULO 02

Inferindo a história evolutiva de organismos: dos


fundamentos básicos da obtenção dos dados à
reconstrução de uma hipótese filogenética
Annelise Frazão
Juan Pablo Narváez-Gómez
Luiz Henrique Martins Fonseca
Juliana Lovo

Breve histórico da sistemática filogenética


A busca do homem pelo entendimento da natureza e a sistematização desse conhecimento
remonta à Antiguidade. A diversidade de formas vivas e suas semelhanças e diferenças eram assuntos
abordados por filósofos como Aristóteles e Platão e, posteriormente, pelos naturalistas, como eram
chamados os estudiosos das ciências naturais. Atualmente, denominamos sistemática a área da ciência
responsável por estudar a diversidade de organismos existentes em nosso planeta e organizá-los por meio
da classificação destes em um sistema de referência. Como é inerente à Ciência, a Sistemática é bastante
dinâmica, e ao longo de sua história, diversas escolas de classificação com inúmeros critérios foram
propostas e empregadas por diferentes estudiosos. Foi, no entanto, nas décadas de 1950-1960 que
modificações substanciais ocorreram representando um marco profundo na forma como o homem
compreende e classifica os seres vivos. Essas mudanças foram propostas e sintetizadas pelo entomólogo
alemão Willi Hennig em uma nova escola chamada de Sistemática Filogenética, na qual foi incorporada a
premissa máxima da biologia evolutiva proposta por Charles Darwin, de que os organismos compartilham
ancestrais comuns entre eles.
Hennig propôs que os sistemas de classificação dos seres vivos refletissem seu grau de
parentesco, ou seja, sua história evolutiva, resultando assim em sistemas mais estáveis e preditivos. Além
de sugerir que o grau de parentesco passasse a ser o único critério utilizado como base para as
classificações, Hennig desenvolveu um método prático que permitiria fazermos inferências sobre essas
relações, ou seja, reconstruirmos a história evolutiva dos organismos. A partir desse momento, a
Sistemática incorpora os conceitos de evolução biológica e ancestralidade comum como elemento
ordenador da diversidade e passa a contar com uma base metodológica mais clara, objetiva e definida. A
Sistemática Filogenética foi gradualmente aceita e implementada pelos sistemas de modo universal e sua
conexão com diversas áreas da Ciência ampliou-se. O progresso tecnológico, principalmente nos últimos
30 anos, permitiu que diversos avanços fossem agregados e os estudos filogenéticos tornaram-se
corriqueiros, servindo de base para classificações mais robustas.

20
Figura 1. Esquema hipotético mostrando os diferentes
níveis em que a evolução ocorre e o que uma filogenia
realmente representa. A partir de um nível individual,
quatro indivíduos de uma espécie A de angiospermas
(a) podem ser relacionados diretamente com sua
geração parental e com a geração parental dos parentais
deles e assim por diante, por meio de características
herdadas (b e c). É possível ainda estabelecer a relação
genealógica entre esses indivíduos em nível
populacional (d) e da relação entre essas diferentes
populações dentro da espécie (e). Por fim, essas
populações com todas suas características representam
uma espécie, que é utilizada para o estabelecimento da
história evolutiva em relação a outras espécies (B, C,
D, E) por meio de uma filogenia (f). Figura adaptada
de Baum (2008).

21
Atualmente, os estudos de filogenia, além de serem úteis ao trabalho tradicional da taxonomia,
possibilitam também uma grande interação entre disciplinas diversas como zoologia, botânica, genética,
morfologia, fisiologia, ecologia, dentre outras, resultando no aumento do conhecimento sobre as
dinâmicas evolutivas e sobre a geração da biodiversidade do planeta.

Conceitos básicos da sistemática filogenética


Uma das grandes inovações propostas pela Sistemática Filogenética foi apresentar um método
capaz de reconstruir hipóteses sobre a história evolutiva que ocorreu no passado. Para isso, é necessário,
inicialmente, procurar evidências ou vestígios dessa história para posteriormente estimar a hipótese que
melhor explica a história evolutiva das espécies. Assim, o método consiste essencialmente no
levantamento de evidências de parentesco evolutivo entre os organismos. Da mesma forma com que
parentes de uma mesma família possuem semelhanças (morfológicas, fisiológicas, etc.) que sugerem sua
relação próxima, o método proposto por Hennig implica na busca de características compartilhadas entre
os organismos estudados para inferirmos suas relações. A essas características compartilhadas por
herança do ancestral, ou partes correspondentes nos organismos, denominamos de caráter e a suas
variações possíveis de estados de caráter. Analogicamente, a história evolutiva de uma parcela de
diversidade biológica qualquer pode ser vista como um quebra-cabeça e as evidências. No entanto, como
a evolução ocorre por processos históricos, o quebra-cabeças que tem um número exato de peças (a
filogenia de um grupo) só poderá ser “montado” com algumas dessas peças disponíveis (caráteres e seus
estados). Por este motivo, o que é possível acessar é uma hipótese sobre a evolução da parcela da
diversidade biológica estudada. Neste contexto, o que os cientistas conseguem fazer é reconstruir o
padrão que melhor explicaria a história evolutiva de organismos, sendo que representam este padrão por
meio de um diagrama dicotômico, a árvore filogenética. Já os processos que geraram o padrão acessado
pelos cientistas são quase inacessíveis, pois são eventos genealógicos, ou seja, ocorrem em intervalos
menores de tempo entre uma geração e outra. Desta forma, uma genealogia representa os processos de
mudanças herdadas ao longo de diferentes gerações em uma linhagem (Figura 1a-e), enquanto uma
filogenia representa o padrão possível de ser acessado dadas as evidências disponíveis (Figura 1f).

Figura 2. Árvore filogenética evidenciando relações entre os táxons A, B e C. Traços representam os


caráteres observados nos organismos para inferência das relações. Símbolos em vermelho e azul estados
de caráter presentes no ancestral de AB. Símbolos em branco representam estados de caráter que
ocorriam no ancestral ABC e que continuam presentes na linhagem C.

Dessa forma, um filogeneticista busca nos organismos estudados evidências que possibilitem
criar hipóteses sobre suas relações evolutivas. Por exemplo, na Figura 2, observa-se na árvore filogenética
que dois táxons (A e B) possuem características compartilhadas ausentes em C. Assim, é possível
construir a hipótese de que esses dois táxons (A e B) sejam mais aparentados entre si do que qualquer um
dos dois em relação a C. Com isso, é possível também deduzir que os caráteres compartilhados
exclusivamente por A e B são um indício de que eles estavam presentes no ancestral de AB (Figura 2).
No exemplo apresentado, os caráteres observados nos três táxons são "círculo" e "retângulo". Os estados
22
de caráter são, respectivamente, círculo branco, círculo azul e retângulo branco, retângulo vermelho. Os
componentes e a leitura apropriada de uma árvore filogenética serão apresentados na próxima seção,
“Anatomia da árvore filogenética” (pág. 23).
Na prática, são considerados caráteres potencialmente informativos para estudos filogenéticos,
quaisquer características herdáveis e que apresentem variação no grupo estudado. Considerando que os
seres vivos apresentam um fenótipo que é resultado da expressão da informação contida no DNA, e que
esses são transferidos hereditariamente, todos os diversos aspectos de um organismo podem ser
empregados nas análises. Desse modo, podem ser utilizados caráteres das mais diversas naturezas e
escalas como os macromoleculares (DNA, RNA), citogenéticos, fisiológicos, morfológicos,
comportamentais, entre outros. O aspecto essencial é que esses caráteres compartilhados pelos
organismos em estudo indiquem que alguns deles tiveram uma história em comum e exclusiva. Não são
válidos, portanto, caráteres que sofrem modificação a partir da interação com o ambiente e que não sejam
transmitidos hereditariamente. Importante ressaltar que essas semelhanças não são a priori evidências
comprovadas de origem comum, mas sim são uma hipótese de que esses caráteres tiveram origem no
mesmo ancestral e que os organismos compartilham uma mesma história evolutiva. Essa hipótese deverá,
então, ser testada com a inferência de uma filogenia. Ou seja, a árvore filogenética é o teste das hipóteses
criadas inicialmente com os caráteres utilizados. Aqueles caráteres que foram verificados como tendo
origem única do ancestral de um grupo é denominado de homologia (veja detalhes deste conceito na
seção “Os blocos de construção de uma árvore filogenética: homologia, caráteres e relações hierárquicas”
(pág. 25).
Os diferentes tipos de dados utilizados na inferência de uma filogenia são em potencial
igualmente úteis. Não há diferenças qualitativas, ou seja, caráteres melhores ou piores do que outros.
Mas, diferentes fontes de dados possuem características diversas, sofrem pressões seletivas diferentes e,
por isso, devem ser analisados sob diferentes perspectivas e abordados considerando-se suas
particularidades. Com isso, independente da natureza da fonte de dados, é essencial que os caráteres
sejam estudados cuidadosamente antes de serem empregados no levantamento de hipóteses de parentesco.
Nesse contexto, caráteres moleculares, por exemplo, devido à sua universalidade, permitem a
comparação entre organismos muito diversos, como um peixe e uma planta, o que seria difícil com base
em sua morfologia. Isso favorece seu emprego em estudos de maior abrangência, isto é, com organismos
mais heterogêneos. No entanto, a evolução dos caráteres moleculares não é tão simples quanto pode
parecer em um primeiro momento e é necessário que a biologia dessas moléculas seja bem conhecida e
considerada nas análises. Ao mesmo tempo, grande parte do conhecimento que temos, foi obtido a partir
de estudos morfológicos e os espécimes precisam ser bem identificados para serem corretamente
posicionados na árvore filogenética. Desta forma, estudos utilizando dados moleculares e morfológicos
são igualmente essenciais, assim como o emprego de caráteres fitoquímicos, anatômicos,
comportamentais, fisiológicos, por exemplo, podem fornecer evidências de parentesco.

Anatomia da árvore filogenética


Para uma leitura apropriada de uma árvore filogenética é necessário entender elementos
fundamentais que a compõem. Nela, os representantes utilizados para o estudo de uma parcela da
diversidade biológica são chamados de terminais (Figura 3a). Esses terminais são representados por
diferentes táxons. Os terminais se conectam por nós, formando o que chamamos de clados. Os nós
representam o ancestral comum hipotético mais recente compartilhado por entidades presentes nos
clados. As conexões entre terminais e entre clados são chamadas de ramos (Figura 3a). Tendo em vista
que o acúmulo de variação ocorre continuamente, os terminais também representam ramos, os quais
chamamos de ramos terminais (Figura 3a). O nó mais externo de uma árvore filogenética que conecta
todos os ramos desta é chamado de raiz (Figura 3a). Quando mostramos apenas o padrão da relação entre
os terminais, temos um diagrama que chamamos de cladograma (Figura 3c). Essa relação entre os
terminais também é conhecida como topologia. Contudo, os ramos podem ser informativos e terem
diferentes tamanhos, representando uma proporção entre o tamanho do ramo e o número de mudanças
23
estados de caráter acumuladas por uma linhagem (ou a chance de mudança de estado no ramo). O
diagrama que mostra a relação entre os terminais e comprimentos de ramos proporcionais a chance de
alteração dos estados é conhecido como filograma (Figura 3d). Uma árvore filogenética também pode
conter informação temporal. Neste caso, o comprimento dos ramos é proporcional ao tempo transcorrido.
Quando a informação temporal é apresentada temos um cronograma (Figura 3e). Além de conter
informações distintas em determinados casos, uma árvore filogenética pode ser apresentada de diferentes
formas, como pode ser visto na Figura 3b. Para exemplificar a leitura de uma árvore filogenética, vamos
utilizar a Figura 2. Nela podemos estabelecer que A e B são mais relacionados entre si do que com C,
porque A e B compartilham um ancestral comum hipotético e exclusivo (x). Dizemos que A é grupo-
irmão de B, e C é grupo-irmão de A + B, ou seja, compartilham um ancestral comum hipotético e
exclusivo entre si (y).

Figura 3. Representação esquemática de elementos que constituem uma árvore filogenética. (a) Árvore
filogenética dos grandes grupos de Angiospermas com cada elemento de uma árvore filogenética
indicado. (b) As diferentes formas possíveis de se representar uma filogenia. (c) Esquema de um
cladograma. (d) Esquema de um filograma. (e) Esquema de um cronograma. Figura de Frazão & Fonseca
(2015).

A sistemática filogenética procura estabelecer uma classificação que seja natural, ou seja, ela
procura reconhecer grupos cujas semelhanças e diferenças sejam todas explicadas pelo mesmo tipo de
causas e que representem grupos que, de fato, existem na natureza, além dos pressupostos dos
pesquisadores. Como vimos anteriormente, a evolução explica, graças a premissa da ancestralidade
comum entre organismos, as semelhanças e as diferenças entre eles. Assim, um grupo natural é
reconhecido quando o grupo reconstruído é composto de todas as espécies descendentes de um ancestral.
No contexto de uma árvore filogenética, um clado, ou todos os terminais conectados pelo mesmo nó,
representam um grupo natural ou um grupo monofilético (Figura 4a). Descobrir esses grupos é um dos
objetivos principais da sistemática filogenética. Por outro lado, dois agrupamentos artificias podem ser
definidos: o grupo parafilético, o qual contém a espécie ancestral comum, mas não a totalidade dos
descendentes (Figura 4b); e o grupo polifilético, o qual não contém o ancestral comum mais recente entre
todos os indivíduos do grupo, mas sim vários ancestrais (Figura 4c). Com base no estabelecimento de
relações entre terminais e entre clados, o objetivo da inferência filogenética é de apresentar hipóteses de
relações hierárquicas e dicotômicas entre as entidades biológicas estudadas e reconhecer como grupos
taxonômicos válidos são apenas aqueles monofiléticos, representados por clados na árvore filogenética.

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Figura 4. Os três diferentes tipos de grupos possíveis em um cladograma: (a) monofilético, (b) parafilético
e (c) polifilético.

Os blocos de construção de uma árvore filogenética: homologia, caráteres e relações hierárquicas


Uma característica é tida como homóloga quando suas semelhanças e diferenças podem ser
consideradas como um mesmo tipo de atributo biológico. O estabelecimento inicial de caráteres
homólogos é dado quando suspeitamos que semelhanças ou similaridades entre eles podem ser causadas
pela herança a partir de um ancestral comum entre as espécies que os apresentam, e a diferença entre eles
como produto da transformação evolutiva do caráter a partir desse ancestral comum. Dizemos que um
caráter é um atributo biológico variável que tem ao menos dois estados de caráter discretos e
mutuamente exclusivos que distinguem os organismos que os apresentam. Um caráter é, então, uma
representação de uma série de transformação evolutiva entre os seus estados. Em outras palavras, o
caráter representa uma hipótese de homologia.
Em termos mais gerais podemos dizer que a homologia se refere à similaridade entre atributos
biológicos causada pela ancestralidade comum entre as espécies. As homologias representam, então,
caráteres que tem uma origem única na história evolutiva das espécies. Como vimos anteriormente,
descobrir quais caráteres originam-se e transformam-se paralelamente aos processos de diversificação das
espécies podem nos ajudar a identificar relações filogenéticas e definir grupos (Figura 5). A ideia básica é
que os caráteres, os quais são utilizados como evidência da inferência das relações filogenéticas, evoluem
paralelamente à diversificação (=surgimento) das espécies. Por isso, é esperado que cada caráter deverá,
em consequência, recuperar independentemente padrões hierárquicos da relação entre espécies irmãs.
Portanto, uma árvore filogenética é um diagrama que melhor representa a possível filogenia de um grupo
estudado. Quando consideramos uma série de transformação de um dado caráter, podemos verificar que
alguns caráteres surgem primeiro do que outros, ou seja, são modificações de caráteres mais antigos.
Deste modo, a similaridade entre as espécies surge de uma combinação de caráteres que teriam evoluído
cedo na história e outros que têm evoluído tardiamente. Chamamos de apomorfias aos caráteres
modificados ou “derivados” ou mais recentes na série de transformação; e de plesiomorfias aos caráteres
ancestrais ou mais antigos na série de transformação.

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Figura 5. Relação entre a evolução de caráteres e a diversificação das espécies. (a) Matriz de caráteres das
espécies A, B e C com os seus respectivos estados. (b) Cladograma mostrando as relações entre as
espécies e exibindo as mudanças entre estados do caráter que suportam as relações entre elas: α(1) é uma
sinapomorfia do grupo A, B e C; β (1) e γ(1) são sinapomorfias o grupo B e C; δ é um caráter que é único
da espécie B; ε é um caráter que entra em conflito com o padrão descrito pelos outros caráteres com
respeito ao relacionamento entre as espécies. (c) Representação do que provavelmente teria acontecido na
evolução dos caráteres nas espécies A, B e C.

A construção de uma árvore filogenética é realizada a partir da identificação das apomorfias que
distinguem clados. Chamamos de sinapomorfias aos caráteres “derivados” ou mais recentes (=apomorfia)
que são compartilhados por todas as espécies ou táxons de um clado particular. As sinapomorfias definem
os grupos monofiléticos. Em outras palavras, elas são caráteres com uma origem evolutiva única que são
compartilhados pela espécie ancestral hipotética e todas as espécies descendentes. Já aos caráteres
ancestrais ou mais antigos (=plesiomorfias) que são compartilhados por todas as espécies ou táxons, tanto
do clado particular analisado quanto com os táxons fora dele são denominados simplesiomorfías. Em
outras palavras, simplesiomorfias são sinapomorfias em um nível hierárquico maior o qual inclui o clado
de interesse e que, não necessariamente, são apresentadas por todos os táxons pertencentes a ele. Quando
as simplesiomorfias são utilizadas para criar grupos, é comum que sejam definidos tanto grupos
parafiléticos como polifiléticos.
Finalmente, podemos dizer que homologias cuja relação hierárquica estabelece as relações
filogenéticas são aquelas que, como sinapomorfias, permitem descobrir e identificar os grupos
monofiléticos. O resultado que a análise filogenética pretende obter é a congruência entre caráteres no
contexto hierárquico da topologia de uma árvore filogenética. Um sinal filogenético é atribuído aos
caráteres e sua hipótese de homologia confirmada quando há congruência destes com outros caráteres.
26
Nas análises filogenéticas, porém, é comum que exista conflito entre os caráteres, pois nem sempre eles
são congruentes uns com os outros e, em alguns casos, seus estados surgem múltiplas vezes na árvore
filogenética. Quando isso acontece o mesmo caráter aparece na análise como suportando diferentes clados
não relacionados impedindo, desta forma, uma avaliação correta tanto das sinapomorfias como dos
grupos monofiléticos. Quando um caráter não é congruente com os outros na filogenia e aparece,
portanto, duplicado em diversos ramos da topologia este é tido como uma homoplasia.
Tendo em vista essas precisões terminológicas, podemos dizer agora que o processo de
inferência filogenética abrange dois passos metodologicamente diferentes. O primeiro passo consiste na
procura das evidências a partir de características biológicas, estabelecendo uma lógica sobre a possível
transformação evolutiva entre elas e codificar essa informação numa linguagem apropriada para a análise
filogenética a fim se obter os dados a serem comparados. Esse passo é conhecido como Análise de
Caráteres, e tem como objetivo a construção de uma matriz de caráteres onde a variação é codificada
numericamente. O segundo passo consiste em unir essas lógicas inicias de homologia e testar se elas
recuperam o padrão hierárquico de relações filogenéticas entre as espécies. Esse passo é conhecido como
Inferência Filogenética e estima a topologia que representa as relações filogenéticas a partir da aplicação
de diversos métodos à matriz de caráteres, os quais buscam distinguir o sinal filogenético das
homoplasias.

Homologia em dados morfológicos de plantas


A análise de caráteres morfológicos consiste em responder à pergunta: no corpo das plantas o
que observar, o que identificar, o que nomear, o que medir para propor hipóteses de homologia entre
atributos e descobrir as relações filogenéticas entre as espécies? O problema indicado por essas perguntas
é como podemos representar adequadamente a variação das características morfológicas em caráteres
para resgatar o sinal filogenético que se encontra neles.
Para responder essa pergunta é necessário enxergar como é o processo de produção e coleção dos
dados morfológicos e como é feita a comparação entre esses atributos. Vamos supor que um botânico está
trabalhando com um grupo de três espécies de plantas X, Y e Z (Figura 6). Num primeiro momento, o
botânico enxerga o corpo dos espécimes das diferentes espécies separadamente e descreve a suas
proporções, orientação, conexões topológicas (localização no ramo da planta), geometria, composição
material, textura e consistência. Todas essas propriedades são estudadas aplicando uma série de
tratamentos específicos aos espécimes que permitem obter essas informações. Por exemplo, se quisermos
estudar a anatomia desses espécimes seria necessário seccionar a parte do corpo do espécime de interesse,
aplicar corantes específicos e preparar lâminas para enxergar através do microscópio. As diferentes
combinações dessas propriedades estruturais definem uma parte da planta à qual é atribuída um nome,
permitindo que partes equivalentes possam ser reconhecidas em plantas diferentes. Esse nome faz parte
dos vocabulários técnicos botânicos. Deste modo, a descrição verbal dessas partes, conjuntamente com as
suas propriedades usando termos técnicos botânicos é conhecida como dado morfológico. Esse dado
resume os limites estruturais, correlações e conexões com outras partes e formas repetidas no gradiente
contínuo de variação morfológica da planta que é percebido visualmente pelo botânico. Suponha-se que
nos espécimes das três espécies de plantas encontrarmos uma estrutura com as seguintes propriedades: (i)
A posição dela é lateral ao eixo principal da planta; (ii) ela tem uma simetria dorsiventral; (iii) ela tem
crescimento determinado; (iv) ela apresenta um meristema no ponto de conexão com o caule; (v) ela tem
uma função fotossintética. Encontramos que essas propriedades definem o que é uma folha e cada uma
delas constitui um dado morfológico.

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Figura 6. Processo de análise de caráteres morfológicos desde a coleção dos espécimes até a codificação
destes caráteres. Lembre-se que os caráteres morfológicos são dados de natureza verbal: a sua qualidade
depende da rigorosidade e objetividade com que são feitas as descrições. O uso de vocabulários técnicos
botânicos e o seu exame crítico são fundamentais para potencializar a produção de caráteres morfológicos
com sinal filogenético.

Por outro lado, o conceito de caráter em sistemática filogenética implica que ele é independente
de outros caráteres e que os seus estados de caráter são mutuamente exclusivos. Entramos aqui no
problema de avaliar quais características morfológicas são homólogas. Esse processo implica no uso do
método comparativo com o qual avaliamos as semelhanças e as diferenças entre as diferentes partes do
corpo da planta entre espécimes de espécies diferentes. Existe um conjunto de regras chamadas de
critérios de homologia que permitem identificar quais estruturas são comparáveis e poderiam, portanto,
ser homólogas: (1) o critério de topologia, o qual diz que caráteres homólogos geralmente conservam a
mesma posição e conexão com outras partes no corpo das plantas; (2) o critério de qualidade especial, o
qual diz que os caráteres homólogos exibem propriedades estruturais similares; e (3) o critério das formas
transicionais, o qual assume que duas características que não são necessariamente similares em sua
estrutura podem ser homólogas se, durante a ontogenia, os passos intermediários entre os primórdios no
desenvolvimento e as estruturas adultas são similares.
Suponha-se que efetivamente as folhas das espécies de plantas X, Y e Z todas sejam laterais ao
caule da planta (critério topológico), dorsiventrais e fotossintéticas (critério de qualidade especial), o que
permite um botânico assumir que são estruturas homólogas. Contudo, vemos que a complexidade é
variável: a espécie X tem folhas com uma única lâmina, ou simples; a espécie Y tem folhas compostas, ou
com várias divisões formando folíolos (pinada); e que a espécie Z tem folhas compostas, mas com a
lâmina dos folíolos também divididas (duas vezes pinada). Ao examinar a complexidade estrutural das
folhas, encontramos um grupo de propriedades que se mantêm constantes e outras propriedades variáveis.
A aplicação dos critérios de homologia é conhecida como um teste de similaridade. Outro teste
importante é a conjunção, o qual indica que para serem estruturas homólogas, os caráteres analisados não
podem ocorrer juntos no mesmo organismo. No exemplo das folhas entre as plantas X, Y e Z, vemos que
nenhuma delas apresenta ao mesmo tempo folhas simples e compostas. Se acontecer que tanto as folhas
simples como compostas estivessem num mesmo espécime dessas plantas, então, teríamos que rejeitar a
hipótese inicial de homologia. No entanto, embora as folhas passem no teste de similaridade e de
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conjunção, ainda fica o último teste, o teste de congruência entre as homologias iniciais no contexto da
árvore filogenética, o qual será tratado com mais detalhes posteriormente na seção “Os métodos de
inferência filogenética” (pág. 32).
Os caráteres (=hipóteses de homologia) são séries de transformação independentes e únicas
evolutivamente cujos estados são modificações a partir de condições ancestrais da estrutura. Um caráter é,
então, uma descrição que codifica a informação evolutiva das características morfológicas examinadas.
Por exemplo, o caráter que representa a transformação das folhas das espécies X, Y e Z poderia ser
codificado segundo sua complexidade da seguinte forma:
1. Folhas, complexidade: (0). Simples; (1). Compostas pinada; (2) Compostas duas vezes
pinada.
Essa apresentação do caráter tem uma estrutura lógica básica, onde a primeira parte indica
estrutura analisada e a o atributo específico de interesse, enquanto a segunda parte indica os estados do
caráter definindo, quais propriedades dessa estrutura variam e em quais condições. Na prática, o
raciocínio é similar para todos os atributos morfológicos: descrevem-se as propriedades estruturais das
partes do organismo; identificam-se partes comparáveis a partir da aplicação dos critérios de homologia
para propor hipóteses de homologia; e codificam-se as informações num enunciado de caráter que logo
será incluído na matriz de caráteres. A matriz de caráteres é composta por linhas que representam os
táxons, colunas que representam os caráteres, e em cada célula se preenche o número que codifica o
estado de caráter particular que apresenta o táxon específico (Figura 6).
Entre os múltiplos tipos básicos de codificação, dois tipos básicos são os mais comuns. O
primeiro chamado de transformacional ou convencional exibe múltiplos estados de caráter que se
assumem como transformações evolutivas desde um atributo ancestral. Um exemplo dele é o caráter
descrito acima sobre a variação das folhas. O outro tipo de caráter é chamado de variável nominal ou
neomórfico o qual indica o surgimento ou perda de uma estrutura. Por isso é um caráter binário com os
seus únicos estados sendo „ausente‟ ou „presente‟. Um exemplo desse tipo de caráter pode ser:
2. Eixo caulinar reprodutivo, carpelo: (0) Ausente; (1) Presente.
Apesar da maioria dos caráteres morfológicos utilizados serem codificados de forma qualitativa,
os caráteres também podem ser codificados de forma quantitativa. Neste caso, a variação contínua deve
ser segmentada e codificada como variáveis discretas. Assim, um caráter do tipo quantitativo como o
comprimento do pecíolo das folhas, por exemplo, poderia ser assim codificado:
3. Folhas, comprimento do pecíolo: (0) curto, entre 0-1cm; (1) mediano, entre 1,1-2cm; (2)
comprido, entre 2,1-3cm.
As séries de transformação representadas por esses diferentes tipos de caráteres devem ser
ordenadas para que as apomorfias e as plesiomorfias possam ser identificadas. Para saber quais estados
entre as folhas examinadas já estavam presentes no ancestral hipotético e quais mais recentes, é
necessário realizar a polarização dos caráteres. Esse processo permite determinar qual é a direção das
transformações ou mudanças entre os estados de caráter. As informações necessárias para descobrir essa
ordem podem ser obtidas antes ou depois da análise filogenética. Para definir esta ordem antes da análise
filogenética, podem ser utilizadas informações acerca do conhecimento sobre a biologia do
desenvolvimento dos caráteres analisados, já que permite verificar quais estados surgem primeiro na
ontogenia. Quando não há informação de desenvolvimento, a seleção de um grupo externo é necessária.
O grupo externo pode ser fóssil, sendo que as informações nele contidas podem ser examinadas para
investigar se, entre os táxons extintos, sabidamente ou supostamente aparentados com as espécies das
plantas estudadas, um dos estados de caráter estava presente. Se sim, este é escolhido como o estado de
caráter plesiomórfico. O grupo externo também pode ser composto por espécies que a princípio não
façam parte do grupo estudado, mas que podem ser aparentadas com as espécies analisadas, sendo que o
estado do caráter presente nesse grupo externo será interpretado como plesiomórfico. Assim, assume-se
como pressuposto que o estado de caráter presente nos primeiros estágios do desenvolvimento ou no
fóssil é o estado plesiomórfico, ou ainda que o grupo externo é composto por organismos aparentados,
porém, ausentes do grupo estudado.
29
Homologia em dados moleculares
O uso de dados de sequências de DNA em análises filogenéticas está amplamente disseminado
nos dias atuais. A popularização do uso de sequências nucleotídicas em inferência filogenética ocorreu na
década de 1990, principalmente, pela facilidade da obtenção de sequências devido à técnica de PCR
(Polimerase Chain Reaction) e pela quantidade de dados disponíveis para análise. Essa quantidade de
dados é atualmente ainda maior com a crescente facilidade de acesso a dados de sequenciamento de
segunda geração (também conhecidos como sequenciamentos de próxima geração ou Next Generation
Sequencing). O número de caráteres a serem analisados é, em geral, muito maior para dados genéticos se
comparado aos dados fenotípicos comumente utilizados (morfológicos, comportamentais, químicos, entre
outros). Mesmo o eucarioto com o menor genoma conhecido, o microsporídio Encephalitozoon
intestinalis, possui 150 Gpb de material genético, o que significa um número de potencias caráteres
muitas vezes maior se comparado aos caráteres fenotípicos comumente utilizados.

Figura 7. Tipos de mutação em sequências de DNA: substituições de bases nucleotídicas.

A análise filogenética utilizando dados de DNA possui como fonte de evidência o genoma
mitocondrial, cloroplastidial ou nuclear. As espécies (ou outros tipos de terminais, como por exemplo
genes) são comparadas segundo diferenças no tipo de base nucleotídica, inserção ou deleção das mesmas
em posições específicas nos três genomas. O acúmulo dessas diferenças é resultado da evolução
molecular que cada linhagem de organismos está sujeita. Entre os mecanismos de evolução molecular
mais importantes na geração de diferenças moleculares entre espécies (ou outros tipos de terminais) estão
as mutações pontuais, ou substituições de bases (Figura 7). Essas substituições podem ocasionar danos na
molécula de DNA ou erros de replicação desta molécula. Inserções ou deleções de bases na sequência
também podem ocorrer e são coletivamente conhecidas como indels (Figura 7). Nesse caso, a mutação
ocorre tanto por erros na inserção de bases nucleotídicas pela enzima DNA polimerase durante a
replicação quanto são causadas por danos ao DNA por agentes externos. Outras importantes fontes de
variação molecular são a recombinação cromossômica, a troca de éxons entre genes ou de genes
completos e a migração dos elementos de transposição. Nestes casos, as mutações como substituições
(Figura 7), inserções, deleções ou inversões (Figura 8) podem ser observadas.

30
Figura 8. Tipos de mutação em sequências de DNA: inserção, deleção e inversão.

Figura 9. Alinhamento de sequências de seis espécies diferentes. As linhas representam as espécies, as


colunas os caráteres e cada um dos nucleotídeos possíveis são os estados dos caráteres. As barras (–)
representam a manutenção de espaços devido à ocorrência de indels.

Essa variação gerada por mutações, entre outros processos moleculares, é o dado utilizado para a
inferência filogenética. Para que isso seja possível, é preciso inicialmente estabelecer a homologia dos
resíduos nucleotídicos nas sequências de DNA. Duas sequências serão homólogas se elas descenderem de
uma sequência ancestral e, igualmente, seus resíduos serão homólogos se tais descenderem de um resíduo
precursor dentro dessa mesma sequência homóloga. Durante o estudo comparativo de sequências de
DNA, as homologias são representadas por alinhamentos múltiplos de sequências. Assim como nas
matrizes morfológicas, as linhas em um alinhamento são os terminais e as colunas os caráteres, neste
caso, os potenciais nucleotídeos homólogos (Figura 9). No caso de moléculas de DNA, os estados
possíveis dos caráteres (=colunas) são os quatro nucleotídeos, Adenina, Guanina, Timina ou Citosina
(Figura 9.). A árvore filogenética será, então, uma representação gráfica da informação contida nesse
alinhamento. Sendo assim, a topologia e comprimento de ramos da árvore filogenética são totalmente
dependentes do alinhamento utilizado na busca da árvore. A árvore filogenética obtida só terá significado
e poderá ser utilizada em outras análises se o alinhamento representar com acurácia as homologias entre
as bases. A composição das sequências é a única evidência de homologia utilizada em alinhamentos
automatizados sendo, justamente, sua principal limitação. A evolução gera diversidade, assim como
mantém a coesão e uniformidade. Dessa forma, como reconhecer a semelhança e definir os caráteres se a
informação a ser recuperada está justamente na mudança das bases ao longo do tempo?

31
O principal critério para obtenção de alinhamentos de sequências de DNA é o de similaridade. A
grande maioria dos algoritmos utiliza o critério de similaridade aliado a uma função de otimização para
acessar a homologia das bases e propor os caráteres e seus estados. Algoritmos são importantes nas
ciências em geral e, particularmente, para alinhamentos de sequências de DNA, já que transformam
observações empíricas em dados objetivos e reproduzíveis. Em alinhamentos múltiplos, a maioria das
implementações possuem algoritmos de dois passos: (1) no primeiro deles é feito a maximização da
similaridade entre pares de sequências utilizando, em geral, programação dinâmica; e (2) no segundo é
realizado um alinhamento progressivo guiado por uma árvore guia, sendo dessa forma um algoritmo
heurístico, ou seja, apenas uma parte das soluções é observada na busca da resposta.
O primeiro e principal algoritmo para maximizar a similaridade entre pares de sequências foi
proposto por Needleman e Wunsch e leva seus nomes. O algoritmo calcula a distância mínima, ou seja, o
número mínimo de transformações para que uma sequência se torne idêntica a outra. Durante a rotina de
programação dois processos básicos são levados em consideração. A proposição de alterações de bases,
representando mutações pontuais, e a inserção de gaps, representando os eventos de indel. O alinhamento
de pares de sequências é feito com (1) a atribuição de pesos para abertura de gaps, (2) substituição e (3) a
atualização de uma matriz a partir desses pesos, além (4) da proposição do alinhamento do par de
sequências otimizando esses valores em uma matriz. O algoritmo de Needleman e Wunsch funciona bem
para pares de sequências ou um pequeno número delas. Contudo, o problema de alinhamento de
sequências se torna computacionalmente intratável quando envolve dezenas ou centenas de sequências.
Uma solução exata e elegante para o problema é obtida com o conhecimento de uma hipótese
filogenética para os táxons em análise, utilizando da estrutura desta como guia para inclusão dos pares de
sequência. Não obstante, na maioria dos casos é justamente a obtenção da árvore filogenética o objetivo
da análise. Nesses casos, é necessário o uso de algoritmos heurísticos, onde somente uma parcela das
respostas é acessada. Para solucionar esse problema são empregadas árvores obtidas por métodos de
distância, onde um alinhamento não é necessário para se obter a topologia. Nesses casos, a árvore de
distância é utilizada como uma aproximação à filogenia e o uso de apenas uma ou um conjunto delas para
se obter o alinhamento é o que caracteriza a busca heurística.

Os métodos de inferência filogenética


Os métodos de inferência filogenética são divididos em métodos baseados em distância e
baseados em caráter. Métodos baseados em distância utilizam uma matriz construída a partir do número
de diferenças entre pares de táxons e, geralmente, são análises realizadas com dados genéticos. Os
baseados em caráter utilizam características diretas dos táxons e podem ser utilizados com qualquer tipo
de dado sobre o grupo estudado. Há muitos algoritmos disponíveis para inferir filogenias e, por isso, não
temos a pretensão de abordar aqui pormenores de cada método. Assim, apresentaremos os fundamentos
básicos do funcionamento de cada método e das diferentes escolas atribuídas a estes.

Métodos baseados em distância


Análises de distância foram muito aplicadas na segunda metade do século XX com dados
genéticos. Esses métodos foram utilizados pelos cientistas da chamada escola fenética e ainda são
empregados em estudos de genômica. A ideia dessa escola era estabelecer o relacionamento de
organismos com base apenas em similaridade. Quanto menor a distância genética entre os táxons, mais
próximos eles seriam. Esta forma de pensar o relacionamento evolutivo entre os organismos é muito
criticada, já que nem sempre organismos que apresentam pouca diferença entre si compartilham uma
história evolutiva em comum. Desta forma, é possível que o estabelecimento de alguns grupos não
represente uma hipótese provável da história evolutiva do grupo estudado. Por este motivo os métodos
baseados em caráter são os mais aceitos para estudos evolutivos. Neighbor-Joining (agrupamento de
vizinhos) e UPGMA (Unweighted Pair Group Method using Arithmetic average) são os métodos
baseados em distância mais utilizados.

32
A distância genética é a divergência entre duas sequências derivadas de um ancestral em comum.
Na lógica de um método baseado em distância, se as sequências evoluíram como um diagrama
dicotômico e se conhecemos as distâncias entre as sequências, seria possível reconstruir a árvore
filogenética. Para calcular distâncias genéticas é preciso ter um modelo de substituição de nucleotídeos
que forneça uma descrição estatística das substituições de um nucleotídeo para outro. A partir desta
probabilidade, calcula-se a distância genética esperada entre os táxons estudados.

Métodos baseados em caráter


Os métodos baseados em caráter possuem duas escolas, a parcimônia e a probabilística ou
paramétrica. Na escola da parcimônia, a melhor hipótese filogenética será aquela que assumir um menor
número de pressupostos, ou seja, um menor número de mudanças dos caráteres e seus estados melhor
explicaria a história evolutiva de um grupo. Na parcimônia, as mudanças dos caráteres são chamadas de
passos evolutivos. Quanto mais mudanças detectadas em uma hipótese filogenética, menos parcimoniosa
é a hipótese filogenética e vice-versa. Já a probabilística leva em consideração a probabilidade de uma
hipótese filogenética ser mais próxima da verdadeira uma vez que temos os dados e um modelo de
substituição nucleotídica (=descrição estatística das mudanças de um nucleotídeo para outro) que
explique esses dados. A probabilidade de uma hipótese filogenética pode ser inferida com base em
máxima verossimilhança ou por inferência Bayesiana.

Parcimônia (Figura 10)


A busca da árvore mais parcimoniosa (com o menor número de passos) é feita entre árvores não
enraizadas (sem direção de transformação dos caráteres). O número de árvores possíveis aumenta
exponencialmente com o aumento do número de terminais. Por exemplo, para três terminais existem três
árvores possíveis, para quatro terminais existem 15 e para 20 terminais existem 2.10 20 árvores possíveis.
Dessa forma, existem dois grupos de métodos utilizados para a busca da melhor árvore (ou melhores
árvores). Os métodos exatos buscam em todo o universo amostral de possibilidades de árvores a árvore
que minimiza o critério de otimização (Figura 10a). Já os métodos heurísticos exploram apenas uma
parcela do universo de árvores possíveis, não incluindo todas as possibilidades existentes para um
conjunto de dados. Métodos heurísticos foram adotados como critério para busca de árvores filogenéticas
porque o número de árvores possíveis, a medida que aumentamos a amostragem de táxons, aumenta
muito o tempo computacional da análise de busca de árvores, o que torna o trabalho do sistemata quase
impossível de ser realizado. Há diversas estratégias de busca de árvores disponíveis, as quais foram
desenvolvidas para otimizar o processo e tornar a inferência filogenética mais confiável, como é o caso do
algoritmo de Wagner, rearranjo dos ramos, Ratchet, dentre outros.
Como mencionado anteriormente, a ordem para as transformações dos estados dos caráteres deve
ser estabelecida para permitir que possamos distinguir estados apomórficos de estados plesiomórficos.
Para isso, é necessária a seleção de um grupo externo. Como dito anteriormente, o grupo externo
corresponde a um ou vários táxons relacionados ao grupo de interesse, contudo existem evidências
indicando que não pertencem a tal grupo. A escolha é facilitada caso uma hipótese filogenética prévia já
esteja disponível. Não é recomendável restringir as comparações de caráteres a um único táxon externo.
Isso porque o grupo escolhido como externo pode apresentar estados apomórficos para os caráteres em
análise, dessa forma enviesando as conclusões possíveis sobre a evolução do grupo estudado. Diferente
da abordagem apresentada na seção de homologia morfológica, o ordenamento das transformações se dá
no momento do enraizamento da árvore, o qual é efetuado no ramo do grupo selecionado como grupo
externo (Figura 10b).
O próximo passo na inferência por parcimônia é a etapa de otimização. É nesta etapa que os
caráteres utilizados na análise são associados à árvore filogenética (Figura 10c). Neste passo, as hipóteses
de homologia apresentadas na matriz de caráteres são testadas, ou seja, se o caráter utilizado para a
análise é ou não de fato uma homologia. Se a hipótese for aceita, o caráter utilizado é uma homologia, a
qual poderá ser uma novidade evolutiva (apomorfia) ou não (plesiomorfia). Caso seja um caráter que
33
apareceu mais de uma vez de forma independente nos diferentes táxons estudados, este não é considerado
homólogo e sim uma homoplasia e, portanto, a hipótese de homologia inicial é rejeitada. Na Figura 10, os
caráteres 1, 2 e 3 são homólogos e o caráteres 4 é uma homoplasia.
Diferente dos outros métodos baseados em caráter, a parcimônia não utiliza modelos de
substituição de nucleotídeos. Como já mencionado na seção de métodos de distância, os nucleotídeos
podem mudar em diferentes taxas dependendo da região do genoma dos organismos. Então como a
parcimônia lida com essa variação se os dados utilizados na matriz de caráteres forem informações
genéticas? Neste caso, existe a possibilidade de atribuir custos para as mudanças dos nucleotídeos.
Quanto mais custo for dado a uma mudança, um maior número de passos será necessário para que tal
mudança ocorra e, portanto, menos parcimoniosa será esta possibilidade de mudança. Essa atribuição de
custos deve ser muito criteriosa, já que pode trazer ruído para a análise e influenciar o algoritmo a
encontrar uma árvore subótima.
Existem índices que mensuram o quanto os caráteres utilizados para a inferência da filogenia
representaram ou não homologias para o grupo estudado (Figura 10d). O índice de consistência (CI) mede
o quanto das hipóteses de homologia criadas para a construção da matriz de caráteres representaram
realmente uma homologia ou não. Já o índice de retenção (RI) mede a proporção de autapomorfias
(estado presente em apenas um táxon) e homoplasias em relação ao número total de passos. Quanto maior
for o valor do RI mais apomorfias compartilhadas (=sinapomorfias) não estão sujeitas a homoplasia, ou
seja, de não ter aparecido mais de uma vez de forma independente no grupo de estudo. Já quando o RI
tende a zero, existem muitas apomorfias não compartilhadas (autapomorfias) e homoplasias.
Mas o que fazer quando mais de uma árvore mais parcimoniosa é obtida? Para sumariar essa
informação, são empregados os métodos de consenso. A árvore de consenso estrito elimina qualquer
clado que não tenha sido reconstruído em todas as hipóteses filogenéticas igualmente parcimoniosas.
Porém, parte da informação presente nas árvores é perdida, como no caso dos clados não conflitantes
entre si, mas não presentes em todas às árvores. A árvore de consenso de maioria inclui os grupos
monofiléticos presentes na maioria das árvores obtidas na análise, haja ou não conflitos entre eles.
As estimativas de suporte trazem uma mensuração da robustez de um clado e indicam o quanto
os dados disponíveis sustentam a existência do clado, ou seja, esse tipo de análise demonstra o quanto os
caráteres de uma matriz contam uma mesma história proporcionalmente. As estimativas de suporte mais
usadas são baseadas na reamostragem dos caráteres, sendo o bootstrap (Figura 10e) o mais utilizado. O
método de bootstrap é de reamostragem não paramétrica, ou seja, não dependem de parâmetros
previamente definidos e atribuição de valores de probabilidades. O bootstrap reamostra os caráteres da
matriz com reposição e constrói novas matrizes com o mesmo tamanho original. Na descrição original do
método a existência de um clado seria estatisticamente significativa se o valor de suporte obtido seja
superior ou igual a 95%, significando que de todas as reamostragens de caráteres, um determinado clado
foi recuperado em 95% das réplicas. A interpretação dos valores de bootstrap é difícil devido a grande
variação nos resultados e valores inferiores a 95% foram posteriormente propostos como aceita (p.e.
70%). Uma outra forma de se interpretar os resultados de bootstrap seria a de que o resultado obtido
indicaria que os dados existentes não seriam capazes de contar uma história bem resolvida para o grupo
estudado e que caráteres com mais variações informativas seriam necessárias para auxiliar na melhor
compreensão da história evolutiva do grupo.

34
Figura 10. Esquema geral mostrando as etapas de uma inferência filogenética hipotética por parcimônia.
Figura modificada de Frazão & Fonseca (2015).

Máxima Verossimilhança (Figura 11)


A ideia da máxima verossimilhança (Maximum likelihood - ML) está associada a um valor que
maximiza a verossimilhança de algo acontecer ou ter acontecido. Assim, a aplicação da máxima
verossimilhança na inferência filogenética implica na busca pela árvore que tem a maior probabilidade de
ter originado os dados observados. O objetivo é avaliar, assumindo um modelo de substituição de
nucleotídeos, a probabilidade condicionada (P) de ter uma árvore específica (T), sabendo que observamos
os dados da matriz (D). A notação matemática da probabilidade é P(D|T), a qual lê-se “qual a
probabilidade de uma árvore específica ter gerado os dados utilizados?”.
Na análise filogenética pelo método de ML é realizado o cálculo do valor de verossimilhança de
cada caráter da matriz em uma dada árvore (Figura 11). Os logaritmos das verossimilhanças de cada
caráter da matriz são, então, multiplicados para se obter o valor de verossimilhança global da árvore
analisada. Na estimativa de verossimilhança, os valores de base ancestrais são feitas levando em
consideração os comprimentos dos ramos da árvore analisada. Dessa forma, não é apenas a topologia que
é confrontada com os dados, mas também o comprimento dos ramos. A forma como o universo de
árvores possíveis é explorado é similar ao realizado para a parcimônia, com alguns dos algoritmos de
busca heurísticas. Como o comprimento dos ramos também é incluído no cálculo e as árvores precisam
estar enraizadas para o cálculo da verossimilhança, o universo de árvores possíveis é maior e o cálculo de
verossimilhança mais complexo, fazendo as buscas de árvores mais demoradas. Os algoritmos de ML
calculam o valor que maximiza a probabilidade de uma árvore filogenética existir a medida que amostram
as possibilidades de árvores. O algoritmo para de calcular as verossimilhanças quando ele não encontra
mais nenhuma árvore que tenha a verossimilhança maior do que a uma árvore competente. Na Figura 11,
box 2, há um exemplo de como funciona basicamente a seleção de árvores por verossimilhança. Uma
árvore A é inferida e tem o valor de verossimilhança igual a 0,888. Uma segunda árvore possível é
inferida com o valor de verossimilhança igual a 0,889. O algoritmo pergunta “Qual é a melhor árvore, A
ou B?”, sendo B a melhor. O algoritmo calcula uma nova árvore C com o valor de verossimilhança igual
a 0,750, faz a mesma pergunta ao final do cálculo e verifica que B permanece a melhor árvore e continua
35
comparando outra árvore com B. Com o cálculo da nova árvore D, o algoritmo verifica que B ainda
permanece com a maior verossimilhança. Portanto, assume que B é a árvore com o valor de
verossimilhança que maximiza a probabilidade dos dados da matriz utilizada ter sido gerada.

Inferência Bayesiana (Figura 12)


A ideia da estatística bayesiana é a de ser possível calcular a probabilidade de algo acontecer ou
ter acontecido, sabendo alguma informação a priori. Por exemplo, imagine que um dia você acordou e
viu que o gramado de sua casa estava molhado. Você pode criar inúmeras hipóteses acerca do que deve
ter acontecido para que a grama esteja molhada, como ter chovido durante a noite ou que seu vizinho
molhou a grama. No entanto, você tem uma informação a priori, notou que na noite anterior o céu estava
nublado. Dada esta informação, qual seria a hipótese mais provável dentre as que você criou? A de que
choveu, correto? Mesmo que essa não seja a hipótese correta, ela terá, em sua inferência mental, uma
maior probabilidade de explicar o evento. É basicamente assim que a estatística Bayesiana funciona.
Num contexto de inferência filogenética, enquanto a verossimilhança avalia uma árvore com
base em quão provável é que a evolução teria produzido os dados observados, a inferência bayesiana
avalia uma árvore com base em sua probabilidade posterior, P(T|D). A probabilidade posterior (P)
representa a probabilidade de uma árvore específica (T) ser verdadeira, ou seja, de representar a história
evolutiva de um grupo, dada uma matriz de caráteres (D). Além disso, são embutidas no cálculo
informações tidas a priori sobre a evolução dos caráteres utilizados e a verossimilhança dos dados
dependendo da árvore hipotética. O prior de uma árvore nos algoritmos tradicionalmente usados, como o
MrBayes, por exemplo, é a probabilidade de uma árvore dependente do número de táxons na análise. Na
Figura 12, por exemplo a probabilidade de uma árvore com quatro terminais com grupo externo fixado
existir é 1/3 (=0,333). Este é o valor de probabilidade automático que o algoritmo embutirá na análise.
Agora, se não há um grupo externo a probabilidade inicial ou prior para a árvore será 1/12 (=0,083). A
probabilidade posterior em quase todos os casos é maior do que o prior. Isso acontece porque os dados
utilizados para um determinado grupo de estudo sempre terão alguma informação com sinal filogenético,
o que conferirá mais evidências que sustentem uma hipótese testada.
O resultado da análise bayesiana é um conjunto de árvores (em geral centenas ou mesmo
milhares) que foram amostradas durante a análise. Portanto, esse tipo de inferência é frequentista e não
chega a apenas uma árvore final, como é o caso da ML. Uma árvore de consenso de maioria, entre outras
opções, é construída para sintetizar os resultados da amostragem. A probabilidade posterior de cada clado
é estimada e é utilizada para a sustentação, onde quanto maior é o valor, maior a probabilidade daquele
clado existir, dados os dados e informações a priori. A interpretação estatística da probabilidade posterior
na árvore final é muito complexa matematicamente. Apesar disso, esta é mais uma característica
interessante da análise bayesiana, já que sua árvore filogenética é uma árvore de consenso de maioria
representando um conjunto de árvores possíveis, e não apenas uma única árvore como acontece com a
inferência por ML. Desta forma, a análise bayesiana é um método de aproximação da resposta e incorpora
incerteza à inferência, o que se assemelha mais com a forma com que a história evolutiva dos organismos
é acessada por nós humanos. Uma vez que história evolutiva não pode ser conhecida, uma distribuição de
probabilidade com possíveis cenários parece ser o método de inferência mais razoável.

36
Figura 11. Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência por Máxima Verossimilhança. Com
adaptações de Herron & Freeman (2014, p. 128).

37
Figura 12. Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência Bayesiana.

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40
CAPÍTULO 03

Introdução às macroalgas marinhas


Fabio Nauer

O termo alga representa um grupo de organismos classificados em grupos distintos, sem valor
taxonômico. Esses organismos apresentam uma grande variação de formas e tamanhos, podendo ser uni
ou multicelulares, procariotos ou eucariotos e que utilizam o pigmento clorofila a para realizar a
fotossíntese. De modo geral, o corpo dessas algas recebe o nome de talo, e não apresenta diferenciação
em raiz, caule ou folhas. Com base em sua coloração, as algas são tipicamente divididas em três grandes
grupos: algas vermelhas, verdes e pardas (Tabela 1). Com base no tamanho do talo, as algas podem ser
diferenciadas em dois grupos: micro e macroalgas. As macroalgas são macroscópicas, multicelulares e
habitam ambientes aquáticos marinhos e continentais.
As algas vermelhas (filo Rhodophyta) são abundantes em águas tropicais e quentes, porém
algumas espécies também podem ser encontradas em regiões mais frias do mundo. Existem,
aproximadamente, 6.000 espécies descritas, distribuídas em 680 gêneros. Dentre as características
apresentadas pelas algas vermelhas, podemos citar: amido das florídeas como produto de reserva,
presença dos polissacarídeos ágar ou carragenana na composição da parede celular, presença em grande
quantidade do pigmento acessório ficoeritrina, que mascara a coloração da clorofila a e ausência de
centríolos ou flagelos em qualquer fase de seu ciclo de vida. Exemplos destas algas e suas estruturas estão
representadas nas figuras 17 a 24.
As algas verdes (filo Chlorophyta) incluem cerca de 3.500 espécies, distribuídas em uma ampla
variedade de habitats, aquáticos, terrestres e inclusive em associações simbióticas com fungos, formando
líquens. As algas verdes também apresentam uma grande variação de formas e tamanhos, podendo ser
unicelulares flageladas, coloniais, filamentosas e cenocíticas. Algas verdes também possuem íntima
relação com briófitas e plantas vasculares, sendo os únicos grupos de organismos fotossintetizantes a
possuírem clorofilas a e b e armazenarem amido no interior dos plastos. Outros pigmentos acessórios que
estão presentes são luteína e beta-caroteno, não possuindo ficobilinas. As figuras 1 a 8 representam
exemplos destas algas
As algas pardas (filo Ochrophyta) incluem cerca de 1.500 espécies distribuídas em 250 gêneros,
sendo predominantemente marinhos e abundantes em regiões mais frias do globo. Com base no tamanho,
as algas pardas podem variar de formas microscópicas à formas macroscópicas de até 60 metros de
comprimento, conhecidas como kelps. Grandes kelps podem formar verdadeiras florestas subaquáticas,
abrigando diversas espécies de organismos marinhos de importância ecológica e econômica. De modo
geral, o talo das kelps pode ser subdivido em uma lâmina fotossintetizante, um estipe altamente
especializado e um apressorio de ancoramento. A parede celular das algas pardas possui três
componentes: ácido algínico, celulose e polissacarídeos sulfatados. Além da clorofila a os cloroplastos
dessas algas possuem clorofila c, beta-caroteno, violoxantina e grandes quantidades de fucoxantina, que
mascara a coloração da clorofila a e confere as algas pardas sua coloração marrom típica. Exemplos
destas algas e suas estruturas estão representadas nas figuras 9 a 16.

41
Tabela 1. Principais características dos três grandes grupos de algas, modificado de Graham & Graham
(2009).
Característica Rhodophyta Chlorophyta Ochrophyta
Clorofilas a a, b a, c1, c2

Ficobilinas b-ficocianina
b-ficoeritrina
c-ficocianina
c-aloficocianina
c-ficoeritrina

Carotenoides β-caroteno β-caroteno β-caroteno


Zeaxantina Luteína Fucoxantina
Antheraxantina Violaxantina Violaxantina
Luteína Zeaxantina Zeaxantina

Substância de Amido das florídeas Amido Laminarina


reserva Manitol

Parede celular Celulose Celulose Celulose


Agar Ácido Algínico
Carragenana

Presente em
Flagelos Ausentes Presentes em algumas fases; gametas e/ou
esporos;

Cloroplastos Número variável; Número variável; Número variável


Estrelados,
Ovais, discóides ou Discóides, reticulados, cilíndricos ou
estrelados; estrelados, laminares, lenticulados.
em forma de fita etc.

O talo, o corpo vegetativo simples, das algas, variam em complexidade e forma, tais como:
 Aspecto de rede: talos cujos filamentos se desenvolvem formando estruturas
semelhantes a redes. Ex.: Microdyction;
 Calcário: talos com presença de carbonato de cálcio. Ex.: Corallina e Halimeda;
 Cenocíticos: talo onde não há divisão de células, ou talo acelular, onde ocorre um
aglomerado de núcleos e cloroplastos. Ex.: Codium e Caulerpa.
 Cilíndricos: talos de forma cilíndrica, com medula e córtex diferenciados. Ex.:
Gracilaria e Gelidium;
 Crostosos: talos com aspecto de crosta, que recobre o substrato. Ex.: Hildenbrandia e
Ralfsia;
 Filamentosos: talos compostos por uma única fileira de células. Ex.: Chaetomorpha e
Feldmannia;
42
 Filamentosos corticados: talos filamentosos que apresentam córtex diferenciado. Ex.:
Ceramium e Centroceras.
 Foliáceos laminares: constituídos por algumas camadas de células, não há divisão em
córtex e medula medula nem córtex. Ex.: Ulva e Porphyra;
 Foliáceos corticados: apresentam medula e córtex diferenciados. Ex.: Canistrocarpus e
Padina;
 Globosos: talos de formato esférico. Ex.: Ventricaria e Valonia;

As macroalgas habitam as zonas costeiras rochosas tanto em ambientes tropicais quanto


temperados, e são os principais componentes das comunidades de meso e infralitoral de costões rochosos,
manguezais, atóis, bancos arenosos, bancos de rodolitos, bancos de fanerógamas, recifes de coral, recifes
de arenito, estuários e substratos artificiais. Na região do mesolitoral, as algas são expostas a diversos
fatores que influenciam sua distribuição e sobrevivência, esses fatores, por sua vez, podem ser divididos
em fatores abióticos e fatores bióticos.
Fatores abióticos são fatores ausentes da presença de seres vivos, mas influenciados pelas
propriedades físicas e químicas da biosfera (fatores ambientais). Para as algas marinhas, o fator abiótico
mais importante é a variação da maré, bem como a irradiância, a temperatura, o hidrodinamismo e a
dessecação.
 Dessecação: perda de líquidos devido à prolongada exposição ao ar durante a baixa
maré;
 Hidrodinamismo: ação das ondas e o movimento da água;
 Irradiância: por serem fotossintetizantes, a ocorrência e distribuição das algas está
diretamente relacionada com a distribuição de luz;
 Temperatura: influencia diretamente no metabolismo das algas, como a fotossíntese e
a respiração.

Fatores bióticos são fatores ocasionados pela presença de seres vivos ou suas relações. Entre as
relações que existem entre os organismos que vivem ou visitam a região do mesolitoral, podemos citar a
competição, a herbivoria e as interações simbióticas.
 Competição: resultado da escassez de algum recurso, como espaço para fixação e
crescimento;
 Herbivoria: por serem organismos sésseis, as algas desenvolveram outras formas de
evitar a predação, como viver em locais de maior estresse nas partes superiores de
costões rochosos, por exemplo;
 Interações simbióticas: espécies podem apresentar relações ecológicas como o
comensalismo, o mutualismo e o parasitismo.
Assim como as plantas terrestres, as algas possuem grande importância ecológica por serem
organismos fotossintetizantes. Além disso, são fontes de alimentos para diversos animais aquáticos, como
crustáceos, peixes e tartarugas. Algumas algas ainda servem de hábitat para espécies de animais que
utilizam a estrutura do talo, ou mesmo o próprio banco de algas, como locais de abrigo e reprodução.
Algas também são largamente utilizadas em diversas atividades humanas. Em muitos países,
principalmente no Oriente, as algas fazem parte da alimentação diária. São fontes de proteínas, vitaminas
e sais minerais. Dentre as mais conhecidas, destaca-se o nori, utilizado pelos japoneses no preparo do
sushi. Além disso, o ágar, os alginatos e os carragenanos presentes na parede celular das algas são
largamente utilizados na indústria, nas áreas de biologia molecular e biotecnologia, bem como na
fabricação de alimentos, bebidas e cosméticos. E por fim, pesquisas vêm sendo realizadas para analisar a
eficácia das algas no tratamento de diversas doenças, tais como asma, bronquite, verminoses, artrite e
hipertensão.

43
1 2
1 2
1 2

3
3 44

55 6 6

77 8 8

Figuras 1-8. Exemplos de Algas Verdes. Figura 1. Ulva rigida, aspecto geral do talo foliáceo. Figura 2.
Detalhe do talo formado por duas camadas de células. Figura 3. Chaetomorpha antennina, aspecto geral
do talo filamentoso. Figura 4. Detalhe dos filamentos unisseriados, não ramificados. Figura 5. Caulerpa
sertularioides, aspecto geral do talo cenocítico. Figura 6. Detalhe do talo cenocítico, sem divisão de
células. Figura 7. Halimeda sp., aspecto geral do talo, evidenciando as porções calcificadas da planta.
Figura 8. Detalhe da região de ligação não calcificada das porções articuladas do talo.

44
9
9 101
0

11 1 121
1 2

13 1 14 1
3 4

15 1 161
5 6

Figuras 9-16. Exemplos de Algas Pardas. Figura 9. Padina gymnospora, aspecto geral do talo foliáceo
cortiçado, em forma de ventarola. Figura 10. Corte transversal do talo. Figura 11. Spatoglossum
schroederi, aspecto geral do talo. Figura 12. Corte transversal do talo, mostrando as células do córtex
pigmentadas e as células da medula incolores. Figura 13. Canistrocarpus cervicornis, aspecto geral do
talo. Figura 14. Detalhe da ramificação dicotômica do talo. Figura 15. Feldmannia indica, aspecto geral
do talo filamentoso. Figura 16. Detalhe do filamento unisseriado, evidenciado os cloroplastos estrelados.

45
17 18

1 1
7 8

19 20

1 2
9 02 2
1
1 2

Figuras 17-20. Exemplos de Algas Vermelhas. Figura 17. Vidalia obtusiloba, aspecto geral do talo
achatado. Figura 18. Corte transversal do talo, evidenciando o córtex pigmentado e a medula incolor.
Figura 19. Ceramium flaccidum, aspecto geral do talo filamentoso. Figura 20. Detalhe dos filamentos,
com o córtex formando-se nas regiões dos nós do talo.

2 2
3 4

46
21 22

23 24

Figura 21-24. Exemplos de Algas Vermelhas. Figura 21. Gracilaria caudata, aspecto geral do talo
cilíndrico. Figura 22. Corte transversal do talo, evidenciando o córtex pigmentado e a medula incolor.
Figura 23. Corallina officinalis, aspecto geral do calcário articulado. Figura 24. Detalhe das porções do
talo com depósito de carbonato de cálcio (intergenículos) e porções de sem depósito (genículos).

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47
CAPÍTULO 04

Histórico de vida em algas


Mario Celso Machado Yeh

Renovação da vida
Os elementos abióticos presentes na natureza se renovam ciclicamente, tais como a água, o
carbono e o enxofre. Para os seres vivos não é diferente: as características contidas no genoma de um
organismo são transmitidas de geração para geração. Este processo não consiste apenas na divisão de
células e na reprodução dos organismos, mas também nos processos capazes de transmitir as informações
contidas em um indivíduo para as gerações seguintes.

Históricos de vida
O conjunto dos eventos de desenvolvimento e reprodução que são contemplados durante a vida
de um indivíduo, população ou espécie é conhecido como histórico de vida. Ciclo de vida é o termo mais
conhecido quando nos referimos ao conjunto destes processos, entretanto é conveniente salientar que
histórico é um termo mais apropriado uma vez que nem sempre um ciclo completo ocorre e desvios são
também comuns.
Os processos de meiose e fecundação são essenciais para compreensão dos históricos de vida. As
algas se reproduzem por uma variedade de métodos, assexuadamente e sexuadamente. Enquanto a
reprodução sexuada envolve a fusão de gametas, a cariogamia e a meiose, esses processos não ocorrem na
reprodução assexuada. Alguns organismos podem se reproduzir exclusivamente de maneira assexuada,
entretanto a maioria das algas se reproduz de maneira sexuada e assexuada.
A reprodução assexuada permite crescimento populacional rápido em condições favoráveis, uma
vez que não existe o custo energético associado a produção de gametas e a necessidade de se encontrar
parceiros. Em contraste, a reprodução sexuada pode conferir como vantagem o aumento da variabilidade
genética de uma população, fomentando a habilidade de resposta a mudanças ambientais por processos
evolutivos. Além disso, muitas algas que realizam reprodução sexuada possuem mecanismos de
resistência no histórico de vida, que podem permitir a sobrevivência em condições desfavoráveis ao
crescimento.
Os históricos de vida são classificados de acordo com o número de gerações (fases) e a ploidia
dessas fases. Os históricos de vida haplobiontes apresentam apenas uma geração duradoura. Nesse caso,
os organismos podem ser haploides (n) ou diploides (2n), dependendo da espécie. O histórico de vida
diplobionte apresenta duas gerações duradouras distintas, uma diploide e outra haploide.

Reprodução assexuada
Muitas espécies de algas que podem se reproduzir assexuadamente, o fazem por esporulação. A
partir do citoplasma de uma célula, uma ou mais células reprodutivas são produzidas, e estas são capazes
de originar novos indivíduos uni ou pluricelulares. Estas células reprodutivas (esporos) diferem em
mobilidade e capacidade de produzir flagelos, ainda que sejam capazes de serem dispersadas além da
célula parental:
 Zoósporos: possuem flagelos que os conferem mobilidade em ambientes aquáticos.
 Aplanósporos: Não possuem flagelos.
Outros mecanismos de reprodução assexuada ou vegetativa são também encontrados em algas.
Espécies coloniais de forma e número de células definido são capazes de se reproduzir por
autocolonização, onde cada célula da colônia se divide e dá origem a uma versão miniaturizada do
organismo. Algas filamentosas ou parenquimatosas podem se reproduzir assexuadamente por

48
fragmentação do talo. Acinetos são estruturas especiais de resistência de cianobactérias, que podem se
formar quando as condições do meio em que se encontram não são favoráveis à reprodução vegetativa.

Reprodução sexuada
A reprodução sexual é encontrada na maioria das linhagens de algas. Ainda que as cianobactérias
(algas azuis) apresente alguns mecanismos de troca de genes, muitos dos processos típicos da reprodução
das linhagens eucarióticas estão ausentes. A reprodução sexuada em eucariotos envolve a produção de
gametas, a fusão de gametas e a meiose.
Os gametas são haploides e têm como função principal a fecundação. Os indivíduos que, os
produzem são denominados de gametófitos, e as estruturas onde são diferenciados são chamadas
gametângios. Os gametas produzidos podem ser mais ou menos diferenciados entre si (Quadro 1):
 Isogamia: os gametas são estruturalmente semelhantes, entretanto podem ser distintos
bioquimicamente. Os símbolos + ou – podem ser atribuídos para cada um dos gametas.
 Heterogamia - anisogamia: os gametas são diferentes em tamanho. O feminino é ligeiramente
maior que o masculino e ambos podem apresentar mobilidade.
 Heterogamia - oogamia: um gameta masculino (flagelado ou aflagelado) e um gameta feminino
maior e imóvel.

Quadro 1. Ilustrações representando gametas encontrados em alguns dos históricos de vida presentes nas
algas.

Três principais históricos de vida são contemplados na reprodução sexual das algas:

 Haplobionte diplonte (meiose gamética): os gametas masculinos e femininos são haploides,


enquanto o estádio vegetativo é diploide. Os gametas se fundem para formar um zigoto, que por
diversas divisões mitóticas forma um corpo multicelular diploide. A possibilidade de mascarar
mutações deletérias é uma das possíveis vantagens do histórico de vida em que a fase diploide é a
dominante. A geração dominante carrega também duas vezes as mutações benéficas. Entretanto, o
genoma da fase diploide, pode mascarar mutações benéficas, o que pode comprometer a eficácia de
resposta a mudanças ambientais (Figura 1).

49
Figura 1. Histórico de vida incluindo meiose gamética. As fases representadas no fundo branco são
haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo cinza são diploides (2n). Células reprodutivas no
estádio vegetativo dão origem a gametas femininos ou masculinos, haploides. Estes se fundem na
fecundação e formam o zigoto (diploide) que por sucessivas divisões mitóticas dá origem ao estádio
vegetativo duradouro. Modificado de Graham et al., 2009.

 Haplobionte haplonte (meiose zigótica): apenas as células zigóticas são diploides, e a fase
vegetativa é, portanto, haploide. Durante a meiose do zigoto, genes relacionados à reprodução dão
origem a dois tipos de fases vegetativas, um positivo e um negativo. Estas por sua vez dão origem a
gametas + e – (também referidos por x e y) que formarão o zigoto. A expressão do tipo (+ ou −) é
controlada pelo ambiente. No histórico de vida em que a fase haploide é a dominante, mutações
deletérias tendem a sumir nas populações, enquanto as benéficas respondem de maneira mais eficiente
às mudanças do ambiente (Figura 2).

50
Figura 2. Histórico de vida incluindo meiose zigótica. As fases representadas no fundo branco são
haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo cinza são diploides (2n). O zigoto (diploide) dá
origem a gametas + ou – , que originam fases vegetativas + ou –, respectivamente. A geração dominante,
+ ou –, dará origem a gametas + ou –, respectivamente, que se fundem, originando o zigoto, fechando o
histórico. Modificado de Graham et al., 2009.

 Diplobionte (meiose espórica): o histórico de vida que contempla a meiose espórica é conhecido pela
alternância de gerações. Essa característica evoluiu independemente em várias linhagens de algas e no
ancestral comum das plantas terrestres. Este histórico contempla duas fases multicelulares: os
gametófitos (haploides) e os esporófitos (diploides). Os gametófitos, em condições favoráveis,
produzem gametas que quando fundidos formam um zigoto, diploide. Este zigoto sofre divisões
mitóticas e origina o esporófito, multicelular. Nessa geração, ocorre a produção de esporângios, nos
quais ocorre a meiose. Após a liberação, esses esporos podem germinar e dar origem aos gametófitos,
restaurando o ciclo (Figura 3). A alternância de gerações pode ser dividida em duas categorias,
baseadas nas diferenças morfológicas entre as fases gametofíticas e esporofíticas:
o Alternância de gerações isomórfica: os estádios gametofíticos e esporofíticos são
morfologicamente semelhantes.
o Alternância de gerações heteromórfica: os estádios gametofíticos e esporofíticos são
morfologicamente diferentes. No passado, diferentes estádios do histórico de vida de uma
mesma espécie já foram classificados como espécies ou gêneros distintos. Atualmente, o cultivo
em laboratório e testes de biologia molecular, por exemplo, permitem entender melhor a
alternância de gerações heteromórfica.

51
Figura 3. Histórico de vida incluindo meiose espórica e alternância de gerações. As fases representadas no
fundo branco são haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo cinza são diploides (2n). O
zigoto (diploide) dá origem a um esporófito. Células reprodutivas do esporófito, por meiose, dão origem à
gametas + ou –. Estes dão origem a gametófitos + ou –, respectivamente. Os gametófitos + ou – dão
origem a gametas + ou –, respectivamente que se fundem dando origem ao zigoto, fechando o histórico.
Modificado de Graham et al., 2009.

Exemplos de ciclos em algas multicelulares


Na natureza nem sempre o que está contemplado no histórico de vida acontecerá com os
indivíduos de forma cíclica, seguindo as setas propostas em um esquema simplificado. Muitas vezes mais
um modo de reprodução poderá ocorrer: algas que são capazes de se reproduzir sexuadamente, também
podem se reproduzir por fragmentação, por exemplo. Para contextualização, abaixo temos alguns
exemplos de históricos de vida dos principais grupos de algas verdes, pardas e vermelhas, todos
multicelulares:

Algas verdes
Neste grupo ocorrem reprodução vegetativa, espórica e gamética. A reprodução vegetativa
ocorre por divisão celular simples ou fragmentação e também podem se reproduzir pela formação de
esporos. O histórico de vida pode ser do tipo haplobionte diplonte, haplobionte haplonte ou diplobionte
com gerações isomórficas ou heteromóficas:

Spirogyra sp.
Esta é uma alga comum em lagos e poças temporárias, que apresenta o citoplasma espiralado.
Uma das maneiras pelas quais Sporogyra sp. pode se reproduzir envolve um tubo de conjugação
(conjugação lateral) (Figura 4).

52
Figura 4. Histórico de vida simplificado de Spirogyra sp. Modificado de Lee (1989).

Ulva sp.
Também conhecida como alface do mar, esta alga apresenta alternância de gerações onde os
estádios adultos são isomórficos (Figura 5).

Figura 5. Histórico de vida simplificado de Ulva sp. Modificado de Raven et al. (2007).

53
Algas pardas
Neste grupo é possível observar reprodução do tipo vegetativa, espórica e gamética. As algas
pardas possuem uma nomenclatura específica para as células reprodutivas:

 Órgão plurilocular: produz células por mitose. As células produzidas por esta estrutura apresentam
mobilidade. É possível observar o aparecimento do órgão plurilocular tanto no gametófito quanto no
esporófito. No gametófito (n), o órgão funciona como um gametângio, produzindo gametas (que
podem se desenvolver por partenogênese também). No esporófito (2n), o órgão funciona como um
esporângio, produzindo esporos.
 Órgão unilocular: produz células por meiose e ocorre apenas no esporófito. É uma célula grande e
esférica que após a meiose forma esporos em múltiplos de quatro.

Fucus sp.
É um gênero de algas pardas de distribuição cosmopolita. O histórico de vida apresenta
reprodução sexuada com meiose gamética que se assemelha à encontrada nos seres humanos (Figura 6).

Figura 6. Histórico de vida simplificado de Fucus sp. Modificado de Graham et al. (2009).

Ectocarpus sp.
É um gênero de alga filamentosa que tem sido utilizada como modelo de estudos para a
genômica. Os esporângios pluricelulares deste órgão permitem restaurar a geração esporofítica (Figura 7).

54
Figura 7. Histórico de vida simplificado de Ectocarpus sp. Modificado de Graham et al. (2009).

Algas vermelhas
Apresentam reprodução vegetativa, espórica e gamética. Enquanto a reprodução vegetativa
ocorre através da fragmentação do talo, a reprodução sexuada envolve a formação de esporos. Os esporos
formados pela meiose são sempre em número de 4, de onde deriva o nome tetrasporângio. Os esporos
produzidos dentro dos tetrasporângios são chamados de tetrásporos e se desenvolvem em três arranjos
distintos: cruciados, zonados ou tetraédricos O gameta masculino não apresenta flagelos e é denominado
de espermácio, enquanto o feminino é denominado de carpogônio.

Gracilaria sp.
Neste gênero o histórico de vida é trifásico, com duas fases diploides e uma haploide. As três
fases contempladas nesse histórico de vida são a gametofítica (n), a carposporofítica (2n) e
tetrasporofítica (2n). A alternância de gerações encontrada é do tipo isomórfica: o tetrasporófito e o
gametófito são semelhantes. A geração carposporofítica é parasita do gametófito feminino. Os
espermácios produzidos pelo gametófito masculino são carregados pela água até as estruturas de
reprodução dos gametófitos femininos, os carpogônios. A fusão destes gametas forma a geração
carposporofítica, no talo do gametófito feminino. Esta geração é protegida por uma série de camada de
células do gametófito feminino. O conjunto formado pelas células do gametófito feminino e o
carposporófito é chamado de cistocarpo. Os esporos produzidos pelo carposporófito são chamados de
carpósporos (2n) e dão origem a geração tetrasporofítica, também diploide. Os tetrasporófitos adultos dão
origem a tetrásporos (n), por meiose, que restauram a geração gametofítica (n) (Figura 8).

55
Figura 8. Histórico de vida trifásico de Gracilaria sp. Note a geração carposporofítica, parasita da
geração gametofítica. Modificado de Graham et al. (2009).

Referências:
Graham, L. E., Lee, W. W. & Graham, J. (2009) Algae. 2. Ed. Pearson Education Inc., San Francisco.
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biologia das criptógamas. São Paulo : Instituto de Biociências da Universidade de Saõ Paulo ,
Departamento de Botânica
Raven, P. H., Evert, R. F. & Eichhorn, S. E. (2007) Biologia Vegetal. 7. Ed. Guanabara Koogan, Rio de
Janeiro.
Santos, D. Y. A. C., Chow, F. & Furlan, C. M. (2012) A botânica no cotidiano. 1. Ed. Holos Editora,
Ribeirão Preto.

56
CAPÍTULO 05

Diversidade intraespecífica: modificações do talo


em algas vermelhas (Rhodophyta)
Fabiana Marchi dos Santos

Introdução
As algas vermelhas partilham entre si uma série de características, como por exemplo: células
eucarióticas, ausência de flagelos, amido das florídeas armazenado no citoplasma, tilacoides livres no
cloroplasto, ficocoloides (agar ou carragenana) presentes na perede celular, ficobiliproteínas (ficoeritrina,
ficocianina e aloficocianina) dispostas em agregados chamados ficobilissomos, localizados nas
membranas dos tilacoides, associados ao fotossistema II. As ficobiliproteínas são pigmentos solúveis em
água, de coloração azul ou vermelha que possuem um cromóforo (ficobilina) e uma parte proteica, tais
pigmentos mascaram a presença da clorofila a, proporcionando colorações azuladas ou avermelhadas as
algas. A clorofila a é considerada o principal pigmento fotossintetizante, e os carotenoides juntamente
com as ficobiliproteínas funcionam como pigmentos acessórios capazes de ampliar o espectro de
absorção da energia luminosa em comprimentos de onda em que a absorção da clorofila a é baixa.
O histórico de vida na maioria das espécies é constituído por três fases, caracterizado por uma
alternância de fases haploide (gametofítica) e diploide (tetrasporofítica e carposporofítica). O gametófito
é dióico e isomórfico ao tetrasporófito, ambos são de vida livre, enquanto que o carposporófíto é
microscópico e parasita do gametófito feminino (Figura 1). O gametófito masculino libera na coluna d‟
água numerosos espermácios (gametas masculinos não flagelados) produzidos nos espermatângios. Esses
são conduzidos pela coluna d‟água até o gametófito feminino, aderindo-se a tricogine, que é uma porção
alongada do carpogônio (gameta feminino) projetada para o meio. Após a fertilização, o zigoto resultante
passa por sucessivas divisões mitóticas, que dão origem a uma nova fase do histórico de vida, o
carposporófito (2n), que se desenvolve superficialmente ao talo do gametófito feminino. Esse é protegido
por células do próprio gametófito, chamada pericarpo, formando uma estrutura denominada de cistocarpo.
Nas porções apicais do carposporófito são produzidos espóros diploides, denominados de carpósporos, e
após a sua liberação e germinação dão origem aos tetrasporófitos (2n). Nesses desenvolvem-se
tetrasporângios que por meio de meiose dão origem a espóros haploides, em número de quatro,
denominados de tetrásporos. Após serem liberados na coluna d‟água, esses tetrásporos germinam e
originam os gametófitos (n).

57
Figura 1. Histórico de vida trifásico de Gracilaria sp.

As algas vermelhas possuem muitos representantes de importância econômica tendo em vista a


presença de ficocoloides como ágar e carragenana na parede celular. Estes ficocoloides são de muita valia
para a indústria alimentícia, têxtil e biotecnológica, pois possuem propriedades estabilizante,
emulsificante e gelificante. No Brasil a exploração dos recursos naturais para a exploração de ágar teve
início na década de 60, no entanto, as populações naturais exploradas se mostraram insuficientes para
atender as demandas comerciais. Sendo assim, foi possível a observação de um declínio populacional,
resultante da super-explotação. A decisão de como preservar ou manejar uma espécie depende, dentre
outros aspectos, do conhecimento da diversidade intraespecífica.
A diversidade intraespecífica pode ser caracterizada por alterações fenotípicas (plasticidade
fenotípica) dentro de uma mesma espécie, que por sua vez pode ter diferentes expressões dependendo do
ambiente onde a população ou o indivíduo ocorra. Essa plasticidade fenotípica pode ser decorrente de
processos de aclimatação e adaptação. Processos de aclimatação correspondem a diferentes expressões de
ajustamento ao ambiente que um organismo pode sofrer dentro dos limites do seu genótipo,
proporcionando plasticidade fenotípica. Já os processos adaptativos correspondem à expressão de
ajustamento ao ambiente decorrente de alteração no genótipo.
Em algas vermelhas é muito comum a ocorrência de variações cromáticas intraespecíficas, a
coloração pode variar de vermelho escuro até esverdeada, passando pelos tons vináceos, rosados,
alaranjados e amarelados. Esse fenômeno é muitas vezes decorrente da capacidade de aclimatação do
organismo frente a diferentes fatores ambientais, promovendo um rearranjo e/ou alterações nas
concentrações dos pigmentos em quantidades variáveis, possibilitando dessa forma, numerosas
combinações de cores. Os processos de adaptação decorrentes de alterações no genótipo também podem
ser responsáveis pela variação cromática intraespecífica.
Cabe ressaltar que, em campo é possível obter indícios para diferenciação entre os dois
processos, como por exemplo, quando indivíduos de colorações distintas crescem em locais diferentes,
podendo ser um ambiente sombreado e outro iluminado. Nessa situação a coloração distinta pode ser
apenas uma resposta às condições ambientais e representa um indicativo de processo aclimatativo. No
entanto, a ocorrência de algas com colorações distintas crescendo lado a lado na natureza é um indicativo
da existência de variantes pigmentares genotípicas, especialmente se as condições do local forem muito
58
homogêneas. De qualquer forma, em ambas situações, é necessário levar essas algas para um laboratório
e mantê-las sob condições controladas e semelhantes, a fim de verificar a estabilidade do carácter cor.
Caso as algas sofram modificações na coloração do talo após algumas semanas de cultivo em laboratório,
e adquiram colorações semelhantes, o resultado será interpretado como uma consequência da aclimatação
às condições de laboratório, e as diferentes colorações em campo seriam resultantes de um processo de
aclimatação as condições ambientais. Caso as diferentes colorações sejam mantidas, mesmo após um
longo período de cultivo, se interpretará a cor como uma característica determinada geneticamente
(Figura 2).

Figura 2. Ápices em estado vegetativo de gametófitos femininos de coloração vermelha (a esquerda) e de


coloração marrom-esverdeada (a direita) de Gracilaria caudata cultivados in vivo, sob condições
semelhantes.

O modo como o caracter cor é transmitido pode ser conhecido por meio do acompanhamento de
sua herança em condições de laboratório. No entanto, a herança de cor somente poderá ser estudada
quando houver um conhecimento prévio do histórico de vida da espécie selecionada. Em algas vermelhas
a segregação genética ocorre geralmente na fase gametofítica (haploide), em que mutações recessivas não
são mascaradas por alelos dominantes, assim simplificam a análise genética. Entretanto, para
tetrasporófitos (diploides), é necessário induzir a fertilidade e somente após a liberação de espóros e
formação dos gametófitos, é possível realizar testes de cruzamentos adicionais para determinar se um
indivíduo em particular apresenta genes dominantes ou carrega mutações recessivas. Os estudos de
herança de cor em uma espécie são iniciados a partir da seleção de indivíduos femininos e masculinos das
diferentes colorações. Essas algas podem ser obtidas do campo com posterior isolamento unialgáceo ou a
partir do cultivo de esporos provenientes de algas de diferentes colorações coletadas do ambiente. O
experimento consiste na manutenção de ápices femininos: i) cultivados isoladamente, para assegurar a
ausência de partenogênese ou hermafroditismo; ii) cultivados em conjunto com ápices masculinos de
mesma coloração, e iii) cultivados em conjunto com ápices masculinos de coloração diferente. Esse
experimento deverá ser realizado respeitando um número mínimo de repetições para cada cruzamento
(Figura 3).

59
Figura 3. Esquema básico para ensaios de cruzamento entre variantes de cor de uma mesma espécie,
utilizando indivíduos dioicos. vm = vermelho, me = marrom-esverdeado.

O padrão de herança de cor varia de acordo com a espécie ou de acordo com as linhagens dentro
de uma mesma espécie. Na maioria dos casos com variantes de cor naturais (obtidas em campo ou
espontaneamente em laboratório), essas apresentam uma herança nuclear (mendeliana) recessiva, sendo o
fenótipo selvagem dominante, ou herança citoplasmática (materna) em que a coloração variante só é
passada aos descendentes quando o gametófito feminino possui o fenótipo alterado. No Brasil, o estudo
de variantes cor naturais tem sido realizado principalmente nas espécies pertencentes ao gênero
Gracilaria. Dentre essas destacam-se G. birdiae, G. dominguensis, que são espécies exploradas no
nordeste do país como fonte de ágar. A caracterização genética de suas variantes foi realizada e indicou
que G. birdiae apresenta herança nuclear recessiva para os fenótipos marrom esverdeado e verde claro, e
herança citoplasmática para o fenótipo verde. G. dominguensis apresenta herança nuclear codominante
para o fenótipo verde, que quando em heterozigose com o fenótipo selvagem (vermelho), expressa o
fenótipo marrom (Figura 4).

Figura 4. Ápices de Gracilaria domingensis de coloração vermelha (a esquerda) e de coloração verde (a


direita) cultivados in vivo, sob condições semelhantes.

É importante salientar que variantes de cor também podem ser induzidas em laboratório com o
auxílio de agentes mutagênicos, podendo ser estáveis ou não, quando estáveis a sua herança também pode
ser estudada. A indução de variantes de cor tem sido realizada tendo em vista o potencial que essas, assim
como variantes naturais, podem ter em estudos genéticos funcionando como marcadores visuais por
apresentarem um fenótipo facilmente detectável. E dessa forma, os padrões de herdabilidade dos
fenótipos alterados podem possibilitar o rastreamento da transmissão de gens nucleares e/ou organelares.
Alguns autores, com auxílio de variantes de cor das mais diferentes espécies puderam realizar a distinção
entre processos de autofecundação e fecundação cruzadas em espécies monóicas (Gelidium sp.), distinção
entre processos sexuados e assexuados (Gracilaria tikvahie), elucidar aspectos desconhecidos no
60
histórico de vida de algumas algas, como por exemplo, inexistência de gametófitos femininos (Palmaria
palmata), identificação de germinação de tetrásporos in situ (Gracilaria sp.), falhas durante a citocinese
de tetrasporângios (Gracilaria sp.).
O estudo de variantes de cor evidenciou que essas podem apresentar desempenho fisiológico
distinto das algas com fenótipo selvagem, o que pode trazer benefícios para a espécie em ambiente natural
e contribuir para a seleção de linhagens mais adequadas à maricultura. Com relação aos pigmentos,
variantes de cor apresentam conteúdo pigmentar diferente às algas da mesma espécie com fenótipo
selvagem, como por exemplo, em Gracilaria caudata em que a variante natural marrom-esverdeada
possui maiores quantidades do pigmento aloficianina em relação ao tipo selvagem (vermelho). Tal
pigmento possui aplicações biotecnológicas, e pode ser utilizado como marcador fluorescente em estudos
que utilizam citometria de fluxo. Dessa forma, o conhecimento da composição pigmentar é fundamental
em estudos de variantes pigmentares, pois permite caracterizar quantitativa e qualitativamente esses
compostos que denotam as diferentes colorações. A quantificação desses pigmentos possibilita a
determinação das extensões das colorações alcançadas por cada tipo de variante, indicando possíveis
diferenças, que se refletem na capacidade competitiva de uma variante em ocupar determinado nicho. A
diversidade pigmentar, entre outros aspectos, confere à espécie diferentes estratégias de captação e
aproveitamento da energia luminosa, bem como representa uma vantagem na ocupação de ambientes
onde a radiação é qualitativa e quantitativamente heterogênea, como a região do entre-marés.
Portanto, se faz necessário uma melhor compreensão das causas que levam plasticidade
fenotípica em uma espécie. Tais esclarecimentos podem evidenciar uma diversidade ainda não estimada,
e chamar atenção para a sua preservação.

Referências
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62
CAPÍTULO 06

Aquecimento global: os efeitos sobre macroalgas


marinhas
Nuno Tavares Martins

Mudanças climáticas se refere a variações do clima em escala global ao longo do tempo. Essas
variações abrangem diversas alterações, como mudanças de temperatura, precipitação, umidade relativa
do ar, aumento do nível dos oceanos, derretimento das calotas polares e outras. As mudanças climáticas
são fenômenos naturais que ocorrem na Terra. Contudo, com o aumento de gases de efeito estufa na
atmosfera, ocorrido desde a revolução industrial, as mudanças climáticas se acentuaram devido às ações
antropogênicas. As mudanças climáticas antropogênicas referem-se a qualquer mudança no clima causada
pelo efeito cumulativo da atividade humana. A magnitude da mudança climática global antropogênica é
atualmente considerada irreversível em escalas de tempo humanas. Para o ano de 2100 é especulado um
aumento de temperatura média da Terra em 2 a 4C, uma diminuição do pH de 0,3 até 0,5 e um aumento
dos índices de UV entre 12-17%.
Um dos principais processos resultantes de mudanças climáticas antropogênicas no ambiente
marinho é o aumento da temperatura . Esse aquecimento vem sendo confirmado por dados de temperatura
dos oceanos registrados nos últimos anos. O aumento da temperatura nos oceanos tem diversas
consequências, como aumento de eventos extremos, alterações nos padrões de ocorrência de tempestades
e secas, aumento da umidade relativa do ar entre outras (Figura 1). Em comparação com a atmosfera, os
oceanos aquecem três vezes mais devagar, apesar de absorverem 80% do calor incidente na Terra. As
linhas de temperatura nos oceanos (isotermas) migram mais rápido, o que leva a comunidades marinhas
inteiras a migrarem mais rapidamente (alterando sua distribuição).

Figura 1. Alguns eventos alterados em consequência do aumento da temperatura nos oceanos .

Dessa forma , o aquecimento global deverá produzir grandes mudanças no ambiente marinho ,
como na distribuição e abundancia de espécies além de mudança na estrutura de comunidades , incluindo
extinções locais . Nesse aspecto , estudos recentes reforçam que as mudanças climáticas é uma grande
ameaça à macroalgas marinhas. Macroalgas marinhas são as bases ecológicas da maioria dos
ecossistemas marinhos costeiros, e sua diversidade tem implicações fundamentais para a vida e os
serviços ecossistêmicos na zona costeira. Apesar de algumas espécies de macroalgas terem mostrado alta
tolerância, ou até mesmo se beneficiarem de mudanças climáticas , o aumento na temperatura tende a
trazer mudanças drásticas para comunidades bentônicas . Há diversos estudos acerca dos processos
63
ecológicos em macroalgas, contudo, poucos abordam aclimatação/adaptação e a distribuição de espécies,
principalmente associadas ao aumento de temperatura.

Box 1: Serviços ecossistêmicos


São benefícios que podemos obter a partir
dos ecossistemas de forma direta ou indireta.
Exemplos: proteção contra desastres, controle da
erosão, alimentos, manutenção do clima,
purificação da água, controle de inundações, além
do uso recreativo.

A temperatura influencia drasticamente processos biológicos, atuando em diversas escalas: desde


moléculas a biotas inteiras (Figura 2). Os efeitos da temperatura em reações químicas, estruturas
moleculares e fisiologia das algas são bem documentados , apesar de não tão bem elucidados . Essas
lacunas no conhecimento são atribuídas à grande dificuldade em isolar o fator temperatura de outros em
ambiente natural. Em teoria, por efeitos que ocorrem nos níveis químicos e moleculares, as algas são
beneficiadas com o aumento da temperatura. Contudo, alteração da temperatura pode ser fatal para
macroalgas que possuem seu rendimento máximo próximo ao seu limite fisiológico. O aumento de
temperatura observado na natureza nos dias de hoje pode não evidenciar nenhuma diferença fisiológica
nesses indivíduos, muitas vezes levando a uma falsa interpretação de que toleram tal situação. Por esse
motivo, experimentos laboratoriais se fazem necessários.

Figura 2. Consequências do aumento da temperatura nos oceanos em diversas escalas.

Diversos estudos analisam os efeitos da temperatura em experimentos laboratoriais em que o


material é exposto a um aumento brusco de temperatura (geralmente de 10°C). No entanto, os modelos
mais pessimistas de aquecimento global estipulam um aumento de 4°C para o ano de 2100 (poucos
estudos analisarem nessa faixa). Dessa forma, compreender como o aumento de 2-4°C terão impacto nas
macroalgas marinhas tornou-se uma forte linha de pesquisa mundial, no entanto, a costa brasileira é
pouquíssima estudada nesse aspecto, quando comparada outras regiões. Prever quais espécies são mais
vulneráveis a mudanças de temperatura local produzidas pela mudança climática global também se tornou
uma forte linha de pesquisa. No entanto, esses objetivos não são simples.
Estudos anteriores apontam que indivíduos naturalmente expostos a diferenças de temperatura
mais amplas entre o verão e o inverno (temperadas), geralmente apresentam maior tolerância térmica,
quando comparados a indivíduos oriundos de ambientes com menor amplitude térmica anual (tropicais).
64
Numa escala menor , as espécies marinhas típicas de habitats caracterizados por grandes variações de
temperatura (por exemplo , supra e médiolitoral ) costumam viver mais próximas de seus limites
fisiológicos de temperatura, portanto, podem ser mais vulneráveis à mudanças climáticas do que espécies
menos tolerantes à temperatura (como as presentes no infra-litoral). Em um panorama de mudança
climática, os seres que vivem próximos aos seus limites fisiológicos, provavelmente serão os primeiros a
serem afetados. Devido a isto, essas espécies devem ser estudadas para melhor compreensão dos efeitos
da temperatura na sua fisiologia.

Box 2: Adaptação e aclimatação


De forma extremamente resumida:
Adaptação é alteração no genoma e ocorre
ao longo de gerações. Aclimatação é ajuste
fenotípico e ocorre no indivíduo.

Possíveis respostas fisiológicas de uma espécie e de suas populações podem decorrer de


processos de aclimatação e/ou adaptação. Estudos fisiológicos em populações naturais, não permitem a
distinção entre esses processos, pois as variáveis ambientais são distintas e mascaram possíveis
conclusões sobre os efeitos de determinados fatores abióticos . É importante, portanto, realizar estudos de
variação de temperatura em condições controladas e determinar o padrão de variação fisiológica em
condições laboratoriais em associação com dados de campo. Esses dados devem possibilitar uma melhor
previsão dos efeitos do aumento da temperatura em comunidades marinhas futuras, num panorama de
mudanças climáticas. Todo esse aspecto promissor mencionado faz com que os estudos acerca da
fisiologia e ecologia sejam de extrema importância para o conhecimento dos ecossistemas marinhos num
cenário especulado para o futuro de aumento de temperatura média dos oceanos.

Referências
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Trenberth KE (2012) Framing the way to relate climate extremes to climate change. Climatic Change
115:283–290

65
CAPÍTULO 07

Ecologia de costões rochosos e metodologias e


amostragem
Sabrina Gonçalves Raimundo
Gabriela Carvalho Lourenço da Silva

Introdução
Os oceanos cobrem aproximadamente 71% de sua superfície terrestre e ainda pouco conhecida.
De maneira geral, conhecemos mais a superfície da lua do que o fundo do mar. Contudo, este ambiente
tem grande importância em nossas vidas, indo muito além de um prazeroso banho de mar. A maior parte
da população mundial vive junto à costa, o que se relaciona diretamente com os inúmeros serviços que o
oceano nos proporciona, como o fornecimento de alimentos e a extração de petróleo. Porém, esta
proximidade e relações estreitas tornam este ambiente muito vulnerável, em parte pelo desconhecimento
deste e seus ecossistemas. Com fronteiras sutis, os ecossistemas estão todos ligados, de forma que eventos
ocorridos no continente influenciam o oceano, como o aporte de nutrientes e água doce, por exemplo.
Assim, podemos influenciar o ambiente marinho com nossas atividades. Por exemplo, a queima de
combustíveis fósseis libera gás carbônico (CO2) na atmosfera, que ao se dissolver no oceano acidifica a
água, dificultando a formação de conchas e estruturas calcárias por moluscos (como o mexilhão), algas e
corais.
Sabemos hoje que a profundidade média dos oceanos é 3800 mestros, mas partes mais profundas
atingem quase 11000 metros e possui cerca de 300 vezes mais espaço para a ocupação dos seres vivos do
que os ambientes terrestres e de água doce combinados. De tal forma que existem mais filos de animais
no oceano do que em água doce ou em terra, embora cerca de 80% das espécies animais sejam não
marinhas devido à grande diferença de habitats em terra. No entanto, o ambiente marinho possui dois
grandes domínios: a região pelágica, (a coluna d‟água) e a região bentônica (o assoalho marinho). Os
organismos marinhos, nestes domínios, compõem três grandes grupos. O plâncton, o nécton e o bentos
(Figura 1).

Figura 1. Domínios Marinhos (Plâncton, Nécton e Bentos).

66
O plâncton agrupa os organismos da coluna d‟água que vivem à deriva, ou seja, com poder
limitado de locomoção, sendo transportados passivamente por correntes e massas d‟água. Os organismos
do plâncton são classificados em dois grandes grupos principais: zooplâncton (pequenos animais, animais
de baixa mobilidade e larvas de peixes e organismos bentônicos e etc) fitoplâncton (organismos
fotossintetizantes do plâncton, como as microalgas) (Figura 2a). Embora muito pequenas, as microalgas
do fitoplâncton são responsáveis pela produção de aproximadamente 50% do oxigênio disponível na
atmosfera, devido ao processo da fotossíntese. O oxigênio liberado neste processo vem da quebra da
molécula de água e a matéria orgânica resultante é construída a partir do dióxido de carbono (CO2). Além
de liberar oxigênio, organismos fotossintetizantes também produzem matéria orgânica (alimento, na
forma de glicose) a partir de gás carbônico (CO2), utilizando a energia do sol. Por isso, são considerados
produtores primários, que compõem a base da cadeia alimentar de quase todos os ecossistemas do
planeta. O nécton marinho é composto por organismos que vivem na coluna d‟água, que possuem órgãos
eficientes para natação. Portanto, com capacidade de locomoção, podendo nadar distâncias longas,
independente de correntes e movimentos de massas d‟água (Figura 2b). Por fim, os bentos são
organismos que vivem junto ao fundo oceânico de diversas naturezas, sejam eles sésseis (fixos) ou
móveis (Figura 2c-f). Os habitats costeiros bentônicos estão entre os ambientes marinhos mais produtivos
do planeta.
Além disso, existe uma grande diversidade de habitats marinhos e costeiros, resultando em um
grande mosaico de diferentes tipos de ambientes. Assim, de forma geral, os ambientes marinhos são
regiões sobre a influência do mar, cada qual com uma condição de pressão, salinidade, profundidade,
temperatura, luminosidade e diversidade biológica. Entre os diversos ecossistemas marinhos e costeiros
podemos destacar os recifes de corais, as fontes hidrotermais, os mangues e marismas, as praias arenosas,
os costões rochosos, ambientes de mar profundo e etc. Embora existam vários ecossistemas que estão
presentes na região entre-marés e nas zonas costeiras, os costões rochosos são considerados muito
importantes por apresentar alta riqueza de espécies de importância ecológica e econômica, por exemplo
mexilhões, ostras, algas, crustáceos e uma variedade de peixes. Além disso, por receber grande
quantidade de nutrientes proveniente dos sistemas terrestres, estes ecossistemas apresentam uma grande
biomassa e produção primária de microfitobentos e de macroalgas. Como resultado, os costões rochosos
são locais de alimentação, crescimento e reprodução de um grande número de espécies. Entre outras
características, existe limitação de substrato ao longo de um gradiente existente entre o habitat terrestre e
o marinho, favorecendo a ocorrência de fortes interações biológicas entre a grande diversidade de
espécies presentes nos costões rochosos. A grande variedade de organismos e o fácil acesso tornaram os
costões rochosos uns dos mais populares e bem estudados ecossistemas marinhos.

67
A B

Foto: Mariana Mello

C D

E F

Figura 2. Biodiversidade presente nos Domínios Marinhos. (a) Plâncton: fitoplâncton e zooplancton (b)
Nécton, (c) Bentos: ouriço-do-mar; (d) Bentos: Mexilhoes, (e) Bentos: Ulva, (f) Bentos: estrela-do-mar.

Costões Rochosos
Os costões rochosos são afloramentos de rochas cristalinas que em geral estão situadas na
transição entre os meios terrestres e aquáticos e por isso sofrem influência da maré e da temperatura da
água. Desta forma, muitas são as possibilidades de regiões rochosas, como por exemplo, as falésias, os
matacões e os costões rochosos verdadeiros. Estas áreas atuam como substrato para comunidades
biológicas, e é considerado como um ambiente muito mais marinho que terrestre já que as espécies que o
habitam estão muito mais relacionadas ao mar. No Brasil, as rochas possuem origem vulcânica e estão
estruturadas de diversas formas, desde paredões verticais bastante uniformes (ex. a Ilha de Trindade) ou
matacões de rocha (ex. a costa de Ubatuba/SP). Assim, encontramos ambientes de costa rochosa em
quase toda costa brasileira. No entanto, a maior concentração dos verdadeiros costões rochosos na região
Sul e Sudeste entre Cabo Frio (RJ) e o Cabo de Santa Marta (SC) (Figura 3).
Os costões rochosos podem apresentar muitas características complexas, mas de forma geral
quanto maior sua complexidade maior a diversidade de organismo ali encontrada. Por exemplo, existem
costões rochosos expostos e outros protegidos que compreendem uma variação biológica distinta entre
eles. Os costões expostos são aqueles que recebem impactos de ondas com frequência e por isso são
pouco fragmentados, aparentando-se a um paredão liso. Assim, possuem menor quantidade de habitats
comparados aos costões protegidos, além disso, por ser um ambiente que sofre com o alto
hidrodinamismo (locais onde o embate de ondas é mais forte), não favorece a existência de organismos
mais frágeis. No entanto, possuem alta produção primária devido ao fluxo de nutrientes que chega pela
68
água, de modo que as algas (em geral de talos ramificados) se utilizam desta energia para realização da
fotossíntese.
Já os costões protegidos estão localizados em áreas em que o hidrodinamismo é menor, como
por exemplo áreas no qual aconteceram rolamentos de matacões formando piscinas naturais. Assim, esses
lugares apresentam alto nível de complexidade biológica, resultando numa grande riqueza de espécies
associadas. Nessas áreas podemos encontrar organismos maiores que os de costão exposto, como algas
com talos bem desenvolvidos e com abundante biota associada à essas algas (algas, briozoários, esponjas,
vermes, etc.) conseguem viver ali.

Figura 3. Distribuição dos Ambientes de Costa Rochosa no Brasil.

Zonação
Ao observar um costão rochoso desde sua porção submersa até a porção rochosa exposta pela
primeira vez, um dos fatores mais notáveis é a disposição dos seres vivos em faixas ao longo do perfil
vertical deste ecossistema (Figura 4). A esta distribuição vertical chamamos zonação que resulta da
influência de diversos fatores físicos e biológicos, como por exemplo, a variação das marés e a predação,
respectivamente. No costão rochoso é possível observar três zonas distintas:

1. Supralitoral: Área na qual podemos encontrar aqueles organismos que nunca ficam submersos,
mesmo na maré alta. Esta zona está sujeita apenas a borrifos de água e abriga uma comunidade
de líquens, cianobactérias (algas azuis) e de alguns animais móveis, como pequenos moluscos
(como a Littorina) e artrópodes (como a Lygia, a baratinha-do-mar);
2. Mesolitoral ou zona “entre-marés”: Nesta região estão aqueles organismos que estão sujeitos à
variação da maré, ficando expostos durante a maré baixa e submersos durante a maré alta. No
mesolitoral alto podemos observar cracas e mexilhões, que possuem adaptações à dessecação,
enquanto na parte inferior, já ocorrem macroalgas, que ressecam durante o período de exposição
e são reidratadas durante a maré alta.

69
3. Infralitoral: Nesta faixa encontramos aqueles organismos que ficam sempre submersos, mesmo
durante a maré baixa. Neste ambiente encontram-se todos os peixes e organismos que não são
adaptados à perda d‟água e altas temperaturas, como ouriços-do-mar, estrelas-do-mar e
anêmonas.

Figura 4. Zonação em Costões Rochosos. Ao lado esquerdo, foto representativa de Costão Rochoso no
Parque Estadual da Ilha Anchieta, Ubatuba/SP. Ao lado direto, esquema didático mostrando zonas de
supra, médio e infralitoral.

Influências para formação da zonação em costões rochosos


Muitos dos organismos do costão são fixos ou de baixa mobilidade, o que faz com que eles
dependam muito das condições da água para sua reprodução, dispersão (através de larvas planctônicas) e
para sua alimentação (por serem fixos, portanto filtradores). Desta forma, a zonação observada na
composição predominante de alguns organismos em cada faixa do costão rochoso é resultante de fatores
físicos e biológicos que atuam como fatores seletivos de organismos aptos à ocuparem cada zona
(infralitoral, mesolitoral e supralitoral). Entre esses fatores estão: as marés, a temperatura, radiação solar,
hidrodinamismo, as interações biológicas, entre outros.
Por muito tempo acreditou-se que a maré era o único fator responsável pela zonação que
observamos no costão, hoje já sabemos que este é mais um dos fatores que atuam sobre esse ela, embora
seja um dos mais relevantes. Durante a maré baixa, muitos organismos ficam emersos e expostos à
condições adversas como dessecação e altas temperaturas (Figura 5). Os organismos que se fixam nas
porções mais altas do costão são os primeiros a ficarem expostos e os últimos a serem novamente
submersos. Por isso, conseguimos observar uma clara divisão vertical entre as faixas de exposição, já que
os organismos que se distribuem de acordo com suas adaptações para estas condições extremas.
Outros fatores físicos importantes são a radiação solar e a temperatura. Por exemplo, os
cirripédios (cracas) que são crustáceos que ocupam a região do me possuem envoltório resistente que
abrem e fecham mantendo uma quantidade adequada de água para manter a temperatura do organismo,
além de contribuir para que não se exponham à radiação solar. Um outro exemplo são as baratinhas-da-
praia que também são animais que ocupam a zona de supralitoral, neste caso além de possuírem
exoesqueleto quitinoso que diminui o contato com a radiação solar, ela também se locomove muito bem o
que facilitar que possa transitar neste ambiente.

70
Figura 5. Exposição de Organismos na maré baixa. Ao lado esquerdoa: Aquário Natural, Parque Estadual
da Ilha Anchieta. Ao lado direto organismos de costão rochoso expostos durante a maré baixa.

Também o hidrodinamismo pode ser um fator importante para a predominância de algumas


espécies, em particular no mesolitoral. Neste caso, um bom exemplo são as diferentes algas que podem
ocupar essa região. Em áreas de alto hidrodinamismo observamos a predominância de algas com talos
ramificados pela movimentação das águas que impede a superposição, que causaria sombreamento dos
talos inferiores. Em ambientes com baixo hidrodinamismo, o baixo hidrodinamismo favorece que haja
fixação e estabelecimento de organismos, principalmente esporos e propágulos, proporcionando a
existência de algas com talos não ramificados e outros organismos mais frágeis.
Somado a esses fatores, as interações existentes entre os organismos também ajudam a
determinar o padrão observado na zonação dos costões rochosos. Deste modo, competição por espaço,
predação e a herbivora podem ser cruciais na zonação. Alguns estudos mostram que alguns gastrópodes
predadores estendem-se desde a zona do médiolitoral até o infralitoral, dependendo do batimento das
ondas ou da disponibilidade das presas. Essas interações biológicas têm relevância particular para a
determinação da distribuição dos organismos na região do supralitoral, onde fatores abióticos são mais
estáveis.
Além destes fatores descritos, outros muitos podem atuar como limitadores da distribuição dos
organismos. Águas com alta turbidez por exemplo, podem reduzir a presença de algas na região do
infralitoral. Assim, a zonação dos organismos bentônicos num costão rochoso, reflete a interação de
vários fatores físicos e biológicos estabelecendo limites precisos de distribuição. Cada costão possui
características próprias que vão definir a importância relativa dos fatores abióticos e bióticos na estrutura
das comunidades bentônicas dos costões rochosos. De todo modo, este padrão de zonação é comum nos
costões rochosos do mundo inteiro. As espécies que ocorrem em cada zona podem variar em função das
diferentes latitudes, níveis de maré e exposição ao ar, entre outros, porém mostram adaptações especiais
para viverem nesta área, sendo a zonação, a estrutura básica reconhecida na maior parte dos ambientes de
costões rochoso.

Ameaças aos Costões Rochosos


Atualmente, os costões rochosos sofrem diversos impactos antropogênicos, por exemplo, a
poluição desses ambientes por poluição orgânica, industrial, derramamento de óleo, sedimentação em
áreas portuárias, captura excessiva, introdução de espécies exóticas, turismo descontrolado,
desmatamento das matas de encosta e até mesmo efeitos das mudanças climáticas. Nesse ultimo caso,
temos efeitos diversos, incluindo aumento da temperatura, resultando em perda de diferentes espécies
como, por exemplo, o branqueamento de corais (fenômeno que acontece com a perda de algas que vivem
em simbiose com estes organismos e morrem pelo aumento da temperatura ou contaminação de
71
patógenos). Um outro efeito importante das mudanças climáticas sobre todo o oceano é a acidificação
dessas águas, podendo ocasionar, entre outros impactos, a não calcificação de estruturas duras de
diferentes espécies.
Este fenômeno acontece quando a água (H2O) e o gás se encontram, é formado o ácido carbônico
(H2CO3) que se dissocia no mar, formando íons carbonato (CO 3²-) e hidrogênio (H+). O nível de acidez se
dá através da quantidade de íons H + presentes em uma solução – nesse caso, a água do mar. Quanto
maior as emissões, maior a quantidade de íons H+ e mais ácido os oceanos ficam. Em quantidades
normais de absorção de CO2 pelo oceano, as reações químicas favorecem a utilização do carbono na
formação de carbonato de cálcio (CaCO3), utilizado por diversos organismos marinhos na calcificação. O
aumento intenso das concentrações de CO2 na atmosfera, e consequente diminuição de pH das águas
oceânicas acaba por alterar o sentido destas reações, fazendo com que o carbonato dos ambientes
marinhos se ligue com os íons H+, ficando menos disponível para a formação do carbonato de cálcio,
essencial para o desenvolvimento de organismos calcificadores. As diminuições das taxas de calcificação
afetam por exemplo o estágio de vida inicial destes organismos, bem como sua fisiologia, reprodução, sua
distribuição geográfica, morfologia, crescimento, desenvolvimento e tempo de vida. Além disso, afeta
também a tolerância a mudanças na temperatura das águas oceânicas, tornando-os mais sensíveis,
interferindo na distribuição de espécies mais sensíveis.
Somado a todos esses impactos que foram superficialmente citados, ainda contamos com a falta
de conhecimento que temos destes ecossistemas. De forma geral, conhecemos pouco os costões rochosos
brasileiros, tendo mais informações ecológicas de curto prazo dos no Litoral Norte de São Paulo, alguns
pontos da Baía de Guanabara, a Costa Norte do Rio de Janeiro e em Cabo Frio (RJ). De modo que
expandir a pesquisa para outras áreas, considerar monitoramentos e estudos de longo prazo ainda é uma
necessidade. Além disso, é igualmente importante que conheçamos melhor as espécies que aí habitam,
tendo em vista que o conhecimento é mais aprofundado quando consideramos as macroalgas bentônicas.

Pesquisa em Ecologia de Costões Rochosos


Realizar estudos ecológicos em costões rochosos apresenta muitos desafios. O próprio ambiente,
em si, já é um fator limitante para o pesquisador. A maioria dos estudos em costões rochosos no mundo
foi feita na zona entre-marés. Estudos nesta área devem ser planejados para serem executados durante as
poucas horas do dia em que a maré está baixa, quando a região está acessível. Estudar o infralitoral
também tem suas complicações. Como a amostragem nesta região é feita, geralmente, com mergulho
autônomo, o tempo de amostragem é limitado pelo consumo de ar do mergulhador-pesquisador.
A grande complexidade física e biológica destes ambientes resulta em uma grande variabilidade
em quase todos os parâmetros medidos, mesmo numa pequena escala, seja ela vertical ou horizontal. Por
isso, as características únicas deste ambiente devem ser levadas em consideração antes de definir um
desenho amostral, para então selecionar os procedimentos mais adequados.
Diversos parâmetros contribuem para a alta variabilidade na distribuição dos organismos de
costão rochoso. São muitos os gradientes afetando as comunidades, como grau de exposição a ondas e
correntes, proximidade de rios, a própria flutuação da maré e uma variação topográfica muito alta. A
paisagem do costão rochoso é muito heterogênea, compondo diversos micro-habitats. Por exemplo,
fendas, matacões, paredões ou poças de maré. Fatores como inclinação e rugosidade do substrato e
incidência de luz também contribuem para uma grande variabilidade espacial.
Além de variar em diversas escalas espaciais, os organismos de costão rochoso também
apresentam uma considerável variação temporal, que pode levar de anos a décadas. Estas fontes de
variabilidade devem ser cuidadosamente analisadas e levadas em conta antes de selecionar os métodos de
coleta e desenho amostral. Se a variabilidade natural do sistema não for corretamente avaliada, esta pode
gerar um ruído na interpretação dos dados, confundindo os resultados. Isto impede o pesquisador de
detectar causas alternativas de variação na estrutura das comunidades, como por exemplo as resultantes
de impactos antrópicos.

72
Estudos de campo podem ser classificados de diferentes formas. Entre eles estão: Estudos de
base, que tem como objetivo definir o status presente de alguma condição biológica; Estudos de impacto,
que incluem detectar e relacionar alterações biológicas com perturbações; Monitoramentos, que
consistem em acompanhar determinados parâmetros ao longo do tempo para detectar mudanças; e
Estudos ecológicos, que avaliam padrões e processos, onde padrões biológicos são descritos para
determinar os fatores que os causam.
A pesquisa em ecologia de costão rochoso, hoje em dia, frequentemente envolve experimentos
controlados. Entretanto, amostrar padrões de distribuição e abundância por si só ou em conjunto com
experimentos é ainda muito importante.

Amostragem em Costão Rochoso


Para desenhar um método de amostragem em campo adequado, o pesquisador deve ter claro os
objetivos e perguntas do estudo. Isso permitirá uma melhor definição das hipóteses a serem testadas e dos
parâmetros que devem ser medidos, para assim definir o local de estudo, posicionamento de unidades
amostrais e unidades biológicas utilizadas. Desta forma, o desenho amostral pode ser definido de maneira
eficaz, com poder estatístico suficiente para responder às perguntas em questão.
Independente dos objetivos do estudo, um desenho amostral deve incluir controles tanto no
tempo quanto no espaço, replicação de todos os níveis de amostragem, múltiplos locais de amostragem,
garantia de réplicas independentes e preferencialmente aleatórias e os resultados devem ser expressos em
medidas de variabilidade estatística.
A análise, para ser considerada válida, deve possuir poder estatístico. Este diminui à medida que
aumenta a variabilidade intrínseca do sistema. Isto reflete diretamente no número de réplicas a serem
amostradas no estudo.

Seleção dos locais de estudo


Os locais de coleta de dados ecológicos devem ser cuidadosamente selecionados. Para que
possam ser considerados réplicas, os locais devem possuir características parecidas quanto ao maior
número de parâmetros possíveis. Assim, variações nos parâmetros medidos podem ser detectadas sem que
sejam confundidas com a variabilidade natural devido a diferenças geofísicas, por exemplo. Se estas
características não forem semelhantes, elas devem ao menos ser registradas.
As seleções dos locais de coleta devem, portanto, seguir algumas diretrizes, dentre elas: locais
com características geofísicas semelhantes; seleção de pontos aleatórios dentre os possíveis locais, para
que os dados possam ser extrapolados para toda a área. Dependendo dos objetivos do estudo e dos
recursos disponíveis, cabe ao pesquisador definir se a amostragem será feita de forma mais abrangente,
em muitos locais, se em poucos locais com um maior esforço de coleta, ou se unirá ambas as estratégias.

Unidades Biológicas
No ambiente de costão rochoso há uma diversidade muito alta de filos e espécies, o que exige
um nível alto de conhecimentos taxonômicos do pesquisador em estudos que envolvem comunidades.
Uma estratégia muito adotada é utilizar níveis taxonômicos mais altos ou grupos morfofuncionais como
alternativa a espécies, dependendo da pergunta a ser respondida. A estes diferentes tipos de classificação
adotados se dá o nome de unidades biológicas.
A amostragem de populações, utilizando-se uma única espécie-alvo, ainda é a mais comum em
estudos ecológicos. Nestes casos são utilizadas espécies bioindicadoras, mas a seleção de uma
determinada espécie vai depender dos objetivos do estudo. Não há regras a priori para definir um modelo
biológico, estas são geralmente espécies conspícuas e abundantes. Outro desafio em utilizar uma só
espécie é a grande variabilidade no espaço e tempo que estas geralmente apresentam.
Categorias taxonômicas mais altas, como família ou gênero, também são utilizadas. Esta
estratégia pode ser utilizada quando a resposta da comunidade neste nível é semelhante à nível de espécie,
simplificando a coleta e análise de dados. Morfoespécies também são consideradas e já apresentaram,
73
também, resultados semelhantes aos de espécies. Entretanto, estes tipos de unidades biológicas devem ser
utilizados com cautela. É necessário um estudo prévio para detectar se os níveis considerados possuem
mesmo respostas semelhantes para não gerar resultados equivocados.
Outro tipo de agrupamento utilizado como substituto de espécies é o de grupos funcionais. Estes
são espécies que compartilham características semelhantes como forma do corpo, posição trófica, ou ciclo
biológico. Estes casos são geralmente aplicados para se detectar respostas ambientais mais amplas e
abrangentes, mas podem não ser sensíveis o suficiente para detectar alterações mais sutis.

Amostragem aleatória
Este tipo de amostragem é uma das mais comuns, tanto para a seleção dos locais de coleta,
quanto para o posicionamento das unidades amostrais. Amostras aleatórias permitem que o pesquisador
extrapole os dados obtidos e faça inferências válidas sobre o universo amostral selecionado, a partir dos
dados coletados desta forma.
São raros os casos em que é possível determinar a abundância de uma determinada população
contando todos os indivíduos. Por isso, uma amostra é utilizada para que se possa estimar a abundância
ou parâmetro de interesse. Estas estimativas devem seguir os pressupostos exigidos pelos testes
estatísticos selecionados, além de evitar vieses.
Para serem consideradas réplicas, amostras individuais devem ser coletadas aleatoriamente,
garantindo a independência entre elas e evitando pseudoreplicação.

Distribuição de Elementos Amostrais


A localização dos elementos amostrais vai determinar a natureza da informação coletada, bem
como a precisão dos dados e inferências que podem ser extraídas destes. Há muitas maneiras de se
distribuir os elementos amostrais em campo. A Figura 6 ilustra algumas delas. A amostragem aleatória é a
mais comum e estatisticamente aceita. Esta é geralmente feita determinando-se dois eixos imaginários na
área de estudo e sorteando coordenadas. Cabe ao pesquisador definir como serão realocadas as amostras,
caso elas caiam em ambientes particulares, como fendas. Nestes casos, o pesquisador deverá seguir
sempre o mesmo padrão para evitar viés na coleta.
A amostragem sistemática consiste em distribuir os elementos amostrais uniformemente, como
em uma grade. Este tipo é relativamente mais simples do que a amostragem aleatória. É vantajoso, pois
amostra toda uma área por igual, enquanto aleatoriamente uma área pode ser amostrada mais
intensivamente do que outra somente devido ao acaso. Porém, não garante independência entre as
amostras, por isso possui um menor poder estatístico. Este tipo de coleta não é recomendado caso haja
algum padrão de distribuição espacial da biota que siga um espaçamento semelhante ao da amostragem.
Cabe ao pesquisador analisar esta comunidade previamente para definir se esta amostragem é aplicável.
Na amostragem direcionada, o pesquisador define os locais onde são posicionados os elementos
amostrais. Neste caso, não há como evitar viés por parte do pesquisador e o pressuposto de independência
de erros entre as amostras é violado. Há poucos casos em que este tipo de amostragem pode ser utilizada,
como quando há algum habitat ou espécie alvo que só ocorre em algum determinado local. Então o
pesquisador deverá direcionar os esforços de coleta para onde esteja o objeto de estudo.
Outro método de amostragem é a estratificada. Como os organismos não se distribuem
uniformemente no costão rochoso, a estratificação pode ser utilizada para diminuir a influência da
variabilidade espacial, aumentando a precisão da amostragem. Uma vez definidos os estratos de acordo
com a fisionomia da área, a distribuição pode ser simples, com o mesmo número de elementos amostrais
por estrato; proporcional, com mais elementos amostrais em áreas maiores; ou ótima, com mais
elementos amostrais onde há uma maior concentração da espécie ou comunidade alvo. A Figura 6 ilustra
este método.

74
Figura 6. Tipos de disposição de elementos amostrais. Esquerda: (a) Aleatória; (b) Sistemática; (c)
Direcionada. Direita: (a) Estratificação simples; (b) Estratificação Proporcional; (c) Estratificação ótima.
Adaptado de Murray et al. (2002).

Tipos de amostradores
O tipo de unidade amostral também depende dos objetivos de estudo e das espécies a serem
estudadas. Os tipos mais comuns são quadrados e transectos de linha. Transectos de linha são plotagens
de uma dimensão, utilizados para estimar a cobertura de organismos sésseis. Uma vantagem de se utilizar
transectos é que estes englobam uma grande área.
Há duas maneiras de estimar dados de cobertura com transectos, uma delas é a de intersecção,
onde a distância a qual cada unidade biológica ocupa na linha é registrada. Ou seja, a intersecção entre
unidades biológicas no transecto, o que reflete a área que estas ocupam, portanto, seu recobrimento. Esta
abordagem é precisa, porém trabalhosa. Isto faz com que a segunda estratégia seja mais comum no
campo, a de pontos de contato.
Pontos de contato são distâncias pré-determinadas pelo pesquisador, podendo variar de poucos
centímetros a um metro, geralmente, dependendo da resolução necessária e do tamanho do transecto.
Neste método, a unidade biológica exatamente abaixo de cada ponto é registrada. No fim, estes valores
são convertidos em porcentagens, estimando a cobertura de cada unidade biológica. Estes pontos podem
ser distâncias homogêneas pré-definidas ou pontos aleatórios sorteados no transecto.
Quadrados, por sua vez, são amostradores de duas dimensões que cobrem uma área do substrato.
São utilizados para estimar cobertura, densidade ou biomassa de organismos tanto sésseis quanto móveis.
O tamanho do quadrado também depende da resolução e alvo de estudo. No geral, quadrados são
utilizados para delimitar uma área onde os organismos serão contados, raspados, ou terão sua cobertura
estimada. Para estimar cobertura, assim como no transecto, pontos de contato são utilizados, seja
aleatoriamente ou sistematicamente numa grade dentro do quadrado.
Outro método, muito utilizado hoje em dia, é o de foto-quadrados. O mesmo princípio é seguido,
onde a cobertura das unidades biológicas é estimada a partir de pontos plotados na imagem. Este método
é vantajoso, uma vez que reduz muito o tempo de amostragem em campo, permitindo um melhor
aproveitamento da coleta, uma vez que tempo é um fator limitante tanto no médio quanto no infralitoral,
como já mencionado. Uma desvantagem desta abordagem é que a identificação de espécies é dificultada.
75
Neste caso é muito comum a utilização de substitutos como grupos funcionais ou níveis taxonômicos
mais altos.

Referências
Coutinho, R.; Zalmon, I.R. (Ed.). (2009). O bentos dos costões rochosos. In: Pereira, R. C.P; Soares-
Gomes, A. Biologia Marinha; 281-297p.4
Ghilardi-Lopes, N.P; Hadel, V.F.; Berchez, F. (2012) Guia para educação ambiental em costões rochosos.
Porto Alegre: Artmed, 200p.
Murray, S.T; Ambrose, R. F; Deither, M. (2002) Methods for Performing Monitoring Impact and
Ecological Studies Rock Shories.

76
PARTE II

ENSINO DE BOTÂNICA

77
CAPÍTULO 08

Formação de professores de botânica: bases teóricas e


dificuldades na formação
Luis Carlos Saito

Introdução
Atualmente, a importância de discutir a formação de um professor é consenso entre os
pesquisadores da área da educação, não apenas em relação a quantidade e qualidade de informações sobre
o assunto a ser ensinado, mas também sobre o conhecimento metodológico e o processo de autorreflexão
da prática docente. Isso porque sabemos que quando tal formação é negligenciada os professores
conservam as formas de ensino tradicionais, ou seja, tendem a reproduzir a forma de ensino que
experimentaram durante a própria formação básica. Estas formas de ensino tradicional se focam na
memorização de conceitos como última finalidade, criando uma distância entre o que atualmente se
pretende na educação: desenvolvendo habilidades e competências, além do conteúdo enciclopédico.
A profissão de professor se diferencia das outras profissões pela quantidade de experiência
prévia que todos temos, pois, nosso sistema de ensino prevê um mínimo de 12 anos na escola. Assim,
todos temos um contato prolongado com a profissão, porém numa visão de aluno. Tal contato faz com
que criemos um pré-julgamento sobre a profissão docente antes mesmo de nos especializarmos. Ou seja,
através dos nossos 12 anos na escola, nos sentimos capazes de opinar, criticar, julgar e exercer a função
de professor, sem nenhum estudo mais sistematizado e aprofundado sobre o processo de ensino-
aprendizagem.
Outra concepção equivocada da profissão docente é que ela, diferente das outras profissões, está
associada a um “dom” e que apenas algumas pessoas tem a capacidade de exercer tal profissão. As
consequências deste preconceito são a associação do professorado com uma espécie de sacerdócio e que a
recompensa do trabalho do professor está no ato de ensinar, criando um impedimento para a valorização
da profissão. Julgamos que se existe um talento nato para a docência, ele é similar ao talento para
qualquer outra profissão.
No presente capítulo, vamos abordar ideias de alguns autores que tentam elucidar e discutir
aspectos da formação de professores. Tardiff, Shulman e Shön são os três autores que abordaremos neste
texto, as três linhas de pensamento concordam que existe um conhecimento exclusivo dos profissionais
do ensino. Entretanto, qual é este conhecimento e como ele se desenvolve não são consenso entre os
mesmos. Além disso, neste capitulo vamos abordar, segundo uma perspectiva de Shulman (cuja obra
representa atualmente o principal referencial teórico do Grupo de Pesquisa Botânica na Educação, do
Departamento de Botânica do IBUSP), algumas dificuldades do ensino de Botânica no Ensino Básico.

Formação Docente
A licenciatura e a formação profissional de um professor ainda assumem um caráter de
complementação a formação. Primeiro você é biólogo e depois você é professor de biologia. Nesta
perspectiva, a formação de um professor é meramente a sobreposição das áreas específicas e das áreas
pedagógicas. Muitas vezes, os próprios alunos de licenciatura percebem seu curso como um apêndice do
bacharelado. Os docentes universitários, por sua vez, se veem como pesquisadores ou bacharéis e não
como professores, pois deles é exigido um conhecimento profundo da área e do conteúdo a ser ensinado e
não que ele saiba ensinar o conteúdo. Mas, apesar deste paradigma se manter por muito tempo, a
ineficiência destes formadores de professores é uma das grandes queixas dos universitários, e voltando a
ideia de que professores com formação precária acabam por repetir suas experiências pessoais, podemos
deduzir as consequências de não se pensar na formação dos professores.
78
Por muito tempo se tentou entender o que seria um “bom professor”, para que pudesse se pensar
como formar bons profissionais de ensino. Sabemos que, como qualquer profissional, os professores
apresentam características que são exclusivas de sua prática, e os seguintes autores são algumas das
referências mais influentes dentro do ensino de ciências, sendo que todos tentam estabelecer quais são
estas características e, principalmente, como elas se desenvolvem.

Shön
Donald Shön começou a desenvolver suas ideias sobre formação de professores e principalmente
sobre o papel dos formadores de professores durante a década de 70, ele baseava seu trabalho na
comparação da formação de professores com a de Arquitetos e de artistas, como músicos e pintores. Shön
trouxe de volta uma concepção, de forma mais explícita, de profissional reflexivo, onde o
desenvolvimento profissional do professor se dá através da reflexão sobre a própria atuação, que o
próprio autor separou como Reflexão-na-ação, Reflexão-sobre-a-ação e Reflexão-sobre-a-reflexão-na-
ação. A formação de um professor reflexivo se dá sobre a tentativa de solucionar conflitos sofridos pelo
próprio docente, refletir sobre sua prática durante a ação, após a ação e refletir sobre a própria reflexão.
Shön estabelece que a formação docente está intimamente ligada a prática docente e a uma característica
dos profissionais denominada “Artistry”. Para Shön, Artistry é a capacidade de delimitar um problema e
aplicar uma solução, improvisando as relações entre prática e teoria ou ciência e técnica. Um professor
reflexivo estaria em um patamar de Artistry que permitiria articular suas aulas com o domínio do
conhecimento, o domínio dos propósitos do conhecimento.
Mais importante para Shön foi estabelecer como se formam estes profissionais reflexivos e,
principalmente, como desenvolver o Artistry. Este Autor afirma que o papel do formador de professores é
similar ao de um “coach”, que para os estudiosos desta linha não pode ser traduzido como treinador ou
técnico pois assume parcialmente os dois papéis. O formador deveria atuar sobre os problemas aparentes
que os professores trazem de suas práticas (reais ou simuladas) e ajudá-los a desconstruir o problema até
encontrar um problema real, e por fim auxiliar o professor na escolha de estratégias para solucionar o
problema real, por exemplo:

“Um professor relata que seu problema é que os alunos não vão bem na prova
de botânica (problema aparente), o formador pergunta sobre o assunto da prova, os
pesos das perguntas, sobre as aulas dos assuntos, fazendo com que o professor perceba
que existe um problema em um dos temas, vamos imaginar que os alunos não entenderam
os conceitos de fotossíntese (ainda um problema aparente), o formador então pergunta
sobre quais são as concepções dos alunos sobre fotossíntese ou sobre nutrição, o
professor retoma este assunto com a classe e percebe que os alunos achavam que as
plantas se alimentam pela raiz (problema aparente). O formador pergunta o que os
alunos entendem por alimentar-se, buscando neles o conceito de nutrição, e percebe que
eles fazem uma correlação direta entre a nutrição da planta com a nutrição de animais
(problema real), o formador pede para os outros professores do curso elaborarem um
exercício que compare a nutrição de uma planta com a de um humano, e o professor faz
concessões sobre a realidade de seus alunos até atingir uma estratégia aplicável”

Shön ancorou suas teorias de Artistry e profissional reflexivo na prática docente, ou seja, o
desenvolvimento de um bom professor está associado aos problemas que ele próprio vivência na sua sala
de aula. Ao aproximar a formação de professores com a formação de artesões ele explicita a necessidade
de uma relação formador/professor semelhante à de um mestre com seu aprendiz. O próximo autor que
veremos, assim como Shön, valoriza muito a prática na formação de professores. Mas Tardiff se foca em
tentar entender as características de um bom professor.

79
Tardiff
Para Tardiff, um repertório de conhecimentos, práticas, competências e habilidades que são
mobilizados para a resolução das tarefas de um profissional são denominados Saberes. Os saberes podem
ser desenvolvidos através de um ensino formal, de experiências durante a prática profissional ao longo
dos anos. Para este autor cada profissão demanda um saber específico para desenvolver melhor suas
práticas, tal saber não é compartilhado com pessoas que não praticam tal profissão. Nesta linha de
pensamento podemos afirmar que os saberes são plurais e heterogêneos em três sentidos:

1. Eles advêm de várias fontes. Durante a prática docente, o professor pode usar como referência
sua cultura pessoal, de sua escola anterior, de sua universidade e assim sucessivamente.
2. Eles não se restringem a uma disciplina, ao contrário, são altamente ecléticos e sincréticos
(sistemas filosóficos que combinam com princípios de diferentes linhas de pensamento).
3. Eles procuram atingir simultaneamente vários objetivos.

Para este autor os Saberes apresentam um sentido amplo, que engloba conhecimentos,
competências e habilidades, construídas ao longo de uma trajetória e proveniente de diversas fontes. Ou
seja, nós adquirimos saberes muito antes de assumirmos uma posição profissional, muito antes mesmo de
começarmos nosso processo de profissionalização, que no caso dos professores é a licenciatura ou a
pedagogia, e desenvolvemos estes saberes ao longo do nosso desenvolvimento profissional.
Mas afinal quais são estes saberes estipulados por Tardiff na profissão de professor? Este autor
separa os saberes docentes em 4 tipos principais:

-Saberes da Formação Profissional: são aqueles desenvolvidos nas instituições de formação,


focadas principalmente na Ciência da Educação e da Pedagogia, são saberes que procuram articular as
pesquisas sobre ensino e pedagogia às práticas docentes, como por exemplo Teorias de Aprendizagem,
Neurociência e Psicopedagogia.
-Saberes Disciplinares: São aqueles referentes ao conteúdo disciplinar a ser ensinado nas
escolas, transmitidos pela academia, como Matemática, Química, Biologia e Literatura, por exemplo.
-Saberes curriculares: São os saberes referentes ao conhecimento dos programas, conteúdos e
métodos a serem utilizados pelo professor, esses conhecimentos são selecionados pela instituição na qual
o professor leciona, ou seja, é o conhecimento e a aplicação dos programas de ensino estipulados pela
escola.
-Saberes experienciais: São saberes obtidos através da prática do próprio professor, como um
saber-fazer, estes saberes são desenvolvidos e validados na própria prática do professor, se incorporando
à experiência do professor modificando seus hábitos e habilidades.
Tardiff aborda de forma abrangente os saberes docentes, para o autor um professor com os
saberes bem desenvolvidos seria capaz de ensinar em qualquer situação, nosso próximo autor assume uma
posição mais focada em situações de ensino particulares. E também reavalia o papel do conteúdo a ser
ensinado na prática docente.

Shulman
Shulman, além de tentar traçar panoramas mais gerais sobre os conhecimentos necessários à
docência, como os dois autores anteriormente abordados, também focou parte importante de suas ideias
na tentativa de entender a situação de um professor ensinando um assunto específico em um certo
contexto. Pode-se dizer que Shulman valoriza especialmente o papel do conteúdo específico na atuação
do professor. Podemos evidenciar isso no fato de Shulman inicialmente ter postulado que a profissão
docente apresentava três Conhecimentos Base:
 Conhecimento do conteúdo específico.
 Conhecimento pedagógico do conteúdo.
 Conhecimento curricular.
80
Podemos perceber que inicialmente o conhecimento do conteúdo tinha peso em dois
conhecimentos bases e muito pouco para a pedagogia. Entretanto o conhecimento base que mais chamou
a atenção foi o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo ou PCK na sigla em inglês. Segundo o próprio
autor, o PCK:

“... vai além do conhecimento da matéria por si só, mas o conhecimento da matéria para o
ensino, eu ainda falo sobre o conhecimento do conteúdo aqui, mas uma forma particular do
conhecimento do conteúdo que incorpora os aspectos mais pertinentes do conteúdo no seu potencial para
ser ensinado”

O PCK é um conhecimento acessado pelo professor durante o preparo e durante a aula


propriamente dita, dentro deste conhecimento temos ações como: seleção do conteúdo; forma com que ele
vai ser ensinado; profundidade com que ele será abordado; como este conteúdo será avaliado entre outras.

Posteriormente, novos Conhecimentos Base foram adicionados pelo próprio Shulman a sua lista
inicial, totalizando sete conhecimentos base para a profissão docente:

 Conhecimento do conteúdo
 Conhecimento pedagógico geral
 Conhecimento curricular
 Conhecimento pedagógico do conteúdo
 Conhecimento dos aprendizes e suas características
 Conhecimento do contexto educativo
 Conhecimento dos fins, propósitos e valores educacionais e suas bases filosóficas e históricas

Repare que o conhecimento pedagógico ganhou importância nesta versão e os três últimos
conhecimentos vieram de uma reavaliação do conhecimento curricular, que jutos formam um
agrupamento estabelecido por outros autores como conhecimento do contexto. Em todas as versões dos
conhecimentos base de Shulman não existe uma hierarquização do conhecimento, ou seja, nenhum
conhecimento é mais ou menos importante que o outro, porém, as relações entre tais conhecimentos
também não foram abertamente discutidas pelo autor.
Shulman abandonou esta linha de pesquisa para se dedicar a outras áreas do ensino. Entretanto
seus alunos continuaram a pesquisar os Conhecimentos Base e principalmente o PCK. Além de inúmeros
modelos novos conhecimentos foram apontados por estes teóricos, entretanto dois pontos são constantes:
O primeiro é a afirmação da importância do PCK como conhecimento exclusivo dos professores; E o
Segundo é a discussão da relação entre os conhecimentos.
Um dos modelos mais influentes foi proposto por Grossman e colaboradores (Figura 1), pois
determina apenas seis conhecimentos, mas destrincha melhor cada um destes, e coloca as relações entre
si.

81
Figura 1. Modelo de conhecimentos base segundo Grossman e colaboradores (Goes, 2014).

Podemos perceber neste modelo que, apesar de serem conhecimentos separados, os seus
respectivos desenvolvimentos são influenciados uns pelos outros, ou seja quando estudamos o PCK de
um professor, através de entrevistas, questionários e observações de aula, temos que considerar os outros
conhecimentos como moduladores do próprio PCK, e vice e versa.
O PCK, como o próprio nome já diz, está ancorado em um conteúdo e é importante salientar a
profundidade deste conteúdo, não podemos dizer que um professor apresenta um PCK de Biologia, pois
podemos facilmente perceber que ensinar Genética e ensinar Botânica requerem diferentes abordagens, da
mesma forma não podemos afirmar que existe um PCK de Botânica, pois ensinar classificação vegetal
requer uma metodologia diferente de ensinar Fotossíntese. Podemos extrapolar esta especificidade do
PCK para os outros conhecimentos base que o influenciam (de contexto, pedagógico, curricular e etc.),
por isso só podemos afirmar que aferimos o PCK de um indivíduo em uma situação de ensino específica.
Os estudos do PCK, bem como os saberes docente de Tardiff, se fazem importantes, pois nos
ajudam a definir e avaliar a profissão docente. Aferindo o PCK de um indivíduo podemos apontar quais
são os conhecimentos base que precisam ser revisados na sua prática, e o conhecimento do próprio PCK
pode auxiliar na sua Autorreflexão. A busca pelo PCK de vários licenciandos de um mesmo curso pode
auxiliar na estruturação do próprio curso. As pesquisas sobre características dos professores (Artistry,
Saberes docentes e Conhecimentos base) são geralmente qualitativas. Nesses casos, isso implica que
conclusões muito genéricas, e generalizações, são possíveis geralmente a partir de avaliações mais amplas
que envolvem muitos estudos de caso. Dentro da área de formação de professores, desenvolvemos uma
linha de investigação relacionada à formação de professores de biologia e focamos especificamente na
abordagem de temas da Botânica. Trataremos a seguir desse assunto.

Formação de professores de botânica


Uma etapa importante ao pensarmos na formação do professor que ensina sobre botânica é
entender quais os principais problemas atualmente detectados nesse ensino.

Desafios no ensino de botânica


A descontextualização do tema é a desassociação dos conteúdos disciplinares com o cotidiano
do estudante. Isso, infelizmente, é muito comum no ensino de botânica. O conteúdo geralmente está
associado a “palavras difíceis”, processos complicados e cheios de conceitos soltos, ou seja, o estudante
não vê finalidade no assunto, não faz relações entre os vegetais e seu cotidiano. A descontextualização

82
está intimamente associada ao segundo problema a reprodução de um ensino formal, que já discutimos
neste capítulo
Outro grande obstáculo é a chamada Cegueira Botânica. Em todos os níveis de ensino os
estudantes lembram mais e preferem estudar os animais, mais do que as plantas. Não só no âmbito
escolar, mas as pessoas em geral tendem a ver as plantas como parte exclusiva da paisagem, esquecendo-
se inclusive de que plantas são seres vivos. Essa incapacidade de perceber os vegetais no ambiente e a
falha em reconhecer e apreciar o papel das plantas para a conservação da vida na terra associada à crença
de que animais são superiores as plantas é justamente o que se denomina como Cegueira Botânica.
Existem, a priori, duas causas para a cegueira botânica: A primeira é a tendência de se usar
exemplos animais nos livros didáticos e em aulas ao invés de plantas, essa tendência é conhecida como
zoocentrismo, mas possivelmente o zoocentrismo é fruto indireto da nossa segunda causa para a Cegueira
Botânica; Os humanos foram evolutivamente selecionados para perceber mais animais do que plantas,
alguns estudos confirmam que existe uma diferença significativa na percepção de plantas e de animais, e
que pode ter sido selecionada pois perceber predadores em detrimento de plantas garantia uma chance
maior de sobrevivência.

Formação de professores de botânica: superandos os desafios

A descontextualização
Podemos perceber que para resolver este problema, na sua situação de ensino, o professor
deveria ter seu conhecimento do contexto desenvolvido, mas principalmente um conhecimento dos
propósitos de se ensinar vegetais, o que é parte integrante do PCK de qualquer assunto de botânica. A
descontextualização também está relacionada ao contato com as plantas, ao uso da vegetação local, a
quais plantas o professor escolhe como exemplo, o conhecimento do conteúdo e da pedagogia também
tem que ser desenvolvido durante a formação. Vale a pena lembrar que este professor precisa entrar em
contato com este problema para que, junto com seu formador, ele aprenda a resolvê-lo na sua prática.
A reestruturação das estratégias para combater este problema nos alunos existe e vem avançando
cada vez mais (Vide capitulo 9), cabe aos cursos de formação de professores apresentar estas formas de
ensinar aos professores em formação e permitir que estes professores testem e observem. E isso também é
parte da solução do nosso segundo problema

A reprodução de um ensino formal


Em um processo semelhante a um ciclo vicioso a descontextualização e a falta de formadores
capacitados gerou um problema no Ensino de Botânica, a reprodução de um ensino formal. Ou seja, um
professor que teve uma formação como aquela descrita no começo deste capítulo, com o conteúdo
específico totalmente afastado da pedagogia, tende a reproduzir as estratégias que ele experimentou
quando era aluno, deixando de lado o que aprendeu durante a sua formação docente, inclusive ensinando
conceitos ultrapassados que vão de encontro ao que ele aprendeu nas aulas de conteúdo específico. Por
exemplo, apesar dos professores saberem que o agrupamento das algas é polifilético eles ainda ensinam o
assunto junto com protozoários no antigo grupo Protista, ou se um professor memorizou a fotossíntese
com uma música, ele vai utilizar a mesma música. Esta conduta dos professores afeta diretamente seus
alunos, e se este aluno porventura vir a se tornar um professor de botânica ele irá repetir a mesma música
e a mesma aula teórica de Protista.
O Problema pode ser causado pela falta de relação entre o conteúdo, o conteúdo a ser ensinado e
as estratégias de ensino, a falta de contato com novas formas de ensinar (conhecimento pedagógico)
impede o ensino do conteúdo aprendido na universidade (Conhecimento do conteúdo) e vice e versa.
Novamente o desenvolvimento do PCK pode ser uma estratégia para criar estas conexões e permitir que,
mesmo através de simulações ou do próprio exemplo do professor, ele experimente novas metodologias.
Este problema não é exclusivo da Botânica, é um problema que pode ser encontrado em quase
todo o Ensino de ciências, mas nosso último problema é exclusivo dos Vegetais.
83
A Cegueira Botânica
Acreditamos, porém, é possível sobrepujar a Cegueira Botânica, pois ela tem um componente
cultural que reforça a nossa fisiologia, agindo sobre este componente cultural podemos fazer com que o
estudante mude seu padrão de percepção, reconhecendo as plantas no ambiente.
Os Professores precisariam atuar diretamente sobre a Cegueira Botânica, e novamente isso só é
possível quando ele próprio superou a Cegueira e quando ele entende quais são os processos de
aprendizagem dos alunos, inclusive processos fisiológicos de aprendizagem (conhecimento pedagógico),
e que eles podem ser conteúdo específico.

Conclusão
Os três problemas que apontamos no ensino de botânica estão fortemente associados a formação
dos próprios professores de botânica, não por causa da origem dos problemas, mas por que a solução, ou
pelo menos a diminuição destes problemas está em professores bem formados. Tais profissionais atuam
como mediadores que instigam os estudantes a perceber os vegetais como seres vivos integrados ao
ambiente e como agentes essenciais para seu equilíbrio, ao mesmo tempo estes professores aproximam o
conteúdo da botânica com o cotidiano.
A formação de professores, inicial ou continuada, e a reflexão ativa e contínua da própria prática
são essenciais para quebrar com um ciclo vicioso, e perigoso, de se pensar em ensino como apenas
transmissão de conteúdo acumulado, formar um professor significa capacitá-lo a agir sobre situações
adversas de ensino, dar importância a aquilo que deve ser ensinado, e, a cima de tudo, formar um
profissional crítico capaz de formar cidadãos críticos, não importando a área de ensino, mas em todas
elas, e assim criar professores capazes de agir sobre as dificuldades de se ensinar um conteúdo tão
subestimado como a botânica.
Para formar estes professores precisamos de bons formadores, e tais formadores surgem não
somente de bons professores, eles precisam de um respaldo teórico sobre como se desenvolve um
profissional, quais são os fatores que dificultam ou facilitam o ensino, o modo que as pessoas aprendem.
É através de pesquisa que dá ao formador de professores este respaldo. A pesquisa em Ensino de Botânica
e de formação de professores lança uma luz sobre os processos de ensino, sobre a origem e as possíveis
soluções dos problemas encontrados no ensino de botânica, e sobre como um professor se torna um
profissional. Ao desenvolver pesquisas na área de ensino podemos modificar a forma tradicional de
ensino descobrindo quais são as falhas e consequências deste ensino. Por estes e outros motivos a
pesquisa em ensino botânica, que é uma área nova, tem galgando espaço aos poucos dentro da
comunidade de ciências biológicas, e se diferencia por fazer a ponte entre a pedagogia e o conteúdo
específico.

Referências
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Agricultura em São Paulo 50: 41-63.
Balas, B., & Momsen, J. L. (2014). Attention “blinks” Differently for Plants and Animals. Life Sciences
Education, 13, 437–443.
Goes, L. F. de. (2014). Conhecimento Pedagógico do Conteúdo: Estado da Arte no campo da Educação e
no Ensino de Química. Universidade de São Paulo.
Nóvoa, A. (2002). Formação de professores e trabalho pedagógico. Educa.
Perrenoud, P. (2002). Prática reflexiva no ofício do professor: profissionalização e razão pedagógica.
Artmed.
Schön, D. (1992). Formar professores como profissionais reflexivos. Os professores e a sua
formação, 3, 77-91.
Shulman, L. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard educational
review, 57(1), 1-23.

84
Tardiff, M. (2014). Saberes docentes e formação profissional. Editora Vozes Limitada.
Wandersee, J. H.; Schussler, E. E. (1999). Preventing plant blindness. American Biology Teacher,
61(2):84-86.
Wandersee, J. H.; Schussler, E. E. (2001). Towards a theory of plant blindness. Plant Science Bulletin,
47(1):2-9.

85
CAPÍTULO 09

Por que a botânica é tão chata?


Geisly França Katon
Naomi Towata

Opa, muita calma com o título! Talvez você esteja se perguntando o porquê dessa pergunta em
um material que aborda apenas conteúdos relacionados à Botânica. Acredito que, se você está com este
material, você tenha interesse nessa área e não ache que a Botânica é chata. Mas venho aqui, questioná-
lo: será que todos gostam da Botânica? Vamos fazer um exercício rápido: lembre-se das suas aulas na
escola e na faculdade, será que todos da sala gostavam das aulas de Botânica? Provavelmente não.
Pois é, infelizmente a Botânica é tida como uma matéria chata, uma ciência normalmente
considerada pouco interessante pelo público em geral e, especialmente, por estudantes. Grande parte das
pessoas apresentam certa dificuldade para perceber as plantas no seu próprio ambiente, o que leva a
uma certa incapacidade de reconhecer a importância das plantas não só para os humanos, como para a
biosfera, além de algumas pessoas apresentarem certa dificuldade até mesmo para apreciar a beleza e as
características peculiares das plantas, e não apenas chamá-las de “mato”, considerando-as como
inferiores aos animais.
Pensando na realidade brasileira, será que existe alguma preocupação com o ensino de
Botânica na forma como ela é ensinada e o que fazer para melhorá-la? No contexto brasileiro, a
preocupação com o ensino de Botânica também é antiga. Em 1937, o pesquisador Rawitscher já
atentava para o desafio de tornar a Botânica no ensino secundário uma disciplina menos “enfadonha”.
Atualmente, a Botânica permanece como um tema subestimado da Biologia. Sua abordagem nos
diversos níveis de ensino é tradicionalmente descontextualizada, excessivamente teórica e descritiva e
pouco relacional, o que, obviamente, há de provocar baixo interesse e motivação nos estudantes. Por
exemplo, em um estudo sobre a percepção de licenciandos acerca do ensino de Botânica na Educação
Básica no Brasil, apurou-se que a maioria dos julgamentos positivos sobre a Botânica fazia referência
ao Ensino Fundamental e que a pressão que os exames vestibulares exercem sobre a educação no
Ensino Médio contribui para tornar as aulas conteudistas e desinteressantes. Neste estudo, a maioria dos
estudantes participantes, todos licenciandos em Biologia, alegou ter sua opinião sobre o ensino de
Botânica positivamente transformada após terem conhecido novas estratégias didáticas.
Se pensarmos que as pessoas tendem a elaborar o novo conhecimento com base no que já
sabem e naquilo que acreditam, e sabendo-se que este conceito é amplamente aceito entre os
pesquisadores das áreas de neurociência, psicologia e pedagogia, podemos dizer que uma boa maneira
para o professor iniciar o ensino de um novo tema é levantando os chamados conhecimentos prévios
dos estudantes, ou seja, o que eles já sabem sobre o tema. Pesquisas mostram que é mais eficiente partir
desses conhecimentos prévios e tentar compará-los e ampliá-los ao invés de iniciar um novo tema
apresentando-o de forma totalmente independente.
A partir da compreensão da importância de se ancorar à aprendizagem nos conhecimentos que
os estudantes já possuem sobre um determinado tema, devemos ressaltar a importância de um ensino
contextualizado. Mas, afinal de contas, o que é contextualizar? Contextualizar, de maneira geral, é o ato
de vincular o conhecimento à sua origem e à sua aplicação. Esta ideia está presente na Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB), de 1996, que orienta para a compreensão dos conhecimentos para uso
cotidiano e está pautada nas diretrizes presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que são
guias para orientar a escola e os professores na aplicação do novo modelo.
Devemos considerar também que, geralmente, os saberes científicos sofrem transformações
nos diferentes espaços sociais desde sua origem na esfera científica até sua inserção no contexto de

86
ensino, ou seja, passa de um objeto de estudo para um objeto de ensino. Visto que as relações existentes
na sala de aula não estão restritas a relação que existe entre o aluno e o professor, mas esta relação
didática também é constituída pelo saber ensinado. Mas esta relação professor-aluno-conhecimento não
pode ser isolada do contexto político, social e histórico no qual estão inseridos, pois isto influencia na
maneira como os conhecimentos são reconstruídos em sala de aula, em um processo que conhecemos
como transposição didática, momento no qual o professor não pode deixar de estabelecer uma relação
didática, na qual existe uma intenção de ensinar o outro. Logo, temos que a transformação de um
conhecimento considerado como ferramenta a ser usada, para um conhecimento como algo a ser
ensinado e aprendido é o que Chevallard chama de transposição didática do conhecimento. De alguma
maneira, o “saber sábio”, que são aqueles produtos ou processos das práticas humanas, deve ser
selecionado, extraído de um recorte da realidade que atenda às necessidades dos atores relacionados ao
sistema educacional de determinado local, levando este a ser um “saber a ensinar”, o qual
posteriormente transforma-se no “saber ensinado” dentro da sala de aula. Neste processo de
transformação dos saberes, que é essencial para que eles fiquem em melhores condições de serem
ensinados e aprendidos, podem acontecer algumas simplificações distorcidas ao longo do caminho, mas
se esta transformação for feita de maneira consciente, ela pode levar a uma transformação necessária e
bem feita do saber científico. Relembre as suas aulas de Botânica, como ela foi trabalhada em aula?
Será que é fácil fazer essa transposição didática?
Uma outra questão, que não pode ser descartada pelos professores, são as características
particulares de cada estudante e suas motivações. Algumas teorias afirmam que somos diferentes nas
maneiras em que preferencialmente percebemos o mundo. Nesse caso, o professor que vê o processo de
ensino-aprendizagem sob esta perspectiva, deve ter em mente que os estudantes possuem suas
individualidades e, em uma mesma sala de aula, existem pessoas que preferem e aprendem melhor de
diferentes formas, alguns alunos são mais auditivos, ou seja, preferem escutar explicações, outros são
predominantemente visuais, o que faz com que estímulos visuais sejam os mais efetivos para sua
aprendizagem ou ainda alunos que são sinestésicos, que são aqueles que gostam de experimentar e
aprendem melhor tocando em objetos, fazendo construções. Quando estamos em uma sala de aula, o
que fazer para lidar com uma situação tão diversa? Uma opção é utilizar diferentes estratégias de
ensino. Utilizando uma maior variedade, o professor aumenta as chances de atingir um maior número de
estudantes. Então, se pensarmos em um planejamento de aula anual, a melhor estratégia de ensino, não é
uma só, mas sim utilizar um vasto repertório de estratégias ao longo das aulas.
Uma estratégia de ensino é um modo de manipular os recursos disponíveis no ambiente para
torná-lo mais favorável ao processo de aprendizagem. Cada estratégia tem um objetivo específico, ou
seja, apresentam pré-requisitos, pontos de vista e favorecem conhecimentos não conceituais de forma
distintos entre si. A utilização de apenas uma estratégia de ensino pode ser feita para sanar uma
dificuldade específica de um estudante, entretanto para um grupo de estudantes e múltiplos assuntos
recomenda-se o uso de múltiplas estratégias ao longo do curso.
As possibilidades de estratégias de ensino são muito variadas, algumas atividades como leitura
de texto e tempestade cerebral (brainstorm) promovem uma atividade mais individual, exercícios de
debate e estudos de caso estimulam cooperação, jogos ajudam nos processos de resolução de problemas,
mapas de conceito trabalham a capacidade de síntese. A escolha de uma estratégia não deve ser leviana,
ela depende de um planejamento a longo prazo levando em consideração os alunos e o projeto político-
pedagógico da instituição.
Um excesso de aulas apenas expositivas pode gerar um desgaste no processo de ensino e
aprendizagem de Botânica. Uma abordagem descontextualizada, com excesso de teoria, extremamente
descritiva e focada em conhecimento conteudista (por exemplo, centrado na memorização de nomes
complicados) pode levar a perda do entusiasmo dos estudantes, onde o estímulo para a aprendizagem
fica cada vez mais diminuto. Observa-se assim a origem de um “ciclo vicioso”, uma vez que os
professores reclamam e usam tal falta de interesse observado nos estudantes para justificar sua própria
falta de entusiasmo. Por outro lado, as aulas consideradas “pouco entusiasmantes” são apontadas pelos
87
estudantes como fatores de seu próprio desinteresse. Vejam só a necessidade de quebrar tal ciclo no
processo de ensino-aprendizagem.
Dentre as modalidades didáticas existentes, destacamos as aulas práticas e projetos como
formas muito interessantes para propiciar aos estudantes a experiência de vivenciar o método científico.
Entre as principais funções das aulas práticas pode-se citar: despertar e manter o interesse dos alunos;
envolver os estudantes em investigações científicas; desenvolver a capacidade de resolver problemas;
compreender conceitos básicos; e desenvolver habilidades. As aulas práticas são muito importantes
também para a aprendizagem do aluno nas aulas de Botânica, pois são uma oportunidade de relacionar
os conteúdos teóricos com o seu dia-a-dia e perceber que a matéria aprendida nos livros não está
distante do seu cotidiano. O professor pode explorar temas mais relevantes ao cotidiano do aluno.
Temos ainda outros tipos de instrumentos, que também são importantes para a aprendizagem,
como jogos, discussões, debates, modelos e as próprias aulas expositivas. Mas uma atividade que
explicitem o estudante como integrante da natureza, que possibilite que ele interaja com ela, faz com
que o aluno perceba através dos sentidos e também através da emoção ao relacionar-se com o meio.
Atividades que são desenvolvidas no ambiente natural possibilitam que o aluno se sensibilize com o
ambiente ao seu redor, proporcionando, muitas vezes, que eles tenham o primeiro contato verdadeiro
com o ambiente onde mora. A utilização desse tipo de atividade permite o contato com outras formas de
conhecimentos não conteudistas, como por exemplo, como proceder em um ambiente de laboratório ou
como agir ao lidar com competição, ao escolher e efetivar uma atividade, o professor propõe aos alunos
a realização de diversas operações mentais em um processo de crescente complexidade do pensamento.
Uma outra estratégia didática, que, de acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino
Médio, “oferece o estímulo e o ambiente propícios que favorecem o desenvolvimento espontâneo e
criativo dos alunos e permite ao professor ampliar seu conhecimento de técnicas ativas de ensino,
desenvolver capacidades pessoais e profissionais para estimular nos alunos a capacidade de
comunicação e expressão, mostrando-lhes uma nova maneira, lúdica, prazerosa e participativa de
relacionar-se com o conteúdo escolar, levando a uma maior apropriação dos conhecimentos envolvidos”
é o jogo. Os usos de atividades lúdicas, como as brincadeiras, os brinquedos e os jogos, são
reconhecidos pela sociedade como meio de fornecer ao indivíduo um ambiente agradável, motivador,
prazeroso, planejado e enriquecido, que possibilita a aprendizagem de várias habilidades. Outra
importante vantagem, no uso de atividades lúdicas, é a tendência em motivar o aluno a participar
espontaneamente na aula. Acrescenta-se a isso, o auxílio do caráter lúdico no desenvolvimento da
cooperação, da socialização e das relações afetivas e, a possibilidade de utilizar jogos didáticos, de
modo a auxiliar os alunos na construção do conhecimento em qualquer área, pois o jogo alia aspectos
lúdicos aos cognitivos e enquanto joga, o aluno desenvolve a iniciativa, a imaginação, o raciocínio, a
memória, a atenção, a curiosidade e o interesse, concentrando-se por longo tempo em uma atividade. No
entanto, ao utilizar os jogos como estratégias didáticas, os professores devem estabelecer bem os
objetivos educativos desta atividade, pois a atividade “jogo” pode ser interpretada como “brincadeira”
pelos alunos.
A produção de ferramentas alternativas, como multimídias em geral e jogos, tem se revelado
um facilitador interessante no processo de ensino-aprendizagem da Botânica, uma vez que tais
ferramentas são capazes de elevar o interesse e a motivação de professores e estudantes sobre as plantas.
Devido ao cenário apresentado e à grande demanda atual pela conservação ambiental, fica
evidente a relevância de pesquisas que enfoquem novas estratégias para ensinar botânica, levando a
população em geral, incluindo os estudantes de diferentes níveis de ensino, a superar a “cegueira
botânica” (vide capítulo 08).
A Botânica é uma matéria que, além de ser cheia de nomes difíceis, muitas vezes é apresentada
aos alunos de maneira descontextualizada, já que muitas vezes, as aulas são ministradas sem que os
alunos compreendam a importância dos organismos vegetais, e os vejam apenas como estruturas e
palavras complicadas que devem ser “decoradas” para a prova. Por exemplo, qual a relação entre o
xilema, o floema, os estômatos, a fotossíntese e o ciclo do carbono? Pensou? Você é capaz de
88
estabelecer esta relação? Será que a maioria da população conseguiria estabelecer esta relação?
Provavelmente não. E isso não necessariamente está relacionado ao interesse das pessoas pelos vegetais,
mas sim com a forma como esses conteúdos são apresentados para as pessoas durante sua vida escolar.
Vamos parar para pensar um pouco, como esses conteúdos foram abordados na sua escola/faculdade?
Eles foram trabalhados separados ou buscando uma compreensão do processo como um todo?
Em geral, as escolas adotam uma forma de ensino na qual os conteúdos são vistos de forma
segregada, cada um na sua caixinha, sem uma conexão entre eles. Sendo assim, a maioria das pessoas
não conseguiria perceber que o xilema, vaso condutor de seiva bruta, ou seja, essencialmente de água e
sais minerais, é o responsável por levar a água da fotossíntese para as folhas, e que isso só acontece
devido ao sistema de abertura e fechamento dos estômatos ali presentes. Além disso, as pessoas não
percebem que durante a reação de fotossíntese, a planta tem a capacidade de transformar a energia
luminosa (proveniente da luz solar) em energia química processando o dióxido de carbono (presente na
atmosfera), água (trazida pelo xilema) em glicose, gás oxigênio e água. Neste processo a glicose (seiva
elaborada) é transportada através do floema para as outras partes do vegetal. Já o gás oxigênio é
liberado na atmosfera.
Além deste exemplo, o qual aborda a importância central das plantas para os ciclos
biogeoquímicos, temos muitos outros que representam a dificuldade que as pessoas têm de perceber as
plantas no seu cotidiano, para além do seu uso como recurso alimentício ou ornamental. Muitos dos
medicamentos que utilizamos apresentam como base compostos extraídos de vegetais. As plantas são
vistas apenas como cenários para a vida dos animais, sem que as pessoas compreendam suas
necessidades vitais, ignorando a importância das plantas nas suas atividades diárias (como a presença de
uma refrescante sombra de uma árvore em um dia de verão tropical). Também devemos notar a
dificuldade das pessoas para perceber as diferenças de tempo entre as atividades dos animais e das
plantas, como o crescimento, respiração, ciclo de vida e movimento. Sem contar que poucas pessoas
vivenciam experiências com as plantas da sua região, e não frequentam parques ou reservas e por isso
acabam não sabendo explicar o básico sobre as tais plantas. Isso acaba gerando uma incapacidade das
pessoas para perceber características que são únicas das plantas, tais como adaptações, coevolução,
cores, dispersão, diversidade, perfumes etc.
Um outro ponto da Botânica que pode ser considerado um dos pontos mais desafiadores são os
ciclos de vida dos vegetais. Você deve ter pensado em vários nomes complicados e setas neste
momento, correto? Pois é, quando se trata de sua transposição didática, esse não é dos saberes mais
simples de ser abordado em sala de aula. Tanto professores como alunos costumam manifestar grandes
dificuldades em perceber que os ciclos dos mais variados exemplares de plantas seguem todos um
padrão geral de funcionamento que, uma vez compreendido, torna fluente o entendimento das
peculiaridades que cada grupo vegetal apresenta. Podemos destacar três aspectos que se revelam como
complicadores do tema em questão: muitas das estruturas estudadas são microscópicas e, portanto, de
difícil domínio pelos estudantes; muitos dos conceitos genéticos requisitados são abstratos; e, por
último, frequentemente, os estudantes não estão familiarizados com a terminologia específica utilizada.
Como forma de aproximação entre o tema e os estudantes, podemos lançar mão de um recurso
tecnológico que ilustre o tema de modo a torná-lo menos abstrato para os estudantes uma vez que este
será facilmente visualizado utilizando-se de um programa de animação computacional para representar
alguns ciclos de vida dos vegetais.
Podemos ver que o ensino de Botânica tem muitos pontos a melhorar. Devemos pensar nos
recortes dos conteúdos que devem ser trabalhados e em sala, na linguagem e no contexto que eles
devem ser apresentados aos estudantes, nas estratégias didáticas que queremos usar para alcançarmos
nossos objetivos e também conseguir cativar o estudante. Agora você deve estar se perguntando como
fazer tudo isso? Será que existem materiais/sites disponíveis para me ajudar? Pois sim, existem! Como
por exemplo, o site do grupo de pesquisa que participamos, o BOTED.
O BOTED (Grupo de Pesquisa Botânica na Educação) tem como objetivo, dentre outros,
contribuir para ampliar os conhecimentos sobre ensino-aprendizagem de Botânica e fazer com que esse
89
ramo da ciência tão encantadora e importante deixe de ser vista como “chata”. O desenvolvimento de
estratégias didáticas é um de seus focos. A seguir mostraremos alguns materiais didáticos disponíveis na
internet e deixamos o convite para uma visita ao site www.botanicaonline.com.br para conhecer mais
sobre o trabalho do grupo:

Material 1. Jogo - Que caule é este?


Material elaborado por membros do BOTED para o Ensino Básico. Aborda a morfologia dos
tipos básicos de caule por meio de um jogo de cartas colaborativo de correlação entre os tipos de caule e
seus exemplos, a descrição e o desenho esquemático. Disponível em www.botanicaonline.com.br,
Materiais didáticos.
Material 2. Aprendendo sobre Algas: Jogo Algazarra
Material elaborado por membros do BOTED para o Ensino Básico. O jogo foi desenvolvido
para computadores e aborda a diversidade de algas e suas características de maneira interativa
disponibilizando gabarito para conferir as respostas. Disponível em www.botanicaonline.com.br,
Materiais didáticos.
Material 3. Animação sobre fotossíntese
Material elaborado por membros do BOTED para a formação continuada de professores.
Aborda o processo de fotossíntese em detalhes e pode ser utilizado para dar uma visão geral do processo
também para alunos do ensino médio. http://www.youtube.com/watch?v=mUwUHgPpiF0

Referências
Anastasiou, Lea G. C. (2006) Estratégias de ensinagem., in: Anastasiou, L. G. C., Alves, L. P. Processos
de ensinagem na Universidade. 6ª ed. Joinvile (SC): Univille, p.68-100.
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. (2006) Orientações curriculares para o
ensino médio: ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEB.
Chevallard, Y. On Didactic Transposition Theory: Some Introductory Notes. 1989. Disponível em :
<http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip/rubrique.php3?id_rubrique=6> Acessado em 23 de abril de
2016.
Chevallard, Y. La Transposition Didactique: Du Savoir Savant au Savoir Ensigné. Grenoble, La pensée
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lab exploring the nature of the her1 developmental mutant Ceratopteris richardii (C-fern). CBE–Life
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90
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61(2):84-86.
Wandersee, J. H.; Schussler, E. E. (2001).Towards a theory of plant blindness. Plant Science Bulletin,
47(1):2-9.

91
PARTE III

RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS

92
CAPÍTULO 10

Vias de síntese de metabólitos secundários em plantas


Fernanda Mendes de Rezende
Daniele Rosado
Fernanda Anselmo Moreira
Wilton Ricardo Sala de Carvalho

Introdução
O metabolismo vegetal pode ser dividido em primário e secundário. Caracteriza-se como
metabolismo primário os processos comuns e pouco variáveis à grande parte dos vegetais, e que levam à
síntese de carboidratos, proteínas, lipídios e ácidos nucleicos. Tais sínteses ocorrem por vias conhecidas
como glicólise e ciclo de Krebs (ciclo do ácido carboxílico) que, além de sintetizar intermediários para
outras vias metabólicas, geram energia e poder redutor a partir de reações de oxido-redução de compostos
orgânicos. Além destas vias, pode-se obter energia através da β-oxidação de ácidos graxos e degradação
de produtos que não são essenciais para a planta. Esses processos compõem a unidade fundamental de
toda a matéria viva.
A distinção entre metabolismo primário e secundário (ou especial) se dá pelo conceito de que
metabólitos secundários não estão envolvidos em processos geradores de energia e/ou de constituição do
protoplasto. Outro ponto é que os metabólitos secundários não estão presentes ubíquamente entre as
plantas, expressando a individualidade de famílias, gêneros e, até mesmo, espécies. A característica
inerente do metabolismo secundário é a sua elevada plasticidade genética e diversidade que garante
adaptações flexíveis à mediação de fatores bióticos e abióticos. Apesar do nome, as substâncias oriundas
de vias “secundárias” são vitais para as plantas, atuando como atrativos ou repelentes de polinizadores,
dissuasores de herbivoria, na proteção contra radiação UV e poluição, estresse hídrico, na sinalização
intraespecífica, na alelopatia, dentre outras funções.
Essas substâncias secundárias são os chamados princípios ativos vegetais comumente
encontrados em diversos produtos e terapias, mas o que de fato são esses princípios ativos presentes nos
vegetais? São substâncias formadas a partir de produtos da fotossíntese com a função de defesa para a
planta. Para nós, humanos, são essas as substâncias responsáveis pelo efeito medicinal de uma planta,
porém dependendo da dose administrada, o efeito deixa de ser terapêutico e passa a ser tóxico. O
princípio ativo é uma mistura de substâncias que proporciona a ação farmacológica e difere de fármaco à
medida que o termo designa uma substância química conhecida e de estrutura química definida.
Diversas plantas apresentam uso medicinal milenar e nos extratos destas plantas, a ação conjunta
ou isolada de certas substâncias é responsável pela atividade biológica. Este efeito difere de acordo com a
dose e pode ser exemplificado com os glicosídeos cardioativos, encontrados nas espécies Digitalis lanata
e Digitalis purpurea, quando em pequenas doses são amplamente utilizados para o controle de problemas
relacionados ao baixo débito cardíaco, entretanto, em doses maiores são tóxicos, paralisando o coração na
fase de sístole.
Outro exemplo é o alcaloide tubocurarina, principal constituinte do curare (Chondrodendron
tomentosum, Menispermaceae). Essa substância, embora tenha sido usada pelos índios para fabricar
flechas envenenadas, tem valor medicinal, visto que ela é um relaxante da musculatura lisa.
Os metabólitos secundários de plantas têm um grande valor agregado do ponto de vista
econômico. Primeiramente, porque de todos os compostos identificados, poucos são aqueles que são
utilizados como drogas, saborizantes, fragrâncias, inseticidas ou corantes. De todas as drogas usadas na
medicina ocidental cerca de 25% são derivadas de plantas, quer como um composto puro (fármaco) ou
como derivado de um produto de síntese natural. Além deste valor econômico real e efetivo, eles também

93
apresentam grande potencial como modelos para o desenvolvimento de novos medicamentos, uma vez
que a enorme biodiversidade da natureza é uma fonte de recursos para o desenvolvimento de
medicamentos.
Mas como substâncias com propriedades e ações tão diversas são sintetizadas pelas plantas?
Os metabólitos secundários são muito diversos, mais de 50 mil já foram identificados em
espécies de angiospermas, e são sintetizados em diferentes compartimentos celulares, por quatro vias de
biossíntese, são elas: via do acetato malonato, do ácido mevalônico (MEV), do metileritritol fosfato
(MEP) e do ácido chiquímico. Através dessas vias são formados os três principais grupos de metabólitos
secundários: terpenos, substâncias fenólicas e substâncias nitrogenadas (Figura 1). Além destes
grupos, também merecem destaque os derivados de ácidos graxos e os policetídeos aromáticos.
Interessantemente, para classificação em cada grupo as características estruturais e propriedades químicas
são mais importantes do que o compartilhamento de uma mesma via de síntese. Por exemplo, os
alcaloides são agrupados por apresentarem um caráter básico, conferido pela presença de um ou mais
átomos de nitrogênio, dentro de um ou mais anéis heterocíclicos. Os compostos fenólicos, por sua vez,
são caracterizados por apresentarem uma hidroxila funcional ligada a um anel aromático, porém podem
ser sintetizados por vias distintas. Outros grupos ou subgrupos são baseados na presença de certos tipos
de esqueletos básicos em suas estruturas. Alguns detalhes sobre as rotas biossintéticas, sua importância
para a sobrevivência das plantas e utilização serão expostos a seguir.

Figura 1. Esquema geral das vias de biosíntese do metabolismo vegetal secundário (retângulos rosas) e
suas conexões com o metabolismo primário (retângulos vermelhos), em detalhe os metabólitos primários
(verde) e os secundários (azul). Figura de Moreira (2015).

Derivados de ácidos graxos


São compostos sintetizados pela via do acetato malonato e o início da síntese ocorre no plastídio,
onde serão formados ácidos graxos C e C a partir de condensação de unidades de malonil-CoA e acetil-
16 18

CoA. Essas reações são intermediadas por um conjunto de enzimas, codificadas por sete genes diferentes,
denominado FAS II (type II Fatty Acid Synthase). Esses ácidos graxos são transportados para o retículo
endoplasmático, onde sofrem diversas reações de alongamento pela ação do complexo enzimático FAE
(Fatty Acid Elongation) formando ácidos graxos de cadeia longa (C -C ), precursores dos demais
20 40

compostos da cera - os derivados de ácidos graxos. Reações de descarboxilação levam à formação de


alcanos, álcoois secundários e cetonas (Figura 2).
Ainda é obscura a síntese dos aldeídos, entretanto, acredita-se que possam surgir de reações
enzimáticas com os alcanos ou diretamente pela perda de hidroxilas dos ácidos graxos. A partir dos
ácidos graxos de cadeia longa também podem ser formados, por reações de redução, os álcoois primários

94
e os ésteres (Figura 2). Os mecanismos de transporte dessas substâncias ainda não são claros, podendo
ocorrer por proximidade, vesículas, transportadores específicos e proteínas transportadoras de lipídios.
O papel dessas substâncias para as plantas é de extrema importância, pois são constituintes da
cera cuticular. As ceras são misturas complexas de hidrocarbonetos alifáticos de cadeia longa com série
homóloga (por exemplo, n-alcanos, álcoois, aldeídos, ácidos graxos e ésteres) que podem apresentar
pequenas quantidades de terpenoides. Juntamente com a cutina e a suberina, as ceras constituem o
conjunto de substâncias hidrofóbicas que mantêm as superfícies impermeáveis e restringem a perda de
água dos tecidos através da transpiração. Além disto, ao revestir os órgãos aéreos, ela atua como uma
barreira entre o meio interno e externo, conferindo proteção contra os raios UV, entrada de patógenos e
poluição. O surgimento desta camada protetora foi um dos fatores importantes para a conquista do
ambiente terrestre há 400 milhões de anos.

Figura 2. Esquema da via acetato malonato, em verde as principais classes formadas.

Em algumas espécies, principalmente de Asteraceae e Apiaceae, os ácidos graxos insaturados


podem sofrer sucessivas desnaturações originando os poliacetilenos. Essa classe de compostos atua como
um sistema de defesa contra insetos e herbívoros, além de atuarem como fitoalexinas (substâncias que
combatem a infecção por patógenos invasores de plantas). A cicutoxina, encontrada na cicuta aquática
(Cicuta virosa, Apiaceae), é um exemplo de poliacetileno tóxico a mamíferos, causando vômitos,
convulsões e paralisia respiratória, podendo levar a morte. O falcarinol, outro poliacetileno, é encontrado
em Falcaris vulgaris (Apiaceae) e causa dermatite quando a planta é manuseada sem o devido cuidado.
Curiosamente, esse composto é encontrado nas raízes de uma das plantas medicinais mais utilizadas
mundialmente, o Ginseng (Panax ginseng, Araliaceae).
Dentro do grupo dos derivados de ácidos graxos há as acetogeninas, compostos C e C 35 37

sintetizados a partir de ácidos graxos C e C , no qual, através da adição de uma molécula de propano-2-
32 34

ol, há a formação de um anel lactônico que caracteriza as acetogeninas. Geralmente são encontradas em
espécies pertencentes à Magnoliales, mais comumente nas Annonaceae. Essa classe de substâncias é
produzida pelas plantas para suprimir a alimentação de insetos, além disso, já foi demonstrado que elas
apresentam um grande potencial para a utilização em humanos como substâncias com propriedades
antitumoral, antimicrobiana, anti-helmíntica e antiprotozoário.

Policetídeos aromáticos
Os policetídeos aromáticos também são formados pela via do acetato-malonato. A partir da
cadeia carbônica denominada poli-β-cetoéster diversas ciclizações formam os policetídeos aromáticos
(Figura 2). Todas essas reações de biossíntese desses metabólitos são intermediadas por proteínas
homodiméricas com dois sítios ativos denominadas Policetídeos Sintases do tipo III (PKS III).

95
As diferentes subclasses de policetídeos aromáticos dependem do tipo de molécula utilizada
como iniciadora da extensão da cadeia carbônica pela malonil-CoA. A seguir sao apresentados alguns
exemplos dessas subclasses com a suas respectivas unidades iniciadoras (Tabela 1).
Caso a unidade iniciadora for a acetil-CoA ocorrerá a biossíntese das cromonas e das
antraquinonas. As cromonas possuem ampla distribuição nos diferentes clados do APG III, dentre esses
compostos pode-se citar a visnagina, encontrada em frutos de Amni visnaga (Apiaceae), que é utilizada
medicinalmente como agente antiasmático. As antraquinonas possuem uma distribuição mais restrita no
APG III, sendo encontrado nas Fabaceae, Rhamnaceae, Rubiaceae, Polygonaceae e Xanthorrhoeaceae.
Um exemplo dessas substâncias são as emodinas, encontradas no gênero Cassia. Essas substâncias são
utilizadas medicinalmente como estimuladores do movimento peristáltico do intestino.
Por outro lado, se a unidade iniciadora for um ácido graxo haverá a biossíntese dos ácidos
anarcádicos. Estes compostos estão presentes em espécies de Anacardiaceae e são substâncias
extremamente alergênicas.
Utilizando como unidade iniciadora o hexanoil-CoA haverá a produção de canabinoides, que
são encontrados em espécies do gênero Cannabis e possuem diversos efeitos sobre o sistema nervoso
central de humanos.
Quando o precursor é o benzoil-CoA há a biossíntese das bifenilas, dibenzofuranos,
benzofenonas e xantonas. As bifenilas e dibenzofuranos são fitoalexinas encontradas em espécies
pertencentes às Rosaceae, enquanto as benzofenonas e xantonas são encontradas em espécies pertencentes
às Clusiaceae e Gentianaceae e possuem um alto potencial antioxidante e antitumoral.
Utilizando como precursor o p-cumaroil-CoA haverá a biossíntese dos flavonoides e estilbenos,
que serão detalhados posteriormente nesse capítulo. As bifenilas, dibenzofuranos, benzofenonas,
xantonas, flavonoides e estilbenos são considerados compostos de biossíntese mista por utilizarem como
precursores compostos provenientes da via do ácido chiquímico (benzoil-CoA e p-cumaroil-CoA) e
sofrerem extensão da cadeia carbônica através da via do acetato-malonato.

Tabela 1. Policetídeos aromáticos e seus respectivos precursores, unidades de extensão, vias de síntese,
classes e exemplos.

96
Compostos fenólicos
O grupo dos compostos fenólicos incluem substâncias com ao menos um anel aromático no qual
houve a substituição de ao menos um hidrogênio por um grupo hidroxila, sendo que estas substâncias
podem ser simples ou com diversos graus de polimerização. Podem ocorrer naturalmente na forma livre
(agliconas), ligados a açúcares (glicosídeos), ou ainda, ligados a proteínas, terpenos, entre outros. Ácidos
fenólicos, quinonas, fenilpropanoides, cumarinas, flavonoides e as substâncias poliméricas (taninos e
ligninas) são exemplos de substâncias fenólicas.
A eritrose 4-fosfato e o fosfoenolpiruvato são intermediários glicolíticos que se unem e sofrem
reações que levam a formação do ácido 3-dehidrochiquímico que formará as estruturas C -C . Um 6 1

exemplo é o ácido gálico que originará a classe dos taninos hidrolisáveis. Os taninos hidrolisáveis são
polímeros de ácido gálico e elágico (dímero de ácido gálico) esterificados com açúcares. Esses fenólicos
são substâncias adstringentes (precipitam proteínas transformando-as em derivados insolúveis) e essa
propriedade é muito importante na proteção contra herbivoria, uma vez que torna o material vegetal
pouco palatável e com menor valor nutricional.
O ácido 3-dehidrochiquímico formará o ácido chiquímico que após diversas reações sintetiza os
aminoácidos aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano). A fenilalanina, quando desaminada pela ação
da PAL (fenilalanina amônia liase), origina o ácido cinâmico, o primeiro fenilpropanoide (C -C ) 6 3

formado. Os fenilpropanoides subsequentes podem sofrer diversas alterações mediadas por enzimas que
levarão a formação de outras classes de substâncias fenólicas, como as lignanas e as ligninas. Este
complexo polimérico (lignanas e ligninas) confere rigidez e resistência mecânica à parte aérea das
plantas, característica que conferiu uma melhor sustentação e possibilitou maior transporte de água e
minerais a partir das raízes, permitindo a conquista do ambiente terrestre.
Para a síntese de flavonoides e estilbenos, substâncias com 15 átomos de carbono, são
combinados esqueletos carbônicos provenientes de duas vias: a via do ácido chiquímico e a via do
acetato-malonato, portanto, são de biossíntese mista (Figura 3). Após a fenilalanina ser desaminada,
hidroxilada e ligada a uma coenzima-A (CoA) ocorre a formação de uma molécula de coumaroil-CoA.
Essa estrutura liga-se a três unidades de malonil-CoA, levando a formação de uma chalcona, após
algumas reações mediadas pela chalcona sintase, essa é a primeira classe de flavonoides formada. A
mesma estrutura que origina a chalcona sofre uma série de reações mediadas pela estilbeno sintase,
culminando com a formação das diversas substâncias pertencentes à classe dos estilbenos, dentre elas o
resveratrol. A chalcona, por sua vez, pode isomerizar-se em uma flavanona e a partir dela são formadas as
demais classes de flavonoides. Dessa forma, flavonoides são substâncias que possuem, em geral, um
esqueleto C -C -C , onde C -C é proveniente do chiquimato e ele está ligado a um anel C , proveniente da
6 3 6 6 3 6

via do malonato.
As diferentes classes de flavonoides diferem uma das outras devido a pequenas variações nessa
estrutura básica de 15 carbonos. As flavanonas, por exemplo, têm o anel B ligado ao carbono 2, enquanto
que as isoflavonas têm o anel B ligado à posição 3. Flavonas e flavonóis são muito semelhantes entre si, a
única diferença é que os flavonóis apresentam um grupo hidroxila (OH) na posição 3. As antocianidinas,
que são a forma aglicona e os cromóforos de antocianinas, apresentam um oxigênio catiônico. Por fim, as
proantocianidinas (PAS ou taninos condensados), formadas pelo ramo terminal da via dos flavonoides,
apresentam as mesmas propriedades dos taninos hidrolisáveis, apesar de serem polímeros de catequinas.
Os flavonoides atuam na proteção dos tecidos vegetais da ação mutagênica dos raios UV e participam da
atração de polinizadores e dispersores de sementes. Antocianinas propiciam uma vasta gama de
tonalidades (diferentes tons de vermelho, púrpura e azul). A diversidade de cores encontrada deve-se
primeiramente ao padrão de hidroxilações, glicosilações, acilações e metilações de suas estruturas
básicas, e aliado a isso, há outros fatores que podem influenciar nas cores encontradas como:
copigmentação (flavonoides, fenilpropanoides, aminoácidos, carotenoides, dentre outros), pH vacuolar e
complexação com metais. Alguns compostos fenólicos, como fenilpopanoides e flavonóis, além de
atuarem como copigmentos podem conferir a cor branca.

97
Os processos biossintéticos que levam a formação da fenilalanina ocorrem nos plastídios e a
síntese dos fenilpropanoides e flavonoides prossegue na parte citossólica do retículo endoplasmático,
sendo que essas substâncias são armazenadas nos vacúolos. Elas também podem ser encontradas em
outros compartimentos celulares como parede celular, núcleo, cloroplastos e, até mesmo, no espaço
extracelular dependendo da espécie, do tecido ou do estágio de desenvolvimento da planta. Os
flavonoides são sintetizados principalmente no citosol, em complexos multienzimáticos ligados às
membranas do retículo endoplasmático (RE), e de lá são transportados para seus destinos subcelulares.
As cumarinas, furanocumarinas e estilbenos, exemplos de classes de substâncias fenólicas,
protegem as plantas contra patógenos (bactérias e fungos) e herbívoros, além de inibirem a germinação de
sementes de plantas adjacentes impedindo a competição destas pelos mesmos recursos (alelopatia).
Os compostos fenólicos têm recebido crescente atenção por parte da indústria alimentícia,
cosmética e farmacêutica. A eles são atribuídos uma vasta gama de efeitos fisiológicos como:
antialérgicos, anti-inflamatórios, antimicrobianos, antitrombóticos, antioxidantes, cardioprotetores e
vasodilatadores. Por estes efeitos, este grupo de substâncias, as quais são presentes em altos níveis em
frutas e vegetais, são consideradas benéficas à saúde humana, especialmente pelo potencial antioxidante.

Figura 3. Esquema da via de síntese dos compostos fenólicos.


98
Terpenos
Os terpenos formam o maior grupo de produtos naturais, apresentando uma grande diversidade
estrutural, com mais de 35 mil substâncias identificadas. Eles são derivados teóricos do isopreno, uma
estrutura de 5 carbonos, sendo o número dessa unidade presente na molécula utilizado para a
classificação, podendo existir: monoterpenos (C ), sesquiterpenos (C ), diterpenos (C ), triterpenos (C ),
10 15 20 30

tetraterpenos (C ) e politerpenos (mais de 40 carbonos).


40

Os terpenos são tidos como derivados teóricos do isopreno pelo fato desta molécula não estar
envolvida na síntese dos terpenos, os precursores são o isopentenil difosfato (IPP) e o dimetilalil difosfato
(DMAPP). A síntese deste grupo de metabólitos secundários se dá a partir de duas vias, a do MEV (que
tem como precursor acetil-CoA) que ocorre no citossol, e a do MEP (derivado de intermediários
glicolíticos) a qual é uma rota plastidial. Atualmente sabe-se que há uma comunicação entre estas duas
vias podendo haver trocas dos componentes formados por cada uma, assim ambas levarão a formação do
IPP que pode se converter em seu isômero DMAPP.
A ligação do IPP e DMAPP forma o geranildifosfato (GPP), uma molécula de 10 carbonos, a
partir da qual são formados os monoterpenos. O GPP pode se ligar a outra molécula de IPP, formando um
composto de 15 carbonos, o farnesil difosfato (FPP), precursor da maioria dos sesquiterpenos. A adição
de outra molécula de IPP ao FPP forma o geranilgeranil difosfato (GGPP), um composto de 20 carbonos,
precursor dos diterpenos. Por último, dímeros de FPP e GGPP são precurosres dos triterpenos (C ) e 30

tetraterpenos (C ), respectivamente (Figura 4). Cada uma destas classes de terpenos possuem uma ampla
40

gama de funções nas plantas e alguns exemplos serão abordados a seguir.


Os monoterpenos e os sesquiterpenos são substâncias presentes nos óleos voláteis e conferem a
determinadas plantas seu aroma característico (como as Lamiaceae, Ocimum sp., por exemplo). Os óleos
voláteis também possuem compostos provenientes de outras vias como, por exemplo, os
fenilpropanoides. Os óleos voláteis estão associados à defesa (repelindo ou atraindo insetos) e sinalização
molecular nas plantas, além disso, exibem atividades antimicrobianas e têm sido amplamente utilizados
na indústria cosmética, farmacêutica e alimentícia.
Há diterpenos essenciais como o fitol, que faz parte de várias moléculas como, por exemplo, a
clorofila, e é um dos mais simples e abundantes diterpenos. Outra molécula essencial dentro desta classe é
a giberelina. As giberelinas compõem um grupo de hormônios vegetais envolvidos na regulação de
diversos processos como o alongamento celular e a senescência.
No caso dos triterpenos, atividades anticancerígenas foram relatadas para os tipos ursano, lupano
e oleanano, substâncias encontradas em diversas plantas. Os triterpenos também são frequentemente
encontrados na forma de saponinas (do latim: sapo = sabão) que possuem propriedades surfactantes.
Limonoides, que são triterpenos modificados, têm reconhecida atividade inseticida como, por exemplo,
no óleo de Neem (Azadirachta indica, Meliaceae). Triterpenos, tais como, os esteroides sitosterol,
estigmasterol e campesterol, são frequentemente encontrados como parte estrutural da membrana celular.
Esteroides também são de interesse nutricional pela sua capacidade de reduzir os níveis de colesterol
absorvido.
Os carotenoides ou tetraterpenoides (C ) são sintetizados no plastídio via 2-metileritritol 4-
40

fosfato (MEP). Esses terpenos são substâncias lipossolúveis, amplamente distribuídas no reino vegetal,
em geral atuam como pigmentos relacionados à fotoproteção e atração de polinizadores nas plantas, além
de serem precursores da vitamina A cuja deficiência em humanos pode causar problemas de visão. Como
pigmentos conferem colorações amareladas e alaranjadas, e podem coexistir com as antocianinas
resultando assim em tonalidades marrons e bronze.

99
Figura 4. Esquema da síntese de terpenos pelas vias MEV e MEP.

Compostos nitrogenados
Compostos nitrogenados são defesas químicas anti-herbivoria e, quando pigmentos, atrativos de
polinizadores. As quatro classes mais importantes são: alcaloides, betalaínas, glicosídeos cianogênicos e
glucosinolatos. Essas substâncias são formadas a partir de aminoácidos aromáticos e alifáticos.
Alcaloide é o nome dado a um grupo de substâncias bastante heterogêneo, predominantemente
sintetizado por plantas (dos 27 mil alcaloides conhecidos no momento, 21 mil são de origem vegetal).
Eles têm em comum o caráter alcalino, conferido pela presença de um ou mais átomos de nitrogênio, e
podem ter um ou mais anéis heterocíclicos. Essa classe de compostos nitrogenados é reconhecida pelo seu
amplo espectro de atividades biológicas, por isso correspondem a princípios ativos comuns em plantas
medicinais e tóxicas. Alguns exemplos são a papoula (Papaver somniferum, Papaveraceae), que contém
morfina, codeína e papaverina; o café (Coffea arabica, Rubiaceae), que contém cafeína; a espécie
Chondodendron tomentosum (Menispermaceae), da qual se extrai o curare, potente relaxante muscular
com atividade anestésica, utilizado como veneno de flecha por indígenas sul-americanos. Outro alcaloide
muito conhecido é a nicotina (presente no fumo, Nicotiana tabacum, Solanaceae).
Os diferentes tipos de alcaloides são classificados de acordo com o aminoácido precursor
utilizado para a formação de sua estrutura e o anel nitrogenado formado a partir deste, sendo que os
aminoácidos mais comuns são os alifáticos, como a lisina e a ornitina, e os aromáticos, como a tirosina e
o triptofano (Tabela 2).
A partir da lisina são biossintetizados os alcaloides quinolizidínicos, compostos tóxicos para
herbívoros, encontrados em Berberidaceae, Ranunculaceae, Solanaceae e em Fabaceae, como a Lupinus
sp., que contém a lupinina; os alcaloides indolizidínicos, comuns em Fabaceae, possuem alta atividade
100
anti-HIV; os alcaloides piperidínicos, distribuídos em diversas famílias do APG III, alguns compostos
dessa classe são utilizados em preparações para pessoas que querem para de fumar, como é o caso da
lobenina, encontrada na Lobélia (Lobelia inflata, Campanulaceae), que estimula os mesmos receptores da
nicotina, simulando o efeito dessa substância.
A ornitina, por sua vez, é precursora dos alcaloides tropânicos, como a atropina e a cocaína, cuja
a distribuição se concentra em espécies pertencentes às Malpighiales e às Solanales; dos alcaloides
pirrolidínicos, como a higrina, encontrada em folhas de coca (Erythroxylum coca, Erythroxylaceae); e dos
alcaloides pirrolizidínicos, mais comumente encontrados nas ordens Asparagales, Fabales, Asterales e na
família Boraginaceae, que são compostos hepatotóxicos, portanto, inibidores de herbivoria.
A tirosina é precursora dos alcaloides pertencentes às classes dos aporfínicos,
tetraidroisoquinolínicos, isoquinolínicos, benziltetraidroisoquinolínicos, morfinanos e protoberberínicos.
Dentre os alcaloides pertencentes a essas classes podemos citar como destaque os alcaloides encontrados
na papoula, são eles: a morfina, um potente anestésico; a codeína, utilizada em formulações de xaropes
antitussígenos; e a papaverina, utilizada em medicamentos contra cólicas pelo seu efeito anestésico da
musculatura lisa.
A partir do triptofano são sintetizados os alcaloides pertencentes às classes dos quinolínicos, β-
carbonílicos, pirroloindólicos, indólicos e pirroloquinolínicos. Dentre os alcaloides pertencentes a essas
classes podemos citar como destaque a vincristina, extraída da vinca-de-Madagáscar (Catharanthus
roseus, Apocynaceae), que é muito utilizada como agente quimioterápico, principalmente no combate a
leucemia.
As betalaínas são alcaloides indólicos que atuam como pigmentos em algumas espécies de
Caryophyllales. Elas conferem colorações avermelhadas a violetas (betacianinas) ou amareladas a tons de
laranja (betaxantinas). A presença de antocianinas e betalaínas são excludentes, não há uma espécie se
quer descrita com a síntese das duas classes.
Glicosídeos cianogênicos possuem um resíduo de açúcar e um grupamento nitrila. Eles são
armazenados em vacúolos e, quando a planta é atacada, são hidrolisados pela enzima que se encontra no
citoplasma gerando cianeto, substância altamente tóxica. A mandioca (Manihot esculenta,
Euphorbiaceae) possui concentrações altas de um glicosídeo cianogênico chamado linamarina, por isso
antes de seu consumo é necessário um preparo prévio afim de evitar a intoxicação por esse composto.
Glucosinolatos são substâncias que contêm enxofre, nitrogênio e açúcar em sua molécula. Eles
ocorrem em quase todas as espécies de Brassicaceae e são responsáveis pelo sabor picante do agrião,
rabanete e pelo gosto característico dos brócolis, repolho, mostarda, etc. Quando a planta é atacada, os
glucosinolatos são hidrolisados pela enzima mirosinase, produzindo isotiocianatos e nitrilas que agem na
defesa da planta como toxinas e repelentes contra herbívoros.

101
Tabela 2 Alguns exemplos de classes de alcaloides, seus respectivos precursores, fonte e uso por
humanos.

Engenharia metabólica de substâncias secundárias


A Engenharia Metabólica é a manipulação de funções celulares, através da tecnologia do DNA
recombinante, para melhoria direcionada de uma característica. Os progressos na aplicação de técnicas
moleculares para alterar a produção de determinadas substâncias trazem inúmeras abordagens
interessantes como: melhorar a produção de metabólitos secundários utilizados como produtos químicos
(fármacos, inseticidas, corantes, aromas e fragrâncias); introduzir a produção de um composto de
interesse em outras espécies de plantas (ex. mais adequada para o cultivo); alterar características de
plantas alimentícias e ornamentais (ex. alterando cores de flores, ressaltando sabores, cheiros ou aspecto
de alimentos, reduzindo nível de compostos tóxicos ou indesejáveis em fábricas de alimentos ou
forragem); aumentar a resistência contra pragas e doenças.
O arroz-dourado, ou “golden-rice”, ilustra a importância da tecnologia do DNA recombinante
para a produção de metabólitos secundários de interesse agronômico e nutricional. Este transgênico foi
gerado para produzir betacaroteno, precursor da vitamina A, que confere a coloração amarelada e dá
nome à linhagem.
Para a obtenção destas plantas transgênicas foram inseridos dois genes exógenos sob controle de
um promotor de endosperma, de modo que os transgenes se expressam somente nos grãos. O primeiro
transgene codifica a fitoeno sintase de milho, que utiliza GGPP como substrato para a produção de
fitoeno. O segundo gene (CRTI), codifica uma fitoeno desaturase bacteriana responsável pela síntese de
102
licopeno. Ciclases do próprio endosperma, como a licopeno isomerase e α, β-licopeno ciclase, catalisam
as reações de síntese de betacaroteno a partir do licopeno, de modo que os níveis desta substância chegam
a 35 µg por grama de arroz seco. Devido à facilidade de produção, baixo custo no mercado e amplo
consumo do arroz, a variedade transgênica aparece como uma das promessas para combater a deficiência
de vitamina A, especialmente em populações pobres asiáticas que tem o arroz como base da alimentação.
Outro exemplo de engenharia do metabolismo secundário em favor da agricultura é o caso do
combate à mariposa Plutella xylostella. A traça-das-crucíferas causada por esta espécie é uma das
principais pestes que atacam as plantações de Brassicaceae, como brócolis, repolho, couve e mostarda,
em todo o mundo. As fêmeas de P. xylostella são atraídas por glucosinolatos, que estimulam também a
ovoposição nas folhas das plantas hospedeiras, provocando enormes prejuízos às plantações.
Como forma de prevenir infestações e proteger as culturas, tem sido estudado o emprego de
outros cultivares mais atrativos aos herbívoros especialistas, mas que não provém as condições ideais para
o desenvolvimento das larvas. Neste contexto, foi desenvolvido o tabaco transgênico que produz
benzilglucosinolato, um alcaloide característico das brassicáceas, através da inserção de seis enzimas que
catalisam reações consecutivas da biossíntese do benzilglucosinolato a partir da fenilalanina. O tabaco
transgênico é mais atrativo para oviposição do que a variedade selvagem e também é um hospedeiro que
permite menor taxa de sobrevivência das traças, protegendo as culturas e evitando o uso de defensivos
agrícolas.
Avanços na biotecnologia dos metabólitos secundários são também possíveis ferramentas para
reverter um grande gargalo na produção de biocombustíveis. A obtenção de celulose com esse fim é
limitada pela presença da lignina, portanto, é de interesse industrial a obtenção de plantas com níveis
reduzidos de lignina, mas que não apresentem desenvolvimento comprometido, baixo vigor ou
inferioridade agronômica. Como alternativa, é possível modificar a estrutura química deste polímero de
modo a torná-lo mais acessível aos métodos de extração de biomassa. Uma das estratégias para isso é a
construção da chamada “zip-lignina”, que se baseia na incorporação de conjugados de monolignol e
ferulatos na estrutura do polímero. Foi produzido com este fim um choupo transgênico, no qual foi
introduzida uma feruloil-CoA: monolignol transferase de Angelica sinensis. Essa transferase introduz
ligações do tipo éster, quimicamente instáveis em comparação às ligações éter, normalmente presentes no
esqueleto da lignina. Desta forma, são obtidos polímeros que necessitam de menos energia para serem
degradados, facilitando a obtenção de açúcares para fins industriais.
O conhecimento detalhado das estruturas químicas e vias de síntese de substâncias secundárias
pode proporcionar diversas aplicações biotecnológicas de interesse econômico em processos agrícolas,
industriais e biotecnológicos.

Referências
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Chichester: John Wiley & Sons, 1264p.
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genetically modified to attract Plutella xylostella (diamondback moth). Plant biotechnology journal,
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(Pohl ex DC.) Eichler (Santalaceae). Dissertação de Mestrado. Insituto de Biociências, São Paulo.
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Chemically Labile Linkages into the Lignin Backbone. Science, v. 344, n. 6179, p. 90-93.

104
CAPÍTULO 11

Ensaios in vitro para determinação do potencial


medicinal de extratos de plantas
Wilton Ricardo Sala de Carvalho

Ensaios
Ensaios são definidos como procedimentos laboratoriais de investigação analítica utilizado para
avaliar quantitativamente e qualitativamente a atividade de uma determinada amostra frente a algum alvo,
são muito usados por laboratórios farmacêuticos para determinar a atividade de alguma substância frente
a alguma doença.
Dentre os tipos diferentes de ensaios nós temos os denominados ensaios In vivo, que são aqueles
realizados com organismos vivos e os ensaios In vitro, que são aqueles realizados em equipamentos
laboratoriais, como placas de petri e microplacas. Geralmente os ensaios In vitro são realizados
preliminarmente, como uma forma de se verificar se determinada amostra possui atividade para depois se
realizar os ensaios In vivo para verificar se a amostra continua possuindo atividade em organismos vivos.

Plantas Medicinais
As plantas são uma ótima fonte de matéria-prima quando se pensa em novas substâncias para
realização de ensaios vizando a cura de uma determinada enfermidade, tanto que desde os primórdios da
civilização eram registrados os usos terapêuticos de espécies vegetais. Temos como grandes exemplos a
civilização chinesa, com o livro “Prescrições para 52 doenças”, escrito durante a Dinastia Han, cujo o
conteúdo trazia a descrição de cerca de 208 plantas para o tratamento de diversas doenças, entre elas a
descrição dos benefícios da Artemisia annua para o tratamento de “febres”; O Egito, com os papiros de
Ebers que descreviam a utilização de diversos medicamentos baseados em plantas, tendo em seu conteúdo
as propriedades sedativas do ópio (Papaver somniferum), digestivas do rícino (Ricinus communis), da
alcaravia (Carum carvi) e da hortelã pimenta (Mentha piperita); A Índia, com um tratado médico com
mais de 500 plantas denominado Caraka, baseado na medicina Ayurvédica; e os Romanos, com o livro
De Materia Medica, escrito pelo grego Pendamius Dioscorides, que trazia a descrição de cerca de 600
plantas para uso terapêutico.
Essa propriedade fascinante que as plantas possuem de serem utilizadas para fins medicinais se
deve à presença de substâncias produzidas pelo seu metabolismo, principalmente o metabolismo
secundário. Este é definido como o conjunto de reações que levam a formação de produtos necessários
como interface de interação entre o corpo da planta e o ambiente em que ela vive, seja esse abiótico,
como a radiação Ultravioleta, temperaturas extremas e estresse hídrico, ou biótico, representado pela
proteção contra herbivoria, atração de polinizadores e dispersores de sementes e pela defesa de patógenos.
Justamente por essa propriedade que substâncias sintetizadas pelo metabolismo secundário possuem de
defesa contra fatores bióticos que se imaginou o seu potencial para serem utilizadas como medicamentos.
Os Metabólitos secundários, também conhecidos como produtos naturais, são sintetizados
utilizando produtos provenientes de vias do metabolismo primário, a partir dos quais, através de 4 vias
principais (Ácido Mevalônico, Metileritritolfosfato, Acetato-Malonato e Ácido Chiquímico), são
sintetizadas todas as classes de produtos naturais.
A via do Ácido Mevalônico (MEV) ocorre preferencialmente no citoplasma das células vegetais
e se inicia com a reação de três moléculas de Acetil-CoA proveniente de vias do metabolismo primário,
que através de diversos processos, culminará com a produção do ácido mevalônico a partir do qual serão
produzidos dois isômeros com 5 átomos de carbono em sua estrutura, conhecidos como Isoprenos, que
originarão as diversas classes de terpenoides e os esteroides.
105
Os terpenoides também são sintetizados a partir da via do Metileritritolfosfato (MEP), a qual
formará o Metileritritol 4-Fosfato a partir da reação entre o Gliceraldeido 3-Fosfato e o ácido pirúvico,
provenientes de vias do metabolismo primário. A partir do Metileritritol 4-Fosfato também serão
produzidos os dois Isoprenos que originarão as diversas classes de terpenoides e esteroides. Essa via
ocorre preferencialmente no cloroplasto das células.
Essas duas vias irão produzir as diversas substâncias pertencentes às classes dos
monoterpenoides com 10 átomos de carbonos, dos sesquiterpenoides com 15 átomos de carbono, dos
diterpenoides com 20 átomos de carbono, dos triterpenoides com 30 átomos de carbono e dos
carotenoides com 40 átomos de carbono (Figura 1).
A via do Acetato-Malonato tem início utilizando como precursor uma molécula de Acetil-CoA
que através da adição de moléculas de Malonil-CoA sofrerá um aumento em sua estrutura carbônica
originando a cadeia de poli-β-ceto-éster, a partir da qual será formada diversas substâncias pertencente às
classes de compostos fenólicos, de policetídeos aromáticos, de poliacetilenos e acetogeninas (Figura 2).

Figura 1. Terpenoides produzidos pelo metabolismo secundário de plantas.

106
Figura 2. Produtos da via do acetato-malonato.

A via do Ácido Chiquímico utiliza como precursores a Eritrose 4-Fosfato e o fosfoenolpiruvato,


cuja a reação culmina com a produção do ácido 3-dehidrochiquímico que formará, através de uma série
de reações, diversas substâncias pertencentes às classes dos compostos fenólicos (Figura 3).
Os compostos nitrogenados (Figura 4), são produzidos utilizando como precursores os
aminoácidos aromáticos produzidos pela via do ácido chiquímico ou os aminoácidos alifáticos produzidos
pelo ciclo de Krebs, dentre esses compostos está inserido a classe dos alcaloides, um dos metabólitos
mais utilizados medicinalmente.
Com essa imensa variedade de substâncias produzidas pelas plantas, extratos vegetais podem ser
usados para se verificar o potencial medicinal através de diversos ensaios que serão descritos nesse
capítulo.

107
Figura 3. Produtos da via do ácido chiquímico.

108
Figura 4. Exemplos de compostos nitrogenados.

Ensaios Antioxidantes.
Evidências demonstram que as Espécies Reativas de Oxigênio (EROs) e de Nitrogênio (ERNs),
associadas com baixos níveis de vitaminas A, C, E e de enzimas que capturam e eliminam essas espécies,
causam um aumento no estresse oxidativo do corpo humano, culminando com o surgimento de diversas
doenças degenerativas associadas ao envelhecimento, como câncer, doenças cardiovasculares, catarata,
declínio do sistema imune e disfunções cerebrais.
Dentre as espécies reativas há os radicais livres, que são quaisquer átomos ou moléculas
contendo um ou mais elétrons não pareados nos orbitais externos, tornando-os altamente reativos e
capazes de reagirem com qualquer substrato, assumindo uma função oxidante ou redutora de elétrons, os
mais comuns são o ânion superóxido (O2 •-), a hidroxila (OH•), o hidroperóxido (LOOH); e as Espécies
Reativas de Nitrogênio, como o Óxido Nítrico (NO) e o Dióxido de Nitrogênio (NO2), sendo a hidroxila o
mais reativo na indução de lesões nas moléculas celulares.
Apesar de serem causadores de diversas doenças, a formação de radicais livres é um processo
fisiológico normal em organismos de metabolismo aeróbico que cumpre funções biológicas importantes,
é através de sua produção que são eliminadas células defeituosas e microorganismos invasores, dentre
eles os patogênicos. Apesar de ser um processo natural, alguns fatores exógenos podem aumentar a
produção dessas Espécies Reativas, tais como os xenobióticos, radiações ionizantes, metais pesados,
tabagismo e ingestão de álcool.

109
Como forma de proteção e redução dos seus efeitos existem substâncias denominadas
antioxidantes, que são classificadas em dois tipos, as enzimáticas, produzidas pelo nosso organismo e as
não enzimáticas. Essas substâncias podem agir de três formas diferentes, a preventiva, se caracterizando
pela proteção contra a formação de substâncias agressoras; a de interceptação, caracterizada pela sua
captura; e a de reparo.
Os antioxidantes não enzimáticos são adquiridos através da alimentação, principalmente de
verduras, frutas e legumes, e entre eles podemos citar as vitaminas C, A e E, os flavonoides e os
carotenoides.
Ensaios In vitro têm demonstrado a importância de dietas ricas em frutas e vegetais pela
presença de antioxidantes que ajudam no combate aos radicais livres, que em consumo moderado, são
benéficos à saúde humana. Em contrapartida alguns testes In vitro e In vivo demonstram que, em certas
condições e concentrações erradas, algumas das substâncias com efeitos antioxidantes podem apresentar o
efeito contrário, de pró-oxidante, sendo necessários mais estudos para estabelecer o papel desses
compostos na prevenção de doenças.
Com base no que foi dito muitos ensaios In vitro são utilizados para determinar o potencial
antioxidante de determinada amostra.

Ensaio antirradicalar de sequestro do radical DPPH (1,1-difenil-2-picril-hidrazil)


O ensaio da atividade de sequestro do radical DPPH é um dos preferidos a ser utilizado por ser
relativamente simples de reproduzir e utilizar um radical estável, ele é usado para definir a capacidade
que determinada substância tem em transferir elétrons ou doar átomos de Hidrogênio para estabilizar o
radical livre (Figura 5), dessa forma fazendo com que o radical, que possui uma coloração roxa com
absorção máxima em 515 nm, adquira uma coloração amarelada. A atividade é dada pela perda da
absorbância em 515 nm, quanto maior a perda, maior será a atividade antioxidante da amostra. O ponto
negativo em relação a esse ensaio se deve ao fato de ele avaliar a capacidade de sequestro de um radical
sintético, que não é produzido no nosso organismo.

Figura 5. Reação de estabilização do Radical DPPH frente a um composto fenólico doador de hidrogênio.
Adaptado de Texeira et al. 2013.

110
Teste antirradicalar de sequestro do radical ABTS (2,2’-azino-bis-3-etilbenzotiazolina-6-ácido
sulfônico)
O ensaio da atividade de sequestro do radical ABTS segue um princípio semelhante ao do
DPPH, no qual um radical sintético é usado para medir a capacidade de determinada amostra tem em
estabilizar o radical livre através da transferência de elétrons, da doação de átomos de hidrogênio ou até
mesmo através da combinação dos dois mecanismos. O ABTS, quando na sua forma radicalar, possui
uma coloração azul/verde com absorção máxima em 734 nm, a partir do momento em que é estabilizado,
perde a coloração se tornando incolor (Figura 6), dessa forma a sua atividade é fornecida pela perda de
absorção em 734 nm, quanto maior a perda, mais ativa é a amostra. Assim como o ensaio Baseado no
radical DPPH, esse ensaio possui o ponto negativo de utilizar um radical não presente no nosso
organismo.

Figura 6. Reação de estabilização do Radical ABTS•+ frente a um composto fenólico doador de elétrons.
Adaptado de Rufino et al. 2007.

Atividade Quelante de Ferro


O ensaio da atividade quelante de ferro analisa a capacidade de determinada amostra em formar
quelatos com íons Ferro. Essa propriedade é importante pois os íons metálicos, quando em excesso no
nosso organismo, causam efeitos deletérios através da capacidade de transferirem elétrons para moléculas
não radicalares, assim intermediando a formação de muitas espécies reativas de oxigênio (ERO‟s), ao
serem quelados eles não se tornam mais disponíveis para a consequente produção de radicais livres. A
atividade nessa metodologia é dada pela capacidade que determinada amostra tem de quelar os íons Fe 2+
existentes no complexo com a Ferrozine. Quando o íon está presente a Ferrozine possui uma coloração
avermelhada com absorbância máxima em 562 nm, ao perder o íon para alguma substância quelante
ocorre a perda da coloração e, consequentemente, a perda da absorbância em 562 nm, com isso a
atividade é dada pela perda de absorção, quanto maior a perda, mais eficiente é a amostra (Figura 7).

111
Figura 7. Reação de quelação do íon Ferro presente na ferrozine por uma molécula de quercetina.

Atividade redutora do íon férrico (Fe3+) a íon ferroso (Fe2+)


O ensaio da atividade redutora do íon Fe3+ a Fe2+, analisa a capacidade que determinada amostra
tem de transferir elétrons e, consequentemente, reduzir íons metálicos ou radicais livres, medindo assim a
sua capacidade redutora. Para esse teste utiliza-se um complexo incolor de TPTZ com íon Fe3+, que ao ser
reduzido a Fe2+ ganha uma coloração azul intensa com absorção máxima em 593 nm, portanto, a
atividade redutora de determinada amostra é proporcional ao ganho de absorção, quanto maior o ganho
mais eficiente é a amostra (Figura 8).

Figura 8. Reação da atividade redutora do íon Fe3+ a íon Fe2+. Adaptado de Kesic et al. 2015.

ORAC (Oxygen Radiance Absorbance Capacity)


Esse ensaio é baseado na capacidade que o radical peroxila, gerado pela decomposição térmica
do 2,2‟-azobis (2-Metilpropionamidina) dihidrocloridrico (AAPH), tem em oxidar a fluoresceína,
capturando um hidrogênio da sua estrutura, fazendo com que ela perca a capacidade de emitir
fluorescência ao longo de um determinado tempo. Ao ser adicionada uma amostra antioxidante, ela irá
doar hidrogênios aos radicais peroxilas de forma a estabilizá-los e impedir que oxidem a fluoresceína,

112
mantendo a emissão de fluorescência por um período maior de tempo, de forma que quanto maior esse
período, maior a atividade antioxidante de determinada amostra. A vantagem da realização desse ensaio
se deve ao fato de que ele simula as condições presentes no nosso organismo, como a temperatura em
37ºC, a presença de oxigênio para a formação do radical peroxíla e o próprio radical que é uma espécie
reativa de oxigênio existente no nosso organismo.

TBARS (Thiobarbituric Acid Reactive Substance)


Esse ensaio é baseado na capacidade que determinada amostra possui em proteger os lipídios da
reação em cadeia de peroxidação lipídica. Essa reação tem início quando um determinado radical livre
abstrai um Hidrogênio de um lipídeo, fazendo com que ele mesmo se torne um radical, após o qual
formará o radical peroxila através da incorporação de uma molécula de oxigênio, esse radical continua
sendo reativo e para se estabilizar irá abstrair um hidrogênio de outro lipídio, reiniciando o ciclo de
peroxidação e formando hidroperóxidos que são decompostos em diversos produtos, entre eles o
malonaldeído (MDA). Ao se adicionar ácido tiobarbitúrico (TBA) no meio em que ocorreu peroxidação
lipídica ele irá reagir com o MDA e formará um composto de coloração roxa com absorbância máxima
em 535 nm (Figura 9), portanto, quanto menor a absorbância nesse comprimento de onda, menor foi a
formação de MDA e, consequentemente, maior o potencial antioxidante da amostra em proteger contra a
peroxidação lipídica.

Figura 9. Reação de peroxidação lipídica de um ácido graxo e consequente reação com ácido
tiobarbitúrico, caracterizando o teste de TBARS. Adaptado de Mafra et al. 1999 e Antolovich et al. 2002.

113
Ensaio antibacteriano
Segundo o Centro de Controle e Prevenção de doenças (CDC), localizado em Atlanta, E.U.A,
agentes antimicrobianos têm sido usados desde a década de 1940 para o tratamento de doenças
infecciosas e, quando usados de maneira correta, trazem enormes benefícios. Contudo, o seu uso
intensivo, indiscriminado e sem conhecimento associado ao uso dessas substâncias em animais para o
abate, fez com que os microrganismos patogênicos adquirissem resistência a uma ou diversas classes de
agentes antimicrobianos. Situação agravada pelo fato que nesse último século poucos novos antibióticos
foram lançados no mercado, levando a uma urgência de se descobrir novas substâncias com potêncial
antimicrobiano.
Para o uso como potenciais antibióticos se procuram substâncias que ajam em diversas etapas do
ciclo de reprodução da bactéria ou do microrganismo, como inibidores da síntese de ácidos nucleicos
(Quinolonas), inibidores da síntese de proteínas (Macrolídeos), inibidores da RNA polimerase
(Rifamicina), inibidores da síntese normal da parede celular (Penicilinas) e disruptores da membrana
plasmática (Polimixinas).
Para a realização do ensaio são utilizadas culturas de bactérias provenientes de duas cepas
diferentes, uma cepa gram-positiva e uma gram-negativa, pois nem sempre uma amostra que tenha ação
em bactérias de um tipo terá sobre o outro, devido a constituição da parede celular de ambas serem
diferentes, essa medida é tomada devido a dificuldade de se realizar ensaios com as próprias bactérias
patogênicas que necessitam de um ambiente laboratorial controlado para evitar surtos de infecções. Um
dos ensaios em microplacas mais utilizados para definir o potencial antibacteriano de determinada
amostra é o citotóxico que utiliza resazurina.

Ensaio da redução da resazurina


Esse ensaio consiste em se incubar a resazurina, um pigmento azul intenso, em uma cultura de
células bacterianas que irão reduzi-lo metabolicamente, através de enzimas mitocondriais, em resofurina,
um composto rosa que emite fluorescência em 590 nm ao ser excitado em um comprimento de onda de
560 nm, quanto maior o número de bactérias vivas na cultura, maior será a emissão de fluorescência
(Figura 10).
Ao se adicionar uma amostra antibacteriana no meio de cultura, ela irá matar as bactérias e não
haverá a conversão da resazurina em resofurina, portanto não haverá detecção de fluorescência em 590
nm, consequentemente mais tóxica será a amostra para as bactérias.
O ponto negativo desse ensaio se deve ao fato de que resazurina é um composto tóxico que pode
causar alterações metabólicas nas bactérias, dessa forma, afim de se evitar resultados falso positivo, não é
recomendável a incubação por um período maior que 4 horas.
Em equipamentos que não conseguem realizar leituras de fluorescência há a alternativa de se
avaliar a redução da resazurina através da leitura de absorbância, porém de ser uma avaliação menos
precisa do que por fluorescência.
Uma outra alternativa seria realizar a leitura de absorbância em 595 nm do meio de cultura da
microplaca no início do ensaio, analisando a turbidez do poço que é proporcional ao número de bactérias
presente nele, sejam elas vivas ou mortas. Após o período de incubação com a amostra seria realizado
novamente a leitura de absorbância em 595 nm, se o valor aumentou é um indicativo de que a amostra
não teve efeito, pois o número de bactérias naquele determinado poço aumentou, se a amostra continua
com o mesmo valor de absorbância significa que o número de bactérias continuou o mesmo,
demonstrando que a amostra ou é bacteriostática (impediu a proliferação das bactérias) ou bactericida
(matou as bactérias), para verificar se é uma alternativa ou outra seria utilizada a resazurina, se os poços
ficarem rosa houve a redução metabólica em resofurina, portanto a amostra teve efeito bacteriostático, se
continuar azul a amostra teve efeito bactericida.

114
Figura 10. Redução da resazurina na presença de bactérias metabolicamente ativas. Adaptado de Riss et
al. 2015.

Ensaios anti-HIV
A AIDS (Acquired Immune Deficiency Syndrome) é uma patologia que afeta o mundo inteiro,
segundo estimativas da UNAIDS cerca de 35,3 milhões de pessoas vivem com essa doença,
demonstrando um incremento em relação aos anos anteriores, desses casos 2,3 milhões são recentes, um
declínio de 33%, e 1,6 milhões de portadores faleceram em decorrência de doenças oportunistas. O Brasil
não demonstra um quadro muito diferente, segundo o Ministério da Saúde, de 1980 a 2012, foi notificado
um total de 656.701 casos de AIDS, nesse mesmo período o caso de óbitos por doenças oportunistas
foram de 253.706.
A AIDS é causada por um vírus, com genoma de RNA, denominado HIV, pertencente à família
Retroviridae e gênero Lentivirus. A infecção se inicia com o retrovírus se ligando a receptores presentes
na superfície dos linfócitos T e liberando o seu conteúdo genético dentro da célula hospedeira, após essa
etapa se tem o início da fase da replicação viral, caracterizada pela transcrição do RNA viral em DNA
viral e sua consequente integração ao DNA da célula hospedeira através da enzima integrase, por fim se
tem a produção dos polipeptídeos virais que sofrem ação da enzima protease e são clivados em
polipeptídeos menores e funcionais, sendo esses importantes para a produção de virions infecciosos.
A maior parte dos fármacos antivirais usados contra o HIV agem sobre essas quatro etapas: nos
receptores celulares, na inibição da transcriptase reversa, na inibição da integrase e na inibição da
protease.
Atualmente, a terapia inicial consiste em uma combinação de pelo menos três medicamentos:
dois Inibidores Nucleosídeos da Transcriptase Reversa (INTR), associados com uma terceira droga, que
pode ser um Inibidor Não Nucleosídeo da Transcriptase Reversa (INNTR), um Inibidor de Protease (IP)
ou um Inibidor da Integrase.
Apesar dos resultados positivos do tratamento, a cura da AIDS não foi atingida, devido aos vírus
residentes nos Linfócitos T de memória não serem erradicados, além disso, os medicamentos atuais
apresentam um alto índice de resistência, necessitando a descoberta e desenvolvimento de potenciais
novos fármacos. Nesse cenário, substâncias provenientes de produtos naturais se tornam uma grande
fonte de pesquisas, alguns extratos e substâncias isoladas de plantas apresentam eficiência clínica
comprovada na inibição das diversas fases de entrada e replicação do vírus, entre essas substâncias
podemos citar os terpenos e os polifenóis (taninos, cumarinas e flavonoides).

115
Ensaio inibidor de transcriptase reversa
Esse ensaio se baseia na capacidade que a ezima transcriptase reversa do vírus HIV-1 tem em
sintetizar DNA, a partir de um iniciador, utilizando nucleotídeos marcados com digoxigenina e com
biotina. O DNA recém-sintetizado e marcado com biotina e digoxigenina se liga, através da biotina, à
estreptavidina presente na parede dos poços da microplaca. Ao adicionar um anticorpo de digoxigenina
conjugado com peroxidase ele se liga ao DNA preso na parede e acaba por reagir com o ABTS
adicionado, produzindo um produto com coloração verde intensa com absorbância máxima em 490 nm.
Para esse ensaio se deve realizar a leitura de absorbância em 405 nm e em 490 nm e subtrair as
duas para se ter a absorbância proporcional real do composto formado.
Ao ser adicionado uma amostra inibidora da transcriptase reversa ela não irá sintetizar o DNA
marcado, não havendo a formação do complexo com o conjugado do anticorpo de digoxigenina com a
peroxidase, assim não havendo a reação com o ABTS e a consequente formação da cor verde, portanto,
quanto menor a absorbância do meio, maior a atividade inibidora de transcriptase reversa e maior o seu
efeito anti-HIV.

Ensaio inibidor de protease


Esse ensaio se baseia na afinidade que dois fragmentos de proteína verde fluorescente (GFP) tem
de se unir quando em uma mesma solução, assim emitindo fluorescência. Para evitar essa união um dos
fragmentos tem a sua conformação estrutural alterada e mantida dessa forma por um sítio de quebra pela
enzima protease HIV-1, dessa forma não conseguindo se unir ao outro fragmento e consequentemente não
emitindo fluorescência. Ao ser adicionado a protease do HIV-1, esse sítio do fragmento menor será
clivado fazendo com que ele retorne à sua conformação original e se reúna com o outro fragmento,
reconstituindo a proteína funcional. O ensaio se baseia na capacidade que determinada amostra possui de
inibir a protease de HIV-1 impedindo-a de clivar o sítio, com isso não haverá a reunião e
consequentemente não haverá a emissão de fluorescência, portanto, quanto menor a fluorescência
detectada em 540 nm de emissão com 485 nm de excitação, maior a atividade inibidora de protease do
retrovírus HIV-1.

Ensaio antitumoral
O câncer é definido como uma série de alterações genéticas e epigenéticas em células, fazendo
com que elas se tornem anormais, percam a sua função, se multipliquem e propaguem
descontroladamente, podendo invadir a corrente sanguínea onde as células defeituosas serão transportadas
a locais distantes, originando novos tumores em um processo conhecido como metástase. Esse processo é
demorado, podendo levar vários anos até que uma célula cancerosa se prolifere e forme um tumor, por
isso é uma doença mais comum em pessoas idosas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 8,2 milhões de pessoas morrem de
câncer todos os anos, sendo que cerca de 70% dessas mortes ocorrem nos continentes Africano, Asiático
e Americano Central e do Sul, este número tende a aumentar pois é previsto que nas próximas 2 décadas
o número de pessoas que possuem câncer suba em 70%. Existem mais de 100 tipos diferentes de câncer,
sendo que para os homens o mais comum é o de pulmão e para as mulheres o de mama, e cada um desses
possui um tratamento específico, por isso há a necessidade de se pesquisar novas substâncias que possam
agir em diferentes etapas do ciclo de multiplicação descontrolada dessas células defeituosas.
Dentre os medicamentos utilizados atualmente para o tratamento do câncer podemos destacar
dois provenientes do metabolismo secundário de plantas, a camptotecina que inibe a função das
topoisomerases e a vincristina que inibe o funcionamento dos microtúbulos.

Ensaio de redução dos Sais de Tetrazolium


Esse ensaio se baseia na incubação de algum sal de tetrazolium (MTT, MTS, XTT e WTS-1)
com uma cultura de células tumorais do tipo de câncer que se quer estudar (Mama, pulmão, útero,
próstata...), quando as células estão vivas o Sal de tetrazolium é metabolicamente reduzido, através de
116
enzimas mitocondriais, em um composto cromogênico, o Formazan, assim podendo ser medida a sua
absorbância, sendo esta proporcional ao número de células vivas no meio de cultura (Figura 11). A cor
emitida pelo formazan dependerá de qual sal de tetrazolium foi usado no teste, portanto o comprimento de
onda no qual será analisado o ensaio será diferente para cada um dos tipos.
Ao ser adicionada uma amostra com um potencial antitumoral (citotóxica para determinada
linhagem de célula tumoral), as células irão morrer e a conversão em formazan não será possível, não
produzindo cor, portanto quanto menor a absorbância medida, maior a atividade de determinada amostra.
Assim como a resazurina, os sais de tetrazolium são tóxicos, não podendo ficar incubados por
um período maior do que 4 horas, pois poderá alterar o metabolismo das células, causando um resultado
falso positivo.

Figura 11. Redução do MTT (3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazolium) na presença de células


tumorais metabolicamente ativas. Adaptado de Riss et al. 2015.

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118
CAPÍTULO 12

Compostos bioativos de macroalgas


Ana Maria Amorim
Janaína Pires Santos

O que são compostos bioativos?


A utilização de produtos naturais, provenientes de diferentes organismos, é tão antiga quanto a
história da humanidade. As plantas, em especial, formam a base da medicina tradicional – o mais antigo
relato sobre as propriedades das plantas é um tratado médico chinês de 3.000 a.C., escrito pelo imperador
Shen Wung. No entanto, somente no século XIX que foi possível isolar os primeiros compostos bioativos
de origem vegetal.
Os compostos bioativos são moléculas de origem sintética ou natural que são estudadas quanto
as suas atividades biológicas e contribuem para importantes descobertas em diversas áreas terapêuticas.
Esses compostos podem ser oriundos do metabolismo primário ou secundário.
Metabolismo é o conjunto de reações químicas de degradação e síntese de substâncias químicas
que ocorrem por meio de caminhos chamados de rotas ou vias metabólicas. Nas rotas metabólicas o
produto de uma reação pode ser o substrato de uma reação subsequente, sendo que os reagentes, os
intermediários e os produtos das reações são chamados de metabólitos.
Os metabólitos primários são compostos essenciais para o crescimento, desenvolvimento e
reprodução dos organismos, como ácidos graxos, aminoácidos e polissacarídeos. Já os metabólitos
secundários são substâncias que não estão envolvidas diretamente na manutenção do organismo, mas são
importantes mediadores de interações ecológicas, como terpenos, alcaloides e compostos fenólicos.

Compostos bioativos marinhos


Os organismos marinhos são uma fonte promissora de produtos naturais. Os oceanos
representam mais de 70% da superfície terrestre e abrigam uma grande diversidade de organismos, que
por sofrerem pressões ambientais diferentes dos organismos terrestres, apresentam compostos com
características únicas.
A química de produtos naturais marinhos teve início na década de 1950 com o isolamento dos
nucleosídeos (base nitrogenada ligada a uma pentose) espongotimidina e espongouridina da esponja
Tethya crypta, que apresentam atividade antiviral, ao atuarem na enzima transcriptase reversa.
No entanto, somente a partir da década de 1970, com o desenvolvimento de equipamentos de
mergulho modernos, que as pesquisas com compostos bioativos de organismos marinhos foram
impulsionadas. Desde então, estima-se que cerca de 20.000 compostos foram descobertos em organismos
marinhos, como bactérias, fungos, algas e animais.

Compostos bioativos de macroalgas


As macroalgas são divididas em três grandes grupos: algas vermelhas (Filo Rhodophyta), algas
pardas (Filo Ochrophyta – Classe Phaeophyceae) e algas verdes (Filo Chlorophyta). A maioria de seus
representantes habita o ecossistema marinho e constitui parte fundamental desse ambiente, sendo o
principal alimento de alguns animais, fonte de matéria orgânica para bactérias heterotróficas e indicadores
de alterações ambientais.
Tradicionalmente, são utilizadas na alimentação, sobretudo em países asiáticos, e, atualmente,
têm sido exploradas como alimentos funcionais, devido ao seu teor de fibras, vitaminas e minerais.
Industrialmente, são utilizadas, principalmente, como fonte de ágar, carragenanas e alginato,
polissacarídeos presentes na parede celular de algumas macroalgas. Além disso, produzem compostos que

119
apresentam diversas atividades biológicas e podem ser aplicados em indústrias químicas, alimentícias e
farmacêuticas.
Nas macroalgas, esses compostos estão envolvidos em interações ecológicas e na defesa contra
variações ambientais (salinidade, radiação, dessecação) e podem ser provenientes do metabolismo
primário ou do metabolismo secundário.
De modo geral, os metabólitos secundários produzidos pelas algas ocorrem em grupos
específicos, e por isso apresentam importância ecológica e evolutiva, sendo estudados como marcadores
taxonômicos, filogenéticos e biogeográficos. Além dos estudos que envolvem o isolamento e obtenção de
novas moléculas com atividade biológica.
Estima-se que são conhecidos cerca de 3000 metabólitos secundários em macroalgas,
representando 15% dos compostos encontrados em organismos marinhos.
Em algas vermelhas são conhecidos cerca de 1500 metabólitos secundários, principalmente
compostos halogenados. Os compostos halogenados apresentam pelo menos um átomo de halogênio,
sendo o bromo o mais frequente em algas. Esses compostos podem pertencer a diferentes classes
químicas, como terpenos, acetogeninas e compostos fenólicos. Em algas vermelhas, os compostos
halogenados representam 70% dos metabólitos secundários. Em contrapartida, apenas 11% e 4% dos
compostos de algas verdes e pardas, respectivamente, são halogenados. Nas algas verdes são conhecidos
aproximadamente 300 metabólitos secundários, principalmente da classe dos terpenos. Já em algas pardas
foram encontrados cerca de 1140 metabólitos secundários, dos quais a maioria faz parte das classes dos
terpenos e dos compostos fenólicos.
Os metabólitos secundários isolados em macroalgas apresentam atividades biológicas já
comprovadas, como: antioxidante, antibacteriana, antiviral e anticâncer.

Atividade antioxidante
As macroalgas, assim como outros organismos aeróbios, produzem normalmente espécies
reativas de oxigênio (EROs) durante os processos de respiração celular e fotossíntese. No entanto, alguns
fatores externos também podem estimular a produção de EROs, o que pode levar ao estresse oxidativo, e
à degradação de moléculas orgânicas, como lipídeos, proteínas, carboidratos e DNA.
Como o ambiente aquático está sujeito à variação de nutrientes, luminosidade, concentração de
CO2 e O2, temperatura e salinidade, as macroalgas estão propensas a sofrer com o estresse oxidativo.
Desse modo, para garantir sua sobrevivência, as macroalgas desenvolveram mecanismos eficientes de
resposta ao estresse, apresentando uma alta capacidade antioxidante.
Os principais compostos com capacidade antioxidante encontrados em algas são das classes dos
terpenos e dos compostos fenólicos.
Os carotenoides, que são tetraterpenos (terpenos de 40 carbonos), são pigmentos alaranjados que
ocorrem em diversos organismos. Estão presentes em todos os organismos fotossintetizantes, atuando
como pigmentos acessórios da fotossíntese e também na fotoproteção, devido a sua propriedade
antioxidante.
Os compostos fenólicos, caracterizados pela presença de pelo menos um grupo fenol, são uma
classe diversa de metabólitos secundários encontrados em algas e plantas terrestres. Esses compostos
podem apresentar diferentes mecanismos antioxidantes: como doadores de hidrogênio e quelante de
metais. Ao doar hidrogênio às espécies reativas, os antioxidantes impedem a oxidação de moléculas
orgânicas e a formação de novas EROs. Já ao atuar como agentes quelantes, esses compostos
anitoxidantes sequestram e “aprisionam” íons metálicos que catalisam reações de oxidação lipídica e,
assim, impedem a formação de EROs.
As algas pardas, de modo geral, apresentam alta capacidade antioxidante, devido à presença de
um tipo de composto fenólico, os florotaninos, que são polifenóis derivados do floroglucinol e não
ocorrem em algas verdes e vermelhas.
Os aminoácidos tipo micosporinas são moléculas polares que absorvem no comprimento de onda
UVA e UVB, sua absorção máxima ocorre entre 310 a 360 nm dependendo da sua estrutura molecular.
120
Esses compostos estão amplamente distribuídos na natureza e encontrados tipicamente em organismos
que estão expostos a alta intensidade de luz, tais como cianobactérias e outros procariotas, eucariotas
(e.g., fungos e microalgas), macroalgas marinhas (algas verdes e vermelhas), corais, líquens terrestres e
outros organismos marinhos, que acumulam micosporinas através da dieta. A proteção contra danos
causados pela radiação solar em organismos aquáticos sugere que esse grupo de substâncias pode atuar
também como antioxidantes.
Os precursores das micosporinas tais como o 4-deoxygadusol possui forte atividade antioxidante.
Por outro lado, as micosporinas Porphyra-334 (P-334) e Shinorina, isoladas de algas vermelhas, não
apresentaram potencial antioxidante direto. Por outro lado, as micosporinas possuem capacidade de
bloquear os danos causados pela fotodegradação e têm sido exploradas comercialmente na busca de
produtos para proteção solar. Também têm sido utilizadas na indústria de cosméticos sob a forma de
cremes anti-idade para mulheres de 36 aos 54 anos no combate a danos causados pela radiação UVA, e
bons resultados como melhora no tônus da pele e maciez têm sido observados como benefícios da adição
das micosporinas a esses produtos.

Atividade antibacteriana
O uso indiscriminado de antibióticos nos últimos anos levou a resistência de agentes
patogênicos, por esse motivo, estudos têm procurado novas fontes de substâncias com atividade
antibacteriana.
Em macroalgas, os principais compostos que apresentam atividade antibacteriana são compostos
halogenados, terpenos e substâncias fenólicas.
Furanonas halogenadas, ou fimbrolídeos, isoladas da alga vermelha Delisia pulchra, têm se
mostrado promissores compostos antibacterianos. Furanonas são um tipo de lactona, ou seja, um éster
cíclico, e nesse caso estão ligadas a pelo menos um átomo de bromo.
Na alga, esses compostos têm ação anti-incrustante, impedindo a formação de biofilmes, que são
comunidades de microrganismos envoltos por uma matriz extracelular de polissacarídeos, que os mantém
unidos entre si e a uma superfície sólida. Nessa matriz, além dos microrganismos que a produziram,
podem estar aderidos outros microrganismos e partículas sólidas.
Por esse motivo, furanonas halogenadas têm sido estudadas como um potencial tratamento para
infecções causadas por Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria Gram-negativa que pode formar biofilmes
nos aparelhos respiratório e urinário. Além de P. aeruginosa, as furanonas halogenadas apresentam
atividade antibacteriana contra outras espécies de bactérias Gram-negativas, como Escherichia coli,
Serratia liquefaciens, Proteus mirabilis e espécies do gênero Vibrio.
Em algas vermelhas os terpenos halogenados também apresentam atividade antimicrobiana. No
gênero Laurencia já foram isolados diversos sesquiterpenos (terpenos de 15 carbonos) halogenados, os
quais têm mostrado potencial antibacteriano. Por exemplo, o laurinterol isolado de Laurencia okamurae
apresenta atividade bactericida contra cepas de Staphylococcus aureus (Gram-positiva) resistente ao
antibiótico meticilina.
Na alga verde Ulva fasciata foram isolados sesquiterpenos guaianos, que apresentam atividade
contra espécies do gênero Vibrio.
Em algas pardas, os florotaninos (polifenóis) são os principais responsáveis pela atividade
antibacteriana. O eckol e o dieckol isolados de algas dos gêneros Ecklonia e Eisenia, por exemplo, inibem
o crescimento de S. aureus.
A atividade antibacteriana dos florotaninos se dá pela inibição da fosforilação oxidativa e pela
capacidade de se ligar às proteínas da membrana bacteriana, causando lise celular. Florotaninos de baixo
peso molecular extraídos de Sargassum thunbergii causaram danos à membrana e à parede celular de V.
parahaemolyticus, bactéria Gram-negativa que causa gastroenterite principalmente pela ingestão de
peixes e frutos do mar mal cozidos.

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Atividade antiviral
Doenças virais há muito tempo são assuntos com grande relevância e importância médica, pois
os vírus são organismos com alta taxa de mutação e resistência a fármacos e terapias. Entre as doenças
virais com grande repercussão encontra-se a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) que é
considerado um grande problema de saúde pública mundial. Além dela, a herpes também é uma doença
que atinge mais de 80% da população mundial, porém a maioria não demonstra as manifestações clinicas
(erupções com inflamação em mucosas), o que facilita muito a dispersão do vírus. Desta forma, a
descoberta de novas substâncias e/ou terapias que apresentem alta eficiência e baixa toxicidade ou efeitos
colaterais têm sido alvo de grande interesse nas pesquisas de bioprospecção.
As microalgas e macroalgas constituem um importante recurso na produção de metabólitos
secundários com importância biotecnológica, e esses dois grupos foram um dos primeiros a apresentar
atividade antiviral in vitro.
Os florotaninos apresentam atividade antiviral e atuam em diferentes fases da infecção, podendo
inibir a adsorção, a transcriptase reversa e a transcrição. Na alga parda E. cava foram isolados quatro
derivados do floroglucinol, dos quais o bieckol e o dieckol inibiram a transcriptase reversa do HIV (RT-
HIV). Essas substâncias apresentaram capacidade de inibição comparável a nevirapina, um fármaco
usado no tratamento da AIDS.
Diterpenos isolados da alga parda Dictyota menstrualis apresentam forte atividade inibitória da
enzima RT-HIV e contra o vírus da herpes. Terpenos do tipo dolabelano isolados da alga Dictyota pfaffi,
desempenham importante papel na inibição da RT-HIV in vitro.
O Dolabelladienetriol outro diterpeno isolado de D. pfaffi além de inibir a RT-HIV também
bloqueia a síntese/integração do DNA viral em células infectadas. Atualmente um promissor gel
ginecológico está sendo desenvolvido por institutos de pesquisas brasileiros e já é considerada mais uma
forma de proteção para a mulher, porém é importante salientar que o seu uso deve ser aliado ao uso da
camisinha. Segundo a Dra. Valéria Teixeira da Universidade Fluminense, responsável pelo isolamento da
substância e pela condução das pesquisas, o composto é promissor, pois age nas células, possui baixa
toxicidade e é capaz de permanecer nas células por até dez dias. Mesmo que o tempo seja curto, os
pesquisadores defendem a utilização preventiva do gel, que está na fase clínica de testes, pois o seu
mecanismo de ação não impede que o vírus entre na célula, mas em contato com a substância o HIV não
consegue se multiplicar.

Atividade anticâncer
O Kahalalide F é um depsipeptideo (peptídeos formados por aminoácidos intercalados por ácidos
carboxílicos) com ação citotóxica, inicialmente isolado na lesma-do-mar Elysia rufescens. Posteriormente
verificou-se que esse molusco ao se alimentar da alga verde do gênero Bryopsis sequestra o Kahalalide.
Esse composto atualmente se encontra na fase II de testes clínicos para o tratamento de
melanoma, carcinoma hepatocelular e câncer de pulmão. Além disso, essa substância também apresenta
atividade antiviral.
O Dactilone é um novo grupo de substâncias que vem sendo utilizado como agente anticâncer.
Essa substância, isolada da alga vermelha do gênero Laurencia, possui estrutura química muito próxima a
dos sesquiterpenos e apresenta forte atividade antitumoral frente a diversas linhagens celulares incluindo
células cancerígenas no cólon.
Meroditerpenos isolados de algas pardas apresentaram interessante supressão no
desenvolvimento de linhagens celulares de neuroblastoma humano (SH-SY5Y), leucemia basofílica em
ratos (RBL-2H3), fibroblastos de hamster chinês (V79) e células de adenocarcinoma do cólon humano
(Caco-2).
Extratos metanólicos bruto da alga parda Sargassum muticum inibiram a proliferação de duas
linhagens celulares de câncer de mama MCF-7 e MDA-MB-231 e agem estimulando o processo de
apoptose das células cancerígenas.

122
A fração de esteróis da alga vermelha Porphyra dentata apresenta atividade sobre células
supressoras derivadas de linhagens mielóides e essa atividade está associada à presença de β-sitoesterol e
o campesterol que reduz a atividade dessa linhagem celular, por conseguinte, diminuindo o tamanho do
tumor.
As macroalgas representam um importante recurso marinho como pôde ser observado no breve
panorama apresentado. Esses organismos produzem metabólitos secundários das mais diversas classes
químicas e com estruturas peculiares, como no caso das substâncias halogenadas. Alguns desses
metabólitos já apresentam reconhecida atividade biológica contra patologias de grande interesse médico,
porém este ainda é um recurso pouco investigado quanto ao seu potencial biotecnológico no mundo.

Referências
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123
CAPÍTULO 13

Algas marinhas como fonte de polissacárideos:


ficocoloides
Janaína Pires Santos
Vanessa Urrea-Victoria

As algas, junto com um pequeno grupo de angiospermas aquáticas, apresentam um papel


ecológico fundamental na manutenção dos ecossistemas aquáticos por serem produtores primários. A
partir dessa produção primária, ou seja, transformação de energia luminosa em energia química, esse
processo gera inúmeros produtos, entre eles estão os carboidratos (polissacarídeos), de interesse
biotecnológico aplicados nas indústrias farmacêutica, cosmecéutica e alimentícia.
O uso das algas marinhas como fonte de ficocoloides data de 1968, quando as propriedades
emulsificantes e estabilizantes do ágar extraído com água quente de uma alga vermelha foram descobertas
no Japão. Posteriormente outros extratos foram obtidos das algas pardas, em escala comercial devido à
sua ação gelificante. No entanto, foi a partir da Segunda Guerra Mundial que o uso industrial dos extratos
de algas marinhas se expandiu largamente, sendo algumas vezes limitado devido à falta de
disponibilidade de matéria prima. Os países que cultivam macroalgas para fins comerciais somam trinta e
um, sendo que 99,6% dessa produção mundial é restrita a apenas oito países, dentre eles: China (58,4%:
11,1 milhões de toneladas), Indonésia (20,6%: 3,9 milhões de toneladas), Filipinas (9,5%: 1,8 milhões de
toneladas); Coréia do Sul (4,7%: 901.700 toneladas), Coréia do Norte (2,3%: 444.300 toneladas), Japão
(2,3%: 432.800 toneladas), Malásia (1,1%: 207.900 toneladas) e República Unida da Tanzânia (0,7%:
132.000 toneladas) (Figura 1a e b).

a b
Figura 1. Panorama da produção mundial de macroalgas marinhas referentes a dados da FAO do ano
2010. Sendo (a) porcentagem da produção mundial e (b) produção mundial em milhões de toneladas.

Segundo a FAO, no relatório de 2012 sobre “O estado mundial da pesca e da aquicultura”, até
esta data, apenas as algas marinhas foram registradas nas estatísticas de produção de plantas aquáticas a
nível mundial. O volume de produção de algas aumentou em taxas anuais médias de 9,5% em 1990 e
7,4% na década de 2000 quando comparado com as taxas de crescimento na produção de animais
aquáticos de aquicultura, o que é equivalente à produção de 3,8 milhões de toneladas em 1990 e de 19
milhões de toneladas em 2010. Algumas espécies como Kappaphycus alvarezii e as grandes algas pardas
(também conhecidas como “kelps”) foram responsáveis por aproximadamente 98% da produção mundial
de algas em 2010 sendo a grande parte desta, voltada para alimentação e extração de ficocoloides.
Apesar de possuírem uma grande quantidade de polissacarídeos que de modo geral não são
digeridas pelos seres humanos, é comprovado que o consumo regular de algas proporciona maior
capacidade de digestabilidade. Nos países orientais o uso das algas no consumo direto pelo homem é uma

124
prática bastante antiga, com evidências de seu uso no Japão há mais de 10.000 anos. Hoje em dia, esse
uso é bastante difundido, sendo alguns gêneros mais amplamente utilizados, por exemplo: Porphyra sp.,
Eucheuma sp., Laminaria sp. e Undaria sp., oriundas de cultivo e bancos naturais.
As algas vermelhas se caracterizam pelo conteúdo de polissacarídeos complexos, denominados
carragenanas cujas propriedades dependem de cátions associados, podendo formar géis rígidos na
presença de K+ (kappa-carragenana), géis elásticos na presença de sais de cálcio (iota-carragenana) ou
frações não gelificantes devido ao alto grau de sulfatação (lambda-carragenana) (Figura 2). De acordo
com suas propriedades físicas (gelificantes, estabilizantes e emulsificantes) e composição química, esses
polissacarídeos extraídos da parede celular das algas vermelhas terão diferentes tipos de emprego.

kappa-carragenana

iota-carragenana

lambda-carragenana

Figura 2. Esquema da estrutura química das carragenanas.

A Tabela 1 lista algumas das espécies de macroalga produtoras da carragenana tipo kappa, iota e
lambda. Entre as amostras listadas, as únicas que vem sendo cultivadas comercialmente são Eucheuma
sp. e Kappaphycus sp.

Tabela 1. Lista de algumas espécies de macroalgas vermelhas produtoras de carragenana.


Tipo de carragenana Espécies de macroalgas produtoras
kappa Chondrus crispus
Eucheuma cottonii
Gigartina stellata
Hypnea musciformis
Iridaea sp.
Iota Eucheuma spinosum
Gigartina sp.
lambda Gigartina sp.

O conteúdo de carragenana nas algas varia de 30% a 60% do peso seco, dependendo da espécie e
das condições marinhas, tais como luminosidade, variação de nutrientes, temperatura e oxigenação da
água. A carragenana possui a habilidade exclusiva de formar ampla variedade de texturas de gel em
temperatura ambiente: gel firme ou elástico; transparente ou turvo; forte ou débil; termo-reversível ou
estável ao calor; alta ou baixa temperatura de fusão/gelificação. Algumas espécies de algas podem
produzir carragenanas de composição mista, como kappa/iota, kappa/lambda ou iota/lambda. As
carragenanas podem ser utilizadas também como agentes de suspensão, retenção de água, gelificação,
emulsificação e estabilização em outras diversas aplicações industriais.

125
O primeiro registro do uso de carragenana na indústria alimentar foi em meados do século XIX,
como agente clarificante da cerveja. A extensa lista de características que as carragenanas apresentam,
levaram à expansão na indústria de derivados lácteos, por produzirem soluções de alta viscosidade e géis
na presença de água, devido à sua reatividade com o leite (especialmente com a proteína caseína), resulta
em um gel suave e agradável às papilas, portanto, 52% das aplicações das carragenanas são referentes à
indústria de laticínios (indústria do leite e seus derivados).
Em produtos lácteos, o agente gelificante normalmente usado é a kappa carragenana, devido ao
seu baixo custo e por reagir com a caseína que é a proteína do leite, é utilizada em sorvetes,
achocolatados, flans, pudins, creme de leite, iogurtes, queijos, sobremesas em pó e leite de coco. Em
doces e confeitos, a utilização da iota carragenana oferece vantagem de produzir um gel de estrutura
comparável à da gelatina, mas com um ponto de fusão mais elevado, sua aplicação inclui sobremesas tipo
geleias, doces em pasta, confeitos e merengues. Nos produtos cárneos, a carragenana é aplicada em
presunto, mortadela, hambúrguer, patês, aves e carnes processadas. Nas bebidas, é aplicada para
clarificação e refinação de sucos, cervejas, vinhos e vinagres, achocolatados, xaropes, suco de frutas em
pó e diet shakes. Em panificação é utilizada para cobertura de bolos, recheio de tortas e massas de pão. A
carragenana é utilizada, também, em molhos para salada, sopas em pó, mostarda, molhos brancos e
molhos para massas.
Na indústria de cosméticos tem ocorrido o uso crescente das carragenanas na fabricação de
loções, cremes e géis perfumados. A aptidão para formar finas películas torna a carragenana um excelente
acondicionador, além de cremes de beleza, pois a rápida evaporação da fase aquosa da emulsão liberada
sobre a pele forma um microfilme oleoso protetor e medicinal. Além disso, podem ser usadas na
estabilização de cremes dentários, devido à sua capacidade de formar géis aquosos altamente estáveis
contra a degradação enzimática, tornando a carragenana única como agente espessante nesse tipo de
pastas. A sua estrutura permite, nestas circunstâncias, a liberação dos sabores e aromas durante a lavagem
dos dentes.
Outro tipo de ficocoloide produzido pelas algas vermelhas é denominado ágar-ágar, também
conhecido como ágar ou agarose. É um hidrocolóide extraído de diversos gêneros de algas vermelhas. O
ágar é resultado da mistura heterogênea de dois polissacarídeos: agarose e agaropectina, encontrados na
parede celular. A agarose é o componente gelificante enquanto a agaropectina tem apenas uma baixa
capacidade de formar gel. É uma família de polissacarídeos que apresenta estruturas de D-galactose
(Figura 3).

Figura 3. Esquema da estrutura química do ágar-ágar.

A quantificação dos teores de sulfato na molécula de ágar fornece um dos parâmetros de


qualificação deste ficocoloide, a retirada de sulfato e a sua transformação em 3,6 anidrogalactose
aumentam a qualidade do gel. Contudo, o ágar que é utilizado na bacteriologia (e.g. meios de cultura)
deve ter alguns pré-requisitos, como ser resistente às hidrólises enzimáticas, possuir uma alta força do gel
e ausência de cargas.

126
O ágar na forma pura para análise é suplementado com uma mistura de nutrientes, usado em
biologia vegetal para auxiliar a germinação no cultivo in vitro, sob condições estéreis e com o meio de
cultura variando de acordo com cada espécie vegetal. Este tipo de meio é particularmente útil no controle
de concentrações exógenas específicas de certas biomoléculas, como por exemplo, os hormônios vegetais,
que podem induzir determinados padrões de crescimento de acordo com a concentração aplicada.
O ágar é um polissacarídeo que possui muitas aplicações, sendo utilizado principalmente na
indústria alimentícia e na área de pesquisas, devido às suas aplicações biotecnológicas. Nas indústrias
alimentícias o ágar tem uso generalizado, onde se aproveitam suas propriedades emulsificantes,
estabilizantes e gelificantes, assim como sua alta resistência ao calor. Em virtude do seu baixo valor
energético é empregado na elaboração de alimentos dietéticos. O ágar destinado à alimentação é
considerado de boa qualidade, quando possui baixos teores de sulfato.
Além da grande utilidade na área de biotecnologia, sendo empregado em géis utilizados na
separação de eletrólitos em eletroforese, na separação de moléculas, em técnicas de imunodifusão, em
meios de cultivo microbiológico. A utilização do ágar para preparação desses meios deve-se
principalmente: A formação de gel em baixas concentrações; baixa reatividade com outras moléculas e
resistência à degradação pelos microrganismos mais comuns. Preparações comerciais de ágar em escala
mundial são obtidas principalmente por espécies pertencentes às ordens Gelidiales e Gracilariales. As
formas de extração deste ficocoloide podem variar de acordo com o gênero escolhido (Figura 4).

Figura 4. Esquema de extração do ágar com modificações de acordo com o gênero escolhido.

Por fim, o alginato é um termo usado para os sais de ácido algínico, encontrados nas paredes
celulares das algas pardas e constitui outro grupo de ficocoloides. São polímeros formados por cadeias
longas dos ácidos L-glururônico e D-manurônico, podendo variar de acordo com a espécie (Figura 5).
Alginatos associados a sódio, cálcio, potássio ou magnésio são solúveis em soluções aquosas em pH
acima de 3,5. Dessa forma os alginatos não são necessariamente os mesmos, podendo ser encontrados
127
alginatos com alta viscosidade quando dissolvido em água (por exemplo: Macrocystis sp.) ou baixa
viscosidade (e.g. Sargassum sp.).

Figura 5. Esquema da estrutura química do alginato.

Os alginatos são utilizados em indústrias têxteis, devido à alta qualidade do gel produzido e por
não reagirem com os corantes, dessa forma são os melhores espessantes para tais corantes, tornando-se
mais caros do que os demais encontrados no mercado. São também utilizados na indústria alimentícia,
devido à sua capacidade estabilizante, reduzindo a formação de cristais de gelo mesmo quando
submetidos a temperaturas muito baixas, além de proporcionarem o aspecto macio. Outra aplicação
importante é na indústria de cervejas por formar uma película que não permite a formação de bolhas,
mesmo diante da agitação do líquido.
A importância dos alginatos como insumo para as indústrias alimentícia, farmacêutica e química,
é devido às suas propriedades hidrocolóides, ou seja, sua capacidade de hidratar-se em água quente ou
fria para formar soluções viscosas, dispersões ou géis. Os alginatos possuem propriedades espessantes,
estabilizantes, gelificantes e formadoras de películas, resultando em uma ampla gama de aplicações.
Os principais gêneros de macroalgas utilizados para produção de alginato são: Macrocystis sp.,
Laminaria sp. e Ascophyllum sp., todos característicos de águas frias. O gênero Macrocystis é coletado de
populações naturais na costa oeste dos EUA, enquanto o gênero Laminaria vem sendo cultivado
intensamente na China, onde a produção ultrapassou 200.000 toneladas de algas secas por ano. Uma
significante parcela desse material é utilizada nas indústrias de alginato da própria China.
Aproximadamente 27.000 toneladas de alginatos com valores de US$ 230 milhões foram comercializados
em 1990. A produção comercial de alginatos teve início em 1929 e, em 1934, em escala limitada na Grã-
Bretanha e, mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, surgiu a indústria de alginatos na Noruega,
França e Japão.
De forma geral, o interesse e a busca pela aplicabilidade dos polissacarídeos das algas têm
aumentado consideravelmente nos últimos anos, devido aos estudos fitoquímicos na procura de
bioatividade destes polissacarídeos. Atualmente, já são reconhecidas importantes atividades biológicas
para os ficocoloides como: 1) Atividade antiviral especificamente lambda e iota carragenana, pois em
pequenas concentrações provocam simulação linfocitária capaz de inibir em 80% (iota carragenana) e
100% (lambda carragenana) o desenvolvimento do vírus do herpes simplex (HSV). Gigartina skottsbergii
tem potenciais efeitos antivirais contra o HSV (tipo I e II) durante a etapa de adsorção do vírus. Também
interferem na fusão das células infectadas com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e inibem a
enzima retroviral específica “transcriptase reversa”. Outros estudos sugerem que as moléculas de
carragenana inibem as infecções por DNA- e RNA-vírus. A atividade antiviral atribuída aos
polissacarídeos está relacionada com o grau de sulfatação destas moléculas, no qual quanto maior for o
grau de sufatação do polissacarídeo maior será a atividade antiviral; 2) anticoagulante, pelas
semelhanças estruturais com heparina, tem sido reportada a bioatividade da alga verde Codium cuneatum

128
e na alga vermelha Euchema sp. As propriedades anticoagulantes e hipocolesterolêmicas das lambda-
carragenanas apresentam uma atividade significativamente maior que o tipo kappa e tipo iota; 3)
antitumorais: Aumento do tempo médio de sobrevivência, redução do volume do tumor, e contagem de
células viáveis. Esta atividade está reportada nas espécies Gigartina intermedia e Chondrus ocellatus,
obtidas mediante o teste de inibição do “Ehrlich carcinoma”; e 4) anti-inflamatórias produzindo efeitos
prolongados no sistema imunológico. Estas atividades foram efetivamente comprovadas e podem garantir
o desenvolvimento de novos fármacos, representando um grande ganho para o conhecimento e para
setores importantes da indústria farmacêutica.
As macroalgas nas últimas décadas têm ocupado importante papel no setor industrial, devido à
produção de ficocoloides e de substâncias bioativas. De acordo com o panorama apresentado, esses
organismos representam uma potencial fonte comercial e biotecnológica que ainda tem sido pouco
explorada, principalmente no Brasil.

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129
PARTE IV

ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO

130
CAPÍTULO 14

Plantas parasitas
Luíza Teixeira-Costa

Introdução
Plantas parasitas sempre despertaram a curiosidade de observadores e estudiosos, sendo
conhecidas e descritas pela humanidade desde a antiguidade clássica. Entretanto, ainda hoje algumas
observações incorretas são feitas a respeito dessas plantas. As confusões mais comuns envolvem plantas
epífitas e lianas, além de plantas saprófitas, e até mesmo as plantas carnívoras. O Quadro 1 lista as
principais diferenças entre essas diferentes formas de vida das plantas.

Quadro 1. Comparação entre plantas frequentemente confundidas com parasitas.


Forma de Localização das Forma de obtenção de Dependência nutricional
Exemplos
vida raízes1 energia em relação à outra planta
Ervas-de-
Em contato com
passarinho; Total ou parcialmente Total, parcial ou
Parasitária tecidos da planta
Cipó-chumbo; Heterótrofa facultativa
hospedeira
Sândalo
Lianescente Cipós;Vinhas Solo Autótrofa Não
Orquídeas; Fora do solo
Epifítica Bromélias; (sobre plantas, Autótrofa Não
Líquens rochas, etc.)
Saprofítica
Em contato com (alimentam-se de
Saprofítica Planta-fantasma Não
alimento matéria em
decomposição)
Autótrofa (pequenos
Copo-de-
invertebrados apenas
Carnívora macaco; Solo Não
complementam a
Drósera
nutrição)

É importante notar que a raiz de plantas que apresentam a forma de vida epifítica pode
eventualmente localizar-se sobre o caule de outras plantas, entretanto, não há penetração da raiz dessas
plantas no corpo das espécies que as servem como suporte.
Tendo em vista esse tipo de confusão, Job Kuijt, em seu livro The Biology of Parasitic
Flowering Plants, define as plantas parasitas como aquelas que apresentam órgão denominado haustório,
responsável pela conexão entre a parasita e sua hospedeira. Esse órgão atua como uma espécie de ponte
fisiológica entre parasita e hospedeira, permitindo o fluxo de água, nutrientes, hormônios, etc. Assim
como outros órgãos das plantas – caule, raiz, folha, flor, semente e fruto – o haustório é uma estrutura
complexa que apresenta diferentes tecidos.
É interessante mencionar que, embora o primeiro registro de uso deste termo seja atribuído à
descrição da conexão entre uma parasita (Cuscuta sp.) e sua hospedeira, é importante mencionar que o

1
O haustório, órgão intrusivo das plantas parasitas, é considerado como sendo uma raiz modificada (ver
Kuijt 1969).
131
termo haustório é também empregado para outras estruturas como, por exemplo, o tubo polínico
(haustorial) presente em Ginkgophyta.

Classificação, Diversidade e Evolução


A primeira classificação das plantas parasitas foi proposta por Pfeiffer (1789), que as dividiu em
três grupos, utilizando características relacionadas ao hábito da parasita e à morfologia da hospedeira.
Atualmente, embora não haja uma classificação formal para essas plantas, costuma-se dividi-las de
acordo com três principais critérios, resumidos no Quadro 2.

Quadro 2. Resumo das principais classificações de plantas parasitas.


Critério de classificação Classes Exemplos
Hemiparasitas Viscum spp.
Status fotossintético
Holoparasitas Orobanche spp.
Grau de dependência em relação Facultativo Triphysaria spp.
à hospedeira Obrigatório Striga spp.
Caule Psittacanthus spp.
Órgão parasitado na hospedeira Raiz Rafflesia spp.
Ambos Tripodanthus acutifolius

Dentre os critérios apresentados na tabela acima, é importante notar que o “status fotossintético”
não se refere apenas à presença/ausência de clorofila ou de atividade fotossintética. Um dos mais
conhecidos grupos de holoparasitas, o gênero Cuscuta, apresenta espécies nas quais já foi observada
presença de clorofila funcional em plastídeos. Entretanto, embora seja capaz de produzir
fotoasssimilados, tal produção ocorre em quantidade insuficiente para sua sobrevivência.
Uma definição mais assertiva dos termos “hemiparasita” e “holoparasita” leva em consideração
as conexões estabelecidas pela parasita com os tecidos condutores da hospedeira. Assim, enquadram-se
no primeiro grupo as parasitas que se conectam anatomicamente apenas ao xilema de suas hospedeiras,
enquanto que o segundo grupo abarca as espécies que se conectam tanto ao xilema quanto ao floema das
hospedeiras.
Quanto ao grau de especificidade, certas parasitas são conhecidas por sua ampla gama de
hospedeiras, como Dendrophthoe falcata, com 343 hospedeiras listadas; enquanto outras são notáveis por
sua especificidade de hospedeiros, como Psittacanthus sonorae, observada apenas sobre espécies dos
gêneros Bursera e Elaphrium (ambas da família Burseraceae). Em relação ao órgão da hospedeira que é
infestado, algumas poucas espécies de parasita conseguem conectar-se tanto ao caule, quanto às raízes de
suas hospedeiras. Em alguns casos, como para espécie Tripodanthus acutifolius mencionada no Quadro 2,
é até mesmo possível que a parasita se conecte aos dois órgãos da hospedeira simultaneamente. Parasitas
que eventualmente formam haustórios nas folhas de suas hospedeiras são consideradas como parasitas de
caule.
Por fim, outro tipo menos comum de classificação para plantas parasitas é de acordo com o
hábito que apresentam. Nesse quesito, diversos hábitos são observados, desde ervas (ex. Rhinanthus spp.)
e trepadeiras (ex. Cassytha spp.), até arbustos (ex. Olax spp.) e árvores (Santalum spp.).
Independentemente da classificação adotada, é notável a grande diversidade apresentada pelas
plantas parasitas, que podem ser encontradas em praticamente todos os locais do globo. Entretanto, é
importante notar que as plantas parasitas não formam um grupo monofilético. Acredita-se atualmente que
o hábito parasitário tenha evoluído independentemente 12 vezes.
É importante mencionar que todos os clados de plantas parasitas atualmente conhecidos estão
classificados dentro das Angiospermas, mais especificamente apenas entre as Eudicotiledôneas, não se
conhecendo, até o presente momento, espécies de plantas parasitas pertencentes a outros grupos vegetais.
Embora a conífera denominada Parasitaxus usta (Podocarpaceae) tenha sido anteriormente considerada
como uma parasita, atualmente sabe-se que esta espécie não apresenta formação de haustórios,
132
conectando-se às raízes de outras espécies de Podocarpaceae por meio de estruturas que se assemelham a
enxertos.
Baseando-se na classificação atualizada do sistema APG, as plantas parasitas estão distribuídas
em 23 famílias, com um total de aproximadamente 270 gêneros. Este elevado número representa cerca de
1% de todas as espécies de Angiospermas viventes atualmente. No Brasil, Santalaceae e Loranthaceae são
os dois clados mais importantes e numerosos. Merece destaque ainda as famílias Balanophoraceae,
Apodanthaceae, Convolvulaceae (Cuscuta spp.) e Lauraceae (Cassytha ssp.), com espécies também
nativas no Brasil.

Relações ecológicas
Plantas parasitas apresentam reconhecida importância em comunidades naturais, podendo atuar
como espécies chave em diversos níveis de interações específicas e de dinâmicas populacionais. Um dos
efeitos mais notados refere-se à promoção de ciclos de extinção e reaparecimento local de espécies, o que
pode favorecer o aparecimento, crescimento ou a disseminação de outra espécie na comunidade.
Outro efeito, que vem sendo apontado em trabalhos recentes, relaciona-se ao papel das parasitas
na ciclagem de nutrientes da comunidade. Durante seu ciclo de vida, uma planta parasita utiliza-se dos
recursos captados pela hospedeira, sejam eles recursos minerais ou fotoassimilados. Quando ocorre queda
das folhas da parasita, parte desses nutrientes é então transferida para o solo por sua decomposição,
tornando-se disponível para plantas do extrato herbáceo. Este efeito ressalta o papel positivo que estas
plantas podem apresentar no nível de comunidades vegetais.
Quanto às relações que apresentam com a fauna, muitas espécies de plantas parasitas constituem
uma importante fonte de recursos, fornecendo alimento para animais desde insetos até pequenos
mamíferos. Além dos frutos e do pólen das flores, consumidos por dispersores e polinizadores, as folhas,
ricas em nitrogênio, também podem ser consumidas por alguns insetos.
No caso particular do consumo de frutos, as ervas-de-passarinho produzem frutos consumidos
em larga escala por pequenos pássaros que, ao defecarem ou limparem o bico, depositam as sementes da
parasita sobre os galhos de uma potencial hospedeira. As sementes, que desde o interior do fruto
encontram-se envoltas em uma substância mucilaginosa denominada viscina, ao serem depositadas nos
galhos ficam firmemente aderidas, permitindo o desenvolvimento inicial da parasita.
Curiosamente, alguns estudos atuais envolvendo a avifauna dispersora das “ervas-de-passarinho”
têm apontado um possível efeito mutualístico na relação parasita-hospedeira. Em casos que parasita e
hospedeira apresentam dispersão de frutos realizada pela mesma espécie, a parasita pode atuar
aumentando o fitness reprodutivo de sua hospedeira, atraindo um maior número de dispersores para
ambas as plantas.
Outro tipo interessante interações de espécies envolvem duas plantas parasitas, que podem ser
da mesma família e, até mesmo, do mesmo gênero. São os casos de hiperparasitismo (ou epiparasitismo),
que geralmente envolvem espécies bastante especialistas (baixa diversidade de hospedeiras), que utilizam
outra parasita como sua hospedeira. Os exemplos concentram-se em membros da família Santalaceae,
como Viscum loranthi (sobre espécies de Loranthaceae), Dendrophtora epiviscum (sobre outras espécies
do mesmo gênero) e Phoradendron falcatum (sobre outras espécies do mesmo gênero).
Por fim, há ainda casos não raros de autoparasitimo, que pode ocorrer devido ao brotamento de
um novo indivíduo sobre os ramos da planta mãe, como observado em Viscum monoicum, ou devido à
simples conexão entre ramos do mesmo indivíduo, como observado em Cuscuta reflexa e Struthanthus
flexicaulis. Este último caso é particularmente comum em parasitas com hábito lianescente, embora não
se tenha certeza quanto à funcionalidade destas conexões autoparasitárias.

133
Anatomia
Como mencionado anteriormente, a existência de conexão entre uma planta e sua hospedeira
através do haustório é o que define o parasitismo entre as plantas. Embora apresente grande variação entre
espécies, o haustório é composto por uma parte externa aos tecidos da hospedeira, denominada
apressório, e uma parte interna, imersa em tecidos da hospedeira, denominada endofito. A Figura 1 ilustra
as diferentes partes deste órgão.

Ap
ressório
Ha
ustório

En
dofito

Figura 1. Haustório de Tripodanthus acutifolius sobre o caule de Tapirira guianensis, indicando a região
externa do órgão, denominada “apressório”, e a região interna, denominada “endofito”.

Dois tipos de haustórios são mencionados na literatura, sendo sua classificação baseada na
origem morfológica do órgão. A vasta maioria das parasitas de caule apresenta a formação de um
haustório denominado que é primário por formar-se a partir do meristema apical radicular, sendo
originário, portanto, do embrião da planta. Por outro lado, muitas das espécies parasitas de raiz
apresentam uma germinação semelhante àquela das plantas de vida livre. Nesses casos, o (s) haustório (s)
é (são) formado (s) num segundo momento, a partir de outras estruturas da planta, sendo, por tanto,
denominados haustórios secundários, uma vez que não se originam diretamente do embrião da planta. Em
espécies que formam tanto haustórios primários quanto secundários, não há diferenças significativas
quanto à morfologia e à anatomia do órgão.
Muitas das espécies parasitas de caule capazes de formar haustórios secundários o fazem através
de estruturas conhecidas como raízes epicorticais – exemplo: Struthanthus martianus (Figura 2 a-c).
Trata-se de ramificações do sistema de conexão da parasita que crescem externamente e paralelamente
por sobre os galhos da hospedeira. A partir dessas extensões surgem os novos haustórios (secundários)
em locais mais afastados do haustório primário.

134
P P P
P H H

(b) B

H
(a)
A (c) C

(d) D (e) E
Figura 2. Exemplos de conexão parasita-hospedeira. (a) Struthanthus martianus (circulada em vermelho)
formando múltiplas conxões sobre Erithrina speciosa. (b) e (c) detalhe das raízes epicorticais formadas
por espécies de Struthanthus em diferentes hospedeiras. (d) Phoradendron perrottetii formando galha
(conexão única; circulada em vermelho) sobre Tapirira guianensis. (e) botões florais da endoparasita
Pilostyles blanchetii emergindo do caule da hospedeira Mimosa sp.

Já outras espécies de parasitas formam apenas haustórios primários. Em alguns destes casos a
penetração dos haustórios provoca um intumescimento do órgão parasitado devido à hipertrofia e à
hiperplasia de células hospedeiras. Estas estruturas são conhecidas como galhas – exemplo:
Phoradendron perrottetii (Figura 2d).
Algumas holoparasitas passam a maior parte de seu ciclo de vida no interior do corpo de suas
hospedeiras, sendo observadas externamente apenas durante seu período reprodutivo, quando as flores e
135
frutos emergem através do caule ou da raiz da planta hospedeira – exemplo: Pilostyles banchetii (Figura
2e). Estas espécies são denominadas endoparasitas, uma vez que apresentam apenas tecidos no interior do
corpo de suas hospedeiras (endofito), à exceção das estruturas reprodutivas.
A estrutura geral dessas plantas, resumida ao endofito, costuma ser bastante simples, sendo
constituída apenas por massas de células parenquimáticas instaladas no interior dos tecidos das
hospedeiras. Até hoje o conhecimento quanto ao ciclo de vida destas plantas é relativamente precário, não
sendo conhecido, para muitas das espécies endofíticas, o modo como a parasita penetra o corpo da
hospedeira inicialmente.
Considerando as espécies ectoparasitas – parasitas cujos tecidos encontram-se no exterior do
corpo da hospedeira – o endófito pode apresentar diferentes graus de complexidade. O tipo mais simples
de endofito compreende apenas o tecido que penetra o xilema da hospedeira, conectando-se a ele. Esse
tecido é denominado extensor (ou sinker). Endófitos mais complexos podem incluir estruturas acessórias
ao extensor, como os cordões corticais apresentados por algumas espécies das famílias Santalaceae e
Loranthaceae.
As plantas parasitas consomem recursos das hospedeiras de diversas formas, o que pode
significar prejuízos variados. Ervas de passarinho transpiram em geral mais do que suas hospedeiras,
levando à competição por água. Por causa dessa demanda por água, o sistema hidráulico é submetido a
condições mais extremas e, em alguns casos, pode sofrer alterações anatômicas para que o sistema
vascular continue funcional. Podem ocorrer também mudanças na densidade de vasos, no diâmetro dos
elementos condutores e no comprimento das fibras.

Impactos Econômicos e Controle


Embora as plantas parasitas apresentem importantes papéis em comunidades naturais, como já
mencionado, é necessário lembrar os impactos negativos que essas plantas podem causar à agricultura e à
economia.
Dados de diversos anos apontam perdas massivas de produção agrícola em países dos Estados
Unidos e da África, podendo chegar a cerca de 90% de perda, causada principalmente por espécies dos
gêneros Orobanche, Phelipanche e Striga. Outros efeitos deletérios frequentemente mencionados incluem
impactos causados ao crescimento e à arquitetura hidráulica das hospedeiras.
Tendo em vista as perdas mencionadas, diversas metodologias de controle e de erradicação de
plantas parasitas vêm sendo propostas e testadas, sendo que as mais simples incluem a poda seletiva de
ramos parasitados e a remoção individual da parasita. Entretanto, tais metodologias apresentam baixa
eficácia devido à relação parasita-hospedeira, especialmente no que diz respeito aos fatores metabólicos.
Metodologias mais elaboradas procuram focar-se em características individuais da espécie
parasita e, em alguns casos, da hospedeira, uma vez que a relação entre essas plantas pode variar
amplamente entre um caso e outro. Dentre essas metodologias é possível mencionar o controle biológico,
utilizando fungos, bactérias e alguns artrópodes.
Ainda dentro dessa temática, pesquisas atuais, especialmente em Agricultura, têm se focado na
elaboração de técnicas de manejo baseadas no ciclo de vida das parasitas, utilizando-se de substâncias
químicas sintetizadas a partir de hormônios vegetais. Uma melhor compreensão dos processos envolvidos
nos estágios desde a germinação até o estabelecimento da parasita possibilita saber o melhor momento
para que se empreguem técnicas de controle.

136
Referências
Aukema, J. E. (2003). Vectors, Viscin, and Viscaceae: Mistletoes as Parasites, Mutualists, and Resources.
Frontiers in Ecology and the Environment. v. 1(4). p. 212 – 219.
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Kuijt, J. (1969). The biology of parasitic flowering plants. University of California Press; Berkeley.
Nickrent DL. 1997 – 2016. http://www.parasiticplants.siu.edu/.
Westwood, J. H.; Yoder, J. I.; Timko, M. P.; de Pamphilis, C. D. (2010). The evolution of parasitism in
plants. Trends in Plant Science. v.15(4). p. 227-235.

137
CAPÍTULO 15

Metabolismo ácido das crassuláceas: considerações


ecofisiológicas e evolutivas
Filipe Christian Pikart
Paulo Tamaso Mioto

Introdução
O metabolismo ácido das Crassuláceas (CAM – Crassulacean acid metabolism) é classicamente
caracterizado por apresentar um comportamento estomático (Capítulo 17) inverso ao visto em plantas C3
e C4, ou seja, nesse tipo de metabolismo fotossintético as plantas mantêm os estômatos fechados durante
o dia e os abrem durante a noite. Adicionalmente, durante a noite, também ocorre um aumento nos níveis
endógenos de ácidos orgânicos, resultante da fixação do CO 2 obtido através da abertura dos estômatos.
Esse evento se dá pela carboxilação de moléculas de fosfoenolpiruvato (PEP) pela ação da enzima
FOSFOENOLPIRUVATO CARBOXILASE (PEPC), resultando na formação de oxaloacetato (OAA). O
OAA, por sua vez, pode ser utilizado para a formação de malato pela MALATO DESIDROGENASE
(MDH). O malato é uma das formas mais comum de ácido orgânico entre as espécies que apresentam o
CAM. Poteriormente, os ácidos orgânicos são armazenados no vacúolo. Durante o dia ocorre a
descarboxilação dos ácidos orgânicos resultando no aumento da concentração interna de CO2, que pode
então ser utilizado normalmente no ciclo de Calvin, pela RIBULOSE 1,5-BISFOSFATO
CARBOXILASE/OXIGENASE (RUBISCO), para a formação de esqueletos carbônicos.
A principal vantagem desse tipo de metabolismo para a planta é uma grande economia na
quantidade de CO2 assimilado da atmosfera em relação à perda de água. Uma planta CAM pode ser capaz
de perder 5 vezes menos água por CO2 fixado. Outras vantagens podem existir, mas são ainda um pouco
controversas. Por exemplo, sabe-se que a afinidade da PEPC pelo carbonato (que é gerado a partir do
CO2) é maior do que a da RUBISCO pelo CO2. Assim, a PEPC trabalha em uma faixa menor de
concentração de CO2. Mais ainda, a RUBISCO também possui uma atividade de oxigenase, que compete
com a atividade carboxilase. Ou seja, quanto menor a relação CO 2/O2, menos eficiente a RUBISCO se
torna. A atividade oxigenase da RUBISCO também é bastante aumentada em altas temperaturas. Quando
a RUBISCO funciona como oxigenase, ocorre o que chamamos de fotorrespiração, um processo que
resulta em perda de CO2 pela planta. Como as plantas CAM fazem uma fixação prévia de CO2 via uma
enzima com maior afinidade pelo substrato, isso pode resultar em uma concentração muito alta de CO 2
em torno da RUBISCO no dia seguinte, decorrente da descarboxilação dos ácidos quando a planta está
com os estômatos fechados. Isso pode reduzir a taxa de fotorrespiração, mas ainda existe alguma
discussão a respeito disso, como será visto adiante. Didaticamente, esse metabolismo fotossintético é
divido em quatro fases ao longo do dia/noite (Figura 1). A fase I compreende a noite, período em que os
estômatos estão abertos e ocorre a formação de ácidos orgânicos. No final da noite e início do dia ocorre a
fase II. Nessa fase, os estômatos ainda estão abertos, ocorrendo uma redução na atividade da PEPC e
aumento na atividade da RUBISCO, podendo então o CO2 ser fixado por meio dessas duas enzimas
(observar as barras que indicam a assimilação do CO2 na Figura 1). A fase III acontece durante o dia com
a descarboxilação dos ácidos orgânicos e a fixação do CO2 pela ação da RUBISCO. Sobre a enzima de
descarboxilação, sabe-se que esse processo pode ser realizado por três enzimas, dependedo da espécie,
sendo elas: FOSFOENOLPIRUVATO CARBOXIQUINASE (PEPCK), ENZIMA MÁLICA-NAD (ME-
NAD) e ENZIMA MÁLICA-NADP (ME-NADP). Por fim, na transição do dia para a noite (fase IV)
ocorre uma redução na atividade da RUBISCO e o contrário ocorre com a atividade da PEPC. Nesse
ponto do dia os estômatos retornam a abrir permitindo a obtenção de CO2 atmosférico. Na fase IV a maior

138
parte dos ácidos orgânicos formados na noite anterior já foram descarboxilados e novas moléculas de PEP
começam a ser carboxiladas.

Figura 1. Representação do comportamento da atividade da RUBISCO, PEPC, conteúdo de malato e da


assimilação de CO2 atmosférico nas quatro fases do CAM.

Variações do CAM
O CAM pode também apresentar algumas variações no padrão de abertura estomática, o que
resultou na classificação desse metabolismo fotossintético em três diferentes formas. O tipo de CAM
descrito anteriormente é conhecido como CAM clássico, porém existem também o tipo cycling e o idling.
O CAM cycling é caracterizado pelo fato da planta apresentar um comportamento de abertura e
fechamento estomático semelhante a uma espécie C3. Esse tipo de CAM difere de uma C3 por apresentar
acúmulo noturno de ácidos orgânicos, porém em menor intensidade quando comparado com uma espécie
que realiza o CAM clássico. Já as espécies que apresentam o CAM idling mantem seus estômatos
fechados tanto durante o dia como durante a noite, acompanhado de uma pequena variação dia/noite no
conteúdo de ácidos orgânicos. Na Figura 2 estão ilustrados os três tipos de CAM quanto a sua abertura
estomática, assimilação de CO2 atmosférico e variação no conteúdo de ácidos orgânicos.

139
Figura 2. Representação esquemática da abertura estomática, assimilção de CO 2 atmosférico e variação
no conteúdo de ácidos orgânicos para os três tipos de CAM e C3. Faixas claras e escuras representam o dia
e a noite, respectivamente.

Plasticidade fotossintética
Algumas espécies ainda apresentam a capacidade de alternar entre os tipos de CAM e até mesmo
de um metabolismo C3 ou C4 para o CAM. Estudos indicam que essa alternância entre os tipos de
metabolismo fotossintético é influenciada por fatores ambientais e/ou de desenvolvimento da própria
planta. Clusia rosea é um exemplo de espécie que apresenta o CAM altamente influenciado pelo
desenvolvimento, ou seja, durante sua fase jovem apresenta um metabolismo C3 e após determinado
período de desenvolvimento passa a apresentar o CAM de forma irreversível. Por outro lado, algumas
plantas apresentam o CAM durante todo o seu ciclo de vida ou ao menos em seus tecidos maduros, sem
apresentar a capacidade de alternar esse metabolismo para algum outro tipo de fotossíntese. Exemplos
dessas espécies são Kalanchoe daigremontiana e K. pinnata.
Como foi dito anteriormente, a expressão do CAM em algumas espécies também pode ser
influenciada por variações ambientais como, por exemplo, salinidade, intensidade luminosa, variação de
temperatura e disponibilidade hídrica. Mesembryanthemum crystallinum é exemplo de uma espécie que
apresenta uma mudança de um metabolismo fotossintético C3 para o CAM como uma resposta à
salinidade. Já a espécie Portulaca oleracea pode apresentar alteração do C4 para o CAM em resposta a um
período de déficit hídrico.
Outras espécies podem ainda transitar entre os tipos de CAM, como é o caso de Guzmania
monostachia, uma bromélia epífita que apresenta um CAM do tipo cycling quando bem hidratada e passa
a expressar o CAM idling após um período sem água.

Considerações ecofisiológicas sobre o CAM


Como vimos anteriormente, a abertura de estômatos durante a noite, característica do CAM,
permite um uso mais eficiente da água. De fato, ao avaliarmos o habitat das espécies CAM é possível
observar que a maioria ocupa ambientes de baixa disponibilidade hídrica, demostrando que o CAM pode
ter sido uma vantagem adaptativa para esse tipo de ambiente.
Outro ponto a ser destacado referente ao CAM para o metabolismo de carbono das espécies que o
apresentam é o fato de atuar como um mecanismo concentrador de CO 2. Como a descarboxilação ocorre
quando os estômatos estão fechados, muito pouco CO2 liberado é perdido para a atmosfera, resultando em
um aumento da disponibilidade interna desse gás em relação ao O 2. Isso acaba aumentando a eficiência da
RUBISCO na sua atividade de carboxilação, consequentemente reduzindo a perda de carbono através da
fotorrespiração. Vale destacar que esse mecanismo de concentração de CO 2 é mais evidente no final da
fase II e durante parte da fase III. Como os estômatos permanecem fechados durante toda a fase III, o O 2
proveniente da respiração também acaba se acumulando nos tecidos, além de uma diminuição nos
140
estoques de ácidos. Como consequência, ocorre um aumento da concentração interna desse gás em
relação ao CO2 podendo então resultar em aumento na atividade oxigenase da RUBISCO no final do dia.
Estudos também indicam importância do CAM para a manutenção da integridade fotossintética,
já que a descarboxilação dos ácidos orgânicos resulta na manutenção da disponibilidade interna de CO 2,
consequentemente, permitindo o funcionamento do ciclo de Calvin. Nesse ciclo é consumido NADPH
para redução do carbono, resultando na disponibilidade de NADP + para ser reduzido de maneira
dependente da luz pela cadeia de transporte de elétrons. Dessa forma, como existe um aceptor final de
elétrons, no caso o NADP+, há uma redução da produção de compostos reativos de oxigênio. Esses
compostos, por sua vez, podem gerar danos, como a degradação da SUBUNIDADE A DO
FOTOSSISTEMA II, proteína importante para o funcionamento do fotossistema II, reduzindo a eficiência
fotossintética.
Notadamente o CAM clássico apresenta vantagens para as espécies que o apresentam, já que
nesse tipo é que são vistos os maiores níveis de acúmulo noturno de ácidos, mas e quanto às espécies que
apresentam os outros tipos mais “fracos” de CAM?
Recentemente, foi demostrado em um estudo, utilizando a espécie G. monostachia, a
contribuição do malato acumulado durante a noite para o total de carbono assimilado pela planta em uma
situação de boa disponibilidade hídrica e em uma condição de deficiência hídrica. Quando essa espécie
apresenta o CAM cycling, o malato contribui pouquíssimo para o total de carbono assimilado. Quando em
déficit hídrico, por outro lado, o CAM idling teve uma contribuição muito mais relevante para o
metabolismo de carbono. Porém, é necessário lembrar que o idling é caracterizado pelo total fechamento
estomático tanto durante o dia como durante a noite. Dessa forma, o malato acumulado nesse tipo de
CAM deve ser proveniente da refixação do CO2 respirado. Considerando isso, o CAM idling certamente
não contribui para o incremento de biomassa no vegetal, mas, por outro lado, permite uma redução da
perda de carbono pela respiração e até mesmo para a manutenção de um balanço positivo de carbono
devido a aberturas pontuais dos estômatos. Mais ainda, esse tipo de CAM teria um papel importante na
manutenção da integridade fotossintética, por possibilitar o consumo de NADPH e reduzir a formação de
compostos reativos de oxigênio, conforme já visto neste capítulo. Como G. monostachia habita o dossel
de florestas e, consequentemente, não tem acesso à água presente no solo, acaba ficando dependente da
água armazenada no seu tanque (estrutura formada pela sobreposição da base das folhas), que é
mantida/reposta por chuvas que podem ser intermitentes. Tendo em vista essas informações, é sugerido
que, para essas espécies, o CAM idling atuaria como um mecanismo para reduzir a perda de água, por
causa do total fechamento estomático, e auxiliaria na manutenção de um balanço positivo de carbono
entre os períodos de falta de água no tanque, sendo uma estratégia metabólica para sobrevivência entre
períodos de chuva.
De forma geral, a plasticidade fotossintética parece estar muito ligada ao sucesso no
estabelecimento dessas espécies no ambiente em que são encontradas atualmente.

Considerações evolutivas sobre o CAM


É muito difícil trabalhar com CAM em termos de evolução, uma vez que não é possível dizer
com certeza se uma planta é ou não CAM com base no registro fóssil. Nesse ponto, os pesquisadores se
baseiam em características anatômicas que são comuns em plantas CAM (como a suculência, por
exemplo) para sugerir que dado fóssil poderia apresentar esse tipo de metabolismo. Outra estratégia usada
é comparar o fóssil com o grupo de plantas atuais ao qual ele pertence. O gênero Isoetes, por exemplo, é
exclusivamente CAM e apresenta registros fósseis mais antigos do que qualquer outro gênero com esse
metabolismo. Por essa razão, acredita-se que Isoetes seja um dos primeiros gêneros a apresentar o CAM.
Outra estratégia para avaliar as informações disponíveis sobre evolução do CAM vem da
comparação entre grupos taxonômicos que apresentam um ou outro tipo de CAM e da suposição de que o
ancestral comum entre eles também seria capaz de realizar esse metabolismo. Com base em estudos desse
tipo, é bem aceito que o CAM teria surgido muitas vezes ao longo da evolução, partindo de ancestrais C 3.
Esse fato pode levar à ideia de que a transição evolutiva C3-CAM tenha sido relativamente simples, já que
141
aconteceu tantas vezes em linhagens independentes. De fato, uma planta C3 apresenta todos os
componentes bioquímicos e estruturais necessários para realizar o CAM (enzimas, transportadores,
metabólitos, etc.), de forma que seria necessária somente uma reorganização desses componentes. As
plantas CAM facultativas também são um exemplo de que essa mudança pode ocorrer mesmo dentro de
um mesmo indivíduo.
No aspecto bioquímico, não seriam necessárias mudanças na estrutura das enzimas. Até hoje não
foram identificadas mudanças em enzimas que sejam características do CAM. De maneira diferente, as
isoformas de PEPC responsáveis pelo metabolismo C4 possuem uma “assinatura” na sua sequência de
aminoácidos. Ou seja, alguns aminoácidos em posições-chave da proteína da PEPC permitem identificar
isoformas C4, mas essa abordagem não permite a diferenciação entre isoformas C3 ou CAM. O que faz as
plantas CAM diferentes, então? O único requerimento seria a existência de algum tipo de ciclagem
dia/noite, o que poderia se dar facilmente devido a alguma mudança na região promotora de genes que
codificam para essas enzimas. É interessante que essas mudanças bastariam para gerar o CAM cycling e o
idling. No CAM cycling, o padrão de abertura estomática é o mesmo de plantas C 3. O CAM idling, por sua
vez, ocorre em resposta a condições ambientais que também provocariam o fechamento de estômatos em
plantas C3. Assim, pequenas diferenças no momento de expressão de alguns genes, ou de atividade de
algumas enzimas, bastariam para possibilitar esses tipos de CAM.
O CAM clássico, por sua vez, precisaria de mudanças um pouco mais complexas, que
envolveriam o controle dos estômatos. Sabe-se que fatores como luz, CO2 e ritmo circadiano são capazes
de controlar a abertura estomática. Para uma planta inverter o padrão de abertura dos estômatos ela
precisaria inverter também a resposta dos estômatos em relação ao ritmo circadiano e parar de responder
à luz ou, no mínimo, diminuir muito a influência desses fatores. O controle de abertura estomática
influenciado pelo CO2, por outro lado, poderia ser um fator que auxiliaria o estabelecimento e
manutenção do CAM. Sabe-se que altas concentrações de CO2 no tecido promovem o fechamento
estomático, enquanto baixas concentrações causam o efeito oposto. Nesse caso, durante a descarboxilação
de ácidos ao longo do dia, as concentrações internas de CO2 seriam altas e os estômatos tenderiam a se
fechar. Durante a noite, no entanto, o alto consumo de CO 2 resultante da alta produção de malato geraria
uma queda nas concentrações desse gás, promovendo a abertura estomática. Ainda não se tem uma
resposta definitiva de quais desses mecanismos seriam responsáveis pela inversão do padrão de abertura
estomática, sendo que isso ainda pode ser particular em cada uma das linhagens que apresentam CAM.
Parece estranho, mas atualmente acredita-se que a pressão seletiva que levou ao surgimento das
linhagens CAM seja não a falta de água, mas sim a de CO 2. Em teoria, durante o início do mioceno, a
relação entre a concentração de CO2 e a de O2 eram mais baixas do que atualmente. Uma relação CO2/O2
mais baixa aumenta a fotorrespiração em espécies C3. Uma vez que o CAM (assim como outros
metabolismos como o C4) usam a PEPC como enzima principal de fixação do CO 2 atmosférico, esses
metabolismos seriam favorecidos nessas condições. Posteriormente, o CAM teria sido mantido em plantas
que têm pouco acesso à água.

Perspectivas e aplicações do estudo do CAM


Hoje em dia o interesse em estudar espécies CAM está crescendo. Embora sejam poucas as
espécies de interesse comercial que apresentam esse tipo de metabolismo (principalmente alguns agaves e
o abacaxi), o CAM é uma estratégia interessante para aumentar a eficiência do uso da água. Existem
grupos que estão tentando introduzir algumas características do CAM em plantas C3, visando possibilitar
o cultivo de plantas em regiões com menor disponibilidade de água. Tendo em vista as projeções de
aquecimento global e de desertificação de algumas áreas do planeta, esse tipo de estratégia pode se
mostrar bastante vantajosa a longo prazo.

142
Referências
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(2014) Engineering Crassulacean acid metabolism to improve water-use efficiency. Trends in Plant
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gain, what is facultative CAM good for? Annals of Botany 103: 645-653.
Matiz A; Mioto PT; Mayorga AY; Freschi L & Mercier H. (2013). CAM photosynthesis in bromeliads
and agaves: what can we learn from these plants? In: Zvy Dubinsky ed. Photosynthesis: InThec, 91-
134.
Mazen AMA. (1996). Changes in levels of phosphoenolpyruvate carboxylase with induction of
Crassulacean acid metabolism (CAM)-like behavior in the C4 plant Portulaca oleraceae. Physiologia
plantarum 98: 111-116.
Mioto PT; Rodrigues MA; Matiz A & Mercier H. (2015). CAM-like traits in C3 plants: biochemistry and
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Pikart FC. (2014). Heterogeneidade fotossintética em folhas de Guzmania monostachia (L.) Rusby ex
Mez (Bromeliaceae). Dissertação de mestrado, Instituto de Biologia, UNICAMP.
Winter K; Garcia M & Holtum JAM. (2008). On the nature of facultative and constitutive CAM:
environmental and developmental control of CAM expression during early growth of Clusia,
Kalanchoe and Opuntia. Journal of Experimental Botany 59: 1829-1840.

143
CAPÍTULO 16

Nitrogênio: um dos elementos essenciais para as


plantas
Antônio Azeredo Coutinho Neto
Priscila Primo Andrade Silva

A história do nitrogênio
O nitrogênio foi descoberto como elemento químico por volta de 1770, em pesquisas
independentes realizadas pelo professor Daniel Rutherford, que ministrava aulas de botânica na
Universidade de Edimburgo; pelo farmacêutico e pesquisador Carl Wilhelm Scheele que era membro da
Academia Real Sueca de Ciências e pelo farmacêutico Antoine Laurent Lavoisier em pesquisas
conduzidas na França. As características descritas ao nitrogênio por esses pesquisadores eram que ele era
um gás não reativo, não combustível e não constituinte da vida. O nome do elemento químico nitrogênio
foi sugerido por Jean-Antoine duas décadas após as descrições do gás, a partir da observação que este era
constituinte do ácido nítrico (HNO3) e do nitrato (NO3-).
O químico e pesquisador Jean Baptiste Boussingault, por volta de 1834, foi um dos primeiros
que realizou pesquisas no campo com intuito de analisar questões sobre fertilidade do solo, rotação de
culturas, fixação nitrogenada, entre outras questões. Em seus resultados ele sugere que as plantas
leguminosas podem fixar o nitrogênio a partir de nitrogênio atmosférico (N 2), as outras plantas que não
são leguminosas podem fixar o nitrogênio orgânico e os animais (carnívoros e herbívoros) obtêm o
nitrogênio a partir da ingestão de plantas.
Outro químico que realizou estudos com fertilizantes foi o professor Justus Von Liebig, que
aproximadamente em 1840, postulou que as plantas contêm compostos a partir de carbono da atmosfera e
minerais provenientes do solo. Em sua pesquisa afirma que as plantas são constituídas de mais de 95% de
compostos carbônicos e de aproximadamente 2% de elementos minerais do solo e dentre estes o
nitrogênio. Von Liebig ainda publicou sobre o uso dos elementos, criando a lei do mínimo em que o
crescimento da planta é dependente e pode ser limitado pelo nutriente que estiver em menor quantidade
disponível, limitando a produtividade da planta.
As observações e suposições feitas por Von Liebig em suas pesquisas perduram até os dias
atuais; essas observações afirmam a existência de elementos essenciais ao desenvolvimento e crescimento
vegetal. Esses elementos seriam o nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), enxofre (S), cálcio (Ca),
magnésio (Mg), silício (Si), sódio (Na) e o ferro (Fe). As plantas então teriam necessidade desses
elementos essenciais em uma concentração mínima necessária para crescerem, se desenvolverem e
realizarem a reprodução. Alguns anos depois estas suposições seriam comprovadas por outros
pesquisadores com o uso de equipamentos e técnicas mais sofisticadas.
Em 1908 um químico chamado Fritz Haber postulou uma forma de fixar o N 2 sem a necessidade
de quaisquer organismos vivos, apenas usando um processo não biológico. De acordo com Haber o N2
reage com o H2 quando o Fe está disponível em altas temperaturas e pressões. O químico Carl Bosch, em
1918, tornou a reação de Fritz Haber possível em escala industrial. Essa reação para a produção de
amônia (NH3) industrialmente ficou conhecida como reação de Haber-Bosch. Esse acontecimento foi
muito importante para produção agrícola, visto que a alta produtividade das culturas de plantas depende
da fertilização com nutrientes minerais. Para atender a demanda de produção de alimentos, são utilizados
anualmente cerca de 170 milhões de toneladas métricas de fertilizantes pela agricultura mundial, cujo os
principais componentes são N, P e K.
Sendo assim, a área do conhecimento científico que estuda o modo como as plantas obtêm e
utilizam os nutrientes minerais é denominado nutrição mineral. Dentre os elementos minerais que foram
144
classificados como essenciais para as plantas, através dos estudos de nutrição mineral, o nitrogênio pode
ser destacado como o elemento mineral requerido em maior quantidade. O nitrogênio é componente
estrutural de diversas moléculas, como, por exemplo, as bases nitrogenadas, que são constituintes dos
nucleotídeos, como a adenosina trifosfato (ATP), alguns desses nucleotídeos quando polimerizados,
formam os ácidos nucleicos (DNA e RNAs); os aminoácidos, que também são polimerizados, para
formarem as proteínas, que podem ou não ter atividade enzimática; as coenzimas nicotinamida adenina
dinucleotídeo (NAD+) e nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP +), cujas as formas reduzidas
(NADH e NADPH) são importantes fornecedores de energia para diversas reações do metabolismo
celular (assim com o ATP); as clorofilas (a e b), que são as moléculas chaves da fotossíntese e, essenciais
para os organismos fotossintetizantes; além destes compostos, o nitrogênio faz parte de muitos outros que
também são fundamentais para o metabolismo das plantas. No decorrer desse capítulo será abordado
como o nitrogênio está disponível no ambiente, quais são suas formas, sua importância, as formas de
absorção, transporte e assimilação, as novas pesquisas com relação às diferentes formas nitrogenadas e
algumas pesquisas no âmbito molecular.

Disponibilidade do nitrogênio no ambiente


Cerca de 78% do volume da atmosfera é composto por nitrogênio, que se encontra na forma de
moléculas de N2, um gás inerte, formado por dois átomos de N ligados por uma tripla ligação covalente
extremamente estável. Nessa forma, o nitrogênio não está disponível para a maioria dos seres vivos,
sendo necessário uma grande entrada de energia para que seja quebrada essa ligação, gerando as formas
inorgânicas de amônia (NH3) e nitrato (NO3-). O processo no qual ocorre essas reações químicas é
chamado fixação de nitrogênio e pode acontecer de forma natural ou industrial.
As formas naturais de fixação do nitrogênio podem ser através de relâmpagos, onde vapor
d'água e oxigênio são convertidos em radicais hidroxilas (OH -) livres que reagem com o nitrogênio
molecular (N2), formando ácido nítrico (HNO3), ou por meio de reação fotoquímica entre óxido nítrico
(NO) e o ozônio (O3), que, do mesmo modo, produz HNO3 que posteriormente será precipitado com a
chuva ou neve, sendo essas duas formas de fixação (também denominada como fixação atmosférica),
responsáveis respectivamente, por 8% e 2% do total de fixação natural de nitrogênio, que anualmente é de
190 x 1012 gramas de N por ano.
Os 90% restantes são fixados através da fixação biológica de nitrogênio (FBN), por meio de
microrganismos procariontes (proteobactérias, actinomicetos e cianobactérias) que convertem o N2 em
NH4. A maioria destes procariontes são microrganismos de vida livre, todavia, alguns formam
associações simbiontes com plantas superiores e são chamados coletivamente de rizóbios, cujo os gêneros
são: Rhizobium, Bradyrhizobium, Azorhizobium, Sinorhizobium, Photorhizobium, Frankia, Nostoc e
Anabaena.
Esse tipo de associação simbiótica é muito comum entre membros da família Fabaceae
(Leguminosas), no entanto, existem membros de outras famílias que também fazem associações com
procariotos e, são chamadas de plantas actinorrizas, como por exemplo, representantes do gênero
Gunnera e Azolla. Os rizóbios infectam as raízes das plantas hospedeiras e induzem a formação de
nódulos, onde será fixado o N2 que suprirá a necessidade da planta (de nitrogênio) e em troca os
procariotos receberão outros nutrientes, carboidratos, água e um local seguro da hostilidade biótica e
abiótica do ambiente.
Já na fixação industrial, como foi mencionado anteriormente, o N2 e o hidrogênio atmosférico
(H2) são submetidos a altas pressões (20 - 40 MPa) e elevadas temperaturas (400°C - 650ºC) na presença
de um catalisador metálico (Fe), tendo como produto a NH 3, processo chamado Haber-Bosch. Estima-se
que mais de 80 x 1012 gramas de nitrogênio por ano são produzidos de forma industrial.
Além dos processos de fixação supracitados, o nitrogênio também pode se tornar disponível no
ambiente através da decomposição de matéria orgânica e por meio de excretas dos animais, liberando as
formas orgânicas de nitrogênio (peptídios, proteínas, aminoácidos e ureia) no solo. Algumas espécies de
plantas, como a Arabidopsis ssp., possuem transportadores de membrana específicos para captação de
145
aminoácidos e ureia, um mecanismo importante para o incremento da captação de nitrogênio, visto que
essas formas são algumas das principais fontes de nitrogênio orgânico presentes no solo.
Os processos de fixação anteriormente descritos dão início ao ciclo biogeoquímico do nitrogênio
(Figura 1), que será transformado em formas inorgânicas e orgânicas (como mencionado anteriormente),
até finalmente voltar para atmosfera na forma de N2, todavia, enquanto permanecer na solução do solo,
essas formas de nitrogênio estarão sob intensa disputa entre microrganismos e plantas, que ao longo da
evolução desenvolveram mecanismos para rapidamente captarem o nitrogênio disponível no ambiente,
por exemplo, através de transportadores de membrana (de alta ou baixa afinidade), ingestão de pequenos
insetos (plantas carnívoras) e associação simbiótica com algumas bactérias fixadoras de nitrogênio
(rizóbios).

Figura 1. Ciclo do nitrogênio terrestre: o nitrogênio atmosférico (N2) é transformado em amônio (NH4+)
através da fixação industrial, fixadores de N2 de vida livre e fixadores simbióticos de N2. O N2 também
pode ser convertido em nitrato (NO3-) por meio da fixação atmosférica. Microrganismos do solo podem
transformar NH4+ em NO3- através da nitrificação. Plantas e microrganismos absorvem o NH 4+ e o NO3-.
Herbívoros (na figura representada pelo bovino) comem as plantas, para obter os nutrientes e dentre estes
o nitrogênio e, posteriormente, os carnívoros (na figura representado pelo felino), comem os herbívoros.
A matéria orgânica é constituída por excretas e resíduos (cadáveres) de todos os seres vivos (vegetal ou
animal), que através da ação de microrganismos, são decompostos para produzir NH 4+, processo
denominado amonificação. O NO3- possui alta mobilidade no solo e com isso, pode sofrer lixiviação para
corpos d'águas e águas subterrâneas. Alguns microrganismos sob condições anaeróbicas, convertem parte
do NO3-, que está livre na solução do solo, novamente em N2, processo chamado de desnitrificação,
fechando o ciclo do nitrogênio. Modificado: Taiz & Zeiger, 2013.

Carência de nitrogênio nas plantas


A ausência de qualquer nutriente que cause anormalidades no crescimento e desenvolvimento
(vegetativo e reprodutivo) das plantas, com a presença de sintomas ou características de deficiência
relacionada ao nutriente em questão, é um fator que determina que esse elemento seja essencial às
plantas. A lista de elementos essenciais inclui 17 elementos indispensáveis para as plantas (Tabela 1).
Esses nutrientes são classificados de acordo com três critérios de essencialidade, o primeiro critério
determina que a ausência do elemento pode impedir a planta de completar seu ciclo de vida (por exemplo:
não produz sementes ou esporos viáveis); o segundo critério determina que o elemento essencial não
146
possa ser substituído por outro e que este constituí compostos importantes para as plantas como, por
exemplo, o nitrogênio usado para produzir clorofilas, proteínas e ácidos nucleicos; já o terceiro critério
utilizado como forma de observar a essencialidade é o aparecimento de sintomas de deficiência do
elemento que possa estar ausente para a planta.
Os elementos ainda podem ser classificados de acordo com a origem da fonte e a concentração
relativa no tecido vegetal. Aqueles obtidos da água e do dióxido de carbono são ditos elementos não
mineral, do qual fazem parte o hidrogênio (H), o carbono (C) e oxigênio (O). Já os elementos minerais
são obtidos do solo e são subdivididos em macronutrientes quando requeridos em grandes quantidades e
micronutriente quando exigidos em menores quantidades.

Tabela 1. Concentrações dos elementos que foram classificados como essenciais para a maioria das
plantas
Elemento essencial Símbolo químico Concentração média nas plantas
(% ou ppm)*
Obtidos da água ou dióxido de carbono
Hidrogênio H 6
Carbono C 45
Oxigênio O 45
Macronutrientes
Nitrogênio N 1,5
Potássio K 1,0
Cálcio Ca 0,5
Fósforo P 0,2
Magnésio Mg 0,2
Enxofre S 0,1
Silício Si 0,1
Micronutrientes
Cloro Cl 100
Ferro Fe 100
Boro B 20
Manganês Mn 50
Sódio Na 10
Zinco Zn 20
Cobre Cu 6
Níquel Ni 0,1
Molibdênio Mo 0,1
* Os valores para os elementos não minerais (H, C, O) e para os macronutrientes são porcentagens. Os
valores para os micronutrientes são expressos em partes por milhão. Modificado: Taiz & Zeiger, 2013.

A deficiência dos nutrientes essenciais causará problemas e as plantas demonstrarão sintomas


desta deficiência. Como já mencionado anteriormente, o nitrogênio absorvido pelas plantas deve estar nas
formas inorgânicas amônio NH4+ e nitrato NO3- e/ou nas formas orgânicas como ureia e aminoácidos.
Quando essas formas principais de nitrogênio não estão disponíveis em concentrações necessárias, as
plantas apresentam carência nitrogenada. Essa carência é demonstrada de maneira branda ou severa, de
acordo com a espécie e quantidade de nitrogênio disponível. Sintomas comuns da carência nitrogenada
nas plantas podem ser observados como: falta de crescimento e desenvolvimento ao longo do processo de
147
germinação; diminuição do crescimento e desenvolvimento de plantas já em processo vegetativo;
aparecimento de áreas cloróticas (amareladas) em folhas mais maduras, pois devido a sua alta mobilidade
o nitrogênio é translocado para as folhas mais jovens; regiões foliares arroxeadas devido ao acúmulo do
pigmento antocianina e outros sintomas podem ser observados (Figura 2).

Figura 2. Sementes de Tillandsia pohliana germinas in vitro em meio de cultura Knudson (1946) e
mantidas durante seis meses. (a) Plantas em meio contendo fontes nitrogenadas inorgânicas (amônio e
nitrato). (b) Plantas em meio sem a adição de fontes nitrogenadas.

Visto a grande importância do nitrogênio para as plantas, as diferentes formas nitrogenadas


podem exercer diversas funções na sua estrutura e metabolismo. De acordo com vários fatores, como a
concentração, tipo da fonte nitrogenada e a espécie vegetal em contato com essa fonte, haverão respostas
específicas.

Diferentes fontes nitrogenadas


As plantas podem absorver, transportar e assimilar diferentes fontes nitrogenadas, dentre essas
formas nitrogenadas, os principais exemplos são as inorgânicas (amônio NH4+ e nitrato NO3-) e as
orgânicas (ureia e aminoácidos). Grande parte das plantas geralmente têm preferência pelo nitrogênio na
forma amoniacal ou nítrica, entretanto, algumas plantas absorvem e crescem melhor com a forma
orgânica como ureia e aminoácidos. Esse crescimento e desenvolvimento tanto na fonte inorgânica como
na fonte orgânica depende da espécie vegetal e suas características fisiológicas, como por exemplo, a
atuação de uma enzima urease, que quebra a ureia. Dentre outros fatores que também influenciam no
desenvolvimento e crescimento está a concentração da fonte nitrogenada.
Uma vez disponível na solução do solo, o nitrogênio nas formas de NO 3- e NH4+, são absorvidos,
transportados e assimilados de formas diferentes, todavia, ambos possuem mecanismos de transporte de
alta e baixa afinidade específicos para cada forma (NO 3- e NH4+). Os mecanismos de transporte de alta
afinidade são ativados quando há baixas concentrações dessas formas de nitrogênio na solução do solo, já
os mecanismos de baixa afinidade são ativados quando há altas concentrações dessas formas de
nitrogênio no solo.
Por ser um ânion, o NO3- necessita ser co-transportado com H+ para dentro da célula vegetal,
logo que o citoplasma mantém um potencial negativo ao seu exterior, sendo assim, este transporte contra
o potencial eletroquímico celular, requer gasto de energia metabólica. Depois de absorvido o NO 3- pode
ser estocado em vacúolo e/ou assimilado nas raízes das plantas e ainda pode ser transportado para a parte
aérea, onde também poderá ser assimilado e/ou armazenado em vacúolo.

148
Para que ocorra assimilação do NO3-, ele precisa ser reduzido a nitrito (NO2), no citosol celular,
pela ação da enzima redutase do nitrato (NR), o NO 2 produzido é altamente reativo e potencialmente
tóxico e, por isso, é rapidamente transportado para dentro do plastídio (na raiz) e/ou cloroplasto (na parte
aérea do vegetal), onde será reduzido a NH4+ pela enzima redutase do nitrito (NiR) e, então, assimilado
nos aminoácidos glutamina e glutamato, pela ação das respectivas enzimas, glutamina sintase (GS) e
glutamina 2 oxoglutarato aminotransferase (GOGAT). Para todas as enzimas anteriormente citadas,
existem formas diferentes (das enzimas) para os tecidos clorofilados e não clorofilados (Figura 3).
Em relação a absorção e o transporte do NH4+, para a grande maioria das plantas, o seu acúmulo
nos tecidos é altamente tóxico, pois o mesmo dissipa os gradientes de prótons transmembrana necessários
para o transporte de elétrons na fotossíntese e na respiração celular, dois processos vitais para as plantas.
Sendo assim, o NH4+ que é transportado para dentro das células (sem a necessidade de outro íon ser
transportado concomitantemente), rapidamente será assimilado em aminoácidos pelas enzimas GS e
GOGAT (via anteriormente descrita).
O NH4+ também pode ser assimilado por uma rota alternativa, através da enzima glutamato
desidrogenase (GDH), onde o glutamato pode ser reversivelmente sintetizado ou desaminado, essa
enzima também possui duas formas, a NADH-GDH encontrada nas mitocôndrias e a NADPH-GDH
localizada nos cloroplastos, todavia, essa rota de assimilação não substitui a rota GS-GOGAT, sendo
assim, a principal função das duas formas de GDH é a desaminação do glutamato.

Figura 3. Esquema da absorção e assimilação do nitrogênio em aminoácidos nas células da raiz e folha
das plantas. Modificado: Bredemeier & Mundstock, 2000.

149
Além dos mecanismos de transporte das formas inorgânicas, também existem os mecanismos
para as formas orgânicas. Como já descrito anteriormente, algumas plantas possuem transportadores de
membranas específicos para a captação de aminoácidos e ureia diretamente da solução do solo,
entretanto, essas formas estão sob intensa disputa por microrganismos do solo, o que as torna menos
disponíveis em relação as formas inorgânicas para absorção pelas raízes das plantas. Outra forma de
absorção da ureia pode ser através de transporte passivo por meio de aquaporinas, posteriormente essa
ureia absorvida será hidrolisada a NH4+ pela enzima urease e assim assimilada em aminoácidos. O
nitrogênio que foi assimilado nos aminoácidos glutamato e glutamina, posteriormente será incorporado
em outros aminoácidos através de reações de transaminação por meio das enzimas aminotransferases.
O crescimento e desenvolvimento vegetal são dependentes das diferentes fontes nitrogenadas
disponíveis ou não no substrato. Essa disponibilidade esta ligada à presença de resíduos orgânicos,
presença de microrganismos, presença de chuvas, pH do substrato, composição do substrato, relação de
carbono/nitrogênio, entre outros fatores. A disponibilidade de diferentes fontes nitrogenadas irá favorecer
algumas espécies, outras nem tanto. Como por exemplo, em ambientes de pântanos ou alagados onde
existe maior quantidade de NH4+, algumas espécies de arroz crescem e se desenvolvem melhor nesses
ambientes do que em ambientes secos e com maior quantidade de NO 3-.
A disposição nitrogenada no substrato irá depender da mobilidade e interações que estes
nutrientes realizam com a base do substrato. No solo, por exemplo, o íon NH4+ terá menor mobilidade em
solos com a base de argila e húmus (coloides), que possuem cargas negativas e interagem com a carga
positiva do íon NH4+, tornando-o menos móvel. Em alguns solos que são arenosos, alcalinos e calcários o
íon NH4+ terá menor interação e, portanto, maior mobilidade. Já os íons de NO3- são carregados
negativamente e possuem alta solubilidade em água, por estas razões eles apresentam maior mobilidade
no solo em relação ao NH4+. Então quando ocorrem chuvas ou irrigações excessivas do substrato, o NO 3-
é lixiviado e pode contaminar lençóis freáticos, rios e outros cursos de água. As fontes orgânicas, por
exemplo, a ureia, pode ser hidrolisada em NH4+ ou volatilizar na superfície do substrato em altas
temperaturas. Os aminoácidos solúveis podem ser absorvidos diretamente do substrato pelas plantas,
porém estes também são utilizados por microrganismos e geralmente estão em menores quantidades no
substrato.
As plantas apresentam diferentes respostas quando supridas com diferentes fontes nitrogenadas
em diferentes concentrações e condições ambientais. Segundo estudos realizados por Mercier (1993), os
níveis hormonais podem ser alterados, devido maior ou menor divisão celular, como observado em
diferentes bromélias cultivadas em diferentes fontes nitrogenadas isoladamente (NH 4+, NO3- e ureia). A
ureia é uma fonte que pode ser absorvida pelas plantas diretamente e, em alguns casos, essas plantas
possuem preferência por essa fonte em relação a uma fonte inorgânica como NO3-, que geralmente as
plantas terrícolas absorvem. Resultados similares foram encontrados com o cultivo de plantas na presença
do aminoácido glutamina em concentrações específicas em abacaxi.
Outras discussões sobre o papel de cada fonte nitrogenada estão sendo debatidas no decorrer dos
conhecimentos científicos gerados. Há suposições de que haveriam maiores presenças de aquaporinas
quando as plantas são submetidas à fonte nitrogenada NH 4+, aumentando assim condições de taxas de
transporte de seiva no xilema e outros parâmetros relacionados a condições hídricas. Outras discussões
levantadas são quanto ao tipo de condição nutricional e a sua ligação com o metabolismo fotossintético.
Quando plantas que apresentam o metabolismo ácido das crassuláceas (CAM) foram submetidas a
condições nitrogenadas diferenciadas, observou-se parâmetros enzimáticos, como a atividade da
fosfoenolpiruvato carboxilase (PEPC) e malato desidrogenase (MDH) significativamente diferentes entre
os tratamentos de plantas submetidas ao NH4+ e ureia.
A condição nitrogenada em questão de concentração e tipo de fonte de nitrogênio, se é
inorgânica ou orgânica, dependendo de alguns fatores poderá influenciar o metabolismo vegetal
positivamente ou negativamente. Vários estudos vêm sendo feitos e estão em andamento sobre a condição
nitrogenada sob condições ambientais em diversas espécies de plantas. Atualmente resultados

150
interessantes com relação à fisiologia molecular têm elucidado e criado novas perguntas sobre a condição
nutricional, seus efeitos e a evolução das plantas.

Fisiologia molecular e a condição nitrogenada


Os estudos moleculares focados na nutrição vegetal, especificamente com o nitrogênio são
desenvolvidos principalmente em espécies modelos e agriculturáveis como, Arabidopsis thaliana, Oryza
sativa (arroz), Zea mays (milho), Sorghum bicolor (sorgo), Triticum aestivum (trigo) entre outras. Dentre
os estudos que são realizados nas espécies pesquisadas, sabe-se que as diferentes fontes nitrogenadas,
principalmente as fontes inorgânicas nitrato (NO3-) e amônio (NH4+), além da função de serem utilizadas
pelas plantas na constituição de compostos vegetais, também são sinalizadoras. Esses sinais,
desencadeados pela presença ou não e a sua concentração no substrato, irão desencadear a expressão de
genes específicos para funções relacionadas à absorção, transporte e assimilação nitrogenada.
Além disso, alguns estudos relatam que a concentração e a forma nitrogenadas presente no meio
de cultivo das plantas, podem influenciar a produção endógena de auxinas e citocininas, hormônios
responsáveis principalmente pelo crescimento das partes aéreas e radiculares, respectivamente. Assim
como, existem relatos que o NO3- é sinalizador para produção de zeatinas, que estimulam o crescimento
da parte aérea da planta. Também foi verificado que o NO3- aumenta o balanço citocininas/auxinas,
enquanto que o NH4+ induz o aumento de citocininas.
Assim como mencionados anteriormente as plantas apresentam transportadores de nitrogênio de
alta e baixa afinidade. Dependendo da espécie vegetal e a concentração da fonte nitrogenada disponível,
sabe-se que, para as espécies modelos e agriculturáveis, esses transportadores são regulados por duas
principais famílias de genes. A família de genes conhecida como transportadores de NO3- (NRT1) que são
genes ligados aos transportadores de alta afinidade ao NO3- e a família de transportadores de NO3- (NRT2)
que são genes com atuação mais complexa, incluem genes envolvidos com transportadores de baixa e alta
afinidade ao NO3-. Esses estudos com transportadores mostraram que as plantas possuem maneiras de se
ajustarem à concentração de nitrogênio e fonte, modulando os transportadores de alta e baixa afinidade.
Um mecanismo que também envolve a expressão de genes específicos e ligados ao metabolismo
do nitrogênio, é o relacionado a interação simbiótica de leguminosas e rizóbios. Alguns genes são
expressos nas plantas e são conhecidos como genes nodulinos (Nod) e os genes dos microrganismos que
realizam a simbiose são chamados de genes de nodulação (nod). Dentro da família de genes nod, apenas o
gene nodD estará sempre expresso e sua expressão regula a expressão de outros genes. Produtos
secretados pelas raízes das plantas hospedeiras atraem o microrganismo, que começam à produzir
proteínas NodD e ativam a transcrição dos genes nod. A interação desencadeia a expressão de outros
genes que estabeleceram os processos subsequentes entre a planta e o microrganismo.
O entendimento dos mecanismos fisiológicos de desenvolvimento, crescimento e também de
mecanismos moleculares, ajudarão em uma melhor compreensão dos processos nitrogenados. Esses
conhecimentos podem ser usados na percepção de como as plantas evoluíram em seus ambientes e
também para regularmos os processos de fertilização de culturas agriculturáveis, estas que atualmente
utilizam grande quantidade de fertilizantes. Esses fertilizantes poderão ser aplicados em concentrações
ideais para cada cultura, evitando assim a poluição do ambiente e, assim, contribuindo com a preservação
ambiental, sem deixar de produzir alimentos para a crescente espécie humana.

Referências
Bredemeier, C.; Mundstock C. M. (2000). Regulação da absorção e assimilação do nitrogênio nas plantas.
Ciência Rural, 30:365-372.
Buchanan, B. B.; Gruissen, W. e Jones, R. L. (2006). Biochemistry & molecular biology of plants. 2 ed.
American Society of Plants Biologistis.
Epstein, E.; Bloom, A. J. (2006). Nutrição Mineral de Plantas: Princípios e Perpectivas. 2 ed. Trad.
Editora Planta.

151
Garnica, M.; Houdusse, F.; Zamarreno A. M.; Garcia-Mina, J. M. (2010). The signal effect of nitrate
supply enhances active forms of cytokinins and indole acetic content and reduces abscisic acid in
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Kerbauy, G. B. (2008). Fisiologia vegetal. 2 ed. Guanabara Koogan.
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Marschner, P. (2012). Mineral Nutrition of Higher Plant. 3 ed. Academic Press.
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Rodrigues, M, A.; Freschi, L.; Pereira, P. N. e Mercier, H. (2014). "Interactions between nutrients and
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Taiz, L; Zeiger, E. (2013). Fisiologia Vegetal. 5 ed. Artmed.
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signal molecules in pineapple (Ananas comosus). Journal of Plant Physiology, 164 :1543-1547.

152
CAPÍTULO 17

Formação e controle dos estômatos


Paulo Tamaso Mioto

Introdução
Um dos passos cruciais para o estabelecimento da biodiversidade vegetal como conhecemos hoje
foi a colonização do ambiente terrestre. Para que isso fosse possível, várias adaptações relacionadas à
diminuição da perda de água do tecido foram necessárias. Uma delas é o surgimento das estruturas que
conhecemos como estômatos, cujo surgimento simultâneo à transição ao ambiente terrestre ressalta o
quão importante estas estruturas foram neste processo.
Acredita-se que os estômatos tenham surgido apenas uma vez durante a evolução, uma vez que
eles parecem ser apenas variações de uma mesma estrutura básica. No entanto, parece haver uma
tendência de aumento no número de estômatos na escala evolutiva das diversas linhagens de plantas
terrestres. Pensa-se que esse aumento se deva, ao menos em parte, às diminuições nas concentrações de
CO2 ocorridas ao longo das eras geológicas. Ao longo desse capítulo analisaremos como um estômato
surge na folha e depois como ele é controlado.

Como surge o estômato?


Embora existam muitas semelhanças na formação dos estômatos em uma grande variedade de
espécies, a maioria das pesquisas foi feita na planta modelo Arabidopsis thaliana. Por esse motivo, os
mecanismos responsáveis pela formação do estômato serão focados nessa espécie.
Em última análise, os estômatos surgem a partir de células protodérmicas, definidas no
meristema. Em princípio, essas células poderão seguir dois caminhos: tornarem-se células epidérmicas ou
células chamadas de meristemoid mother cell (MMC – célula mãe meristemóide). Uma vez definida, a
MMC sofre uma divisão assimétrica, gerando uma porção menor que dará origem ao meristemóide e uma
maior que formará a stomatal lineage ground cell (SLGC – célula básica da linhagem estomática). Mais
tarde, a SLGC pode sofrer novas divisões assimétricas para originar novos meristemóides e,
consequentemente, novos estômatos. O meristemóide, por sua vez, sofre mais 3 divisões chamadas de
divisões amplificadoras para finalmente originar a mother guard cell (MGC – célula-guarda mãe). Essas
divisões são importantes para manter pelo menos uma célula entre dois estômatos vizinhos, um padrão
importante para o funcionamento dos estômatos, como será visto mais adiante. Por fim, a MGC sofre uma
divisão simétrica que origina duas células que se diferenciarão em células-guarda. Um esquema geral
desse processo é mostrado na Figura 1.

153
Figura 1. Esquema da formação das células-guarda. A célula protodérmica pode se diferenciar em uma
célula da epiderme ou na meristemoid mother cell (MMC). A MMC sofrerá uma divisão assimétrica,
dando origem ao meristemóide o fator de transcrição SPCH atua nessas células. O meristemóide, por sua
vez, sofrerá 3 divisões (no caso de A. thaliana) e uma das células formadas, graças ao fator de transcrição
MUTE, dará origem à guard mother cell (GMC). Finalmente, a GMC se dividirá simetricamente,
originando as células que se diferenciarão nas células-guarda do estômato maduro. Esse último passo é
governado pelo fator de transcrição FAMA.

Diversos estudos acerca da regulação da formação estomática apontaram três principais fatores
de transcrição que são essenciais para promover o desenvolvimento estomático: SPEECHLESS (SPCH),
MUTE e FAMA. SPCH é expresso na MMC e, após a divisão assimétrica, ele continua sua expressão
apenas no meristemóide. Já MUTE somente é transcricionalmente ativo após as divisões amplificadoras e
sinaliza para o mersitemóide parar de se dividir e se tornar a MGC. Após a divisão simétrica que originará
as células-guarda, detecta-se a expressão de FAMA, sinalizando para a diferenciação em células-guarda.
Uma disrupção no padrão de expressão destes fatores de transcrição impede completamente ou acarreta
em severas alterações morfológicas ao longo do desenvolvimento dos estômatos. Veremos, a seguir,
como cada um deles foi descoberto e caracterizado. Antes, porém, vale a pena relembrar brevemente
algumas convenções a respeito de nomes de genes e mutantes de plantas.
Quando uma sigla está em letras maiúsculas (exemplo: SPCH), ela se refere à proteína
codificada pelo gene. Quando a sigla está em maiúsculo e itálico (exemplo: SPCH), ela diz respeito ao
gene, ou seja, à sequência nucleotídica do DNA. Finalmente, quando o nome está em itálico e minúsculo
(exemplo: spch), ele diz respeito a uma linhagem mutante que possui alguma alteração no funcionamento
do produto gênico ou no padrão de expressão de gene em questão.
Mutantes spch não possuem estômatos, sendo que na sua epiderme só são observadas células
pavimentosas. Conforme o esperado de uma planta sem estômatos, essas mutantes sobrevivem somente
por poucos dias após a germinação. Por outro lado, a sobre-expressão de SPCH leva a divisões
exacerbadas das células protodérmicas, formando várias células pequenas que não se parecem com
células epidérmicas. Conforme o esperado, a proteína SPCH é encontrada em maiores quantidades no
núcleo das células protodérmicas, antes delas sofrerem a primeira divisão assimétrica.
MUTE começa a ser expresso após as divisões amplificadoras e sinaliza para o mersitemóide se
tornar a MGC. Similarmente a spch, as mutantes mute também não são capazes de formar estômatos, uma
vez que, aparentemente, não saem da fase das divisões amplificadoras. Seguindo a mesma lógica, se
MUTE é sobre-expresso, a folha fica completamente coberta de estômatos. Isso se dá por uma
desregulação na fase de divisões amplificadoras e a regra de pelo menos uma célula entre dois estômatos

154
se perde. Dessa forma, espera-se que transcritos de MUTE sejam detectados no núcleo do meristemóide
após as divisões amplificadoras, o que acontece de fato.
No caso de FAMA, este passa a ser transcrito após a divisão da GMC, impedindo mais divisões e
promovendo a diferenciação das células-guarda. Mutantes fama formam, ao invés de estômatos,
agrupamentos de células achatadas, nos quais são identificados marcadores de estômatos imaturos, mas
não de maduros. Já linhagens sobre-expressando FAMA formam células que lembram células-guarda,
com espessamentos da parede e marcadores de estômato maduro, mas não estão pareadas. Em resumo,
FAMA é expresso após a divisão da GMC, fazendo com que cada célula-filha se torne uma célula-guarda.
Esses três fatores de transcrição atuam sequencialmente ao longo da formação dos estômatos,
controlando a divisão e diferenciação das células durante este processo. No entanto, o cenário fica mais
complexo quando incluímos alguns outros fatores de transcrição que também têm função neste processo.
INDUCER OF CBF 1 (ICE1) mostra interações um pouco mais complexas com MUTE, FAMA
e SPEECHLESS. O papel desse gene foi descoberto com um mutante chamado scrm. Essa mutante possui
a folha coberta completamente de estômatos, de forma semelhante à quando MUTE é sobre-expresso.
Quando essa mutação foi estudada mais a fundo, notou-se que scrm é, na verdade, uma mutante com
ganho-de-função do gene ICE1. Consequentemente, esse fenótipo de folha coberta de estômatos não é um
gene que está “faltando”, e sim um que está com o funcionamento acima do normal. Dessa forma, ICE1
promove a formação de estômatos.
O cruzamento das mutantes spch e scrm gera uma dupla mutante com fenótipo idêntico a spch.
Isso indica que a função de ICE1/SCREAM é dependente da de SPCH. De fato, em mutantes spch não é
observada a expressão de ICE1, já nas linhagens selvagens, detecta-se expressão durante todo o
desenvolvimento das células-guarda. Assim, seria possível imaginar que ICE1 seria importante em todos
os estágios da formação do estômato. Se isso é verdade, o que aconteceria nas mutantes mute e fama?
Para descobrir isso, pesquisadores fizeram cruzamentos de scrm com mute e fama, sendo constatado que
tanto o fenótipo de mute quanto o de fama foram intensificados quando cruzados com scrm. Os fatores de
transcrição geralmente atuam como dímeros, ou seja, é necessário que duas proteínas interajam
fisicamente para que possam exercer sua função, sendo que podem tanto ser duas cópias do mesmo fator
de transcrição (homodímeros) ou de fatores distintos (heterodímeros). Dado os fenótipos de todas estas
mutantes, experimentos de interação entre estas proteínas foram feitos e confirmaram que a proteína
SCRM interage fisicamente com SPEECHLESS, MUTE e FAMA.
A mutação scrm parece resultar da troca de um único aminoácido em ICE1, o que gera uma
interação mais forte com SPCH, desencadeando o fenótipo mutante devido a uma ação mais acentuada
desse heterodímero. Dado que SPCH é inicialmente expresso em toda a protoderme, mas posteriormente
restringe-se às células das linhagens estomáticas e que SPCH é capaz de promover a transcrição de ICE1,
acredita-se que este heterodímero ICE1-SPCH induz tanto a própria expressão como a de diversos outros
genes que determinam a diferenciação das células em estômatos funcionais.
Depois do estômato se formar, o que impede que todas essas proteínas sejam produzidas
novamente e o processo comece de novo na mesma célula? Alguns estudos recentes fornecem algumas
informações que ajudam a responder essa pergunta. Um dos pontos de regulação desse processo parece
ser FAMA. Foi mostrado que FAMA é capaz de interagir com uma proteína denominada
RETINOBLASTOMA-RELATED (RBR) e provocar metilações na região promotora de genes
relacionados ao desenvolvimento estomático (SPEECHLESS e MUTE, por exemplo). A metilação do
DNA dificulta a ligação de proteínas nessas regiões, reduzindo a expressão de genes. Embora existam
evidências de que esse processo é reversível, a metilação permite a inativação de genes a longo prazo e,
geralmente, até o final da vida da célula.
Até aqui, vimos que a formação do estômato parece ser determinada pela expressão de SPCH.
Estudos mostraram que SPCH é capaz de regular mais de 8.000 outros genes, sendo que isso representa
mais ou menos 1/3 do genoma de A. thaliana. Entre esses genes está o próprio SPCH, fazendo com que
ocorra uma retroalimentação positiva na sua expressão. Portanto, não é estranho pensar que SPCH seja

155
um dos principais pontos que controlam o destino celular porque, uma vez que ele é expresso, a célula
está na metade do caminho para se tornar um estômato. Mas o que regula SPCH?
Até onde se sabe, existem alguns receptores capazes de promover uma cascata de fosforilação
que resulta na redução da expressão de SPCH. Um exemplo deles é ERECTA (ER). Também foram
identificados alguns peptídeos capazes de se ligar a esses receptores, como EPIDERMAL PATTERNING
FACTOR 1 (EPF1) e EPF2, sendo que ambos possuem funções semelhantes. É interessante notar que os
receptores ER funcionam como homodímeros, ou seja, são necessárias duas proteínas ER para formar um
receptor funcional. Ao mesmo tempo, existe um outro receptor, denominado TOO MANY MOUTHS
(TMM) que também é capaz de dimerizar com ER, formando um heterodímero. No entanto, o domínio
responsável pela iniciação da cascata de sinalização em TMM não é funcional. Dessa forma, quando
TMM está presente, a atividade de ER é reduzida, sendo menor conforme aumenta a quantidade de TMM
presente. Essa relação entre ligantes, receptores e SPCH é um ponto-chave que impede que os estômatos
se formem lado-a-lado. Mas como funciona exatamente esse mecanismo?
Sem dúvida, a regulação da distribuição de estômatos depende da comunicação de uma célula
com as suas vizinhas (Figura 2). Para entender o mecanismo, é necessário ter em mente que a transcrição
dos EPFs e TMM são regulados positivamente por SPCH. Dessa forma, uma célula expressando SPCH
produz EPFs. Esses peptídeos são altamente difusíveis, sendo capazes de deixar a célula produtora e
afetar todas as células vizinhas. Nas células vizinhas, eles se ligam aos receptores (Dímeros de ER e
ERLs), impedindo que SPCH seja expresso lá. Na célula onde está ocorrendo a expressão de SPCH, no
entanto, existe também a expressão de TMM. Como dito antes, TMM é capaz de formar dímeros com ER
e os ERLs, reduzindo sua atividade e permitindo que SPCH se expresse. Dessa forma, SPCH promove
sua produção em uma determinada célula, ao mesmo tempo que evita que isso ocorra nas células vizinhas
(Figura 2).

EPF
EPF

EPF
TMM

ER

ER
ER

ER
ER

EPF

SPCH SPCH
SPCH

Célula da linhagem Célula da linhagem Célula da linhagem


epidérmica estomática epidérmica
Figura 2. Esquema da comunicação célula-célula durante a formação dos estômatos. SPCH começa a ser
expresso em células da linhagem estomática, promovendo a própria transcrição. Ao mesmo tempo, SPCH
causa um aumento na produção de EPF (EPF1 e EPF2), que são peptídeos sinalizadores capazes de se
difundir para as células vizinhas. Os receptores funcionais dos EPFs são formados por dímeros de ER,
presentes em todas as células. Dessa forma, quando EPF deixa a célula produtora e se liga aos receptores
em células vizinhas, ocorre uma cascata de fosforilação que resulta na repressão de SPCH. Na célula da
linhagem estomática também ocorre a produção de TMM, regulada positivamente por SPCH. TMM é
capaz de se dimerizar com ER, formando um receptor que não é capaz de iniciar a cascata que resultaria
na redução dos níveis de SPCH. Assim, não vai haver a formação de estômatos em duas células vizinhas.
156
Já foi observado que o ambiente influencia o número e o tamanho dos estômatos, mais ainda
existe pouquíssima informação sobre como isso poderia ocorrer. Altas concentrações de CO 2, por
exemplo, podem estimular uma enzima chamada CO2 RESPONSE SECRETED PROTEASE (CRSP),
responsável, entre outras coisas, por clivar o peptídeo precursor do EPF1 e gerar o EPF1 “maduro”. Dessa
forma, altas concentrações de CO2 acabariam por diminuir a expressão de SPCH via EPF1, resultando em
menos estômatos sendo formados na epiderme. Mais ainda, existem evidências de que a CRSP pode ser
regulada por vários fatores abióticos como estresse osmótico e luz. O ABA, um hormônio muito
relacionado a respostas de estresse ambiental, também parece atuar nesse ponto.
O gene ICE1, por exemplo, já era conhecido antes de ter sua função associada ao
desenvolvimento estomático. Já foi demonstrado que vários genes similares a ICE1, são muito associados
a respostas de estresse em Arabidopsis. Esses genes são controlados, entre outros fatores, pelo hormônio
vegetal ácido abscísico (ABA). Esse hormônio é muito relacionado a respostas de estresse, mostrando
então um mecanismo pelo qual o número de estômatos é alterado conforme as condições ambientais. Em
resumo, é possível que uma folha que tenha passado por um período de frio ou seca durante seu
desenvolvimento tenha mais estômatos do que uma que não passou por isso.
Mas se os estômatos foram tão importantes na conquista do ambiente terrestre, como essa
complexa sinalização gênica se originou? Para inferir sobre a evolução desta sinalização, foi feita uma
análise abrangente buscando homólogos (i.e. genes que teriam se originados a partir de um mesmo gene
ancestral) aos genes SPEECHLESS, MUTE e FAMA em 54 espécies de plantas.
Isto revelou que nas espécies pertencentes às linhagens das plantas sem semente encontraram-se
genes com similaridade a FAMA. Já nas gimnospermas, dois grupos foram encontrados, um semelhante a
SPEECHLESS e outro a FAMA. Assim, é possível inferir uma sequência ao longo da história evolutiva
das plantas terrestres a respeito da diferenciação destes genes regulatórios do desenvolvimento de
estômatos, primeiro com a diferenciação de FAMA, seguida de SPEECHLESS e por fim de MUTE. Isso
possibilita a formulação de hipóteses acerca das diferenças morfológicas dos estômatos pertencentes aos
diversos grupos de plantas. Por exemplo, em musgos e licófitas, a célula-mãe do meristemóide sofre uma
divisão assimétrica, que origina diretamente a GMC e, por fim as células-guarda. A presença de somente
genes semelhantes a FAMA pode explicar a razão de não haver o mesmo número de etapas que são
observadas em A. thaliana.
Ainda assim, é importante ressaltar que mesmo em espécies que apresentam maior similaridade
gênica a Arabidopsis, o número de divisões amplificadoras pode variar, gerando diferentes distribuições
de estômatos que refletem diferenças na pressão de seleção ao longo da evolução das diferentes
linhagens. Uma vez que o número e distribuição dos estômatos está diretamente correlacionado a fatores
ambientais, como concentração de CO2 e luminosidade, não é ilógico pensar que linhagens se
desenvolvendo em diferentes ambientes tenham desenvolvido diferentes padrões regulatórios ao longo do
desenvolvimento dos estômatos.

Como funcionam os estômatos?


O funcionamento dos estômatos é praticamente o mesmo nas diversas espécies de plantas
terrestres e baseia-se em um mecanismo bastante simples. As células-guarda possuem um espessamento
da parede que circunda o poro estomático, assim, o aumento do volume celular causa a abertura do poro.
Esse ganho de volume resulta da entrada de água provocada por um acúmulo de solutos dentro das
células-guarda. É interessante lembrar que, se não houvesse células entre os estômatos, um competiria
com o outro pela água, fazendo com que a abertura ficasse comprometida ou, ao menos, mais demorada.
Já o controle da abertura estomática é mais complexo. Quando o estômato está aberto, ele
permite um livre fluxo de gases, assim possibilitando tanto a entrada de CO2, necessário para a
fotossíntese, como a perda de vapor d‟água. Não é surpresa que esse controle deve ser preciso, rápido e
sincronizado para permitir o máximo de ganho de CO2 com o mínimo de perda de água. Além disto,
acredita-se que os estômatos desempenhem um papel importante na regulação térmica, uma vez que a
evaporação d‟água também causa um resfriamento na folha.
157
Sabe-se que a luz é um componente ambiental que controla fortemente a abertura estomática,
principalmente na faixa do azul. De fato, o fotorreceptor mais relacionado ao movimento estomático é a
fototropina. As fototropinas são capazes de gerar uma cascata de fosforilação que resulta na ativação de
uma H+-ATPase presente na membrana. A ativação dessa enzima faz com que ocorra o bombeamento de
prótons para o exterior da célula-guarda, gerando uma hiperpolarização da membrana. Isso faz com que
canais transportadores de potássio se abram, permitindo a entrada desse íon na célula. O potássio é um
dos íons responsáveis pela redução do potencial hídrico das células-guarda e, portanto, causa a entrada de
água. Não é apenas o potássio que atua como osmólito na regulação estomática. Várias outras moléculas,
como o malato, monossacarídeos e outros íons também ajudam neste processo. A concentração de CO2
também regula a abertura estomática, mas o mecanismo pelo qual isso ocorre é menos conhecido. Na
verdade, ainda existe muita discussão sobre qual é a região da folha responsável pela percepção da
concentração de CO2, há quem diga que é o mesofilo, a epiderme ou a própria célula-guarda. De qualquer
forma, é bem aceito que altas concentrações de CO2 podem causar o fechamento dos estômatos.
Um sinal interno da planta muito bem estabelecido que causa o fechamento estomático é o ácido
abscísico (ABA). Em muitas plantas, a falta de água é percebida primeiro pelas raízes, que sinalizam para
a parte aérea da planta. O ABA faz parte desse sinal, causando, entre outras coisas, o fechamento dos
estômatos. Trabalhos recentes mostraram que a atuação do ABA parece não ser igual em todas as folhas.
Aparentemente, as folhas mais jovens são menos sensíveis ao ABA, de forma que elas continuam com os
estômatos abertos quando o estresse não é tão severo, permitindo que a planta continue a crescer, mesmo
que em menor escala. Essa diferença de sensibilidade das folhas é um dos mecanismos que permitem que
as folhas mais jovens sejam priorizadas em situações de falta de água: se os estômatos das folhas mais
jovens permanecem abertos, a corrente do xilema será direcionada para lá.
Além do controle em resposta ao ambiente, existe um componente bastante forte que (falando
grosseiramente) não depende das variações ambientais: o relógio biológico da planta. Esse é um regulador
interessante uma vez que permite certo grau de antecipação às variações diárias dos fatores ambientais.
De fato, se monitorarmos o comportamento estomático de uma planta que está sendo mantida sob fatores
ambientais constantes (principalmente luz, CO 2, umidade e temperatura), é possível observar que os
estômatos se fecham no período que corresponderia aos períodos de noite e se abrem no que
corresponderia ao dia. Se deixarmos a planta por muito tempo nessas condições, esse ritmo tende a
diminuir, mas ele ainda é mantido por vários dias.
O controle do relógio biológico se deve em grande parte à flutuação de diversos fatores de
transcrição. Aqui focaremos apenas no CCA1 (CIRCADIAN CLOCK-ASSOCIATED 1), LHY (LATE
ELONGATED HYPOCOTYL) e TOC1 (TIMING OF CAB EXPRESSION 1). CCA1 e LHY são expressos
de manhã, enquanto TOC1 é expresso de tarde. Mas como esses transcritos oscilam diariamente
independente de um sinal maior? A resposta está em como o produto de cada gene é capaz de regular a
expressão do outro. CCA1 e LHY são capazes de reduzir a expressão de TOC1. TOC1, por sua vez,
estimula a expressão de CCA1 e LHY. Assim, quando os níveis de TOC1 estão altos (durante o meio da
noite), a transcrição de CCA1 e LHY aumenta e, com o aumento dos produtos desses genes, se inicia uma
repressão na expressão de TOC1, que atingirá níveis mínimos próximo ao meio do dia. No entanto, uma
vez que a transcrição de CCA1 e LHY é promovida por TOC1, a produção de ambos também decrescerá
e, consequentemente, também a inibição transcricional de TOC1. Dessa forma, os níveis de TOC1
aumentarão até atingir seu máximo durante a noite e reiniciar o ciclo. A Figura 3 apresenta um esquema
desse controle.
Esses fatores de transcrição também podem ser afetados pelo ambiente, em um processo
conhecido como sincronização do relógio, que atrasa ou adianta a oscilação. Mesmo assim, o componente
endógeno é bastante forte nesse sistema. Além das relações diretas entre CCA1, LHY e TOC1, estes
fatores também controlam diversos outros, gerando uma oscilação diária em seus alvos. Entre eles estão
os fatores de transcrição ELF3 (EARLY FLOWERING 3) e FT (FLOWERING LOCUS T), os quais,
além de atuarem no controle da floração, também estão relacionados com a abertura estomática.

158
FT acumula durante o dia e promove a abertura dos estômatos, enquanto ELF3 tem um papel
oposto. Só para bagunçar ainda mais, FT parece participar, de uma forma ainda não conhecida, da cascata
de sinalização da luz azul que causa a abertura dos estômatos. Esse é mais um exemplo de fatores
endógenos e exógenos agindo em conjunto de forma a otimizar a resposta da planta a mudanças
ambientais, possibilitando sua sobrevivência.
Como vimos neste capítulo, os estômatos são importantes estruturas para controlar a entrada de
CO2 e a perda de água. No entanto, curiosamente, existem algumas plantas que perderam os estômatos ao
longo da evolução e vivem muito bem. Essas são, em sua maioria, espécies aquáticas. Um exemplo é a
espécie Lobelia dortmanna, para a qual foi proposto que a obtenção de CO 2 ocorre através das raízes,
uma vez que estão imersas em uma camada de sedimento rica neste gás. De fato, essa planta apresenta
canais que permitem a passagem de ar desde as raízes até as folhas. Outro destes casos é a espécie Stylites
andicola, a qual habita locais elevados e secos nos Andes. Essa planta apresenta uma cutícula espessa e é
completamente desprovida de estômatos. Acredita-se que ela também obtenha CO2 das raízes. Para essas
duas espécies, é muito provável que exista algum mecanismo que permite concentrar CO 2 no interior da
folha, possibilitando a fotossíntese.
Peculiaridades à parte, não se pode negar que os estômatos foram uma inovação chave que
permitiu a colonização do ambiente terrestre e o aumento na diversidade das plantas.

A B C D
A CCA1
LHY
B

D
TOC1
Figura 3. Regulação de alguns dos genes do relógio de A. thaliana. No início da noite (a), a expressão de
TOC1 está alta, sua proteína então promove a expressão de CCA1 e LHY. No meio da noite (b), o
acúmulo de CCA1 e LHY decorrente da ativação transcricional em (a) gera uma redução na expressão de
TOC1. No início do dia (c), a expressão de TOC1 está muito reduzida e, por falta de estímulo positivo, a
expressão de CCA1 e LHY começa a se reduzir após seu máximo. No meio do dia (d) os níveis de TOC1
estão aumentando, enquanto CCA1 e LHY estão diminuindo sua expressão.

159
Referências
Kanaoka MM; Pillitteri LJ; Fujii H; Yoshida Y; Bogenschutz NL; Takabayashi J; Zhu JK; Torii K.
(2008) SCREAM/ICE1 and SCREAM2 specify three cell-state transitional steps leading to
arabidopsis stomatal differentiation. Plant Cell 20:1775–1785.
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divisions that establish the stomatal lineage. Nature 445:537–540.
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Hetherington AM; Muller B; Simonneau T. (2013) Developmental priming of stomatal sensitivity to
abscisic acid by leaf microclimate. Curr Biol 23:1805–1811.
Pedersen O; Sand-Jensen K (1992) Adaptations of Submerged Lobelia dortmanna to Aerial Life Form:
Morphology, Carbon Sources and Oxygen Dynamics. Oikos 65:89.
Pillitteri LJ; Sloan DB; Bogenschutz NL; Torii KU (2007) Termination of asymmetric cell division and
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Vatén A; Bergmann DC (2012) Mechanisms of stomatal development: an evolutionary view. Evodevo
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Simmons A; Bergmann DC (2016) Transcriptional control of cell fate in the stomatal lineage. Curr Opin
Plant Biol 29:1-8.

160
CAPÍTULO 18

Espécies reativas de oxigênio em plantas


Victoria Carvalho
Antônio Azeredo Coutinho Neto

O histórico das espécies reativas de oxigênio


A descoberta do oxigênio atmosférico (O2) foi realizada de forma independente pelos
pesquisadores Carl Wilhelm Scheele e Joseph Priestley por volta de 1774. Em 1778, o pesquisador
Antoine Laurent Lavoisier publicou um estudo em que descreve o mecanismo de oxidação através de uma
experiência onde ele aqueceu o mercúrio metálico em um recipiente de vidro com ar em seu interior, o
que levou à formação de um pó vermelho (óxido de mercúrio II). Lavoisier verificou também que o
volume do líquido de mercúrio subiu dentro do recipiente durante a reação, concluindo que parte daquele
ar estava sendo consumido na reação. Outro experimento que ele realizou consistia em um recipiente com
água, sobre a qual havia um material flutuante com uma vela acesa, sendo que sobre esta vela estava
outro recipiente para aprisionar parte do ar atmosférico. Neste experimento, Lavoisier observou que o
fogo da vela diminuía sua intensidade ao mesmo tempo em que o volume de água subia, até o momento
em que a vela se apagava. Com estes experimentos, ele definiu que parte do ar atmosférico estava sendo
utilizado na oxidação do mercúrio e combustão da vela, denominando esta substância de oxigênio. Além
disso, Lavoisier também estimou que a composição do O 2 na atmosfera é de aproximadamente 21 %.
Existem formas mais reativas do que o O2 em seu estado basal, onde são denominadas de
espécies reativas de oxigênio (EROs ou ROS, da sigla do inglês). A formação de ROS é iniciada a partir
de reações de redução do O2, ou seja, através da incorporação de um elétron ao oxigênio molecular. As
ROS são produzidas tanto em células animais como vegetais, podendo ser radicais livres como o radical
superóxido (O2• -) e o radical hidroxila (HO •), que são espécies que possuem um ou mais elétrons
desemparelhados, as tornando altamente reativas e instáveis. No entanto, também existem ROS que não
possuem elétrons desemparelhados apesar de ainda serem bastante reativas, como o peróxido de
hidrogênio (H2O2). Devido à alta reatividade das ROS, estas podem danificar as estruturas das células
através de reações de oxidação com diversas moléculas (lipídios, carboidratos, proteínas e ácidos
nucleicos), ou seja, através da remoção de elétrons destas substâncias. A formação das ROS e os danos
que estas podem ocasionar nas células serão mais detalhados nos próximos itens deste capítulo (vide
capítulo 9 e 10).
As formas mais reativas de O2 só começaram a ser estudadas com o advento de técnicas que
possibilitaram a mensuração de radicais livres como, por exemplo, a ressonância do spin eletrônico e a
radiólise de pulso em 1940. A partir de então começaram estudos com moléculas reativas em meios
biológicos, que elucidaram e continuam elucidando várias funções destas substâncias nos seres vivos.
Esses estudos iniciaram-se a partir da avaliação dos mecanismos de metabolização destas moléculas
reativas, onde foram identificadas enzimas que formam ROS como, por exemplo, a superóxido dismutase
(SOD) – enzima descoberta em 1969 pelos pesquisadores Joe M. McCord e Irwin Fridovich. Estudos em
anos seguintes detalharam as vias de metabolização das ROS e, no início da década de 1980, os efeitos
celulares que estas moléculas podem causar em células, tecidos e em organismos inteiros. Entretanto,
estes estudos foram realizados em humanos ou animais. Para plantas, os primeiros relatos encontram-se
relacionados à interação de plantas com patógenos, como na pesquisa realizada por Noriyuki Noke com
batata e publicada em 1983. Atualmente, o conhecimento sobre o metabolismo de ROS em células
vegetais é bastante amplo, o que provém do desenvolvimento de técnicas avançadas para a detecção
destas moléculas. De forma a compreender os processos da formação de ROS e seus efeitos sobre o

161
metabolismo vegetal, serão retomados alguns conceitos chave sobre o funcionamento da fotossíntese nas
plantas, conforme descrito a seguir.

Conceitos de fotossíntese
A fotossíntese é o processo que as plantas utilizam para sintetizar compostos orgânicos
energéticos (carboidratos) a partir da energia luminosa do sol e do dióxido de carbono (CO 2) retirado da
atmosfera. Os carboidratos gerados neste processo são cruciais para manter o funcionamento de todo o
metabolismo das plantas.
A fotossíntese engloba várias reações complexas nos cloroplastos onde há absorção de luz,
transferência de elétrons na cadeia transportadora de elétrons (CTE), conversão de CO2 e água em
carboidratos e liberação do oxigênio. Inclusive, este oxigênio pode interagir com elétrons livres e formar
as ROS na região dos cloroplastos. Abaixo vemos a equação geral e simplificada da fotossíntese:

LUZ
6 CO2 + 6 H2O C6H12O6 + 6 O2

O processo fotossintético ocorre em duas etapas ou fases. A primeira é a etapa fotoquímica onde
a energia luminosa impulsiona a formação do O2, adenosina trifosfato (ATP) e nicotinamida adenina
dinucleotídeo fosfato (NADP) pela CTE no interior da membrana dos cloroplastos (tilacoides). A segunda
etapa da fotossíntese é conhecida como bioquímica e ocorre no estroma dos cloroplastos, onde o CO 2 é
fixado a carboidratos através ciclo de Calvin-Benson com consumo de ATP e NADPH gerados na etapa
fotoquímica. De maneira simplificada, podemos observar as fases da fotossíntese na Figura 1 abaixo.

Figura 1. Etapas da fotossíntese e seus principais produtos. A etapa fotoquímica ocorre nos tilacoides dos
cloroplastos e gera ATP, NADPH e O2 com o uso de energia luminosa. A etapa bioquímica ocorre no
estroma dos cloroplastos e converte o CO2 a carboidratos com o uso de ATP e NADPH, liberando ADP e
NADP+ para serem reciclados pela etapa fotoquímica. Adaptado de Majerowicz (2008).

Produção de ROS
A produção de ROS é considerada uma consequência do metabolismo aeróbico, que surgiu com
a introdução do O2 na atmosfera realizada pelos organismos fotossintetizantes há cerca de 2,7 bilhões de
anos. De fato, as ROS são geradas como subprodutos de diversas vias metabólicas ocorrentes em
diferentes compartimentos celulares que apresentam alto fluxo de elétrons, como as mitocôndrias,
cloroplastos e peroxissomos. Nestes locais, as ROS são formadas através de transferência de energia ou
de elétrons à forma menos reativa do oxigênio (O2), ou seja, através de reduções consecutivas do O2
(Figura 2). A transferência de energia de uma molécula excitada por luz ao O 2 pode formar o oxigênio
singleto (1O2), que é a primeira forma de excitação eletrônica do O 2. Já a primeira ROS a ser formada pela
transferência de um elétron ao O2 é o radical superóxido (O2•-), onde com a adição de mais um elétron e
dois prótons, forma o peróxido de hidrogênio (H 2O2). O H2O2 também gera o radical hidroxila (HO •) após

162
ser adicionado de um elétron e um próton, liberando água no processo (H2O). O H2O2 também pode
reagir com íons de ferro ou outro metais de transição, gerando radicais HO •. Por fim, HO• pode receber
um elétron e um próton formando H2O, o que representa o estado final de redução do O 2.

Figura 2. Formação de ROS a partir da forma basal de oxigênio (O 2). 1O2: oxigênio singleto; O2•-: radical
superóxido; H2O2: peróxido de hidrogênio; Fe2+: íon ferro (II); HO•: radical hidroxila; H2O: água.
Adaptado de Hajiboland (2014).

Nas plantas, esta sequência na geração de ROS tem maior ocorrência nos cloroplastos, onde
elétrons estão sendo carreados através da CTE nos tilacoides, podendo serem desviados e incorporados ao
O2 produzido pela própria fotossíntese. Estes elétrons podem ser provenientes de diversos pontos da CTE,
como por exemplo, da ferredoxina, onde ao invés dos elétrons reduzirem o NADP+, estes são transferidos
ao O2 (Figura 3). Além disso, o 1O2 pode ser formado principalmente na região do fotossistema II através
da transferência de energia de uma molécula da clorofila em estado excitado pela luz (clorofila triplete)
ao O2 (Figura 3).

Figura 3. Cadeia transportadora de elétrons (e-) na membrana dos tilacoides dos cloroplastos e seus
carreadores. A formação do oxigênio singleto ( 1O2) ocorre principalmente na região do fotossistema II
(PSII) e do radical superóxido (O2•-) na região do fotossistema I. Cit-b6f: citocromo b6f; PC:
plastocianina; Fd: ferredoxina; FNR: ferredoxina-NADP+ redutase. Adaptado de Taiz & Zeiger (2013).

Danos celulares causados por ROS


As ROS são substâncias altamente oxidantes, portanto, podem danificar estruturas celulares
através da remoção de elétrons de diversas moléculas, como as proteínas, lipídios, DNA e carboidratos.
No entanto, a extensão de danos que uma ROS pode ocasionar depende de sua toxicidade, que é definida
pelo tempo em que esta leva para oxidar uma molécula e sua meia-vida2 (Tabela 1). O H2O2 é
considerado a forma menos danosa das ROS, pois apresenta o maior tempo de reação e,
consequentemente, a maior meia-vida em comparação às restantes. Já o radical HO• é a ROS que causa
maiores danos celulares, onde pode reagir rapidamente com todos os tipos de componentes celulares, o
que justifica sua curta meia-vida.

2
Tempo necessário para que a quantidade de certa ROS se reduza à metade
163
Tabela 1. Principais ROS e sua reatividade. Adaptado de Møller et al. (2007).
Tipo de ROS Tempo de reação Meia-vida* Moléculas oxidadas
-9 Proteínas, lipídios, DNA,
Hidroxila (HO•) 1x10 s 1 ns
carboidratos
Oxigênio singleto (1O2) 1x10-6 s 1 μs Lipídios, DNA, proteínas
-6
Superóxido (O2•-) 1x10 s 1 μs Proteínas, lipídios (raro)
Peróxido de hidrogênio -3
1x10 s 1 ms Proteínas, lipídios (raro)
(H2O2)
* ns = nanossegundo; μs= microssegundo; ms = milissegundo.

Um dos principais danos ocasionados pelas ROS é a peroxidação lipídica, que é a reação de
oxidação dos lipídios poli-insaturados das membranas celulares com, principalmente, o radical HO•. Esta
reação pode desestruturar as membranas, podendo prejudicar seu funcionamento e impedir o metabolismo
celular (Figura 4a). Além disso, estas reações podem levar à formação de outras moléculas reativas
derivadas dos lipídios como o malondialdeído (MDA) (Figura 4b) (Para ensaios que avaliam a
peroxidação lipídica vide capítulo 9). A peroxidação lipídica gerada por ROS pode ser considerada
particularmente nociva se atingir as membranas dos tilacoides dos cloroplastos, cuja desestruturação pode
prejudicar diretamente a eficiência fotossintética das células vegetais.

Figura 4. Efeitos da peroxidação lipídica desencadeada pela reação entre ROS e membranas celulares: (a)
oxidação e desestruturação de membrana lipídica causada por ROS; (b) estrutura molecular do
malondialdeído (MDA), um produto da peroxidação lipídica.

Manutenção da produção de ROS nas células vegetais


De forma a controlar a produção de ROS e evitar seu efeito tóxico, as células vegetais
apresentam um sistema antioxidante presente na maioria de seus compartimentos que visa a eliminação
das ROS. Este sistema inclui tanto componentes enzimáticos como não-enzimáticos, cujas principais vias
estão descritas a seguir:

a) Sistema antioxidante enzimático


Primeiramente, a superóxido dismutase (SOD) realiza a remoção de O2•-, liberando H2O2 e O2.
Em seguida, as moléculas de H2O2 produzidas são removidas pela catalase (CAT) e ascorbato peroxidase
(APX). Esta última também atua dentro do ciclo ascorbato-glutationa juntamente com a
monodehidroascorbato reductase (MDHAR), dehidroascorbato redutase (DHAR) e glutationa redutase
(GR), onde são responsáveis por regenerarem o ascorbato e a glutationa reduzida (Figura 5). Estas

164
substâncias são importantes antioxidantes não-enzimáticos para a eliminação de OH•, que serão
abordados com mais detalhes no próximo item.

Figura 5. Principais componentes do sistema antioxidante enzimático de células vegetais. SOD:


superóxido dismutase; CAT: catalase; APX: ascorbato peroxidase; MDHAR: monodehidroascorbato
redutase; DHAR: dehidroascorbato redutase; GR: glutationa redutase. Adaptado de Buchanan et al.
(2015).

Com exceção da CAT, este complexo enzimático é crucial para o controle de ROS nos
cloroplastos, mitocôndrias e citosol. A CAT por sua vez, juntamente com a SOD, são importantes na
eliminação de O2•- e H2O2 gerados nos peroxissomos.

b) Sistema antioxidante não-enzimático


As ROS também podem ser metabolizadas por um sistema antioxidante não-enzimático. Este
sistema é particularmente importante na remoção de HO• e 1O2, pois ainda não foram descobertos
mecanismos enzimáticos de eliminação destas ROS. Dentre alguns antioxidantes não-enzimáticos pode-se
citar o ascorbato (ou ácido ascórbico), a glutationa (GSH), o tocoferol, flavonoides, alcaloides e
carotenoides.
A importância do ascorbato e GSH para o controle de ROS nas plantas foi verificada em
pesquisas com plantas mutantes que apresentam menor produção destes metabólitos, o que levou à maior
sensibilidade a danos oxidativos das ROS do que em plantas que não eram mutantes (selvagens). Após a
metabolização das ROS, a glutationa é oxidada à forma de dissulfeto (GSSG) e o ascorbato pode ser
oxidado para monodehidroascorbato (MDHA) e dehidroascorbato (DHA). Para retomarem seu potencial
antioxidante, a GSSG, o MDHA e o DHA devem ser reduzidos às suas formas originais de glutationa e
ascorbato através de reações enzimáticas, descritas no item anterior (Figura 5). Essas modificações são
dependentes de vários fatores endógenos e exógenos à planta, sendo que algumas condições ambientais
comprovadamente causam efeitos sobre o metabolismo de ascorbato e glutationa, como por exemplo,
alterações na temperatura, condição hídrica, condição luminosa e ataque de patógenos.
O antioxidante conhecido como tocoferol é solúvel em lipídios e presente nos cloroplastos,
protegendo suas membranas contra a peroxidação lipídica causada pelas ROS. Junto aos tocoferóis, os
carotenoides (vide capítulos 8, 9 e 10), apresentam principalmente a função de limpeza de 1O2 na região
dos tilacoides, além de atuarem como fotoprotetores através da dissipação da energia excedente captada
para a fotossíntese, evitando assim que esta seja encaminhada ao O2 para formação de ROS. Já os
flavonoides (vide capítulos 8, 9 e 10) são importantes metabólitos secundários com a função de captação
e neutralização das ROS em situações de estresse para o vegetal, como por exemplo, a seca, toxicidade
por metais pesados, frio, radiação ultravioleta, privação de nutrientes e outros.

165
Estresse oxidativo
O estresse oxidativo (vide capítulo 9 e 10) ocorre quando as ROS são produzidas em grandes
quantidades e superam a capacidade antioxidante das células, aumentando a oxidação e danos em
estruturas que, por fim, podem desencadear a morte celular. Este acúmulo de ROS pode dar-se em
resposta a diversos fatores estressores abióticos como a seca, frio e/ou calor excessivos, poluição
atmosférica (por exemplo, em exposição ao ozônio e dióxido de enxofre), exposição a metais pesados,
excesso de luminosidade e radiação ultravioleta. Além disso, fatores bióticos como o contato com
patógenos também podem gerar o estresse oxidativo nas células vegetais.

a) Estresse oxidativo em resposta à seca


A seca é o estresse abiótico mais estudado quanto ao seu efeito sobre o metabolismo das plantas
pois é um dos principais fatores limitantes no crescimento e desenvolvimento vegetal, onde afeta a
produtividade de diversas espécies agrícolas. Além disso, o déficit hídrico pode ser gerado por diversos
outros estresses como a salinidade e o frio.
Assim, o mecanismo em que a perda de água ocasionada pela seca leva ao aumento na produção
de ROS e ao estresse oxidativo nas células já foi amplamente detalhado, podendo ocorrer de diversas
maneiras. A principal delas está descrita e esquematizada na Figura 6. Primeiramente, a exposição das
plantas à escassez de água induz o fechamento estomático nas folhas para que haja redução na perda de
água pela transpiração. No entanto, com os estômatos fechados, há um impedimento na entrada de CO 2 da
atmosfera às células. Isto ocasiona uma restrição na disponibilidade de CO 2 nas células, levando à uma
redução generalizada da atividade fotossintética nos cloroplastos. Ou seja, a ocorrência do ciclo de
Calvin-Benson para fixação de carbono em carboidratos é diminuída (etapa bioquímica), assim como a
regeneração de NADP+ que ocorre através desta via (vide capítulo 15). Devido aos baixos níveis de
NADP+, a formação de NADPH pela CTE na membrana dos tilacoides também é reduzida (etapa
fotoquímica). Com isto, os elétrons nesta região se acumulam por não estarem sendo utilizados para a
geração de NADPH, causando uma redução excessiva nas membranas dos tilacoides. Inevitavelmente,
estes elétrons em excesso são desviados em grande parte ao O 2 formado pela atividade fotossintética na
mesma região, o que potencializa a síntese de ROS nos cloroplastos, podendo então levar ao estresse
oxidativo.

Figura 6. Aumento na produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) em plantas expostas à escassez de
água. A restrição na disponibilidade de CO2 nas células ocasionada pelo fechamento de estômatos
induzido pela falta de água reduz a ocorrência do ciclo de Calvin-Benson e a recuperação de NADP +.
Com isto, a síntese de NADPH pela ferredoxina (Fd) na cadeia transportadora de elétrons (CTE) dos
tilacoides também é reduzida, o que leva ao acúmulo de elétrons nos cloroplastos que pode potencializar
as reações de formação de ROS. CTE: cadeia transportadora de elétrons; Fd: ferredoxina; FNR:
ferredoxina-NADP+ redutase; PSI: fotossistema I.

Conforme reportado por diversos estudos, o nível de tolerância de uma espécie à seca e perda de
água está diretamente relacionada à capacidade de seu sistema antioxidante em evitar danos oxidativos
provenientes da produção aumentada de ROS nestas condições. Por exemplo, trabalhos realizados com

166
cultivares tolerantes de espécies como o trigo, milho e arroz mostram que estas apresentam maiores
atividades de distintas enzimas antioxidantes em comparação com cultivares sensíveis ao déficit hídrico.
Além disso, foi observado que a indução de maior expressão enzimática antioxidante em indivíduos
transgênicos leva à maior tolerância à seca quando comparados às plantas selvagens. Por exemplo,
plantas transgênicas de batata com maior expressão de APX e SOD mostraram maior eficiência na
eliminação de ROS do que indivíduos selvagens em resposta à seca. Respostas similares são reportadas
para metabólitos não-enzimáticos como o ascorbato e a GSH, onde estudos com diferentes espécies
mostram que seu acúmulo também se relaciona com maior tolerância a seca. Entretanto, é importante
ressaltar que estas respostas do metabolismo antioxidante à seca são altamente variáveis quanto ao tempo
de exposição e intensidade do estresse, além de dependerem da espécie e idade de uma planta.

Função de ROS em vias de transdução de sinais


As vias de transdução de sinais representam a forma de comunicação dentre as células de uma
planta. Estas vias são compostas por substâncias químicas geradas dentro de uma célula, que são
transportadas a seu exterior até atingirem outras células. Dentre estas substâncias estão principalmente os
hormônios vegetais que, ao alcançarem a membrana plasmática de outra célula, desencadeiam a geração
dos mensageiros secundários responsáveis por propagar o sinal. Dentre os mensageiros mais utilizados
nas células estão os íons cálcio. Ao atingirem o núcleo celular, os sinais geram alterações na expressão
gênica que ajustam as respostas metabólicas das plantas. Os estresses abióticos constituem sinais
ambientais que podem ser reconhecidos pelas células vegetais. Estes sinais são então desencadeados
através da planta de forma a alterar e adaptar o metabolismo da mesma às novas condições do ambiente,
visando sua sobrevivência.
Atualmente sabe-se que além do caráter deletério de ROS, estas substâncias podem beneficiar as
plantas, pois podem levar à ativação de mecanismos de aclimatação às condições de estresse. É dito que
um aumento momentâneo das ROS no período inicial de exposição ao estresse age como um sinal de vias
de transdução, de forma que o sistema antioxidante funciona como um mecanismo de controle sobre os
sinais emitidos pelas ROS, as mantendo em níveis toleráveis pelas células. Estudos recentes estão
possibilitando o aprofundamento sobre a função de ROS como sinalizador de resposta a estresses
abióticos, conforme detalhado a seguir.

a) Exemplos de pesquisas atualizadas com relação às funções das ROS como sinalizadores
Como já mencionado anteriormente, é bem definido na literatura que condições estressoras
abióticas (temperatura, disponibilidade hídrica, condição luminosa) e bióticas (ataque de patógenos)
causam, em algum nível, uma modulação do sistema oxidativo. Pesquisas atuais permitiram a obtenção de
conhecimento considerável sobre o metabolismo de ROS em plantas expostas à seca ou ao déficit hídrico,
particularmente.
Com estes estudos, definiu-se que uma das ROS mais importantes para o metabolismo vegetal é
o H2O2, onde está envolvido em vias de sinalização em resposta ao déficit hídrico. Sua função de
sinalizador deve-se ao fato de possuir um tempo de meia vida maior que as outras espécies reativas
(Tabela 1) e alta permeabilidade nas membranas, o que facilita seu transporte dentre compartimentos
celulares. Pesquisas atuais mostram que o H2O2 está ligado, por exemplo, ao fechamento estomático (vide
capítulo 16). Neste caso, quando uma planta é exposta à seca, a produção aumentada do hormônio ácido
abscísico (ABA) induz a geração de H2O2 por NADPH-oxidases em membranas das células guarda dos
estômatos, o que leva a um influxo de Ca+2 no interior das células, ocasionando o fechamento estomático.
A importância das NADPH-oxidases e geração de H2O2 neste processo fisiológico foi averiguada por
estudos com duplos mutantes de Arabidopsis thaliana para os genes rboh que codificam a NADPH-
oxidase em células guarda, que tiveram o fechamento estomático prejudicado.
Também existem diversos relatos do envolvimento de ROS com outras categorias de hormônios
vegetais em uma via de transdução de sinal em resposta ao estresse. Viu-se que proteínas da subfamília
MAP quinases controlam a produção de ROS em respostas mediadas pelo hormônio brassinoesteróide.
167
As proteínas DELLA, que são reguladoras da ligação de giberelinas (GA) com seus respectivos
receptores, aparentam regular a concentração de ROS através do controle da expressão de genes
antioxidantes. De fato, observou-se que o aumento de proteínas DELLA diminuiu a quantidade de GA e
também consequentemente de ROS. Por fim, também foi reportado que o etileno pode induzir o
fechamento estomático através de H2O2 produzido por NADPH-oxidases em Arabidopsis thaliana de
forma semelhante ao regulado pelo ABA.
Os estudos envolvendo ROS em plantas é uma área de pesquisa nova e promissora em resultados
que elucidam melhor o funcionamento de rotas metabólicas sendo ligadas ou desligadas em determinada
condição fisiológica, principalmente em resposta a estresses abióticos.

Conclusões
A produção de ROS nos organismos é uma consequência do metabolismo aeróbico, de forma
que ao longo da evolução, os seres vivos desenvolveram maneiras de se adaptar e adequar sua fisiologia à
presença destas moléculas, considerando que as ROS podem danificar os tecidos de forma extensa. A
literatura mostra que as plantas apresentam eficientes mecanismos antioxidantes para controlar os níveis
de formação de ROS e evitar o estresse oxidativo, o que se torna mais evidente em condições adversas
ambientais como a seca. Sabe-se que o estresse ambiental pode desequilibrar a manutenção de ROS,
aumentando principalmente sua geração nos cloroplastos. Assim, muitos estudos mostram que a
tolerância ao estresse em plantas está diretamente relacionada à sua capacidade antioxidante. Além disso,
pesquisas recentes evidenciam cada vez mais o envolvimento de ROS com hormônios vegetais em vias de
transdução de sinal para ativar mecanismos de aclimatação ao estresse. Desta forma, o efeito benéfico de
ROS em uma planta depende do balanço entre a formação destas moléculas reativas com a eficiência do
sistema antioxidante. Deste ponto em diante, pesquisadores da área visam a identificação de genes
envolvidos na formação de ROS e vias antioxidantes em plantas com tolerância ao estresse ambiental,
para que possam ser utilizados futuramente na potencialização da resistência de espécies agrícolas às
condições adversas do ambiente através de transformações genéticas, principalmente em vista das futuras
alterações climáticas.

Referências
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Buchanan, B. B.; Gruissen, W. e Jones, R. L. (2015). Biochemistry & molecular biology of plants. 2 ed.
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signaling. Plant Signaling & Behavior. 3 (3): 156-165.
Gill, S. S. e Tuteja, N. (2010). Reactive oxygen species and antioxidant machinery in abiotic stress
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Kerbauy, G. B. (2008). Fisiologia vegetal. 2 ed. Guanabara Koogan.
Mittler, R. (2002). Oxidative stress, antioxidants and stress tolerance. Trends in Plant Science. 7 (9):
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Xia, X.-J.; Zhou, Y.-H.; Shi, K.; Zhou, J.; Foyer, C. H. e Yu, J.-Q. (2015). Interplay between reactive
oxygen species and hormones in the control of plant development and stress tolerance. Journal of
Experimental Botany. 66 (10): 2839-2856.

168
CAPÍTULO 19

Fisiologia de frutos: aspectos bioquímicos e hormonais


Ricardo Ernesto Bianchetti
Dêvisson Luan Oliveira Dias

Introdução
Angiospermas são hoje representadas por mais de 300.000 espécies, sendo o grupo vegetal de
maior diversidade e maior sucesso adaptativo dentre as plantas vasculares. Conquistando praticamente
todos os ambientes terrestres e existindo também em alguns ambientes aquático, as angiospermas
apresentam várias autapormorfias que conferem o sucesso evolutivo do grupo, dentre as quais, entre os
caracteres reprodutivos, se destacam, além da presença de flores com verticilos e a dupla fecundação, o
revestimento e proteção das sementes por frutos.
Os frutos são estruturas, na maioria das vezes, originadas do ovário após a fecundação, são
responsáveis por parte do sucesso adaptativo das Angiospermas, dentre suas funções se encontram o
revestimento e a proteção da semente, sobretudo durante o estágio de sua formação e o auxílio na
dispersão desta após sua maturação, maneira eficiente de passar adiante a geração de determinado
indivíduo, sendo capaz de conquistar, inclusive, outros ambientes de acordo com o poder de dispersão. Os
frutos e as sementes também, em parte das espécies vegetais, chamam a atenção pelo valor nutricional, se
tornando fonte de pesquisa de interesse na biologia vegetal, agronomia e programas de melhoramento
genético e, a cada vez mais, atenção é dada para o estudo da fisiologia, bioquímica e genética dessa
estrutura.

Frutos: classificações morfológicas e funcionais


Diante da diversidade entre os tecidos vegetativos e florais das angiospermas, não é
surpreendente que os frutos também apresentam diversas adaptações morfológicas e bioquímicas que
foram surgindo e auxiliando a adaptação de espécies vegetais de acordo com o habitat em que foram
selecionadas. Pela definição clássica, frutos são carpelos maduros, com ou sem estruturas acessórias e/ou
sementes. Relacionados ao seu tipo e origem, os frutos “verdadeiros”, isso é, que são originados
diretamente da transformação dos tecidos do ovário, podem ser divididos em três grupos: os simples,
onde uma flor, com um carpelo e um estigma, origina um fruto; os agregados, onde uma flor, com vários
carpelos e vários estigmas, dá origem a um único fruto; e os compostos, onde várias flores, pertencentes a
uma inflorescência, originam a um fruto.
Dentre os frutos simples, existe a divisão em dois grupos, porém a evolução de cada um desses
grupos ocorreu de forma independente por várias vezes durante a diversificação das Angiospermas. O
primeiro grupo consiste nos frutos secos. Os frutos secos podem abrir de forma espontânea após as
sementes atingirem o estágio maduro, são denominados deiscentes, e como exemplos mais notórios estão
as síliquas (e.g. Arabidopsis thaliana), algumas cápsulas (e.g. papoula) e legumes (e.g. vagem, ervilhas),
porém também pode haver sua abertura de forma não espontânea após a maturação das sementes, estes
frutos são denominados indeiscentes e correspondem a exemplos de importância econômica, como as
cariopses (e.g. milho, arroz).
O segundo grupo consiste nos frutos com tecidos suculentos, denominados carnosos. Os frutos
carnosos possuem divisão morfo-anatômica, que apesar de variável entre as diversas espécies, tem
características teciduais semelhantes (Figura 1), em geral possuem um pericarpo carnoso, dividido,
geralmente, em três camadas de tecidos: o epicarpo, camada fina com poucas células epidérmicas com
alta densidade de plastídios; o mesocarpo, que apresenta várias camadas de células em tamanho maior,
com alto teor de água, onde geralmente ocorre a maior parte da atividade fotossintética do fruto e o

169
endocarpo, camada mais interna do pericarpo, possuindo uma ou poucas camadas de células na região
locular. Além do pericarpo, os frutos carnosos apresentam um tecido denominado columela, que
corresponde ao ponto de ligação do fruto com a planta mãe. A columela é um tecido rico em células
xilemáticas e floemáticas, sendo o elo da ligação entre a nutrição dos demais tecidos do fruto através da
capacidade de dreno do mesmo, sobretudo na manutenção e nutrição durante o estágio imaturo. Por fim
existe a placenta, que corresponde a um tecido parenquimatoso, servindo como sustentação às sementes,
além de que, em alguns frutos, como o caso do tomate, é desenvolvido um gel aquoso com alguns
sacarídeos.

Epicarpo
Mesocarpo Pericarpo
Endocarpo
Septo
Gel
Placenta
Sementes
Columela
Figura 1. Divisão morfológica de frutos carnosos. Modelo utilizado. Solanum lycopersicum cv. Micro-
Tom.
Os frutos carnosos, quanto ao seu amadurecimento são divididos em climatéricos e não
climatéricos.

Frutos climatéricos e não climatéricos


Os frutos carnosos, durante seu desenvolvimento e posterior amadurecimento, possuem um
metabolismo extremamente ativo e ocorrem várias alterações bioquímicas e fisiológicas em um curto
espaço de tempo. Tais alterações se dão início já durante a fertilização do óvulo e tem seu ápice na
transição do fruto pré-maduro para a fase de amadurecimento. Além de genes que detêm funções
exclusivas durante o desenvolvimento do fruto carnoso, em tomateiro, por exemplo, foram detectadas
mais de 34.000 proteínas diferentes que atuam durante a formação e manutenção do fruto. Toda essa
regulação molecular é o resultado de grande investimento que as plantas detêm neste órgão,
demonstrando a importância dele para a dispersão das sementes e por consequência a sobrevivência da
espécie.
Os frutos carnosos são divididos em dois grupos de acordo com o seu perfil metabólico durante o
amadurecimento, o primeiro grupo são os frutos não climatéricos. Os frutos não climatéricos, por
exemplo a uva, o pimentão e os frutos cítricos em geral, apresentam metabolismo estável durante todo o
desenvolvimento e amadurecimento, sem nenhuma drástica e repentina alteração, são caracterizados,
sobretudo, pela produção de etileno e de taxa respiratória praticamente constante (Figura 2a). Em sua
maioria, os frutos não climatéricos não podem ser destacados da planta mãe até que todo o
amadurecimento seja concluído, tendo, como risco, o amadurecimento irregular e a inviabilidade
comercial.
Por outro lado, os frutos climatéricos são marcados com alterações metabólicas rápidas durante a
transição do período pré-climatérico para a fase climatérica. A alta atividade metabólica é desencadeada
após um pico na produção de etileno que é seguido por aumento na taxa respiratória (Figura 2b). Após o
aumento na produção de etileno ocorre uma série de alterações bioquímicas e fisiológicas, variáveis de
acordo com as espécies, mas de uma maneira geral se destacam a rápida modificação na coloração, o
aumento na síntese de compostos voláteis e o amolecimento gradual do fruto.

170
A

Figura 2. Modelo hipotético do padrão de emissão de etileno, taxa de respiração, amolecimento e


acúmulo de carotenoides em (a) frutos não climatéricos e (b) frutos climatéricos.

Atualmente, esforços são feitos para entender os aspectos fisiológicos e bioquímicos que
controlam todos os eventos durante o desenvolvimento e amadurecimento do fruto, nesse cenário o
tomateiro vem ganhando destaque como espécie modelo para o estudo de frutos climatéricos, e baseados
no tomate, todo o processo de desenvolvimento pode ser dividido em cinco fases distintas (Figura 3),
porém a delimitação temporal entre cada uma das fases pode ser variável entre espécies e cultivares:

. Fase I – Fruit set: corresponde à fase pós-fertilização do ovário e as alterações iniciais que
resultarão na transformação do carpelo em fruto;
. Fase II – Divisão celular: corresponde à fase onde ocorre a maior parte da divisão celular, que
ocorre de forma rápida, nesta fase a maioria das células que o fruto terá até o final de seu amadurecimento
será definida;
. Fase III – Expansão celular: Fase em que as células expandem devido ao aumento de água no
vacúolo, nesta fase o tamanho final do fruto será definido;
. Fase IV – Maturação: Marcado pelo pico climatérico, fase em que o fruto terá alterações
metabólicas e várias mudanças em sua estrutura;
. Fase V – Ripening (Amadurecimento): Fase em que ocorre a manutenção dos metabólitos
originados na maturação, onde as sementes já estarão prontas para a dispersão.
Os frutos climatéricos, por terem o perfil estabelecido e por serem extremamente estudados, são
modelos ideais para a introdução dos estudos na fisiologia do fruto. Por isso, representados pelo tomate (e
alguns outros modelos acessórios) será dada ênfase nessa classe nas próximas sessões.
Existem inúmeros fatores que podem alteram o desenvolvimento do fruto, tais como genótipo da
própria planta, disponibilidade hídrica e nutricional para a planta mãe, disponibilidade de oxigênio
atmosférico, influência da temperatura, umidade, quantidade e qualidade de luz, porém, abordaremos na
maior parte das vezes, apenas a maquinaria endógena, onde o próprio fruto controla o seu crescimento,
desenvolvimento e maturação.

171
Figura 3. Fases do desenvolvimento de frutos de tomateiro. Coloração e tamanho indicativos de acordo
com cada uma das fases: Fruit set, divisão celular, expansão celular, maturação e ripening. Abaixo
esquema das concentrações e tipos de hormônios que influenciam em cada uma das fases. CK: citocinina;
AIA: auxina; GA: Giberelina; BR: Brassinoesteroides; ABA: Ácido Abscísico.

Fruit set
A transformação do ovário em fruto é iniciada logo após a fecundação do óvulo, através de uma
intrincada cascata de sinais envolvendo desde a sinalização do próprio grão de pólen (gametófito
masculino) até uma série de modificações que farão a formação do fruto.
O fruit set corresponde à fase mais rápida durante o desenvolvimento do fruto e está relacionado
com o balanço de três classes hormonais: giberelinas, auxinas e citocininas (Figura 3).
As giberelinas (GA) são hormônios originados do substrato Geranil geranil difosfato (também
envolvido na síntese de carotenoides, vide capítulo 8), proveniente da Acetil Co-A. A produção de GA
ocorre em uma rota, onde as enzimas GA3OXIDASE e GA20OXIDASE são responsáveis por passos
chaves na formação deste fitormônio. GA é uma classe hormonal importante no desenvolvimento vegetal,
estando relacionadas a eventos como a germinação de sementes, o crescimento celular e a evocação do
meristema floral. Também é conhecido que a aplicação exógena de GA origina a produção de frutos sem
que tenha existido a fecundação. Este evento é denominado partenocarpia, onde a ausência da fertilização
produz frutos com óvulos abortados (sem sementes), mostrando que esta classe hormonal detém
importância durante o fruit set (Figuras 3, 4). Durante o processo de fertilização e posteriormente de pós-
fertilização existe um aumento na expressão de genes que codificam as enzimas GA 3OXIDASE e
GA20OXIDASE, o aparecimento destas, assim como o aumento do GA endógeno é coincidente com o
estabelecimento do fruto.
Por muito tempo as giberelinas foram consideradas o principal sinalizador molecular durante o
fruit set, porém, estudos recentes têm apontado as auxinas com um papel importante também nessa fase,
sobretudo na regulação de níveis endógenos de GA (Figura 4), tendo sua função caracterizada durante o
desenvolvimento inicial do fruto.
A auxina foi a primeira classe de hormônio vegetal descoberta, produzida por diversas rotas
metabólicas, entre as quais, a utilização inicial do aminoácido triptofano detém singular destaque, a
biossíntese passa por uma rota elaborada até a geração de Ácido Indolacético (AIA), principal forma de
172
auxina livre ativa em plantas. Essa classe hormonal tem ação em todo o desenvolvimento vegetal. Apesar
de serem bem estudados em diversos eventos fisiológicos (vide capítulo 21 e 20), os estudos envolvendo
auxinas no desenvolvimento de frutos ganharam destaque apenas nos últimos anos, entre eles é apontado
que este hormônio participa da regulação durante o fruit set (Figura 3).
Durante o desenvolvimento do ovário, AIA é encontrado em baixas concentrações.
Recentemente foi detectado uma proteína transdutora de sinal, denominado AUXIN RESPONSE
FACTOR 7 (ARF7). ARF7 faz parte da cascata de sinalização desencadeada por auxinas, onde existem
membros que estimulam respostas associadas ao hormônio e membros que reprimem a sinalização
desencadeada por AIA. A existência de ARF7 em níveis elevados durante o período de formação do
ovário desencadeia o baixo acúmulo de AIA inibindo a partenocarpia (Figura 4).
Naturalmente, durante a fertilização, existe aumento na quantidade de AIA, deixando a inibição
promovida por ARF7 irrelevante frente à alta quantidade de auxinas livres ativas. O aumento de auxinas
levará a inibição de ARF7, permitindo que este hormônio exista em condições ideais para a
transformação de ovário em fruto. Entretanto, a sinalização de auxinas no fruit set não ocorre em uma via
direta, uma vez que após o aumento de AIA nas células do ovário, existe aumento de GA, que por sua vez
tem sua relevância na formação do fruto já descrita. Curiosamente a aplicação de GA não leva a nenhuma
alteração na rota metabólica de auxinas durante o evento de fertilização, mostrando que AIA detém o
controle sobre a biossíntese de GA neste evento, mas o contrário não ocorre.
Em outra via de sinalização para a formação inicial dos frutos, são conhecidas as citocininas. As
citocininas (CK) são hormônios derivados de adenina, tendo as enzimas ISOPENTENIL
TRANSFERASE (IPT) como limitante em sua rota de formação. São muitos os eventos vegetais em que
CK tem influência, como na divisão celular, na defesa vegetal contra patógenos e manutenção foliar, esta
classe hormonal ainda possui crosstalk relatado com a sinalização desencadeada por nitrogênio e com a
sinalização luminosos. A aplicação de CK exógena é capaz de fazer toda a transformação do ovário em
fruto, porém com o crescimento e desenvolvimento inicial comprometido. Frutos partenocárpicos,
provenientes da aplicação de CK tem padrão disforme, com células menores e formação mais achatada.
Em tomates existem várias isoformas de IPT, a alta expressão especialmente das isoformas IPT3
e IPT4 em estágios posteriores a fecundação, indica a presença de CK como elemento relevante para que
este processo venha a ocorrer, mostrando que este hormônio, além das auxinas e GA, também
corresponde ao gatilho inicial para a formação de frutos.

173
Figura 4. Interações hormonais durante o fruit set. O aumento de isoformas de proteínas ISOPENTENIL
TRANSFERASE 3 e 4 (IPT3 e IPT4) faz aumentar os níveis de citocininas (CK) que fará o crescimento
do ovário e a iniciação da transformação deste em fruto após a fertilização. Em outro caminho, auxinas
(AIA) são reprimidas por AUXIN RESPONSEN FACTOR 7 (ARF7) durante o desenvolvimento do
ovário. Após a fecundação, os níveis de auxinas aumentam, inibindo a ação de ARF7 e aumentando a
síntese de Giberelina (GA), que fará a transformação inicial do fruto. Ainda não é relatado se as rotas de
citocinina e de auxina/giberelina possuem interações. Setas abertas indicam interação positiva e setas
fechadas indicam interação negativa.

Divisão e expansão celular


Após ocorrer a fertilização e o desenvolvimento inicial dos frutos, existe uma cascata de
respostas que fará a rápida divisão celular e, em um período um pouco mais longo, a expansão celular.
Algumas espécies vegetais não têm divisão clara entre uma fase e outra, uma vez que ambas ocorrem
concomitantemente, porém, para fins didáticos, os eventos ocorrentes nessas fases serão tratadas nessa
sessão de forma separada.

CICLINAS e o papel na divisão celular


A fase de divisão celular consiste em uma fase rápida, onde as células, principalmente do
pericarpo, entrarão em sucessivas divisões mitóticas. Ao fim dessa fase, o fruto terá praticamente a
quantidade de células que o constituirá até o período final de amadurecimento. A divisão celular só é
possível pela influência de proteínas específicas denominadas CICLINAS. A ação de CICLINAS se dá
principalmente no início do processo mitótico, especificamente na fase G1, onde antecede a divisão do
DNA e na transição da fase G2 para a fase mitótica. Em frutos de tomateiro já foram clonados seis genes
que codificam em isoformas para as CICLINAS, onde a maioria delas tem seu nível de expressão máximo
nas células do epicarpo e do mesocarpo. Os níveis da maior parte das isoformas apresentam expressão
pouco significante alguns dias pós-antese, e tem a expressão praticamente nula no fim do período pré-
climatérico do fruto. Cada CICLINA tem um controle específico, mas em todas elas existe um estímulo
maior quando na presença de concentrações exógenas de auxinas e citocininas.
Durante o desenvolvimento vegetal, auxinas e citocininas atuam de forma integrada promovendo
a divisão celular. Ambos promovem a expressão e ativação de ciclinas desencadeando a divisão mitótica
em diversos tecidos (Figura 5a). Obviamente, durante todo o crescimento vegetativo das plantas, não só

174
as concentrações de auxinas e citocininas definirão o padrão organogênico que será desencadeada das
células, mas sim o balanço entre elas.
Apesar de nos frutos, a fase de divisão celular ocorrer concomitantemente com alta quantidade
de ambos os hormônios (Figura 3), pouco é conhecido de como o balanço entre eles irá agir na divisão de
células, apenas que a presença de ambos é necessária para que exista expressão ótima de CICLINAS.
Além da alteração na expressão, AIA e CK também estão relacionados ao maior acúmulo de açúcares
durante a fase de divisão e alongamento de frutos, e a disponibilidade de carboidratos solúveis se torna o
principal sinalizador para a expressão de todas as isoformas de CICLINAS.

Poder de dreno, papel das INVERTASES e capacidade de estocagem de carboidratos


Durante o desenvolvimento inicial, ainda no estágio pré-climatérico, o fruto está associado com a
planta mãe, captando recursos essenciais ao seu desenvolvimento, como água, nutrientes e açúcares
solúveis, mostrando investimento da planta em sua formação e no desenvolvimento. Nesse cenário, mais
uma vez AIA e CK aparecem como responsáveis, dentre os fatores endógenos, pela captação de
compostos orgânicos.
A columela é o tecido encontrado na região interna do fruto, se ligando à placenta e ao pericarpo
e terminando na região externa denominada pedicelo (Figura 1), onde ocorrerá o ligamento com a planta
mãe. A columela apresenta tecidos condutores como o xilema e o floema, e tem estas células em maior
quantidade quando ocorre aplicação de CK exógena. O aumento de células xilemáticas e floemáticas faz
com que este tecido torne o fruto um dreno mais eficiente, o que mostra a importância de CK na captação
de carboidratos (Figura 5a), o que é vital nessa fase, onde haverá o investimento, além de na divisão
celular, no acúmulo de amido.
As INVERTASES são responsáveis pela capacidade de dreno durante o desenvolvimento inicial
do fruto, são enzimas que fazem a hidrolização de sacarose, convertendo-as em glicose + frutose.
Atualmente são identificadas quatro isoformas dessa família em tomateiro, onde uma delas tem a
expressão nos frutos, sobretudo no estágio de desenvolvimento inicial. A CK é o principal hormônio
relatado com o aumento da atividade de INVERTASES. O poder de dreno é muito importante nos frutos
e existe competição entre eles para adquirir a maior quantidade de fotoassimilados da planta mãe.
Junto a CK, a AIA corresponde a um segundo hormônio importante durante o acúmulo de
açúcares e amido. Durante o estágio pré-climatérico existe maior acúmulo de sacarose e de amido em
resposta a AIA, constatado pelo silenciamento de uma proteína transdutora de sinais denominada AUXIN
RESPONSE FACTOR 4 (ARF4), que é um repressor das respostas relacionadas às auxinas no estágio
pré-climatérico. O silenciamento da ARF4 resulta no maior acúmulo de sacarose e amido durante o
desenvolvimento inicial (Figura 5a). Auxinas e citocininas também, especificamente nessa fase, atuam
juntas inibindo o amadurecimento precoce de frutos.
A maior quantidade de compostos solúveis proveniente da aplicação de CK´s e do silenciamento
da ARF4, além de estarem relacionados à capacidade de dreno (e.g. crescimento do pedicelo e atividade
de INVERTASES) também podem estar relacionados com a biogênese plastidial e o aumento da
atividade fotossintética, que hoje é conhecida por compreender pouco mais que 10% dos assimilados
totais que o fruto utiliza.

Biogênese plastidial
A fotossíntese em frutos é um tema ainda com poucos e controversos estudos. Apesar de ter
maquinaria fotossintética ativa, com membranas de tilacoides organizadas em uma conformação
semelhante ao do cloroplasto foliar, a presença de clorofilas com potencial para receber energia
fotoquímica, a constatação da atividade da enzima RIBULOSE 1,5-BIFOSFATO CARBOXILASE
OXIGENASE (RUBISCO) que é essencial para fixação de CO2 e proteínas relacionadas às vias de
fotorrespiração, é notável que a maioria dos assimilados em frutos é proveniente da planta mãe, uma vez
que a energia metabólica utilizada em seu desenvolvimento é maior do que sua capacidade de fixação de
carbono. Também a redução da quantidade de clorofilas totais, resultado pelo silenciamento de um gene
175
que codifica uma enzima chave na rota de biossíntese de clorofilas, traz pouco impacto no acúmulo de
ácidos orgânicos e carboidratos solúveis durante seu desenvolvimento. Os eventos em conjunto colocam
em dúvida a real necessidade da fotossíntese do fruto para seu desenvolvimento. Existe um consenso
geral de que este é um órgão dreno e que a fotossíntese constitui um processo fisiológico que ajuda na
refixação do CO2 perdido pela respiração e serve como processo acessório, mas não vital ao seu
desenvolvimento.
Para a formação da maquinaria fotossintética e o acúmulo de clorofilas e carotenoides é
necessário a formação de cloroplastos durante o desenvolvimento inicial do fruto. Os cloroplastos são
organelas que são acumuladas em maior densidade nas células do pericarpo. A biogênese plastidial
ocorre, sobretudo, em resposta ao sinal luminoso e a hormônios (Figura 5b), a maior densidade de
formação de cloroplastos neste estágio estará relacionada com o número de cromoplastos e,
consequentemente, com o acúmulo de fitonutrientes durante o amadurecimento dos frutos.
A sinalização desencadeada pela luz favorece a formação de cloroplastos, assim como o número
e a estrutura destes. As proteínas que desencadeiam alterações moleculares em resposta ao sinal luminoso
ou as proteínas que regulam negativamente o sinal luminoso tem controle sobre genes que serão
responsáveis pela biogênese plastidial, onde o mais conhecido deles é o GOLDEN LIKE-1 (GLK1), ou
genes que estarão em controle da divisão plastidial (e.g. ARC3, FTsZ, MinD, entre outros). No entanto,
não só a luz tem relevância na biogênese plastidial e acúmulo de clorofilas e carotenoides, mas também
os hormônios, como citocininas e auxinas também detêm, ainda não conhecido se de forma paralela ou
complementar ao sinal luminosos, o controle sobre GLK1 (Figura 5b).
As auxinas foram os primeiros hormônios identificados com importância direta na formação e
divisão de cloroplastos nos frutos. O silenciamento de ARF4, além desencadear o aumento da quantidade
de amido, também é relacionado ao maior número de cloroplastos, onde é mostrado que a resposta
relacionada às auxinas atua positivamente na biogênese plastidial e no acúmulo de clorofilas nos frutos de
tomateiro. Cultivares arf4 possui expressão acentuada de GLK1, aumentando os cloroplastos no fruto e
tendo expressão também em outros tecidos vegetais.
Apesar de ainda não ser conhecida a influência de citocininas durante a biogênese de
cloroplastos e nem na divisão deles durante o início do desenvolvimento do fruto, CK´s são reguladas por
fotorreceptores (moléculas que percebem e fazem a transdução do sinal luminoso) durante a formação de
plastídios em diversos tecidos de diferentes espécies vegetais. Reforçando a hipótese que a
superexpressão de IPT ou a aplicação exógena de citocininas aumentam o acúmulo de pigmentos em
frutos de tomateiro, mostrando uma possível interação desse hormônio durante o desenvolvimento
plastidial (Figura 5b).

EXPANSINAS e o crescimento celular


A fase seguinte, após a divisão celular, é marcada pela expansão celular. A expansão das células
é o resultado da ativação de enzimas EXPANSINAS, que são ativas na parede celular, quando esta tem
um decréscimo no pH. As EXPANSINAS permitem o afrouxamento da parede celular agindo na quebra
de ligações não covalentes entre a celulose e hemicelulose. Após a entrada de água na célula, que se
acumula no vacúolo, e com as paredes celulares mais frouxas, será possível que a célula se expanda. Ao
fim dessa fase os frutos chegarão ao seu maior tamanho até o fim do amadurecimento. Juntamente com as
auxinas, outros dois hormônios detêm influência sobre as principais modificações que ocorrem na fase de
expansão celular: a giberelina (Figura 3, 5b) e o brassinoesteroide (Figura 5b).
A giberelina é um hormônio relevante na expansão celular durante todas as fases de
desenvolvimento da planta. Em frutos, a aplicação de GA exógena está relacionada ao aumento da
expressão de duas isoformas de EXPANSINA (Figura 5B). Além de GA, as auxinas já são classicamente
conhecidas pelo crescimento celular nos tecidos vegetativos. Em geral, as auxinas agem aumentando a
acidificação das paredes celulares, onde o pH mais baixo irá favorecer a ativação das EXPANSINAS. Em
frutos, esse efeito é considerável, uma vez que a repressão de genes que atenuam a ação de auxinas
favorece maior crescimento das células do pericarpo, por consequência, a aplicação de auxina exógena
176
acarreta o aumento do diâmetro dos frutos, assim como da área celular, o que demonstra ação conjunta de
ambas, giberelinas e auxinas, durante o afrouxamento da parede celular e crescimento do fruto. Os
Brassinoesteroides, hormônios de natureza lipídica também são associados ao evento de expansão celular
durante o desenvolvimento de frutos de tomateiro.

(b)
(a)

Figura 5. Esquema das interações hormonais em diferentes eventos do desenvolvimento de frutos. (a)
Interação entre auxina (AIA) e citocinina (CK) na expressão de CICLINAS, resultando na divisão celular,
a expressão de CICLINAS também é dependente da presença de açúcares solúveis proveniente da
capacidade de dreno. Citocininas e auxinas agem aumentando a capacidade de dreno e na regulação de
INVERTASES, o transdutor de resposta AUXIN RESPONSE FACTOR 4 (ARF4) tem ação inibitória
sobre as auxinas neste evento. (b) ARF4 inibe respostas relacionadas a auxinas, que promovem a
transcrição de GLK, por outro lado a sinalização luminosa pode prover uma via direta de regulação de
GLK ou indireta, influenciando nas citocininas, GLK é um dos grandes responsáveis pela biogênese
plastidial. Auxinas associadas às giberelinas (GA) também promovem a expansão celular, sobretudo
através da regulação de EXPANSINAS. Brassinoesteroides (BR) também atuará na expansão celular.
Setas abertas indicam regulação positiva e setas fechadas indicam regulação negativa. Indica relações
ainda não bem esclarecidas.

Maturação e Ripening
O estágio de maturação do fruto consiste em rápidas alterações metabólicas desencadeadas por
um pico na emissão de etileno. Posteriormente ao pico de etileno, ocorre um aumento na taxa respiratória
e diversas características são alteradas, como a coloração do fruto, a firmeza, o decréscimo de ácidos
orgânicos e amido e a biossíntese de compostos voláteis (Figura 2b). Todos esses atributos fazem o fruto
climatérico extremamente atrativo para dispersores. Durante a fase de maturação é possível destacar o
fruto da planta mãe, onde este conseguirá terminar o amadurecimento sem qualquer problema que o torne
comercialmente inviável.

Climatérico
O pico climatérico consiste no ponto que marca a transição para o amadurecimento do fruto. O
climatérico é representado pelo o aumento na emissão de etileno e na respiração. O etileno é um
hormônio gasoso, constituído de uma ligação dupla entre dois carbonos, que atravessa facilmente
membranas e tem ação em receptores específicos localizados na membrana do retículo endoplasmático. A
biossíntese do etileno é iniciada com o aminoácido metionina, que é convertido em S-adenosilmetionina
(SAM) pela enzima S-ADENOSILMETIONINA SINTETASE e, posteriormente, pela ação da enzima
ACCSINTASE (ACS), esse substrato é convertido a Ácido Carboxílico amino ciclo propano (ACC) para
177
posteriormente ser oxidado a etileno pela ACCOXIDASE (ACO), o produto remanescente desta reação é
convertido para regenerar a metionina.
Durante o desenvolvimento das plantas em geral, as etapas limitantes da regulação da síntese do
etileno são as enzimas ACS e ACO, e ainda na forma de conjugação, em que ACC é convertido para
malonil ácido carboxílico amino ciclo propano (MACC). Durante o estágio climatérico existe regulação
muito forte em nível gênico de algumas isoformas de ACS e de ACO, particularmente em tomate, existe
aumento nas isoformas ACS2 e ACS4 e ACO1 e ACO4, tornando-as marcadores eficientes da maturação
dos frutos.
Durante o estágio climatérico a produção de etileno transita de um perfil auto-inibitório, onde a
produção de etileno tem um feedback negativo na própria biossíntese, para a produção auto-catalítica,
típica do desenvolvimento de frutos climatéricos, onde a produção de etileno irá estimular a sua produção,
conseguindo uma concentração extremamente alta desse hormônio gasoso em pouco tempo, e,
consequentemente, um aumento na taxa respiratória, aumentando os níveis de CO 2 emitidos pelo fruto. A
alta produção de etileno é responsável pela regulação de vários eventos fisiológicos (Figura 6).
Curiosamente, o amadurecimento do fruto começa das regiões mais internas: placenta e
columela, até a região mais externa, que consiste no pericarpo. Durante todo seu desenvolvimento, as
concentrações de substratos intermediários na rota de formação do etileno, como o SAM e o ACC
encontram-se mais elevadas nos tecidos mais interno, decrescendo à medida que chegam a regiões mais
externa, chegando às menores concentrações no pericarpo. Por outro lado, está no pericarpo a maior
atividade da ACO e também a maior emissão do etileno, o que mostra um transporte entre tecidos e uma
comunicação eficiente entre todas as regiões do fruto.

Fatores que controlam a síntese de etileno


A síntese de etileno é influenciada por fatores de transcrições e pela regulação de outros
fitormônios.
Na regulação hormonal, estudos recentes demonstram a importância de auxinas na síntese de
etileno (Figura 6), através da regulação da expressão diferenciada de ACS. As auxinas, apesar de serem
relatadas como retardadores do desenvolvimento na fase de divisão e alongamento celular, apresentam
concentração elevada pouco antes do período climatérico, seguido de alta conjugação.
Outro fitormônio relevante durante a maturação dos frutos é o ácido abscísico (ABA) (Figura 6).
ABA é um hormônio vegetal que está relacionado ao amadurecimento em alguns poucos eventos
fisiológicos de forma etileno-independente. Porém, em diversas espécies, como pepino, caqui e o próprio
tomate, ocorrem aumento nos teores de ABA pouco antes do pico de etileno no climatérico. As
concentrações de ABA vão decrescendo após estimular a produção do etileno.
Quanto aos fatores de transcrição, o maior responsável pela regulação da síntese de etileno,
assim como do amadurecimento em geral dos frutos é o RIPENING INHIBITOR (RIN). RIN atuará
como intermediário, estimulando diversos genes relacionados ao amadurecimento do fruto (Figura 6),
sendo considerado o principal gatilho para o amadurecimento e o principal marcador que identifica a
transição da fase pré-climatérica para a fase climatérica. Mais de 200 genes são expressos
diferencialmente nos frutos, estando associados diretamente ou indiretamente com a expressão de RIN,
entre os quais se encontram algumas isoformas de ACS, assim como receptores de etileno, ou outros
fatores de transcrição como COLORLESS NON-RIPENING (CNR) ou NON-RIPENING (NOR) (Figura
6). As maiores alterações que ocorrem durante o estágio de maturação e que segue pelo ripening são o
aumento de açúcares solúveis, o amolecimento do fruto, a síntese de compostos aromáticos e a coloração
característica, produto da alteração do perfil dos carotenoides.

178
Figura 6. Esquema de interações moleculares que controlam o amadurecimento. A expressão e posterior
transcrição de RIPENING INHIBITOR (RIN) aumenta a expressão de NON-RIPENING (NOR) e
COLORLESS NON-RIPENING (CNR), onde de forma integrada irão fazer a expressão diferenciada de
genes que controlam a síntese de compostos voláteis, a alteração na coloração, a formação de açúcares
solúveis e o amolecimento dos frutos. RIN também é o gatilho para o início da produção de etileno,
sobretudo na regulação da ACCSINTASE (ACS), que também é regulada por auxinas (AIA). A produção
de etileno também é afetada positivamente pelo Ácido Abscísico (ABA), também responsável pela
expressão de genes do amadurecimento do fruto de forma independente do etileno. O Etileno é o principal
ponto de regulação no amadurecimento, sendo capaz de controlar a própria síntese e fazer a expressão de
genes essenciais no amadurecimento. Setas abertas indicam interação positiva.

Aumento de açúcares solúveis


A aquisição de propriedades palatáveis do fruto para os potenciais dispersores é um dos
principais eventos que ocorre durante o amadurecimento. Os fatores que tornam um fruto palatável são
resultados das quebras de taninos, ácidos orgânicos e amido e o acúmulo de açúcares solúveis. A
drenagem de açúcares e o acúmulo destes durante o desenvolvimento é extremamente utilizado nesta fase,
a partir do aumento da taxa respiratória no período climatérico, a quantidade de amido no fruto diminui,
aumentando os teores de açúcares solúveis, como glicose e sacarose.
O amido é constituído de cadeias de polissacarídeos presentes em forma linear com ligação α1-4,
e ramificação em alguns pontos, onde ocorre ligação α1-6 entre os carbonos. Durante o amadurecimento
do fruto o teor de amido decresce concomitantemente com o aumento da atividade de amilases, que,
dependendo de sua forma, é capaz de fazer a quebra da ligação 1-4 de cadeias lineares ou de ligações 1-6
de cadeias ramificadas. A quebra de amido é feita pela AMILASE, resultando em maltose, que será
clivada em glicose pela MALTASE. A glicose é carboidrato de seis carbonos que na maioria das vezes
está presente em forma cíclica estável, e sua ligação com frutoses originará um dissacarídeo denominado
sacarose, com sabor adocicado presente em grande parte dos frutos carnosos. A palatividade promovida
pelos açúcares solúveis é um auxílio para que dispersores, ao consumir o fruto, propaguem a semente.

179
Amolecimento do fruto
O amolecimento do fruto é resultado da reestruturação da parede celular devido a atividade de
EXPANSINAS, apesar de algumas isoformas terem ação durante a fase de crescimento, outras detêm
especial papel na maturação e durante o ripening, sendo estimuladas principalmente por etileno e ABA.
A ação das EXPANSINAS fará o afrouxamento da parede celular, deixando com um padrão
histológico mais desorganizado e o fruto com o aspecto amolecido, facilitando a palatividade por
potenciais dispersores. Apesar da influência desses dois hormônios nos processos de amolecimento, ainda
existe a ação de proteínas independente às respostas desencadeadas tanto por etileno quanto por ABA. O
amolecimento é um processo importante, resultando da expressão de mais de 50 genes.
Os eventos bioquímicos que controlam a reestruturação da parede celular são semelhantes ao
descritos anteriormente, como a clivagem de pectina, o rompimento de ligações não covelantes entre
celulose e hemicelulose e a modificação de proteínas relacionadas à parede.

Aumento de compostos voláteis


Os compostos voláteis (capítulo 21), junto à coloração do fruto (abordado posteriormente) são os
maiores responsáveis pela atração de dispersores a longa distância, e presente em quantidades expressivas
de frutos climatéricos.
O perfil de compostos voláteis é variável durante as fases do fruto, sendo alterados de forma
dependente à fase do desenvolvimento ou maturação em que o fruto se encontra. Durante o
desenvolvimento alguns compostos voláteis aumentam enquanto outros diminuem de intensidade, sendo
o etileno o principal hormônio envolvido em sua síntese.
Os diversos grupos de compostos voláteis presente em frutos são sintetizados por diferentes rotas
biosintéticas (vide capítulo 8):
-Ácidos graxos: os compostos voláteis são sintetizados através de longas cadeias de lipídeos,
provenientemente da Acetil Co-A, substrato final de três carbonos que é gerado como produto da quebra
anaeróbica existente durante a glicólise. A Acetil-CoA passa por uma série de conversões enzimáticas até
formar o ácido linoleico. Ácido linoleico é convertido pela ação de enzimas denominadas
LIPOXIGENASES a hidroperoxidos. A ação da enzima HIDROPEROXIDOLIASE quebra este substrato
em aldeídos menores, que podem ser dehidrogenados a outros álcoois.
Aldeídos e álcoois possuem aromas, e a variação entre eles, assim como seus tipos, podem dar
diferentes odores durante o amadurecimento de diferentes espécies.
. Terpenos: Ainda com a utilização do substrato Acetil Co-A, também são gerados os terpenos e
os apocarotenoides, dois compostos que conferem odor aos frutos.
A acetil Co-A sofre acetilação e posterior redução, sendo convertida a mevalonato que será
duplamente fosforilado, até formar o isopentenildifosfato (IPP) e o seu isômero Dimetialil difosfato
(DMAPP). Este intermediário poderá ser convertido em geranil difosfato, seguido de farnesildifosfato e
posteriormente a geranilgeranil difosfato, dando origem a respectivamente, monoterpenos,
sesquiterpernos e triterpenos, diterpenos, carotenoides e os hormônios GA e ABA. O IPP e o DMAPP
também podem ser sintetizados pela via do Metileritritol fosfato (MEP) que ocorre no cloroplasto das
células através da reação do gliceraldeido 3-fosfato com o ácido pirúvico.
Os terpenos constituem a maior classe de compostos voláteis, sendo compostos de cadeias
longas e hidrofóbicas.
. Aminoácidos: Assim como terpenos e ácidos graxos, os aminoácidos têm importância para o
odor do fruto. Alguns aminoácidos geram compostos voláteis, tais como a valina, leucina e a isoleucina.
No entanto o mais reconhecido com essa função é o aminoácido aromático Fenilalanina, que, entre
outros, originará o eugenol, isoeugenol, metilsalicicato, benzilacetato e feniletanol. Estes compostos são
caracterizados por terem anel aromático, muitas vezes com a propriedade fenol.

180
1 2
3 4
Figura 7. Micrografias ilustrando a estrutura de cloroplasto e a transição para cromoplasto. O cloroplasto,
a esquerda apresenta (1) membranas dos tilacoides bem formadas e íntegras e (2) quantidade moderada e
tamanho reduzido de plastoglóbulos, enquanto os cromoplastos, à direita possuem (3) as membranas
desestruturadas e (4) plastoglóbulos maiores e em maior densidade.

Formação de cromoplastos e síntese de carotenoides


Um dos eventos que possui a regulação bem estudada durante o amadurecimento de frutos
climatéricos é a transição entre cloroplastos a cromoplastos. Os cloroplastos possuem maquinaria
fotossintética organizada com alto teor de clorofilas e membranas dos tilacoides íntegras (Figura 7).
Durante a maturação do fruto, as membranas sofrem a desintegração, assim como existe um decréscimo
nos níveis de clorofila concomitantemente com o aumento dos teores de carotenoides. As diversas
alterações que ocorrem na transição de cloroplastos para cromoplastos desencadeiam mudanças na
estrutura e no tamanho das organelas (Figura 7).
Durante o estágio de transição os plastídios acumulam quantidades elevadas de carotenoides. Em
tomate, por exemplo, existe o acúmulo inicial de β-caroteno, ao passo que a quantidade relativa de
clorofilas decresce e a desintegração das membranas dos tilacoides ocorre, concomitantemente os
plastoglóbulos são formados (Figura 7), que podem ser constituídos de diversos compostos lipídicos e,
em sua maior parte, de carotenoides. Durante o ripening o fruto é composto por cromoplastos, onde
ocorre a diferenciação de todos os cloroplastos formados anteriormente.
Um dos maiores eventos que marca a transição de cloroplastos para cromoplastos é a síntese de
novos carotenoides, que dará a coloração características de frutos, como por exemplo os frutos de
tomateiro, variando do amarelo ao vermelho. Existe alteração entre os carotenoides durante o
amadurecimento de frutos: nos estágios imaturos existem maiores teores de luteína, e durante o
amadurecimento esses carotenoides cedem lugar ao β-caroteno ou licopeno.
A síntese de carotenoides é um evento controlado por fatores ambientais, como a presença e
intensidade luminosa, assim como por fatores endógenos, tendo o etileno como o principal hormônio
influenciando em sua formação.
A rota de formação de carotenoides tem vias em comum com a formação de diterpenos até a
formação de geranilgeranil difosfato. Após a junção de duas moléculas de geranilgeranil difosfato, a
enzima FITOENO SINTASE, que faz uma dehidrogenação deste substrato, origina o fitoeno. Uma vez
formado o Licopeno, são possíveis dois caminhos de conversão diferentes.
O primeiro caminho é através de uma αciclização em suas duas extremidades, realizado por uma
CICLASE, o licopeno é transformado em α-caroteno, carotenoide de pouca representabilidade em frutos,
após esse passo ele servirá de substrato para HIDROXILASES, onde será convertido em luteínas. As
luteínas estão presentes em maior quantidade no desenvolvimento inicial dos frutos, tendo pouca
representatividade durante a maturação e o ripening.
181
O segundo caminho, onde o licopeno sofre βciclização, origina o β-caroteno. O β-caroteno, após
ser hidroxilado, é convertido à violaxantina, pertencente à classe das xantofilas. As xantofilas são
relacionadas, sobretudo, à proteção fotoquímica do aparato fotossintético em tecidos vegetativos, porém
durante o amadurecimento de frutos servem como compostos iniciais para a formação de ABA e de
apocarotenoides.

Ripening
Ao fim de todas as maiores alterações metabólicas, os frutos permanecem em constante
manutenção de açúcares e carotenoides até o fim do ripening, onde entra em estágio de degradação não
programada, culminando nos eventos relacionados à sua podridão. Após as diversas alterações no
desenvolvimento e posteriormente no amadurecimento, os níveis de todos os hormônios: citocininas,
auxinas, etileno, ABA, giberelina e brassinoesteroides, chegam a concentrações mínimas, não detendo
qualquer influência fisiológica aparente nos estágios finais de amadurecimento.

Considerações finais
Apesar de muito dos estudos da fisiologia do fruto terem avançado bastante nas últimas décadas,
existem muitos aspectos que ainda não foram bem elucidados. As respostas desencadeadas pelas classes
hormonais: auxinas, citocininas, giberelinas, brassinoesteroides, ácido abscísico e etileno são relevantes
durante todos os processos da formação, porém, apesar de alguns processos já bem estabelecidos, o
cenário que nos encontrávamos há pouco tempo era como causa-efeito: aplicação de determinado
hormônio e consequência fisiológica. Apenas nos últimos anos esforços têm sido feitos para compreender
em detalhes as vias de sinalização e a interação entre cada hormônio e processo fisiológico que é
estimulado por ele, assim como as interações entre cada uma das classes hormonais e destas com fatores
ambientais, como luz e temperatura, que apesar de não relatados nesse capítulo, possuem influência
singular em todos os estágios de desenvolvimento. Muitos aspectos ainda não foram descobertos, porém,
hoje, ao menos para frutos carnosos climatéricos, já é possível ter uma visão geral de toda a maquinaria
que influencia eventos chave, como a biogênese plastidial, divisão e crescimento celular, capacidade de
drenagem, acúmulo de carotenoides, amolecimento e síntese de compostos voláteis.

Referências
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183
CAPÍTULO 20

Embriogênese vegetal: aspectos gerais e aplicações


biotecnológicas
Bruno Viana Navarro
Leandro Francisco de Oliveira

Introdução
A biotecnologia vegetal desempenha um importante papel na sociedade e os ganhos que se
podem atingir pelas diversas técnicas presentes na atualidade tem reflexo sobre a agricultura, a indústria
alimentar, a indústria de bioenergia, os consumidores e ao meio ambiente.
Como exemplos das numerosas aplicações da biotecnologia vegetal, podem ser destacadas a
produção de plantas a menores custos, espaço e tempo; assim como a produção de alimentos com
qualidades nutricionais melhoradas, ou com melhores qualidades para armazenamento, processamento e
redução no uso de água, pesticidas e agrotóxicos.
Desde seu início até a atualidade, a cultura de células e tecidos vegetais passou por diferentes
descobertas, que envolvem desde a biotecnologia clássica e também a moderna. Neste contexto, técnicas
biotecnológicas utilizando sistemas de embriogênese vegetal têm sido aplicadas para diferentes objetivos,
que vão desde a obtenção de um modelo referência para estudos básicos em fisiologia, bioquímica,
biologia celular e biologia molecular, até a propagação clonal incluindo a conservação de várias espécies.
A seguir serão discutidos aspectos básicos e aplicados relacionados à embriogênese vegetal.

Embriogênese zigótica
Ao longo da evolução, eventos adaptativos culminaram na conquista do ambiente terrestre pelas
plantas. Os eventos mais expressivos foram a retenção do zigoto nas Embriófitas, e consequentemente do
embrião multicelular em desenvolvimento na planta-mãe; e a formação das sementes nas Gimnospermas.
As sementes surgiram no ancestral comum entre as Gimnospermas e Angiospermas e apresentaram uma
grande vantagem evolutiva já que elas conferem proteção e armazenamento de alimento que será
disponibilizado na germinação. Estes eventos refletiram no ciclo de vida das espécies, no qual foi
estabelecido o processo de embriogênese, uma das etapas mais fundamentais e de maior grau de
complexidade.
Plantas e animais apresentam similaridades na natureza de seu material genético e nos
mecanismos pelos quais a informação genética é processada e utilizada. Porém, diferentemente dos
animais, o processo de embriogênese nas plantas é contínuo, iniciando-se após a fecundação,
estabelecendo o plano básico do corpo vegetal e originando meristemas, que geram órgãos adicionais no
indivíduo adulto. Sendo assim, pode-se afirmar que a embriogênese zigótica nas plantas é um processo
altamente complexo, organizado no espaço e no tempo, com papel central no ciclo de vida dos vegetais.
Nas plantas, a embriogênese pode ocorrer de forma natural, através da fusão dos gametas com posterior
formação do zigoto (embriogênese zigótica), ou então pela via assexuada a partir da diferenciação do
tecido materno em embriões (apomixia gametofítica ou esporofítica).
A embriogênese zigótica é dividida em fases muito bem definidas, porém com particularidades
entre Gimnospermas e Angiospermas. Para tanto, iremos explorar os aspectos básicos da evolução
morfológica durante a embriogênese, destacando as fases que ocorrem neste processo para Pinus taeda,
uma Gimnosperma, e para Arabidopsis thaliana, uma Angiosperma (Figura 1).

184
Figura 1. Modelo de comparação das etapas do desenvolvimento do embrião em espécies de
gimnosperma (Pinus taeda) e angiosperma (Arabidopsis thaliana).

Em P. taeda, a embriogênese zigótica pode ser divida em quatro fases:


1) Proembrionia: constitui todos os estádios anteriores ao alongamento do suspensor primário,
da fertilização até o rompimento da arquegônia pelo pró-embrião, passando pelos estádios de núcleos
livres e celularização;
2) Fase embrionária inicial: é constituído por todos os estádios após o alongamento do
suspensor e antes do estabelecimento dos meristemas;
3) Fase embrionária tardia: na qual a protoderme e o procâmbio são diferenciados e os
meristemas apical e radicular são estabelecidos;
4) Fase de maturação: o desenvolvimento do embrião é finalizado com a completa formação
dos cotilédones e pelo acúmulo de substâncias de reserva (proteínas, lipídios e carboidratos).

Para Angiospermas, a embriogênese zigótica pode ser dividida em duas fases principais:
1) Fase morfogenética: etapa em que o eixo embrionário é estabelecido. Para A. thaliana, a fase
morfogenética inicia-se com o estabelecimento do zigoto, passa pela fase pró-embrionária, onde a
polaridade do embrião é estabelecida, até a etapa de formação de 16 células, seguido dos estádios
globular, de transição e finalizando no estádio codiforme.
2) Fase de maturação: nesta etapa ocorrem modificações metabólicas que preparam o embrião
para a dessecação, dormência e/ou para obter os nutrientes necessários para a germinação e crescimento
inicial. Em A. thaliana, a fase de maturação do embrião segue a partir do estádio torpedo até a formação
do embrião maduro, que após a germinação dará origem a plântula. Nesta fase ocorrem mudanças tanto
no metabolismo do embrião, quanto nos tecidos de suporte da semente.
Como pode ser observada, a etapa final da embriogênese é compartilhada entre Gimnospermas e
Angiospermas. Após a finalização dos cotilédones e formação do tecido de reserva, a semente está apta
para germinar. Contudo, dependendo do tipo de semente (ortodoxa ou recalcitrante) podem ocorrer
variações com relação à diminuição da atividade metabólica e aquisição da tolerância à dessecação,
185
mediada ou não pelo ácido abscísico (ABA). As sementes ortodoxas são aquelas que passam pelo
processo de dessecação (teores de água menores que 10%) e entram em dormência após sua completa
formação. Assim, estas sementes podem ser armazenadas por longos períodos. Contrariamente, sementes
caracterizadas como recalcitrantes mantem teores de água suficiente para que seu metabolismo continue
ativo, mesmo após sua completa formação. Como consequência, essas sementes não podem ser mantidas
por longos períodos de armazenamento.
Consideráveis modificações na morfogênese ocorrem após a germinação da semente. No
entanto, a fase embrionária é crucial uma vez que durante esta fase são especificados os meristemas apical
e radicular, assim como o padrão morfogenético. As etapas da embriogênese são altamente organizadas e
ininterruptas, características que, somadas à dificuldade da exploração das etapas iniciais do processo,
dificultam a sua manipulação e o seu estudo. Assim, técnicas biotecnológicas como a embriogênese
somática podem atuar como uma estratégia para o estudo e a exploração da embriogênese zigótica.

Embriogênese somática
A embriogênese somática é um processo análogo à embriogênese zigótica, no qual uma célula
somática ou um grupo de células somáticas dão origem a embriões somáticos, passando pelos estádios
similares à embriogênese zigótica, sendo bipolares, ou seja, apresentam meristemas apicais, do caule e da
raiz (Figura 4).
Este processo é comumente associado à cultura in vitro de tecidos vegetais excisados (explantes)
e inoculados em um meio nutritivo suplementado com reguladores do crescimento vegetal, embora ela
possa ocorrer naturalmente em algumas espécies, como por exemplo, em Paeonia (dentro de óvulos),
Asplenium e Kalanchoe (em folhas). A primeira observação sobre a formação de embriões somáticos in
vitro foi feita em suspensões celulares de Daucus carota em 1958 e, desde então, uma grande quantidade
de espécies vem sendo objeto de estudos para o desenvolvimento de protocolos de embriogênese
somática. Estes protocolos podem ser aplicados em estudos básicos sobre os processos que regulam a
embriogênese, para uso em conjunto com técnicas biotecnológicas ou para produção em larga escala de
espécies com interesses variados (econômicos, programas de melhoramento e conservação).
Para que o processo de embriogênese somática ocorra, é necessário utilizar um explante
apropriado, bem como meio de cultura e condições de cultivos adequados. Os explantes inoculados são
sujeitos a uma desdiferenciação celular sob efeito dos reguladores vegetais, e a uma rediferenciação que,
sob efeitos/condições necessárias, se diferenciam em embriões somáticos. Diferente dos animais, onde a
diferenciação é geralmente irreversível, as células vegetais, mesmo aquelas altamente diferenciadas,
retém a habilidade de regredir a um status meristemático e/ou pouco diferenciadas. A inerente
potencialidade de uma célula vegetal em formar uma planta inteira, é descrita como totipotencialidade.
Como uma ferramenta de estudo da ciência básica, a embriogênese somática é sem dúvida uma
das mais claras demonstrações da totipotencialidade em células de plantas superiores, obtendo estruturas
embrionárias bipolares em sistemas in vitro. Entretanto, o grau de regressão de uma célula pode depender
de seu status citológico e fisiológico, a exemplo das coníferas, as quais a embriogênese somática é
frequentemente obtida a partir de células embriogênicas imaturas, e com menos frequência, a partir de
células adultas.
A obtenção de embriões somáticos pode ser direta ou indireta (Figura 2):
 a direta ocorre quando os embriões somáticos se diferenciam diretamente do explante, sem
passar por uma fase de formação de calos;
 a indireta ocorre quando os embriões somáticos se diferenciam após a indução de calos no
explante. Exemplos de embriogênese direta incluem explantes como micrósporos, óvulos e embriões
zigóticos, além da embriogênese secundária, em que o primeiro embrião somático formado falha em se
desenvolver em uma plântula e dá origem a ciclos sucessivos de produção de embriões.

186
Figura 2. Modelo de desenvolvimento de embriões somáticos de forma direta (diretamente do explante) e
indireta (a partir de um calo embriogênico).

Na embriogênese indireta, os calos formados podem ser embriogênicos ou não-embriogênicos,


os quais podem ser facilmente distinguidos baseados na morfologia e coloração. Calo embriogênico é
composto de massas pró-embriogênicas (MPE), as quais são estruturas celulares que apresentam uma
polarização das células e funções, com células embriogênicas que podem formar o embrião, e células
alongadas que formarão o suspensor do embrião. As MPEs podem ser classificadas em três tipos (Figura
3):
1) MPE I: um agregado celular composto de uma célula suspensor anexada à uma célula embrionária;
2) MPE II: similar ao agregado celular, porém possui mais do que uma célula suspensor;
3) MPE III: um amplo cluster de células embrionária e suspensoras, mais soltas do que compacta, com
uma polaridade pouco visível. MPE III é um importante estádio na embriogênese somática inicial, pois
nessas estruturas começam a ser formados os embriões somáticos iniciais. Além das características
morfológicas, também é possível triar linhagens celulares com diferentes potenciais embriogênicos
através de caracteres bioquímicos e/ou moleculares.

Figura 3. Esquema demonstrando os diferentes tipos de massas pró-embriogênicas (MPE) e a formação


de embrião somático.

187
A formação de embriões somáticos in vitro é, na maioria das vezes, proporcionada pela presença
de uma auxina sintética forte no meio de cultura, sendo o ácido diclorofenoxiacético (2,4-D), em grande
parte dos sistemas experimentais, o que mais favorece a reprogramação gênica das células para que estas
se desdiferenciem, durante o período inicial das culturas. Por outro lado, os embriões somáticos só se
desenvolvem quando na presença de baixos níveis de 2,4-D no meio de cultura.
O processo de embriogênese somática inclui cinco etapas:
1) Indução de culturas embriogênicas: inicia-se pelo cultivo de explantes em um meio de cultura
suplementado ou não com reguladores vegetais do crescimento, principalmente grandes quantidades de
auxinas (2,4-D) e, em algumas vezes, balanceado com citocininas, dentre elas a benziladeninopurina
(BAP). Essa etapa é marcada por uma reprogramação gênica no tecido do explante, o qual passa a
adquirir o potencial embriogênico, mediado por uma cascata de transdução de sinais promovida pelo
efeito dos reguladores de crescimento. Como resultado, uma série de divisões celulares induzem o
crescimento desorganizado ou polarizado do calo, levando a embriogênese somática. Entretanto, apenas
algumas células do explante primário são competentes para a indução de culturas embriogênicas, as quais
são sensíveis à auxina ou que tem o potencial para ativar os genes envolvidos na geração de células
embriogênicas;
2) Proliferação das culturas embriogênicas: ocorre em meio de cultura semi-sólido (calos) para seu
aumento, ou em meio líquido (suspensões celulares) para multiplicação em grande escala, suplementado
com auxinas em baixas concentrações, às vezes nas mesmas condições que na etapa de indução. Essa
etapa compreende a proliferação das células embriogênicas formadas na etapa anterior. Embora a auxina
seja necessária para a proliferação, ela também inibe o desenvolvimento dos embriões somáticos. Para
que as células continuem em um grau de proliferação celular, sem que ocorra o desenvolvimento dos
embriões, é necessária a transferência dessas células para um meio novo, devido à depleção nos níveis de
auxina. O tempo de cada cultivo, o grau de diferenciação do embrião na presença de auxina e as
concentrações dos reguladores variam em diferentes espécies;
3) Pré-maturação dos embriões somáticos: ocorre em meio de cultura ausente de reguladores vegetais.
Isso fará com que a proliferação seja inibida e ocorra um estímulo para a formação dos embriões e o
desenvolvimento inicial destes. Essa transição das MPEs para embriões somáticos deve ser bem
compreendida, podendo ser um fator limitante para o sucesso da embriogênese somática. Por vezes,
linhagens celulares podem apresentar genótipo-dependência e uma incapacidade de se desenvolverem em
embriões somáticos, limitando-se apenas à proliferação celular. Além disso, as auxinas sintéticas, tais
como 2,4-D, que são promotores da proliferação de culturas embriogênicas, geralmente não são
metabolizadas pelas células da mesma forma como auxinas naturais. Assim, para estimular um maior
crescimento dos embriões somáticos é necessário transferir as culturas embriogênicas para um meio sem
auxina por um determinado período, com a posterior transferência para a etapa de maturação dos
embriões. Essa transição também auxilia na sincronização do desenvolvimento dos embriões somáticos;
4) Maturação dos embriões somáticos: promovida pelo cultivo em meio suplementado com ABA e
outros agentes promotores que reduzem o potencial osmótico do meio, tais como maltose,
polietilenoglicol (PEG) ou o próprio agente geleificante do meio. Esta etapa é marcada por grandes
alterações morfológicas e bioquímicas nos embriões somáticos. Os cotilédones se expandem
concomitante com a deposição de compostos de armazenamento, com a repressão de germinação e
aquisição de tolerância à dessecação;
5) Regeneração das plantas: ocorre em meio ausente de reguladores do crescimento. Compreende a
germinação dos embriões somáticos maduros. Embora seja a última etapa do processo, ela depende das
condições previstas nas fases anteriores. Apenas os embriões maduros que apresentem uma morfologia
normal, acúmulo de compostos de reserva suficiente e tenham adquirido tolerância à dessecação no final
da etapa de maturação, se desenvolvem em plantas normais.

188
Figura 4. Esquema demonstrando os diferentes estádios de desenvolvimento da embriogênese somática.

Embora grandes progressos têm sido realizados no desenvolvimento de protocolos de


embriogênese somática, para muitas espécies ainda há dificuldades em obter sucesso em cada etapa,
resultando na ausência de embriões somáticos completos, ou quando estes se formam apresentam
anomalias. Assim, estudos têm sido direcionados para o entendimento dos processos que regulam os
processos de embriogênese nos aspectos bioquímicos, moleculares e fisiológicos, os quais fornecem um
conhecimento aplicável na embriogênese somática, devido à analogia entre os dois sistemas.

Aspectos moleculares que controlam a embriogênese


Durante a embriogênese, o zigoto é submetido a uma série de mudanças morfológicas celulares
que estabelecem o padrão morfogenético da planta e os tecidos meristemáticos necessários para o
desenvolvimento pós-embrionário. Um grande número de genes é expresso de forma coordenada para
assegurar que o zigoto unicelular se desenvolva em uma organizada estrutura multicelular. Além de sua
importância fisiológica, a embriogênese zigótica é considerada como modelo para estudos de
desenvolvimento e diferenciação, onde podem ser identificados controles estritos na expressão de
centenas de genes que desencadeiam processos de transcrição, biossíntese e transporte de hormônios
vegetais ao longo do eixo embrionário. Estudos relacionados com o estabelecimento dos meristemas
apical e basal em Gimnospermas e Angiospermas demonstram uma grande similaridade nas sequências
gênicas sugerindo que, apesar das diferenças morfológicas, citológicas e temporais observadas durante o
desenvolvimento embrionário em ambos os grupos, os principais genes relacionados à embriogênese
foram conservados ao longo do processo de evolução.
Embora o zigoto recém-formado contenha informação genética tanto materna quanto paterna, a
atuação da maioria dos genes nos estádios de desenvolvimento da embriogênese inicial e na formação do
endosperma da semente pode depender unicamente da transcrição a partir dos alelos herdados
maternalmente, uma vez que o genoma paterno é inicialmente silenciado.
Durante a embriogênese, a expressão de conjunto de genes ligados à formação do embrião é
controlada por sinais de regulação específicos. A maioria destes sinais é assegurada por genes
homeóticos, que atuam na ativação ou inibição de outros genes que codificam para proteínas de
regulação, desencadeando um efeito cascata. Estes genes homeóticos possuem uma região denominada
homeobox, na qual está inserida a informação para a codificação da alça da proteína que irá se ligar ao
DNA, característico dos fatores de transcrição. O envolvimento de genes homeóticos na embriogênese foi
189
demonstrado pela primeira vez em mutantes stm de Arabidopsis. STM codifica um KNOTTED1 (KN1) -
proteína do tipo homeodomain que é expressa na região do meristema apical caulinar durante a
embriogênese. Outro exemplo é o gene ATML1, pertencente ao grupo homeodomain-leucine zipper
(HDZip), que são fatores de transcrição expressos especificamente na célula apical após a primeira
divisão do zigoto. Mais tarde, na fase globular, a expressão de ATML1 se restringe a protoderme.
A caracterização da expressão destes genes durante o desenvolvimento do embrião até sua
maturação e da germinação levou à identificação de classes distintas de genes associados ao
desenvolvimento embrionário em Angiospermas, os quais podem ser divididos em cinco classes:
 Classe 1: genes expressos constitutivamente, cujo os produtos estão presentes em todas as
fases e tem funções necessárias durante o crescimento normal da planta. Estes genes atuam na
manutenção da polaridade do embrião;
 Classe 2: genes específicos do embrião, cuja expressão é restrita ao embrião propriamente dito,
e cessa antes da germinação;
 Classe 3: genes altamente expressos durante o início embriogênese até a fase cotiledonar;
 Classe 4: genes que codificam proteínas de sementes, expressos durante a expansão de
cotilédones e na maturação da semente. São codificados por famílias multigênicas, representando até 50%
do mRNA na fase de maturação.
 Classe 5: genes expressos abundantemente na fase tardia do desenvolvimento embrionário até
a maturação da semente, sendo ativados por ABA ou estresse osmótico. Destacam-se os genes
codificantes de proteínas do tipo LEA (Late Embryogenesis abundant), importantes para proteger as
membranas celulares nos processos de dessecação e dormência da semente.
Para a embriogênese somática, a identificação e caracterização da expressão de genes e proteínas
diretamente envolvidas com o desenvolvimento embrionário são altamente desejáveis, haja vista que
perturbações na expressão destes genes e proteínas podem ser utilizadas como marcadores da
competência celular durante o desenvolvimento embrionário. Adicionalmente, a expressão de genes
relacionados ao desenvolvimento embrionário pode ser utilizada para discriminação dos tecidos
recalcitrantes daqueles potencialmente embriogênicos.
A transição das células somáticas para o estado embrionário envolve um processo complexo, que
inclui a desdiferenciação, reativação celular, divisão e reprogramação do metabolismo e
desenvolvimento. Um dos primeiros genes descritos como envolvido na expressão da competência celular
foi o SOMATIC EMBRYOGENESIS RECEPTOR KINASE (SERK), em culturas de D. carota. Este gene
codifica uma proteína transmembrânica com repetições de leucina, que pertence a uma grande família de
quinases receptoras em plantas. Células de cenoura, competentes para a diferenciação de embriões
somáticos expressaram o gene repórter luciferase sobre controle de elementos regulatórios de DcSERK,
demonstrando que este gene é um marcador de células competentes a diferenciação nestes embriões.
Outra classe de genes muito explorados na embriogênese somática são aqueles envolvidos na
sinalização por ABA, o qual regula direta ou indiretamente a expressão de genes durante a embriogênese.
A família de genes “ABA INSENSITIVE” (ABI) foi relacionada com a tradução do sinal do ABA durante o
desenvolvimento da semente de A. thaliana. Os fatores de transcrição ABI3, ABI4 e ABI5 regulam as
respostas ao ABA durante a embriogênese tardia de nesta mesma espécie. Uma alta expressão do gene
VIVIPAROUS1 (VP1), um homólogo do gene ABI3, foi relacionado com o desenvolvimento adequado do
embrião somático de Picea abies. Da mesma forma, os genes ABI1 e ABI2 codificam para uma fosfatase
do tipo 2C (PP2C) desempenhando um papel crítico na regulação negativa da transdução do sinal
mediado por ABA.
Todos estes exemplos demonstram a estreita relação entre a regulação gênica e os processos
fisiológicos da planta, demonstrando que a investigação destes estudos constitui um fator importante para
a compreensão dos aspectos moleculares que regulam a embriogênese, os quais posteriormente podem ser
aplicados na otimização de protocolos de embriogênese somática e biotecnologia de sementes.

190
Aplicações biotecnológicas da embriogênese somática
As ferramentas biotecnológicas, de maneira geral, compreendem a manipulação de
microorganismos, plantas e animais, objetivando a obtenção de processos e produtos de interesse. Sendo
assim, a biotecnologia está associada ao emprego das técnicas modernas de biologia molecular e celular,
envolvendo os conhecimentos de fisiologia, bioquímica e genética.
A cultura de tecidos vegetais é a ciência do crescimento de células vegetais, tecidos ou órgãos
isolados da planta mãe, em meio artificial. Ela inclui técnicas e métodos usados para pesquisa em muitas
disciplinas botânicas e tem vários objetivos práticos. A cultura de tecidos oferece não somente uma
excelente oportunidade para estudar os fatores que induzem a totipotencialidade das células, mas também
permite a investigação de fatores que controlam a diferenciação celular.
Neste aspecto, a embriogênese somática é associada com uma variedade de aplicações, tais como
a obtenção de modelos para estudos em bioquímica e fisiologia básica, aspectos moleculares, propagação
em larga escala e transformação genética, criopreservação de embriões somáticos integrada com
programas de melhoramento, estabelecimento de banco de genes in vitro, conservação de germoplasma
de espécies ameaçadas e propagação clonal em massa de genótipos com alto valor comercial. Algumas
destas aplicações são discutidas a seguir:
1) Estudos básicos da embriogênese: a embriogênese somática se apresenta como uma importante
ferramenta em estudos básicos a respeito dos eventos moleculares e bioquímicos que envolvem o
processo de embriogênese vegetal que, em muitos casos, se torna difícil de explorar em embriões
zigóticos. Devido a sua analogia aos embriões zigóticos, através da embriogênese somática é possível
determinar genes que são regulados durante a formação dos embriões, descrever perfis bioquímicos que
envolvem a embriogênese (como conteúdo de aminoácidos, poliaminas, ácido abscísico, ácido
indolacético, carboidratos, entre outros perfis) e mudanças morfogenéticas que marcam a transição de
cada estágio de desenvolvimento.
2) Propagação clonal em larga escala: a embriogênese somática vem sendo aprimorada nas últimas
décadas com o intuito de propiciar uma rápida multiplicação de inúmeras espécies, passando a ser
utilizada não somente como uma técnica de pesquisa, mas com o interesse industrial, devido a sua
aplicação prática em processos de larga escala, além da possibilidade de ampliar a produção via
biorreatores. O uso da embriogênese somática tem forte apelo para espécies arbóreas que demoram a
atingir a maturidade e possuem ciclo longo de produção da semente, ou ainda apresentem alguma
dificuldade de propagação vegetativa por métodos tradicionais. Como exemplo, podemos citar o uso de
embriões somáticos na propagação de espécies do gênero Eucalyptus, em especial às espécies ou clones
de difícil enraizamento. Entre outras espécies lenhosas, a embriogênese somática também é aplicada na
produção de mudas de espécies de Pinus, acácia, Populus, etc. Além das espécies arbóreas, a
embriogênese somática pode ser aplicada intensamente na produção de espécies ornamentais, como
orquídeas, tulipa e lírio, ou na produção de espécies com interesse em bioenergia, como a cana-de-açúcar,
ou ainda de interesse alimentício, como arroz, cenoura, mandioca, entre outras.
3) Conservação de espécies nativas e ameaçadas: espécies nativas e ameaçadas podem apresentar
dificuldades no armazenamento de sementes e na produção de plantas por métodos convencionais, seja
com propagação vegetativa (ex.: estaquia) ou sexuada (sementes). Como exemplos, podemos citar
espécies que apresentam sementes com aspecto recalcitrante, como a Canela-sassafrás (Ocotea
catharinensis), a imbuia (Ocotea porosa) e o Pinheiro-do-Paraná (Araucaria angustifolia). Outros
estudos em embriogênese somática com espécies nativas incluem a peroba-rosa (Aspidosperma
polyneuron), goiabinha-serrana (Acca sellowiana), Jequitibá-vermelho (Cariniana legalis) e Peroba-do-
campo (Paratecoma peroba).
4) Criopreservação: Os embriões somáticos ou culturas embriogênicas também podem ser
criopreservados, ou seja, conservados em baixas temperaturas, tornando possível o estabelecimento de
bancos de linhagens celulares e germoplasma de interesse, seja econômico ou para preservação. Este
processo permite uma vantagem em relação à propagação convencional, não sendo necessária a
manutenção de culturas em estádios juvenis. Além disso, não requer repicagens periódicas, reduzindo a
191
possibilidade de variação somaclonal e contaminações, assim como o custo de manutenção das linhagens
embriogênicas. Outra vantagem é a estagnação da capacidade da formação de embriões somáticos, a qual
normalmente é perdida ao longo dos ciclos de repicagem das culturas.
5) Transformação genética: Outra finalidade da embriogênese somática tem sido seu uso em conjunto
com a transformação genética, hibridização somática e variação somaclonal, além de possibilitar o
emprego de técnicas não convencionais de melhoramento. Métodos convencionais de melhoramento
podem apresentar uma série de fatores que limitam sua aplicação, tais como a redução do pool gênico,
ligação gênica e a incompatibilidade sexual, além de extensivo período para transferência de caracteres
desejáveis para cultivares de interesse. Para superar tais limitações, o melhoramento de plantas é
conduzido em conjunto com as técnicas de engenharia genética e metabólica, combinando técnicas de
biologia molecular, cultura de tecidos e transferência de genes. Por meio do fenômeno da totipotência, é
possível que plantas transgênicas sejam obtidas de células originalmente transformadas com o DNA
exógeno, possibilitando a formação de um organismo completo, transmitindo o gene integrado à progênie
de forma mendeliana. Para tanto, a regeneração e obtenção de plântulas transformadas só é realizada por
meio da cultura de tecidos, sendo a embriogênese somática uma importante ferramenta para o sucesso da
transformação genética.
6) Sementes sintéticas: A produção de sementes sintéticas é possível graças à embriogênese somática.
As sementes sintéticas ou artificiais consistem em embriões somáticos encapsulados artificialmente,
como uma semente verdadeira, podendo ser semeadas e convertidas em plantas, seja in vitro ou ex vitro,
além de reterem esse potencial até mesmo após seu armazenamento. A produção de sementes sintéticas
constitui uma excelente técnica para propagação de híbridos raros, genótipos de elite, plantas
geneticamente modificadas e plantas raras ou ameaçadas de extinção para os quais as sementes são muito
caras ou não estão disponíveis, com isso oferecendo uma alternativa menos custosa. Outras vantagens do
encapsulamento incluem a facilidade de transporte, uniformidade genética de plantas e semeadura direta
ao solo ou em casa de vegetação. Sementes sintéticas também podem ser produzidas ao longo do ano,
enquanto a maioria das espécies arbóreas produz sementes em determinados meses.
Em suma, a exploração da embriogênese vegetal aplicada à biotecnologia permite grandes
avanços, tanto para o desenvolvimento da ciência básica como para a ciência aplicada. No campo da
ciência básica, o alto grau de similaridade entre os processos de embriogênese zigótica e somática,
constitui uma estratégia de estudo fundamental para elucidação dos mecanismos que controlam a
formação do embrião, bem como sua manipulação para geração de embriões aptos às novas condições
ambientais. Da mesma forma, em ciência aplicada, o sistema de embriogênese somática permite um alto
grau de automatização, produzindo embriões somáticos uniformes e com pureza genética a baixos custos
por unidade produzida, através da utilização de biorreatores.

Referências
George EF; Hall MA; De Klerk G-J. (2008). Plant propagation by tissue culture. Springer 3rd Edition Vol
1.
Guerra MP; Nodari RO. (2006). Apostila de Biotecnologia 1 – Cultura de Tecidos Vegetais. Centro de
Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina.
Raven PH; Evert RF; Eichhorn SE. (2014). Biologia Vegetal, 8ª Edição, Guanabara Koogan.
Steiner N; Santa-Catarina C; Andrade JBR; Balbuena TS; Guerra MP; Handro W; Floh EIS; Silveira V.
2008. Araucaria angustifolia Biotechnology. Functional Plant Science and Biotechnology 2:20-28.
Taiz L; Zeiger E. (2013). Fisiologia Vegetal, 5ª Edição, Artmed.

192
CAPÍTULO 21

Sinalização entre plantas e bactérias


Carolina Krebs Kleingesinds

Panorama Geral da relação planta x micro-organismo


As plantas, ao longo do seu ciclo de vida, interagem com os mais variados organismos e a
relação com os micro-organismos está quase sempre presente. Inclusive em plantas cultivadas in vitro de
forma “asséptica” e que aparentemente não estão contaminadas, ao se realizar análises de DNA
microbiano nos tecidos dessas plantas, tem sido demonstrado a existência de micro-organismos ali
presentes. Esses micro-organismos devem exibir uma relação muito específica com a planta e depender
para sua sobrevivência de compostos presentes em seu hospedeiro, pois, nesse caso específico, existe
grande dificuldade em isolá-los e cultivá-los em meios de cultura.
No meio ambiente, os micro-organismos podem chegar até a planta de diversas formas, por
intermédio do vento, chuva, de animais e, no caso das plantas terrícolas, o solo costuma ser a principal
origem dos micro-organismos que são atraídos pelos exsudatos das raízes (Figura 1). A região do solo
onde as raízes exercem influência com seus exsudatos é denominada por rizosfera. Nessa região há um
maior número de micro-organismos em relação às demais regiões do solo. Muitos micro-organismos
conseguem se locomover em direção às raízes com o uso de flagelos, por exemplo. Ao chegar a rizosfera,
os micro-organismos se deparam com uma série de substâncias, inclusive com compostos
antimicrobianos. Não são todos os micro-organismos que conseguem se estabelecer nessa região. Existe
uma troca de sinais entre planta e micro-organismo. Além de sinais químicos, existe também um contato
mecânico entre os dois grupos que também é importante para o reconhecimento entre os diferentes
organismos. Um micro-organismo que pode ser benéfico para uma planta, pode ser neutro para outra e até
mesmo patogênico para uma terceira. Por exemplo, o Herbaspirillum rubrisubalbicans promove o
crescimento do milho, porém, causa sinais de patogenicidade em certas variedades de cana-de-açúcar e
sorgo. Já uma outra espécie do mesmo gênero, o Herbaspirillum seropedicae promove o crescimento da
cana-de-açúcar.
Existem micro-organismos que além de colonizar a rizosfera, entram nas raízes e conseguem se
adaptar muito bem ao ambiente interno da planta, inclusive conseguem se espalhar pela planta toda, não
ultrapassando um número de indivíduos que poderia ser prejudicial ao hospedeiro. Em geral esses micro-
organismos estão presentes no vegetal em menor quantidade em relação aos de rizosfera e muitas vezes
só conseguem completar seu ciclo de vida se estiverem no interior da planta. Esses micro-organismos são
os endofíticos e muitos autores consideram como endofíticos apenas aqueles que vivem no interior da
planta sem causar danos visíveis ao seu hospedeiro, trazendo em geral benefícios à planta. No interior da
planta os micro-organismos estão mais protegidos e conseguem receber mais facilmente foto-assimilados,
ao mesmo tempo, liberam compostos como fitormônios, antibióticos e muitos outros, promovendo
crescimento dos vegetais e sendo importantes como agentes de biocontrole. Os micro-organismos de
rizosfera, apesar de não estarem no interior da planta, proporcionam outras vantagens que os endofíticos
acabam não proporcionando, como liberar sideróforos para a captura de ferro e auxiliar a solubilização de
fosfato do solo.
Não é uma tarefa fácil para a maioria dos micro-organismos ter sucesso na colonização de uma
planta, tanto para aqueles que seriam benéficos quanto para os possíveis patogênicos. Os vegetais exibem
barreiras físicas como a presença de cera, cutícula, paredes celulares espessas e fechamento de estômatos.
Além disso, como já citado, existem compostos antimicrobianos tanto produzidos pelos vegetais como
por outros micro-organismos. Os vegetais, ao reconhecerem as moléculas elicitoras de um micro-
organismo, disparam um mecanismo de defesa induzido pela presença dessas moléculas. As plantas

193
possuem receptores para algumas das moléculas de alguns micro-organismos, mas não para as de todos.
Essa relação de reconhecimento dos elicitores varia entre as diferentes espécies vegetais. Considerando
esses mecanismos de defesa, se por um lado as plantas atraem os micro-organismos, por outro lado, existe
uma série de dificuldades para que uma relação entre planta e micro-organismo seja estabelecida, tanto
benéfica quanto patogênica, portanto, existe uma série de trocas de sinais entre planta e micro-organismos
até que uma relação benéfica ou patogênica seja estabelecida. Como a planta sabe que um micro-
organismo é benéfico ou patogênico? E ao perceber que um micro-organismo é benéfico ou patogênico,
quais são as vias disparadas até que a planta permita ou impeça a colonização? Isso tem sido tema de
muitos estudos. A primeira questão é respondida justamente com o que vem sido descrito até aqui e o que
dá o título ao capítulo: a troca de sinais entre planta e micro-organismo, tema esse que está sendo
estudado e ainda faltam muitas lacunas a serem preenchidas considerando a dificuldade de cada interação
em particular (cada relação entre uma espécie de planta com uma espécie de micro-organismo) poder
produzir sinais diferentes. Assim, os autores procuram aprofundar seus estudos em uma relação, entre
uma espécie de micro-organismo e um hospedeiro. Também já foi possível fazer uma análise de genes de
interação presentes em toda uma comunidade microbiana de uma rizosfera de arroz. Esse trabalho é
bastante recente e ainda muitos estão por vir. A segunda questão vem sendo estudada há algum tempo e
tem sido descrito que a sinalização para incrementar os mecanismos de defesa na planta é diferente
quando a planta se depara com um micro-organismo benéfico a ela de quando ela se depara com um
micro-organismo patogênico. Em geral, os micro-organismos benéficos disparam vias mediadas por ácido
jasmônico e etileno enquanto os micro-organismos patogênicos disparam respostas mediadas pelo ácido
salicílico. Os micro-organismos benéficos sensibilizam positivamente as defesas da planta sem que seja
custoso para o vegetal, diferente do que ocorre com micro-organismos patogênicos que essa resposta de
defesa pode se tornar custosa para a planta, como no caso de uma resposta de hipersensibilidade (morte
das células vegetais para conter a invasão).
A seguir procurou-se dar ênfase nos estudos de sinalização entre bactérias promotoras de
crescimento e plantas. Como já é bastante descrito, inclusive em livros didáticos de fisiologia vegetal a
relação com bactérias noduladoras em leguminosas, seguem alguns dos compostos importantes nas
relações com outras bactérias promotoras de crescimento que vivem sobre o tecido vegetal ou em seu
interior (sem formar nódulos e que estão presentes nas mais diversas espécies vegetais). Segue uma
descrição mais aprofundada dos estudos com compostos voláteis, ácido indol-3-acético (AIA) e
moléculas de N-acyl-L homoserine Lactones (AHLs).

Figura 1. Interação entre planta e micro-organismos por meio da raiz que, em geral, é a principal região
da planta onde ocorre interação com os micro-organismos. Quanto mais próximo à região da rizosfera
(região do solo onde a raiz exerce influência com seus exsudatos), maior o número de micro-organismos.
Os triângulos vermelhos representam os micro-organismos patogênicos, os retângulos laranjas
representam os neutros, os bastões azuis com linhas representam os de rizosfera e as circunferências em
preto representam os endofíticos.

194
Compostos orgânicos voláteis (vide capítulo 8 e 19)
Compostos orgânicos voláteis são definidos como compostos que contém alta pressão de vapor
sob condições de temperatura ambiente para significativamente vaporizar e entrar na atmosfera. Esses
compostos são liberados em baixas concentrações pelas plantas para uma comunicação entre plantas
vizinhas. Exemplos dos compostos são o etileno, metil-jasmonato e metil-salicilato. Justamente pela
propriedade de volatilização, acredita-se que as raízes emitam esses compostos e que outras plantas e
outros organismos possam percebê-los rapidamente e por isso eles podem ser utilizados como
mecanismos de comunicação eficientes.
Mais recentemente tem sido tema de estudo o fato de muitas bactérias também produzirem e
secretarem compostos voláteis para interações positivas entre plantas e bactérias. Tem sido sugerido que
esses compostos além de serem importantes para comunicação, também têm papel na defesa e promoção
de crescimento da planta.
Muitos desses compostos voláteis têm propriedades antifúngicas e isso é um importante fator que
explica diversas rizobactérias apresentarem função de biocontrole. Além disso, tem sido sugerido que
compostos orgânicos voláteis emitidos pelas bactérias podem induzir resistência sistêmica (aumento de
resistência em todos os tecidos) na planta e, como citado anteriormente, os compostos voláteis liberados
pelas bactérias também podem influenciar o desenvolvimento, como por exemplo, desencadeando vias de
sinalização hormonal, envolvendo citocininas, brassinosteroides, auxinas, giberelinas e ácido salicílico. A
seguir são descritas algumas dessas pesquisas.
Foi feito um conjunto de experimentos para averiguar o efeito dos compostos voláteis emitidos
por bactérias no crescimento das plantas. Para tanto, plântulas de Arabidopsis thaliana foram expostas a
compostos voláteis emitidos por Bacillus subtilis e foi encontrado aproximadamente 600 genes expressos
diferencialmente relacionados à modificação da parede celular, ao metabolismo primário e secundário, a
respostas ao estresse e à modulação de auxina. Esses dados, publicados em 2007, foram os primeiros a
indicar que os compostos orgânicos voláteis podem modular os níveis de auxina e expansão celular e,
sendo assim, poderiam ter influência na morfogênese da planta. O B. subtilis da linhagem utilizada
produzia compostos orgânicos voláteis como álcoois de cadeia curta, aldeídos, ácidos, ésteres, cetonas,
hidrocarbonetos e compostos contendo enxofre. Foi verificado que os compostos voláteis emitidos por
essa mesma linhagem bacteriana aumentaram a capacidade fotossintética (aumentaram a eficiência
fotossintética e o conteúdo de clorofila) de A. thaliana por meio de uma modulação da sinalização de
açúcar/ABA e ainda proporcionaram à planta um aumento na tolerância ao estresse salino. Para essa
última constatação, as plantas de A. thaliana foram submetidas a uma condição de 100 mM de NaCl e foi
observado que os compostos orgânicos voláteis emitidos por B. subtilis diminuíram a expressão de HKT1
(High affininity K+ transporter1) nas raízes, mas aumentaram sua expressão na parte aérea, resultando em
um menor acúmulo de Na+ na planta.
Como citado anteriormente, os compostos voláteis podem ser utilizados para comunicação entre
as plantas e também entre plantas e bactérias. Bactérias também produzem compostos voláteis que além
de serem utilizados para comunicação com a planta, podem promover benefícios como auxílio para
defesa contra patógenos e promoção de crescimento, alterando o desenvolvimento da planta como, por
exemplo, modulando os níveis de auxina. O ácido indol-3-acético (AIA) tem sido bastante estudado nessa
relação entre bactérias e plantas e é o assunto do próximo tópico.

Ácido Indol-3-acético (AIA) (vide capítulo 19)


O ácido indol-3-acético (AIA), fitormônio importante no controle do desenvolvimento de
plantas, também é produzido por bactérias de diferentes grupos e habitantes de diferentes ambientes, por
exemplo: bactérias de solo, marinhas, epifíticas, endofíticas, cianobactérias e metilotróficas (bactéria
capaz de utilizar como fonte de carbono compostos que não têm ligações carbono – carbono).
Essas bactérias produtoras de AIA podem ser tanto benéficas quanto fitopatogênicas, pois,
dependendo da concentração de AIA na planta, pode haver um efeito benéfico ou inibitório para o
desenvolvimento da raiz. Em uma concentração ideal, a auxina bacteriana induz a formação de pêlos
195
radiculares, aumenta o número e comprimento de raízes laterais e primárias. Isso é vantajoso para planta
que tem como se fixar ao substrato melhor, além de aumentar a captação de água e nutrientes. Porém, em
concentrações muito superiores a ideal, é possível que a auxina bacteriana iniba o crescimento de raízes
primárias.
A sinalização de AIA também é importante para a resistência da planta a patógenos. Moléculas
do patógeno induzem microRNAs (miRNAs – pequenas moléculas de RNA não codificante que podem
silenciar RNA e regular a expressão gênica pós transcricional) da planta que tem por alvo o RNA
mensageiro do receptor de auxina como o TIR1 (Transport Inhibitor Response1). Sendo assim, há uma
diminuição dos transcritos do TIR1 o que resulta numa diminuição dos genes induzidos por auxina e
consequentemente genes de defesa da planta são ativados, como os genes de resposta hipersensível
(Figura 2).
Além de estudos com sinalização entre plantas e patógenos, tem se dado grande relevância para
pesquisas com AIA como sinalizador entre plantas e bactérias promotoras de crescimento. Os estudos
mostram que muitos isolados de solo e de plantas são capazes de produzir e liberar em meio de cultura
AIA. Também é conhecido que em experimentos de inoculação, os níveis de auxina nas plantas são
modificados. O que ainda é difícil de saber é o quanto há de produção de AIA pela bactéria no interior da
planta, e o quanto de AIA foi produzido pela própria planta em virtude da presença bacteriana. Além
disso, existem algumas bactérias que também são capazes de degradar ativamente o AIA e foi
demonstrado que essa característica também pode beneficiar à planta. Ao se aplicar AIA exogenamente à
Arabidopsis thaliana, apenas a linhagem selvagem da bactéria Burkholderia phytofirmans que degrada
AIA promoveu crescimento à planta, o mutante para o gene de degradação não promoveu crescimento.
A produção de AIA pela bactéria varia entre diferentes linhagens de uma mesma espécie, varia
com a fase de crescimento, com fatores como pH e temperatura e tem grande influência dos componentes
presentes no meio de cultura da bactéria. Em geral, a produção de AIA está associada com a entrada do
cultivo bacteriano na fase estacionária, tem uma temperatura ótima de produção que pode ser diferente da
temperatura ótima de crescimento, a presença de vitaminas, sais, fonte de carbono, fonte de nitrogênio e o
triptofano no meio influenciam nessa produção. O triptofano é bastante relevante considerando que é o
precursor do AIA, apesar da existência de uma via de produção menos utilizada que é independente do
triptofano. Além do triptofano e dos outros fatores mencionados, certos extratos de plantas ou substâncias
específicas presentes na rizosfera ou nas superfícies das plantas também tem influência na produção de
AIA bacteriano.
O fato de muitas bactérias produzirem AIA tem sido bastante questionado. Por que bactérias
produziriam um fitormônio? Qual a função do AIA para as bactérias? A explicação mais encontrada é
para a comunicação com as plantas, porém estudos mais recentes têm mostrado que existem outras
funções do AIA para as células bacterianas. As bactérias que vivem próximas ou em relação mais íntima
com os vegetais encontram nesse meio AIA vindo das plantas, então ter a capacidade de produzir AIA dá
a bactéria uma vantagem seletiva para aquele meio. Inclusive tem se verificado que o AIA confere para as
bactérias maior capacidade de resistência a UV, salinidade e acidez. Essas constatações vêm de
experimentos como o descrito a seguir: plantas de Medicago truncantula foram inoculadas com uma
linhagem de Sinorhizobium meliloti selvagem ou com o mutante superprodutor de AIA. Parte das plantas
também receberam AIA exógeno. A seguir foram simuladas condições que provocam estresse nas plantas
como acidez, choque osmótico, irradiação de UV e choque térmico. Em todas essas condições que
causam estresse, se verificou um maior número de colônias viáveis nas plantas que foram tratadas com
AIA exógeno e nas plantas que foram inoculadas com bactérias superprodutoras de AIA. Observou-se
que em condições consideradas normais a bactéria selvagem é mais competitiva do que a superprodutora
de AIA, mas que em condições desfavoráveis, a bactéria superprodutora de AIA é de fato mais
competitiva. Esses experimentos foram realizados com uma bactéria fixadora de nitrogênio formadora de
nódulo, falta ainda a realização de experimentos como esse para outras bactérias, como as de rizosfera. O
AIA também tem sido descrito como molécula de sinalização para a própria bactéria, controlando a

196
expressão de diferentes genes bacterianos como genes de virulência, resposta ao estresse, metabolismo,
adaptação bacteriana e síntese de aminoácidos.
Procurou-se aqui dar um panorama geral das pesquisas que têm sido realizadas com a relação
entre plantas e bactérias envolvendo AIA. Esse é um tema bastante complexo, o qual vai continuar sendo
bastante explorado principalmente porque é de grande interesse agronômico. Há um número elevado de
pesquisas visando o desenvolvimento de inoculantes com bactérias produtoras de AIA, que estimulem o
desenvolvimento da planta, auxiliem na fertilização e biocontrole, assim, busca-se diminuir o uso de
fertilizantes químicos e herbicidas. Ao mesmo tempo, novos trabalhos têm mostrado que algumas
bactérias também podem degradar AIA e isso também pode ser favorável à planta. Portanto, é de grande
relevância entender melhor a participação do AIA nessa relação planta e bactéria.
O AIA é um exemplo de composto tradicionalmente mais estudado em plantas do que em
bactérias e mais recentemente, tem se estudado a função do AIA para a fisiologia das bactérias. Por outro
lado, existem compostos que são utilizados para comunicação entre bactérias e que também podem ser
reconhecidos pelas plantas e atualmente tem se proposto inclusive que as plantas sintetizariam compostos
que poderiam mimetizar esses compostos de comunicação bacteriana. Esses compostos são discutidos no
próximo tópico.

Figura 2. Sinalização de AIA e defesa contra patógenos. Cinza é uma representação de componentes
bacterianos e Branco de componentes da planta.

Moléculas de N-acyl-L homoserine Lactones (AHLs)


Muitas bactérias conseguem produzir e perceber sinais que as permitem estimar a densidade
populacional de um ambiente para então regular diferentes mecanismos celulares. Essa comunicação
célula a célula é utilizada por elas para diversos processos como formação de biofilme, virulência e
resistência a antibióticos. Esse fenômeno é denominado por quorum-sensing e pode ocorrer em uma única
espécie assim como entre espécies diferentes.
Essas bactérias produzem e secretam certas moléculas sinais, assim como elas tem receptores
que podem especificamente detectar a molécula sinal. A resposta só é desencadeada quando a sinalização
atinge um limite crítico e então a população como um todo pode agir como uma única unidade.
Em bactérias Gram-negativas, os sinais de quorum-sensing mais comumente utilizados são os
denominados N-acyl-L homoserine Lactones (AHLs). Tem sido estudada a importância dessas moléculas
na rizosfera e sabe-se que essas moléculas são livremente difundidas pela membrana bacteriana e se
distribuem pela rizosfera. Inclusive, acredita-se que as plantas possam produzir seus próprios metabólitos
que podem interferir na sinalização de quorum-sensing. Alguns desses sinais podem pertencer aos grupos
197
N-acylethanolamines (NAEs) e alkamide que são estruturalmente similares à AHLs. Foi realizado um
experimento com aplicação exógena de NAEs e Alkamides às plântulas de Arabidopsis thaliana e como
resultado houve alterações na arquitetura da raiz e no desenvolvimento da parte aérea. Isso indica que
essas substâncias possam ter papel nos processos morfogênicos da planta. O que precisa ser entendido
melhor é se essas substâncias de fato interferem na sinalização bacteriana.
Além da ideia de que a planta pode interferir na sinalização de quorum-sensing bacteriana, foi
demonstrado que as plantas também podem perceber a sinalização bacteriana por AHLs. O primeiro
trabalho que comprovou essa ideia foi realizado com plantas de Medicago truncatula que cresceram de
forma axênica. A essas plantas foram aplicados dois tipos diferentes de AHLs e o resultado foi um
acúmulo de mais de 150 proteínas. Essas proteínas estavam relacionadas com mecanismos de defesa da
planta, respostas de estresse, atividades energéticas e metabólicas, regulação transcricional,
processamento proteico, atividades do citoesqueleto e respostas a hormônios. Posteriormente esses
resultados também foram encontrados em Arabidopsis thaliana.
É conhecido que bactérias e plantas podem se comunicar por meio de moléculas utilizadas para
sinalização bacteriana de quorum sensing e tem sido levantada a ideia das plantas mimetizarem esses
sinais interferindo na comunicação bacteriana. É comum a identificação de um composto em um grupo de
seres vivos e em momentos posteriores os resultados de pesquisas relatarem a produção desse composto
ou compostos similares em outras espécies. O óxido nítrico (NO) é mais um exemplo disso e segue
abaixo uma breve descrição a respeito dessa molécula.

Óxido Nítrico (NO)


O NO é uma molécula pequena, gasosa, bioativa que se difunde por membranas plasmáticas e é
produzida por células eucarióticas e procarióticas. Há muitos estudos com o NO como regulador de
processos do metabolismo de animais e apenas a partir de 1998, também passou a ser estudado como
importante para a regulação dos processos celulares das plantas. As descrições iniciais em seres
procarióticos estavam relacionadas com bactérias de diferentes gêneros produzindo NO como um dos
produtos da redução do nitrito ou o seu efeito na proteção contra radiação ultravioleta.
Apesar de se saber que procariotos produziam NO, muito antes inclusive do estudo dessa
molécula em animais, apenas mais recentemente passou a se dar maior atenção à investigação do papel do
NO para esse grupo. Um exemplo é o estudo do NO como regulador da formação de biofilmes
bacterianos, estes são associações bacterianas formando uma comunidade multicelular bastante resistente
à ação de antibióticos. Além disso, nos últimos anos, tem se verificado que o NO também é produzido
pelas bactérias para comunicação com as plantas. Foi demonstrado que a rizobactéria promotora de
crescimento vegetal Azospirillum brasilense produz NO e este participa na sinalização para indução de
raízes laterais e adventícias em tomate. Bactérias patogênicas de plantas também produzem NO e esse
fato tem relevância para a sua virulência e capacidade de sobrevivência nos tecidos das plantas.
Além da produção de NO pelas bactérias ocorrer na interação com as plantas, essas últimas, por
sua vez, também aumentam a quantidade de NO endógeno na presença de bactérias. Está sendo
pesquisada uma relação do aumento de NO com a resposta de morte celular por hipersensibilidade. Tem
sido verificado que ao se inocular plantas de Arabidopsis thaliana com uma linhagem de Pseudomonas
caracterizada como avirulenta (no qual a reação é dita como incompatível porque não ocorre o
desenvolvimento de doença) ocorre um aumento bastante expressivo de NO, verificado a partir de
algumas horas após a inoculação, atingindo os maiores valores por volta de 12 horas após a inoculação.
Esse aumento de NO está relacionado com o início da resposta de hipersensibilidade. Essa análise
também foi realizada com a inoculação de uma linhagem de Pseudomonas caracterizada como virulenta
(no qual a reação é dita como compatível com o desenvolvimento de doença) e foi observado que o
incremento de NO era menor e demorava mais tempo para ser detectado. Sendo assim, há principalmente
um aumento dessa molécula nas reações incompatíveis com a doença e por isso o NO tem sido associado
como importante na defesa das plantas.

198
Considerações finais
Apesar de existirem muitos micro-organismos ao redor dos vegetais, não são todos os que
conseguem estabelecer uma relação com a planta (benéfica ou patogênica). As relações vão depender de
uma troca de sinais entre hospedeiro e micro-organismo sendo que por parte da planta fatores como
espécie, grau de desenvolvimento e estado fisiológico vão influenciar nessa relação, além, evidentemente,
dos compostos liberados em seus exsudatos; por parte do micro-organismo, fatores como o seu ciclo de
vida, estirpe, produção de enzimas e diversos compostos sinalizadores como compostos voláteis,
fitormônios (auxinas, citocininas e outros), compostos relacionados ao quorum-sensing, NO e diversos
outros, são importantes para possibilitar o estabelecimento de uma relação com a planta. Justamente por
existir tantas variáveis para concretização de uma relação entre planta e micro-organismo, existe ainda
muito a ser entendido. Além dessas relações serem específicas para cada par hospedeiro x micro-
organismo e da grande variabilidade de moléculas sinais, há ainda a dificuldade em se medir as moléculas
produzidas pelo hospedeiro e pelo micro-organismo. Como o exemplo descrito nesse capítulo sobre o
AIA, existe grande dificuldade em se saber quanto uma bactéria produz de AIA e quanto a presença da
bactéria estimula a planta a modificar seu balanço hormonal. E agora ainda mais recentemente se viu que
existem bactérias que degradam AIA, o que também pode ser vantajoso para planta. Há algum tempo é
conhecido que bactérias produzem substâncias que eram consideradas importantes para a planta sem se
conhecer bem o papel para a bactéria, assim como plantas perceberiam moléculas utilizadas para
sinalização entre bactérias. Hoje tem se aprofundado esses estudos e visto que os compostos produzidos
pelas bactérias e importantes para as plantas, também têm papel para as bactérias e que plantas poderiam
liberar compostos que mimetizariam compostos de sinalização bacteriana. Todos esses estudos são
importantes para melhor compreensão da relação planta x bactéria e então ser feito um uso mais
apropriado para aplicação na agricultura. Com esses conhecimentos, é possível não somente propiciar as
melhores condições para uso de inoculantes bacterianos promotores de crescimento vegetal como também
entender com maior profundidade muitas relações ecológicas e o processo de evolução dos seres vivos.

Referências
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Bacteria: Production and Effects. In: Cassán FD, Okon Y, Creus CM. Handbook for Azospirillum:
Techincal Issues and Protocols. Springer International Publishing AG Switzerland. 514p.
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hypersensitive response in Arabidopsis thaliana: Where there‟s a will there's a way. Nitric Oxide.
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Sessitsch A, Hardoim P, Döring J, Weilharter A, Krause A, Woyke T, Mitter B, Hauberg-Lotte L,
Friedrich F, Rahalkar M, Hurek T, Sarkar A, Bodrossy L, van Overbeek L, Brar D, van Elsas JD,
Reinhold-Hurek, B. (2012) Functional Characteristics of an Endophyte Community Colonizing Rice
Roots as Revealed by Metagenomic Analysis. MPMI.. 25(1) 28–36.

199
CAPÍTULO 22

Marcadores moleculares na delimitação de espécies:


um enfoque nos retrotransposons
Renata Souza de Oliveira

Introdução
As espécies são as unidades fundamentais de processos ecológicos e evolutivos, sendo a
identificação de seus limites e diversidade essenciais para diferentes áreas da biologia como biogeografia,
ecologia, genética de populações, macroevolução, filogenia e biodiversidade, o que é fundamental para a
conservação destas linhagens e o genoma a elas associadas com potencial de uso econômico e
biotecnológico.
A especiação é um processo contínuo e caracteres morfológicos sozinhos são insuficientes para
descrever esses processos, além de serem dependentes de fatores ambientais externos, sem estarem
geneticamente fixados.
As dificuldades na delimitação de espécies e linhagens baseadas apenas em observação de
características morfológicas, geralmente devem-se a processos evolutivos como divergência filogenética
recente, introgressão, plasticidade fenotípica, diferenciação de variedades em curso, e as barreiras parciais
para o fluxo gênico entre ecótipos.
As linhagens podem divergir apesar de hibridização e introgressão, ou a hibridização pode levar
a aloploidização, e consequentemente ao isolamento reprodutivo e à especiação, o que dificulta o
reconhecimento das linhagens por morfologia e até mesmo por padrões genéticos.
Em cultivares de importância econômica tem sido desafiador a identificação de polimorfismos
genéticos entre variedades bem como métodos moleculares que infiram eficientemente a diversidade
genética em espécies não-modelos.
Neste capítulo são apresentados alguns métodos em biologia molecular que são empregados na
delimitação de espécies ou linhagens, com suas vantagens e limitações, e uma ênfase em métodos que
utilizam os retrotransposons.

DNA Barcoding
Esta técnica não se pauta em métodos estatísticos para encontrar os limites genéticos de espécies
como as demais listadas aqui, mas sua identificação. Paul Hebert e colaboradores em 2004 propuseram
um sistema de identificação de espécies a partir da sequência de DNA padronizada, amplificada a partir
do genoma delas, dispensando o uso de chaves de identificação baseadas em morfologia ou dados
ecológicos, ou a consulta a especialistas.
Para animais o barcode selecionado foi a região COI de DNA mitocondrial. Em plantas, este tem
uma evolução muito lenta, não apresentando polimorfismo suficiente. Inicialmente foram sugeridas as
regiões do DNA plastidial rbcL e matK como barcode para plantas, e mais tarde juntou-se o ITS nuclear,
para uma melhor resolução.
A busca por uma região barcode para plantas ainda existe, já que as sequências de rbcL e matK
são muito longas, o que dificulta a amplificação por PCR, e em muitos casos, não apresentam
polimorfismo suficiente entre espécies diferentes.

Marcadores multilocus
Quando se analisa espécies muito relacionadas ou linhagens em níveis superficiais de
divergência evolutiva são comumente utilizados dados de genoma que se apresentam em multilocus, pois
apresentam grande diversidade genética permitindo uma melhor compreensão dos limites de linhagens e
200
hibridação interespecífica; por serem multilocus, proporcionam uma representação mais precisa do
genoma inteiro. Estes podem

I – Árvores de genes
Neste método são utilizados um grande número de diferentes genes, e para cada gene é inferida
uma árvore filogenética, baseada no polimorfismo dos diferentes sítios alinhados. A partir das árvores de
genes é calculada a árvore de espécies. Existem diferentes métodos para o cálculo da árvore de espécies,
sendo os mais utilizados recentemente aqueles pautados na teoria da coalescência, que calcula a partir de
cópias atuais dos genes em como estão distribuídas nas diferentes espécies, como seriam as cópias
ancestrais. Este método, porém, não prevê a transferência horizontal de genes, podendo apresentar uma
árvore de espécies errônea na presença de híbridos, por exemplo.

II - Análise de fragmentos: marcadores multilocus dominantes


Nos três exemplos de marcadores a seguir o produto amplificado pela PCR são fragmentos de
tamanhos diferentes, que podem ser visualizados em gel (agarose ou poliacrilamida) ou por eletroforese
capilar. Os padrões são tratados como “ausência” ou “presença” de um dado fragmento. Estas
informações permitem identificar os recessivos e dominantes, mas não permite identificar os
heterozigotos já que não é possível se uma ou duas cópias foram amplificadas; por isto são chamados de
marcadores dominantes, em contraposição as técnicas co-dominantes.

II.A – RAPD
A sigla vem do inglês Random Amplified Polymorphic DNA (DNA polimórfico amplificado ao
acaso), cuja técnica utiliza iniciadores ou primers de 8 a 12 pares de bases arbitrárias na PCR. Estes
iniciadores são complementares há diversas regiões do genoma, amplificando diferentes fragmentos, de
diferentes tamanhos, provendo padrões que, se suficientemente polimórficos, devem ser diferentes para os
táxons estudados.
As vantagens são: a não necessidade do conhecimento do genoma dos organismos estudados,
sendo útil em trabalhos com espécies não-modelo.
As desvantagens são: problemas na repetitividade dos experimentos, pois requer uma grande
quantidade de DNA template intacto; pelo mesmo motivo, não se pode utilizar DNA degradado nos
experimentos; não é possível acessar a identidade dos fragmentos, e isto pode gerar uma análise de
fragmentos não homólogos.

II.B – AFLP
Do inglês Amplified Fragment Length Polymorphism (Polimorfismo de Comprimento de
Fragmentos Amplificados) utiliza a fragmentação do DNA por enzimas de restrição e ligação de
adaptadores aos terminais dos fragmentos. Estes adaptadores apresentam sequências conhecidas e são
reconhecidos por iniciadores em reações de PCR, que amplificam fragmentos de tamanhos diferentes.
Este método apresenta um grande número de fragmentos, proporcionando a análise de um maior número
de locos. Assim como no RAPD, não é possível acessar a homologia dos fragmentos.

II.C – ISSR
Do inglês Inter Simple Sequence Repeats, produz fragmentos por PCR com iniciadores
ancorados em microssatélites, que são unidades de repetições 2 a 5 bases, repetidas de 5 a 50 vezes. Os
diferentes fragmentos amplificados têm as sequências de microssatélites dos iniciadores nos terminais e o
genoma associado entre eles. Apresenta grande polimorfismo, mas como as técnicas, anteriores não é
possível acessar a identidade dos fragmentos.

201
III - Análise de fragmentos: marcadores multilocus co-dominante
As técnicas co-dominantes permitem determinar quais indivíduos são heterozigotos.

III.A – SSR
A sigla do inglês Simple Sequence Repeats (Sequência Simples Repetidas), ou microssatélites.
Esta técnica analisa o número de repetições, que pode variar entre alelos e entre os indivíduos. Os
iniciadores estão ancorados de maneira que amplifique a região onde estão localizadas as repetições. Para
a determinação dos iniciadores, é necessário algum conhecimento prévio do genoma, a partir de
sequenciamento de última geração ou clonagem, o que garante a homologia dos fragmentos amplificados.
A análise em gel de poliacrilamida ou eletroforese capilar revela em indivíduos diploides um
(homozigotos) ou dois (heterozigotos) fragmentos para cada marcador. Como são regiões com alta taxa
de mutação, apresentam alto índice de polimorfismo; estão distribuídos em todo genoma, apresentando
uma boa cobertura. A desvantagem do método está no desenho dos iniciadores, que necessita da
montagem de uma biblioteca genômica.

Retrotransposons como marcadores moleculares


Técnicas com retrotransposons, que são amplamente utilizadas na caracterização de linhagens e
evolução do genoma de cultivares estão emergindo mais recentemente nos estudos de evolução, sendo
mais promissoras em números de polimorfismos e informações; podem ser analisados tanto em relação a
sua diversidade, quanto inserção no genoma e polimorfismo nucleotídico.
Elementos de transposição são unidades genéticas móveis de DNA, que mudam de local no
genoma “hospedeiro”. Sua atividade pode gerar grandes mudanças na função e expressão gênica,
incluindo efeitos quantitativos e evolução de genes inteiramente novos, contribuindo para a evolução das
plantas.
Os elementos de transposição de organismos eucarióticos estão divididos em duas grandes
classes, I e II, de acordo com o modo de transposição. A classe I desses elementos replicam via
transcrição de RNA, transcrição reversa e inserção de uma nova cópia de DNA no genoma, mantendo a
primeira cópia; ao contrário, a classe II de DNA transposons remove a cópia inicial.
Dentre a classe I, os retrotransposons com as terminações LTR (do inglês, Long Terminal
Repeat) são os mais abundantes no genoma, e estão divididos em duas superfamílias: Ty1/Copia and
Ty3/gypsy. Cópias de retrotransposons-LTR estão dispersas por todo o genoma e em todos os grupos de
plantas; em plantas superiores, compõe entre 40% e 70% do genoma, e sua inserção é permanente. Estas
características fazem dos retrotransposons-LTR ideais como marcadores moleculares, e geram dados para
filogenia, estudos de evolução e diversidade genética. A plasticidade dos tipos de marcadores deve-se a
ativação temporalmente diferenciada das diferentes famílias de retrotransposons, mostrando diferentes
níveis de resolução que devem ser escolhidos para os diferentes tipos de análises.
Os marcadores baseados em retrotransposons-LTR geralmente constituem-se de um iniciador
ancorado em um dos segmentos mais conservados da região LTR e o segundo, ancorado em algum lugar
específico do genoma, o qual determina a técnica. As técnicas com base em retrotransposons LTR mais
utilizadas são: SSAP (Sequence-Specific Amplifed Polymorphism) quando o segundo iniciador é ancorado
em um sítio de restrição; IRAP (Inter-Retrotransposon Amplification Polymorphism) quando é ancorado
em outro retrotransposon; REMAP (Retrotransposon-Microsatellite Amplification Polymorphism)
quando é ancorado em um microssatélite.
Para o desenvolvimento destes marcadores, é necessário o conhecimento prévio da diversidade
de retrotransposons-LTR nos organismos estudados. Para sanar esta dificuldade, foi desenvolvida a
técnica iPBS. Esta técnica é potencialmente aplicável a qualquer grupo de planta que não apresenta
conhecimento prévio do genoma. O site PBS tem uma sequência bem conservada e caracteriza-se pela
presença de um complemento ao tRNA de retrotransposons-LTR, como uma transcriptase reversa.
Utilizando um único iniciador na região PBS, é possível amplificar LTR‟s e o genoma associado; se na

202
outra extremidade for utilizado o mesmo iniciador, serão amplificados duas LTR‟s adjacentes e o genoma
entre elas, produzindo fragmentos que podem ser utilizados como fingerprint.
Ao contrário dos outros marcadores descritos anteriormente, o sistema de marcadores RBIP
(Retrotransposon-based insertional polymorphism) mostra o polimorfismo das inserções de
retrotransposons em locus específicos: a partir de uma amplificação com três iniciadores, sendo dois
ancorados no genoma flanqueando o locus, onde pode haver a inserção, e outro no próprio
retrotransposon. O produto da amplificação pode gerar dois fragmentos de tamanhos diferentes o que dirá
se o retrotransposons está ocupando ou não o locus analisado.
O RBIP é o único método baseado em retrotransposons que é co-dominante e, ao contrário dos
outros, necessita do conhecimento prévio dos locus que contém os retrotransposons para a construção de
primers. Esta dificuldade pode ser sanada com o auxílio de sequenciamento de última geração (NGS),
dispensando tempo e trabalho de clonagem e biblioteca.

Sequenciamento de nova geração e marcadores moleculares


A tecnologia NGS tem revolucionado a pesquisa biológica pelo aumento significativo na geração
de dados, enquanto simultaneamente diminui o tempo de obtenção dos mesmos. A aplicação desta
tecnologia possibilita, pela primeira vez, o estudo minucioso, a custos relativamente baixos do genoma
completo de qualquer organismo.
No entanto, os métodos padrões de sequenciamento de novo não são ideais para os estudos de
genética de populações e de delimitação de espécies, os quais exigem análises estatísticas de dados de
genomas de muitos indivíduos. O desenvolvimento de marcadores genéticos a partir de dados de um
genoma individual em particular requer o descobrimento do marcador, um processo laborioso de
laboratório para estabelecer protocolos de biologia molecular em parte das populações, verificação de
polimorfismo de cada marcador e consequente seleção e aplicação em todas as populações estudadas.
Este processo geralmente consome tempo do pesquisador e dinheiro, resultando em poucos marcadores
moleculares.
Métodos de sequenciamento de alto rendimento (high-throughput) a partir de alvos genômicos
como o RADSeq e estratégias de enriquecimento-alvo permitem identificar e pontuar milhares de
marcadores genéticos distribuídos em todo o genoma de um grupo de indivíduos.
A técnica de RADSeq acessa esses dados através da redução da complexidade dos genomas a
amostragem por sítios específicos definidos por enzimas de restrição e subsequente sequenciamento
destes fragmentos; por outra abordagem, o enriquecimento-alvo permite a seleção de regiões genômicas
de interesse por PCR e posterior sequenciamento.
Agregando o sequenciamento de última geração e o polimorfismo apresentado pelos
retrotransposons em diferentes aspectos, surgem alguns trabalhos recentes com delimitações de linhagens,
como o de Moden e colaboradores de 2014 com a delimitação de variedades de morango.
Neste trabalho, foi utilizado o método enriquecido baseado no uso do sítio PBS, que tem um
motivo que é universal e conservado entre os retrotransposons com LTR, e subsequente sequenciamento
em plataforma Illumina. Os autores identificaram sistematicamente LTR-retrotransposons em cultivares
de morango, mostrando padrões de inserção muito polimórficos no genoma destas plantas. A limitação
tecnológica do supracitado trabalho está na análise de fragmentos entre 300-500 bp, o que excluiu boa
parte da diversidade de LTR‟s, que podem variar de 100 a 5000 bp.
A técnica se baseia na construção de bibliotecas a partir da fragmentação do DNA total que são
ligados a adaptadores. Os fragmentos que contiverem os sítios de PBS em questão serão amplificados por
PCR e selecionados (Figura 1) para posterior sequenciamento. Com auxílio de bioinformática, os reads
que tiverem o sítio PBS são selecionados e clusterizados para as posteriores análises estatísticas. Com
isto, é possível acessar o máximo possível de inserções de retrotransposons, que estão dispersas em todo
genoma, e uma análise refinada no nível hierárquico de família, o que provê dados de alto polimorfismo
entre espécies próximas e até variedades e provendo um grande volume de regiões sequenciadas.

203
Figura 1. Preparação da biblioteca para sequenciamento de última geração. (a) O DNA total é
fragmentado. (b) São ligados adaptadores aos fragmentos. (c) Os fragmentos que contiverem LTR‟s e o
sítio PBS serão amplificados juntamente com outras sequências genômicas adjacentes.

Referências
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molecular markers. Plant Biosyst. 143:3, 528-542.
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Tahara, M. (2014). Efficient screening of long terminal repeat retrotransposons that show high
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Retrotransposons as Molecular Markers in Plants. In ed. Y. Bigot. Mobile Genetic Elements:
Protocols and Genomic Applications, Methods in Molecular Biology 859:115–152. Springer.
204
CAPÍTULO 23

Evolução molecular: a base da diversidade


Geovani Tolfo Ragagnin

O mundo que hoje percebemos é resultado de uma constante e longa evolução dirigida pela
seleção natural.
A evolução pode ser definida como mudança em seres vivos por descendência com modificação,
e já não é considerada apenas uma teoria, com provas de sua existência encontrada em diferentes grupos e
organismos. Apesar de ser mais bem compreendida, poucos são capazes de explicar como ela atua. A
evolução atua nas populações de indivíduos, mas é a transformação nos genes que podem levar à
evolução. A planta carnívora Dionaea muscipula (Papa-Mosca) não “se tornou” carnívora porque era
mais favorável para ela, mas ela “se tornou” carnívora, porque os genes presentes em seus ancestrais
sofreram modificações que possibilitaram a digestão de insetos, e essa possibilidade acarretou uma maior
adaptabilidade à espécie ao meio, aumentando sua chance de sucesso no ambiente que ela se encontrava.
Modificações nos genes possibilitam o surgimento de novas características no indivíduo, e essas
características vão ser selecionadas pelo ambiente, podendo ser perdidas ou mantidas.
O objetivo deste capítulo é entender como funciona a Evolução Molecular, e como este processo
modifica o indivíduo, aumentando ou reduzindo sua chance de sucesso.

Do RNA ao indivíduo
O surgimento do indivíduo é um tema complexo. Rudolph Virchow, em 1855, cunhou uma das
principais ideias da Teoria Celular, afirmando que uma célula provém de outra já existente. Indivíduos
como os seres humanos provém do cruzamento de outros seres humanos; samambaias são formadas a
partir do cruzamento entre outras samambaias, e mesmo indivíduos capazes de se clonar ou autofecundar
precisam de indivíduos já existentes para se reproduzir. Se continuarmos nesse pensamento, chegamos à
conclusão de que todos os indivíduos apresentam um ancestral comum (pois devem ter se originado de
algo pré-existente). Mas a questão que muitos não entendem é como esse ancestral comum surgiu.
Obviamente ele não surgiu do nada.
Dawkins apresenta uma explicação (testada e comprovada pela experiência de Stanley Miller)
em seu livro “O gene egoísta”. Conhecemos que o principal estágio que possibilitou a origem de
compostos orgânicos na Terra foi durante a “sopa primordial” (cerca de 4 bilhões de anos atrás). Neste
período, compostos orgânicos foram formados através de processos abióticos como tempestades elétricas
e exposição à luz ultravioleta. Assim originaram-se várias moléculas orgânicas, algumas com capacidade
auto-replicativa, possivelmente moléculas simples de RNA.
A capacidade de auto-replicação tornou possível a seleção. As moléculas que não apresentavam,
ou perdiam a capacidade de auto-replicação devido a mudanças na sua composição, eram descartadas,
porém as moléculas que possuíam ou preservavam essa característica passavam a característica adiante ao
se replicar. Todas as modificações que por ventura diminuíssem a capacidade de replicação levavam a
uma baixa frequência dessas moléculas “menos aptas”, fazendo com que essas modificações fossem
perdidas por se encontrarem em moléculas com replicação reduzida ou nula, não passando tais
modificações adiante. Já as modificações que por ventura aumentassem a capacidade de replicação eram
mantidas, pois aprimoravam a capacidade de auto-replicação, e mais moléculas desse tipo surgiam no
meio. E foi nessas moléculas que o primeiro processo de seleção foi capaz de atuar.
Neste processo, há cerca de 3 ou 3,5 bilhões de anos atrás, os supostos RNA sofreram
modificações permitindo algumas moléculas sintetizar barreiras que separassem a molécula do mundo
externo, protegendo-as do ambiente. Não é difícil perceber que as moléculas que apresentavam a “capa

205
protetora” adquiriram uma vantagem sobre as que não apresentavam, se adaptando melhor ao meio. E
assim, combinando o RNA com a capa protetora, o primeiro protótipo de célula foi criado.
A partir deste momento, o desenrolar dos acontecimentos já é compreendido por nós. A
complexidade do “protótipo de célula” aumentou, trazendo modificações fundamentais que ao longo de
milhares de anos levaram o aparecimento da primeira célula, e após novas e inúmeras modificações
levaria ao surgimento dos primeiros seres multicelulares.
Essa explicação se torna menos distante quando pensamos na composição de um vírus. Vírus são
formados por uma molécula replicativa (DNA ou RNA) geralmente envolvida por uma capa proteica e
são considerados acelulares, ou seja, não são formados por células. Estas características são similares às
moléculas ancestrais.
Explorando a existência de entidades simples como os vírus e o fato de que conseguem se
replicar, não é difícil entender que essas moléculas replicativas continuam evoluindo nos dias de hoje. As
alterações que ocorrem nas moléculas replicativas levam a mudanças nas células, que podem modificar o
sistema em que as células estão inseridas, podendo afetar o indivíduo como um todo.
Daqui em diante, este capítulo pretende explicar como que essas modificações em nível
molecular podem resultar em mudanças nos indivíduos, usando exemplos em plantas.

As unidades de seleção
É sabido que um mesmo gene pode estar presente em organismos de grupos diferentes, desde
que esse gene estivesse presente nos ancestral desses diferentes grupos.
A característica do mesmo gene se encontrar em vários organismos torna o gene uma entidade
extremamente difícil de perder, sendo considerada por alguns autores, permanente. Para melhor entender
esse parágrafo, vamos situar um exemplo hipotético exemplificando a permanência de um gene.
Suponhamos que temos uma planta que se propaga vegetativamente (não é necessária
fecundação para o surgimento de uma nova planta).
Compramos uma muda desta planta em uma floricultura, e a colocamos em um vaso que possa
oferecer a ela um crescimento sadio. Em alguns meses, repicamos a planta de modo a multiplicar o
número de mudas, e agora ao invés de uma muda, temos cinco. Suponha que realizamos esse processo
sucessivamente até obter 50 mudas, todas originadas de apenas uma planta. A pergunta agora é, será que
o genoma de todas as mudas é idêntico? E ainda, será que todas as mudas apresentam os mesmos genes?
A resposta da primeira pergunta é não, pois por mais parecido que possa ser, o genoma de um
organismo nunca vai ser idêntico ao de outro. Já a resposta da segunda pergunta é, provavelmente, sim.
Podemos explicar melhor essa questão. O genoma dos organismos é composto por diferentes
tipos de sequências. Existem regiões no genoma que transcrevem proteínas, chamadas de genes. Outras
regiões no genoma controlam a transcrição desses genes, chamadas de regiões regulatórias. Também
existem regiões repetitivas que podem se mover dentro do genoma, os chamados elementos de
transposição; e ainda, regiões não transcricionais, ou seja, aquelas que não originam transcritos (Figura
1). Além destes, existem outros tipos de sequências que não nos interessam no momento.

Figura 1. Composição da sequência de DNA, enfatizando alguns tipos de sequências nucleotídicas.

Antes de tudo, vamos revisar rapidamente do que e como é formada a molécula de DNA. O
DNA é composto por inúmeros nucleotídeos; cada nucleotídeo é uma estrutura formada por um açúcar de
cinco carbonos (uma pentose, que no caso do DNA, se chama desoxirribose), um grupo fosfato e uma
base nitrogenada. As bases nitrogenadas diferenciam os nucleotídeos em quatro tipos: Adenina (A),
Citosina (C), Guanina (G) e Timina (T). Os nucleotídeos se associam aos pares, com A se ligando com T

206
e C se ligando com G. Esses pareamentos possibilitam a estrutura de dupla-hélice do DNA, onde as duas
fitas que formam a dupla hélice são complementares (se em uma fita temos um A, na mesma posição, na
fita oposta, teremos um T, e vice-versa, o mesmo vale para C e G).
As variações nucleotídicas ocorrem principalmente decorrentes da mutação. Quando a mutação
ocorre em uma região que não transcreve um gene, nem em uma região regulatória, a mutação não terá
nenhuma influência na célula, pois essa alteração nucleotídica não modifica nenhuma proteína, visto que
o local onde ocorreu a mutação não origina nenhuma proteína. Essa mutação apresenta um caráter neutro
e poderá se fixar no genoma.
Por causa dessas mutações, os genomas de todas as mudas são diferentes. Porém, se essa
mutação atingir a região de um gene, a proteína transcrita a partir do gene alterado pode apresentar um
desempenho menor ou maior do que a proteína resultante do gene sem a mutação. Se esse gene apresenta
uma função vital na planta (por exemplo, uma proteína envolvida no processo de fotossíntese), uma
modificação na sua sequência gênica poderá levar a planta à morte. Assim, quando uma mutação ocorre
em uma região genômica que esteja sob processo de seleção forte (exemplo, um gene envolvido no
processo de fotossíntese) essa mutação será corrigida pelo sistema de reparo da célula, pois caso isso não
ocorra, a proteína comprometerá o processo da fotossíntese. Caso a modificação provocada pela mutação
aumente o rendimento da proteína, fazendo com que a velocidade que a proteína leva para transformar
“A” em “B” duplique, por exemplo, uma vantagem pode ser conferida à planta comparando-a com as
outras mudas. Essa “vantagem” pode tornar esta muda em particular mais adaptada ao meio.
Apesar do gene dessa muda resultar em uma proteína mais eficiente, ainda é o mesmo gene, e é
por isso que os genes são considerados difíceis de perder. Mas agora surge outra questão. Se os genes,
mesmo apresentando diferenças, ainda são os mesmos genes, como surgem novos genes? Essa questão
será respondida no decorrer deste capítulo.
Através do exemplo acima podemos entender que a unidade na qual a seleção age é o gene e que
mudanças na sequência nucleotídica pode ter efeito ou não sobre o indivíduo. Agora vamos entender
quais os processos que alteram a estrutura da molécula de DNA e quais são os mecanismos que causam
variações nucleotídicas na molécula replicativa.

As variações nucleotídicas
Quando o DNA é copiado (durante o processo de divisão celular), as enzimas envolvidas no
processo tentam manter fielmente a sequência de nucleotídeos escrita nas fitas, porém as fitas podem ser
alteradas durante a replicação do DNA ou em outro momento da vida celular. Existem principalmente
dois processos que modificam os nucleotídeos, e dois mecanismos atuam sobre essas modificações,
preservando a modificação ou reparando-a.
A mutação e a recombinação são processos conhecidos que modificam o DNA, já a seleção
natural e a deriva genética são mecanismos que atuam sobre as modificações.
Mutação: A mutação por definição é bem simples, podendo ser definida como mudanças na
sequência de nucleotídeos de um organismo. Existem vários tipos de mutações, em pequena e grande
escala. As mutações em pequenas escalas afetam um ou alguns nucleotídeos, e podem ser classificadas
como: mutação pontual, quando ocorre a troca de um único nucleotídeo (Figura 3), mutação de inserção,
quando ocorre a adição de um nucleotídeo na sequência, e mutação de deleção, quando ocorre a remoção
de um nucleotídeo na sequência.
As mutações em grande escala afetam a estrutura do cromossomo e podem ser classificadas
como: mutação de amplificação, quando ocorre a duplicação de uma região do cromossomo, mutação de
deleção, quando ocorre a perda de uma região cromossômica, entre outras.
Recombinação: Na recombinação ocorre a troca de material genético entre moléculas de DNA
(entre cromossomos). Por exemplo, sabemos que a cebola apresenta 16 cromossomos (8 cromossomos
oriundos da planta mãe e 8 cromossomos oriundos da planta pai, tendo então 8 pares de cromossomos),
isso significa que durante o processo de divisão celular, o material genético da cebola se organiza em 16
moléculas de DNA. A recombinação é definida pela troca de genes entre as moléculas, ou seja, se uma
207
porção do cromossomo 1 for trocado por uma parte do cromossomo 4, ocorrerá recombinação. Também é
considerado recombinação gênica quando ocorre troca de material genético entre cromossomos
homólogos, ou seja, quando material genético do cromossomo 5 troca material genético com o outro
cromossomo 5.
Essas mudanças na estrutura da molécula replicativa podem ser mantidas ou reparadas pela
seleção natural ou pela deriva genética.
Seleção natural: As modificações que foram produzidas tanto pela mutação quanto pela
recombinação podem trazer vantagens ou desvantagens aos indivíduos, dependendo do produto que a
mutação pode resultar e do meio que o organismo está inserido. Modificações que trarão vantagens ao
organismo aumentarão sua chance de sobreviver no meio, fazendo com que o organismo consiga se
reproduzir mais do que os indivíduos que não apresentam essa modificação, aumentando a frequência
dessa modificação vantajosa na população. O aumento da incidência desta modificação será constante,
fazendo que com o passar do tempo esta modificação se encontre em todos os indivíduos da população.
Em contrapartida, essa modificação podre trazer algum prejuízo ao indivíduo, dificultando a reprodução
desse organismo no meio em que vive, fazendo com que o sucesso reprodutivo diminua em relação aos
outros indivíduos da mesma espécie. Com a diminuição da chance de reprodução deste indivíduo, a
propagação da modificação diminuirá, reduzindo a frequência desta modificação na população. A
diminuição da incidência desta modificação será constante, fazendo que com o passar do tempo os
indivíduos que apresentam essa modificação se extingam, extinguindo também a modificação (Figura 2).

Figura 2. Ilustração de duas populações de plantas. (a) e (b) grupos de plantas infectadas por uma doença
que modifica a coloração da folha.

Na Figura 2, temos indivíduos de uma mesma população separados em dois grupos, o grupo A e
o B. Nesses dois grupos ocorreu a infecção por um fungo que atinge a folha, tornando a folha amarela.
Quando todas as folhas ficam amarelas, a planta morre. As duas populações de plantas apresentam um
gene que confere resistência a esse fungo, impedindo que este se espalhe para as outras folhas. No grupo
A, um gene aleatório sofreu uma mutação produzindo uma proteína que elimina o fungo da planta,
curando a planta com o passar do tempo. Desse modo a mutação que cura a planta passará para as outras

208
plantas descendentes, pois essa mutação aumentou o sucesso evolutivo da planta e consequentemente
aumentará a incidência dessa mutação na população a cada nova geração.
Já no grupo B o gene que impede que o fungo se espalhe para as outras folhas sofreu uma
mutação permitindo que o fungo infecte toda a planta, com o passar do tempo, a planta vai ter mais folhas
infectadas, e quando tiver todas as folhas infectadas morrerá. O gene modificado não será passado para as
próximas gerações, pois as plantas que possuíam o gene morreram. Fazendo com que o gene
apresentando a mutação também desaparecesse da população.
A seleção natural pode atuar positivamente e negativamente, como explicado acima. Se qualquer
modificação sofrida não interferir na sequência e/ou estrutura de uma proteína, essa mutação acarretará
em nenhuma mudança no processo da proteína envolvida. A permanência ou o reparo dessa mutação não
afetarão o indivíduo, sendo então, uma mutação de caráter neutro. A permanência ou a deleção dessas
mutações neutras se dá pela deriva genética.
Deriva genética: A deriva genética tem por definição fixar ou deletar mutações neutras por
acaso dentro do organismo. A primeira impressão causa desconforto sobre a compreensão deste conceito.
Porém, uma simples analogia pode facilitar.
Em uma população efetivamente grande, alelos de genes com mutações neutras são encontrados
em uma frequência constante. Em populações pequenas, estas frequências podem ser modificadas ao
acaso nas gerações subsequentes, sem uma preferência.
Suponhamos que um barco está em alto mar, com tripulantes, porém sem nenhum veículo de
direção, sem velas, sem âncora, sem rumo. O barco nesse caso seria a molécula de DNA, e os tripulantes
os nucleotídeos mutantes. O único aspecto que poderia mudar o rumo do barco seria o mar, com o passar
do tempo alguns tripulantes caem no mar e são perdidos, enquanto outros continuam no barco e são
fixados. O motivo que fez alguns tripulantes serem perdidos e outros serem mantidos foi a deriva do
barco sobre o mar, os tripulantes perdidos e os mantidos foram tripulantes aleatórios. A mesma coisa
acontece com o DNA. Com o passar das gerações as mutações neutras podem se fixar no DNA ou serem
reparadas na molécula por puro acaso.
Por isso o nome do processo é “deriva genética” porque as mutações neutras estão totalmente a
deriva dos processos gênicos, podendo ser perdidas ou incorporadas na molécula de DNA.
Através desses processos ocorrem as modificações que podem ser fixadas ou reparadas. E toda a
diversidade encontrada hoje, provém principalmente desses processos.

A origem de novos genes


Trataremos agora como ocorre o processo de aparecimento de novos genes. Durante a evolução
novos genes foram se fixando nos organismos, genes que sintetizam proteínas de diferentes funções,
alguns genes exclusivos a cada classe, outros genes encontrados em vários grupos. Mas enfim, como
surgem novos genes?
Suponhamos um novo exemplo envolvendo uma planta que apresenta um gene de resistência a
um patógeno, conferindo proteção a um tipo de bactéria. Agora suponhamos que no processo de
replicação do DNA este gene foi duplicado, existindo agora duas cópias do gene no genoma da planta.
Porém, uma cópia do gene já concede proteção à planta, portanto a segunda cópia não concede nenhum
valor adaptativo extra à planta.
Agora imaginemos que essa planta se reproduza e espalhe essa duplicação para todos os seus
descendentes.
Como o gene está duplicado, a transcrição para a proteína ocorre duas vezes. Suponhamos que
com o tempo ocorra uma mutação em uma cópia desse gene em alguns dos descendentes, modificando a
transcrição e a função da proteína. A seleção natural não irá agir em favor ou contra as plantas que
contenham o gene mutado, pois as plantas ainda têm outra cópia desse gene, conferindo resistência ao
patógeno. Agora se uma mutação atingir a outra cópia do gene de resistência, as plantas apresentarão os
dois genes modificados, e originando proteínas com funções diferentes. Caso o patógeno infecte as
plantas, elas provavelmente morrerão pela infecção.
209
Porém algumas descendentes continuam apresentando o gene mutado e o gene não mutado,
permanecendo vivas e se reproduzindo. A reprodução dessas plantas passará tanto a cópia com a mutação
quanto a cópia original, conferindo resistência ao patógeno para seus descendentes. Ao passar das
gerações o gene com a mutação acumula mais mutações. Suponhamos que essas mutações acumuladas
mudaram drasticamente sua composição, levando a transcrição de uma proteína com função e
composição totalmente diferente do original, transformando o gene que originalmente concedia
resistência a um patógeno em outro gene com função totalmente diferente. Em nosso exemplo hipotético
esse novo gene apresenta uma função diferente do original, e essa nova função pode conceder a planta
uma vantagem adaptativa.
O processo que origina novos genes leva em conta a pressão seletiva que o gene está sofrendo
em determinado momento e em um determinado ambiente, e este processo pode levar muito tempo para
ocorrer.

Pressão seletiva
Diferentes genes podem sofrer diferentes pressões seletivas. A pressão seletiva pode ser de três
tipos: pressão negativa ou purificadora, positiva ou diversificadora e neutra.
A pressão negativa tende a manter a composição de uma proteína, mantendo a sequência original
de nucleotídeos do gene. A pressão positiva tende a mudar a composição de uma proteína, modificando a
sequência de nucleotídeos do gene. A pressão seletiva neutra indica que nesse gene não está ocorrendo
nenhum processo de seleção, e as modificações encontradas foram incorporadas pela deriva genética.
O método para se medir a pressão seletiva é feito a partir de um cálculo, que leva em conta as
substituições de nucleotídeos não sinônimas (substituições que mudam o aminoácido transcrito) dividido
pelas substituições de nucleotídeos sinônimos (substituições que não mudam o aminoácido transcrito)
(Figura 3). Se a divisão desses dois fatores for um resultado maior que 1, significa que o gene está sob
pressão positiva, se o resultado for igual a 1, o gene está sob seleção neutra, e se for menor que 1, o gene
está sob pressão negativa.

Figura 3. (a) Substituição sinônima. Sequência de nucleotídeos sofreu a mutação de uma citosina (C) para
uma guanina (G), essa mutação não mudou a sequência de aminoácidos. (b) Substituição não sinônima.
Sequência de nucleotídeos sofreu uma mutação de uma citosina (C) para uma adenina (A) modificando a
sequência de aminoácidos. O aminoácido Leucina (L) foi substituído pelo aminoácido Valina (V).

É de se imaginar que a maioria dos genes presentes nos organismos está sob pressão negativa,
preservando sua sequência de aminoácidos. Porém, existem genes que podem estar sofrendo pressão
positiva, como o caso do gene duplicado explicado anteriormente.
É importante salientar que a pressão seletiva move a evolução. As mutações são aleatórias, mas
seus resultados podem ser preservados ou deletados pela pressão seletiva (causada pela seleção natural),
ou pela deriva, em caso da mutação neutra.

210
As características são definidas por interações entre proteínas
As características que hoje vemos em todos os organismos são um reflexo das proteínas
transcritas em suas células e da interação delas com o meio. Algumas proteínas caracterizam
isoladamente um fenótipo, como o caso das ervilhas enrugadas ou lisas de Mendel. Porém, a maioria dos
fenótipos é gerada por interações entre proteínas. As plantas vasculares transportam substâncias ao longo
do seu corpo através de uma série de interações entre proteínas transcritas que possibilitaram a transição
de seiva entre as células mortas (xilema) e entre células vivas (floema). As plantas carnívoras são
carnívoras porque uma série de proteínas (surgidas ao longo da história evolutiva dessas plantas) são
transcritas, modificando a folha de modo de que ela funcione como uma armadilha, e ainda que produza e
libere enzimas digestivas na superfície foliar. A flor de Hibiscus rosa (hibisco) apresenta formato, cor e
estrutura característicos decorrente de várias proteínas. É errôneo pensar que apenas um gene é
responsável por toda a estrutura de uma flor de hibisco, por exemplo.
Para ilustrar melhor essa ideia, vamos analisar o gênero Ophrys, pertencente à família
Orchidaceae (Orquídeas). As flores necessitam ser polinizadas por insetos voadores para que a planta se
reproduza. Porém, as orquídeas desse gênero não secretam néctar para induzir a polinização, elas
apresentam uma pétala modificada que mimetiza um inseto voador fêmea. O inseto é atraído pela pétala
modificada, e ao tentar copular com a pétala modificada, acaba carregando o pólen dessas orquídeas.
Atraído novamente por outra flor o inseto realiza a polinização.
Essa característica da pétala modificada não foi resultado de apenas uma proteína, pois o que
chama a atenção dos insetos voadores são principalmente, o formato, a cor e o cheiro da pétala. A
composição desses três aspectos possibilita a reprodução nesse grupo. Pode ser que existam vários genes
envolvidos neste processo, mas a questão é que não é apenas um gene que conferiu essa característica ao
gênero. Se, no entanto, um dos genes responsáveis pelo fenótipo for mutado, provavelmente a polinização
já não será tão eficiente.

Um novo olhar ao indivíduo


Ao final deste capítulo, proponho que você olhe para o próximo ser vivo que encontrar (animal,
planta, fungo, irmão, ou até você mesmo) e pense que esse ser é um reflexo de seus genes somado à
interação com o meio. Tente fazer o exercício de enxergar o micro dentro do indivíduo, e que ele
apresenta essas características por que é resultado de uma organização muito complexa de milhares de
moléculas orgânicas.
Se realizarmos esse exercício para todos os organismos, entenderemos melhor a evolução e a
diversidade encontrada hoje, e espalhando essas informações, diminuiremos interpretações erradas sobre
a evolução.

Referências
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Carvalho, Hernandes; Recco-Pimentel, Shirlei (2013), A célula 3ª ed. São Paulo: Manole.
Dawkins, Richard (2007), O gene egoísta. São Paulo: Companhia das Letras.
Ridley, Mark (2006), Evolução 3ª ed. Porto Alegre: Artmed.

211
CAPÍTULO 24

Ilustração botânica
Marcelo Tomé Kubo
Laura Montserrat

Introdução
A flora neotropical é uma das mais diversas do mundo, contando com diversas fitofisionomias,
de campestres a florestais. O Brasil é um dos detentores de maior diversidade vegetal, hoje contando com
mais de 32 mil espécies nativas catalogadas. Muitas dessas espécies encontram-se em formações que
estão muito ameaçadas, como a Mata Atlântica, por exemplo, que originalmente ocorria ao longo da costa
brasileira e que hoje conta apenas com 7,91% da sua cobertura original.
Esforços para a preservação dessa biodiversidade iniciam-se com o conhecimento e
reconhecimento do que existe. Assim, projetos catalogando a flora nacional são importantíssimos dentro
desse panorama e dependem, sem dúvida, de bons trabalhos de Taxonomia e Sistemática, já que uma das
principais atividades é a identificação precisa de materiais coletados. Para tal, são utilizadas as descrições
publicadas das espécies e as ilustrações que as acompanham. Essas ilustrações são de um tipo especial,
chamada de científica.
À ilustração científica competem duas finalidades: a primeira, de acompanhar o texto científico,
juntando esforços para elucidar e facilitar a comunicação entre autor e leitor; a segunda, mais sutil, é a de
se configurar como obra de arte, cativando o leitor e despertando interesse. O alcance da ilustração fica,
em geral, restrito à comunidade científica, já que dificilmente o público leigo entra em contato com as
publicações científicas.
De acordo com o ramo da Ciência a que atende, a ilustração científica divide-se em diversas
subáreas. Dentro da chamada Ilustração Biológica podemos listar como principais segmentos a zoológica,
paleontológica, histológicas, ecológicas (nichos, ambientes e comportamento), moleculares e, claro, a
botânica que é o foco deste capítulo.

Definições e história
A ilustração científica é uma área do conhecimento humano que nasce da interação entre Arte e
Ciência. Um bom ilustrador científico prima pela acuidade representativa (precisão científica) sem relevar
a segundo plano o senso estético e plástico da ilustração: composição, movimento, ritmo e equilíbrio,
além da qualidade técnica. A ilustração vem, em geral, acompanhada de texto (uma descrição, por
exemplo), o qual enriquece a mensagem passada pela imagem, informando, por exemplo, variação em
tamanho ou coloração de estruturas (para além daquelas representadas). Em contrapartida, a ilustração
colabora na desambiguação de termos; facilita a descrição de formas complexas e/ou processos,
condensando o conhecimento e facilitando seu entendimento; e retrata formas (bi e tridimensionais) e/ou
cores efêmeras que são perdidas no material fixado ou musealizado.
A ilustração botânica é um dos ramos da ilustração científica e, como tal, tem que lidar com a
dualidade descrita acima. Muitos autores julgam importante, portanto, uma distinção entre arte botânica e
ilustração botânica. A arte botânica teria como principal produto a obra de arte finalizada e a expressão
plástica do artista. Já a ilustração botânica tem também um objetivo científico, para a ilustração de um
artigo ou livro, e pode representar o hábito da espécie, detalhes e ampliações, dependendo do objetivo do
cientista-autor.
Provavelmente foi a necessidade de reconhecer espécies vegetais com utilidade para o Homem,
seja ela alimentícia, medicinal ou cultural (religiosa, por exemplo), que deu início à documentação das
plantas e seus usos. Inicialmente esse reconhecimento era feito apenas por meio da escrita, como nos

212
documentos sobre ervas medicinais do Egito Antigo (ca. 1500 a.C.), mas depois também utilizando-se
ilustrações, sendo o primeiro de que se tem notícia o tratado Rhizotomikon do grego Krateuas (120-160
a.C.) que, posteriormente, foi incorporado no De Materia Medica, de Dioscorides, livro texto sobre ervas
medicinais que foi utilizado e copiado por mais de um milênio. A falta de métodos confiáveis de
reprodução das imagens acarretou grandes distorções entre cópias e, finalmente, à desistência em utilizá-
las, pois os desenhos não se assemelhavam mais às espécies que representavam.
Somente com o advento da gravura em madeira, no séc. XV, tivemos o primeiro livro botânico
impresso: o Pseudo-Apuleius. O desenvolvimento de técnicas de gravura em madeira e, posteriormente,
metal e pedra, permitiram que, durante os anos 1750-1850, ilustrações com alto grau de refinamento e
detalhes pudessem ser realizadas, e que podiam ser utilizadas de maneira consistente em publicações de
maiores tiragens. Alguns autores consideram que esse foi o primeiro período de apogeu da ilustração
botânica, que se beneficiou não apenas dos avanços tecnológicos (técnicas de impressão e reprodução),
mas também da crescente riqueza europeia (patrocínios e mercado consumidor) e das grandes descobertas
na Biologia (expedições científicas).
No Brasil, a história da ilustração botânica se inicia junto com as expedições de cientistas
naturalistas, no séc. XIX, em especial a de Karl Philipp von Martius e Johann Baptist von Spix que
culminou com a publicação da Flora Brasiliensis, contendo quase 4000 pranchas. Além deles, vale citar
nomes como William J. Burchell, Thomas Ender, Jean-Baptiste Debret, Antoine Hercule Romuald
Florence, Georg Heinrich von Langsdorff, Johann Baptist Emanuel Pohl, Johann Moritz Rugendas,
Augustin Saint-Hilaire e Adrien Taunay, que produziram extensa coleção gráfica da biodiversidade
brasileira. Assim, até o séc. XX, quando profissionais brasileiros foram treinados e passaram a exercer
esse tipo de atividade, o cenário da ilustração botânica brasileira era dominada por estrangeiros. Podemos
citar Maria Wernek de Castro, a família Demonte e a equipe de Frederico Hoehne (Instituto de Botânica
de São Paulo) como pioneiros nessa empreitada, mas foi a atuação de uma artista britânica que realmente
sedimentou e colocou em destaque a arte e ilustração botânica no Brasil: Margaret Mee.
Margeret Mee chegou ao Brasil em 1952, por questões familiares, e foi então que, fascinada pela
exuberância da flora brasileira, começou a focar seu trabalho em retratar as plantas nativas, inicialmente
da Mata Atlântica, já que estava baseada em São Paulo. Em 1956 fez sua primeira viagem à Amazônia e
nos anos seguintes, se firmou como uma nova ilustradora botânica de renome, tanto no Brasil quanto na
Inglaterra.
Ela realizou 15 expedições à região amazônica, produzindo ilustrações que não apenas
cativavam o público, mas também traziam à tona questões como a preservação das florestas. Margaret
Mee lutou muito pela conservação da Flora Brasileira, e suas obras eram uma maneira de sensibilizar e
conscientizar o público para a riqueza de espécies nativas que estava sendo perdida com o desmatamento.
A reputação de Meet não era apenas como exímia ilustradora, mas também como exploradora: Sir
Ghillean Prance a descreve como uma das grandes exploradoras da Amazônia do século XX; e o
Professor Richard Evans Schultes (Royal Botanic Gardens, Kew), comparando-a com Spruce, diz que,
tanto as pinturas dela quanto os materiais herborizados dele, contribuíram enormemente para dar ímpeto
às ações de preservação da floresta. Muitas das plantas retratadas e coletadas pela artista eram novas para
a ciência e prova da sua importância são os diversos nomes que lhe fazem homenagem: Aechmea meeana
E.Pereira & Reitz, Heliconia chartaceae var. meeana W.J.Kress, Neoregelia margaretae L.B.Sm.,
Neoregelia meeana Reitz e Sobralia margaritae Pabst..
Em 1988 foi criado o programa Margaret Mee Amazon Trust (Londres) e a Fundação Botânica
Margaret Mee (Brasil), fundações que tiveram grande importância na formação do que hoje pode ser
considerada a escola brasileira de ilustração botânica. Durante 20 anos (o programa foi descontinuado em
2009, voltando agora nos últimos 2 anos), foram concedidas bolsas de estudo para artistas brasileiros se
especializarem em ilustração botânica no Royal Botanic Gardens, Kew. Muitos dos que hoje atendem à
necessidade de treinamento de jovens ilustradores foram bolsistas desses programas.
Hoje, temos a União Nacional dos Ilustradores Científicos (UNIC) que, desde 2006, organiza
encontros nacionais (atualmente na 5a edição), incentiva a criação de grupos regionais e advoga pelo
213
reconhecimento dessa categoria profissional, além de divulgar a ilustração científica como uma forma de
produção artística que pode ter um apelo tanto para a comunidade científica, como para a população em
geral.
A profissão do ilustrador científico enfrenta ainda muitas dificuldades pois são raras as
iniciativas de criação de cursos ou mesmo disciplinas especializadas nos currículos acadêmicos
brasileiros, seja nas áreas de ciências biológicas ou em artes plásticas. Muitas vezes os próprios
ilustradores profissionais ministram aulas particulares, ou mini-cursos intensivos e itinerantes, para
atender à demanda dos que buscam estudar mais sobre o assunto e se profissionalizar. Essa falta motiva a
criação de Núcleos de Ilustração Científica dentro de diversas instituições de ensino superior ou mesmo
independentes destas.

A Ilustração Botânica
O tipo mais comum de ilustração botânica é aquela que acompanha um artigo científico
descrevendo uma nova espécie, uma flora, checklist ou revisão. Nesse tipo de trabalho uma prancha
geralmente inclui o hábito da planta em tamanho natural (todo ou parte), acompanhado de ampliações e
detalhes de flores, frutos ou outras estruturas importantes para a diagnose da espécie.
O ilustrador botânico, ao confeccionar uma ilustração de uma espécie, por exemplo, deve fazê-lo
de forma que ela represente mais do que um único espécime. Um certo conhecimento botânico é
necessário, portanto, para poder julgar quais imperfeições podem (e devem) ser suprimidas para que a
ilustração seja a mais representativa possível da espécie como um todo. Outra preocupação que deve ser
levada em conta, em especial durante o estudo de composição da prancha, são as restrições editoriais do
meio onde ela será publicada. Como dispor na prancha os desenhos de todas as estruturas necessárias para
a identificação da planta (e sua distinção das espécies próximas) pode ser um desafio dependendo das
dimensões da revista e da área destinada às imagens. Uma prancha com uma composição ruim pode,
muitas vezes, dificultar o entendimento do leitor e o trabalho de identificação de uma espécie. Idealmente,
os desenhos representados devem estar dispostos de forma clara e objetiva, com um bom posicionamento
dos modelos (que mostre o maior número de características representativas da espécie), e seguindo algum
tipo de lógica (seja agrupar estruturas reprodutivas, ou fazer comparações lado a lado de estruturas que
sofrem variação), para que o olhar do observador possa vagar de maneira contínua pela prancha e
identificar rapidamente as informações que está procurando.
Diversas técnicas podem ser utilizadas para a produção de uma prancha botânica, sendo as mais
tradicionais o grafite e nanquim, para pranchas em preto e branco, e aquarela e guache, para as coloridas.
Também são utilizados, em menor escala, tinta a óleo, lápis de cor, tinta acrílica, o scratchboard e
técnicas digitais. A técnica mais utilizada para ilustrações científicas botânicas é o nanquim, que pode ser
utilizado com a técnica de pontilhismo ou hachuras. Isso deve-se principalmente ao custo maior de
publicações com ilustrações coloridas, dada a grande dificuldade em digitalizá-las, e a necessidade de
utilizar métodos de impressão e papel de melhor qualidade, para que a imagem impressa fique fiel à
ilustração original (Figura 1).

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Figura 1. Diferentes maneiras de ilustrar um artigo científico: Vellozia intermedia Seub.: (a) Exsicata do
tipo. (b) Fotografia em campo. (c) Ilustração científica em nanquim. (d) Ilustração científica em aquarela.
Fontes: (a) Herbarium Berolinense (B), disponível na rede speciesLink (http://www.splink.org.br) em 15
de Abril de 2016 às 15:34. (b-d) Laura Montserrat, arquivo pessoal.

O processo de ilustração inicia-se com o contato entre pesquisador e ilustrador. Inicialmente são
decididas as linhas gerais da ilustração: o que será ilustrado (hábito, partes, ampliações, número de
espécies), quantas pranchas, técnica e a finalidade (para qual revista, quais as normas, etc.). Junto com
essas informações o pesquisador também fornece o material que será base da ilustração: exsicatas,
material fixado em álcool, fotos. Cabe então ao ilustrador gerar os esboços, em escala, com todos os
detalhes que estarão representados no desenho finalizado, estudar a composição e apresentar para o
pesquisador para que este possa aprovar a acuidade do desenho e a composição final da prancha. Com os
comentários feitos pelo pesquisador, caso seja necessário, deve-se corrigir o desenho e passar por nova
aprovação. Uma vez aprovada, uma versão finalizada da prancha será elaborada, utilizando-se das
técnicas apropriadas para tal, que será entregue, em versão digital ou original, dependendo do combinado
entre as partes (Figura 2).

Figura 2. Fluxograma com passos típicos para confecção de uma ilustração científica.

O ilustrador cede os direitos de uso da imagem da ilustração produzida, para o uso (exclusivo ou
não) na publicação científica do pesquisador, e por isso muitas vezes só é necessária a imagem
digitalizada em alta resolução para esse fim. Entretanto, o pesquisador, ou qualquer outra pessoa, pode ter
interesse em adquirir a ilustração original, e comprá-la como obra de arte, o que não implica
necessariamente na cessão dos direitos de uso, pois são produtos distintos. Muitas vezes é feito um

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pequeno contrato ou carta de acordo entre o pesquisador e o ilustrador para especificar técnicas, prazos de
entrega, valores e direitos de uso da imagem.

Técnicas de Ilustração
O desenho de observação é a base de qualquer ilustração científica, e é uma ferramenta de
grande importância para identificar e registrar as características que definem uma espécie de maneira
precisa. O primeiro passo para se realizar um bom desenho de observação é atentar para o posicionamento
da planta ou estrutura que deve ser representada. É importante que o modelo esteja em uma posição
esteticamente agradável, mas que, ao mesmo tempo, seja o mais informativa possível, mostrando o maior
número de características diagnósticas da espécie. Outro fator importante é a iluminação que,
tradicionalmente (mas não obrigatoriamente), vem da direita para a esquerda, e de cima para baixo. A
padronização da localização da fonte luminosa busca ajudar, principalmente, na diferenciação entre
formas côncavas e convexas, já que elas apresentam distribuição de luz e sombra similares dependendo
da origem da luz. A iluminação deve favorecer a visualização de todas as estruturas a serem
representadas, seus volumes, detalhes e texturas.
Para o desenho de observação inicial, podem ser utilizadas várias técnicas de medição do modelo
para que o desenho final fique o mais preciso possível. Essas técnicas podem ser a transferência direta de
medidas, utilizando-se uma régua (um compasso, fio, ou o próprio lápis) em um plano perpendicular aos
olhos e bem próximo ao modelo, ou a medição relativa (chamada sightsize) que irá medir o modelo em
um plano mais afastado, porém de distância sempre igual, para que o desenho do modelo possa ser
reduzido de maneira proporcional. O ilustrador também pode fazer medições relativas com comparações
dentro do próprio modelo (quando a medida de uma porção do modelo é igual a duas vezes a medida de
uma outra porção), ou buscar traçar linhas imaginárias verticais ou horizontais a ele, para identificar
pontos de referência que ocorrem em uma mesma linha.

Técnica Grafite: Essa técnica utiliza o lápis de grafite para a elaboração de ilustrações, desde o
esboço até a arte-finalização (Figura 3). Diversas séries de lápis estão disponíveis no mercado assim
como de papéis com diferentes características. As séries de lápis mais comuns são as H e B, os chamados
lápis duros e macios, respectivamente. Dentro dessas séries a gradação vai desde 10H até o 9B,
permitindo uma ampla gama de tonalidades de cinza. Em geral, utilizam-se os lápis duros para detalhes e
linhas delicadas e finas e os macios para o sombreamento (mas alguns preferem fazer tudo com um
mesmo tipo de lápis, o HB, por exemplo). Quanto aos papéis, devem ser utilizados aqueles de qualidade
artística e gramatura mais elevada (140-300g), pH neutro e textura de levemente rugosa a liso-acetinada.
Tanto a escolha dos lápis utilizados quanto do papel, varia muito de artista para artista, cabendo a ele
testar e escolher aquele que mais lhe agrada.
Prós e contras: Essa técnica permite uso mais expressivo do sombreamento, com maiores
nuances, facilitando a representação volumétrica, e é uma alternativa ao nanquim para publicações em
preto e branco. O uso do grafite também facilita, em determinado grau, a correção e/ou alteração do
desenho, utilizando-se de borracha, mas com limites dependendo da pressão utilizada na aplicação do
grafite e resistência do papel à abrasão. Uma dificuldade de trabalhar com o grafite é a digitalização da
imagem e preparação para impressão. Muitas vezes o meio-tom acaba se perdendo, ou na aquisição da
imagem (pelo scanner, por exemplo) ou no momento da impressão (calibragem de contraste e
brilho/sombra da impressora). Driblar essas falhas exige alguma expertise em softwares de tratamento de
imagem, garantindo a entrega de uma imagem digital de alta qualidade, mas foge do controle do
ilustrador a qualidade da imagem final impressa.

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Figura 3. Detalhes de ilustrações botânicas em grafite. À esquerda Eremanthus praetermissus Loeuille &
Pirani e à direita E. ovatifolius Loeuille & Pirani. Fonte: Marcelo T. Kubo, arquivo pessoal .

Técnica Nanquim: A utilização do nanquim, seja no bico de pena (penas metálicas) ou canetas
técnicas (permanentes ou descartáveis), é uma das técnicas mais tradicionais, principalmente devido à sua
alta durabilidade (alta permanência da tinta no papel) e baixo custo de produção e reprodução (Figura 4).
Nessa técnica toda a volumetria e textura do desenho é feita pela combinação de pontos e traços (linhas).
Deve-se atentar para a qualidade da tinta utilizada (ou caneta técnica descartável) e do papel, que pode ser
opaco, ter gramatura entre 120-220g, pH neutro e textura lisa (exigindo transferência do rascunho para o
papel final); ou translúcido, permitindo que o artista trabalhe diretamente sobre o rascunho. A escolha do
material, novamente, fica por conta do gosto do artista e pelo acordo feito com o cientista-autor. Quanto à
finalização do desenho, pode-se utilizar: somente linhas (inteiras e pontilhadas), e a variação de espessura
da linha exprime luz e sombra, perto e longe; o pontilhismo, onde a proximidade e quantidade de pontos é
utilizada para representar áreas de luz, sombra e texturas diversas; e a hachura, utilização de traços
ritmados (paralelos ou não), com densidade e intensidades variando para representar a volumetria.
Prós e contras: Além das características positivas mencionadas acima, como a durabilidade,
baixo custo e facilidade de digitalização e reprodução, a técnica nanquim oferece algumas dificuldades no
momento em que o ilustrador precisa fazer correções na ilustração. Nesse caso, é muito importante que o
rascunho a lápis esteja bem executado e seja aprovado pelo pesquisador antes da arte-final com nanquim,
pois dificilmente o ilustrador conseguirá alterar a ilustração, já que o nanquim não pode ser apagado. A
vantagem da durabilidade e permanência da tinta se torna um problema quando o ilustrador precisa
acrescentar brilhos ou luzes em áreas que acabaram ficando muito escuras no desenho. É possível fazer
correções menores com a raspagem do papel, mas isso também pode danificar o papel de maneira
irreparável.

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Figura 4. Detalhes da ilustração botânica em nanquim. Mimosa serpensetosa L.M.Borges. Fonte: Laura
Montserrat, arquivo pessoal.

Técnica Aquarela: Entre as técnicas coloridas, a aquarela é a com maior tradição na ilustração
botânica (Figura 5). A técnica utilizada para a confecção de ilustrações botânicas em aquarela é, de certo
modo, diferente daquela que a maioria das pessoas tem em mente quando se fala em aquarela. Como a
precisão é algo imprescindível, as pinceladas e aguadas são muito controladas, ao contrário de outras
técnicas de aquarela onde as pinceladas são mais livres e certas irregularidades nas aguadas (que seriam
consideradas falhas na ilustração botânica) são bem-vindas.
A aquarela utiliza pigmentos solúveis em água para representar fielmente as cores do modelo. A
intensidade de cor é atingida, em geral, por meio de sobreposição de sucessivas camadas de tinta,
tomando partido da transparência da aquarela para utilizar o branco do papel para as áreas de luz.
Pinceladas com pouca água são em geral utilizadas para fazer o acabamento final da aquarela, corrigindo
quaisquer imperfeições e melhorando a delimitação das formas. Uma variedade grande de materiais para
aquarela (pigmentos, pincéis e papéis) está disponível no mercado, com preços que, também, variam
bastante. Em uma ilustração botânica é importante a utilização de pigmentos de boa qualidade (linhas
artísticas) e atentar para algumas características dele, como o lightfastness (permanência da cor, já que
muitos pigmentos são degradados com a exposição à luz) e a transparência. Os pincéis também influem
muito no resultado final da aquarela, sendo preferidos pincéis redondos, de pelo natural e com boa
qualidade de ponta (para detalhes). Utilizam-se diferentes tamanhos de pincéis dependendo do objetivo,
pincéis grossos para grandes aguadas e finos para detalhes. Os papéis para aquarela apresentam, em geral,
altas gramaturas (acima de 300 g/m2), certa porcentagem de algodão na sua composição, diferentes graus
de rugosidade na sua superfície (dependendo do modo de prensagem do papel) e coloração variando de
creme a branca. Não há escolha correta ou errada, mas em geral dá-se preferência a papéis com superfície
liso-acetinada (hotpressed), pelo menos 50% de algodão, pH neutro e coloração branca.
Prós e contras: As vantagens em realizar ilustrações coloridas são principalmente por elas serem
mais informativas, registrando cores e volumes que se perdem no material herborizado e também o seu
apelo junto ao público leigo, que pode ajudar na conscientização ambiental e na luta pela preservação de
espécies e ambientes. Apesar dessas vantagens elas ainda são pouco utilizadas devido à maior demora na
sua produção e, principalmente, aos maiores custos atrelados à sua publicação, entretanto, uma publicação
que produz imagens realizadas em aquarela impressas com qualidade possui muito prestígio, assim como
a famosa Curtis‟s Botanical Magazine. Uma outra dificuldade é que, na maioria dos casos, atingi-se
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melhores resultados utilizando material vivo como modelo do que usando apenas fotografias,
principalmente no que diz respeito à fidelidade cromática, já que é sabido que o processo fotográfico
causa distorções nas cores. Assim como o nanquim, a aquarela também oferece certa dificuldade na hora
de realizar correções, e muitos tipos de pigmento tingem o papel de maneira quase permanente,
impedindo que sejam removidos com o uso do pincel para raspagem (o que também pode danificar o
papel). Após a aplicação de cores com tonalidades mais escuras, é praticamente impossível mudar
completamente a matiz da área pintada, ou abrir novamente áreas luminosas com o branco do papel.

Figura 5. Ilustrações botânicas em aquarela. À esq. Tibouchina granulosa (Desr.) Cogn., e à dir.
Erythrina speciosa Andrews. Fonte: Laura Montserrat e Marcelo T. Kubo, arquivos pessoais.

Técnicas Digitais: A técnica digital é a confecção de ilustrações em preto e branco ou coloridas


utilizando o computador (Figura 6). Pode ser realizado um desenho inicial a lápis, que é digitalizado e
finalizado no computador, ou a ilustração pode ser feita desde o princípio nos softwares apropriados,
como o Adobe Photoshop, Adobe Illustrator, CorelDraw, entre outros, e até mesmo programas de
modelagem 3D, muito utilizados em desenhos de anatomia. É recomendável o uso de mesas
digitalizadoras ou tablets gráficas, já que elas facilitam muito o trabalho e são capazes de simular o traço
de um lápis ou pincel com variações de pressão da mão, algo que não pode ser conseguido apenas com o
mouse. A técnica digital também é muito utilizada para retocar fotos, porém muitas intervenções irão
gerar um resultado final que deixa de ser uma fotografia apenas, e passa a ser uma ilustração digital.
Prós e contras: A grande vantagem das técnicas digitais é a facilidade de fazer alterações e
edições sem qualquer tipo de restrição. Qualquer parte do desenho pode ser alterada, e em qualquer
momento do processo de execução, além do resultado final já estar digitalizado e pronto para o uso em
publicações. A confecção de desenhos esquemáticos, gráficos e cladogramas é muito flexível e facilitada,
assim como ajustes finais em pranchas confeccionadas em outras técnicas, desde controles finos na
imagem (saturação, brilho, contraste) até a colocação de legendas e escalas. As desvantagens deste tipo de
técnica são basicamente os altos custos dos computadores, programas a serem utilizados e mesas
digitalizadoras. Além disso, é importante ressaltar que nesse caso o ilustrador não possui mais uma
ilustração física original e, portanto, não é possível vendê-la como obra de arte, apenas ceder o direito de
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uso da imagem. Não se deve esquecer que, assim como qualquer outra técnica, as facilidades só se
apresentam para aqueles que a dominam, o que leva tempo e prática. Apesar da grande adesão de muitos
ilustradores a esse tipo de técnica, que muitas vezes é mais rápida do que as outras, muitos ainda preferem
as técnicas tradicionais justamente porque querem produzir um original físico e utilizá-lo para concursos,
exposições ou vendas.

Figura 6. Ilustrações botânicas digitais. Aspecto geral de cálices de Utricularia sp. Marcelo T. Kubo,
arquivo pessoal.

Fotografia: Com o surgimento da fotografia, muitos trabalhos científicos têm optado pela
substituição da ilustração por uma ou mais fotos. Isso se deve principalmente ao fato de que há uma maior
facilidade, tanto orçamentária quanto logística, em se obter uma imagem por meio da fotografia (é uma
habilidade muito mais difundida) do que desenvolver uma ilustração ou contratar um profissional para tal.
Apesar de ser uma ferramenta de grande importância, que pode inclusive auxiliar o ilustrador a realizar
uma ilustração, a fotografia, porém, só pode representar aquilo captado pela lente, ao passo que a
ilustração científica conta com toda a habilidade técnica, investigativa, interpretativa e de comunicação do
ilustrador, resultando em uma mensagem visual capaz de transmitir, em uma única imagem, toda a
informação que o cientista-autor deseja. Apesar da grande utilidade e praticidade, a máquina fotográfica
não é capaz de registrar uma imagem com foco infinito, ou seja, deixando a imagem nítida em todos os
pontos, independente da posição e do tamanho do objeto. A fotografia também pode levar a distorções
ópticas e mudanças de coloração, e, como já foi salientado, também falta à fotografia o caráter seletivo
que é possível imprimir ao desenho quando necessário, já que o ilustrador habilidoso pode criar imagens
completamente nítidas, esclarecer sobreposições, enfatizar detalhes importantes e reconstruir espécimes
danificados. A ilustração de uma espécie expõe um indivíduo emblemático, uma imagem ideal que
representa a soma das características gerais da espécie, excluindo os pequenos traços de desvio da norma
que cada indivíduo traz inevitavelmente em si, algo impossível de ser realizado com a fotografia, que
necessariamente está restrita ao espécime que está sendo utilizado como modelo para a foto.
De uma forma geral, as principais técnicas de ilustração botânica foram apresentadas acima.
Vale salientar que os métodos descritos não são a única forma de se fazer, cada artista, no decorrer de sua
carreira, desenvolve seu jeito próprio de lidar com os prós e contras de cada uma delas. A experimentação
faz parte do dia a dia do ilustrador e, assim, novas técnicas e novos materiais vão sendo incorporados no
know-how do artista e difundidos (se aprovados), tornando a ilustração científica um campo dinâmico e
em constante evolução.

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Referências
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