Você está na página 1de 4

Escrita espelhada, o que fazer?

Quando as crianças iniciam a escrever suas primeiras palavras ou números, a sensação dos
pais é indescritível. É um processo de autonomia, um ritual de passagem evidenciando uma
nova etapa na vida da criança... É uma gracinha ver aquelas mãos tão delicadas iniciando seus
traçados...
Ao compor suas primeiras escritas elas mostram-se portadoras de inúmeras experiências,
desejos, anseios e dinâmicas particulares de aprendizado. Vygotsky (1998) destaca que a escrita
tem significado para as crianças, desperta nelas uma necessidade intrínseca e uma tarefa
necessária e relevante para a vida.
Entretanto, na medida em que está escrita avança é comum que elas evidenciem letras ou
números espelhados... algumas já estão lá por volta dos 7 anos e ainda mantém esta
característica e por que será que fazem isso?

Em primeiro lugar é importante ressaltar que espelhar letras e números é normal, pois a
criança está em processo de construção da escrita. Para que ela tenha o entendimento, que nós
adultos temos que a escrita inicia da esquerda para a direita (no caso da cultura ocidental),
algumas noções anteriores ao papel devem ser bem trabalhadas. A aquisição da escrita é
posterior à aquisição da linguagem e posterior a um nível específico de maturidade motora
humana.
Conforme Esteban Levin (2002: 161), o ato da escrita em si, não depende somente do ato
biológico, mas de toda uma estrutura que provém do sistema nervoso central,
[...] o que escreve é um sujeito-criança, mas, para fazê-lo, necessita de sua mão, de sua
orientação espacial (lateralidade), de um ritmo motor (relaxamento-contração), de sua postura
(eixo postural), de sua tonicidade muscular (preensão fina e precisa) e de seu reconhecimento no
referido ato (função imaginária).
Conforme manual de neurologia infantil, autoria de Diament (2005), a partir dos 7 anos que
a criança começa a consolidar a noção de direita e esquerda, bem como encontra-se em fase de
maturação de áreas viso espaciais, portanto é perfeitamente normal ainda apresentar algumas
trocas na direção de suas escrita, pois estão em processo de aprendizagem, sistematizando suas
hipóteses e consolidando noções importantes em aspectos neurobiológicos, porém, alguns
alunos espelham palavras e frases inteiras, característica da disgrafia. No entanto, isso não
significa que as crianças que espelham letras e números apresentem disgrafia, mas se no final
deste ano, após todas as intervenções pedagógicas terem sido realizadas, visando a “escrita
correta” das palavras, faz-se necessário uma avaliação mais detalhada.
Dehaene (2012) nos mostra que a capacidade de reconhecer as figuras simétricas faz parte
das competências essenciais do sistema visual, porque permite o reconhecimento dos objetos
independentemente da sua orientação, por esse motivo que quando uma criança aprende a ler
tem que “desaprender” a generalização em espelho para que possa compreender a diferença
entre as letras “b” e “d”. A maioria das crianças passa por uma fase de escrita em espelho tendo
geralmente ultrapassada esta dificuldade por volta dos 8 anos. Entretanto, cabe ressaltar que
algumas das crianças que apresentam escrita espelhada são canhotas.
A identificação de uma imagem na sua forma simétrica, confusão esquerda-direita, também
é frequente, no nosso sistema visual (Dehaene 2007).
No entanto, na sala de aula existem professores que consideram "errado" quando os alunos
escrevem palavras ou números espelhados, por isso se faz necessário esclarecer que antes de
considerar certo ou errado, faz-se necessário realizar atividades que propiciem a lateralidade.
Com certeza, no processo de alfabetização, tanto pais, quanto professores, devem sempre
questionar a criança sobre como poderia melhorar aquilo que fez, procurar fazê-la tomar
conhecimento do que fez e como o fez, mas também como deveria fazê-lo.
Numa abordagem neurocientífica Guaresi (2009) enfatiza que:
A criança tem que manipular um repertório de habilidades motoras finas e complexas
concomitantes com dados sensoriais (conteúdo visual), um processo que envolve muitas
funções cerebrais, tais como atenção, memória, percepção (integração e interpretação de dados
sensoriais), entre outras. O processo de aprendizagem da escrita envolve, entre outros aspectos,
a integração viso-espacial, ou seja, visualizar o que está sendo apresentado, localizar o lápis,
acomodá-lo de forma satisfatória na mão, direcioná-lo ao caderno e iniciar a sequência de
movimentos numa tentativa de escrita. Com o tempo e o reforço das redes sinápticas
correspondentes, este processo será automático, ou seja, não precisará de monitoramento
cerebral constante para execução da tarefa e a criança terá condições de aumentar o nível de
complexidade.

Existem três domínios principais que precisam ser ensinados para que uma pessoa tenha
autonomia no ato de escrever: o domínio linguístico, o domínio gráfico e o de conceitos de letra
e texto. A escrita como um sistema organizado manifesta nossa capacidade de simbolizar. É
complexo e sua aquisição demanda o domínio das várias dimensões que o compõe, por
exemplo, além da segmentação, as crianças precisam adquirir no domínio gráfico, noções de
esquerda para a direita, de cima para baixo.
Portanto, a neuropsicopedagogia não lida apenas e diretamente com o problema de
aprendizagem, mas com todos os processos metacognitivos que fazem com o ser humano venha
a ter melhores condições de aprendizagem. Nesse sentido é importante lembrar que os alfabetos
expostos em sala de aula, não deveriam ser em E.V.A, pois na maioria das vezes, apresentam
somente a letra script maiúscula, sendo que no mundo letrado, não é somente este tipo de escrita
que a criança encontra, muito menos deveriam conter formas de “bichinhos, bonequinhos”, pois
isto também acarreta em confusão para aquela que se encontra em processo inicial do traçado
das letras. Ela precisa visualizar a estética correta da escrita, e se possível que neste alfabeto
seja sinalizado por setas indicando por onde começar esta escrita. A mesma sugestão é válida
para o traçado de números. No entanto, antes de sistematizar a escrita “no papel”, diversas
outras atividades envolvendo o corpo devem estar bem desenvolvidas, pois tudo que sentimos
através do nosso corpo, torna-se mais significativo e é nesse sentido que seguem algumas
sugestões de atividades:

Jogo de orientação espacial:


Dependendo da idade da criança, pode-se colocar uma fita no braço, ou perna sinalizando o lado
direito (ou esquerdo). Coloca-se no chão algo delimitando o espaço, por exemplo 3 colchonetes.
A criança fica posicionada no colchonete do meio, e o professor diz: direita (ele deve passar
para o colchonete correspondente), esquerda ou meio. Também, após terem dominado estas
noções, pode ser colocado outros 3 colchonetes na frente da criança, sendo que outra participe
da atividade, demonstrando que ao se posicionarem uma frente a outra, o ato de pular para a
direita de uma, irá mostrar-se diferente do ato de pular para a direita de outra.

Atividades com balão:


Tentar manter o balão no ar, somente batendo nele com a mão direita, após somente com a mão
esquerda.

Brincar de Robô:
Uma criança é o robô, e seu parceiro é o guia. Auxiliados pela professora, combinam sinais de
movimentação do robô. Por exemplo, se o guia tocar o lado esquerdo da cabeça do robô, esse
vira para a esquerda; se tocar o lado direito, vira à direita; se tocar o alto da cabeça, o robô
abaixa, e assim por diante. Algum tempo depois, invertem-se os papéis, sendo que o guia vira
robô, e o robô vira guia. Depois disso, a brincadeira é feita com deslocamentos. As duplas
combinam os sinais de movimentação. Por exemplo, um toque na parte de trás da cabeça é sinal
para o robô ir adiante; um toque nos ombros é sinal para que ele pare.

Brincar de espelho:
Inicialmente cada aluno faz as atividades sozinhos, ou seja, a professora diz, mostrar a mão
direta, colocar o pé esquerdo ao lado da cadeira, colocar a mão esquerda no olho esquerdo,
encostado no cotovelo direito no joelho direito, e ir dizendo várias situações. Mas para brincar
de espelho, cada um ficará de frente a um colega e deverá seguir as instruções dadas pela
professora, porém localizando no outro.

Que letra é essa?


Nas costas do aluno o professor faz com o dedo uma letra e o mesmo deve dizer qual é.

Caminhar sobre as letras:


No chão, fazer o traçado de letras ou palavras e os alunos devem caminhar sobre as mesmas,
seguindo a ordem que o traçado deve ser feito.
Escrita com água:
Os alunos podem molhar o dedo na água e vir ao quadro passar o dedo sobre o traçado das
palavras.

Escrita na areia:
No chão, escrever com o dedo, ou palito de picolé, o traçado de palavras.

Modelagem de palavras:
Usando argila ou massa de modelar, escrever palavras modelando letra por letra.

Referência Bibliográfica:
BOSSA, Nádia. Dificuldades de Aprendizagem: o que são e como tratá-las. Porto
Alegre: ARTMED, 2000.
DEHAENE, Stanislas. Os Neurônios da Leitura: Como a ciência explica a nossa
capacidade de ler. Porto Alegre: Penso, 2012.
DIAMENT, A. CYPEL,S. Neurologia Infantil, 2005, p. 78
GUARESI, Ronei. Etapas da aquisição da escrita e o papel do hipocampo na
consolidação de
elementos declarativos complexos. Letrônica, Porto Alegre v.2, n.1, p. 189, jul. 2009.
LEVIN, Esteban. A Infância em Cena. Petrópolis: Ed. Vozes, 2002-
LIMA, Elvira Souza .Coleção Cotidiano na Sala de Aula. Ed Inter Alia, São Paulo

Postado há 5th April 2013 por Ana Lúcia Hennemann

Você também pode gostar