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A produção histórica dos lugares1

Angelo Torre

ão

od
pr
re
a
da
Este trabalho possui como referência explícita um dos últimos

bi
livros de E. Grendi (1996), Storia di una storia locale: um livro que obteve pouco su-

oi
cesso – foi superficialmente interpretado como um livro de história pátria –, mas

Pr
que é, pelo contrário, fruto de um trabalho em conjunto com alguns colegas ge-

_
noveses, por intermédio do “Seminário Permanente de História Local” (Grendi,
or
t
1996). Pretendo defender a importância deste livro, tendo em vista o recente in-
au

teresse de historiadores e cientistas sociais pelos temas relacionados à localidade,


do

desenvolvendo algumas implicações disso em relação ao modo como nos aproxi-


ão

mamos das fontes históricas. Em particular, pretendo mostrar como o reconhe-


s

cimento da gênese local de uma vasta documentação do passado permite ler as


vi

fontes, não tanto como testemunhos, mas como modificações das situações que
re

descrevem. Tal leitura torna-se essencial, em minha opinião, para observar como,
ra
pa

à base dos processos de transformação social e cultural, objeto da nossa pesquisa,


existem utilizações práticas das instituições que, como tentarei demonstrar na se-
ã o

gunda parte deste artigo, é possível encontrar e observar somente por meio de uma
rs

análise em escala local.


Ve

Procederei, portanto, a uma rápida ilustração da abordagem culturalista da


_

análise da localidade, que se delineou nos últimos trinta anos. Tal ilustração terá
z
Vo

um duplo objetivo: por um lado permitirá entender as razões da pouca sorte do li-
vro de Grendi; por outro, permitirá formular indicações de método para uma nova
e
tra

historiografia da localidade.
Le

1. Título original: “La produzione storica dei luoghi”. O presente artigo é uma tradução do artigo publicado em
língua italiana na revista Quaderni Storici, em agosto de 2012. Tradução: Leonardo de Oliveira Conedera e
Francesco Santini. Revisão técnica: Alexandre Karsburg.
1. Storia di una storia locale (de agora em diante, SSL) surge a partir de uma refle-
xão sobre o specialismo2 historiográfico: a postura dos historiadores de fracionar as
realidades do passado segundo uma ideologia que Grendi define como colecionís-
tico-classificatória (collezionisco-classificatoria), mais ou menos camuflada de mé-
todo filológico. Trata-se de uma ideologia que impede de enxergar os nexos entre

ão
fontes diferentes e de estudar, por consequência, o verdadeiro objeto de análise do


historiador, a interdependência entre os fenômenos sociais e culturais do passado.

od
Frente às convicções que Grendi (2004) havia já longamente exposto e discu-

pr
tido, e que deram origem, por meio da noção de microanálise histórica, à chama-

re
da “micro-história”, a SSL dá nova ênfase à dimensão topográfica como base do

a
projeto de etnografia histórica no qual ele, Grendi, estava trabalhando. Tal ênfase,

da
até o momento, não ganhou atenção suficiente. De fato, quero demostrar como tal

bi
perspectiva condensa uma fase da produção historiográfica de Grendi ainda não

oi
devidamente reconhecida, que se concentra sobre as temáticas espaciais. Assim,

Pr
vejamos, de forma extremamente sintetizada, os aspectos essenciais da SSL.

_
O livro surge da contraposição entre a tradição italiana de história pátria,
or
t
exemplificada por intermédio do caso lígure, e o percurso historiográfico da cha-
au

mada english local history ou “escola de Leicester” (de agora em diante ELH). Para
do

Grendi (2004), a ELH foi protagonista de uma reelaboração original da “tradição


ão

topográfica”, colocada entre o “antiquarismo renascentista e a história natural Ba-


s

coniana” (SSL, 12). A reelaboração da ELH, que ia com convicção em direção ao


vi

estudo de campo, baseava-se em uma “experiência crítica visual” (SSL, 13) que per-
re

mitiu aos seus praticantes superar tanto os “antigos tratamentos descritivos fra-
ra

cionados em elementos a serem considerados separadamente” (SSL, 13), quanto


pa

o sucessivo empobrecimento da capacidade de observação operado pela statistique


ã o

dos séculos XVIII e XIX.


rs

Em comparação à prática historiográfica tradicional, a ELH representou uma


Ve

inversão total de rota. Marcada por uma conjuntura historiográfica que via o pri-
_

mado da história econômica (tanto em termos conceituais, quanto em termos nar-


z
Vo

rativos) e de um quadro interpretativo funcionalista, para Grendi, a ELH repre-


sentou a concretização daquele “estudo das interações e das interdependências”
e

evocado por Maitland já no começo do século XX (SSL, 14).


tra

A referência à abordagem topográfica é o coração da argumentação da SSL, o


Le

ponto de observação que permite criticar todas as tradições historiográficas, desde

2. N.T. Termo utilizado em italiano, com relação ao mundo acadêmico, para indicar, de modo polêmico, uma
excessiva tendência a se especializar, e por este motivo é usado no lugar de specializzazione (especialização).

70 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


aquela da “pátria” até a “filológica”, que se fundaram no alinhamento dos docu-
mentos e objetos, em um quadro de “rigorosa descontextualização topográfica”
(SSL, 17).3 Tal método ignora a arqueologia, ou melhor, confina-a inteiramente no
colecionismo (SSL, 17), enquanto coleta de objetos retirados do contexto da esca-
vação e como procura de modelos artísticos romanos. Tem-se assim um método,

ão
aquele da história pátria, que Grendi define como “colecionístico-classificatório”


e que ele contrapõe à abordagem topográfica: esta última, de fato, “garante a plena

od
recuperação das complexidades documentárias do ambiente”, força a multiplicar
competências e saberes do território, os quais são os únicos que asseguram uma

pr
re
leitura não classificatória das fontes por parte do estudioso local.

a
Por esse motivo as guinadas conhecidas pela ELH são refutadas por Grendi

da
(1995), que nelas identifica o ressurgir de uma pretensão classificatória: a ELH, de

bi
fato, abandonou o paradigma topográfico em favor de uma visão holística e tota-

oi
lizante da história de comunidade. Tal visão estaria relacionada ao surgimento de

Pr
interesses histórico-culturais e à adoção de temas emprestados da sociologia histó-

_
rica da família e do “Cambridge Group”. Phythian-Adams chamou “história socie-
or
tal” à reconstrução das cadeias relacionais que unem, ou fundem, a história local e
t
au

a nacional, e que o Local History Department da Universidade de Leicester está pro-


do

curando em sociedades de escala multicomunitária ( Phythian-Adams, 1993). Se-


gundo Grendi, porém, dessa forma, a ELH correria o risco de perder o próprio laço
ão

com o espaço físico: estar-se-ia, então, eclipsando totalmente do horizonte histo-


s
vi

riográfico a capacidade da paisagem local de sugerir uma pluralidade de símbolos,


re

os quais, como veremos, encontramos constantemente nas fontes históricas.


ra

A crítica de Grendi (1975) à ELH não é, como falávamos, ocasional, mas repre-
pa

senta o fruto de uma trajetória de pesquisa. Trata-se de uma progressiva reava-


o

liação da dimensão espacial presente na trama das ações; isso desde 1975, ano da
ã
rs

“descoberta” dos alberghi4 genoveses e das “estruturas demotopográficas” caracte-


Ve

rísticas da sociedade genovesa do Renascimento. Tal dimensão espacial se torna


mais explícita no começo dos anos oitenta, com a identificação do caráter territo-
_
z

rial do “sistema político local” (Grendi, 1981; 1992). A magistral análise da “práti-
Vo

ca dos confins” nos Apeninos, entre Ligúria e Piemonte, e a bem-sucedida fórmula


e

da “consciência social do espaço”, encontrada nas fontes jurisdicionais acerca do


tra

ritual, representam os pontos mais altos dessa abordagem etnográfica para com
Le

3. O parecer concorda com aquele de um recente institucionalismo medieval influenciado pela “geografia e
estrutura das fontes escritas”. Ver: Cammarosano, 1991; Keller, 1988.
4. N.T Espécie de consórcios de famílias nobres ligadas por vínculos de sangue ou interesses econômicos em
comum, e que frequentemente moravam em prédios próximos.

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 71


o espaço (Grendi, 1986). No final da década, tal percurso ganha plena consciência
de si e dá vida a uma reflexão metodológica que passa por vários aspectos: a distin-
ção sempre mais clara e precisa entre “história local” e “história das comunidades”
(Grendi, 1995); a releitura crítica dos clássicos da micro-história (Grendi, 1987) e
da história local (Grendi, 1994; Phythian-Adams, 1993); a fundação do Seminário

ão
Permanente de História Local (1997); e por fim, pelas comunicações, ocasionais,


mas densas, sobre a história topográfica da cidade renascentista (e alguns capítulos

od
dos Balbi) e sobre as novas arqueologias (Grendi, 2000a, 2000b).

pr
re
2. Seria enganadora uma leitura de SSL que visse nela uma nova proposição,

a
com meio século de atraso, das temáticas da ELH. O livro acerca da história local

da
compreende-se somente à luz da discussão conduzida por Grendi relativamente

bi
à tríplice forma de reducionismo historiográfico que caracterizou o último quar-

oi
tel do século XX, ou seja, funcionalismo, estruturalismo e interpretativismo. Isto

Pr
pode ser inteiramente observado quando pensamos as trajetórias conhecidas pelas

_
análises históricas e sociais da localidade. Portanto, para discutir o livro de Grendi
or
e apreciar seus pressupostos polêmicos, é preciso partir de outro livro, mais afor-
t
au

tunado e à sua maneira igualmente polêmico.


do

A publicação de Comunidades Imaginadas de Benedict Anderson (2008), livro


ão

cult, rompeu barreiras culturais sem uma verdadeira discussão. Essa obra impôs-se
s

como paradigma para a historiografia das identidades locais e nacionais, a qual se


vi

autoproclamou como nova.


re

Na realidade, o livro de Anderson deve seu sucesso ao tom crítico com o qual re-
ra
pa

jeita qualquer base social, cultural e política das ideologias nacionalistas do século
XIX: “as comunidades devem ser distinguidas, não por sua falsidade/autenticida-
ã o

de, mas pela forma como foram imaginadas”. Trata-se de uma postura que, com
rs

desenvoltura, faz referência a “sistemas culturais” não menos artificiais que aque-
Ve

les sociais e, com certeza, igualmente condicionantes: são esses sistemas o cenário
_

no qual se delineiam as “imaginações” coletivas que ele estuda.


z
Vo

A força e o mérito da formulação de B. Anderson (2008) estavam na sua crítica


às práticas científicas existentes: poucas linhas antes daquela afirmação afiada, ele
e

criticava a ideia, compartilhada pelas ciências sociais da segunda metade do século


tra

XX, segundo a qual “o nacionalismo se mascara sob falsas aparências”, ideia que
Le

levaria à identificação de “invenção” com “contrafação” e “falsidade”: conceitos


esses que, segundo Anderson, pressupõem a existência de “comunidades ‘verda-
deiras’ que, num cotejo com as nações, se mostrariam melhores”.
O uso de uma dimensão totalmente metafórica, como a imaginação, tinha a in-

72 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


contestável vantagem de separar o mundo das representações daquele das relações
sociais, mas acabava por privilegiar unilateralmente o primeiro, sem ter resolvido
o problema constituído pelo segundo.
Além disso, visto que que não se pode negar totalmente a realidade da existência,
Anderson (2008), em algum momento, estava obrigado a parar (ou começar) o jogo

ão
da imaginação. Mesmo com alguma hesitação, o limite era posto a nível “local”:


na verdade, qualquer comunidade maior que a aldeia primordial do contato face

od
a face (e talvez mesmo ela) é imaginada. As ideias do autor mencionado devem ser

pr
entendidas como expressão extrema e significativa de uma virada cultural, e por

re
isso é necessário começar a criticá-las. Em primeiro lugar, a “aldeia primordial”,

a
à qual ele se refere, nunca existiu, e muito menos na área geográfica analisada (a

da
Europa, região não carente de imaginações nacionalistas). De certa forma, preci-

bi
samente como parece sugerir Anderson, tal aldeia é fruto de imaginação, exata-

oi
mente como as comunidades mais amplas, que ele prefere. Só que se trata de uma

Pr
imaginação que não pode ser circunscrita na esfera das representações, dos mitos

_
e dos sistemas de significado, como acredita Anderson.
or
t
Quero demonstrar como, pelo contrário, a imaginação que determina a forma
au

das comunidades políticas seja a ação. Para captar tal natureza, prática e criativa
do

da imaginação, creio que seja preciso abandonar os sistemas de relação metafóri-


ão

cos, anônimos e despersonalizados preferidos por Anderson e apontar exatamen-


s

te para a escala da qual ele exclui a criatividade. Pretendo mostrar como a escala
vi

local combina formas de imaginação e sistemas de relações conforme uma lógica


re

processual distinta e certamente mais ampla que aquela puramente representacio-


ra

nal. Sustentarei também que, para estudar o local, sem o desfigurar e mutilar, é
pa

necessário reconsiderar as tendências culturalistas atuantes na historiografia dos


o

últimos trinta anos, colocando em evidência os aspectos reducionistas. No âmbito


ã
rs

dessa operação de desconstrução, o livro de Grendi sobre a história local oferece


Ve

sugestões de grande fôlego metodológico.


_

Disso tudo o título do trabalho que aqui apresento: produção histórica dos lu-
z
Vo

gares. Com essa expressão refiro-me às práticas econômicas, sociais, culturais e


políticas com as quais determinadas populações recriam incessantemente o uni-
e

verso das suas relações circunscritas em relação às demandas do mundo externo e


tra

as organizam no espaço imediato.


Le

3. Estou ciente de que, hoje em dia, falar em “localidade” significa entrar em um


campo minado que todos evocam, poucos estudam e muitos se equivocam. Trata-
-se, de fato, de uma categoria analítica por muito tempo ignorada e desvalorizada

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 73


nas ciências sociais e na historiografia, redescoberta recentemente e utilizada de
modo crescente nos últimos quinze anos, em diversos campos disciplinares. Um
sucesso tão vistoso torna impossível, nesse texto, a análise de todas as inúmeras po-
sições que conduziram à descoberta da localidade.5 Esquematicamente, o interesse
pela dimensão local representa uma reação à desvalorização da dimensão espacial

ão
na pesquisa social (Agnew, 1987, 1989, 1995). É uma reação heterogênea, na qual


confluíram críticas à modernização da matriz cognitiva e fenomenológica (Butti-

od
mer, 1980; Richardson, 1984, p. 1; Fernandez, 1984, p. 40) que insistem substan-

pr
cialmente sobre uma visão “de dentro” da dimensão local (Basso; Feld, 1996).

re
Por fim, a teoria literária pós-estruturalista inseriu-se numa sólida tradição de

a
estudo temático da localidade6 e viu no local uma estratégia retórica de organiza-

da
ção do discurso: uma abordagem que está influenciando profundamente a pesqui-

bi
sa antropológica.7 Essas posições analíticas, mesmo variadas, possuem em comum

oi
a ênfase na construção cultural e social inerente à noção de “lugar” e, de tal manei-

Pr
ra, abrem novas possibilidades de análise histórica da localidade. Isso não apenas

_
porque estimulam a pesquisar o local por intermédio das suas relações com os sis-
or
t
temas – culturais, econômicos, etc. – globais (Massey, 1995; Ead, 1994, 1999); mas,
au

sobretudo, porque insistem no fato de a “localidade”, ou melhor, as identidades


do

locais serem produtos frágeis, que precisam ser constantemente reativados. Pode-
ão

-se discordar em relação às técnicas conectivas privilegiadas: imaginativas (como


s

as de Anderson), representacionais (como em muitas da “New Cultural Geography”,


vi

Cosgrove, 19898), narrativas (Moretti, 1995), culturais (Walkowitz, 1992). Entre-


re

tanto, é de comum acordo que a dimensão identitária local necessite da produção


ra
pa

de categorias culturais capazes de conectar sistemas de relações, que caso contrário


seriam presumidamente descontínuos.
ã o

Porém, raramente se reconhece a natureza processual dessa construção iden-


rs

titária. É preciso, portanto, assinalar com força uma vistosa exceção, aquela do
Ve

antropólogo cingalês-americano A. Appadurai (2001), que tentou construir uma


_

nova definição de localidade e dos estudos relativos a esta: uma dimensão da vida
z
Vo
e

5. Tentei uma reconstrução, parcial, em “Placing History. Sources, Transcriptions and The Analytical Problem of
tra

the Local” (2000). S. Gunn (2001) tentou uma reconstrução dos desenvolvimentos recentes dos estudos sobre
a identidade local urbana que concorda com a genealogia por mim proposta, mesmo colocando-se em uma
Le

outra vertente metodológica.


6. Entre infinitos exemplos de uma abordagem temática da localidade, ver: Lurwack, 1984; Mallory, 1987.
Para uma abordagem teórica desconstrucionista aplicada na Itália, ver: Dainorro, 1999.
7. Ver: Miller, 1995; Fardon, 1988, 1990, 1995.
8. Ver: Coscrove, 1989; Id., 1994; Jackson, J., 1989; Withers, C.W.J., 1995; Quaini, M. 1997.

74 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


social que ele definiu “produção de localidade”. Para Appadurai, a localidade é di-
ferente da simples vizinhança, que é de certa forma definida objetivamente pelo
assentamento, pela habitação, etc. Pelo contrário, a localidade deve ser produzida.
Com respeito a isso, ele frisa como grande parte do material estudado e descrito
por etnólogos e antropólogos pode ser concebida como um depósito de procedi-

ão
mentos e de técnicas para a “produção” de localidade. Em outros termos, esta últi-


ma não é apenas “gerada por um contexto”, ela é também “geradora de contexto”:

od
rituais, representações, etc. se desenvolvem no interior das próprias localidades e
são influenciadas por estas, mas por sua vez acabam por constituir a localidade em

pr
re
si. Nas palavras de Appadurai, “a localidade é uma conquista social em constante
perigo, e, sendo intrinsicamente frágil, (...) [ela] necessita de uma atenta manuten-

a
da
ção que a proteja de uma série de perigos”. Nesse sentido, a produção de localidade

bi
pode ser entendida como um processo que gera cidadania, o qual produz “sujeitos

oi
locais” (...) que aprendem a pertencer de modo adequado a uma comunidade as-

Pr
sentada de parentes, vizinhos, amigos e inimigos”. As técnicas rituais são “técnicas

_
sociais de produção dos ‘nativos’”. or
Trata-se de uma formulação de grande interesse, cuja explícita indiferença
t
au

para com a dimensão histórica não pode passar sem ser notada. A única história
do

que Appadurai (2001, p. 17) menciona é aquela dos textos antropológicos: a con-
juntura histórica dos escritos que nos antecedem, o diálogo no tempo entre textos
ão

antropológicos e sua matizada leitura.


s
vi
re

4. A indiferença de Appadurai para com a história está ligada a um possível pre-


ra

conceito anti-historicista, mas não se pode negar que a contribuição dos historia-
pa

dores à discussão sobre a localidade, mesmo não irrelevante, foi parcial e redutora.
o

Tal limitação ocorreu porque a cultura histórica pagou o fato de ter partido de uma
ã
rs

base extremamente desvantajosa. Enquanto os cientistas sociais não tinham pa-


Ve

radigmas fundamentados no espaço, os historiadores possuíam uma cultura pro-


_

fundamente marcada por uma reflexão acerca desse. Uma reflexão bem conhecida
z

e, como é sabido, enganadora.


Vo

De fato, para os historiadores, até os anos setenta do século passado, o espaço


e

não representava um problema: ou seja, não se pensava que o espaço fosse uma
tra

“produção” histórica, mas sim uma moldura,9 dentro da qual as coisas aconteciam.
Le

Isso é válido tanto para as considerações da historiografia dos Annales, que mais
desenvolveu uma relação com a dimensão geográfica, quanto para a historiografia

9. A expressão é de S. Gunn (2001).

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 75


mais concentrada na dimensão local, os estudos de comunidades (sejam urbanas
ou rurais) (Gunn, 2001). O desinteresse de ambas as historiografias para com a no-
ção de lugar é evidente, apesar de ter origens e motivações diferentes. No primeiro
caso, depende da influência exercida por mais de trinta anos por uma específica
classificação espaço-temporal, aquela proposta por Fernand Braudel entre os anos

ão
quarenta e cinquenta. Mediterrâneo, de Fernand Braudel, teve o mérito indiscutí-


vel de pôr para os historiadores o problema do espaço, mas o fez por meio da hie-

od
rarquização das dimensões da análise histórica. Por intermédio da longa duração, o

pr
espaço era colocado em relação à modificação lenta ou, no limite, com a imobili-

re
dade. O espaço era, de fato, legível somente através da longa duração: na história

a
braudeliana não havia lugar para uma “história factual do espaço”. Dessa forma,

da
como muitos críticos devidamente destacaram, o espaço é alçado a nível de “estru-

bi
tura”, a qual não pode ser afetada pelas dinâmicas locais e de curta duração.

oi
No caso dos estudos de comunidades, constatou-se a influência convergente

Pr
dos modelos de residência e de interação social de pequena escala, tanto acerca

_
dos estudos sobre a segregação espacial nas cidades oitocentistas, quanto no que
or
diz respeito à tradição mais propriamente sociológica dos estudos da família e do
t
au

parentesco (Gunn, 2001). Contudo, as categorias relativas à mobilidade social, à


do

estrutura familiar, etc., são, por definição, indiferentes ao espaço.


ão

A representação do espaço enquanto “moldura” refletia um comportamento


s

tão amplo e difuso, que envolvia a própria reação à história social. Por esta razão,
vi

talvez, as novas histórias culturais do último quartel do século XX não mostraram


re

o mínimo interesse em reverter a hierarquia das relevâncias, com a qual nos apro-
ra

ximamos do estudo da localidade. Como se sabe, nos últimos vinte anos, foi colo-
pa

cada uma ênfase cada vez maior na relevância (e na capacidade de condicionar, e de


ã o

mudar) da dimensão do discurso, da narração e das categorias culturais em relação


rs

àquela do caráter factual concretamente documentado. Disso resulta uma aborda-


Ve

gem reducionista da dimensão local.


_

Tal impressão é sugerida com força e clareza extremas por um exemplo pionei-
z
Vo

ro de análise da localidade: A invenção do cotidiano, de M. De Certeau (1990). Ainda


hoje considerado por alguns como o manifesto de uma “Nova História Cultural”, o
e

livro do mencionado autor destina páginas notáveis à produção de um espaço e de-


tra

tecta até mesmo específicas “práticas de espacialização”: a partir de alguns exem-


Le

plos de disputas de fronteira, De Certeau identifica operações capazes de organizar


o espaço e de atribuir o direito deste aos diversos opositores.
Apesar da genialidade da intuição, o mencionado autor propõe implicações
fortemente redutivas: organizar a espacialidade não é a interação entre os ato-

76 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


res de carne e osso – as partes em causa, o juiz e os respectivos discursos –, mas a
narrativa da situação. Desse modo, as testemunhas e os atores assumem progres-
sivamente a função de veículos de estruturas linguísticas e de elementos míticos
que acabam prevalecendo: os testemunhos narrativos apresentam-se produzidos
diretamente pelo mito. O sacrifício das raízes pragmáticas em favor daquelas lin-

ão
guísticas torna-se possível e, em certo sentido, legitimado, pela utilização da obra


de G. Dumézil, graças ao qual De Certeau descobre o papel do ritual (romano) de

od
fundação dos lugares e se convence de que este preceda as realizações históricas.

pr
Consequentemente, De Certeau interpreta as situações examinadas pelos juízes

re
como histórias, como substitutos repetitivos do ritual, e chega a afirmar que “as

a
narrativas antecedem as práticas sociais para abrir a estas o caminho. Decisões e

da
combinações jurídicas aparecem só posteriormente”. A primazia da narração é

bi
explícita: “antes do julgamento regulador, há o conto fundacional” (De Certeau,

oi
1980, p. 220-221).

Pr
Trata-se de uma atitude compartilhada pela cultura britânica e estadunidense.

_
Reconhece-se hoje que o linguistic turn, tanto na história como na geografia, tenha
or
tido “implicações potencialmente profundas para a compreensão da estrutura e
t
au

da ação nos processos históricos” (Gunn, 2001). No campo dos “community studies”,
do

ele teria conduzido ao deslocamento do foco da análise em direção à simbologia


do poder: no estudo já clássico de D. Harvey (1989), sobre a Paris Hausmanniana10,
ão

capital financeira, as redes de crédito e especulação fundiária, junto aos imperati-


s
vi

vos do Estado, produzem diferentes tipos de espaço urbano e incitam a analisar o


re

significado simbólico da localidade.


ra

Posteriormente, a proposta pós-moderna, anti-historicista e representacional


pa

na geografia, da qual já falamos, teria se associado a novos sistemas teóricos e novas


ã o

identidades sociais: o segundo feminismo e os estudos sobre a dialética do público/


rs

privado teriam conduzido à descoberta de “geografias múltiplas” e da conotação


Ve

de gênero do espaço público. Daqui uma nova geração de “geografias históricas da


_

cidade moderna e contemporânea”11, na qual, todavia, o espaço é produzido por


z

categorias que preexistem a ele, e que o dominam.


Vo

Portanto, a saída de ambos os reducionismos – geo-histórico e funcionalista –


e

ocorreu por meio de um ulterior reducionismo, com base no qual se procede em


tra

sentido único, partindo das narrativas e das categorias culturais deduzidas da te-
Le

oria literária, em direção à dimensão espacial e local. Foi a insatisfação a respeito

10. Ver: Raggio, 1990; Torre, 1995.


11. A referência é Walkowitz, 1992.

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 77


dessa tríplice forma de reducionismo que inspirou em Grendi as pesquisas, das
quais a Storia della storia locale representa um momento de reflexão historiográfica.

5. Penso que o convite de Grendi, a refletir sobre o método topográfico, conte-


nha indicações de grande importância para repensar nossa maneira de aproxima-

ão
ção à documentação histórica. Em particular, a abordagem topográfica permite


perceber os processos locais de gênese das fontes. A consciência desse processo

od
muda profundamente nosso modo de ler os conteúdos da própria documentação.

pr
O conteúdo local de uma prática ou de uma instituição é geralmente tido como um

re
elemento no qual é necessário purificar os relativos testemunhos. Para atestar sua

a
autenticidade, acaba-se por descontextualizar o que acontece. Com o objetivo de

da
legitimar as reconstruções dos eventos e as interpretações do passado, os fenôme-

bi
nos locais são reduzidos (ou elevados) a exemplificações de tendências ou proces-

oi
sos que se entendem tanto mais legítimos – ou seja, relevantes –, quanto mais são

Pr
abstratos e rarefeitos.

_
Ao contrário, se se toma em consideração o processo local – ou no máximo topo-
or
t
gráfico – de gênese das fontes, é possível observar dimensões inéditas da dinâmica
au

social do poder. Processos de legitimação cruzada dos detentores de poder e das po-
do

pulações sujeitas a estes (Raggio, 1990; Torre, 1995) desenvolvem-se por meio da
ão

transcrição de práticas sociais que evidenciam a existência de um uso pragmático


s

das instituições (Cottereau, 1987, p. 32-33). Nessa perspectiva, as próprias fontes


vi

se apresentam sob uma luz extraordinariamente dinâmica e não apenas – de modo


re

positivista – como expressão de uma realidade, mas muito mais um momento de


ra

modificação da realidade em si.


pa

Porém, sigamos de modo ordenado. Procuraremos ilustrar brevemente os pro-


ã o

cessos de legitimação das práticas sociais que estão na base da produção de uma
rs

documentação. Em seguida, veremos como essa dimensão permite compreender o


Ve

uso prático das instituições e sua relevância na modificação da realidade, que apa-
_

rentemente se limita a descrever.


z
Vo

Os processos de legitimação cruzada são imediatamente visíveis ao reconhe-


cer-se a natureza dialógica da documentação histórica, o resultado de um dúplice
e

processo de reconhecimento e legitimação recíproca. É “dado para compreender”


tra

algo passível de obter reconhecimento e respeitabilidade por parte de espectadores


Le

e ouvintes, em um contexto do qual esse dado deriva, aliás, pelo menos uma parte
do seu significado.
E o que se dá a compreender são, em geral, ações, com o objetivo de obter o reco-
nhecimento de sua validade. Poder-se-ia até mesmo afirmar que as ações reconhe-

78 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


cidas como admissíveis, em virtude de uma sua particular relação com os disposi-
tivos de legitimação existentes em um determinado contexto (situação), assumem
um estatuto superior e passam a ser reconhecidas como “práticas”.
A leitura das ações, em termos de legitimação, permite observar como são cria-
das as regras por meio da ação e como os atos são inseparáveis das mensagens que são

ão
“dadas para compreender” aos espectadores, cuja resposta concorre na definição


do significado contextual de tais atos. Estudando os procedimentos da justiça do

od
trabalho na França pós-revolucionária, A. Cottereau (1987, p. 30-33) chamou esta

pr
sequência de “instituir um precedente”: nas controvérsias, as ações dos litigantes

re
são reciprocamente interpretadas como “jogadas” que, se reconhecidas como legí-

a
timas, modificariam as prerrogativas de quem as realizou.

da
O mesmo Cottereau (1987, p. 30-33) demonstrou como este quadro interpreta-

bi
tivo permite a efetivação de uma maneira nova de se aproximar da documentação

oi
histórica: de chegar a uma “compreensão interna” das fontes que supere as meras

Pr
esperas de regularidade, para alcançar a definição “do sentido dado em uma situa-

_
ção” para uma ou mais ações. Segundo Cottereau (1987, p. 30-33), corremos o risco
or
de nos confundir no uso de uma fonte se não nos interrogamos sobre “les fins prati-
t
au

ques des situations à partir des fins pratiques de leurs transcriptions”12. Trata-se de uma
do

formulação em que deve ser evidenciado o contraste com a “renúncia da observação


dos observados”, que é possível captar nos estudos sobre as representações. A docu-
ão

mentação histórica nos coloca em contato com atores inspirados por fins práticos
s
vi

de legitimação, mas não são estes quem se ocupa da redação dos documentos que nós
re

analisamos. Estes são produzidos por uma ulterior sequência: a interação entre situ-
ra

ações conotadas pelos “fins práticos” de quem é descrito – ou se descreve – no ato de


pa

dizer ou fazer algo e os fins “práticos” da sua transcrição (Chartier, 1989).


o

Portanto, é um ato de legitimação dúplice, aquele que encontramos na base da


ã
rs

documentação histórica e que precisa estar presente na maneira por meio da qual
Ve

analisamos as práticas nela presentes. Sobre o primeiro aspecto – os fins práticos


de quem é descrito – nos últimos trinta anos gastaram-se rios de tinta a partir da
_
z

“confusão dos gêneros” e do afirmar-se da metáfora do texto como modelo de lei-


Vo

tura das fontes. Porém, o segundo aspecto – os fins práticos de quem transcreve – é
e

bem menos óbvio. Para entender tais fins, é necessário refletir, mesmo que bre-
tra

vemente, sobre alguns aspectos essenciais: a cultura jurisdicional e o pluralismo


Le

político e institucional do Antigo Regime.

12. Note-se a distância entre esta formulação – que precede um processo de legitimação dos atores por meio do
documento – e aquela de que fala Spiegel (1990), onde o problema é muito mais a “transparência” da lingua-
gem que caracteriza os textos.

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 79


Como já dissemos, as sociedades locais foram estudadas prevalentemente sob
a luz de categorias sociológicas genéricas, como família e comunidade. Mais rara-
mente, foram colocadas em relação com outros dois aspectos essenciais da socieda-
de do Antigo Regime: a cultura jurisdicional e as dinâmicas da sociedade política
territorial. Estas duas dimensões de análise requerem algumas palavras de intro-

ão
dução. A historiografia jurídica nos permite, hoje, reconhecer na jurisdição a ca-
tegoria por meio da qual as populações da Europa medieval e moderna percebiam


e identificavam o poder (Raggio, 1990). A. M. Hespanha (1993) enfatizou muitas

od
vezes, com base em P. Grossi e P. Costa, como, na cultura popular, a expressão mais

pr
visível do poder fossem a administração da justiça e a declaração do direito, e como

re
o modo de organizar o exercício do poder fosse normalmente próximo ao processo

a
da
jurisdicional. As situações sociais – desde as patrimoniais, até as rituais – eram juri-
dicamente tuteladas, e a sua proteção podia ser reivindicada no tribunal. Por isso,

bi
oi
o formalismo documental e o litígio judicial aparecem, assim, como fenômenos

Pr
marcantes, identificáveis também a nível popular, no “direito dos camponeses”

_
(Hespanha, 1993, p. 43; Hespanha, 1999, p. 44-9). or
Essa concepção jurisdicional do poder afirmava-se num quadro em que coe-
t
au

xistiam diversos centros autônomos de poder, cuja legitimidade sustentava-se na


metáfora dos “corpos”: ou seja, tais centros podiam dispor da autonomia de fun-
do

cionamento demandada pelo exercício da função que lhes era atribuída na econo-
ão

mia do todo. Sobretudo, como mostrou B. Clavero (1979), o pluralismo era apoiado
s
vi

por uma literatura jurídica que não falava do Estado, mas de uma pluralidade de
re

jurisdições e direitos (no plural) fortemente dependentes de outras ordens norma-


ra

tivas (desde a moral religiosa, até os deveres de amizade). Além disso, o direito, não
pa

sendo produzido pelo Estado, mas por uma tradição literária, possuía fronteiras
fluidas e móveis com os outros saberes normativos (éticos e teológicos). Por fim,
ã o

a iurisdictio, a prerrogativa de dizer o direito – ou seja, de assegurar os equilíbrios


rs
Ve

estabelecidos e, portanto, de manter a ordem em seus vários níveis – era vista como
dispersa na sociedade, sendo a summa iurisdictio nada mais do que a possibilidade
_

de tornar harmônicos os níveis mais baixos da jurisdição (Clavero, 1999).


z
Vo

Nesse quadro, os processos de transcrição documentária assumem significân-


cias ainda mais fortes: em um universo permeado de cultura jurisdicional, o mun-
e
tra

do das práticas possuía, de fato, um significado legitimador, em pelo menos dois


sentidos. Em primeiro lugar, as práticas fundamentavam o significado das ações e
Le

geravam um precedente: criavam, em outros termos, a legitimidade – e definiam


assim o status – daqueles que as desempenhavam. Em segundo lugar, as práticas
legitimavam as instituições que as registravam. A transcrição das práticas sociais,
que permeia a documentação histórica, além de sancionar os “fins práticos” de

80 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


quem é descrito, se descreve no ato de dizer ou fazer alguma coisa e expressa os
“fins práticos” de quem, registrando tais atos, valida-os e afirma a própria prerro-
gativa sobre estes (Torre, 1995; Cottereau, 1987).
Se considerarmos as ações transcritas pela documentação, no quadro da cultu-
ra jurisdicional e do pluralismo político do Antigo Regime, podemos ter uma ideia

ão
do uso prático das instituições. Trata-se de uma dimensão que, a meu ver, muda de


forma radical o significado e a interpretação que podemos dar às posições insti-

od
tucionais. Pesquisas históricas sobre o procedimento judiciário procuraram iden-

pr
tificar a prática das instituições possibilitada pelo pluralismo jurisdicional (Ago;

re
Cerutti, 1999), fazendo emergir alguns importantes eixos analíticos:

a
a) Práticas de certificação: como mostra uma pesquisa sobre os procedimentos

da
de justiça na Roma barroca, os sujeitos buscam um julgamento oficial para certi-

bi
ficar, tornar público, um direito próprio. Posteriormente, abandonam esse cami-

oi
Pr
nho, sem ativar o procedimento que deveria conduzir a sentença. Além disso, exis-
tem normas que conferem aos postulantes tal prerrogativa, sem necessidade de

_
ativar o ordo iudiciarius. A função que assim se atribui ao juiz é muito mais parecida
t or
com aquela de um notário que com aquela de um iusdicente. O uso da justiça deve
au

ser entendido dentro da lógica da informação, mesmo naquela do diálogo, onde o


do

objetivo é ter a certificação das provas, ou mesmo de um mandado de apreensão


ão

cautelar, visando a um acordo “extrajudicial” (Ago, 1999, p. 403-404).


s

b) Atos possessórios: é preciso notar que não se trata de procedimentos perifé-


vi
re

ricos, em curtis inverossímeis ou rústicos, nem de práticas jurídicas residuais. Ao


ra

contrário, a própria justiça régia baseia-se sobre esse uso certificatório da justiça
pa

central, nos seus mais altos graus de julgamento. No mesmo sentido direcionam-se
aqueles procedimentos, explicitamente previstos pela mesma codificação do sécu-
ã o

lo XVIII, que se fundam na linguagem da posse. “Atos possessórios”, isto é, “atos


rs

concretos com os quais os diversos sujeitos políticos e sociais sancionavam e legiti-


Ve

mavam a própria posse de bens ou direitos”, estavam na base da prática dos magis-
_

trados, tanto no centro quanto na periferia de um Estado, como aquele dos Savoia,
z
Vo

e eram previstas por uma das primeiras formas de codificação moderna (Silvestri-
ni, 1997, p. 52-53). Tais modalidades eram análogas em todos os contextos sociais
e
tra

e políticos: valiam tanto para eminentes abades que propunham reivindações jun-
to a uma entidade eclesiástica, quanto para clérigos menores que reivindicavam
Le

direitos sobre benefícios, e também para camponeses que disputavam terras em


comum. A ação concreta possuía múltiplas relevâncias: era essencial para atribuir
validade jurídica à posse, mas ao mesmo tempo era uma prova da vontade de ser-
vir-se desta e, portanto, da continuidade necessária para sua manutenção jurídica.

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 81


c) Práticas de registro: a possibilidade do uso da instituição judiciária – e, por-
tanto, das diversas instituições judiciárias em competição em um determina-
do quadro territorial – com intuito certificador, por meio da publicação de atos
possessórios, parece ter trazido à tona também documentos que, normalmente,
são analisados por uma ótica bem diferente. Muitas fontes do Antigo Regime são

ão
fontes de registro, atos nos quais mais de uma parte expressa o consentimento em


compor um corpus, compartilhando os custos e os benefícios deste. Trata-se de fon-

od
tes que são geralmente lidas exclusivamente por aquilo que contêm e das quais se

pr
pressupõe uma representatividade total da realidade que representam ou na qual

re
se desenvolvem. Seria talvez mais interessante lê-las por aquilo que não contêm e

a
para ver quem, nelas, são os excluídos. Isso é especialmente evidente na documen-

da
tação relativa à propriedade fundiária proveniente dos campos dos séculos XVI e

bi
XVII. Existem casos nos quais os administradores dos recursos coletivos de uma

oi
localidade estabelecem relações com grupos de residentes, associações e poderes,

Pr
com o objetivo de definir a continuidade e legitimidade da posse de bosques, pas-

_
tagens, lotes. Fazem-no por intermédio de assegne, procedimentos de certificação
or
da posse dos quais encontramos os vestígios, atualmente, no antigo catasto.13 De
t
au

tal maneira, um documento que a historiografia econômico-social tradicional-


do

mente analisou em termos de distribuição da propriedade fundiária e, então, de


estratificação social dos residentes, na perspectiva da história local revela outros,
ão

inesperados, significados. O registro da posse não pode ser lido separadamente de


s
vi

outro tipo de fonte, a disputa territorial, que somente há pouco tempo entrou no
re

campo dos interesses historiográficos. Então, o catasto, considerado no cenário


ra

das controvérsias territoriais, é usado para transcrever os direitos adquiridos pelos


pa

utilizadores de um recurso coletivo e, dessa forma, legitimá-los (Palmero, 2000).


ã o

Se levarmos em conta o processo de transcrição de práticas que está na base da


rs

documentação, podemos perceber as fontes como modificações da situação que


Ve

descrevem, e não como suas reproduções mais ou menos transparentes: são o fruto
_

de uma interação entre atores e poderes que visa a atestar e legitimar ações mate-
z

riais e simbólicas de valorização e apropriação de recursos, que mudam, por este


Vo

motivo, a configuração dos atores ativos na situação.


e
tra

6. Cultura jurisdicional e transcrição de práticas nas fontes, centralidade dos


Le

atos possessórios e segmentação da sociedade política territorial permitem cons-

13. N.T. A palavra surge para indicar em geral um cadastro, mas adquire com o tempo, na Itália, o significado
de registro de bens imóveis.

82 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


truir uma grade de leitura da documentação que poderíamos definir como topo-
gráfica – isto é, atenta à dimensão espacial em escala local – e dinâmica, um ato que
modifica a situação que descreve. Trata-se de um método completamente negli-
genciado pela historiografia cultural e social e também pela própria antropologia
histórica, mas que se revela precioso para compreender o ritual e os significados

ão
que lhes atribuíam protagonistas e observadores: o primeiro de todos, a constru-


ção no plano cerimonial daquela comunidade que tensões e assimetrias de poder

od
deixam somente entrever. O objetivo das páginas que seguem será, portanto, o de

pr
analisar alguns conteúdos e as formas mais difusas da produção histórica dos luga-

re
res no Piemonte rural durante a Idade Moderna.

a
da
Contrade

bi
O olhar etnográfico sobre a Europa rural sancionou o abandono de um dos

oi
Pr
mais poderosos mitos historiográficos do século XX, aquele da comunidade cam-
ponesa como organismo de base da sociedade rural. Numerosas análises em escala

_
or
topográfica das aldeias italianas – piemonteses, lígures, toscanas e da Campânia14
t
– colocaram em evidência sua fragmentação interna, uma condição da qual ainda
au

dificilmente se percebem as implicações na esfera geral. A morfologia de ocupação


do

revela, por exemplo, áreas de persistência dos bairros de linhagem periféricos. Mais
ão

em geral, descreve a dispersão de muitas aldeias em borgate, vilas, bairros. Junto com
s

estes tipos de assentamento, coexistem áreas de aldeias de assentamento compacto,


vi
re

que seguem geografias que ainda devem ser determinadas com precisão.
O modelo de aldeia como habitat fragmentado (ou multicêntrico) na área lí-
ra
pa

gure-piemontesa (mas nem a área lombarda parece estar imune a esta tipologia)
permite lançar algumas considerações gerais (Toubert, 1960). A primeira refere-
ã o

-se à estreita correlação existente entre esse tipo de assentamento e um verdadeiro


rs

sistema político que possui no seu centro os bairros de linhagem. As parentelas, de


Ve

fato, resultam diferenciadas conforme uma série de fatores: em primeiro lugar, os


_

grupos parentais distribuem-se diferentemente nos diversos assentamentos (Ra-


z
Vo

ggio, 1990) e esta distribuição influencia profundamente os seus modelos de ca-


samento e de aliança (Lombardini, 1996). Dentro de um singular grupo parental,
e
tra

variam fortemente o número de afilhados e a sua colocação na hierarquia dos pa-


trimônios. As parentelas manifestam assim uma capacidade variável de assegurar
Le

para si o acesso aos recursos materiais e, como veremos, também aos simbólicos.

14. Sobre esse assunto ver: Grendi, 1993; Levi, 1985; Torre, 1985; Raggio, 1990; Angelini, 1996; Pazzaglie,
1996; Delille, 1989; Ciufreda, 1988; Lombardini, 1996.

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 83


Consequentemente, desenvolve-se uma “consciência social do espaço”, na qual
pode ser identificada uma poderosa matriz da política local (Grendi, 2004). A assi-
metria dos poderes locais recebe, portanto, as características de uma segmentação
saocial e estimula a falar da comunidade-aldeia como um agregado de segmentos
– com base potencialmente parental – em constante tensão recíproca. Além disso,

ão
uma conflitualidade violenta, fundada no instituto da vingança, que é registrada


nas áreas de assentamento disperso, coexiste com diversas ações institucionais

od
(Raggio, 1990) – a república aristocrática dos genoveses para as aldeias lígures, o

pr
Sacro Romano Império para os feudos imperiais das Langhe ou o Ducado de Savoia

re
para as aldeias dos distritos urbanos de Ceva e Mondoví.

a
Em um processo que aqui não é possível apresentar com muitos detalhes, di-

da
versos fatores estão em jogo: desde a formação das vilas francas tardo-medievais

bi
(Guglielmotti, 2001), à criação do feudo15 e à dissolução do enquadramento reli-

oi
gioso baseado na pieve.16 Este último, em particular, está ainda plenamente presen-

Pr
te durante a Idade Moderna e está à base da incessante competição para o controle

_
da prática sacramental das populações locais, que se desenvolve entre os diversos
or
t
segmentos territoriais e as diversas jurisdições que aí estão presentes. A “territo-
au

rialização dos direitos de sepultura”, que foi identificada como a base do processo
do

de criação do município rural toscano entre os séculos XI e XII, parece ter ocorrido
ão

no Piemonte de modo frágil e parcial: ainda no final do século XVI, a individua-


s

lização da igreja paroquial – seja enquanto edifício, seja enquanto sede adminis-
vi

trativa – revela-se por intermédio das visitas apostólicas e pastorais, um momento


re

de conflito e incerteza (Wickham, 1995). Neste período, a maioria das aldeias pie-
ra
pa

montesas possui mais de uma igreja que pode ostentar tal prerrogativa, ou por ser
detentora de direitos de cobrança do dízimo, ou por ser sede de cuidado das almas,
ã o

ou ainda por ser sede de rituais comunitários (Torre, 1985).


rs
Ve

Devemo-nos perguntar quais são as formas políticas das linhagens. Foi suge-
rido por G. Levi (1985) que estas, onde não tenham um claro deslocamento terri-
_

torial, constituem-se em frentes de cooperação e competição. Entretanto, nas si-


z
Vo

tuações de assentamento multicêntrico e fragmentado aos quais nos referimos, a


política conduzida pelos bairros de linhagem é identificável, mesmo que de modo
e
tra

não transparente, por meio da documentação administrativa e judiciária, laica e


eclesiástica: a institucionalização do bairro por meio de dispositivos jurídicos, de-
Le

15. Sobre o feudalismo na região do Piemonte, ver pelo menos: Bordone, 1980a, 1980b; Guglielmotti, 1990;
Provero, 1992.
16. N.T.: Circunscrições eclesiásticas menores da Itália setentrional, durante o medievo.

84 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


vocionais e rituais, e mediante a gestão dos conflitos. Nesse sentido, procuremos
examinar separadamente alguns desses pontos.
Observemos por enquanto os procedimentos jurídicos. Não é certamente por
acaso que nas páginas de um famoso jurista piemontês do século XVI, Nicola Losa,
encontram-se enunciados os dispositivos com base nos quais um grupo de vizinhos

ão
pode adquirir o status de um corpo formal na aldeia. De fato, não é casual que em


uma das regiões majoritariamente caracterizadas por assentamentos fragmentados

od
e multicêntricos sejam apontadas as ações previstas pelo direito comum para trans-

pr
formar um grupo de vizinhos em uma “borgata17”. É suficiente, segundo Losa, que

re
cinco chefes de família o peçam para que o conselho municipal possa acatar o seu pe-

a
dido. O jurista piemontês não especifica o motivo pelo qual seria desejável tal status,

da
mas basta considerar por um momento os mecanismos fiscais locais do Antigo Regi-

bi
me para compreender: adquirir um status territorial é vantajoso em um regime fiscal

oi
que é, na ausência de um regime de propriedade exclusiva da terra, intrinsicamente

Pr
territorial. Tornar-se borgata implica transformar-se em uma das articulações da

_
vida pública da aldeia e, portanto, participar do distaglio18 dos impostos, da definição
or
dos critérios com base nos quais se compõe o conselho municipal, etc., do registro das
t
au

almas e assim por diante. Surpreende, também, o baixo número de chefes de família:
do

de um ponto de vista demográfico, cinco chefes de família podem representar nada


mais do que uma dupla de irmãos com pais e filhos casados...
ão

Todavia, é ainda menos casual que atualmente encontremos Losa à base do


s
vi

mais importante tratado de política territorial da Europa Moderna, o tratado de


re

Althusius, no qual se tende a perceber a reivindicação de um modelo territorial


ra

e federativo de formação política. À base, porque o tratado do jurista piemontês


pa

parece ter permitido o desenvolvimento das teorias políticas do jurista holandês, o


o

que é atestável observando-se a profunda ampliação que separa a segunda edição,


ã
rs

de 1614, da primeira, escrita dez anos antes.


Ve
_

Apparrocchiamento 19
z
Vo

Esse entrelaçamento persistente entre jurisdições e segmentação social e políti-


ca não é sem consequências para o próprio significado da expressão religiosa. Esta
e

aparece extraordinariamente funcional na manifestação, no plano simbólico, das


tra

tensões que animam a organização dos grupos e dos poderes. Para propor alguns
Le

17. N.T.: Um pequeno povoado, ligado a áreas de economia rural.


18. N.T.: Divisão, orçamento preventivo.
19. N.T.: Termo utilizado pelo autor para indicar o aumento de paróquias.

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 85


exemplos, também a consolidação da “contabilidade do além” tende a se traduzir,
na região do Piemonte, em uma linguagem da segmentação. Ao mesmo tempo,
por meio de uma gama de escolhas compreendidas entre o simples lascito pio20 e a
criação de capelanias e de benefícios simples de patrocínio laico, as estratégias de
legitimação dos laços parentais e das suas solidariedades territoriais encontram na

ão
esfera eclesiástica importantes canais de expressão (Torre, 1985, p. 164-72; 1992).


Mas também canais de institucionalização: é possível identificar uma política

od
das parentelas análoga àquela da borgata no apparrocchiamento. O direito canôni-

pr
co prevê, não diferentemente do direito comum, a necessidade de um pequeno

re
número de chefes de famílias para a concessão episcopal da instituição paroquial

a
(Prosperi, 1996, p. 310-311). Assim, por intermédio de uma ponderada dosagem

da
de legados, benefícios e gestão local dos sacramentos, as capelas das linhagens po-

bi
diam se transformar em instituições paroquiais. Permito-me dar um exemplo: a

oi
Pr
capela de Santa Croce di Briaglia é objeto de uma série de legados por parte de uma

_
das parentelas locais, os Borsarello, a partir de 1614. Outros legados do Seiscentos,
or
no período de 1619 a 1666, por parte de ramos diferentes da família, levam à fun-
t
au

dação de uma capelania. Na metade do século XVIII, a parentela tira dos bispos de
Mondovì o direito de batizar sem se valer do pároco de Vico, do qual os Borsarello
do

dependem e, com uma série de investimentos devocionais, cria associações de fiéis


ão

de caráter prevalentemente paroquial: uma confraria do Rosario, sucessivamente


s
vi

de Agonizzanti, depois de umiliate dela Concezione dela Beata Vergine e por fim del Su-
re

ffragio ai defunti. A igreja obterá o título paroquial em 1725 e será constantemente


ra

controlada pela parentela dominante (Torre, 1985, p.196-197).


pa

Da mesma maneira, as vizinhanças também são protagonistas, no Piemonte


o

moderno, de políticas territoriais de devoção, das quais, infelizmente, não pode-


ã
rs

mos tratar neste texto: elas passam através da concentração dos legados em luga-
Ve

res de culto periféricos e obviamente acentuam a pluralidade dos lugares de culto,


_

característica das aldeias da região (Torre, 1985). O conjunto dessas condições – o


z

assentamento multicêntrico, a fragmentação das aldeias, o entrelaçamento de ju-


Vo

risdições – dá um aspecto característico à vida religiosa das aldeias piemontesas:


e

aparece como um processo de negociação incansável das relações entre assenta-


tra

mentos e das suas prerrogativas jurídicas e jurisdicionais. Examinadas sob esse


Le

perfil, as comunidades piemontesas apresentam-se como estruturas federativas


que exprimem as próprias tensões e solidariedades internas, por meio de um ri-

20. N.T.: Tipo de documentação que corresponde a uma herança deixada em favor de entidades eclesiásticas.

86 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


tual articulado numa multiplicidade de lugares de culto, nos quais se manifestam
as tensões territoriais e políticas entre as borgate.

Confrarie
As considerações apresentadas são essenciais para a compreensão da associa-

ão
ção mais difícil de ser definida entre aquelas aldeias da Idade Média tardia e da


Idade Moderna: a confraria21 (do latim confratria) di Spirito Santo. Por meio de raros

od
legados dos séculos XIII e XIV e de lacônicas descrições das visitações episcopais

pr
pós-Concílio de Trento, é possível observar a existência de uma instituição me-

re
dieval voltada à redistribuição simbólica de recursos derivados de legados de de-

a
funtos, durante as festividades de Pentecostes, por intermédio de um banquete de

da
leguminosas preparadas em um edifício profano para exclusivo uso cerimonial.

bi
Sua presença em todo o Mediterrâneo setentrional – de Portugal à Itália centro-

oi
-setentrional, passando por muitas regiões francesas e alpinas – deveria ter levado

Pr
a considerá-la dentro do inteiro panorama das instituições locais. Ao contrário,

_
perseguiu-se o mito das suas origens e se ignorou sua distribuição capilar nos sé-
or
culos XIII-XV: assim, acabou-se por confundi-la, no decorrer do tempo, com uma
t
au

confraternita rudimentar, ou mesmo com uma instituição comunal, ou ainda, a


do

partir do século XVI, com um autêntico achado arqueológico.22


A leitura topográfica das práticas cerimoniais das confrarie, transcritas por vi-
ão

sitantes episcopais pós-Concílio de Trento, nas dioceses do Piemonte meridional,


s
vi

permite individuar algumas características peculiares delas. As confrarie apresen-


re

tam-se, de fato, como instituições territoriais, mas não coincidem necessaria-


ra

mente com a comunidade entendida juridicamente. Elas expressam muito mais


pa

a segmentação política e social das aldeias. As confrarie mostram-se então capazes


o

de perdurar por todo o Antigo Regime e, em alguns casos, de conservar intacto seu
ã
rs

repertório de práticas cerimoniais e de símbolos – incluindo uma específica icono-


Ve

grafia trinitária – ainda durante o século XIX e além.23


_

Apesar dos títulos de posse de terras e de cânones legados por testadores em


z
Vo

21. N.T.: Na versão original, o autor utiliza exatamente o termo confraria, que no italiano atual não é de uso
e

corriqueiro. De fato, o termo que corresponde à confraria do português é confraternita, e, por este motivo,
tra

preferimos deixar o termo em itálico, pois o entendemos na versão original do autor, que o usa com base na
Le

terminologia específica da sua pesquisa e da documentação consultada.


22. Mas Valduggia, que conservou os registros de 1575-1600, demonstra o contrário, com uma impressio-
nante série de pequenos legados. “Inventário dos legados, 1557-1770”. Congregação da Caridade Valduggi,
Confraria do Espírito Santo, b. 1. Arquivo do Estado de Vercelli, Sessão de Varallo Sesia (ASVS).
23. Por um mecanismo de esquecimento que ainda está por ser estudado, foram os folcloristas dos séculos
XIX e XX quem contribuiu, paradoxalmente, para o desaparecimento destas instituições e das tradições a elas

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 87


diferentes tempos, as confrarie identificavam-se com o fato de fazer o banquete.
Ao mesmo tempo, os viajantes episcopais pós-Concílio de Trento expressam-
-se exatamente nestes termos: “confratria fietur”. Também os observadores laicos
identificam-na como uma prática: no decorrer de uma investigação do Ordine dei
Santi Maurizio e Lazzaro, os delegados do Duque de Savoia percebem a existência

ão
da confraria – mesmo onde se tenta mantê-la oculta – pedindo para “visitar onde se


fazia o Pentecostes”.24

od
Se observamos – considerando o limite permitido por uma documentação

pr
reticente – as práticas concretas do banquete do Pentecostes, podemos descobrir

re
que, precisamente em virtude da variabilidade local, elas dão voz a segmentos da

a
população que, de outra forma, seriam silenciados: grupos de vizinhos ou paren-

da
telas, conforme a natureza dos assentamentos (Comino, p. 687-689; Torre, 1999,

bi
pp. 81-97). Compreendida desse modo, a confraria parece expressar, sobretudo, a

oi
identidade de um grupo local por intermédio da redistribuição de comida entre os

Pr
próprios membros.

_
Na realidade, a prática do banquete de Pentecostes oscila ao longo de um conti-
or
nuum muito amplo que vai de uma única cerimônia por comunidade, até alcançar
t
au

uma dispersão mais ou menos ampla (em casos extremos, até sete ou nove confrarie
do

por unidade administrativa). Entre esses dois polos estão infinitas práticas que po-
ão

deríamos definir de bairro, correspondentes a formulas do tipo “soprano”/”sottano”


(superior /inferior). Para dar um exemplo, em Agnona no Valsesia, quando os “ho-
s
vi

mens da comunidade” reúnem-se para eleger os confrari da Carità di Santo Spirito,


re

determinavam também os confins desta confraria. Em 1694, eles


ra
pa

concordaram que, do Croso di Garlotto, em direção à parte superior, devam


eleger os supracitados Procuradores, ou Confrari, para o governo de uma Ca-
ã o

rità, elegendo um deles em Agnona e outro em Casosso e do dito Croso, em


rs

direção à parte inferior, devam eleger os outros dois Procuradores para o go-
Ve

verno da outra Carità, elegendo um deles em Agnona e outro em Cascine.25


_

Todavia, poder-se-ia pensar que se trata de geografias imóveis, de resíduos de


z
Vo

outras circunscrições administrativas, das quais se tenha perdido ulterior me-


mória. Contudo, que não seja assim, é ilustrado com força por outros fragmentos
e
tra

documentários, dessa vez, provenientes de Valduggia. Nesta localidade, a con-


Le

ligadas, pelo privilégio acordado pelos testemunhos literários, que em relação à confraria resultam escassas
(enquanto, surgem abundantemente aquelas administrativas).
24. Relação dos bens do Santo Espírito de S. V. Cardé. Arquivo da Ordem Mauriziono, Torino, Confrarias m.1, n. 24.
25. ASVS, Congregazione di Carità, Agnona, b.1 “Libro di Carità di Santo Spirito”.

88 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


servação de um documento extraordinário (mas não desconhecido na região) de-
monstra como as confrarie foram concebidas deliberadamente como instituições
para a produção de lugares. No frontispício de um “Elenco das famílias domicilia-
das na jurisdição da Carità di Santo Spirito de Valduggia para a escolha dos confrari,
1699-1806”, uma escritura do início do Oitocentos afirma que foram divididas as

ão
famílias por “terzieri26” (e na realidade, não podemos excluir que seja o próprio re-


dator a propô-los como tais, a inventá-los e a legitimá-los com a própria escritura):

od
por três anos a gestão da caridade “local” pertencerá a Lebbia e Limio, depois a Cro-

pr
bia e Malmo27. Mas o documento segue, revelando a prática à qual está obedecen-

re
do: “por memória que tendo reconhecido as casas habitadas em Gabbio superior

a
e inferior são 30 e em Crobia são 10. (...)”. A densidade de habitação é, portanto, o

da
critério capaz de movimentar o equilíbrio, as orientações e as gravitações entre os

bi
“lugares”. Trata-se, é claro, de um fator que muda no decorrer do tempo e por efeito

oi
de outras práticas, como aquelas de sucessão ou os fluxos migratórios.

Pr
Porém, a confraria (que, lembremos, é definida contextualmente como uma

_
jurisdição) não se limita a registrar vizinhanças, mas modela o território segun-
or
t
do a vontade dos membros: a plasticidade está assegurada, nos informa nossa tes-
au

temunha de Valduggia, pelo fato de que, “quando há algum novo lar, ou irmãos
do

divididos e moradores em suas casas de propriedade, é sempre costume eleger


ão

aqueles”: novos lares, novos cargos. Não é casual, portanto, que o anônimo redator
s

use ainda, no início do Oitocentos, um termo carregado de significações de poder,


vi

como “jurisdição”: a confraria é um âmbito no qual se instituem as regras da coesão


re

segmentária em territórios específicos criados e “orientados” pelas situações de


ra

assentamento, populacionais e políticas do lugar em questão (Hespanha, 1993, p.


pa

807-822). É um âmbito de poder que plasma o pertencimento e que atrai ou afas-


o

ta a “vizinhança”. A metáfora do campo magnético é justificada pelo fato de que,


ã
rs

nesse período, a atração local está adquirindo novos significados: após alguns de-
Ve

cênios, em 1834, outro redator anônimo de contos das confrarie, provavelmente


_

um Bussi de Cantone ou de Zuccaro, registrará na documentação da confraria local


z

(de Cantone e Zuccaro) uma emigração que percebia como definitiva, utilizando o
Vo

termo “Pátria” para se referir à sua própria confraria28. A metamorfose lexical –


e
tra
Le

26. Divisão peculiar de algumas cidades italianas, correspondente a um bairro.


27. ASVS Congregazione di Carità, Valduggia, Confraria di Santo Spirito, b.1: Lebbia corresponde ao nome
de dois Cantoni do Elenco; Crobia existe na seção “abaixo”; Limio, Malmo e Gabbio não são cantoni no início
do século XVIII. Simples desatenção, ulterior indício de mobilidade, ou ainda disparidade de toponomástica
entre um testemunho local e um administrador dos Savoia?
28. ASV. Congregazione di Carità, Valduggia, Carità di Spirito Santo di Cantone e Zuccaro, b.1 “Avvenimenti

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 89


desde o direito político dos vizinhos até ao sentimento de pertencimento e à ideo-
logia política – parece, portanto, efetivar-se em tempos nos quais a historiografia
idealística nos apontou para outras escalas e para outros âmbitos sociais.
As escolhas não aparecem como totalmente independentes da estrutura dos
poderes formais: parece, por exemplo, constituir-se uma preferência, das áreas

ão
com forte presença senhorial, por uma gestão unitária do banquete – independen-


temente da coesão do assentamento (Torre, 1985, p.102-103). Porém, sobretudo,

od
por intermédio das confrarie, é possível encontrar uma difusa estrutura de aldeia

pr
que poderíamos chamar de federativa. Ela coloca-se ao lado daquela já conhecida,

re
mas circunscrita, das ditas “comunidades de vale”29. Uma análise mais aprofunda-

a
da das estruturas federativas permitiria identificar na confraria uma das matrizes

da
da paróquia rural: ainda durante a metade do século XVII, de fato, a duplicação das

bi
confrarias implica uma duplicação das paróquias, e não vice-versa30.

oi
Desse modo, deveríamos identificar na confraria di Santo Spirito uma simples

Pr
variável da morfologia de assentamento das aldeias do Mediterrâneo? Na realida-

_
de, a escolha das linguagens com as quais celebrar o Pentecostes, as categorias in-
or
terpretativas adotadas para descrever as atividades da confraria e também os sím-
t
au

bolos utilizados pelos contemporâneos para identificá-la, apontam para opções


do

culturais conscientes, para arquiteturas institucionais explícitas que, infelizmen-


te, compreendemos ainda muito pouco.
ão

Enquanto a celebração do Pentecostes nos campos piemonteses prevê uma


s
vi

multiplicidade de práticas – desde o jogo e a dança, até a missa –, a linguagem


re

com a qual manifestá-la parece ser somente uma: a caridade. Mostrei, em outro
ra

momento, o nexo que persistia entre o banquete, a caridade e a criação de lugares,


pa

comprovado por meio de observadores contemporâneos, como o mons. Carlo Bas-


o

capé, bispo de Novara. Um nexo que confirma, sem sombra de dúvida, a hipótese,
ã
rs

formulada mais vezes pela historiografia social dos últimos trinta anos, pela qual
Ve

a linguagem da caridade seja constitutiva da comunidade ou do grupo social:31 mas


que nos fala também das dinâmicas subjacentes a esse processo de legitimação e,
_
z

em particular, da publicidade do cerimonial.


Vo

No fragmentado contexto piemontês, a reunião na qual se expressa a caridade


e
tra

per procuratori della Carità”, 21 mai. 1834.


Le

29. São as primeiras conclusões de uma pesquisa coletiva sobre a origem das fronteiras municipais, conduzida pela
região do Piemonte e coordenada por Renato Bordone. Ver: Vaccari, 1963; Santini, 1964; Valetti Bonini, 1976.
30. CDC,Valduggia, b.1, “Transazione nella causa vertente tra gli uomini di Valduggia e S. Maria per la Carità
di Spirito, 1660. ASVS.
31. Ver: Trexler, 1973, p. 64-103, 1973; Henderson, 1992, p. 9.

90 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


pentecostal não se refere necessariamente a comunidades administrativas, mas
parece capaz de criá-las:32 dá nome aos lugares, ou seja, transforma-os em âmbitos
nos quais se institui um ritual público, nos quais âmbitos, na prática, se distribuía
publicamente comida conforme critérios locais particulares. Poder-se-ia dizer, no
máximo, que aquela reunião faz de um lugar um corpo, ou seja, torna-o titular de

ão
um “quase-ius”.33 Ele parece assumir uma personalidade jurídica que o coloca em


condições de coletar, de distribuir, de receber legados, de possuir: de resto, vimos
como na Valsesia, da qual estamos tomando grande parte desses exemplos, fala-

od
-se explicitamente de “jurisdição” da confraria.34 Nesse sentido, esta última é uma

pr
re
instituição da vizinhança, que expressa solidariedades territoriais eventualmente
fragmentárias frente à organização da estrutura administrativa formal: a frag-

a
da
mentação, em outros termos, pode-se manifestar também em localidades admi-
nistrativas aparentemente unitárias – por exemplo, compreendidas em um úni-

bi
oi
co feudo ou que constituem somente uma única unidade administrativa (Torre,

Pr
1985, p. 119-20).

_
or
7. Os exemplos anteriores mostram suficientemente como o entrelaçamento e
t
au

a sobreposição dos laços entre diferentes cantoni35 descrevem uma forma de orga-
do

nização política (Lombordini; Torre, 1994). Tal organização interage com os pro-
cessos de transformação social: seja com aquele de formação do Estado, seja com
ão

aquele da industrialização. Entretanto, não se trata de uma relação de alteridade


s
vi

e de resistência, que poderíamos imaginar se igualássemos “local” a “popular” (Sa-


re

muele, 1993, p. 89-103).


ra

Podemos examinar esse problema por meio da história (esquemática) do Valle


pa

Mosso, um pequeno vale piemontês contíguo à região de Valsesia (de onde toma-
o

mos nossa documentação sobre as confrarie). Trata-se do berço da industrialização


ã
rs

italiana, mas também (como ninguém sabe) de um território de altíssima frag-


Ve

mentação de assentamento. O vale é composto por quatro (hoje três) comunas,


mas se refere a pelo menos cinquenta cantoni, caracterizados pela típica base pa-
_
z
Vo

32. O material das dioceses de Mondovi e Novara (Valsesia) permite individuar na confraria uma instituição,
e

às vezes na construção de lugares. Ver: Torre, 1985, p. 130-132. O espaço que esses desenham não corresponde
tra

às circunscrições existentes.
Le

33. A expressão é usada em 1667 pelo Mons. Della Chiesa no Cairo. “Visita Mons. Della Chiesa”, s.v. m. 28.
Arquivo da Cúria Vescovile di Alba.
34. CDC,Valduggia, b.1, “elenco delle famiglie domiciliate nella giurisdizione della Carità di Spirito Santo di
Valduggia per la scelta dei confrari, 1699-1806”. ASVS.
35. N.T.: Cantone ou cantoni (no plural) refere-se a um tipo de divisão administrativa que abrangia uma deter-
minada área, utilizado prevalentemente com relação a antigos estados.

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 91


rental.36 Na Idade Moderna, a organização política do vale é baseada nas coligações
– móveis – dos cantoni. Tais coligações podem existir porque os cantoni têm uma
série de direitos vinculados à exploração dos recursos, uma série de instituições
rituais e de orientações econômicas, administrativas e, por certo tempo, também
ideológicas, que os aproximam a alguns dos cantoni (mais ou menos contíguos) do

ão
vale, distanciando-os de outros.


As relações internas do vale (e, obviamente, com os vales adjacentes) foram re-

od
gistradas, quase exclusivamente, pelo Estado dos Savoia, que, desde o século XIV,

pr
atua sobre aquele território, e tem a jurisdição incontestável com um objetivo pre-

re
ciso, embora audacioso: obter, para escopos ficais, o desmembramento da antiga

a
unidade dos vales, o Mandamento de Mosso, rumo à constituição de comunidades

da
responsáveis fiscalmente. Muito esquematicamente, o processo conheceu uma sé-

bi
rie de três séculos de fracassos: mas a resistência das populações locais deveu-se,

oi
não tanto à “distância cultural” de Turim, mas principalmente à complexidade do

Pr
regime possessório.

_
A exigência dos Savoia de desmembrar o Mandamento surge a partir de dificul-
or
t
dades financeiras. Nos anos 20 do século XVII, o Estado dos Savoia conhece uma
au

crise gravíssima, que desemboca na guerra civil de 1639-1642 (ainda pouco co-
do

nhecida) (Cerutti, 1992). Para obter dinheiro, Carlo Emanuele I propõe criar seis
ão

comunidades administrativas que resultam em uma “federação”, ou somatória,


s

de cantoni contíguos. Ao mesmo tempo, procura instituir um regime duplo de ex-


vi

ploração dos pastos: aqueles mais altos, ditos “disgiunti” (distantes, separados dos
re

cantoni) são alugados, enquanto aqueles próximos aos cantoni, ditos “simultenenti”,
ra

ou contíguos, são destinados ao pasto comunal e a outras práticas não descritas.37


pa

A proposta de divisão choca-se com enormes e intransponíveis dificuldades,


ã o

pois as populações locais seguem multíplices e contraditórios critérios de repar-


rs

tição das despesas, que se inspiram em igualmente diferentes e contraditórios


Ve

funcionamentos políticos. O primeiro critério é aquele dos “Ducados” (punti di


_

conto): o território é constituído por um montante de “pontos” (quotas), em que


z
Vo

cada cantone-guia representa uma parte de pontos. Na metade do Seiscentos, os


Ducados são 120 e cada comuna possui uma parte destes em relação à sua força
e
tra
Le

36. Dados dos censos atuais apresentam, obviamente, uma estimativa inferior muito superior àquela, parcial,
da primeira apresentação gráfica do Valle, de 1802, (ignoro os motivos que precedem a sua redação).
37. Na realidade, sabe-se que existia outro tipo de pastagem, aquele “não dividido”, que escapou do olhar tori-
nese. É o destino das pastagens “não divididas” que dará origem a uma particular configuração administra-
tiva, formando territórios municipais, conhecidos como “ilhas administrativas”, que caracterizam a região
Subalpina no panorama italiano.

92 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


política de contratação no interior do Valle (Mandamento). Existe, de qualquer for-
ma, outro critério de repartição, conduzido a partir do peso fiscal que cada cantone
deve sustentar no próprio território não imune (vale dizer, não contestado e não
eclesiástico). Como é de se esperar, os dois critérios não coincidem absolutamente
e, por exemplo, uma comuna importante (no Seiscentos) como Croce (Mosso) re-

ão
presenta, sozinha, um quarto dos Ducados, pagando apenas um sexto da carga fis-


cal. Entretanto, esses não são os únicos critérios de identidade e de representação

od
existentes. Paralelamente, existem as confrarie di Santo Spirito, que podemos defi-

pr
nir como anfíbias, pois podem (e isso depende da confraria) tanto ter uma base can-

re
tonale (1 confraria = 1 oratório = 1 cantone), quanto prever uma base pluricantonale

a
(por exemplo, existe uma confraria, chamada de Santa Maria, que une os cantoni

da
de Pistolesa, da própria Santa Maria e de Valle Superiore: B+E+F). Outros cantoni são

bi
caracterizados por práticas de registro em comum: como, por exemplo, os de Valle

oi
Superiore e Valle Inferiore (D/F), que redigem os catasti em comum. A geografia das

Pr
paróquias não coincide de modo nenhum com aquela dos cantoni e das confrarie.

_
Além disso, existem algumas divisões e solidariedades geradas pelo uso de re-
or
t
cursos. Obviamente, é impossível neste texto dar conta do emaranhado, quase
au

inextricável, de tais interesses, mas é indispensável mostrar como pastagens, bos-


do

ques e águas estavam sujeitos a usos contraditórios e conflituosos. Por exemplo,


ão

as pastagens – em especial, aquelas localizadas nas partes altas – podiam ser arren-
s

dadas para criadores-empreendedores, e nesse caso os proprietários eram contrá-


vi

rios a qualquer cisão, porque consideravam que o provento do arrendamento, da


re

totalidade das pastagens, seria superior àquele das partes individuais. Além disso,
ra

o fato de as pastagens, assim como os bosques, serem possuídas também pelas con-
pa

frarie e instituições de caridade com base cantonale ou intercantonale (mas não co-
ã o

munal), implica que sua venda por parte das comunas seja relativa a bens e direitos
rs

de uso, possuídos por outros sujeitos, que não são interpelados.


Ve

Os bosques, por exemplo, são utilizados para produzir madeira (cedui38). Esta é
_

utilizada, a partir da metade do Seiscentos, no âmbito industrial, como matéria-


z
Vo

-prima para a tinturaria. Ademais, tais aplicações contrastam tanto com o uso dos
bosques de faia para pastagem, quanto com o cultivo dos bosques de castanheiros,
e
tra

os quais possuem uma utilização predominantemente alimentar (e de pastagem).


Já o conflito relativo à utilização da água é mais típico e contrapõe os industriais
Le

aos criadores, sobretudo do ponto de vista fiscal. Por fim, não devem ser esque-

38. N.T.: Bosque que é explorado periodicamente para obter madeira ou para explorar ramos, etc. deixando os
tocos para uma futura brotação.

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 93


cidos conflitos tradicionais ligados aos direitos de passagem, que em um mundo
repleto de oviários, seja nos pastos, seja nos bosques, são de maior relevo.
A complexidade realmente notável da situação leva ao registro de um documen-
to absolutamente extraordinário: em 1773 (150 anos após a primeira proposta de
desmembramento), cantoni, comunas e instituições de caridade negociam entre si,

ão
em presença do intendente da província de Biella, a extensão dos respectivos ter-


ritórios.39 O uso legitimador do procedimento é tão partilhado que o intendente,

od
diante da dificuldade de impor mesmo um só dos critérios de divisão do território,

pr
propõe para as populações a possibilidade de escolha autônoma, tendo como resul-

re
tado um fracasso amplamente previsível. Por outro lado, o registro da negociação

a
de 1773 produz um documento, “sabaudo”,40 que comprova a jurisdição de Turim

da
sobre as instituições de caridade (formalmente eclesiásticas) e paroquiais e sobre o

bi
destino dos arrendatários criadores-empreendedores. Contudo, o processo fracas-

oi
sa, porque Turim escolheu os interlocutores errados: não é a comuna a ser unidade

Pr
territorial de base do Valle (e do território de Biella em geral), mas o cantone.

_
O cantone é o protagonista também das sucessivas transformações. Um estudo
or
inovador, que devemos a Franco Ramella (1984), mostrou como as populações dos
t
au

vários cantoni controlaram (ou procuraram controlar, a despeito de comerciantes-


do

-empreendedores) o crescimento da produção têxtil durante a fase de industria-


lização daquela área. É interessante perceber, do nosso ponto de vista, como o
ão

controle acontecia, tanto por intermédio de uma precisa forma de produção do-
s
vi

méstica quanto, mais tarde, atribuindo uma base parental-cantonale para o mer-
re

cado de trabalho das manufaturas, mas também para a organização do consumo.


ra

A influência do cantone aparece não apenas na organização das atividades pro-


pa

dutivas, mas igualmente na criação de categorias políticas locais, não necessaria-


o

mente confluídas na organização do incipiente movimento operário da área em


ã
rs

questão. Ao mesmo tempo, a industrialização do vale acelerou as formações das


Ve

coligações entre os cantoni, ao invés de refreá-las. Por exemplo, o desmembramen-


_

to, no Setecentos e Oitocentos, do Mandamento é patrocinado pela comuna de


z

maior envolvimento nas atividades de manufaturas e tinturarias (Croce Mosso):


Vo

o objetivo era desfrutar do seu maior peso político (os Ducados) para obter uma
e

maior quantidade de pastagens destinadas ao arrendamento. Na realidade, Croce


tra
Le

39. Somos devedores ao topógrafo G. Torreri, inspetor do Comissariado da Liquidação dos USI Cívicos pelo
Piemonte e o Valle D’Aosta, por ter encontrado isso, e outros extraordinários documentos. Exprimo aqui mi-
nha estima pelo seu trabalho de historiador (local), e espero que as cartas de seu arquivo sejam bens colocados
à disposição dos estudiosos.
40. N.T.: Relativo aos Savoia.

94 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


acabou por perder o acesso aos bosques essenciais às atividades industriais que fo-
ram tomados por um cantone contíguo, Capo Mosso.
O esforço de Croce Mosso fracassa (pelos motivos que acabamos resumidamen-
te de apresentar) e determina uma nova configuração do Valle. A partir da segunda
metade do século XIX, a comuna de Croce conhece um processo de cisão interna e

ão
os seus cantoni inferiores (e meridionais) tentam unir-se com o cantone situado ao


longo do rio, no qual se estavam concentrando as novas atividades manufatureiras

od
(Valle Inferiore). Trata-se, visivelmente, de uma retomada de iniciativas das paren-

pr
telas que dominam os oito cantoni secessionistas. Esta questão encontrará sucesso

re
nas reformas territoriais fascistas, que, em 1934, procedem a uma aglomeração.41

a
A linguagem com base na qual os secessionistas ganham é aquela do ritual.

da
De fato, esses distritos, compostos por grupos parentais, deram vida a uma

bi
nova paróquia em 1954 e, ainda em 1963, o bispo de Biella incluía na jurisdição

oi
Pr
paroquial outro oratório com o distrito homônimo. O novo pároco tinha, mesmo
assim, a obrigação de levar para os oratórios a missa festiva e de confirmar as tra-

_
or
dições “antigas” em relação a sepulturas e casamentos (LEBOLE, 1972). É como
t
dizer que a presença de uma mais ampla unidade paroquial não deve desmentir a
au

identidade de base, aquela cantonale.


do

Esse reagrupamento territorial está sem dúvida relacionado à progressiva alo-


ão

cação, ao longo do fundo do vale, das atividades manufatureiras antes dispersas,


s

mas expressa, também, uma concepção da comunidade política bem conheci-


vi
re

da pelos habitantes do Valle: a atração em direção ao Valle Inferiore revela-se não


ra

apenas na esfera ritual, como também na esfera da caridade que constitui, desde
pa

séculos, – por intermédio das confrarie dello Spirito Santo – a identidade política lo-
cal. Quando os cantoni acima citados pedirem (em 1890-93) o desmembramento
ã o

de Croce, Valle Inferiore os apoiará, pois os seus habitantes participam já dos pri-
rs

vilégios assistenciais dos quais a rica comuna era detentora. A mudança do nome
Ve

em 1916 (de Valle Inferiore para Valle Mosso: D+H) parece traduzir esta mudança
_

de status do cantone ligado à atividade manufatureira. Ao lado dessas motivações,


z
Vo

são apresentadas outras, definidas como “topográficas”: o povoado das duas co-
munas mescla-se, formando “um único mosaico de construções (...) todos acredi-
e
tra

tam estar em Vallemosso [mesmo] encontrando-se em Crocemosso”. Os distritos


secessionistas protagonistas do primeiro requerimento de 1890 (Prelle e outras)
Le

são aquelas “que reúnem toda a indústria de Pannilani (...) na esfera de influência

41. A natureza das reformas administrativas fascistas pedem uma verdadeira e profunda releitura, ao menos
daquele ponto de vista.

A PRODUÇÃO HISTÓRICA DOS LUGARES 95


de Vallemosso”. Porém, não faltam motivos cerimoniais: a população dos distritos
secessionistas, afirma-se, celebra os casamentos em Vallemosso.
Portanto, se é o cantone a verdadeira unidade política do vale, não surpreende
que este exerça influência em qualquer ocasião e lugar e, também, que procure tra-
duzir, na sua linguagem, processos que lhe são alheios. Assim, Pietro Sella, o pio-

ão
neiro da modernidade, aquele que soube introduzir no vale as máquinas a vapor


precursoras da nova industrialização, quando da sua morte, recebeu uma lápide

od
em Valle Mosso, o cantone industrial. Isso suscitou as reações dos excluídos, que

pr
se traduziram em um livro comemorativo. Houve quem propusesse erigir “pelo

re
menos quatro lápides” em sua homenagem, já que eram vários os cantoni que sua

a
existência havia influenciado. Aquele onde havia nascido (Valle Superiore, hoje Se-

da
lla di Mosso, na paróquia de Mosso Santa Maria), aquele em que havia desenvolvido

bi
suas atividades industriais (a “máquina Velha” a Croce Mosso) e aquele em que fora

oi
sepultado (Mosso Santa Maria).

Pr
De qualquer forma, não se trata de um passado esquecido, mas de um sistema
_
or
político ainda plenamente vigente: isto é, sugerido pela fusão das comunas de Pis-
t
tolesa e Mosso Santa Maria, iniciada no segundo pós-guerra e concluída com um
au

Referendum em janeiro de 2000.42 Justificada com o despovoamento da área mon-


do

tanhosa, a fusão parece na realidade resgatar persistentes valores ligados à produ-


ão

ção histórica da cidadania e à sugestão das lealdades territoriais por parte das ins-
s

tituições locais. Um episódio de 1835 ilustra bem esse aspecto: quando se decide
vi
re

pela construção do novo cemitério de Santa Maria, do qual dependiam as comunas


de Valle Superiore e Pistolesa, percebeu-se que não havia um princípio para estabe-
ra
pa

lecer se a despesa com o cemitério deveria ter “por base o tributo predial, ou seja, a
população”. Nesse caso, “equidade e justiça” recomendam concordar com a popu-
ã o

lação (portanto, ignorar os dados de propriedade fundiária e de inscrição nas listas


rs

de devedores) para reconhecer o âmbito territorial de uma confraria di Santo Spiri-


Ve

to, comprovada desde o século XIII, cuja jurisdição compreenderia, precisamente,


_

o território em comum aos três assentamentos.


z
Vo
e

8. O Valle Mosso e o Valsesia não podem ser, e certamente não são, os únicos
tra

modelos de “constituição territorial” e de produção histórica de localidade que


Le

podemos identificar. Com certeza, a introdução de outros fatores, como, por

42. Pesquisa de difusão com Mosso S. Maria (1998) depositada junto ao Assessorato di Enti Locali della Regio-
ne del Piemonte. (Foglio informativo”, p.5); Soprintendenza Archivistica per il Piemonte e la Valle d’Aosta,
s.v. Pistolesa. Um anônimo manifestava a convicção de uma iminente fusão dos dois municípios já em 1958.

96 MICRO-HISTÓRIA, UM MÉTODO EM TRANSFORMAÇÃO


exemplo, a senhoria ou a feudalidade, poderão complicar o quadro ou revelar ou-
tros funcionamentos. Contudo, se seguirmos o mesmo procedimento de valori-
zação das práticas aqui adotado, poderemos ver como os registros documentários
modificam as situações que descrevem, sob as pressões tanto daqueles que os es-
crevem (os autores), quanto daqueles que aí são transcritos. Emergirão, portanto,

ão
novas dinâmicas territoriais em pequena escala. Seremos capazes, também, de


identificar sistemas políticos que ficariam, de outra maneira, sem nome, mas que,

od
mesmo assim, parecem capazes de incidir ainda hoje sobre a realidade política e

pr
administrativa. A produção histórica dos lugares, tão ativa nos vales piemonteses,

re
possui como protagonistas unidades sociais inesperadas e pouco conhecidas, que

a
não parecem dispostas a desaparecer e que, talvez, não conhecem a nostalgia. É o

da
momento de nos equiparmos para conhecer sua história, ao invés de nos surpreen-

bi
dermos frente às ações de um mundo que achamos difícil não considerar fantas-

oi
magórico, trocando-o cada vez mais por uma realidade residual ou xenófoba, ra-

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cista ou progressista, que simplesmente ainda nos escapa.

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