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Capítulo 3.

Consumo e Poupança1

3.1. Conceitos e Factos


3.2. Escolha Intertemporal
3.3. Rendimento Permanente e Ciclo de Vida
3.4. Função Consumo

3.1 Conceitos e Factos

Cada indivíduo ou família decide, em cada momento, como dividir o seu rendimento
disponível entre consumo e poupança. Designamos por consumo a despesa em bens e
serviços com vista à satisfação de necessidades e desejos. Estas podem ser necessidades
básicas, como alimentação, vestuário e habitação; ou desejos associados ao consumo de
bens de luxo, como férias num país exótico. A poupança é a diferença entre o rendimento
disponível e a despesa em bens de consumo, sendo igual à variação da riqueza do
indivíduo ou família. A decisão entre consumo e poupança é, em última análise, uma
decisão entre consumo no presente e consumo no futuro.

Conhecer as necessidades das pessoas ajuda-nos a compreender o seu comportamento em


termos do consumo de bens e serviços. Abraham Maslow (1943) propôs uma teoria
hierárquica com cinco níveis de necessidades: fisiológicas, de segurança, sociais, de auto-
estima, e de realização pessoal. Quando uma pessoa satisfaz as suas necessidades de um
nível básico, passa a procurar satisfazer as suas necessidades do nível imediatamente
superior. O consumo permite satisfazer necessidades básicas, influencia as relações
sociais, e chega a definir, em certa medida, a imagem e a própria identidade da pessoa.

1
Este texto de apoio (1E207 Macroeconomia II, FEP-UP, 2009-10) não dispensa a frequência das aulas e a
consulta da bibliografia recomendada. Comentários e sugestões: João Correia da Silva (joao@fep.up.pt).

1
Em consequência do crescimento económico, o rendimento disponível e o consumo das
famílias portuguesas tem crescido ao longo dos anos. Comparando o consumo actual com
o que se observava em 1960, verificamos que a quantidade de bens materiais à disposição
das pessoas é hoje mais do que cinco vezes maior.

Rendimento e Consumo das Famílias (1960-2006)


(milhões de euros, a preços de 2000)

140.000
Produto Interno Bruto (a preços de mercado)
120.000
Rendimento disponível das famílias
100.000
Consumo das famílias
80.000

60.000

40.000

20.000

0
1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

Figura 3.1: Rendimento e Consumo das Famílias (Portugal, 1960-2006).


Fontes: INE e “A Situação Social em Portugal” (ICS-UL).

Naturalmente, a evolução do consumo privado é semelhante à do rendimento disponível


das famílias (que, por sua vez, tem uma forte associação com a evolução do produto).

Nestes últimos 50 anos, a estrutura da despesa em bens de consumo alterou-se


significativamente. Aumentou a fracção dedicada à habitação, transportes, comunicações e
serviços em geral, tendo diminuído a importância relativa da despesa em bens alimentares,
e, em menor medida, em vestuário e calçado.

2
Despesa das famílias
(euros por agregado familiar, a preços constantes de 1990)
9.000
8.000 Outros
7.000 Educação e Cultura
6.000 Transportes
5.000
Saúde
4.000
3.000 Habitação
2.000 Vestuário
1.000
Alimentação
0
1981 1990 1995

Figura 3.2a: Evolução do Consumo Privado, por objectivo (Portugal, 1981-1995).


Fonte: “A Situação Social em Portugal” (ICS-UL).

Decomposição do Consumo Privado (Portugal, 1955-1994)


100%
Serviços
80% Out. Bens Dur.
Automóveis Ligeiros
60%
Out. Bens Não Dur.
40%
Bens Energéticos
20% Vestuário e Calçado
Aliment., Beb. e Tab.
0%
1955-59 1960-64 1965-69 1970-74 1975-79 1980-84 1985-89 1990-94

Figura 3.2b: Decomposição do Consumo Privado (Portugal, 1955-1994).


Fonte: Banco de Portugal - Séries Longas.

Decomposição do Consumo Privado em Portugal

100%
Outros
90%
Restaurantes e Hotéis
80%
Educação
70%
Lazer e Cultura
60%
Comunicações
50%
Transportes
40%
Saúde
30%
Habitação
20%
Vestuário e Calçado
10%
Aliment., Beb. e Tab.
0%
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Figura 3.2c: Decomposição do Consumo Privado (Portugal, 1995-2006).


Fonte: INE.

3
O consumo privado é a maior componente da despesa, representando cerca de 2/3 do
produto da economia.

Composição da Despesa em Portugal (PIBpm)


(milhõe s de e uros, a preços de 2000)
140.000

120.000 C G I

100.000 X Z Y
80.000

60.000

40.000

20.000

0
1978 1983 1988 1993 1998 2003 2008

Figura 3.3: Produto Interno Bruto pela óptica da Despesa (Portugal, 1978-2008).
Fontes: Banco de Portugal e INE.

Em 2006, os residentes em Portugal adquiriram cerca de 65% da produção interna (os


restantes 35% foram exportações), e importaram um volume de bens igual a 43% do
produto. A absorção totalizou 109% do produto, dividindo-se em consumo privado (66%
do PIB), consumo público (20%) e investimento (23%).

Absorção em Portugal, 2008


(%PIB, base 2000)
120%

100% I=24%
Z=47%
80% X=36%
G=20%
60%

40%
Y-X=64% Y-X=64% C=67%
20%

0%
Produto Origem Procura

Figura 3.4: Absorção por componente da Despesa (Portugal, 2008).


Fonte: INE.

4
Nos últimos anos, o consumo final nacional (público e privado) foi superior ao rendimento
disponível líquido da nação. A poupança líquida da nação foi negativa.

Rendimento Disponível e Consumo da Nação


(milhões de euros, a preços de 2000)
130.000

120.000

110.000

100.000
Rend. Disp. Bruto da Nação

90.000 Rend. Disp. Líquido da Nação


Consumo Final Nacional
80.000
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Figura 3.5: Rendimento Disponível da Nação e Consumo Final da Nação (Portugal).


Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

A poupança líquida das famílias portuguesas foi, no entanto, positiva. Entre 2000 e 2004,
o consumo privado ascendeu a 91% do rendimento disponível bruto das famílias, e a 97%
do rendimento disponível líquido das famílias.

Rendimento Disponível e Consumo das Famílias


(milhões de euros, a preços de 2000)
90.000

85.000

80.000

75.000 R. Disp. Bruto das Fam.


70.000 R. Disp. Líq. das Fam.
Consumo das Fam.
65.000
2000 2001 2002 2003 2004

Figura 3.6: Rendimento Disponível das Famílias e Consumo das Famílias (Portugal).
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.

5
Observa-se empiricamente que o consumo de bens duradouros é bastante sensível à
conjuntura económica, enquanto que o consumo de bens alimentares é muito estável.
Globalmente, o consumo privado é responsável por 2/3 da flutuação do produto, sendo,
portanto, medianamente volátil.

A relação macroeconómica entre consumo e rendimento disponível é um elemento central


da teoria keynesiana.

De acordo com a função consumo keynesiana, o consumo tem uma componente


autónoma, C0, e uma componente induzida, c·Yd, tendo a propensão marginal para o
consumo, c, um valor entre 0 e 1:

C = C0 + c ⋅ Y d .

Figura 3.7: Função Consumo Keynesiana, e taxa de poupança correspondente.


Fonte: Gordon (2005), “Macroeconomics”, 10th ed., Addison-Wesley.

6
Segundo esta formulação, um aumento unitário do rendimento induz um aumento do
consumo que é inferior à unidade (igual a c unidades). É de notar também que a taxa de
poupança vai diminuindo com a diminuição do rendimento disponível, sendo mesmo
negativa se o rendimento for inferior ao consumo autónomo. Nesse caso, além de
consumirem todo o seu rendimento, os agentes ainda consomem parte da sua riqueza.

Esta relação entre a taxa de poupança e o rendimento disponível observa-se


empiricamente numa análise cross-section. Famílias com rendimentos superiores tendem a
ter taxas de poupança mais elevadas.

Mas a análise das séries temporais do rendimento disponível e da poupança já não


confirma esta relação. O rendimento disponível aumentou muito nas últimas décadas,
enquanto que a taxa de poupança se manteve relativamente estável.

Consumo e Poupança das Famílias (1960-2006)


(milhões de euros, a preços de 2000)

140.000 35%
PIBpm Ydisp
120.000 Cpriv Tx poup 30%

100.000 25%

80.000 20%

60.000 15%

40.000 10%

20.000 5%

0 0%
1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005

Figura 3.8: Consumo e Poupança das Famílias (Portugal, 1960-2006).


Fontes: INE e “A Situação Social em Portugal” (ICS-UL).

7
3.2 Escolha Intertemporal

Dada a sua restrição orçamental, cada indivíduo ou família deve escolher o fluxo de
consumo ao longo do tempo que maximiza o seu bem-estar. Em cada momento, ao
decidir um nível de consumo, C, o indivíduo ou família decide também, implicitamente, a
poupança e as possibilidades de consumo futuro.

Com o objectivo de compreender o comportamento macroeconómico do consumo e da


poupança, vamos estudar um modelo microeconómico simples, no qual o chamado agente
representativo decide como dividir o seu rendimento entre consumo presente, C1, e
consumo futuro, C2. A escolha recairá na combinação que maximize a utilidade do agente,
U(C1,C2), entre aquelas que não violam a sua restrição orçamental.

A taxa marginal de substituição de consumo futuro por consumo presente indica a


quantidade de consumo futuro que o agente está disposto a trocar por uma unidade de
consumo no presente, mantendo-se o seu nível de utilidade constante. Analiticamente, a
TMS é igual à razão entre as utilidades marginais.

UMg1
TMS12 =
UMg 2

As preferências do agente podem representar-se através de um mapa de indiferença. O


agente procurará situar-se numa curva de indiferença tão afastada da origem quanto
possível, dentro das suas possibilidades orçamentais. Graficamente, a taxa marginal de
substituição corresponde ao declive (em valor absoluto) da curva de indiferença.

8
C2

U = U3
U = U2
U = U1

C1

Figura 3.9: Curvas de indiferença.

O agente tem um rendimento disponível no presente (primeiro período), Y1d, e um


rendimento disponível no futuro (segundo período), Y2d. Se a sua despesa em consumo
presente for inferior ao seu rendimento presente, o agente torna-se credor, sendo a sua
poupança, S1 = Y1d – C1, recompensada por uma taxa de juro. Se o agente pretender fazer
uma despesa em bens de consumo superior ao seu rendimento presente, pode recorrer ao
crédito, tornando-se devedor (poupança negativa). Vamos assumir que a mesma taxa de
juro se aplica ao endividamento e à poupança.

Em economia distinguimos grandezas reais, que são expressas em unidades de bens, e


grandezas nominais, expressas em unidades monetárias. Os rendimentos Y1d e Y2d são
grandezas reais, tal como a poupança S1 e os níveis de consumo C1 e C2. Podemos obter as
grandezas nominais correspondentes, multiplicando as grandezas reais pelos índices gerais
de preços, P1 e P2.

O preço dos bens no futuro é normalmente superior ao preço dos bens no presente,
fenómeno designado por inflação.

P2 = (1 + π ) ⋅ P1

9
A taxa de juro nominal, i, relaciona a poupança em unidades monetárias com o
rendimento futuro que esta proporciona, também em unidades monetárias. Poupar uma
unidade monetária proporciona um rendimento adicional no futuro igual a 1+i unidades
monetárias. A taxa de juro real, r, estabelece a mesma relação, mas considerando
quantidades de bens, ou poder de compra, em vez de unidades monetárias. Abdicar de
consumir uma unidade de bens no presente permite ao agente aumentar o seu consumo
futuro em 1+r unidades.

A partir da taxa de juro nominal e da taxa de inflação, podemos determinar a taxa de juro
real. Abdicar de uma unidade de consumo no presente é equivalente a poupar P1 unidades
monetárias. Essa poupança proporciona (1+i)·P1 unidades monetárias no futuro, que
permitem comprar (1+i)·P1/P2 unidades de bens de consumo. Ou seja, abdicar de uma
unidade de consumo no presente permite um aumento de consumo futuro igual a
(1+i)/(1+π) unidades.

1+ i
1+ r =
1+ π

Supondo que o agente consome toda a sua riqueza, não deixando qualquer herança, o seu
consumo futuro fica automaticamente determinado pela sua decisão presente. Podemos
escrever, de forma equivalente, a sua restrição orçamental em termos nominais ou em
termos reais.

P2 ⋅ C 2 = P2 ⋅ Y2d + (1 + i ) ⋅ (P1 ⋅ Y1d − P1 ⋅ C1 ) ⇔

⋅ C 2 = 2 ⋅ Y2d + (1 + i ) ⋅ (Y1d − C1 ) ⇔
P2 P

P1 P1
(
⇔ (1 + π ) ⋅ C 2 = (1 + π ) ⋅ Y2d + (1 + i ) ⋅ Y1d − C1 ⇔ )
1+ i
⇔ C 2 = Y2d + ⋅ S1 ⇔
1+ π
⇔ C 2 = Y2d + (1 + r ) ⋅ S1

10
Podemos, portanto, analisar o problema da repartição do rendimento disponível entre
consumo e poupança considerando apenas grandezas reais.

Manipulando a expressão anterior, obtemos a restrição orçamental intertemporal do


agente representativo. Pode interpretar-se como sendo a igualdade entre o valor
actualizado das despesas presentes e futuras em consumo, e o valor actualizado de todos
os seus rendimentos presentes e futuros, que é a riqueza, Ω.

(
C 2 = Y2d + (1 + r ) ⋅ Y1d − C1 ⇔)
⇔ C 2 + (1 + r ) ⋅ C1 = Y + (1 + r ) ⋅ Y1d ⇔
2
d

1 1
⇔ C1 + C 2 = Y1d + Y2d = Ω
1+ r 1+ r

Graficamente, a restrição orçamental intertemporal do consumidor representa-se como


um segmento de recta com uma inclinação igual ao preço relativo do consumo presente
em termos de consumo futuro. Cada unidade adicional de consumo presente implica
abdicar de 1+r unidades de consumo no futuro, portanto, o preço (relativo) de uma
unidade de consumo no presente, em termos de unidades de consumo futuro, é 1+r.

C2
C2 = Ω ⇔ C2 = (1 + r ) ⋅ Ω − (1 + r ) ⋅ C1
1
C1 +
1+ r
(1 + r ) ⋅ Ω

A
Y2d declive = – (1+r)

Y1d Ω C1

Figura 3.10: Restrição orçamental intertemporal.

11
Se o agente escolher um ponto da recta orçamental situado acima do ponto A, escolhe
poupar parte do seu rendimento presente (C1<Y1d) para poder consumir mais no futuro
(C2>Y2d). O agente empresta a sua poupança nos mercados financeiros, tornando-se
credor. Este adiamento do consumo será recompensado no futuro, com juros.

Na parte da recta orçamental que se situa abaixo do ponto A, o agente consome mais do
que o seu rendimento no presente (C1>Y1d), tendo uma poupança negativa. Isso só é
possível através do recurso ao crédito. O agente torna-se devedor, e terá que saldar a sua
dívida no futuro, com juros.

A única combinação de consumo presente e futuro que não requer acesso aos mercados
financeiros corresponde ao ponto A, designado por ponto de autarcia (auto-suficiência).

C2
poupança
(C1<Y1d)
(1 + r ) ⋅ Ω

C2 autarcia
(C1=Y1d)

Y2d endividamento
(C1>Y1d)
C2

C1 Y1d C1 Ω C1

Figura 3.11: Ponto de autarcia.

O agente pretende maximizar a sua utilidade, e portanto vai procurar situar-se numa curva
de indiferença tão afastada da origem quanto possível. No ponto óptimo são tangentes a
recta orçamental e a curva de indiferença.2 A escolha óptima determina-se através da

2
Desde que as curvas de indiferença sejam diferenciáveis, e que a solução seja interior (tanto o consumo
presente como o futuro são estritamente positivos), e não de canto.

12
igualdade entre a taxa marginal de substituição e o preço relativo entre consumo futuro e
consumo presente.

UMg 1
TMS 12 = 1 + r ⇔ =1+ r
UMg 2

No caso representado na figura, a poupança óptima é positiva. O agente torna-se credor.

C2

(1 + r ) ⋅ Ω
ponto
óptimo

C2
Y2d
U max

C1 Y1d Ω C1

Figura 3.12: Escolha óptima.

Aumentos da riqueza do agente (de Y1d, Y2d, ou a existência de alguma riqueza inicial, Ω0)
induzem, normalmente, aumentos tanto do consumo presente como do consumo futuro.

C2

(1 + r ) ⋅ Ω novo
óptimo

C2 '
C2
U max
Y2d

C1 C1 ' Y1d Ω Ω' C1

Figura 3.13: Efeito de um aumento da riqueza.

13
O impacto de uma variação da taxa de juro pode ser decomposto num efeito de
substituição e num efeito rendimento.

Um aumento da taxa de juro torna o consumo presente mais caro relativamente ao


consumo futuro. O efeito de substituição, que consiste na substituição do bem que se
torna mais caro pelo bem que se torna mais barato, age no sentido da diminuição do
consumo presente (aumento da poupança).

C2 subida da C2 descida da
taxa de juro taxa de juro

C2 ' mais menos


poupança poupança

C2 C2
C2 '
U max U max

C1 ' C1 C1 C1 C1 ' C1

Figura 3.14: Efeito substituição de uma variação da taxa de juro.

Um aumento da taxa de juro faz aumentar o benefício associado à poupança, tal como o
custo do endividamento. Os agentes credores são beneficiados, em prejuízo dos agentes
devedores. O efeito rendimento faz aumentar o consumo presente e futuro (diminui a
poupança) dos credores, e diminuir o consumo presente e futuro (aumenta a poupança)
dos devedores.

14
C2 C2
melhoria do
bem-estar diminuição do
bem-estar
Y2d
C2 '
C2 '
C2 C2
U max
Y2d
U max

C1 C1 ' Y1d C1 Y1dC1 ' C1 C1

Figura 3.15: Efeito de um aumento da taxa de juro (agente credor vs agente devedor).

Os quadros seguintes resumem o efeito de uma variação da taxa de juro no consumo e na


poupança dos agentes económicos. O efeito sobre a poupança é sempre o oposto do efeito
sobre o consumo presente.

aumento da taxa de juro efeito substituição efeito rendimento efeito total

menos consumo presente mais consumo presente ambíguo


CREDOR
mais consumo futuro mais consumo futuro mais consumo futuro

menos consumo presente menos consumo presente menos consumo presente


DEVEDOR
mais consumo futuro menos consumo futuro ambíguo

diminuição da taxa de juro efeito substituição efeito rendimento efeito total

mais consumo presente menos consumo presente ambíguo


CREDOR
menos consumo futuro menos consumo futuro menos consumo futuro

mais consumo presente mais consumo presente mais consumo presente


DEVEDOR
menos consumo futuro mais consumo futuro ambíguo

Tabela 3.16: Efeito de uma variação da taxa de juro.

15
3.3 Rendimento Permanente e Ciclo de Vida

Em geral, os indivíduos e as famílias gostam de manter um nível de consumo estável ao


longo do tempo. Com base nesta percepção, Friedman (1957) avançou com a hipótese do
rendimento permanente, enquanto que Modigliani e Brumberg (1954) propuseram a
hipótese do ciclo de vida.

Tanto a hipótese do rendimento permanente como a hipótese do ciclo de vida conciliam: o


comportamento das séries temporais do consumo e da taxa de poupança (segundo as
quais a taxa de poupança se tem mantido relativamente estável ao longo do tempo, ainda
que o rendimento disponível das famílias tenha aumentado muito significativamente); com
as observações cross-section (segundo as quais os agentes com maiores níveis de
rendimento apresentam taxas de poupança maiores).

3.3.1 A Hipótese do Rendimento Permanente

Segundo a hipótese do rendimento permanente, os agentes consomem, em cada


período, uma fracção daquele que supõem ser o seu nível de rendimento médio (o seu
rendimento permanente):3

C t = k ⋅ Yt P .

Os indivíduos podem ter expectativas adaptativas relativamente ao seu nível de


rendimento permanente. Um rendimento diferente do esperado leva agente a rever as suas

3
Ao consumo em função do rendimento permanente pode chamar-se função consumo de longo prazo.

16
expectativas relativamente ao rendimento médio futuro. A nova expectativa passa a ser
uma média entre a expectativa anterior e o rendimento obtido no período presente.

Yt P = Yt −P1 + j ⋅ (Yt d − Yt −P1 ) = (1 − j ) ⋅ Yt −P1 + j ⋅ Yt d

O nível de consumo, segundo a hipótese do rendimento permanente, fica dado por:4

Ct = k ⋅ Yt P ⇔ Ct = k ⋅ (1 − j ) ⋅ Yt −P1 + k ⋅ j ⋅ Yt d .

Verificamos que as propensões marginais para o consumo no curto prazo e no longo


prazo são diferentes. Um agente reage de forma diferente a uma variação temporária do
rendimento e a uma variação permanente do rendimento. No curto prazo, a PMC é igual a
k·j. No longo prazo, a PMC é igual a k:

∆C t ∆Ct
PMC LP = = k ; PMCCP = = k ⋅ j.
∆Yt P
∆Yt d

Figura 3.17: Função consumo de curto prazo e de longo prazo.

4
Ao consumo em função do rendimento corrente (rendimento disponível do próprio período) pode chamar-
se função consumo de curto prazo.

17
A propensão marginal para o consumo associada ao rendimento permanente, k, é tanto
menor quanto maior for a volatilidade do rendimento, e quanto maior for a aversão dos
agentes às oscilações dos seus níveis de consumo.

A propensão marginal para o consumo associada ao rendimento corrente, k·j, é inferior,


pelo facto de parte das variações do rendimento corrente serem vistas pelo agente como
sendo temporárias. O consumo apenas depende do rendimento corrente na medida em que
alterações deste levam o agente a rever as suas expectativas relativamente ao seu
rendimento permanente.

O agente poupa totalmente a parte da variação do rendimento que vê como sendo


temporária. Isso faz com que o efeito sobre a poupança das variações do rendimento
corrente seja maior do que o das variações do rendimento permanente. Assim sendo, um
maior rendimento corrente está associado a uma maior taxa de poupança, o que está de
acordo com os dados empíricos do tipo cross-section referidos anteriormente:

∆S ∆S t
PMS LP = = 1 − k ; PMS CP = = 1− k ⋅ j.
∆Y P
∆Yt d

A taxa de poupança de longo prazo, medida como a fracção do rendimento permanente


que não é consumida, é constante e igual a 1-k. Não é surpreendente, portanto, a
estabilidade da taxa de poupança na análise de séries temporais:

C = k ⋅ Y P ⇔ S = (1 − k ) ⋅ Y P ⇔ s LP =
S
= 1 − k.
YP

No curto prazo, a taxa de poupança aumenta com o rendimento corrente (o que está de
acordo com a análise cross-section):

18
S t = Yt d − Ct = Yt d − k ⋅ (1 − j ) ⋅ Yt −P1 − k ⋅ j ⋅ Yt d = (1 − k ⋅ j ) ⋅ Yt d − k ⋅ (1 − j ) ⋅ Yt −P1 ⇒
St Yt −P1 dsCP Yt −P1
⇒ sCP = d = 1 − k ⋅ j − k ⋅ (1 − j ) ⋅ d ⇒ = k ⋅ (1 − j ) ⋅ > 0.
Yt Yt dYt d Yt d
2
( )

3.3.2 A Hipótese do Ciclo de Vida

Segundo a hipótese do ciclo de vida, os agentes fazem previsões relativas a todos os seus
rendimentos futuros, planeando o seu consumo até ao final da vida de forma a que este
permaneça estável. Os agentes estimam, portanto, uma restrição orçamental
intertemporal.

Suponhamos que um indivíduo tem uma esperança de vida igual a L, e que planeia
reformar-se no momento R. Se esperar ter um fluxo de rendimentos constante, Y, até à
idade de reforma, o seu rendimento total esperado (disponível para consumo ao longo da
vida) é Y·R. Se tiver uma riqueza inicial igual a A, para poder manter o seu nível de
consumo ao longo de toda a sua vida, o indivíduo deverá fixar:

A R
C⋅L = A+Y ⋅R ⇔ C = + ⋅Y
L L

Assim, durante o período em que trabalha, o agente vai poupando (acumula riqueza). A
evolução da riqueza é dada por A+(Y-C)·t, atingindo o valor máximo, A+(Y-C)·R, no
momento da reforma. A partir desse momento, o agente vai consumir a sua riqueza, que
vai diminuindo ao longo do tempo, sendo dada por A+(Y-C)·R – C·(t-R) = A+Y·R – C·t,
anulando-se no final da vida.

19
Se o agente tiver uma riqueza inicial, A, então poderá sustentar um nível superior de
consumo. Poupará, assim, uma menor fatia do seu rendimento corrente. Antes da reforma,
a sua taxa de poupança é dada por:

Y −C C R A
s= = 1− = 1− −
Y Y L LY

Figura 3.18: Evolução do rendimento, consumo e activos ao longo da vida.

A propensão marginal para o consumo no longo prazo, ou seja, resultante de variações de


Y, que podemos interpretar como um rendimento permanente (apesar de cessar no
momento da reforma), é igual a R/L, em que R e L são o tempo de trabalho e o tempo de
vida que o indivíduo espera ter pela frente, respectivamente.

Como a poupança de um indivíduo depende da fase do ciclo de vida em que se encontra, a


taxa de poupança da economia depende da proporção de agentes em cada fase do ciclo de
vida. O envelhecimento populacional deverá ser acompanhado por uma redução da taxa de
poupança. Sendo a estrutura demográfica estável, é de esperar que a taxa de poupança se

20
mantenha também estável, tal como verificado empiricamente na análise das séries
temporais da poupança.

O consumo depende dos activos detidos pelos agentes. Um “crash” (“boom”) no mercado
de acções provoca uma diminuição (aumento) do consumo. Segundo um estudo de
Modigliani, um acréscimo de 1 u.m. dos activos dos agentes faz aumentar o consumo em
0,06 u.m., o que significa que o rendimento corrente adicional é, na sua maior parte,
poupado, para depois ir sendo consumido ao longo de um período de 15 anos.

Em fases de expansão (recessão) da economia, a taxa de poupança deverá aumentar


(diminuir), porque um aumento temporário do rendimento é consumido ao longo de toda a
vida do indivíduo, e não apenas no presente. Taxas de poupança superiores tendem a estar
associadas, portanto, a rendimentos correntes superiores, o que está de acordo com a
análise empírica de dados cross-section.

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3.4 A Função Consumo

A análise do comportamento macroeconómico do consumo tem ganho em sofisticação e


em capacidade explicativa. Revemos, em seguida, alguns dos principais
desenvolvimentos.

3.4.1 Expectativas Racionais

O efeito das políticas económicas, depende, em geral, das expectativas que as pessoas têm
relativamente ao futuro, incluindo as expectativas acerca das próprias políticas. De acordo
com a hipótese das expectativas racionais, os agentes formam as suas expectativas
utilizando toda a informação e todo o conhecimento existente acerca da conjuntura
económica, da estrutura da economia, e das intenções dos outros agentes económicos,
incluindo os decisores políticos.

Se as pessoas conseguissem antecipar perfeitamente o seu fluxo de rendimentos futuro


(antevisão perfeita), deveriam apresentar um nível de consumo constante ao longo do seu
ciclo de vida. As políticas de estímulo da procura, não deveriam, portanto, ter efeito, dado
que já teriam sido antecipadas pelos agentes e incorporadas nos seus planos. Uma
diminuição da taxa de imposto, por exemplo, só deverá fazer aumentar o consumo se não
tiver sido antecipada pelos agentes económicos.

As expectativas racionais não implicam a antevisão perfeita. Perante um lançamento de


moeda ao ar, um agente racional sabe que a probabilidade de sair cara é 50%, mas não tem
a capacidade de adivinhar o resultado.

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3.4.2 Bens de Consumo Duradouro

Mais do que manter uma despesa estável em bens de consumo, o que os agentes
pretendem é manter um estilo e um nível de vida estáveis. Nesse sentido, têm vantagem
em adquirir bens de consumo duradouro nos períodos em que o rendimento corrente é
superior.

Este efeito age no sentido da diminuição da taxa de poupança nas fases de expansão
económica, ao contrário das previsões efectuadas a partir das hipóteses do rendimento
permanente e do ciclo de vida.

As despesas de consumo de bens e serviços duradouros são fortemente pró-cíclicas. A


conciliação deste facto com as teorias de Friedman e de Modigliani pode conseguir-se,
vendo estas despesas em bens de consumo duradouro como uma espécie de poupança,
dado que estes bens têm algum valor de troca (constituem, de certa forma, riqueza), e
proporcionam utilidade num período prolongado.

3.4.3 Restrições de Liquidez

Frequentemente, as pessoas têm dificuldades em obter um empréstimo, mesmo que o seu


rendimento futuro (esperado) seja suficiente para o pagar, com juros. A existência de
restrições de liquidez, sob a forma de taxas de juro elevadas ou limites ao montante do
empréstimo, não foi contemplada quando analisámos as hipóteses do rendimento
permanente e do ciclo de vida.

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Considere, por exemplo, um jovem à procura de emprego que pretende contrair um
empréstimo para poder consumir mais no presente. Pode acontecer que não consiga obter
financiamento. Se, por acaso, tiver um rendimento extraordinário nesse período, deverá
consumir todo esse rendimento adicional no curto prazo, apresentando uma propensão
marginal para o consumo próxima de 1, e uma taxa de poupança próxima de 0.

Uma pessoa sujeita a uma restrição de liquidez activa apresenta, normalmente, uma
propensão marginal para o consumo muito elevada.

3.4.5 Incerteza e Heranças

A maior parte das pessoas não consome toda a sua riqueza, deixando a restante aos seus
descendentes. O horizonte temporal para as decisões de consumo e poupança pode ir,
assim, para além do tempo de vida, por motivos associados a heranças e ao bem-estar dos
descendentes e próximos da pessoa.

A incerteza relativa ao momento da morte também leva as pessoas a não consumir toda a
sua riqueza, por precaução. Em resultado desta precaução, acabam por deixar uma herança
involuntária.

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3.4.6 Conclusão

A função consumo keynesiana postula um relação linear entre o consumo e o rendimento


disponível. Verifica-se empiricamente que o consumo depende também da riqueza dos
agentes, o que é sustentado teoricamente pela hipótese do ciclo de vida, e, de forma
indirecta, pela hipótese do rendimento permanente.

Definindo riqueza como a soma do valor dos activos actuais com o valor esperado do
fluxo de rendimentos futuros, percebemos que as decisões relativas ao consumo e à
poupança dependem de forma crucial das expectativas das pessoas relativamente aos seus
rendimentos futuros, ou seja, do clima de confiança.

A taxa de juro tem um impacto negativo sobre o consumo, que se torna mais caro
relativamente ao consumo futuro, apesar de os agentes credores verem a sua riqueza
aumentar.

As conclusões deste capítulo encontram-se condensadas na seguinte função consumo:

∂C ∂C ∂C ∂C
C = C (Y d , Ω 0 , Y e , r ) , com >0, > 0, >0 e < 0.
∂Y d
∂Ω 0 ∂Y e
∂r

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