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Consumo e Poupança1
Cada indivíduo ou família decide, em cada momento, como dividir o seu rendimento
disponível entre consumo e poupança. Designamos por consumo a despesa em bens e
serviços com vista à satisfação de necessidades e desejos. Estas podem ser necessidades
básicas, como alimentação, vestuário e habitação; ou desejos associados ao consumo de
bens de luxo, como férias num país exótico. A poupança é a diferença entre o rendimento
disponível e a despesa em bens de consumo, sendo igual à variação da riqueza do
indivíduo ou família. A decisão entre consumo e poupança é, em última análise, uma
decisão entre consumo no presente e consumo no futuro.
1
Este texto de apoio (1E207 Macroeconomia II, FEP-UP, 2009-10) não dispensa a frequência das aulas e a
consulta da bibliografia recomendada. Comentários e sugestões: João Correia da Silva (joao@fep.up.pt).
1
Em consequência do crescimento económico, o rendimento disponível e o consumo das
famílias portuguesas tem crescido ao longo dos anos. Comparando o consumo actual com
o que se observava em 1960, verificamos que a quantidade de bens materiais à disposição
das pessoas é hoje mais do que cinco vezes maior.
140.000
Produto Interno Bruto (a preços de mercado)
120.000
Rendimento disponível das famílias
100.000
Consumo das famílias
80.000
60.000
40.000
20.000
0
1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005
2
Despesa das famílias
(euros por agregado familiar, a preços constantes de 1990)
9.000
8.000 Outros
7.000 Educação e Cultura
6.000 Transportes
5.000
Saúde
4.000
3.000 Habitação
2.000 Vestuário
1.000
Alimentação
0
1981 1990 1995
100%
Outros
90%
Restaurantes e Hotéis
80%
Educação
70%
Lazer e Cultura
60%
Comunicações
50%
Transportes
40%
Saúde
30%
Habitação
20%
Vestuário e Calçado
10%
Aliment., Beb. e Tab.
0%
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
3
O consumo privado é a maior componente da despesa, representando cerca de 2/3 do
produto da economia.
120.000 C G I
100.000 X Z Y
80.000
60.000
40.000
20.000
0
1978 1983 1988 1993 1998 2003 2008
Figura 3.3: Produto Interno Bruto pela óptica da Despesa (Portugal, 1978-2008).
Fontes: Banco de Portugal e INE.
100% I=24%
Z=47%
80% X=36%
G=20%
60%
40%
Y-X=64% Y-X=64% C=67%
20%
0%
Produto Origem Procura
4
Nos últimos anos, o consumo final nacional (público e privado) foi superior ao rendimento
disponível líquido da nação. A poupança líquida da nação foi negativa.
120.000
110.000
100.000
Rend. Disp. Bruto da Nação
A poupança líquida das famílias portuguesas foi, no entanto, positiva. Entre 2000 e 2004,
o consumo privado ascendeu a 91% do rendimento disponível bruto das famílias, e a 97%
do rendimento disponível líquido das famílias.
85.000
80.000
Figura 3.6: Rendimento Disponível das Famílias e Consumo das Famílias (Portugal).
Fonte: Instituto Nacional de Estatística.
5
Observa-se empiricamente que o consumo de bens duradouros é bastante sensível à
conjuntura económica, enquanto que o consumo de bens alimentares é muito estável.
Globalmente, o consumo privado é responsável por 2/3 da flutuação do produto, sendo,
portanto, medianamente volátil.
C = C0 + c ⋅ Y d .
6
Segundo esta formulação, um aumento unitário do rendimento induz um aumento do
consumo que é inferior à unidade (igual a c unidades). É de notar também que a taxa de
poupança vai diminuindo com a diminuição do rendimento disponível, sendo mesmo
negativa se o rendimento for inferior ao consumo autónomo. Nesse caso, além de
consumirem todo o seu rendimento, os agentes ainda consomem parte da sua riqueza.
140.000 35%
PIBpm Ydisp
120.000 Cpriv Tx poup 30%
100.000 25%
80.000 20%
60.000 15%
40.000 10%
20.000 5%
0 0%
1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005
7
3.2 Escolha Intertemporal
Dada a sua restrição orçamental, cada indivíduo ou família deve escolher o fluxo de
consumo ao longo do tempo que maximiza o seu bem-estar. Em cada momento, ao
decidir um nível de consumo, C, o indivíduo ou família decide também, implicitamente, a
poupança e as possibilidades de consumo futuro.
UMg1
TMS12 =
UMg 2
8
C2
U = U3
U = U2
U = U1
C1
O preço dos bens no futuro é normalmente superior ao preço dos bens no presente,
fenómeno designado por inflação.
P2 = (1 + π ) ⋅ P1
9
A taxa de juro nominal, i, relaciona a poupança em unidades monetárias com o
rendimento futuro que esta proporciona, também em unidades monetárias. Poupar uma
unidade monetária proporciona um rendimento adicional no futuro igual a 1+i unidades
monetárias. A taxa de juro real, r, estabelece a mesma relação, mas considerando
quantidades de bens, ou poder de compra, em vez de unidades monetárias. Abdicar de
consumir uma unidade de bens no presente permite ao agente aumentar o seu consumo
futuro em 1+r unidades.
A partir da taxa de juro nominal e da taxa de inflação, podemos determinar a taxa de juro
real. Abdicar de uma unidade de consumo no presente é equivalente a poupar P1 unidades
monetárias. Essa poupança proporciona (1+i)·P1 unidades monetárias no futuro, que
permitem comprar (1+i)·P1/P2 unidades de bens de consumo. Ou seja, abdicar de uma
unidade de consumo no presente permite um aumento de consumo futuro igual a
(1+i)/(1+π) unidades.
1+ i
1+ r =
1+ π
Supondo que o agente consome toda a sua riqueza, não deixando qualquer herança, o seu
consumo futuro fica automaticamente determinado pela sua decisão presente. Podemos
escrever, de forma equivalente, a sua restrição orçamental em termos nominais ou em
termos reais.
⋅ C 2 = 2 ⋅ Y2d + (1 + i ) ⋅ (Y1d − C1 ) ⇔
P2 P
⇔
P1 P1
(
⇔ (1 + π ) ⋅ C 2 = (1 + π ) ⋅ Y2d + (1 + i ) ⋅ Y1d − C1 ⇔ )
1+ i
⇔ C 2 = Y2d + ⋅ S1 ⇔
1+ π
⇔ C 2 = Y2d + (1 + r ) ⋅ S1
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Podemos, portanto, analisar o problema da repartição do rendimento disponível entre
consumo e poupança considerando apenas grandezas reais.
(
C 2 = Y2d + (1 + r ) ⋅ Y1d − C1 ⇔)
⇔ C 2 + (1 + r ) ⋅ C1 = Y + (1 + r ) ⋅ Y1d ⇔
2
d
1 1
⇔ C1 + C 2 = Y1d + Y2d = Ω
1+ r 1+ r
C2
C2 = Ω ⇔ C2 = (1 + r ) ⋅ Ω − (1 + r ) ⋅ C1
1
C1 +
1+ r
(1 + r ) ⋅ Ω
A
Y2d declive = – (1+r)
Y1d Ω C1
11
Se o agente escolher um ponto da recta orçamental situado acima do ponto A, escolhe
poupar parte do seu rendimento presente (C1<Y1d) para poder consumir mais no futuro
(C2>Y2d). O agente empresta a sua poupança nos mercados financeiros, tornando-se
credor. Este adiamento do consumo será recompensado no futuro, com juros.
Na parte da recta orçamental que se situa abaixo do ponto A, o agente consome mais do
que o seu rendimento no presente (C1>Y1d), tendo uma poupança negativa. Isso só é
possível através do recurso ao crédito. O agente torna-se devedor, e terá que saldar a sua
dívida no futuro, com juros.
A única combinação de consumo presente e futuro que não requer acesso aos mercados
financeiros corresponde ao ponto A, designado por ponto de autarcia (auto-suficiência).
C2
poupança
(C1<Y1d)
(1 + r ) ⋅ Ω
C2 autarcia
(C1=Y1d)
Y2d endividamento
(C1>Y1d)
C2
C1 Y1d C1 Ω C1
O agente pretende maximizar a sua utilidade, e portanto vai procurar situar-se numa curva
de indiferença tão afastada da origem quanto possível. No ponto óptimo são tangentes a
recta orçamental e a curva de indiferença.2 A escolha óptima determina-se através da
2
Desde que as curvas de indiferença sejam diferenciáveis, e que a solução seja interior (tanto o consumo
presente como o futuro são estritamente positivos), e não de canto.
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igualdade entre a taxa marginal de substituição e o preço relativo entre consumo futuro e
consumo presente.
UMg 1
TMS 12 = 1 + r ⇔ =1+ r
UMg 2
C2
(1 + r ) ⋅ Ω
ponto
óptimo
C2
Y2d
U max
C1 Y1d Ω C1
Aumentos da riqueza do agente (de Y1d, Y2d, ou a existência de alguma riqueza inicial, Ω0)
induzem, normalmente, aumentos tanto do consumo presente como do consumo futuro.
C2
(1 + r ) ⋅ Ω novo
óptimo
C2 '
C2
U max
Y2d
13
O impacto de uma variação da taxa de juro pode ser decomposto num efeito de
substituição e num efeito rendimento.
C2 subida da C2 descida da
taxa de juro taxa de juro
C2 C2
C2 '
U max U max
C1 ' C1 C1 C1 C1 ' C1
Um aumento da taxa de juro faz aumentar o benefício associado à poupança, tal como o
custo do endividamento. Os agentes credores são beneficiados, em prejuízo dos agentes
devedores. O efeito rendimento faz aumentar o consumo presente e futuro (diminui a
poupança) dos credores, e diminuir o consumo presente e futuro (aumenta a poupança)
dos devedores.
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C2 C2
melhoria do
bem-estar diminuição do
bem-estar
Y2d
C2 '
C2 '
C2 C2
U max
Y2d
U max
Figura 3.15: Efeito de um aumento da taxa de juro (agente credor vs agente devedor).
15
3.3 Rendimento Permanente e Ciclo de Vida
C t = k ⋅ Yt P .
3
Ao consumo em função do rendimento permanente pode chamar-se função consumo de longo prazo.
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expectativas relativamente ao rendimento médio futuro. A nova expectativa passa a ser
uma média entre a expectativa anterior e o rendimento obtido no período presente.
Ct = k ⋅ Yt P ⇔ Ct = k ⋅ (1 − j ) ⋅ Yt −P1 + k ⋅ j ⋅ Yt d .
∆C t ∆Ct
PMC LP = = k ; PMCCP = = k ⋅ j.
∆Yt P
∆Yt d
4
Ao consumo em função do rendimento corrente (rendimento disponível do próprio período) pode chamar-
se função consumo de curto prazo.
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A propensão marginal para o consumo associada ao rendimento permanente, k, é tanto
menor quanto maior for a volatilidade do rendimento, e quanto maior for a aversão dos
agentes às oscilações dos seus níveis de consumo.
∆S ∆S t
PMS LP = = 1 − k ; PMS CP = = 1− k ⋅ j.
∆Y P
∆Yt d
C = k ⋅ Y P ⇔ S = (1 − k ) ⋅ Y P ⇔ s LP =
S
= 1 − k.
YP
No curto prazo, a taxa de poupança aumenta com o rendimento corrente (o que está de
acordo com a análise cross-section):
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S t = Yt d − Ct = Yt d − k ⋅ (1 − j ) ⋅ Yt −P1 − k ⋅ j ⋅ Yt d = (1 − k ⋅ j ) ⋅ Yt d − k ⋅ (1 − j ) ⋅ Yt −P1 ⇒
St Yt −P1 dsCP Yt −P1
⇒ sCP = d = 1 − k ⋅ j − k ⋅ (1 − j ) ⋅ d ⇒ = k ⋅ (1 − j ) ⋅ > 0.
Yt Yt dYt d Yt d
2
( )
Segundo a hipótese do ciclo de vida, os agentes fazem previsões relativas a todos os seus
rendimentos futuros, planeando o seu consumo até ao final da vida de forma a que este
permaneça estável. Os agentes estimam, portanto, uma restrição orçamental
intertemporal.
Suponhamos que um indivíduo tem uma esperança de vida igual a L, e que planeia
reformar-se no momento R. Se esperar ter um fluxo de rendimentos constante, Y, até à
idade de reforma, o seu rendimento total esperado (disponível para consumo ao longo da
vida) é Y·R. Se tiver uma riqueza inicial igual a A, para poder manter o seu nível de
consumo ao longo de toda a sua vida, o indivíduo deverá fixar:
A R
C⋅L = A+Y ⋅R ⇔ C = + ⋅Y
L L
Assim, durante o período em que trabalha, o agente vai poupando (acumula riqueza). A
evolução da riqueza é dada por A+(Y-C)·t, atingindo o valor máximo, A+(Y-C)·R, no
momento da reforma. A partir desse momento, o agente vai consumir a sua riqueza, que
vai diminuindo ao longo do tempo, sendo dada por A+(Y-C)·R – C·(t-R) = A+Y·R – C·t,
anulando-se no final da vida.
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Se o agente tiver uma riqueza inicial, A, então poderá sustentar um nível superior de
consumo. Poupará, assim, uma menor fatia do seu rendimento corrente. Antes da reforma,
a sua taxa de poupança é dada por:
Y −C C R A
s= = 1− = 1− −
Y Y L LY
20
mantenha também estável, tal como verificado empiricamente na análise das séries
temporais da poupança.
O consumo depende dos activos detidos pelos agentes. Um “crash” (“boom”) no mercado
de acções provoca uma diminuição (aumento) do consumo. Segundo um estudo de
Modigliani, um acréscimo de 1 u.m. dos activos dos agentes faz aumentar o consumo em
0,06 u.m., o que significa que o rendimento corrente adicional é, na sua maior parte,
poupado, para depois ir sendo consumido ao longo de um período de 15 anos.
21
3.4 A Função Consumo
O efeito das políticas económicas, depende, em geral, das expectativas que as pessoas têm
relativamente ao futuro, incluindo as expectativas acerca das próprias políticas. De acordo
com a hipótese das expectativas racionais, os agentes formam as suas expectativas
utilizando toda a informação e todo o conhecimento existente acerca da conjuntura
económica, da estrutura da economia, e das intenções dos outros agentes económicos,
incluindo os decisores políticos.
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3.4.2 Bens de Consumo Duradouro
Mais do que manter uma despesa estável em bens de consumo, o que os agentes
pretendem é manter um estilo e um nível de vida estáveis. Nesse sentido, têm vantagem
em adquirir bens de consumo duradouro nos períodos em que o rendimento corrente é
superior.
Este efeito age no sentido da diminuição da taxa de poupança nas fases de expansão
económica, ao contrário das previsões efectuadas a partir das hipóteses do rendimento
permanente e do ciclo de vida.
23
Considere, por exemplo, um jovem à procura de emprego que pretende contrair um
empréstimo para poder consumir mais no presente. Pode acontecer que não consiga obter
financiamento. Se, por acaso, tiver um rendimento extraordinário nesse período, deverá
consumir todo esse rendimento adicional no curto prazo, apresentando uma propensão
marginal para o consumo próxima de 1, e uma taxa de poupança próxima de 0.
Uma pessoa sujeita a uma restrição de liquidez activa apresenta, normalmente, uma
propensão marginal para o consumo muito elevada.
A maior parte das pessoas não consome toda a sua riqueza, deixando a restante aos seus
descendentes. O horizonte temporal para as decisões de consumo e poupança pode ir,
assim, para além do tempo de vida, por motivos associados a heranças e ao bem-estar dos
descendentes e próximos da pessoa.
A incerteza relativa ao momento da morte também leva as pessoas a não consumir toda a
sua riqueza, por precaução. Em resultado desta precaução, acabam por deixar uma herança
involuntária.
24
3.4.6 Conclusão
Definindo riqueza como a soma do valor dos activos actuais com o valor esperado do
fluxo de rendimentos futuros, percebemos que as decisões relativas ao consumo e à
poupança dependem de forma crucial das expectativas das pessoas relativamente aos seus
rendimentos futuros, ou seja, do clima de confiança.
A taxa de juro tem um impacto negativo sobre o consumo, que se torna mais caro
relativamente ao consumo futuro, apesar de os agentes credores verem a sua riqueza
aumentar.
∂C ∂C ∂C ∂C
C = C (Y d , Ω 0 , Y e , r ) , com >0, > 0, >0 e < 0.
∂Y d
∂Ω 0 ∂Y e
∂r
25