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ANÁLISE DO EQUILÍBRIO GERAL COMPETITIVO

Principais Aspectos e Resultados

1. HISTÓRICO DA DISCUSSÃO SOBRE A EXISTÊNCIA DO EQUILÍBRIO GERAL


COMPETITIVO

Não obstante o fato do desenvolvimento da teoria de equilíbrio geral ter sido iniciada com a
contribuição básica de Walras em 1874, a questão da existência do chamado Equilíbrio Geral
Competitivo – ou seja, da existência de um conjunto de preços (um para cada bem ou serviço
existente na economia) que, num contexto onde cada agente econômico (consumidor ou produtor)
atua de forma individualista procurando o máximo do seu próprio interesse e apenas com base nas
informações desses preços, consegue coordenar e compatibilizar o resultado conjunto de todas essas
ações dos agentes – começou a ser analisada apenas no início da década de 30, e a partir de uma
formulação matemática de um modelo de equilíbrio geral apresentado por G. Cassel em 1918.

Esse modelo de Cassel, consistia de uma economia com a seguinte estrutura e hipóteses:

• r fatores de produção, com ofertas fixas Rj , j = 1, 2, 3, …, r;


• n bens finais, produzidos com os r fatores de produção, através de tecnologias de
coeficientes fixos aij (quantidade do fator j necessária para a produção de uma unidade do
bem i);
• demanda agregada de cada bem final que depende apenas dos preços dos mesmos.

Formalmente, esse modelo foi representado pelo seguinte conjunto de equações:

a11q1 + a12q 2 + ....... + a1r q r = p1


a 21q1 + a 22q 2 + ....... + a 2r q r = p2
(1)
................................................
a n1q1 + a n2q 2 + ....... + a nr q r = p n

D1 = F1 (p1 , p2 ,......., pn )
D2 = F2 (p1 , p2 ,......., pn )
(2)
.....................................
Dn = Fn (p1 , p2 ,......., pn )

a11S1 + a 21S2 + ....... + a n1Sn = R 1d


a12S1 + a 22S2 + ....... + a n2Sn = R d2
(3)
................................................
a1rS1 + a 2rS2 + ....... + a nrSn = R dr

onde qj = preço do fator de produção j

1
pi = preço do bem final i
Di = quantidade agregada demandada do bem final i
Si = quantidade agregada demandada do bem final i
R dj = quantidade agregada demandada do fator de produção j

Impondo as condições de equilíbrio nos mercados dos fatores de produção e dos bens finais,
R = R j e Di = Si para todo i e j, Cassel apresentava a argumentação de que o seguinte sistema de
d
j

equações tinha solução para qj e pi:

a11q1 + a12q 2 + ....... + a1r q r = p1


a 21q1 + a 22q 2 + ....... + a 2r q r = p2
(1´)
................................................
a n1q1 + a n2q 2 + ....... + a nr q r = p n

a11F1 (p1 ,..., p n ) + a 21F2 (p1 ,..., p n ) + ....... + a n1Fn (p1,..., p n ) = R1


a12 F1 (p1 ,..., p n ) + a 22 F2 (p1,..., p n ) + ....... + a n2 Fn (p1,..., p n ) = R 2
(3´)
................................................................................................
a1r F1 (p1 ,..., p n ) + a 2r F2 (p1 ,..., p n ) + ....... + a nr Fn (p1,..., p n ) = R r

Não obstante esse sistema tenha o mesmo número de equações e incógnitas, problemas para
a existência e a natureza da sua solução foram levantadas de forma concomitante por alguns
trabalhos no início da década de 30.

Neisser (1932), mostrou que mesmo com valores plausíveis para os coeficientes técnicos aij,
esse sistema pode gerar soluções de preços negativos.

Stackelberg (1933), apontou o fato de que, embora exista um mesmo número de equações e
incógnitas, é necessário impor condições para os números de fatores de produção e de bens finais
diferenciados. Em particular, se n < r, com as r equações linearmente independentes entre si, então
o sub-sistema (3´) não tem solução.

Zeuthen (1932), apresentou objeções para a própria natureza do modelo de Cassel,


argumentando que o seu modelo admitia, à priori, que todos os fatores de produção eram escassos.
Para ser consistente com a proposição conhecida desde os primórdios da escola neoclássica seria
necessário considerar que a escassez de um bem não é uma qualidade intrínseca do mesmo, mas
depende da sua disponibilidade viz-a-viz a quantidade desejada pelos seus demandantes. Se a
disponibilidade de um bem for maior do que a quantidade desejada pelos seus demandantes, então
esse bem não pode ter valor de troca (ou seja, preço positivo), sendo isso determinado pelo mercado
e não uma condição a ser imposta à priori. Mais especificamente, Zeuthen apontou para o fato de
que o subsistema de equações (3´) deveria ser expresso da seguinte forma:

2
a11F1 (p1 ,..., p n ) + a 21F2 (p1 ,..., p n ) + ....... + a n1Fn (p1 ,..., p n )  R1
a12 F1 (p1 ,..., p n ) + a 22 F2 (p1 ,..., p n ) + ....... + a n2 Fn (p1 ,..., p n )  R 2
(3´´)
................................................................................................
a1r F1 (p1 ,..., p n ) + a 2r F2 (p1 ,..., p n ) + ....... + a nr Fn (p1 ,..., p n )  R r

sendo que, se ocorrer a desigualdade estrita, ou seja, a quantidade demandada de um fator de


produção for menor do que a sua disponibilidade, então o seu preço deve ser nulo, indicando que o
mesmo constitui-se num bem livre ( se R dj  R j entao q j = 0 ). E nesse caso, nem a regra de
igualdade de equações e incógnitas é válido para analisar a existência de solução.

Num trabalho independente, Schlesinger (1933), apresentou a mesma crítica de Zeuthen, e


foi capaz de perceber que a questão da existência de solução no modelo de Cassel era de fato muito
mais complexa do ponto de vista matemático. Ele redefiniu o modelo de Cassel para permitir a
possibilidade de bens livres, e o apresentou na forma de se solucionar um sistema de equações não
lineares, através da introdução de variáveis slack (“folgas”):

a11q1 + a12q 2 + ....... + a1r q r = p1


a 21q1 + a 22q 2 + ....... + a 2r q r = p2
(4)
................................................
a n1q1 + a n2q 2 + ....... + a nr q r = p n

p1 = f1 (D1 , D2 ,......., D n )
p2 = f 2 (D1 , D2 ,......., Dn )
(5)
......................................
p n = f n (D1 , D2 ,......., D n )

a11D1 + a 21D 2 + ....... + a n1D n + u1 = R 1


a12 D1 + a 22 D 2 + ....... + a n2 D n + u 2 = R 2
(6)
............................................................
a1r D1 + a 2r D2 + ....... + a nr D n + u r = R r

com a restrição u j  0 e se uj > 0, então qj = 0 para todo j = 1, 2, …., r. Portanto, esse sistema
envolvia 2n + r equações e 2n + 2r incógnitas, cuja análise da solução era, na época, complexa
mesmo para os matemáticos. Para resolver esse problema, Schlesinger solicitou a ajuda de
Morgenstern, que o colocou em contato com o matemático A. Wald. Dessa associação entre
Schlesinger e Wald, sugiram quatro artigos escritos por Wald entre 1933 e 1935, que constituiram-
se na primeira prova formal da existência de equilíbrio competitivo.

Não obstante a importância desse resultado, o seu impacto foi muito menor que os resultados
de existência de equilíbrio geral competitivo obtidos mais tarde na década de 50, uma vez que, como
se verá mais adiante no curso, estes últimos foram obtidos a partir de modelos com especificações

3
sobre os comportamentos dos consumidores e das tecnologias de produção bem mais gerais do que
as do modelo de Cassel utilizado por Wald.

Para se ter uma idéia da especificidade das hipóteses utilizadas por Wald para provar a
existência de equilíbrio, apresenta-se abaixo o teorema que o mesmo provou no primeiro dos seu
quatro artigos:

Teorema de Existência e Unicidade de Equilíbrio de Wald - O sistema de equações de


Schlesinger,

a q
j=1
ij j = pi com pi = fi (Di ) , i = 1, 2,..., n

a D + u
i =1
ij i j = Rj , j = 1, 2,..., r

onde valem as restrições,

q j  0 para todo j = 1, 2, …, r
pi  0 para todo i = 1, 2, …, n
Di  0 para todo i = 1, 2, …, n
u j  0 para todo j = 1, 2, …, r e q j = 0 se u j  0

possue uma única solução para as variáveis qj , pi e uj (i = 1, 2, ..n e j = 1, 2, …, r), dados os


valores de Rj e aij e as funções fi(Di) (funções inversas de demandas), se valerem as seguintes
condições para estes:
1. R j  0 , para todo j = 1, 2, …, r;
2. aij  0 , para todos i = 1, 2, …, n e j = 1, 2, …, r;
3. para cada j (j = 1, 2, …, r), existe pelo menos um i (i = 1, 2, …, n) tal que aij  0 ;
4. para cada j (j = 1, 2, …, r), a função fi(Di) é contínua e definida no domínio Di  0 , com
valores não negativos, estritamente decrescente em relação a Di e com limite
lim fi (Di ) =  ;
Di → 0

Além das hipóteses restritivas de que as tecnologias de produção são de coeficientes fixos e
que as demandas de cada bem final depende apenas do seu próprio preço, vale a pena também
mencionar a seguinte objeção: “Em realidade, a demanda de cada indivíduo depende também da sua
renda, que por seu turno depende dos preços dos fatores de produção. Devemos então formular um
sistema de equações que leve isto em conta e investigar a existência de solução”. (o fato curioso é
que essa objeção foi apresentada por G del, um importante matemático e lógico deste século).

Um outro aspecto que se associa ao pouco impacto do resultado de Wald, refere-se à


complexidade matemática da sua prova, incompreensível para a maioria dos economistas da época.

4
Cabe finalmente também destacar que, além de ter apresentado a primeira prova de
existência de equilíbrio, foi Wald que pioneiramente utilizou os conceitos que foram explicitados e
desenvolvidos posteriormente por Hicks (Bem Composto) e por Samuelson (Axioma Fraco de
Preferência Revelada).

Para os trabalhos que surgiram posteriormente na metade da década de 50, apresentando


provas de existência de equilíbrio geral competitivo em modelos bem mais gerais e mais
representativos da formulação original de Walras [Arrow e Dedreu (1954), Mckenzie (1954), Gale
(1955), Nikaidô (1956) e Debreu (1959)}] foram cruciais os desenvolvimentos teóricos ocorridos
entre as décadas de 30 a 50, onde se destacam as contribuições de Von Neumann.

No artigo “A Model of General Economic Equilíbrium” de Von Neumann (1937), que é


considerado um dos artigos mais importantes em economia matemática, encontra-se as bases da
análise da produção através da chamada abordagem de vetores de atividades de produção, que foi
posteriormente desenvolvida por Koopmans (1951), bem como a utilização da técnica matemática
de ponto fixo de correspondências, com a generalização feita por Von Neumann de um famoso
Teorema de Ponto Fixo de Brouwer em topologia. Posteriormente, essa generalização foi
simplificada por Kakutani (1941).

Um outro importante conjunto de contribuições se deveu ao desenvolvimento da Teoria de


Jogos, cujo início se deu com um artigo de Von Neumann (1928) e consolidada com o famoso livro
“Theory of Games and Economic Behavior” de Von Neumann e Morgenstern (1944). É neste
último trabalho que aparece a primeira proposição de axiomatização do comportamento dos
indivíduos, no contexto de escolha envolvendo risco. Essa abordagem foi posteriormente
desenvolvida por Debreu (1950), para o contexto de decisão dos indivíduos em ambientes de
escolha com certeza.

Finalmente, cabe destacar a contribuição de Nash (1950), que mostrou a existência de


equilíbrio em um jogo não cooperativo com N indivíduos, através da utilização do Teorema de
Ponto Fixo de Kakutani. A proposição desse conceito de equilíbrio e da técnica matemática utilizada
para mostrar a sua existência constitui-se no passo final para o surgimento do conhecido artigo de
Arrow e Dedreu (1954) de existência de equilíbrio geral competitivo.

2. MODELO DE ARROW-DEBREU PARA UMA ECONOMIA COMPETITIVA

2.1. Caracterização geral de uma Economia Competitiva de Propriedade Privada

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Seja uma economia com I, positivo e finito, consumidores (representados pelo índice i), J,
positivo e finito, firmas (representadas pelo índice j) e L, positivo e finito, bens e serviços
(representados pelo índice l), onde valem os seguintes pressupostos:

1) Cada consumidor i tem uma relação de preferência 


~ i que é racional (completa e
transitiva), definida sobre um conjunto de consumo Xi  R . Cada consumidor i
L

L
também tem uma dotação inicial de bens e serviços, representada pelo vetor  i  R , e
participa dos lucros de cada firma j numa proporção ij, onde 0  ij  1;
2) Cada firma j tem um conjunto de tecnologias de produção Yj  R , sendo que cada um
L

dos seus elementos yj é denominado de atividade e representado por vetores que


especificam a combinação das quantidades de insumos (valores negativos) e produtos
(valores positivos) envolvidas em cada processo de produção tecnologicamente possível
e conhecido pelas respectivas firmas;

3) Cada agente econômico (consumidores e firmas) atua em cada um dos mercados dos L
bens e serviços de modo a atingir o máximo do seu próprio interesse (maximização das
suas preferências e lucros, respectivamente), sob condições de competição perfeita, ou
seja, com base em mecanismos de mercado onde esse agente é um tomador de preços
(cada agente ajusta-se passivamente aos preços vigentes na economia,
independentemente da possibilidade de que a sua ação possa afetar esses mesmos
preços).

Assim sendo, as relações de preferencias, tecnologias, recursos disponíveis e dados sobre


direitos de propriedades, ou seja, os chamados fundamentals, de uma economia de propriedade
   
~ i i=1 , Yj j=1 ,  i ,  i1 ,...,  iJ  i=1 
privada podem ser representados por  X i , 
I 
I J

OBSERVAÇÕES:
i) As quantidades de bens e serviços xli envolvidas em cada "cesta" de consumo xi  Xi
podem ser especificadas de modo a distinguir quantidades de um mesmo bem ou
serviço consumidas em locais e instantes de tempo diferentes, bem como
representar ofertas dos vários tipos de trabalho de cada consumidor (neste caso, os
componentes xli assumiriam valores menores que zero, indicando um "consumo"
negativo de cada tipo de trabalho);

ii) A partir da relação de preferência 


~i , pode-se definir os seguintes conceitos correlatos:
- Dadas quaisquer duas cestas de consumo x1i e x 2i  Xi , diz-se que x1i é preferida a
x 2i (ou x1i i x 2i ) se x1i 
~i x 2i e não x 2i 
~i x1i e que x1i é indiferente a x 2i (ou x1i
~ i x 2i ) se x1i 
~i x 2i e x 2i 
~i x1i .
L
- Uma função ui(xi), com domínio em R e contra-domínio em R, constitui-se numa
representação do índice de utilidade do consumidor i se vale a seguinte condição:
ui( x1i )  ui( x 2i ) se e somente se x1i  2
~ i xi

6
iii) Nos vetores de atividade yj  Yj, a classificação de um bem como insumo ou produto
não se caracteriza como uma condição inerente ao mesmo ou à firma que o utiliza ou o
produz, mas sim ao seu envolvimento específico em cada vetor de atividade. Ademais,
os elementos de yj podem envolver quantidades de bens datadas e especificadas pelas
suas origens e destinos geográficos, bem como aquelas relativas aos chamados bens
duráveis, ou seja, que não se esgotam dentro de um dado período determinado de
produção (nesse caso, além da presença do bem como insumo num dado período t, o
mesmo apareceria também como produto do período t+1, com quantidade reduzida pela
depreciação do seu uso);
L
iv) Define-se como o conjunto agregado de tecnologias de produção da economia Y  R
J
da seguinte forma: para todo y  Y, y =  y j , onde yj  Yj;
j=1

v) O gasto total de cada consumidor i e o lucro de cada firma j são definidos,


respectivamente, pelos seguintes produtos escalares:

L L
P.xi =  P x i
=1
e P.yj = P y
=1
 j

vi) No que se segue, serão adotadas as seguintes convenções na comparação de dois vetores
quaisquer a e b  Rn:
a > b significa que ai  bi, para todo i = 1, 2, ….., n
a  b significa que ai  bi, para todo i = 1, 2, ….., n
a = b significa que ai = bi, para todo i = 1, 2, ….., n

2.2. Definição de Equilíbrio Geral Competitivo

Para uma economia de propriedade privada  X i ,     


~ i i=1 , Yj j=1 ,  i ,  i1 ,...,  iJ  i=1  , o
I 
I J

seguinte conjunto de I cestas de consumo, de J atividades das firmas e de um vetor de preços


( x 1* ,..., x *I , y1* ,..., y*J , P), onde x *i  Xi , y*j  Yj e P  R +L , com P  O (onde O representa o
vetor nulo), constitui-se num equilíbrio geral competitivo dessa economia se:

1) Para cada firma j = 1,2,..,J, a atividade y*j maximiza o seu lucro com os preços P, ou
seja,
P y*j  Pyj para qualquer yj  Yj
2) Para cada consumidor i = 1,2,..,I, a cesta de consumo x *i maximiza a sua preferência aos
preços P, ou seja,

P x *i  W(P) e x *i 
~ i xi, para qualquer xi  Xi tal que

7
J
Pxi  W(P), onde W(P) = P  i +   Py
j=1
ij
*
j

3) Existe consistência entre as quantidades totais demandadas e ofertadas de cada bem l =


1,2,..,L, ou seja,
I I J
z ( P ) = x *
i -  *
i - y
j=1
*
j  0
i =1 i =1

e z ( P ) = 0 para todo Pl > 0

2.3. Modelo de Arrow-Debreu (1954)

O modelo de uma economia competitiva proposto por Arrow e Debreu, de inspiração


walrasiana, além das hipóteses básicas envolvidas na definição de economia competitiva de
propriedade privada apresentada acima, é composto pelo seguinte conjunto de hipóteses adicionais:

C.1 - Para todo consumidor i = 1,2,..,I, seu conjunto de consumo Xi é um sub-conjunto


L
convexo, fechado de R e limitado inferiormente;

C.2 - (não saturação “fraca”) Para todo consumidor i = 1,2,..,I, dado qualquer x i  Xi
sempre existe algum x i  Xi tal que x i  i xi , ou seja, que ui( x i) > ui(xi);

C.3 - (continuidade de preferências) Para todo consumidor i = 1,2,..,I, dado qualquer x i


 Xi , os conjuntos {xi  Xi : xi ~ i x i } e {xi  Xi : x i 
~ i x i } são fechados em Xi
(note que esse axioma, junto com a hipótese de que ~ i é racional, implica que a
função ui(xi) é contínua em Xi, vide Mas-Colell, pag. 47);

C.4 - (convexidade de preferências) Para todo consumidor i = 1,2,..,I, se x1i e x 2i  Xi,


com x1i  i x 2i , para todo 0 <  < 1, tem-se que [ x1i + (1-) x 2i ]  i x 2i , ou seja, se
ui( x1i ) > ui( x 2i ), para todo 0 <  < 1, tem-se que ui[ x1i + (1-) x 2i ] > x 2i ;

C.5 - Para todo consumidor i = 1,2,..,I, existe algum x i  Xi tal que x i <<  i , onde  i
representa o vetor de dotação inicial de bens e serviços do consumidor i;

P.1 - (possibilidade de inatividade) Para toda firma j = 1,2,..,J, o vetor nulo O  Yj;

P.2 - (convexidade na produção) Para toda firma j = 1,2,..,J, o conjunto de tecnologias de


L
produção Yj é um sub-conjunto convexo e fechado de R ;
P.3 - (impossibilidade de produção livre ou de existir Land of Cockaigne) O conjunto
agregado de tecnologias de produção da economia Y não contém nenhum vetor y 
R +L , exceto o nulo, ou seja, Y  R +L = O

P.4 - (irreversibilidade na produção) Se y  Y, então -y  Y, ou seja, Y  {-Y} = O

8
I
P.5 - Nenhuma firma retém lucros, ou seja, para todo j=1,2,..,J, 
i =1
ij =1

OBSERVAÇÕES:
i) Para interpretar o axioma C.5, considere o caso em que para algum consumidor i a sua
cesta de dotação inicial  i tenha todos os elementos iguais a zero. Por esse axioma,
deve existir para esse consumidor alguma cesta x i  Xi tal que x i <<  i . Mas isso
significaria que o seu conjunto de possibilidade de consumo Xh inclui a cesta x i << 0,
ou seja que ele conseguiria sobreviver consumindo quantidades negativas de todos os
bens! Evidentemente que isso não é possível. Portanto, a interpretação correta de C.5 é
no sentido de que  i >> 0, ou seja, todos os consumidores devem ter uma dotação
inicial positiva de todos os N bens da economia.

ii) Esse axioma, conhecido como o de condição de sobrevivência dos consumidores, é


necessário no modelo para garantir que nenhum consumidor tenha renda igual a zero.
Considerando-se que no modelo acima poder-se-ia ter um equilíbrio com preços de
alguns bens iguais a zero (bens livres), não se poderia evitar a possibilidade de que
alguns consumidores tivessem como dotação inicial apenas as quantidades positivas
desses bens livres.

iii) Por outro lado, considerando-se que o axioma C.5 é muito forte e irrealista (todos os
consumidores devem ter dotações iniciais positivas de todos os bens da economia), no
mesmo trabalho de 1954 Arrow e Debreu apresentam uma segunda versão do seu
modelo, impondo uma condição mais fraca. Para isso esses autores consideram duas
novas definições de bens (desejáveis e produtivos) e reformulam o axioma C.5.

DEFINIÇÃO 1 (Bens Desejáveis): Para um consumidor i, um bem d é dito ser desejável,


se para todo xi  Xi existe algum número real > 0, tal que xi( ) = (x1i, x2i, ......., xd-1,i,
xdi + , xd+1,i, ........, xLi) Xi e xi( )  i xi.

OBSERVAÇÃO: Quando todos os bens são desejáveis para um consumidor i qualquer,


diz-se que a sua relação de preferência ~ i atende o Axioma de Monotonicidade das
Preferências ou o de Não Saturação "Forte".

DEFINIÇÃO 2 (Bens Produtivos): Seja D o sub-conjunto dos bens que são desejáveis
para todos os consumidores i = 1, 2, ....., I. Então, um bem p é dito ser produtivo, se
para todo y  Y, existe algum y*  Y tal que:

y *d  y d , para algum d D
y  y
*
 , para todo l p

OBSERVAÇÃO: Em outras palavras, um bem é dito ser produtivo se para qualquer vetor
de produção agregada da economia (y), sempre existe um outro vetor de produção
agregada (y*) que permite ofertar maiores quantidades de pelo menos um bem que seja
9
desejável para todos os consumidores, sem reduzir as quantidades de produção (e/ou
aumentar as quantidades, quando insumos) dos demais bens, exceto o do bem
produtivo.
Com base nessas duas definições, Arrow e Debreu (1954) apresentam uma segunda versão
do seu modelo onde, em relação ao modelo original acima descrito, apenas substituem os axiomas
C.2 e C.5, pelos seguintes axiomas:

C.2' - Existe pelo menos um bem desejável para todos os consumidores i = 1, 2, ......, I, ou
seja o sub-conjunto D dos bens desejáveis para todos os consumidores não é vazio.

C.6 - Existe pelo menos um bem produtivo na economia, ou seja o sub-conjunto P dos bens
produtivos não é vazio.

C.5' - Para todo consumidor i = 1,2,..,I, existe algum x i  Xi tal que x i i e ~


xi   i
para algum l P, onde P representa o conjunto dos bens produtivos;

C.7 - Na economia existe alguma alocação de bens entre os consumidores e as firmas de tal
modo que é possível existir excesso de oferta para todos os bens l = 1, 2, ......, L, ou
seja, dadas as dotações iniciais dos consumidores i, para todos os consumidores i e
firma j existem ~x i  Xi e ~
y j  Yj , tal que:
~y +   ~x
onde
J I I

 j
~y = ~y ,
j=1
 =  i , x = ~
~ xi
i =1 i =1

OBSERVAÇÕES:
i) Note que nessa versão do modelo de Arrow-Debreu, não se exige mais que cada
consumidor tenha dotação inicial positiva de todos os bens, mas apenas de algum bem
que seja produtivo. Isto porque, se um bem é produtivo, o mesmo permite aumentar a
produção de bens que são desejáveis por todos os consumidores, significando que,
indiretamente, os consumidores sempre valorizarão esse bem produtivo, ou seja,
estarão dispostos a pagar um preço positivo por ele. Portanto, nenhum consumidor
corre o risco que ficar com renda nula. No seu trabalho, Arrow e Debreu tinham em
mente o fato absolutamente razoável de que todo indivíduo tem pelo menos um bem
com dotação inicial positiva e que pode ser considerado produtivo (a capacidade de
trabalho de algum tipo).

ii) No caso do axioma C.7 que só aparece na segunda versão do modelo, pode-se destacar
que, na realidade, ele é implicitamente considerado na primeira versão, uma vez que os
axiomas C.5 e P.1 garantem que o mesmo é atendido.

iii) Por outro lado, em Nikaido (1968), pode-se constatar que é possível construir uma
terceira versão do modelo de Arrow-Debreu, versão essa que garante a existência de
equilíbrio geral competitivo com todos os preços de equilíbrio positivos, ou seja, sem a
existência de bens livres. Nesse caso, em relação à primeira versão do modelo, é
necessário substituir os axiomas C.2 e C.5 pelos seguintes dois axiomas:

10
C.2" - (monotonicidade das preferências ou não saturação "forte"): Para todo
consumidor i = 1, 2, ....., I, todos os bens l = 1, 2, ...., L são desejáveis.

C.5" - Para todos os consumidores i = 1, 2, ......, I, existe algum ~x i  Xi tal que x i i


e para todas as firmas f existe ~y j  Yj, tal que:
~y +   ~x
onde
J I I

 j
~y = ~y ,
j=1
 =  i , x = ~
~ xi
i =1 i =1

2.4. Modelo de Debreu (1959)

O modelo que Debreu desenvolveu posteriormente é interessante ser analisado em razão da


reformulação feita a nível das hipóteses sobre a produção. Em relação à primeira versão do modelo
Arrow-Debreu (1954), este autor substituiu os axiomas P.2 e P.3 pelos seguintes dois axiomas:

P.2' - (convexidade na produção agregada) O conjunto de tecnologia agregado da


economia Y é um sub-conjunto convexo e fechado de RL;

P.3' - (free disposal) R −L Y.

OBSERVAÇÕES:
i) No caso da substituição do axioma P.3 por P.3', cabe destacar dois aspectos. O
primeiro que se refere ao fato dessa substituição ser meramente formal, uma vez que é
fácil mostrar que P.3' e P.4 implicam na validade de P.3. O segundo aspecto diz
respeito à interpretação de P.3', que pode ser melhor entendido por uma outra condição
implicada por P.3' e P.2', que assume a seguinte forma: (Y - R +L ) Y.

ii) Assim sendo, a rigor a diferença básica entre os modelos Arrow-Debreu (1954) e
Debreu (1959) é com respeito à substituição de P.2 (convexidade a nível de cada firma)
por P.2' (convexidade a nível da economia como um todo). Considerando-se que é
possível mostrar que P.2 implica P.2', mas não o contrário, o segundo modelo impõe
uma condição mais "fraca" a respeito de não existência de retornos crescentes a escala.
Debreu (1959) estabelece que essa condição só é necessária a nível da economia como
um todo.

iii) Esse resultado obtido no modelo de Debreu (1959), no sentido de que a existência do
equilíbrio geral competitivo depende da hipótese "fraca" de que apenas o conjunto de
tecnologia agregado da economia deve ser convexo (ou não apresentar retornos
crescentes de escala), não deve, contudo, ser interpretado no sentido de que as firmas
individuais podem ter qualquer tipo de tecnologia de produção, em particular
significativos graus de retornos crescentes de escala. Arrow e Hahn (1971), capítulo 7,

11
e Mas-Colell, capítulo 17, seção 17.I, mostram que, sejam a níveis das firmas ou dos
consumidores individuais, a existência de conjuntos de tecnologias e preferência não
convexas, não causam problemas para a existência de equilíbrio se a economia tem um
continuum de agentes econômicos (ou seja, um número infinito deles). Para grandes
economias (com “grande” mas finito número de agentes), graus "moderados" de não
convexidade da tecnologia e preferencia podem não causar problemas para a existência
de equilíbrio geral competitivo, se esse equilíbrio é entendido no sentido de limite de
aproximação ao equilíbrio. Ou seja, existiria uma alocação de consumo e produção e
um vetor de preços ( x 1,..., x I , y 1 ,..., y J , P ), que atende todas as condições da definição
de equilíbrio geral competitivo acima definido, exceto o da não existência de excessos
de demanda nos mercados dos bens. Contudo, como esses excessos são limitados
superiormente (com limites determinados pelo grau de não convexidade da produção e
das preferências) e não dependem do tamanho da economia, na medida em que o
número de agentes econômicos é “grande”, os valores dos excessos de demanda per-
capita seriam insignificantes.

3. OTIMALIDADE DO EQUILÍBRIO GERAL COMPETITIVO

Considere uma economia com I > 0 consumidores, J > 0 firmas e L > 0 bens, representada
por [{( X i , ~ )}i =1 ,{Yj } j=1 ,  ] . Para essa economia podemos definir os seguintes conceitos:
I J

Alocação de Bens: uma alocação (x, y) = (x1, x2, …, xI, y1, y2, …, yJ) é uma especificação de
vetores de consumo xi  Xi, para cada consumidor i = 1, 2, …, I, e de vetores de atividade yj  Yj,
para cada firma j = 1, 2, …, J.

Alocação Viável de Bens: uma alocação (x, y) é viável se

I J

 x i =  + yj
i =1 j=1
para todo l = 1, 2, …, L

Ordenação de Pareto para Alocações Viáveis de Bens: diz-se que uma alocação viável (x, y)
domina ou é preferida no sentido de Pareto a uma outra alocação viável (x’, y’), se x i ~ x i , para
'
i

todo consumidor i = 1, 2, …, I, e x i  i x ,i para pelo menos um desses consumidores.


Alocação viável de Bens Ótima de Pareto: diz-se que uma alocação viável (x, y) é ótima ou
eficiente de Pareto, se não existir nenhuma outra alocação viável que a domine no sentido da
ordenação de Pareto.

Equilíbrio de Preço com Transferência (de Renda ou Riqueza): Seja uma economia caracterizada
por [{( X i , ~ )} i =1 ,{Y j } j=1 ,  ] . Uma alocação (x*, y*) e um vetor de preços P constituem-se num
I J

equilíbrio de preços com transferência dessa economia, se existir uma distribuição de valores de
I J
renda ou de riqueza (w1, w2,…, wI) entre os consumidores, com  w i = P  +  P y*j , tal que:
i =1 j=1

12
i) para toda firma j, y*j maximiza o lucro em Yj, com os preços P;

ii) para todo consumidor i, x *i é a cesta maximal para 


~i no conjunto orçamento Bi(P)= {xi 
Xi: Pxi  wi};
I J
iii)  x*i =  +  y*j
i =1 j=1

Observação: Note que nesse conceito de equilíbrio, impõe-se a existência de uma distribuição do
valor total da renda ou riqueza da economia entre os indivíduos da mesma (w1, w2,…,
wI), tal que com essas rendas ou riquezas e o vetor de preços P, a alocação (x*, y*)
corresponde àquela que seria atingida com os mercados operando sob regras de
competição perfeita, ou seja, justamente aquela que resultaria do Equilíbrio Geral
Competitivo dessa economia, se o vetor de renda ou riqueza fosse (w1, w2,…, wI).
Assim sendo, para uma economia de propriedade privada
   
~ i i=1 , Yj j=1 ,  i ,  i1 ,...,  iJ  i=1  , o seu equilíbrio geral competitivo ou
 X i ,  
I J I

Walrasiano é um caso particular de Equilíbrio de Preço com Transferência da mesma
economia.

Para ilustrar esses conceitos no caso simplificado de uma economia de troca com dois bens e
dois consumidores (1 e 2), considere o seguinte gráfico abaixo, onde são indicados: i) o conjunto das
alocações viáveis que são Ótimas de Pareto e; ii) a chamada Curva de Contrato, ou seja, o sub-
conjunto das alocações Ótimas de Pareto que, dada a dotação inicial dos consumidores , os
mesmos estarão dispostos a aceitar como resultado de algum processo de negociação, dado que
estariam numa situação pelo menos tão boa quanto à da dotação inicial.

Gráfico 1

O2

Alocações Ótimas de Pareto

13
Curva de Contrato 
Por outro lado, considere no gráfico 2 abaixo, o conceito de Equilíbrio de Preço com
Transferência (EPT). Note que a alocação viável A, junto com vetor de preços P A, constitue-se num
EPT, pois se redistribuirmos a dotação inicial , de modo que os dois indivíduos passem a deter as
quantidade de bens ’, essa transferência de dotação garante que a alocação de bens A e o vetor de
preços PA se constitua num EPT. Note também que o Equilíbrio Competitivo dessa economia
(alocação B e preços PB), com vetor de dotação inicial  é também um EPT.

Gráfico 2
O2
PA PB

’ 

O1

Nesse mesmo gráfico, pode-se também constatar que em decorrência das condições i e ii
envolvidas na definição de EPT acima, as alocações relativas a qualquer EPT pertencem ao conjunto
das alocações viáveis que são Ótimas de Pareto.
De fato, esse resultado é garantido pelo teorema abaixo explicitado, válido para economias
em geral com ou sem produção, e é conhecido na literatura econômica como o Primeiro Teorema
Fundamental de Bem Estar Econômico:.

Seja uma economia caracterizada por [{( X i , ~ )} i =1 ,{Y j } j=1 ,  ] . Se para todo consumidor
I J

i, a sua relação de preferência é não saciada localmente, e se (x*, y*, P) é um equilíbrio de


preços com transferências dessa economia, então a alocação (x*, y*) é Ótima de Pareto.
Em particular, qualquer Equilíbrio Geral Competitivo envolve uma alocação que é Ótima
de Pareto.

O gráfico 2 acima também sugere que é possível extrair um outro resultado importante para a
caracterização de uma economia regida por mercados com regras de competição perfeita: qualquer
14
alocação Ótima de Pareto de uma economia (por exemplo a alocação A daquele gráfico) pode ser
atingida como um equilíbrio geral competitivo da mesma, se for possível redistribuir adequadamente
a renda ou riqueza total da economia entre os indivíduos.

Para analisar formalmente as condições que asseguram tal resultado, que é conhecido na
literatura como o Segundo Teorema Fundamental de Bem Estar Econômico, Mas-Colell,
Whinston e Green (capítulo 16, seção 16.D), adotam uma forma de apresentação indireta e mais
detalhada do mesmo, com o objetivo de explicitar melhor os papéis de algumas das hipóteses
envolvidas.

Para isso, eles modificam a definição acima de EPT, propondo a seguinte definição mais
fraca de um equilíbrio análogo:

Quasi-equilíbrio de Preço com Transferência (QEPT): Seja uma economia caracterizada por
[{( X i ,  )} iI=1 ,{Y j }Jj=1 ,  ] . Uma alocação (x*, y*) e um vetor de preços P  0 constituem-se num
~i
quasi-equilíbrio de preço com transferência dessa economia, se existir uma distribuição de valores
I J
de renda ou de riqueza (w1, w2,…, wI) entre os consumidores, com w
i =1
i = P  +  P y*j , tal que:
j=1

i) para toda firma j, y*j maximiza o lucro em Yj, com os preços P;

ii) para todo consumidor i, se xi i x *i , então P.xi  wi.

I J
iii)  x*i =  +  y*j
i =1 j=1

Observação: Note que todo EPT é também um QEPT, pois pela condição ii da primeira
definição, se um consumidor está maximizando a sua utilidade com a cesta x *i ,
não pode existir nenhuma outra cesta xi, tal que xi i x *i e P.xi < wi . Contudo, o
inverso não é verdadeiro. Para mostrar isso, basta considerar que pela condição ii
de EPT, se xi i x *i , então temos que. necessariamente, P.xi > wi
Para essa definição de QEPT, eles apresentam a seguinte versão mais fraca do Segundo
Teorema Fundamental de Bem Estar Econômico:
Seja uma economia caracterizada por [{( X i , ~ )} i =1 ,{Y j } j=1 ,  ] . Se para toda firma j, Yj é
I J

convexo, e para todo consumidor i, a sua relação de preferencia é convexa e não saciada
localmente, então para qualquer alocação Ótima de Pareto (x*, y*), existe um vetor de
preços P  0, tal que (x*, y*, P) é um quasi-equilíbrio de preço com transferencia dessa
economia.

O objetivo dessa forma de apresentação é no sentido de ressaltar o fato de que, não obstante
a hipótese de convexidade dos conjuntos de tecnologias das firmas e das relações de preferências
seja crucial para assegurar que qualquer alocação Ótima de Pareto pode ser obtida como um
equilíbrio de uma economia organizada em mercados com competição perfeita (se for possível

15
redistribuir adequadamente as rendas ou riquezas dos indivíduos), ela não é suficiente para assegurar
tal resultado.

Para ilustrar esse fato, considere o exemplo da economia de troca com dois bens e dois indivíduos
do gráfico 3, onde um deles apresenta preferencias não convexas

Gráfico 3
O2

O1

Nesse gráfico fica claro que não existe forma de assegurar que as alocações Ótimas de Pareto
(por exemplo A), definidas pelas alocações onde existem tangências das duas curvas de indiferenças
possam ser obtidas como equilíbrio competitivo da economia. Qualquer redistribuição da dotação
inicial que estivesse sobre a linha de restrição orçamentária tangente ao ponto A, apenas garantiria
que o consumidor 2 iria demandar a cesta associada a esse ponto. No caso do consumidor 1, o
mesmo pretenderia atingir um nível de utilidade maior do que a do ponto A, gerando desequilíbrio
no mercado dos dois bens

Por outro lado, no gráfico 4 a seguir, é apresentado um exemplo em que a hipótese de


convexidade não garante que um QEPT seja também um EPT. Esse exemplo, que é conhecido na
literatura econômica como o Caso Excepcional de Arrow, mostra que a alocação x*, que é Ótima
de Pareto, constitui-se num QEPT com preços (Ph = 0, Pv > 0) e rendas ou riqueza (w1 = Pv x *v , w2 =
0), mas que não é um EPT.

Gráfico 4

x* O2

16
O problema desse caso é devido ao fato de que o consumidor 1, ao se saciar do bem medido
no eixo horizontal, só irá demandar a cesta da alocação x* se o preço do mesmo for igual a zero.
Mas se esse bem for livre, mesmo que o consumidor 2 tenha renda zero, o mesmo não irá demandar
a cesta da alocação x*, pois qualquer aumento da quantidade desse bem livre aumenta a sua
utilidade(*).

Assim sendo, só é então possível assegurar o desejado resultado de que alocações Ótimas de
Pareto possam ser obtidas como equilíbrio competitivo, se se impuser a condição adicional de que
nenhum indivíduo da economia possa ficar, na alocação que se deseja atingir, sem nenhuma renda
ou riqueza.

Formalmente, esse resultado é dado pelo seguinte teorema:

Suponha que para todo consumidor i, Xi é convexo, 0  Xi e a relação de preferência é


continua. Então qualquer quasi-equilíbrio de preço com transferência, com rendas ou
riquezas (w1, w2, …., wI) >> 0 é também um equilíbrio de preço com transferência.

Resumindo, são esses dois teoremas fundamentais de bem estar econômico que dão base à
tese da otimalidade ou eficiência de uma economia organizada na forma de mercados com
competição perfeita: o equilíbrio geral dessa economia gera alocações que são Ótimas de Pareto,
bem como qualquer alocação Ótima de Pareto pode ser obtida através de mercados competitivos,
redistribuindo-se adequadamente as rendas ou riquezas entre os indivíduos.

Considerando-se que ao longo do desenvolvimento da Teoria Neoclássica, existiram vários


autores que associaram esse resultado de otimalidade com posições de defesa da tese de
superioridade do sistema de mercados competitivos como forma de organização social, bem como
de que o equilíbrio competitivo não era apenas eficiente, mas também justo, é pertinente aqui deixar
claro alguns aspectos em relação a esses pontos. Na literatura é clara a posição dos principais
teóricos neoclássicos, de que o resultado da otimalidade do equilibrio competitivo não se confunde
com o aspecto da justeza do mesmo. Principalmente Marshall e os seus seguidores da chamada
Escola de Cambridge, tinham muito claro que se a distribuição da dotação inicial de riqueza,

(*)
Isso significa que a alocação x* não é um EPT, pois nessa alocação o indivíduo 2 não estará maximizando a sua
utilidade. Contudo, note que essa mesma alocação é um QEPT, pois se o indivíduo 2 tem renda zero (w 2 = 0) e o bem
medido no eixo horizontal tem preço nulo (P h = 0), então as cesta x2, = (xh2, 0), com x h 2  x h 2 são tais que, embora
*

*
x2 i x 2 , tem-se que P.x2 = w2, ou seja, satisfazem a condição ii da definição de QEPT.

17
determinada por razões históricas, for muito desigual entre os indivíduos da sociedade, o equilíbrio
competitivo da economia será eficiente mas não justo.

4. UNICIDADE DO EQUILÍBRIO GERAL COMPETITIVO

Considerando-se que na teoria da produção não existe maiores problemas para se analisar o
comportamento de um conjunto de firmas atuando em regime de competição perfeita, a partir das
relações que refletem o comportamento do vetor agregado de produção líquida de todas as firmas
(vide seção 5.E do capítulo 5 do Mas-Colell), para analisar a questão da unicidade do equilíbrio
geral competitivo, Mas-Colell restringe a análise para o caso de uma economia de troca, pois a
mesma permite extrair todos os aspectos relevantes em torno dessa questão.

Assim sendo, considere uma economia de troca com I > 0 consumidores e L > 0 bens, onde
cada consumidor detém um vetor de dotação inicial de bens i  0. Para essa economia podemos
definir o vetor de Demanda Líquida ou de excesso de demanda de cada consumidor i, da seguinte
forma:

zi(P) = xi(P, Pi) - i

onde xi(P, Pi) representa o vetor das quantidades que o consumidor i demanda com o vetor de
preços P, dado i.

A partir desses vetores de excesso de demanda individual, podemos definir o vetor de


excesso de demanda agregada da economia, da seguinte forma:

I
z( P) =  zi ( P)
i =1

Então, para essa economia temos que o vetor de preços de equilíbrio P*  0 deve atender a
seguinte condição z(P*)  0. Em particular, se vale o axioma de não saturação forte para todos os
consumidores, temos que P* >> 0 e z(P*) = 0
Considere agora para essa economia, os seguintes resultados obtidos a partir da imposição de
algumas hipóteses:

TEOREMA: Suponha que para todo consumidor i, Xi = R +L , a relação de preferência ~ i é contínua,


I
estritamente convexa e atende o axioma de não saturação forte. Suponha também que 
i =1
i  0 .

Então, o vetor de excesso de demanda agregada z(P), definida para todos os vetores de preços P >>
0, apresenta as seguintes propriedades:
i) z(P) é uma função contínua
ii) Z(P) é homogênea de grau zero em relação a P
iii) P.z(P) = 0 (Lei de Walras)
iv) Existe um escalar s > 0 tal que zl(P) > -s, para todo l = 1, 2, .., L

18
n
v) Se P é uma sequencia de vetores de preços que converge a P, onde P  0 e Pl = 0 para algum l,
n n
então Max {z1(p ), …, zL(P )} tende a  .

Pode-se mostrar que essas propriedades garantem a existência de equilíbrio dessa economia
(Proposição 17.C.1, na página 585 do Mas-Colell). Isso pode ser ilustrado graficamente no caso
simplificado onde L = 2. Nesse caso, pela propriedade (ii), podemos normalizar os preços definindo
o bem 2 como numeráire, ou seja, P = (P1, 1) e, pela propriedade (iii), basta considerar o equilíbrio
no mercado de apenas uma dos bens, por exemplo o do bem 1. Por outro lado, pelas propriedades
limites (iv) e (v), e pela propriedade (i) de continuidade de z(P), temos que, necessáriamente, deve
existir pelo menos um vetor de preços de equilíbrio, como ilustrado dos gráficos dos três tipos de
casos possíveis:

caso (a) caso (b) caso (c)

z1 z1 z1

P1 P1 P1

No caso (a) existe unicidade de equilíbrio, no caso (b) multiplicidade de equilíbrio, mas um
número finito desses e no caso (c) infinitos vetores de preços de equilíbrio.

Do ponto de vista da análise de estática comparativa envolvendo relações de


comportamentos individuais agregadas, a situação ideal é constituído pelo caso (a), uma vez que
pode-se sem ambiguidade afirmar que dada uma modificação no valor de uma variável exógena que
as afete, a economia muda de uma situação de equilíbrio para uma outra situação de equilíbrio,
podendo-se então avaliar o que ocorre com os valores das variáveis endógenas do modelo. Por
outro lado, os casos (b) e (c) apresentam sérios problemas para aquele tipo de análise, uma vez que,
dada qualquer alteração nos valores das variáveis exógenas, pode-se gerar novos múltiplos
equilíbrios, sem que seja possível estabelecer qual o equilíbrio específico inicial e para qual dos
novos equilíbrios a economia irá se situar. Em princípio, o caso (b) pode ser menos problemático,
uma vez que, sob algumas condições, é possível obter alguns resultados em análises na vizinhança
de cada um dos múltiplos, mas finitos, equilíbrios.

O problema do modelo de equilíbrio geral competitivo é que, como se verá adiante, apenas
com a imposição de hipóteses bastante irrealistas, é possível assegurar que a situação ideal do caso
(a) de unicidade de equilíbrio ocorre.

Antes, contudo, de passar à análise da natureza dessas hipóteses, vamos estabelecer alguns
resultados gerais sobre uma economia competitiva e seus equilíbrios.

19
Retomando-se o caso geral da economia de troca acima definida, vamos considerar que o
vetor de preços normalizados é definido fixando-se o último bem como numeráire, ou seja, P = (P1,
.., PL-1, 1) e que o vetor de excesso de demanda agregada é redefinido da seguinte forma:

z ( P ) = [z1( P ),.., zL−1( P )]

Com essas modificações, podemos agora definir os conceitos de Vetor de Preços


Normalizados de Equilíbrio Regular e de Economia Regular

DEFINIÇÃO: Um vetor de preços normalizados de equilíbrio P é regular se a matriz de dimensão

(L-1)x(L-1) dos efeitos dos preços Dz ( P ) =


LM
z ( P ) OP
, l e k = 1, .., L - 1, é não singular, ou seja, tem
N
Pk Q
rank L - 1. Se todos os vetores de preços normalizados de equilíbrio de uma economia são
regulares, então diz-se que essa economia é regular

Essa definição de preços de equilíbrio regular é feita, em realidade, para caracterizar a


propriedade de unicidade local de um vetor de preços de equilíbrio, dado formalmente pela seguinte
definição:

DEFINIÇÃO: Um vetor de preços normalizados de equilíbrio P é localmente único ou isolado, se


existir um escalar  > 0 tal que se P’  P e P, − P   , então z(P’)  0

Por essa definição, tem-se que um vetor de preços normalizados de equilíbrio P é localmente
único se existir uma vizinhança em torno de P, tal que para todo P’ nessa vizinhança, a economia sai
do equilíbrio, ou seja, z(P)  0.

A relação entre os conceitos de vetores de preços regulares e localmente únicos é dado pelo
seguinte teorema:

TEOREMA: Qualquer vetor de preços normalizados de equilíbrio regular é localmente único. Em


adição, tem-se que se uma economia é regular, então o número de vetores de preços normalizados
de equilíbrio é finito.

Frente aos resultados desse último teorema, tem-se no exemplo da economia simplificada
com apenas dois bens, que o preço de equilíbrio dado pelo gráfico do caso (a) acima é
evidentemente localmente único (dado que o mesmo é globalmente único), assim como os três
preços de equilíbrio do caso (b). Por outro lado, nenhum dos infinitos preços de equilíbrio do caso
(c) é localmente único. Por outro lado, os casos (a) e (b) são de economias regulares, portanto, com
número finito de vetores de preços de equilíbrio, enquanto que o caso (c) é de uma economia não
regular, ou seja, com infinitos equilíbrios.

Um outro resultado associado às chamadas economias regulares pode ser obtido a partir do
exame dos casos (a) e (b) da economia simplificada de dois bens, onde observa-se que pelo fato da
função z1(P) necessáriamente cruzar o eixo da variável P1 com tangente negativo no primeiro e no
último equilíbrio, tem-se que o número de equilíbrios é sempre impar, com alternância dos sinais
daquela declividade. Se, então, associarmos o índice +1 para os equilíbrios com declividade

20
negativa e -1 para os de declividade positiva, independente do número de equilíbrios que essa
economia simplificada tenha, a soma dos índices de todos os seus equilíbrios é finita e sempre igual
a +1. Fazendo-se uma escolha adequada de definição desse índice, esse resultado pode ser
generalizado para economias regulares com quaisquer número de bens. Isto é feito a partir das
seguintes definição e teorema:

DEFINIÇÃO: Suponha que P = (P1, …, PL-1, 1) é um vetor de preços normalizados de equilíbrio de


uma economia. Para esse equilíbrio pode-se definir:
L-1
Índice P = (-1) .sinal Dz( P)

onde Dz( P) é o determinante da matriz de impactos de preços Dz ( P) (*).

TEOREMA DO ÍNDICE: Para qualquer economia regular, portanto que tem todos os vetores de
preços normalizados de equilíbrio que são regulares, tem-se que:


{P:z( P )= 0, PL =1}
Indice P = +1

Pode-se destacar como implicações importantes desse resultado, os seguintes aspectos em


relação às economias que são regulares:

• O número de equilíbrios é sempre finito e impar, sendo que a soma dos seus índices nunca é zero,
ou seja, uma economia regular tem pelo menos um equilíbrio;
• O teorema acima mostra que o tipo de equilíbrio com índice +1 é mais importante, uma vez que o
mesmo assegura que qualquer economia regular tem pelos menos um equilíbrio desse tipo. De
fato, esse é o tipo de equilíbrio que, em geral, se entende por “bem comportado”;
• Como se verá adiante, esse resultado do teorema do índice tem implicações para a questão da
unicidade global ou não de equilíbrio de economia regulares;
• Como também será discutido adiante, a importância desse resultado do teorema do índice
consiste no fato de que o mesmo é o máximo que se pode esperar de economias regulares, se não
impusermos hipóteses adicionais “fortes” sobre estas.

Antes de passarmos para essa discussão da natureza dessas hipóteses adicionais necessárias,
vale a pena destacar mais um resultado interessante apresentado por Mas-Colell, este relativo ao
problema das economias não regulares, que foi ilustrado no gráfico do caso (c) acima.

Considerando-se que é esse tipo de economia que apresenta maiores problemas para se obter
resultados analíticos, é importante ter uma idéia sobre as possibilidades de ocorrência desse caso.
(*)
Hildenbrand e Kirman (1988), apresentam uma definição alternativa de Índice associado a vetores de preços de
equlíbrio, ou seja, definem:
 z ( P )
Índice P = sinal − Dz ( P ) = − ,  e k = 1, 2,..., L − 1 .
 Pk
Note que as duas definições são equivalentes, uma vez que existe a propriedade de que, se multiplicarmos uma
coluna de qualquer matriz quadrada não singular, por um escalar qualquer (por exemplo –1), o determinante da nova
matriz é igual ao determinante da matriz original multiplicado pelo escalar.

21
Debreu, num artigo de 1970, mostrou que a ocorrência desse caso de economia não regular não é
robusta, ou seja, ele só pode ocorrer por acidente. Em outras palavras, é possível de ocorrer, mas
improvável. O argumento básico para se obter esse resultado pode ser ilustrado a partir do gráfico
do caso (c) acima, onde devemos lembrar que a localização específica da curva que descreve a
trajetória de z1(P) é obtida para um dado conjunto de vetores de dotação inicial dos bens para cada
um dos consumidores. Portanto, é presumível que mesmo pequenas alterações nessas quantidades
iniciais provoquem deslocamentos naquela curva, implicando que a economia deixe de ser não
regular. Isso é ilustrado no gráfico a seguir.

z1
(1)
(2)

P1
(0)

Note que se está considerando que, em relação ao vetor de dotação inicial agregada  0 , c h
ocorreram modificações na dotação inicial de um ou mais bens, de um ou mais consumidores, de
modo que os novos vetores de dotação agregada são dados por 1 e  2 . c h c h
Formalmente, esse resultado é obtido através do seguinte teorema:

TEOREMA: Para quase todo vetor de dotações iniciais dos consumidores (1, .., I)  R ++
LI
, a
economia definida por {~ i,  i }i =1 é regular.
I

A interpretação do termo “para quase todo (1, .., I), ….”, significa que dentre todos os
infinitos possíveis valores que os componentes desse vetor podem assumir, apenas para alguns
conjuntos desses valores a afirmação que se segue não é verdadeira(*) .

Isto posto, vamos agora analisar as hipóteses cruciais para garantir a unicidade global do
equilíbrio geral competitivo. Para isso será considerado a economia de troca acima definida, cujas
hipóteses garantem a existência de pelo menos um equilíbrio. Nesse sentido as hipóteses que serão
analisadas abaixo, constituem-se em hipóteses adicionais para garantir a unicidade deste equilíbrio.

4.1. Condições Adicionais para a Unicidade Global do Equilíbrio Geral Competitivo

Para analisar a questão da natureza das condições adicionais exigidas para garantir a
unicidade global do equilíbrio geral competitivo, vamos analisar uma das implicações mais
importantes do Teorema do Índice exposto acima.

(*)
Estatisticamente, isso significa que a probabilidade de ocorrência dos casos em que a economia não é regular é igual a
zero

22
Suponha que  representa o conjunto de vetores de preços de equilíbrio de uma economia
regular, e que para qualquer vetor P  , o sinal do determinante − Dz ( P) é sempre o mesmo. Pelo
Teorema do Índice, tem-se então que  só pode conter um único vetor de preços P, sendo que
− Dz ( P) > 0. Por outro lado, se para algum P  , − Dz ( P) < 0, então necessáriamente deve
existir pelo menos mais dois outros vetores de preços diferentes de equilíbrio.

Em resumo, o Teorema do Índice permite estabelecer uma condição matemática simples para
assegurar a unicidade global do equilíbrio geral competitivo: se para todo vetor de preço P de
equilíbrio − Dz ( P) > 0, então o equilíbrio é único.

É exatamente essa condição matemática que estabelece o elo entre as alternativas hipóteses,
que se constituem em condições suficientes, estabelecidas na literatura econômica para garantir a
unicidade global do equilíbrio geral competitivo de uma economia: a) validade do Axioma Fraco
de Preferência Revelada (WA) para o conjunto dos consumidores da economia; b) propriedade de
Substituição Bruta (GS) de todos os bens da economia, c) propriedade de que a matriz Dz ( P) tem
Diagonal Negativa Dominante, e d) propriedade de que a matriz Dz ( P) é Definida Negativa
(também conhecida na literatura como a hipótese de que Dz ( P) é do tipo Hicksiana, se essa matriz
fôr simétrica)

Para explicitar a natureza dessas hipóteses, é pertinente que em relação à primeira delas
recordemos que, na Teoria da Preferência Revelada, aquele axioma fraco é definido em relação a
cada consumidor i da economia da seguinte forma: “Sejam x i ( P, P i ) e x i ( P', P'  i ) duas cestas
diferentes de bens demandadas pelo consumidor i, com os respectivos vetores de preços P e P’, tal
que P. x i ( P', P'  i )  P. x i ( P, P i ) . Então tem-se que P'. x i ( P, P i ) > P'. x i ( P', P'  i ) ”.

Adaptando essa definição ao caso do conjunto de todos os consumidores da economia, onde


I
o vetor de demanda agregada é dado por x( P ) =  xi ( P, P i ) , tem-se a seguinte especificação de
i =1
(WA) para o conjunto de todos os consumidores:

DEFINIÇÃO: (Axioma Fraco de Preferência Revelada para as funções de Demandas Agregadas-


WA) Se x(P) e x(P’) são tais que x(P)  x(P’) e P.x(P’)  P.x(P), então P’.x(P) > P’.x(P’).

Note que na economia de troca aqui considerada, o vetor de excesso de demanda agregada é
I
definido por z(P) = x(P) -  , onde  =   i . Portanto, esse mesmo axioma pode ser definido em
i =1
termos das funções excessos de demandas agregadas (como o faz Mas-Colell), da seguinte forma:

[x(P) -  ]  [x(P’) -  ] e P[x(P’) -  ]  P[x(P) -  ] implica que P’[x(P) -  ] > P’[x(P’) -  ]

ou

23
z(P)  z(P’) e P.z(P’)  0 implica que P’.z(P) > 0

dado que, pela Lei de Walras, P.z(P) = P’.z(P’) = 0

No que se refere à propriedade (GS) dos bens de uma economia de troca, temos a seguinte
definição:

DEFINIÇÃO: (Propriedade de Substituição Bruta das funções de excessos de demandas agregadas-


GS) Se P e P’ são dois vetores de preços tais que, para qualquer l, P,  P e Pk, = Pk , para todo k  l,
então zk(P’) > zk(P) para todo k  l.

Note que se assumirmos que as funções excessos de demandas agregadas zl(P) são
diferenciáveis, essa propriedade pode ser simplesmente especificada da seguinte forma:

zk ( P)
 0 para todo k e l = 1, …, L e k  l.
P

É pertinente também destacar que essa propriedade (GS) também pode ser definida em
relação às funções excessos de demandas das economias em geral, ou seja, onde:
I I J
z( P) =  xi ( P, P i ) −   i −  y j ( P)
i =1 i =1 j=1

No que se refere à especificação das duas últimas hipóteses alternativas, é pertinente


explicitar os conceitos envolvidos nas mesmas:

DEFINIÇÃO: (Matriz com Diagonal Dominante): diz-se que uma matriz A = [aij], de ordem N x N,
tem diagonal dominante se existir um vetor y = (y1, y2, …, yN) >> 0, tal que
yi a ii   y j a ij para todo i = 1, 2, …, N
j i

Em particular, se essa matriz também apresenta aii < 0, para todo i = 1, 2, …, N, então diz-se
que a matriz tem Diagonal Negativa Dominante (DND).

DEFINIÇÃO: (Matriz Definida Negativa-DN): diz-se que uma matriz A = [aij], de ordem N x N, é
definida negativa se para todo y = (y1, y2, …, yN)  0 e y  R N , tem-se que

N N
yAy =  y a y
i =1 j=1
i ij j <0

Feita essa explicitação da natureza das quatro condições alternativas básicas exigidas para
garantir a unicidade global do equilíbrio geral de uma economia, podemos agora apresentar
formalmente os alternativos teoremas de unicidade global do equilíbrio geral competitivo, válidos
inclusive para economia com produção. Nesses teoremas, evidentemente considera-se que as
hipóteses necessárias para garantir a existência do próprio equilíbrio são também consideradas:

24
TEOREMA: Se vale o Axioma de Preferência Revelada para o conjunto de todos os consumidores
da economia, então o equilíbrio geral competitivo desse economia é único.

TEOREMA: Se as funções excessos de demandas agregadas de todos os bens da economia


apresentam a propriedade de Substituição Bruta, para todos os vetores de preços P  0, então o
equilíbrio geral competitivo dessa economia é único.

TEOREMA: Se a matriz Dz ( P) tem diagonal negativa dominante para todo vetor de preços P  0,
então o equilíbrio geral competitivo dessa economia é único.

TEOREMA: Se a matriz Dz ( P) é Negativa Definida para todo vetor de preços P  0, então o
equilíbrio geral competitivo dessa economia é único.

Em relação a esses teoremas, vale a pena destacar os seguintes aspectos:

• Os teoremas estão explicitando o fato de que (WA), (GS), (DND) e (DN) são condições
suficientes para garantir a unicidade global do equilíbrio geral de economias competitivas em
geral. (No caso específico de uma economia com produção, cujo conjunto de tecnologia
agregada é convexa e com retornos constantes de escala, Mas-Colell mostra que além de
suficiente, (WA) é também necessária para a unicidade do equilíbrio);

• As hipóteses (WA), (GS), (DND) e (DN) são condições suficientes alternativas para assegurar a
unicidade global do equilíbrio, pois todas elas implicam que − Dz ( P) > 0.(Já vimos acima que
esta é exatamente a condição que garante que o equilíbrio é único;

• Do ponto de vista da interrelação entre aquelas quatro condições, pode-se, em primeiro lugar,
mostrar que (WA) não necessáriamente implica em (GS), nem o contrário. Contudo, essas duas
últimas condições garantem a unicidade do equilíbrio geral competitivo, pois as mesmas tem
relação com a condição (DN). Mas-Colell mostra que existe uma conexão entre as mesmas,
conexão essa que se dá através da condição de que a matriz de impactos de preços Dz(P) é
definida negativa, ou seja, de que v.Dz(P).v < 0, para todo v  R L e v  0. Especificamente, tem-
se os seguintes resultados:

i) se dP.Dz(P).dP < 0, sempre que dP.z(P) = 0 (ou seja, as variações de preços não provocam
efeito renda ou riqueza no agregado) e dP.P = 0 (ou seja, as variações de preços não são
proporcionais), então vale (WA) para o conjuntos dos consumidores;

ii) se z(P) é tal que, quando z(P) = 0, Dz(P) apresenta a propriedade (GS), então dP.Dz(P).dP <
0, para todo dP  0 não proporcional a P(*).

(*)
A condição de que dP não pode ser proporcional a P é imposta devido ao fato de que, a rigor, a matriz Dz(P) não
pode ser definida negativa, uma vez que pela propriedade de homogeneidade de grau zero de z(P) em relação a P,
tem-se que sempre Dz(P).P = 0 (conforme demonstração mais adiante), ou seja, que a matriz Dz(P) é singular.
Entretanto, o ítem (iv) do teorema M.D.5 (página 940 do Mas-Collel), garante que se Dz(P) apresenta a propriedade
(GS) e se Dz(P).P = P.Dz(P) = 0, então Dz ( P ) é (DN).

25
• Para se ter uma idéia da importância da matriz Dz ( P) ser (ND) para garantir a unicidade do
equilíbrio, basta considerar que se dp. Dz ( P) .dP <0, escolhendo por conveniência um dP de tal
modo que dPl = 1, para qualquer bem l e dPk = 0 para todos os demais bens k, tem-se que
z (P)
 0 , ou seja, que a função excesso de demanda do bem  responde negativamente à um
P
aumento do preço do próprio bem. E já vimos no exemplo da economia com apenas dois bens,
que é essa condição que assegura a unicidade do equilíbrio (gráfico do caso (a) acima). Por outro
lado, em termos matemáticos, temos que se Dz ( P) é (ND), então − Dz ( P) > 0. Essa mesma
implicação é também obtida se a matriz Dz ( P) apresentar a propriedade (DND);

• Considerando-se agora o aspecto do “realismo” das hipóteses (WA), (GS), (DND) e (DN), tem-se
que as mesmas são muito “fortes”, mesmo se avaliadas sob a perspectiva de um modelo abstrato
de uma economia competitiva. Para isso, basta lembra que enquanto o (WA), no contexto da
análise de consumidores individuais, é coerente com o comportamento “racional” do mesmo no
mercado, pode-se mostrar que a validade desse axioma para cada um dos consumidores da
economia, não implica na validade do mesmo para o comportamento conjunto dos mesmos
consumidores (vide exemplo 4.C.1 da página 110 do Mas-Colell). É esse aspecto do “irrealismo”
dessas hipóteses que será objeto da discussão que faremos no próximo ponto desta nota, a
respeito do teorema de Sonnenschein-Mantel-Debreu.

4.2. Teorema de Sonnenschein-Mantel-Debreu

No que se refere às características básicas das funções excessos de demandas agregadas


usualmente adotadas nos modelos de equilíbrio geral, as duas mais gerais referem-se à da
homogeinedade de grau zero em relação aos preços e a da validade da Lei de Walras. Como já
vimos, essas duas propriedades são garantidas pelas hipóteses usuais que se adotam para tipificar o
comportamento do chamado consumidor racional da Teoria Neoclássica. Portanto, se assumirmos
adicionalmente que as funções excessos de demanda são contínuas e diferenciáveis, podemos
estabelecer as seguintes duas características básicas que a matriz de impactos de preços Dz(P),
derivada das funções excessos de demandas agregadas z(P), deve atender:

• Se z(P) é homogênea de grau zero em relação aos preços, tem-se pelo chamado teorema de Euler
que(*) :

z ( P) z ( P) z ( P)
P1 +  P2 + ..... +  PL = 0 para todo l e P
P1 P2 PL

(*)
O teorema de Euler estabelece que, se f(x 1, …, xn) é homogênea de grau r em relação às variáveis xi (i = 1, …, n),
f f f
então x1 + x 2 + ..... + x n = r.f ( x1 ,..., x n )
x1 x 2 x n

26
ou seja
L
z ( P )

k =1 Pk
Pk = 0 para todo l e P

ou em termos matriciais, que Dz(P).P = 0

• Se vale a Lei de Walras, ou seja, se P.z(P) = 0, tem-se que:

z1( P) z ( P) z ( P) z ( P) z ( P)
P1 + .. + P−1 −1 + z ( P) + P  + P+1 +1 + .. + L PL = 0 p/ todo l e P
P P P P P

ou seja
L
zk ( P )
P
k =1
k
P
= − z ( P ) para todo l e P

ou em termos matriciais, que P.Dz(P) = -z(P)

São essas duas características da matriz Dz(P), mais aquela do teorema que diz que para a
maioria dos vetores de dotação inicial dos consumidores a economia é regular (portanto, com
número finito e impar de equilíbrios), que se pode esperar de uma economia competitiva, com as
hipóteses usuais que tipificam os consumidores racionais.

Características adicionais, como aquela de que a matriz Dz ( P) é definida negativa,


envolvida nas condições de unicidade do equilíbrio geral, não decorrem de hipóteses sobre
comportamentos individuais racionais dos consumidores, necessitando de hipóteses adicionais fortes
como (WA), (GS), (DND), ou como afirmam Hildenbrand e Kirman, de hipóteses ad hoc. (no
sentido de que não decorrem dos chamados micro-fundamentos do modelo)

Esse resultado é mostrado no seguinte teorema desenvolvido por Sonnenschein-Mantel-


Debreu:
L
TEOREMA: Seja g(P) uma função ou mapping contínuo qualquer com domínio em R ++ e contra-
domínio em R L , e que atende as seguintes condições:

i) (homogeneidade de grau zero em P): g(P) = g(P) , para todo P  R ++


L

ii) (Lei de Walras): g(P).P = 0 , para todo P  R ++


L

Então, para todo subconjunto compacto K  R ++


L
, existe uma economia com L consumidores cujo
vetor de excesso de demanda agregada pelos L bens (z(P)) é igual a g(P) em K, ou seja, z(P) = g(P),
para todo P  K.

27
Em outras palavras, esse teorema diz que para qualquer função de excesso de demanda
agregada, que atenda apenas as propriedades de continuidade e de homogeneidade de grau zero nos
preços e a Lei de Walras, é possível encontrar um conjunto de L consumidores racionais que geram
essa função excesso de demanda agregada.

Isso significa que apenas com as hipóteses usuais sobre os comportamentos dos
consumidores, não é possível assegurar resultados além daqueles já mencionados de homogeneidade
de grau zero e validade da Lei de Walras das funções excessos de demandas agregadas, e número
finito e impar de equilíbrios (regularidade da economia)

De fato, se avaliarmos melhor a natureza da matriz de impacto dos preços Dz(P), podemos
verificar que a condição especifica de a sua matriz derivada Dz ( P) seja (DN), não depende apenas
de hipóteses sobre os comportamentos individuais dos consumidores, mas de uma hipótese sobre o
comportamento conjunto dos consumidores: de que não pode existir um efeito renda ou riqueza
sobre as demandas dos bens, agregado em relação a todos os consumidores, muito “forte”.

Para explicitar esse fato, considere que para qualquer consumidor i, podemos decompor, pela
chamada Equação de Slutsky, o efeito do preço de um bem qualquer k = 1, .., L, sobre a demanda de
outro bem qualquer l = 1, .., L, nos seguintes efeitos substituição e renda: (para simplificar a
notação, xli(P, wi), onde w i = P. i , será representada simplesmente por xli)

xi x Ui x i
= − x ki
Pk Pk w i

Portanto, o efeito substituição é dado por:

xUi xi xi


Sk ,i ( P, P.  i ) = = + x ki
Pk Pk w i

Por outro lado, a derivada da função excesso de demanda do bem  , zli(P, P.i) = xli(P, wi) -
i, em relação ao preço Pk, é dada por:

zi x1i x1i


= +  ki
Pk Pk w i

xi
Somando e subtraindo x ki do lado direito dessa última expressão, temos:
w i

zi
=
FG
x i x i
+
x IJ c
x ki − 1i x , −  ki h
Pk H
Pk w i w i K
ou

28
zi
= +
FG
x i x i x
x ki − i zki
IJ
Pk Pk w iH w i K
ou, considerando que já vimos acima que a expressão entre parênteses é o efeito substituição da
equação de Slutsky, que

zi x
= Sk ,i ( P, P.  i ) − i zki
Pk w i

Considerando-se, finalmente, que a função excesso de demanda agregada de cada bem l é


I
dada por z ( P) =  zi ( P, P.  i ) , tem-se que:
i =1

z ( P ) I
=  i
z ( P, P.  i ) I
LM x
=  Sk ,i ( P, P.  i ) − i zki
OP
Pk i =1 Pk i =1 N w i Q
Portanto, em notação matricial, temos que Dz(P) é dado por:

I
Dz( P) =  Si ( P, P.i ) − Dwi xi ( P, P.i ). zi ( P)T
i =1

onde Si(P,P.i) representa da matriz de substituição de Slutsky de cada consumidor i e a matriz dos
efeitos renda ou riqueza, associados à variação dos preços, do mesmo consumidor é dada por:

LM x ( P, P. ) z ( P)
1i i
. . .
x1i ( P, P.  i ) OP
zLi ( P )
MM w . w i
PP
1i
i
. .
D w i x i ( P, P.  i ). zi ( P )T =M PP
MM .
.
.
.
.
. PP
MM x ( P, P. ) z ( P)
Li i
. . .
x Li ( P, P.  i )
zLi ( P ) PQ
N w i
1i
w i

Analisando-se a expressão da matriz Dz(P) acima, temos que uma parte da mesma é dada
pela soma das matrizes de substituição de todos os consumidores da economia. Sabemos que com
as hipóteses usuais sobre o comportamento de cada consumidor, essas matrizes de substituição são
semi-definidas negativas. Então, para que a matriz Dz(P) também seja semi-definida negativa, é
necessário que a sua segunda parte, dada pela soma das matrizes dos efeitos renda ou riqueza não
tenha componentes significativos para anular as características de semi-negatividade das matrizes de
substituição.

Como se pode então constatar, é necessário uma hipótese envolvendo o comportamento do


conjunto dos consumidores, para que se garanta a unicidade do equilíbrio. E essa hipótese está
associada à não ocorrência de significativas alterações na distribuição de renda ou riqueza entre os

29
indivíduos da economia, quanto se altera os preços relativos dos bens (não esquecer que o valor da
renda ou riqueza de cada indivíduo depende dos preços), para que essa alteração, via o efeito renda
ou riqueza nas demandas individuais dos bens, não implique no “problema” da multiplicidade do
equilíbrio geral competitivo. Esse fato foi mostrado por Mantel (1976), que mesmo assumindo que
os consumidores são bem comportados (relações de preferências com monotonicidade forte,
estritamente convexas e homotéticas), os resultados do último teorema são ainda válidos se não for
imposta nenhuma restrição sobre a distribuição das dotações iniciais desses consumidores.

Apenas nos casos em que são impostas hipóteses restritivas sobre a distribuição de renda ou
riqueza entre os indivivíduos é que são possíveis obter funções de excessos de demandas agregadas
“bem comportadas”. Por exemplo, se assumirmos que os vetores de dotações iniciais dos bens dos
consumidores são proporcionais ou colineares, isto é, i = i  , onde i são escalares constantes,
normalizando os preços dos bens de modo que P.  = 1, temos que o valor da renda ou riqueza
“real” de cada consumidor é dado por w i = P.  i = P.  i =  i P.  =  i , ou seja, que a distribuição
de renda ou riqueza da economia independe dos preços relativos dos bens. Pode-se mostrar que com
essa hipótese, e com preferências homotéticas dos indivíduos, tem-se o chamado caso de uma
economia “bem comportada”, que além de atender o axioma (WA) para o conjunto dos
consumidores (portanto, com unicidade de equilíbrio), comporta a hipótese do chamado Agente
Representativo.

É importante, contudo, ter em mente que esse último resultado não significa que,
necessariamente, os casos de funções de excessos de demanda “não bem comportadas” possam ser
simplesmente descartadas se estivermos dispostos a impor hipóteses restritivas sobre a distribuição
de renda ou riqueza e os tipos de preferências dos indivíduos.

O teorema abaixo mostra que, se o número de indivíduos na economia é finito, mesmo se se


impuser que todos os indivíduos são iguais (mesma relação de preferência) e a distribuição da
dotação inicial entre os mesmos é colinear, ainda assim não é possível limitar os possíveis tipos de
funções de excessos de demandas agregadas que podem ser consistentes com essa economia.
L
TEOREMA: Seja g(P) uma função ou mapping contínuo qualquer com domínio em R ++ e contra-
L
domínio em R , e que atende as seguintes condições:

i) (homogeneidade de grau zero em P): g(P) = g(P) , para todo P  R ++


L

ii) (Lei de Walras): g(P).P = 0 , para todo P  R ++


L

b g
N
e  = 1, 2 ,..., N um vetor de números reais estritamente positivos, com 
i =1
i =1,

 i   j , se i  j , e N  L . Então, para todo subconjunto compacto K  R ++


L
, existe uma economia
N

~ e dotação inicial  i =  i   j , para todo i


~i = 
com N consumidores, com relação de preferência 
j=1

= 1, 2, …, N, cujo vetor de excesso de demanda agregada pelos L bens z(P) é tal que, z(P) = g(P),
para todo P  K.

30
Apenas no caso em que, adicionalmente, se supõe que existe um contínuo de indivíduos
iguais, é que é possível estabelecer que, necessariamente, as funções excessos de demandas
agregadas dos bens atendem à propriedade da chamada Lei da Demanda:

cP − P h z(P ) − z(P )  0 , para todo P , P


1 0 1 0 1 0
 R ++
L
, tal que P1 = P0

onde  representa o vetor de dotação inicial médio da economia.

5. ESTABILIDADE DO EQUILÍBRIO GERAL COMPETITIVO

5.1. Definições de Estabilidade

Seja P(P0, t) a representação da trajetória de um vetor de preços em relação ao tempo t,


governada por algum processo de ajustamento dinâmico desses preços, definida a partir de um dado
vetor de preços incial P0.

DEFINIÇÃO: Um vetor de preços de equilíbrio de uma economia P* é dito ser globalmente


estável se para qualquer vetor de preços P0, lim P(P0, t) = P*
t→

DEFINIÇÃO: Um vetor de preços de equilíbrio de uma economia P* é dito ser localmente


estável se existe uma vizinhança V(P*) em torno de P*, tal que para todo P0 V(P*),
lim P(P0, t) = P*
t→

DEFINIÇÃO: Uma economia é dito ser estável, ou mais propriamente o seu sistema de preços é
dito ser estável, se para qualquer vetor de preços P0, lim P(P0, t) = P*, onde P* é
t→
algum vetor de preços de equilíbrio dessa economia.

5.2. Processo de Ajuste Walrasiano de Mercado: Tâtonnement

O mecanismo Walrasiano de ajuste das transações nos mercados, denominado de tâtonnement,


é caracterizado pelas seguintes duas regras:

i) Se P(t) representa o vetor de preços observado no momento t, então esse vetor só é


modificado por alguma regra se e somente se P(t) não é um vetor de preços de equilíbrio.

ii) Os agente econômicos só podem realizar transações com os preços P(t) se e somente se P(t)
é um vetor de preços de equilíbrio.

31
OBSERVAÇÕES:

1) Esse processo de ajuste de mercado torna o equilíbrio da economia dependente apenas das
condições iniciais (os chamados fundamentals da economia – relações de preferências dos
consumidores, conjuntos de tecnologias das firmas, participações nos lucros das firmas e
dotações iniciais de bens dos consumidores), portanto, independente da trajetória dos preços
para se atingir esse equilíbrio. Essa característica do equilíbrio é fundamental para que a análise
denominada de Estática Comparativa faça sentido. Caso fossem permitidos aos agentes
econômicos realizarem transações com preços diferentes dos de equilíbrio, seria necessário
especificar alguma regra para disciplinar quais agentes, e em que quantidades, seriam realizadas
as transações factíveis, uma vez que não seria possível a todos os agentes realizarem as
transações desejadas. Isto por seu turno irá implicar que o equilíbrio a ser atingido, se algum,
dependerá dessa regra de ajustamento, uma vez que, em cada etapa de realização das transações,
as condições das dotações de bens (riqueza) dos indivíduos está sendo alterada. Discussões a
respeito desse último aspecto é conhecido na literatura como Processos non-tâtonnement;

2) Numa economia onde prevalece o processo de tâtonnement, não obstante a dimensão temporal
seja levada em conta através do procedimento de considerar que os bens são datados e que
existem mercados futuros para todos esses bens, considerando-se que as transações só podem
ser realizadas em equilíbrio, tem-se que todas as decisões futuras devem ser tomadas e
compatibilizadas num ponto do tempo, qual seja, o período inicial. É nesse sentido que é dito
que esta teoria leva em conta apenas o tempo lógico, dado que essa dimensão temporal não tem
nenhuma das características essenciais do tempo real: decisões passadas não podem ser
revertidas e decisões futuras envolvem incerteza; Por outro lado, cabe também destacar que
existe o problema de que aquela dimensão temporal dos bens datados não é a mesma da
dimensão temporal envolvida na trajetória dos preços P(t) em direção a um possível vetor de
preços de equilíbrio. Essa última dimensão temporal é verdadeiramente fictícia e está associada
à figura fictícia do Auctioneer, mencionado a seguir;

3) Com a hipótese de que na economia os agentes tomam decisões de forma descentralizada sob
condições de competição perfeita, ou seja, todos os agentes são governados e coordenados
unicamente pela informação de preços, preços esses tomados como dados, o processo de
tâtonnement implica numa dificuldade teórica: quem, e de que forma, toma a decisão de
modificar os preços se estes não forem de equilíbrio. Nesse sentido, a figura fictícia do
Leiloeiro Walrasiano ou do Auctioneer torna-se uma necessidade lógica da teoria(*) .

5.3.Mecanismo de Preço Walrasiano: Regra do Auctioneer

(*)
É interessante chamar a atenção para o fato de que, Jaffé (um dos maiores pesquisadores da obra de Walras) defende a
tese de que, não obstante Walras tenha utilizado como inspiração para o processo de Tâtonnement, o mercado de ações
de Paris dirigido por um auctioneer, essa figura do leiloeiro não foi introduzida por ele. A plena explicitação do
chamado processo de Tâtonnement foi introduzida por Barone (1908) e posteriormente por Oscar Lange que, em 1938,
chegou a propor a utilização desse processo como esquema real computacional de determinação da solução do problema
alocativo das economias com planejamento centralizado.

32
Seja zl[P(t)] a função excesso de demanda agregada do bem l e Gl{zl[P(t)]} uma função
dG
contínua e diferenciável com > 0 e Gl(0) = 0. Então, o sistema dinâmico de mudanças nos
dz
preços, ou a regra de comportamento do Auctioneer Walrasiano é definido por:

dP(t)
= Gl{zl[P(t)]} l = 1, 2, ....., L (1)
dt
com
dP(t)
=0 se Pl(t) 0 e zl[P(t)] < 0
dt

As funções Gl que aparecem nessa definição são denominadas de Funções de Velocidade de


Ajustamento.

Analisado sob a ótica do caso simplificado de uma economia de troca com apenas dois bens,
fica fácil visualizar as implicações desse processo de ajustamento. Considerando-se que o bem 2 é o
numeráire, ou seja, P2 = 1, tem-se que:

z1

P1
P11 P12 P13

Essa economia, que é regular, tem a característica de ser estável, ou seja, partindo-se de
qualquer preço inicial positivo para o bem 1, a economia necessariamente atinge um equilíbrio,
sendo que os preços de equilíbrio P11 e P13 são localmente estáveis. Por outro lado, no caso do preço
de equilíbrio P12 , qualquer modificação neste implica que o mesmo nunca mais será atingido
novamente. A essa característica denomina-se de preço de equilíbrio totalmente instável
localmente.

33
Adicionalmente, é fácil imaginar que se essa economia simplificada apresentar apenas um
único preço de equilíbrio, este necessariamente deverá ser globalmente estável.

Em resumo, no caso de economias com apenas dois bens, podemos afirmar que,
necessáriamente, as mesmas são estáveis e que existe pelo menos um vetor de preços localmente
estável.

Infelizmente, essa conclusão não pode ser generalizada para os caso de economias com mais
de dois bens. Considerando-se, de um lado, que na análise da unicidade do equilíbrio já vimos que
as hipóteses usuais sobre os comportamentos individuais dos consumidores não impõem muitas
restrições sobre as características das funções excessos de demandas agregadas e, de outro lado, que
a regra de ajustamento de preços do leiloeiro walrasiano é inteiramente governado por essas
funções, não é surpreendente que tal fato ocorra.

Para ilustrar essa questão, considere o exemplo de uma economia com três bens (L = 3),
onde as funções de velocidade de ajustamento são definidas simplificadamente por Gl{zl[P(t)]} =
zl[P(t)], para l = 1, 2, 3. Tem-se, portanto, que as equações dinâmicas de movimento dos preços são
dadas por:

dP(t)
= zl[P(t)] para l = 1, 2, 3.
dt

Considere também que P(t) são vetores de preços normalizados, definidos no seguinte
conjunto(*):

S =  P(t)  0 : [P1(t)]2 + [P2(t)]2 + [P3(t)]2 = 1

Essa forma de normalização de preços é conveniente uma vez que, para qualquer z[P(t)], tem-se
dP (t)
que na trajetória dos preços normalizados  = zl[P(t)] , vale a seguinte condição:
dt

d ([ P1 ( t )] 2 +[ P1 ( t )] 2 +[ P1 ( t )] 2 ) dP ( t ) dP ( t ) dP ( t )
= 2 P1 ( t ) 1 + 2 P2 ( t ) 2 + 2 P3 ( t ) 3
dt dt dt dt

ou, com a substituição da derivada dos preços com relação ao tempo pela expressão acima:

2 P1 ( t )z 1 [ P( t )] + 2 P2 ( t )z 1 [ P( t )] + 2 P3 ( t )z 1 [ P( t )]

ou
3
2 P ( t )z  ( t ) = 0
 =1

(*)
Note que, graficamente, esse conjunto pode ser representado pela parte da superfície de uma bola que tem como
centro o ponto (0, 0, 0) do sistema de coordenadas (P1, P2, P3), localizada no setor em que estes são estritamente
positivos.

34
se se supõe que z(P) atende a Lei de Walras.

Portanto, para qualquer conjunto de funções de excesso de demanda z[P(t)] que atende a Lei
de Walras, aquela normalização de preços garante que, de qualquer vetor de preço normalizado
inicial, a trajetória deste sempre pertencerá ao conjunto S, ou seja, estará sempre sobre a superfície
do gráfico de S (se P(0)  S, então P(t)  S, para todo t).

dP(t)
Além disso, como estamos assumido que = zl[P(t)], para l = 1, 2, 3, temos que a
dt
direção da trajetória é governada unicamente pelos valores do excessos de demandas agregadas dos
três bens em cada momento do tempo t.

Podemos então concluir que as hipóteses usuais sobre os comportamentos individuais dos
consumidores, apenas permite obter informações sobre as direções das trajetórias do vetor de preços
P(t) nas regiões próximas da fronteira do conjunto S (ou seja, quando algum dos Pl(t) é proximo de
zero. Considerando-se que já vimos que se Pl(t) é aproximo de zero, pode-se usualmente esperar
que zl[P(t)] seja positivo (pelo resultado do teorema das condições limites das funções excessos de
dP (t)
demanda), ou seja, que  > 0. Assim sendo, nas regiões próximas da fronteira do conjunto S,
dt
está garantido que o ajuste dinâmico é no sentido conduzir as trajetórias do vetor de preços para o
interior do conjunto S. E esse é o único resultado que podemos estabelecer com base nas hipóteses
usuais dos comportamentos individuais dos consumidores.

Dado que na ausência de hipóteses fortes como (WA) e (GS), não podemos impor maiores
restrições sobre as características de z[P(t)], não podemos descartar situações como o exemplificado
no gráfico abaixo, definido no espaço tri-dimensional dos preços estritamente positivos dos três
bens:

1. Localmente estável
2. Totalmente instável localmente
3. Equilíbrio de Sela

35
Podemos verificar que existem equilíbrios regulares que não são localmente estáveis e nem
totalmente instável localmente (caso do vetor de preços de equilíbrio 3), bem como não se pode
afirmar que essa economia é estável (ou seja, de que para qualquer vetor de preços inicial, essa
economia atinge algum vetor de preços de equilíbrio. Esse último resultado é decorrente do fato de
que a trajetória do vetor de preços pode atingir uma situação denominada de “Círculo Perpétuo”
(ilustradas pelas duas trajetórias “fechadas” no gráfico acima).

Note também que o gráfico também ilustra o único resultado que podemos garantir com as
hipóteses sobre os comportamentos individuais dos consumidores: na fronteira do conjunto S, as
trajetórias do vetor de preços é sempre no sentido do interior do mesmo conjunto.

Frente a essa impossibilidade de obtenção de resultados analíticos precisos sobre estabilidade


do equilíbrio nos casos gerais, como aspecto final dessa questão, podemos avaliar se, da mesma
forma que na questão da unicidade do equilíbrio, a imposição de hipóteses fortes como (WA) ou
(GS) podem contornar esse “problema”.

A resposta é sim, e mais precisamente no sentido de que são justamente essas as hipóteses
que garantem a unicidade do equilíbrio geral competitivo, que também asseguram a propriedade de
estabilidade global desse mesmo equilíbrio. Esse resultado é garantido pelo conjunto de teoremas
listados abaixo.

5.4. Teoremas de Estabilidade do Equilíbrio Geral Competitivo

Para uma economia competitiva do tipo walrasiano, ou seja, onde prevalecem o processo de
tâtonnement e a regra de comportamento do Auctioneer acima definidos, dados os axiomas que
garantem a existência do seu equilíbrio, são as seguintes as condições suficientes alternativas para a
estabilidade desse equilíbrio:

TEOREMA: Se as funções excessos de demanda agregada de todos os bens da economia


apresentam a propriedade de substituição bruta, para todos os preços P 0, então o
equilíbrio é único e globalmente estável.

TEOREMA: Se o Axioma Fraco de Preferência Revelada prevalece para o conjunto de todos os


consumidores da economia, então o equilíbrio é único e globalmente estável.

TEOREMA: Se a matriz de impactos de preços Dz ( P) tem diagonal negativa dominante, então o
equilíbrio é único e globalmente estável.

6. EQUILÍBRIO GERAL COMPETITIVO E INCERTEZA

Uma das características essenciais das decisões dos indivíduos sob condições de risco ou de
incerteza, refere ao fato de que as ações objetos das suas decisões não tem natureza determinística,
ou seja, admitem mais de um resultado possível. São ações que tem natureza aleatória, portanto,
que a priori não se pode prever com certeza os seus resultados.

36
Na literatura econômica, a conceituação mais importante feita no contexto dessa questão é
associada a Frank Knight (1921), que distinguiu as noções de risco e incerteza. Uma situação é dita
envolver risco se a aleatoriedade envolvida na ação de um agente econômico pode ser expressa em
termos de um específico conjunto numérico de probabilidades (essas probalidades podem ser
objetivamente especificadas, como num lançamento de um dado, ou também refletir crenças
subjetivas dos indivíduos). Por outro lado, situações onde os indivíduos não podem ou não imputam
valores de probabilidades aos possíveis resultados (que podem não ser bem definidos) são ditos
envolverem incerteza.

Por outro lado, no que se refere ao desenvolvimento da análise formal dessas questões, tem-
se que a formalização da Teoria de Escolha sob Condições de Risco deveu-se principalmente à
contribuição de Von Neumann-Morgenstern (1944). Quanto ao tratamento da questão da escolha
sob incerteza, o chamado State Preference Approach foi inicialmente formulado por Arrow
(1953)(*), num contexto de um modelo de troca, e extendido por Debreu(1959) para o contexto de
um modelo de equilíbrio geral com produção e multi-períodos. Nessa formalização, não obstante
não exista a hipótese explicita de que os indivíduos se baseiam em distribuições de probabilidades
para ordenar as preferências sobre cestas de consumo definidas sobre alternativos estados prováveis
da natureza, tem-se que subjetivamente estes necessitam e devem ter uma avaliação das chances de
ocorrência de cada um desses estados da natureza.

Assim, seja por posturas de indivíduos que julgam ser necessário explicitar as distribuições
de probabilidades subjetivas dos indivíduos, ou por pesquisas no sentido de formalizar uma
abordagem axiomática de preferências ou escolha dos indivíduos consistentes com distribuições de
probabilidades bem definidas sobre os estados da natureza, um conjunto de economistas se
concentraram na análise da escolha sob a abordagem do instrumental formal da teoria da
probabilidade.

Nesse sentido, e em contra-posição à definição tradicional de Knight sobre risco e incerteza,


existem alguns autores modernos que diferenciam as situações onde existem risco e incerteza pela
existência ou não de uma distribuição de probabilidade conhecida pelos indivíduos. Nas situações
com risco a probabilidade é conhecida e objetiva, enquanto que nas situações com incerteza a
medida da probabilidade não é conhecida, sendo que os indivíduos necessitam associar
probabilidades subjetivas aos resultados possíveis de cada situação.

Essas duas abordagens de escolha baseiam-se, respectivamente, nas contribuições de Von


Neumann-Morgenstern (1944) e Savage (1954).

6.1. Contribuição de Arrow (1953)

Considere uma economia sem produção com I > 0 consumidores e L > 0 bens e que, para
um dado período de tempo, existe um número finito S de estados da natureza possíveis de
ocorrerem, dado a presença da incerteza nos resultados das ações dos indivíduos. Esse conjunto de
estados da natureza devem ser entendido com uma completa descrição dos resultados possíveis da

(*)
A formalização da chamada teoria de escolha sob incerteza, com probabilidade subjetiva dos indivíduos com relação
aos possíveis estados da natureza foi feita por Savage (1954).

37
incerteza, incluindo tanto os aspectos gerais do ambiente em que os indivíduos tomam as suas
decisões, como aqueles específicos a cada indivíduo da economia, descrição essa que deve ser
suficientemente precisa para que quaisquer dois estados da natureza sejam mutuamente exclusivos.
Para essa economia, considere também que cada consumidor i escolhe quantidades de cada bem l,
condicionados à ocorrência de cada estado da natureza s, ou seja, escolhe quantidades xsi do bem
contingente l associado ao estado da natureza s. Isto é, quantidades de um título no qual, para xsi
positivo (negativo), o consumidor i tem direito a receber (dever de entregar) a quantidade xl do bem
l se e somente se o estado da natureza s ocorrer. Seja, então, Xi RLxS, o conjunto de consumo do
consumidor i.

Suponha também que para cada consumidor i é definida uma função utilidade contínua em
Xi, dada por Ui (x11i,.., xL1i, x12i,.,, xL2i,.. xLSi) , e que em cada estado da natureza s existem vetores de
dotações iniciais dadas dos bens para os consumidores i ( si = (1si,..., Lsi ) . É importante ter em
mente que essas dotações iniciais são também de bens contingentes , ou seja, são condicionadas à
ocorrência de cada estado da natureza s. Nesse sentido, o vetor completo de dotação inicial de cada
consumidor i é definido por:

 i = (1i,..., Si ) = (11i,..,  L1i, 12i,..,  L2i,..,  LSi )  RLxS


Nessa economia, podemos definir um vetor de alocação ótima de Pareto das quantidades de
bens contingentes entre os consumidores ( x si ; l = 1, 2, ..., L; s = 1, 2, ..., S; i = 1, 2, ..., I), pelas
seguintes duas condições:

i) x si , (l = 1, 2, ..., L; s = 1, 2, ..., S) maximiza a função Utilidade Ui para todo


consumidor i = 1, 2, ..., I.
I I
ii)  x si =  si , para todo l = 1, 2, ..., L e s = 1, 2, ..., S
i=1 i =1

Arrow mostra que para essa economia vale o seguinte resultado:

TEOREMA: Se Ui (x11i,.., xL1i, x12i,.,, xL2i,.. xLSi) é quasi-concava (ou seja, se a relação de preferência
~ i é convexa) para todo consumidor i, então qualquer alocação Ótima de Pareto ( x si ), com l = 1, 2,

..., L; s = 1, 2, ..., S; i = 1, 2, ..., I, pode ser obtida através de um sistema de mercados com regras
de competição perfeita, ou seja, existe um conjunto de rendas monetárias Y  e de preços dos bens
i

contingentes P , tal que se esses valores são tomados como dados por todos os consumidores i,
s

então cada um destes escolhe as quantidades ( x si ) quando maximizam Ui sujeito à restrição:

S L

  P x
s=1 =1
s si

=Y i (1)

OBSERVAÇÕES:

38
i) Nesse artigo, Arrow não objetiva mostrar a existência de equilíbrio geral competitivo sob
condições de incerteza, mas apenas discutir a idéia de que economias com mercados
competitivos também conseguem resolver o problema da alocação de bens neste contexto. No
caso, sua contribuição é no sentido de introduzir a noção de estados da natureza e a de bens
contingentes. A questão da existência de equilíbrio com incerteza, numa economia com
produção, foi resolvida por Debreu (1959).

ii) Note que no teorema acima, é necessário que existam mercados para todos os bens
contingentes. Como se verá abaixo, no contexto do modelo de Debreu, onde podem ser
consideradas as situações de incerteza em vários períodos de tempo, essa hipótese, conhecida
como a de Mercados Completos, ou seja, de existência de mercados para todos os bens
contingentes presentes e futuros, evidentemente é extremamente forte e constitui-se no principal
problema dessa abordagem.

iii) Note acima que o preço do bem contingente (Pls) é sempre pago (recebido) na transação de
compra (venda) de uma unidade do respectivo bem contingente, independentemente do fato do
estado da natureza s ocorrer, ou seja, do fato de uma unidade do bem respectivo ser ou não
efetivamente recebido (entregue).

iv) Uma função F(x1, x2, ..., xn) é dita ser quasi-concava se para quaisquer dois vetores
(x11 , x12 ,..., x1n ) e (x12 , x 22 ,..., x 2n ) e um escalar , tais que

F (x11 , x12 ,..., x1n ) F(x12 , x 22 ,..., x 2n )

0< <1

então
F[x11 + (1 −  )x12 ,...., x1n + (1 −  )x 2n ] F (x12 , x 22 ,..., x 2n )

v) No contexto de escolha sob condições de risco e incerteza, o axioma de convexidade da relação


de preferência de um consumidor implica na hipótese de aversão ao risco do indivíduo. Para
mostrar isso, considere o caso simplificado de apenas dois estados da natureza (a e b), onde um
consumidor qualquer ordena as cestas com quantidades de 2L bens contingentes através da
função utilidade quasi-concava U[(x1a, x2a, ..., xLa), (x1b, x2b, ..., xLb)] = U(xa, xb), onde xa = (x1a,
x2a, ..., xLa) e xb = (x1b, x2b, ..., xLb). Considere as quantidades dos L bens x1 = (x1) e x2 = (x2 ) ,
tais que U( x1a , x 2b )  U( x 2a , x1b ) . Dada a hipótese de quasi-concavidade dessa função, tem-se
que:

 
U  x1 + (1 −  ) x 2  a ,  x 2 + (1 −  ) x1  b  U( x 2a , x1b )

para todo 0 <  < 1. Considere em particular  = 1/2. Nesse caso tem-se que:


 x11 + x12   x1L + x2L    x12 + x11  x2L + x1L   

U ,..,    ,  ,..,      U(x2a, x1b)

 2   2  a  2   2  b

39
Mas isso significa que para o indivíduo consumir, com certeza, uma cesta com quantidades
 x1i + x 2i 
 dos L bens, é tão bom quanto escolher a situação em que consume a cesta x = ( xi )
2 2

 2 
se ocorrer o estado da natureza a e a cesta x1 = ( x1i ) se ocorrer o estado b.

Por outro lado, nesse mesmo artigo Arrow discute também a idéia de que, ao invés de
assumir que os indivíduos transacionam direitos de receber quantidades de bens se determinados
estados da natureza ocorrerem, é mais simples e razoável admitir que os indivíduos administram as
condições de incerteza através de um sistema de seguro: um indivíduo compra uma determinada
quantidade de seguro em relação a um estado da natureza s, seguro esse que garante o pagamento de
um determinado valor monetário se o estado s ocorrer e nenhum pagamento para qualquer outro
estado da natureza. Com isso Arrow também trouxe uma importante contribuição para a análise de
Ativos, enquanto bens que propiciam a alocação eficiente dos riscos na economia, bem como que
reduzem a necessidade da existência de mercados para todos os bens contingentes.
Sob esse esquema de seguro, considere que existem exatamente S tipos de seguros, um para
cada estado da natureza s, e que cada unidade desses tipos de seguros garante o pagamento de uma
unidade monetária se o respectivo estado da natureza ocorrer, sendo os prêmios ou custos destes
representados por q s .

Considere agora a questão das condições necessárias para que esse sistema de seguros
possibilite viabilizar a alocação ótima ( x si ; l = 1, 2, ..., L; s = 1, 2, ..., S; i = 1, 2, ..., I) acima
referida.

Seja Ps o preço do bem i, se o estado da natureza s ocorrer. Note que esse preço difere do
preço Ps , definido anteriormente, uma vez que este último corresponde ao preço de um bem
contingente, ou seja, do direito de receber uma unidade do bem i, se o estado s ocorrer e nada em
qualquer outro caso.

Portanto, para cada estado da natureza s, cada consumidor i necessitará adquirir a seguinte
quantidade de seguro do tipo s:

L
Ysi =  Psx si , s = 1, 2, ..., S e i = 1, 2, ..., I (2)
=1

Por outro lado, considerando-se que cada consumidor i dispõe de uma renda monetária de
Y i , tem-se que o gasto total com todos os tipos de seguros deve ser igual a essa renda, ou seja:
S

q Y
s=1
s si

=Y i , i = 1, 2, ..., I (3)

Substituindo-se (2) em (3), tem-se que:

40
S L S L
 =  q  P x =   q P x
Y (3')
i s s si s s si
s=1 =1 s=1 =1

Comparando-se (3') com (1), tem-se, portanto, que a primeira condição para que o sistema de
seguro possibilite viabilizar a alocação ótima acima, é dada por:

qsPs = Ps para todo l = 1, 2, ..., L e s = 1, 2, ..., S (4)

Por outro lado, tem-se que o total de renda monetária da economia, associada à alocação
ótima, é dada por:

 Y = Y
i=1
i (5)

Portanto, para qualquer estado da natureza s que ocorrer, o total dos pagamentos de seguros
feita aos consumidores deve ser exatamente aquela renda total da economia, ou seja:
I

Y
i =1
si = Ŷ para todo s = 1, 2, ..., S (6)

Tem-se, então, que essa expressão constitui-se na segunda condição para que o sistema de
seguro possibilite viabilizar a alocação ótima acima.

Através das duas condições acima é possível calcular o conjunto dos prêmios de seguro Qs e
dos preços dos bens Ps , compatíveis com a alocação ótima ( x si ; l = 1, 2, ..., L; s = 1, 2, ..., S; i =
 e de preços dos bens contingentes P , que
1, 2, ..., I), e com dado conjunto de rendas monetárias Y i s
geram essa mesma alocação ótima.

Isto é obtido substituindo-se a expressão (2) na (6), e multiplicando-se ambos os lados por

qs/ Y , ou seja:

I L

  P x s si
qs = i =1  =1
 para todo s = 1, 2, ..., S (7)
Y

Obtido qs dessa forma, os preços Ps são facilmente obtidos pela expressão (4).

Assim, Arrow mostrou que uma alocação ótima pode ser obtida através de um sistema de S
mercados de seguros, ao invés da necessidade de se assumir a existência de L x S mercados de bens
contingentes. Esse resultado é formalizado através do seguinte teorema:

TEOREMA: Se Ui (x11i,.., xL1i, x12i,.,, xL2i,.. xLSi) atende as condições do teorema de utilidade
esperada de Von Neumann-Morgenstern e é quasi-concava para todo o consumidor i, então qualquer

41
alocação Ótima de Pareto ( x si ; l = 1, 2, ..., L; s = 1, 2, ..., S; i = 1, 2, ..., I) pode ser obtida através
de um sistema de mercados de seguros e bens com regras de competição perfeita, onde os seguros
são pagos em moeda.

OBSERVAÇÕES:
i) Uma função utilidade Ui (x11i,.., xL1i, x12i,.,, xL2i,.. xLSi) é dito atender as condições do teorema
de utilidade esperada de Von Neumann-Morgenstern se ela puder ser representada através da
seguinte soma:
S

  u (x
s=1
si si , x2si,...., xLsi)
1si onde 0  si 1

ii) Note pela equação (7) acima, que a soma de q s sobre todos os estados da natureza s é igual a
um. Isto significa que não existe neste economia a possibilidade de realizar arbitragens entre as
alternativas de reter uma unidade de moeda ou comprar uma unidade de seguro de cada um dos
estados da natureza (portanto, de receber com certeza uma unidade monetária). Formalmente,
tem-se que:
 I L  I S L I

S   s si   
S
P̂ x̂ q P x̂
s s si Ŷi

s =1
qs =  
s =1 
i =1  =1


=

i =1 s =1  =1


= i =1


=1
 

iii) Como se verá mais adiante, a generalização dessa análise foi feita posteriormente por Radner,
ficando o equilíbrio de uma economia com uma estrutura de ativos que permite realizar a
alocação do risco no tempo, conhecido como Equilíbrio de Radner.

6.2. Contribuição de Debreu (1959)

Supondo uma economia com horizonte finito de T números de sub-períodos relevantes de


decisão, considera-se que a incerteza do ambiente geral da economia sobre esse horizonte de tempo
gera um conjunto finito de estados da natureza alternativos no período final T, estados esses
representados pelo índice s = 1,2, ..., S. Considera-se que nesse conjunto de estados estejam
representados todos os eventos possíveis relativos às condições físicas ambientais, desastres
naturais, possibilidades técnicas, etc., ao longo de todo o horizonte de tempo T

Em relação ao conjunto de estados S do período T, considera-se que os mesmos originaram-


se em etapas subsequentes dos períodos anteriores, através de uma “árvore” de possibilidades,
esquema esse que resume o histórico completo do ambiente de incerteza que caracteriza a economia.
No caso de T =3, tem-se o exemplo do gráfico abaixo.

42
s= 1 2 S
T=3

2 e = 12 k2

1 e = 11 k1

Para qualquer sub-período anterior a T, tem-se no gráfico que os “nós” da árvore constituem-
se em eventos, representados pelo índice et = 1t, 2t, ..., kt. Considere que, para cada sub-período t,
estão associados aos respectivos eventos et, sub-conjuntos Et, dos estados da natureza s, sendo os
mesmos uma partição do conjunto S, ou seja, para cada t, tem-se que: a) para qualquer s  S, existe
Et tal que s  Et; e b) para quaisquer Et e Et’, tal que Et  Et’, então Et  Et’ = ). Para cada t, o
conjunto desses Et, ou seja,  t =  E1t , E2t ,..., Ekt t  é denominada de Estrutura de Informação.
Portanto, a árvore acima pode ser representada pela seguinte “família” de estruturas de informação
 
 0 , 1 ,  2, 3,
Na árvore mais simples abaixo, tem-se que a família de estruturas de informação que a
caracteriza é dada por:

 0 = (1,2,3,4,5,6,7)
 1 = (1,2), ( 3,4,5), ( 6,7)
 2 = (1), ( 2), ( 3), ( 4), ( 5), ( 6), ( 7)

1 2 3 4 5 6 7
t= 2 s=

t= 1

t= 0

A interpretação de qualquer dessas estruturas de informação é no sentido de que, se dois


estados da natureza s e s’ pertencem ao mesmo sub-conjunto Et, então os mesmos não podem ser
distinguidos na estrutura de informação  t pelos indivíduos.

Note, portanto, que em qualquer árvore, a família das estruturas de informações que a
caracterizam descrevem o processo, ao longo do tempo, pelo qual os indivíduos vão adquirindo
informações sobre o conjunto dos estados da natureza S. Em t = 0, os indivíduos não conseguem

43
diferenciar os estados da natureza que compõem S e em t = T os indivíduos tem todas as
informações sobre esse conjunto (ou seja, conseguem distinguir cada um dos diferentes estados s
que compõe S, bem como os respectivos caminhos que lhes deram origem).

Por outro lado, tem-se que essa abordagem temporal de incerteza na economia implica que
os bens contingentes dessa economia, como na abordagem de Arrow acima, não podem ser
caracterizados apenas pela sua característica física e pelo estado da natureza ao qual o mesmo se
refere. É necessário considerar também o momento em que as transações dos bens contingentes
ocorrem ao longo do horizonte de decisão T, ou seja, é necessário considerar também as datas às
quais os bens contingentes se referem.

Contudo, essa análise multiperiódica pode ser formalmente simplificada para uma análise
sem a consideração da variável tempo, através do seguinte conceito de mensurabilidade de vetores
de quantidades dos LxS bens contingentes. Seja z = (zlts) o vetor das quantidades dos bens l = 1, 2,
.., L, transacionados ou produzidos nas datas t = 0, 1, 2, ...T, ao longo dos caminhos que levam ao
estado da natureza s = 1, 2, …, S. O vetor dos bens contingentes z’ = (z’ls)  R
LxS
é dito ser
mensurável em relação à família de estruturas de informação  0 , 1 ,...,  T  se para todo l e t, tal que
s e s’ pertencem ao mesmo sub-conjunto Et, então zlts = zlts’. Ou seja, se os estados da natureza s e s’
não podem ser distinguidos na data t, então as quantidades dos bens contingentes devem ser iguais
nestes dois estados(*)

Exemplo: considere o caso simplificado de dois estados da natureza, climas bom (b) e ruim (r) para
plantação de um determinado produto agrícola, sendo que este é diferenciado em dois tipos de bens:
semente (s) e produto colhido (c). Considere também que a semeadura desse produto deve ocorrer
numa determinada data t, onde evidentemente não se sabe nada a respeito do clima que irá
prevalecer ao longo do período de desenvolvimento desse plantio, e que, em t +1, só será possível
obter uma colheita de uma unidade do produto por unidade de semente plantada, se ocorrer um
clima bom. Se o clima for ruim, a produção será nula. Nesse caso, o seguinte vetor de atividade,
referente ao plano de produção do agricultor, é mensurável:

yR
(N=2)x(S=2)
, tal que y = (ysb, ycb, ysr,ycr) = (-1, 1, -1, 0)

Por outro lado, y = (-1, 1, 0, 0) não é mensurável, uma vez que as quantidades de semente
dos estados da natureza clima bom e ruim não são iguais.

Portanto, nesse exemplo fica claro que a variável tempo, enquanto necessária para
caracterizar o estágio de informação de cada agente sobre a incerteza, pode ser eliminada da análise
através dessa hipótese de mensurabilidade dos vetores de bens contingentes envolvendo as dotações
iniciais dos indivíduos, os conjuntos de possibilidades de consumo dos consumidores e de
tecnologias das firmas.

Sob esse enfoque de uma economia com incerteza, Debreu simplesmente re-interpreta o
conjunto de axiomas do modelo de equilíbrio geral do tipo Arrow-Debreu para o conjunto de bens
ampliado pela dimensão dos estados da natureza em T, valendo portanto as provas da existência de
(*)
Cabe destacar que essa elaboração de mensurabilidade e mesmo do conceito de Estrutura de Informação não foi
desenvolvida por Debreu em 1959, mas devido a desenvolvimentos posteriores, principalmente associados às
contribuições de Radner.

44
equilíbrio e dos resultados de otimalidade do mesmo, análogas ao caso de uma economia sem
incerteza.

Os desdobramentos ocorridos na literatura econômica a partir desse resultado foram, em


primeiro lugar, no sentido de mostrar que uma das condições cruciais para a existência daquele
equilíbrio é a hipótese de que todos os agentes conhecem a árvore das possibilidades dos estados da
natureza e o conjunto dos estados que efetivamente ocorrem em cada sub-período t,
independentemente do fato, por exemplo, da sua dotação inicial independer de um determinado sub-
conjunto de estados.

As dificuldades para aquele resultado de existência de equilíbrio, decorrentes de diferenças


nas estruturas de informações entre os agentes econômicos, foram tratadas por Radner (1968).

O outro desbobramento foi no sentido de discutir casos em que existem mercados de ativos
para alocar as situações de risco, mas sob condições em que estes são incompletos.

A fim de analisar este último aspecto, vamos inicialmente analisar a chamada economia
sequencial e o papel dos ativos nesta.
6.3. Economia Sequencial e Mercados de Ativos

No trabalho de Debreu (1959), tem-se que a existência do equilíbrio geral competitivo sob
condições de incerteza é garantida por um conjunto de axiomas análogos ao caso de um economia
competitiva sem incerteza. Mas para isso é necessário também assumir a hipótese irrealista da
existência de mercados para todos os bens contingentes, bem como manter a condição não razoável
de que as decisões e as transações envolvendo todos os bens contingentes devem ser tomadas no
início do período do horizonte de decisão dos indivíduos da economia, portanto, antes que as
situações de incerteza sejam resolvidas. Por outro lado, no trabalho de Arrow (1953), tem-se o
resultado de que qualquer alocação Ótima de Pareto de bens contingentes pode ser obtida como um
equilíbrio competitivo de um sistema de seguros em relação ao conjunto dos possíveis estados da
natureza, sendo que a questão da alocação daqueles bens pode ser resolvida em duas etapas: na
primeira resolve-se a questão da alocação do poder de compra dos indivíduos em relação aos
possíveis estados da natureza; e, na segunda, resolve-se o problema da alocação do poder de compra
dos indivíduos entre os diferentes bens da economia, qualquer que seja o estado da natureza que vier
a ocorrer,

Com base nesses dois conjuntos de resultados, Radner (1982) procurou reinterpretar a
questão do equilíbrio geral competitivo dos bens contingentes (a partir de agora a ser denominado de
equilíbrio Arrow-Debreu), não só sob a ótica de Arrow de não necessidade de mercados completos
para os bens contingentes, mas também sob a óptica de que aquele equilíbrio é compatível com o de
uma economia sequencial, ou seja, onde os indivíduos realizam transações de forma sequencial em
todas as datas-eventos (“nós” da árvore de possibilidades dos estados da natureza), a partir de
expectativas, formadas de forma racional, dos preços spots que irão prevalecer nos mercados de
cada um dos bens da economia, em cada um dos possíveis estados da natureza.

Para analisar essa tese, considere o caso simplificado de um economia sem produção com I
consumidores e L bens, onde a situação de incerteza é caracterizada por S possíveis estados da
natureza e duas datas: em t = 0 os indivíduos conhecem apenas o conjunto S e, em t = 1, a situação
de incerteza foi resolvida, ou seja, os indivíduos sabem qual o específico estado da natureza que
45
ocorreu. Suponha também que o consumo dos indivíduos ocorre apenas na data t = 1, e que as
dotações iniciais dos mesmos são também definidas apenas para t = 1, condicionadas aos diferentes
estados da natureza, ou seja, si = (si ) .

Da mesma forma que na abordagem de Arrow, considere também que para cada consumidor
i é definida uma função utilidade contínua Ui (x11i,.., xL1i, x12i,.,, xL2i,.. xLSi) , definida sobre o conjunto
de consumo de bens contingentes Xi = R LxS , sendo contudo o processo de decisão dos mesmos
especificado da seguinte forma:

• na data t = 0, os indivíduos escolhem apenas as quantidades ( zsi ) de S bens contingentes, bens


esses constituídos por títulos que dão direito a receber quantidades equivalentes de um
determinado bem da economia (por exemplo o bem 1, sendo portanto esses bens denominados de
contingentes-1), apenas se o estado da natureza s ocorrer, sendo que os preços dos mesmos são
definidos pelo vetor q = (q1, q2, ..., qS); (note que, diferente de Arrow, esses “seguros” são
especificados em termos de quantidades de um dado bem físico, e não em termos de unidades
monetárias)

• na data t = 0, cada indivíduo forma expectativas a respeito do vetor de preços spots dos L bens
contingentes de consumo que irá prevalecer em t = 1, em cada um dos S possíveis estados da
natureza: psi = (p1i,s, p2i ,s, ..., pLs
i
, ).

Sob essas condições, o problema da maximização da utilidade de qualquer consumidor i


pode ser especificado da seguinte forma: dados os vetores de preço q dos bens contingentes-1 e dos
preços spots psi dos bens de consumo, esperados pelo consumidor i, em cada estado da natureza s,
esse consumidor escolhe as quantidades desejadas dos bens contingentes-1 ( zsi ) e dos bens
contingentes de consumo (vetores x sh ) de modo a:

Maximizar Ui (x11i,.., xL1i, x12i,.,, xL2i,.. xLSi)

S
sujeito a (i) q z
s=1
s si 0

L L
(ii)  pi s. xsi   pi s. si + p1is. zsi para todo s = 1, 2, ..., S
=1 =1

Note que na restrição (i), o consumidor apenas transaciona os bens contingentes-1, dado que
se supos que ele não consome bens em t = 0. Note também que, como estamos assumindo que o
consumidor não tem nenhuma dotação de bens em t = 0, o valor total dos bens contingentes-1 deve
ser menor ou igual a zero. Isso significa que o consumidor não pode comprar quantidades de todos
esses bens (zsi > 0). Para comprar um ou mais desses bens, o mesmo precisa, necessariamente,
vender quantidades de pelo menos um dos demais bens (zs*i < 0). Considerando-se que não é
imposto nenhuma restrição para as quantidades (zsi), poder-se-ia imaginar que o consumidor pode se
endividar (ou seja vender quantidades dos bens contingentes-1) sem limite. Contudo, ao se examinar

46
o conjunto de restrições (ii), pode-se constatar que tal possibilidade não existe. Em cada estado da
natureza s, o valor da renda ou riqueza (lado direito da expressão) deve ser necessariamente não
negativo ou, em termos mais razoáveis, positivo, uma vez que o indivíduo necessita consumidor
alguns bens. Portanto, mesmo que o consumidor se endivide em relação a algum estado da natureza
s (zsi < 0), tem-se que o valor do endividamento não pode ser maior do que o valor da dotação que o
mesmo terá se esse estado da natureza ocorrer.

Adicionalmente, se impormos a condição chave de que as expectativas de todos os


consumidores são racionais, ou seja, de que os vetores de preços esperados por todos os
consumidores i são iguais ( psi = p s ), e que qualquer que seja o estado da natureza s que vier a
ocorrer em t = 1, p s são os preços que de fato equilibram os mercados de todos os L bens, tem-se a
seguinte definição de Equilíbrio de Radner:

O conjunto de vetores de preços dos bens contingentes-1 q*  R , de preços spots dos


S

bens p s*  R , s = 1, 2, ..., S, de planos de consumo z*i  R e x*i = (x1*i,.., x*Si )  R , i


L S LxS

= 1, 2, ..., I, constituem-se em um equilíbrio da economia de troca acima especificada,


se:

(i) para todo consumidor i, z*i e x*i são solução do problema de maximização de
utilidade acima especificado;

I I I
(ii) z
i =1
*
si 0 e  x  .
i =1
*
si
i =1
si , para todo s.

Nessa definição de equilíbrio, tem-se que os consumidores realizam transações em cada


momento do tempo, fazendo expectativas sobre os preços futuros.

Por outro lado, para mesma economia de troca acima especificada, tem-se que a definição de
equilíbrio competitivo de Arrow-Debreu, que é determinado sempre em t = 0, é dado por:

O conjunto de vetores de planos de consumo dos consumidores i, de bens contingentes


(x11i*,.., x*L1i, x12i*,., x*L2i,..., x*LSi) , i = 1, 2, ..., I, e de preços dos mesmos bens contingentes
(p ,.., p
*
11
*
L1
*
, p12,.., p*L2,...., p*LS) constituem-se em equilíbrio se:

(i) para todo consumidor h, (x *


,.., x*L1i, x12i
11i
*
,., x*L2i,..., x*LSi) é tal que maximiza
Ui (x11i,.., xL1i, x12i,.,, xL2i,.. xLSi) sujeito à restrição de que
S L S L

 p .x
s=1 =1
*
s si    p*s. si
s=1 =1

I I
(ii) x
i =1
*
si =  . si , para todo l e s.
i =1

47
Com base nessas duas definições de equilíbrio, pode-se provar o seguinte teorema:

(i) Se os vetores de preços dos bens contingentes-1 q*, de preços spots dos bens p s* , s = 1, 2,
..., S, de planos de consumo z*i e x*i = (x1*i,.., x*Si ) , i = 1, 2, ..., I, constituem-se em um
Equilíbrio de Radner, então existe um vetor de escalares (1, 2, ... S), tal que a alocação
x*i = (x1*i,.., x*Si ) de bens contingentes e os vetores de seus preços, definidos por s p s* , s = 1,
2, ..., S, constituem-se num Equilíbrio de Arrow-Debreu;

(ii) Se a alocação (x11i


*
,.., x*L1i, x12i
*
,., x*L2i,..., x*LSi) , i = 1, 2, ..., I, de quantidades de bens
contingentes e o vetor de seus preços (p11 *
,.., p*L1, p12
*
,.., p*L2,...., p*LS) constituem-se em
Equilíbrio de Arrow-Debreu, então existe um vetor de preços dos bens contingentes-1 q* e
um plano de consumo z h* desses bens, tais que estes e os planos de consumo
(x*
,.., x*L1i, x12i
11i
*
,., x*L2i,..., x*LSi) e os preços (p11
*
,.., p*L1, p12
*
,.., p*L2,...., p*LS) constituem-se num
Equilíbrio de Radner;

Esses dois resultados representam, de um lado, a prova das proposições feitas no trabalho de
Arrow (1953), de que a resolução do problema da incerteza em economias competitivas não
necessita da hipótese de mercados completos para todos os bens contingentes (ou seja, L x S
mercados). Um sistema de seguros constituído por S tipos de bens contingentes (que ao contrário de
Arrow, Radner define em termos de quantidades físicas em um bem qualquer da economia) permite
resolver o problema da alocação do valor total do poder de compra dos consumidores em relação
aos S possíveis estados da natureza, sendo que, uma vez resolvido o problema da incerteza, os
indivíduos conseguem vialibizar os seus planos ótimos de consumo dos bens, qualquer que seja o
estado da natureza que vier a ocorrer. Na formalização da Radner, tem-se inclusive que essa
alocação é resolvida sequencialmente no tempo, à medida que as informações dos estados de
incerteza são reveladas para os consumidores (ou seja, ao longo da árvore das possibilidades de
ocorrência dos estados da natureza). Por outro lado, tem-se que esse resultado não é obtida sem
custo, uma vez que na proposição de Radner, a hipótese de que os consumidores formam
Expectativas Racionais sobre os preços spots dos bens que consomem, é crucial para os seus
resultados. Considerando-se que nesse esquema de formação de expectativas, exige-se que todos os
indivíduos da economia tenham a capacidade cognitiva de prever corretamente os preços que
equilibram os mercados de todos os bens, em todos os possíveis estados da natureza, F. Hahn afirma
que a abordagem de economias sequenciais, acoplada à hipótese de expectativas racionais sobre os
preços futuros, significa uma incorporação não essencial da variável tempo real. Essa afirmação de
Hahn é baseada justamente nos resultados acima de que o equilíbrio de Radner de uma economia
gera a mesma alocação de bens contingentes que a do equilíbrio de Arrow-Debreu, que como já
vimos é obtido no instante t = 0 do horizonte de decisão, ou seja, que envolve a variável tempo
lógico e não real.

48
Isto posto, e a fim de discutir os problemas que podem ocorrer para o Equilíbrio de Radner
se não existir uma estrutura de mercados completos dos bens contingentes ou títulos que permitem
os consumidores alocarem os seus poderes de compra entre os diferentes estados da natureza, vamos
generalizar a noção desse tipo de título, ou seja, introduzir o conceito de ativo, bem como definir o
conceito de estrutura de mercados completos de ativos

6.4 Mercados de Ativos Completos

A fim de introduzir a definição de Ativo ou Seguro, considere ainda o caso simplificado de


uma economia com L bens, onde a situação de incerteza na mesma é caracterizada por S possíveis
estados da natureza e duas datas t = 0 e t = 1, sendo que em t = 0 os indivíduos não tem nenhuma
informação sobre o estado da natureza que irá ocorrer e, em t = 1, a situação de incerteza é
resolvida, com os indivíduos sabendo exatamente o estado da natureza ocorrido.

Para essa economia, podemos definir o bem Ativo ou Seguro, cuja unidade do mesmo é
constituído por um título, negociado em t = 0, que dá direito a receber (obrigação de entregar, se a
quantidade do mesmo é definida em termos negativos) quantidades de um bem físico ou valores
monetários em t = 1, quantidades e valores esses que dependem do estado da natureza que irá
ocorrer. Definindo-se essas quantidades e valores monetários como retornos de uma unidade do
Ativo, tem-se então que um ativo qualquer do tipo k pode ser caracterizado pelo seguinte vetor dos
( )
seus retornos unitários: r k = r1k , r2k ,...., rSk

Se rsk representam quantidades de bens físicos, então o ativo k é denominado de Real. Por
outro lado, se rsk representam valores monetários, então diz-se que o ativo k é Financeiro.

Considerando-se essa multiplicidade de unidades de medida que podem estar envolvidas


num mesmo vetor de retornos de um ativo, na discussão a seguir vamos estabelecer que, por
exemplo, o bem 1 é eleito como o bem numeraire, portanto que os preços dos ativos e os preços
spots de qualquer bem na economia são definidos em relação ao preço spot do bem 1, qualquer que
seja o estado da natureza, bem como adotar a hipótese simplificadora de que os ativos a serem
considerados são Reais, com retornos expressos unicamente em quantidades do bem 1.

Por outro lado, considere que nessa economia também existe um outro tipo de ativo (a ser
denominado de Ativo Derivativo), cuja existência depende dos ativos acima definidos (denominados
de Ativos Primários). O exemplo típico de um ativo derivativo é dado pelas Opções, onde uma
unidade de um contrato, do tipo Europeu, que dá a opção de compra (call) ou de venda (put), após o
estado da natureza ser revelada, de uma unidade de um título primário qualquer, a um preço pré-
estabelecido c, também constitui-se num ativo. No caso deste ser uma opção de compra, definido
( )
sobre um ativo primário k, com vetor de retornos r k = r1k , r2k ,...., rSk , tem-se que para qualquer
estado da natureza s, evidentemente a opção só será exercida se rsk > c. Portando, o vetor de retorno
desse ativo derivativo é dado por:

r c =  max( r1k − c,0),max( r2k − c,0),....,max( rSk − c,0)

49
Considere então que nesta economia existe um conjunto ou Estrutura de K tipos de ativos
primários e derivativos, que são transacionados na data t = 0 aos preços q = (q1, q2, ..., qK), sendo as
quantidades que cada consumidor i transaciona dos mesmos, definidas pelo vetor zi = (z1i, z2i,..., zKi) ,
denominado de Portifólio do consumidor i.

Para essa estrutura de ativos, pode-se definir o conceito de Matriz de Retornos, de ordem S x
K, onde as colunas desta são constituídas pelos vetores de retornos do conjunto de ativos da
economia, ou seja:

r11 r12 . . r1K


r21 r22 . . r2K
R = . . . .
. . . .
1 2 
rS rS . . rSK

Isto posto, pode-se então definir o conceito de mercados de ativos completos: Uma Estrutura
de Ativos de um economia, com Matriz de Retornos R de ordem S x K, é dito ser completa se rank
R = S, ou seja, se existe algum sub-conjunto com S tipos de ativos, com vetores de retornos
linearmente independentes.

OBSERVAÇÕES:

i) um conjunto de S vetores r1, r2, ..., rS é dito ser linearmente dependente se existir um conjunto
de S escalares 1, 2, ..., S, com pelo menos um i  0, tal que 1.r1 + 2.r2 ..... + S.rS = 0;
ii) um conjunto de S vetores não linearmente dependentes é dito ser linearmente independentes;

iii) Pode-se mostrar que sempre que existir um ativo primário cujo vetor de retornos é tal que rs 
rs’, para todos os estados da natureza s  s’, então é possível gerar uma estrutura de ativos
completa através de ativos derivativos. No exemplo de uma economia com S = 4, e um ativo
primário com vetor de retornos r = (4, 3, 2, 1), é fácil mostrar que este ativo e os derivativos
constituídos pelas opções de compra deste, com preços pré-estabelecidos c1 = 3,5 , c2 = 2,5 e c3
= 1,5 , constituem-se numa estrutura de ativos completa para essa economia. Ou seja, a matriz
de retornos abaixo tem rank = 4, ou determinante diferente de zero:

05, 15 , 4
, 25
 0 05 , 3
, 15
 0 0 05 , 2
 0 0 0 1

A fim de estabelecermos alguns resultados importantes para a economia com mercados de


ativos ora tratada, de forma análoga ao caso anterior em que definimos o chamado Equilíbrio de
Radner, vamos supor adicionalmente que nessa economia não existe produção e que existem I
consumidores com função utilidade contínua dada por Ui (x11i,.., xL1i, x12i,.,, xL2i,.. xLSi) , sendo que os
mesmos só consomem bens na data t = 1 e que as suas dotações iniciais são também definidas
apenas para t = 1, condicionadas aos diferentes estados da natureza, ou seja, si = (si ) .

50
Se as expectativas dos consumidores sobre os preços spots dos bens em cada estado da
natureza são racionais, tem-se então a seguinte generalização da definição de Equilíbrio de Radner
para essa economia com K mercados de ativos:

O conjunto de vetores de preços dos ativos q*  R , de preços dos bens p s*  R , de planos


K L

de consumo x*si  R , s = 1, 2, ..., S, e de portfolio de ativos z*i  R , i = 1, 2, ..., I,


L K

constituem-se em um equilíbrio da economia acima especificada, se:

(i) para todo consumidor h, z*i e x*si são solução do problema:

Maximizar Ui (x11i,.., xL1i, x12i,.,, xL2i,.. xLSi)


K
sujeito a (a) q z
k =1
k ki 0
L L K
(b)  ps. xsi   ps. si +  zki. rsk , para todo s = 1, 2, ..., S
=1 =1 k =1
I I I
(ii) z
i=1
*
ki 0 e x
i =1
*
si   . si , para todo l, s e k.
i =1

Com base nessa definição de equilíbrio de uma economia com K mercados de ativos, é
possível mostrar os seguintes resultados:

( )
TEOREMA 1: Se o vetor de retornos r k = r1k , r2k ,...., rSk  0, rk  0 , para todo k = 1, 2, ..., K,
então para qualquer vetor de preços dos ativos q = (q1, q2, ..., qK) que pertença ao
Equilíbrio de Radner, é possível encontrar um vetor de escalares (1, 2, ... S) não
S
negativo, tal que qk =  s rsk , para todo k = 1, 2, ..., K.
s =1

OBSERVAÇÕES:

i) Esse resultado significa que os preços dos ativos no equilíbrio de Radner é livre de arbitragem.
K
ii) Diz-se que um vetor de preços de ativos q  R é livre de arbitragem, especificamente para a
K
economia acima definida, se não existir nenhum portfólio z = (z1, …, zK), tal que q z
k =1
k k 0
K
(ou seja, que qualquer indivíduo da economia pode comprá-lo) e z r
k =1
k sk  0 para todo estado
K
da natureza s, e z r
k =1
k s*k  0 para pelo menos s*. Se existisse tal portfólio, qualquer indivíduo

poderia comprá-lo e necessariamente garantir um aumento de renda ou riqueza no estado da


natureza s*, aumentando portanto a sua utilidade. Mas isso entra em contradição com a

51
definição de equilíbrio de Radner, onde todos os consumidores devem estar maximizando a sua
utilidade.

TEOREMA 2: Seja o conjunto de vetores de preços dos ativos q*  R , de preços dos bens p s* 
K

R , de planos de consumo x*si  R , s = 1, 2, ..., S e i = 1, 2,…, I, e de portfolio de


L N

ativos z*i  R , um Equilíbrio de Radner para uma economia com uma estrutura de
K

ativos com matriz de retornos R, de ordem S x K. Seja R’ uma matriz de retornos de


uma segunda estrutura de ativos dessa mesma economia. Se Range R = Range R’,
então os planos de consumo x*si acima também pertencem ao equilíbrio de Radner
com a segunda estrutura de ativos com matriz de retornos R’.

OBSERVAÇÕES:

i) O Range de uma matriz R qualquer, de ordem S x K, é definido pelo seguinte conjunto:

Range R = {v  RS | v = Ry, y  R }
K

ii) Note que se rank R = S, então a matriz R possui S colunas linearmente independentes, as quais
se constituem numa base do espaço vetorial RS, ou seja, Range R = RS. Isso significa que, no
Teorema 2 acima, se R e R’ são matrizes de retornos de duas estruturas de ativos completas mas
diferentes de uma mesma economia, temos necessariamente que Range R = Range R’ = RS e,
portanto, o resultado de que modificações na estrutura de ativos de uma economia, mantida a
sua característica de ser completa, não tem efeito real, ou seja, não afeta a alocação de bens na
economia. Também temos como implicação daquele teorema, que a introdução e ou exclusão
de ativos que não afetam o espaço vetorial dado por Range R (ou seja, que não pertençam ao
conjunto de ativos básicos que permitam diferenciar os estados da natureza s) não tem efeitos
reais.

TEOREMA 3: Se a economia acima especificada tem uma estrutura de ativos completa, então:

(i) Se os vetores de preços dos ativos q*, de preços dos bens p s* , s = 1, 2, ..., S, de
planos de consumo (x11i
*
,.., x*L1i, x12i
*
,., x*L2i,..., x*LSi) e de portifólio z*i , i = 1, 2, ...,
I, constituem-se em um Equilíbrio de Radner, então existe um vetor de escalares
(1, 2, ... S), tal que a alocação (x11i *
,.., x*L1i, x12i
*
,., x*L2i,..., x*LSi) de bens
contingentes e os vetores de seus preços, definidos por s p s* , s = 1, 2, ..., S,
constituem-se num Equilíbrio de Arrow-Debreu;

(ii) Se a alocação (x11i


*
,.., x*L1i, x12i
*
,., x*L2i,..., x*LSi) , i = 1, 2, ..., I, de quantidades de
bens contingentes e o vetor de seus preços (p11 *
,.., p*L1, p12
*
,.., p*L2,...., p*LS)
constituem-se em Equilíbrio de Arrow-Debreu, então existem um vetor de

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preços dos ativos q* e um plano de portifólio z*i desses ativos, tais que estes e os
planos de consumo (x *
,.., x*L1i, x12i
11i
*
,., x*L2i,..., x*LSi) e os preços
(p ,.., p
*
11
*
L1
*
, p12,.., p*L2,...., p*LS) constituem-se num Equilíbrio de Radner;

OBSERVAÇÃO: Este último teorema constitui-se na generalização dos resultados do teorema da


página 48 desta nota.

6.5. Mercados Incompletos

Já vimos que o chamado Primeiro Teorema Fundamental de Bem Estar, garante que todo
equilíbrio geral de uma economia competitiva, na presença ou não de incerteza, gera alocações de
bens que são eficientes, ou seja, que são ótimas no sentido de Pareto. A implicação desse resultado
é que, numa economia de mercado, alocações de bens que não são eficientes só podem ser obtidas se
não existirem mercados com regras de competição perfeita para todos os os bens da economia. Ou
seja, no caso em que a estrutura de mercados é completa (existem mercados para todos os bens da
economia), mas nem todos os mercados são competitivos ou no caso em que os mercados são todos
competitivos, mas a estrutura dos mesmos não é completa.

Na literatura econômica, o último tipo de caso é conhecida como a questão de Missing


Markets, cuja origem pode estar associada a uma variedade de causas. As mais conhecidas e
analisadas destas causas são os problemas da Externalidade no consumo e/ou na produção de bens,
dos Bens Públicos, da Assimetria de Informação entre os agentes econômicos (Moral Hazard e
Seleção Adversa), e Mercados Incompletos de Ativos.

No contexto de uma economia com estrutura de ativos incompleta, ou seja, rank R < S, a
principal implicação é a de que não se pode mais garantir que o equilíbrio de Radner da mesma gera
alocações de bens que são ótimas no sentido de Pareto. E este resultado não é surpreendente, uma
vez que uma estrutura de ativos incompleta impõe restrições para a alocação do poder de compra
dos indivíduos entre os possíveis estados da natureza, restrições essas que podem implicar em
perdas de bem estar dos indivíduos, quando comparados à situação onde a estrutura de ativos é
completa. Uma segunda implicação é a de que, em geral, modificações na estrutura de ativos tem
efeitos reais, ou seja, tem efeitos sobre a alocação dos bens na economia.

Tendo em vista, então, que no contexto de economias com estrutura de ativos incompleta, o
conceito de Ótimo de Pareto deixa de ter utilidade para avaliar as características dos seus
equilíbrios, principalmente na literatura sobre mercados incompletos, o conceito relevante de
eficiência utilizado é o de Ótimo de Pareto Restringido. Nesse conceito, procura-se estabelecer se é
possível que uma entidade ou autoridade externa ao mercado, que também está sujeita às restrições
de realocação dos poderes de compra dos indivíduos entre os estados da natureza, impostas pela
estrutura de ativos incompleta, é capaz de obter uma alocação alternativa que seja superior, no
sentido de Pareto, à alocação resultante do equilíbrio de mercado. Se isso não for possível, então
diz-se que a alocação de bens do equilíbrio de mercado é Ótima de Pareto Restringida.

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Infelizmente, mesmo sob esse conceito mais restrito de eficiência, não é possível garantir,
em geral, que todo equilíbrio de Radner de uma economia com estrutura de ativos incompleta, gera
alocações de bens que seja Ótima de Pareto Restringida. Apenas no caso particular em que existe
apenas um único bem de consumo e que o horizonte de decisão dos indivíduos é de dois períodos, é
possível garantir que o equilíbrio de Radner é Ótimo de Pareto Restringido.

Ademais, parece estar emergindo um consenso na literatura econômica recente de que aquele
resultado, de não obtenção de alocações ótimas de Pareto restringida no contexto de economias com
estrutura de ativos incompleta, não só é possível, mas em realidade se constituem nos casos típicos.

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