Você está na página 1de 1

Síntese da proposta nietzscheana de origem da moral (baseada em minha leitura de

Genealogia da Moral)
O castigo foi aquilo que “criou memória” numa sociedade que precisava aprender a fazer
promessas. Ele é fruto da ideia de dívida, presente na relação credor/devedor. Mas o castigo
nunca foi capaz nem tencionava gerar sentimentos de culpa: é verdade que ele conseguia
produzir prudência e o afeto oposto ao gáudio, mas seu verdadeiro propósito era dar prazer ao
credor, que, por suas forças reativas, se alegrava no sofrimento de seu devedor. A justiça e o
direito, que colocaram ordem na casa e inauguraram a ideia de lei, foram fruto da ação de
indivíduos fortes que, não sendo tão afetados pela dor do prejuízo que algum devedor lhe
pudesse causar e desejosos de colocar a comunidade debaixo de seu poder, moldaram a
sociedade de forma a restringir o estrago do ressentimento do credor. O sentimento de culpa
surgiu precisamente do resultado de se ter o homem, um animal violento, encurralado numa
sociedade em que já não mais pudesse dar livre vazão à sua agressividade: o homem se volta
contra si mesmo, o culpado de ser fonte de vontades contrárias às regras sociais. Isso acontece
da seguinte forma: o conceito primitivo de dívida para com os ancestrais se desenvolve, à
medida que cresce a comunidade, para dívida em relação a um Deus Todo-Poderoso. Mas a
vontade humana de liberar ao máximo seus instintos reprimidos foi tanta que teve de tornar o
castigo impagável, de forma a pode punir o próprio Deus enquanto vivem uma vida de infeliz
negação de sua própria natureza para corresponder à natureza idealizada de um Deus Santo.
Nietzsche quer acabar com essa fetichização da autonegação promovendo um modelo de
homem que não tem vergonha de sua própria natureza, um homem que, se tiver de ter algum
deus idealizado, o terá sob a forma de alguma divindade segundo o modelo grego – não uma
que obrigue o homem a se adequar a um modelo não-humano de idealização, mas uma que
represente a idealização do próprio homem.

Luís Felipe Leite

Graduando de letras, Centro Universitário Jorge Amado.

Você também pode gostar