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Leitura complementar, clássico comentado: Francis Wolff, Aristóteles e a

política.

A Felicidade de se viver junto: análise dos dois primeiros capítulos.

• Tese geral: “A cidade tem por finalidade o soberano bem”

1. A cidade é uma comunidade.


• Matéria causal: o que constitui a cidade: lares; vilarejos etc.
• Causa formal: o regime político da cidade, ou seja, aquilo que dá forma à sua
matéria (que estrutura e organiza as relações entre as partes da cidade).

• Causa final: bem soberano.


• Três formas de definir a cidade: por sua causa material; formal ou final.
• A cidade tem causa motriz? Para Aristóteles a causa motriz de uma cidade tem
pouca importância, uma vez que a cidade é um ser natural, ou seja
desenvolveu-se naturalmente a partir da matéria (lares, vilarejos). Entretanto, o
fundador/legislador da cidade é de alguma forma sua causa motriz pois permite
que a tendência natural se efetive.
• O que é uma comunidade para Aristóteles? Embora não tenha deixado claro o
conceito em nenhuma obra, identifica-se ser uma comunidade um
agrupamento de homens unidos por uma finalidade. O efeito dessa união por
uma finalidade em comum, é a ligação de amizade (philia) e a justiça.
• Propriedade comum das comunidades estudadas por Aristóteles( lar, vilarejo,
casal, cidade): relação de comando ou autoridade (arché)

2. Toda comunidade é constituída em vista de um certo bem.


• “ É em vista daquilo que lhes parece ser um bem que todos os homens fazem o
que fazem”
• O bem não deve ser levado no sentido estritamente moral do termo. Mesmo os
mal feitores agem em vista de um certo bem.
• Tudo aquilo que existe é explicável por aquilo em vista do que ele existe
• A afirmação de que toda comunidade visa um determinado bem é dada a partir
da premissa do que o próprio determina como sendo uma comunidade, o
agrupamento de homens unidos por uma finalidade, este fim é o bem.

3. A comunidade política (cidade) é aquela que é soberana entre todas, e


inclui todas as outras.
• Superioridade da vida política em relação às demais atividades humanas.
• Finalidade da comunidade política: o bem propriamente humano; bem
superior a todos os outros bens que englobam a cidade.
• Este bem é definido como a felicidade, ou seja, a cidade não é uma simples
garantia de sobrevivência individual.
• As competências de um homem político diferem das funções de senhor de
escravo e chefe de família por uma diferença específica.
• Essa diferenciação é levantada contra seus adversários Sócrates e Platão.
Sócrates: a única coisa que diferencia os negócios públicos dos negócios
privados é em relação ao número, para ele (Sócrates), aquele que sabe
empregar homens dirigem igualmente bem os negócios públicos e privados.
Platão: As designações de um político e um chefe de família são as mesmas.
Ponto em comum: Ciência régia; o comando, para ambos o poder de comandar
encerra um saber que não é determinado ou limitado por um número de
subordinados.
• Oposição a tradição socrático-platônica
• Método aristotélico (método analítico): das partes ao todo.

• Como a cidade é um ser natural, que se formou naturalmente, obtém-se que


para estudá-la pode-se utilizar do método utilizado pelos biólogos ao decompor
as partes do animal a fim de estudá-las e assim chegar ao entendimento do
todo, da forma. Assim ele faz com a cidade, ao estudá-la analisando os vilarejos
que são compostos por lares, e estes se dividem em três partes: relação
marital, parental e despótica.

• É um também um método genético, ou seja, que segue a ordem do


desenvolvimento histórico

• É um método que pode ser considerado hierárquico também, pois o


bem(finalidade) a qual as comunidades que compõem a cidade se empenham é
inferior ao da cidade em sua completude, esta visa o bem soberano.

• Comunidade base da cidade: lar (oikos)

• Relação comunitária elementar e primeira: Marital (homem e mulher)


• União de seres que não podem existir sem o outro (reprodução)
• União natural.
• Macho naturalmente superior a fêmea
• Porque natural? Por quatro motivos:

1. Universalidade: a relação de macho e fêmea é existente em todos os seres


vivos.
2. Necessidade: o macho não pode existir sem a fêmea nem a fêmea pode
existir sem o macho. (Procriação)
3. Finalidade: Procriação e o que a perpetua, que é suprir as carências da vida,
estabelecendo uma união para alcançar o bem mútuo.
4. Tendência natural a deixar atrás de si um semelhante à ti mesmo: a
Procriação é a continuação de seu ser. A união é instintiva.
• O Homem é divino: atinge a eternidade pela Procriação e é dotado de
pensamento.
• Pelo pensamento o homem pode aceder a mais alta forma de ser, o
pensamento teorético, atividade mais elevada da alma.
• A comunidade política permite ao homem( animal dotado de logos) ser ele
mesmo.
• Potencialidades: nenhum homem alcançar o ser em ato de forma integral, mas
desenvolve sucessivamente suas potencialidades (ser em potência)
• Cada ser vivo tende naturalmente para o seu próprio bem, isto é, para ser ele
mesmo, o que só é possível pela mediação de um outro, uma vez que ele só
individualmente é imutavelmente ele mesmo em espécie.

• Relação despótica: senhor e escravo


• Relação entre aquele que comanda e aquele que é comandado
• “ O senhor é aquele que por natureza comanda, que é naturalmente capaz de
prever pelo pensamento; o escravo por natureza é o ser capaz de executar
fisicamente as tarefas concebidas pelo senhor
• Superioridade natural do senhor
• Incompletude natural que faz com que senhor e escravo tornem-se
dependentes
• “De nada lhe serve poder para conceber se não houver ninguém para executar”
• Necessidade mútua que ambos têm um pelo outro para satisfazer suas
atividades cotidianas.
• Satisfação das necessidades cotidianas.
• Distinção da relação de poder marido/mulher e senhor/escravo:
1. Homem e mulher: relação horizontal, que tem por finalidade a reprodução
da espécie. Poder sobre seres livres e iguais (poder político)
2. Senhor e escravo(relação econômica): relação vertical. Poder sobre seres
não livres (poder despótico)
3. Relação parental (pai e filho): relação vertical. Poder sobre seres livres e
desiguais (poder régio)
• No entanto Aristóteles argumenta que o poder político exercido sobre a mulher
se diferencia do poder entre cidadãos de uma cidade pois “o macho é, em
geral, mais apto que a fêmea para governar”. Por isso o poder do marido é
permanente diferentemente do poder exercido sobre os outros cidadãos que é
geralmente transitório (são alternadamente governantes e governados).
• É por natureza que a maioria das relações estabelecem um que comanda e um
que é comandado. Na relação parental é a idade e também afeição, na marital a
natural superioridade do macho e na despótica a natureza do senhor em ter o
poder de deliberar, coisa que falta ao escravo.
• O verdadeiro rei é como um “pai” para seus súbitos
• O tirano pode submeter seus súditos a serem escravos a seu serviço
• Com isso, percebe-se que essas três formas de poder são também formas de
governo. Entretanto, somente a relação de poder sobre seres livres e iguais é
conforme a essência da cidade.
• Comunidade do vilarejo

• Origina-se das comunidades base, isto é, composta por lares.


• Geneticamente o vilarejo surgiu surgiu naturalmente após a família.
• Surge a partir do ponto em que as necessidades imediatas providas pelo lar já
estão supridas
• Quais as necessidades que os vilarejos alcançam? Administração da justiça e
de cerimônias religiosas.
• Um homem com autoridade naturalmente superior que reuniu os lares num
vilarejo

• Comunidade Política (cidade)

• A comunidade acabada feita por vários vilarejos é uma cidade, desde que
tenha atingido o nível de autarquia por assim dizer, completa.

• A cidade é necessariamente aquela que é formada por um número de pessoas


que seja o mínimo para atingir a autarquia em vista da vida feliz que convém a
comunidade política.

• Autossuficiência: possui o bastante para suprir as necessidades de seus


membros.

• A cidade permite ao cidadão levar uma vida feliz.

• A cidade é um fim em si mesma.

• É necessária pra suprir as necessidades.

• O homem não pode ser, se não for pelo e na cidade.

• Como a comunidade política não carece de nada, é a única a plenamente ser.

• Por ser a cidade uma continuação das comunidades anteriores, ela é natural, já
que todas as demais também o são.
• “A natureza é fim..”: o devir de um ser cessa quando, tendo-se reunido a si
mesmo, ele é o que é sem carência.
• A natureza de um ser coincide com o seu bem.
• O melhor para um ser é ser ele mesmo.
• O homem é, por natureza, um animal político.

• O bem soberano é aquele pelo qual todas as outras ações são boas, pois só são
boas em vista de alcançar o bem soberano.

Observação ética, lógica e cosmológica:

• Agir é visar um bem


• Dois tipos de bens: bens que são bons por outras coisas e bens que são bons
por eles mesmos.
• Bens que são bons para outras coisas: Se X só é bom para alcançar Y, então Y é
melhor que X (“acidentes”)
• O desejo visa alcançar sua completude
• A tensão que separa o ser do não-ser é justamente o movimento.
• Com isso pode-se chegar a falsa hipótese de que os seres são acidentes, ou
seja, só o são por um outro. Entretanto sustentar essa hipótese é em si
contraditória já que se todos só existissem por um outro, então não haveria
existência em si.
• A acidentalidade é o movimento do desejo.
• Somente a existência autárquica é real.
• O soberano bem é a condição para qualquer outro.
• Existir por si (autarquia)
• Fins intermediários: comunidades imperfeitas
• Fim em si: comunidades perfeitas
• O fim em si é justamente o soberano bem.
• A cidade é ontologicamente natural e autossuficiente

Homem: animal político

• “É manifesto, a partir disso, que a cidade faz parte das coisas naturais e que o
homem é por natureza um animal político, e que aquele que está fora da
cidade....é que um ser degradado quer um ser sobre-humano”.
• Significação da tese: para Aristóteles, a cidade não é original, pois
geneticamente ela é a última das comunidades.
• Contudo ser natural não é ser originário.
• Uma criança tem naturalmente a potencialidade a falar, mas não fala no
momento do nascimento.
• Oposição aos filósofos convencionalistas que defendem a tese de que os
homens por dois estados: o estado de natureza (original) e um estado civil (por
meio de convenções/contratos)
• Para Aristóteles a cidade nasce originalmente imperfeita e tende a se realizar
em um estado de natureza perfeito (estado civil)
• Há na natureza do homem uma tendência a viver em cidades e que ao realizar
essa tendência o homem tende ao seu próprio bem.
• A antropologia de Aristóteles é anti-individualista
• O homem é duplamente carente: carente de algo que o leve a desejar e
carente de alguém que o leve a se associar.
• Essa deficiência originária faz do homem um ser de necessidade e/ou de
desejo, que o separa do seu bem, e é isso que o faz se associar e viver em
cidade com o bem soberano no horizonte de suas ações.
• Vive em comunidade para ser com os outros um ser acabado e autossuficiente
• Um ser sem deficiência ou imcompletude seria um ser sobre-humano.
• Um ser degradado estaria condenado a uma progressão infinita de seus
desejos.

O homem é o animal mais político:

• É por isso que é evidente que o homem é um animal mais político que
qualquer abelha ou qualquer animal gregário, pois como dizemos, a natureza
não faz nada em vão; ora, entre os animais somente o homem tem uma
linguagem”
• Axioma: “A natureza não faz nada em vão”. Significa que aquilo que é natiral é
definido por sua finalidade interna. Aquilo que existe naturalmente comporta
em si sua razão de ser.
• Um fato da natureza: o homem é o único entre os animais a ter uma linguagem
(logos). Pela aplicação do Axioma deve haver uma razão para isso.

A autoridade da cidade:

• Apesar de geneticamente a cidade ser posterior às demais comunidades, ela é


na verdade ao inverso, pois o fim é princípio.
• A exemplo, uma mão sozinha sem estar junto ao corpo não pode operar suas
funções
• Dependência ontológica: um corpo pode ser sem uma mão, mas uma mão não
pode o ser sem um corpo.
• Nenhuma parte da cidade seria ela mesmo sem o todo, pois nenhuma delas
seria autossuficiente.
• Oposição aos contratualistas

Valor da vida política

• Para alcançar a sua própria natureza pode ser que um ser tenha necessidade de
um “motor”, uma força que permita sua tendência interna a se realizar.
• Por isso existe o que Aristóteles chama de causa motriz, que o nome dado aos
fundadores das cidades.
• “Do mesmo modo que um homem completo é o melhor dos animais, assim
também quando ele rompe com a lei e a justiça ele é o pior de todos”
• Um homem solitário é o pior dos animais pois ele é um ser natural dotado de
disposições intelectuais que compensam as suas deficiências em meio físico de
autodefesa, coisa que os outros animas são desprovidos, o que se caracteriza
como uma arma temível já que ele não tem a educação da justiça dada pelas
leis da cidade.

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