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O século XVIII foi marcado por importantes movimentos que muito contribuíram para a

construção da psicologia como ciência. Uma delas é o movimento do Romantismo, que teve
forte influência no processo da crise da noção de subjetividade privada.

Neste movimento, o racionalismo de Descartes é colocado em questão, pois acredita-


se que o homem não é movido somente pela razão e sim por suas emoções. A essência
humana está em sua natureza passional e não racional.
Mas antes de entrarmos nesse quesito, precisamos analisar os seguintes contextos:

PÚBLICO E PRIVADO

Desde a posição de crítica a aparência no século passado, os conceitos de atos públicos e


privados passam a ficar claros e bem definidos.

Entende-se por esferas públicas, todas as manifestações de comportamento que eram


abertas, demonstradas na sociedade. Por privado, entende-se tudo aquilo que é pessoal,
íntimo, estritamente reservado.

As apresentações sociais, bem como suas regras e convenções da auto imagem polida,
civilizada, passam a encobrir as ações contidas no íntimo, na privacidade, nos desejos e
pensamentos velados, anti-sociais que deveriam ser ocultos pois seriam rechaçados pela
sociedade.

O século das luzes é também o século dos artifícios, onde as vestimentas exageradas
ornamentavam a sociedade e escondiam o verdadeiro eu. As regras de etiqueta e boa
conduta, definiam o status social da época.

Por ser o século onde o homem era o centro do mundo e sua razão livre das imposições
morais e religiosas, a crença em um Deus soberano deixou de ser prevalecente, abrindo maior
espaço para a noção da liberdade privada, assim como nos mostra as obras de Donatien
Alphonse François Sade.

Para Sade não se pode estabelecer a moral alicerçando-se na religiosidade, pois em sua
concepção Deus não existe.

“Se a virtude se apoia na religião, ela não se apoia em nada” (DE SANTI, Pedro Luiz Ribeiro. A
Construção do ‘eu’ na Modernidade. Da Renascença ao século XIX. Ribeirão Preto: Holos
Editora, 1998, p.86)

Sade afirma não existirem padrões concretos para a definição de virtuosidade ou vicio, uma
vez que disso dependem os nossos costumes e modo de vida. Assim, todo princípio moral é
um contrassenso, um devaneio de ideais locais. Sade era visto como um pensador original, que
estava a frente do seu tempo, sua literatura preconizava a satisfação dos desejos da
imaginação como fonte da felicidade humana. Com essa interpretação poderíamos imaginar
que ele estaria pregando uma mudança nos costumes da época, mas essa interpretação não é
real, pois Sade afirmava não ser adequado mostrar ao mundo os desejos contidos no íntimo,
uma vez que haveriam represálias sociais. Segundo De Santi (1998, p.89) ele prega então
“jogar o jogo social”, onde se deveriam seguir todas as obrigações e normas convenientes da
sociedade. Todavia, em se estando na privacidade, tudo era lícito e permitido, não se devendo
nunca privar da realização de todas as fantasias e desejos ocultos.

Há ainda na obra de Sade um suposto contexto de afeição ao crime como nos mostra o
trecho de sua obra:
“Esses princípios e seus gostos são levados por mim até o fanatismo, e o fanatismo e obra
das perseguições de meus tiranos(...) O crime é a alma da lubricidade. Que seria um gozo
que não fosse acompanhado pelo crime? Não é ideia do objeto da libertinagem que nos
move, é a ideia do mal.” (Carta de Sade a sua esposa, citada por Simone de Beauvoir, p.40)

Para Santi (1998, p.87-88) existem duas reflexões para a interpretação desse trecho: Uma
faz referência à um movimento de resistência ao modelo de sociedade da época, onde “Em
uma sociedade criminosa, é preciso ser criminoso”.

Em outra reflexão temos a ideia de que a sexualidade seria em si, crime, desvio de conduta.
Segundo Simone de Beauvoir (1955,p.101) haveria aí o entendimento de uma sexualidade
egoísta, tirânica e cruel “Em um instinto natural ele apreende o convite ao crime”.

Existam talvez nas obras de Sade, uma excessiva valorização da liberdade privada, na busca
sem limites pela satisfação das fantasias ocultas, motivo pelo qual permanecem sobre ele o
estigma de obras aberrativas.

Em meio as singularidades de Sade, temos também nas composições de Mozart, exemplo


claro da distinção entre esfera pública e privada. Mozart compunha peças simples, facilmente
compreensíveis, que agradavam ao público. Da mesma forma, também compunha peças
profundas e densas, que traduziam sua vida íntima.

O ROMANTISMO

Essa separação dos conceitos públicos e privados traziam a ideia de que as atitudes
manifestadas socialmente, eram demonstrações do lado bom do indivíduo e que somente na
privacidade eram expressas as vontades, os desejos contidos, errados, anti-sociais.

Mas em contrapartida a essa ideia, o que é mostrado socialmente pode ser considerado
falso, pois esconde o que realmente somos, nossa verdadeira essência. Essa imagem do falso
encobrindo a verdade, do real sendo mascarado pelo véu da hipocrisia é uma das faces do
Romantismo, que tem como característica um saudosismo melancólico, que sustenta o
reencontro do homem com seu estado natural perdido, com uma natureza altamente
idealizada, fomentando uma crítica a modernidade.

O Eu passa a ser cada vez mais considerado como uma máscara usada na sociedade, há a
necessidade de se revelar a verdade.

Como referência à essa primeira geração do Romantismo temos o movimento cultural


artístico Sturm und Drang, onde temos como expoentes : Lessing, Schiller e Goethe. Esse
movimento contrapõe a ideia de um Romantismo delicado, suave. Temos nas obras de Goethe
exemplo claro desse movimento impetuoso. Em sua obra Werther temos a expressão do amor
romantizado, extasiado e arrebatador. Um amor que por não ser correspondido, culmina no
trágico suicídio do interlocutor.

Deste homem romântico, único, especial e extremamente profundo, nasce a ideia do gênio,
um ser igualmente único, com dons que pertencem a sua essência e que devem ser
vivenciados como única forma de realização do próprio destino.

Como exemplo desse gênio dotado de dons, temos o músico Beethoven, que com seu
estilo romântico e melancólico trás um saudosismo profundo por um universo perdido, um
passado nostálgico que é revelado através de suas composições. Mesmo surdo e
profundamente triste, tendo até mesmo ideias suicidas, ele prefere viver sofrendo e
praticando seu dom maior que era a realização do seu destino.

O Romantismo trouxe acima de tudo, uma forte crítica ao exagerado racionalismo do


Iluminismo de Descartes. A razão começou então a ser questionada.

A AUTO-CRITICA DA RAZÃO

No furor de questionamentos do século XVIII entra em cena o filósofo alemão iluminista


Immanuel Kant, que com sua obra “Crítica da razão pura” coloca em indagação a questão da
verdade plena e absoluta da razão.

Para Kant a razão tem limites e para produzir conhecimentos, deve manter- se nesses
limites. Ela não deve se aprofundar em questões transcendentais como a existência de deus,
da alma, etc. Para essas questões haveriam sempre argumentos refutáveis, nunca se chegando
a uma verdade absoluta.

Ao invés de verdades absolutas, a razão deveria produzir hipóteses, modelos e métodos


teóricos pelos quais se poderiam produzir e organizar o conhecimento, dando sentido aos
fenômenos. Toda teoria era relativa e provisória, pois poderia ser superada por outra teoria
que traria maior sentido e compreensão dos fenômenos. Assim sendo, nenhuma teoria deveria
ser tomada por verdade absoluta e plena, de modo que infinitamente poderia ser refutada e
superada, se tornando ultrapassada.

Pode- se concluir então que o Eu já não é mais total, inquestionável e onipotente, pois a
razão absoluta foi argumentada e defrontada, sem contudo perder a positividade das suas
possibilidades.

Após Descartes, Kant foi dos maiores influenciadores para a produção da ciência no século XIX.

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