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DOSSIÊ

AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA FORMAÇÃO


DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA-RESOLUÇÃO
CNE/CES 06/2018

Por Celi Nelza Zulke Taffarel e Sidnéia Flores Luz,


Universidade Federal da Bahia (UFBA).

SALVADOR/BAHIA, 23 DE ABRIL DE 2021


ÍNDICE
Apresentação
Celi Nelza Zulke Taffarel
Sidnéia Flores Luz

Parecer CNE/CES Nº: 584/2018


Conselho Nacional de Educação
Resolução nº 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos
Cursos de Graduação em Educação Física e dá outras providências. 2018.
Conselho Nacional de Educação

Resolução CNE/CES n° 01, de 29 de dezembro de 2020. Dispõe sobre prazo de implantação das
novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) durante a calamidade pública provocada pela
pandemia da COVID-19.
Conselho Nacional de Educação

Carta da Educação Física ao Conselho Nacional De Educação (CNE).


Diversas Entidades

RESPOSTA do CNE. Consulta da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior


(SERES) sobre a forma de operacionalização, no âmbito do Cadastro e-MEC, da Resolução
CNE/CES nº 6, de 18 de dezembro de 2018, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
dos Cursos de Graduação em Educação Física. 21/5/2020.
Conselho Nacional de Educação

RESPOSTA do CNE a Universidade Federal de Goiás (UFG). consulta protocolada sob o nº


23001.001057/2019-30, solicitando esclarecimentos, à luz da Resolução CNE/CES nº 6/2018,
quanto à oferta do curso de graduação em Educação Física. 2020.
Conselho Nacional de Educação

RESPOSTA do CNE Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Consulta protocolada sob
o n os 23001.000350/2019-80 e 23001.000462/2019-31solicitando esclarecimentos acerca da
oferta do curso de graduação em Educação Física.
Conselho Nacional de Educação

RESPOSTA do CNE a Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Esclarecimentos sobre a


Resolução CNE/CES nº 6/2018. Ref.: Oficio nº 274/2020/REITOUFU Oficio nº
11/2020/BACEF/DIRFAEFI/FAEFIUFU. 2020.
Conselho Nacional de Educação

RESPOSTA do CNE a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Esclarecimentos


sobre a oferta do curso de graduação em Educação Física. Ref.: Ofício nº 090/2019. 2020.
Conselho Nacional de Educação

Dois anos de desgoverno – os números da desconstrução


Nelson Cardoso Amaral

Desventuras dos professores na formação para o capital


Olinda Evangelista
Allan Kenji Seki Artur Gomes de Souza
Mauro Titton
Astrid Baecker Avila
Boletins da ANFOPE
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

Relato do Coloquio de Pesquisa: Diretrizes Nacionais da Educação Física – Parecer 584/2018,


Diretrizes Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física. Resolução 02/2015 –
Formação Inicial e Continuada de Professores. LEPEL/FACED/UFBA, 2018.
Celi Nelza Zulke Taffarel

Boletim Informativo do MNCR. As novas DCNs (resolução. n° 06/18): a continuidade do


projeto de formação humana dominante e as possibilidades superadoras, 2019.
Thiago Barreto Maciel
Hajime Takeuchi Nozaki
Thunay Venzi Botrel

Parecer CNE/CES 584/2018: o ‘Parecer’ das incertezas....? Por uma Educação Física
Unificada: a certeza da resistência.
Adriana Machado Penna

As (novas) diretrizes curriculares nacionais da educação física: a fragmentação repaginada.


Osvaldo Galdino Santos Junior
Robson dos Santos Bastos

Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores: a disputa nos rumos da


formação.
Celi Nelza Zulke Taffarel

Formação de Professores de Educação Física: A disputa nos rumos da Formação.


Celi Nelza Zulke Taffarel
Sidnéia Flores Luz
Matheus Lima Santana

Formação Em Educação Física No Brasil: Contribuições da ANFOPE, FORLIA E MNCR


Celi Nelza Zulke Taffarel
Márcia Morschbacher
Cássia Hack
Sidnéia Flores Luz

Formação profissional e mundo do trabalho. Ciências do esporte, educação física e produção


do conhecimento em 40 anos de CBCE.
Marta Genú Soares
Pedro Athayde
Larissa Lara

A instrumentalização do Currículo na Formação de Professores de Educação Física no Brasil


Zenólia C. Campos Figueiredo
Cláudia Aleixo Alves
Nelson Figueiredo de Andrade Filho

Lives sobre o debate das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Física-Resolução


CNE/CES 06/2018
Sidnéia Flores Luz
APRESENTAÇÃO
O presente Dossiê é uma ordenação de documentos que nos permitem levantar perguntas cientificas, levantar e
sistematizar dados e apresentar de maneira sintética conclusões cientificas às perguntas levantadas. Visa apresentar
documentos que nos permitem investigar sobre o que é considerado essencial em meio a pandemia do COVID-19, para
a formação inicial e continuada de professores, para a escola e, para a educação física e esporte para além da escola.
Vamos encontra aqui documentos que partem da consideração de que a COVID-19 desencadeou uma pandemia, uma
crise sanitária sem precedentes, que eclode no momento histórico em que se acentua a crise econômica, social, política,
ambiental do modo de produção capitalista. O ponto de partida da elaboração do presente dossiê é a problematização
da situação concreta considerando os fatos que estão ocorrendo em relação a formação inicial e continuada de
professores, as atividades nas escolas com trabalho remoto emergencial, e trabalho presencial sem proteção, sem
biossegurança, sem diretrizes e acordos coletivos de teletrabalho e, as atividades para além da escola em espaços como
academias, clubes, condomínios, praças, etc. O dossiê visa contribuir para responde à pergunta sobre o que é
considerado essencial em meio a pandemia e seus fundamentos quando se trata da formação inicial e continuada de
professores, o trabalho pedagógico nas escolas, as atividades educativas e formativas da educação física e esporte para
além da escola? A fonte de dados foi construída a partir de documentos oficiais que tramitam no parlamento brasileiro,
poder legislativo, documentos do executivo, em especial no MEC e CNE, documentos do CREF/CONFEF, e documentos
das entidades contra hegemônicas como a CNTE, ANFOPE e o MNCR. Constam do Dossiê textos publicados em
periódicos e livros. A análise deste conteúdo denso provavelmente vai contribuir para que se estabeleceram relações e
nexos entre o mais geral, o singular e o particular, a crise do capital, a pandemia da COVID-19 a formação inicial e
continuada de professores, as atividades escolares presenciais e remotas e as atividades de Educação Física para além
da escola. Concluímos ressaltando a necessidade dos estudos rigorosos, radicais e com visão de totalidade, que nos
permitam explicar cientificamente a base concreta de produção da vida no modo de produção capitalista. Explicar a
estrutura do estado burguês e suas políticas de Estado e Governo e, os aparelhos de construção da hegemonia que
acimentam, a vida alienada na sociedade. Explicar e propor, em uma perspectiva superadora, pelo movimento das
contradições, um outro modo de vida para além da perspectiva utilitarista, pragmática, individualista, meritocracia,
obscurantista, negacionista, acrítica, a histórica e a-cientifica predominante na atualidade. O Dossiê visa contribuir com
quem pretende enfrentar a tendencia de rebaixamento da capacidade teórico de professores e professoras, enfrentar a
desvaloriza o trabalho docente, enfrentar o esvaziamento de conteúdos no currículo escolar, enfrentar a uberização,
youtuberização do trabalho docente. Reconhecemos, portanto, a relevância e importância da construção da contra
hegemonia na luta para defender que o essencial em meio a pandemia e a profunda crise destrutiva do capitalismo, a
defesa da vida, vida humanizada, a defesa da valorização da docência, valorização do magistério na formação inicial e
continuada e na atuação profissional, a defesa dos serviços públicos, a defesa de um modo de produção que supere o
destrutivo modo de produção da vida capitalista.
Celi Nelza Zulke Taffarel
Sidnéia Flores Luz
PARECER HOMOLOGADO
Portaria n° 1.349, publicada no D.O.U. de 17/12/2018, Seção 1, Pág. 33.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação UF: DF


Superior
ASSUNTO: Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Educação Física.
COMISSÃO: Antonio de Araujo Freitas Júnior (Presidente), Luiz Roberto Liza Curi
(Relator), José Loureiro Lopes, Yugo Okida, Márcia Angela da Silva Aguiar
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72
PARECER CNE/CES Nº: COLEGIADO: APROVADO EM:
584/2018 CES 3/10/2018

I – RELATÓRIO

1. Introdução

A Câmara de Educação Superior (CES), do Conselho Nacional de Educação (CNE),


designou comissão para discutir e propor as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação em Educação Física (DCNs em Educação Física). Constituída por conselheiros da
Câmara de Educação Superior, a Comissão foi formada com a finalidade de desenvolver
estudos e proposições sobre o tema.
A Comissão analisou as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Educação Física (DCNs em Educação Física), editadas pela Resolução CNE/CES nº 7, de 31
de março de 2004, publicada no Diário Oficial da União, em 5 de abril de 2004, alterada pela
Resolução CNE/CES nº 7, de 4 de outubro de 2007, publicada no Diário Oficial da União, em
5 de outubro de 2007, assim como analisou os novos contornos e demandas da área de
Educação Física no Brasil para propor as presentes Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Educação Física (DCNs em Educação Física).
Esta proposta está fundamentada nessas análises e basicamente na Lei nº 13.005, de 25
de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências.
O Plano Nacional de Educação conta com vinte metas, que contemplam todas as
etapas e níveis da educação brasileira. As metas estruturantes estão distribuídas em quatro
grupos, a saber: 1) Metas para a garantia do direito à educação básica com qualidade, que
dizem respeito ao acesso, à universalização da alfabetização e à ampliação da escolaridade e
das oportunidades educacionais; 2) Metas que tratam, especificamente, da redução das
desigualdades e da valorização da diversidade, caminhos imprescindíveis para a equidade; 3)
Metas que tratam da valorização dos profissionais da educação, consideradas estratégicas para
que as metas anteriores sejam atingidas; e 4) Metas referentes ao ensino superior, que, em
geral, são de responsabilidade dos governos estaduais e federal.
Por sua vez, este grupo compreende as seguintes metas: a) Meta 12: elevar a taxa bruta
de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a
24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas
matrículas, no segmento público; b) Meta 13: elevar a qualidade da educação superior e
ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício, no conjunto
do sistema de educação superior, para 75%, sendo, desse total, no mínimo, 35% doutores; e c)

Luiz Curi e outros – 0030 Documento assinado eletronicamente nos termos da legislação vigente
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

Meta 14: elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de


modo que se atinja a titulação anual de 60.000 mestres e 25.000 doutores.
Além disso, a análise da trajetória de 13 anos de vigência das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Educação Física (DCNs em Educação Física),
instituídas pela Resolução CNE/CES nº 7, de 31 de março de 2004, publicada no Diário
Oficial da União, em 5 de abril de 2004, alterada pela Resolução CNE/CES nº 7, de 4 de
outubro de 2007, publicada no Diário Oficial da União, em 5 de outubro de 2007, revela os
avanços introduzidos por esse ato legal, que estabelece, explicitamente, a integração entre o
bacharelado e a licenciatura em Educação Física e orienta a formação do graduado em
Educação Física, nas Instituições de Educação Superior (IES), públicas e privadas, pautada,
principalmente, no arcabouço teórico e metodológico do Sistema Único de Saúde (SUS) para
o Bacharelado, e no arcabouço teórico e metodológico da Formação de Professores e
Educação Escolar para a Licenciatura, assim como possibilita destacar os desafios ainda não
vencidos na vigência desta norma legal, bem como as novas demandas que emergem das
realidades dessas áreas do conhecimento e as perspectivas de mudanças que a evolução da
ciência e da tecnologia proporciona no Século XXI.
Por outro lado, as experiências reais e concretas de implementação dos Projetos
Pedagógicos de Curso de Graduação em Educação Física em Instituições de Educação
Superior, além de cumprirem, integralmente, as DCNs em Educação Física, devem incorporar
as inovações científicas, tecnológicas e pedagógicas no processo ensino-aprendizagem,
garantindo excelentes padrões de qualidade, do mesmo modo o alcance do perfil do egresso,
exigido atualmente, e o atendimento pleno dos requisitos legais e dos indicadores de
qualidade em todas as dimensões, com destaque para as dimensões de Organização Didático-
Pedagógica, Corpo Docente e Instalações.
Essas experiências acadêmicas e administrativas exitosas, ainda restritas a algumas
IES, apontam para a necessidade de mudanças profundas no marco legal, visando a
consolidação de conceitos, o campo de abrangência e a incorporação de inúmeras ações nos
Projetos Pedagógicos de curso de Educação Física. Dentre elas, destacam-se as seguintes: 1)
metodologias ativas de ensino-aprendizagem; 2) estruturas curriculares que integrem
conhecimentos da formação geral e da formação específica, bem como a articulação da teoria
com a prática; 3) vivências continuadas em cenários de práticas diversificadas; e 4)
planejamento curricular, que considere as prioridades e as necessidades dos indivíduos,
famílias e comunidades, e os contextos em que os cursos se inserem.
As transformações ocorridas na Educação no Século XXI demandam, portanto,
formação acadêmica geral e específica, pautadas em competências, habilidades e atitudes,
contemplando conhecimentos e experiências reais, problematizadas e contextualizadas, com a
garantia da incorporação de inovações científicas e tecnológicas, sem desprezar as evidências
científicas, na busca da valorização da aprendizagem e da educação emancipatória, cidadã e
ética.
As análises revelam, desse modo, o avanço possibilitado pela implementação das
DCNs de Educação Física, preconizadas pela Resolução CNE/CES nº 7, de 31 de março de
2004, publicada no Diário Oficial da União, em 5 de abril de 2004, alterada pela Resolução
CNE/CES nº 7, de 4 de outubro de 2007, publicada no Diário Oficial da União, em 5 de
outubro de 2007, bem como apontam para a necessidade de novo marco legal, que favoreça a
evolução e a incorporação de ferramentas de tecnologia e das demais especificidades atuais na
formação acadêmica dos profissionais de educação física que atuarão em um mundo do
trabalho que, cada vez mais, demanda perfil profissional que responda aos desafios das
sociedades contemporâneas, incorporando visão mais aprofundada dos problemas sociais do
país, contemplando, adequadamente, a atenção em saúde e em educação, que valorize a
formação voltada para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para a formação de professores de
todas as áreas de atuação profissional.
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Luiz Curi e outros – 0030
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

2. Quadro Teórico Legal

A base conceitual das DCNs em Educação Física apoia-se em um quadro teórico legal
de referenciais, que inclui: Constituição Federal de 1988; Lei Orgânica do Sistema Único de
Saúde nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e as alterações introduzidas pela Lei nº
9.836/1999, nº 10.424/2002, nº 11.108/2005, nº 12.401/2011 e nº 12.864/2013; Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996; Lei do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior nº 10.861, de 14 de abril de 2004; Lei
nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá
outras providências; Parecer CNE/CES nº 58, de 18 de fevereiro de 2004; Resolução
CNE/CES nº 7, de 31 de março de 2004; Parecer CNE/CES nº 142, de 14 de junho de 2007 e
Resolução CNE/CES nº 7, de 4 de outubro de 2007, que tratam das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Educação Física, oferecendo, definitiva e
objetivamente, as bases da transformação da Educação Física no Brasil, mediante a
construção de currículos capazes de propiciar ao estudante o desenvolvimento da postura
autônoma e crítica, diante da própria formação.
Assim, essas DCNs em Educação Física estabelecem que o Curso de Graduação em
Educação Física deverá assegurar uma formação acadêmico-profissional generalista,
humanista e crítica, qualificadora de uma intervenção fundamentada no rigor científico, na
reflexão filosófica e na conduta ética. O graduado em Educação Física deverá estar
qualificado para analisar criticamente a realidade social, para nela intervir acadêmica e
profissionalmente por meio das manifestações e expressões culturais do movimento humano,
tematizadas nas diferentes formas e modalidades de exercícios físicos, da ginástica, do jogo,
do esporte, da luta/arte marcial, da dança, visando a formação, a ampliação e o
enriquecimento cultural das pessoas para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo
de vida fisicamente ativo e saudável.
A finalidade é possibilitar que as pessoas, independentemente de idade, de condições
socioeconômicas, de condições físicas e mentais, de gênero, de etnia, de crença, tenham o
conhecimento e a possibilidade de acesso à prática das diferentes expressões e manifestações
culturais do movimento humano, compreendidas como direito inalienável de todo(a)
cidadão(a) e como importante patrimônio histórico da humanidade e do processo de
construção da individualidade humana.
Neste contexto, estas DCNs em Educação Física representam um marco na formação
dos estudantes por preconizar a aquisição, durante sua graduação, de competências,
habilidades e atitudes, de modo que se alcance os seguintes perfis do formando
egresso/profissional:

 O graduado Bacharel em Educação Física terá formação geral, humanista, técnica,


crítica, reflexiva e ética, qualificadora da intervenção profissional fundamentada no
rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética em todos os campos de
intervenção profissional da Educação Física, exceto a docência na Educação Básica.

 O graduado Licenciado em Educação Física terá formação humanista, técnica, crítica,


reflexiva e ética, qualificadora da intervenção profissional fundamentada no rigor
científico, na reflexão filosófica e na conduta ética no magistério, ou seja, na docência
do componente curricular Educação Física, tendo como referência a Legislação
própria do Conselho Nacional de Educação, especificamente, a Resolução CNE/CP
02/2015.

Além do quadro legal, explicitado acima, as DCNs em Educação Física tiveram como
base os seguintes referenciais: Declarações Mundiais sobre Educação Superior no Século XXI
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Luiz Curi e outros – 0030
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

das Conferências Mundiais sobre o Ensino Superior, realizadas pela Unesco; Relatórios das
Conferências Nacionais de Saúde, realizadas pelo Ministério da Saúde e instrumentos legais,
que regulamentam o exercício dos profissionais da Educação Física.

3. Objeto e Objetivo Geral

Com base no acima exposto, foram definidos como objeto e como objetivo geral das
Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Educação Física, o que segue:

a) Objeto das Diretrizes Curriculares: currículos que possam construir o perfil


acadêmico e profissional com competências, habilidades, atitudes e conhecimentos, dentro de
perspectivas e abordagens contemporâneas de formação pertinentes e compatíveis com
referenciais nacionais e internacionais, capazes de atuar com qualidade, eficiência e
resolubilidade nos espaços de atuação do graduado em Educação Física, considerando os
avanços científicos e tecnológicos do Século XXI.
b) Objetivo Geral das Diretrizes Curriculares: favorecer aos alunos do curso de
graduação em Educação Física sólida formação teórico-prática, interdisciplinar e humanista,
garantindo a formação de profissionais com autonomia, ética, discernimento e criticidade, de
forma que se assegure a integralidade da atenção em saúde e em educação, e a qualidade e
humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades.

A Comissão da Câmara de Educação Superior (CES), do Conselho Nacional de


Educação (CNE), após a definição dos referenciais legais e epistemológicos que embasaram a
elaboração das DCNs em Educação Física, analisou as propostas apresentadas pelo Conselho
Federal de Educação Física e demais atores sociais vinculados à área de conhecimento.

4. Apreciação do relator

A Câmara de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação, ao orientar as


novas diretrizes curriculares, recomenda que devem ser contemplados elementos de
fundamentação essenciais na área do conhecimento, do campo do saber ou profissional,
visando proporcionar ao estudante o desenvolvimento intelectual e profissional autônomos, de
modo permanente e ético. Esta competência permite a continuidade do processo de formação
acadêmica e/ou profissional, que não termina, portanto, com a concessão do diploma de
graduação.
As diretrizes curriculares constituem orientações para a elaboração dos currículos que
devem ser, necessariamente, adotadas por todas as Instituições de Educação Superior (IES).
Dentro da perspectiva de assegurar a flexibilidade, a diversidade e a qualidade da
formação oferecida aos estudantes, as diretrizes devem estimular a superação das concepções
antigas e herméticas das grades curriculares – muitas vezes, tidas como meros instrumentos
de transmissão de conhecimento e informações – e garantir sólida formação, geral e
específica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápidas
transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício
profissional.
Desta forma, as DCNs em Educação Física possibilitam que os currículos propostos
possam construir o perfil acadêmico e profissional dos egressos, em termos de competências,
habilidades, atitudes e conhecimentos, construídos a partir de perspectivas e abordagens
contemporâneas de formação pertinente e compatível com referenciais nacionais e
internacionais, tornando-os capazes de atuar com qualidade, eficiência e resolubilidade nos
diversos campos de atuação profissional do graduado em Educação Física.

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Luiz Curi e outros – 0030
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

Nesse contexto, ponderados todos os aspectos legais, os elementos de instrução e as


contribuições apresentadas à Comissão da Câmara de Educação Superior, formulou-se a
proposta de DCNs em Educação Física adiante delineada.

5. Considerações finais do relator

A proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Educação


Física, construída neste Parecer, é o resultado da combinação das normas legais relacionadas
ao curso com a dinâmica social, tecnológica, educacional e profissional, especialmente, a
partir da contribuição da sociedade civil organizada, de alunos, docentes e de entidades
educacionais e profissionais.
As DCNs de Educação Física oferecidas nesta oportunidade é, sem dúvida, o resultado
de uma construção coletiva, com a participação do Conselho Federal de Educação Física, do
segmento acadêmico e científico e das associações educacionais e profissionais, e que retrata
a evolução pensada, gradual, responsável e sem trauma, focada no propósito educacional,
profissional e de segurança jurídica, de modo que forneça as bases para o desenvolvimento
pleno do processo pedagógico ensino-aprendizagem do Curso de Graduação em Educação
Física, produzindo conhecimento e pesquisa, além de formar profissionais na área de Saúde,
habilitados para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do
atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades.
É importante asseverar que a implantação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais
do Curso de Graduação em Educação Física, a despeito de obrigatórias, deverão ser
estabelecidas de forma gradual pelas Instituições de Educação Superior (IES), pelo que
entendemos ser razoável que seja essa implantação concluída em um prazo máximo de 2
(dois) anos, a partir da publicação desta Resolução, sem prejuízo de que as IES, querendo e de
forma consensual com os colegiados do curso de Educação Física e com a representação
discente, possam promover, proporcionalmente, ajustes nos cursos em andamento.

II – VOTO DA COMISSÃO

A Comissão vota favoravelmente à aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais


do Curso de Graduação em Educação Física, na forma deste Parecer e do Projeto de
Resolução, anexo, do qual é parte integrante.

Brasília (DF), 3 de outubro de 2018

Conselheiro Luiz Roberto Liza Curi – Relator

Conselheiro Antonio de Araujo Freitas Júnior - Presidente

Conselheira Márcia Angela da Silva Aguiar

Conselheiro José Loureiro Lopes

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PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

III - DECISÃO DA CÂMARA

A Câmara de Educação Superior aprova, por unanimidade, o voto da Comissão.


Sala das Sessões, em 3 de outubro de 2018.

Conselheiro Antonio de Araujo Freitas Júnior – Presidente

Conselheiro Joaquim José Soares Neto – Vice-Presidente

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Luiz Curi e outros – 0030
PARECER HOMOLOGADO
Portaria n° 1.349, publicada no D.O.U. de 17/12/2018, Seção 1, Pág. 33.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

PROJETO DE RESOLUÇÃO

Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de


Graduação em Educação Física e dá outras providências.

O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação,


tendo em vista o disposto no art. 9º, § 2º, da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, com a
redação dada pela Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, na Resolução CNE/CP nº 2, de
1º de julho de 2015, na Resolução CNE/CES nº 4, de 6 de abril de 2009, e com base no
Parecer CNE/CES nº 584, de 3 de outubro de 2018, homologado por Despacho do Senhor
Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de XXX de XXX de XXX, resolve:

CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do


Curso de Graduação em Educação Física, assim denominado, a serem observadas na
organização, desenvolvimento e avaliação do curso, estabelecendo as suas finalidades, os
princípios, os fundamentos e a dinâmica formativa.
Parágrafo único. São objetos destas Diretrizes, os cursos de graduação denominados,
exclusivamente, de Educação Física.
Art. 2º O curso de graduação em Educação Física tem carga horária referencial de
3.200 (três mil e duzentas) horas para o desenvolvimento de atividades acadêmicas.
Art. 3º A Educação Física é uma área de conhecimento e de intervenção profissional
que tem como objeto de estudo e de aplicação a motricidade ou movimento humano, a cultura
do movimento corporal, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da
ginástica, do jogo, do esporte, das lutas e da dança, visando atender às necessidades sociais no
campo da saúde, da educação e da formação, da cultura, do alto rendimento esportivo e do
lazer.
Art. 4º O Curso de Graduação em Educação Física deverá articular a formação inicial
e continuada, tendo como premissa a autonomia do(a) graduando(a) para o contínuo
aperfeiçoamento, mediante diversas formas de aprendizado.
Art. 5º Dada a necessária articulação entre conhecimentos, habilidades, sensibilidade e
atitudes requeridos do egresso para o futuro exercício profissional, a formação do graduado
em Educação Física terá ingresso único, destinado tanto ao bacharelado quanto à licenciatura,
e desdobrar-se-á em duas etapas, conforme descrição a seguir:
I – Etapa Comum – Núcleo de estudos da formação geral, identificador da área de
Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais, comum a
ambas as formações.

Luiz Curi e outros – 0030 Documento assinado eletronicamente nos termos da legislação vigente
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

II – Etapa Específica – Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e


seiscentas) horas referenciais, na qual os graduandos terão acesso a conhecimentos
específicos das opções em bacharelado ou licenciatura.
§ 1º No início do 4º (quarto) semestre, a Instituição de Educação Superior deverá
realizar uma consulta oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito da escolha da
formação que pretendem seguir na Etapa Específica – bacharelado ou licenciatura – com
vistas à obtenção do respectivo diploma, ou, ao final do 4º (quarto) semestre, definir sua
escolha mediante critérios pré-estabelecidos;
§ 2º A formação para intervenção profissional à pessoa com deficiência deve ser
contemplada nas duas etapas e nas formações tanto do bacharelado, quanto da licenciatura.
§ 3º A integração entre as áreas específicas dependerá de procedimento próprio e da
organização curricular institucional de cada IES, sendo vedada a eliminação de temas ou
conteúdos relativos a cada uma das áreas específicas indicadas.

CAPÍTULO II
DA ETAPA COMUM

Art. 6º A Etapa Comum, cuja conclusão possibilitará a autonomia do discente para


escolha futura de formação específica, contempla os seguintes conhecimentos:
I – Conhecimentos biológicos, psicológicos e socioculturais do ser humano (a exemplo
do fisiológico, biomecânico, anatômico-funcional, bioquímico, genético, psicológico,
antropológico, histórico, social, cultural e outros), enfatizando a aplicação à Educação Física;
II – Conhecimentos das dimensões e implicações biológicas, psicológicas e
socioculturais da motricidade humana/movimento humano/cultura do movimento
corporal/atividade física (a exemplo de fisiologia do exercício, biomecânica do esporte,
aprendizagem e controle motor, psicologia do esporte e outros);
III – Conhecimento instrumental e tecnológico (a exemplo de técnicas de estudo e
pesquisa – tipos de conhecimento, técnicas de planejamento e desenvolvimento de um
trabalho acadêmico, técnicas de levantamento bibliográfico, técnicas de leitura e de
documentação; informática instrumental – planilha de cálculo, banco de dados; técnicas de
comunicação e expressão leiga e científica e outros), enfatizando a aplicação à Educação
Física;
IV – Conhecimentos procedimentais e éticos da intervenção profissional em Educação
Física, a exemplo de código de ética, diagnóstico e avaliação, estratificação de risco, variáveis
de prescrição do exercício, meio ambiente e sustentabilidade, diversidade cultural, diferenças
individuais e outros.
Parágrafo único. A formação ética em Educação Física, de que trata o caput, deverá
incluir, ainda, a prevenção do uso de meios ilícitos e danosos à saúde no cotidiano das
práticas corporais, especialmente nas de caráter competitivo ou que visem ao
desenvolvimento físico de crianças e adolescentes.
Art. 7º Tendo concluído a Etapa Comum, o(a) graduando(a) prosseguirá para as
formações específicas em bacharelado ou licenciatura.
Parágrafo único. O egresso do curso deverá articular os conhecimentos da Educação
Física com os eixos/setores da saúde, do esporte, da cultura e do lazer e os da formação de
professores.
Art. 8º A etapa comum deverá proporcionar atividades acadêmicas integradoras tais
como:
a) nivelamento de conhecimentos aos ingressantes por meio de processo
avaliativo e acolhimento próprio.

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Luiz Curi e outros – 0030
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

b) disciplinas de aproximação ao ambiente profissional de forma a permitir aos


estudantes a percepção acerca de requisitos profissionais, identificação de campos ou áreas de
trabalho e o desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas interativas com espaços
profissionais, inclusive escolas de educação básica e média.
Parágrafo único. As instituições, no âmbito de suas políticas institucionais
curriculares, deverão desenvolver as atividades acima, preferencialmente, em 10% da carga
horária adotada na etapa comum.

CAPÍTULO III
DA FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Art. 9º A etapa específica para a formação em licenciatura, em Educação Física,


deverá considerar os seguintes aspectos:
I – Relevância na consolidação de normas para formação de profissionais do
magistério para educação básica como fator indispensável para um projeto de educação
nacional;
II – Reconhecimento da abrangência, diversidade e complexidade da educação
brasileira nos diferentes níveis, modalidades e contextos socioculturais em que estão inscritas
as práticas escolares;
III – Valorização de princípios para a melhoria e democratização do ensino como a
igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola; a liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e
de concepções pedagógicas; o respeito à liberdade e o apreço à tolerância; a gestão
democrática do ensino público; o respeito e a valorização da diversidade étnico-racial, entre
outros.
IV – Necessidade de articulação entre as presentes Diretrizes e o conjunto de normas e
legislação relacionadas à educação básica e organizadas pelo Conselho Nacional de Educação
e pelo Ministério da Educação.
VI – Mobilização efetiva de princípios que norteiam a formação inicial e continuada
nacionais comuns, tais como:
a) sólida formação teórica e interdisciplinar;
b) unidade teoria-prática;
c) trabalho coletivo e interdisciplinar;
d) compromisso social e valorização do profissional da educação;
e) gestão democrática; e
f) avaliação e regulação dos cursos de formação.
VII – Ampliação do conceito de docência como ação educativa e como processo
pedagógico intencional e metódico, envolvendo conhecimentos específicos, interdisciplinares
e pedagógicos, conceitos, princípios e objetivos da formação que se desenvolvem na
construção e apropriação dos valores éticos, linguísticos, estéticos e políticos do
conhecimento inerentes à sólida formação científica e cultural do ensinar/aprender, à
socialização e construção de conhecimentos e sua inovação, em diálogo constante entre
diferentes visões de mundo.
VIII – A formação inicial e continuada de professoras e professores de Educação
Física deverá qualificar esses profissionais para que sejam capazes de contextualizar,
problematizar e sistematizar conhecimentos teóricos e práticos sobre motricidade
humana/movimento humano/cultura do movimento corporal/atividade física nas suas diversas
manifestações (jogo, esporte, exercício, ginástica, lutas e dança), no âmbito do Ensino Básico.
Art. 10 O Licenciado em Educação Física terá formação humanista, técnica, crítica,
reflexiva e ética qualificadora da intervenção profissional fundamentada no rigor científico,

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Luiz Curi e outros – 0030
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

na reflexão filosófica e na conduta ética no magistério, ou seja, na docência do componente


curricular Educação Física, tendo como referência a legislação própria do Conselho Nacional
de Educação para a área.
Art. 11 As atividades práticas da etapa específica da Licenciatura deverão conter o
estágio supervisionado, bem como outras vinculadas aos diversos ambientes de aprendizado
escolares e não escolares.
§ 1º O estágio deverá corresponder a 20% das horas referenciais adotadas pelo
conjunto do curso de Educação Física ao aprendizado em ambiente de prática real, e deverá
considerar as políticas institucionais de aproximação ao ambiente da escola e às políticas de
extensão na perspectiva da atribuição de habilidades e competências.
§ 2º O estágio deverá expressar e integrar o conjunto de atividades práticas realizadas
ao longo do curso e ser oferecido, de forma articulada, com as políticas e as atividades de
extensão da instituição com curso.
§ 3º Os graduandos em atividades de estágio deverão ter seu desempenho e
aproveitamento avaliado por metodologia própria desenvolvida no âmbito do Projeto
Pedagógico Curricular do Curso e do Projeto Institucional.
Art. 12 A etapa específica da Licenciatura em Educação Física deverá desenvolver,
além do estágio, outras atividades práticas como componente curricular, distribuídas ao longo
do processo formativo;
Parágrafo único. As atividades de que trata o caput poderão ser desenvolvidas de
forma articulada com disciplinas existentes ou serem organizadas como disciplinas ou
atividades acadêmicas próprias.
Art. 13 A etapa específica para formação em Licenciatura deverá desenvolver estudos
integradores para enriquecimento curricular, com carga horária referenciada em 10% do
curso, compreendendo a participação em:
a) seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica, iniciação à
docência, residência docente, monitoria e extensão, entre outros, definidos no projeto
institucional da Instituição de Educação Superior e diretamente orientados pelo corpo docente
da mesma instituição;
b) atividades práticas articuladas entre os sistemas de ensino e instituições educativas
de modo a propiciar vivências nas diferentes áreas do campo educacional, assegurando
aprofundamento e diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos
pedagógicos;
c) intercâmbio acadêmico interinstitucional; e
d) atividades de comunicação e expressão, visando à aquisição e à apropriação de
recursos de linguagem capazes de comunicar, interpretar a realidade estudada e criar conexões
com a vida social;
Art. 14 A etapa específica para formação em Licenciatura deverá garantir nos
currículos conteúdos interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como
conteúdos relacionados aos fundamentos da educação e à formação na área de políticas
públicas e gestão da educação para o desenvolvimento das pessoas, das organizações e da
sociedade.
Art. 15 O curso de Licenciatura em Educação Física, respeitadas a diversidade
nacional e a autonomia pedagógica das instituições, devem garantir uma formação
profissional adequada aos seguintes conteúdos programáticos:
a) Política e Organização do Ensino Básico;
b) Introdução à Educação;
c) Introdução à Educação Física Escolar;
d) Didática e metodologia de ensino da Educação Física Escolar;
e) Desenvolvimento curricular em Educação Física Escolar;

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Luiz Curi e outros – 0030
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

f) Educação Física na Educação Infantil;


g) Educação Física no Ensino Fundamental;
h) Educação Física no Ensino Médio;
i) Educação Física Escolar Especial/Inclusiva;
j) Educação Física na Educação de Jovens e Adultos; e
k) Educação Física Escolar em ambientes não urbanos e em comunidades e
agrupamentos étnicos distintos.
Art. 16 O curso de Licenciatura em Educação Física, respeitadas a diversidade
nacional e a autonomia pedagógica das instituições, deverão, ainda, incluir as seguintes
atividades:
a) observação, análise, planejamento, desenvolvimento e avaliação de processos
educativos e de experiências educacionais em instituições educativas;
b) pesquisa e estudo da legislação educacional, processos de organização e gestão
educacional, trabalho docente, políticas de financiamento educacional, avaliação e currículo; e
c) pesquisa e estudo das relações entre educação e trabalho, educação e diversidade,
direitos humanos, cidadania, educação ambiental, entre outras temáticas centrais da sociedade
contemporânea.
Art. 17 O processo de avaliação da formação específica da Licenciatura deverá ser
realizado de forma a fortalecer o aprendizado, incluir relatórios de atividades práticas, textos
escritos, fichamento bibliográfico, apresentação de estudos individuais e em grupos e
avaliações seriadas do conjunto dos conteúdos das disciplinas ao final de cada semestre.

CAPITULO IV
DA FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM BACHARELADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Art. 18 A Etapa Específica para a formação do Bacharel em Educação Física deverá


ter 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais e ser concebida, planejada, operacionalizada e
avaliada, qualificando-o para a intervenção profissional em treinamento esportivo, orientação
de atividades físicas, preparação física, recreação, lazer, cultura em atividades físicas,
avaliação física, postural e funcional, gestão relacionada com a área de Educação Física, além
de outros campos relacionados às prática de atividades físicas, recreativas e esportivas;
visando a aquisição e desenvolvimento dos seguintes conhecimentos, atitudes e habilidades
profissionais:
a) dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais específicos da
Educação Física e aqueles advindos das ciências afins, orientados por valores sociais, morais,
éticos e estéticos próprios de uma sociedade plural e democrática;
b) pesquisar, conhecer, compreender, analisar e avaliar a realidade social para nela
intervir acadêmica e profissionalmente, por meio das manifestações e expressões da
motricidade humana e movimento humano, cultura do movimento corporal, atividades físicas,
tematizadas, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da ginástica,
do jogo, do esporte, das lutas, da dança, visando à formação, à ampliação e enriquecimento
cultural da sociedade para a adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável;
c) intervir acadêmica e profissionalmente de forma fundamentada, deliberada,
planejada e eticamente balizada nos campos da prevenção, promoção, proteção e reabilitação
da saúde;
d) intervir acadêmica e profissionalmente de forma fundamentada, deliberada,
planejada e eticamente balizada em todas as manifestações do esporte e considerar a
relevância social, cultural e econômica do alto rendimento esportivo;
e) intervir acadêmica e profissionalmente de forma fundamentada, deliberada,
planejada e eticamente balizada no campo da cultura e do lazer;

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Luiz Curi e outros – 0030
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

f) participar, assessorar, coordenar, liderar e gerenciar equipes multiprofissionais de


discussão, de definição, de planejamento e de operacionalização de políticas públicas e
institucionais nos campos da saúde, do lazer, do esporte, da educação não escolar, da
segurança, do urbanismo, do ambiente, da cultura, do trabalho, dentre outros;
g) diagnosticar os interesses, as expectativas e as necessidades das pessoas (crianças,
jovens, adultos, idosos, pessoas com deficiência, de grupos e comunidades especiais) de modo
a planejar, prescrever, orientar, assessorar, supervisionar, controlar e avaliar projetos e
programas de atividades físicas e/ou esportivas e/ou de cultura e de lazer;
h) conhecer, dominar, produzir, selecionar, e avaliar diferentes técnicas, instrumentos,
equipamentos, procedimentos e metodologias para a intervenção acadêmico-profissional em
Educação Física nos seus diversos campos de intervenção, exceto no magistério da Educação
Básica;
i) acompanhar as transformações acadêmico-científicas da Educação Física e de áreas
afins, mediante a análise crítica da literatura especializada com o propósito de contínua
atualização acadêmico-profissional; e
j) utilizar recursos da tecnologia da informação e da comunicação, de forma a ampliar
e diversificar as maneiras de interagir com as fontes de produção e de difusão de
conhecimentos específicos da Educação Física e de áreas afins, com o propósito de contínua
atualização acadêmico-profissional.
Art. 19 O Bacharel em Educação Física terá formação geral, humanista, técnica,
crítica, reflexiva e ética, qualificadora da intervenção profissional fundamentada no rigor
científico, na reflexão filosófica e na conduta ética em todos os campos de intervenção
profissional da Educação Física.
Art. 20 A formação do Bacharel em Educação Física, para atuar nos campos de
intervenção citados no caput do Art. 10, deverá contemplar os seguintes eixos articuladores:
I – saúde: políticas e programas de saúde; atenção básica, secundária e terciária em
saúde, saúde coletiva, Sistema Único de Saúde, dimensões e implicações biológica,
psicológica, sociológica, cultural e pedagógica da saúde; integração ensino, serviço e
comunidade; gestão em saúde; objetivos, conteúdos, métodos e avaliação de projetos e
programas de Educação Física na saúde;
II – esporte: políticas e programas de esporte; treinamento esportivo; dimensões e
implicações biológica, psicológica, sociológica, cultural e pedagógica do esporte; gestão do
esporte; objetivos, conteúdos, métodos e avaliação de projetos e programas de esporte; e
III – cultura e lazer: políticas e programas de cultura e de lazer; gestão de cultura e de
lazer; dimensões e implicações biológica, psicológica, sociológica, cultural e pedagógica do
lazer; objetivos, conteúdos, métodos e avaliação de projetos e programas de Educação Física
na cultura e no lazer.
Art. 21 A etapa específica para formação do Bacharelado deverá garantir nos
currículos conteúdos interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como
conteúdos relacionados à formação na área de políticas públicas e gestão para o
desenvolvimento das pessoas, das organizações, da economia e da sociedade.
Art. 22 As atividades práticas da formação específica do Bacharelado deverão conter o
estágio supervisionado de 20% das horas referenciais adotadas pelo conjunto do curso de
Educação Física, oferecido na área de bacharelado.
§ 1º O estágio deverá corresponder ao aprendizado em ambiente de prática real,
considerando as políticas institucionais de aproximação a ambientes profissionais e as
políticas de extensão na perspectiva da atribuição de habilidades e competências.
§ 2º O estágio deverá expressar etapas de práticas anteriores de aproximação ao
ambiente profissional e ser oferecido de forma articulada com as políticas e as atividades de
extensão da instituição junto ao curso.

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Luiz Curi e outros – 0030
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

§ 3º Os graduandos, em atividades de estágio, deverão ter seu desempenho e


aproveitamento avaliado por metodologia própria desenvolvida no âmbito do Projeto
Pedagógico Curricular do Curso e do Projeto Institucional.
Art. 23 A formação específica do Bacharelado deverá desenvolver, além do estágio,
outras atividades práticas como componente curricular, distribuídas ao longo do processo
formativo.
Parágrafo único. As atividades de que trata o caput poderão ser desenvolvidas de
forma articulada com disciplinas existentes ou serem organizadas como disciplinas ou
atividades acadêmicas próprias, correspondendo a 10% das horas referenciais adotadas pelo
conjunto do curso de Educação Física.
Art. 24 O processo de avaliação da formação específica do Bacharelado deverá ser
realizado de forma a fortalecer o aprendizado, de modo a incluir relatórios de atividades
práticas, textos escritos, fichamento bibliográfico, apresentação de estudos individuais e em
grupos e avaliações seriadas do conjunto dos conteúdos das disciplinas ao final de cada
semestre.

CAPÍTULO IV
DAS DIRETRIZES GERAIS

Art. 25 A organização curricular do curso de graduação em Educação Física deverá


abranger atividades integradoras de aprendizado, com carga horária flexível inserida nas
atividades determinadas no PPC do curso, tais como:
a) seminários e estudos, em projetos de iniciação científica, monitoria e extensão,
entre outros, definidos no projeto institucional da IES e diretamente orientados pelo corpo
docente da mesma instituição, podendo ser acoplados ao ensino das disciplinas;
b) práticas reais articuladas entre os sistemas de ensino, saúde, esporte, lazer e
instituições oferecedoras de atividade física, de modo a propiciar vivências, assegurando
aprofundamento e diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos;
c) atividades relacionadas ao uso de tecnologias de informação e comunicação visando
à aquisição e à apropriação de recursos de aprendizagem capazes de ampliar a abrangência
com os objetos de aprendizagem, interpretar a realidade estudada e criar conexões com o meio
econômico e social;
d) atividades vinculadas ao trabalho de conclusão de curso deverão versar sobre tema
integrante da área de intervenção do graduado, desenvolvido sob a orientação acadêmica de
docente do curso, ser defendido publicamente e sem destinação de carga horária específica.
Art. 26 O processo avaliativo do Curso de Graduação em Educação Física, além dos
aspectos já dispostos nesta Resolução, deverá integrar a avaliação do egresso por meio de
sistema institucional desenvolvido pelas IES que ofertam o curso.
Parágrafo único. O disposto no caput deverá ser implantado pelas Instituições de
Educação Superior, considerando aspectos de desempenho profissional, formação continuada,
área de atuação, entre outros, de forma periódica.
Art. 27 A implantação e desenvolvimento das DCNs do Curso de Graduação em
Educação Física deverão ser acompanhadas, monitoradas e avaliadas, visando ao seu
aperfeiçoamento.
Art. 28 O Curso de Graduação em Educação Física em funcionamento terá o prazo de
2 (dois) anos a partir da data de publicação desta Resolução, para implementação das
presentes diretrizes.
Art. 29 Os graduandos em Educação Física, matriculados antes da vigência desta
Resolução, têm o direito de concluir seu curso com base nas diretrizes anteriores, podendo

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Luiz Curi e outros – 0030
PROCESSO Nº: 23001.000030/2011-72

optar pelas novas diretrizes, em acordo com suas respectivas instituições, e, neste caso,
garantindo as adaptações necessárias aos princípios das novas diretrizes.
Art. 30 As Instituições de Educação Superior poderão, a critério da Organização do
Projeto Pedagógico Curricular do Curso de Educação Física, admitir, em observância do
disposto nesta Resolução, a dupla formação dos matriculados em bacharelado e licenciatura.
Art. 31 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas a
Resolução CNE/CES nº 7, de 31 de março de 2004, a Resolução CNE/CES nº 7, de 4 de
outubro de 2007, e demais disposições em contrário.

14
Luiz Curi e outros – 0030
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

RESOLUÇÃO Nº 6, DE 18 DE DEZEMBRO DE 2018 (*)

Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos


Cursos de Graduação em Educação Física e dá
outras providências.

O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de


Educação, tendo em vista o disposto no art. 9º, § 2º, da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de
1961, com a redação dada pela Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, na Resolução
CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, na Resolução CNE/CES nº 4, de 6 de abril de 2009, e
com base no Parecer CNE/CES nº 584, de 3 de outubro de 2018, homologado pela Portaria
MEC nº 1.349, de 14 de dezembro de 2018, publicada no DOU de 17 de dezembro de
2018, Seção 1, pág. 33, resolve:

CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do


curso de graduação em Educação Física, assim denominado, a serem observadas na
organização, desenvolvimento e avaliação dos cursos, estabelecendo as suas finalidades, os
princípios, os fundamentos e a dinâmica formativa.
Parágrafo único - São objetos destas Diretrizes, os cursos de graduação denominados,
exclusivamente, de Educação Física.
Art. 2º O curso de graduação em Educação Física tem carga horária referencial de
3.200 (três mil e duzentas) horas para o desenvolvimento de atividades acadêmicas.

que tem como objeto de estudo e de aplicação a motricidade ou movimento humano, a


cultura do movimento corporal, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício
físico, da ginástica, do jogo, do esporte, das lutas e da dança, visando atender às
necessidades sociais no campo da saúde, da educação e da formação, da cultura, do alto
rendimento esportivo e do lazer.
Art. 4º O curso de graduação em Educação Física deverá articular a formação inicial
e continuada, tendo como premissa a autonomia do(a) graduando(a) para o contínuo
aperfeiçoamento, mediante diversas formas de aprendizado.
Art. 5º Dada a necessária articulação entre conhecimentos, habilidades, sensibilidade
e atitudes requerida do egresso para o futuro exercício profissional, a formação do
graduado em Educação Física terá ingresso único, destinado tanto ao bacharelado quanto à
licenciatura, e desdobrar-se-á em duas etapas, conforme descrição a seguir:

(*)
Resolução CNE/CES 6/2018. Diário Oficial da União, Brasília, 19 de dezembro de 2018, Seção 1, pp. 48 e 49.

Documento assinado eletronicamente nos termos da legislação vigente


I - Etapa Comum - Núcleo de estudos da formação geral, identificador da área de
Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais, comum
a ambas as formações.
II - Etapa Específica - Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e
seiscentas) horas referenciais, na qual os graduandos terão acesso a conhecimentos
específicos das opções em bacharelado ou licenciatura.
§ 1º No início do 4º (quarto) semestre, a Instituição de Educação Superior deverá
realizar uma consulta oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito da escolha da
formação que pretendem seguir na Etapa Específica - bacharelado ou licenciatura - com
vistas à obtenção do respectivo diploma, ou, ao final do 4º (quarto) semestre, definir sua
escolha mediante critérios pré-estabelecidos;
§ 2º A formação para intervenção profissional à pessoa com deficiência deve ser
contemplada nas duas etapas e nas formações tanto do bacharelado, quanto da licenciatura.
§ 3º A integração entre as áreas específicas dependerá de procedimento próprio e da
organização curricular institucional de cada IES, sendo vedada a eliminação de temas ou
conteúdos relativos a cada uma das áreas específicas indicadas.

CAPÍTULO II
DA ETAPA COMUM

Art. 6º A Etapa Comum, cuja conclusão possibilitará a autonomia do discente para


escolha futura de formação específica, contempla os seguintes conhecimentos:
I - Conhecimentos biológicos, psicológicos e socioculturais do ser humano (a
exemplo do fisiológico, biomecânico, anatômico-funcional, bioquímico, genético,
psicológico, antropológico, histórico, social, cultural e outros), enfatizando a aplicação à
Educação Física;
II - Conhecimentos das dimensões e implicações biológicas, psicológicas e
socioculturais da motricidade humana/movimento humano/cultura do movimento
corporal/atividade física (a exemplo de fisiologia do exercício, biomecânica do esporte,
aprendizagem e controle motor, psicologia do esporte e outros);
III - Conhecimento instrumental e tecnológico (a exemplo de técnicas de estudo e
pesquisa - tipos de conhecimento, técnicas de planejamento e desenvolvimento de um
trabalho acadêmico, técnicas de levantamento bibliográfico, técnicas de leitura e de
documentação; informática instrumental - planilha de cálculo, banco de dados; técnicas de
comunicação e expressão leiga e científica e outros), enfatizando a aplicação à Educação
Física;
IV - Conhecimentos procedimentais e éticos da intervenção profissional em
Educação Física, a exemplo de código de ética, diagnóstico e avaliação, estratificação de
risco, variáveis de prescrição do exercício, meio ambiente e sustentabilidade, diversidade
cultural, diferenças individuais e outros.
Parágrafo único. A formação ética em Educação Física, de que trata o caput, deverá
incluir, ainda, a prevenção do uso de meios ilícitos e danosos à saúde no cotidiano das
práticas corporais, especialmente nas de caráter competitivo ou que visem ao
desenvolvimento físico de crianças e adolescentes.
Art. 7º Tendo concluído a Etapa Comum, o(a) graduando(a) prosseguirá para as
formações específicas em bacharelado ou licenciatura.
Parágrafo único. O egresso do curso deverá articular os conhecimentos da Educação
Física com os eixos/setores da saúde, do esporte, da cultura e do lazer e os da formação de
professores.

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Art. 8º A etapa comum deverá proporcionar atividades acadêmicas integradoras tais
como:
a) nivelamento de conhecimentos aos ingressantes por meio de processo avaliativo e
acolhimento próprio.
b) disciplinas de aproximação ao ambiente profissional de forma a permitir aos
estudantes a percepção acerca de requisitos profissionais, identificação de campos ou áreas
de trabalho e o desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas interativas com
espaços profissionais, inclusive escolas de educação básica e média.
Parágrafo único. As instituições, no âmbito de suas políticas institucionais
curriculares, deverão desenvolver as atividades acima, preferencialmente, em 10% da carga
horária adotada na etapa comum.

CAPÍTULO III
DA FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO
FÍSICA

Art. 9º A etapa específica para a formação em licenciatura, em Educação Física,


deverá considerar os seguintes aspectos:
I - Relevância na consolidação de normas para formação de profissionais do
magistério para educação básica como fator indispensável para um projeto de educação
nacional;
II - Reconhecimento da abrangência, diversidade e complexidade da educação
brasileira nos diferentes níveis, modalidades e contextos socioculturais em que estão
inscritas as práticas escolares;
III - Valorização de princípios para a melhoria e democratização do ensino como a
igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola; a liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de
ideias e de concepções pedagógicas; o respeito à liberdade e o apreço à tolerância; a gestão
democrática do ensino público; o respeito e a valorização da diversidade étnico-racial, entre
outros.
IV - Necessidade de articulação entre as presentes Diretrizes e o conjunto de normas
e legislação relacionadas à educação básica e organizadas pelo Conselho Nacional de
Educação e pelo Ministério da Educação.
VI - Mobilização efetiva de princípios que norteiam a formação inicial e continuada
nacionais comuns, tais como:
a) sólida formação teórica e interdisciplinar;
b) unidade teoria-prática;
c) trabalho coletivo e interdisciplinar;
d) compromisso social e valorização do profissional da educação;
e) gestão democrática; e
f) avaliação e regulação dos cursos de formação.
VII - Ampliação do conceito de docência como ação educativa e como processo
pedagógico intencional e metódico, envolvendo conhecimentos específicos,
interdisciplinares e pedagógicos, conceitos, princípios e objetivos da formação que se
desenvolvem na construção e apropriação dos valores éticos, linguísticos, estéticos e
políticos do conhecimento inerentes à sólida formação científica e cultural do
ensinar/aprender, à socialização e construção de conhecimentos e sua inovação, em diálogo
constante entre diferentes visões de mundo.
VIII - A formação inicial e continuada de professoras e professores de Educação
Física deverá qualificar esses profissionais para que sejam capazes de contextualizar,

3
problematizar e sistematizar conhecimentos teóricos e práticos sobre motricidade
humana/movimento humano/cultura do movimento corporal/atividade física nas suas
diversas manifestações (jogo, esporte, exercício, ginástica, lutas e dança), no âmbito do
Ensino Básico.
Art. 10 O Licenciado em Educação Física terá formação humanista, técnica, crítica,
reflexiva e ética qualificadora da intervenção profissional fundamentada no rigor científico,
na reflexão filosófica e na conduta ética no magistério, ou seja, na docência do componente
curricular Educação Física, tendo como referência a legislação própria do Conselho
Nacional de Educação para a área.
Art. 11 As atividades práticas da etapa específica da Licenciatura deverão conter o
estágio supervisionado, bem como outras vinculadas aos diversos ambientes de
aprendizado escolares e não escolares.
§ 1º O estágio deverá corresponder a 20% das horas referenciais adotadas pelo
conjunto do curso de Educação Física ao aprendizado em ambiente de prática real, e deverá
considerar as políticas institucionais de aproximação ao ambiente da escola e às políticas de
extensão na perspectiva da atribuição de habilidades e competências.
§ 2º O estágio deverá expressar e integrar o conjunto de atividades práticas realizadas
ao longo do curso e ser oferecido, de forma articulada, com as políticas e as atividades de
extensão da instituição com curso.
§ 3º Os graduandos em atividades de estágio deverão ter seu desempenho e
aproveitamento avaliado por metodologia própria desenvolvida no âmbito do Projeto
Pedagógico Curricular do Curso e do Projeto Institucional.
Art. 12 A etapa específica da Licenciatura em Educação Física deverá desenvolver,
além do estágio, outras atividades práticas como componente curricular, distribuídas ao
longo do processo formativo;
Parágrafo único. As atividades de que trata o caput poderão ser desenvolvidas de
forma articulada com disciplinas existentes ou serem organizadas como disciplinas ou
atividades acadêmicas próprias.
Art. 13 A etapa específica para formação em Licenciatura deverá desenvolver
estudos integradores para enriquecimento curricular, com carga horária referenciada em
10% do curso, compreendendo a participação em:
a) seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica, iniciação à
docência, residência docente, monitoria e extensão, entre outros, definidos no projeto
institucional da Instituição de Educação Superior e diretamente orientados pelo corpo
docente da mesma instituição;
b) atividades práticas articuladas entre os sistemas de ensino e instituições educativas
de modo a propiciar vivências nas diferentes áreas do campo educacional, assegurando
aprofundamento e diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos
pedagógicos;
c) intercâmbio acadêmico interinstitucional; e
d) atividades de comunicação e expressão, visando à aquisição e à apropriação de
recursos de linguagem capazes de comunicar, interpretar a realidade estudada e criar
conexões com a vida social;
Art. 14 A etapa específica para formação em Licenciatura deverá garantir nos
currículos interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos
relacionados aos fundamentos da educação e à formação na área de políticas públicas e
gestão da educação para o desenvolvimento das pessoas, das organizações e da sociedade.
Art. 15 Os cursos de Licenciatura em Educação Física, respeitadas a diversidade
nacional e a autonomia pedagógica das instituições, devem garantir uma formação
profissional adequada aos seguintes conteúdos programáticos:

4
a) Política e Organização do Ensino Básico;
b) Introdução à Educação;
c) Introdução à Educação Física Escolar;
d) Didática e metodologia de ensino da Educação Física Escolar;
e) Desenvolvimento curricular em Educação Física Escolar;
f) Educação Física na Educação Infantil;
g) Educação Física no Ensino Fundamental;
h) Educação Física no Ensino Médio;
i) Educação Física Escolar Especial/Inclusiva;
j) Educação Física na Educação de Jovens e Adultos; e
k) Educação Física Escolar em ambientes não urbanos e em comunidades e
agrupamentos étnicos distintos.
Art. 16 Os cursos de Licenciatura em Educação Física, respeitadas a diversidade
nacional e a autonomia pedagógica das instituições, deverão, ainda, incluir as seguintes
atividades:
a) observação, análise, planejamento, desenvolvimento e avaliação de processos
educativos e de experiências educacionais em instituições educativas;
b) pesquisa e estudo da legislação educacional, processos de organização e gestão
educacional, trabalho docente, políticas de financiamento educacional, avaliação e
currículo; e
c) pesquisa e estudo das relações entre educação e trabalho, educação e diversidade,
direitos humanos, cidadania, educação ambiental, entre outras temáticas centrais da
sociedade contemporânea.
Art. 17 O processo de avaliação da formação específica da Licenciatura deverá ser
realizado de forma a fortalecer o aprendizado, incluir relatórios de atividades práticas,
textos escritos, fichamento bibliográfico, apresentação de estudos individuais e em grupos e
avaliações seriadas do conjunto dos conteúdos das disciplinas ao final de cada semestre.

CAPITULO IV
DA FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM BACHARELADO EM EDUCAÇÃO
FÍSICA

Art. 18 A Etapa Específica para a formação do Bacharel em Educação Física deverá


ter 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais e ser concebida, planejada, operacionalizada e
avaliada, qualificando-o para a intervenção profissional em treinamento esportivo,
orientação de atividades físicas, preparação física, recreação, lazer, cultura em atividades
físicas, avaliação física, postural e funcional, gestão relacionada com a área de Educação
Física, além de outros campos relacionados às prática de atividades físicas, recreativas e
esportivas; visando a aquisição e desenvolvimento dos seguintes conhecimentos, atitudes e
habilidades profissionais:
a) dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais específicos da
Educação Física e aqueles advindos das ciências afins, orientados por valores sociais,
morais, éticos e estéticos próprios de uma sociedade plural e democrática;
b) pesquisar, conhecer, compreender, analisar e avaliar a realidade social para nela
intervir acadêmica e profissionalmente, por meio das manifestações e expressões da
motricidade humana e movimento humano, cultura do movimento corporal, atividades
físicas, tematizadas, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da
ginástica, do jogo, do esporte, das lutas, da dança, visando à formação, à ampliação e
enriquecimento cultural da sociedade para a adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e
saudável;

5
c) intervir acadêmica e profissionalmente de forma fundamentada, deliberada,
planejada e eticamente balizada nos campos da prevenção, promoção, proteção e
reabilitação da saúde;
d) intervir acadêmica e profissionalmente de forma fundamentada, deliberada,
planejada e eticamente balizada em todas as manifestações do esporte e considerar a
relevância social, cultural e econômica do alto rendimento esportivo;
e) intervir acadêmica e profissionalmente de forma fundamentada, deliberada,
planejada e eticamente balizada no campo da cultura e do lazer;
f) participar, assessorar, coordenar, liderar e gerenciar equipes multiprofissionais de
discussão, de definição, de planejamento e de operacionalização de políticas públicas e
institucionais nos campos da saúde, do lazer, do esporte, da educação não escolar, da
segurança, do urbanismo, do ambiente, da cultura, do trabalho, dentre outros;
g) diagnosticar os interesses, as expectativas e as necessidades das pessoas (crianças,
jovens, adultos, idosos, pessoas com deficiência, de grupos e comunidades especiais) de
modo a planejar, prescrever, orientar, assessorar, supervisionar, controlar e avaliar projetos
e programas de atividades físicas e/ou esportivas e/ou de cultura e de lazer;
h) conhecer, dominar, produzir, selecionar, e avaliar diferentes técnicas,
instrumentos, equipamentos, procedimentos e metodologias para a intervenção acadêmico-
profissional em Educação Física nos seus diversos campos de intervenção, exceto no
magistério da Educação Básica;
i) acompanhar as transformações acadêmico-científicas da Educação Física e de áreas
afins, mediante a análise crítica da literatura especializada com o propósito de contínua
atualização acadêmico-profissional; e
j) utilizar recursos da tecnologia da informação e da comunicação, de forma a
ampliar e diversificar as maneiras de interagir com as fontes de produção e de difusão de
conhecimentos específicos da Educação Física e de áreas afins, com o propósito de
contínua atualização acadêmico-profissional.
Art. 19 O Bacharel em Educação Física terá formação geral, humanista, técnica,
crítica, reflexiva e ética, qualificadora da intervenção profissional fundamentada no rigor
científico, na reflexão filosófica e na conduta ética em todos os campos de intervenção
profissional da Educação Física.
Art. 20 A formação do Bacharel em Educação Física, para atuar nos campos de
intervenção citados no caput do Art. 10, deverá contemplar os seguintes eixos
articuladores:
I - saúde: políticas e programas de saúde; atenção básica, secundária e terciária em
saúde, saúde coletiva, Sistema Único de Saúde, dimensões e implicações biológica,
psicológica, sociológica, cultural e pedagógica da saúde; integração ensino, serviço e
comunidade; gestão em saúde; objetivos, conteúdos, métodos e avaliação de projetos e
programas de Educação Física na saúde;
II - esporte: políticas e programas de esporte; treinamento esportivo; dimensões e
implicações biológica, psicológica, sociológica, cultural e pedagógica do esporte; gestão do
esporte; objetivos, conteúdos, métodos e avaliação de projetos e programas de esporte; e
III - cultura e lazer: políticas e programas de cultura e de lazer; gestão de cultura e de
lazer; dimensões e implicações biológica, psicológica, sociológica, cultural e pedagógica do
lazer; objetivos, conteúdos, métodos e avaliação de projetos e programas de Educação
Física na cultura e no lazer.
Art. 21 A etapa específica para formação do Bacharelado deverá garantir nos
currículos interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos
relacionados à formação na área de políticas públicas e gestão para o desenvolvimento das
pessoas, das organizações, da economia e da sociedade.

6
Art. 22 As atividades práticas da formação específica do Bacharelado deverão conter
o estágio supervisionado de 20% das horas referenciais adotadas pelo conjunto do curso de
Educação Física, oferecido na área de bacharelado.
§ 1º O estágio deverá corresponder ao aprendizado em ambiente de prática real,
considerando as políticas institucionais de aproximação a ambientes profissionais e as
políticas de extensão na perspectiva da atribuição de habilidades e competências.
§ 2º O estágio deverá expressar etapas de práticas anteriores de aproximação ao
ambiente profissional e ser oferecido de forma articulada com as políticas e as atividades de
extensão da instituição junto ao curso.
§ 3º Os graduandos, em atividades de estágio, deverão ter seu desempenho e
aproveitamento avaliado por metodologia própria desenvolvida no âmbito do Projeto
Pedagógico Curricular do Curso e do Projeto Institucional.
Art. 23 A formação específica do Bacharelado deverá desenvolver, além do estágio,
outras atividades práticas como componente curricular, distribuídas ao longo do processo
formativo.
Parágrafo único. As atividades de que trata o caput poderão ser desenvolvidas de
forma articulada com disciplinas existentes ou serem organizadas como disciplinas ou
atividades acadêmicas próprias, correspondendo a 10% das horas referenciais adotadas pelo
conjunto do curso de Educação Física.
Art. 24 O processo de avaliação da formação específica do Bacharelado deverá ser
realizado de forma a fortalecer o aprendizado, de modo a incluir relatórios de atividades
práticas, textos escritos, fichamento bibliográfico, apresentação de estudos individuais e em
grupos e avaliações seriadas do conjunto dos conteúdos das disciplinas ao final de cada
semestre.

CAPÍTULO IV
DAS DIRETRIZES GERAIS

Art. 25 A organização curricular do curso de graduação em Educação Física deverá


abranger atividades integradoras de aprendizado, com carga horária flexível inserida nas
atividades determinadas no PPC do curso, tais como:
a) seminários e estudos, em projetos de iniciação científica, monitoria e extensão,
entre outros, definidos no projeto institucional da IES e diretamente orientados pelo corpo
docente da mesma instituição, podendo ser acoplados ao ensino das disciplinas;
b) práticas reais articuladas entre os sistemas de ensino, saúde, esporte, lazer e
instituições oferecedoras de atividade física, de modo a propiciar vivências, assegurando
aprofundamento e diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos;
c) atividades relacionadas ao uso de tecnologias de informação e comunicação
visando à aquisição e à apropriação de recursos de aprendizagem capazes de ampliar a
abrangência com os objetos de aprendizagem, interpretar a realidade estudada e criar
conexões com o meio econômico e social;
d) atividades vinculadas ao trabalho de conclusão de curso deverão versar sobre tema
integrante da área de intervenção do graduado, desenvolvido sob a orientação acadêmica de
docente do curso, ser defendido publicamente e sem destinação de carga horária específica.
Art. 26 O processo avaliativo do curso de graduação em Educação Física, além dos
aspectos já dispostos nesta Resolução, deverá integrar a avaliação do egresso por meio de
sistema institucional desenvolvido pelas IES que ofertam o curso.
Parágrafo único. O disposto no caput deverá ser implantado pelas Instituições de
Educação Superior, considerando aspectos de desempenho profissional, formação
continuada, área de atuação, entre outros, de forma periódica.

7
Art. 27 A implantação e desenvolvimento das DCNs do Curso de Graduação em
Educação Física deverão ser acompanhadas, monitoradas e avaliadas, visando ao seu
aperfeiçoamento.
Art. 28 O Curso de Graduação em Educação Física em funcionamento terá o prazo
de 2 (dois) anos a partir da data de publicação desta Resolução, para implementação das
presentes diretrizes.
Art. 29 Os graduandos em Educação Física, matriculados antes da vigência desta
Resolução, têm o direito de concluir seu curso com base nas diretrizes anteriores, podendo
optar pelas novas diretrizes, em acordo com suas respectivas instituições, e, neste caso,
garantindo as adaptações necessárias aos princípios das novas diretrizes.
Art. 30 As Instituições de Educação Superior poderão, a critério da Organização do
Projeto Pedagógico Curricular do Curso de Educação Física, admitir, em observância do
disposto nesta Resolução, a dupla formação dos matriculados em bacharelado e
licenciatura.
Art. 31 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas a
Resolução CNE/CES nº 7, de 31 de março de 2004, a Resolução CNE/CES nº 7, de 4 de
outubro de 2007, e demais disposições em contrário.

ANTONIO DE ARAUJO FREITAS JÚNIOR

8
Carta da Educação Física ao Conselho Nacional de Educação

As comunidades acadêmica, científica e setores do movimento estudantil, entidades


nacionais e indivíduos signatários desta carta, vêm manifestar sua preocupação com a aprovação da
Resolução CNE/CES Nº 06, de 18 dezembro de 2018, expedida pela Câmara de Educação Superior
do Conselho Nacional de Educação (CNE/CES), que instituiu as novas Diretrizes Curriculares
Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física (DCNs), tendo por base o Parecer
CNE/CES Nº 584, de 3 de outubro de 2018.
Nossas preocupações se devem tanto à metodologia/forma de sua tramitação e aprovação,
as quais se deram de forma apressada, quanto ao seu conteúdo, acerca dos quais levantaremos
alguns questionamentos. Quanto à metodologia, avaliamos que houve um aligeiramento entre a
publicação do Parecer CNE/CES Nº 584/2018 e a aprovação da Resolução Nº 06/2018, publicada no
DOU no dia 19 de dezembro de 2018. O espaço de tempo compreendido entre um e outro não
possibilitou que as entidades aqui signatárias, bem como o conjunto das instituições de ensino
superior (IES) que ofertam cursos de graduação em Educação Física, realizassem a apreciação do
documento proposto pela Câmara de Educação Superior.
Para além desta questão, constatamos que a CES/CNE não realizou divulgação de consulta
pública ou convite para participação em audiências públicas, dificultando o nosso acesso prévio ao
texto do Parecer CNE/CES Nº 584. Somos parte constitutiva neste processo e, portanto,
consideramos que a nossa participação é mais do que pertinente, para não dizer obrigatória, na
discussão, elaboração e desenvolvimento do mesmo. Registre-se ainda que a última audiência
pública convocada pelo CNE, com o objetivo de revisar as DCNs de Educação Física ocorreu em 11
de dezembro de 2015. Vale registrar que historicamente tem sido tradição desse órgão colegiado,
desde a sua implantação, que se deu há mais de 20 anos, desenvolver uma política de discussão
pública das DCNs, mediante articulação e ampla participação de toda a comunidade acadêmica.
Deste modo, a convocação da comunidade acadêmica e estudantil para a efetiva
participação em audiências públicas, garantiu que diferentes entidades, a partir de 1997,
participassem do processo de reformulação curricular dos cursos de graduação naquela
oportunidade. Sem dúvida, esse rico processo oportunizado por este órgão colegiado se constituiu
como um espaço de tensão e de divergências teóricas, políticas e ideológicas sobre as DCNs para
os Cursos de Graduação em Educação Física, repercutindo não só ao longo do processo de
formação do graduando, mas também no seu futuro enquanto trabalhador da educação física.
Contudo, os diversos posicionamentos, as defesas e argumentações acerca das Diretrizes para os
Cursos de Graduação em Educação Física, às quais por vezes se colocavam em campos político-
ideológicos contraditórios, foram garantidos.
Sendo assim, as comunidades acadêmicas, cientificas, indivíduos e entidades estudantis que
subscrevem o presente documento, atentas às atribuições da Câmara de Educação Superior
previstas no Regimento do Conselho Nacional de Educação e fundamentadas em seu artigo 5º,
inciso IV, qual seja, “deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação,
para os cursos de graduação”, vêm manifestar sua preocupação e seu desacordo frente às últimas
deliberações deste Órgão de Estado no que se refere às DCNs dos Cursos de Graduação em
Educação Física, aprovada via Resolução Nº 6, de 18 de dezembro de 2018.
As novas DCNs dos Cursos de Graduação em Educação Física estabeleceram condições
que legitimam a fragmentação da formação do trabalhador da Educação Física ao implementar o
desdobramento do curso em duas etapas (“etapa comum” e “etapa específica”). Tal divisão, para
além de romper com o princípio da formação integral, estimula a competitividade fortemente
influenciada pelas orientações do mercado. Esta se expressa entre os campos de formação/ação
profissional, como se fossem naturalmente campos em permanente disputa. Fato este que tem
contribuído para a inviabilização de uma concepção de licenciatura plena, que contemple tanto os
aspectos técnicos como os aspectos filosóficos, artísticos, políticos, econômicos, sociológicos que
compõem a totalidade da Educação Física.
Outro aspecto que nos preocupa diz respeito ao caráter de aplicação obrigatória assumido
pelas novas Diretrizes, já expresso no texto do Parecer CNE/CES Nº 584/2018. A obrigatoriedade,
neste caso, se impõe sem que ao menos as IES por meio de seus órgãos Colegiados e Núcleo
Docente Estruturante/NDE tenham sido minimamente comunicados sobre o andamento deste
processo. Lembramos ainda que a aprovação da Resolução CNE/CES Nº 06/2018 se deu em
período inicial de férias e recesso acadêmico, impossibilitando que o temário fosse pautado e
discutido na maioria das Instituições e no conjunto da maioria dos docentes e estudantes, o que
acarretou o desconhecimento de grande parte destes. O aspecto da obrigatoriedade se constitui
como um ato de ingerência na autonomia acadêmica e administrativa das universidades (prevista e
garantida no Artigo 207 da Constituição Federal) e vai além dos objetivos das Diretrizes Curriculares
Nacionais.
Outro aspecto que tem mobilizado a atenção da comunidade acadêmica diz respeito à
centralidade que as novas DCNs da EF dão à formação por competências. Estas, destinadas
prioritariamente à formação pragmática e utilitária à estrutura ocupacional, concentra-se no
atendimento à qualificação profissional ao secundarizar o desenvolvimento de um sujeito crítico e
fundamentado pelo conhecimento em movimento, sistematizado e produzido universalmente ao
longo da história da humanidade.
Além dos aspectos acima apontados, há outros que têm provocado dúvidas de interpretação
no meio acadêmico e estudantil, devido às diversas lacunas presentes no texto das novas DCNs e
problemas de ordem de redação no que tange à disposição de alguns artigos – citamos, por
exemplo, o Artigo 20 que, ao tratar dos eixos articuladores da formação do Bacharelado, faz menção
ao Artigo 10 que trata da formação da Licenciatura, num explícito equívoco de parametrização da
relação formação x campos de atuação profissional na lógica destas DCNs que divide a formação em
Licenciatura x Bacharelado – que têm levado o leitor a múltiplas interpretações, podendo inclusive
ocasionar problemas futuros quanto à formulação dos projetos formativos no âmbito das IES e
problemas jurídicos quanto a intervenção dos futuros profissionais de Educação Física.
Há ainda uma série de questionamentos os quais solicitamos esclarecimentos. Por exemplo:

1 – Como a Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015 se relaciona com as novas


DCNs da EF?;
2 – Considerando a Resolução CNE/CP Nº 3, de 3 de outubro de 2018, que altera o Art. 22
da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015, qual será o prazo de implementação das novas
DCNs da EF?;
3 – Considerando que as novas DCNs de EF estão subordinadas às Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica – Resolução CNE/CP nº 2/2015,
como será determinada a carga horária relativa ao estágio supervisionado?
4 – Considerando a defesa de que a universidade pública deve permanecer estruturada
sobre o tripé do ensino, da pesquisa e da extensão, de forma indissociável, como serão estruturados
os estágios supervisionados uma vez que estão previstos apenas para a Etapa de Formação
Específica?;
5 – A partir da compreensão de que a residência docente é atividade pós-formação inicial,
como a mesma irá compor os 10% da carga horária referencial na Etapa Específica?

É importante destacar que, a mera explicitação das questões acima não contemplará as
necessidades postas às comunidades acadêmica, científica e ao movimento estudantil, desde a
aprovação das novas DCNs da EF. Diante desses fatos, solicitamos ao CNE que considere a
necessidade da revogação das novas DCNs da Educação Física, passando à convocação de toda a
comunidade acadêmica, científica, movimento estudantil, entre outras entidades e indivíduos
interessados em contribuir, para participação em audiência pública com o objetivo de aprofundar as
discussões sobre tais Diretrizes. Estamos certos de que em função das condições atuais do país,
sob as quais se encontra submetida a educação de modo geral, e a educação superior em particular,
é mais que necessário que nos coloquemos em defesa de uma Educação Física que privilegie a
formação humana fundada em bases técnico-científicas críticas, que se articulem às ciências
humanas e naturais, associada à reflexão filosófica, política e à expressão artística e literária.

Rio de Janeiro, 06 de Março de 2019.


1 - FEF/UFPA - Campus Castanhal (APROVADO em 17/6/2019);
2 - FURG (já aprovou a carta);
3 - UFJF - Departamento de Educação Física do Colégio de Aplicação João XXIII;
4 - LEPEL/FACED/UFBA (Aprovado- 04/07/2019)
5 - ANFOPE NORDESTE (Aprovado - 04/07/2019);
6 - UFF/Instituto de Educação Física - APROVADO em 28/06/2019;
7 - FEF/UFPA - Campus Belém - (APROVADO - 01/07/2019)
8 - IFCE- Campus Limoeiro do Norte – APROVOU (03/07/2019)
9 - Colegiado de Educação Física da UNEB/CAMPUS II-Alagoinhas
10 - Colegiado do curso de Licenciatura em Educação Física da Regional
Catalão/Universidade Federal de Goiás - UFG (APROVOU - 04/07/2019)
11 - Colegiado de Curso de Educação Física da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP
(APROVADO - 4/6/2019);
12 - Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física
MNCR;
13 - CBCE Secretaria-RJ (Aprovado - 08/07/2019);
14. Colegiado do Curso de Educação Física da Universidade Estadual Vale do Acaraú/UVA -
CE (Aprovado - 09/07/2019);
15 - Colegiado do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal do
Amazonas (FEFF-UFAM);
16 - GETEMHI – Grupo de Estudos do Trabalho, Educação Física e Materialismo Histórico;
17 – NDE dos Cursos de Licenciatura e de Bacharelado de Educação Física da UFSM.
18 - C.A. do Curso de Educação Física Licenciatura da Universidade Federal do Acre/UFAC;
19 - Colegiado do Curso de Licenciatura em Educação Física e o Núcleo Docente
Estruturante da Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe (22/07/2019);
20 - Colegiado de Educação Física da Universidade do Estado da Bahia – Campus XII
(Ganambi);
21 - Centro Acadêmico de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá – Campus
Regional Vale do Ivaí (CAEF/UEM/CRV);
22 - Coordenação e Colegiado de Curso de Licenciatura em Educação Física de IFCE –
Campus Juazeiro do Norte;
23 - Colegiado de Educação Física da Universidade Federal do Tocantins – Campus de
Miracema;
24 - Congregação da Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ;
25 – Centro Acadêmico de Educação Física da Universidade Federal de Santa Cantarina
(Gestão – Nenhuma Voz Será Calada);
26 - Diretório Acadêmico Guilherme Ripoll do Curso de Licenciatura em Educação Física da
Universidade Federal Fluminense.
27 - Colegiado de Licenciatura em Educação Física UFPB e o Núcleo Docente Estruturante
Licenciatura em Educação Física UFPB;
28- Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física/EXNEEF;

ENTIDADES SINDICAIS QUE JÁ ASSINARAM:

Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Sindicato dos Professores


do Rio de Janeiro (SINPRO/RIO), Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de
Janeiro (SEPE/RJ), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino
(CONTEE), Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições do Ensino Superior (ANDES-SN),
Central Única dos Trabalhadores (CUT), Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física.

1-Ângela Celeste Barreto de Azevedo - Professora Associada da UFRJ


2-André Malina - Professor Associado da UFRJ
Assinatura pessoal na carta ao CNE:
3 Amanda Moreira da Silva - Professora adjunta da UERJ - Instituto de Aplicação (CAp-UERJ).
4 Profa. Me. Amália Catharina Santos Cruz, UNEB/DCH IV, Jacobina
5 Prof. Me. Ailton Cotrim Prates - Prof. Assistente Universidade Federal de Alagoas/Campus
Arapiraca
6 Dinairan Dantas Souza- professora do curso de educação física da UNEMAT - campus de Cáceres
7 Prof. Dr. Marcelo Pereira de Almeida Ferreira - Prof. Adjunto Universidade Federal do Pará
/Campus Castanhal
8 Leni Hack - professora adjunta do curso de educação física da UNEMAT - campus de Cáceres
9 Marcela Ariete dos Santos - professora do curso de Educação Física da UNEMAT - campus de
Cáceres
10 Emmanuel Alves Carneiro - professor do Instituto Federal do Ceará - campus de Fortaleza
11 Grupo de Estudos e Pesquisas Vitor Marinho - Departamento de Lutas / EEFD/UFRJ
12 Marcus Vinicius Bonfim Ambrosio
Membro do colegiado e NDE da PUC Minas
13 Thiago Barreto Maciel - Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF
14 Caroline Correia Maciel - doutoranda em educação pela Universidade Federal do Mato Grosso do
Sul/docente da educação básica pela Secretaria Municipal de Campo Grande e pela Rede Estadual
do estado do Mato Grosso do Sul
15 Márcia Morschbacher - professora do Departamento de Metodologia do Ensino do Centro de
Educação da Universidade Federal de Santa Maria
16 Emanoel Borges Candal
professor da educação básica
Mestrando em Educação PPGE-UFRJ
Coordenador nacional ExNEEF (gestão 16-18)
17 Rogerio Massarotto de Oliveira. prof adjunto do Departamento de Educação Física - Universidade
Estadual de Maringá
18 Jennifer Aline Zanela - professora do município de Campo Grande/MS
19- Celi Taffarel - professora Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia
20 - Mônica Rodrigues Maia de Andrade - Colégio de Aplicação João XXIII
21 - Joyce Pitz de Melo Monteiro
Licenciada Educação Física (EEFD-UFRJ)
Mestranda em Educação PPGE-UFRJ
Coordenadora nacional ExNEEF (gestão 18-19)
22 - Prof. Adj. Hugo Leonardo Fonseca da Silva - FEFD-UFG
23 – Bruna Marcelo Freitas – professora Assistente do curso de Educação Física da UNEMAT -
campus de Diamantino
24 - Profa. Paula Marçal Natali- Professora do Departamento de educação física da Universidade
Estadual de Maringa- Campus Regional do Vale do Ivaí
25 - Prof. Lênin Tomazett Garcia. FEFD/UFG
26 - Prof Dr Marcelo Victor da Rosa, coordenador dos cursos de licenciatura e bacharelado em
educação física na ufms
27 - Prof. Marlon Messias Santana Cruz. Universidade do Estado da Bahia - UNEB Departamento de
Educação - Campus XII Guanambi
28 - Prof. Vilson Aparecido da Mata. Universidade Federal do Paraná. Setor Litoral

29 - Profa Thaís Godoi de Souza. Professora do departamento de Educação Física da Universidade


Estadual de Maringá- Câmpus Regional Vale do Ivaí
30 - Murilo Silva de Abreu.
Licenciado em EF (UFG RC) Mestrando em Educação Fisica (FEFD - UFG) - Coordenador Nacional
ExNEEF (Gestao 2018-2019)
31. Andreia Cristina Peixoto Ferreira - Professora Associada III da Universidade Federal de Catalão
32 - Renato Sarti - Técnico em Assuntos Educacionais EEFD UFRJ
33 - Gabriel Nicolodelli da Silva - professor da rede municipal de Florianópolis
34 - Cláudio de Lira Santos Júnior
Prof. da Faculdade de Educação da Ufba
35 - Erika Suruagy Assis de Figueiredo - Profa Departamento de Educação da UFRPE
36. Marcelo P. De Melo. Prof Escola de Educação Física e Desportos e Programa Pós Graduação
em Educação - UFRJ
37. Profa Dra Maria da Conceição dos Santos Costa
Docente Adjunta da Faculdade de Educação Física/Instituto de Ciências da Educação UFPA
38. Melina Silva Alves - prof. adjunta Depto de Educação Física/CCS/UFPB - Coordenadora
Licenciatura em EF bom UFPB.
39. Cássia Cristina Furlan - docente adjunta do curso de educação física - faculdade de educação -
UFGD
40- Graziany Penna Dias - Professor Doutor do IF Sudeste MG/Campus Juiz de Fora
41- Thunay Venzi Botrel Professor do Colégio de Aplicação João XXlll/UFJF.
42 - Eduardo Reis Pieretti
Professor do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Nova Andradina
43- professor Wilson Alviano Júnior - Faculdade de Educação UFJF
44 - prof. Herrmann Vinicius de Oliveira Muller. Departamento de educação física da UFPR
45 - Prof. Dr. Marcel Lima Cunha
Professor do Curso de Educação Física da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA
46 - Prof Dr Robson dos Santos Bastos, Professor do Curso de Educação Física da Escola Superior
Madre Celeste - ESMAC/PA.
47 - Gustavo José Silva de Lira - Docente Colegio de Aplicação da UFPE.
48- Céres Cemírames de Carvalho Macias. Docente Titular da Escola de Aplicação da UFPA
49 - Hamilcar Silveira Dantas Junior.
Professor Depto. Educação Física da Universidade Federal de Sergipe.
50- Flaviana Alves Toledo - docente Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais, Campus Barbacena
51 - Hajime Takeuchi Nozaki - FACED/UFJF
52 - Benedito Carlos Libório Caires Araújo- professor do curso de educação física da Universidade
Federal de Sergipe
53 - Adriana Penna. Instituto de Educação Física - Universidade Federal Fluminense.
54- Tadeu João Ribeiro Baptista - Universidade Federal de Goiás.
55- Zaira Valeska Dantas da Fonseca - Professora da Universidade do Estado do Pará
56 - Gustavo da Silva Freitas - Professor do Instituto de Educação da Universidade Federal do Rio
Grande
57 -Roberto Alves Simões - Prof. Faculdade de Educação da UFF e da rede estadual de ensino do
RJ; Dirigente do Sepe/RJ.
58 - Tadeu João Ribeiro Baptista - Universidade Federal de Goiás.
60 - Emerson Saint’Clair - coordenador adjunto do curso de Educação Física - Instituto Federal
Fluminense.
61 - Professor adjunto FEFD UFG Ricardo Lira de rezende neves.
62 - Professor Itamar Silva de Sousa, curso de Educação Física, UNEB, Departamento de Ciências
Humanas- DCH-IV, Jacobina-Ba.
63 - prof. Herrmann Vinicius de Oliveira muller. Departamento de educação física da UFPR
64 - Michele Pereira de Souza da Fonseca - UFRJ
65 - Álvaro de Azeredo Quelhas - FACED/UFJF
66 - Billy Graeff - FURG
67- Maristela da Silva Souza. Departamento de desportos individuais. Ufsm.
68- Bernardo de Mattos Figueiredo. Prof. das redes municipais do Rio de Janeiro e Nova Iguaçu.
69 - Marcelo Nunes Sayão. Professor do IFRJ
70 - Paulo Antonio Cresciulo de Almeida professor Associado da UFF
71 - Prof. Dr Lúcio Fernandes Ferreira- Coordenador do Curso Licenciatura em Educação Física da
Universidade Federal do Amazonas
72 – Elizandra Garcia da Silva - Instituto de Educação Física - Universidade Federal Fluminense
73 - Waldyr Lins - Instituto de Educação Física - Universidade Federal Fluminense
74 – Jonas Lírio Gurgel - Instituto de Educação Física - Universidade Federal Fluminense
75- Edmundo Drummond- Instituto de Educação Física - Universidade Federal Fluminense
AGUARDANDO HOMOLOGAÇÃO

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

INTERESSADA: Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior UF: DF


(SERES)
ASSUNTO: Consulta da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior
(SERES) sobre a forma de operacionalização, no âmbito do Cadastro e-MEC, da Resolução
CNE/CES nº 6, de 18 de dezembro de 2018, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
dos Cursos de Graduação em Educação Física.
RELATORA: Marilia Ancona Lopez
PROCESSO Nº: 23000.029476/2019-46
PARECER CNE/CES Nº: COLEGIADO: APROVADO EM:
283/2020 CES 21/5/2020

I – RELATÓRIO

O presente processo aprecia a consulta formulada no Ofício nº


3937/2019/CGLNRS/DPR/SERES/SERES-MEC, de 16 de dezembro de 2019, no qual o
Secretário Executivo solicita subsídios sobre a operacionalização da Resolução CNE/CES nº
6, de 18 de dezembro de 2018, referente às Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de
Graduação em Educação Física.
Informa que a Coordenação-Geral de Gestão de Informação de Regulação da
Educação Superior (CGGIRES), da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação
Superior (SERES) entende que, pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de
Graduação de Educação Física (DCNs), a Instituição de Educação Superior (IES) tem a
obrigatoriedade de ofertar o curso em dois graus, bacharelado e licenciatura, e o aluno deve
optar por um deles depois de cursar 2 (dois) anos de núcleo comum.

Histórico

O Ofício nº 134/2019/CGDIRES/DPR/SERES-MEC solicita esclarecimentos sobre a


nova DCN de Educação Física e operacionalização no sistema e-MEC. Informa que tem
recebido questionamentos acerca da forma de operacionalização da Resolução CNE/CES nº
6/2018. Segundo o entendimento da CGGIRES:

[...]
a nova DCN de Educação Física indica a obrigatoriedade de que a Instituição
oferte o curso de Educação Física tanto para o grau “bacharelado” como para
“licenciatura”, de forma que o aluno que optar por um curso de Educação Física
deva cursar um núcleo comum e em determinado ponto do curso, escolher entre
qualquer um dos graus e seguir o percurso formativo complementar específico,
conforme trechos da resolução transcritos abaixo.

Resolução CNE/CES nº 6/2018, fica estabelecido:


...

Marilia Ancona – 9476 Documento assinado eletronicamente nos termos da legislação vigente
PROCESSO Nº: 23000.029476/2019-46

Art. 5º Dada a necessária articulação entre conhecimentos, habilidades,


sensibilidade e atitudes requerida do egresso para o futuro exercício profissional, a
formação do graduado em Educação Física terá ingresso único, destinado tanto ao
bacharelado quanto à licenciatura, e desdobrar-se-á em duas etapas, conforme
descrição a seguir: (grifo nosso)
I - Etapa Comum - Núcleo de estudos da formação geral, identificador da área
de Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais,
comum a ambas as formações.
II - Etapa Específica - Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e
seiscentas) horas referenciais, na qual os graduandos terão acesso a conhecimentos
específicos das opções em bacharelado ou licenciatura. (grifo nosso)
§ 1º No início do 4º (quarto) semestre, a Instituição de Educação Superior
deverá realizar uma consulta oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito da
escolha da formação que pretendem seguir na Etapa Específica - bacharelado ou
licenciatura - com vistas à obtenção do respectivo diploma, ou, ao final do 4º (quarto)
semestre, definir sua escolha mediante critérios pré-estabelecidos; (grifo nosso)
§ 2º A formação para intervenção profissional à pessoa com deficiência deve
ser contemplada nas duas etapas e nas formações tanto do bacharelado, quanto da
licenciatura. (grifo nosso)

O contexto da Resolução nº 6/2018 se aproxima do que ocorre com algumas


universidades públicas federais com o uso da estrutura de ABI (área básica de
ingresso), utilizada para indicar o ingresso único em cursos que possuem um ciclo
básico comum possibilitando ao aluno a migração para um curso específico,
devidamente registrado com código e grau próprio, em momento indicado pela
instituição.
Nas primeiras demandas recebidas sobre como operacionalizar a referida
resolução, o encaminhamento da CGGIRES foi realizado considerando o seguinte
procedimento: criação de ABI-Educação Física associada à IES, seguida da
vinculação dos cursos de bacharelado em Educação Física e de licenciatura em
Educação Física.
O entendimento de algumas instituições, entretanto, é divergente desse
apresentado pela CGGIRES, conforme relato em demandas exemplificativas
transcritas abaixo. Uma das interpretações é a de que não há a necessidade do
registro de dois códigos de cursos, um para cada grau, no Cadastro e-MEC.

[...]
SIMEC:421531 – CUBE: 4059676 – UNIVERSIDADE LUTERANA DO
BRASIL – ULBRA – (449) – Data: 24/09/2019
(...) recebemos a informação que deveríamos solicitar dois códigos de curso de
Educação Física, um para o bacharelado e outro para a licenciatura, e deveríamos
solicitar para a SERES criar um código ABI para ingresso dos estudantes. Entretanto,
surgiram novas dúvidas que repassamos abaixo e contamos com vossos
esclarecimentos para atender as novas DCNs dos cursos de Educação Física: 1) Se a
IES já possui um curso de Educação Física – bacharelado, é obrigada a solicitar
autorização para outro código para a Educação Física – licenciatura, mesmo que a
IES não tenha intenção de ofertar a licenciatura do curso de Educação Física? Neste
caso haveria ingresso apenas no curso de Educação Física – Bacharelado. Este
questionamento se justifica porque temos campi que não existe demanda para a
licenciatura da Educação Física. Então não haveria motivo para autorizar e manter

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PROCESSO Nº: 23000.029476/2019-46

uma estrutura sem alunos. 2) Se a IES, sem autonomia, já tem um curso de Educação
Física – bacharelado autorizado e em funcionamento, deve solicitar um novo código
para a licenciatura via protocolo de processo de autorização de cursos no Sistema e-
MEC ou apenas solicitar a inserção de um novo código através s de demanda a
SERES? 3) Se a IES possui um curso de Educação Física – bacharelado, autorizado e
em funcionamento, poderá expedir diplomas de bacharelado ou de licenciatura sem
necessitar cadastrar um novo código de curso para a Educação Física Licenciatura?

Uma vez que o aluno poderá optar por qualquer uma das formações,
licenciatura ou bacharelado, entende-se clara a necessidade da existência de dois
cursos no Cadastro e-MEC que respaldem a diplomação em qualquer um dos graus.
Diante do exposto solicita-se o esclarecimento de como deve ser realizada a
operacionalização da Resolução nº 6/2018 no âmbito do Cadastro e-MEC e caso haja
a confirmação de que o entendimento da CGGIRES indicado acima está correto,
ainda restam alguns pontos por definir, por exemplo, sobre a) como as IES deverão
proceder no caso de só possuírem curso de educação física em um dos graus? B)
quando a instituição ainda não possui nenhum curso de educação física deverá
solicitar dois processos de autorização um para cada grau obrigatoriamente? ”
A CGDIRES aguarda as orientações necessárias para atendimento das
demandas das instituições.

Considerações da Relatora

A Resolução CNE/CES nº 6/2018, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos


Cursos de Graduação em Educação Física dispõe:

[...]
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) do curso de graduação em Educação Física, assim denominado, a serem
observadas na organização, desenvolvimento e avaliação dos cursos, estabelecendo
as suas finalidades, os princípios, os fundamentos e a dinâmica formativa.
Parágrafo Único – São objetos destas Diretrizes, os cursos de graduação
denominados, exclusivamente, de Educação Física.
Art. 2º O curso de graduação em Educação Física tem carga horária
referencial de 3.200 (três mil e duzentas) horas para o desenvolvimento de atividades
acadêmicas.
Art. 3º A Educação Física é uma área de conhecimento e de intervenção
profissional que tem como objeto de estudo e de aplicação a motricidade ou
movimento humano, a cultura do movimento corporal, com foco nas diferentes formas
e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, das lutas e da
dança, visando atender às necessidades sociais no campo da saúde, da educação e da
formação, da cultura, do alto rendimento esportivo e do lazer.
Art. 4º O curso de graduação em Educação Física deverá articular a formação
inicial e continuada, tendo como premissa a autonomia do(a) graduando(a) para o
contínuo aperfeiçoamento, mediante diversas formas de aprendizado.
Art. 5º Dada a necessária articulação entre conhecimentos, habilidades,
sensibilidade e atitudes requerida do egresso para o futuro exercício profissional, a
formação do graduado em Educação Física terá ingresso único, destinado tanto ao
bacharelado quanto à licenciatura, e desdobrar-se-á em duas etapas, conforme
descrição a seguir:

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PROCESSO Nº: 23000.029476/2019-46

I - Etapa Comum - Núcleo de estudos da formação geral, identificador da área


de Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais,
comum a ambas as formações.
II - Etapa Específica - Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e
seiscentas) horas referenciais, na qual os graduandos terão acesso a conhecimentos
específicos das opções em bacharelado ou licenciatura.
§ 1º No início do 4º (quarto) semestre, a Instituição de Educação Superior
deverá realizar uma consulta oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito da
escolha da formação que pretendem seguir na Etapa Específica - bacharelado ou
licenciatura - com vistas à obtenção do respectivo diploma, ou, ao final do 4º (quarto)
semestre, definir sua escolha mediante critérios pré-estabelecidos;
§ 2º A formação para intervenção profissional à pessoa com deficiência deve
ser contemplada nas duas etapas e nas formações tanto do bacharelado, quanto da
licenciatura.
§ 3º A integração entre as áreas específicas dependerá de procedimento
próprio e da organização curricular institucional de cada IES, sendo vedada a
eliminação de temas ou conteúdos relativos a cada uma das áreas específicas
indicadas.

As Diretrizes referem-se ao curso de Educação Física como um único curso que se


desenvolve em três etapas: após um ciclo básico comum, o aluno escolhe uma entre as duas
etapas específicas, bacharelado ou licenciatura, ou ambas. Tratando-se de um único curso,
entende-se que o diploma também será único podendo ser apostilado em seu verso a(s)
terminalidade(s) realizada(s) pelo aluno: Bacharelado, Licenciatura ou ambas, conforme o
caso. O curso de Educação Física, portanto, oferece um único diploma de graduação em
Educação Física, passível de dois apostilamentos: um de Bacharelado e outro de Licenciatura.
No caso de o aluno finalizar uma delas e, posteriormente, realizar a segunda etapa específica,
ela deverá ser apostilada em seu diploma de graduação.
Entende-se que o objetivo das Diretrizes Curriculares Nacionais de Graduação em
Educação Física é a de estabelecer uma sólida base comum de modo a garantir que todo
formando tenha adquirido os conhecimentos necessários à sua atuação seja como bacharel,
seja como licenciado. Nesse entendimento, cada instituição poderá, em sua autonomia,
oferecer apenas uma das terminalidades específicas desde que garanta a existência do ciclo
básico, atendendo a todas as orientações contidas nas DCNs. Tal posto, é preciso que a IES
deixe claro aos estudantes ou futuros estudantes a etapa ou as etapas específicas que oferece.
A forma de registro a ser utilizada pela CGGIRES/SERES deve considerar que se trata
de um único curso de graduação em Educação Física e que o ingresso se dá em um ciclo
básico comum podendo ser oferecida uma ou duas das etapas específicas.
A partir dessas considerações é possível responder às dúvidas apresentadas no Ofício
nº 134/2019/CGDIRES/SERES-MEC, de 11 de outubro de 2019:

[...]
a) “(...) como as IES deverão proceder no caso de só possuírem curso de
educação física em um dos graus? ”

As IES solicitarão autorização para ofertar o curso de graduação em Educação Física


informando quais as etapas específicas que serão oferecidas após o ciclo básico, a serem
divulgadas nos documentos oficiais e naquelas feitas para os alunos e futuros alunos.

[...]

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PROCESSO Nº: 23000.029476/2019-46

b) “(...) quando a instituição ainda não possui nenhum curso de educação física
deverá solicitar dois processos de autorização um para cada grau obrigatoriamente?”
A instituição solicitará autorização para o curso de graduação em Educação Física e,
em sua autonomia, decidirá ofertar uma ou duas das etapas específicas do curso, explicitando
sua opção.

II – VOTO DA RELATORA

Responda-se à interessada, nos termos deste Parecer.

Brasília (DF), 21 de maio de 2020.

Conselheira Marilia Ancona Lopez – Relatora

III – DECISÃO DA CÂMARA

A Câmara de Educação Superior aprova, por unanimidade, o voto da Relatora.


Sala das Sessões, em 21 de maio de 2020.

Conselheiro Antonio de Araujo Freitas Júnior – Presidente

Conselheiro Joaquim José Soares Neto – Vice-Presidente

Marilia Ancona - 9476 P


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17/07/2020 SEI/MEC - 2137247 - Ofício

Ministério da Educação
SGAS, Av. L2 Sul, Quadra 607, Lote 50 - Bairro Asa Sul, Brasília/DF, CEP 70200-670
Telefone: 2022-7734 - h p://www.mec.gov.br

OFÍCIO Nº 310/2020/CES/SAO/CNE/CNE-MEC
Brasília, 06 de julho de 2020.

Ao senhor
Prof. Dr. MÁRIO HEBLING CAMPOS
Diretor da Faculdade de Educação Física e Dança
Universidade Federal de Goiás (UFG)

Assunto: Esclarecimentos sobre a Resolução CNE/CES nº 6/2018.

Prezado Senhor,

1. Recebemos, neste Conselho Nacional de Educação (CNE), consulta protocolada sob o nº


23001.001057/2019-30, por meio do qual Vossa Senhoria solicita esclarecimentos, à luz da Resolução
CNE/CES nº 6/2018, quanto à oferta do curso de graduação em Educação Física.
2. De modo a esclarecer os ques onamentos encaminhados, destacamos de início o texto das
Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Educação Física, estabelecidas nos termos da Resolução
CNE/CES nº 6/2018:
Art. 2º O curso de graduação em Educação Física tem carga horária referencial de 3.200 (três mil e
duzentas) horas para o desenvolvimento de a vidades acadêmicas.
[...]
Art. 5º Dada a necessária ar culação entre conhecimentos, habilidades, sensibilidade e a tudes
requerida do egresso para o futuro exercício profissional, a formação do graduado em Educação Física
terá ingresso único, des nado tanto ao bacharelado quanto à licenciatura, e desdobrar-se-á em duas
etapas, conforme descrição a seguir:
I - Etapa Comum - Núcleo de estudos da formação geral, iden ficador da área de Educação Física, a ser
desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais, comum a ambas as formações.
II - Etapa Específica - Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e seiscentas) horas
referenciais, na qual os graduandos terão acesso a conhecimentos específicos das opções em
bacharelado ou licenciatura.
§ 1º No início do 4º (quarto) semestre, a Ins tuição de Educação Superior deverá realizar uma consulta
oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito da escolha da formação que pretendem seguir
na Etapa Específica - bacharelado ou licenciatura - com vistas à obtenção do respec vo diploma, ou,
ao final do 4º (quarto) semestre, definir sua escolha mediante critérios pré-estabelecidos;
§ 2º A formação para intervenção profissional à pessoa com deficiência deve ser contemplada nas
duas etapas e nas formações tanto do bacharelado, quanto da licenciatura.

https://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=2137247&codigo_crc=78c4103F&hash_downl… 1/5
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§ 3º A integração entre as áreas específicas dependerá de procedimento próprio e da organização


curricular ins tucional de cada IES, sendo vedada a eliminação de temas ou conteúdos rela vos a
cada uma das áreas específicas indicadas. (Grifos nossos)
[...]
Art. 30 As Ins tuições de Educação Superior poderão, a critério da Organização do Projeto Pedagógico
Curricular do Curso de Educação Física, admi r, em observância do disposto nesta Resolução, a dupla
formação dos matriculados em bacharelado e licenciatura.

3. Da leitura do ar go 5º, temos que a Resolução não prevê a obrigatoriedade da oferta de


ambas as formações – licenciatura e bacharelado, permi ndo à IES, em sua autonomia, oferecer apenas
uma das terminalidades específicas. Assim, caso a ins tuição decida pela oferta da formação des nada
apenas à licenciatura ou apenas ao bacharelado, em ambos os casos, a organização curricular de cada
formação deverá se desenvolver com a carga horária referencial de 3.200 (três mil e duzentas) horas,
contemplar as habilidades e competências a serem desenvolvidas, assim como os conteúdos curriculares
que comporão os diversos eixos de formação, cabendo à IES, observadas às DCNs do curso, definir a matriz
curricular, deixando claro quais formações oferece.
4. No entanto, cumpre esclarecer que as DCNs concebem o curso de Educação Física como um
curso único, e, portanto, com Projeto Pedagógico com matriz comum, bem como um único Núcleo Docente
Estruturante (NDE), restando claro a previsão das duas formações com percursos forma vos dis ntos.
5. Caso a IES oferte as duas formações, o ingresso no curso deverá ser único e desdobrar-se em
duas etapas: uma etapa comum a todos os alunos e, a par r da escolha efetuada no 4º semestre, uma
etapa específica ou, ainda, ambas. A possibilidade de dupla formação, preconizada no ar go 30 das DCNs,
delega à Ins tuição, no âmbito de sua autonomia, adequar seu Projeto Pedagógico de Curso e definir como
ela se dará, inclusive no que diz respeito à possibilidade de cursar, concomitantemente, as duas formações,
respeitando o que determina a Resolução para cada etapa de formação específica, especialmente no que se
refere à observância das cargas horárias (1600 horas des nadas à etapa comum e 1600 horas des nadas a
cada etapa específica). O PPC do curso deverá, em função desta permissão norma va, exprimir essa
composição, se for o caso, com a definição das cargas horárias das disciplinas, com os obje vos e as
respe vas diferenciações entre as duas habilitações bem definidos.
6. Da mesma forma, também compete à IES a definição de quais serão os critérios para a
escolha, pelo aluno, no início do 4º semestre da formação a ser seguida, conforme estabelece o art. 5º, § 1º
da Resolução CNE/CES nº 6/2018.
7. No que se refere aos ques onamentos sobre o estágio supervisionado obrigatório para o
curso de Educação Física, temos o que segue.
8. O estágio supervisionado possui, como pressuposto, a formação e a prá ca da a vidade
profissional voltada à especialidade de cada curso. Portanto, no caso em tela, ele só poderá ser realizado
pelo graduando após a definição de sua formação – bacharelado ou licenciatura, conforme o disposto no §
1º, art. 5º, da Resolução CNE/CES nº 6/2018. Importa ressaltar que, caso a IES oferte apenas uma formação,
caberá à ins tuição, observado o disposto nas DCNs do curso, definir a matriz curricular sem,
obrigatoriamente, considerar o desdobramento do curso em duas etapas, não havendo, assim, restrição
quanto ao desenvolvimento do estágio supervisionado antes do 4º semestre.
9. Quanto à carga horária, temos que os 20% des nados ao estágio supervisionado para cada
etapa específica estão inseridos na carga horária total do curso de graduação em Educação Física, que,
conforme o ar go 2º, é de 3.200 horas referenciais, totalizando, portanto, 640 horas. Sobre o assunto
destacamos da Resolução o que segue:
[...]
Art. 11 As a vidades prá cas da etapa específica da Licenciatura deverão conter o estágio
supervisionado, bem como outras vinculadas aos diversos ambientes de aprendizado escolares e não
escolares.
§ 1º O estágio deverá corresponder a 20% das horas referenciais adotadas pelo conjunto do curso de
Educação Física ao aprendizado em ambiente de prá ca real, e deverá considerar as polí cas
ins tucionais de aproximação ao ambiente da escola e às polí cas de extensão na perspec va da
atribuição de habilidades e competências.

https://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=2137247&codigo_crc=78c4103F&hash_downl… 2/5
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§ 2º O estágio deverá expressar e integrar o conjunto de a vidades prá cas realizadas ao longo do
curso e ser oferecido, de forma ar culada, com as polí cas e as a vidades de extensão da ins tuição
com curso.
§ 3º Os graduandos em a vidades de estágio deverão ter seu desempenho e aproveitamento avaliado
por metodologia própria desenvolvida no âmbito do Projeto Pedagógico Curricular do Curso e do
Projeto Ins tucional.
[...]
Art. 22 As a vidades prá cas da formação específica do Bacharelado deverão conter o estágio
supervisionado de 20% das horas referenciais adotadas pelo conjunto do curso de Educação Física,
oferecido na área de bacharelado.
§ 1º O estágio deverá corresponder ao aprendizado em ambiente de prá ca real, considerando as
polí cas ins tucionais de aproximação a ambientes profissionais e as polí cas de extensão na
perspec va da atribuição de habilidades e competências.
§ 2º O estágio deverá expressar etapas de prá cas anteriores de aproximação ao ambiente profissional
e ser oferecido de forma ar culada com as polí cas e as a vidades de extensão da ins tuição junto ao
curso.
§ 3º Os graduandos, em a vidades de estágio, deverão ter seu desempenho e aproveitamento
avaliado por metodologia própria desenvolvida no âmbito do Projeto Pedagógico Curricular do Curso e
do Projeto Ins tucional.

10. No que se refere à oferta específica do curso de graduação em Educação Física, licenciatura,
importa registrar que, não obstante a obrigação de a IES atender, de forma ar culada, tanto o que dispõe as
DCNs do curso, no que se refere à etapa comum e à etapa específica referente à formação para o
licenciado, quanto as DCNs para a formação inicial de professores para a Educação Básica, consubstanciadas
na Resolução CNE/CP nº 2/2019, importa destacar que a carga horária para o estágio supervisionado para o
curso de licenciatura em Educação Física deverá ser aquela preconizada na Resolução CNE/CES nº 6/2018,
tendo em vista tratar-se de norma específica para o curso.
11. Ainda sobre o caput do ar go 11, que prescreve que as a vidades prá cas da etapa
específica da Licenciatura deverão conter o estágio supervisionado, bem como outras vinculadas aos
diversos ambientes de aprendizado escolares e não escolares, tal determinação se dá considerando o
escopo de atuação do graduado em Educação Física.
12. Tanto do ponto de vista do mérito quanto do ponto de vista formal, a formação acadêmica
de licenciados e de bacharéis os qualifica indis ntamente para o registro profissional como possuidores de
diploma ob do em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido, nos termos do art. 2º
da Lei nº 9.696/1998, de modo a atuarem profissionalmente – tanto bacharéis quanto licenciados – na área
da Educação Física em espaços profissionais não-escolares como academias, clubes espor vos e similares.
13. A Resolução em comento, além do estágio, prevê outras a vidades como componente
curricular, dentre as quais a vidades prá cas, cuja carga horária deverá ser de 10% da carga total do curso,
conforme o ar go 13 e ar go 23, referentes à formação em licenciatura e em bacharelado,
respec vamente:
Art. 13 A etapa específica para formação em Licenciatura deverá desenvolver estudos integradores
para enriquecimento curricular, com carga horária referenciada em 10% do curso, compreendendo a
par cipação em:
a) seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação cien fica, iniciação à docência,
residência docente, monitoria e extensão, entre outros, definidos no projeto ins tucional da Ins tuição
de Educação Superior e diretamente orientados pelo corpo docente da mesma ins tuição;
b) a vidades prá cas ar culadas entre os sistemas de ensino e ins tuições educa vas de modo a
propiciar vivências nas diferentes áreas do campo educacional, assegurando aprofundamento e
diversificação de estudos, experiências e u lização de recursos pedagógicos;
c) intercâmbio acadêmico interins tucional; e
d) a vidades de comunicação e expressão, visando à aquisição e à apropriação de recursos de
linguagem capazes de comunicar, interpretar a realidade estudada e criar conexões com a vida social;
[...]
Art. 23 A formação específica do Bacharelado deverá desenvolver, além do estágio, outras a vidades
prá cas como componente curricular, distribuídas ao longo do processo forma vo.
https://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=2137247&codigo_crc=78c4103F&hash_downl… 3/5
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Parágrafo único. As a vidades de que trata o caput poderão ser desenvolvidas de forma ar culada
com disciplinas existentes ou serem organizadas como disciplinas ou a vidades acadêmicas próprias,
correspondendo a 10% das horas referenciais adotadas pelo conjunto do curso de Educação Física.
[...]

14. Para a etapa comum, a Resolução prevê a vidades acadêmicas, com carga horária
preferencial de 10% da carga horária comum, totalizando 160 horas:
Art. 8º A etapa comum deverá proporcionar a vidades acadêmicas integradoras tais como:
a) nivelamento de conhecimentos aos ingressantes por meio de processo avalia vo e acolhimento
próprio.
b) disciplinas de aproximação ao ambiente profissional de forma a permi r aos estudantes a percepção
acerca de requisitos profissionais, iden ficação de campos ou áreas de trabalho e o desenvolvimento
de a vidades didá co-pedagógicas intera vas com espaços profissionais, inclusive escolas de
educação básica e média.
Parágrafo único. As ins tuições, no âmbito de suas polí cas ins tucionais curriculares, deverão
desenvolver as a vidades acima, preferencialmente, em 10% da carga horária adotada na etapa
comum.

15. Com relação às a vidades previstas nas DCNs, incluindo aquelas constantes no ar go 25, que
possuem carga horária flexível, cumpre esclarecer que é prerroga va da ins tuição de ensino a definição da
matriz curricular do curso ofertado, desde que atenda às diretrizes curriculares nacionais, tenha coerência
com o Projeto Pedagógico do Curso e respeite o disposto na legislação específica.
16. Ainda em atenção ao ques onamento referente ao estágio e às a vidades de extensão,
importa registrar que o estágio supervisionado possui, como pressuposto, a formação e a prá ca
profissional voltada à especialidade de cada curso, que, por sua vez, não se confunde com as a vidades de
extensão, cujo obje vo, mais amplo, propõe a interação entre as ins tuições de ensino superior e outros
setores da sociedade.
17. Nesse sen do, destacamos o texto do Parecer CNE/CES nº 608/2018, que fundamentou a
Resolução CNE/CES nº 7/2018, que estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira
e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação -
PNE 2014-2024 e dá outras providências:
A qualificação da formação do estudante, por meio de seu envolvimento em a vidades extensionistas,
depende também, no âmbito interno das ins tuições de ensino, de um diálogo franco e permanente
dos órgãos, des nados ao fomento das a vidades extensionistas, com os colegiados de gestão
acadêmica da graduação e da pós-graduação, de forma que possibilite a aplicação efe va das
Diretrizes de Extensão e da legislação vigente.
Essa estruturação norma va e legal, portanto, deve orientar o estabelecimento de regras para o
estágio supervisionado, bem como para a composição da grade curricular, levando em conta a
correlação entre a carga horária e os créditos atribuídos, ou a previsão de cronogramas de disciplinas e
regras disciplinares.
[...]
Como se observa, este Parecer considera, prioritariamente, como a vidades de extensão, as
intervenções que envolvam diretamente as comunidades externas às ins tuições de ensino superior e
que estejam vinculadas à formação do estudante e amparadas por diretrizes e princípios claramente
definidos, podendo ser complementadas por normas ins tucionais próprias.
Segundo sua caracterização, nos projetos polí cos pedagógicos dos cursos, as a vidades de extensão
devem se inserir em programas, cursos e oficinas, eventos e prestação de serviços. No entanto, as
a vidades de extensão não devem se reduzir às a vidades exclusivamente provenientes de polí cas
ins tucionais próprias. É desejável, desse modo, que as a vidades incluam, além dos programas
ins tucionais, eventualmente também programas de natureza governamental, que atendam a
polí cas municipais, estaduais, distritais e nacional.
[...]
Como se percebe, os projetos polí cos pedagógicos dos cursos de graduação deverão, portanto, se
adequar ao novo ordenamento legal da extensão, de modo que confira às a vidades de extensão a
importância necessária, além de caracterizar adequadamente a par cipação dos estudantes,
permi ndo-lhes, dessa forma, a obtenção de créditos curriculares ou carga horária equivalente após
a devida avaliação. Para tanto, as a vidades de extensão devem ter sua proposta, desenvolvimento e
https://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=2137247&codigo_crc=78c4103F&hash_downl… 4/5
17/07/2020 SEI/MEC - 2137247 - Ofício

conclusão registrados, documentados e analisados, de forma que seja possível organizar os planos de
trabalho, as metodologias, os instrumentos e os conhecimentos gerados.
Nesse sen do, torna-se imprescindível que tais a vidades sejam sistema zadas, acompanhadas,
fomentadas e avaliadas por instâncias administra vas ins tucionais devidamente estabelecidas,
conforme definido em regimentos próprios, e garantam o devido registro na documentação estudan l
como forma de reconhecimento da sua dimensão forma va. (Grifos nossos).

18. Conforme o entendimento acima exposto, as polí cas de extensão das IES deverão não
apenas nortear a composição da grade curricular, como também figurar como componente curricular dos
cursos de graduação, pificadas como tal na matriz curricular do curso, e caracterizadas nos termos da
Resolução CNE/CES nº 7/2018, conforme ar gos abaixo:
Art. 4º As a vidades de extensão devem compor, no mínimo, 10% (dez por cento) do total da carga
horária curricular estudan l dos cursos de graduação, as quais deverão fazer parte da matriz curricular
dos cursos;
[...]
Art. 8º As a vidades extensionistas, segundo sua caracterização nos projetos polí cos pedagógicos dos
cursos, se inserem nas seguintes modalidades:
I - programas;
II - projetos;
III - cursos e oficinas;
IV - eventos;
V - prestação de serviços
[...]
Art. 12 A avaliação externa in loco ins tucional e de cursos, de responsabilidade do Ins tuto Anísio
Teixeira (INEP), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC) deve considerar para efeito de
autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos, bem como para o
credenciamento e recredenciamento das ins tuições de ensino superiores, de acordo com o Sistema
Nacional de Avaliação (SINAES), os seguintes fatores, entre outros que lhe couber:
I - a previsão ins tucional e o cumprimento de, no mínimo, 10% (dez por cento) do total da carga
horária curricular estudan l dos cursos de graduação para as a vidades de extensão pificadas no Art.
8º desta Resolução, as quais deverão fazer parte da matriz curricular dos cursos;

19. Eram os esclarecimentos a serem prestados.

Atenciosamente,

ANTONIO DE ARAUJO FREITAS JÚNIOR


Presidente da Câmara de Educação Superior
Documento assinado eletronicamente por Antonio de Araujo Freitas Junior, Conselheiro(a), em
07/07/2020, às 17:11, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento da Portaria nº 1.042/2015
do Ministério da Educação.

A auten cidade deste documento pode ser conferida no site


h p://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?
acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 2137247 e o
código CRC 78C4103F.

Referência: Caso responda a este O cio, indicar expressamente o Processo nº 23001.001057/2019-30 SEI nº 2137247

https://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?acao=documento_conferir&codigo_verificador=2137247&codigo_crc=78c4103F&hash_downl… 5/5
Ministério da Educação
SGAS, Av. L2 Sul, Quadra 607, Lote 50 - Bairro Asa Sul, Brasília/DF, CEP
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Telefone: 2022-7734 - http://www.mec.gov.br

OFÍCIO Nº 361/2019/CES/SAO/CNE/CNE-MEC
Brasília, 18 de junho de 2019.

À Senhora
Profª. Drª. ZENÓLIA CHRISTINA CAMPOS FIGUEIREDO
Pró-Reitora de Graduação
Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

zenolia.figueiredo@ufes.br

Assunto: Esclarecimentos acerca da oferta do curso de graduação em


Educação Física.

Prezada Senhora,

1. Recebemos, neste Conselho Nacional de Educação (CNE), consulta


protocolada sob o nos 23001.000350/2019-80 e 23001.000462/2019-31, por
meio do qual Vossa Senhoria solicita o seguinte esclarecimento, à luz da
Resolução CNE/CES nº 6/2018:
Há possibilidade legal de a IES ofertar apenas o Curso de Licenciatura em
Educação Física, considerando somente as DCN de formação de professores,
ou seja, a Resolução CNE no 2/2015? [...] considerando a autonomia da IES
em optar pela oferta de apenas uma habilitação (licenciatura), qual DCN
teríamos que atender, já que a DCN da área determina um só modelo de
currículo, para aquela IES que oferta os dois cursos?

2. Inicialmente, destacamos que as Diretrizes Curriculares Nacionais


dos cursos de graduação aprovadas pelo CNE definem os objetivos formativos,
em termos de habilidades e competências a serem desenvolvidas, assim como
os conteúdos curriculares que comporão os diversos eixos de formação, cabendo
à IES, observadas as DCNs do curso, definir a matriz curricular.
3. Nesse sentido, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação
Superior (SERES/MEC), em sua página de Perguntas Frequentes, assim se
manifestou sobre o assunto, por meio da Nota Técnica nº 793/2015-
CGLNRS/DPR/SERES/MEC, conforme transcrevemos abaixo:
[...]
II.1 – AUTONOMIA DAS IES EM MATÉRIA DIDÁTICO-PEDAGOGÍCA
[...]

Ofício 361 (1602250) SEI 23001.000350/2019-80 / pg. 1


A distribuição das atividades discentes ao longo do período letivo é de
Competência exclusiva da própria IES, segundo sua organização didática, nos
termos do seu projeto pedagógico. O conjunto formativo, bem como a carga
horária final do curso, por outro lado, devem se manter dentro da norma
legal, obedecendo aos mínimos curriculares definidos.
4. Assim, tem-se que as IES definem de forma independente quais
disciplinas serão incluídas nas matrizes curriculares de seus cursos, sem
qualquer interferência por parte do Ministério da Educação, mas em estrita
observância das normas vigentes, dentre as quais se destacam as
respectivas Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN, caso tenham sido
aprovadas. (Grifo nosso).
[...]
III – CONCLUSÃO
16. Diante do exposto, conclui-se que as instituições de educação
superior possuem autonomia para proceder à organização da matriz
curricular de seus cursos, observadas, como referencial mínimo, as
normas e diretrizes curriculares estabelecidas pelo MEC para os
respectivos cursos, bem como os demais regramentos que regem a
educação superior no país.” (Grifo nosso)

4. Ademais, destacamos o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais


dos Cursos de Educação Física, estabelecidas nos termos da Resolução CNE/CES
nº 6/2018:
Art. 2º O curso de graduação em Educação Física tem carga horária
referencial de 3.200 (três mil e duzentas) horas para o desenvolvimento de
atividades acadêmicas.
[...]
Art. 5º Dada a necessária articulação entre conhecimentos, habilidades,
sensibilidade e atitudes requerida do egresso para o futuro exercício
profissional, a formação do graduado em Educação Física terá ingresso único,
destinado tanto ao bacharelado quanto à licenciatura, e desdobrar-se-á em
duas etapas, conforme descrição a seguir:
I - Etapa Comum - Núcleo de estudos da formação geral, identificador da
área de Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas)
horas referenciais, comum a ambas as formações.
II - Etapa Específica - Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil
e seiscentas) horas referenciais, na qual os graduandos terão acesso a
conhecimentos específicos das opções em bacharelado ou licenciatura.

5. Da leitura do artigo 5º, tem-se, portanto, que a IES poderá ofertar, a


seu critério, apenas bacharelado ou apenas licenciatura, ou, ainda, as duas
formações.
6. Importa destacar que a Resolução CNE/CES nº 6/2018 prevê a
possibilidade da dupla formação, conforme dispõe seu artigo 30:
Art. 30 As Instituições de Educação Superior poderão, a critério da
Organização do Projeto Pedagógico Curricular do Curso de Educação Física,
admitir, em observância do disposto nesta Resolução, a dupla formação dos
matriculados em bacharelado e licenciatura.

7. Nesse sentido, em resposta ao questionamento encaminhado, e


conforme entendimento implícito nas DCNs do curso de Educação Física, temos
que a Resolução não prevê a obrigatoriedade da oferta de ambas as
habilitações – licenciatura e bacharelado – do curso de Educação Física. Assim,
caso a instituição decida pela oferta da formação destinada à licenciatura ou ao
bacharelado, em ambos os casos, a organização curricular de cada formação
deverá se desenvolver com a carga horária referencial de 3.200 (três mil e
duzentas) horas, contemplar as habilidades e competências a serem
desenvolvidas, assim como os conteúdos curriculares que comporão os diversos
Ofício 361 (1602250) SEI 23001.000350/2019-80 / pg. 2
eixos de formação, cabendo à IES, observadas às DCNs do curso, definir a
matriz curricular sem, obrigatoriamente, considerar o desdobramento do curso
em duas etapas.
8. Cumpre ressaltar que para a oferta específica do curso de graduação
em Educação Física, licenciatura, a IES deverá, obrigatoriamente, observar tanto
o que dispõe as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso, no que se refere à
etapa comum e à etapa específica referente à formação para o licenciado,
quanto às normas referentes às Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação
pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação
continuada, consubstanciadas na Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de
2015.
9. Sobre a necessidade da observância das duas normas, cabe destacar
ainda o contido no Parecer CNE/CES nº 584/2018, que fundamentou a Resolução
CNE/CES nº 6/2018:
Neste contexto, estas DCNs em Educação Física representam um marco na
formação dos estudantes por preconizar a aquisição, durante sua graduação,
de competências, habilidades e atitudes, de modo que se alcance os
seguintes perfis do formando egresso/profissional:
O graduado Bacharel em Educação Física terá formação geral, humanista,
técnica, crítica, reflexiva e ética, qualificadora da intervenção profissional
fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética em
todos os campos de intervenção profissional da Educação Física, exceto a
docência na Educação Básica.
O graduado Licenciado em Educação Física terá formação humanista,
técnica, crítica, reflexiva e ética, qualificadora da intervenção profissional
fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética no
magistério, ou seja, na docência do componente curricular Educação Física,
tendo como refere ncia a Legislac̃ ao pro ́ pria do Conselho Nacional de
̃
Educacao, especificamente, a Resolução CNE/CP 02/2015. (Grifo nosso)

10. Eram os esclarecimentos a serem prestados.

Atenciosamente,

CONSELHEIRO ANTONIO DE ARAUJO FREITAS JÚNIOR


Presidente da Câmara de Educação Superior
Conselho Nacional de Educação

Documento assinado eletronicamente por Antonio de Araujo Freitas


Junior, Conselheiro(a), em 09/07/2019, às 15:00, conforme horário oficial
de Brasília, com fundamento da Portaria nº 1.042/2015 do Ministério da
Educação.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site


http://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?
acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o
código verificador 1602250 e o código CRC CDF47490.

Referência: Caso responda a este Ofício, indicar expressamente o Processo nº

Ofício 361 (1602250) SEI 23001.000350/2019-80 / pg. 3


Referência: Caso responda a este Ofício, indicar expressamente o Processo nº
SEI nº 1602250
23001.000350/2019-80

Ofício 361 (1602250) SEI 23001.000350/2019-80 / pg. 4


Ministério da Educação
SGAS, Av. L2 Sul, Quadra 607, Lote 50 ­ Bairro Asa Sul, Brasília/DF, CEP 70200­670
Telefone: 2022­7734 ­ h.p://www.mec.gov.br

OFÍCIO Nº 320/2020/CES/SAO/CNE/CNE­MEC
Brasília, 09 de julho de 2020.

A Sua Magnificência o Senhor


VALDER STEFFEN JUNIOR
Reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Av. João Naves de Ávila, 2121, Bloco 3P, bairro Santa Mônica
38400­902 – Uberlândia/MG

reitoria@ufu.br

Assunto: Esclarecimentos sobre a Resolução CNE/CES nº 6/2018.


Ref.: O*cio nº 274/2020/REITO­UFU
O*cio nº 11/2020/BACEF/DIRFAEFI/FAEFI­UFU

Magnífico Reitor SubsItuto,

1. Recebemos, neste Conselho Nacional de Educação (CNE), o oJcio em epígrafe


sob o nº 23001.000505/2020­11, por meio do qual Vossa Magnificência encaminha demanda
dos coordenadores dos cursos de licenciatura e bacharelado da Faculdade de Educação Física e
Fisioterapia da Universidade Federal de Uberlândia, solicitando esclarecimentos sobre a
aplicação da Resolução CNE/CES nº 6/2018.
2. De modo a esclarecer os quesIonamentos encaminhados, destacamos de início
o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Educação Física, estabelecida nos
termos da Resolução CNE/CES nº 6/2018:
Art. 2º O curso de graduação em Educação Física tem carga horária referencial de
3.200 (três mil e duzentas) horas para o desenvolvimento de a%vidades acadêmicas.
[...]
Art. 5º Dada a necessária ar%culação entre conhecimentos, habilidades, sensibilidade e
a%tudes requerida do egresso para o futuro exercício profissional, a formação do
graduado em Educação Física terá ingresso único, des%nado tanto ao bacharelado
quanto à licenciatura, e desdobrar­se­á em duas etapas, conforme descrição a seguir:
I ­ Etapa Comum ­ Núcleo de estudos da formação geral, iden%ficador da área de
Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais,
comum a ambas as formações.
II ­ Etapa Específica ­ Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e
seiscentas) horas referenciais, na qual os graduandos terão acesso a conhecimentos
específicos das opções em bacharelado ou licenciatura.
§ 1º No início do 4º (quarto) semestre, a Ins'tuição de Educação Superior deverá
realizar uma consulta oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito da escolha
da formação que pretendem seguir na Etapa Específica ­ bacharelado ou licenciatura
­ com vistas à obtenção do respecvo diploma, ou, ao final do 4º (quarto) semestre,
definir sua escolha mediante critérios pré­estabelecidos;
§ 2º A formação para intervenção profissional à pessoa com deficiência deve ser
contemplada nas duas etapas e nas formações tanto do bacharelado, quanto da
licenciatura.
§ 3º A integração entre as áreas específicas dependerá de procedimento próprio e da
organização curricular instucional de cada IES, sendo vedada a eliminação de temas
ou conteúdos relavos a cada uma das áreas específicas indicadas. (Grifos nossos)
[...]
Art. 30 As Ins'tuições de Educação Superior poderão, a critério da Organização do
Projeto Pedagógico Curricular do Curso de Educação Física, admi'r, em observância do
disposto nesta Resolução, a dupla formação dos matriculados em bacharelado e
licenciatura.

3. Da leitura do argo 5º, temos claro que as DCNs concebem o curso de Educação
Física como um curso único, e, portanto, com um único Núcleo Docente Estruturante (NDE),
bem como com Projeto Pedagógico com matriz comum, cujo desenho curricular deverá
apresentar uma etapa inicial comum às duas formações, bacharelado e licenciatura, que, por
sua vez, contarão com percursos formavos disntos, não havendo, no entanto, a
obrigatoriedade de oferta de ambos, permindo à IES, em sua autonomia, oferecer apenas
uma das terminalidades específicas.
4. Assim, caso a instuição decida pela oferta da formação desnada apenas à
licenciatura ou apenas ao bacharelado, em ambos os casos, a organização curricular de cada
formação deverá se desenvolver com a carga horária referencial de 3.200 (três mil e duzentas)
horas, contemplar as habilidades e competências a serem desenvolvidas, assim como os
conteúdos curriculares que comporão os diversos eixos de formação, cabendo à IES,
observadas às DCNs do curso, definir a matriz curricular, garanndo as orientações das DCNs,
deixando claro aos alunos quais formações oferece.
5. Caso a IES oferte as duas formações, o ingresso no curso deverá ser único e
desdobrar­se em duas etapas: uma etapa comum a todos os alunos e, a parr da escolha
efetuada no 4º semestre, uma etapa específica ou, ainda, ambas. A possibilidade de dupla
formação, preconizada no argo 30 das DCNs, delega à Instuição, no âmbito de sua
autonomia, adequar seu Projeto Pedagógico de Curso e definir como ela se dará, inclusive no
que diz respeito à possibilidade de cursar, concomitantemente, as duas formações,
respeitando o que determina a Resolução para cada etapa de formação específica,
especialmente no que se refere à observância das cargas horárias (1600 horas desnadas à
etapa comum e 1600 horas desnadas a cada etapa específica). O PPC do curso deverá, em
função desta permissão normava, exprimir essa composição, se for o caso, com a definição
das cargas horárias das disciplinas, com os objevos e as respevas diferenciações entre as
duas habilitações bem definidas.
6. No que se refere à oferta específica do curso de graduação em Educação Física,
licenciatura, importa registrar que, não obstante a obrigação de a IES atender, de forma
arculada, tanto o que dispõe as DCNs do curso, no que se refere à etapa comum e à etapa
específica referente à formação para o licenciado, quanto as DCNs para a formação inicial de
professores para a Educação Básica, consubstanciadas na Resolução CNE/CP nº 2/2019, temos
que a Resolução CNE/CES nº 6/2018 trata­se de norma específica para o curso de graduação
em Educação Física. Portanto, a carga horária para o estágio supervisionado para a formação
do licenciado deverá ser aquela por ela preconizada.
7. Assim, considerando a composição do curso em duas etapas, conforme definido
no ar.go 5º da Resolução, temos que os 20% des.nados ao estágio supervisionado para cada
etapa específica, cuja escolha pelo aluno se dará no início do 4º semestre, estão inseridos na
carga horária total do curso de graduação em Educação Física, que, conforme o ar.go 2º, é de
3.200 horas referenciais, totalizando, portanto, 640 horas, nos termos do ar.go 11:
[...]
Art. 11 As a vidades prá cas da etapa específica da Licenciatura deverão conter o
estágio supervisionado, bem como outras vinculadas aos diversos ambientes de
aprendizado escolares e não escolares.
§ 1º O estágio deverá corresponder a 20% das horas referenciais adotadas pelo
conjunto do curso de Educação Física ao aprendizado em ambiente de prá ca real, e
deverá considerar as polí cas ins tucionais de aproximação ao ambiente da escola e às
polí cas de extensão na perspec va da atribuição de habilidades e competências.
§ 2º O estágio deverá expressar e integrar o conjunto de a vidades prá cas realizadas
ao longo do curso e ser oferecido, de forma ar culada, com as polí cas e as a vidades
de extensão da ins tuição com curso.
§ 3º Os graduandos em a vidades de estágio deverão ter seu desempenho e
aproveitamento avaliado por metodologia própria desenvolvida no âmbito do Projeto
Pedagógico Curricular do Curso e do Projeto Ins tucional.
[...]
Art. 22 As a vidades prá cas da formação específica do Bacharelado deverão conter o
estágio supervisionado de 20% das horas referenciais adotadas pelo conjunto do curso
de Educação Física, oferecido na área de bacharelado.
§ 1º O estágio deverá corresponder ao aprendizado em ambiente de prá ca real,
considerando as polí cas ins tucionais de aproximação a ambientes profissionais e as
polí cas de extensão na perspec va da atribuição de habilidades e competências.
§ 2º O estágio deverá expressar etapas de prá cas anteriores de aproximação ao
ambiente profissional e ser oferecido de forma ar culada com as polí cas e as
a vidades de extensão da ins tuição junto ao curso.
§ 3º Os graduandos, em a vidades de estágio, deverão ter seu desempenho e
aproveitamento avaliado por metodologia própria desenvolvida no âmbito do Projeto
Pedagógico Curricular do Curso e do Projeto Ins tucional.

8. A Resolução em comento, além do estágio, prevê outras a.vidades como


componente curricular, dentre as quais a.vidades prá.cas, cuja carga horária deverá ser de
10% da carga total do curso, conforme o ar.go 13 e ar.go 23, referentes à formação em
licenciatura e em bacharelado, respec.vamente:
Art. 13 A etapa específica para formação em Licenciatura deverá desenvolver estudos
integradores para enriquecimento curricular, com carga horária referenciada em 10%
do curso, compreendendo a par cipação em:
a) seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação cien6fica, iniciação à
docência, residência docente, monitoria e extensão, entre outros, definidos no projeto
ins tucional da Ins tuição de Educação Superior e diretamente orientados pelo corpo
docente da mesma ins tuição;
b) a vidades prá cas ar culadas entre os sistemas de ensino e ins tuições educa vas
de modo a propiciar vivências nas diferentes áreas do campo educacional, assegurando
aprofundamento e diversificação de estudos, experiências e u lização de recursos
pedagógicos;
c) intercâmbio acadêmico interins tucional; e
d) avidades de comunicação e expressão, visando à aquisição e à apropriação de
recursos de linguagem capazes de comunicar, interpretar a realidade estudada e criar
conexões com a vida social;
[...]
Art. 23 A formação específica do Bacharelado deverá desenvolver, além do estágio,
outras avidades prácas como componente curricular, distribuídas ao longo do
processo formavo.
Parágrafo único. As avidades de que trata o caput poderão ser desenvolvidas de
forma arculada com disciplinas existentes ou serem organizadas como disciplinas ou
avidades acadêmicas próprias, correspondendo a 10% das horas referenciais
adotadas pelo conjunto do curso de Educação Física.
[...]

9. Para a etapa comum, a Resolução prevê a.vidades acadêmicas, com carga


horária preferencial de 10% da carga horária comum, totalizando 160 horas:
Art. 8º A etapa comum deverá proporcionar avidades acadêmicas integradoras tais
como:
a) nivelamento de conhecimentos aos ingressantes por meio de processo avaliavo e
acolhimento próprio.
b) disciplinas de aproximação ao ambiente profissional de forma a permir aos
estudantes a percepção acerca de requisitos profissionais, idenficação de campos ou
áreas de trabalho e o desenvolvimento de avidades didáco­pedagógicas interavas
com espaços profissionais, inclusive escolas de educação básica e média.
Parágrafo único. As instuições, no âmbito de suas polícas instucionais curriculares,
deverão desenvolver as avidades acima, preferencialmente, em 10% da carga horária
adotada na etapa comum.

10. Com relação às a.vidades previstas nas DCNs, cumpre esclarecer que é
prerroga.va da ins.tuição de ensino a definição da matriz curricular do curso ofertado, desde
que atenda às diretrizes curriculares nacionais, tenha coerência com o Projeto Pedagógico do
Curso e respeite o disposto na legislação específica.
11. Por fim, quanto ao prazo es.pulado para implementação da Resolução a ser
observado pelas Ins.tuições de Educação Superior para o curso de Educação Física deverá ser
aquele es.pulado no ar.go 28 da Resolução CNE/CES nº 6, de 18 de dezembro de 2018, que
determina 2 (dois) anos a par.r da data de publicação, que se deu no Diário Oficial da União
do dia 19 de dezembro de 2018, Seção 1, pp. 48 e 49, não havendo previsão para alteração
desse prazo.
12. Eram os esclarecimentos a serem prestados.

Atenciosamente,

ANTONIO DE ARAUJO FREITAS JÚNIOR


Presidente da Câmara de Educação Superior

Documento assinado eletronicamente por Antonio de Araujo Freitas Junior,


Conselheiro(a), em 10/07/2020, às 17:25, conforme horário oficial de Brasília, com
fundamento da Portaria nº 1.042/2015 do Ministério da Educação.
A autencidade deste documento pode ser conferida no site
hp://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?
acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador
2143383 e o código CRC AF2F2B7F.

Referência: Caso responda a este O'cio, indicar expressamente o Processo nº 23001.000505/2020­11 SEI nº 2143383
SEI/MEC - 2135579 - Ofício Page 1 of 3

Ministério da Educação
SGAS, Av. L2 Sul, Quadra 607, Lote 50 - Bairro Asa Sul, Brasília/DF, CEP 70200-670
Telefone: 2022-7734 - http://www.mec.gov.br

Ofício Nº 308/2020/CES/SAO/CNE/CNE-MEC

Brasília, 03 de julho de 2020.

Ao Senhor

VLADIMIR PINHEIRO DO NASCIMENTO

Pró-Reitor de Graduação

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Av. Paulo Gama, nº 110, 7° andar da Reitoria

90040-060 – Porto Alegre/RS

prograd@prograd.ufrgs.br

Assunto: Esclarecimentos sobre a oferta do curso de graduação em Educação Física.

Ref.: Ofício nº 090/2019

Senhor Pró-Reitor,

Recebemos, neste Conselho Nacional de Educação (CNE), o Ofício em epígrafe, protocolado sob o nº
23001.001075/2019-11, por meio do qual a Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), considerando o disposto na Resolução CNE/CES nº 6/2018, que
estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Educação Física, solicita as seguintes
informações quanto à oferta do curso:

mhtml:file://C:\Users\Eduardo Merino\Downloads\SEI_MEC - 2135579 - Ofício Ed F... 10/09/2020


SEI/MEC - 2135579 - Ofício Page 2 of 3

1) [...] Se, ao final da Etapa de Formação Comum, houver mais candidatos para determinada
formação específica do que vagas oferecidas, o que acontecerá com o estudante que não conseguir
entrar na formação elegida, por não atingir classificação que lhe permita ingressar no tipo de
formação elegida (Licenciatura ou Bacharelado)?

2) [...] a que tipo de curso superior o estudante estará vinculado na Etapa de Formação Comum?

3) Considerando [...] as horas instituídas na Resolução 06/2018 (1600 horas para Etapa de
Formação Comum e 1600 horas para cada Etapa de Formação Específica) e (IV) as horas definidas
na Resolução da BNCC de 7 de novembro de 2019 para a Formação de Professores (3200 horas),
como equacionar tais horas? Ou seja, as 3200 horas instituídas pela Resolução da BNCC não cabem
na Etapa Licenciatura instituída pela Resolução 06/2018 (1600 horas).

Em atenção aos questionamentos encaminhados, destacamos incialmente o texto das Diretrizes


Curriculares Nacionais dos Cursos de Educação Física, estabelecidas nos termos da Resolução
CNE/CES nº 6/2018:

Art. 2º O curso de graduação em Educação Física tem carga horária referencial de 3.200 (três mil e
duzentas) horas para o desenvolvimento de atividades acadêmicas.

[...]

Art. 5º Dada a necessária articulação entre conhecimentos, habilidades, sensibilidade e atitudes


requerida do egresso para o futuro exercício profissional, a formação do graduado em Educação
Física terá ingresso único, destinado tanto ao bacharelado quanto à licenciatura, e desdobrar-se-á
em duas etapas, conforme descrição a seguir:

I - Etapa Comum - Núcleo de estudos da formação geral, identificador da área de Educação Física, a
ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais, comum a ambas as formações.

II - Etapa Específica - Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e seiscentas) horas
referenciais, na qual os graduandos terão acesso a conhecimentos específicos das opções em
bacharelado ou licenciatura.

§ 1º No início do 4º (quarto) semestre, a Instituição de Educação Superior deverá realizar uma


consulta oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito da escolha da formação que
pretendem seguir na Etapa Específica - bacharelado ou licenciatura - com vistas à obtenção do
respectivo diploma, ou, ao final do 4º (quarto) semestre, definir sua escolha mediante critérios pré-
estabelecidos;

§ 2º A formação para intervenção profissional à pessoa com deficiência deve ser contemplada nas
duas etapas e nas formações tanto do bacharelado, quanto da licenciatura.

§ 3º A integração entre as áreas específicas dependerá de procedimento próprio e da organização


curricular institucional de cada IES, sendo vedada a eliminação de temas ou conteúdos relativos a
cada uma das áreas específicas indicadas. (Grifos nossos)

[...]

Art. 30 As Instituições de Educação Superior poderão, a critério da Organização do Projeto


Pedagógico Curricular do Curso de Educação Física, admitir, em observância do disposto nesta
Resolução, a dupla formação dos matriculados em bacharelado e licenciatura.

mhtml:file://C:\Users\Eduardo Merino\Downloads\SEI_MEC - 2135579 - Ofício Ed F... 10/09/2020


SEI/MEC - 2135579 - Ofício Page 3 of 3

Nesse sentido, cumpre esclarecer que as DCNs para o curso de graduação em Educação Física
determinam o ingresso único para o curso, que deverá se desdobrar em duas etapas: uma etapa
comum e uma etapa específica para a formação pretendida, cuja escolha se dará nos termos do artigo
5º, § 1º.

Este novo marco regulatório concebe o curso de graduação em Educação Física como um curso
único, e, portanto, com Projeto Pedagógico com matriz comum, ao qual o aluno se vincula quando do
ingresso no curso, restando claro a previsão de duas formações – licenciatura e bacharelado – com
percursos formativos distintos. Em ambos os casos, a organização curricular cada formação deverá
se desenvolver com a carga horária referencial de 3.200 (três mil e duzentas) horas, contemplar
as habilidades e competências a serem desenvolvidas, assim como os conteúdos curriculares que
comporão os diversos eixos de formação.

Assim, a IES que possui autorização para ofertar o curso superior de Educação Física passa a ter a
prerrogativa de fazê-lo em formato de dupla formação, possibilidade preconizada no artigo 30 das
DCNs, delegando à Instituição, no âmbito de sua autonomia, adequar seu Projeto Pedagógico de
Curso e definir como ela se dará, inclusive no que diz respeito ao remanejamento de vagas,
respeitando o que determina a Resolução para cada etapa de formação específica, resultando em
diploma único, devendo as terminalidades concluídas pelo aluno serem apostiladas.

Eram os esclarecimentos a serem prestados.

Atenciosamente,

ANTONIO DE ARAUJO FREITAS JÚNIOR

Presidente da Câmara de Educação Superior

Documento assinado eletronicamente por Antonio de Araujo Freitas Junior, Conselheiro(a),


em 07/07/2020, às 17:10, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento da Portaria
nº 1.042/2015 do Ministério da Educação.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site


QRCode
http://sei.mec.gov.br/sei/controlador_externo.php?
Assinatura acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código
verificador 2135579 e o código CRC 93C52463.

Referência: Caso responda a este Ofício, indicar expressamente o Processo nº 23001.001075/2019-11 SEI nº 2135579

mhtml:file://C:\Users\Eduardo Merino\Downloads\SEI_MEC - 2135579 - Ofício Ed F... 10/09/2020


Dois anos de desgoverno – os números
da desconstrução
08/04/2021

Por NELSON CARDOSO AMARAL*

Um balanço quantitativo do grau de destruição decorrente de diversas ações


governamentais

Passados dois anos de governo de Jair Bolsonaro já é possível examinar as despesas


realizadas nos anos de 2019 e 2020, além daquelas previstas na proposta
orçamentária para 2021. Iremos avaliar neste artigo como se comportaram os
recursos associados às seguintes Funções Orçamentárias: Educação, Saúde, Cultura,
Gestão Ambiental, Ciência e Tecnologia, Encargos Especiais: Refinanciamento da
Dívida. Encargos Especiais: Juros, Encargos e Amortização da Dívida e Defesa
Nacional.

Além dessas Funções, serão examinadas também as evoluções das despesas


realizadas com as 69 Universidades Federais (UFs), com os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), 38 instituições e dois Centros Federais de
Educação Tecnológica (CEFETs), com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e com o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (FNDCT).

A efetivação das análises se dará com a evolução dos recursos financeiros aplicados
no período de 2014-2020 e previstos para o ano de 2021. O recuo ao ano de 2014 se
justifica pelo fato de ter sido o ano em que se realizaram eleições presidenciais com
a reeleição de Dilma Rousseff e a partir deste fato houve a trama que culminou
no impeachment de Dilma Rousseff (2016), comandado pelo Deputado Federal
Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, na assunção de Michel
Temer na presidência (2016), a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva (2018-2019),
chegando a 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro para o mandato de 2019 a 2022.
Ressalte-se que em todo esse período, de 17/03/2014 a 01/02/2021 esteve em
atividade a Operação Lava Jato que, utilizando-se de ações que contrariaram o
Estado Democrático e de Direito, participou de todo o processo, desde
o impeachment de Dilma Rousseff até a eleição de Bolsonaro.

Com Michel Temer houve um recrudescimento dos ideais liberais e houve a


implantação de um Novo Regime Fiscal (NRF) com a aprovação da Emenda
Constitucional No 95 (EC-95) que congelou as despesas primárias (pagamento de
salários, água, luz, internet, vigilância, limpeza, terceirizados, aquisição de material
de consumo, realizar construções, adquirir equipamentos e mobiliários etc.) por
vinte anos (BRASIL.EC-95, 2016), o início da discussão da reforma da Previdência,
que se concretizou no ano de 2019, implantação de reformas no setor trabalhista,
reforma do Ensino Médio, mudanças na Petrobrás etc.

Com Jair Bolsonaro foi estabelecido como objetivo principal do governo o de


desconstruir e desfazer o que foi realizado desde a aprovação da Constituição
Federal de 1988 (BRASIL.CF, 1988). Este objetivo está expresso no Programa de
Governo, “O Caminho da Prosperidade”, divulgado em 1988 quando afirma que “Nos
últimos 30 anos o marxismo cultural e suas derivações com o gramcismo se uniu à
oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira”
(PROGRAMA DE GOVERNO BOLSONARO, 2018) e, a partir deste diagnóstico, em
Washington no mês março de 2019 quando Bolsonaro afirmou “Nós temos é que
desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa para depois começarmos a fazer. Que
eu sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão, já estou muito
feliz”, concluindo que “O nosso Brasil caminhava para o socialismo, para o
comunismo” (LÁZARO, 2019).

A desconstrução e desfazimento que se apresenta nas ações governamentais estão,


portanto, fundamentados nessas premissas governamentais (EDITORIAL E&S,
2021).

Este estudo tem, portanto, o objetivo de examinar qual o nível de


desconstrução/desfazimento contido em diversas ações governamentais que foram
selecionadas. Entre as ações estão incluídas o refinanciamento da dívida, o
pagamento de juros, encargos e amortização da dívida e os recursos aplicados em
defesa nacional. Sendo essas ações sensíveis ao projeto ultraneoliberal presente no
governo de Bolsonaro (LEHER, 2019), cabe aqui uma pergunta: houve a
desconstrução/desfazimento para esses dois campos, o das despesas financeiras e
o da defesa nacional?

A seguir, iremos, em primeiro lugar analisar os recursos associados às diversas


Funções selecionadas para este estudo para, em seguida, apresentar os recursos
financeiros aplicados nas instituições e agências: UFs, IFs, CEFETs, FNDE, Capes,
CNPq e FNDCT.
Os recursos financeiros aplicados em Funções Orçamentárias
selecionadas

As Funções Orçamentárias, num quantitativo de 28 funções, fazem a “agregação das


diversas áreas de despesa que competem ao setor público” (BRASIL. PORTARIA
No 42, §1º, Art. 1º, 1999), se classificam nas seguintes áreas de despesa: Legislativa,
Judiciária, Essenciais à Justiça, Administração, Defesa Nacional, Segurança Pública,
Relações Exteriores, Assistência Social, Previdência Social, Saúde, Trabalho,
Educação, Cultura, Direitos da Cidadania, Urbanismo, Habitação, Saneamento,
Gestão Ambiental, Ciência e Tecnologia, Agricultura, Organização Agrária, Indústria,
Comércio e Serviços, Comunicações, Energia, Transporte, Desporto e Lazer, e
Encargos Especiais. (BRASIL. PORTARIA No 42, Anexo, 1999).

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)


separa essas funções em duas grandes vertentes, as associadas às áreas classificadas
pelo INEP como sociais e às áreas classificadas como não sociais. As classificadas
como pertencentes às áreas sociais, num montante de 13 Funções, são as seguintes:
Desporto e Lazer, Organização Agrária, Habitação, Urbanismo, Direitos da
Cidadania, Trabalho, Educação, Saúde, Cultura, Saneamento, Previdência Social,
Segurança Pública, Assistência Social. (BRASIL.INEP, 2021). As demais 15 funções
são classificadas como pertencentes aos setores orçamentários que não se
relacionam aos setores sociais.

Explicitaremos a seguir a evolução das despesas liquidadas no período 2014-2021,


sendo que o valor de 2021 é o provável valor a ser liquidado, considerando-se a
relação despesa liquidada/despesa autorizada na Lei Orçamentária Anual (LOA),
valor médio de 2014 a 2020. O processo de efetivação de uma despesa pública
possui, dentre outras, as etapas de empenho, liquidação e pagamento. A etapa de
liquidação – considerada aqui – se efetiva quando o objeto da despesa já se realizou;
por exemplo, isto ocorre quando ao adquirir carteiras para as salas de aulas elas já
foram entregues e estão disponíveis para serem utilizadas. A próxima etapa é o
pagamento à empresa que fabricou e entregou as carteiras.

Os valores apresentados estão em R$, corrigidos para janeiro de 2021, Pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Os valores relativos ao período 2014-2020 foram
obtidos da Execução Orçamentária da União (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS,
2021) e a proposta de 2021 são as estabelecidas no Projeto de Lei Orçamentária
Anual (PLOA) (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021).

Selecionamos para este estudo a apresentação das evoluções no período 2014-2021


das seguintes Funções: Educação, Saúde, Cultura, Gestão Ambiental, Ciência e
Tecnologia, Encargos Especiais: Refinanciamento da Dívida, Encargos Especiais:
Juros, Encargos e Amortização da Dívida, e Defesa Nacional.

A Função Educação

O comportamento dos recursos financeiros associados à Função Educação no


período 2014-2021 pode ser examinado no gráfico 1.
Gráfico 1 – FUNÇÃO EDUCAÇÃO: os recursos financeiros no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Nota-se uma queda persistente no período em análise, saindo do patamar de R$


130,0 bilhões para o valor entre R$ 90,0 bilhões e R$ 100,0 bilhões, sendo que a
variação de 2014 a 2020 – o maior valor e o menor valor da série – foi de R$ (-37,7)
bilhões. Esta queda significa uma redução de 28,5% nos recursos da Função
Educação.

A Função Saúde

Os recursos associados á Função Saúde estão mostrados no gráfico 2.

Gráfico 2 – FUNÇÃO SAÚDE: os recursos financeiros no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Neste caso os valores saíram de um valor um pouco maior que R$ 130,0 bilhões em
2014 para o patamar de R$ 120,0 bilhões entre 2015 e 2019 e uma previsão para
2021 de pouco mais de R$ 100,0 bilhões. O ano de 2020 se comportou de forma
atípica pela liberação de recursos especiais para o atendimento à Pandemia causada
pelo coronavírus (SARS-CoV-2), que resultou na Covid-19. A queda dos valores de
2014 para 2021 são da monta de R$ (-28,7) bilhões, o que representa uma queda de
21,6% em 2021, em relação a 2014.

A Função Cultura

A Função Cultura teve a evolução de seus recursos financeiros como mostrado no


gráfico 3.

Gráfico 3 – FUNÇÃO CULTURA: os recursos financeiros no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Houve, portanto, nesta Função uma queda drástica de 2014 a 2020, saindo de
valores um pouco superiores a R$ 2,5 bilhões para valores muito pequenos, da
ordem de R$ 200 milhões; uma redução de R$ (-2,3) bilhões nesse período. Esta
redução significou uma queda de 90,2% nos valores de 2020 em relação a 2014. Há
uma recuperação na proposta orçamentária para 2020, para R$ 703,0 milhões, valor
ainda muito distante daquele de 2014.

A Função Gestão Ambiental

A Função Gestão Ambiental sofrerá, de 2014 a 2021, uma redução de R$ (-7,1)


bilhões, como mostrado no gráfico 4.

Gráfico 4 – FUNÇÃO GESTÃO AMBIENTAL: os recursos financeiros no período 2014-2021.


Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Os valores sofreram uma abrupta queda de 2014 para 2015, saindo de valores
próximos de R$ 10,0 bilhões para R$ 4,0 bilhões. Houve de 2016 a 2020 uma
oscilação em torno de R$ 4,0 bilhões, caindo novamente de forma abrupta para R$
1,0 bilhão em 2021. Em relação ao valor de 2014 houve uma redução de 74,2% no
período em análise.

A Função Ciência e Tecnologia

A análise dos recursos associados à Função Ciência e Tecnologia mostra um perfil


de dramática redução. O gráfico 5 apresenta os valores para o período em análise.

Gráfico 5 – FUNÇÃO CIÊNCIA E TECNOLOGIA: os recursos financeiros no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Foram aplicados valores em torno de R$ 12,0 bilhões em 2014 e, em 2021, a previsão


é de que sejam aplicados R$ 5,0 bilhões; uma queda de R$ (-6,7) bilhões. Isto
representa uma redução de 57,1% nos recursos financeiros aplicados nesta Função.
Até aqui analisamos Funções vinculadas a setores que estavam em franco ataque
desde o início da trama para o impeachment e, depois, explicitamente, pelos
governos que tomaram posse pós-impeachment de Dilma Rousseff, iniciando-se com
Michel Temer e se caracterizando, como já examinamos, em um projeto de
desconstruir e desfazer a partir de 2019, com Jair Bolsonaro. O exame visual dos
gráficos apresentados para as Funções Educação, Saúde, Cultura, Gestão Ambiental
e Ciência e Tecnologia não deixam a menor dúvida sobre o cumprimento desta
ordem emitida pelos grupos (LEHER, 2019) que assumiram o poder em âmbito
federal a partir de janeiro de 2019.

Examinando-se, entretanto, o que ocorreu com as ações associadas ao


Refinanciamento da Dívida, ao pagamento de Juros, Encargos e Amortização da
Dívida e à Função Defesa Nacional, o comportamento dos recursos orçamentários
no período 2014-2021 se altera completamente. Os gráficos 6 e 7 mostram como se
comportaram o Refinanciamento da Dívida e o pagamento de Juros, Encargos e
Amortização.

Gráfico 6 – FUNÇÃO ENCARGOS ESPECIAIS: REFINANCIAMENTO DA DÍVIDA: os recursos


financeiros no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Gráfico 7 – FUNÇÃO ENCARGOS ESPECIAIS: JUROS, ENCARGOS E AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA: os


recursos financeiros no período 2014-2021.
Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Em 2014 o refinanciamento da dívida foi da ordem de R$ 800,0 bilhões caindo para


R$ 500,0 bilhões em 2019 e grande crescimento em 2020 e 2021, quando há a
previsão de atingir valores superiores a R$ 1,1 trilhão.

O pagamento de juros, encargos e amortização da dívida teve um perfil crescente de


2014, de R$ 400,0 bilhões, para mais de R$ 650,0 bilhões em 2020 e há uma previsão
de queda em 2021, para o patamar de R$ 500,0 bilhões.

Uma análise acoplada desses dois gráficos nos leva a concluir que a queda na
necessidade de refinanciamento, de 2014 a 2019 se deu por um maior pagamento
de juros, encargos e amortização da dívida nesse mesmo período. A elevação do
refinanciamento da dívida se deve a dois fatores principais: endividamento devido
aos elevados recursos vinculados à Pandemia; e o aumento da dívida pública para o
pagamento de parte das despesas primárias do governo federal pela quebra da
chamada Regra de Ouro, que ocorre quando o governo tem que emitir títulos além
dos valores associados às despesas classificadas como investimento. Neste caso o
Congresso Nacional é responsável por autorizar a emissão de títulos da dívida para
o pagamento das despesas primárias do governo federal.

A comparação dos perfis desses dois gráficos com os anteriores – sempre com
drásticas quedas – sinaliza que o setor financeiro é uma prioridade nesse período.
Isto reflete o conteúdo da EC-95 que congelou por vinte anos as despesas primárias
e não estabeleceu nenhum limite para as despesas vinculadas a esse setor.

A Função Defesa Nacional teve seus valores financeiros, de 2014 a 2021 com o perfil
mostrado no gráfico 8.

Gráfico 8 – FUNÇÃO DEFESA NACIONAL: os recursos financeiros no período 2014-2021.


Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

De 2015 a 2019 houve um aumento de R$ 37,6 bilhões nos recursos associados á


Função Defesa Nacional, ocorrendo uma queda em 2020 e 2021. Esta redução ainda
significará uma elevação de R$ 25 bilhões em relação ao valor de 2015. Também
neste caso, da Defesa Nacional, percebe-se um perfil completamente oposto ao das
funções discutidas anteriormente, o que nos leva a afirmar que a Defesa Nacional foi
considerada prioritária, frente à Educação, Saúde, Cultura, Gestão Ambiental e
Ciência e Tecnologia.

Este resultado deixa bem explicitada uma condição estabelecida na EC-95 que é a de
que esta EC congelou as despesas primárias do Poder Executivo e não de cada um
dos setores que compõem esse poder. É, portanto, uma deliberação do governo
federal quando elabora as propostas de leis orçamentárias e do Congresso Nacional
quando as aprova, estabelecer os setores prioritários. E, nesse período, além das
despesas financeiras, foi colocada nesta condição prioritária a Defesa Nacional.

Os recursos financeiros aplicados nas Universidades Federais

As Universidades Federais (UFs) constituem, em 2021, um conjunto de 69


instituições que possuem campi em todos os estados da federação e no Distrito
Federal.

Analisaremos a evolução dos recursos das UFs – sem considerar os recursos


aplicados nos Hospitais Universitários – em três vertentes: o pagamento de Pessoal,
professores e técnico-administrativos, o que inclui o pagamento de aposentados e
pensionistas; o pagamento de despesas relacionadas à manutenção das instituições
nas chamadas Outras Despesas Correntes: o pagamento de água, luz, internet,
vigilância, limpeza, terceirizados, aquisição de material de consumo etc; e as
despesas com construções, aquisição de equipamentos e mobiliários etc., os
chamados recursos de Investimentos.
O pagamento de Pessoal se elevou de valores entre R$ 39,0 bilhões e R$ 40,0 bilhões
em 2014 para valores da ordem de R$ 49,0 bilhões em 2019, caindo em 2020 e 2021
num montante de R$ (-874,0) milhões em relação a 2019. O gráfico 9 mostra esses
valores.

Gráfico 9 – Evolução dos recursos financeiros associados ao pagamento de Pessoal das


Universidades Federais, no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Os recursos financeiros para o pagamento de Pessoal docente e técnico-


administrativo apresenta um perfil de crescimento de 2014 a 2019 e de queda em
2020 e 2021. O crescimento se deve a reajustes aprovados antes do Governo Temer,
às progressões na carreira, às substituições de aposentados que continuam na folha
de pagamento etc. As quedas indicadas já explicitam a corrosão salarial pela inflação.

Os valores aplicados em Outras Despesas Correntes estão mostrados no gráfico 10.

Gráfico 10 – Evolução dos recursos financeiros associados ao pagamento de Outras Despesas


Correntes das Universidades Federais, no período 2014-2021.
Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Nota-se uma drástica redução dos recursos para o pagamento de água, luz, internet,
vigilância, limpeza, terceirizados, aquisição de material de consumo etc. das
instituições, saindo de R$ 9,0 bilhões e caindo para valores em torno de R$ 5,5
bilhões em 2021; uma redução muita alta, de R$ (-3,5) bilhões, o que significa uma
queda de 38,9%. Esta redução compromete, de forma irremediável, o
funcionamento geral das instituições no ano de 2021. A Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), em 18/03/2021
promoveu uma coletiva à imprensa para expor a situação orçamentária das
Universidades e alertar a sociedade brasileira sobre a gravidade da situação e a
possibilidade da paralização das atividades institucionais no final do primeiro
semestre (ANDIFES, 2021).

O gráfico 11 mostra a evolução dos recursos para Investimentos.

Gráfico 11 – Evolução dos recursos financeiros associados aos Investimentos nas Universidades
Federais, no período 2014-2021.
Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Os valores em 2021, da ordem de R$ 100 milhões são insignificantes frente ao


tamanho do sistema e as suas necessidades de aquisição e atualização de
equipamentos para os seus laboratórios. De 2014 a 2021 presencia-se uma drástica
queda nesses recursos, saindo de R$ 2,8 bilhões e atingindo R$ 100 milhões, uma
queda de 96,4%. Este resultado, se não revertido rapidamente levará as
Universidades Federais a uma degenerescência de suas instalações e um grande
sucateamento de seus laboratórios de pesquisa.

Os recursos financeiros aplicados nos Institutos Federais e Centros


Federais de Educação Tecnológica

O Brasil possui, atuando em todos os estados e no Distrito Federal um total de 38


Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) e dois Centros Federais
de Educação Tecnológica (CEFETs), o do Rio de Janeiro e o de Minas Gerais.

Da mesma forma que na análise dos recursos financeiros das Universidades


Federais, apresentaremos os recursos aplicados nos IFs e nos CEFETs, separando-
os em Pessoal, Outras Despesas Correntes e Investimentos. Os recursos aplicados no
pagamento de Pessoal estão mostrados no gráfico 12.

Gráfico 12 – Evolução dos recursos financeiros associados ao pagamento de Pessoal dos Institutos
Federais e Centros Federais de Educação Tecnológica, no período 2014-2021.
Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Há uma elevação de 2014 até 2020 e no ano de 2021 haverá uma queda da ordem
de R$ (-187,0) milhões. Foram valores em torno de R$ 9,0 bilhões em 2014 e entre
R$ 14,0 bilhões e R$ 15,0 bilhões em 2020. Assim como nas UFs, esta queda em 2021
já expressa uma corrosão salarial pela inflação.

Os valores financeiros para o pagamento de Outras Despesas Correntes sofreram


fortes quedas como se pode analisar no gráfico 13.

Gráfico 13 – Evolução dos recursos financeiros associados ao pagamento de Outras Despesas


Correntes dos Institutos Federais e Centros Federais de Educação Tecnológica, no período 2014-
2021.
Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Os valores eram superiores a R$ 3,0 bilhões em 2014 e se aproximaram de R$ 2,0


bilhões em 2020 e 2021; uma redução de um terço dos recursos para a manutenção
dos IFs e CEFETs, o que, da mesma forma que nas UFs, compromete a continuidade
das suas atividades no ano de 2021.

O gráfico 14 apresenta a evolução dos recursos para Investimentos nessas


instituições.

Gráfico 14 – Evolução dos recursos financeiros associados aos Investimentos nos Institutos
Federais e Centros Federais de Educação Tecnológica, no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)


Há, portanto, uma drástica redução dos recursos para Investimentos, o que significa
praticamente uma redução a “zero” no ano de 2021. A redução no período foi de
98,6%. Isto deixará marcas “irrecuperáveis” nos ambientes de laboratórios e
infraestrutura das instituições, nas suas salas de aulas e laboratórios.

Os recursos financeiros do Fundo Nacional de Desenvolvimento da


Educação

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é um organismo do MEC


que desenvolve programas e ações relacionadas à Educação Básica em apoio aos
Estados, Distrito Federal e Municípios. Os recursos financeiros totais do FNDE estão
mostrados no gráfico 15.

Gráfico 15 – Evolução dos recursos financeiros totais aplicados pelo FNDE no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Os recursos aplicados pelo FNDE sofreram uma redução de R$ (-20) bilhões de 2014
a 2020, o que comprometeu diversas ações que estavam implementadas em 2014,
dentre elas, a Complementação da União ao Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (FUNDEB), a Concessão de Bolsas de apoio à Educação Básica, o Apoio ao
Desenvolvimento da Educação Básica, o Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE), o Apoio ao Transporte Escolar, o Programa de apoio à Alimentação Escolar
(PNAE), a Produção, Aquisição e Distribuição de Livros e Materiais Didáticos e
Pedagógicos (Programa do LIVRO DIDÁTICO), o Apoio ao Transporte Escolar para a
Educação Básica – Caminho da Escola etc.

Os recursos aplicados na Capes, no CNPq e no FNDCT


A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), é um
organismo do MEC que atua na pós-graduação, avaliando os programas, ofertando
bolsas, financiamento eventos e pesquisas etc.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é


vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e financia bolsas
para a pós-graduação, pesquisas científicas etc.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) “é um


fundo de natureza contábil que tem como objetivo financiar a inovação e o
desenvolvimento científico e tecnológico, com vistas a promover o desenvolvimento
econômico e social do País” (FINEP, 2021). O FNDCT é vinculado à Financiadora de
Estudos e Projetos (FINEP), empresa pública do MCTI.

A evolução dos recursos totais da Capes está mostrada no gráfico 16.

Gráfico 16 – Evolução dos recursos financeiros totais da Capes no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Os recursos financeiros da Capes sofreram uma forte queda de 2015 a 2021, de


65,3%, o que significou R$ (-7,2) bilhões de redução.

Os recursos do CNPq sofreram uma redução de 69,4%, de 2014 a 2021, passando


de R$ 3,0 bilhões para um valor de R$ 918,1 milhões. O gráfico 17 apresenta a
evolução desta redução.

Gráfico 17 – Evolução dos recursos financeiros totais do CNPq no período 2014-2021.


Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

O FNDCT também teve uma forte redução de em seus recursos, passando de quase
R$ 4,0 bilhões em 2014 para um valor menor do que R$ 500,0 milhões em 2021,
uma redução de 90,6%, como mostrado no gráfico 18.

Gráfico 18 – Evolução dos recursos financeiros totais do FNDCT no período 2014-2021.

Fonte: (BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS, 2021)

Os gráficos 16, 17 e 18 expressam em detalhes, o cenário de distribuição do sistema


de ciência e tecnologia. Há, portanto, o comprometimento do pagamento de bolsas
de mestrado e doutorado, promoção de eventos acadêmicos, financiamento de
pesquisas etc.

Considerações finais

Os 18 gráficos que ilustram as análises deste estudo não deixam dúvidas de que está
ocorrendo no Brasil um processo de destruição de setores sensíveis ao futuro de
uma Nação.

O “turbilhão” de propostas de emendas à Constituição de 1988 e o “sufocamento”


financeiro imposto às áreas de educação, saúde, cultura, gestão ambiental e ciência
e tecnologia, como explicitado nos números aqui apresentados, mostram o “sucesso
macabro” do Programa de Governo apresentado pelo então candidato Bolsonaro e
a “ordem” emitida desde Washington em março de 2019 para “desconstruir e
desfazer”.

A continuidade desta política de destruição levará inevitavelmente à “falência” das


Universidades Federais, dos Institutos Federais, dos Centros Federais de Educação
Tecnológica, dos agentes financiadores da Educação Básica (FNDE) e da Ciência e
Tecnologia (Capes, CNPq e FNDCT). É preciso que a sociedade brasileira emita, com
urgência, um “grito desesperado” de chega de tanta desconstrução e desfazimento!

*Nelson Cardoso Amaral, mestre em física e doutor em educação, é professor da


Universidade Federal de Goiás (UFG).

Referências

ANDIFES. Coletiva de Imprensa Remota: corte de mais de 18% do orçamento das


Universidades Federais. Disponível em: youtube.com/watch?v=Ep0-BBmxVWc.

BRASIL.CAMARA DOS DEPUTADOS. Execução Orçamentária da União. Disponível


em: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/leis-
orcamentarias/loa.

BRASIL.CF. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do


Brasil. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
BRASIL.EC-95. Emenda Constitucional No 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal,
e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc9
5.htm.

BRASIL.INEP. Estimativa do Investimento Público Total em Educação em Relação


Gastos Público Social (GPS), por Nível de Ensino – Brasil 2000-2017, Nota 4.
Disponível em: http://inep.gov.br/indicadores-financeiros-educacionais.
BRASIL.PORTARIA No 42, de 14 de abril de 1999. Atualiza a discriminação da
despesa por funções de que tratam o inciso I do § 1o do art. 2o e § 2o do art. 8o,
ambos da Lei no 4.320, de 17 de março de 1964, estabelece os conceitos de função,
subfunção, programa, projeto, atividade, operações especiais, e dá outras
providências. Disponível
em: http://www.orcamentofederal.gov.br/orcamentos-anuais/orcamento-
1999/Portaria_Ministerial_42_de_140499.pdf/.

EDITORIAL E&S. O Fundeb permanente em tempos de desconstrução e


desfazimento: mobilização e um basta veemente. Educação & Sociedade, Campinas,
v.42, 2021. Disponível
em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
73302021000100100&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. https://doi.org/10.1590/e
s.247741.

FINEP. O FNDCT. Disponível em: finep.gov.br/a-finep-externo/fndct. LÁZARO, N.


Temos que desconstruir muita coisa, diz Bolsonaro sobre o Brasil, 18/03/2019.
Disponível em: <metropolis.com/mundo/politica-int/temos-que-desconstruir-
muita-coisa-diz-bolsonaro-sobre-brasil).>

LEHER, R. Apontamentos para análise da correlação de forças na educação


brasileira: em prol da frente democrática. Educação & Sociedade, Campinas, v. 40,
2019. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302019219831.

PROGRAMA DE GOVERNO BOLSONARO. O Caminho da Prosperidade – 2018.


Disponível em: https://veja.abril.com.br/wp-
content/uploads/2018/10/plano-de-governo-jair-bolsonaro.pdf.
Desventuras dos
professores na
formação para
o capital
Série Educação Geral, Educação Superior e Formação Continuada do Educador

Editora Executiva
Profa. Dra. Maria de Lourdes Pinto de Almeida – Unoesc/Unicamp

Conselho Editorial Educação Nacional


Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani – USP
Prof. Dra. Anita Helena Schlesener – UFPR/UTP
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Profa. Dra. Silvina Larripa – Universidad Nacional de La Plata
Profa. Dra. Silvina Gvirtz – Universidad Nacional de La Plata
Olinda Evangelista
Allan Kenji Seki
Artur Gomes de Souza
Mauro Titton
Astrid Baecker Avila

Desventuras dos
professores na
formação para
o capital
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
ISBN 978-85-7591-549-3

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capa e gerência editorial: Vande Rotta Gomide


crédito para bordado da abertura
preparação dos originais: Editora Mercado de Letras
revisão final dos autores
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1a edição
AGOSTO / 2019
IMPRESSÃO DIGITAL
IMPRESSO NO BRASIL

Esta obra está protegida pela Lei 9610/98.


É proibida sua reprodução parcial ou total
sem a autorização prévia do Editor. O infrator
estará sujeito às penalidades previstas na Lei.
SUMÁRIO

PREFÁCIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Selma Venco

APRESENTAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Olinda Evangelista

capítulo I
DESTERRO DOCENTE E FORMAÇÃO HUMANA
NOS GOVERNOS PETISTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Astrid Baecker Avila, Mauro Titton e
Olinda Evangelista

capítulo II
O CRESCIMENTO PERVERSO DAS
LICENCIATURAS PRIVADAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Allan Kenji Seki, Artur Gomes de Souza e
Olinda Evangelista

capítulo III
72 HORAS EM 16 MINUTOS: QUAL ESCOLA
PARA O PROFESSOR BRASILEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Olinda Evangelista, Allan Kenji Seki e
Artur Gomes de Souza
capítulo IV
VITÓRIA DA EAD OU DO CAPITAL? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Olinda Evangelista, Allan Kenji Seki e
Artur Gomes de Souza

capítulo V
O LABIRINTO DOS DADOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Olinda Evangelista, Allan Kenji Seki e
Artur Gomes de Souza

POSFÁCIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
João Zanardini

APÊNDICE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
PREFÁCIO

Prefaciar um livro é sempre uma honra traduzida igualmente


em plena responsabilidade. Os sentimentos são agudizados quando
a obra é organizada pela Profª. Drª. Olinda Evangelista e por
dois pesquisadores, por ela formados, os professores Allan Kenji
Seki e Artur Gomes de Souza. A brilhante trajetória acadêmica
de Olinda, sustentada por sofisticado embasamento teórico e
engajamento político, sempre em defesa da igualdade e do direito
à educação pública e socialmente referenciada, está refletida ao
longo dos capítulos elaborados pelo trio afinado nas críticas que
adequadamente constroem em suas análises.
A presente publicação preenche importante lacuna no
conhecimento científico ao divulgar os resultados de pesquisa
sobre o ensino superior, em particular aquele voltado à formação
de professores, e proporcionar às leitoras e aos leitores o contato
e o aprofundamento acerca da opção política forjada ao longo de
décadas, que conferiu ao setor privado a possibilidade de construir
uma verdadeira fábrica de diplomas no país, altamente lucrativa.
Sustento que a indignação – amparada pelo encantamento dos dados
e análises tecidas – acomete o/a leitor/a da apresentação ao final do
livro, pois levantam o véu da produção, como diria Marx, no âmbito
de um amplo espectro sobre o tema, o qual proponho um olhar em

Desventuras dos professores na formação para o capital 7


3D: um macro, que observe o contexto político no qual se inscreve o
país ao privilegiar uma dada educação. Inspirada por Milton Santos
(1999) indago: qual Nação se quis/quer construir baseada em uma
educação sucateada e entregue ao setor privado, cujos princípios são
estritamente orientados pelo lucro?
Nos parece cristalina a eleição da política que filia a
inserção do país na conjuntura internacional e, sobretudo na
divisão internacional do trabalho, à educação. Formar professoras e
professores descautelosamente é arbitrar uma posição subalterna no
já iníquo sistema capitalista e mormente desprover de pensamento
crítico a população, ado seu efeito em cascata na sociedade.
A opção por licenciaturas de baixa qualidade, com crescente
ensino a distância, reafirma a posição de dependência em relação
aos países centrais e persegue a receita impingida pelo Banco
Mundial desde, particularmente, os anos 1990: Brasil, concentre-
se na erradicação do analfabetismo e nos anos iniciais; abandone o
sonho do desenvolvimento tecnológico, da produção da ciência e,
preferencialmente, torne-se um país monocultor.
O destaque feito por Avila, Titton e Evangelista reafirma
a adesão dos governos petistas às demandas dos organismos
multilaterais, particularmente Unesco e OCDE, que, de fato, como
demonstram os./as autores/as, se expressou em avanços substantitvos
na transferência de recursos públicos aos agentes privados e na
rotulação dos movimentos em defesa da educação pública como
dogmáticos e, complemento, avessos ao desenvolvimento do país.
Relembrando que esse mesmo tom de discurso foi empregado por
Margareth Thatcher no combate ao Estado Burocrático e em defesa
do Estado Gerencial, sinônimo de escancaramento das portas ao
livre mercado e de içar a bandeira do cerceamento dos direitos à
população.
É escandaloso o fato que além do lucro logrado pelas
empresas educacionais, há elevado investimento público na

8 Editora Mercado de Letras – Educação


educação privada. Segundo a presente obra “As despesas com o
Fies e o Prouni foram elevadas de R$ 1,565 bilhão, em 2003, para
R$ 19,570 bilhões, em 2016, um crescimento de 1.150,68%”.
A dimensão meso concerne ao sentido social e político da
entrega da formação de professores ao setor privado. Para além do
lucro, quais princípios orientam a constituição dos cursos nos centros
universitários? Certamente, é o descaso e o descompromisso com a
educação de qualidade. As empresas educacionais comercializam
a educação e cultivam ilusões. Uma mercadoria cujo marketing
edifica-se na falácia do emprego, mas qual emprego? Se, por
um lado, os diplomas de nível superior auxiliam a blindar contra
o desemprego, por outro, tal premissa só é válida para postos de
trabalho não demandantes de graduação, um moto-contínuo que
pereniza e ratifica a hereditariedade proletarizante (Bertaux 1979).
E, por fim, a dimensão micro, alusiva à formação
propriamente dita e seus desdobramentos diretos e indiretos
aos indivíduos e consequentemente à sociedade. Para além do
debate relativo à facilmente contestável qualidade da educação
oferecida pelas empresas, a qual, por si só, seria móbil suficiente
para críticas e mobilização, a crescente oferta feita a distância
reúne e nutre valores caros ao capitalismo. O esfacelamento dos
coletivos e a eliminação do trabalho vivo são sonhos de consumo
do sistema. O ensino a distância reúne ambos e promove uma
hiperindividualização entre os que dele participam. O mundo cada
vez mais organizado celularmente traz e trará, indubitavelmente,
desdobramentos propícios para o aumento da concorrência entre
iguais e, consequentemente, um arrefecimento de valores solidários
e aquecimento de outros mais mercantis.
Supondo hipoteticamente que os/as estudantes oriundos das
diversas licenciaturas obtenham colocação e se tornem professoras
e professores: quais serão suas condições de trabalho? Vivenciarão
relações de trabalho não precárias?

Desventuras dos professores na formação para o capital 9


Uma profissão altamente feminizada, e, como apresenta a
pesquisa retratada no livro, praticamente oito em cada 10 matrículas
nas licenciaturas em EaD são ocupadas por mulheres; e outros
67% em cursos presenciais. Esses dados indicam que a presença
permanece forte no trabalho docente. Tal característica é sinônimo
de desvalorização social, baixos salários e péssimas condições
de trabalho. Isso ocorre em todas as ocupações e profissões com
alta presença feminina: confecção, telemarketing, enfermagem,
engenharias, medicina e, obviamente, educação, sobretudo a básica,
mas atinge diretamente os/as que atuam nas faculdades privadas. É
possível exemplificar pelos resultados da pesquisa ora apresentada:
nas Faculdades Anhanguera há uma média de 1.737 alunos por
professor; uma disciplina que contemplaria 72 horas de curso em
uma universidade pública, leva exatos 16 minutos para concluí-la.
Essas dimensões da vida profissional ensejam, mesmo
que contem com os direitos vinculados ao trabalho, um tipo de
precariedade subjetiva: o sentimento de não poder realizar sua
atividade profissional como a pessoa almeja, como idealizou para
se transformar por meio do trabalho. E torna-se um forte estímulo
para o abandono da carreira.
Ensaiando um equilíbrio frente às conclusões entristecedoras
promovidas pelo estudo, ressalto que o livro é um marco e um convite
à reflexão e nos municia com importante ferramenta para enfrentar e
resistir. A venda do país, a perda de direitos e a máxima exploração
da população não podem nos levar à inanição e ao desencantamento
do mundo. Por isso recorro a Jean-Paul Sartre para finalizar esse
texto e enaltecer a acurada análise feita pela equipe. Escreve ele:

Curar-nos-emos? Sim. A violência, como a lança de Aquiles,


pode cicatrizar as feridas que abriu. Hoje, estamos presos,
humilhados, doentes de medo: estamos muito em baixo. [...]
Cada dia retrocedemos frente à contenda, mas podem estar
certos de que a não evitaremos: eles, os assassinos, precisam

10 Editora Mercado de Letras – Educação


dela; seguem revoluteando em redor de nós e espancam a
multidão. Assim, acabará o tempo dos bruxos e dos feitiços:
terão que ser espancados ou apodrecer nos campos. É o
momento final da dialética: condenam essa guerra, mas não se
atrevem, todavia, a declarar-se solidários com os combatentes;
não tenham medo, os colonos e os mercenários obrigá-los-ão
a dar este passo. Talvez, então, encurralados contra a parede,
desenfreareis por fim essa violência nova suscitada pelos
velhos crimes acumulados. Mas isso, como costuma dizer-se,
é outra história. A história do homem. Estou certo de que já
se aproxima o momento em que nos uniremos a quem a está
fazendo. (Jean-Paul Sartre 1961)

Ele se referia à guerra da Argélia...e nós temos a nossa


própria guerra.

Selma Venco
Verão, 2019

Referências

BERTAUX, Daniel (1979). Destinos pessoais e estrutura de classe:


para uma crítica da antroponimia política. Rio de Janeiro:
Zahar.
SANTOS, Milton (2000). Os deficientes cívicos. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc_3_9.htm.
Acesso em: 15/04/2019.
SARTRE, Jean-Paul (1961[2002]). “Préface”, in: FANON, Frantz
Les damnés de la terre. Paris: La Découverte.

Desventuras dos professores na formação para o capital 11


APRESENTAÇÃO

Eis que esse anjo me disse


Apertando a minha mão
Com um sorriso entre dentes
Vai bicho desafinar
O coro dos contentes
(Torquato Neto 1982)

O livro que trazemos à luz para escrutínio dos leitores


discute o problema da formação do professor no Brasil a partir dos
anos 2000, especialmente no que se refere às instituições de ensino
superior nas quais tal preparo ocorre. As determinações mais gerais
da qualificação do magistério nacional e os desdobramentos sociais
inscritos na definição dos conteúdos e de seus loci privilegiados
evidenciam que a atividade diuturna de produção e reprodução da
consciência burguesa constitui um fenômeno a ser cuidadosamente
estudado.
Após os anos de 1990, vivemos ajustes econômicos e
políticos profundos; as disputas classistas deram lugar a uma razão
histórica, neoliberal e imperialista, cuja hegemonia balizou o Estado
e um sem número de organizações da Sociedade Civil. A formação
docente tornou-se um ponto vital da reforma educacional então
desencadeada. Decorreu desse processo histórico um educador
progressivamente soterrado pelos interesses burgueses, pelas

Desventuras dos professores na formação para o capital 13


demandas do capital. Entre 2003 e 2015, durante os governos de Lula
(2003-2010) e Dilma (2011-2016), do Partido dos Trabalhadores,
os professores foram atingidos de milhares de jeitos. No âmbito da
formação, foram premidos pelos materiais didáticos; pela punção
de seus fundos de existência para pagamento da formação inicial;
pela imposição da frequência à escolas de nível superior não
universitárias; pela rarefação teórico-prática de seus cursos; pela
submissão à modalidade de Educação a Distância (EaD). Este
ataque não foi desferido só pelo Ministério da Educação; outros
órgãos federais promoveram formação docente no interior de seus
projetos.1 No plano do trabalho, depararam-se com a diminuição dos
concursos públicos; o aumento dos contrários temporários, na casa
dos 900 mil; o aumento da jornada de trabalho; o excesso de alunos
em sala; o não recebimento do piso salarial nacional; a ausência de
plano de carreira; as diretrizes curriculares; o controle por meio das
avaliações; o gerencialismo espraiado nas escolas.
Nosso estudo demonstrou, de modo mais aprofundado,
o gigantismo da “fábrica de professores” e do vasto mercado da
certificação em nível superior no Brasil. Tal mercado cresceu
sob o slogan “democratização do acesso” ao ensino superior;
por seu intermédio se produziria trabalhadores de qualidade,
capacitados para empregos com salários de nível superior.
Todavia, a consequência desse projeto desenhado para os futuros
professores da Escola Básica brasileira – por interesses nacionais
e internacionais do grande capital – redundou, em 2006 e 2007,
na explosão de grandes escolas particulares. Em primeiro lugar, o
Estado fomentou a EaD no interior de suas instituições; a seguir, a
esfera privada tomou conta do “negócio”; depois, a esfera particular,
isto é, as escolas com fins lucrativos apropriaram-se da mercadoria
e passaram a vendê-la majoritariamente na modalidade EaD em
instituições monopolizadas. Assim, surgiu e cresceu um fenômeno

1. É o caso do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera),


ação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que qua-
lifica educadores para áreas de reforma agrária, entre outras atividades.

14 Editora Mercado de Letras – Educação


cruel: um mercado reservado cujo robustecimento se concretizaria
em meados da primeira década do século XXI.
Nossa investigação, além da coleta de documentos e
levantamento de bibliografia, centrou-se na coleta de informações
nos microdados do Censo da Educação Superior (2003-2015). Da
sistematização e análise dos dados sintetizamos cinco movimentos
na formação docente em nível superior no país: 1) a oferta em
Instituições de Ensino Superior (IES) privadas (instituições sem
fins lucrativos – confessionais, comunitárias e filantrópicas – e
instituições com fins lucrativos denominadas particulares) de
matrículas em licenciaturas chegou a 61,7% em 2015, cabendo à
esfera pública 39,3%; 2) no interior das IES privadas, diminuíram
as matrículas em licenciatura presencial e cresceram na EaD; 3) o
maior número de estudantes está nas IES com fins lucrativos; 4) as
matrículas nas escolas públicas, nas duas modalidades, cresceram
em números absolutos, mas diminuíram percentualmente; 5) está
em curso nas escolas particulares novo modelo de licenciatura,
ou seja, o ser humano e social em formação está subsumido na
potência de compra e venda da matrícula em si mesma, quiçá no
valor da instituição. Estudantes e IES são friamente negociados
por fundos de investimentos e nas ofertas públicas de ações nas
bolsas de valores. Conquanto a privatização – ou o processo de
financeirização – tenha tomado dimensões preocupantes no Ensino
Superior em geral, no âmbito da formação docente ele é evidência
de uma crueldade ilimitada. O crescimento exponencial das
grandes escolas particulares vocacionadas ao preparo do magistério
encontrou na modalidade EaD um campo específico de produção de
lucro, suportada entretanto por um vasto programa de concessão de
bolsas, públicas e privadas.
Outro aspecto de suma importância aqui tratado, com menor
profundidade, refere-se às políticas de preparo do magistério
concretizadas sob a forma de cursos iniciais e continuados.
Com base em dados garimpados em portais de diferentes órgãos
governamentais, coligimos grande quantidade de informações
sobre o imenso número de ações que alvejaram os professores

Desventuras dos professores na formação para o capital 15


em seu processo de formação. A análise evidenciou que foi dada
atenção especial à concepção de formação com o fito de alterá-la,
adequando-a às demandas do capital, fosse por meio da negociação e
incorporação de diretrizes de Organismos Multilaterais (OM), fosse
por meio de Aparelhos Privados de Hegemonia. O preparo de mão
de obra dócil e disponível a baixo preço norteou a grande variedade
de programas, cercando o professor por todos os lados. Não poucas
vezes este profissional foi reduzido a instrumento, localizado entre
o futuro trabalhador e o mercado de trabalho.
A hegemonia do capital na definição das políticas de formação
e sua subordinação à concepção burguesa de escolarização elegeu
as “habilidades e competências” necessárias ao mundo do trabalho
e a travestiram de essência humana. Resta claro que se tratou de
obliterar a possibilidade – inscrita nas contradições da apropriação
do conhecimento e nas relações sociais internas à escola – da
emergência da consciência de classe do trabalhador brasileiro.
Tendo em vista expor e discutir esse movimento, o presente
livro conta com cinco capítulos, resultado de pesquisa financiada pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Avila, Titton e Evangelista mostram no primeiro capítulo,
Desterro docente e formação humana nos governos petistas, que
o projeto formativo iniciado na década de 1990 não foi rompido.
A tendência de expansão das matrículas nos cursos de licenciatura
– muito especialmente no de pedagogia – majoritariamente na
modalidade EaD e sob perspectiva não universitária, consolidou-se.
As orientações de OM são claras nos documentos governamentais;
todavia, as contradições imanentes ao desenvolvimento histórico
permitem vislumbrar resistências ao desterro docente operado por
este projeto formativo.
No segundo capítulo, O crescimento perverso das
licenciaturas privadas, Seki, Souza e Evangelista tematizam a
entrega da formação docente à iniciativa privada sob as formas de
Centros Universitários, Institutos, Faculdades e Universidades. Sob
a aparente pulverização do preparo do magistério jaz a ascendência
das Instituições de Ensino Superior (IES) particulares na oferta de

16 Editora Mercado de Letras – Educação


formação e a proeminência da modalidade de Educação a Distância
(EaD). Conquanto a Universidade tenha permanecido como lócus
dominante, a formação opera-se sob o comando das instituições
privadas e subordinada à concepção de Ensino Superior ou terciário,
segundo inspiração bancomundialista.
No terceiro capítulo, 72 horas em 16 minutos: qual escola
para o professor brasileiro?, Seki, Souza e Evangelista discutem o
avanço exponencial da esfera privada sobre as matrículas públicas e
sua simultânea adesão à modalidade a distância entre 2003 e 2015,
no Brasil, verificáveis no incremento de 10% (84.980) nas matrículas
em licenciaturas presenciais e de 993% (511.451) em EaD. Desses
números decorreu a conclusão histórica de que o contingente principal
de brasileiros trabalhadores é formado via privatização da qualificação
dos profissionais da escola pública. Coube à administração federal
o papel de propor, supervisionar e avaliar o cumprimento das
orientações pelas IES privadas, assim como oferecer as condições
concretas para que sua expansão ocorresse de forma segura e novos
nichos de mercado fossem criados. Nas IES particulares o estudante
foi tratado – e ainda o é – como número de matrícula, importante por
sua potência de compra e venda na bolsa de valores. Tal fenômeno
adquire proeminência após 2006 e 2007, coincidindo com a grave
crise do capital naquele período e em 2008.
O quarto capítulo, Vitória da EaD ou do capital?, escrito
pelos mesmos autores acima, permite verificar que no interior da
esfera privada floresceu a formação docente particular, expondo-
se a face perversa da transformação da educação em bem
mercadejável, agudizado a partir dos anos de 2000. Discutem as
ameaças decorrentes da progressiva submissão das instituições e dos
conteúdos da qualificação do magistério às novas formas de oferta
sob o comando do capital e seus marcos normativos. O cenário
descrito é resultado da reforma do ensino superior engendrada
durante os governos neoliberais, articulada às diretrizes do Banco
Mundial que o postulou como “ensino terciário”, configurando
dois movimentos históricos importantes: o desmonte do modelo
universitário e a privatização em larga escala do preparo do

Desventuras dos professores na formação para o capital 17


professorado no Brasil. No último capítulo, O labirinto dos dados,
os autores apresentam uma breve discussão sobre o processo de
coleta de informações nos microdados dos Censos da Educação
Superior, ressaltando as agruras dos pesquisadores em face de dados
nem sempre consistentes.
De outra parte, não apenas a coleta dos microdados apresentou
dificuldades; encontrar a documentação completa relativa aos
Governos Lula e Dilma foi um esforço inaudito. O fato de grande
parte da informação estar disponível na Internet não quer dizer que
sejam encontráveis. Nem sempre as informações estão completas;
muitos documentos não trazem data ou autoria; documentos
oficiais às vezes são encontrados em páginas não oficiais; alguns
documentos oficiais são encontrados em páginas estrangeiras;
inúmeros documentos de OM sobre o Brasil não estão em língua
portuguesa; páginas oficiais que deveriam congregar todo o acervo
relativo à sua denominação não o fazem; há mudanças nas páginas
com o consequente desparecimento de documentos e informações,
entre outros problemas. O desejo de compreender, e evidenciar, o
sentido último da política de formação docente empreendida no
período em exame levou-nos a produzir muitíssimas informações
que não puderam ser aqui convenientemente analisadas. Estão
sistematizadas na última parte do livro, Apêndice, disponíveis aos
estudiosos que queiram consultá-las ou tomá-las para análise.
A expectativa alimentada pelos organizadores é a de que a
ordenação das informações oferecidas ao leitor interessado possa
contribuir para a compreensão da grave situação em que se encontram
os aspirantes ao magistério no país. Ao mesmo tempo, esperam
que suas reflexões possam fecundar ações políticas que operem
a contrapelo da tendência dominante de esvaziar teoricamente a
formação docente e, por decorrência, trabalhar a favor da emergência
de uma consciência política que nos leve, a todos e todas, a cerrar
fileiras na defesa inconteste da escola pública brasileira.

Olinda Evangelista
Florianópolis, abril de 2019

18 Editora Mercado de Letras – Educação


capítulo I
DESTERRO DOCENTE E FORMAÇÃO
HUMANA NOS GOVERNOS PETISTAS

Astrid Baecker Avila


Mauro Titton
Olinda Evangelista

[...] a primeira experiência da esquerda brasileira no


poder foi a repetição de uma estratégia populista de
governo de extração getulista. Seu fim melancólico e
catastrófico é, na verdade, a expressão da impotência não
da esquerda como horizonte de transformação social,
mas do espectro que a colonizou quando ela alcançou o
governo. (Safatle 2018, pp. 44)

Introdução

Compreender com rigorosidade o processo histórico que


conduziu a política educacional e as proposições para a formação
docente, durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT),
requer que esse ciclo tenha se fechado, permitindo uma análise

Desventuras dos professores na formação para o capital 19


post festum das suas decorrências. Ressalvamos que o interregno
analisado abarca o primeiro governo Lula (2003-2006), o segundo
(2007-2010), o primeiro governo Dilma (2011- 2014) e o segundo até
seu impedimento (2015-2016); contudo, esse período tem ligações
bastante importantes com os de Fernando Henrique Cardoso (FHC)
(1995-2002), e Michel Temer (2016-2018),1 particularmente no que
diz respeito ao movimento hegemônico dos interesses capitalistas.
Em razão disso, se fez necessário identificar, mesmo brevemente,
o que estava posto no período pós-1990 no Brasil, durante os
governos de Collor-Itamar (1991-1994) e os de FHC.2 Certamente,
há também relações a serem pensadas no que tange ao governo
do presidente recém eleito, Jair Bolsonaro,3 mas fogem do escopo
deste texto.
Demarcamos, destarte, que o recorte temporal indicado
não pode engessar a compreensão do movimento em que passado
e presente se perpassam para permitir nosso entendimento e
vislumbrarmos as alternativas postas de futuro. Neste caso, é no
movimento da correlação de forças entre as classes sociais essenciais
– capital e trabalho – e seus respectivos projetos históricos,
constitutivos da sociedade burguesa, que podemos compreender a
produção e manutenção das políticas públicas, principalmente com o

1. Michel Temer, vice-presidente de Dilma Rousseff que assumiu após o im-


peachment, exerceu o mandato pelo Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), denominado, em 2017, Movimento Democrático Bra-
sileiro (MDB).
2. Fernando Collor de Mello se elegeu pelo Partido da Reconstrução Nacional
(PRN) e Itamar Franco, vice-presidente, assumiu após o seu impeachment.
Este pertencia ao mesmo partido de Collor, mas assumiu a presidência li-
gado à legenda do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
Fernando Henrique Cardoso se elegeu pelo Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB).
3. Jair Bolsonaro se elegeu em 2018 e iniciou seu mandato em 2019 pelo Par-
tido Social Liberal (PSL).

20 Editora Mercado de Letras – Educação


advento do neoliberalismo.4 A política educacional compõe o âmbito
da política social e como tal funciona como mediação, segundo
Boschetti, Behring e Lima (2018, pp. 14), “no campo da produção
e reprodução da totalidade, considerando seu lugar na reprodução
da força de trabalho e na relação entre produção e consumo no
capitalismo maduro.” Da mesma forma, tal política está alocada no
processo de crise do capital, do que decorre historicamente que a
formação docente encontra aí sua determinação mais geral.
É importante elucidar, de mais a mais, as articulações entre
os planos nacional e internacional e, diferentemente de algumas
análises, levarmos em conta que ambos se tornam compreensíveis
no processo de desenvolvimento do capital sob o imperialismo na
atualidade.5 Mesmo quando tratamos particularmente da Educação,
podemos falar em uma política educacional global, conforme Verger

4. Maranhão (2014, pp. 327-328) discute a tese neodesenvolvimentista, resul-


tante do desgaste das políticas neoliberais em fins dos anos de 1990, apro-
fundada nos anos de 2000, difundida por diferentes intelectuais, assinala
que “[...] a gradativa expansão das mais variadas tendências não implica
dizer que houve uma ruptura com o núcleo central das políticas neoliberais
ou que estas últimas tenham sido superadas por um novíssimo período his-
tórico. [...] a maioria das propostas são hegemonizadas por pressupostos do
social-liberalismo que, por sua vez, pretende oferecer uma união sincrética
entre políticas econômicas incentivadoras dos mecanismos de liberalização
do mercado e políticas de proteção social compensatórias e de alívio da
condição de miséria.”
5. Além dos precisos e preciosos estudos de Fontes (2010), concordamos com
o alerta feito por Jabbour (2018): “Para se ter uma ideia não foram poucas
as vezes que vi professores de ‘esquerda’ [...] repreendendo alunos que em
suas dissertações ou teses ainda utilizavam o termo ‘imperialismo’. Ora,
aos que sabem como o mundo funciona, ‘imperialismo’ aos marxistas con-
sequentes é uma categoria de análise, não uma palavra de ordem. [...] A
quem interessa uma esquerda que não tenha no seu arcabouço teórico, pro-
gramático e simbólico todas essas referências? Quem enquadrou a esquerda
a substituir o método do ‘processo histórico’ e da análise do fenômeno a
‘partir das múltiplas determinações do concreto’ em prol do método fascista
do chamado ‘lugar de fala’ e da missão de cuidar dos ‘fracos e oprimidos’?

Desventuras dos professores na formação para o capital 21


(2019). Não se trata da mesma política para todos os países, pois
justamente para manter as desigualdades é preciso garantir acessos
diferenciados aos países centrais do sistema capitalista mundial de
forma que nos países periféricos haja maior limite. No caso dos
segundos, floresceram políticas focalizadas de inclusão, diversidade
e combate à pobreza,6 por exemplo, que exigiram aporte de recursos
do fundo público. A reestruturação produtiva resultante da nova
fase de acumulação do capital nas décadas de 1980 e 1990 implicou
ampla reorganização e flexibilização das relações de trabalho,
baseada na retirada de direitos sociais (especialmente os trabalhistas)
e a invenção das noções de empregabilidade e empreendedorismo,7
numa perspectiva, conforme Ianni (1999), transnacionalizada e
administrada do alto e de fora.
As políticas educacionais do período em exame precisam ser
tomadas em seu processo histórico e como solução alardeada para
os problemas capitalistas de manutenção e aumento das taxas de
lucro. Apreender os elementos de totalidade neles impressos podem
esclarecer a inteligibilidade do conjunto de medidas e programas

6. Refira-se nos casos da inclusão e diversidade a presença importante das di-


retrizes da Unesco (2001, 2009); no caso do combate à pobreza, a do Banco
Mundial (1988, 1990, 2004). No ato realizado em Curitiba pela liberdade
de Lula, em abril de 2019, Haddad declarou que, entre as conquistas dos
governos do PT, estavam “a ampliação do acesso à educação pública pela
população pobre, os programas de moradia, ter criado universidades e es-
colas técnicas.” Afirmou também que “Lula é culpado por ter começado a
revolução da inclusão” (Rede Brasil Atual 2019).
7. Martins (2014, pp. 228) entende que empregabilidade e empreendedorismo
se vinculam ao desemprego, provavelmente principal mazela da denomina-
da questão social. As duas teses comungam de grande aceitação e precisam
ser desmistificadas, pois se relacionam com “o trabalho precarizado, com o
trabalho infantil, com o trabalho escravo no capitalismo, com o ‘fenômeno
das micro e pequenas empresas’, com as ONGs etc., como também com a
miséria, com a fome, com a violência, com a guerra, com o consumismo,
com o preconceito, com a mercantilização da arte, da cultura, da religiosi-
dade etc.” (Martins 2014, pp. 264).

22 Editora Mercado de Letras – Educação


que se travestiram de ações para o atendimento de reivindicações de
vastos setores da classe trabalhadora.
De outra parte, a política de formação docente, de modo
geral, nos governos do PT deu continuidade ao projeto de educação
iniciado com o governo Collor de Mello e Itamar Franco (1991-
1994), intensificado nos governos de FHC, que obliterou e, em parte,
cooptou os movimentos de oposição nos mandatos do governo Lula,
ratificado nos de Dilma. O último seguiu na esteira do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) (Brasil 2007), cumprindo os
pactos realizados pelo Brasil com Organismos Multilaterais (OM),
como Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas para
a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (CEPAL), pretendendo forjar
um consenso – não universal, obviamente – que fizesse eco ao
movimento altamente organizado de setores do empresariado
brasileiro denominado “Movimento Todos Pela Educação (TPE)”
(TPE 2018).8

8. Segundo Martins (2009, pp. 3), o TPE é um “think tank da área educacional,
isto é, [um] organismo especializado em produzir e difundir conhecimentos
e ideias para educação no país. [...] Os contribuintes são apresentados como
‘patrocinadores’ da organização e encontram-se divididos em três níveis que
variam de acordo com o valor do repasse. Ao todo, a organização conta com
dez contribuintes, entre eles: Grupo Gerdau, Grupo Suzano, Banco Itaú,
Banco Bradesco, Organizações Globo. No conjunto, destacam-se aqueles
grupos com atuação predominante no setor financeiro.” Informa o autor
que “O Grupo Gerdau (ligado ao setor de metalurgia) ocupa a chamada
‘cota ouro’ e se destaca como principal patrocinador da entidade.” Geral-
do e Leher (2016, pp. 2-3) explicam que “Em 2006, organizações sociais
privatistas se organizaram e formaram o Todos pela Educação. No governo
de Luiz Inácio Lula da Silva, houve a conjugação do neoliberalismo e pre-
ceitos do social-liberalismo da Terceira Via, operando um grande processo
transformista ao enfraquecer o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pú-
blica e redirecionando a agenda de importantes sindicatos de trabalhadores
da educação. [...] O Todos pela Educação, desde sua criação, atua como
um partido.”. Ainda, Evangelista e Leher (2012, pp. 5-6) assinalam que “O
ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, o ex-presidente do Instituto

Desventuras dos professores na formação para o capital 23


No interregno em exame ocorreu enorme desagregação de
movimentos sociais, fóruns e organizações criadas nas lutas em
defesa da educação pública em décadas anteriores, impulsionada
pelo transformismo de parte do que se denominava “esquerda
nacional”, incluída a diretamente envolvida na formação docente.
Somente em 2014 parte daqueles movimentos retomou a organização

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),


Reynaldo Fernandes, os dois últimos ex-Secretários de Educação Básica
do MEC, Maria do Pilar Lacerda e Cesar Callegari, este último o Secretário
que Costin sucederia, todos são organizadores do TPE. [...]. O ministro Ha-
ddad batizou o principal plano de ação na área educacional do governo Lula
da Silva, o Plano de Desenvolvimento da Educação (Brasil 2007b), com
o nome do movimento: Compromisso Todos pela Educação. A leitura da
Exposição de Motivos do Plano comprova que não se trata apenas de um ato
simbólico, pois lá se afirma que as iniciativas previstas no PDE objetivam
implementar as metas do TPE. Em outros termos, a principal medida edu-
cacional dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff é a agenda do TPE.”
Fiera (2019 pp.14-15) registra que em 2011 foi criada, em Brasília, a Rede
Latino-americana de Organização da Sociedade Civil pela Educação (RE-
DUCA), apoiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
assim como por empresários latino-americanos. Seu objetivo é interferir nas
políticas educativas de 15 países por meio das seguintes organizações empre-
sariais: Proyecto Educar 2050 (Argentina); Movimento Todos Pela Educação
(Brasil); Educación 2020 (Chile); Empresarios por la Educación (Colômbia);
Grupo Faro (Equador); Fundación Empresarial para el Desarrollo Educativo
– Fepade (El Salvador); Empresarios por la Educación (Guatemala); Fun-
dación para la Educación Ernesto Maduro Andreu – Ferema (Honduras);
Mexicanos Primero (México); Foro Educativo Nicaragüense “Eduquemos”
(Nicarágua); Unidos por la Educación (Panamá); Juntos por la Educación
(Paraguai); Empresarios por la Educación (Peru); Acción por la Educación
– Educa (República Dominicana); ReachingU (Uruguai). Segundo a auto-
ra, a coordenação da Rede cabe a três organizações fundadoras: Todos Pela
Educação (Brasil), Educación 2020 (Chile) e Mexicanos Primero (México).
A declaração de Brasília, então aprovada, apresenta seus objetivos: 1) Tra-
balhar em conjunto para a garantia do direito à educação de qualidade para
toda a criança e jovem; 2) Trocar conhecimentos e aprender coletivamente;
3) Ter uma voz coletiva no nível regional. Uma das metas é atingir 12 anos de
escolaridade na região e alcançar a média da OCDE no PISA.

24 Editora Mercado de Letras – Educação


em nível nacional na defesa da educação pública, gratuita, laica,
estatal e com qualidade referenciada nas necessidades da classe
trabalhadora, com financiamento público exclusivo às instituições
públicas estatais, tendo em vista rearticular setores descontentes
com o rumo privatizante e precarizante em que a educação brasileira
foi colocada.9
A alteração da correlação de forças nas lutas sociais em
desfavor dos interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora
e a política de conciliação de classes10 adotada nos governos petistas
– um de seus frutos foi a ascensão de grupos e governo protofacistas
–, resultaram nas profundas alterações promovidas no sentido
ontológico da formação humana e das políticas educacionais,
incluída as da formação docente. Para Safatle (2018), a estratégia
política levada a cabo ao longo do período petista, alcunhada de
“lulismo”, não representou um “combate à desigualdade, mas uma
política de capitalização dos pobres” (Safatle 2018, pp. 89).
O Coeficiente de Gini, utilizado para mensurar a desigualdade
social no mundo, nos nivelou em 52,9, em 2013 – quanto mais
distante de zero, mais desigual; “esse era o mesmo nível que o Brasil
tinha em 1960. Ou seja, tudo que havíamos conseguido foi retomar

9. Em agosto de 2014, no Rio de Janeiro, realizou-se, como resultado da rear-


ticulação de um substantivo espectro de forças políticas, o I Encontro Na-
cional de Educação (ENE); diferentes setores de movimentos sociais, sin-
dicatos, entidades ligadas à educação, educadores e estudantes de todas as
regiões do país, debateram caminhos para os próximos passos dos que se
alinham a um projeto histórico a contrapelo do da burguesia. Embora não
tenha mantido a periodicidade proposta, realizou-se o II Encontro Nacional
de Educação, em 2016, em Brasília. Em 2018 e 2019 várias etapas prepara-
tórias ao III ENE ocorreram em diferentes estados brasileiros. O encontro
nacional se realizou em abril de 2019, em Brasília (https://encontronacio-
naldeeducacao.org/).
10. Muitos estudos abordam como a política de conciliação de classes conduziu
a um processo de apassivamento da classe trabalhadora, tendo facilitado o
impedimento da Presidenta Dilma. Confira, por exemplo, Iasi (2013, 2016)
e Fontes (2016, 2017).

Desventuras dos professores na formação para o capital 25


o nível de desigualdade de 1960, continuando mais desiguais que
países como Índia, China, Rússia, Argentina, México e Peru.”
(Safatle 2018, pp. 89). O PT atuou segundo o mesmo projeto
político-econômico em curso após a década de 1990, sem mudar
radicalmente sua direção. A elevação do custo de vida, o aumento da
especulação imobiliária e o endividamento das famílias brasileiras
emergiram e limitaram o avanço do combate à desigualdade, a não
ser de modo superficial e útil aos discursos políticos. Concordamos
com Safatle (2018, pp. 44) que vê o lulismo como “repetição de
uma estratégia populista de governo de extração getulista”. Em sua
avaliação,

a política lulista de financiamento estatal do capitalismo


nacional levou ao extremo as tendências monopolistas
da economia do país. O capitalismo brasileiro é hoje um
capitalismo monopolista de estado. O Estado é, aqui, o
financiador dos processos de oligopolização e cartelização da
economia. [...] Em vez de impedir o processo de concentração,
o Estado o estimulou. (Safatle 2018, pp. 92)

Semelhante encaminhamento não se desenrolou sem


oposição, porém, nos quatorze anos de governo petista, inúmeras
dificuldades se colocaram para o estabelecimento de uma unidade
em torno de reivindicações e lutas que perspectivavam um projeto
para a educação balizado por uma concepção de formação humana
e de sociedade para além do capital (Mészáros 2005). Da estratégia
de conciliação de classes consolidada entre 2003 e 2016 derivou
uma cruel proposta de formação docente; o seu segmento mais
crucial quase ficou invisível sob os brocardos da “democratização
do acesso” ao Ensino Superior e da “oferta de oportunidades”
de trabalho. Todavia, essa conta ficou alta, especialmente para a
juventude.
Olhando para o passado recente do país, somos levados a
concordar com a análise de Safatle (2018, pp. 43): a história da

26 Editora Mercado de Letras – Educação


esquerda petista no poder “terá sido a história de uma mutação
paulatina, na qual toda sua força de transformação foi se esvaindo,
para se transmutar na força de ressurreição de espectros, como se
acabássemos por nos encontrar no interior de um tempo no qual
o passado nunca passa.” No interior do desterro docente e tendo
em vista a sua “de” formação, foram executadas em torno de 60
linhas de ação, contemplando praticamente todos os aspectos do
preparo e futura atuação do professor, não raro percebidas como
democratização da área e investimento na qualificação docente.11
Neste capítulo discutiremos mais demoradamente a formação
inicial e continuada, a despeito de não podermos nos descolar de
outros aspectos deste processo, mesmo sem citá-los, pois o projeto
político de formação docente extrapola a ideia de curso. Por
exemplo, ela se relaciona ao material didático; à avaliação em larga
escala; às condições infraestruturais das escolas; ao aparelhamento
tecnológico; à focalização; à política de editais;12 às parcerias

11. Uma listagem não exaustiva dessas ações encontra-se no Apêndice, agru-
padas em quatro grandes dimensões, ressalvados seus entrecruzamentos:
formação inicial; formação continuada; ações de formação docente; acesso
ao ensino superior. Desse total, em torno de 11 foram executadas antes do
período de Fernando Haddad no Ministério da Educação (MEC), das quais
oito já existiam, algumas do governo FHC, outras anteriores, como é o caso
do Programa de Concessão e Manutenção de Bolsas de Pós-Graduação no
País, de 1951. Nos quase sete anos de seu ministério, Haddad demonstrou
grande capacidade gerencial e política sendo, talvez, difícil encontrar inicia-
tivas do MEC não nomeadas por ele e sua equipe. Em 2006, 2007 e 2008,
mais de trinta propostas foram instaladas. A listagem exibe a pulverização
da política educacional e concomitante focalização nos temas “candentes”
que a conjuntura apresentava.
12. A política de editais, ademais de intermitente, não raro atendeu a interesses
de grupos de pressão que lograram transformar em política pública deman-
das específicas. A abertura de editais para financiamento de temas em alta
configurou-se numa potente forma de cooptação de segmentos intelectuais
radicados nas universidades, públicas especialmente. Nas palavras do go-
verno: “A Capes não executa diretamente as ações de formação: são as uni-
versidades, os institutos e instituições formadoras credenciadas pelo MEC

Desventuras dos professores na formação para o capital 27


público-privadas (PPP).13 O eixo central diz respeito à abertura de
nichos de mercado pela entrega do preparo do magistério nacional
à sanha capitalista e da indução à expansão desenfreada da EaD –
tema dos Capítulos II a V deste livro.
Como dissemos, a formação docente é estratégica para o
desenvolvimento de projetos históricos, tanto para a permanência
do atual, burguês, quanto para sua superação sob a perspectiva da
emancipação humana, sem afirmar, com isso, que a revolução se
fará pela escola. Seu controle assume centralidade, sobretudo no
atual estágio de desenvolvimento do capital em que a qualificação
da força de trabalho exige crescente grau de expropriação do
trabalhador no que se refere às condições de reprodução social. A
necessidade de comandar – e subordinar – o preparo de professores
ao capital conduziu a uma intervenção estatal que se multiplicou
num grande número de iniciativas, articuladas com o empresariado
organizado no TPE. Seu caráter orgânico ficou explicitado no PDE
(Brasil 2007) que, de certa maneira, passou ao largo do Plano
Nacional de Educação 2001-2011 (Brasil 2001), aprovado durante
o Governo de FHC. Esta articulação, por seu turno, subordinou-se
à luta fundamental na sociedade capitalista entre capital e trabalho,

– públicas e privadas, dependendo dos programas. O ponto de partida é,


principalmente, o lançamento de editais. Posto que há limite orçamentário,
a seleção por meio de editais confere transparência e publicidade aos inves-
timentos feitos e reconhece o mérito das propostas elaboradas pelas institui-
ções, tornando-se um modo de operar democrático.” (Brasil 2014?, pp. 2).
13. Não se trata neste capítulo de discutir as PPP; convém, entretanto, referir
Cêa (2016, pp. 12). A autora assinala, baseada em estudos nacionais e re-
gionais, que é corrente “o uso de estratégias políticas variadas dos setores
público e privado para introduzir, desenvolver, aprimorar e naturalizar as
ePPPs [educaçãoPPPs] como componente da governança. Dessa forma,
mais que um mero instrumentos, as ePPPs vêm mediando e fazendo o mer-
cado (Robertson e Verger 2012), o que permite aventar que as ePPPs vêm
se constituindo em processos e dinâmicas estruturantes da gestão pública
da educação – e é possível arriscar, como hipótese, da gestão das políticas
públicas em geral.”

28 Editora Mercado de Letras – Educação


sendo ela a contradição vital do projeto petista de formação
docente. Do ponto de vista metodológico, analisamos as políticas
educacionais do ponto de vista dos interesses expressos em suas
concepções, implementações, público a que se destina, articulações
internacionais e – quando possível – recursos atribuídos. Esse
esclarecimento é importante, pois quando tomamos como referência
o interesse individual ou mesmo grupal do beneficiário podemos
perder de vista suas determinações, escapar da totalidade que a
produziu e esbarrar no risco de legitimar a política porque seu alvo
a legitimou. Estamos sempre frente à necessidade da formação
humana “para além do capital”; mas sofremos ininterruptamente a
interdição das condições de apreensão desta realidade contraditória
e seu desígnio alternativo. Pretendemos ir na contramão dessa
tendência.

Questões da política educacional no pós-1990

A década de 1990 foi marcada mundialmente pela ideia de


que o neoliberalismo – elevado à categoria de pensamento único
– seria a solução para a crise do capitalismo. Embora as ideias
de Hayek (2010 [1944]) não tivessem sido sorvidas no tempo
em que foram escritas – em razão da conjuntura internacional do
período14 –, triunfou na década de oitenta do século XX nos países

14. Em 1944, o Keynesianismo possuía grande influência na forma de pensar


a economia e a política estava sob o comando do pensamento capitalista
democrata. Concretamente havia uma condição social que garantia esses
dois aspectos: a ameaça socialista aparecia como alternativa ao capitalismo,
o que requeria da classe hegemônica uma ação mais recuada e mediado-
ra dos interesses dos trabalhadores, concentrando no Estado uma forma de
amenizar, mediante direitos sociais, as condições de vida dos mesmos. Após
a segunda guerra mundial, a era de ouro do capital desembocou no Estado
de Bem Estar Social para os países centrais do capitalismo. Vale dizer que o
Brasil nunca viveu tal contexto; apenas alguns respingos chegaram a nós na

Desventuras dos professores na formação para o capital 29


de capitalismo avançado. Um de seus componentes centrais é o
anticomunismo, estratégia capitalista na guerra fria (que eclodiu em
1978). Seu argumento central era de que o novo igualitarismo gerado
pelo Estado de Bem Estar Social destruía a liberdade dos cidadãos
e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de
todos (Anderson 1995).
Durante a crise econômica de 1973, com longa e profunda
recessão, as taxas de crescimento caíram e as altas taxas de inflação
criaram um ambiente propício às ideias neoliberais. Hayek culpava
os sindicatos e o movimento operário por gerarem demasiado gasto
social para o Estado com suas pautas reivindicatórias e apresentava
como solução o Estado forte na capacidade de romper com o poder
dos sindicatos. De outro lado, forte no controle do dinheiro, parco
nos gastos sociais, diretivo nas intervenções econômicas, tendo
o governo a tarefa de garantir estabilidade monetária (Anderson
1995). Retomava-se da concepção liberal o ideário de que a
desigualdade é um valor positivo, pois imputava a competição
que garantiria o desenvolvimento. Para restaurar a desigualdade
necessária ao desenvolvimento econômico era preciso aumentar
a taxa “natural” de desemprego, aumentando com isso o exército
de reserva de trabalhadores, conjugada a um conjunto de reformas
fiscais (redução dos impostos sobre os rendimentos mais altos).
Com essa plataforma, nos governos Tatcher (1979) e Regan (1980),
respectivamente na Inglaterra e Estados Unidos, no governo alemão
de Khol (1982) e no dinamarquês de Schluter (1983), ocorreu a
implementação do ideário neoliberal em seu primeiro terreno,
resguardadas suas diferenças nesse processo.
Em 1991, nova recessão econômica aumentou a dívida
pública dos países ocidentais e o endividamento privado das
famílias e empresas e nova onda de privatizações emergiu; a
hegemonia neoliberal conquistou até mesmo os partidos opositores.

forma de regime ditatorial nos anos de 1960 (aliás, como para grande parte
dos países da periferia do capitalismo).

30 Editora Mercado de Letras – Educação


Tal movimento desencadeou a vitória do capitalismo na Guerra Fria
e o colapso do que se denominava comunismo. Nesse momento,
o neoliberalismo ganhou seu segundo terreno, pois os países do
leste europeu, recém-chegados ao capitalismo, tiveram governos
neoliberais extremistas com deflação, privatização das empresas
estatais, crescimento de capital corrupto e polarização social.
O paradigma neoliberal agregou força como prática política
no espectro político à direita e à esquerda; tornou-se uma força
ideológica mundial com o efeito de demonstração que obteve
no mundo pós-soviético. Ainda na década de noventa do século
passado, avançou sobre um terceiro terreno: a América Latina,15
tendo em vista que no Brasil esse ideário se estabeleceu de forma
mais contundente com a eleição de FHC à presidência da República.
O Brasil acompanhou uma tendência internacional, alardeada pelo
Banco Mundial (BM), segundo a qual o conhecimento era fator
de produção destacado de algo pouco preciso designado como
“capitalismo intelectual”. Tomado como sucessor do capitalismo
industrial, “por isso, a educação, na condição de capital, tornou-
se assunto de managers e não mais de educadores”  (Leher 1999,
pp. 25).
O discurso sobre a mercadorização e a subordinação da
educação aos interesses do capital foi atualizado numa versão
renovada da perspectiva do “capital humano”, ampliando a
expropriação do conhecimento, dificultando o acesso dos indivíduos
ao conhecimentos elaborados. A empresa deveria se apropriar do
conhecimento e utilizá-lo de forma eficiente para formatar seus
funcionários; por isso, só interessaria o conhecimento útil ao
capital. Para Leher (1999, pp. 25), “Hayek sumariza a importância
da educação na sociedade liberal: ‘é o uso dos seus próprios meios

15. Antes, na década de 1970, havia aportado na região, no Chile, tendo servido
de “balão de ensaio”. Sua difusão em outros países ocorreria a partir da
década de 1990.

Desventuras dos professores na formação para o capital 31


e de seu próprio conhecimento o que define o homem livre capaz de
contribuir para a ordem espontânea’”. Assinala que esta conexão –
entre conhecimento e ordem – constitui a base das proposições para
educação proposta pelo Banco Mundial nos anos de 1990. Ou seja,
nada melhor para evitar que os pobres se revoltassem, de forma
organizada ou não, contra a concentração de riqueza para poucos
que cultivar as ideias de resignação ao mundo dado por meio do
conhecimento e da educação. A isso se chamou “binômio pobreza
e segurança”, ideia que deu sentido ao slogan de “educação para a
paz” em documentos de Organismos Multilaterais (OM), a exemplo
da Unesco (2002).16
O que está claro para nós é que desconsiderando esse
conjunto de elementos nos quais a particularidade de nosso objeto
de estudo pode alcançar suas determinações é impossível entender
o alcance da ação educativa como mediação de hegemonia. Embora
não discutamos todos os aspectos da hegemonia burguesa e seu
alcance em termos escolares, esse é o sentido último de nossa
reflexão acerca da relevância das políticas de formação docente,
posto que nelas vemos mais do que diretrizes: vemos um projeto
social de humanidade ser encaminhado.

16. A Unesco afirma que “Mesmo atuando em uma variedade distinta de cam-
pos, a missão central da Unesco é a construção da paz [...]. Para atingir
tal objetivo, a Unesco trabalha cooperando com os governos em seus três
níveis, com o Poder Legislativo e a sociedade civil, construindo uma rede de
parcerias, mobilizando a sociedade, aumentando a conscientização e edu-
cando para a Cultura de Paz. Exemplo disso é o Programa Abrindo Espaços
– desenvolvido em diversos estados e municípios do Brasil e, mais recen-
temente, em parceria também com o Governo Federal –, uma estratégia de
abertura das escolas públicas nos finais de semana, com atividades de arte,
esporte, cultura, lazer e cidadania, que se caracteriza como um eficiente
programa de inclusão social com forte componente de educação, promoção
da cultura de paz e redução da violência” (Diskin e Roizman 2002).

32 Editora Mercado de Letras – Educação


Marcas indeléveis na formação docente

A política petista de formação de professores produziu


imensa variedade de linhas de ação, ao mesmo tempo em que
induziu estudos e pesquisas nas áreas eleitas como problemáticas
ou deficientes, desconsiderando a reivindicação histórica de
movimentos de educadores em suas associações e sindicatos por
uma formação unitária que articulasse, ao menos, formação inicial
e continuada em cursos presenciais, em instituições universitárias
públicas, com valorização salarial, planos de carreira17 e condições
de trabalho dignas. Não obstante, muitos dos intelectuais
formuladores de tais demandas aderiram ao projeto petista e
muitos outros, ligados à Instituições de Ensino Superior Públicas,
atenderam à indução governamental concorrendo e se submetendo
aos editais que grassaram no período em tela.
Ainda que movidos por diferentes razões, os diagnósticos
de órgãos governamentais, como o Instituto Nacional de Pesquisa
Educacional Anísio Teixeira (INEP), os de organizações de
trabalhadores e os de organizações empresariais foram unânimes
em demonstrar a situação de absoluta precariedade em que se
encontravam a formação e as condições de trabalho docentes
quando o aparelho de Estado foi assumido pelo Presidente Lula.
Entretanto, a unanimidade apareceu apenas no diagnóstico, pois,

17. A Lei do Piso, nº 11.738, de 16 de julho de 2008 (Brasil 2008), previu prazo
para implementação, como se vê no Art. 6º: “A União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios deverão elaborar ou adequar seus Planos de Carrei-
ra e Remuneração do Magistério até 31 de dezembro de 2009, tendo em vis-
ta o cumprimento do piso salarial profissional nacional para os profissionais
do magistério público da educação básica, conforme disposto no parágrafo
único do art. 206 da Constituição Federal.” Porém, até hoje não logrou ser
implementada na maioria dos Estados e Municípios brasileiros.

Desventuras dos professores na formação para o capital 33


alinhado aos interesses empresariais no âmbito educacional e
articulado à OM, o governo formulou políticas que atribuíram aos
professores a responsabilização pela situação educacional precária,
permanentemente asseverada por mecanismos de avaliação em
larga escala, caso do IDEB, criado no bojo do PDE (Brasil 2007) no
primeiro governo Lula, como veremos adiante.
Em continuidade à política do governo FHC, houve expansão
desenfreada de Cursos Normais Superiores (CNS). Segundo dados
do INEP (Brasil 2001a, 2003, 2006), no ano de 2001, havia 115
cursos no país; em 2003, passou para 485; em 2006 saltou para
702, dos quais 490 estavam em instituições privadas e 208 em
instituições públicas. Em termos de matrículas, de 2003 para 2007
(Brasil 2007a) houve redução, especialmente nos cursos presenciais,
enquanto na EaD houve aumento (de 31,5% passou para 43,3% das
matrículas). A redução de 6.739 matrículas presenciais públicas
e 18.305 particulares supera de longe o incremento de 7.847
nas IES privadas sem fins lucrativos presenciais. As matrículas
EaD, inicialmente majoritárias no setor público, migraram para
o particular e foram extintas nas Instituições de Ensino Superior
(IES) sem fins lucrativos (Tabela 1). Se tomarmos para análise
apenas os cursos, podemos elidir o movimento do avanço do capital
em suas particularidades. Não à toa os órgãos estatais variam suas
referências, em documentos, discutindo o montante de matrículas
quando se referem à “expansão e democratização do acesso ao
ensino superior”, mas rapidamente mudam os números para cursos
e IES quando tratam do setor público. Desse modo, evitam as
variáveis que exporiam o avanço açambarcador do setor particular
sobre a educação, mormente a formação docente. A visão de
totalidade se perde na escolha minuciosa e adequada da exposição
das informações oficiais pelos arautos do aparelho de Estado e o
canto da sereia pode assim ser melhor entoado.

34 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 1 – Número de matrículas em
Curso Normal Superior – 2003, 2007 – Brasil

CATEGORIA MODALIDADE 2003 2007

Presencial 21424 14685

Pública EaD 10.297 6458

Total 31.721 21.143

Presencial 26412 8107

Particular EaD 11.822 21641

Total 38.234 29.748

Presencial 6110 13957

Privada sem fins lucrativos EaD 2.653 -

Total 8.763 13.957

Presencial 53.946 36.749

TOTAL EaD 24.772 28.099

Total 78.718 64.848

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007a). [Nota: Elaboração própria].

Vale destacar que o Parecer CNE/CP nº 3, de 21 de


fevereiro de 2006 (Brasil 2006a), manteve as alterações presentes
nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para o Curso de
Pedagogia (Brasil 2005) que facilitaram para os CNS transitarem
para Cursos de Pedagogia. Esse movimento levou praticamente ao
seu desaparecimento nos anos posteriores. Nesse período houve
também a expansão da formação em Cursos Normais de nível
médio (CNM) dos professores para a Educação Infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental, mantendo-se sua formação fora
das IES universitárias públicas. O preparo do professor em nível
superior universitário foi sendo postergado – em tese desapareceu
tal demanda, posto que reduzida à formação em nível superior –,
submetendo-o à formação em serviço, segundo lógica de aquisição
de competências pedagógicas testadas pela prática para atingir a

Desventuras dos professores na formação para o capital 35


aprendizagem dos estudantes cujas diretrizes giram em torno das
busca e consolidação de “práticas exitosas”, segundo orientação da
UNESCO (Nunes e Abramovay 2003), Banco Mundial e OCDE.18
Para a formação na licenciatura em Pedagogia,19 a trajetória
foi mais agressiva: as matrículas na modalidade EaD de 5,4%, em
2003, passaram a representar, em 2007, 34,7% do total. Com o seu
incremento no setor privado, o público recuou de 38% para 29% do
total de matrículas (Tabela 2).

Tabela 2 – Número de matrículas em Pedagogia – 2003, 2007 – Brasil

CATEGORIA MODALIDADE 2003 2007

Presencial 94093 97710

Pública EaD 15.478 20321

Total 109.571 118.031

Presencial 96747 114224

Particular EaD - 45864

Total 96.747 160.088

18. A posição da Unesco acerca do acerto da política de localização e estímulo


às “práticas exitosas” é ratificada pelo Banco Mundial e a OCDE: “Com o
apoio da equipe de educação do Banco Mundial, esses sistemas escolares
também estão usando métodos padronizados de observação em sala de aula
desenvolvidos nos países da OCDE para olhar dentro da ‘caixa-preta’ da
sala de aula e identificar quais são os exemplos de boas práticas de professo-
res que podem ancorar os seus programas de desenvolvimento profissional.”
(Banco Mundial 2010, pp. 6). A Unesco publicou, em 2014, o Catastro de
experiencias relevantes de políticas docentes en América Latina y el Caribe
“ofrecido a los actores e instituciones educacionales de los países de la
región – organismos gubernamentales, instituciones académicas, organi-
zaciones docentes, investigadores y otros – para acceder a información y
conocimiento útil en el diseño y evaluación de alternativas de políticas,
según las necesidades específicas de los procesos de discusión, evaluación
y diseño de las políticas docentes de cada país.” (Unesco 2014, p. 7)
19. Há que se recordar as recorrentes idas e vindas na sua regulamentação, con-
fira referências: Brasil 2004a, 2005b, 2005c, 2007g, 2015, 2015a.

36 Editora Mercado de Letras – Educação


Presencial 78633 57187

Privada sem fins lucrativos EaD - 77.000

Total 78.633 134.187

Presencial 269.473 269.121

TOTAL EaD 15.478 143.185

Total 284.951 412.306

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007a). [Nota: Elaboração própria]

Novamente a relação de matrículas e número de cursos não


deve nos enganar. Em 2007 havia 1.767 cursos; destes, 717 em
instituições públicas e 1.050 em IES privadas e sem fins lucrativos
(Brasil 2007a). Quando passamos para os dados de 2017, o
processo de ampliação de matrículas nas instituições privadas fica
evidenciado, demonstrando que as ações de indução da expansão
nelas ocorreu majoritariamente, como vemos no gráfico a seguir.

Gráfico 1 – Frequência de matrículas em cursos de Pedagogia por


categoria administrativa e modalidade de ensino – 2017 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2017a). [Nota: Elaboração própria]

Desventuras dos professores na formação para o capital 37


O mesmo percurso foi feito pelas demais licenciaturas. Em
2003, primeiro ano do governo Lula, na modalidade EaD havia 48
cursos com 51.483 matrículas. Destes, 14 cursos e 14.498 matrículas
estavam em IES privadas (2.653 nas sem fins lucrativos e 11.845
nas particulares). Em 2015, havia 619 cursos EaD em licenciaturas,
com 562.934 matrículas; o setor privado concentrou 305 cursos e
476.132 matrículas (350.032 particulares e 126.100 privadas sem
fins lucrativos).20
A evolução geral das matrículas na licenciatura por categoria
administrativa demonstra a tendência de aumento na modalidade
EaD em instituições particulares, como debateremos nos capítulos
seguintes. A Tabela 3 a seguir permite visualizar esta tendência.
No Gráfico 2, a tendência de ampliação exponencial das
matrículas na modalidade EaD e de diminuição das matrículas
na modalidade presencial é explicitada. Ou seja, a relação entre
aumento de matrículas na modalidade EaD e diminuição na
modalidade presencial, indica o sentido da indução da expansão
no ensino superior, especificamente nas licenciaturas, pela ação do
Estado nas políticas educacionais.

20. O capítulo O crescimento perverso das licenciaturas privadas aprofunda a


análise dessas informações.

38 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 3: Frequência de matrículas em licenciaturas e percentual de crescimento
por categoria administrativa e modalidade de ensino – 2003/2017 – Brasil

Categoria administrativa Modalidade 2003 2007 2011 2015 2017 ∆ 2003-2017

N 11.845 98.701 180.908 350.032 484.542 472.697


EaD
∆% - 733,30 83,30 93,50 38,40 3990,70
Particular
N 228.815 267.555 163.925 185.415 165.494 -63321
Presencial
∆% - 16,90 -38,70 13,10 -10,70 -27,70

N 2.653 92.110 143.516 126.100 148.781 146.128


EaD
∆% - 3371,90 55,80 -12,10 18,00 5508,00
Privada sem fins lucrativos
N 217686 197993 276874 229315 188784 -28902
Presencial
∆% - -9,00 39,80 -17,20 -17,70 -13,30

Desventuras dos professores na formação para o capital


N 36.985 54.671 103.853 86.802 110.145 73.160
EaD
∆% - 47,80 90,00 -16,40 26,90 197,80
Pública
N 372766 350374 479816 489517 491694 118.928
Presencial
∆% - -6,00 36,90 2,00 0,40 31,90

39
Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017).
Nota: Elaboração própria. Nota específica: ∆ significa variação.
Gráfico 2 – Frequência de matrículas em cursos de licenciatura
por modalidade de ensino – 2003/2017 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017). [Nota: Elaboração própria]

Ademais desta tendência, outro importante elemento a ser


considerado se expressa na concepção de formação que organiza as
políticas. A relação entre lócus de formação e concepção formativa
está presente também nas instituições públicas quando se separa a
formação universitária da não universitária. A criação dos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET), decorrente
da reorganização dos Centros Federais de Educação Tecnológica
(CEFET), Escolas Técnicas Federais, Agrotécnicas e as vinculadas
às Universidades federais, concretizou o avanço da formação
docente não universitária na esfera pública, organizados sob a
concepção de educação terciária, de natureza profissionalizante,
seguindo as orientações do BM após os anos de 1990, como veremos
nos próximos capítulos deste livro.
Na apresentação do documento da Secretaria de Educação
Tecnológica do MEC – Instituto Federal de Educação, Ciência
e Tecnologia: um novo modelo em educação profissional e
tecnológica: concepção e diretrizes – restava evidente a finalidade
dos IFET:

40 Editora Mercado de Letras – Educação


O foco dos Institutos Federais será a justiça social, a equidade,
a competitividade econômica e a geração de novas tecnologias.
Responderão, de forma ágil e eficaz, às demandas crescentes
por formação profissional, por difusão de conhecimentos
científicos e tecnológicos e de suporte aos arranjos produtivos
locais.
Os novos Institutos Federais atuarão em todos os níveis
e modalidades da educação profissional, com estreito
compromisso com o desenvolvimento integral do cidadão
trabalhador; e articularão, em experiência institucional
inovadora, todos os princípios formuladores do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE).
Este novo arranjo educacional abrirá novas perspectivas para
o ensino médio, por meio de uma combinação do ensino de
ciências naturais, humanidades e educação profissional e
tecnológica.
Os fundamentos dos Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia estão aqui, nesta pequena publicação, de forma
a que a sociedade brasileira possa entender e participar da
construção do sólido caminho que estamos traçando em busca
de um Brasil mais justo. (Brasil 2010, pp. 3)

Ao transformar os IFET em instituições de formação


docente, em especial naquelas áreas em que havia falta crônica
de docentes, a intenção manifesta de romper com a formação
lastreada numa ampla base teórico-prática – própria às instituições
universitárias – tem possibilidade de objetivação. Utilizou-se da
experiência com a educação profissional e técnica para formatar
também a formação docente às diretrizes desta modalidade. O que
se destaca na concepção e nas diretrizes dos Institutos é que seus
cursos se subordinarão ao pragmatismo das demandas de mercado,
ditadas pelos arranjos produtivos locais. Some-se a isso a ilusão de
justiça social atrelada à competitividade econômica e à dimensão
utilitarista e reificadora das relações sociais presentes. No mesmo
documento, assinala-que:

Desventuras dos professores na formação para o capital 41


No tocante à formação de professores para o conteúdo da
formação geral (com destaque para as ciências da natureza:
Química, Física, Biologia e mesmo a Matemática), essa opção
é crucial, tendo em vista a falta de professores. O relatório
recente do Conselho Nacional de Educação (CNE), que
estimou essa demanda em 272.327 professores, apenas no
campo das ciências da natureza, reforça essa tese. Ressalta-
se ainda que esse total apresenta-se em perspectiva crescente
em face da expansão expressiva da educação profissional
e tecnológica. Os Institutos Federais apontam, quando na
plenitude de seu funcionamento, para um número estimado de
100 mil matrículas em cursos de licenciaturas, que em grande
parte poderão se destinar a essa área. (Brasil 2010, pp. 29)

A intenção de atingir o montante de cem mil matrículas


não chegou a se efetivar, como podemos ver na tabela abaixo, que
apresenta os tipos de licenciaturas ofertadas, evidenciando que
extrapolaram as áreas iniciais de interesse.
O fato de que os IFET não tenham efetivado, nos governos
petistas, o total de matrículas previstas (chegaram a aproximadamente
45%), não significou que não tenha ocorrido a implementação, no
setor público, de um lócus de formação não universitária. Há um
expressivo percentual de crescimento, de 2003 para 2017, dos
Institutos, 301% (136.841), em relação às Universidades públicas,
77,2% (749.446). Se considerarmos apenas os percentuais, os
IFET cresceram mais do que a esfera privada, 125% (3.467.368).
O governo de Bolsonaro, até o momento, não apresentou qualquer
plano para a Educação. Assim, não é possível saber se esta tendência
apenas iniciada terá ou não peso e continuidade nos próximos anos.

42 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 4 – Frequência e percentual de matrículas em licenciaturas em Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia e Centro Federal de Educação Tecnológica – 2015 – Brasil

CURSO N % % Acumulada
Formação de professor de matemática 8688 19 19,3
Formação de professor de química 8365 19 37,8
Formação de professor de biologia 6956 15 53,3
Formação de professor de física 5594 12 65,7
Formação de professor de computação (informática) 2979 6,6 72,3
Formação de professor de língua/literatura vernácula (português) 2696 6 78,3
Formação de professor de geografia 1866 4,1 82,4
Formação de professor de educação física 1553 3,4 85,9
Pedagogia 1443 3,2 89,1
Formação de professor de língua/literatura estrangeira moderna 834 1,9 90,9

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de disciplinas do setor primário (agricultura, pecuária, et 612 1,4 92,3
Formação de professor de ciências 538 1,2 93,5
Formação de professor de música 432 1 94,5
Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 418 0,9 95,4

43
Formação de professor de artes visuais 359 0,8 96,2
Formação de professor de teatro (artes cênicas) 354 0,8 97
Formação de professor de dança 272 0,6 97,6
Formação de professor de sociologia 206 0,5 98
Formação de professor de língua/literatura vernácula e língua estrangeira moderna 198 0,4 98,5
Formação de professor das séries iniciais do ensino fundamental 194 0,4 98,9
Licenciatura para a educação profissional e tecnológica 193 0,4 99,3
Formação de professor de história 186 0,4 99,7
Licenciatura Intercultural Indígena 120 0,3 100
Total 45056 100 100 

Fonte: Brasil, INEP (2015b). [Nota: Elaboração própria]

44 Editora Mercado de Letras – Educação


Além da questão relativa ao atendimento, havia uma
pressão para subordinar a formação docente, em qualquer das
esferas administrativas de sua oferta, aos interesses privados de
frações da burguesia. O Banco Mundial sugeria não só o preparo
não universitário, como o seu encurtamento, com sucessivos
treinamentos. Ou seja, buscou-se interferir no setor público para que
aceitasse formar professores segundo a lógica da educação terciária.
O excerto a seguir é flagrante:

Diante desse universo, não se poderia prescindir do traçado de


um paradigma para a formação pedagógica que ultrapassasse
as propostas de licenciaturas até então ofertadas. A necessidade
é a construção de uma proposta que ultrapasse o rígido limite
traçado pelas disciplinas convencionais e que se construa
na perspectiva da integração disciplinar e interdisciplinar;
um currículo que articule projetos transdisciplinares e ações
disciplinares, considerando ainda o modelo rizomático de rede
de saberes como horizonte. Além disto, é necessário fortalecer
o sentimento crítico a respeito do lugar e da história que se
constrói e de que projeto de sociedade se pretende. (Brasil
2010, pp. 31)

A lógica expressa nesta passagem é cristalina, em que pese


no documento utilizar-se a estratégia discursiva de espaços vazios
a serem preenchidos pelo leitor com os sentidos que melhor lhe
aprouver. Vê-se a apropriação do discurso do movimento Todos pela
Educação sobre a pretensa rigidez e excesso de teoria na formação
docente pelas universidades (subliminarmente entendidas como
públicas, obviamente). As ideias de novos paradigmas, modelos
rizomáticos de rede de saberes, currículos por projetos, entre outros
bordões palatáveis ao senso comum, assentam-se sobre o ideário
pós-moderno e pragmático elevado à função de organizador do
sentido da formação do professor com repercussões sobre sua futura
prática.

Desventuras dos professores na formação para o capital 45


Outro elemento importante, presente tanto nas preocupações
governamentais registradas em documentos (Brasil 2007), como
nas de OM (Banco Mundial 2011, 2011a), relaciona-se com a
valorização social da profissão docente, o que mantém relação
com a procura pelos cursos de licenciatura. Entretanto, para além
da vontade ou preferência dos indivíduos por fazer determinado
curso superior, a existência dos cursos e vagas é fundamental para
que a escolha possa existir. O mapa anamórfico a seguir (Figura 1)
permite verificar a relação entre número de matrículas e população
por estado; é perceptível que, em primeiro lugar, há poucas opções
para os jovens em qualquer curso superior. Tomando o estado do
Pará e o de Santa Catarina como exemplo, concluímos que no
primeiro as possibilidades de escolher uma graduação é restrita,
mas mais restrita ainda a de aceder ao ensino superior. No segundo,
ao contrário, as chances – de escolher e de cursar o ensino superior –
são maiores, embora não possamos esquecer que também em Santa
Catarina a oferta desse nível de ensino é pequena.
A noção de que a escolha da profissão deveria direcionar
os indivíduos para os cursos de formação docente ou outros,
supostamente por sua valorização social, vai se demonstrando ainda
mais frágil ao analisarmos os dados sobre a oferta de cursos de
bacharelado ou licenciatura nos diferentes estados do país. Sobressai
a realidade da parca escolha, segundo mapa anamórfico (Figura 2).
Tomando Pará e Santa Catarina como exemplos, vemos que um
jovem paraense que queira formar-se em nível superior contará com
um número bastante superior de vagas nas licenciaturas, obrigando-
os a restringirem seus interesses profissionais. Ao contrário, o
jovem catarinense terá um campo maior – sempre pequeno – para
sua escolha profissional.

46 Editora Mercado de Letras – Educação


Figura 1 – Mapa Anamórfico: razão entre o total geral
de matrículas na graduação e os residentes em cada
Unidade da Federação – 2015 – Brasil

Fonte: Censo da Educação Superior (2015) e PNAD/IBGE (2015).


[Nota: Elaborado por Souza (2017)]

Figura 2 – Mapa Anamórfico: razão entre o total geral


de matrículas em licenciatura em relação à população residente
em cada Unidade da Federação – 2015 – Brasil

Fonte: Censo da Educação Superior (2015) e PNAD/IBGE (2015).


[Nota: Elaborado por Souza (2017)]

Desventuras dos professores na formação para o capital 47


Figura 3 – Mapa anamórfico: razão entre o número de matrículas
em cursos de licenciatura privados em relação à população residente
em cada Unidade da Federação – 2015 – Brasil

Fonte: Censo da Educação Superior (2015) e PNAD/IBGE (2015).


[Nota: Elaborado por Souza (2017)]

Figura 4 – Mapa anamórfico: razão entre o número de matrículas


em cursos de licenciatura públicos em relação à população residente
em cada Unidade da Federação – 2015 – Brasil

Fonte: Censo da Educação Superior (2015) e PNAD/IBGE (2015).


[Nota: Elaborado por Souza (2017)]

48 Editora Mercado de Letras – Educação


Os mapas anamórficos da sequência indicam um outro dado
importante. Permite inferir que a oferta de vagas nas licenciaturas
nas esferas privada (Figura 3) e pública (Figura 4) ocorre de maneira
desigual nos diferentes estados da federação. Voltando aos dois
estados exemplares, percebemos que no Pará se um jovem quiser
abraçar o magistério (ou se for essa a única opção), terá maior oferta
de vagas no setor privado. Em Santa Catarina, conquanto a oferta
geral de matrículas seja maior – sempre no quadro nacional restrito
em termos de acesso do jovem à formação superior – o fenômeno do
acesso majoritário à licenciatura privada se repete.
Uma hipótese se delineia com base nestes dados: a expansão
das matrículas nas licenciaturas, anunciada como prova da
preocupação dos governos com a formação docente para a melhoria
da qualidade da educação brasileira, operou no sentido contrário,
pois na prática impôs aos estudantes a adesão às instituições
privadas que, segundo as avaliações do próprio governo, são, em
seu conjunto, as detentoras da pior qualidade.
Baseada no ideário de modernização como sinônimo de
privatização e desresponsabilização do Estado na garantia de direitos
sociais, dentre eles a Educação, a política implementada entregou a
formulação e a oferta de formação para o capital, no primeiro caso
aos Aparelhos Privados de Hegemonia burgueses (TPE à frente);
no segundo às empresas que atuam no ensino superior e que
concentraram a maior parte das matrículas no período.
Na síntese de Coelho (2017, pp. 169), a racionalidade de
tais políticas no período petista se expressa na materialização de
diretrizes de OM, “especificamente da UNESCO (2006) e da
OCDE (2006b), que atuam como dois dos principais aparelhos
de hegemonia no campo da educação, determinando uma série
de mudanças no quadro oficial para a instalação de uma nova
lógica na formação de professores, uma lógica ‘modernizadora’”.
Não é difícil identificar a ossatura proposta por tais organismos,
revestida pelo Estado com uma novilíngua democratizante, mas de
fato materializada na formação em IES privadas – especialmente

Desventuras dos professores na formação para o capital 49


as particulares – que abocanharam exponencialmente matrículas,
recursos do fundo público e recursos do fundo vital de jovens,
instando-os ao endividamento, única maneira de realizar estudos
superiores – quando lá chegam.21
Exemplo límpido está na resposta do ex-Ministro da
Educação, Fernando Haddad, dada às críticas da Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior (ANDIFES) sobre o setor privado ser o principal parceiro
dos governos Lula:

Uma das características dessa gestão foi justamente não cair


no dogmatismo e superar clivagens estereotipadas. Na verdade
essas coisas não se conflitam [investimentos no setor público
e bolsas no setor privado]. A realidade é um pouco mais
complexa e exige estratégias diversificadas. Um país que tem
tanto por fazer não pode dispensar uma estratégia em proveito
da outra. Temos que fazer tudo que for necessário, não dá para
esperar – afirma Haddad. (ANDIFES 2011)

A resposta de Haddad atesta a direção que o governo deu


à formação do magistério nacional: imputou às organizações
dos trabalhadores a pecha de dogmáticos e estereotipados. Sob
semelhante desqualificação da categoria do magistério e de suas
organizações, pretendeu elidir e impor ações privatistas em nome da
complexidade da realidade e de um suposto interesse na solução dos
problemas que afligiam a educação brasileira, operação recorrente
naquele período. De muitíssimas formas o Estado atuou a favor da
sanha do capital, com exponencial aumento de repasses de recursos

21. Com base nos microdados do INEP, em 2017 tínhamos um quadro educati-
vo cruel. De cada 100 brasileiros, quatro frequentavam o Ensino Superior.
Destes quatro, três frequentavam IES privadas; um frequentava universida-
de pública; um cursava a modalidade EaD e três a modalidade presencial.
De cada 100 brasileiros com mais de 25 anos, sete eram analfabetos; 34 não
terminaram o Ensino Fundamental; 27 completaram o Ensino Médio e 16
completaram o Ensino Superior. Não temos de que nos orgulhar.

50 Editora Mercado de Letras – Educação


do fundo público, inclusive na forma de isenções e incentivos fiscais.
A culminância deste processo foi a ressignificação do conceito de
público operado no PNE 2014-2024, bem ao estilo modernizante
demandado pelo empresariado articulado no TPE. Não é demais
frisar que esta foi a opção dos governos petistas, em detrimento
do uso dos recursos do fundo público exclusivamente para as
instituições públicas que poderiam ter universalizado o acesso ao
ensino superior – quiçá na sua forma preferencial, a Universidade.
Talvez a faceta mais trágica tenha sido o encaminhamento da
formação docente às IES não universitárias e privadas.

Conclusão: formação rumo ao desterro docente

O desterro docente não deriva da vontade do professor.


Pela formação inicial e continuada, ele vem sendo degredado de
seu métier, processo recrudescido pelas inúmeras outras estratégias
de construção de consenso, algumas coercitivas. A formação
majoritariamente em IES privadas submeteu-o às formas e
modalidades pelas quais o capital vem obtendo maior valorização,
em detrimento das necessidades formativas demandadas por sua
atuação profissional, realçada aqui a relativa à formação humana da
classe trabalhadora brasileira.
O percurso que levou à situação atual, conforme os dados
acima, contraria os discursos que atribuem às políticas educacionais
petistas uma ruptura com o período anterior. Na formação docente é
evidente a sua continuidade, posto que sua determinação extrapola o
governante e radica nos interesses do capital. O ideário de OM e dos
Aparelhos Privados de Hegemonia burgueses se manteve mesmo
quando parte significativa de ações, programas e marco legal foram
revistos. A saga expansionista verificada na grande quantidade de
ações, programas, projetos, açambarcou uma miríade de aspectos
da formação, do cotidiano escolar, da prática docente. Ações

Desventuras dos professores na formação para o capital 51


focalizadas proliferaram, mas não houve abandono da perspectiva
geral de Educação, como detalharemos no capítulo seguinte.
Não cabe assombro frente aos acontecimentos do período
pós-Dilma, pois o desterro docente, proposital, também gerou
esse quadro; retirou-se dos professores, gradualmente, a direção
do processo educativo e suas escolhas político-pedagógicas foram
tolhidas. Modalidades presenciais de formação foram substituídas
por EaD, além da parafernália tecnológica cotada como “ajuda” ao
docente tendo em vista deixá-lo “livre” do trabalho de planejar e
selecionar conhecimentos, revelando-se a face dura da “autonomia”.
Trata-se, de fato, de um minucioso controle do fazer docente que
visa retirar do ser social o que deveria caracterizá-lo, pretendendo-
se transformá-lo em fonte sempiterna, alienada, de lucro para os
empresários envolvidos. Um caminho muito bem arquitetado pelos
intelectuais orgânicos da burguesia, cujos conteúdos, ao tentarem
dar forma à docência, quiseram deformá-la.
As contradições imanentes às determinações da história
irromperam sob a forma de resistência. Lembremos das manifestações
e ocupações de escolas pela juventude estudantil nos últimos períodos;
das greves de professores e trabalhadores da educação pública,
sinais captados rapidamente pela burguesia que compreendeu e
compreende porque a escola precisa ser controlada. O risco imanente
à escolarização de permitir avanços na apreensão e compreensão
do mundo, articulando-se às lutas emancipatórias, é a razão pela
qual precisa ser apropriada pelos interesses do capital. Controlar a
formação humana – por todos os meios – é uma necessidade para
que o capitalismo possa se colocar diuturnamente como horizonte
único da humanidade no planeta. As contradições intensificadas pós-
2016 podem auxiliar na percepção de que o resultado das políticas
conciliatórias do período petista vem sendo constatado, abrindo
uma porta. Por ela, quiçá, sejamos iluminados para ver que não
serão ajustes gradualistas, claramente favoráveis à burguesia, que
melhorarão as condições de vida das classes subalternas.
De fato, a formação docente não se limita aos cursos;
a necessidade do gerenciamento docente, contrariamente ao

52 Editora Mercado de Letras – Educação


preconizado como democratização do acesso ao conhecimento
e ao trabalho, fez com que o capital hegemonizasse o processo,
tornando-se ele o grande educador do educador – na esfera privada
ou pública. Sem deixar de sopesar as reflexões aqui desenvolvidas
e nos outros capítulos, é preciso estarmos atentos ao andamento
do Governo Bolsonaro, na Educação e na política em geral. As
mudanças deletérias na formação docente após a década de 1990
foram propositais; procurou-se retirar do professor, lentamente,
a direção do processo educativo e tolheu-se sua escolha político-
pedagógica.
Processos presenciais de formação foram substituídos
por mecanismos de Educação a Distância, além da parafernália
tecnológica alardeada como “ajuda” ao docente tendo em vista deixá-
lo “livre” do trabalho de planejar e selecionar os conhecimentos
que vitalizariam a relação ensino-aprendizagem. Trata-se, de fato,
de um minucioso controle do fazer docente que pretende retirar do
seu ser o que o caracteriza como tal: possibilitar a apropriação do
conhecimento científico, filosófico, artístico por aqueles que têm nas
mãos as chaves de um futuro que, esperamos, chegará algum dia.
Lembremos, entretanto e sempre, das mobilizações
estudantis, de professores, de funcionários e de outros segmentos
sociais; poderemos, então, compreender porque a escola precisa
ser controlada, mantida em segurança. O risco de tornar-se
emancipatória existe objetivamente, razão pela qual precisa ser,
diuturnamente, controlada para que os interesses do modo capitalista
de produção e sua irracionalidade possam se repor, indefinidamente,
sem maiores abalos – como se não houvesse história.

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60 Editora Mercado de Letras – Educação


capítulo II
O CRESCIMENTO PERVERSO DAS
LICENCIATURAS PRIVADAS

Allan Kenji Seki


Artur Gomes de Souza
Olinda Evangelista

O passado é um imenso pedregal que muitos gostariam de


percorrer como se de uma autoestrada se tratasse, enquanto
outros, pacientemente, vão de pedra em pedra, e as levantam,
porque precisam de saber o que há por baixo delas.
José Saramago. A viagem do elefante, 2008.

Introdução

No presente capítulo tivemos em vista apanhar as


determinações históricas, políticas e econômicas subjacentes ao
movimento das matrículas relativas à formação docente entre 2003 e
2015, particularmente pelo levantamento detalhado de informações
atinentes aos Governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016),
do Partido dos Trabalhadores. Nosso interesse preliminar foi o de
compreender em que instituições a formação do professor ocorria

Desventuras dos professores na formação para o capital 61


no Brasil e como, especialmente após os Governos de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002), ela evoluíra.
O pressuposto que norteou a investigação assenta-se sobre a
ideia de que a formação do professor está necessariamente implicada
na formação humana, tarefa inexorável ainda que possa ser ignorada
por ele. Nossas preocupações sintetizavam-se na indagação de
Mészáros (2010 pp. 47):

Será que a aprendizagem conduz à autorrealização dos


indivíduos como “indivíduos socialmente ricos” humanamente
(nas palavras de Marx), ou ela está a serviço da perpetuação,
consciente ou não, da ordem social alienante e definitivamente
incontrolável do capital?

Em outras palavras, Mészáros (2010) instigou a reflexão


acerca da totalidade das relações burguesas que determinam qualquer
objeto da pesquisa, eivado de interesses de classe, de conflitos
políticos, de concepções de mundo antagônicas. Totalidade essa
que confere sentido específico à escolarização. Seguindo, ademais,
a esteira de pensamento oferecida por Thompson (1981, pp. 50),
tivemos em vista recolher materiais, dados, documentos, pistas,
pertinentes ao nosso intento e às inquirições levantadas. Desse
modo, coligimos, nos microdados do Censo da Educação Superior
(INEP 2003-2015), as informações pertinentes às matrículas, às
instituições de Ensino Superior (IES) e aos cursos da Área Educação
e as reorganizamos; com a construção de tabelas, gráficos e mapas,
tivemos em vista responder, em parte, nossas indagações.
Nossa metodologia permitiu a percepção de um complexo
movimento hegemônico, articulado ao investimento capitalista
na formação, sintetizado organicamente em cinco formas.1 Na

1. Procuramos seguir a orientação presente no “Posfácio da 2ª Edição” de O


Capital: “A pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as
suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de

62 Editora Mercado de Letras – Educação


primeira, verificamos que o número de matrículas em licenciaturas
na esfera privada cresceu entre 2003 e 2015, chegando a 61,7%
do total em 2015; coube à esfera pública 39,3%. Pela segunda,
evidenciamos que, no interior das IES privadas, houve decréscimo
nas matrículas presenciais e acréscimo nas matrículas em EaD.2 A
terceira demonstra que o contingente de alunos nas IES privadas
está, na grande maioria, nas IES particulares, isto é, com fins
lucrativos. A quarta forma patenteia o crescimento das matrículas
nas IES públicas, presenciais e em EaD (109.038 novas matrículas
presenciais e 48.229 em EaD), em números absolutos, mas sua
diminuição em relação as privadas. Resultou das quatro formas,
a quinta: estávamos frente a uma nova forma geral de oferta de
licenciatura pelas IES particulares, aquela na qual não importa o
sujeito matriculado, o ser social aluno. Está em jogo tão-somente a
potência de compra e venda das matrículas enquanto tais e a mesma
capacidade no que tange ao valor das instituições educacionais no
rentável mercado das compras e vendas de IES.3 Descarnadas dos
sujeitos sociais que lhe dão vida, matrículas e IES são dispostas
por fundos de investimentos, empresariais ou individuais, ao seu bel
prazer, inclusive nas ofertas públicas de ações nas bolsas de valores,
objetivando a sua valorização sob a forma fictícia desses capitais.

concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento


real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmente agora a vida da maté-
ria, talvez possa parecer que se esteja tratando de uma construção a priori”
(Marx 1980, pp. 16).
2. Marques e Pereira (2002, pp. 175) informam que “O Censo do Ensino Supe-
rior 2001 traz, pela primeira vez, informações sobre os cursos de formação
de professores a distância oferecidos no Brasil. Em 2000, foram disponibili-
zadas 6.430 vagas em cursos de graduação dessa natureza”. Os autores não
referem em que tipo de instituição ocorreu a oferta.
3. Estão envolvidos nas grandes empresas educacionais capitais derivados das
várias frações da burguesia interna e internacional. Entre os investidores
encontramos capitais ligados ao agronegócio, à indústria, ao comércio e,
centralmente, à fração financeira, assim como capitais australianos, japone-
ses, norte-americanos, entre outros.

Desventuras dos professores na formação para o capital 63


Dentre as informações coletadas e ordenadas relativas à
formação do magistério no país, abordaremos alguns pontos com
mais detalhes para evidenciar um movimento histórico que expressa
cristalinamente a emergência, nos anos de 2000, e o crescimento
colossal, em meados dessa década, de um mercado de certificação
reservado e consolidado na primeira década do século XXI.

Números e percentuais de partida

As primeiras informações levantadas, expostas no Gráfico 1,


demonstraram com clareza que, no período em tela, as licenciaturas
se concentraram nas IES particulares, sob a modalidade EaD,
ao mesmo tempo em que a oferta nas IES públicas, na soma das
modalidades, se retraiu. A prevalência das IES particulares no
oferecimento de vagas em licenciaturas, assim como da modalidade
EaD são evidentes.

Gráfico 1 – Número de matrículas em cursos de


licenciatura presenciais e EaD por categoria administrativa – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

64 Editora Mercado de Letras – Educação


Ordenados os dados de outra maneira, na Tabela 1 é possível
concluir que o tipo institucional “Universidade” continuou o lócus
preferencial da formação, pois o percentual de matrículas subiu,
embora pouco, de 558.941 (64,1%) para 954.115 (65%) de 2003 para
2015. Em 12 anos foram agregadas 395.174 novas matrículas (70,7%
de crescimento). Somando-se universidades e centros universitários,
tivemos 73% das matrículas em 2003 e 79% em 2015, cabendo
aproximadamente 3,1% para institutos federais e 17.9% em faculdades.
Dois outros movimentos ressaltam na Tabela 1: o desaparecimento,
em 2007, de informações sobre os Institutos Superiores de Educação
(ISE), nos quais se ofereciam Cursos Normais Superiores,4 e o
surgimento de dados sobre os Institutos Federais Tecnológicos5 a
partir de 2011, que também oferecem licenciaturas.

4. No Governo de Fernando Henrique Cardoso criou-se o Curso Normal Supe-


rior a ser oferecido nos Institutos Superiores de Educação até então inexis-
tentes, sendo suposto que substituíssem os Cursos de Pedagogia na tarefa de
formação docente para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fun-
damental. Do mesmo modo, os Centros/Faculdades/Setores de Educação
dariam lugar aos Institutos (Brasil 1999). Essa proposta não foi aceita por
entidades e associações profissionais e de pesquisadores da área, obrigando
o governo a recuar, flexibilizando a obrigatoriedade antes prevista (Brasil
2000). Em 2006, nova regulamentação (Brasil 2006) permitiu que os Cur-
sos Normais Superiores se transformassem em Cursos de Pedagogia. Esse
movimento levou praticamente ao desaparecimento desses cursos.
5. Em dezembro de 2008, o Governo Lula unificou centros federais de edu-
cação tecnológica (Cefets), unidades descentralizadas de ensino (Uneds),
escolas agrotécnicas, escolas técnicas federais e escolas vinculadas às uni-
versidades sob a denominação de Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia (IFET) no âmbito da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica (Brasil 2008). Não aderiram à mudança dois Cefe-
ts. Além disso, a rede conta com escolas ligadas às Universidades, o Colégio
Pedro II e uma Universidade Tecnológica. Em 2016, existiam 38 Institutos
Federais nos estados, com 644 campi. Os Institutos têm a obrigação legal de
ofertar 20% das vagas para licenciatura e programas especiais de formação
de professores para a educação básica e a profissional. Entretanto, de acordo
com Oliveira e Oliveira (2016), em 2014, a oferta, além das principais – Li-
cenciatura em Química, Matemática, Física e Ciências Biológicas –, atinge
outros 13 cursos, entre os quais a Licenciatura em Pedagogia.  

Desventuras dos professores na formação para o capital 65


Tabela 1 – Número e percentual de matrículas em licenciaturas por organização acadêmica e modalidade de ensino –
2003/2015 – Brasil

2003 2007 2011 2015


Organização Acadêmica
N % N % N % N %
Universidade 558.941 64,1 675.083 63,6 861.085 64 954.115 65
Presencial 513.295 58,9 490.258 46,2 573.756 43 552.669 37,7
EaD 45.646 5,2 184.825 17,4 287.329 21 401.446 27,4
Centro 78.438 9 117.021 11 147.642 11 205.369 14
Presencial 75.975 8,7 92.748 8,7 75.408 5,6 72.709 5
EaD 2.463 0,3 24.273 2,3 72.234 5,4 132.660 9
Faculdade 216.001 24,8 269.300 25,4 313.428 23 262.930 17,9
Presencial 214.027 24,6 232.916 21,9 249.085 19 239.291 16,3
EaD 1.974 0,2 36.384 3,4 64.343 4,8 23.639 1,6
Instituto Superior 17.370 2 - - - - - -
Presencial 15.970 1,8 - - - - - -
EaD 1.400 0,2 - - - - - -
Instituto Federal - - - - 26.737 2 44.767 3,1
Presencial - - - - 22.366 1,7 39.578 2,7

66 Editora Mercado de Letras – Educação


EaD - - - - 4.371 0,3 5.189 0,4
TOTAL 870.750 100 1.061.404 100 1.348.892 100 1.467.181 100

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]
Tabela 2 – Número de matrículas de licenciaturas em Universidades por categoria administrativa e modalidade de ensino –
2003/2015 – Brasil

Categoria Administrativa 2003 2007 2011 2015

N % N % N % N %

Pública 369125 66 362815 53,7 528046 61,3 511504 53,6

Presencial 332140 59,4 308445 45,7 428564 49,8 429891 45,1

EaD 36985 6,62 54370 8,05 99482 11,6 81613 8,55

Particular 136378 24,4 128604 19,1 108160 12,6 250180 26,2

Presencial 129803 23,2 71933 10,7 31264 3,63 30529 3,2

EaD 6575 1,18 56671 8,39 76896 8,93 219651 23

Privada sem fins lucrativos 53438 9,56 183664 27,2 224879 26,1 192431 20,2

Presencial 51352 9,19 109880 16,3 113928 13,2 92249 9,67

Desventuras dos professores na formação para o capital


EaD 2086 0,37 73784 10,9 110951 12,9 100182 10,5

Total 558.941 100 675.083 100 861.085 100 954.115 100

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

67
Na Tabela 2, anteriormente, percebemos que, entre 2003
e 2015, as matrículas na EaD nas universidades cresceram: nas
particulares, foram de 1,18% para 23,02%; nas privadas sem fins
lucrativos, de 0,37% para 10,50%. Sua contraface, redução de
23,22% para 3,2% das matrículas presenciais nas particulares, é
visível e assustadora, posto que mostra a tendência de abandono
da modalidade presencial na qualificação docente.6 Uma outra
tendência é perceptível: as matrículas presenciais privadas, em
2015, estavam concentradas em Faculdades; no caso da EaD em
universidades e centros universitários particulares. Corrobora essa
tendência o fato de que, entre 2007 e 2015, as universidades privadas
passaram de 87 para 88; os Centros de 116 para 140; as Faculdades
de 1.829 para 1.866 (Brasil 2017). Veremos oportunamente que não
é no número de IES, nem no de cursos, que o fenômeno da explosão
de matrículas nas licenciaturas e na EaD pode ser adequadamente
compreendido.
Conquanto em 2015 o percentual geral de matrículas
na modalidade EaD estivesse em 38,36%, restando 61,64% de
presenciais, eles não escondem um fato estarrecedor: em 2003,
último ano do segundo Governo FHC, a EaD somava 5,91% das
matrículas. Em 2007, último ano do primeiro governo Lula, os
microdados elucidam a nova tendência: as matrículas em EaD
saltaram de menos de 6% para 23,13% (Tabela 1).
O fato de que a formação esteja majoritariamente presente
nas Universidades e Centros Universitários poderia corroborar o
senso comum corrente de que nestas IES, públicas ou privadas,
a formação de boa qualidade estaria assegurada em razão de que
nelas, supostamente, se produziria ciência, pesquisa por um quadro
docente credenciado, além da extensão. Porém, as armadilhas

6. É exemplar a Portaria nº. 1428, de 31 de dezembro de 2018 (Brasil 2018),


publicada pelo (des)governo Temer, que possibilita a oferta de cursos de
graduação presenciais com até 40% das aulas a distância, ampliando o limi-
te anterior de 20%.

68 Editora Mercado de Letras – Educação


precisam ser desmontadas. É preciso considerar que, em 2016,
em torno de somente 23,8% dos jovens de 18 a 24 anos de idade
chegaram ao Ensino Superior (Brasil 2017) e apenas 1.467.181
matrículas, das 8.027.297, em 2015, estavam nas licenciaturas.
Embora 65% delas se localizassem em IES universitárias, o fato
era – e continua sendo – que os professores se formavam na esfera
privada (442.611 ou 46,39%), na modalidade EaD (319.833 ou
33,52%). Ademais, não nos esqueçamos do flagelo nacional ligado
a não universalização da educação infanto-juvenil, ao arrepio da
lei, tanto porque faltam vagas (nomeadamente no Ensino Médio)7
quanto pela impossibilidade de permanência no sistema educativo
(Brasil 2017).

Números e percentuais desdobrados

Ao percorrermos o labirinto dos microdados do INEP, vimos


de perto as alterações operadas pela transição das licenciaturas
do setor público para o privado e sua concomitante adesão à
modalidade EaD. Em 2015, havia 7.597 cursos de licenciatura no
Brasil e 1.467.181 de matrículas; por si, esses dados não atestam
a concentração de matrículas privadas ou os cursos oferecidos.8

7. Em 2016, 58,4% da população brasileira com mais de 25 anos não tinha o


Ensino Médio completo; 11,8 milhões (7,2%) das pessoas com mais de 15
anos eram analfabetas; 1,4 milhões (12,8%) de jovens de 15 a 17 anos não
tiveram direito à escolarização (IBGE 2017).
8. Esse número de cursos se divide em 229 denominações, unificadas em 40
segundo classificação da OCDE em 2011. Os dez maiores concentraram,
em 2015, 90% das matrículas. São eles: Pedagogia, Formação de Profes-
sor de Educação Física, Formação de Professor de História, Formação de
Professor de Biologia, Formação de Professor de Matemática, Formação de
Professor de Língua/Literatura Vernácula (português), Formação de Profes-
sor de Geografia, Formação de Professor de Língua/Literatura Estrangeira

Desventuras dos professores na formação para o capital 69


Vejamos: o curso de Pedagogia na Universidade Norte do Paraná
(Unopar),9 na modalidade EaD, em 2017, contava com 78.483
matrículas, já em Educação Física, 50.470; 2) as licenciaturas em
Pedagogia e Educação Física eram em 2015 – e são em 2017 – as
recordistas em número de matrícula em EaD (Gráfico 2, a seguir).10
No mesmo ano, 652.100 (44,4%) das 1.467.181 matrículas
em licenciaturas distribuíam-se em 1.612 (21,2%) cursos de
Pedagogia. Nestes, 337.669 (51,8%) matrículas couberam às IES
particulares, das quais 230.204 (35,3%) se distribuíam em 36
(2,2%) cursos EaD. Se somarmos as IES privadas, concluiremos que
524.546 (80,4%) matrículas estavam em 1.073 (66,6%) cursos de
Pedagogia. No caso da Educação Física, 133.047 (79,4%) matrículas
estavam em 466 (69,4%) cursos privados: 36.660 (21,9%) em três
(0,4%) cursos particulares EaD e 76.148 (45,4%) em 189 (28,2%)
cursos particulares EaD ou presencial. Nas licenciaturas em Física
a situação é diferente: 22.189 (91%) matrículas estavam em 240
(86,6%) cursos presenciais e EaD públicos; 20.189 (83%) em IES
públicas presencial e 189 (0,8%) em particulares EaD (Tabela 3;
Gráfico 3).

Moderna, Formação de Professor de Língua/Literatura Vernácula e Língua


Estrangeira Moderna, Formação de Professor de Química. O curso de Pe-
dagogia manteve o maior número de matrículas de 2003 para 2015, tendo
possivelmente incorporado a demanda do Curso Normal Superior. A forma-
ção de Professor em Segurança Pública foi a menor licenciatura, em 2015:
9 matrículas.
9. Segundo Oscar (2012, pp. 2), “Entre 2003 e 2011, a rede passou de um
quadro de 1.800 alunos para 145.600”.
10. Em 2017, concentraram 28,7% das matrículas gerais do ensino superior bra-
sileiro em EaD. Pedagogia é o maior curso em EaD do Brasil e Educação
Física o sétimo.

70 Editora Mercado de Letras – Educação


Gráfico 2 – Dez maiores cursos de licenciatura
em matrículas Brasil – 2003/2015 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

Desventuras dos professores na formação para o capital 71


Tabela 3 – Frequência de matrículas nas licenciaturas em Pedagogia, Educação Física,
Química e Física, por modalidade de ensino e categoria administrativa – 2015 – Brasil

    Pedagogia Educação Física Química Física

    N % N % N % N %

Presencial 101.582 15,6% 32.964 19,7% 26.869 76,4% 20.189 83,0%

Pública EaD 25.972 4,0% 1.657 1,0% 2.671 7,6% 2.000 8,2%

Total 127.554 19,6% 34.621 20,6% 29.540 84,0% 22.189 91,3%

Presencial 208.631 32,0% 93.288 55,6% 4.274 2,5% 1.099 0,7%

Total privadas EaD 315.915 48,4% 39.759 23,7% 1.356 0,8% 1.024 0,6%

Total 524.546 80,4% 133.047 79,4% 5.630 3,4% 2.123 1,3%

Presencial 107.465 16,5% 39.488 23,6% 1.130 3,2% 203 0,8%

Particular EaD 230.204 35,3% 36.660 21,9% 314 0,9% 189 0,8%

Total 337.669 51,8% 76.148 45,4% 1.444 4,1% 392 1,6%

Presencial 101.166 15,5% 53.800 32,1% 3.144 8,9% 896 3,7%

Privada sem fins lucrativos EaD 85.711 13,1% 3.099 1,8% 1.042 3,0% 835 3,4%

Total 186.877 28,7% 56.899 33,9% 4.186 11,9% 1.731 7,1%

72 Editora Mercado de Letras – Educação


TOTAL   652.100 100,0% 167.668 100,0% 35.170 100,0% 24.312 100,0%

Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]


Gráfico 3 – Percentual de matrículas nas licenciaturas em Pedagogia,
Educação Física, Química e Física, por modalidade de ensino e
categoria administrativa – 2015 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]

O caso do curso de Pedagogia tem grande gravidade. Nele


se forma o profissional para a Educação Infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental e nele 80,4% das matrículas estavam, em
2015, sob a batuta privada. Sua conexão direta com o trabalho
docente nas escolas públicas leva à conclusão, inarredável, de que
a população trabalhadora, ao se formar nessas escolas, também será
preparada segundo interesses do capital – mesmo sem pormos em
discussão seus conteúdos, antes ou depois da aprovação da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC).11

11. A BNCC foi aprovada durante o Governo Temer, em dezembro de 2017, e


resultou de uma coligação de interesses governamentais e empresariais. No

Desventuras dos professores na formação para o capital 73


Deparamo-nos com o absurdo incremento de 511.451 (993%)
matrículas em EaD, contra 84.980 (10%) presenciais entre 2003 e
2015 nas licenciaturas (Gráfico 2). No ano de 2015, 562.934 (38,4%)
matrículas compunham 619 (8,1%) cursos EaD; 476.132 (84,58%)
em IES privadas. Ou seja, os jovens aspirantes à docência estão quase
sem saída quando se trata de escolher o lócus de sua formação.

Gráfico 4 – Número geral de cursos e matrículas


em licenciaturas presenciais e EaD – 2003/2015 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

plano do governo, envolveu o Ministério da Educação, o Conselho Nacional


de Secretários de Educação e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação. No âmbito empresarial, envolveu a Fundação Lemann, Fundação
Roberto Marinho, Instituto Unibanco, Instituto Natura, Instituto Inspirare,
Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Além desses, participaram as presta-
doras de consultorias Associação Brasileira de Avaliação Educacional, a Co-
munidade Educativa e o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura
e Ação Comunitária. Destacou-se a organização Todos Pela Educação, que
reúne apoio de fundações, grupos e empresas como Rede Globo, Itaú Social,
Bradesco, Gol, Instituto Votorantim, entre outros (Neves e Piccinini 2018).
No caso da reforma do Ensino Médio, segundo Frigotto (2016), foi “Um abo-
minável descompromisso geracional e um cinismo covarde [...]. Uma reforma
que legaliza a existência de uma escola diferente para cada classe social. [...]
Quando se junta prepotência do autoritarismo, arrogância, obscurantismo e
desprezo aos direitos da educação básica plena e igual para todos os jovens, o
seu futuro terá como horizonte a insegurança e a vida em suspenso.”

74 Editora Mercado de Letras – Educação


Resta claro que o maior percentual de crescimento nas
matrículas – 461.634 (3.184%) – deu-se na EaD privada. Em termos
de cursos, o crescimento foi de 291 (2.079%) nas IES privadas, que
atingiram 90% do crescimento das matrículas e 51% dos cursos no
período. Desagregando as IES particulares, o crescimento foi de
338.187 (2.855%) nas matrículas e 140 (1.273%) nos cursos em EaD;
ao mesmo tempo, houve redução de 43.400 (19%) matrículas e 211
(15%) cursos presenciais. Enfim, as matrículas em EaD cresceram nas
IES privadas, em maior proporção nas particulares. Uma alteração
qualitativa substancial, entre 2007 e 2011, foi observada nas IES
particulares em razão da diminuição de 104.035 (-38,82%) matrículas
presenciais e aumento de 81.510 (82%) na EaD. No que tange às
IES sem fins lucrativos, com 31,2% das matrículas em 2011, foram
suplantadas pelas IES com fins lucrativos, em 2015, ficando com
24,2% do montante (Tabela 4). Em 2011, outro fato merece destaque:
a troca de matrículas presenciais por EaD compôs organicamente a
oligopolização de IES, explodindo em 2015. Um exemplo cabal disso
foi a aquisição da Unopar pela Kroton em 2011.12

Gráfico 5 – Número de matrículas em cursos de licenciatura a


distância por categoria administrativa – 2003/2015 – Brasil

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

12. Em 2015, das matrículas em licenciaturas na Unopar, 131.319 (99%) eram


na modalidade EaD.

Desventuras dos professores na formação para o capital 75


O Gráfico 5 evidencia que nas IES particulares a modalidade
EaD cresceu ao longo do período. Apenas de 2011 a 2015 saiu de
180.908 matrículas para 350.032. Ao contrário, as matrículas em
IES privadas sem fins lucrativos e públicas retraíram, mas não foi
acidental. Assim, em 2016, houve mais concluintes nas licenciaturas
em EaD nas IES privadas (79.296), do que nas presenciais (67.941)
e EaD (10.577) nas públicas (Brasil 2017). Ressaltamos que em
termos de matrículas essa ultrapassagem ainda não se configurou,
mas deve ocorrer em breve.

A formação docente no setor privado

Nos períodos governamentais de Lula e Dilma foram


implementados mais de 30 programas ou projetos para a formação
do professor (Evangelista 2013). As políticas desencadeadas, sob
a vigência do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)
(Brasil 2007),13 contudo, não podem desviar nossos olhos da grande
política de formação: a assunção do preparo do professor pela esfera
privada,14 ficando a administração federal com a função de propor,
supervisionar e avaliar o cumprimento das orientações por aquelas
IES. Também coube à União, o oferecimento de condições objetivas
para a expansão das IES privadas, coerente com a política econômica
neoliberal de abrir novos nichos de mercado. Numa ponta, as IES
sem fins lucrativos abocanharam a licenciatura presencial; na

13. A política principal do Governo no que respeita à formação docente assen-


tava-se na formação inicial e continuada a distância na Universidade Aberta
do Brasil. Neste trabalho não discutimos tais políticas.
14. Inúmeras são as consequências dessa política: incremento do exército in-
dustrial de reserva baseado na certificação em massa; adesão de professores
e estudantes à EaD por medo do desemprego; enfraquecimento dos sindica-
tos docentes; aumento de professores com vínculo de trabalho temporário,
em 2017 da ordem de 41,6%, 870.334 trabalhadores (Souza 2018).

76 Editora Mercado de Letras – Educação


outra, as IES particulares abocanharam a EaD, especificamente as
licenciaturas em Pedagogia e Educação Física.
Quando observamos o número de matrículas em EaD
nas IES públicas parece ficar claro que o governo federal atuou
como indutor da sua expansão. Tendo fomentado a modalidade
e a ela concedido legitimidade política e científica, pôde, na
sequência, recuar e oferecer um campo promissor para empresários
interessados na venda de certificados em massa, ao mesmo tempo
em que manteve a prerrogativa de oferecer ensino universitário
majoritariamente presencial em pequena proporção. Sem dúvida,
esta dinâmica recrudescerá nos anos vindouros, não só pelas
contrarreformas implementadas pelo (des)governo Temer (2016-
2018), do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), mas pelas
medidas encaminhadas pelo atual Presidente da República, Jair
Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL). A transferência de
parcela importante de estudantes do ensino presencial para a EaD e
do setor público – inclusive pela não abertura de novas vagas – para
o privado ganhará impulso indescritível.

A hegemonia das IES lucrativas no mercado da formação docente

A política empreendida pelos governos do PT – com


regulações e sem regulações oportunas – permitiu o florescimento
de um novo tipo de oferta de matrículas particulares na arena
de disputas capitalistas na qual se tornou a formação docente. A
diminuição percentual de matrículas e cursos em IES públicas
corroborou o movimento que, de 2006 em diante, no início do
segundo Governo Lula, levaria à emergência desse novo matiz. O
domínio das matrículas estava inicialmente com as IES privadas;
não obstante, as IES com fins lucrativos o tomaram e, ademais, o
expandiram sob a modalidade EaD. Sincronicamente, no plano do
trabalho docente registrou-se a “excepcionalidade permanente”

Desventuras dos professores na formação para o capital 77


da contratação temporária (Gomes 2017; Venco 2016; Seki et al.
2017). De acordo com Mészáros (2005), essa dupla conformação
concretiza os modos essenciais de educação: a preparação das
consciências pela escola – mas não só – e a conformação social
pelo trabalho. Em relação ao trabalho dos professores da Educação
Básica pública, em 2017, no Gráfico 6 vê-se que 42% não tinham
estabilidade no emprego, sendo que, destes, 299.673 (14%) têm
contratos voluntários e 565.538 (27%) temporários.

Gráfico 6 – Frequência e percentual de docentes da Educação


Básica pública por tipo de contrato – 2017 – Brasil

Fonte: Censo Escolar. Inep (Brasil 2017); Souza (2018).


[Nota: Elaboração própria]

Em 2016, 160.401 (67,2%) dos formandos foram certificados


por IES privadas; 78.518 (32,8%) por IES públicas (Brasil 2017).
Vemos nesse movimento uma ameaça à formação juvenil decorrente
da progressiva entrega das IES e dos conteúdos da qualificação do
magistério ao comando do capital. A espiral privatizante no Ensino
Superior no Brasil data dos anos de 1960. Em 1968, a reforma

78 Editora Mercado de Letras – Educação


universitária, perpetrada pela ditadura empresarial-militar, produziu
as bases legais para a expansão de estabelecimentos isolados de
ensino. Paula et al. (2017, pp. 69) afirmam que:

[...] o setor privado era constituído por um conjunto de


instituições comunitárias e confessionais, e como não havia
sustentação legal para a existência de empresas educacionais,
todas essas instituições foram classificadas como sem fins
lucrativos, obtendo, assim, o benefício da renúncia fiscal dos
impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços, além da
possibilidade de obtenção de recursos do orçamento da união.

Rapidamente acentuou-se a tendência de crescimento das


matrículas privadas, de modo que o Censo da Educação Superior,
de 1969, registrou, lamentavelmente, o último período em que
matrículas públicas eram em maior número. Dados colhidos por
Seki et al. (2017, pp. 1) informam que, nesse ano, elas somaram
185 mil, correspondentes a 53,87% do total. Um ano depois, as
matrículas em IES privadas somavam 50,5% do total. Entre esse
momento e hoje, as IES privadas se apropriaram de 75,6% das
matrículas no Brasil. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) (Brasil 1996), entre outras indicações, no art.
70 prevê recursos públicos às IES privadas. Justamente a partir de
1997, elas terão grande impulso expansionista.
Ghirardi e Klafke (2017, pp. 57) mencionam o art. 1º do
Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997 (Brasil 1997), depois
reproduzido no art. 3º do Decreto nº 3.860, de 9 de julho de 2001
(Brasil 2001a):

As pessoas jurídicas de direito privado mantenedoras de


instituições de ensino superior poderão assumir qualquer das
formas admitidas em direito de natureza civil ou comercial,
e, quando constituídas como fundações, serão regidas pelo
disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro. (Brasil 2001a)

Desventuras dos professores na formação para o capital 79


Os dois decretos foram revogados, substituindo-os o
Decreto-Lei nº 5.773, de 9 de maio de 2006, promulgado no
primeiro Governo Lula. O seu art. 2º reza: “O sistema federal de
ensino superior compreende as instituições federais de educação
superior, as instituições de educação superior criadas e mantidas
pela iniciativa privada e os órgãos federais de educação superior”
(Brasil 2006). Os três tipos institucionais previstos – faculdades,
centros de ensino e universidades – evidenciam uma hierarquia na
qual apenas as universidades contariam com a “indissociabilidade
das atividades de ensino, pesquisa e extensão” (Brasil 2006) e pelo
menos um terço do corpo docente titulado na pós-graduação stricto
sensu (Brasil 1996). A flexibilização dessas exigências nos outros
tipos contou favoravelmente para que as IES privadas oferecessem
mensalidades mais baratas, à custa, muitas vezes, da degradação das
condições de trabalho e da carreira.15 Poderia ser essa, inclusive, uma
boa explicação para o fato de que oferecem cursos de menor custo
para elas próprias. É o que ocorre com as licenciaturas consideradas
baratas se comparadas àqueles cursos que exigem laboratórios,
técnicos especializados, instalações específicas, máquinas e
equipamentos e outros requisitos legais.16 Elas são “máquinas de
fazer matrículas”, em especial nas grandes escolas particulares. O
capital, “sob a forma de atividade estatal”, dirigiu esse processo
e ao longo do período as matrículas foram entregues à sua livre
exploração, como se percebe na Tabela 4. Essa racionalização,
entretanto, esconde outras determinações econômicas.

15. Em levantamento realizado pela Folha de S. Paulo constatou-se que um


terço das universidades brasileiras não cumpre as normativas para operarem
como tal. “No grupo das escolas privadas, as quatro universidades do Kro-
ton, maior grupo educacional do mundo, não atendem aos requisitos. São
elas Universidade de Cuiabá, Anhanguera de São Paulo, Anhanguera Uni-
derp e Universidade Norte do Paraná” (Ferrasoli, Gamba e Righetti 2018).
16. É o caso dos cursos de medicina, nos quais as públicas, em 2015, concentra-
ram número significativamente maior de matrículas, 45.786, contra 28.475
nas particulares.

80 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 4 – Percentual de matrículas em cursos de licenciatura
por categoria administrativa – 2003/2015 – Brasil

  2003 2007 2011 2015

Pública 47,1% 38,1% 43,3% 39,3%

Particular 27,6% 34,6% 25,6% 36,5%

Privada sem fins lucrativos 25,3% 27,3% 31,2% 24,2%

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

Talvez não possamos aceder a todas as iniciativas


que, combinadas, engendraram esse cenário. Entretanto, ele
indubitavelmente resulta da reforma do ensino superior pelos
governos neoliberais e suas conexões com o projeto educativo do
Banco Mundial (2002). A partir da segunda metade da década de
1990, difundiu-se escancaradamente a ideia da “diversificação”
das IES e a defesa da “educação terciária” (Lima 2011, pp. 89),17
uma espécie de pós-médio a ser disseminado massivamente
– de que, aliás, se tratava o Curso Normal Superior e se trata os
Institutos Federais Tecnológicos. A participação de Organizações
Multilaterais (OMs) nas formas de ordenação do ensino superior
no Brasil é um capítulo à parte tanto no que diz respeito à
diversificação institucional, quanto à privatização e à educação a
distância. No documento Construir sociedades del conocimiento:
nuevos retos para la educación terciaria (Banco Mundial 2003,

17. A ideia de Educação Terciária sintetiza o projeto do Banco Mundial (World


Bank 2002) em curso na década de 1990. De sua ótica, educação superior
não equivale à Universidade, secundarizada frente a uma miríade de tipos
institucionais afeitas às vicissitudes do “mercado”, do capital. Barreto e
Leher (2008, pp. 428, grifos dos autores), afirmam que “À lógica da educa-
ção como mercadoria (commodity), nem atributos ou disposições pessoais
escapam: a educação terciária ‘é capaz de encorajar a independência e a
iniciativa, que são commodities valorizadas na sociedade do conhecimento’
(World Bank 2000, pp. 37)”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 81


pp. 8), o Banco ratifica sua posição em defesa da educação não
universitária, seguindo posição da Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), para quem se trata de
uma formação após o ensino médio, oferecida por escolas públicas
ou privadas. A LDBEN (Brasil 1996), ao subordinar o conceito
“universidade” à noção “ensino superior”, entoou o “dobre de
finados” da Universidade pública como lugar por excelência de
formação da juventude brasileira. Há quem assevere, inclusive, que
“Daqui a 30 anos, os grandes campi universitários serão relíquias.
As universidades não vão sobreviver” (Drucker 2019).
Sub-repticiamente, e ao longo dos anos, floresceu, como visto
no estudo de Segenreich (2017), extensa fragmentação institucional
e acadêmica e consequente mercado atrativo para o capital, em
razão do fato mencionado de que as IES não necessariamente se
vinculariam à pesquisa e extensão. Mancebo, Silva Júnior e Oliveira
(2018, pp. 5) concordam com essa avaliação e entende que “O
exame da atual conjuntura da educação superior brasileira constitui-
se em notório desafio. Primeiramente, porque a educação superior
brasileira é bastante diversificada e heterogênea, especialmente
no tocante a organização acadêmica, qualidade e inclusão social”.
Nesse terreno, a autonomia revestiu-se de nova face: relacionava-
se à abertura de novos cursos, campi ou polos de ensino e demais
estratégias dos gestores de (verdadeiros) negócios,18 desmantelando-
se, cinicamente, o modelo universitário. O contínuo ataque às
universidades públicas como local privilegiado de preparação da
juventude, sua subordinação em relação ao “ensino superior” ou à

18. Não se trata de ignorar que nem sempre a pesquisa e a extensão nas univer-
sidades públicas podem ser consideradas 100% de interesse social geral. É
corrente o debate entre universitários acerca do aprisionamento da pesquisa
acadêmica por empresas ou por editais estatais com interesses dirigidos.
De outro lado, a extensão, não raro, toma a forma de venda de serviços. A
Universidade pública torna-se “plataforma de lançamento” e legitimação de
credenciais flexionadas às demandas do capital.

82 Editora Mercado de Letras – Educação


educação terciária, simultaneamente à equalização entre instituições
públicas e privadas, concretiza-se na ideia-força de “sistema federal
de ensino superior”, segundo reza o art. 2º do Decreto-Lei no
5.773, de 9 de maio de 2006 (Brasil 2006). Qualquer hipótese de
que esse lineamento pudesse ser suspenso foi perdida quando, no
Plano Nacional de Educação 2014-2024, a esfera de “investimento
público em educação” incorporou as IES particulares, “inclusive na
forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas
no Brasil e no exterior, os subsídios concedidos em programas de
financiamento estudantil” (Brasil 2014).
Vemos hoje que a primeira baixa dessa política foi a
progressiva retirada da formação de aspirantes ao magistério da
esfera universitária pública e sua entrega, ao custo do endividamento
juvenil (em razão da armadilha das bolsas de estudo) ou da punção
de seu fundo de existência pessoal, à sanha do capital monopolista. É
certo que fomos abalroados pelo “canto das sereias”19 e a ele muitos
sucumbiram. O discurso que dava como certa a democratização
do Ensino Superior; que atestava que maior formação era igual
a melhores salários ou, mesmo, salário; que as bolsas de estudo
exprimiam a preocupação do Estado com a juventude, ecoou com
o consentimento, às vezes ativo, às vezes passivo, de intelectuais
do campo educacional. Construiu-se um consenso de que a
modalidade EaD chegaria aos mais distantes rincões nacionais e
lá, numa epifania, encontraria um ribeirinho desejoso de se tornar
professor. E o assistencialismo estatal, que grassava, encontrou na
EaD um instrumento para duas ações vitais na política de aliança de
classes do governo Lula: expandiu a oferta de formação superior e
transformou-a em um mercado altamente rentável (Tabelas 5 e 6).

19. De acordo com Montaño (2015, pp. 29), “Esse é o grande papel ideológico
e mistificador da nova nomenclatura: converter o projeto que responde aos
interesses da fração de classe dominante em um projeto aceito por todos, ao
entoarem os ‘cânticos das Sereias’”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 83


Tabela 5 – Frequência e percentual de matrículas em licenciaturas por Unidade da Federação – 2011 – Brasil

TOTAL PÚBLICA PARTICULAR PRIVADA SEM FINS LUCRATIVOS


 

    Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

UF N N % N % N % N % N % N %

RO 12511 9910 79,2 - - 2396 19,2 - - 205 1,6 - -

AC 6104 5942 97,3 - 162 2,7 - - 0 0 - -

AM 22099 17487 79,1 - 2728 12,3 - - 1884 8,5 - -

RR 928 870 93,8 - 0 0 - - 58 6,3 - -

PA 24764 18845 76,1 - 5332 21,5 - - 587 2,4 - -

AP 5859 5265 89,9 - 594 10,1 - - 0 0 - -

TO 17474 14964 85,6 - 1765 10,1 - - 745 4,3 - -

MA 26303 20225 76,9 1679 6,4 3831 14,6 - - 568 2,2 - -

PI 30657 29785 97,2 0 0 872 2,8 - - 0 0 - -

CE 19600 17466 89,1 290 1,5 373 1,9 - - 1471 7,5 - -

RN 10489 9458 90,2 0 0 1031 9,8 - - 0 0 - -

84 Editora Mercado de Letras – Educação


PB 11770 10011 85,1 0 0 1475 12,5 - - 284 2,4 - -

PE 40985 31029 75,7 0 0 6362 15,5 - - 3594 8,8 - -


AL 6458 4348 67,3 0 0 2070 32,1 - - 40 0,6 - -

SE 7449 4476 60,1 0 0 2973 39,9 - - 0 0 - -

BA 38138 26015 68,2 361 0,9 6425 16,8 - - 5337 14 - -

MG 104188 17080 16,4 7758 7,4 39256 37,7 5247 5 32194 30,9 2653 2,5

ES 19529 2486 12,7 6777 34,7 7900 40,5 - - 2366 12,1 - -

RJ 69702 10496 15,1 1683 2,4 12055 17,3 - - 45468 65,2 - -

SP 136920 22992 16,8 0 0 73208 53,5 23 0 40697 29,7 - -

PR 58197 23127 39,7 3251 5,6 18883 32,4 6575 11,3 6361 10,9 - -

SC 36255 7173 19,8 12302 33,9 3884 10,7 - - 12896 35,6 - -

RS 63195 8971 14,2 0 0 2714 4,3 - - 51510 81,5 - -

MS 16026 8124 50,7 393 2,5 5475 34,2 - - 2034 12,7 - -

MT 19753 11810 59,8 704 3,6 7150 36,2 - - 89 0,5 - -

GO 41125 30375 73,9 0 0 6826 16,6 - - 3924 9,5 - -

DF 24272 4036 16,6 1787 7,4 13075 53,9 - - 5374 22,1 - -

TOTAL 870750 372766 42,8 36985 4,2 228815 26,3 11845 1,4 217686 25 2653 0,3

Desventuras dos professores na formação para o capital


Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]

85
Tabela 6 – Frequência e percentual de matrículas em licenciaturas por Unidade da Federação – 2015 – Brasil

PRIVADA SEM FINS LUCRATI-


TOTAL PÚBLICA PARTICULAR
  VOS

Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

UF N N % N % N % N % N % N %

RO 18891 4221 22,3 311 1,6 2036 19,2 8716 46,1 1343 7,1 2264 12

AC 11322 5448 48,1 193 1,7 1076 2,7 3286 29 51 0,5 1268 11,2

AM 44301 25410 57,4 498 1,1 7829 12,3 2642 6 6315 14,3 1607 3,6

RR 8664 3933 45,4 1013 11,7 613 0 1410 16,3 295 3,4 1400 16,2

PA 69400 31083 44,8 634 0,9 4838 21,5 21009 30,3 3176 4,6 8660 12,5

AP 14418 6970 48,3 223 1,5 3411 10,1 1469 10,2 438 3 1907 13,2

TO 16520 8214 49,7 3290 19,9 1128 10,1 2852 17,3 492 3 544 3,3

MA 39105 24043 61,5 3340 8,5 6197 14,6 4503 11,5 839 2,1 183 0,5

PI 36664 21918 59,8 9924 27,1 2324 2,8 854 2,3 1364 3,7 280 0,8

CE 48495 33814 69,7 4134 8,5 4784 1,9 2700 5,6 2009 4,1 1054 2,2

RN 20213 13242 65,5 2477 12,3 1826 9,8 1576 7,8 982 4,9 110 0,5

86 Editora Mercado de Letras – Educação


PB 28253 21623 76,5 4415 15,6 318 12,5 1101 3,9 558 2 238 0,8

PE 46923 27899 59,5 3143 6,7 4513 15,5 5066 10,8 5328 11,4 974 2,1
AL 24328 13300 54,7 2938 12,1 907 32,1 5006 20,6 1541 6,3 636 2,6

SE 19396 7565 39 3419 17,6 3914 39,9 4110 21,2 338 1,7 50 0,3

BA 89155 35444 39,8 7418 8,3 11096 16,8 28418 31,9 4006 4,5 2773 3,1

MG 120917 33281 27,5 6284 5,2 7986 37,7 41536 34,4 18925 15,7 12905 10,7

ES 37119 5862 15,8 2217 6 7280 40,5 8672 23,4 6076 16,4 7012 18,9

RJ 101116 31580 31,2 11116 11 12071 17,3 17234 17 27376 27,1 1739 1,7

SP 310910 31411 10,1 3605 1,2 68761 53,5 62913 20,2 87759 28,2 56461 18,2

PR 94866 30165 31,8 5560 5,9 10080 32,4 32949 34,7 9876 10,4 6236 6,6

SC 62057 10372 16,7 3413 5,5 2458 10,7 35254 56,8 7072 11,4 3488 5,6

RS 74146 18251 24,6 3837 5,2 1691 4,3 23345 31,5 22687 30,6 4335 5,8

MS 28610 9730 34 1332 4,7 1941 34,2 8343 29,2 4362 15,2 2902 10,1

MT 27491 10265 37,3 1203 4,4 2911 36,2 8313 30,2 2591 9,4 2208 8

GO 43791 17772 40,6 833 1,9 5206 16,6 11557 26,4 5652 12,9 2771 6,3

DF 30110 6701 22,3 32 0,1 8220 53,9 5198 17,3 7864 26,1 2095 7

Desventuras dos professores na formação para o capital


TOTAL 1467181 489517 33,4 86802 5,9 185415 26,3 350032 23,9 229315 15,6 126100 8,6

Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]

87
A tabela 6 indica que o percentual de matrículas EaD em
licenciatura, no ano de 2015, correspondeu, em Santa Catarina,
a 67,9%, Roraima 59,8%, Minas Gerais 50,2%, Espírito Santo
48,2 e Paraná 47,2%, configurando-se nos estados em que a EaD
abocanhou maior parcela das matrículas de formação docente. A
Amazônia tem o menor percentual, 10,7%.
No que tange às matrículas EaD em IES particulares, somam
35.254 (56,8%) em Santa Catarina e 2.642 (6%) na Amazônia. A
hipótese propalada de que a expansão da EaD democratizaria o
acesso à formação nas regiões mais necessitadas ou nos lugares mais
distantes cai por terra. Em Santa Catarina, a Uniasselvi dominou
52,2% (22.003) do mercado de matrículas EaD em licenciatura,
ou seja, mais de um terço da formação de professores no estado se
encontra nessa situação.

Formação docente: um “bem mercadejável”

Nossa hipótese é a de que, após a década de 1990 e


acentuando-se a partir dos anos 2000, o intencional redirecionamento
pelo Estado da formação docente da esfera pública para a privada
se articulou com base nos interesses da classe dominante, em
particular do capital de ensino superior, alcançando o alunado
e a educação brasileira em seu conjunto. A desregulamentação
do ensino superior brasileiro e sua respectiva liberalização
criaram excelentes condições para a ampliação do setor privado.
Intensificou-se drasticamente a hipotrofia dos cursos de licenciatura
nas IES públicas universitárias, em favor das IES privadas nem
sempre universitárias. A escolarização, ao lado de outros direitos
sociais, tornou-se um bem mercadejável (Granemann 2007) do qual
derivou a alucinante comercialização da formação inicial.
O fato objetivo da expansão e concentração de matrículas
nas IES privadas coaduna-se à hipótese de que houve uma mudança

88 Editora Mercado de Letras – Educação


de fundo na estrutura da educação superior brasileira chamada
de financeirização, conquanto sem consenso na literatura sobre a
nomeação mais adequada. Em nossa perspectiva, não se trata da
emergência de uma nova fração capitalista, mas sim da hegemonia
do capital financeiro – isto é, do capital portador de juros e do capital
fictício – nessa fase do capitalismo mundial, com rebatimentos
expressivos no Ensino Superior. Esse processo exigiu um conjunto
de situações sociais e posicionamentos ativos das frações da classe
dominante, com dominância da financeira, seja por meio de ações
sob a forma do comportamento estatal, seja sob a forma de atividades
discerníveis como privadas.
A atroz concentração das matrículas no setor privado
realizou-se não só por meio de seu crescimento, mas com o
encolhimento no público, de 47,1% em 2003, para 39,3%, em 2015.
Foi imprescindível para tanto o estabelecimento de mediações e
articulações das frações do capital no sentido de formar consensos
em torno de seus projetos e interesses.20 Manifestação disso
foram as intervenções para a liberação da atuação dos fundos de
investimentos (private equity),21 responsáveis pela obscenidade das

20. Uma dessas articulações pode ser apreciada na parceria entre a Faculdade
Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO-Brasil com a Fundação
Ford que criaram o Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior
(GEA-ES), um think tank sob coordenação de André Lázaro “com incidên-
cia nos meios político, acadêmico, empresarial e, especialmente, sobre a
mídia”. Segundo o portal, o GEA-ES objetiva “acompanhar, avaliar e inter-
vir nos debates sobre a expansão e democratização da educação superior no
Brasil”. Um de seus grupos de trabalho tematiza “Processos de diversifica-
ção e ampliação da oferta privada no ensino superior brasileiro e dinâmicas
de internacionalização”. Desenvolvem também pesquisa em parceria com a
Fundação Carlos Chagas e oferecem cursos para jornalistas acerca de suas
propostas para o ensino superior no Brasil (Flacso 2019).
21. Private Equity é “a modalidade de fundo de investimento que compra par-
ticipação acionária em empresas. Direcionado para negócios que já funcio-
nam e têm, em geral, boa geração de caixa. Tendem a investir em negócios
mais maduros, como consolidação e reestruturação. Em relação ao tipo de
capital empregado nos fundos de PE, em sua maioria são constituídos em

Desventuras dos professores na formação para o capital 89


fusões que originaram os prodigiosos monopólios educacionais,
como é o caso da Kroton, Estácio de Sá, Ser Educacional e Ânima
S.A. que, neste momento, armam-se para intensificar sua atuação na
Educação Básica.
Segundo os dados, das seis maiores mantenedoras22 de
licenciaturas no Brasil, cinco são particulares, três das quais
pertencem ao grupo Kroton S.A.. Elas concentravam, em 2015,
25,1% do total de matrículas de todas as licenciaturas, dos quais
17% foram apropriadas pelo grupo Kroton23 que, sob qualquer
ponto de vista, é a maior escola mundial: contava, em 2017, com
7,8 milhões de estudantes e R$ 17,6 bilhões em total de ativos
financeiros.24 Na Tabela 7 constam as seis maiores mantenedoras
de 2011 e 2015. O salto no número de matrículas foi brutal e
acompanhado da centralização no Grupo Kroton, que adquiriu três
das quatro maiores mantenedoras de licenciaturas em 2011.

acordos contratuais privados entre investidores e gestores, não sendo ofe-


recidos abertamente no mercado e sim através de colocação privada; além
disso, empresas tipicamente receptoras desse tipo de investimento ainda não
estão no estágio de acesso ao mercado público de capitais, ou seja, não são
de capital aberto, tendo composição acionária normalmente em estrutura
fechada” (Leher 2013, pp. 9).
22. Uma mantenedora pode ter como mantidas diversas IES. De acordo com
Cavalcante (2000, pp. 23), “São mantenedoras as pessoas jurídicas de di-
reito público ou privado ou pessoas físicas que provêm os recursos neces-
sários para o funcionamento de instituições de ensino. O Poder Executivo
é o responsável pela manutenção das instituições públicas de ensino. As
pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino
superior, poderão assumir quaisquer das formas admitidas em direito, de na-
tureza civil ou comercial ou, ainda, poderão se constituir como fundações”.
23. Quando consideradas apenas as seis maiores mantenedoras com matrículas
nos cursos de licenciaturas, constata-se que 68% pertencem à Kroton.
24. Segundo notícia veiculada na Veja (2017), “A empresa fruto da fusão entre
a BM&FBovespa – a bolsa de valores de São Paulo – e a Cetip foi batizada
de B3 (Brasil, Bolsa e Balcão)”.

90 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 7 – Concentração de matrículas nas maiores mantenedoras
de licenciaturas, 2011, 2015 – Brasil

MANTENEDORA 2011 2015

N % N %

União Norte do Paraná de Ensino Ltda. 40.779* 3,0* - -

Comunidade Evangélica Luterana São


37.185 2,8
Paulo – CELSP

Editora e Distribuidora Educacional SA


- - 134.704 9,2
(Grupo Kroton)

Anhanguera Educacional Ltda (Grupo


32.458* 2,4* 67.900 4,6
Kroton)

Associação Unificada Paulista de Ensi-


30.467 2,3 54.754 3,7
no Renovado Objetivo-Assupero

Sociedade Educacional Leonardo da


36.279* 2,8* 46.966 3,2
Vinci s/s Ltda (Grupo Kroton)

Cenect – Centro Integrado de Educa-


ção, Ciência e Tecnologia Ltda (Grupo 19.864 1,5 40.023 2,7
UNINTER)

Sociedade de Ensino Superior Estácio


16.177 1,2 24.527 1,7
de Sá Ltda

Total 197.032 16 368.874 25

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015)

Nota: *O Grupo Kroton adquiriu essas mantenedoras após o Censo de 2011. No dia
primeiro de março de 2016 o controle da Sociedade Educacional Leonardo da Vinci passou
para os fundos Carlyle e Vinci Partners (Carlyle 2016).25 Em 2018 25% da empresa foi
vendida para a “gestora americana Neuberger Berman” (Koike 2018).

Os direcionamentos rumo à liberalização e à


desregulamentação que contribuíram para a elevação do mercado de
educação a um patamar inédito permitiram que tais capitais tivessem
acesso a parcelas do orçamento público federal, intensificando-se a
atrofia das matrículas nas IES públicas. Entre outras medidas, na

25. O fundo trata a aquisição como um investimento na indústria educacional


brasileira (The Carlyle Group 2016).

Desventuras dos professores na formação para o capital 91


década de 1990 houve o congelamento geral do orçamento para
a educação pública, marca indelével que levou as universidades
públicas, principalmente as federais, a uma crise generalizada. Na
virada do século, foi criada a política que hoje tem o papel mais
importante para a expansão das matrículas nas IES privadas, o
Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) (Brasil 2001b; Seki et
al. 2017). Em meados da primeira década do século XXI foi criada
outra política fundamental para a sua forte expansão, o Programa
Universidade Para Todos (Prouni) (Brasil 2005), acompanhada por
uma pletora de outras políticas que concederam crédito, facilitaram
aquisições, viabilizaram isenções tributárias e promoveram a
estatização de dívidas de empresas educacionais.26
Para além da gigantesca concentração de matrículas,
em 2017, no setor particular – 3.596.802 (43,4%) –, quando as
somamos com as das instituições sem fins lucrativos chegamos ao
estratosférico número de 6.241.307 (75,3%) hipotéticos estudantes.
Os capitais que investem nas primeiras vêm sendo bem-sucedidos
em conformar a substância e os conteúdos dos processos educativos.
O rebatimento sobre a formação, em estreita vinculação com a das
futuras gerações de brasileiros, é inescapável. Em primeiro lugar,
sobressaem os questionamentos sobre o que se oferece sob a forma de
mercadoria, tendo em vista que a apropriação de escolas particulares
pelos monopólios tem sido sinônimo da demissão em massa de
professores doutores e contratação de especialistas e graduados; da
substituição de textos e livros por apostilas e materiais resumidos;
da redução massiva de carga horária, especialmente nas disciplinas
consideradas propedêuticas, em favor da qualificação em serviço,

26. Apenas para ilustrar, destacamos o Programa de Estímulo à Reestruturação


e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies), instituído
pela Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012, com o “[...] objetivo de assegurar
condições para a continuidade das atividades de entidades mantenedoras de
instituições de ensino superior integrantes do sistema de ensino federal, por
meio da aprovação de plano de recuperação tributária e da concessão de
moratória de dívidas tributárias federais” (Brasil 2018).

92 Editora Mercado de Letras – Educação


aligeirada e sob a primazia do “praticismo”; da substituição do
ensino presencial por cursos (parcial ou integralmente) a distância
e oferecidos por tutores e facilitadores sem a devida formação.27
Para Barreto (2003a), inscreve-se aí um desejo de quebra do suposto
monopólio do conhecimento pelo professor, posto que passa a
pertencer aos softwares, vídeos e outros recursos didáticos, além
de flexibilizar o professor para a atuação com vários estudantes.
A autora agrega que tudo se passa como se o rendimento discente
se vinculasse mais às estratégias e materiais de ensino do que ao
trabalho e formação dos professores (Barreto 2003b). Por essa via,
a EaD recuperaria a racionalidade instrumental da Teoria do Capital
Humano, segundo a qual importa menos o ser social do que as
condições adequadas para a acumulação de capital.
Entre as gravíssimas mazelas que infestam o ensino superior
particular no que tange à formação do magistério, uma mais mereceu
nossa atenção – a espúria e chocante relação professor-aluno nas
seis maiores escolas. A maior relação professor-aluno coube à
Anhanguera Educacional Ltda. (Grupo Kroton), com 1.737 alunos
por professor; a menor à Associação Unificada Paulista de Ensino
Renovado Objetivo (Assupero), com 255. A média geral é de 671
alunos por professor. Em síntese, 885.639 alunos são atendidos por
1.320 professores! Interrogar a concepção de “qualidade de ensino”
de tais escolas é dispensável. No caso da Anhanguera, em 2015,
dos 77 professores que nela atuavam em EaD, oito pesquisavam,
nenhum com bolsa.28

27. O Censo da Educação Superior, ao contrário do Censo Escolar, não coleta


as distintas categorias de atuação docente. No Censo Escolar, há a variável
TP_TIPO_DOCENTE com as categorias: “1 – Docente, 2 – Auxiliar/As-
sistente Educacional, 3 – Profissional/Monitor de atividade complementar,
4 – Tradutor Intérprete de Libras, 5 – Docente Titular – coordenador de
tutoria (de módulo ou disciplina) – EAD, 6 – Docente Tutor – Auxiliar (de
módulo ou disciplina) – EAD”. Há uma elisão no nível de ensino com maior
concentração em EaD das formas de contratação dos docentes.
28. Somemos a esse “circo de horrores” as demissões em massa de professores
de IES privadas. Somente em 2017, a Faculdades Metropolitanas Unidas

Desventuras dos professores na formação para o capital 93


A concretização de um Ensino Superior utilitário e mercantil
se enquadra em processos “financeirizados”, “oligopolizados”
e “internacionalizados” (Costa 2017; Maués 2015; Napolitano
2017; Oliveira 2017). Para Leher (2013), enfrentamos uma
“mercantilização de novo tipo”, dado que predomina a atuação
beligerante dos capitais portadores de juros e fictícios. Dessa
maneira, de acordo com o autor, tal:

[...] particularidade, somente tornou-se diferenciada no Brasil


a partir de 2005, mais precisamente em 2008 quando os
primeiros casos de controle das organizações que atuam na
educação privada pelos fundos de investimento (private equity)
se tornaram realidade, contexto em que alguns grandes grupos
que comercializam a educação superior abriram seu capital,
efetuando registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
para negociar valores mobiliários em bolsa de valores e em
instituições financeiras. (Leher 2013, pp. 1, grifo do autor)

Tristes conclusões

Estudar as condições em que se realiza a formação docente no


Brasil gera indignação profunda. Quando atendemos ao chamado de

(FMU), controlada pela americana Laureate, anunciou a demissão de pelo


menos 200 professores; na Anhembi Morumbi, pertencente ao mesmo gru-
po controlador, foram pelo menos 150; a Estácio de Sá anunciou 1.200 de-
missões em todo o país; a Uniritter demitiu 100. Favorecidas pela Reforma
Trabalhista de Temer e premidas pela intensa concorrência intercapitalista
que tomou conta do setor mediante a financeirização desses capitais, IES
dessa natureza tomarão as demissões, necessariamente, como regra de mer-
cado daqui por diante até que o seu quadro docente se encontre no mais
estreito limite ou, quiçá, articule formas de luta em nível nacional capazes
de fazer frente à avalanche destruidora que vimos transbordar nos últimos
governos.

94 Editora Mercado de Letras – Educação


Mészáros (2005) e nos dedicamos a refletir sobre as determinações
mais gerais dessa formação, o sentimento de revolta contra a política
de desintelectualização docente cresce imensamente. A lida com os
dados que descortinam a situação ingente da juventude em busca
de formação é implacável: não há como fugir da conclusão de que
as relações burguesas que determinam o terreno da qualificação do
magistério, eivado de interesses de classe antagônicos, produzem
um efeito alienante complexo. O sentido da escolarização é posto
em cheque e a função social do professor, tão discutida nos anos de
1980, torna-se uma questão renovada.
Procuramos recolher os dados com o máximo de precisão
para neles captar as sendas pelas quais seguiríamos no intento de
compreender o projeto histórico que produz números tão assustadores.
Nossas análises evidenciaram o movimento hegemônico burguês
mediante o qual o investimento do capital na formação se traduziu
no deslocamento das matrículas da esfera pública para a privada,
das IES sem fins lucrativos para as particulares, da modalidade
presencial para a EaD. O fato de que na qualificação do magistério
esteja impressa a formação humana, a elaboração de consciência
social juvenil, não conta. Esse sujeito social responsável pelas
novas gerações de sujeitos sociais, crucial na transmissão da cultura
e na apropriação dos conhecimentos produzidos historicamente
pela humanidade (Saviani 2012, 2018), é reduzido à “matrícula”. O
violento massacre intelectual dos professorandos – e dos professores
na ativa – desdobra-se da Educação Infantil até o Ensino Superior,
atingindo a formação intelectual, humana, de parcelas consideráveis
da classe trabalhadora. Talvez aí esteja uma razão para a difusão das
licenciaturas em Pedagogia e Educação Física que reafirmariam o
bordão “mente sã em corpo são”, só que lidos às avessas.
De nosso ponto de vista, o esvaziamento do sentido do trabalho
docente é estratégico para o capital: se produz consenso burguês,
se obstaculiza o pensamento, se impossibilita a ação em defesa da
escola pública. Certamente, nos damos conta da enorme força social
do capital na direção da gradual eliminação das condições objetivas

Desventuras dos professores na formação para o capital 95


para que o preparo do magistério seja considerado vital num projeto
autopropelido de nação, ressalvados os limites da escolarização.
A presença acachapante dos fundos de investimentos e, a partir de
2006, a oferta pública de ações nas bolsas de valores por parte de
grandes empresas educacionais importou na recepção de capitais
internacionais em níveis nunca experimentados na educação
brasileira. Capitais americanos, europeus, australianos, entre outros,
estão envolvidos nos formatos e conteúdo da formação docente
no Brasil. Marx (1999) ao afirmar que o “educador precisava ser
educado”, incitava seus leitores a enfrentar a existência do educador
hegemônico, o capital,29 ao qual era necessário se opor com outro
projeto educativo. Nossa investigação mostrou, à exaustão, que nos
encontramos face a face com o projeto educativo do capital, isto é,
o capital como educador do educador. Não é sem razão, pois, que se
viabilizou o afastamento da Universidade pública de seu hipotético
papel de formação do professorado nacional cedendo passagem
para a constituição de verdadeiros monopólios educacionais.
Não bastasse aos capitalistas do ensino ganhar com a política
de bolsas, públicas e privadas, e de isenções fiscais, ainda obrigam os
jovens a lançarem mão de seus fundos vitais escassos para bancar os
estudos. O fenômeno do endividamento juvenil começa a despontar
com repercussões tolhedoras de suas consciências políticas como
estudantes e trabalhadores. A necessidade de manutenção do
emprego ou do trabalho é imperativa.

29. Essa problemática aparece na terceira das Teses sobre Feuerbach, escritas
em 1845: “A teoria materialista de que os homens são produto das circuns-
tâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto
de circunstâncias diferentes e de educação modificada esquece que as cir-
cunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio
educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da so-
ciedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (como, por
exemplo, em Robert Owen). A coincidência da modificação das circunstân-
cias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente com-
preendida como prática transformadora”.

96 Editora Mercado de Letras – Educação


O carreamento das matrículas públicas para a esfera privada
e, em especial, para a particular, é uma das faces que expõem
as crescentes transferências de recursos do orçamento público
para o fundo de acumulação do capital. Cresceram as grandes
escolas particulares, as licenciaturas foram por elas apropriadas e
submetidas à financeirização. O desenvolvimento desse percurso
hediondo, agravado após 2006-2007, é perceptível não apenas na
venda e revenda de matrículas, diplomas e instituições; ele mostra
as vísceras da articulação íntima e essencial entre Estado e capital na
qual formas de produção de consciência humana, de reflexão crítica,
precisam ser obliteradas. O excerto de Chaves, Reis e Guimarães
(2018, pp. 6) é cristalino:

Do ponto de vista financeiro, as despesas da União com as


universidades federais foram elevadas de R$ 19,627 bilhões,
em 2003, para R$ 47,626 bilhões, em 2016, um crescimento de
144,10%. As despesas com o Fies e o Prouni foram elevadas
de R$ 1,565 bilhão, em 2003, para R$ 19,570 bilhões, em
2016, um crescimento de 1.150,68%. Em 2003, os recursos
destinados pelo governo federal à expansão da educação
superior privada representavam 7,97% do total de recursos
destinados ao financiamento das universidades federais; em
2016, passaram a representar 41,09%.

É preciso considerar que a Universidade pública deve envidar


esforços para sua avaliação e mudanças pertinentes; contudo, ainda
se constitui como âmbito potencialmente crítico e criativo por
congregar inúmeras áreas de produção e difusão de conhecimentos
e relacionamentos interpessoais necessários à formação humana.
Lamentavelmente, no pós-1990, a função social da Universidade
pública foi vilipendiada, tendo sofrido atrozes agressões no que
tange à autonomia institucional e aos profissionais, à pesquisa,
à extensão e ao ensino, além das recorrentes campanhas de
desqualificação pública dos funcionários, do corte de recursos, das

Desventuras dos professores na formação para o capital 97


investidas contra a gratuidade, entre outras aberrações.30 É inegável
nosso compromisso com sua defesa e de toda escola pública, pois
vemos crescer desregradamente a mercantilização da formação
docente, hoje “entregue” até mesmo em Shoppings Centers.31
As conclusões a que chegamos não elucidam toda a gravidade
das tendências em andamento. Se aprofundadas, como está no
horizonte, as consequências serão de largo espectro: alvejarão
professores, estudantes e demais trabalhadores brasileiros. O
enfrentamento da tarefa só poderá ser feito com nossa organização,
resistência e luta.

30. Nos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro, o então Ministro da Edu-
cação, Vélez Rodríguez, declarou em entrevista à Veja que a Universidade
era para uma “elite intelectual”, ademais de estarem fadadas a caírem num
buraco sem fundo, a se evitar com a cobrança de matrículas, seguindo orien-
tação do Banco Mundial, e uma lei de responsabilidade fiscal para reitores.
Propunha ainda que se acabasse com as eleições diretas para reitor, pois
o deixavam refém dos sindicalistas organizados no “monstrengo” chama-
do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
(ANDES-SN) (Castro e Vieira 2019, pp. 5). O Ministro não permaneceu
no cargo; em 8 de abril de 2019 novo nome foi anunciado, o do economista
Abraham Weintraub que não ficou devendo nada ao anterior: “Em Israel, o
Jair Bolsonaro tem um monte de parcerias para trazer tecnologia aqui para o
Brasil. Em vez de as universidades do Nordeste ficarem aí fazendo sociolo-
gia, fazendo filosofia no agreste, [devem] fazer agronomia, em parceria com
Israel. Acabar com esse ódio de Israel” (Souza 2019).
31. Citamos, à guisa de ilustração, o Unigranrio (Carioca Shopping, RJ), a Uni-
versidade Estácio de Sá (Pátio Norte Shopping, São José de Ribamar/MA),
Universidade Brasil (Shopping Fernandópolis, Fernandópolis/SP), Uni-
Sant’Anna (Shopping Aricanduva, SP/SP), UNOPAR (Shopping Boulevard,
Londrina/PR). Trata-se de um desses episódios de rara franqueza por parte
da burguesia, afinal, nada poderia ser mais revelador sobre a forma como a
educação superior é considerada por essas “empresas educacionais” do que
vendê-las em espaços como os Shoppings, que encarnam o próprio modo de
vida neoliberal.

98 Editora Mercado de Letras – Educação


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Desventuras dos professores na formação para o capital 105


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106 Editora Mercado de Letras – Educação


capítulo III
72 HORAS EM 16 MINUTOS: QUAL ESCOLA
PARA O PROFESSOR BRASILEIRO?

Allan Kenji Seki


Artur Gomes de Souza
Olinda Evangelista

Os revolucionários querem um novo país em um mundo novo, que não


conseguem enxergar, mas acreditam poder construir. E acreditam que,
assim, os construtores também se construirão de novo.
China Miéville, Outubro: história da Revolução Russa, 2017.

Introdução

Uma frase proferida por Bolsonaro, candidato do Partido


Social Liberal, durante a campanha presidencial de 2018,
denunciava desde logo a forte presença da Associação Brasileira de
Educação a Distância (ABED) na direção do futuro governo: “Pode
ser para o ensino fundamental e médio, até universitário. Todos a
distância... Pode ser, depende da disciplina. [Ensino] fisicamente é
em época de prova ou então em aulas práticas” (Fernandes 2018).
Stravos Xanthopoylos, um dos diretores da associação, foi das

Desventuras dos professores na formação para o capital 107


principais indicações para o Ministério da Educação (MEC). Em
meio as polêmicas derivadas das declarações desencontradas (e, na
imensa maioria das vezes, absurdas e grotescas) do presidente eleito
sobre o papel da Educação a Distância (EaD) na Educação Básica,
acompanhamos a experiência de um doutorando matriculado em
um curso particular de formação de professores na modalidade
a distância. Sua experiência amarga mostrou que a coisa em si é
profundamente reveladora do futuro que caberá à docência no
Brasil: aprender o funcionamento da plataforma leva mais tempo
que concluir uma disciplina; são necessários ínfimos 16 minutos
para encerrar uma disciplina que, no ensino presencial de qualquer
universidade pública, equivaleria às tradicionais 72 horas de curso.
Poder-se-ia argumentar que caberia ao estudante evitar
contornar as aulas gravadas abstratas e generalistas; suportar a
letra morta da apostila mal elaborada; ignorar que é possível pedir
a qualquer momento o gabarito da prova de dez questões (única
avaliação que valida a disciplina); sobreviver isolado devido ao
fato de que não há professor disponível para qualquer relação.
Contudo, o argumento não resiste às intenções das próprias
empresas ofertantes dessa mercadoria. Uma ligeira busca por cursos
à distância na internet revela uma miríade de slogans abertamente
desqualificadores: “preço promocional”; “a formação mais curta
do mercado”; “ensino totalmente à distância”; “flexibilidade para
estudar”; “estude quando quiser”; “em momentos de crise, levar a
educação a sério faz diferença”; “seu sonho começa com R$ 49/
mês nos dois primeiros meses”; “Agora é a sua vez! Na Graduação
EaD seu diploma é o mesmo do Presencial”; “cursos com foco nas
demandas do mercado de trabalho”; “duração a partir de dois anos”;
“Diploma rápido. Conclua seus estudos”.
Essa face trágica gradualmente apaga as distinções entre
um professor e um profissional qualquer. Quanto mais se esvazia e
aligeira sua formação mais a escola na qual vier a trabalhar ficará
permeável – principalmente as públicas – a um enorme guarda-
chuva de oportunidades para os capitais do ensino: sistemas de

108 Editora Mercado de Letras – Educação


gestão escolar, sistemas apostilados, planejamentos e consultorias
educacionais, formação continuada, sistemas de ensino, plataformas
complementares de aprendizagem, parcerias com bancos e
empresas e assim por diante. Ao mesmo tempo, instrumentaliza-se a
docência, rebaixando-a naquilo que tem de mais perigosa ao capital:
a mediação da cultura e a contradição inscrita em seu trabalho de
lidar necessariamente com modos de compreender o mundo. Se o
conhecimento, principal elemento de mediação do trabalho docente,
por si mesmo não implica em revolução alguma, por outro lado,
revolução alguma será possível sem a emergência da crítica radical.
O conhecimento é condição para a elevação da experiência à sua
radicalidade no pensamento, isto é, para a crítica da existência sob o
domínio do capital. Quando Bolsonaro afirmou que “com o ensino
a distância você ajuda a combater o marxismo” (Rohden 2018),
talvez estivesse dizendo que se deve combater o conhecimento que
descortina o drama humano e a história em seu sentido crítico e
racional.1

1. Virgínia Fontes (2019, grifos da autora) faz um cristalino raio X de seu pro-
jeto político: “Seu programa é resumido e brutal, com o aprofundamento das
privatizações de empresas públicas, o favorecimento de capitais estrangei-
ros e brasileiros; [...] a redução da previdência pública e sua substituição por
capitalização [...]; a gestão privada direta de políticas públicas universais
[...]; a redução de impostos; a desvinculação e desindexação das receitas e
gastos da União [...]; o aprofundamento da redução de direitos dos trabalha-
dores [...] e aumento da competição bancária [...]. [...] A atuação de Gue-
des (Ministro da Economia) fortalece o já tradicional peso da participação
direta empresarial em todos os ministérios e áreas estratégicas do Estado
(não reduzido pelos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff). Ainda não é
claro quais setores empresariais detêm as melhores posições neste governo,
embora os atuais ganhadores pareçam manter suas posições – agronegócio,
bancos e especuladores, mega-proprietários brasileiros (associados ou não
a estrangeiros) e, last but not least, mega-capitais estrangeiros sob intensa
adulação. A promessa de fartos ingressos de capitais estrangeiros, de manei-
ra surpreendente, vem acalmando os setores de capitais brasileiros médios e
grandes, que foram os principais mobilizadores do impeachment de Dilma e
da própria campanha de Bolsonaro”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 109


Na esteira das políticas de responsabilização e reconversão
docente, de adequação desintelectualizada e flexível do professor às
demandas incertas do mercado, as licenciaturas sobrelevam como
estratégia de preparo inicial do professor. Como vimos, os cursos
normais de nível médio entraram em descenso e os de nível superior
praticamente desapareceram,2 cabendo ao de Pedagogia a tarefa de
formar docentes em larga escala para a Educação Infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental. Às demais licenciaturas cabe a formação
específica para as séries finais do Fundamental e Ensino Médio.
Ao priorizarmos o estudo das matrículas nas licenciaturas
tivemos justamente em vista verificar o movimento da formação docente
dada a importância crucial do professor na formação humana das novas
gerações, embora do ponto de vista do Estado e do capital se trate
apenas da preparação da força de trabalho, reducionismo com o qual não
concordamos. Resulta dessa objetificação a captura e reconfiguração
da formação de professores pela exploração privado-mercantil das
grandes instituições de ensino superior. Esse processo foi fortemente
alavancado a partir da financeirização dos capitais no ensino superior
que, em profunda conexão com a política estatal, articularam formas de
desregulamentação do ensino e da formação, com processos altamente
complexificados de apropriação do fundo público e sua consequente
conversão em fundo de acumulação de capital.

A concentração de matrículas

Nessas coordenadas, a formação docente tornou-se


componente de enorme expressão e não por acaso foi tomada pela

2. De 81.229 matrículas em 2003 o Normal Superior chegou


em 2017 praticamente extinto (com 26 matrículas, 25 delas
de concluintes e nenhuma abertura de vagas). O Curso Nor-
mal (Educação Básica) reduziu 210.159 (-79%) matrículas
(de 304.952 para 94.793).

110 Editora Mercado de Letras – Educação


lógica da certificação em massa, do aligeiramento da formação,
de concentração na modalidade EaD e por baixíssimos níveis
de reflexão e apropriação simbólica, mediadora da constituição
humana. O resultado, como vemos no Gráfico 1, foi a concentração
brutal de matrículas, entre 2003 e 2015, nas Instituições de Ensino
Superior (IES) privadas, com e sem fins lucrativos.

Gráfico 1 – Número de matrículas em cursos de licenciatura


por modalidade de ensino e categoria administrativa –
Brasil 2003/2017 (em milhares)

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017). [Nota: Elaboração própria]

Desventuras dos professores na formação para o capital 111


As matrículas presenciais nas universidades públicas e
privadas obtiveram um crescimento módico, com maior incremento
entre 2007 e 2011. Ao contrário, as matrículas nas licenciaturas na
modalidade EaD tem exponencial crescimento a partir de 2007,
chegando a 484,5 mil estudantes em 2017, somente nas privadas. Nas
faculdades, houve crescimento até 2011, após o que as matrículas
reduziram. Interessante perceber que as matrículas presenciais
em IES particulares reduziram, de 2003 para 2015, em 43.400.
No âmbito das faculdades, as particulares presenciais reduziram
2.699 de 2003 para 2015, mas aumentaram de 2011 para 2015, o
que pode ter decorrido de aquisições e fusões de IES privadas sem
fins lucrativos pelas particulares tendo em vista que a variação no
montante entre elas, segundo Tabela 1, não foi significativa.

Tabela 1 – Número de matrículas presenciais de licenciaturas


por categoria administrativa – 2003/2015 – Brasil
Centro Universitário

Instituto Superior

Instituto Federal
Universidade

Faculdades

TOTAL
 

Pública 32.140 6.539 33.176 911 - 372.766

Privada sem
129.803 4.082 49.032 4.769 - 217.686
2003

fins lucrativos

Particular 51.352 5.354 131.819 10.290 - 228.815

Total 13.295 5.975 214.027 15.970 - 819.267

Pública 08.445 7.964 33.965 - - 350.374

Privada sem
109.880 48.073 40.040 - - 197.993
2007

fins lucrativos

Particular 1.933 6.711 158.911 - - 267.555

Total 90.258 92.748 232.916 - - 815.922

112 Editora Mercado de Letras – Educação


Pública 28.564 1.373 27.325 - 22.554 479.816

Privada sem
113.928 3.002 109.944 - - 276.874
2011
fins lucrativos

Particular 31.264 20.845 111.816 - - 163.925

Total 573.756 75.220 249.085 - 22.554 920.615

Pública 425.592 631 15.714 - 39.867 481.804

Privada sem
92.249 45.168 91.898 - - 229.315
fins lucrativos
2015

Particular 30.529 25.766 129.120 - - 185.415

Especial 4.299 855 2.559 - - 7.713

Total 552.669 72.420 239.291 - 39.867 904.247

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

Nota explicativa: As matrículas de Centro Federal de Educação Tecnológica foram


consideradas como centro universitário em 2003 e 2007. A categoria especial passou a ser
coletada em 2015 e é contabilizada como pública pelo INEP.

As matrículas em EaD de 2003 para 2015 em universidades


e centros universitários privados tiveram crescimento, mas de 2011
para 2015 a hegemonia se consolidou nas IES particulares que
continuaram sua linha ascendente em contraposição às privadas sem
fins lucrativos que perderam matrículas, conforme Tabela 2, a seguir.
As universidades ainda se mantiveram como principais
lócus de formação de professores, mas sofreu uma metamorfose:
transmutou-se em organização que congrega o maior número
de matrículas em EaD de IES particulares e privadas sem fins
lucrativos. Poderia se pensar que tal mudança se deveu à facilidade
de abertura de cursos que possuem devida à autonomia universitária.
Entretanto, essa é uma explicação aparencial, pois não se elucida o
movimento econômico e político que correu debaixo desse processo
cujo porte é quase-que invisível tamanha a rede de interesses que
congrega.

Desventuras dos professores na formação para o capital 113


Tabela 2 – Número de matrículas EaD de licenciaturas
por categoria administrativa – 2003, 2007, 2011, 2015 – Brasil

Centro Universitário

Instituto Superior

Instituto Federal
Universidade

Faculdades

TOTAL
 

Pública 36.985 - - - - 36.985


Privada sem
2.086 - - 567 - 2.653
2003

fins lucrativos
Particular 6.575 2.463 1.974 - 833 11.845
Total 45.646 2.463 1.974 567 833 51.483
Pública 54.370 301 - - - 54.671
Privada sem
73.784 17.629 697 - - 92.110
2007

fins lucrativos
Particular 56.671 6.343 35.687 - - 98.701
Total 184.825 24.273 36.384 - - 245.482
Pública 99.482 - - - 4.371 103.853
Privada sem
110.951 19.745 12.820 - - 143.516
2011

fins lucrativos
Particular 76.896 52.489 51.523 - - 180.908
Total 287.329 72.234 64.343 - 4.371 428.277
Pública 80.024 - - - 5.189 85.213
Privada sem
100.182 22.751 3.167 - - 126.100
fins lucrativos
2015

Particular 219.651 109.909 20.472 - - 350.032


Especial 1.589 - - - - 1.589
Total 401.446 132.660 23.639 - 5.189 562.934

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

Nota especial: As matrículas de Centro Federal de Educação Tecnológica foram


consideradas como centro universitário em 2003 e 2007. A categoria especial passou a ser
coletada em 2015 e é contabilizada como pública pelo INEP.

114 Editora Mercado de Letras – Educação


A licenciatura em Institutos Federais surgiu em 2011 e
cresceu em 2015, presencial e a distância. Os cursos presenciais em
universidades do setor privado aumentaram em 2007 e passaram a
decair em 2011, chegando em 2015 com um número próximo ao
de 2003; as faculdades privadas aumentaram o número de cursos
presenciais no período analisado. Nos cursos a distância do setor
privado a concentração em universidades iniciou em 2007 e se
manteve até 2015; outros cursos se encontram em faculdades e
centros universitários. Quanto ao número total de cursos presenciais
em instituições privadas, em 2015 houve uma redução em relação
a 2011, sendo a primeira redução no período analisado, enquanto
os cursos presenciais públicos somente aumentaram no período
analisado (Tabela 3).

Tabela 3 – Número de cursos por modalidade de ensino


e categoria administrativa – 2003/2015 – Brasil

Ano   Presenciais EaD TOTAL

Pública 2.713 34 2.747

Privada sem fins lucrativos 1.140 3 1.143


2003
Particular 1.401 11 1.412

Total 5.254 48 5.302

Pública 2.800 88 2.888

Privada sem fins lucrativos 1.631 48 1.679


2007
Particular 1.881 71 1.952

Total 6.312 207 6.519

Pública 3.671 361 4.032

Privada sem fins lucrativos 2.433 113 2.546


2011
Particular 1.199 80 1.279

Total 7.303 554 7.857

Desventuras dos professores na formação para o capital 115


Pública 3.735 299 4.034

Privada sem fins lucrativos 1.943 154 2.097

2015 Particular 1.190 151 1.341

Especial 110 15 125

Total 6.978 619 7.597

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015). [Nota: Elaboração própria]

É preciso ressaltar que as curvas indicativas dos números


de cursos de licenciatura não expressam o movimento francamente
ascendente das matrículas na esfera privada e a pequena presença
da esfera pública. Esse movimento não é apenas circunstancial ou
conjuntural, visto que ocorreu um massivo deslocamento dessas
matrículas para as mãos do capital de ensino superior e que está em
consonância com o crescimento deste desde o final da década de 1960.
Procuramos compreender que se tratam aqui dos modos específicos
pelos quais o processo de concentração e monopolização dos capitais no
ensino superior implicaram, por meio da tomada de ampla maioria das
matrículas de licenciaturas, no alargamento do processo de reconversão
da formação docente, com vasto alcance sobre a formação da juventude
e da formação de laços geracionais na vida nacional.
Nunca será demais lembrar que todo avanço do capital nas
fronteiras de seus padrões de acumulação, implica, simultaneamente,
na consecução de novas formas de ser, agir e pensar em sociedade.
O capital ocupa-se, então, duplamente: por um lado na permanente
revolução das suas formas de expropriação de mais-valor
(valorização do valor) e, por outro, na busca por conformação da
força de trabalho a essas próprias formas. É por isso que o capital se
arroja nas dimensões mais propriamente humanas, buscando abarcar
totalmente as formas de organização do próprio pensamento, da
subjetividade e das vontades coletivas. Revela-se, então, nos dados
que procuramos apresentar uma pequena fração desse movimento: a
de que o educador precisa ser educado (Marx 2011). O capital, não

116 Editora Mercado de Letras – Educação


somente como relação social que é, mas mediante sua existência
concreta procura permanentemente realizar essa educação.
De modo geral, para o capital, a formação é atividade geral
e atividade singular. Como atividade geral, a educação é tomada
como meio de apropriação de mais-valor, permitindo-nos equipará-
la à condição de mercadoria. É o caso da venda de matrículas aos
milhares de estudantes que, por verem nos cursos de licenciaturas
a realização de uma formação, são levados, por um complexo
conjunto de processos sociais, a pagar mensalidades como único
meio de frequentar o nível superior, com bolsas ou financiamentos
públicos ou privados. No que tange às bolsas, trata-se de um
incremento na forma de captura do mais-valor que se realiza
duplamente (nas mensalidades, que serão pagas de qualquer modo,
e no financiamento, que comportará o principal mais juros). No
segundo caso, o financiamento público torna-se um modo refinado
pelo qual o capital transforma uma parcela do fundo público em
fundo de acumulação de capital. Tal se dá ora pela troca de bolsas
por isenções tributárias, como no caso do Programa Universidade
para Todos (Prouni), ora pela emissão de títulos representantes
de dívida contra o Tesouro Nacional, como no caso do Fundo de
Financiamento Estudantil (FIES).
A análise dos dados referentes a 2017 não deixa dúvidas: de
1.756.982 matrículas públicas e privadas em cursos de licenciaturas,
743.468 (42%) são na modalidade à distância. Consideradas apenas
as privadas, esse percentual chega a 25% do total de 6.241.307
matrículas gerais. Esse processo tem ampla consonância com as
transformações ocorridas no ensino superior brasileiro. No Gráfico a
seguir constatamos que, a partir de 1997, há um aumento acentuado
de matrículas privadas, acompanhada pelo pequeno crescimento de
matrículas públicas, como referido. Com isso, não se quer negar
o movimento em favor da expansão das instituições públicas, mas
demonstrar que, a despeito do esforço dos movimentos sociais e
sindicais ou da propaganda dos diferentes governos sobre suas
supostas intencionalidades, a lógica da expansão foi limpidamente
o crescimento do capital de ensino superior.

Desventuras dos professores na formação para o capital 117


Gráfico 2 – Número de matrículas em cursos públicos e privados –
Brasil 1967-2017.

Fonte: Brasil, INEP (1999-2016) e Seki et al. (2017). [Nota: Elaboração própria]

Muito tem se dito sobre como a expansão do ensino superior


teria favorecido processos de democratização, especialmente no
que diz respeito à escolarização de grande parte do povo brasileiro.
Ao possibilitar que sujeitos historicamente excluídos da formação
em nível superior ultrapassassem obstáculos sociais, tais como
pobreza, raça ou gênero, eles foram também os primeiros de
uma série longa de gerações a alcançarem a educação superior.
Essas afirmações são verdadeiras no sentido dramático de
estrangulamento educacional brasileiro, desde os primórdios da
educação nacional. Estrangulamento, aliás, que ainda se verifica
no ensino médio e em menor proporção na Educação Infantil.
Sem embargo, é preciso denunciar que os sonhos de milhares de
brasileiros que anseiam por uma educação substantiva não deveriam
ter sido a nova fronteira para a expropriação de capitais.3 Reafirmar
a diferença entre as instituições públicas e privadas, portanto, é
uma condição imprescindível para evitar que governos e aparelhos
privados de hegemonia, segundo perspectiva de Gramsci (2001), se
apropriem de nossas histórias singulares como forma de justificar

3. Confira informações sobre cor/raça nos Apêndices.

118 Editora Mercado de Letras – Educação


positivamente a conversão de todas as formas e atividades sociais à
sanha destruidora da valorização do valor.

O salto da EaD

O mesmo se passa com a modalidade de educação a distância


(EaD). Como a maioria dos jovens brasileiros está submetida à
necessidade do emprego para a sobrevivência, em jornadas que podem
variar conforme o grau de precariedade das relações de trabalho, a
EaD tem sido apresentada como uma forma de democratização do
ensino superior tendo em vista a consecução de emprego e melhores
salários. Sem questionarem as próprias relações que produzem
essa condição social ou as formas de trabalho, os trabalhadores são
levados a consumir educação na modalidade à distância, localizando-
se no indivíduo o esforço nacional de formação dos jovens nesse
nível. Afinal, é o jovem que escolhe trabalhar de manhã e de noite,
portanto, deveria encarar como benéfica a oferta diferenciada de
ensino superior em seu tempo livre.
A partir de 2000, essa modalidade de ensino ganhou maior
vulto, alcançando lugar mais significativo na educação superior.
As estatísticas oficiais passaram a acompanhar, após os anos de
2000, o crescimento dessas matrículas, porque a política era atribuir
um sentido positivo para ela no campo da expansão e (suposta)
democratização do ensino superior. Mas foi em 2007, no Governo
de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que a modalidade EaD
ganha expressiva expansão, com o salto de 11.853 matrículas
públicas para 278.988, em 2008. Em 2017, em todo o ensino
superior, as instituições privadas ofertaram 1.591.410 matrículas
na modalidade EaD, o que representa 25% do total das matrículas
privadas. Nas públicas, foram ofertadas 165.572 matrículas EaD,
8% do total.

Desventuras dos professores na formação para o capital 119


Gráfico 3 – Número de matrículas na modalidade EaD, por categoria
pública e privada – Brasil 2000-2017 (em milhares)

Fonte: Brasil, INEP (2000-2017). [Nota: Elaborado por Seki (2018)]

Outro movimento pode ser percebido nesses dados: houve


um salto de matrículas na EaD pública entre 2007 e 2008, seguido
por uma redução significativa no ano seguinte e pela manutenção
modesta e, inclusive, com leve decréscimo entre 2009 e 2017.
Concomitantemente, ocorreu o agigantamento de matrículas
na EaD privada que saltou, de 2007 para 2008, de 33.883 para
448.973, crescendo incessantemente até atingir quase 1,6 milhões
de matrículas em 2017. A explicação para isso, em nossa hipótese,
é que o “salto” (2007-2008) das matrículas públicas expressou
a intervenção ativa do governo federal na indução da expansão
das matrículas privadas. As razões podem ser: 1) aproveitar-
se do prestígio das IES públicas para legitimar a modalidade
de EaD; 2) produzir, disponibilizar e legitimar plataformas,
sistemas e infraestrutura de educação à distância, sobretudo
aquelas difundidas pela Internet; 3) desregulamentar os cursos
nessa modalidade e aprovar projetos de cursos submetidos pelas
instituições privadas.
A expansão da modalidade EaD foi tão forte no setor
privado, acompanhando a tendência geral de expansão em todas
as modalidades, que progressivamente as matrículas EaD, somente
nas privadas, tenderão a ultrapassar, nos próximos cinco anos (até

120 Editora Mercado de Letras – Educação


2023), a totalidade das matrículas públicas em todos os cursos no
Brasil, como se verifica no Gráfico 4.4

Gráfico 4 – Comparativo do número de matrículas na modalidade


EaD privada e presenciais públicas – Brasil 2000-2017

Fonte: INEP (2000-2017).


[Nota: Elaborado por
Seki (2018)]

4. 2023 é apontado como o ano em que as matrículas em EaD ultrapassarão as


presenciais no setor privado (Koike 2017).

Desventuras dos professores na formação para o capital 121


A hegemonia dos monopólios na oferta de EaD

No caso da educação superior brasileira, a análise das


crises do capital evidencia seu aspecto de positividade geral. O
mercado mundial atravessou a crise de 2007-2008 e as sucessivas
ondas em 2011 e 2014, resultantes da incapacidade sistêmica do
capitalismo de seguir apresentando meios de recuperação das taxas
de crescimento no mundo. Embora no Brasil essas crises estivessem
no epicentro dos abalos políticos que levaram ao fim da experiência
trágica da Nova República, com o golpe de 2016, esse foi, até o
momento, o período de maior florescimento do capital de ensino
superior. Foi nele que a concentração e monopolização atingiu
níveis históricos inteiramente novos, processo que vem sendo
chamado de financeirização do ensino superior, pois coincide e está
articulado ao movimento de privatizações, desregulamentações e
reorganização dos graus de intensidade de capitais nos diferentes
momentos do ciclo de valorização do valor. Em razão desse grau
de monopólio no ensino superior, em 2016, apenas dez empresas
concentraram 42% de todas as matrículas privadas.
Para efeitos de comparação, apenas os cinco maiores
conglomerados de ensino superior (Kroton, Estácio de Sá,
Unip, Laureate e Ser Educacional)5 concentraram, em 2016,
109.722 matrículas a mais do que todas as matrículas de ensino
superior públicas no Brasil, patenteando que o propalado esforço
governamental petista para aumentar o número de IES públicas.
Mesmo por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais (Reuni) (Brasil 2007) e da
criação e expansão dos Institutos Federais de Educação Tecnológica
(Brasil 2008) o total de matrículas públicas (gerais) não ultrapassou
a casa dos 24,7% em matrículas. Estamos frente a uma mudança
estrutural na forma de propriedade dos capitais de ensino superior e
limites exponencialmente alargados no que diz respeito às fronteiras

5. Juntos, os cinco grupos representaram, em 2016, 2.099.800 matrículas em


todos os cursos (26,1%). Enquanto as públicas concentraram 1.990.078
(24,7% do total de matrículas no Ensino Superior).

122 Editora Mercado de Letras – Educação


da expropriação de valor em relação aos processos formativos.
Como referido, a educação assume a forma de mercadoria em dois
sentidos: em sua generalidade, como mercadoria, e como mercadoria
especial, cuja singularidade é participar ativamente do processo de
formação histórica e social dos sujeitos que dela participam.

Gráfico 5 – Concentração de matrículas nos 10 maiores grupos


controladores do ensino superior – Brasil 2016

Fonte: INEP (2016);


Hoper (2018). [Nota:
Elaborado por Seki (2018)]

Como todas as formas de valorização do valor, pressupõem


elas próprias formas sociais de disponibilidades de insumos e
de modos históricos de realização do capital e essas formas são
mais complexificadas em relação ao refinamento do padrão de
acumulação vigente, então, é lógico que as formas históricas e
sociais que levam essa camada de jovens às gôndolas do mercado
de ensino superior não poderiam escapar à regra geral.6 A imensa

6. Não podemos ignorar ou negar que mesmo a regra geral é contingente ao


desenvolvimento de contradições no âmbito dos trabalhadores no ensino

Desventuras dos professores na formação para o capital 123


maioria dos estudantes compradores de matrículas anseia por cursos
de formação que possam lhes oferecer uma formação que em si
mesma carregue a oportunidade de melhores condições de trabalho
(e de vida). Porém, o conjunto dos meios sociais de organização da
educação, do trabalho e da renda conformam as condicionantes que
lhes disponibilizam unicamente o ensino superior particular, assim
mesmo não para todos. Apenas 32,8% dos jovens entre 18 e 24 anos
frequentam uma escola superior, dos quais 74,3% estão no setor
privado (Brasil 2018).
Concomitantemente, o sociometabolismo do capital procura
produzir as condições sociais de disponibilidade e seus modos
particulares de justificação. Não é por acaso que a entrega desses
jovens ao mercado de ensino superior sobreveio acompanhada de
sedutores discursos de acesso às instituições particulares como
forma de “democratização” do acesso e “inclusão” no ensino
superior. Na medida em que a renda média da classe trabalhadora
brasileira se colocou como limite para a aquisição das matrículas
face às mensalidades elevadas, surgiram também os conhecidos
financiamentos: públicos, como o Fies, ou privados, como o Pra-
valer, maior programa de financiamento do país nesta esfera.
Os financiamentos, públicos e privados, diga-se, atestam
a sofisticada complexidade da questão em análise, visto que no
caso do Pra-valer evidencia a complexificação do capital de ensino
superior em sua intricada trama bancária e financeira para gestar
formas que, não menos, servem para capturar uma parcela a mais da
renda do trabalho das famílias, além do valor das mensalidades. Isso
ocorre na medida em que fora o montante principal do financiamento
ofertado pelas próprias instituições, grupos de ensino ou consórcios
intercapitalistas asseguram mais uma maneira de apropriação do
fundo de vida dos trabalhadores sob a forma dos juros incidentes
sobre o montante geral das mensalidades financiadas, refinanciáveis

superior. Mencione-se, por exemplo, o surgimento das primeiras greves de


trabalhadores do EaD (Andes 2017).

124 Editora Mercado de Letras – Educação


se for o caso. Demarcamos também a eclosão de um sem
número de seguradoras especializadas em securitizar esse tipo de
financiamento às expensas dos estudantes e suas famílias.7 Já no
primeiro caso, dos financiamentos públicos, tem-se aí uma forma a
mais de apropriação de parcela do fundo público e sua reconversão
em fundo de acumulação de capital.
O FIES constitui figura exemplar, visto que o financiamento
estudantil concebe títulos representantes de dívida contra o Tesouro
Nacional que são emitidos para a posse das mantenedoras. Esses
títulos funcionam perfeitamente como se fossem, eles próprios, letras
do tesouro nacional, podendo ser descontados em débitos de certos
tributos e contribuições sociais. Considerando que políticas como o
Prouni (Brasil 2004) e o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao
Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies) (Brasil
2012) vieram para destituir a carga tributária das IES lucrativas,
logicamente esses títulos sofrem carga muito reduzida de débitos
em favor de tributações e contribuições diversas e passaram, então,
a circular na esfera da valorização do capital portador de juros.
Ainda como mercadoria em geral, não podemos
desconsiderar o papel cumprido pela expansão da modalidade EaD,
como dissemos. Essa modalidade diminui consideravelmente os
custos de produção das matrículas, além de facilitar sua realização
na medida em que a relação professor-aluno é dramaticamente
reduzida, assim como os custos com edificações, funcionários

7. A obrigatoriedade do seguro prestamista, com ônus para o estudante, foi


estimulada pelo Estado que o obrigou, no caso do FIES, à contratação de
seguradora, abrindo-se novo mercado de risco, por força da Lei nº 13.530,
de 7 de dezembro de 2017 (Brasil 2017a). Esses seguros se justificariam em
caso de ocorrência de fatalidade com o titular do financiamento: morte (por
causas naturais ou acidentais), invalidez permanente (total ou parcial) por
acidente e invalidez funcional permanente (total ou parcial) por doença. No
caso do FIES, uma das principais ofertantes do seguro prestamista é a Caixa
Econômica Federal, por meio da Caixa Seguros. Estão no negócio a Alfa
Seguradora, Mapfre e BB seguros, entre outros.

Desventuras dos professores na formação para o capital 125


técnicos, materiais de insumos, desaparecimento das pesquisas
em núcleos e laboratórios e assim por diante. Embora esses gastos
sejam parcialmente realocados na constituição de infraestrutura
de redes e servidores, além de plataformas informacionais e
estúdios de gravação, a constituição e complexificação da cadeia de
produção de conteúdos escolares – disponíveis ao longo do tempo
– minimizou significativamente o peso dos investimentos. Investir
em educação a distância é um negócio largamente vantajoso para o
capital, podendo replicar matrículas dezenas ou centenas de vezes
mais ao superar a limitação das salas de aulas.
Para expandir a EaD, o capital de ensino superior pode contar
com articulações por dentro do Estado, desde o governo Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) até os governos de Luiz Inácio
Lula da Silva (2003-2010), Dilma Rousseff (2011-2016) e Temer
(2016-2018). Até onde podemos enxergar, será ainda mais vasto o
entrançamento desses capitais nos intestinos do Estado nacional no
governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). Dois movimentos devem
ser observados: a participação das associações, confederações,
sindicatos e demais entidades representativas dos interesses desses
capitais no âmbito do Estado ampliado e a capacidade de mobilização
do capital como força social, isto é, a capacidade de mobilizar ou
desmobilizar investimentos para pressionar as políticas em favor
dos departamentos, subdepartamentos ou frações no contexto da
guerra concorrencial intercapitalista.8 O Quadro 1 demonstra o
elevado grau de organização dos capitais de ensino superior em sua
face pública, isto é, aquela assentada para as articulações com o

8. A discussão sobre esse aspecto é bastante complexa e escapa ao escopo do


presente trabalho. Cabe assinalar o caso da luta concorrencial travada pela
Kroton/Estácio de Sá com os demais grandes conglomerados de ensino su-
perior em torno do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)
que resultou na derrocada da fusão Kroton-Estácio. Tratou-se ali de uma
subjacente luta concorrencial dos demais grupos, em especial a Ser Educa-
cional, para destruir a possibilidade da fusão, resultado no qual o golpe de
2016 teve grande influência.

126 Editora Mercado de Letras – Educação


Estado ampliado sob a forma de aparelhos privados de hegemonia,
segundo perspectiva de Gramsci (2001).9 Em texto recente, Fontes
assinala a emergência pós-1990, no âmbito da sociedade civil, de
um associativismo empresarial peculiar,

[...] algo como uma ‘nova direita’ associativa, com ações voltadas
para a organização de setores das classes dominantes e para a
definição de pautas centrais, setoriais ou do conjunto da classe,
para a atuação parlamentar e governamental. [...] A dimensão
associativa – ou a sociedade civil, expressa em aparelhos
privados de hegemonia, da qual fazem parte também partidos,
sindicatos, mídia, escolas, clubes etc., segundo a conceituação
gramsciana – é espaço no qual se exercita a sociabilidade e onde
se travam as grandes batalhas pela compreensão do mundo, pela
consciência e pelas opções e possibilidades existentes de sua
conservação ou transformação.10

Quadro 1 – Entidades representativas dos interesses do capital de


ensino superior privado, Brasil 1932-2016

Ano Nome

1932 Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo


(SIEEESP)

1944 Confederação nacional dos estabelecimentos de ensino (Confenen)

1950 Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC)

9. Com isso queremos enfatizar que as pesquisas não podem negligenciar a


existência de fóruns articuladores no âmbito do Estado restrito e ampliado,
os quais não têm qualquer natureza pública. Dificilmente acessíveis, exigem
métodos de investigações de diferentes naturezas, como a investigação das
conjunções pessoais e materiais de representantes políticos e capitalistas,
fragmentos de registros de imprensa, agendas políticas e outros.
10. Texto intitulado “Sociedade civil empresarial e a educação pública – qual
democracia?”, apresentado no XXII Encontro Estadual APASE (Sindicato
dos Supervisores de Ensino do Magistério Oficial do Estado de São Paulo),
em abril de 2018. Mimeografado.

Desventuras dos professores na formação para o capital 127


1961 Sindicato das Escolas Particulares de Santa Catarina (SINEPE/SC)

1964 Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB)

1974 Associação Catarinense das Fundações Educacionais (ACAFE)

1976 Associação Profissional das Entidades Mantenedoras de Estabeleci-


mentos de Ensino Superior do Estado do Rio de Janeiro

1979 Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino


superior no Estado de São Paulo (Semesp)

1981 Sindicato das Entidades Mantenedoras dos Estabelecimentos de Ensi-


no Superior no Estado do Rio de Janeiro (Semerj)

1982 Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)

1989 Associação Nacional de Universidades Particulares (ANUP)

1989 Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP)

1993 Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (COMUNG)

1994 Federação Mineira de Fundações e Associações de Direito Privado


(FUNDAMIG)

1995 Associação brasileira das Universidades Comunitárias (ABRUC)

1997 Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas do Brasil


(ANAMEC)

1999 Associação Nacional dos Centros Universitários (ANACEU)

2001 Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (ABIEE)

2002 Associação das Mantenedoras do Ensino Superior de Goiás (AMESG)

2005 Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades Isoladas e


Integradas (ABRAFI)

2006 Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Educa-


ção Superior do Estado de Goiás (SEMESG)

2006 Conselhos de Educação da Associação Comercial de Minas Gerais


(ACMINAS)

2006 Conspiração Mineira Pela Educação

2008 Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC)

2008 Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior

128 Editora Mercado de Letras – Educação


2014 Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Superior
(Abraes)

2016 Aliança Brasileira pela Educação

Fonte: Dados retirados dos sites das respectivas entidades. [Nota: Elaborado por Seki
(2018)]11

Nos anos 2000, o Fórum Nacional da Livre Iniciativa na


Educação (Fórum)12 conquistou importante protagonismo no
ambiente das articulações em torno do projeto de lei da reforma
do ensino superior no governo Lula. Naquela ocasião, o Fórum
antagonizou sobretudo com a Confederação Nacional da Indústria
(CNI), dado que afirmava que o ensino superior privado não
conseguiria formar os quadros técnicos que a indústria requisitava
com a qualidade de ensino que o mercado exigia. A CNI e o Sistema
Indústria, composto pelo Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), Serviço Social da Indústria (SESI), Instituto
Euvaldo Lodi (IEL) e a própria CNI, defendiam que a reforma do
ensino superior deveria submeter as instituições educacionais aos
interesses estritos do capital, sobretudo o produtivo (privilegiando
a agroindústria e a indústria de exportação), sob as expensas do
Estado, isto é, mantendo-se e expandindo-se as IES públicas e
gratuitas. Para a CNI, estava em risco a elevação da pressão sobre os
salários dos quadros técnicos da indústria, sobretudo na formação
dos engenheiros e técnicos para a agricultura e o chão de fábrica dos
grandes centros.

11. A tabela foi elaborada por Allan Kenji Seki (2018), com base na pesquisa
de doutorado atualmente em andamento no Programa de Pós-graduação em
Educação da UFSC.
12. O Fórum reúne diversas entidades, tais como sindicatos, associações, fe-
derações e confederações entre as quais destacam-se as entidades que
representam os interesses das grandes mantenedoras do ensino superior
no Brasil, como a Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas
(ABESC), a Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) e
a Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).

Desventuras dos professores na formação para o capital 129


Por sua vez, o Fórum defendia que a mera existência de
IES públicas constituía, em si, um veio de concorrência desleal
do Estado, pois os recursos destinados à rubrica da manutenção e
expansão dessas instituições poderia ser contemplada, em tese, com
recursos ilimitados do Tesouro Nacional e com emissão de moeda,
de monopólio exclusivo do próprio Estado. Portanto, a eliminação
das instituições públicas, particularmente da gratuidade, seria um
passo imprescindível para o pleno desenvolvimento do mercado de
ensino superior nas próximas décadas. O Fórum alegava, ainda, em
diálogo com a CNI, que a existência de problemas na qualidade
do ensino decorria diretamente da conjuntura de concorrência
desleal com o Estado; tais problemas seriam resolvidos na série
temporal mais larga com a privatização das IES públicas associada
ao aprofundamento dos mecanismos de avaliação e credenciamento
no ensino superior.
Esses embates, ocorridos entre 2004 e 2006 (Trópia
2007, 2009; Rodrigues 2007a, 2007b; Otranto 2006; Seki 2014),
resolveram-se com o alinhamento relativo das posições de ambos os
expoentes. Em nossa hipótese, a articulação empreendida pelo então
governo Lula resultou na expansão dos cursos nas áreas técnicas
e tecnológicas (como ocorreu com as modificações estruturais dos
IFET) e a expansão dos cursos vinculados às ciências agrárias e
engenharias nas universidades. A gratuidade do ensino foi mantida
e foram atrelados a ela programas específicos de permanência e
manutenção estudantil, principalmente nas universidades. Para
satisfazer a vinculação com produtos e serviços, outra demanda
da indústria (Seki 2014), expandiram-se os programas de pós-
graduação e readequou-se a sua avaliação e credenciamento. Em
compensação, as privadas obtiveram programas como o Prouni,
Proies e Fies, além de créditos suplementares do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e estímulos
para a abertura de programas de pós-graduação. Todavia, em nossa
hipótese, as IES privadas lograram centralmente o loteamento das
licenciaturas como campo privilegiado para a exploração mercantil

130 Editora Mercado de Letras – Educação


de seus capitais – compensação pela gratuidade nas IES públicas
e sua expansão nos cursos vinculados aos interesses das demais
frações capitalistas no bloco dominante.

A privatização da formação docente

Independente da perspectiva dos sujeitos na luta de classes


ou, ainda, seu lugar na luta nominalista pelos conceitos que a
ela concernem, ninguém poderá negar o papel fundamental da
escolarização na formação de um povo. Não é por acaso que o
capital procura enfatizar, por diferentes métodos, o papel da escola.
Igualmente, procura obter sobre ela o máximo controle, atuando para
traduzir em suas atividades de mediação sentidos de positividade
em relação à sociedade, isto é, em relação ao capitalismo como
única forma de existência social.
No front do capital encontram-se centenas de associações
capitalistas, sob a forma de associativismo empresarial, militantes
de disputas ideológicas sobre o sentido histórico e social da escola,
do professor, das famílias no território escolar e das crianças e seus
modos de aprendizagens. Revestido o litígio de neogerencialismo,
de discurso técnico ou, até mesmo, de face pseudo-humanista,
jorram recomendações, emendas, projetos e ações capitalistas sobre
o professor e sobre a escola, evidenciando a posição imprescindível
da escolarização para o capital. Fontes (2010 pp. 136) alerta que
o convencimento se consolida em duas direções: a dos aparelhos
privados de hegemonia em direção à ocupação de posições nas
instâncias estatais e, em sentido inverso, um movimento “do Estado,
da sociedade política, da legislação e da coerção, em direção ao
fortalecimento e à consolidação da direção” alinhavada pelas
“frações de classe dominantes através da sociedade civil, reforçando
a partir do Estado seus aparelhos privados de hegemonia”. Não
é outro o sentido da ação intermitente de organizações como as

Desventuras dos professores na formação para o capital 131


citadas por Leher (2018) sobre o âmbito educacional: Todos pela
Educação; Fundação Leeman; Fundação DPaschoal; Fundação
Estudar; Instituto Inspirare; Instituto Unibanco; Instituto Natura;
Instituto de Corresponsabilidade pela Educação; Movimento pela
Base Nacional Curricular Comum; Fundação Itaú; Centro de
Liderança Pública; Iniciativa Porvir; Ensina Brasil; Confederação
Nacional da Indústria; Confederação Nacional da Agricultura;
Sociedade Nacional da Agricultura; Associação Brasileira do
Agronegócio; Movimento Brasil Competitivo; Casa das Garças;
Fundação Getúlio Vargas; Núcleo de Estudos da Violência; Fórum
da Liberdade; Programa de Reforma da Educação Latina e Caribe;
Grupo Civita, entre muitíssimos outros.
Trata-se, então, de esclarecer que o capital dificilmente se
distancia de seu interesse estratégico sobre a escola e, por decorrência
lógica e histórica, sobre a formação e o trabalho docente. E o faz
não apenas ocupando-se da produção dos conteúdos e métodos
propriamente escolares, fornecendo recomendações políticas
por meio de seus aparelhos privados de hegemonia, reformando
diretrizes curriculares nacionais... O tempo presente é a principal
testemunha de que, sob certas circunstâncias, o capital é capaz de
tomar para a si a formação do principal “insumo” da constituição
da força de trabalho: os professores. Consideramos ser esse o
caso quando o capital se arroga diretamente da oferta da formação
docente pela venda de matrículas.
Ao menos seis condições parecem necessárias para esse
movimento de convergência entre os interesses gerais e particulares
do capital na formação docente: 1) a praticamente conclusa extinção
dos cursos normais de nível médio e superior; 2) o atrofiamento
relativo das matrículas em cursos de licenciaturas nas IES públicas;
3) a desregulamentação e expansão do ensino a distância e o
concomitante emprego da legitimidade de que gozavam as IES
públicas para conferir atributo simbólico aos cursos e diplomas
da esfera privada; 4) o desenvolvimento de uma infraestrutura
de redes, servidores e pontes de comunicação por Internet; 5)

132 Editora Mercado de Letras – Educação


a desregulamentação da abertura de cursos e autorizações para
incremento de matrículas, bem como a alteração da legislação que
regula o estabelecimento dos polos de ensino; e 6) o crescimento
acentuado de uma série de capitais intermediários à prestação de
serviços de ensino superior (sistemas de apostilamento, produção de
conteúdo e mídia; serviços bibliotecários; consultorias; terceirização
de docência e outras atividades de ensino; terceirização de
conteudistas; terceirização de corretores de avaliação).13
Como vimos, o número de matrículas públicas decresceu
ao longo do período. No Gráfico 6 expõe-se a grande expansão

13. A empresa FabriCO com sede em Florianópolis, Santa Catarina, é especia-


lizada em produção de conteúdo para cursos em EaD. Entre seus clientes
constam o SENAI, IBMEC, Fundação Dom Cabral, Laureate International
Universities, Devry Brasil, FAEL/Apollo, Estácio, UNIASSELVI, UNISO-
CIESC, UNINTER, Universidade Positivo, Petrobras e Instituto Federal de
Santa Catarina (o que demonstra que mesmo em IES públicas o capital en-
contra formas de valorização via venda de conteúdos para cursos EaD). Tal
empresa recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inova-
ção do Estado de Santa Catarina (Fapesc 2015) para a criação da plataforma
WayCO e fundiu-se no ano de 2016 com a empresa DTCOM, com sede na
época em Curitiba, que também recebeu recursos da FAPESC, no ano de
2009, e do projeto de inovação do CNPq, em 2014 (DTCOM 2018a). A
fusão das empresas gerou a marca DTCOM, com capital aberto na bolsa de
valores. Em 2018, a DTCOM fechou contrato de cinco anos com a empresa
“Fundamee, representante em território mexicano da ACT, maior certifica-
dora de pessoas do mundo” e avançou em seu processo de internacionaliza-
ção com a plataforma WayCO que inclui, segundo Sylvia Souza, gestora de
marketing, oportunidades de mercado “também na Costa Rica, Colômbia,
mas já mira também Estados Unidos, Alemanha e China” (DTCOM 2018b).
Os produtores dos conteúdos comercializados são selecionados via currí-
culo lattes e contatados via e-mail. De acordo com a empresa, atualmente
constam em seu cadastro mais de dois milhões de currículos indexados (DT-
COM 2018a). A divisão do trabalho dos produtores de conteúdo é altamente
especializada. A título de exemplo, relatamos proposta que recebemos via
e-mail convidando-nos para a produção, em até quatro dias, das questões de
uma disciplina – cujos módulos estavam prontos – a ser ofertada no ensino
superior pelo preço “R$200,00 (dedutível de impostos)”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 133


das matrículas na modalidade EaD privadas, elemento central na
política de preparo do magistério após os anos de 1990, exacerbadas
após 2006-2007. Neste mesmo período os cursos normais superiores
quase desapareceram; tendência que, tudo indica, será acompanhada
pelos de nível médio.

Gráfico 6 – Número de matrículas nos cursos de licenciaturas,


por categoria administrativa e modalidade de ensino –
Brasil 2003-2017 (em milhares)

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017). [Nota: Elaboração própria]

Discutimos como é falaciosa a suposição de que as


licenciaturas sejam mais baratas por não exigirem laboratórios,
núcleos de alta complexidade, entre outros. Não obstante, é discutível,
em que pese o estado precário em termos de tecnologias a que é
relegada a licenciatura. Certamente, se houvesse recursos, haveria
o uso de métodos, técnicas e recursos tecnológicos, inclusive nas
escolas de aplicação das IES públicas. Como o orçamento destinado
às licenciaturas nas IES públicas é historicamente restrito, agravado
pela Emenda Constitucional no 95 (Brasil 2016), e sem qualquer
intencionalidade de modificar a situação da formação de modo

134 Editora Mercado de Letras – Educação


geral, objetivamente o setor privado vê nas licenciaturas um filão
para capturar as frações com menor renda da classe trabalhadora e
que almejam cursos de formação superior.
Ademais, a EaD constitui-se como forma de colonizar
o tempo livre da parcela dos trabalhadores que se ocupa com
empregos precários, transporte público urbano sofrível, manutenção
da vida familiar – sobretudo as mulheres, cujas tarefas crescem
com a sobrejornada de trabalho doméstico.14 Ocupar o tempo livre,
isto é, todo o tempo que corresponde ao trabalho imediatamente
necessário,15 mas também o tempo de ócio que poderia ser
dedicado às atividades mais elevadas (Marx 2011), é uma tendência
intrínseca ao modo de produção capitalista que justapõe a produção
de maior tempo disponível à maior exploração de tempo de trabalho
excedente. Semelhante situação dificilmente se resolverá enquanto
a contradição das relações entre capital e trabalho não cessarem.
Nos termos de Marx (2011, pp. 494), isso decorre de que

[...] o tempo de trabalho como medida da riqueza põe a própria


riqueza como riqueza fundada sobre a pobreza e o tempo
disponível como tempo existente apenas na e por meio da
oposição ao tempo de trabalho excedente, ou significa pôr
todo o tempo do indivíduo como tempo de trabalho, e daí a
degradação do indivíduo a mero trabalhador, sua subsunção ao
trabalho. (Marx 2011, pp. 494)

Pôr a formação para o trabalho sob uma forma liquefeita que


ocupa o tempo poroso dos trabalhadores, mesmo naquela diminuta
parte que poderia estar disponível como ócio necessário, torna-se
uma vantagem a mais. Se, por um lado, não coloca em xeque que
toda a existência sob o capital é insalubre, por outro, possibilita maior

14. As mulheres ocuparam 79% (445.298) das matrículas de licenciaturas em


EaD, em 2015, e 67% (606.259) das presenciais.
15. Do ponto de vista do capitalista, todo tempo, mesmo o de trabalho que não
corresponde à jornada de trabalho excedente, conta como tempo livre.

Desventuras dos professores na formação para o capital 135


controle deste tempo fora da jornada de trabalho. Nas sociedades
capitalistas, o tempo foi gradualmente elevado à medida da riqueza
e a essa métrica adaptou-se todo o vocabulário que também serve
às coisas materiais e impessoais (eficácia, eficiência, intensidade,
poupança, desperdício, escassez, abundância etc.). Como enunciado
por Attali (1982, pp. 199), quando “a burguesia se instala no
poder”, passa a organizar a vida (dos outros e a sua própria) em
uma corrente contínua de eventos temporalmente medidos: “o
tempo para o trabalho, o tempo para o repouso, o tempo para o
prazer” e, simultaneamente, modificou o ritmo e a intensidade dos
próprios eventos. Então, todas as formas antinômicas ao tempo útil,
produtivo são, necessariamente, perigosas, “o repouso faz temer o
desperdício de tempo, a preguiça e a greve”. O tempo livre, vivido
como ocioso é encarado pelo capital de forma contraditória, ele “é
ao mesmo tempo útil e perigoso”.
Para grande parte dos jovens egressos do ensino médio
cursar o ensino superior, mesmo o oferecido no período noturno,
pode não ser uma alternativa promissora. É necessário enfrentar o
concorrido vestibular das instituições públicas; seu dia está ocupado
pelo trabalho ou por atividades informais. Por isso, qualquer
democratização real do ensino superior, no capitalismo, pressuporia
a redução do tempo de trabalho e a expansão das escolas públicas
em todos os níveis.

Conclusão: a perversidade instituída

Não há como mensurar a perversidade desse sistema de


formação docente contra os jovens ou contra a classe trabalhadora.16
Quando comparamos os dados de matrículas (públicas e privadas,

16. Portelinha, Sbardelotto e Borssoi (2017, pp. 1), em pesquisa sobre estágios
remunerados de graduandos em pedagogia no oeste paranaense, questionam
“a legitimação de contratação de estudantes de graduação sem a devida for-
mação para o exercício” efetivo da docência. Aliás, o número de professores
temporários na educação pública brasileira, em 2015, era de quase um mi-
lhão e 29,1% deles não tinha formação para a docência (Seki et al. 2017).

136 Editora Mercado de Letras – Educação


sem distinção), nas modalidades presenciais e a distância,
verificamos a calamidade instaurada nos cursos de licenciaturas no
país. Se as curvas de crescimento dos cursos de formação docente
à distância se mantiverem constantes, até 2020 teremos mais
estudantes matriculados no EaD do que no presencial (Gráfico 7). O
domínio do capital sobre a formação de professores não poderia ter
consequências mais nefastas. Não há dúvidas de que a duplicidade
dos interesses do capital não cessa de se inscrever. Há que dominar o
jovem pela 1) venda da matrícula, capturando seu tempo livre, sem
demover tempo de trabalho; 2) adesão a financiamentos públicos ou
privados, igualmente lucrativos para as grandes IES; 3) formação
de extensa massa de força de trabalho docente, aumentando as
pressões do desemprego sobre os professores empregados (e,
portanto, pressionando os salários para baixo); 4) domínio dos
conteúdos, métodos, técnicas e abordagens pedagógicas que serão
desenvolvidos no magistério da Educação Básica; 5) formação
ligeira, precária, flexibilizada e certificadora.

Gráfico 7 – Número de matrículas nos cursos de licenciaturas,


por modalidade de ensino – Brasil 2003-2017 (em milhares)

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2011, 2015, 2017). [Nota: Elaboração própria]

A volúpia da oferta de matrículas na modalidade à distância,


em nosso entendimento, esconde – sob o manto da democratização
do acesso, a ocupação, até o último minuto do dia, com a

Desventuras dos professores na formação para o capital 137


manutenção da vida para o capital – obliterando que as próprias
condições sociais que levam a essa precariedade em relação à vida
deveriam ser objeto de severo questionamento. O direito dos jovens
da classe trabalhadora a uma educação fundada em conhecimentos
teóricos fundamentais e de vivência de relações mais complexas
que se desenrolam no ambiente universitário é negado, não sendo,
terminativamente, passíveis de reprodução por meios eletrônicos.
Além disso, arrefece-se o espírito de coletividade e solidariedade
fundamental para a dimensão das lutas sociais, como as greves
estudantis e sindicais, por exemplo, porque aos futuros professores
não se permite uma formação e experiência social derivada do
encontro com o outro e com o saber em relações sociais de fato.
A modalidade de educação à distância tem sido tão
fundamentalmente importante para o capital de ensino superior,
ao lado dos programas que lhe possibilitam se apropriar do fundo
público federal (Prouni, Fies, Proies, BNDES, para mencionar
alguns), justamente por possibilitar um fluxo crescente de
estudantes mesmo nas fases sucessivas de crises do capital. A tese
da Teoria do Capital Humano – introduzida pela articulação entre as
frações burguesas locais, a elite intelectual americana, representada
nesse caso por Gary Becker e Theodore Schultz, e Organizações
Multilaterais (em especial, o Banco Mundial) – fincou raízes
profundas no ideário social. Como afirma Leher (2018, pp. 23),
“todos os governos federais após 1995 incorporaram a narrativa do
capital humano como fundamento de suas políticas educacionais”,
segmentando a educação “conforme as desigualdades sociais”.
Segundo essa narrativa, os investimentos individuais na formação
escolar aumentariam proporcionalmente a expectativa de renda
futura; argumento que, organizado como ideologia de consenso,
individualiza e responsabiliza os jovens trabalhadores e suas
famílias pelo seu sucesso ou fracasso social, entendido, na sociedade
capitalista, como maior ou menor grau de inserção nas relações de
subsunção real do trabalho e maior ou menor salário.

138 Editora Mercado de Letras – Educação


Ao mesmo tempo em que culpabiliza os indivíduos por
suas próprias condições de pobreza ou miséria, a EaD tem ainda
a vantagem adicional, para as classes dominantes, isto é, para o
Estado, de eclipsar a profunda desigualdade de métodos formais na
escolarização da população. Por meio dessa inversão lógica, logra-
se encobrir a separação entre escolarização e formação humana
crítica, oferecendo diferentes modalidades de ensino, técnicas,
métodos, infraestrutura e recursos sociais para as diferentes áreas
de conhecimento na qual serão formados os contingentes de força
de trabalho. A EaD destinada à formação docente é exemplar no
caso dos futuros professores; a modalidade EaD alcançou, em 2017,
46,8% do total de matrículas de licenciaturas, enquanto nas áreas
que atendem diretamente os interesses produtivos stricto sensu
(como a cesta de exportações da balança comercial brasileira) os
dados são muito diferentes: engenharia, produção e construção
contam com apenas 4,8% das matrículas em EaD; o filão maior,
agricultura e veterinária, contam com 1,9%. Quando analisamos o
percentual que cada área ocupa no montante de matrículas gerais
em EaD; agricultura e veterinária passam para 0,3% das matrículas
– como se percebe no Gráfico 8.

Gráfico 8: Percentual de matrículas em EaD


nas áreas gerais de conhecimento – Brasil 2017

Fonte: INEP (2017). [Nota: Elaboração própria]

Desventuras dos professores na formação para o capital 139


As informações do Gráfico 8 fazem denotam ser
estrategicamente relevante a hipótese de que a expansão das
licenciaturas na esfera privada (e sua atrofia na pública) não decorreu
de contingências meramente ocasionais, senão de uma ativa e
dirigida política do capital sob a forma de ação propriamente estatal.
Isto é, por meio do poder do Estado esses capitais dirigiram uma
articulação que impactou frontalmente a formação do magistério
nacional. Em primeiro lugar, houve o deslocamento da formação
dos cursos normais médios para as licenciaturas; em segundo,
das IES públicas para as privadas, sobretudo via financiamentos
públicos (que lhes permitiram determinar os conteúdos da
formação e fazer com que o erário público seguisse arcando com
as benesses da sanha capitalista). No segundo caso, programas de
financiamento para as classes dominantes (isto é, para o Estado)
e isenções tributárias foram fundamentais, tanto mais quanto as
desregulamentações operadas favoreceram o fluxo de capitais entre
as esferas da atividade econômica e possibilitaram maior trânsito de
iniciativas contra a educação pública e seu possível sentido histórico
profundo.17 Em terceiro lugar, na passagem das licenciaturas das
mãos públicas para as particulares, o ensino a distância foi central
e pode contar, inclusive, com a boa vontade dos docentes das
universidades públicas e intelectuais acadêmicos para legitimar
a modalidade como prática socialmente aceita (e, até mesmo,
necessária),18 permitindo que surgisse um mercado em torno da

17. Tendo imenso sucesso na acumulação de mais valia no ensino superior, os


capitais altamente concentrados, como o do Grupo Kroton, espreitam a Edu-
cação Básica. Seu projeto, anunciado na mídia, é o de estabelecer processos
monopólicos sobre as redes de ensino, os sistemas educacionais, sistemas
apostilados, métodos avaliativos, sistemas gerenciais, consultorias escolares
e assim por diante.
18. Não se quer negar aqui que em casos, absolutamente excepcionais, a moda-
lidade de ensino a distância não possa cumprir um papel relevante. Procura-
mos questionar, todavia, o fato de que a formação inicial do professor para
o magistério na Educação Básica venha sendo realizado largamente nessa
modalidade. A análise pormenorizada dos conteúdos, métodos e mediações

140 Editora Mercado de Letras – Educação


EaD, cuja dimensão e força ainda precisam ser melhor investigados.
De todo modo, é de se ressaltar que o governo Temer aprovou em
lei, em 2013, a data de 27 de novembro, criada pela ABED (2018),
como “Dia Nacional da Educação a Distância” (Brasil 2018a).
Publicou também uma Portaria Normativa (Brasil 2017a) que
flexibilizou as regras de abertura de polos com a possibilidade de
“credenciamento de IES para oferta de cursos superiores a distância,
sem o credenciamento para oferta de cursos presencial”, além de
extinguir as regras de fiscalização de polos EaD, concentrando-a na
sede da oferta. Segundo o governo a portaria “melhora a qualidade
da atuação regulatória do Ministério nessa área, aperfeiçoando
procedimentos, desburocratizando fluxos e reduzindo o tempo
de análise e o estoque de processos” (Brasil 2018b). Participa do
rondó a criação de cursos sem qualquer atividade presencial (Brasil
2017a).
Como vimos, o capital disputa duplamente a educação:
constituindo para si um amplo conjunto de aparelhos privados de
hegemonia que articulam, conjecturam e disputam seus projetos
formativos no âmbito do Estado e, como ação estatal, produz
ele próprio as condições sociais requeridas para que assuma
diretamente a tarefa formativa por meio da detenção das IES que
formam o magistério. Ambas as formas têm largo alcance sobre o
futuro nacional e visam certamente incutir as concepções que lhe
são próprias sobre a infância, a criança, as relações de mundo e
aquelas que constituem os sujeitos, o propósito e o sentido histórico
da educação escolar e o significado político da educação como
formação do ser social.
Longe de esgotar tudo que essa problemática suscita,
procuramos apresentar algumas reflexões que possam contribuir para
as muitas disputas estratégicas e táticas com as quais nos deparamos

dessa modalidade certamente complementariam nosso argumento em favor


dessa excepcionalidade, contrariando os discursos amplamente propalados
– às vezes em causa própria ou até corporativa – de que o ensino à distância
possa substituir a formação inicial em benefício do conhecimento.

Desventuras dos professores na formação para o capital 141


no tempo presente em defesa de um sentido substantivo para a
educação do povo brasileiro. Nos limites dos dados e evidências
apresentados, parece-nos imperativo reconhecer o gigantesco avanço
do capital sobre os processos formativos docentes. Reestabelecer o
lastro verdadeiramente público, constitutivo do direito dos milhões
de professores brasileiros à formação substantiva, ampla, densa e
multidisciplinar, é um dos pilares estratégicos da luta em defesa da
educação para a classe trabalhadora.

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146 Editora Mercado de Letras – Educação


capítulo IV
VITÓRIA DA EAD OU DO CAPITAL?

Olinda Evangelista
Allan Kenji Seki
Artur Gomes de Souza

Juro que não me venderei


E até a última pulsação de minhas veias
Resistirei
Resistirei
Resistirei
Samih Al-Qassim. Discurso no mercado do desemprego, 1986.

Introdução

A forma pela qual professores vêm sendo desqualificados


frente à opinião pública no Brasil impõe perguntas fundamentais.
A que se deve tal desqualificação? Que razões subjazem a esse
vasto processo de metamorfose do professor em um sujeito incapaz
e inconsequente? Por que motivos o soterram de políticas cujo
pressuposto é o de provar sua incompetência? Qual o sentido de
políticas cujo discurso atesta, de modo contraditório, ser o professor

Desventuras dos professores na formação para o capital 147


problema e solução para a educação no país? Como se articulam os
interesses do Estado com os de Organizações Multilaterais (OM)1
no desiderato de reconverter o professor?
Tais perguntas não podem ser respondidas de maneira fácil.
A depreciação docente tem raízes históricas e sua compreensão
demanda que procuremos apreendê-la no movimento de sua
constituição articulada à totalidade que lhe dá razão de ser. Neste
livro, remontamos à década de 90 do século XX por entendermos
que nela se verificam importantes mudanças no plano econômico e
político com repercussões para a existência social até os dias que
correm. Isto é, naquele momento, o Estado brasileiro em consonância
com os interesses capitalistas disparou uma política de educação de
corte neoliberal cujo fundamento econômico encontrava seu sentido
nas formas de ajuste estrutural produtivo e de flexibilização das
relações de trabalho. Iniciada no Governo de Fernando Collor de
Melo (1990-1992), do Partido da Renovação Nacional (PRN), foi
aprofundada no de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998/1999-
2002), do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), cuja
reforma gerencialista do Estado para sua adequação ao novo modelo
econômico foi crucial (Brasil 1995).

1. Em trabalho recente, Silveira (2018, p. 9) trava um debate acerca da expres-


são “organizações multilaterais”, indicando que “Em alguns casos, recor-
re-se à expressão organismos multilaterais, desconsiderando, por completo,
que o termo multilateral tem como acepção um sistema de segmentos equi-
polentes situados em um mesmo plano. Considerando a acepção do termo,
o multilateralismo geopolítico poderia ser concebido como uma relação de
liberdade de acordos, de comércio, de fluxo de capital, de fluxo de pacotes
tecnológicos, em uma proporção tal que, a relações entre países, organismos
especializados e burguesias locais seriam equipolentes ou teriam a mesma
força e poder políticos capazes de manter o equilíbrio do campo de forças.”
Com base em Gramsci, argumenta que categoria pertinente ao processo his-
tórico que se quer designar seria “organismo supranacional”. Para efeito
desse trabalho e tendo em vista o alerta de Silveira manteremos a expressão
“Organizações Multilaterais”.

148 Editora Mercado de Letras – Educação


Os aspectos perversos desse movimento histórico, de
natureza não apenas conjuntural, convergem no intento de submeter
os professores – sua formação e seu trabalho – aos desígnios da classe
dominante, tentando dobrá-los (seria possível?) e torná-los meros
arautos da consciência burguesa, seus difusores mergulhados na
alienação. Seria a Educação a Distância (EaD) um dos instrumentos
de concretização desse ideário, conquanto revestida do postulado
que dava como certa a democratização do acesso ao conhecimento,
varinha mágica para a passagem ao mercado de trabalho dos
“excluídos”?2 O estudo que empreendemos mostra que não; não é por
amor aos “excluídos” que se desenvolveu no país formas renovadas
de exploração da força de trabalho organicamente articuladas a
um terrível projeto de instrumentalização e desintelectualização
docente, segundo expressão de Shiroma (2003). Ao recuperarmos
as políticas de formação docente deparamo-nos, nos governos
petistas de Lula e Dilma (2002-2016), com compromissos políticos
claramente expostos. A presença da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Banco Mundial
e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) se fortaleceu e, ineditamente, Lula estabeleceu uma
aliança com o empresariado traduzida no Compromisso Todos pela
Educação, codinome do Plano de Desenvolvimento da Educação
(Brasil 2007a), figurando em sua galeria nomes como Fundação
Victor Civita, Grupo Gerdau, Fundação Roberto Marinho, Itaú-

2. Segundo a página da escola virtual do IBGE (Brasil 2014), a EaD pode ser
entendida de modos diferentes. “A educação a distância pode se realizar
pelo uso de diferentes meios (correspondência postal ou eletrônica, rádio,
televisão, telefone, fax, computador, Internet etc.), técnicas que possibilitem
a comunicação e abordagens educacionais, e baseia-se tanto na noção de
distância física entre o aluno e o professor, como na flexibilidade do tempo
e na localização do aluno em qualquer espaço. Educação on-line é uma mo-
dalidade de educação a distância realizada via Internet. Tanto pode utilizar a
Internet para distribuir rapidamente as informações como pode fazer uso da
interatividade propiciada pela Internet para concretizar a interação entre as
pessoas” (Mandeli 2014).

Desventuras dos professores na formação para o capital 149


Social, entre outros importantes componentes das frações de classe
dominantes no Brasil (Leher 2013).
As alianças empreendidas com esses setores conduziu, como
um de seus desdobramentos, à expansão descomunal das matrículas
em licenciaturas na modalidade EaD, o que precisou de medidas
políticas e econômicas do Estado para tornar-se a realidade dolorosa
na qual se transformou após os anos de 1990.3 Ao mesmo tempo,
ocorreu a produção de regulamentações no âmbito das políticas
sociais, em particular a educacional, que criou as condições
objetivas para o crescimento da EaD, primeiro no setor público, a
seguir no privado, assim como no âmbito econômico para cimentar
o caminho que, durante a década de 2000, tornaria a EaD um nicho
de mercado atraentíssimo para grandes empreendedores nacionais
e internacionais. De outro lado, presenciamos negociações
ininterruptas entre o Estado brasileiro e Organizações Multilaterais
(OMs), como o Banco Mundial (BM), a Unesco, a Organização
Mundial do Comércio (OMC), nas quais as últimas viram suas
posições ideológicas e econômicas em boa parte incorporadas
nas políticas educacionais. O BM (1995, p. 36), por exemplo, em
meados de 1990 entendia que “la educación a distancia puede ser
eficaz para aumentar a un costo moderado el acceso de los grupos
desfavorecidos que por general están deficientemente representados
entre los estudiantes universitarios.” Estávamos sendo convencidos
– e continuamos – de que ir contra a política de expansão da EaD
era o mesmo que impedir o acesso ao conhecimento, ao emprego e

3. Segundo Malanchen (2007), a história da EaD poderia ser dividida em antes


e após a década de1980. Há registros de cursos por correspondência, no Rio
de Janeiro, datados de 1904. Em 1923, foi criada a Rádio Educativa por Ed-
gard Roquete Pinto; em 1936, a Rádio Ministério da Educação; em 1941, o
Instituto Universal Brasileiro; em 1962, o Aperfeiçoamento de Professores
Primários; em 1970, o Projeto Minerva. Após a Nova República, em 1985,
adquire novo vigor, conquanto a EaD e as TIC fossem utilizadas desde a dé-
cada de 1960. Mas será nos anos de 1990 que contará com um crescimento
substantivo, considerado o período estudado pela autora que se encerrou em
2007.

150 Editora Mercado de Letras – Educação


a melhores salários pelos desfavorecidos, eufemismo para designar
as classes subalternas. Todavia, não podemos esquecer, tal como
assinalam Motta, Leher e Gawryszewski (2018, p. 313), que

Para a burguesia, a educação é uma esfera a ser mantida sob


seu controle, sobretudo, em vista da produção social da força
de trabalho. Nela, é permanentemente forjada a socialização
das novas gerações – para a produtividade e para a passividade,
como fatores do mesmo processo –, de tal modo que todas e
todos se percebam como capital humano, mercadoria força
de trabalho, em busca de aprimoramento de suas capacidades
produtivas e de oportunidades de “empregabilidade”.

Ao analisarem muitos dos aspectos mencionados e o


desenvolvimento da EaD, Barreto (2003) e Lima (2001) perceberam
que o mercado da EaD floresceria neste século XXI. E floresceu.

A construção do caminho

O ideário neoliberal, desde o Governo Collor, gerou


consequências econômicas e sociais deletérias para o Brasil. O
seu mandato interrompido não suspendeu tal lógica porque não
se tratava de um projeto presidencial ou partidário, mas de um
movimento da esfera econômica e política que exigia da burguesia
interna medidas para aumento das taxas de juros; cortes nas despesas
públicas; privatizações de empresas estatais; aumento de entrada de
mercadorias estrangeiras, procedimentos estes articulados à abertura
de novos nichos de mercado que possibilitassem a recuperação
capitalista de suas condições de apropriação de valor em razão das
crises econômicas antes ocorridas.4 Entretanto, foi nos governos

4. Hobsbawm (2009, pp. 9), ao discutir o “Século Breve”, assinala: “seria pos-
sível dizer que, entre 1945 e o início da década de 1970, a economia mun-

Desventuras dos professores na formação para o capital 151


de Fernando Henrique, antes Ministro das Relações Exteriores e
Ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco (1992-1994), que
essa diretriz se consolidou.
O início dos anos 1990 teve como força centrípeta a abertura
dos mercados e a desregulamentação financeira, permitindo maior
liquidez para capitais internacionais, mas também para a reforma da
economia brasileira em direção à intensificação da concentração de
capitais. De acordo com Paulani (2008), evidências desse movimento
foram as emissões de títulos da dívida brasileira indexadas no
exterior, confirmando o Brasil como forte emissor de capital fictício
e, de maneira mais contundente, o Plano Real5 – eixo da abertura
econômica, das privatizações, elevações das taxas de juros reais,
do câmbio flutuante e das metas de inflação. Uma das articulações
com sentido robusto no campo das políticas ocorreu na reforma do
aparelho do Estado. As bases da reforma, estabelecidas em 1995,
por meio do Plano Diretor da Reforma do Estado (Brasil 1995),
tinha como principais diretrizes “a privatização, a terceirização e a
publicização”.
Ainda no governo de Franco, em 1993, a área educacional
começou a experimentar a orientação neoliberal sob a forma do
Plano Decenal de Educação para Todos (Brasil 1993), expressão
local das ideias educacionais hegemônicas na América Latina e
Caribe. O Brasil foi signatário da Declaração Mundial de Educação
para Todos (Wcefa 1990), aprovada, em 1990, na Conferência

dial sofreu oscilações relativamente pequenas, ao passo que desde 1973 nos
vimos de novo em um período marcado por sacudidas muito fortes: as crises
de 1980-2, 1990-1 e 1997-8”.
5. Para o economista João Sicsú (2014), “O plano Real, lançado em 28 de
fevereiro de 1994, foi um plano influenciado pelas ideias do economista
inglês John Maynard Keynes e pelas experiências hiperinflacionárias euro-
peias (da primeira metade do século XX), mas que contou com uma ques-
tionável administração de economistas brasileiros e com as (des)orientações
do Fundo Monetário Internacional (FMI). Longe de ter sido ‘idealizado por
Fernando Henrique Cardoso’, [...], o plano foi organizado e dirigido exclu-
sivamente pelos economistas do PSDB”.

152 Editora Mercado de Letras – Educação


Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia.
O então Ministro da Educação, Murílio Hingel, assinalava que,
segundo acordo com a Unesco, no Plano encontravam-se os eixos
que direcionariam a reforma educacional daí em diante (Brasil 1993,
passim). Destacamos as que seriam sobremaneira aprofundadas:
gestão da Educação, sistema de avaliação em larga escala6 e
formação docente. Reafirme-se: o preparo do professor sempre
esteve na mira das políticas burguesas para a educação.
Da ótica do Estado e dos interesses capitalistas, duas
estratégias sobressaíram. A primeira previa que para desenvolver
as metas educacionais seriam necessários cooperação e intercâmbio
de caráter bilateral, multilateral e internacional, acordos que
se espraiaram pelos entes federados.7 A segunda calcava-se na

6. No Plano (Brasil 1993, pp. 59) lê-se: “vem sendo desenvolvido e imple-
mentado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB),
com a finalidade de aferir a aprendizagem dos alunos e o desempenho das
escolas de primeiro grau e prover informações para avaliação e revisão de
planos e programas de qualificação educacional.” A partir de 1988 (Werle
2011), surge a avaliação em larga escala na Educação Básica por meio do
Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público (Saep) de 1º grau, no
Paraná e Rio Grande do Norte. Esse piloto contou com a presença do Banco
Mundial. Numa linha de tempo temos: 1992, o INEP assumiu a avaliação;
1995, surgiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb);
1998, criou-se o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem); 2000, Brasil
começa a participar do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(Pisa), organizado pela OCDE. Atualmente está em discussão a implemen-
tação de uma Prova Nacional de Concurso para ingresso na carreira docente.
Aprovada pela Portaria Normativa no 3, de 2 de março de 2011 (Brasil 2011)
e inserida no Plano Nacional de Educação de 2014 (Brasil 2014), encontra-
se ainda em estudo (Brasil 2015).
7. Na perspectiva do capital incidindo diretamente na educação e na formação
docente, citamos o caso da significativa entrada, na Prefeitura Municipal de
Florianópolis (PMF), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O acordo foi firmado em 2014 com o objetivo de expandir e melhorar a Edu-
cação Infantil e Ensino Fundamental do município, constando entre seus
eixos um dedicado à formação docente. Para executar parte substantiva dele
foram contratados o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação

Desventuras dos professores na formação para o capital 153


estruturação de um Sistema Nacional de Educação a Distância8
para oferecer o Programa de Capacitação de Professores, Dirigentes
e Especialistas. À qualificação técnica e profissional subjazia
a reestruturação da formação inicial e a revisão da formação
continuada concebida como treinamento em serviço. Esse processo
interferiu tanto nos conteúdos, quanto nas formas institucionais que
as ofereciam, constituindo um amplo movimento de reconversão
docente no Brasil facilitado pela criação de redes educativas na
América Latina e Caribe.9 Em 1995, o Programa Um Salto para o

(CAED) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e a Fundação Car-


los Chagas (Seki et al. 2016).
8. “Encontra-se em fase de estruturação o Sistema Nacional de Educação a
Distância que, conforme previsto no Protocolo de Cooperação assinado pelo
Ministério da Educação (MEC) e o Ministério das Comunicações, com a
participação do Conselho de Reitores da Universidade Brasileira (CRUB),
do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e da União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), deverá apri-
morar e ampliar o programa de capacitação e atualização dos professores,
monitorar e avaliar os programas e projetos de educação a distância, bem
como desenvolver projetos de multimeios e de apoio à sala de aula. [...]
Programas de intercâmbio e de cooperação técnica deverão ser firmados
com organismos nacionais e internacionais. Buscar-se-á, ainda, ampliar e
aprimorar a produção, edição e transmissão dos programas de educação a
distância, por intermédio da Fundação Roquette Pinto, das emissoras que
compõem o Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa (SINRED), das
emissoras de rádio e televisão Educativos. [...] Com o Sistema deverão ser
incrementados projetos de alfabetização, formação inicial e continuada do
cidadão brasileiro, constituindo prioridade o desenvolvimento dos recursos
humanos do setor educacional” (Brasil 1993, pp. 62-63).
9. Segundo Shiroma e Evangelista (2008, passim), “O Programa Regional da
Reforma Educativa na América Latina, criado em 1995, é uma parceria en-
tre organizações do setor público e privado do hemisfério que procura iden-
tificar problemas e promover e implementar políticas educacionais”. Era
apoiado por United States Agency for International Development (USAID);
Bancos Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Mundial (BM); Fun-
dação General Eletric, entre outros. Em nome do Brasil, participavam o
Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, e Cláudio Moura Castro (asses-
sores do BID e BM); Guiomar Namo de Mello; Maria Helena Guimarães,

154 Editora Mercado de Letras – Educação


Futuro, para professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
concretizou a união entre Educação a Distância (EaD), formação
docente e cooperação internacional.10
Os delineamentos econômicos e políticos da década de
1990 e duas de suas estratégias para a educação – colaboração
internacional e EaD – abriram o caminho que transbordaria, na
metade da primeira década do século XXI, num projeto privado
de preparo docente, a distância, cujo butim fez a alegria e riqueza

presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Aní-


sio Teixeira (INEP). Souza compunha a diretoria da Fundação Lemann que,
entre outras iniciativas, fornecia formação para gestores educacionais. O
PREAL foi criado pelo Inter-American Dialogue (IAD) e recebia financia-
mento da USAID e de empresas multinacionais, como as GE, Ford, Merck.
Fernando Henrique Cardoso era seu diretor adjunto, na companhia de Armí-
nio Fraga e Henrique Meirelles, ambos ex-presidentes do Banco Central e o
segundo foi Ministro da Fazenda na gestão de Temer (2016-2018). O Com-
promisso todos pela Educação foi acertado, em 2006, na Conferência Ações
de Responsabilidade Social em Educação: melhores práticas na América
Latina, promovida pelas Fundações Lemann e Jacobs e Grupo Gerdau com
a participação do PREAL e do IAD. As autoras afirmam que o PREAL
possuía “papel fundamental na capilarização das diretrizes internacionais
por meio de organizações governamentais e não-governamentais regionais
e locais.” Outra rede, a Kipus, criada em 2003, no Chile, se restringia às
instituições que formavam professores em nível superior; redes e sindicatos
profissionais; organizações não-governamentais; órgãos estatais. A Kipus li-
gava-se ao Projeto de Educação para a América Latina e Caribe (PRELAC),
lançado em 2002 (Unesco 2002) cujo objetivo era a “reconversão docente”
ou a ressignificação do conceito Educação e das formas institucionais de
preparo docente.
10. O “Programa Um salto para o Futuro”, de 1995, incorporou-se à TV Es-
cola, MEC. A Secretaria de Educação a Distância (MEC), de 1996, assim
como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 (Brasil 1996), consolidaram essa modalidade de ensino,
regulamentada em 20 de dezembro de 2005, Decreto n° 5.622 (Brasil 2005).
A implementação da EaD não se resumiu a um governo ou partido; consistiu
em uma política de formação e em nicho de mercado altamente rentável
para variadas mercadorias, sendo a principal delas a venda de certificados.

Desventuras dos professores na formação para o capital 155


do capital monopolista. A eleição de FHC, empossado em 1995,
significou o recrudescimento desse encaminhamento. Sua política
realizou o que Collor iniciara: reforma do Aparelho de Estado;
flexibilização das leis trabalhistas; privatizações e terceirizações na
esfera pública; ajuste fiscal; controle de gastos e de investimentos
públicos; implementação das parcerias público-privadas,11 entre
outras iniciativas. A hegemonia burguesa neoliberal repercutiu
fundo na política, nos meios de produção da existência e nas formas
de organização coletiva. As contradições que emanaram das crises
capitalistas levaram à difusão e consolidação de uma razão histórica
que vetorizou o pensamento e a vida social. A sociedade política
assumiu o importante papel de mediadora nos debates acerca
da destinação dos sujeitos sociais. Dardot e Laval (2016, p. 17)
assinalam que

[...] o neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou uma


política econômica, é em primeiro lugar e fundamentalmente
uma racionalidade e, como tal, tende a estruturar e organizar
não apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta
dos governados. A racionalidade neoliberal tem como
característica principal a generalização da concorrência como
norma de conduta e da empresa como modelo de subjetivação.
O termo racionalidade não é empregado aqui como um
eufemismo que nos permite evitar a palavra “capitalismo”. O
neoliberalismo é a razão do capitalismo contemporâneo [...].

No bojo dessa racionalidade, a política engendrada fez


eco ao ajuste estrutural da economia e, subalternos às relações
imperialistas, Cardoso e seu Ministro da Educação plenipotente,
Paulo Renato Souza, providenciaram a reforma da educação. Motta
e Leher (2017, pp. 244) chamaram a atenção para o fato de que

11. Cêa (2017) realiza uma discussão atual e pertinente sobre crises do capital e
parcerias público-privadas em educação.

156 Editora Mercado de Letras – Educação


Estávamos diante da tendência de a Organização Mundial
do Comércio (OMC) listar a educação entre as atividades
comerciais que regula, sujeita ao Acordo Geral para Comércio
em Serviços (GATS), criando um mercado educacional
internacionalizado. Neste contexto, as condições para iniciar
a ofensiva do privado contra o público foram criadas: no
âmbito da educação, a promulgação da Lei de Diretrizes
e Base da Educação, Lei 9394/1996, e o Plano Nacional de
Educação-2001 respaldaram as possibilidades de realização de
parcerias público-privadas.

Também Lima (2006, pp. 2) indica o papel da OMC: “Desde


sua criação, constituiu-se em veículo de defesa dos interesses
econômicos de países desenvolvidos, em virtude do que não consegue
dissimular as pressões que recebe para criar mecanismos capazes de
influir sobre os rumos da indústria educacional mundial”.12
A formação docente estava sob a ameaça do capital – e
continua. Ela tornou-se central na reforma educativa e o professor
foi projetado como profissional eficaz, executor de tarefas impostas
à escola. Seu campo de preparo e trabalho foi esquadrinhado pelos
interesses burgueses neoliberais. O professor foi encapsulado
por políticas em todos os campos: livro didático; sistema de

12. Lima (2006, pp. 6) destaca em meados dos anos 2000: “O que surpreende
é complacência com que lideranças do meio acadêmico têm se referido à
questão: em posição de flagrante subordinação, o ex-ministro da educação
(Cristovam Buarque) considerou salutar o interesse de grupos estrangeiros
investir no mercado educacional brasileiro assegurando que é muito melhor
que o capital seja aplicado na educação do que em outras áreas, como por-
nografia ou jogo. Tanto em palestras proferidas quanto em depoimentos à
imprensa, o ex-ministro Paulo Renato Souza coloca-se como defensor da
internacionalização do mercado educacional. Os argumentos explorados
asseguram que a concorrência contribuirá para movimentos em direção
da elevação da qualidade acadêmica e da gestão universitária.” Cristovam
Buarque foi Ministro no Governo Lula entre 1 de janeiro de 2003 e 27 janei-
ro de 2004; Paulo Renato Souza ocupou o cargo entre 1 de janeiro de 1995
e 1 janeiro de 2003, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso.

Desventuras dos professores na formação para o capital 157


avaliação em larga escala; achatamento salarial; diminuição de
concursos públicos; excesso de horas-aula; contratos temporários;
grande número de alunos em sala; não pagamento do piso salarial
nacional; diretrizes curriculares; neogerencialismo escolar;
articulação de interesses internos e internacionais à formação e
trabalho pedagógico; pagamento da formação inicial e continuada
em escolas de nível superior não universitárias; implementação da
modalidade EaD. As lutas desencadeadas por professores contaram
alguns ganhos, mas a lógica macro da reforma se estabeleceu.
Cardoso, no documento Mãos à Obra, Brasil (Cardoso
1994, pp. 120), indicava qual seria sua política de formação docente
para a Educação Básica: “Utilizar o ensino a distância e outras
tecnologias atuais nos programas de atualização de professores”.
Também o Ministro da Educação de Lula, Cristovam Buarque,
em 2003, asseverou que “O ensino a distância é uma forma de
triplicar o acesso à educação superior.” Os interesses capitalistas
em presença não brincavam em serviço. Progressivamente, ganhou
dimensão colossal a “fábrica de professores” (Mandeli 2014), o
correspondente mercado de diplomas de ensino superior a distância
e o mercado de produtos correlatos.
Do ponto de vista legal, a principal legitimadora da
modalidade EaD foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº 9394, de 20 de dezembro de 1996 (LDBEN) (Brasil 1996). Reza
o Art. 80º que “o Poder Público incentivará o desenvolvimento e a
veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis
e modalidades de ensino, e de educação continuada”. Este se cruza
com o artigo 87º, §4º, que dispõe que “Até o fim da década somente
serão admitidos professores habilitados em nível superior ou
formados por treinamento em serviço”. Uma de suas consequências
foi a diminuição das matrículas no Curso Normal (CN) em nível
médio.13 Monteiro e Nunes (2006, pp. 5-6) citam informações do

13. O Curso Normal forma profissionais para a docência na Educação Infantil e


séries iniciais do Ensino Fundamental, tarefa assumida desde 1835, quando

158 Editora Mercado de Letras – Educação


INEP de 2004 nas quais “a tendência de crescimento observada no
período de 1991/1996 sofreu uma significativa inversão no período
de 1996/2002, com a redução pela metade do número de escolas
e da quantidade de matrículas”. Os CNs em 1993 somavam 5.572
estabelecimentos; em 1997, 5.370; em 2002, 2.641. Os Censos
Escolares de 2003 e 201714 demonstram que as matrículas públicas
e privadas nos CN reduziram em torno de 70%. As públicas caíram
de 285.216 para 90.874; as privadas de 19.736 para 3.919, indicando
uma formação em nível médio praticamente residual. De outro
lado, de 2014 para 2018, houve redução de professores, em atuação
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com formação no CN
de 15,7% para 11% e o incremento de licenciados de 71,5% para
77,3%. Em contrapartida não foi alterado o percentual de 4,3% de
professores das séries iniciais do Ensino Fundamental com ensino
médio ou inferior (Brasil 2019, pp. 5).
Além da diminuição substantiva dos formados em nível
médio, outra questão se coloca: a indicação legal de formação em
nível superior soava como uma espécie de favorecimento ao setor
privado para que professores leigos e aspirantes à docência pudessem
se graduar de modo rápido por meio da EaD sem se afastarem do
trabalho. Isso de fato aconteceu, mas em escala reduzida, pois dados
do INEP indicam que o percentual de professores em atividade com
nível médio de formação permaneceu quase o mesmo, de 2014 para
2018.
O Governo FHC, via LDBEN, criou o Curso Normal Superior
(CNS) com o fito de oferecer formação docente não universitária

foi criada, em Niterói, Rio de Janeiro, a primeira Escola Normal para formar
professores para o então ensino primário. Essa escola oferecia o Curso Nor-
mal que paulatinamente se alastrou pelas Províncias do Império. Nos anos
de 1930, algumas foram elevadas ao nível superior por breve período. (Ta-
nuri 1970) Nos anos de 1970, denominou-se Habilitação Magistério, tendo
voltado à sua denominação original com a LDBEN (Brasil 1996).
14. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/microdados. Acesso em:
14/10/2017.

Desventuras dos professores na formação para o capital 159


para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental
para atender a demanda que produziu sob os auspícios de diretrizes
do Banco Mundial, tarefa dividida antes entre o CN Médio e o de
Pedagogia. A lógica bancomundialista em presença propunha a
expansão do ensino superior terciário (Banco Mundial 1995) no
Brasil, de forma que o país poderia, a um só tempo, economizar não
expandindo as universidades e cumprir expectativas internacionais
de formação superior do professor.15 De fato, segundo Malanchen
(2007, pp. 97), desde o final dos anos de 1980 o investimento na
educação superior teria cedido lugar para a Educação Básica nas
diretrizes do BM, redirecionando seus financiamentos para diminuir
seus gastos e produzir maior eficiência, por meio de práticas de
gestão empresarial, ademais de estimular o envolvimento do setor
privado na sua oferta. Para Siqueira (2004, pp. 51), subjazia a esse
encaminhamento o ideológico bordão “alívio à pobreza”, cujo
objetivo final era construir consensos em torno da justeza de seu
projeto, além de alimentar a suposta “sociedade do conhecimento”.
Estava em andamento a transformação da formação docente em
nível superior em bem mercadejável (Granemann 2007).
Na análise que desenvolveu sobre formação docente e EaD nas
políticas governamentais brasileiras entre 1995 e 2006, Malanchen
(2007, pp. 22) concluiu que os CNSs encaminhavam a formação
docente de modo a que “não fosse realizada necessariamente na
universidade, mas que pudesse acontecer, preferencialmente,
nos Institutos Superiores de Educação (ISE)”.16 O insucesso do

15. O atual Plano Nacional de Educação (PNE) (Brasil 2014) prevê que, até
2020, os professores da Educação Básica deverão ser licenciados, a tendên-
cia de desaparecimento do curso normal em nível médio deverá se agravar.
Não significa que tal formação ocorrerá, pois o previsto na LDBEN de 1996
até hoje não ocorreu.
16. Esta posição fica clara no Decreto Presidencial nº 3.554, de 7 agosto de
2000 (Brasil 2000), artigo 3º, § 2, que dispõe: “A formação em nível supe-
rior de professores para a atuação multidisciplinar, destinada ao magistério
na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, far-se-á,
preferencialmente, em cursos normais superiores”.

160 Editora Mercado de Letras – Educação


projeto do PSDB levou a que, de 2006 em diante (Brasil 2006), no
Governo Lula, a licenciatura em Pedagogia fosse definida como a
formação superior adequada aos professores da Educação Infantil
e das séries iniciais do Ensino Fundamental; os CNS poderiam
transformar-se em Curso de Pedagogia. Aos poucos, deixou de
constar nas informações dos Censos do INEP,17 não sendo, contudo,
possível afirmar que não existam mais ISE ou CNS. Em 2003, havia
81.229 matrículas no Normal Superior, das quais 53.946 (66,4%)
presenciais e 27.283 (33,6%) na modalidade EaD. Das matrículas
gerais, 31.721 (38,1%) estavam na esfera pública, enquanto 49.508
(60,9%) no setor privado, das quais 26.412 (50,2%) cabiam às
instituições particulares. Em 2017, o Censo da Educação Superior
indicava que apenas três cursos estavam em funcionamento, dois
sem matrículas registradas.18
À LDBEN seguiram-se novas regulamentações tendo em
vista a consolidação da modalidade a distância na formação de
professores. É o caso dos Decretos nº 2.494, de 10 de fevereiro
de 1998 (Brasil 1998a) e nº 2.561, de 27 de abril do mesmo ano
(Brasil 1998b); em 2005, o Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro
(Brasil 2005b), definiu a EaD como uma modalidade de ensino.19 O
Decreto nº 6.303, de 12 de dezembro de 2007 (Brasil 2007c) alterou
dispositivos anteriores favorecendo seu crescimento.
Barreto (2010a, p. 1301) afirma que

17. O Curso Normal Superior, com a padronização de variáveis de coleta do


Censo da Educação Superior via tabelas da OCDE, foi incorporado à cate-
goria Pedagogia.
18. Um no Centro de Estudos Psicopedagógicos Pro-Saber, privado, com
26 matrículas; dois no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
(ISERJ), em faculdades na cidade do Rio de Janeiro, nos quais não consta-
vam matrículas. 
19. “Artigo 1º: Caracteriza-se a educação a distância como modalidade educa-
cional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e
aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informa-
ção e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades
educativas em lugares ou tempos diversos.” (Brasil 2005b).

Desventuras dos professores na formação para o capital 161


A EaD pode ser objetivada a partir da sua especificidade em
relação ao ensino presencial e, especialmente, em função do
seu modus operandi (sendo a única não nomeada em função
do nível de ensino ou da clientela a que se destina, mas ao
modo da sua realização), podendo mesmo dispensar discussões
substantivas, em função da centralidade das TIC para a
veiculação dos materiais de ensino e para o seu gerenciamento.

Para a autora, essa modalidade tornou-se central nas


políticas educacionais porque concretizou a expansão do ensino
superior sob a alegação de sua democratização e como estratégica
na política de inclusão de jovens “pobres” nesse nível de ensino.
Parte do processo de expansão do Ensino Superior terciário vem
sendo realizado pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia (IFETs), criados e unificados em 2008 no âmbito da
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
(Brasil 2008).20 Em 2016, funcionavam 38 Institutos Federais, com
644 campi, com a obrigação legal de oferecer 20% das vagas para
formação de professores para a educação básica e a profissional.
Apesar da letra da lei, segundo Oliveira e Oliveira (2016), em
2014, além das principais licenciaturas – Química, Matemática,
Física e Ciências Biológicas –, mais 13 cursos foram oferecidos,
entre os quais a Licenciatura em Pedagogia. Trata-se também de um
processo de reconversão institucional, posto que tradicionalmente a
formação docente não competia às escolas técnicas.
Em 2014, foi lançado pelo Governo Dilma o documento A
democratização e expansão da educação superior no país

20. Para Mancebo, Silva Júnior e Oliveira (2018, pp. 6), o enxugamento das
funções matriciais da Universidade, que supõem a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão, vem ocorrendo na implementação de formas
de ensino superior públicas nas quais o ensino é priorizado. Os autores re-
ferem-se aos “institutos federais de educação, ciência e tecnologia – IFE”.
Não significa afirmar que nos Institutos não ocorra pesquisa, mas que sua
organização institucional é pertinente à lógica do Ensino Superior não uni-
versitário.

162 Editora Mercado de Letras – Educação


(Brasil 2014a). Neste balanço, afirma-se que a Educação
Superior no Brasil teria evoluído seguindo os pressupostos da
expansão, inclusão e qualidade. Tal direcionamento articulou-
se à Declaração Mundial sobre Educação Superior (Unesco
1998), aprovada durante a Conferência Mundial sobre
Educação Superior da Unesco, em outubro de 1998. A suposta
“valorização do saber acadêmico pelo mercado de trabalho”
e o “crescimento da importância da pesquisa acadêmica”, a
começar na segunda metade do século XX, teria levado a “uma
expansão sem precedentes da demanda” de educação superior.
A maior inovação foi a criação do Sistema Universidade Aberta
do Brasil (UAB), em 2006, que viabilizaria a introdução das
“novas tecnologias de informação e comunicação (TIC)” e
“sua inserção qualificada nas práticas educativas, de forma que
a reflexão sobre a incorporação dessas novas tecnologias nas
práticas educativas é fundamental para os processos formativos
desenvolvidos nas IES.” (Brasil 2014a, pp. 90).21 Ou seja,
um dos mecanismos para atender a demanda foi “o fomento
à educação a distância, que apresenta ainda outras vantagens
como o baixo custo, a flexibilidade de horários e o alcance
praticamente universal.” O governo federal teria feito as
matrículas saltarem de menos de 50 mil, em 2003, para mais de
1,1 milhão, em 2013, um “extraordinário crescimento da ordem
de 2.200%” (Brasil 2014a, pp. 21). O que o documento não
revelou é que esse crescimento exponencial ocorreu no setor
privado e não na esfera pública. Como vimos, as matrículas em
licenciaturas na esfera privada chegaram a 890.862 (61,7%) do
total em 2015; na esfera pública ficaram em 576.319 (39,3%).22
Malanchen (2007, pp. 147) avalia que houve no MEC “a
institucionalização da EaD como modalidade preferencial

21. Entre os avanços contabilizados pelo governo encontrava-se a proposta de


“ensino a distância transfronteiriço”, parte do processo de internacionaliza-
ção da Educação Superior, e a formação de professores para a educação a
distância. (Brasil 2014).
22. De 2003 para 2015 as matrículas EaD em licenciatura passaram de 36.985
para 86.802 nas IES públicas e de 14.498 para 476.132 nas privadas.

Desventuras dos professores na formação para o capital 163


para o ensino superior em nosso país”, com instituição de leis,
portarias, decretos, bem como documentos orientadores para as
instituições que a ofertassem. A autora, chama a atenção para
um outro aspecto:

[...] os convênios realizados entre secretarias estaduais,


prefeituras e estatais demonstrariam que a EAD em nível
superior, no Brasil, desde a sua estruturação, [foi] entendida
como prestação de serviços, até mesmo nas instituições
públicas. Talvez isso explique, em parte, porque a expansão
da educação superior a distância, no setor público federal, está
vinculada às Pró-reitorias de Extensão e não às de Graduação,
as quais respondem pelo ensino superior no âmbito das
universidades. (Malanchen 2007, pp. 218, grifo da autora)

No interregno entre 2005 e 2010 o ensino superior cresceu,


a exemplo do Programa Universidade para Todos (Prouni) (Brasil
2005a) e do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (Reuni) (Brasil 2007b).
Interessante considerar, ademais, que a expansão dos IFETs
objetivou ampliar o acesso ao ensino superior não universitário.
Em termos de preparo do professor, contudo, sua participação é
pequena. Todavia, no que respeita à formação de professores, a EaD
se consolidou nos mandatos do Governo Lula (2003-2010), com um
crescimento explosivo de 376.794 (731,9%) matrículas em EaD, de
2003 para 2011.23 O percurso até aqui evidencia que a expansão do

23. Não está em nosso escopo, discutir as políticas implementadas pelo Apa-
relho de Estado para a EaD no âmbito da esfera pública. Entretanto, ci-
tamos dois programas exemplares deste período: 1) o Pró-Licenciatura,
para formação de professores a distância, conjugando esforços do MEC,
Secretarias de Educação Básica (SEB), Secretaria de Educação a Distância
(SEED), com participação das Secretarias de Educação Especial (SEESP) e
da Educação Superior (SESU); 2) o Sistema Universidade Aberta do Brasil
(UAB) (Brasil 2006b), foi articulado pelas Secretaria de Educação a Dis-
tância (SEED/MEC) e Diretoria de Educação a Distância (DED/CAPES),

164 Editora Mercado de Letras – Educação


Ensino Superior foi induzida legalmente pelo Estado e ocorreu fora
dele, na esfera privada, sob a modalidade preferencial a distância.

Mais um passo no caminho

Nas décadas de 1970-1980 o capital enfrentou uma série


de crises e a necessidade de apresentar respostas econômicas, na
sua perspectiva, leva à abertura de “uma nova etapa do processo
de acumulação capitalista marcada pela ascensão do capital
financeiro” (Chaves e Amaral 2016, pp. 52). As reformas desse
período lograram a liberalização e desregulamentação dos fluxos
financeiros, a interligação dos mercados, a criação de inovações
financeiras (derivativos, securitização, contratos futuros etc.) e de
fundos de investimentos institucionais, ocasionando profundas
transformações no mercado mundial. Surgiram, então, os grandes
grupos educacionais que hoje concentram a imensa maioria das

cujos parceiros foram a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições


Federais de Ensino Superior (ANDIFES), Banco da Amazônia, Banco do
Brasil, Banco do Nordeste do Brasil, Banco de Desenvolvimento Econô-
mico e Social, Caixa Econômica Federal, Companhia de Geração Térmi-
ca de Energia Elétrica, Companhia Hidroelétrica do São Francisco, Cobra
Tecnologia, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Centrais Elétricas
Brasileiras, Centrais Elétricas do Norte do Brasil, Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária, Financiadora de Estudos e Projetos, Furnas Cen-
trais Elétricas, Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, Instituto
Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, Usina Hi-
drelétrica de Itaipu, Nuclebrás Equipamentos Pesados, Petróleo Brasileiro e
Serviço Federal de Processamento de Dados (Malanchen 2007, pp. 130). A
UAB foi, em 2007, transferida para a Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) e manteve seu funcionamento baseado
em parcerias público-privadas.

Desventuras dos professores na formação para o capital 165


matrículas presenciais e à distância.24 Muitos deles nasceram como
colégios e cursos pré-vestibulares (os conhecidos cursinhos) e
cresceram exponencialmente nas décadas seguintes favorecidos
pelas articulações realizadas no âmbito do Estado que lhes
permitiram agir como Estado para assegurar seus interesses.
Semelhante processo pode ser em parte explicado pelo poder
econômico do Estado, como se percebe nas políticas de transferência
do fundo público para o fundo de acumulação de capital ou do
extenso processo de desregulamentação do ensino superior e da
modalidade de ensino à distância. Sem incorrer no erro que seria
separar educação e capital, isto é, considerando a existência real da
esfera da cultura (educação) e da economia (capital), é necessário
pensar se o quadro de devastação encontrado (da formação dos
professores nas mãos privadas e, sobremaneira, via modalidades
precárias de ensino) teria sido possível sem o pleno exercício do
poder estatal.
Em 1965, por exemplo, o Estado destinou 5% do Fundo
Nacional de Ensino Superior para “subvencionar os estabelecimentos
particulares do terceiro grau” (Cunha 1988, pp. 322). Assim,
“capitais tradicionalmente aplicados no ensino”, então chamado de
2º grau, ou aqueles recentemente “investidos em cursinhos e capitais
de outros setores de atividades transferiram-se para a exploração
do promissor mercado do Ensino Superior” (Cunha 1988, pp. 322).
Muitas escolas ocuparam suas instalações, no período noturno,
com faculdades que, depois, avançaram sobre os demais turnos
escolares e, mais tarde, converteram-se em universidades, ganhando
autonomia para a abertura de cursos e vagas a seu bel-prazer.

24. Os dez maiores grupos educacionais concentram mais de 42% de todas as


matrículas do ensino superior privado no Brasil: Kroton, Estácio de Sá,
Unip, Laureate, Ser Educacional, Uninove, Cruzeiro, Ânima, Devry e Uni-
cesumar.

166 Editora Mercado de Letras – Educação


Esse não foi o caminho natural dessas instituições,
conquanto pareça. Para alcançar o patamar relevado no presente,
elas precisaram articular seus interesses no interior do Estado. Em
nossa hipótese, a captura do Fundo Público foi o principal elemento
de determinação dessas mudanças no ensino superior brasileiro.
Diga-se, as IES sem fins lucrativos contaram, desde seu surgimento,
com isenções tributárias, garantidas, pelos textos constitucionais.
As transferências operadas a partir de 1965 para subvencionar,
inclusive as IES com fins lucrativos, demonstrou a intencionalidade
política na expansão do ensino superior: estrangular as instituições
públicas em favor das privadas.
Na Constituição de 1934, segundo Saviani (2008), as
instituições privadas de educação “primária ou profissional”, gratuitas
e consideradas idôneas, ficaram “isentas de qualquer tributo”. Na
Constituição de 1946 (Brasil 1946), a isenção foi transformada em
imunidade tributária, através de dispositivo que vedou à União,
aos estados, ao Distrito Federal (DF) e aos municípios lançarem
impostos sobre as “instituições de educação e de assistência social,
desde que as rendas” fossem “aplicadas integralmente no País para
os respectivos fins” (Brasil 1946). Na Constituição Federal de
1967, além de manter a imunidade tributária, oficializou-se que o
ensino era “livre à iniciativa particular”, a qual mereceria “o amparo
técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive mediante bolsas
de estudos” (Brasil 1967). Concomitante, o texto constitucional de
1967 (Brasil 1967) desobrigou a vinculação orçamentária (existente
nas Constituições Federais de 1934 e 1946) que obrigava a União
e os entes federados a destinarem parcela do orçamento para as
instituições públicas.
De acordo com Saviani (2008, pp. 298),

A Constituição de 1934 havia fixado 10% para a União e 20%


para estados e municípios; a Constituição de 1946 manteve os
20% para estados e municípios e elevou o percentual da União

Desventuras dos professores na formação para o capital 167


para 12%. A Emenda Constitucional n. 1, baixada pela Junta
Militar em 1969, também conhecida como Constituição de 1969
porque redefiniu todo o texto da Carta de 1967, restabeleceu a
vinculação de 20%, mas apenas para os municípios (art. 15,
§3º, alínea f).

O duplo movimento referido ofereceu apoio técnico e


orçamentário às IES particulares e, em simultâneo, desvinculou o
orçamento da educação pública. Com isso, se estabeleceu um amplo
espaço para o crescimento das instituições privadas e particulares.
Ainda se denota a escolha articulada pelo poder estatal na investida
contra a gratuidade do ensino: “sempre que possível, o Poder Público
substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas
de estudos”, com a subsequente restituição destas por parte dos
estudantes formados. O ensino superior não ficou estabelecido como
direito de todos, mas restrito àqueles que demonstrassem, segundos
critérios institucionais, os devidos graus de aproveitamento e não
pudessem pagar mensalidades e taxas. A gratuidade do ensino nas
públicas manteve-se relativamente,25 todavia as privadas foram
compensadas com maior autonomia (em especial para aquelas que
se converteram em universidades e centros de ensino), imunidades
tributárias e uma sucessão de programas; após 1990, políticas de
transferência de riqueza para o capital de ensino superior: Fundo
de Financiamento Estudantil (FIES),26 Programa Universidade

25. Dos anos de 1990 em diante surgiu um arcabouço legal para diluir a sepa-
ração entre as IES públicas e privadas, possibilitando, por exemplo, que em
muitas instituições de ensino municipais públicas sejam cobradas mensali-
dades e taxas sob a forma jurídica das fundações de ensino.
26. “O Fies, criado por Medida Provisória, em 1999, foi institucionalizado pela
Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001 (Brasil 2001), durante o Governo
Fernando Henrique Cardoso, e ampliado durante as gestões do Partido dos
Trabalhadores (2003-2016). Fundo de natureza contábil, destina-se à con-
cessão de financiamentos aos estudantes matriculados em cursos pagos de
ensino superior a serem pagos após a formatura, o que contribui para o endi-

168 Editora Mercado de Letras – Educação


para Todos (Prouni) (Brasil 2005a), Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino
Superior (Proies) (Brasil 2012), financiamentos do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para citar
alguns. As transformações na regulamentação do ensino superior,
somadas àquelas que favoreceram a expansão da EaD, foram
fundamentais para os processos de concentração e monopolização
dos capitais de ensino superior, grandes grupos controladores do
ensino superior privado brasileiro, tais como a Kroton, Estácio de
Sá, Unip, Ser Educacional e Ânima.

O caminho teria terminado?

O advento do neoliberalismo gerou modificações estruturais


nos capitais de ensino superior brasileiros, estabelecendo as
condições para a formação de grandes grupos controladores,
de meados dos anos 2000 em diante. Ressalte-se: capitais que
floresceram em período de profunda crise mundial (2007-2008,
2011, 2014). Intelectuais acadêmicos vêm denominando de
financeirização27 (Chaves e Amaral 2016, pp. 52) ou financeirização

vidamento precoce de ampla parcela da juventude nutrida da expectativa de


empregos que exigiriam melhor qualificação e seriam melhor remunerados.
Em junho de 2017, em meio a conjuntura de cortes do novo regime fiscal,
o Governo Temer modificou o Fies, propondo que até 30% do valor das
parcelas sejam descontadas diretamente da folha de pagamentos dos recém-
formados, eliminando o prazo de carência para o início do pagamento dos
empréstimos” (Seki 2017, pp. 10).
27. Há uma miríade de expressões que procuram dar conta de semelhantes ca-
racterizações do atual padrão de acumulação do capital. Expressões como
“financeirização da educação superior”, “financeirização do capital”, “pre-
domínio da finança”, “mundialização do capital sob o predomínio financei-
ro”, “predomínio do capital fictício e portador de juros”, e assim por diante.

Desventuras dos professores na formação para o capital 169


do capital de ensino superior esse movimento, cuja marca distintiva
é a liberalização da circulação mundial de capitais, derrubando as
barreiras internas para o livre trânsito de capitais, seja sob a forma
monetária ou da mercadoria – entre as quais, a força de trabalho.
Parcelas crescentes de capitais se apresentaram sob forma
monetária, concentrando grandes operações de investimentos,
com relativa autonomia no que diz respeito aos setores
produtivos (Mancebo, Júnior e Schungurensky 2016, pp. 207).
A sua consequência mais imediata no mundo foi a necessidade –
convertida em vontade coletiva – de liberalização de oportunidades
de investimentos em setores tidos como campo das políticas sociais
(Fontes 2010). Reconhecemos que essa parcela de capitalistas foi
“insistente e vitoriosa nas tentativas de reposicionar sua hegemonia
mundial” (Mancebo, Júnior e Schungurensky 2016, pp. 207), o que
se evidencia na criação da OMC, em 1995, seguida da redefinição
da “educação no rol de serviços a ser liberalizado no escopo do
General Agreement (TISA)”. O capital internacional, ademais do
exposto, pode fazer uso eficaz de uma constelação de Organizações
Multilaterais (OM), entre as quais o BM, o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), a OCDE, a Unesco, articuladas aos governos e frações
capitalistas locais, para a desregulamentação e liberalização dos
direitos sociais – pelo convencimento ou pela força.
A promulgação da LDBEN (Brasil 1996), para Oliveira
(2015, pp. 74), “estava em total consonância com os interesses
das frações dominantes do capital, seja interno ou internacional. O
Banco Mundial salientava que o ensino superior era uma área de
negócios e deveria ser apropriada como mais um setor de expansão,

No presente livro não pretendemos esgotar as diferentes formas de aborda-


gem categorial e nem as diferenças substantivas em termos teórico-metodo-
lógicos que cada qual representa.

170 Editora Mercado de Letras – Educação


concentração, acumulação e reprodução do capital”.28 Dessa
forma, se estabeleciam as bases para a continuidade da expansão
da educação superior assentada sobre as instituições de educação
superior privadas, ao mesmo tempo em que incluía a lógica mercantil
como o fundamento da relação entre os interesses privados e os
fundos públicos que nos anos seguintes se aprofundaria. É o caso
do Plano Nacional de Educação (Brasil 2014c) que procura apagar
quaisquer distinções entre as instituições educacionais públicas e
privadas como meio de justificar moral e legalmente a distribuição
de recursos do fundo público para o fundo de acumulação do
capital.29
Durante os governos do Partido dos Trabalhadores, a política
econômica manteve-se orientada para a mesma valorização financeira
internacional (Chaves; Amaral 2016, pp. 52-53), “contrariando a
expectativa de que seria reduzido o grau de submissão ao capital
rentista nacional e internacional”. Chaves e Amaral (2016, pp. 52-
53) afirmam que

28. A lei assegurou que o Estado fosse destacado para o controle e gestão das
políticas educacionais, liberalizando a oferta de educação privada (Chaves
2010). Esse é o sentido do artigo 7º da referida legislação: “O ensino é livre
à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das
normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino; II -
autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público;
III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da
Constituição Federal” (Brasil 1996).
29. Especialmente no seu parágrafo 4º do artigo 5º, diz: “§ 4o O investimento
público em educação a que se referem o inciso VI do art. 214 da Constitui-
ção Federal e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos aplicados
na forma do art. 212 da Constituição Federal e do art. 60 do Ato das Disposi-
ções Constitucionais Transitórias, bem como os recursos aplicados nos pro-
gramas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma
de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no
exterior, os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil
e o financiamento de creches, pré-escolas e de educação especial na forma
do art. 213 da Constituição Federal” (Brasil 2014).

Desventuras dos professores na formação para o capital 171


Para tanto, adotaram medidas ortodoxas na economia como a
elevação das taxas de juros e mudanças no câmbio, de forma
a facilitar a remessa de recursos ao exterior. Em relação às
políticas sociais, aprofundaram a privatização dos serviços
públicos por meio das Parcerias Público-Privadas (PPP),
transferindo a responsabilidade do Estado para o setor privado.
Por outro lado, adotaram medidas compensatórias para atender
a população que se encontrava em “situação de risco”. Assim,
as políticas sociais transformaram-se em sinônimo de política
social focalizada, direcionadas aos mais pobres, pela via da
adoção de programas de complementação de renda, como o
Programa Bolsa Família

Nas políticas educacionais, obteve papel importante o Fies


(Brasil 2001) e o Prouni (Brasil 2005a), entre outras na mesma
direção. O Fies passou à centralidade das políticas de financiamento
estudantil e alcançou, em 2016, a marca do financiamento de 22%
de todas as matrículas no ensino superior privado, o que significa
2,3 milhões de jovens trabalhadores. Nesse ano, o gasto corrente do
governo com o Fies chegou a R$ 30 bilhões, entre os valores com
mensalidades e os subsídios (Pinto e Saldaña 2017).
No caso dos cursos de licenciaturas, mais de 322 mil
matrículas estão relacionadas a alguma modalidade de financiamento
estudantil, dos quais 105 mil são relativas ao FIES e 67.644 ao
Prouni (Tabela 1, a seguir).
Quando consideramos todos os cursos privados, percebemos
a dimensão das transferências públicas. Os dados do Gráfico
1 apresentam os gastos estimados de renúncias e as despesas
executadas com o FIES em comparação com as despesas da
subfunção educação superior federal na Lei Orçamentária Anual
(em bilhões de reais).

172 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 1 – Frequência de matrículas em licenciaturas com financiamentos,
por modalidade e categoria administrativa – 2015 – Brasil

Pública Privadas TOTAL

Tipo de financiamento Presencial EaD Presencial EaD Total Presencial EaD TOTAL

Financiamento estudantil* 6.933 3 202.817 112.491 315.308 209.750 112.494 322.244

FIES reembolsável 878 1 104.114 72 104.186 104.992 73 105.065

Financiamento IES não reembolsável 1.308 2 67.862 42.063 109.925 69.170 42.065 111.235

Financiamento IES reembolsável** 1 - 2.228 1.674 3.902 2.229 1.674 3.903

PROUNI integral 14 - 28.919 27.954 56.873 28.933 27.954 56.887

PROUNI parcial - - 7.740 3.017 10.757 7.740 3.017 10.757

Desventuras dos professores na formação para o capital


Fonte: INEP (2015)
Nota: As IES especiais estão somadas com as públicas.
* Informa se o aluno possui bolsa/financiamento estudantil
** Informa se o aluno é beneficiário de programa de bolsa/financiamento reembolsável pela IES

173
Gráfico 1 – Comparativo entre as estimativas de renúncias fiscais
e gastos executados com o FIES em comparação com o orçamento
destinado à subfunção Educação Superior Federal na LOA, em
bilhões de reais – 2013-2017

Fonte: Elaboração do autor, dados compilados nas informações disponíveis na Plataforma


SIGABRASIL do Senado Federal; Orçamento Público Federal (2013-2017) e dados de
estimativas de gastos tributários elaborados pela Receita Federal entre 2003 e 2018. [Nota:
valores correntes de 2018, ajustados pelo IPCA-E]

É notável que em meio à crise econômica mundial de 2007-


2008 e suas consecutivas ondas de crise (2011-2012 e 2014), mesmo
em meio aos ritos do ajuste fiscal e do congelamento das despesas
primárias, o Estado seguiu transferindo somas maiores ao capital
de ensino superior. Para Vale (2011), operou-se nos últimos anos,
com os recursos dos fundos educacionais, um verdadeiro sequestro
em favor da acumulação dos capitais de grande porte. No mesmo
sentido, Silva (2014), analisando o Proies, concluiu que, com o
Fies e o Prouni, evidencia-se como as transferências de recursos
do fundo público foi central para formação das grandes empresas
educacionais, como a Kroton-Anhanguera, a SER Educacional e a
Estácio de Sá Participações. Esses autores ressaltam a significativa
função desempenhada pelo Estado na medida em que o volume
das transações do Fies e Prouni tornaram-se crescentes a cada ano.
Dois fatores combinaram-se no processo: a desregulamentação
e liberalização da legislação que regula esse nível de ensino e a

174 Editora Mercado de Letras – Educação


expansão dos programas que financiam as instituições particulares.
Certamente os bordões oficiais obliteram a percepção clara desse
movimento, submetendo os jovens à idealização dos benefícios que
o ensino superior traria, expondo-os ao ideário da meritocracia, do
protagonismo, do empreendedorismo, do empoderamento.30 Ideário
que põe na competição exagerada o sentido da escolarização,
reforçando o matiz individualista que a perpassa. Para Motta, Leher
e Gawryszewski (2018, pp. 316):

É justamente esta genérica e idealizada juventude a fração


populacional que mais vem sofrendo os impactos da
recomposição do capital no Brasil. De acordo com a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do
quarto trimestre de 2017, o nível de ocupação dos jovens de 18
a 24 anos atingiu 51,7%, bem abaixo dos 59,7% em comparação
ao quarto trimestre de 2012. Tal indicador sugere que a
população jovem estaria fazendo um movimento de buscar a
elevação de sua escolaridade. Embora tal hipótese não esteja
de todo equivocada, visto os graduais avanços quantitativos
no grau de escolarização, não é capaz de explicar os índices
em sua extensão, pois, ao examinar a taxa de desocupação dos
adultos jovens de 18 a 24 anos, esta se mantém no patamar
médio entre 32 a 34%, entre 2012 e 2017, o que nos permite
inferir que mesmo no período anterior à recessão econômica,
o patamar de desemprego para a força de trabalho jovem já
estava em nível deveras elevado. (Brasil 2018).

30. Esses brocardos, e assemelhados, articulam-se à ideia de que é possível sair


da pobreza pela via individual. A situação da classe trabalhadora, explorada,
é elidida, construindo-se a hipótese da solução de sua posição socioeconô-
mica pela humanização do capital, pela saída subjetiva, não coletiva e não
organizada de seus interesses. No caso do empoderamento, Carvalho (2014
pp. 151) pesquisou o tema no âmbito do Banco Mundial, indicando que são
cinco as áreas para sua aplicação prática: “1) prestação de serviços básicos;
2) melhoria da governança local; 3) melhoria da governança nacional; 4)
desenvolvimento de um mercado pró-pobre; 5) acesso à justiça e à prestação
de contas.”

Desventuras dos professores na formação para o capital 175


De acordo com os dados das amortizações no âmbito do FIES,
em 2016, 53% dos estudantes inscritos no programa encontravam-se
em situação de inadimplência. Destes, 27% com atrasos superiores
a 360 dias. Em 2015, o Tribunal de Contas da União, estimou um
montante de R$ 625 milhões em valores atrasados (nominal). As
consequências do atraso no financiamento são severas para os
estudantes, mesmo aqueles que consigam concluir os cursos de
graduação, impossibilitando a obtenção de créditos, inscrição nos
bancos de dados de devedores, inscrição na dívida ativa, entre
outras. Mas essa “corda no pescoço” tem certamente efeitos no
campo da subjetivação, porque a experiência desses sujeitos com
seus cursos, suas profissões e sua formação são atravessados por
essa demanda que se coloca todo o tempo: pagar o financiamento
ou tornar-se inadimplente.

Conclusão: o capital venceu. Até quando?

Talvez possamos pensar que muitas das dificuldades analíticas


correntes estejam ligadas à concepção de Educação de que somos
portadores. Nossa convivência, em geral harmoniosa, com a ideia de
que a “solução para os problemas sociais está na Educação”, que sem
ela “o aluno não adquire as competências para o trabalho”, o “país
não se desenvolve”, os “jovens não arranjam emprego”, “os salários
não sobem”, nos leva a legitimar a ideia de que o professor deve
responder não só pelas mazelas escolares, mas pelas econômicas e
sociais que, obviamente, fogem da sua alçada, posto que a Educação,
como Xavier e Deitos (2006) disseram, não é terreno de produção dos
problemas socioeconômicos, nem de sua solução. É preciso derrubar o
“empoderamento do professor” – de resto falso – para compreender a
materialidade de sua existência social.31

31. A Unesco vem investindo na ideia de empoderamento docente como forma


de alcançar a qualidade da educação. Em 2015, na Declaración de In-

176 Editora Mercado de Letras – Educação


Nosso interesse no debate acerca do lócus da formação
docente, na coleta de dados e na sua análise teve em vista descortinar
em parte – ao lado de outros pesquisadores – a totalidade que
constituiu, e constitui, o preparo do magistério nacional após os anos
de 1990. Não é possível elidir as determinações da escolarização,
abstraindo sua história, o que poderia nos levar ao cinismo de pôr
em questão o empenho de tutores e professores na consecução de
seu trabalho em vez de compreender a materialidade que o produz,
às suas ideias e aos locais de sua formação. Está em causa o uso
desleal da ação docente para construir explicações palatáveis que
justifiquem o desemprego estrutural, o grau de precarização em que
se encontra a classe trabalhadora, fonte sempiterna de risco para os
interesses capitalistas.
A materialidade em que nos encontramos – de imperialismo,
de inserção subordinada do Brasil nas relações internacionais, de
imposição da lógica econômica financeirizada, de novas formas
de organização dos interesses burgueses, de um movimento social
que recém saiu do adormecimento providenciado pelos anos Lula –
evidencia que no âmbito estrutural novas formas, impensáveis, de
expropriação do trabalhador estão sendo concretizadas. A escola,
por sua vez, é impactada por esse movimento cruel, um dos motivos
que a levou a se tornar importante nicho de mercado. Trata-se de
garantir a reprodução do capital que, em conjunturas de crise, “busca

cheon, que lançou as bases de sua política para 2030, reafirmou esta abor-
dagem: Nos comprometemos con una educación de calidad y con la mejora
de los resultados de aprendizaje, para lo cual es necesario fortalecer los
insumos, los procesos y la evaluación de los resultados y los mecanismos
para medir los progresos. Velaremos por que los docentes y los educadores
estén empoderados, sean debidamente contratados, reciban una buena for-
mación, estén cualificados profesionalmente, motivados y apoyados dentro
de sistemas que dispongan de recursos suficientes, que sean eficientes y que
estén dirigidos de manera eficaz. (Unesco 2015, pp. 7). Helen Clark, Ad-
ministradora do PNUD, foi assertiva: “Em nosso mundo, o conhecimento é
poder e a educação empodera.” (Unesco 2015, pp. 13).

Desventuras dos professores na formação para o capital 177


de todas as formas valorizar o valor e operar na esfera pública,
patrocinado pela mão visível do Estado” (Shiroma 2015, pp. 16).
Situação como essa levou Rikowski (2017, pp. 395) a
afirmar que “A privatização na educação não é essencialmente
sobre educação”. De fato, o sentido da formação do professor
em nível superior particular, na modalidade a distância, é dado
pelo capital educador, pois estamos frente ao “aprofundamento do
domínio do capital em instituições específicas (escolas, faculdades,
universidades etc.) na sociedade contemporânea” (Rikowski 2017,
pp. 395). É necessário, pois, ultrapassar a crítica, muitas vezes
pertinente, que se apega aos padrões de qualidade, às formas
contratuais, às condições de trabalho, aos métodos e materiais de
ensino, à defesa do mercado de trabalho, entre outros aspectos, para
localizá-la nas relações sociais que lhe dão sustentação. Isto é, nas
formas que a mercadoria assume na sociedade capitalista: a força
de trabalho e as outras mercadorias, ambas portadoras de valor
e geradoras de mais-valia. De modo que, para além da educação
oferecida nas grandes escolas monopolizadas, nelas ocorre:

[...] a privatização da produção da força de trabalho. As


instituições de educação e de formação de professores estão
envolvidas na produção social da força de trabalho (Rikowski,
1990). Assim, quando são privatizadas, as atividades, processos
e formas pedagógicas envolvidas na produção de força de
trabalho também são necessariamente privatizadas. (Rikowski
2017, pp. 396)

Uma das saídas apresentadas pelo capital para repor sua


hegemonia – não inexoravelmente –, além de recorrer ao fundo
público e privado, foi criar, em acordo com o Estado, novas
fronteiras de investimento e de aumento da sua taxa de lucro. Para
Behring (2018, pp. 47), um dos movimentos centrais do Estado

[...] é realizar processos de atratividade dos capitais, num


contexto de superacumulação, disponíveis na forma dinheiro,

178 Editora Mercado de Letras – Educação


por meio das privatizações, e oferta de novos nichos de
mercado, incrementando os processos de supercapitalização,
conforme Mandel (1982), o que inclui fortemente as políticas
sociais com destaque para a saúde, a educação e a previdência
social.

Brilharam, pois, os olhos daqueles que na escolarização


perceberam a potência emergente: “Os interesses corporativos,
vários fundos de investimento e de pessoas físicas procuram
abocanhar alguns dos $4,9 trilhões (USD) de financiamento
público para educação [no mundo] e transformá-lo em lucro
através da administração ou compra de instituições e serviços
educacionais (Rikowski 2017, pp. 401). As “fábricas de ensino” –
segundo expressão de Marx de 1867 –, no Brasil, se expandiram
agressivamente e fração substantiva de empresários construiu
seu gigantismo nas fileiras da financeirização,32 abstraídos das
necessidades dos seres sociais a quem vendem certificados.
Mészáros (2005, pp. 61) chama a atenção para o fato
de que a transformação social, a superação da ordem do capital,
demanda uma conceituação precisa no âmbito educacional, qual
seja, “educação para além do capital”; “desde o início o papel da
Educação é de importância vital para romper com a internalização
predominante nas escolhas políticas circunscritas à ‘legitimação
constitucional democrática’ do Estado capitalista que defende seus
próprios interesses”. Havemos de reconhecer que, nesta seara,
o capital saiu, de fato, vitorioso. Conquanto, aparentemente a
modalidade de educação a distância tenha sido vitoriosa em relação

32. Vicejou – e viceja – na política oficial a capacidade “mágica” das TIC na


produção de democratização e qualidade de ensino. No Relatório da Co-
missão assessora para educação superior a distância (Brasil 2002a, pp.
4) afirma-se que as TIC articulam-se “às novas metodologias de ensino,
em uma perspectiva de expansão com flexibilidade da oferta e melhoria da
qualidade da educação superior”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 179


à formação docente presencial, essencialmente foi a esfera privada
que venceu e, nela, o setor particular.
Nossas inquirições precisam abarcar todas as estratégias de
formação humana, escolarizadas ou não; desta tarefa não é lícito
nos afastarmos.

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capítulo V
O LABIRINTO DOS DADOS

Allan Kenji Seki


Artur Gomes de Souza
Olinda Evangelista

Em resumo, se suas estatísticas, eivadas de dados manipulados ou


errôneos, cheias de artifícios e cálculos de médias, impressionam o
leigo, nada demonstram a quem conhece o assunto, exceto o esforço
para ocultar os pontos mais importantes; elas terminam por mostrar,
unicamente, a avidez cega e a desonestidade desses industriais.
Friedrich Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra,
1845[2010].

Introdução

Trabalhar com dados oficiais para entender o processo de


produção de políticas educacionais no Brasil exige uma disposição
de Teseu no labirinto, sem contar, entretanto, com o fio de Ariadne.
Muitas vezes não sabemos se eles estão ordenados para impedir
que uma verdade intestina venha à tona ou se para evitar que
adentremos efetivamente no âmago de seu sentido. Perdemo-nos
facilmente em seus percursos intrincados, cheios de barreiras e

Desventuras dos professores na formação para o capital 189


obstáculos impeditivos da captura da lógica subjacente à política
de educação nacional, caso da presente pesquisa. Provavelmente,
por ambas as razões e por outras mais. Por exemplo, somos
obrigados a lidar com a péssima qualidade dos dados produzidos
que, a despeito de aperfeiçoamentos nas últimas décadas, é mostra
sofrível em decorrência da profunda desarticulação censitária das
séries históricas; muitas das séries encontradas foram compiladas
por pesquisadores independentes e jamais por órgãos oficiais.
Defrontamo-nos com mudanças de nomenclaturas e mesmo de
inserção e retirada dos quesitos coletados, quase sempre à mercê
das vontades políticas de um e outro governo em relação aos seus
antecessores e das articulações realizadas com a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Resultados encontrados nas sinopses harmonizadas do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) não correspondem aos das tabelas dos microdados e
às vezes nem a outras informações oficiais. Em suma, seja por falta de
dotações orçamentárias para a realização de levantamentos e estudos
apurados, seja em razão da articulação de interesses do capital na
produção de dados e pesquisas, a tarefa é árdua e dolorosa, pois
sabe-se, de antemão, que o trabalho terá inconsistências que, talvez,
sequer saberemos quais. Os capítulos construídos majoritariamente
com as informações constantes nos microdados do INEP resultam do
empenho em construir algumas saídas dessa espiral.
O esforço desenvolvido na coleta de dados e na sua análise
teve em vista, precisamente, descortinar – ao lado de outros
pesquisadores aqui referidos – a totalidade que constitui a formação
docente no Brasil. Não podemos esquecer das determinações da
Educação, abstraindo sua história; não está em questão a qualidade
educacional propriamente em geral ou da Educação a Distância
(EaD), mas o seu uso para construir uma explicação palatável que
justifique o desemprego estrutural, o grau de precarização em que
se encontra a classe trabalhadora – fonte de risco para os interesses
capitalistas.

190 Editora Mercado de Letras – Educação


Ponto de partida

Não era desconhecido na área da Educação que a oferta


de formação inicial docente em nível superior, no final do século
XX, no Brasil, estava nas mãos da esfera privada. Sabia-se que as
universidades públicas ofereciam a parte menor dessa formação.
Afirmava-se que a EaD campeava. Tratava-se de um senso comum
corrente, abstraído muitas vezes de suas determinações históricas. A
década de 1990 aparecia como uma datação razoável assentada na
ideia de que, a partir daí condições políticas, legais e econômicas
próprias da investida neoliberal teriam oferecido o terreno para o
florescimento tanto do setor privado, quanto da modalidade EaD
na oferta de formação do magistério. Essa forma de apreender
o problema do preparo do professor não possibilitava que
compreendêssemos o momento aproximado de sua transformação
em “bem mercadejável” (Granemann 2007) e os desdobramentos
desumanos dessa virada.
Nossas primeiras aproximações evidenciaram que uma
inflexão importante na oferta da formação docente ocorrera em
meados da década de 2000. Notícias davam conta do agigantamento
de empresas particulares dedicadas ao Ensino Superior, a exemplo
da Kroton, indicando que as licenciaturas ocupavam aí lugar de
destaque. Isso não apenas chamava a atenção, como levantava um
rol de perguntas que demandavam respostas. Por que empresários
e investidores nacionais e estrangeiros tão poderosos se ocupavam
do professor? Esse interesse seria explicável pela preocupação
singela com a formação humana? Estaríamos frente a um processo
de ideologização juvenil sem precedentes? A expansão do ensino
superior responderia à exigência de sua democratização? Seria uma
iniciativa meramente econômica de acumulação de capital? Tratava-
se de compromisso privado com a formação docente ou da oferta de
um tipo de ensino cujos custos são mais baratos? Em que medida a
decantada ideia de que “educar é tarefa do Estado” se realizava nesse
âmbito? Que contradições estavam impressas nesse movimento?

Desventuras dos professores na formação para o capital 191


A ordenação da pesquisa

A busca de respostas para pelo menos parte de nossas perguntas


nos levaram às seguintes decisões metodológicas: a) definir como
período de estudo o primeiro ano seguinte ao último ano de governo
de Fernando Henrique Cardoso (FHC), 2003; o mesmo procedimento
para os governos Lula, 2007 e 2011, e Dilma, 2015; b) esquadrinhar,
coletar e sistematizar informações nos microdados produzidos
pelo INEP1 para verificar as inflexões nos diferentes momentos
governamentais no que tange às licenciaturas; c) compilar e analisar
documentos oficiais, de organizações multilaterais, de empresas,
assim como notícias da mídia relativas à formação docente e páginas
eletrônicas de interesse; d) sistematizar o debate acadêmico acerca
do tema, verificar os autores que oferecem elementos teóricos para
a compreensão das determinações históricas, políticas e econômicas
subjacentes ao movimento da oferta de licenciaturas entre 2003 e
2015 e elaborar hipóteses explicativas. A despeito da definição de
2015 como data de encerramento do estudo, decidimos atualizar
alguns dados até 2017 sempre que possível. Embora em 2016 tenha
ocorrido o impedimento da Presidenta Dilma, a lógica da formação
docente na esfera privada e na modalidade EaD não se alterou,
respondendo ao movimento econômico de produção de mais valia
na área educacional disparado após os anos de 1990 e impulsionado
em meados dos anos de 2000.

1. Os dados foram coletados por Renata Soares da Silva e Rafael dos Santos
Pereira no estágio inicial da pesquisa. A partir do segundo ano, tendo em
vista a formatura da acadêmica e o afastamento do Técnico-administrativo
para doutorado na UFPR, os dados passaram a ser coletados por Carla de
Oliveira Bernardo, Arestides Macamo e Artur Gomes de Souza. Nos dois
últimos anos, a coleta de dados, sua reordenação e a elaboração de tabelas,
gráficos e figuras coube a Artur Gomes de Souza com auxílio de Allan Kenji
Seki. Para a abertura e análises dos microdados utilizamos o programa esta-
tístico IBM SPSS Statistics Subscription Trial for Microsoft Windows 64-bit,
na versão de teste gratuita.

192 Editora Mercado de Letras – Educação


O mergulho nos microdados do INEP

Preliminarmente procuramos conhecer em que instituições


a formação do professor ocorria no Brasil e como evoluíra após
os Governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
descartando, nesse momento, o estudo de concepções de formação
ou de qualidade do ensino, ou questões correlatas, ainda que as
reconheçamos como absolutamente graves e pertinentes.
Para a escolha feita, coligimos nos microdados do Censo
da Educação Superior (2003-2017) as informações pertinentes às
matrículas, às instituições de Ensino Superior (IES) e aos cursos da
Área Educação e as reorganizamos, dado que quisemos escapar das
sinopses estatísticas harmonizadas e tivemos em vista responder,
em parte, nossas indagações. A sistematização desses dados,
excluídas as inconsistências, somada a levantamentos em outras
fontes, nossos e de outros estudiosos, possibilitou a apropriação
do movimento de oferta de formação do professor após o governo
FHC e compreender a rede de negócios em que foi transmutada a
formação docente em nível superior.
Inicialmente, percebemos ser impossível analisar os
microdados do Censo da Educação Superior (2003-2017), sem
submetê-los a uma nova ordenação que permitisse visualizar
as informações de modo mais sintético. Dada a massa gigante
de quesitos, cuidados detalhados foram necessários, assim
como inúmeras revisões tanto dos bancos reordenados, quanto
dos números e percentuais delas derivados. Trabalhar com os
microdados do INEP, principalmente com séries históricas que
consideram a primeira década do século XXI, exige cuidados e
decisões metodológicas devidos às trocas constantes na forma de
organização dos dados. À guisa de exemplo, em 2003 e 2007 os
bancos estavam separados entre curso presencial e a distância;2 em

2. Havia também as tabelas de Cursos Sequenciais de Formação Específica

Desventuras dos professores na formação para o capital 193


2011 e 2015 os dados estavam divididos entre alunos, cursos, IES,
docentes e local da oferta; as tabelas com informações referentes a
cada aluno encontramos nos anos de 2011 e 2015. Foi necessária,
então, a recodificação das variáveis com as mesmas informações
nas tabelas de diferentes anos. A variável que representa a categoria
administrativa das instituições tem nomes diferentes em cada um
dos bancos encontrados e passou por uma recodificação para que se
igualasse em todos os bancos.
No que tange às matrículas,3 consideramos adequado utilizá-
las em detrimento do número de cursos, formandos, vagas e número
de instituições tendo em vista que proporcionam uma visão global
do número de estudantes que supostamente frequentam as IES. Elas
permitem perceber as concentrações em cursos, IES e modalidades.
Nos anos de 2003 e 2007 utilizamos os dados referentes ao primeiro
semestre,4 nos anos seguintes o INEP não fez essa diferenciação.
Do ponto de vista das instituições, o INEP as organiza
em Universidades, Centros Universitários, Faculdades, Instituto

Presenciais e à Distância, Cursos Sequenciais de Complementação de


Estudos Presenciais e a Distância e de Instituições.
3. Para tanto foram considerados os casos em que apareceram “alunos com si-
tuação de vínculo ao curso igual a Cursando/a ou Formado/a” (Brasil 2018,
pp. 5).
4. As variáveis utilizadas para o cálculo de matrículas nessas tabelas foram:
2003 EaD: C2021 e C2022; 2003 e 2007 presencial: C0431, C0432, C0433,
C0434; 2007 EaD: C167021 e C167022. Selecionamos os cursos da área
geral Educação que fossem de licenciatura curta, licenciatura plena ou que
fossem da área detalhada Formação de professor da educação básica para
2003 e 2007. Em 2011 e 2015 selecionamos os cursos da área geral Educa-
ção que fossem de licenciatura. Para o cálculo da organização acadêmica,
no ano de 2007 não houve o preenchimento de diversos casos por parte das
IES. Em razão disso localizamos manualmente no site do e-MEC e incluí-
mos os cursos que não tinham o tipo de organização acadêmica especifica-
do, com exceção de 10 cursos presenciais não encontrados. Portanto, haverá
524 matrículas a menos nas tabelas e gráficos que tratarem da organização
acadêmica, em 2007. As variações referem-se a dados não preenchidos no
Censo da Educação Superior de 2007.

194 Editora Mercado de Letras – Educação


Superior e Instituto Tecnológico. Tais denominações não
correspondem às da legislação que organiza o Ensino Superior
em três formas: Universidade; Centro Universitário e Faculdades
(Brasil 2006). Segenreich (2017) assinala que a organização
institucional após 1995 somou 11 tipos: Universidade; Centros
de Educação Tecnológica (CET); Centros Federais de Educação
Tecnológica (CEFET); Centros Universitários; Cursos Superiores
de Tecnologia; Estabelecimentos Isolados/Faculdades/Institutos;
Faculdades de Tecnologia; Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia.
Outro aspecto fundamental, refere-se à natureza jurídica
institucional, privadas e públicas. As privadas comportam
instituições sem fins lucrativos5 – confessionais, comunitárias
e filantrópicas – e instituições com fins lucrativos denominadas
particulares. Nesse quesito, uma dificuldade se colocou, pois não se
menciona o proprietário da mantenedora da IES, expondo-se apenas
seu nome fantasia. O Centro Universitário Candido Rondon, por
exemplo, tem seu e-mail cadastrado pela Kroton Educacional. Não
raro, a filiação religiosa das instituições não é encontrada em sua
denominação, mas nas suas mantenedoras.

Um caso ilustrativo

O caso das IES comunitárias, confessionais e filantrópicas6


é particularmente complexo. Ao somarmos as matrículas dessas
variáveis, o resultado não corresponde à soma de todas as privadas

5. Davies (2016, pp. 137) alerta que devemos ter cautela quanto a essa distinção,
“pois as instituições que se denominam e são classificadas legalmente como
sem fins lucrativos ocultavam e ocultam seus lucros sob várias formas”.
6. A distinção dos tipos de IES expostas na LDBEN (Brasil 1996) são tidas por
Davies (2017) como frouxas, haja vista que “As filantrópicas são as únicas
com fundamento jurídico definido”.

Desventuras dos professores na formação para o capital 195


sem fins lucrativos. Estas são classificadas em mais de uma categoria
administrativa simultaneamente; isso ocorreu em 92.832 matrículas
em licenciatura em 2003 e 187.272 em 2007. Em 2010, o INEP
suspendeu essa informação no Censo da Educação Superior;7 em
2011 e 2015 a divisão entre as três não estava mais disponível nos
microdados. Uma explicação para essas divergências reside nas
formas de isenção fiscal e de tributos para cada uma delas, podendo
ser de seu interesse a dupla ou tripla certificação. De acordo com
Davies (2016, pp. 139), “As isenções são variáveis em função das
três classes de IES: (a) com fins lucrativos, (b) sem fins lucrativos que
não sejam filantrópicas e (c) filantrópicas”. Isto é, uma mantenedora
pode ser filantrópica, confessional e comunitária ao mesmo tempo –
caso da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP (Barroso
e Fernandes 2007).
Percebemos que o que era denominado máscara como
número identificador das IES não tinha relação com o seu número
ou o código de sua mantenedora, como classificado desde 2010.8
A limitação imposta pela forma de exposição e coleta de dados do
INEP redundou em outras estratégias de pesquisa para minimamente

7. De acordo com o INEP (Brasil 2018), as alterações nos nomes das opções na
forma de coleta dessa variável datam de 2010: “De: 4.‘Particular em sentido
estrito’ para ‘Privada com fins Lucrativos’ 5. ‘Privada Confessional’ para
‘Privada sem fins Lucrativos’. 6. ‘Privada Comunitária’ para ‘Privada sem
fins lucrativos’”.
8. As formas jurídicas das mantenedoras privadas não constam no Censo. Em
2009 eram dispostas em seis: “1. Pessoa Jurídica de Direito Privado - Sem
fins lucrativos - Associação de Utilidade Pública; 2. Pessoa Jurídica de Di-
reito Privado - Sem fins lucrativos – Fundação; 3. Pessoa Jurídica de Direito
Privado - Sem fins lucrativos – Sociedade; 4. Pessoa Jurídica de Direito
Privado - Com fins lucrativos – Associação de Utilidade Pública; 5. Pessoa
Jurídica de Direito Privado – Com fins lucrativos - Sociedade Civil; 6. Pes-
soa Jurídica de Direito Privado – Com fins lucrativos – Sociedade Mercantil
ou Comercial” (Barroso e Fernandes 2007, pp. 51).

196 Editora Mercado de Letras – Educação


conhecermos esse universo. Consultando o site do e-MEC9
verificamos que comunitárias, confessionais ou filantrópicas
estavam classificadas como privadas sem fins lucrativos.10
Adicionalmente, utilizamos a página eletrônica da Associação
Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) e encontramos 60
mantenedoras confessionais que ofereciam cursos de licenciatura
em 2015. Complementamos as informações com dados oferecidos
pelo trabalho de Barroso e Fernandes (2007, pp. 67-69). Na página
da CGU encontramos informações relativas a 38 confessionais
(CGU). Ademais, consultamos as páginas das instituições, caso do
Instituto Superior de Educação Faceten Ltda-ISEF-ME. No e-MEC
aparece como privada sem fins lucrativos, como não confessional,
filantrópica ou comunitária. De fato, é uma IES confessional e sua
mantenedora, em 2002, era a Igreja Evangélica Assembleia de Deus
de Boa Vista (Faceten 2002). Em 2009 alteraram a mantenedora,
embora o mantenedor jurídico seja o mesmo em todo o período
(Faceten).

9. Segundo o portal do MEC, o “e-MEC foi criado para fazer a tramitação


eletrônica dos processos de regulamentação. Pela internet, as institui-
ções de educação superior fazem o credenciamento e o recredenciamen-
to, buscam autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento
de cursos. Em funcionamento desde janeiro de 2007, o sistema permite a
abertura e o acompanhamento dos processos pelas instituições de forma
simplificada e transparente.” Disponível em: http://portal.mec.gov.br/e-me-
c-sp-257584288. Acesso em: 10/01/2019.
10. Citamos o Instituto Presbiteriano Mackenzie: a instituição de São Paulo é
confessional; no Rio de Janeiro e em Brasília, não constava nenhuma opção
sem fins lucrativos. A Associação Diocesana de Ensino e Cultura de Caruaru
e o Instituto Educacional Seminário Paulopolitano aparecem no e-MEC sem
ser nas três opções, mas em seus documentos aparecem como confessionais.
Mesmo caso da Associação Educacional e Cultural de Quixadá e da Funda-
ção São Miguel Arcanjo cuja mantida é a Faculdade Católica de Anápolis. A
Congregação de Santa Doroteia do Brasil, o Instituto Metodista de Ensino
Superior e a Associação Instrutora Missionária aparecem como comunitá-
rias no e-MEC e como confessional em suas páginas eletrônicas.

Desventuras dos professores na formação para o capital 197


Algumas IES e mantenedoras são associadas da ANEC,
mas não aparecem como confessionais no e-MEC. São óbices que
dificultam maior exatidão, especialmente porque tais informações
desapareceram nos Censos da Educação Superior em 2010
(Brasil 2018). Os dados são preenchidos de forma incompleta11
e as páginas das IES não costumam apresentar suas vinculações
confessionais de forma explícita, mesmo quando mantidas por
instituições religiosas. Assim, consideramos confessionais aquelas
associadas à ANEC, presentes no e-MEC, nos trabalhos de Barroso
e Fernandes (2007), de Costa (2011) e também as que constavam
em suas páginas como tais.
Costa (2011) havia constatado que as IES confessionais
saltaram de 64 em 2000 para 148 em 2009, o que nos levou a
pensar em utilizar os números que as identificam em 2003 e 2007.
Entretanto, suas identificações não têm qualquer relação com as
que se sucederam após 2010. Arduini (2017, pp. 63) argumenta
que “Um estudo com tais características precisa enfrentar uma
dificuldade básica, a saber: a inexistência de uma categoria
específica para classificar as universidades com algum vínculo
religioso nos cadastros publicados pelos órgãos que regulam o
setor”. Tais dificuldades impediram o conhecimento da expansão
e fortalecimento político das igrejas evangélicas. Resta claro que
elaborar uma síntese acerca das confessionais, filantrópicas e
comunitárias é bastante difícil.

11. A Fundação Educacional de Penápolis estava como privada sem fins lucra-
tivos no Censo e no e-MEC como pública municipal de direito privado. Ou-
tras questões são difusas como o caso da mantenedora Guatag – Sociedade
de Assistência Educacional Ltda. que mantém duas IES sem fins lucrativos
sem definição e uma com fins lucrativos. A Fundação Astorga Educação
Para Todos também não tem definição no e-MEC.

198 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 1 – Número de matrículas e percentual
de crescimento em cursos de licenciatura em IES confessionais
por modalidade de ensino –2003, 2007, 2015 – Brasil

Ano Presencial EaD TOTAL

N ∆ ∆% N ∆ ∆% N ∆ ∆%

2003 48476 - - 14498 - - 62974 - -

2007 43590 -4886 -10% 57150 42652 294% 100740 37766 60%

2015 40722 -2868 -7% 19550 -37600 -66% 60272 -40468 -40%

Fonte: Brasil, INEP (2003, 2007, 2015).


Nota: Elaboração própria.
Nota específica: ∆% representa variação percentual e ∆ variação.

O resultado final, mas não necessariamente completo, é o que


segue: nas confessionais, as matrículas em licenciaturas cresceram
37.766 (60%) de 2003 para 2007, com redução das presenciais em
4.886 (10%) e aumento na EaD em 42.652 (294%). De 2007 a 2015,
houve redução de 40.468 matrículas, sendo maior a redução na EaD
(-37.600) do que na presencial (-2.868). As confessionais parecem
ter perdido espaço na formação de professores de 2007 para 2015
na modalidade EaD e em menor escala na presencial. Em números
gerais, reduziu sua participação na licenciatura presencial de 5,34%
para 4,5%, mas entre as privadas seu percentual de participação
cresceu de 9,35% para 9,82% (Tabela 1).

O grau acadêmico e a modalidade de ensino

No que toca à organização acadêmica, Segenreich (2017)


cita: bacharelados interdisciplinares; licenciaturas; sequenciais;
presencial; a distância; mestrado profissional; disciplinas a
distância em cursos presenciais; Universidade Aberta do Brasil;
Parfor. O que nos interessou foi a licenciatura, pública e privada,

Desventuras dos professores na formação para o capital 199


presencial e a distância, embora a Área Educação comporte alguns
bacharelados. Aqui também encontramos dificuldades. Nos anos de
2003 e 2007, as licenciaturas não apareceram como categoria nas
sinopses. Utilizava-se a área geral Educação e as áreas detalhadas e
específicas. Em 2011 e 2015, surgiram na sinopse e não mais a área
geral Educação. Inicialmente, usamos como critério a área Educação
e nela as licenciaturas, porém em 2003 e 2007 havia incoerência
quanto ao número de casos e talvez erros de preenchimento. Em
2011 e 2015 foram incorporadas oficialmente as categorias da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) para internacionalizar e comparar dados que não existiam
em 2003 e 2007.
Em relação aos cursos, em 2015, mapeamos todas as
denominações dadas às licenciaturas, 229 unificadas em 40 se
utilizarmos a padronização da OCDE. As duas com maior número
de matrículas são Pedagogia (652.100) e Formação de professor
de Educação Física (167.668) que somam 55,8% das matrículas. A
licenciatura com menor número de matriculados foi Formação de
Professor em Segurança Pública (9).
O INEP (Brasil 2018), em meados de 2009, criou novas
variáveis para comparações com países que compõem a OCDE,
entre elas a NO_OCDE que classifica a variável “Nome do curso, a
partir da tabela OCDE (Programas e/ou Cursos)”. Nos anos de 2003
e 2007 utilizamos a variável NOMEAREACURSO que corresponde
aproximadamente a NO_OCDE. A título de exemplo, se utilizarmos
a variável com o nome do curso (NOMEDOCURSO), em 2003 nos
presenciais, eram 865 cursos e 59 com a variável NOMEAREACURSO.
Nas Tabelas 2, 3, 4 e 5 podemos perceber a mudança com a
apresentação dos nomes de cursos com as distintas variáveis, de
2003 e 2007 e de 2011 e 2015.

200 Editora Mercado de Letras – Educação


Tabela 2 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por modalidade de ensino,
curso e categoria administrativa – 2003 – Brasil

Privada sem fins


Pública Particular
  lucrativos

  Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

Pedagogia 94093 15.478 96747 - 78633 -

Formação de professor de letras 52551 - 40375 - 40496 -

Normal superior 21424 10.297 26412 11.822 6110 2.653

Formação de professor de educação física 22231 - 13625 - 26312 -

Formação de professor de história 26583 - 9721 - 11678 -

Formação de professor de matemática 25691 1.624 7859 - 12052 -

Formação de professor de biologia 14013 - 8786 - 12363 -

Formação de professor de ciências 17724 - 6444 - 7979 -

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de geografia 19944 - 4861 - 5209 -

Formação de professor das séries iniciais do ensino fundamental 11374 9.168 103 - - -

Formação de professor do ensino fundamental 18592 - - - 27 -

201
Formação de professor de artes (educação artística) 6330 - 2042 - 2024 -

Formação de professor de química 5927 - 905 - 1409 -

Formação de professor de física 6646 128 331 - 1006 -

Formação de professor de língua/literatura vernácula (português) 6882 - - - 40 -

Formação de professor de filosofia 2309 - 1517 - 2643 -

Formação de professor para a educação básica 3621 290 906 - 1425 -

Formação de professor de estudos sociais - - 2803 - 1727 -

Formação de professor de educação infantil 2584 - 158 475

Formação de professor de computação (informática) 1255 - 818 - 698 -

Formação de professor de educação infantil e séries iniciais do ensino


fundamental 1264 - 0 1076

Formação de professor de língua/literatura vernácula e língua estrangeira


moderna 1753 - - - 440 -

Formação de professor em ciências sociais 1163 - 242 - 613 -

Formação de professor de língua/literatura estrangeira moderna 1758 - - - 31 -

Formação de professor de enfermagem 520 - 552 - 447 -

202 Editora Mercado de Letras – Educação


Formação de professor de fisioterapia 1435

Formação de professor de música 1121 - 49 - 93 -


Formação de professor de disciplinas profissionalizantes do ensino médio 772 - 75 342

Formação de professor de educação física para educação básica - - 179 - 785 -

Formação de professor de matérias pedagógicas 696 - 158 95

Formação de professor do ensino médio 578 - 270 - 0 -

Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 188 - 0 - 567 -

Formação de professor de educação especial 539 - - - 161 -

Formação de professor de artes plásticas 618 - - - 62 -

Formação de professor em fonoaudiologia 607

Formação de professor de artes visuais 385 - 80 - 133 -

Formação de professor de psicomotricidade 401

Formação de professor de agronomia 377 - -

Formação de professor de teatro (artes cênicas) 342 - - - - -

Formação de professor de educação religiosa 326 - - - - -

Formação de professor de dança - - - - 288 -

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de educação artística para educação básica 214

Formação de professor em segurança pública 170 - - - - -

Formação de professor de disciplinas do setor primário (agricultura,


pecuária etc 164 - - - 0 -

203
Formação de professor de zootecnia - 128

Formação de professor de desenho 95 - - - - -

Administração educacional - - 68 23 - -

Educação infantil - 77

Formação de professor de psicologia - - 56 - - -

Formação de professor de sociologia 50 - - - - -

Formação de professor de língua/literatura estrangeira clássica 40 - - -

Formação de professor de canto 26 - - -

Formação de professor de decoração - 26

Formação de professor de construção civil 23 - -

Educação especial - 16

Formação de professor de economia doméstica 16

Formação de professor de eletricidade 15 - - -

Formação de professor de mecânica 9 - - -

Total 372766 36985 228815 11845 217686 2653

204 Editora Mercado de Letras – Educação


Fonte: Brasil, INEP (2003). [Nota: Elaboração própria]
Tabela 3 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por modalidade de
ensino, curso e categoria administrativa – 2007 – Brasil

Privada sem fins


  Pública Particular
lucrativos

  Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

Pedagogia 97710 20321 114224 45864 57187 77000

Formação de professor de letras 51347 8615 45632 6312 28219 8971

Formação de professor de educação física 23020 193 37505 - 35972 220

Formação de professor de matemática 31304 8368 13117 3976 11698 716

Normal superior 14685 6458 8107 21641 13957 -

Formação de professor de biologia 21972 4620 12422 3429 14262 819

Formação de professor de história 24857 - 12512 6558 11873 558

Formação de professor de geografia 17927 306 6044 3342 4447 315

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de ciências 11865 - 4099 486 3368 -

Formação de professor de química 10736 1314 1747 119 2574 245

Formação de professor de física 9758 2343 846 292 1281 115

205
Formação de professor de artes (educação artística) 4510 - 3309 884 1979 -
Formação de professor de filosofia 2508 102 2158 824 3246 1114

Formação de professor de língua/literatura vernácula (português) 4501 95 857 2051 367 0

Formação de professor de língua/literatura vernácula e língua estrangeira


2343 - 201 3620 475 68
moderna

Formação de professor de computação (informática) 2954 - 416 - 1454 367

Formação de professor de música 3425 203 93 - 596 33

Formação de professor de artes visuais 1175 253 1383 - 809 -

Formação de professor de língua/literatura estrangeira moderna 2842 - 94 - 129 -

Formação de professor de estudos sociais 731 - 1746 - 445 -

Formação de professor para a educação básica 709 66 442 - 1209 -

Formação de professor de enfermagem 476 - 145 - 904 -

Formação de professor em ciências sociais 777 - 108 - 368 71

Formação de professor de teatro (artes cênicas) 870 119 79 - 123 -

Formação de professor de educação infantil 110 974 - - 30 -

Formação de professor de disciplinas profissionalizantes do ensino médio 407 97 73 - 243 163

206 Editora Mercado de Letras – Educação


Formação de professor de educação infantil e séries iniciais do ensino
929 - - - 18 -
fundamental

Administração educacional 929 - 0 - - -


Formação de professor de disciplinas do setor primário (agricultura,
866 - - - 5 -
pecuária etc

Formação de professor das séries iniciais do ensino fundamental 782 - - - - -

Formação de professor de matérias pedagógicas 769 - 0 - 13 -

Formação de professor do ensino médio 600 - 99 - 0 55

Formação de professor do ensino fundamental 0 - - - 75 583

Formação de professor de educação religiosa 471 120 - - 54 -

Formação de professor de artes plásticas 493 - - - 70 -

Formação de professor de psicologia 285 - 245 - - -

Formação de professor de educação especial 156 104 - - 260 -

Formação de professor de dança 83 - - - 162 -

Formação de professor de sociologia 166 - 57 - - -

Formação de professor de educação física para educação básica - - 186 - - -

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de nutrição e dietética - - 167 -

Formação de professor em ciências ambientais 137 - - - - -

Formação de professor de desenho 89 - - - - -

207
Educação infantil - - - - 63 -
Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 60 - - - - -

Formação de professor em segurança pública 31 - - - - -

Formação de professor de eletrônica 17 - - - - -

Formação de professor de educação artística para educação básica - - 14 - - -

Formação de professor de construção civil 1 - - - - -

Formação de professor de eletricidade 1 - - - - -

Total 350.384 54.671 267.960 99398 198.102 91.413

Fonte: Brasil, INEP (2003). [Nota: Elaboração própria]


Nota especial: Utilizamos a variável NOMEAREACURSO.

Tabela 4 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por modalidade de ensino,


curso e categoria administrativa – 2011 – Brasil

Privada sem fins


Pública Particular
  lucrativos

  Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD

Pedagogia 97.383 34.332 89.214 40.274 112.744 106.942

208 Editora Mercado de Letras – Educação


Formação de professor de educação física 32.041 2.696 28.617 - 57.635 2.280

Formação de professor de biologia 43.366 8.343 8.741 5.509 23.938 2.060


Formação de professor de língua/literatura vernácula (português) 44.602 12.310 6.447 5.567 9.111 6.634

Formação de professor de matemática 44.568 14.378 4.860 3.408 10.676 4.549

Formação de professor de história 37.344 3.757 5.370 11.638 14.864 3.041

Formação de professor de língua/literatura estrangeira moderna 23.129 5.003 5.365 7.411 9.528 10

Formação de professor de geografia 33.958 4.427 1.487 2.974 4.881 2.638

Formação de professor de língua/literatura vernácula e língua


13.046 510 7.678 491 9.305 6.828
estrangeira moderna

Formação de professor de química 23.934 3.114 1.458 78 5.516 820

Formação de professor de física 19.110 4.961 174 63 1.133 503

Formação de professor de filosofia 9.869 1.198 304 184 5.922 1.462

Formação de professor de artes visuais 5.847 2.105 1.101 2.434 3.625 691

Formação de professor de sociologia 11.047 436 384 346 2.169 1.147

Formação de professor de ciências 11.675 811 511 50 710

Formação de professor de música 6.309 1.034 205 2.315 372

Formação de professor de computação (informática) 5.116 1.979 419 481 696 253

Desventuras dos professores na formação para o capital


Formação de professor de artes (educação artística) 2.264 263 317 - 1.227 2.864

Licenciatura Intercultural Indígena 3.955 - - - - -

Formação de professor de teatro (artes cênicas) 3.256 292 250 - 65 -

209
Formação de professor de enfermagem 1.435 53 807 - 336

Formação de professor de disciplinas do setor primário (agricultura,


1.156 922 - - - -
pecuária etc

Formação de professor de dança 1.580 145 334

Licenciatura para a educação profissional e tecnológica 950 - 1 - 127 422

Formação de professor das séries iniciais do ensino fundamental 550 671 - - - -

Formação de professor de educação religiosa 1.055 76 - - 17

Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 815 - - - - -

Formação de professor de artes plásticas 352 182 70

Formação de professor em segurança pública 48 - - - - -

Formação de professor de desenho 43 - - - - -

Formação de professor de geologia 7 - - - - -

Formação de professor de ciência política 3 - - - - -

Formação de professor de antropologia 2 - - - - -

Formação de professor de estatística 1 - - - - -

TOTAL 479.816 103.853 163.925 180.908 276.874 143.516

210 Editora Mercado de Letras – Educação


Fonte: Brasil, INEP (2011). [Nota: Elaboração própria]
Nota especial: Utilizamos a variável NO_OCDE.
Tabela 5 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por modalidade de ensino,
curso e categoria administrativa – 2015 – Brasil

Privada sem fins lucra-


  Pública Particular
tivos
  Presencial EaD Presencial EaD Presencial EaD
Pedagogia 101.582 25.972 107.465 230.204 101.166 85.711

Formação de professor de educação física 32.964 1.657 39.488 36.660 53.800 3.099

Formação de professor de história 36.081 5.640 7.288 20.402 12.775 5.505


Formação de professor de biologia 46.906 7.051 5.720 6.626 14.503 2.508
Formação de professor de matemática 43.443 11.165 3.794 12.537 6.933 4.865
Formação de professor de língua/literatura vernácula
42.098 9.484 4.723 12.204 6.618 2.903
(português)
Formação de professor de geografia 30.840 3.801 1.478 9.214 3.341 3.088

Formação de professor de língua/literatura estrangeira

Desventuras dos professores na formação para o capital


21.409 6.195 3.176 6.354 5.205 155
moderna

Formação de professor de língua/literatura vernácula e


13.847 1.167 7.054 5.032 7.057 4.883
língua estrangeira moderna
Formação de professor de química 26.869 2.671 1.130 314 3.144 1.042

211
Formação de professor de física 20.189 2.000 203 189 896 835
Formação de professor de filosofia 9.719 2.484 198 1.904 3.844 1.627
Formação de professor de artes visuais 6.836 730 1.443 5.850 2.729 1.112
Formação de professor de sociologia 10.674 302 220 1.636 965 1.984
Formação de professor de música 8.137 478 473 - 3.512 2.665
Formação de professor de ciências 10.242 795 328 1 80
Formação de professor de computação (informática) 5.876 3.245 155 905 297 517
Formação de professor de teatro (artes cênicas) 4.479 159 275 - 244 -
Formação de professor de artes (educação artística) 759 104 62 - 981 3.229

Formação de professor das séries finais do ensino fundamental 3.851 220 - - - -

Formação de professor de dança 2.154 - 30 328

Formação de professor de disciplinas do setor primário


1.305 836 - - - -
(agricultura, pecuária, et

Formação de professor das séries iniciais do ensino fun-


1.964 - - - - -
damental
Licenciatura Intercultural Indígena 1.545 - - - 19 -
Formação de professor de psicologia 622 - 393 - 411
Formação de professor de educação especial 983 70 134 - 23 -
Formação de professor de enfermagem 700 - 75 - 364 -

212 Editora Mercado de Letras – Educação


Formação de professor de estudos sociais 1.106 - - - - -
Licenciatura para a educação profissional e tecnológica 593 7 - - 8 372
Formação de professor de letras 138 516 110 - 44 -
Formação de professor de educação religiosa 666 - - - 12 -
Formação de professor de artes plásticas 350 -
Formação de professor do ensino fundamental 280 - - - 16 -

Formação de professor em ciências sociais 77 - - - - -

Formação de professor para a educação básica 22 53 - - - -


Formação de professor de linguística 63 -
Licenciatura Intercultural 63 - - - - -
Formação de professor do ensino médio 56 - - - - -
Formação de professor de educação física para educação básica 20 - - - - -
Formação de professor em segurança pública 9 - - - - -
Total 489.517 86.802 185.415 350.032 229.315 126.100

Fonte: Brasil, INEP (2011). [Nota: Elaboração própria]

Nota especial: Utilizamos a variável NO_OCDE.

Desventuras dos professores na formação para o capital


213
Dados que não aparecem

Compilar, organizar e interpretar as informações, ainda


que com algumas inconsistências, articuladamente às demais
informações acerca das políticas educacionais de expansão das
licenciaturas em nível superior, foi bastante complexo. Ao final
do trabalho, todos os dados coletados e análises produzidas não
couberam no espaço oferecido pelo CNPq para apresentação do
relatório final, alguns deles inserimos no Apêndice do presente livro.
Do esforço desenvolvido, inúmeras conclusões foram
retiradas, acentuando-se aqui a principal: ficou evidente o
movimento crescente, entre 2003 e 2015, da entrega da formação
docente inicial à iniciativa privada, bem como o fenômeno da
explosão das instituições particulares. Nestas, um novo molde de
oferta de cursos de licenciatura nasceu, qual seja, aquele em que o
estudante importa menos que o valor das instituições educacionais
e a potência de compra e venda das matrículas em si mesmas,
descarnadas dos sujeitos que lhes dão suporte.
As matrículas e as IES particulares figuram como “itens
de portfólio”, cartas no baralho dos fundos de investimentos e
nas ofertas públicas de ações nas bolsas de valores, onde impera
a valorização sob a forma fictícia desses capitais. Desigualdades,
concentrações, carências e desequilíbrios, em termos de divisão de
recursos econômicos e de professores, não foram resolvidos pela
política de expansão do ensino superior alardeada pelo Aparelho de
Estado e responderam mais às demandas da concentração de capital,
interna e externamente, do que à necessidade de formação de jovens
e de professores no país.

Referências

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Ensino Superior.” Pro-prosições, vol. 28, no 3. Campinas:
FE, Unicamp. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.

214 Editora Mercado de Letras – Educação


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Acesso em: 14/01/2019.
BARROSO, H. M. e FERNANDES, I. R. (2007). Mantenedoras
educacionais privadas: Histórico, organização e situação
jurídica. Documento de Trabalho nº 67. Rio de Janeiro:
Observatório Universitário. Disponível em: http://bit.
ly/2t6JTWk. Acesso em: 24/12/2018.
BRASIL (1997-2017). Microdados do Censo da Educação
Superior. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Ministério da
Educação (MEC). Disponível em: http://bit.ly/2t6ae6V.
Acesso em: 14/10/2017.
________. (2006). Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006. Dispõe
sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e
avaliação de instituições de educação superior e cursos
superiores de graduação e sequenciais no sistema federal de
ensino. Brasília: Diário Oficial da União. Disponível em:
http://bit.ly/2t4FSlg. Acesso em: 21/02/2017.
________. (2018). Microdados do Censo da Educação Superior.
Brasília: MEC/INEP. Disponível em: http://bit.ly/2t6ae6V.
Acesso em: 14/01/2019.
COSTA, M. G. S. (2011). A configuração organizacional-
administrativa de Instituições de Ensino Superior
Confessionais no Estado de Pernambuco, à luz do Modelo
Multidimensional-Reflexivo. Dissertação de Mestrado
em Administração. Recife: Universidade Federal de
Pernambuco.. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/
bitstream/123456789/1249/1/arquivo5670_1.pdf. Acesso
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DAVIES, N. (2016). “O financiamento público às instituições
privadas de ensino.” Agenda Social, vol. 10, pp. 134-
146. Brasília: UENF. Disponível em: http://www.

Desventuras dos professores na formação para o capital 215


revistaagendasocial.com.br/index.php/agendasocial/article/
download/240/156. Acesso em: 10/02/2019.
DAVIES, N. (2017). O financiamento público às escolas
privadas. Curitiba: UFPR. Disponível em: http://www.
redefinanciamento.ufpr.br/antigo/nic7.htm. Acesso em:
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ENGELS, F. (1845[2010]). A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra. São Paulo: Boitempo.
GRANEMANN, S. (2007). “Políticas sociais e financeirização dos
direitos do trabalho.” Em Pauta, no 20. Rio de Janeiro: UERJ,
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SEGENREICH, S. C. D. (org.) (2017). Organização institucional
e acadêmica da educação: glossário. Rio de Janeiro: Publit.

216 Editora Mercado de Letras – Educação


POSFÁCIO

Zanardini

A escola do mundo ao avesso é a mais democrática das


instituições educativas. Não requer exame de admissão, não
cobra matrícula e dita seus cursos, gratuitamente, a todos e
em todas as partes, assim na terra como no céu: não é por
nada que é filha do sistema que, pela primeira vez na história
da humanidade, conquistou o poder universal.
Na escola do mundo ao avesso o chumbo aprende a flutuar e
a cortiça a afundar. As cobras aprendem a voar e as nuvens a
se arrastar pelos caminhos.
(Eduardo Galeano, De pernas pro ar, a escola do mundo
ao avesso, 2015)

O rompimento e desvelo da pseudocroncreticidade das ações


do Estado, do escopo das políticas sociais que dele emanam, no
caso deste livro as políticas educacionais de formação, se torna
imperioso, sobretudo no momento atual, no qual são colocados na
mesma balança o conhecimento científico e as mais absurdas formas
dogmáticas de apresentação da realidade. Qualquer boato nos dias
que correm compete com verdades comprovadas pela experiência
científica; em outros termos, uma densa névoa intenta encobrir e
obstaculizar a possibilidade de compreensão e crítica dessa mesma
realidade pela fração cada vez mais expropriada da sociedade.

Desventuras dos professores na formação para o capital 217


A “democratização do acesso ao ensino superior”,
supostamente levada a cabo no Brasil em meados dos anos 2000,
coadunou-se com um ambicioso projeto de expansão do mercado
educacional de formação que vicejou na esfera privada e contou
ainda com a crescente expansão da modalidade de Educação a
distância atrelada à fertilização do capital financeiro inundando as
relações educativas. Se no passado não tão distante, as Universidade
Públicas eram tidas como “camisa-de-força impeditiva de outras
formas de desenvolvimento de ciência e tecnologia”, esse processo
conta hoje com um movimento de demonização das Universidades
públicas que teriam se “convertido em malditas fábricas de
militantes”, bem ao gosto da incapacidade de um juízo melhor que
grassa no atual governo brasileiro.
A crescente onda privatizante, marca indelével do capital, que
intenta transformar toda e qualquer relação social em uma relação
mercadológica, incidiu de forma decisiva no processo de formação
de professores, sobretudo a partir de meados dos anos 1990. Como
restou demonstrado, não foi obra de apenas uma gestão ou de apenas
um partido; tratou-se, sim, de uma orquestrada e competente política
do Estado brasileiro, cada vez mais submisso aos ditames do capital.
Por que importa tanto aos exitosos homens de negócio
interferir e formatar o processo de formação docente que, via de
regra, atuarão em escolas públicas e, portanto, serão os responsáveis
pela educação de parte substantiva dos trabalhadores? O que esconde
a venda deliberada de certificados ocos de conteúdo, atestados de
deformação, uma vez que aligeiram e agudizam a precária situação
de boa parte dos estudantes brasileiros?
Como forma de levar a cabo essa tarefa, componente do
projeto político da agenda global do capital ou do “capital educador”,
como neste livro definido, foi imprescindível a ação de intelectuais e
Organizações Multilaterais no ditame e na defesa do que desejavam
como conteúdo da formação do professor a ser educado/adestrado
consoante a esse projeto. Tal ação contou com a competente
intervenção de grandes instituições privadas materializadas em
verdadeiros conglomerados de dominação do que deve constituir

218 Editora Mercado de Letras – Educação


os currículos e os programas dos cursos de formação, sobretudo no
vertiginoso segmento da Educação a Distância. Essa modalidade
goza da preferência de investidores internos e externos do capital
financeiro, processo definido aqui como de “financeirização do
Ensino Superior”.
Com o advento e a tendência cada vez mais expressiva da
oferta de educação na modalidade a distância, quer seja no espaço
privado ou no público, o que se pode concluir é que a distância
que separa os trabalhadores da apropriação científica da realidade,
para sua posterior análise crítica, tende a aumentar ainda mais. E,
para além de garantir ao capital mais um nicho de realização de
lucro, é essa a distância que se tem em mente, quando se relega ao
trabalhador uma escolarização precarizada e esvaziada que em geral
esses processos aligeirados encerram.
Ainda é exclusivamente no espaço escolar que os filhos da
classe trabalhadora podem ter a oportunidade de se apropriarem
do conhecimento produzido coletivamente e apropriado por uma
minoria. Logo, qualquer alteração negativa dessa possibilidade incide
decisivamente na desigual distribuição de riquezas que também se
materializa na escola. Como poderá o aluno da escola pública se
apropriar dos conteúdos científicos necessários para a compreensão,
crítica e superação da sua condição de elemento de classe subalterna?
Não intentamos hipertrofiar a possibilidade emancipatória da educação;
a educação não pode ser compreendida como revolucionária em si,
mas sem a possibilidade coadjuvante da mesma, como se solidifica a
condição subjetiva dos filhos dos trabalhadores, necessária ao processo
mais amplo que chamamos de revolução?
O ato da humanização se dá pela apropriação do conteúdo
que foi produzido historicamente pelo coletivo da humanidade e
que é tratado como propriedade particular. O saber científico se
coloca, então, como uma importante aquisição no processo de fazer-
se homem do homem. Uma vez que esse fator lhe é negado, ou que
sua apropriação se dê de forma reduzida ou precária, é a própria
condição humana que está em jogo.

Desventuras dos professores na formação para o capital 219


Todos nós realizamos com maior ou menor consciência
um movimento de leitura de mundo que indica, de certa forma, a
consciência de que dispomos, não apenas dos fatos isolados, mas
daquilo que chamamos de real. Não obstante o fato de que essa visão
de mundo é determinada por relações sociais mais amplas, ela tem o
poder dialético de retroação na medida em que parte substancial de
nossas ações são reflexos de nossa visão de mundo.
Bom, pensemos por um instante na nossa trajetória escolar,
no processo de formação pelo qual passamos e no nosso caminho em
busca do desvelar científico dos acontecimentos mundanos. É óbvio
que nossa visão de mundo não é fidedigna, e nunca será. Lembremos
de Marx quando afirmava que se a essência e a aparência das coisas
coincidissem toda ciência seria vã. Como seria nossa leitura de
mundo, sem o aporte, mesmo que por vezes deficitário, do qual
fomos nos apropriando nos bancos escolares, de temas ligados à
ciência, bem como os próprios da história, da filosofia, da sociologia
e demais componentes curriculares, aos quais fomos apresentados
no processo de formação pelo qual passamos?
Pois bem, como fica essa possibilidade aos nossos pares
que a partir de agora frequentarão a escola e serão educados por
professores formados em cursos como os de Pedagogia que, segundo
dados apresentados pelos autores da obra em exame, contava em
2015 com 80,4% de suas matrículas na rede privada, se aos mesmos
foi obstaculizado um processo sólido de formação. O que está
em jogo de forma correlata com a pauperização da formação é a
pauperização teórica de toda uma classe.
De resto, descortinar a aparência que ofusca a intenção do
Estado por meio da ação de seus subsequentes governos serviçais
e dos apologetas do modo de produção capitalista é tarefa mister
para todos que intentam ingressar na luta por um projeto alternativo
de sociedade. Um projeto que se oponha a essa férrea e implacável
lógica destrutiva ou, pelo menos, que no âmbito republicano
recoloque e recondicione o direito de que os futuros professores da
classe trabalhadora acessem e se apropriem de uma formação densa
em termos de conteúdo.

220 Editora Mercado de Letras – Educação


APÊNDICE
Tabela 1 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por cor/raça, modalidade e categoria administrativa – 2011 – Brasil

Pública Privada sem fins lucrativos Particular Total %


 
Presencial 479.816 276.874 163.925 920.615 100,0
Amarela 3.887 1.394 1.532 6.813 0,7
Branca 88.834 58.602 30.587 178.023 19,3
Indígena 1.535 305 367 2.207 0,2

Não declarado 102.858 98.881 64.967 266.706 29,0


Não dispõe da informação 181.693 84.791 33.559 300.043 32,6
Parda 79.064 26.567 27.110 132.741 14,4
Preta 21.945 6.334 5.803 34.082 3,7
EaD 103.853 143.516 180.908 428.277 100,0
Amarela 502 857 491 1.850 0,4
Branca 16.393 25.352 27.438 69.183 16,2
Indígena 177 214 157 548 0,1
Não declarado 22.220 71.551 40.474 134.245 31,3
Não dispõe da informação 46.972 31.731 103.916 182.619 42,6
Parda 15.128 11.425 6.659 33.212 7,8

222 Editora Mercado de Letras – Educação


Preta 2.461 2.386 1.773 6.620 1,5

Fonte: Brasil, INEP (2011). [Nota: Elaboração própria]


Tabela 2 – Frequência de matrículas em licenciaturas, por cor/raça, modalidade e categoria administrativa – 2015 – Brasil

Pública Privada sem fins lucrativos Particular Especial Total %


 
Presencial 481.804 229.315 185.415 7.713 904.247 100,0
Amarela 5.767 2.227 3.432 31 11.457 1,3
Branca 128.708 87.306 53.395 3.925 273.334 30,2
Indígena 4.682 887 978 6 6.553 0,7
Não declarado 128.827 69.374 52.212 1.917 252.330 27,9
Não dispõe da informação 28.921 8.427 8.906 626 46.880 5,2
Parda 144.906 47.165 52.933 989 245.993 27,2
Preta 39.993 13.929 13.559 219 67.700 7,5
EaD 85.213 126.100 350.032 1.589 562.934 100,0
Amarela 698 1.586 2.988 10 5.282 0,9
Branca 17.728 52.590 93.650 469 164.437 29,2

Desventuras dos professores na formação para o capital


Indígena 286 499 940 2 1.727 0,3
Não declarado 35.335 26.850 157.894 531 220.610 39,2
Não dispõe da informação 5.397 1.771 31.628 466 39.262 7,0

Parda 21.505 37.941 49.055 89 108.590 19,3

223
Preta 4.264 4.863 13.877 22 23.026 4,1

Fonte: Brasil, INEP (2015). [Nota: Elaboração própria]


Quadro 1 – Programas de Formação Inicial, Continuada, Ações
de Formação Docente e de Acesso ao Ensino Superior – 2003-2014 – Brasil

PROGRAMAS DE FORMAÇÃO INICIAL OBJETIVOS

Programa de Formação de Professores em Exercício – Pro- Curso normal médio; quatro séries iniciais; classes de alfabetização ou Educa-
formação (1997; expandido em 2004) (FNDE-SEED/MEC) ção de Jovens e Adultos; redes públicas de ensino; EaD; atividades presenciais
nas férias escolares/sábados; prática pedagógica; tutores.

Programa de Formação Inicial para Professores em Exercí- Formação inicial; parceria com IES; licenciatura EaD; permanência em exer-
cio no Ensino Fundamental e no Ensino Médio – Pró-Licen- cício nos anos finais do ensino fundamental/ensino médio; sistemas públicos
ciatura (2004) de ensino; UaB.

Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas In- Licenciaturas; professor indígena; escolas indígenas; anos finais do ensino
terculturais – PROLIND/ Educação Indígena (Edital) (2005) fundamental e ensino médio; ensino, pesquisa e extensão; temas relevantes;
línguas maternas, gestão e sustentabilidade das terras e culturas dos povos
indígenas.

Programa de Formação Inicial para Professores em Exercí- Curso normal médio; EaD; sala de aula; educação infantil; creches e pré-es-
cio na Educação Infantil – PROINFANTIL (2005) colas; rede pública; rede privada comunitária, filantrópica ou confessional;
metodologias e estratégias de intervenção pedagógicas.

Programa de Consolidação das Licenciaturas – Prodocência Inovação; científico; tecnológico; formação professor da educação básica; co-
(Edital) - 2006 operação entre unidades acadêmicas interdisciplinares e intersetoriais; elevar
a qualidade da formação; educação superior-educação básica; superar defici-
ências avaliações licenciatura.

Universidade Aberta do Brasil – UAB (Edital) (2006) Licenciatura; EaD; formação inicial; formação continuada; educação básica;

224 Editora Mercado de Letras – Educação


capacitação de dirigentes, gestores e trabalhadores; diferentes áreas do conhe-
cimento; acesso à educação superior pública; estabelecer sistema nacional de
educação superior a distância; desenvolvimento educação a distância; meto-
dologias inovadoras; tecnologias de informação e comunicação.
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – Formação inicial; licenciatura; escolas da rede pública; educação superior-e-
PIBID (Edital) – 2007 ducação básica; experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes;
inovação; interdisciplinar; IDEB; desempenho da escola; Provinha Brasil, Prova
Brasil, SAEB, ENEM; escolas públicas protagonistas; valorizar o magistério.

Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura Formação educadores com ensino médio; escolas do campo; áreas do co-
em Educação no Campo – Procampo (Edital) (2007) nhecimento; alternância tempo/escola-curso e tempo/comunidade-escola do
campo; ingresso e permanência dos profissionais.

Programa de Formação Inicial em Serviço dos Profissionais Cursos técnicos; cursos superiores de tecnologia; preferencial EaD; funcio-
da Educação Básica dos Sistemas de Ensino Público – Pro- nários dos sistemas públicos de ensino; formação inicial e continuada dos
funcionário (2007) profissionais da educação básica.

Rede UAB de Educação para a Diversidade (Edital) (2008) Formação; EaD; educadores e gestores da Educação Básica; diversidade; 17
cursos.

Programa de Formação Inicial e Continuada, Presencial e Formação inicial emergencial; presencial; redes públicas de educação básica;
a Distância, de Professores para a Educação Básica – PAR- EaD; Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente.
FOR (Edital) (2009)

Desventuras dos professores na formação para o capital


Programa Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Criação de laboratórios interdisciplinares IES públicas; formação interdiscipli-
Educadores – LIFE (2012) nar; estimular articulação conhecimentos-práticas-tecnologias educacionais;
domínio e uso de novas linguagens e TICs; aprendizado, socialização e de-
senvolvimento de práticas e metodologias de diferentes disciplinas; espaço
para atividades pedagógicas com alunos das escolas públicas de educação
básica, licenciandos e professores das IES; valorização dos cursos de licencia-

225
tura e de Pedagogia.
PROGRAMAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA OBJETIVOS

Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência Formação inicial; escolas indígenas e do campo; licenciatura Intercultural In-
para a Diversidade – Pibid Diversidade (Edital) (2010) dígena e Educação do Campo; educação básica indígenas, campo, quilombo-
las, extrativistas e ribeirinhas; integração educação superior-educação básica;
diversidade sociocultural e linguística; diálogo intercultural.

Programa de Concessão e Manutenção de Bolsas de Pós- Formação de recursos humanos de alto nível; mestrado, doutorado e pós-dou-
Graduação no País (Edital) (1951-continuação) torado; financiamento das atividades dos cursos de pós-graduação; projetos
de pós-doutorado.

Programa de Cooperação Internacional e Bolsas no Exterior Complementar pós-graduação no país; formação de docentes e pesquisadores
(Edital/acordos de cooperação) (1951-continuação) de alto nível acadêmico.

Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Formação de professores e alunos; educação básica pública. Romper hiato entre
Educação Básica (2004) Educação superior e básica. Articulação de pesquisa, cursos presenciais e EaD.

Programa de Educação Inclusiva: direito à diversidade Formação de gestores e educadores; sistemas educacionais inclusivos, ativi-
(2005) dades presenciais e EaD.

Programa Escolas Bilíngues de Fronteira – PEBF (2005) Escolas de zona de fronteira; educação intercultural; português-espanhol;
argentino-brasileiro; Identidade Regional Bilíngue e Intercultural; cultura de
paz; cooperação interfronteiriça.

Programa de Formação Continuada de Professores das Formação continuada; professor; qualidade de aprendizagem; leitura/escrita e
séries iniciais do Ensino Fundamental – Pró-Letramento matemática; séries iniciais do ensino fundamental; MEC/universidades/ Rede

226 Editora Mercado de Letras – Educação


(2005) Nacional de Formação Continuada.

Observatório da Educação – OBEDUC (Capes; INEP; SECA- IES; programas de pós-graduação; grupos de pesquisa; projetos financiados;
DI) (Edital) (2006) bolsas coordenadores institucionais-estudantes de graduação, mestrado; dou-
torado e professores da rede pública; integração pós-graduação, cursos de
formação de professores e escolas de educação básica.
Programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica / For- Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica; titulação do-
mação de Mestres para a Rede Federal de Educação Profis- cente; pós-graduação; pesquisa e inovação; consolidar Institutos Federais de
sional Científica e Tecnológica – PROJETO GESTOR (2006) Educação, Ciência e Tecnologia.

Programa Institucional de Qualificação Docente para a Titular servidores da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tec-
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecno- nológica; pós-graduação stricto sensu; pesquisa.
lógica – PIQDTEC (2006)

Educação em Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produ- Pesquisa; agroecologia; sistemas orgânicos de produção; formar professores
ção (Edital) (2006) e alunos de nível médio/superior em ciências agrárias; conhecimentos, tec-
nologias e materiais didáticos para comunidade escolar; parcerias; núcleos
de estudo em agroecologia na Rede Federal de Educação Profissional e Tec-
nológica.

Programa Escola de Altos Estudos - 2006 Professores e pesquisadores estrangeiros; cursos monográficos; fortalecer, am-
pliar e qualificar pós-graduação brasileira.

Formação pela Escola – FPE (2006)  Formação continuada; EaD; execução, monitoramento, avaliação, prestação
de contas e controle social dos programas e ações educacionais financiados
pelo FNDE; professor.

Desventuras dos professores na formação para o capital


Projeto Escola que Protege (2006) Direitos de crianças e adolescentes; violências na escola; financia projetos
de formação continuada; profissionais da rede pública de educação básica;
materiais didáticos e paradidáticos.

Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnolo- Inclusão digital; professores, gestores; educação básica pública; comunida-
gia Educacional – Proinfo Integrado (Adesão direta) (2007) de escolar; qualificar processos de ensino e de aprendizagem; competências,
habilidades e conhecimentos; Portal do Professor: TV Escola; DVD Escola;

227
Domínio Público; Banco Internacional de Objetos Educacionais; EaD.
Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola – PP- Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica; titular pro-
GEA (2007) fessores; pós-graduação; pesquisa e inovação; consolidação dos Institutos
Federais.

Programa de Formação Continuada de Professores na Edu- Formar professores da rede pública; atendimento educacional especializado;
cação Especial (Edital; Plano de Ações Articuladas; UAB) salas de recursos multifuncionais; ensino regular; inclusão; EaD; UAB; insti-
(2007) tuições públicas de educação superior.

Política de Formação em Educação de Jovens e Adultos Ampliar, diversificar e melhorar formação continuada; professores das redes
(FNDE/IES) (2007) de ensino públicas.

Programa Escola Ativa – Educação no Campo (Edital; PAR) Melhorar desempenho em classes multisseriadas do campo; apoiar sistemas
(1997/reformulado 2007) estaduais-municipais; recursos pedagógicos e de gestão; propostas pedagógi-
cas e metodologias; formação continuada presencial e em alternância; espe-
cificidades do campo; publicar, adquirir e distribuir materiais pedagógicos.

Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica Formação continuada em serviço; semipresencial; EaD; gestores de escolas
Pública (2009) públicas estaduais e municipais; motivar e envolver comunidade escolar; li-
dar com a diversidade; planejar e inovar em métodos; novas ideias.

Plataforma Paulo Freire (2009?) Acesso ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica;
licenciatura; rede de instituições públicas de ensino superior; Capes.

Programa Mídia e Educação (2009) EaD; formação continuada; uso pedagógico das TICs: TV e vídeo; informática;
rádio e impresso para os professores da educação básica.

228 Editora Mercado de Letras – Educação


Mestrados Profissionais para Professores da Educação Pú- Implantação de mestrados profissionais para professores da educação bási-
blica (2011) ca: ProfMat (Matemática), ProLetras (Português), ProFis (Física), ProfBio (Bio-
logia); Artes, História, Administração Pública, Engenharia; Educação Física
análise.

Residência Docente no Colégio Pedro II e no Colégio de Projeto-piloto; formação do professor da educação básica com até três anos
Aplicação da UFMG (2012) de formado; formação continuada; excelência; desenvolvimento profissional;
qualidade da Educação Básica; certificado de especialização.

Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio Formação continuada de professores; coordenadores pedagógicos; ensino
(2013) médio público; rural e urbano; presencial, na escola; articulado ao Ensino
Médio Inovador.

Escola da Terra (2013) Formação continuada; escolas do campo; comunidades quilombolas; recur-
sos didáticos e pedagógicos, presencial e alternância.

Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC Professor; alfabetização; turmas multisseriadas e multietapa; materiais; refe-
(2013) rências curriculares e pedagógicas; universidades públicas; avaliação e acom-
panhamento da aprendizagem; materiais; melhoria da qualidade do ensino.

Programa de Formação Continuada de Professores e Ges- Formação continuada; extensão, aperfeiçoamento e especialização; presen-
tores nas temáticas de Educação em Direitos Humanos e cial, semipresencial; EaD; educação ambiental, direitos da criança e adoles-
Educação Ambiental – NOVO (2014) cente, gênero e diversidade sexual.

Desventuras dos professores na formação para o capital


PROGRAMAS AÇÕES DE FORMAÇÃO DOCENTE OBJETIVOS

Programa de formação dos professores de alunos meda- Aperfeiçoamento de professores de alunos com talento para ciências exatas;
lhistas da Olimpíada de Matemática – OBMEP na escola bolsa Capes; Olimpíada Brasileira de Matemática nas Escolas Públicas; apren-
(IMPA; MCTI; Capes) (2014) dizagem da Matemática; valorização dos educadores.

229
Programa de Apoio a Eventos no País – PAEP (Mérito) Eventos científicos no Brasil; formação de professores para a educação básica;
(1951-continuação) auxílio financeiro.

Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA Coordenado pela OCDE; avaliação comparada; por áreas do conhecimento;
(1998) ciências; língua materna; matemática; compatibilizado com o IDEB.

Portal de Periódicos (2000-continuação) Planejar, coordenar e executar; informação científica e tecnológica interna-
cional e nacional; assinaturas do conteúdo científico; gratuito.

Rede Nacional de Educação e Ciência: Novos Talentos da Sede na UFRJ; IES; pesquisa; ensino eficiente; metodologias; cursos experi-
Rede Pública (1985) mentais de curta duração; estágios.

Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR I Formação continuada; professores séries iniciais do Ensino Fundamental; qua-
(2001-continuação) lidade do atendimento; escolas públicas; EaD; momentos presenciais.

Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – GESTAR II Professores séries finais Ensino Fundamental; formação continuada semipre-
(2004) sencial; formação Matemática e de Língua Portuguesa; saberes profissionais;
local de trabalho; competência docente e alunos; EaD; autonomia.

Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB (1991-re- Dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Ava-
estruturado 2005) liação Nacional do Rendimento Escolar – Anresc (Prova Brasil); Avaliação
Nacional de Alfabetização (Ana-Provinha Brasil).

Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação Formação dirigentes municipais de educação; equipes técnicas; gestão da
– PRADIME (2006) educação e do sistema municipal; encontros presenciais; curso EaD; Obje-
tivos de Desenvolvimento do Milênio; metas do Marco de Ação de Dacar
(2000) e do PNE (2001-2011).

230 Editora Mercado de Letras – Educação


Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Si- Formado por três eixos: a avaliação das instituições, dos cursos e do desem-
naes (2004) penho dos estudantes de ensino superior (ENADE).

Programa Pró-Equipamentos (Edital) (2007) Modernizar; ampliar; infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica; Pro-
gramas de Pós-Graduação; uso comum e compartilhado de equipamentos.

Rede Interativa Virtual de Educação – RIVED (2007) Produção de conteúdos pedagógicos digitais; objetos de aprendizagem; me-
lhorar a aprendizagem; educação básica; formação cidadã; capacitações para
produzir e utilizar objetos de aprendizagem; IES; rede pública de ensino.

Programa Ética e Cidadania: Construindo Valores na Escola Formação de professores, estudantes e profissionais; textos específicos, docu-
e na Sociedade (2007) mentos e livros; atividades escolares; cursos; formação de equipes; projetos;
ações na escola e na comunidade.

Programa Saúde na Escola – PSE (Adesão) (2007) Formação integral dos estudantes; promoção, prevenção e atenção à saúde;
vulnerabilidades; crianças e jovens; rede pública de ensino; educação per-
manente; capacitação de profissionais da Educação e da Saúde e de jovens.

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB Aprovação e média de desempenho em língua portuguesa e matemática; cal-
(2007) culado sobre os dados de aprovação escolar no Censo Escolar; médias de
desempenho nas avaliações do Inep, Saeb e Prova Brasil.

Programa Currículo em Movimento (2008) Organização curricular; atualização das DCN; conteúdos; formação básica

Desventuras dos professores na formação para o capital


comum da educação básica; Base nacional comum/Base curricular comum;
debate nacional; identidade nacional.

Portal do Professor (Acesso aberto/adesão direta) (2008) Formação; armazenamento e circulação de conteúdos educacionais multimí-
dia; links; pesquisa; Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio, Profis-
sional e modalidades; integração do sistema público de educação básica e
profissional; MEC, secretarias estaduais e municipais de educação, escolas,

231
gestores, professores e alunos.
Programa Banda Larga nas Escolas (MEC/Anatel) (2008) Universalizar e democratizar acesso à informação; inclusão digital; professores.

Prêmio Professores do Brasil (2008) Professores; ativos na implementação do Plano Nacional de Educação; refle-
xão sobre prática pedagógica; sistematização de experiências educacionais.

TV Escola (2009) Aperfeiçoamento; valorização dos professores; rede pública; enriquecer pro-
cesso de ensino-aprendizagem; melhorar qualidade do ensino. 

Banco Internacional de Objetos Educacionais (2009) Portal; assessorar professor: recursos educacionais gratuitos; diversas mídias
e idiomas (áudio, vídeo, animação/simulação, imagem, hipertexto, softwares
educacionais); educação básica; IES; áreas do conhecimento.

Programa um Computador por Aluno (Adesão) (2010) Concatenada com ProInfo; aluno de escolas públicas.

Programa Novos Talentos (Edital) (2010) Projetos bem sucedidos; conhecimento científico; educação básica pública;
capacitar professores e estudantes; aprendizado continuado; socialização;
promoção e integração social; vocações em estudantes de baixa renda; carrei-
ras tecnológicas e científicas; acesso às IES públicas; metodologias, estratégias
e materiais didáticos inovadores; língua materna, ciências; local, regional e
global; pós-graduação, grupos e centros de estudos e pesquisas.

232 Editora Mercado de Letras – Educação


Apoio a Olímpiadas Científicas (s.d.) Olimpíada Brasileira de Robótica, Matemática, Biodiversidade e Ciências da
Vida, Física, Astronomia e Astronáutica, Química, Agropecuária, Biologia;
Olímpiada Nacional de História do Brasil, Oceanografia; Internacional de
Astronomia e Astrofísica.

Editais Feiras de Ciências e Mostras Científicas (s.d.) Apoio às Feiras de Ciências e Mostras Científicas; municipal, estadual/distrital
e nacional; popularização da ciência; melhoria dos ensinos fundamental e
médio; jovens talentosos; carreira  técnico-científica e docente; majoritaria-
mente alunos de escola pública; meninas-matemática, física, astronomia, ro-
bótica e engenharias; gratuitas; livre acesso; meio ambiente; reciclar.

Materiais didáticos ou de divulgação Publicações didáticas; difusão de conhecimento; resultados de programas que
tenham previsto algum tipo de publicação.

PROGRAMAS DE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR OBJETIVOS

Fundo de Financiamento do Ensino Superior – FIES (1999- Acesso de estudantes ao ensino superior; licenciatura, pedagogia, normal su-
2007 reformulado) perior; cursos superiores de tecnologia.

Programa Universidade para Todos – Prouni (2005) Isenção e incentivos fiscais; IES privadas; bolsas de estudo integrais e parciais
de 50%; cursos de graduação e sequenciais.

Desventuras dos professores na formação para o capital


Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão Reestruturação das IFES; expansão do acesso.
das Universidades Federais – REUNI (2007)

Fonte: Elaboração própria com dados garimpados nos sites do MEC (Brasil 2019), CAPES (Brasil 2019a) e FNDE (Brasil 2019b). [Nota: Listagem não exaustiva]

233
Referências

BRASIL (2019). Portal do Ministério da Educação. Disponível em:


http://portal.mec.gov.br/index.php. Acesso em: 30/03/2019.
________. (2019a). Portal da CAPES – Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Disponível
em: http://capes.gov.br/. Acesso em: 30/03/2019.
________. (2019b). Portal do FNDE – Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação. Disponível em: https://
www.fnde.gov.br/. Acesso em: 30/03/2019.

234 Editora Mercado de Letras – Educação


Secretario Ejecutivo Pablo Gentili
Directora Académica: Fernanda Saforcada
Área de Producción Editorial y Contenidos Web
Coordinador Editorial: Lucas Sablich
Coordinador de Arte: Marcelo Giardino
Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales –
Conselho Latino-americano de Ciências Sociais
EEUU 1168| C1101 AAx Ciudad de Buenos Aires | Argentina
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Comité Académico Editorial – Parceria Mercado de Letras / Editora Libre CLACSO

Adrian Ascolani (Universidad Nacional de Rosario. Argentina)


Afranio Mendes Catani – (Universidade de São Paulo)
Antonio Bolívar (Universidad de Granada. España)
Antonio Theodoro (Universidad Lusófona. Portugal)
Carlos Miñana Blasco (Universidad Nacional de Colombia. Colombia)
Debora Cristina Jefrey (Universidade Estadual de Campinas)
Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira (Universidade Estadual de Campinas)
Enrique Daniel Andrés Martinez Larrechea – Instituto Universitario Centro
Latinoamericano de Economia Humana – CLAEH / Uruguai
Enrique del Percio – Universidad de Buenos Aires – UBA /
Universidad Nacional Tres de Febrero – UNTREF
Héctor Rubén Cucuzza (Universidad Nacional de Luján. Argentina)
Jaime Morelez Vasquez (Universidade COLIMA. México)
José Camilo dos Santos Filho (Universidade Estadual de Campinas. Brasil)
João dos Reis da Silva Junior (Universidade Federal de São Carlos)
Leandro Pinheiro (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Lindomar W. Boneti (Pontificia Universidade Católica do Paraná)
Maria de Fatima Antunes (Universidade do Minho. Portugal)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (Universidade do Oeste Santa Catarina –
Universidade Integrada do Alto Rio Uruguai e das Missões)
María del Carmen Lopes Lopes (Universidade de Granada) 
Mariano Fernadez Enguita (Universidad de Madrid)
Miryan Southwell (Universidade Nacional de La Plata – UNLP – Argentina)
Pablo Gentili (Universidad Estadual de Rio de Janeiro – UERJ – Brasil – CLACSO)
Pablo Pineau (Universidad de Buenos Aires – UBA- Argentina
Rosane Sarturi (Universidad Federal de Santa María. Brasil)
Verónica Leiva (Pontificia Universidad Católica de Valparaíso. Chile)
Virginio de Sá (Universidade do Minho – UM – Portugal)

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Bibliotecas Virtuales de CLACSO
A versão impressa e em português poderá ser encontrada
no site da editora Mercado de Letras, Campinas, Brasil.
www.mercado-de-letras.com.br

Esta obra foi impressa em papel polen


75 gs. Instrução Normativa SRF nº 71 de
24 Agosto de 2001. Na capa foi utilizado
Papel Supremo, 250 gs., laminação fosca.
Impressão e acabamento por processo
digital book on demand da METABRASIL
GRÁFICA a partir de arquivos do editor.
Boletins da ANFOPE

BOLETIM ANFOPE n.1 Ano – 2018 BOLETIM-ANFOPE-n1_2018.pdf

BOLETIM ANFOPE n.1 Ano – 2019 BOLETIM-ANFOPE-2019-n1.pdf

BOLETIM ANFOPE n.2 Ano – 2019 BOLETIM-n.-2-2019-ANFOPE-.pdf

BOLETIM ANFOPE n.3 Ano – 2019 BOLETIM-03-2019-ANFOPE-2019-n3.pdf

BOLETIM ANFOPE n.4 - Ano 2019 BOLETIM-04-2019-ANFOPE-2019-n4.pdf

BOLETIM ANFOPE n.2, v.30, 27 Abril 2020 BOLETIM-02-2020-ANFOPE.pdf

BOLETIM ANFOPE n.3, v.30, 15 Junho 2020 BOLETIM-03-2020-ANFOPE-1.pdf

BOLETIM ANFOPE n.5, v.30, 28 Julho 2020 BOLETIM-05-2020-ANFOPE.pdf


COLÓQUIO DE PESQUISA

TEMA: DIRETRIZES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA – PARECER


584/2018, DIRETRIZES NACIONAIS DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO EM
EDUCAÇÃO FÍSICA. RESOLUÇÃO 02/2015 – FORMAÇÃO INICIAL E
CONTINUADA DE PROFESSORES

DIA: 05 DE DEZEMBRO DE 2018


HORÁRIO: 14H
LOCAL: FACED / UFBA
ENTIDADES PARTICIPANTES:

1. UFBA/FACED – LEPEL
2. UFBA/FACED – LEPEL/EPISTEF
3. ANFOPE – NORDESTE
4. FÓRUM NACIONAL DOS CURSOS DE LICENCIATURAS EM
EDUCAÇÃO FÍSICA DE CARÁTER AMPLIADO – NÚCLEO UFBA
5. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA
6. MOVIMENTO NACIONAL CONTRA-REGULAMENTAÇÃO (MNCR) –
NÚCLEO SALVADOR – BAHIA
7. REPRESENTAÇÃO DISCENTE DO PPGE – FACED/UFBA
8. REPRESENTAÇÃO DISCENTE ESTUDANTES PRÁTICA ENSINO IV
CURSO LICENCIATURA EDUCAÇÃO FÍSICA DA UFBA

Ocorreu no dia 5 de dezembro de 2018, no Auditório II da FACED UFBA, com a


participação de representação de oito segmentos e com a presença dos estudantes,
professores e pesquisadores, conforme relação em anexo, o COLOQUIO DE PESQUISA
sobre DIRETRIZES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA - PARECER 584/2018 e
a RESOLUÇÃO 02/2015 que trata de Diretrizes Nacionais para a FORMAÇÃO
INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES. O Título do evento foi “ POLÍTICA
DE FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO E A DIVISÃO
FRAGMENTAÇÃO E ESVAZIAMENTO DO CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES”.
Inicialmente professora Celi Taffarel apresentou uma análise da crise estrutural do
capitalismo, destacando suas evidencias econômicas, políticas sociais e ambiental, com
seus epicentros. Na economia a aplicação de ajustes estruturais de interesse do capital
imperialista e de manutenção de suas taxas de lucro; na política a prisão sem provas do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para inviabilizar sua candidatura, destruir o PT e
destruir todos os obstáculos a ganancia desenfreada, predatória do capital e seus lacaios
e servos voluntários; no social, o desemprego e suas consequências, a violência, a fome,
a retirada de direitos e conquistas , a destruição de serviços públicos e a entrega de
riquezas; no ambiental a depredação desenfreada, a destruição da biodiversidade, os
crimes ambientais, como o de Mariana, as grandes obras de mineradoras e hidroelétricas,
o envenenamento pela via dos agrotóxicos nos alimentos. Demonstrou as consequências
dos ajustes estruturais na Educação com a medidas que estão sendo aprovadas no
parlamento como a entrega do pre-sal, a reforma trabalhista, a flexibilização e
terceirização de relações de trabalho; a emenda constitucional 95/2016, a reforma do
Ensino Médio, a BNCC, os cortes nos orçamentos de ciência e tecnologia e das
universidades, o desmonte de programas sociais, o desmonte de ministério cujas relações
de benefícios a classe trabalhadora eram relevantes para distribuir riquezas e garantir
direitos. Destacou ainda as iniciativas perversas de setores reacionários de ultradireita de
implantar a Lei da Escola Sem Partido ou Lei da Escola Com Mordaça e as tentativas de
militarizar as escolas. Demonstrou assim que os nexos e relações desta conjuntura tem
reflexo nas diretrizes de formação inicial e continuada de professores e nas diretrizes
nacionais da Educação Física.
Quanto as Diretrizes Nacionais de formação inicial e continuada de professores,
Resolução 02/2015, professora Celi Taffarel apresentou o histórico, gênese e processo de
implementação das Diretrizes. Foram 10 anos de debates no Conselho Nacional de
Educação até a aprovação das Diretrizes que foram homologadas e que encontram agora
um grande entrave na sua implementação. Estes entraves decorrem de três setores: (1) os
cursos que não querem integrar ensino/pesquisa/extensão; (2) as instituições que querem
priorizar a Educação a Distância na formação de professores; (3) os cursos que vem
esvaziando o currículo e rebaixando a formação teórica dos professores em formação. O
grande desafio é a implementação imediata das Diretrizes presentes na resolução 02/2015
. Concluiu a este respeito que os Cursos de Educação Física devem estar sujeitos a tais
diretrizes porque formam para a docência no sistema educacional.
Quanto ao Parecer 584/2018 aprovado no dia 03/10/2018 pelo Conselho Nacional de
Educação, professora Celi mencionou que anteriormente a formação está regida pela
Resolução 02/2002 e a Resolução 07 de 31 de março de 2004.
A partir de agora as referências são a Resolução 02/2015 e, caso sejam homologadas as
diretrizes aprovadas pelo CNE sob Numero de Parecer 584/2018.
Professora Celi teceu quatro críticas as diretrizes aprovadas no CNE: (1) a referência de
projeto histórico que deixa antever uma adaptação a ordem do capital, quando faz
referência a competências, habilidades, para mercado de trabalho, escolar e não escolar,
dividindo, fragmentando a formação com consequência na concepção de currículo, pela
via do esvaziamento do conteúdo teórico; (2) na organização do currículo o problema
gravíssimo do trato com o conhecimento, na modalidade bacharelado e na modalidade
licenciatura ferindo-se princípios curriculares para o trato com o conhecimento nuclear,
clássico, no campo da cultura corporal, na formação de professores de Educação Física.
Este é um problema gravíssimo de ordem epistemológica, que diz respeito da teoria do
conhecimento que subsidia as Diretrizes. A forma como estão expostos os argumentos
sobre o objeto de estudo fica evidente que o CNE procurou contemplar todas as sugestões
apresentadas ao CNE, exceto a referência de base marxista que defende como objeto de
estudo a Cultura Corporal. Fica, portanto, evidente a contradição da negação do
conhecimento para ambas as modalidades. Os licenciados ficam privados, no mínimo, do
conhecimento aprofundado sobre saúde, esporte, cultura e lazer. Os bacharéis ficam
privados, no mínimo, do conhecimento sobre fundamentos da Educação e sobre políticas
públicas e gestão da educação. Esta contradição da negação do conhecimento é
gravíssima vez que rebaixa a capacidade teórica da classe trabalhadora e desqualifica
trabalhadores, durante seu processo de formação acadêmica. Com isto compromete-se a
formação com uma consistente base teórica. Além disto quem decide por uma ou outra
modalidade do curso é a vontade pessoal dos estudantes, mediante consulta oficial da
instituição, sem consideração aos fatos da conjuntura e o movimento do capital na
ampliação e restrição de campos de trabalho. (3) O tempo pedagógico que ora faz
referência a 10% da carga horaria para a parte comum e ora menciona 1.600 horas, com
a divisão na formação a partir da metade do curso. (4) a problemática das repercussões
das divisões na formação acadêmica, com o consequente esvaziamento teórico, que
atendem interesses de mercado de trabalho, formando um “ exército de reserva” que
entrará em choque nos campos de trabalho, choque estes que se iniciam na graduação
com a divisão dos estudantes entre licenciando e bacharéis e com estruturas organizativas
diferenciadas. Divisão esta fomentada pelo sistema CREF/CONFEF que obtém vantagem
com a cobrança de anuidades de mais de 400 mil formandos que necessitam trabalhar no
Brasil.
Após esta breve exposição ocorreu a manifestação da plenária e dos componentes da
Mesa. Professora Raquel Freire Rodrigues em nome da ANFOPE recuperou o que vem
sendo defendido como central para a valorização do magistério no que diz respeito a
formação inicial e continuada de professores. Destacou a Resolução 02/2015 cuja
implementação não está sendo viabilizada como deveria ser, e as consequências disto
frente a todas as reformas em curso na área da Educação. Destacou o que a ANFOPE
historicamente defende como Base Nacional Comum que se diferencia completamente
das aprovadas BNCC – Base Nacional Curricular Comum. Criticou que as atuais bases
aprovadas rebaixam a formação da classe trabalhadora e destacou as posições críticas da
ANFOPE que compõe juntamente com outras 35 entidades o FORUM NACIONAL
POPULAR DE EDUCAÇÃO. Destacou a necessidade da formação de professores de
Educação Física levar em conta tais Diretrizes de valorização do Magistério, e de
aprofundamento dos estudos a este respeito.
A representação da Secretaria de Educação do Estado da Bahia mencionou a demanda
das 27 Regionais a respeito de valorizar a Educação Física no currículo e de termos
professores com boa formação para atender aos desafios da Educação em um estado das
dimensões do Estado Da Bahia.
A representação do MNCR ressaltou o histórico da luta do MNCR desde a sua instituição
no final dos anos 90 por iniciativa do Movimento Estudantil, seu percurso de
enfrentamento contra a destruição do sistema de proteção dos trabalhadores da Educação
Física, contra os constrangimentos que os professores vem sofrendo, contra a divisão na
formação, contra a ingerência do CREF CONFEF, que foi instituído desde 1996,
ingerência esta que atinge a autonomia das universidades, das escolas e demais locais de
trabalho que já possuem legislação própria sobre contratações e regimes de trabalho. O
CREF/CONFEF impõe a filiação, o pagamento de taxas anuais em média de R$ 600,00
e a obrigatoriedade do Registro e do uso da Carteira profissional. Criticou as políticas que
estão destruindo toda a proteção dos trabalhadores, seus direitos e conquistas, com a
reforma trabalhista e criticou a intenção do CREF/CONFEF de “proteger profissionais no
mercado de trabalho”. Mencionou que o trabalho nos campos de trabalho que ora se
expandem e ora se retraem de acordo com as determinações capitalistas, tem
regularidades, no que diz respeito ao trato com o conhecimento, ao trato com o conteúdo,
as relações entre ensinar e aprender e as relações estabelecidas no processo de trabalho
docente, que indicam a não necessidade de divisão na formação.
A Estudante Aluna do Curso de Licenciatura em Educação Física da UFBA, componente
da Disciplina Pratica do Ensino IV, mencionou a importância relevância da analise que
estava sendo feita sobre diretrizes na vida acadêmica, visto que as decisões terão
repercussão não somente na formação mas na atuação profissional. Mencionou que as
preocupações levantadas dizem respeito ainda, ao trato com o conteúdo para trabalhar em
instituições, locais, campos de trabalho que exigem uma consistente base teórica o que
demonstra que não haveria fundamentos para divisões. Mencionou a experiência concreta
da disciplina Pratica do Ensino IV que investiga as regularidades do exercício da docência
em campos de trabalho em um território como o território do Calabar. Ressaltou que os
estudantes, em especial na nova gestão do Diretório Acadêmico deverão se empenhar
para levar e aprofundar tais discussões junto aos estudantes.
A representação estudantil da Pós-Graduação da UFBA destacou que nesta gravíssima
conjuntura de ataques aos trabalhadores é de grande relevância a reflexão coletiva, os
estudos sobre a formação, principalmente porque estão sendo ampliada as formas do
capital se valer da força de trabalho dos trabalhadores para gerar lucros e concentrar
riquezas. A formação profissional em tempos de acentuada destruição de forças
produtivas é vital e a Direção da APG vai se empenhar em participar das discussões e
socializa-las aos demais pós-graduandos da UFBA.
Da plenária vieram os questionamentos sobre uma Diretriz de formação em Curso de
Graduação da educação física que apresenta uma teoria do conhecimento eclética, um
currículo tendendo a negação do conhecimentos e restrições gravíssimas nos estágios.
Após os debates foram encaminhadas e aprovadas por unanimidades as seguintes
propostas:
(1) Próximo Colóquio a ser realizado em janeiro com exposição de resultados de cada
segmento presente a respeito da delimitação de problemas que exigem estudos
científicos, sendo que cada representação trará respostas as indagações levantadas
pelo coletivo:
(2) Primeira indagação sobre Teoria do Conhecimento e Epistemologias que
fundamental as resoluções 02/2015 de formação inicial e continuada de
professores. Responsabilidade do Grupo de Pesquisa EPISTEF/FACED/UFBA
(3) Segunda indagação sobre Contribuições da Resolução 02/2015 para a organização
do currículo do Curso de Educação Física. Responsabilidade da ANFOPE
(4) Terceira Indagação sobre a regularidade do trabalho docente em campos de
trabalho de um território que contem diversos espaços formativos e de possível
atuação do professor de Educação Física. Coletivo de estudantes da Prática do
Ensino IV do Curso de Licenciatura em Educação Física da UFBA.
(5) Quarta indagação: Considerando a conjuntura atual econômica, politica, social,
ambiental, com ênfase nas politicas educacionais de cultura esporte e lazer, quais
as indicações para o trato com o conteúdo da cultura corporal no curriculo de
formação dos profissionais de educação física para atuarem no âmbito da
educação, saúde, lazer, esporte, entre outros. Responsabilidade do MNCR a partir
da Minuta de avaliação de conjuntura que o MNCR vem realizando, agregando
elementos apresentados pela professora Celi Taffarel.
(6) Quinta indagação: Considerando as demandas, necessidades, exigências para a
variação da Educação Física no sistema Educacional e no Sistema de Saúde, quais
as indicações para o perfil de formação do professor de Educação Física para
atender as demandas das políticas de estado e Governo no Estado da Bahia.
Responsabilidade dos Componentes da Secretaria de Educação da Bahia.
(7) Sexta indagação: Considerando a necessidade de ampliação do envolvimento dos
estudantes de graduação e pós-graduação nas discussões e tomada de decisão
curricular como podem ser articuladas as forças para impulsionar a participação
de todos nas decisões a serem tomadas a respeito da formação de professores em
geral e em especial da Educação Física; responsabilidade da APG –
FACED/UFBA.
(8) Sétima indagação: Considerando que estas diretrizes, tanto a 02/2015 quanto as
sugeridas pelo Parecer 584/2018 deverão ser consideradas pelas instituições
educacionais, quais tem sido os encaminhamentos para consideração destas
diretrizes por parte das instituições em Salvador, na Bahia, no Nordeste, no Brasil.
Responsabilidade Fórum de Cursos de Licenciatura Ampliada em Educação
Física – Núcleo UFBA.
(9) Oitava Indagação: Considerando que já existe uma proposta avançada de
diretrizes curriculares que não prevê divisão na formação, qual seria sua validade,
no que ela pode ser melhorada, ampliada e utilizada nas discussões sobre
reformulação curricular que estão ocorrendo nos Cursos, em Salvador, na Bahia,
No Nordeste, No Brasil. Responsabilidade do Fórum Nacional do Curso de
Licenciatura Ampliada – Núcleo UFBA.
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VIII FÓRUM DE PÓS-GRADUAÇÃO DO COLÉGIO BASILEIRO DE CIÊNCIAS DO


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MNCR

Boletim Informativo do MNCR, Ano 18 - Nº 2, MAIO - AGOSTO, 2019

Nesta edição:

1. Editorial

2. As novas DCNs (resolução. n° 06/18): a continuidade do


projeto de formação humana dominante e as possibilidades
superadoras - Thiago Barreto Maciel, Hajime Takeuchi Nozaki,
Thunay Venzi Botrel

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MNCR

Editorial
Nos posicionamos contrários a de bom desse governo para os traba-
desregulamentação de direitos tra- lhadores. Essa disputa tem relação
balhistas propostas pelo governo de entre outras questões, com o fato
Bolsonaro e Mourão. A destruição da da Ordem dos Advogados do Brasil
previdência é um ataque desumano, (OAB) e o Conselho Federal de Me-
que retira a possibilidade de apo- dicina (CFM) barrarem a modalidade
sentadoria dos idosos, faz com que de Educação a Distância na forma-
parte da população tenha uma ex- ção inicial de suas áreas. Tal tensio-
pectativa de vida menor do que a ne- namento não ocorre com o Conselho
cessária para se aposentar e repassa Federal de Educação Física (CONFEF)
o dinheiro arrecadado ao mercado que inclusive faz parcerias com as
financeiro. Está em curso um apro- empresas monopolistas de tal se-
fundamento da reforma trabalhista tor da economia. Ademais, a PEC de
com o afrouxamento de normas de Guedes, em seu primeiro artigo abre
saúde e segurança do trabalhador e uma exceção para o Conselho Fede-
concomitantemente o ataque à esta- ral de Medicina, a OAB e o CONFEF
bilidade dos servidores públicos, in- ao propor, no artigo 174-A, que es-
cluso pela entrada, com o projeto do tarão excluídos de tal medida aque-
Future-se, de Organizações Sociais les em que “a ausência de regulação
na administração das Instituições Fe- caracterize risco de dano concreto à
derais de Ensino Superior públicas. vida, à saúde, à segurança ou à or-
A superexploração do trabalhador dem social”.
no Brasil é concatenada pelos Con- Reafirmamos nosso compromis-
selhos que retiram parte do salário so na luta pelos direitos trabalhistas
via cobranças indevidas, mas legali- e contrária à regulamentação da pro-
zadas no Brasil. fissão e à divisão da formação, man-
Alguns trabalhadores passaram tida nas diretrizes curriculares do
a crer que a disputa entre liberais curso de Educação Física (Resolução
presentes no governo, em especial CNE/CES n° 06/2018). Essa luta nos
a ala de Paulo Guedes, que propôs coloca em contraposição aos liberais
uma restrição aos Conselhos profis- que por ora se opõem ao movimen-
sionais via PEC 108/19, poderia nos to corporativista dos conselhos para
beneficiar com uma redução do po- reduzir suas barreiras de lucro na es-
tencial do sistema CONFEF/CREFs. fera financeira.
Não temos ilusões de que sairá algo

2 mncref.blogspot.com | twitter.com/mncref | facebook.com/MNCRef


MNCR

AS NOVAS DCNs (Resolução. n° 06/18):


A CONTINUIDADE DO PROJETO DE FORMAÇÃO HUMANA DOMINANTE
E AS POSSIBILIDADES SUPERADORAS
Thiago Barreto Maciel
Hajime Takeuchi Nozaki
Thunay Venzi Botrel
Em 18 de dezembro de 2018 abriu-se um trazendo consequências também para o Brasil.
novo marco na formação profissional em edu- Uma das consequências no país residiu no pro-
cação física com a homologação e a publicação cesso de impeachment sofrido pela então pre-
no Diário Oficial da União das novas Diretrizes sidente, Dilma Rousseff/PT, no ano de 2016.
Curriculares Nacionais dos cursos de gradua- Uma espécie de “contrarrevolução preventiva,
ção em educação física (BRASIL, 2018b). Con- agora de tipo ultraneoliberal e em fase ainda
siderando as DCNs enquanto uma mediação mais agressiva” (ANTUNES, 2018), em que pese
importante dentre a multiplicidade de deter- o partido da ordem que a presidente represen-
minações que compõem a educação física bra- tava – com sua faceta social-liberal – ter aten-
sileira, nos demos a tarefa de tratar sobre elas dido amplamente os interesses exigidos por
nas próximas linhas. distintas frações da classe dominante. No en-
O debate das novas DCNs foi aberto apro- tanto, o tamanho da crise e a sua possibilidade
ximadamente três anos antes da sua homolo- superadora, sob a ótica do capital, exigiu um
gação, durante o ano de 2015, quando o CNE governo “sangue puro”, que não tivesse em seu
traz a público uma minuta de projeto de resolu- passado nenhum tipo de atrelamento histórico
ção com o objetivo de instituir novas DCNs para às bandeiras dos trabalhadores.
o curso de graduação em educação física (BRA- No que diz respeito de mais imediato às
SIL, 2015). Dentre os aspectos principais dessa DCNs destacamos que a mudança na compo-
minuta constava, dentre outros, em seu artigo sição política do governo federal fez com que
7°, a proposta de extinção do bacharelado e a também houvesse reconfiguração em várias
consequente formação unificada em torno da instâncias da aparelhagem política federal.
licenciatura. Minuta que foi amplamente deba- Dentre essas no próprio MEC, em que Paulo
tida através de audiência pública oficial, mesas Barone – relator da comissão do CNE/MEC res-
de debate em todo o país, dentre outras ativi- ponsável pela condução do processo da minu-
dades acadêmico-científicas. Nesse momento, ta de 2015 – foi remanejado para Secretaria de
muitas vozes se fizeram presentes e a resposta Ensino Superior (SESu)/MEC. Conjuntamente,
das plenárias em todos os eventos era massi- houve a destituição de vários outros membros
vamente favorável à minuta de 2015, em espe- do CNE. Esse turbilhão político somado ao ca-
cial o artigo 7°, fato reconhecido publicamente ráter reacionário do governo interino trouxe
pelo então relator, Paulo Barone. um espectro de incertezas para as DCNs. Todo
No entanto, as consequências da crise o trabalho que vinha sendo realizado a partir
econômica iniciada no ano de 2007 nos Estados da luta em torno de alguns possíveis avanços
Unidos da América se fizeram sentir, com tem- na minuta de 2015, ainda que marcado por
pos e intensidades diversas, em todo o mundo, contradições, foi suplantado e surgiu, como de

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improviso, ao final do mandato do governo in- aqueles do amplo segmento do fitness, o qual
terino de Michel Temer, a Resolução CNE/CES “oriundo da privatização no âmbito da Educa-
n° 06/2018, tramitada e homologada a “sete ção Física e das atividades físicas passou por
chaves” (PENNA, 2018). uma expansão exponencial em todo o mun-
Em que pese muitas continuidades com do.” (FREITAS; OLIVEIRA; COELHO, 2019, p. 7).
o projeto de formação dominante que já vi- Como articulador dessa manobra anti-
nha sendo realizado na área, uma delas tomou democrática nas DCNs e aglutinador dos di-
maior evidência: a permanência da existência versos interesses do campo conservador nes-
da formação em bacharelado. Ou seja, todo se processo vemos o protagonismo do sistema
o movimento que vinha sendo operado em CONFEF/CREFs. O reordenamento de pessoal
torno da minuta de 2015, com realização de do CNE/CES pós-impeachment favoreceu as
audiência pública oficial no CNE, realização de posições conservadoras e permitiu, por afini-
mesas de debate no meio acadêmico por todo dade, uma grande aproximação de intelectuais
o país, dentre outros mecanismos de partici- orgânicos do sistema CONFEF/CREFs, fato re-
pação direta da sociedade civil foi sumaria- conhecido pelo parecer CNE/CES n° 584/2018
mente ignorado. O retrocesso democrático na BRASIL, 2018a) que, ao anunciar o “objeto e
política geral se refletiu também em um retro- objetivo geral” no relatório, expõe que o CNE/
cesso na política específica da educação físi- CES “...após a definição dos referenciais legais
ca. Nesse sentido, a permanência da figura do e epistemológicos que embasaram a elabora-
bacharel na Resolução n° 06/18, ponto central ção das DCNs em Educação Física, analisou as
de ruptura com a minuta de 2015, se tornou o propostas apresentadas pelo Conselho Fede-
principal aspecto de descontinuidade em rela- ral de Educação Física e demais atores sociais
ção ao que vinha sendo elaborado. vinculados à área de conhecimento.” (BRASIL,
Esse é um dos principais aspectos que a 2018a, p.4, grifos nossos). De forma nada ve-
influência do campo conservador fez prevale- lada aponta nominalmente somente a análise
cer. Campo conservador formado por frações do projeto apresentado pelo sistema CONFEF/
importantes do empresariado da educação, CREFs, projeto que nenhuma das entidades
do fitness e de tradições da cultura corporal. envolvidas no debate relacionado à minuta
Os mesmos que, em situação de crise estru- 2015 teve acesso.
tural do capital, concentram seus esforços na Interlocução também exaltada nas con-
reprodução ampliada do seu capital e das suas siderações finais do presidente do CNE e rela-
margens de lucro e tendem a se favorecer com tor do parecer, Luiz Roberto Liza Curi, para o
diretrizes que permitam a venda de mais cur- qual o documento é “o resultado de uma cons-
sos no setor privado, em especial à distância trução coletiva, com a participação do Conse-
(SOUZA e MELGAREJO, 2019), que formem o lho Federal de Educação Física, do segmento
futuro trabalhador para uma subjetividade acadêmico e científico e das associações edu-
empreendedora capaz de não questionar as cacionais e profissionais, e que retrata a evo-
condições de trabalho, para uma fragmen- lução pensada, gradual, responsável e sem
tação do conhecimento direcionado para o trauma (...)” (BRASIL, 2018a, p.5).
pragmatismo e para a resolução dos proble- Após aproximadamente quatro meses
mas da cotidianeidade, ou que formem para a da homologação da resolução, Luiz Curi vem
supervalorização dos nichos de mercado asso- a público reforçar essa relação que já era evi-
ciados aos campos não escolares, em especial dente. Se dirigindo à plenária paulista em um

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evento acadêmico1, afirma seu destaque aos peso. Porém, na atual conjuntura passam a
grandes colaboradores das novas DCNs: “To- ser o interlocutor privilegiado entre o MEC e o
dos aqui colaboraram muito. Faço um destaque campo da educação física. Um exemplo dado é
em nome do [Sebastião] Gobbi. Agradeço tan- o da forma também antidemocrática que atu-
to o CONFEF, os CREFs e o conjunto das coor- ava Iguatemy Maria de Lucena Martins, outra
denações nacionais. O Gobbi trabalhou muito intelectual orgânica do sistema CONFEF/CREFs
aí nesse processo junto comigo”. O professor e integrante da mesma comissão que faz par-
exaltado em questão é um intelectual orgânico te Gobbi. Professora da UFPB que, no passado,
do sistema CONFEF/CREFs que faz parte justa- ocupou cargos dentro do MEC e se valia de sua
mente da Comissão de Ensino Superior e Pre- posição para engavetar os pareceres que afir-
paração Profissional do CONFEF2. mavam a atuação ampla e irrestrita dos licen-
Outros vários elementos poderiam ser in- ciados em todos os campos de atuação3.
troduzidos para corroborar a nossa afirmação, Entendemos justo afirmar, no entanto,
no entanto, por um esforço de síntese para que o sistema CONFEF/CREFs não se encerra
essas páginas acreditamos que os elementos enquanto força social autônoma, mas aglutina
dados até aqui conseguem demonstrar a força os interesses de um campo conservador e pri-
com que o sistema CONFEF/CREFs volta ao pro- vatista mais amplo e se coloca como interlocu-
tagonismo da condução das DCNs pós-impea- tor privilegiado em favor deles. Outras forças
chment, revertendo nos bastidores o principal certamente contribuíram para o atual estado
eixo que movia a minuta de projeto de 2015, a das DCNs. Ressaltamos, por exemplo, a compo-
unificação da formação em torno da licenciatu- sição da própria comissão do CNE/CES respon-
ra. sável pela elaboração do parecer n° 584/20184,
No entanto, essa constatação não nos au- a qual composta por cinco conselheiros, dentre
toriza, em nenhuma medida, afirmar que tais os quais dois se destacam. Um por fazer parte
forças não atuavam nos governos anteriores. direta do campo privatista do ensino superior e
Pelo contrário, sabemos que sempre tiveram outro por integrar “uma agência de acreditação
internacional de educação orientada por mo-
1 III Colóquio de Graduação das Universidades Estaduais Pau-
listas, realizado em abril de 2019, evento realizado em conjunto delos de negócios empresariais que promovem
pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), pela Universida- valores e princípios do livre mercado na Edu-
de de São Paulo (USP) e pela Universidade Estadual de Campi- cação Superior”. (FREITAS; OLIVEIRA; COELHO,
nas (UNICAMP), com convite estendido para as universidades
particulares e federais do estado de São Paulo. O evento ocorreu 2019, p. 3).
no anfiteatro II do Instituto de Biociências da UNESP de Rio
Claro. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?featu-
re=youtu.be&v=3-z8QnvOtT8&app=desktop>. Acesso em: 23 3 Assim Paulo Barone define a situação em debate realizado no
mai. 2019. dia 15 de outubro de 2015 nas dependências da PUC-Goiás so-
2 Comissão atualmente formada pelos seguintes membros: bre as reformas das Diretrizes Curriculares Nacionais da educa-
Wagner Domingos Fernandes Gomes (Presidente); Alexandre ção física ao se referir que os pareceres do MEC que sinalizavam
JanottaDrigo (Secretário); João Batista Andreotti Gomes Tojal; para a atuação ampla do licenciado em todos os campos de tra-
Iguatemy Maria de Lucena Martins; Sebastião Gobbi; Márcia balho não eram homologados: “Descobrimos que havia uma in-
Regina Aversani Lourenço; Marino Tessari; Francisco José Gon- tervenção espúria (...) de uma professora que ocupou um espaço
dim Pitanga; e Flávio Delmanto. A referida comissão, poucos no MEC por um tempo, que não deixava nenhum parecer de
dias após o seminário realizado em Rio Claro, lançou uma circu- educação física (...) ser homologado. Nunca se transformou em
lar oficial do CONFEF, assinada pelo presidente Jorge Steinhil- documento oficial nenhum desses pareceres. Desde o 400/2005
ber, em que toma para si de forma presunçosa e ilegítima o papel até o último em 2012.”. Disponível em: <https://www.youtube.
que deveria ser atribuído ao CNE, o de dar orientação técnica com/watch?v=p2qRuNWtjW0>. Acesso em 07 ago 2019.
com “Esclarecimentos acerca da resolução CNE/CES n° 06/2018 4 Comissão composta por Antônio de Araújo Freitas Júnior
que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de (Presidente), Luiz Roberto Liza Curi (Relator), José Loureiro
Graduação em Educação Física” (CONFEF, 2019). Lopes, YugoOkida e Márcia Angela da Silva Aguiar.

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Afirmar essa atuação não solitária do sis- educação física, também ligados ao CBCE6 e; c)
tema CONFEF/CREFs significa também que, de os que se aglutinam em torno do campo pro-
alguma forma, houve o consentimento passivo gressista na defesa histórica da formação unifi-
ou ativo de setores e intelectuais importantes cada, em torno da licenciatura ampliada e ge-
do campo da educação física em todo o proces- neralista.
so anterior que desencadeou na Resolução n° Temos, portanto, com exceção do último
06/18. Dentre essas forças destacamos de for- subgrupo, uma parcela que acabou por corro-
ma expositiva alguns grupos principais5. borar, ativa ou passivamente com a orientação
O primeiro grupo diz respeito àquele cor- confefiana, guiada por setores importantes do
po acadêmico que nunca tomou a tarefa de empresariado da educação, do fitness e de tra-
estudar e produzir cientificamente sobre for- dições da cultura corporal. Assinalando o acor-
mação profissional e mundo do trabalho, mas do, portanto – deliberadamente ou não –, com
que, como por inércia, se satisfaz com a manu- o conteúdo e a forma de todo o processo.
tenção do bacharelado. Um grupo mais amorfo Acordo com um conteúdo que refina me-
que por meio da omissão acaba por corroborar canismos como: a) a ampliação do poder de
com a manutenção da fragmentação da profis- fiscalização, controle e arrecadação financeira
são. dos trabalhadores da educação física e das tra-
No segundo grupo estão aqueles que de dições da cultura corporal por parte do sistema
alguma forma tratam sobre a formação profis- CONFEF/CREFs7; b) a consolidação do seu mo-
sional, seja de forma aprofundada em grupos delo de trabalhador flexível e empreendedor
de estudos, pesquisa, movimentos sociais, etc, formado sob a noção pós-moderna das peda-
ou que, pelo menos, se propõem a discutir e gogias do “aprender a aprender” – em especial
se posicionar. Veremos dentre esses três sub- a pedagogia das competências – e a adequação
grupos: a) os que fazem a defesa do bachare- aos contratos flexíveis e precários de trabalho
lado pelo viés mais pragmático, por vezes sob e; c) O espraiamento da concepção estreita de
a bandeira dos argumentos voltados aos inves- educação física assentada na limitação do ob-
timentos já realizados nas IES para a formação 6 Nas palavras do Professor Paulo Ventura: “No CONBRACE
do bacharelado e, portanto, da necessidade de de 2015, lá em Vitória, conversei com várias pessoas, várias
pessoas conversaram comigo. O Mauro Betti disse pra mim,
não extingui-lo; b) os que defendem a dupla falou assim: ‘ha Paulo, agora que a gente começou a acomodar,
formação tendo em vista em suas IES já existir conseguiu acomodar as coisas lá em Bauru, a gente não vai
certa acomodação docente e discente de cada mexer com isso. Conseguimos professor para aqui, para ali. Tá
tudo na paz, não convém mexer com isso.’ Então é desse grupo
curso de formação, não havendo mais litiga en- que eu falo né? Aí se somaram várias pessoas, né? O pessoal
tre eles, cada qual seguindo o seu caminho e da federal de Minas... o Lino Castellani que tem muita força,
muita voz nisso, né?”.
advogando, assim, a autonomia da licenciatu- 7 O texto da resolução CNE/CES n°06/18 faz consolidar e re-
ra perante a influência biologizante. Em certa finar o projeto fiscalizador e policialesco do sistema CONFEF/
medida, aqui se alocam setores reformistas da CREFs, discriminando os campos de atuação de cada formação,
conseguindo transferir para a aparelhagem de Estado em torno
5 Classificação tomada de empréstimo, por livre interpretação do MEC a responsabilidade que chamava para si ilegal e ilegiti-
nossa, da fala do professor e militante histórico do GTT “for- mamente, de fiscalizar e restringir os campos de atuação. Uma
mação profissional e mundo do trabalho” do CBCE, professor fiscalização que restringe ainda mais a atuação do licenciado,
Paulo Ventura, na ocasião do X congresso goiano de ciências pois abre margem, inclusive, para a atuação do bacharel dentro
do esporte (CONGOCE) e XI congresso de educação física de da manifestação do esporte educacional, como exposto no arti-
Jataí (CONEF), com o tema “Educação física em tempos de go 18, item “d”: “intervir acadêmica e profissionalmente de for-
novos contornos e demandas” realizado entre os dias 23 e 25 de ma fundamentada, deliberada, planejada e eticamente balizada
maio de 2019 no município de Jataí-GO. Disponível em: <ht- em todas as manifestações do esporte e considerar a relevân-
tps://www.youtube.com/watch?v=v7iRSBzan6c&feature=you- cia social, cultural e econômica do alto rendimento esportivo”
tu.be>. Acesso em: 07 ago 2019. (BRASIL, 2018b, p.6, grifo nosso).

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jeto de estudos e a rarefação do conhecimento no atual momento. Direções que se comple-


científico sistematizado, em especial subordi- mentam enquanto par dialético na luta contra
nada à funcionalidade da “adoção de um estilo o atual estado das DCNs e o campo conserva-
de vida fisicamente ativo e saudável” (BRASIL, dor. No entanto, entendemos que enquanto
2018a) – compreensão de saúde assentada no par dialético, não podem ser apartadas uma da
prisma liberal. outra, sob o risco de deformarem as possibili-
Acordo também com uma forma marca- dades concretas de transformação efetiva das
da por características fortemente antidemocrá- DCNs.
ticas; por suplantar uma construção que vinha A primeira direção apontada se organi-
acontecendo dentro de marcos democráticos, za dentro das possibilidades imediatas, com o
com tensões e conversões, e surgir com um que temos em mãos. As novas DCNs trazem em
novo documento, como de improviso; tam- seu artigo 30 uma abertura importante para a
bém por, mesmo nesses marcos, ter proporcio- contradição, a possibilidade de as IES poderem
nado um intervalo irrisório de pouco mais de “...a critério da Organização do Projeto Peda-
dois meses entre a aprovação do parecer e a gógico Curricular do Curso de Educação Física,
homologação das DCNs, em período de final admitir, em observância do disposto nesta Re-
de semestre letivo, não permitindo um míni- solução, a dupla formação dos matriculados em
mo de avaliação e manifestação por parte das bacharelado e licenciatura.” (BRASIL, 2018b, p.
IES, entidades científicas, acadêmicas e movi- 8). Tendo em vista que uma marca das novas
mentos sociais. Foi, portanto, uma articulação DCNs é a obrigatoriedade de ingresso único do
que favoreceu determinados grupos políticos estudante e a participação de um núcleo inicial
minoritários em detrimento de muitos outros comum antes das etapas específicas, entende-
que vinham debatendo democraticamente. As- mos que no plano da imediaticidade as IES de-
sim, se na ocasião da minuta de 2015 o sistema vem ser pressionadas pelos seu corpo acadê-
CONFEF/CREFs era um ator social, dentre vários mico progressista no sentido de utilizar esses
outros, tendo que se sujeitar a debater nos es- mecanismos para imprimir um projeto político
paços democráticos os rumos da formação pro- pedagógico que prime na forma pela articula-
fissional, a partir de 2016 tornou-se por via da ção de ambas as formações, mas que no conte-
força o interlocutor privilegiado. údo imprima os preceitos da formação única de
Não obstante esse estado de coisas, recu- caráter ampliado e generalista.
perando a síntese dialética do pessimismo da Cabe ressaltar que por essa ser uma saída
inteligência e o otimismo da vontade8 (GRAMS- restrita ao cotidiano de cada IES não pode ser
CI, 2014), a nossa análise da lamentável con- tomada como tática isolada e a única possibili-
figuração das DCNs não pode nos servir de dade privilegiada. A luta pelo respeito ao deba-
amarra imobilista, mas, ao contrário, como ins- te democrático amplo e pela participação ativa
trumento para a melhor forma de intervenção de toda a sociedade civil deve ser retomada.
nas lutas e nas possibilidades superadoras sob Não é concebível aceitar “goela abaixo” DCNs
a ótica do trabalho. A história continua viva. com caráter autocrático e unilateral como es-
Nesse sentido, apontamos duas direções sas, as quais consolidam interesses dos campos
em que devemos concentrar os nossos esforços conservadores na área. Dessa forma o chama-
8 Palavra de ordem assumida por Gramsci, mas tomada de do para a continuidade da luta em torno dos
empréstimo de Romain Rolland.

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coletivos progressistas que levantam as bandei- solucao-pdf&category_slug=dezembro-2015-p


ras da classe trabalhadora é fundamental. De- df&Itemid=30192>. Acesso em: 23 julho 2019.
vemos articular a luta pela reabertura imediata
da discussão e construção de novas DCNs. Em BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Pare-
que pese a especificidade da nossa pauta, ela cer CNE/CES nº 584, de 03 outubro de 2018. Di-
possui relações íntimas com a atual conjuntu- ário Oficial da União, Brasília, DF, p. 33, 17 dez.
ra em que vivemos. Se insere no contexto mais 2018a. Seção 1.
amplo de agudização dos ataques à classe tra-
balhadora e de crescimento no plano mundial BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Re-
de movimentos de extrema direita, portanto as solução CNE/CES nº 6, de 18 de dezembro de
nossas lutas têm de ser organizadas ao flanco 2018. Diário Oficial da União, Brasília, DF, ed.
dos demais instrumentos da classe trabalha- 243, p. 48-49, 19 dez. 2018b. Seção 1.
dora como os sindicatos combativos, partidos
políticos de esquerda e movimentos sociais dos CONFEF. Documento de Orientação Técnica
trabalhadores. Das classes dominantes e dos CONFEF n° 001/2019. CONFEF. Disponível em
seus representantes nada se ganha, se arranca. <https://www.confef.org.br/confef/conteu-
Por fim, o Movimento Nacional Contra a Regu- do/1856>. Acesso em 24 julho 2019.
lamentação do Profissional de Educação Física
(MNCR) se coloca, neste momento histórico, FREITAS, R.G.; OLIVEIRA, M.R.F.; COELHO, H.R.
como movimento organizado e sujeito coletivo Recentes Diretrizes Curriculares Nacionais dos
de intervenção, com vigília persistente no en- cursos de graduação em educação física e dis-
frentamento às ingerências do sistema CON- ruptura na formação: apontamentos prelimina-
FEF/CREFs no campo da formação profissional, res. In: Caderno de Educação Física e Esporte,
denunciando e combatendo de maneira incan- Marechal Cândido Rondon, v. 17, n. 1, p. 1-9,
sável o seu projeto de tentar se consolidar de jan./jun. 2019.
forma ilegítima como o interlocutor privilegia-
do do assunto na área. GRAMSCI, Antonio. Lettere dal carcere. Torino:
Einaudi, 2014.

REFERÊNCIAS PENNA, A. M. Parecer CNE/CES 584/2018: o


‘Parecer’ das incertezas....? Por uma Educação
ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo Física Unificada: a certeza da resistência. 2018.
proletariado de serviços na era digital. São Pau- Mimeo.
lo: Boitempo, 2018.
SOUZA, A. G. de; MELGAREJO, M. M. Kroton
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Minuta e a formação em educação física. Boletim In-
de Projeto de Resolução para audiência Pública formativo MNCR, Revista Digital, v. 18, n. 1,
de 11/12/2015. Disponível em: <http://portal. 2019. Disponível em: <http://mncref.blogspot.
mec.gov.br/index.php?option=com_docman&- com/2019/05/boletim-informativo-do-mncr-a-
view=download&alias=28641-proposta-de-re- no-18-n1.html>. Acesso em: 29 julho 2019.

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PARECER CNE/CES 584/2018: o ‘Parecer’ das incertezas...?
Por uma Educação Física Unificada: a certeza da resistência.
Por: Adriana Penna
Dirigente da Aduff-SSind
Profª do Instituto de Educação Física/UFF
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Trabalho e Educação - NUPETE

1 - Introdução
A presença do fenômeno das Diretrizes Curriculares Nacionais na educação
brasileira está marcado por um determinado tempo histórico, sendo assim identificado
como a “era das diretrizes” (CIAVATTA e RAMOS, 2012, p. 2). É sob este marco
temporal que buscamos a relação entre as reformas curriculares (em todos os níveis da
educação) – como o centro de uma política reformista empreendida no Brasil – e o
movimento internacional correspondente. Essa relação “refere-se à crescente
subordinação dos Estados nacionais às exigências das agências multilaterais, como a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e os
Bancos Mundial e Interamericano de Desenvolvimento (BIRD e BID)” (LOPES 1, 2008,
apud., CIAVATTA & RAMOS, 2012, p. 16). Temos aqui, indícios de que “a principal
finalidade da educação contemporânea seria a formação de personalidades flexíveis para
a adaptação à realidade instável e incerta. A era das diretrizes coincide, assim, com a
era das incertezas” (CIAVATTA E RAMOS, 2012, p. 17, grifo nosso).
Há décadas a Educação Física (EF) tem sido marcada pelas consequências
concretas da luta de classes no mundo e por seus impactos e especificidades no Brasil.
Sobretudo, tal condição torna-se mais evidente com o avanço da crise capitalista e seus
desdobramentos sob a forma das políticas neoliberais, no início dos anos de 1990.
Diante desta constatação, e desde já, reafirmamos nossa posição em defesa da
unificação da formação oferecida pelos cursos de EF, na forma da licenciatura
ampliada, tomando por base as concepções de formação generalista2 e formação
omnilateral3, contra o “esfacelamento da profissão” (FARIA JUNIOR., 1987).
Esfacelamento que Faria Junior (1987, p. 29), nos finais dos anos de 1980, já previa
como representando um grande risco e podendo acarretar “como conseqüência

1
LOPES, Alice. Políticas de integração curricular. Rio de Janeiro: Eduerj, Faperj, 2008.
2
Para uma análise mais precisa sobre as contribuições da formação generalista ver FARIA JUNIOR,
Alfredo Gomes de. Professor de educação física: licenciado generalista. In: OLIVEIRA, V. M. de.
Fundamentos pedagógicos educação física 2. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1987.
3
Seguimos as formulações desenvolvidas por Saviani na defesa de uma formação humana na perspectiva
da omnilateralidade, a qual defende a necessária relação dialética entre teoria e prática na busca pela
formação integral do sujeito.
agrupamentos cooperativistas que terão de lutar pela regulamentação das profissões,
criando privilégios e fechando cada vez mais o mercado de trabalho”.
Contrapomo-nos, assim, à formação dominante baseada em concepções
pragmáticas e fragmentadas de mundo, funcional, portanto, à atual fase na qual se
expande o capitalismo monopolista4 e suas ideologias correspondentes, vale dizer, as
ideologias do pós-modernismo, antimarxistas, portanto.
Foi o campo da luta de classes o responsável por fazer emergir as disputas em
torno da formação e da profissionalização do trabalhador da EF. Portanto, as medidas
tomadas pelo Estado (às vezes, sustentadas pela força da lei) – na busca pela produção
de pretensos consensos entre as classes antagônicas – estão invariavelmente marcadas
pelos interesses inconciliáveis presentes entre as classes fundamentais. O fenômeno do
consenso carrega desde a sua origem a marca do antagonismo. Sendo assim, mais cedo
ou mais tarde, mostra a sua face instável e provisória.
Um exemplo concreto do argumento acima está na recente política de
conciliação de classes no Brasil, sobretudo, na sua expressão presente entre os anos de
2003 e 2016. Apostou-se na possibilidade da produção de consensos entre o capital e os
interesses de classes e frações da classe trabalhadora, perdendo de vista a dimensão das
contradições que se avolumavam. O resultado veio à tona com o impeachment da
presidenta Dilma5, indicando que a concreticidade real desta fase do capitalismo é
incapaz de sustentar quaisquer formas de consensos e/ou arremedos de conciliações
entre as classes fundamentais. A crise mundial e seus braços aqui no Brasil,
impulsionados pela atual fase do imperialismo monopolista, precisaram descartar o véu
da conciliação. Esse processo indicou a abertura de um tempo no qual o capital avança
de forma brutal sobre os trabalhadores, buscando alcançar a única coisa que lhe
interessa: o equilíbrio de suas taxas de lucro. Ao mesmo tempo, abre-se a possibilidade
para que a luta de classes se coloque no nosso horizonte, mais cedo ou mais tarde, sem
maquiagens. Esse aguçamento, por obvio, também está se fazendo presente na EF.
A este respeito, vale resgatar o ano de 19986 quando concretizou-se parte de um
projeto que, pelo menos desde meados dos anos de 1980, vem sendo o responsável por

4
Estamos apoiados na concepção de Lenin sobre a formação dos monopólios, como consequência da
fusão de grandes massas de capital, representando “a transição do capitalismo para a sua fase superior”, a
fase imperialista. O imperialismo: fase superior do capitalismo. 4ª ed. São Paulo: Centauro, 2008.
5
O plenário do Senado aprovou no dia 31 de agosto de 2016, por 61 votos favoráveis e 20 contrários, o
impeachment da presidente Dilma Rousseff.
6
Referimo-nos a sanção da Lei 9696, de 1º de setembro de 1998, a qual regulamentou a profissão de
educação física, criando o Conselho Federal de Educação Física e seus respectivos Conselhos Regionais.
negociações em nome da EF. Ao mesmo tempo, está comprometido com os interesses
privados e com a desqualificação/destruição dos espaços públicos. Este projeto foi o
responsável, entre outros aspectos, pela materialização do sistema Confef/Crefs: uma
“estrutura avançada do capitalismo” (NOZAKI, 2004) que vem operando no campo da
EF, haja vista a sua adequação à atual fase do capital monopolista, com suas variadas
formas de ataques desferidos à classe trabalhadora. Nesta conjuntura, o sistema
Confef/Crefs busca legitimidade ao se apresentar constituído por “[...]órgãos de
normatização, disciplina, defesa e fiscalização dos Profissionais de Educação Física, em
prol da sociedade, atuando como órgãos consultivos do Governo” (ESTATUTO
CONFEF, 2010). É neste sentido que precisaremos mais que nunca, ter a clareza de que:

Intelectualmente, é muito fácil confrontar e contestar o inimigo de cara


aberta, sem disfarce – o opositor de verdade, o reacionário, o direitista. No
entanto, o adversário escorregadio, ou que se apresenta de máscara, que nos é
próximo e que até se considera participando de nosso projeto, esse nos trará
algumas dificuldades...E deve ser, com presteza, combatido com todas as
energias, para que não prevaleçam as deformações muito próprias de suas
posições teóricas. E esse trabalho crítico, ao fim de conta, seria até bem mais
meritório por certas razões, por envolver, quase sempre, a filigrana, o detalhe,
e obrigar à atenção redobrada. (PESSANHA, 1995, p. 38, grifos do autor).

É imprescindível que declaremos que há um projeto da classe trabalhadora no


qual estão definidas as posições político-ideológicas sobre o que é a EF. É preciso que
indiquemos quais têm sido as contribuições mais qualificadas produzidas nesta área.
Este projeto tem sua síntese expressa na defesa da unidade da EF, ou seja, da
licenciatura ampliada.
Assim, considerando as condições de aprofundamento da crise capitalista a qual
tem suas de especificidades no Brasil; considerando os impactos desta crise sobre as
contradições latentes no campo da educação e da EF, o presente texto pretende levantar
uma discussão acerca da “aprovação” do Parecer CNE/CES 584/20187 (doravante
denominado ‘Parecer’) que institui as novas Diretrizes Curriculares Nacionais dos
cursos de graduação em Educação Física.

Para uma análise rigorosa deste processo e de sua relação com o reordenamento do mundo do trabalho,
possibilitando a regulamentação da profissão de educação física, bem como suas consequentes
modificações e implicações no campo da intervenção e da formação/qualificação profissional da
educação física, ver Nozaki (2004).
7
A Comissão do CNE/CES, no dia 3 de outubro de 2018, votou favoravelmente à aprovação das
Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Educação Física, na forma Parecer 584/18 e
do Projeto de Resolução que o acompanha, sendo publicado em DOU no dia 25 de outubro de 2018
(BRASILa, 2018).
Especificamente buscaremos abrir uma discussão, indicando que este ‘Parecer’
está determinado pelas condições econômicas, políticas e ideológicas do capital em
crise. Assim, ao operar a divisão dos saberes entre duas etapas de formação,
representados pela total fragmentação entre licenciatura e bacharelado, este ‘Parecer’
concluiu as ameaças iniciadas em 2004 e que foram controladas pelos limites da
conciliação promovida pela Resolução CNE/CES 7/20048. Sobre as DCNs instituídas
pela Resolução CNE/CES 7/2004, Taffarel e Júnior (2005, p. 114) apresentam-nas
[...] como mediadoras das necessidades de reestruturacão produtiva,
de dominação imperialista, de reformas e de aplacar a pobreza,
existem elementos concretos que permitem afirmar as íntimas relações
entre elas e a necessidade de estabelecimento da ‘nova ordem
mundial’.

Tomando por comparação a Resolução 7/2004 vigente, o ‘Parecer’ aprovado em


três de outubro de 2018 avança em relação àquela. Funciona como as mãos do Estado a
serviço do mercado tanto no espaço escolar como o não escolar. No primeiro caso,
reestrutura os cursos de licenciatura em EF para formar professores ajustados e
comprometidos com as reformas em curso na educação brasileira, a exemplo do “Novo
Ensino Médio” e da BNCC a ser implementada na educação básica. No espaço não
escolar, as diretrizes facilitam e ampliam a materialização dos interesses e do poder
exercido pelo Sistema Confef/crefs sobre os trabalhadores da EF.
Na busca por aproximarmo-nos de nosso objetivo, num primeiro momento
faremos uma breve análise das condições de precarização que perseguem a formação e a
ação docente no capitalismo monopolista, trazendo alguns elementos de sua expressão
no Brasil. Num segundo momento, faremos um breve resgate das contradições de
classes que têm acompanhado a história recente da formação em EF. Por último,
demonstraremos que a atual conjuntura de aprofundamento da crise capitalista
possibilitou às classes dominantes e seus representados no campo da EF, a ruptura com
o que ficara conhecido como um suposto “consenso possível” (TAFFAREL, 2003),
fazendo prevalecer o ‘Parecer’ e revelando seus verdadeiros interesses: a defesa de seus
monopólios.
As possibilidades históricas para a materialização do projeto indicado por este
‘Parecer’ estão colocadas. Cabe-nos, porém, o desafio de impedir a consolidação do
mesmo.

8
Instituiu as DCNs de EF, publicada no DOU em 5 de abril de 2004, Seção 1, p. 18. Alterada pela
Resolução CNE/CES nº 7, de 4 de outubro de 2007.
2 - A Formação de Professores sob a ideologia do pós-modernismo

“A Base Nacional de Formação Docente,


espelhada na BNCC ela definirá quais são as
competências e as habilidades, qual o perfil de
professor que nós gostaríamos de formar para dar
conta dessa BNCC” 9.

Como consequência das políticas voltadas à chamada valorização docente,


deparamo-nos, ao contrário, com um projeto que opera tanto para o esvaziamento da
formação acadêmica, quanto para a heteronomia político-pedagógica deste trabalhador.
Submetidos às atuais determinações da economia capitalista em crise, os projetos
voltados à valorização da atividade docente pretendem, em sua essência, criar os meios
para a adequação da ação docente à lógica contemporânea da divisão social e técnica do
trabalho. Dizendo de outra maneira, a formação e o trabalho docente encontram-se
amplamente submetidos à linha de pensamento da “pós-modernidade”10 que, ao
questionar as normas iluministas:
[...] vê o mundo como contingente, gratuito, diverso, instável,
imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações
desunificadas gerando um certo grau de ceticismo em relação à
objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às
idiossincrasias e a coerência de identidades [...] ela emerge da
mudança histórica ocorrida no Ocidente para uma nova forma de
capitalismo – para o mundo efêmero e descentralizado da
tecnologia, do consumismo e da indústria cultural, no qual as
indústrias de serviços, finanças e informações triunfam sobre a
produção tradicional, e a política clássica de classes cede terreno
a uma série difusa de ‘políticas de identidades’”. (EAGLETON,
1998, p. 7)

Grosso modo, reside na hegemonia do fenômeno da pós-modernidade a


explicação de um ambiente educacional que tem propiciado a intensificação da
dimensão técnica e instrumental na formação do futuro professor. Compõe-se, assim, o
quadro da precarização do trabalho docente dentro do qual identificamos o desequilíbrio
entre os fundamentos teóricos que historicamente compareceram na formação docente,
e a super valorização das atividades práticas, sendo estas superdimensionadas em

9
Maria Helena de Castro, secretária executiva do MEC, em entrevista concedida à Associação Nova
Escola (MONTEIRO, 16 Nov, 2017).
10
Por pós-modernidade, Terry Eagleton (1998) compreende “uma linha de pensamento que questiona as
noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a ideia de progresso ou emancipação
universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação.” (p. 7)
detrimento daquelas. Trata-se, de fato, da super valorização da dimensão técnica e
instrumental como orientadora da formação do futuro professor, a qual não está
desligada do crescimento de uma ideologia em defesa do ‘NOVO’. Esta, ao
materializar-se na forma de política, passa a determinar a existência de elementos
indispensáveis à preparação do novo perfil docente, o qual deverá ser o “multiplicador”
de novas práticas e discursos os quais proclamam uma nova era, supostamente pautada
por incontornáveis e inquestionáveis avanços da chamada sociedade do século XXI.
Portanto, todos deverão estar dispostos à adaptação!
Frequentemente conduzidos pelo discurso acima (tanto no campo da teoria como
no da prática), aos cursos de formação de professores impõe-se a produção de um
conjunto de competências capazes de introduzir esse ‘novo perfil docente’. É neste
contexto que: “Professores públicos são chamados a pagar a conta dos acordos espúrios
com o Capital: redução salarial, parcelamento de proventos, precarização e
intensificação do trabalho, entrega da escola pública às Organizações Sociais”
(EVANGELISTA, 2016, p. 1-2)
A alegação de que o professor tem que “aprender a aprender”11 a dar aulas e que,
portanto, sua formação deverá acompanhar a dinâmica veloz e transitória imposta pela
modernização dos novos tempos, vem pavimentando o caminho das reformas que se
apresentam à formação de professores no Brasil, sobretudo, a partir dos anos de 1990,
bem alinhadas às concepções da pós-modernidade.
O avanço do neoliberalismo e seu correspondente no campo da cultura, o pós-
modernismo12, reforçaram o discurso da chamada “sociedade do conhecimento”13.
Neste contexto, os conhecimentos universais e objetivos, historicamente construídos e
sistematizados, têm sido apontados como obstáculos à promoção do que se passou a
denominar como educação de qualidade. Esta, entendida como uma educação asséptica,
visando uma pretensa neutralidade íntima da tradição positivista. Tudo isso passa a
compor o novo perfil de educadores conectados à modernidade do Século XXI.
Assim, defender uma qualidade abstrata como o carro chefe da “Educação do
Século XXI” significa, em tempos de ultraliberalismo, alinhar-se à lógica da gestão dos
negócios, da competição de mercado, da meritocracia etc.

11
Para uma análise mais aprofundada sobre esta questão ver Martins (2010) e Facci (2004).
12
Para uma discussão aprofundada sobre o sentido do pós-modernismo e as dimensões alcançadas por
sua ideologia, ver Federic Jameson (1996) e Terry Eagleton (1998).
13
Concordando com Duarte (2008): “A assim chamada sociedade do conhecimento é uma ideologia
produzida pelo capitalismo, é um fenômeno no campo da reprodução ideológica do capitalismo” (p. 13).
Enguita (1998) nos mostra como ocorreu de forma acrítica, a partir dos anos de
1990, a associação entre a concepção de qualidade da educação com a concepção de
qualidade preconizada pela modernização para a produtividade e competitividade dos
mercados. Esse fenômeno vem ganhando força com o avanço das tecnologias voltadas à
informação.
Na linguagem dos especialistas, das administrações educacionais e dos
organismos internacionais, o conceito de qualidade tem invocado sucessivas
realidades distintas e cambiantes. Inicialmente foi identificado tão-somente
com a dotação em recursos humanos e materiais dos sistemas escolares ou
suas partes componentes: proporção do produto interno bruto ou do gasto
público dedicado à educação, custo por aluno, número de alunos por
professor, duração da formação ou nível salarial dos professores, etc. Este
enfoque correspondia à forma pela qual, ao menos na época florescente do
Estado do Bem-Estar, se tendia a medir a qualidade dos serviços públicos,
supondo que mais custo ou mais recursos, materiais ou humanos, por usuário
era igual a maior qualidade. Mais tarde, o foco da atenção do conceito se
deslocou dos recursos para a eficácia do processo: conseguir o máximo
resultado com o mínimo custo. Esta já não é a lógica dos serviços
públicos, mas da produção empresarial privada (1999, p. 98, grifo nosso).

Faz-se necessário notar que está em curso, desde os anos de 1990, um processo
de readequação da intervenção do capital na escola de modo geral, na formação e no
trabalho docente de forma específica. A este respeito Evangelista (et al., 2017) afirma
que “O desiderato de subordinação da docência à tarefa de produção e reprodução da
consciência burguesa via escolarização (...) é um fenômeno cujas repercussões sociais
nos dias que correm são gravíssimas”.
Pode-se inferir que a “formação docente se configurou como um dos elementos
centrais da reforma educacional projetada pelo neoliberalismo após os anos de 1990”
(EVANGELISTA, 2017, ibid., p. 5), e continua ainda nos dias de hoje, com todo o seu
arsenal jurídico-administrativo pronto para atacar. Haja vista a atual “Política Nacional
de Formação de Professores”, lançada pelo governo de Michel Temer em outubro de
2017. Segundo o MEC, para além de reforçar o discurso de culpabilização do professor,
seu objetivo era o de atuar para “ampliar a qualidade e o acesso à formação inicial e
continuada de professores da Educação Básica” (MONTEIRO, 2017).
Nessa linha acusatória, o então ministro da Educação, Mendonça Filho, afirmava
que
(...) a qualidade do professor é o fator que mais influencia a
melhoria do aprendizado. Isso significa que, independente [!]
das diferenças de renda, de classes sociais e das desigualdades
existentes, a qualidade do professor é o que mais pode
ajudar a melhorar a qualidade da educação (MONTEIRO,
2017, grifos nossos).

O peso jogado nos ombros do professor se presta, acima de tudo, a escamotear


os verdadeiros problemas vividos pela educação brasileira. Estes vão desde a falta de
estrutura na carreira docente e perdas de direitos conquistados através de lutas sindicais,
a salários incompatíveis com o trabalho docente, falta de infraestrutura nas escolas e
impedimentos à liberação para formação continuada.
Para o governo Temer e seus ideólogos atrelados às ordens dos organismos
internacionais, uma das principais medidas para mudar os rumos da tragédia
educacional brasileira, consiste na implementação de uma política de formação de
professores, a qual deverá ser acompanhada pela execução de quatro medidas. São elas:
a efetivação de uma Base Nacional Docente; a facilitação do acesso ao financiamento
do ProUni; a expansão do ensino à distância, e a implementação da chamada residência
pedagógica.
Segundo os representantes do MEC, no que tange a “Base Nacional de
Formação Docente”14 (Resolução Nº 02/1515), esta terá a função de direcionar “os
currículos de formação para que estejam adequados à Base Nacional Comum Curricular
(BNCC)16”, incidindo na “qualidade da educação” (MONTEIRO, 2017). Portanto, as
diretrizes curriculares das licenciaturas, incluindo as DCNs da Educação Física,
deverão estar diretamente associados às condições de formação do novo perfil docente
amplamente comprometido com a aceitação e implementação da BNCC na escola
básica.
A BNCC faz parte da Política Nacional da Educação Básica e, segundo o
discurso oficial, cumpre o papel de “contribuir para o alinhamento de outras
políticas e ações (...) referentes à formação de professores, à avaliação, à elaboração
de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o
pleno desenvolvimento da educação” (MEC, 2017, p. 6, grifos nossos).

14Está prevista pela Resolução Nº 2, de 1º de julho de 2015, pelo CNE/MEC, que define as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para
graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.

15 Esta Resolução teve seu Artigo 22 alterado pela Resolução Nº 3, de 3 de outubro de 2018. O Art. 22 da Resolução
Nº 2/2015 passa a vigorar da seguinte forma: “Os cursos de formação de professores, que se encontram em
funcionamento, deverão se adaptar a esta Resolução no prazo improrrogável de 4 (quatro) anos, a contar da data de
sua publicação”.
16 A BNCC para os ensinos infantil e fundamental foi aprovada em 15/12/2017 em votação no Conselho Nacional de

Educação (CNE);
Destaque-se a centralidade dada pela BNCC ao uso do conceito de
“competências”, que além de assumir em sua essência a centralidade político-ideológica
do neoliberalismo, ainda, apresenta-se camuflado por interesses aparentemente
subjetivos e pedagógicos tanto de professores, como de estudantes. Nesta perspectiva,
“competência” é definida como a “mobilização de conhecimentos (conceitos e
procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores
para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e
do mundo do trabalho”. Desta forma, pretende dar a indicação “clara do que os alunos
devem ‘saber’ [...] e, sobretudo, do que devem ‘saber fazer’ [...]” (BRASIL, 2017, p.
6 - 11, grifo nosso).
É neste contexto que precisaremos apreender as contradições presentes no
‘Parecer’ que pretende instituir as novíssimas Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Educação Física (Parecer CNE/CES nº 584/ 2018).

3 - Flexibilidade curricular: reestruturação produtiva adequando os


princípios das DCNs da Educação Física. O que têm a ver com a
BNCC?

O ‘Parecer’ que institui as DCNs para a formação do graduando em EF está


circunscrito pela imposição da divisão social e técnica do trabalho contemporâneo, a
qual precisa manter e aprofundar a divisão entre trabalho simples e complexo; entre
trabalho manual e intelectual. Portanto, não podemos nos surpreender com o fato da
discussão sobre quais saberes constituem a identidade deste trabalhador ou, quais
mercados deverão ser seus territórios de atuação/disputa profissional estar dominados
por análises abstratas. Tal discussão está no campo da “pseudoconcreticidade”, marcada
pela “práxis fragmentária dos indivíduos, baseada na divisão do trabalho, na divisão da
sociedade em classes e na hierarquia de posições sociais que sobre ela se ergue”
(KOSIK, 2002, p. 14).
Note-se, sobre as considerações acima, que nem os espaços de atuação, nem os
saberes interessam por si mesmos quando convocados a compor os currículos de
formação de futuros trabalhadores. Ao contrário, “[...]são as necessidades sociais que
determinam o conteúdo, isto é, o currículo da educação escolar em todos os seus níveis
e modalidades.” (SAVIANI, 2016, p. 9, grifo nosso). Mas, quais necessidades sociais
têm sido reivindicadas pela EF brasileira?
É neste imbróglio que a adoção intransigente do conceito de “trabalho
educativo” instrumentalizado pela categoria de totalidade, pela prática pedagógica plena
fundada na práxis materialista histórica e dialética, se faz indispensável. Entenda-se por
“trabalho educativo [...] o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens” (SAVIANI, 2012, p. 13). O “trabalho educativo” é produzido e desenvolvido
sob condições concretas, nas quais emergem a relação educador-educando. Nesse
sentido, sob a perspectiva dos interesses da classe trabalhadora, a ação educativa do
professor de EF (independentemente do seu espaço de atuação) deverá estar sempre
balizada por objetivos educativos na busca pelo “desenvolvimento do educando que
significa a transformação qualitativa de sua forma de inserção na prática social”
(SAVIANI, 2016, p. 17). Este é o princípio no qual os objetivos educativos devem
emergir, determinando a seleção dos saberes que deverão compor a organização dos
currículos.
Tomando o princípio acima, posicionamo-nos em defesa da licenciatura
ampliada como tática historicamente qualificada para formação de professores de EF,
correspondendo aos interesses da classe trabalhadora. Não podemos perder de vista que:

[...] o argumento epistemológico central dos defensores da


licenciatura ampliada é de que, seja no campo escolar ou fora
dele, o objeto de formação da educação física é o trabalho
pedagógico. Este é o ponto central para a defesa da inexistência
– ou equivalência à licenciatura – do bacharelado em educação
física. (NOZAKI, 2017, p. 77, 78).

O professor de EF – educador no seu sentido pleno – deverá ter o seu “saber


pedagógico” fundado na relação dialética entre o compromisso político e a competência
técnica. O “saber pedagógico”, como afirma Saviani, “fornece a base de construção da
perspectiva especificamente educativa a partir da qual se define a identidade do
educador como um profissional distinto dos demais profissionais, estejam eles
ligados ou não ao campo educacional” (2016, p. 13, grifos nossos).
Negando a proposição acima, as competências determinadas pelo mercado têm
sido o padrão priorizado pelas Diretrizes instituídas também para os cursos de
graduação. Seguindo este padrão, as DCNs de EF aderem ao modelo de formação por
competências que são externas aos objetivos educativos e aos “saberes pedagógicos”, tal
como foram tratados acima.
Ao seguir o modelo orientado por competências, as DCNs da EF passam a
influenciar diretamente na formação do trabalhador para as novas formas de
organização para o trabalho flexível, parcelado, intermitente e todas as formas de
precarização possíveis. Além de promover a especialização precoce e o aligeiramento
na formação, já que há uma redução concreta na conclusão de cada etapa específica, ou
seja, na licenciatura e no bacharelado. A esta formação o ‘Parecer’ chama de
“generalista”.
A notícia da aprovação deste ‘Parecer’ tomou a todos de surpresa, já que não
houve convocação ou qualquer forma de consulta pública às entidades interessadas
nesta pauta. Para além desse aspecto, vale registrar que os últimos debates com o
objetivo de revisar as atuais DCNs de EF (Resolução CNE/CES Nº 7/2014) ocorreram
em 11 de dezembro de 2015 em audiência pública convocada por aquele Conselho17.
Desde então, não temos notícias de nova convocação por parte do CNE que objetivasse
dar continuidade aos debates iniciados em 2015. Este fato deve ser tomado como um
alerta, levando-nos a questionar os métodos utilizados para se chegar ao que poderá vir
a se o esfacelamento total da EF via homologação do ‘Parecer’, caso não consigamos
êxito em nossa resistência.
A Comissão CNE/CES, entre os argumentos utilizados para justificar a busca
pela aprovação das novas DCNs, recorre às chamadas inevitáveis “transformações
ocorridas na Educação no Século XXI” as quais demandariam
[...] formação acadêmica geral e específica, pautadas em competências,
habilidades e atitudes, contemplando conhecimentos e experiências reais,
problematizadas e contextualizadas, com a garantia da incorporação de
inovações científicas e tecnológicas, sem desprezar as evidências científicas.
(PARECER 584/2018, p. 2).

Assim o ‘Parecer’ ressalta a importância desta aprovação como sendo uma


resposta da educação física aos “novos tempos”, aos novos “desafios da sociedade”.
Colocando-se na posição de um “novo marco legal”, a novíssima proposta de formação
para os cursos de graduação em EF afirma pretender contemplar “adequadamente, a
atenção em saúde e educação, que valorize a formação voltada para o Sistema
17
No dia 11 de dezembro de 2015 uma Comissão de especialistas foi formada, no âmbito do MEC-CNE,
convocando entidades científicas, acadêmicas, profissional, estudantil entre outras para discutir a
possibilidade de revisão da Resolução CNE/CES 07/2014, apresentando uma Minuta de Projeto de
Resolução para ser debatida em audiência pública de 11/12/2015. Foi objeto daquela Minuta a defesa da
unificação da EF na forma da licenciatura plena. O arquivo de voz relativo à citada Audiência pode ser
encontrado na íntegra no endereço:
http://centraldemidia.mec.gov.br/index.php?option=com_hwdmediashare&view=mediaitem&id=10812:a
udiencia-publica-educacao-fisica-11-12-15?&filter_mediaType=1.
Único de Saúde (SUS) e para a formação de professores de todas as áreas da
atuação profissional” (PARECER CNE/CES 584/2018, p. 2, grifo nosso). Tal
afirmação poderia levar à compreensão de que por “todas as áreas de atuação
profissional” se entendesse o campo escolar, como o não escolar. Em alguma medida,
tal interpretação parece estar correta. Contudo, ao prosseguirmos na análise do
‘Parecer’, logo fica clara a atuação dos interesses daqueles que se articulam
exclusivamente em função dos interesses do mercado e de sua divisão sócio-técnica do
trabalho.
Com base na argumentação acima o ‘Parecer’ tenta justificar o esfacelamento
imposto ao curso de graduação em EF. Vejamos:

Art. 5º Dada a necessária articulação entre conhecimentos, habilidades,


sensibilidade e atitudes requerida do egresso para o futuro exercício
profissional, a formação do graduado em Educação Física terá ingresso
único, destinado tanto ao bacharelado quanto à licenciatura, e
desdobrar-se-á em duas etapas [...] (PARECER, p. 7).

Subsidiado pelo artigo acima, o ‘Parecer’ promove a fragmentação, a qual se


expressa em “duas etapas”, quais sejam: I- Etapa Comum, II – Etapa Específica.
O ‘Parecer’ em tela ainda informa que as duas etapas acima indicadas deverão
ser desenvolvidas em 1.600 horas cada. Destaca o fato de que será na etapa específica
que “os graduandos terão acesso a conhecimentos específicos das opções em
bacharelado ou licenciatura” (p. 8).
Ainda, no parágrafo 1º do Art. 5º pode-se ler que, ao término da etapa comum e:
“No início do 4º (quarto) semestre, a Instituição de Educação Superior deverá realizar
uma consulta oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito da escolha da
formação que pretendem seguir na Etapa Específica - bacharelado ou licenciatura [...]
(p. 8).
Por etapa comum o documento entende o momento do curso no qual o aluno
passará a ter “autonomia” para escolher sua futura formação específica: bacharelado ou
licenciatura. Para nós fica claro que trata-se de uma autonomia vazia. Um processo de
transferência de responsabilidades por parte do estado, negando ao estudante uma
formação plena (omnilateral), na qual possa adquirir as bases teóricas e práticas com as
quais possa adquirir maturidade intelectual para escolhas futuras.
Ao se eximir desta responsabilidade, o estado impõe ao discente uma única
opção: a de fazer uma escolha precoce. Tal escolha obriga o aluno a entrar em um
processo de especialização que também é precoce.
A fragmentação imposta pelo ‘Parecer’ pretende ser o objeto que faltava para
restringir a ação pedagógica daqueles que optam pela licenciatura. Instala-se, neste
sentido, para além da fragmentação, uma competição acirrada dentro do campo da EF.
Competitividade que poderá ocorrer dada a intenção do ‘Parecer’ em restringir a
intervenção docente à ação exclusivamente no âmbito escolar. A nosso ver, essa
intenção poderá produzir uma corrida ao bacharelado por seu perfil de intervenção
ilimitado e flexível, haja vista que:

O graduado Bacharel em Educação Física terá formação geral, humanista,


técnica, crítica, reflexiva e ética, qualificadora da intervenção profissional
fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética em
todos os campos de intervenção profissional da Educação Física, exceto a
docência na Educação Básica. (PARECER, 2018, p. 2, grifo nosso).

Fica evidente que a etapa específica voltada para a formação em licenciatura


sofrerá um veto em seu campo de intervenção. Nesse sentido, o MEC e o CNE (o
Estado, portanto) assumem declaradamente o mesmo papel controlador e policialesco
desempenhado desde 1998 pelo sistema Confef/Crefs, facilitando e agilizando o
trabalho deste. As novíssimas diretrizes poderão legitimar a produção de limites que se
interponham às atividades educacionais do professor de educação física na medida em
que o circunscreve ao campo escolar. Assim:

Art. 9º [...]VIII - A formação inicial e continuada de professoras e


professores de Educação Física deverá qualificar esses profissionais para que
sejam capazes de contextualizar, problematizar e sistematizar conhecimentos
teóricos e práticos sobre motricidade humana/movimento humano/cultura do
movimento corporal/atividade física nas suas diversas manifestações (jogo,
esporte, exercício, ginástica, lutas e dança), no âmbito do Ensino Básico.
Art. 10 O Licenciado em Educação Física terá formação humanista,
técnica, crítica, reflexiva e ética qualificadora da intervenção profissional
fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta ética no
magistério, ou seja, na docência do componente curricular Educação
Física, tendo como referência a legislação própria do Conselho Nacional
de Educação para a área. (p. 9-10, grifo nosso).

Importante, desde logo, registrar o sentido dado às concepções de educação e de


saúde contidas no ‘Parecer’ em questão. Sobre a primeira, fica claro ao longo do
‘Parecer’ a adesão a uma concepção de educação que dê conta de produzir
“competências, habilidades, e atitudes” (ibid., p.3), às quais tenham a possibilidade de
mobilizar conhecimentos adaptáveis e flexíveis frente às imposições dos chamados
“novos tempos”. Vale dizer, conhecimentos moldados pela atual fase da produção
capitalista e do avanço da precarização/desregulamentação do trabalho. Trata-se,
portanto, da farsa que se dispõe a reeditar a Teoria do Capital Humano18, agora na
versão da educação para o desenvolvimento de competências que concorram para a
formação do novo perfil do trabalhador empreendedor. Tal perfil interessa tanto
como modelo de formação para o licenciado quanto para o bacharel em EF. No que diz
respeito ao licenciado, este também passará por um processo de
especialização/profissionalização para adequar sua formação às demandas de um novo
perfil de professor empreendedor. Adequado às novas imposições do mercado para a
aplicabilidade da BNCC na escola básica, o novo perfil do licenciado em EF (tal como
indicado nas novas diretrizes) deverá se enquadrar, numa perspectiva meramente
técnica da ação docente. No que concerne à formação do bacharel, este estará submetido
às condições de competitividade próprias das múltiplas atividades e mercados objetos
de sua intervenção. Além disso, poderá se tornar um instrumento das inúmeras e
intermináveis capacitações oferecidas pelo mercado do fittnes (cross feet, zumba,
ginástica aeróbica, spiner etc...), do lazer, do esporte etc...
Acerca da concepção de saúde contida no ‘Parecer’ em análise, embora o mesmo
afirme estar fundamentado por um quadro legal que supostamente assume as
concepções defendidas pelo SUS19 (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1990), ao
contrário disso, defende a “adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável” (p.
3). Observamos o reforço do entendimento de saúde já presente nas atuais diretrizes
(Res CNE/CES 7/2004) sustentado pelos princípios da aptidão física e de um corpo
saudável adquirido no mercado (não escolar), valorizando a
[...] reprodução do modelo dominante das manifestações das práticas
corporais no campo não escolar, na forma de esportes, da dança, da
ginástica e assim por diante. Ainda nesse campo, tais manifestações

18
A Teoria do Capital Humano e seu “caráter circular” – dando destaque aos supostos macro e microeconômicas da
tese –, é discutida com rigor e riqueza de detalhes na obra de Gaudêncio Frigotto “A produtividade da Escola
Improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista”. SP. Cortez
Editora. 2001.
19 Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde nº 8.080, de 19 de setembro de 1990: “Dispõe sobre as condições para a

promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá


outras providências”. Esta lei traz a concepção de saúde defendida pelo SUS, a qual fica explicitada em seu Artigo
2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas
econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de
condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação”.
concorrem em última instância para a formação da ideologia da
promoção da saúde e qualidade de vida, e se ligam à ideologia da
empregabilidade quando se destinam a formar um corpo qualificado
para uma boa apresentação pessoal. (NOZAKI, 2005, p. 24)

Nesse sentido, o Projeto de Resolução anexo ao ‘Parecer’ afirma em seu Art. 7º


Parágrafo único que: “O egresso do curso deverá articular os conhecimentos da
Educação Física com eixos/setores da saúde, do esporte, da cultura e do lazer e os da
formação de professores” (p. 8, grifos nossos)
Ainda, sobre o perfil do graduado Bacharel em EF, pode-se encontrar
novamente a afirmação de que o mesmo poderá atuar em todos os campos de
intervenção profissional no Art. 19 do Projeto de Resolução anexo ao ‘Parecer’. Nesse
sentido, objetivando justificar o caráter flexível garantido pelo Art. 19, pode-se ler
imediatamente a seguir:
Art. 20 A formação do Bacharel em Educação Física, para
atuar nos campos de intervenção citados no caput do Art. 10,
deverá contemplar os seguintes eixos articuladores: I – saúde:
políticas e programas de saúde; integração ensino, serviço e
comunidade [...], Sistema Único de Saúde, dimensões e
implicações biológica, psicológica, sociológica, cultural e
pedagógica da saúde [...] II – esporte: políticas e programas de
esporte [...] dimensões e implicações [...] cultural e pedagógica do
esporte [...] III – cultura e lazer: políticas e programas de cultura e
lazer[...] dimensões e implicações [...] cultural e pedagógica do
lazer (ibid., p. 12, grifo nosso).

Ao consultarmos o conteúdo do caput do Art. 10 (artigo já transcrito em outro


momento deste texto) pode-se verificar que – apesar de pretender limitar as
especificidades para a formação em licenciatura em EF –, o mesmo é resgatado no Art.
20 (veja artigo acima), com o objetivo de criar brechas necessárias à intervenção
flexível do bacharel. Ou seja, para que este atue sem restrições, em todos os campos de
intervenção.·
Portanto, ao mesmo tempo em que o ‘Parecer’ pretende obstruir o espaço de
intervenção do licenciado (restringindo-o a uma formação profissional/técnica, para que
este atue exclusivamente no espaço escolar), cria a expectativa de expansão do mercado
para a competitividade no campo de atuação/intervenção do futuro bacharel, inclusive
no mercado escolar. Para tanto, basta que o graduando no bacharelado contemple os
eixos articuladores (como já apontamos acima), tal como encontra-se exposto no Art.
20º: I – saúde; II – esporte; III – cultura e lazer.
O reforço dado à formação flexível do perfil do graduado bacharel, como já
demonstramos (Art. 19º e Art. 20º), também atuará para impedir que o professor de EF,
com licenciatura, atue no campo da saúde, a exemplo de sua atuação no SUS. Note-se
que a atual Política Nacional de Atenção Básica, que conta com a constituição de
Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB), tem em sua
composição um conjunto de profissionais da área da saúde, entre eles:

Poderão compor os NASF-AB as ocupações do Código Brasileiro de


Ocupações - CBO na área de saúde: Médico Acupunturista; Assistente
Social; Profissional/Professor de Educação Física; Farmacêutico;
Fisioterapeuta; Fonoaudiólogo; Médico Ginecologista/Obstetra; Médico
Homeopata; Nutricionista; Médico Pediatra; Psicólogo; Médico Psiquiatra;
Terapeuta Ocupacional; Médico Geriatra; Médico Internista (clínica médica),
Médico do Trabalho, Médico Veterinário, profissional com formação em arte
e educação (arte educador) e profissional de saúde sanitarista, ou seja,
profissional graduado na área de saúde com pós-graduação em saúde
pública ou coletiva ou graduado diretamente em uma dessas áreas conforme
normativa vigente. (BRASIL, 1990. PORTARIA Nº 2.436, DE 21
DE SETEMBRO DE 2017)20.

Sobre a passagem acima, queremos reforçar o reconhecimento do SUS à


intervenção nas Nasfs do Profissional/Professor de Educação Física.
Junto à proposta de aprovação do novíssimo ‘Parecer’, o qual pretende
estabelecer os limites da escola como campo de atuação/intervenção do professor de EF,
fica a curiosidade sobre quais mecanismos poderão ser criados para impedir a atuação
do professor de EF no âmbito do SUS. Quais os instrumentos serão utilizados para fazer
valer frente ao SUS as determinações da proposta de novas diretrizes?
Neste contexto, merece destaque a afirmação da Comissão na voz de seu relator,
o Conselheiro Luiz Roberto Liza Curi, ao considerar que a aprovação das novas
diretrizes deve ser compreendida como o “resultado de uma construção coletiva, com a
participação do Conselho Federal de Educação Física [CONFEF], do segmento
acadêmico e científico e das associações educacionais e profissionais, e que retrata a
evolução pensada, gradual, responsável e sem trauma” (PARECER 584/2018, p. 5,
grifos nossos).
Não é objetivo das considerações contempladas por este texto discutir as
contradições históricas que têm acompanhado a implementação das diretrizes da EF

20
“Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a
organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)”.
(discussão que se abre desde meado dos anos de 1990)21. Ainda assim, faz-se necessário
chamar a atenção para o fato de que, diferentemente do processo que levou à aprovação
da Resolução CNE/CES 7/2004 – o qual se deu após uma série de audiências públicas
(TAFFAREL E JUNIOR, 2005; NOZAKI, 2004) –, e da audiência convocada em 2015
para debater a “Minuta de Projeto de Resolução para audiência pública” (CNE/CES
2015), o atual ‘Parecer’ o qual vem acompanhado de um Projeto de Resolução, parece
estar tramitando sob o resguardo de sete chaves. Tal compreensão se torna mais clara
quando o ‘Parecer’ expõe a interferência acentuada de uma única entidade a qual tem,
inclusive, seu nome citado literalmente no texto do documento. Referimo-nos ao
CONFEF.
Cabe reforçar que, a ausência do debate coletivo legitimou o relator à
equivocada interpretação, como já comentado acima, a qual se expressa na saudação às
novas diretrizes como sendo o resultado de um processo da “evolução pensada,
gradual, responsável e sem trauma” (p. 5, grifo nosso). Trata-se, ao contrário da
interpretação do relator, de uma tentativa de conter e apassivar as contradições
históricas presentes no campo da EF. Nesse sentido, nem mesmo as condições concretas
para a construção de um “consenso possível” ou de um “falso consenso” (TAFFAREL,
2005), tal como ocorrera em 2004, foram possibilitadas22.
Um dos desdobramentos da ausência de debates já apontada por nós, se expressa
também pelo caráter obrigatório assumido pela proposta de novas diretrizes. A
obrigatoriedade se impõe sem que ao menos as IES tenham sido minimamente
comunicadas sobre o andamento deste processo. Ressalte-se aqui a ameaça à autonomia
universitária, constitucionalmente prevista em seu Artigo 207, garantindo que: “As

21
Importante lembrar que a discussão sobre a construção de Diretrizes para os cursos de EF têm suas
raízes tanto na LDBN, Lei 9394/96, bem como nos debates que se abrem no âmbito da Câmara Superior
de Educação, Conselho Nacional de Educação, a partir de 1997, convocando a comunidade acadêmica e
profissional para contribuir com o processo de reformulação curricular dos cursos de graduação.
22
Como demonstrado por Nozaki (2004), o início dos anos 2000 abriu a possibilidade para os debates e
para a exposição das disputas para que fossem apresentadas as posições de cada entidade convocada para
se posicionar, junto ao CNE, acerca da definição das Diretrizes Curriculares e da duração dos cursos de
EF. Nozaki demostra que foi ao longo deste processo que várias entidades participaram efetivamente,
entre elas o Ministério dos Esportes, CBCE, CONFEF, MEEF, EXNFEE, declarando suas posições
políticas e ideológicas sobre a questão da formação nos cursos de EF. Neste processo, em determinado
momento algumas entidades se manifestaram em apoio à resolução da comissão de especialistas,
apresentado pelo Ministério do Esporte, os quais entre elas estavam “o CBCE e o Conselho dos
Dirigentes das Instituições de Ensino Superior de Educação Física (CONDIESEF), fundamentalmente
argumentando sobre o possível consenso até então formado” (p. 257). Celi Taffarel (2003, p. 10-11)
destacou, à época, não ter havido consenso, ou, sequer um “consenso possível” como foi defendido pelo
CNE. Para Taffarel: “O que existe é sim um acordo momentâneo para passar uma posição frente ao
CNE”.
universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão” (BRASIL, 1998).
O destaque à obrigatoriedade encontra-se de forma clara nas “Considerações
finais do relator” (p, 5), o qual se coloca sob uma perspectiva meramente técnica e sem
qualquer atenção ao necessário debate com as IES e suas reais disponibilidades
pedagógicas, políticas e ideológicas para a implementação de novas diretrizes. Sendo
assim, na vã tentativa de reforçar sua concepção, alegando que as novas DCNs de EF
são o resultado de uma “evolução pensada, gradual, responsável e sem trauma” (p.
5, grifo nosso), o relator afirma que:
[...] a despeito de obrigatórias [as DCNs], deverão ser estabelecidas de
forma gradual pelas Instituições de Educação Superior (IES), pelo que
entendemos ser razoável que seja essa implantação concluída em um prazo
máximo de 2 (dois) anos, a partir da publicação desta Resolução, sem
prejuízo de que as IES, querendo e de forma consensual com os colegiados
dos cursos de Educação Física e com a representação discente, possam
promover, proporcionalmente, ajustes nos cursos em andamento. (PARECER
CNE/CES 584/2018, p. 5)

Não apenas pelo aspecto acima, mas, sobretudo por ele, não teremos outra saída
a não ser materializar a nossa organização para derrubar o caráter de obrigatório,
fragmentário, pragmático e mercantil da proposta apresentada nessas diretrizes. Este é
um forte sinal dos desafios que precisaremos enfrentar na atual conjuntura. Afirmamos
que essa proposta, só pelo fato de terem sido propostas...!, já representam um
profundo retrocesso e ameaça à formação unificada do professor de EF.
O quadro acima se ajusta ao patamar da concepção dominante em defesa da
chamada “Educação Século XXI” atrelada aos ideários ultraliberais. Localiza o
indivíduo como o único responsável por suas supostas conquistas ou por seus supostos
fracassos e dá a este fenômeno o nome de “autonomia” e “liberdade”; inclusive quando
se trata de estar “excluído” do trabalho. Atrelada a este ideário, a perspectiva do
desenvolvimento de competências se apresenta como a principal condição para garantir
a inserção dos indivíduos no mercado produtivo. Esta lógica tem propagado, sobretudo
a partir dos anos de 1990, a ideia da “educação para toda a vida”, a qual leva o
indivíduo (neste caso, o professor de EF) a buscar saídas individuais para se enquadrar
permanentemente às transformações impostas por uma lógica de produção flexível,
veloz e desregulamentada.
Assim, formar o graduado em EF dentro desta lógica significa situá-lo,
predominantemente, na esteira de uma variedade de mercados destinados à
irracionalidade técnica que tem acompanhado a capacitação profissional pautada pelos
modismos que imperam no mercado do corpo, da saúde, do lazer, da recreação etc. Mas
que também se configura como um concorridíssimo mercado que, entre outras coisas,
disputa a formação do novo perfil docente, bem como a capacitação/qualificação
deste para atuar na escola23.
O recurso da obrigatoriedade camuflado pela retórica da defesa da liberdade de
escolha e da autonomia do discente está presente no ‘Parecer’. Assim, impõe ao
estudante a lógica da especialização precoce, lançando-o às armadilhas da variação de
“humores” do mercado e de seus modismos seja na área da formação para atuar na
educação escolar, seja fora da escola na área do fitness, da saúde, do treinamento etc.
Esta é a tão proclamada “educação ao longo de toda a vida” (DELORS, 1990, p. 104).
Segundo estas propostas difundidas pela UNESCO e expressas no livro do ideólogo
Jacques Delors sob o título “Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI”, uma
concepção em defesa da educação ao longo de toda a vida deve:

[...] fazer com que cada indivíduo saiba conduzir o seu destino, num mundo
onde a rapidez das mudanças se conjuga com o fenômeno da globalização
para modificar a relação que homens e mulheres mantêm com o espaço e o
tempo. As alterações que afetam a natureza do emprego, ainda circunscritas a
uma parte do mundo, vão, com certeza, generalizar-se e levar a uma
reorganização dos ritmos de vida. A educação ao longo de toda a vida torna-
se assim, para nós, o meio de chegar a um equilíbrio mais perfeito entre
trabalho e aprendizagem bem como ao exercício de uma cidadania ativa
(UNESCO. UM TESOURO A DESCOBRIR, p. 105).

Trata-se da busca permanente por atualização profissional – da (i)racionalidade


técnica) – frente às transformações impostas pela atual lógica de produção pautada por
uma base microeletrônica altamente complexa; pelas conexões em rede de
computadores etc. Tanto o discente, graduando em EF, quanto o egresso (licenciado e

23
Sobre esta questão ver: PENNA, Adriana. Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação’:
Implicações da Lógica Privada na Formação/Qualificação do Professor. Uma Análise
Fundamentada pela Pedagogia Histórico-Crítica. In: Congresso Pedagogia Histórico-Crítica:
educação e desenvolvimento humano. 2015. 06 a 08 de julho de 2015. Unesp - Bauru (SP);
PENNA, Adriana. Regulamentação da profissão do pedagogo: a quem interessa? Um debate
fundamentado pela Pedagogia Histórico-Crítica. In: III Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas
sobre Educação do Campo. V Jornada de Educação Especial no Campo. XIII Jornada do HISTEDBR –
Educação no Campo: História, desafios e perspectivas atuais. Disponível em: WWW.gepec.ufscar.br.
bacharel) estão submetidos às formações/qualificações aligeiradas e superficiais. Estas
se inscrevem na falsa retórica que naturaliza a relação entre a condição de manter-se
empregado frente ao avanço do desemprego estrutural e da inexorável dilatação do
exército industrial de reserva, e o esforço individual em manter-se incansavelmente
“correndo atrás” do tempo perdido.
Por fim, cabe afirmar que o ‘Parecer’ em questão representa a expressão mais
acabada da formação para o trabalho precarizado na EF. Deste modo, além de adequar a
formação do professor de EF às reformas em curso na educação básica, ainda busca
resolver uma disputa que se faz presente na EF desde, pelo menos, 1998. Assim, o
‘Parecer’ em análise cumpre o papel de solucionar/resolver pelo e para o CONFEF os
limites e a ingerência desta entidade nos mercados escolar e não escolar.
A aprovação definitiva dessa proposta em busca da aprovação de novas DCNs
de EF poderá reforçar o fenômeno da regulamentação da profissão de educação física, o
qual levou à criação do sistema CONFEF/CREFs24. Este faz parte de uma ação
corporativista e de gerência da crise do capital, sendo assim, não representa,
efetivamente, conquistas aos trabalhadores da educação física. Nesse contexto, vale
sempre lembrar e reafirmar que a criação do sistema CONFEF/CREFs, ante as reformas
estruturais vividas pelo Estado brasileiro, configura-se como uma "estrutura avançada
do capitalismo" (NOZAKI, 2004, p.209, grifo nosso).

4 - Nada para concluir..., muito pelo o que resistir!

O ‘Parecer’ ora analisado pretende instituir o “esfacelamento” amplo e irrestrito


no campo da EF, contribuindo diretamente para o aprofundamento e naturalização do
fenômeno do corporativismo e do privatismo bem adequado à fase monopolista do
capital. Nesse sentido, este ‘Parecer’ cumpre a função de implementar uma formação
meramente técnica e pragmática na EF seja na etapa comum, seja na etapa específica.
Na etapa comum, o ‘Parecer’ indica que a formação em EF deverá se adequar às
exigências do novo perfil do trabalhador do “Século XXI”. Este, forjado por
competências mutáveis e adaptadas pela dinâmica do mercado e por uma nova
racionalidade técnica e pragmática, voltada para a aplicação das atuais reformas
impostas pelo mercado a todos os setores da vida.

24
Conselho Federal de Educação Física e seus respectivos Conselhos Regionais de Educação
Física.
Na etapa específica, à formação do licenciado o ‘Parecer’ indica a restrição do
professor de EF às atividades escolares, adequando-se às reformas educacionais já em
curso, haja vista a implementação do chamado “Novo Ensino Médio” e da BNCC na
educação básica. Nesse sentido, a formação do professor de EF e sua atividade
pedagógica também deverão ser fundamentadas na concepção de competências.
No que se refere à formação no bacharelado, o ‘Parecer’ aprofunda seus aspectos
técnicos, naturalizando a competitividade e a flexibilização de funções destinadas à
atuação nos mercados da aptidão física, do fitness e da busca por uma vida saudável.
A aparição deste ‘Parecer’ se dá num momento de grandes incertezas e de
ameaças de toda natureza (econômicas, políticas, ideológicas...). Tudo isso num país
que vem conduzindo seus serviços públicos à falência, transformando-os
sistematicamente em mercadorias. Na mesma proporção o estado brasileiro abre as
portas do mercado à iniciativa privada e às elites.
É preciso, indispensável mesmo, que o pensamento crítico remanescente aja
contra o racionalismo instrumental do mercado e sua capacidade destrutiva, os quais
impulsionam a sociedade à irracionalidade. Daí a necessidade de nos organizarmos e de
conhecermos a realidade concreta para apontarmos as contradições de sua dinâmica
política, econômica e ideológica. Só assim NÃO nos renderemos às suas várias
expressões de poder.
À LUTA, POIS!

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Artigos

AS (NOVAS) DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: A


FRAGMENTAÇÃO REPAGINADA

LAS (NUEVAS) DIRECTRICES DE LA EDUCACIÓN FÍSICA: LA FRAGMENTACIÓN


REPAGINADA

THE (NEW) OF THE PHYSICAL EDUCATION CURRICULUM GUIDELINES:


REMODELED FRAGMENTATION
DOI: http://dx.doi.org/10.9771/gmed.v11i3.34754

Osvaldo Galdino dos Santos Júnior1


Robson dos Santos Bastos2

Resumo: Objetivando analisar a fragmentação da formação nas (novas) Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de
graduação em Educação Física (Resolução CNE/CES nº 06/2018), o estudo se utiliza da análise documental para revelar os
debates que antecederam sua publicação e a concepção de formação nelas presente. Constatamos que a fragmentação foi
repaginada, se mantém na lógica destrutiva do capital, assim como a concepção de formação contínua direcionada à
instrumentalização para o trabalho.
Palavras-chave: Formação de Professores. Diretrizes Curriculares Nacionais. Educação Física.
Resumen: Con el objetivo de analizar la fragmentación de la formación en las (nuevas) Directrices Curriculares Nacionales de los
cursos de graduación en Educación Física (Resolución CNE/CES nº 06/2018), para tal el estudio se utiliza del análisis
documental para revelar los debates que precedieron su publicación y la concepción de formación en ellas presente. Constatamos
que la fragmentación fue repaginada, se mantiene en la lógica destructiva del capital, así como la concepción de formación
continua dirigida a la instrumentalización para el trabajo.
Palabras clave: Formación de Profesores. Directrices Curriculares. Educación Física.
Abstract: Aiming to analyze the fragmentation of formation in (new) National Curriculum Guidelines for undergraduate courses
in Physical Education (Resolution CNE/CES nº 06/2018), the study uses documentary analysis to reveal the debate leading up to
your publication and the design of formation her present. We found that fragmentation was remodeled, keeps on destructive logic
of capital, as well as the design of formation directed at exploitation for work.
Key words: Formation of Theachers. Curriculum Guidelines. Physical Education.

Considerações iniciais

Desde a promulgação da Resolução CNE/CP nº 07/2004, quando se denominou de “consenso


possível3” o debate sobre a proposta de formação em Educação Física (EF) não foi tão acalorado como o
que antecedeu o processo de reformulação das (novas) Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a
formação do Graduado em EF. Analisando esse processo, Castellani Filho (2016) utiliza o termo
“formação sitiada” para explicitar a tensão entre o setor conservador/corporativista e o setor
progressista/revolucionário durante os trabalhos do Conselho Nacional de Educação (CNE) da Câmara
de Ensino Superior (CES) sobre a reformulação do texto que culminou na Resolução CNE/CES nº
06/2018.
Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 11, n. 3, p. 317-327, dez. 2019. ISSN: 2175-5604 317
Artigos

Dentre o setor conservador/cooperativista podemos encontrar o Conselho Federal de


Educação Física (CONFEF) e os Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs) que, em se tratando
da formação, sempre mantiveram o interesse em direcionar o campo da EF, isto fica evidenciado a partir
dos estudos de Birk4 (2005), que analisou interesses e disputas no processo de formulação das diretrizes
por meio das Comissões de Especialistas de Ensino em Educação Física (COESP-EF).
No setor progressista/revolucionário destacamos o Movimento Estudantil (MEEF), o
Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de EF (MNCR), o Grupo de Trabalho
Temático (GTT) Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte (CBCE) e alguns grupos de pesquisas que defendem a formação única em licenciatura e
consideram o eixo central da formação o trabalho pedagógico. Neste setor, destacam-se as cartilhas que o
MEEF, por meio da Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física (EXNEEF), lançou em 2009
sob o slogan “Educação Física é uma só. Formação Unificada Já! Pela revogação das atuais Diretrizes
Curriculares”5. Neste documento, os estudantes explicitam que são contrários à divisão da formação, pois
essa fragmentação não tem sustentação científica e não atende à realidade dos cursos, com isso, a
entendem como um retrocesso e que tal divisão está pautada em interesses econômicos.
Sendo assim, as questões que se colocam neste trabalho são: o que determinou o debate para a
definição das (novas) DCNEF? Como a Resolução CNE/CES nº 06/2018, que instituiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em EF, tratou a fragmentação da formação? Para
tanto, no primeiro momento, trataremos de abordar as razões da decisão do Superior Tribunal de Justiça
(STJ)6, a qual proibiu o licenciado em EF de atuar em atividades que não são próprias da educação básica.
No segundo momento, trataremos sobre a fragmentação repaginada da formação em EF que as (novas)
DCN apresentam. Para tal, abordamos a concepção de formação relacionando-a com a pedagogia das
competências e com a simetria invertida.

Da decisão do STJ à publicação das (novas) DCNEF

Vários movimentos7 provocaram a necessidade de o CNE iniciar o processo de reformulação da


DCNEF, contudo, o ponto fulcral foi a decisão do STJ em 12 de novembro de 2014, com efeito de
recurso repetitivo8. Na ocasião, o relator do processo no STJ, o Ministro Benedito Gonçalves, julgou que
os cursos de graduação em licenciatura e bacharelado são distintos com disciplinas e objetivos particulares
e determinou que o professor de EF que pretendesse atuar nos espaços formais e não formais de
educação deveria concluir os dois cursos.
Esta decisão causou uma ebulição no campo da EF, pois muitos profissionais que haviam sido
formados em cursos de licenciatura, cujos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC) garantiam a atuação em
diferentes campos de intervenção profissional, desde então, passaram a ser proibidos de atuar como
professores em academias, como personal trainer, técnicos desportivos ou agentes da saúde pública. Logo,
os egressos de diferentes cursos se sentiram enganados pelas instituições de ensino superior e por seus

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professores, porém as instituições de ensino estavam apenas seguindo as determinações e


encaminhamentos do CNE.
Nesse sentido, as instituições de ensino, professores, pesquisadores, movimentos sociais, grupos
de pesquisa exigiram do CNE, responsável na legislação educacional, algum posicionamento a respeito. A
partir de então, o próprio CNE, por meio da CES, manifestou-se a respeito, pois constantemente era
consultado sobre esta questão e mantivera opinião contrária à dos ministros do STJ, como é possível
observarmos nos pareceres CNE/CES 400/2005, CNE/CEB 12/2005 e CNE/CES 213/2003. A
resposta à pressão que estava sofrendo, resultou numa Audiência Pública com o campo da EF realizada
no dia 15 de outubro de 2015, nas dependências da PUC-GO, proferida pelo Conselheiro Paulo Barone.
Ele frisou que “a instabilidade jurídica é absolutamente coorporativa e não de natureza acadêmica”. Além
disso, comentou que “o CONFEF interpreta as DCNEF erroneamente”.
O conselheiro, ao tratar da EF, em particular, explicitou três princípios fundamentais que
permeiam o campo: 1) a intervenção profissional do professor EF é um ato educativo, portanto,
independentemente do campo de atuação profissional executa-se uma prática pedagógica no plano da
cultura corporal; 2) as competências do egresso precisam ser articuladas no processo formativo, ou seja, é
nos cursos de graduação que o estudante precisa enfrentar desafios de todas as naturezas da área da saúde
pública, exercício físico, lazer, desporto, escola; e 3) unificar a formação em EF à licenciatura. A este
último princípio, Paulo Barone comentou que talvez seria a solução para sanar os problemas da Educação
Física e “[...] anunciou que havia uma comissão trabalhando na revisão das DCNs de Educação Física”
(FURTADO et al., 2016, p. 782).
Em 11 de dezembro de 2015 houve a segunda Audiência Pública realizada na sede do CNE em
Brasília, onde foi apresentada uma minuta de Resolução pela comissão de revisão9 das DCEEF com o
objetivo de provocar o debate no campo da EF. A minuta ressaltou o fim da graduação na modalidade
bacharelado, direcionando à formação única em licenciatura.

Os cursos de Bacharelado em Educação Física atualmente existentes entrarão em


regime de extinção [...] As instituições de educação superior que mantêm cursos de
Bacharelado em Educação Física poderão transformá-los em cursos de Licenciatura,
elaborando novo projeto pedagógico [...] (BRASIL, 2015).
Logo anunciada a morte do bacharelado, entraram em cena mais uma vez os seus defensores,
representados pelo seu principal mediador e articulador, o sistema Confef/Crefs, os quais delimitam os
campos de atuação profissional em “escolares” – intervenção dos professores licenciados na escola – e
“não escolares” – intervenção dos profissionais bacharéis nos demais espaços. O Confef, na Audiência
Pública do dia 11 de dezembro daquele ano, exigia a formação de COESP para discutir o rumo da
formação, uma proposta de repetir o que já acontecera com a promulgação da Resolução CNE/CES nº
07, de 31 de março de 2004, uma estratégia que possibilitou ao Confef impor seu projeto de formação a
partir de quatro elementos centrais: a ênfase nas competências, a questão do objeto de estudo, a
concepção de ciência e a dicotomia licenciatura e bacharelado (TAFFAREL; SANTOS JÚNIOR, 2010).
O que podemos constatar no excerto:

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Professor Tojal inicia a sua fala declarando sua procedência como professor da
UNICAMP, vice-presidente do CREF/CONFEF formado bacharel pelo parecer
215/87. Inicia estranhando que não tem uma Comissão de Especialista discutindo a
questão da revisão das diretrizes e que não tem um documento prévio com o parecer,
mas somente a Minuta de Resolução que eles tiveram acesso somente dia 7/12/2015,
depois de enviar correspondência ao CNE forçando o convite para a Audiência10.
Importante ressaltar que em dezembro de 2015 deu-se início, na Câmara dos Deputados, cujo
presidente à época era Eduardo Cunha, ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff
denunciada por crime de responsabilidade fiscal. Dava-se início ao golpe de Estado que levou à
presidência da república Michel Temer (MDB). A conjuntura política do Brasil iria afetar também o
campo da EF, pois a mudança também aconteceu no Ministério da Educação e, consequentemente, no
CNE, o que provocou a desmobilização da comissão de revisão das DCNEF, sobretudo a saída do relator
Paulo Barone – que nos últimos anos vinha acumulando conhecimentos sobre o problema da
fragmentação da profissão EF. A partir de então, o processo de reformulação foi tratado apenas no
interior do CNE, não houve mais nenhuma audiência pública e, ao que parece, os novos conselheiros
ficaram sobre a pressão política promovida pelo Confef.
O fato é que em 18 de janeiro de 2018 a nova comissão11 promulgou as (novas) DCNEF, as
quais são subsidiadas pelo Parecer CNE/CES 584/2018. Porém, a nova comissão não conseguiu ir na
direção oposta às determinações do mercado de trabalho e aos ditames do movimento político do setor
conservador/cooperativista, pois o bacharelado voltara de uma morte anunciada na minuta da resolução
de 2015.

As (novas) DCNEF e a repaginação da fragmentação da formação

O problema que muitas instituições de ensino estavam enfrentando a partir dos


questionamentos jurídicos sobre a formação que desenvolviam parecia estar sanado com a proposição de
ingresso único no curso de graduação, porém, na metade do curso, concluída a dita “Formação Geral”, o
estudante deveria optar pelos “Conhecimentos Específicos” da licenciatura ou do bacharelado. Dessa
forma, impôs-se a obrigatoriedade de todos os cursos do país ofertarem o curso de bacharelado e, com
isso, abriram-se as portas para a repaginação da fragmentação da formação em EF no país.
Esta nova forma de organização dos currículos está posta no artigo 5º da Resolução nº 06/2018
(BRASIL, 2018, p. 1-2):
Art. 5º Dada a necessária articulação entre conhecimentos, habilidades, sensibilidade e
atitudes requerida do egresso para o futuro exercício profissional, a formação do
graduado em Educação Física terá ingresso único, destinado tanto ao bacharelado
quanto à licenciatura, e desdobrar-se-á em duas etapas, conforme descrição a seguir:
I - Etapa Comum - Núcleo de estudos da formação geral, identificador da área de
Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais,
comum a ambas as formações.
II - Etapa Específica - Formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e
seiscentas) horas referenciais, na qual os graduandos terão acesso a conhecimentos
específicos das opções em bacharelado ou licenciatura.
§ 1º No início do 4º (quarto) semestre, a Instituição de Educação Superior deverá
realizar uma consulta oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito da escolha da
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formação que pretendem seguir na Etapa Específica - bacharelado ou licenciatura -


com vistas à obtenção do respectivo diploma, ou, ao final do 4º (quarto) semestre,
definir sua escolha mediante critérios pré-estabelecidos.
A saída encontrada para o empasse jurídico pelo CNE foi tirar a responsabilidade do Estado em
garantir uma formação única e transferir para o estudante a escolha precoce de qual formação seguir, na
medida em que é de responsabilidade individual a formação na dita “Etapa Específica”. Assim, mantém-se
a fragmentação da formação instituída no Brasil desde a promulgação da Resolução CFE nº 03/1987, que
segundo Taffarel e Santos Júnior (2010), é a estratégia do capital para desqualificar o trabalhador em seu
processo de formação acadêmica inicial. Esta fragmentação tem correlação com a precarização do mundo
do trabalho, mais precisamente ao que Alves (2007) definiu como “captura” da subjetividade do
trabalhador, fruto da era da acumulação flexível e da integração orgânica com o trabalho coletivo.
Portanto, entendemos que a proposição instituída pela Resolução CNE/CES nº 06/2018 está submetida à
exigência da formação de um novo trabalhador e associada à integração orgânica do capital.
Alves (2007, p. 187, grifo do autor) ressalta que a:

[...] integração “orgânica para o capital”, aparece como “fragmentação sistêmica” da


classe dos trabalhadores assalariados, isto é, “fragmentação” de consciência de classe
contingente e de seus estatutos salariais com a constituição do precário mundo do
trabalho a partir da proliferação dos contratos dos trabalhos atípicos.
Desta forma, percebemos o aprimoramento da relação capital/trabalho nas (novas) DCNEF, na
medida em que contribui para uma formação de trabalhadores que possa fortalecer o modo de produção
capitalista, adquirindo, a partir das exigências do mercado de trabalho, a capacidade e a habilidade de
comunicação, abstração, raciocínio lógico, “dor de dono12” e tomada de iniciativa, mas longe da
consciência de classe, pois não consegue resistir aos conflitos entre o capital e o trabalho. Sobre isso, Marx
em sua obra de juventude de 1844, Manuscritos econômico-filosóficos, escreveu o seguinte: “o trabalhador se
torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e
extensão” (MARX, 2010, p. 80). Isso reforça a ideia de que a proposta de formação apresentada para a EF
no Brasil continua seguindo os ditames no modo de produção capitalista, haja vista que se mantém na
lógica instrumentalista de formação.
Isso se revela nas duas áreas de conhecimento propostas no texto das (novas) DCNEF – Etapa
Comum e Etapa Específica – mantendo-se muito próximo ao que foi elaborado pela COESP na primeira
proposta das DCN para EF de 2004, pois esta, apesar de extinguir a dupla habilitação contida na
Resolução CFE nº 03/87 criando duas áreas de conhecimento na estrutura curricular – Conhecimento
Identificador da Área (CIA) e Conhecimento Identificador do Tipo de Aprofundamento (CITA) –,
acabou contemplando ainda mais a relação capital/trabalho com a dinâmica de aprofundamento13 em
diversas áreas como lazer, dança, esportes, ginástica, escola, dentre outras, privilegiando o bacharelado
(VENTURA, 2005).
Assim, a Resolução CNE/CES nº 06/2018 se mantém na lógica do capital e repagina a
fragmentação da formação ao manter a diferenciação dos conteúdos programáticos na formação do
licenciado e do bacharel, conforme está exposto em seus artigos 1514 e 1815. Essa é uma caraterística

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muito comum em um modelo neoliberal de formação de professores, cujas lógicas da pedagogia das
competências e da simetria invertida prevalecem no desenvolvimento do currículo dos cursos de
licenciatura. Podemos perceber os aspectos neoliberais na Resolução CNE/CES nº 06/2018:

Art. 8º A etapa comum deverá proporcionar atividades acadêmicas integradoras tais


como:
b) disciplinas de aproximação ao ambiente profissional de forma a permitir aos
estudantes a percepção acerca de requisitos profissionais, identificação de campos ou
áreas de trabalho e o desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas interativas
com espaços profissionais, inclusive escolas de educação básica e média (BRASIL,
2018, p. 2, grifo nosso).
De acordo com Santos Júnior (2005) a pedagogia das competências na formação de professores
é uma proposta de ensino que dá ênfase ao individualismo, porque o indivíduo é ensinado a se tornar o
responsável por sua formação. O professor deve promover a competição entre os alunos por conta da
corrida de acesso aos conhecimentos que darão ao futuro profissional a competência necessária para atuar
de forma adequada às necessidades exigidas pelo mercado de trabalho. Desta forma, se alimentam os
fetiches comuns da profissão, pois não se preocupa em explicar as múltiplas relações que o trabalho
docente pode ter com o contexto social, desvirtuando e camuflando as contradições existentes na
profissão professor.
Outra característica de uma educação baseada na pedagogia das competências é o rebaixamento
dos conteúdos no ensino do professor, por meio do aligeiramento da formação e da flexibilização do
currículo para atender a uma demanda quantitativa de profissionais, submetendo o desenvolvimento das
competências ao modo de produção capitalista. Segundo Duarte (2006), uma proposta de ensino baseada
na pedagogia das competências apresenta certa preocupação com o domínio teórico, mas substitui a
centralidade dos conteúdos pela centralidade no método de aprendizagem; uma proposta que também
valoriza os processos de ensino baseados no modelo de educação profissional, desenvolvidos por meio de
conhecimentos operacionalizantes, comportamentais e atitudinais.
Consideramos que o caráter da formação acadêmica posto nas (novas) DCNEF também está
baseado na simetria invertida, ou seja, o processo de formação dá-se a partir de valores hegemonicamente
técnico-profissional por conta de sua relação com o desenvolvimento econômico capitalista. A formação
profissional com base neste modelo obriga as instituições de ensino a relacionar, de forma pragmática, os
conhecimentos curriculares à dinâmica comum de sala de aula, o que caracteriza a dita simetria invertida.
Para Mello (2000, p. 102):

[...] a formação do professor precisa tomar como ponto de referência, a partir do qual
orientará a organização institucional e pedagógica dos cursos, a simetria invertida entre
a situação de preparação profissional e o exercício futuro da profissão. As diretrizes
que se seguem procuram avançar nessa característica, buscando tornar coerente a
formação do professor com a simetria existente entre essa formação e o futuro
exercício da profissão.
Logo, se o conhecimento mais valorizado da formação inicial é o advindo do cotidiano e
pessoal, então, a formação deixa de abordar os conhecimentos mais desenvolvidos e ricos construídos
pela humanidade ao longo de sua história. Mesmo quando é exigido algum tipo de conhecimento advindo

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do campo da ciência, este é substituído pelo conhecimento das competências e habilidades requeridas pela
prática cotidiana (DUARTE, 2010). Esta é a lógica pautada na formação da Etapa Específica do
professor/profissional de EF, modelo de educação que aprofunda o processo de fragmentação da área e
está em consonância com a defesa do setor conservador/cooperativista da EF.
Outro aspecto que destacamos diz respeito aos objetos de estudos contidos nas (novas)
DCEEF, restritos a apenas dois, os quais devem orientar os cursos no processo de (re)formulação de seus
currículos.

A Educação Física é uma área de conhecimento e de intervenção profissional que tem


como objeto de estudo e de aplicação a motricidade ou movimento humano, a cultura
do movimento corporal, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício
físico, da ginástica, do jogo, do esporte, das lutas e da dança, visando atender às
necessidades sociais no campo da saúde, da educação e da formação, da cultura, do alto
rendimento esportivo e do lazer (BRASIL, 2018, p. 1, grifo nosso).
A priori isso pode parecer um avanço, haja vista que na resolução anterior (CNE/CES nº
07/2004) apenas um objeto de estudo era proposto, contudo, temos que considerar que o Parecer
CNE/CP nº 58/2004 reconhecia diferentes termos e expressões utilizadas pela comunidade da EF, os
quais definem diferentes objetos de estudo e de intervenção acadêmico-profissionais, como podemos
aferir no excerto:

Entre os termos e expressões recorrentes na área, pode-se destacar: exercício físico,


atividade física, movimento humano, atividade recreativa, atividade esportiva, atividade
físico-esportiva, atividade corporal, cultura física, cultura do movimento, cultura do
movimento humano, cultura corporal, cultura corporal de movimento, corporeidade,
motricidade, entre outros (BRASIL, 2004, p. 7-8).
Portanto, as DCNEF de 2004 permitiam que as Instituições de Ensino Superior (IES) pudessem
escolher outro objeto de estudo, já com a Resolução CNE/CES nº 06/2018 isso deixou de ser possível,
indicando apenas a motricidade ou movimento humano e a cultura do movimento corporal como objetos
de estudos que devem servir de referências à formação do professor/profissional de EF no Brasil, os
quais pressupõem sustentabilidade nas produções teóricas associadas às abordagens desenvolvimentista
(TANI et al., 1988) e crítica emancipatória (KUNZ, 2006). A primeira, pode ser classificada como “teoria
não crítica” (SAVIANI, 2006), já que busca compreender os condicionantes objetivos a partir do
desenvolvimento motor. A última, apesar de adotar uma postura crítica da realidade, pois traz uma base
teórica a partir dos estudos de Habermas, Paulo Freire e da Escola de Frankfurt, apresenta limites para o
desenvolvimento de uma educação que promova a emancipação humana, pois, de acordo com os estudos
de Taffarel e Morschbacher (2013), a emancipação humana só pode acontecer de maneira dialógica, por
meio da ação comunicativa entre os sujeitos, ao invés da ruptura com a atual forma do capital organizar a
vida.
Para essas autoras:

A emancipação não se dará fora de um violento processo de ruptura com o atual modo
de o capital organizar a vida. E, portanto, a ontologia aponta a possibilidade teleológica
da transição do socialismo ao comunismo. Mas sem aderência a esta realidade isto não é
possível. Faz-se necessário anunciar, sim, o tipo de sociedade que se quer transformar a
atual e com que instrumentos da luta de classes vamos contar para tal transição e
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revolução permanente. É neste marco conceitual que nos situamos (TAFFAREL;


MORSCHBACHER, 2013, p. 62).
Corroborando com esse debate, Mészáros (2008) anuncia a incorrigível lógica da relação capital
e educação sem mudança na sociabilidade social.

Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais


abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Consequentemente, uma
reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente
transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem
cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança
(MÉSZÁROS, 2008, p. 25).
Contrários a todos esses aspectos que compõem o modelo de formação, compactuamos com o
setor progressista/revolucionário da EF, o qual é favorável à presença de uma proposição de formação
profissional contrária ao fortalecimento da pedagogia das competências e da simetria invertida. Desta
forma, consideramos que a EF, tal como defendida por Taffarel et al. (2007, p. 46), deve ser caracterizada:

[...] historicamente pelo trabalho pedagógico da docência no campo da cultura corporal,


ou seja, a atividade pedagógica no trato com o conhecimento da cultura corporal. Em
qualquer campo de trabalho, seja de produção de bens materiais ou imateriais –
educação, lazer, saúde, competição de alto rendimento, produção de tecnologias
esportivas e outros – a atividade pedagógica e o trato com o conhecimento da cultura
corporal são as bases da formação acadêmica e do trabalho do professor de Educação
Física. Isso aponta para a necessidade de considerarmos o princípio estruturação do
conhecimento científico no currículo de formação de professores.
Por fim, uma “sólida formação teórica de base multidisciplinar e interdisciplinar na perspectiva
da formação omnilateral” (TAFFAREL et al., 2007, p. 46) é um caminho possível, desde que possamos
estar articulados e garantir nossa representatividade nas diferentes instâncias decisórias da política nacional
e, principalmente, na constituição das propostas curriculares das Instituições de Ensino Superior (IES)
espalhadas pelo Brasil. Nesse contexto, a mediação que poderá ser desenvolvida pela categoria dos
professores destas instituições poderá a não concretude da proposta de formação que está posta nas
DCNEF/2018, para isso, é necessário garantir espaços democráticos de debates e discussões nas
instituições, espaços que promovam reflexões, socialização de diferentes produções acadêmicas nesse
campo e que possibilitem a criação de estratégias, no sentido de criar uma resistência ao atual desenho
curricular para a formação do professor de Educação Física. Para além disso, é necessário ainda estarmos
articulados aos movimentos revolucionários que pautam a formação de caráter ampliado.

Considerações Finais

Este estudo tratou da repercussão da decisão do STJ sobre o problema da fragmentação na EF e


a divulgação das (novas) DCN as quais se tornaram, a partir de dezembro de 2018, parâmetros para a
reestruturação dos cursos de graduação em todo país. Um modelo de formação que repaginou a
fragmentação da formação ao legitimar a dupla habilitação e obrigar as IES a oferecer as duas formações,
apesar de ser por entrada única. Esta medida atende ao interesse mercadológico e acentua o rebaixamento
teórico do futuro professor de EF.

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Constatamos que a conjuntura política que o país viveu entre os anos de 2016 e 2017 contribuiu
para que houvesse uma repaginação da fragmentação da formação do professor/profissional de EF, haja
vista que a Resolução CNE/CS nº 06/2018 manteve-se atrelada aos interesses do setor
conservador/corporativista. Esperamos que o setor progressista/revolucionário da EF se mantenha unido
para o enfrentamento das tendências e conjunturas atuais, com a retomada do poder pela extrema direita,
o que nos exige consciência e organização de classe e torna ainda mais presente e imperativa a célebre
frase deixada por Marx e Engels (1998, p. 65) ao final do manifesto do Partido Comunista: “Proletários de
todo os países, uni-vos!”.

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VENTURA, P. R. V. Formação profissional em educação física: um desafio posto pelas diretrizes
curriculares. Estudos, local, v. 32, n. 3, p., mar. 2005.

Notas:
1 Universidade Federal do Pará. Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA), professor de Educação
Física da rede estadual de ensino do Pará (SEDUC). Membro do Linha de Estudo em Educação e Pesquisa em Educação Física,
Esporte e Lazer (LEPEL). ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9772-4413 Email: osvaldogaldino@hotmail.com
2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA), professor de Educação Física da rede estadual de ensino do
Pará (SEDUC). Membro do Linha de Estudo em Educação e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer (LEPEL). Docente
da Faculdade de Educação Física Madre Celeste (ESMAC). ORCID: http://orcid.org/0000-0002-3204-9920 Email:
robsonbastos@hotmail.com
3 Universidade Federal do Pará. Foi o conjunto de mediações realizadas entre os setores que discutiam as DCNEF de 2004, com
exceção do MEEF, que não coadunou com as determinações das diretrizes e retirou-se do processo.
4 A autora constatou o interesse do Confef em orientar as diretrizes para: 1) a qualidade de vida e promoção da saúde; 2) a
regulamentação da profissão; e 3) a divisão entre licenciatura e bacharelado. Outro documento que reafirma este interesse no
direcionamento da área é a Resolução Confef 046/02, que dispõe sobre a Intervenção Profissional de Educação Física, já que a
própria Lei nº 9.696/98 (BRASIL, 1998) não deixa claro o campo de atuação do “Profissional de Educação Física”. Logo
depois, o documento em questão serviu de subsídio para o Parecer CNE/CES 138/02 “[...] elaborado sob prestimosa assessoria
do Confef”. (CASTELLANI FILHO, 2016, p. 760).
5 Disponível em: <http://docs.wixstatic.com/ugd/1b4256_90ab5fc7db3e4a04aa77d130dc64d5a9.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2019.

6 Recurso especial N. 1.361. 900-SP (2013/0011728-3). Disponível em: <


https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-eletronica-2014_236.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2019.

Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 11, n. 3, p. 317-327, dez. 2019. ISSN: 2175-5604 326
Artigos

7 O debate da EF há algum tempo tem-se concretizado também na esfera jurídica. A exemplo, está a Ação Civil Pública N. 29134-
90.2013.01.3900 de 28 de janeiro de 2014, Seção Judiciária do Pará, que suspendeu a restrição ao campo de atuação dos
profissionais graduados em licenciatura, por entender que a Lei nº 9.696/98 não prevê distinção entre licenciados e bacharéis.
8 Segundo Furtado et al (2016, p. 782) “[...] trata-se de um dispositivo jurídico, que deveria destinar-se a teses jurídicas com
fundamentações idênticas em questão de direito. Todos os Estados que tinham assegurado via decisões de primeira e segunda
instâncias o direito ao exercício profissional, perderam esta condição após a decisão do STJ de 12 de novembro 2014”.
9 Composta pelos Presidente Conselheiro Luiz Roberto Liza Curi, Relator Conselheiro Paulo Monteiro Vieira Braga Barone e
pelo Membro da Comissão Conselheiro Yugo Okida.
10 Relato da Audiência Pública proferido pela professora Celi Taffarel. Disponível em:
<http://www.rascunhodigital.faced.ufba.br/ver.php?idtexto=224>. Acesso em: 10 fev. 2019.
11 Composta pelos Conselheiros: Antônio de Araújo Freitas Júnior (Presidente), Luiz Roberto Liza Curi (Relator), José Loureiro
Lopes, Yugo Okida e Márcia Ângela da Silva Aguiar.
12 Expressão cada vez mais usada no meio corporativo para expressar o sentimento de pertença de um indivíduo que cuida de
algo que não é seu, mas é como se fosse. Esse tipo de profissional é a mais procurado atualmente no mundo do trabalho pelos
capitalistas.
13 Esta foi a ideia do 3+1 na EF – 3 anos de estudos de conhecimento básico e 1 ano de aprofundamento nas diversas áreas de
interesses.
14 Art. 15. Os cursos de Licenciatura em Educação Física, respeitadas a diversidade nacional e a autonomia pedagógica das
instituições, devem garantir uma formação profissional adequada aos seguintes conteúdos programáticos: a) Política e
Organização do Ensino Básico; b) Introdução à Educação; c) Introdução à Educação Física Escolar; d) Didática e metodologia
de ensino da Educação Física Escolar; e) Desenvolvimento curricular em Educação Física Escolar; f) Educação Física na
Educação Infantil; g) Educação Física no Ensino Fundamental; h) Educação Física no Ensino Médio; i) Educação Física
Escolar Especial/Inclusiva; j) Educação Física na Educação de Jovens e Adultos; e k) Educação Física Escolar em ambientes
não urbanos e em comunidades e agrupamentos étnicos distintos (BRASIL, 2018, p. 4).
15 Art. 18. [...] a formação do Bacharel em Educação Física deverá [...] ser concebida, planejada, operacionalizada e avaliada,
qualificando-o para a intervenção profissional em treinamento esportivo, orientação de atividades físicas, preparação física,
recreação, lazer, cultura em atividades físicas, avaliação física, postural e funcional, gestão relacionada com a área de Educação
Física, além de outros campos relacionados às prática de atividades físicas, recreativas e esportivas [...] (BRASIL, 2018, p. 5).

Recebido em: 30.11.2019


Publicado em: 20.04.2020

Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 11, n. 3, p. 317-327, dez. 2019. ISSN: 2175-5604 327
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: A DISPUTA NOS RUMOS DA FORMAÇÃO

NATIONAL CURRICULUM GUIDELINES FOR TEACHER TRAINING:


DISPUTE IN TRAINING PATHS

PAUTAS NACIONALES DEL CURRÍCULO PARA LA FORMACIÓN DE


PROFESORES: DISPUTAS EN LOS CAMINOS DE FORMACIÓN

Celi Nelza Zulke Taffarel1

Resumo: O objetivo desta pesquisa foi apresentar, após análise de dados empíricos sobre os cursos de
formação de professores em geral, a problemática e os desafios colocados para a Educação em geral no
atual momento histórico. A metodologia do trabalho considerou análise da conjuntura, os documentos
legais, os dados sobre os cursos e posições de entidades a respeito da formação de professores. Conclui-se
apresentando: a possibilidade de essência para a formação de professores segundo a Associação Nacional
pela Formação dos Profissionais de Educação (Anfope) e a possibilidade de essência apresentada por
Grupos de Pesquisa e defendida por entidades, para formação de professores, que rompa com a subsunção
ao projeto histórico capitalista que prevê a negação do conhecimento teórico, o relativismo científico e o
avanço da barbárie.

Palavras-chave: Diretrizes Curriculares. Formação de professores. Princípios ANFOPE.

Abstract: The objective of this research was to present, after analyzing empirical data on teacher training
courses in general, the problems and challenges posed to Education in general in the current historical
moment. The methodology of the work considered analysis of the conjuncture, the legal documents, the
data on the courses and positions of entities regarding the formation of teachers. It concludes by
presenting: the possibility of essence for teacher training according to the National Association for the
Training of Education Professionals (Anfope) and the possibility of essence presented by Research
Groups and defended by entities, for teacher training, which breaks with the subsumption to the capitalist
historical project that provides for the denial of theoretical knowledge, scientific relativism and the
advance of barbarism.

Keywords: Curricular Guidelines. Teacher training. ANFOPE Principles

Resumen: El objetivo de esta investigación fue presentar, luego de analizar datos empíricos sobre los
cursos de formación docente en general, los problemas y desafíos planteados a la Educación en general en
el momento histórico actual. La metodología del trabajo consideró el análisis de la coyuntura, los
documentos legales, los datos sobre los cursos y posiciones de las entidades respecto a la formación de
docentes. Se concluye presentando: la posibilidad de esencia para la formación docente según la
Asociación Nacional para la Formación de Profesionales de la Educación (Anfope) y la posibilidad de
esencia presentada por Grupos de Investigación y defendida por entidades, para la formación docente, que
rompe con la subsunción al proyecto histórico capitalista que prevé la negación del conocimiento teórico,
el relativismo científico y el avance de la barbarie.

Palabras clave: Lineamientos curriculares. Formación de profesores. Principios ANFOPE

1
Professora Dra. Titular FACED/UFBA. Produtividade Pesquisa CNPq. Coordenadora ANFOPE
REGIONAL NORDESTE. E-mail: celi.taffarel@gmail.com.

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 1
1 INTRODUÇÃO

A Revista Fluminense de Educação Física do Instituto de Educação Física da


Universidade Federal Fluminense (UFF) nasce em meio a uma crise do capitalismo, que
está destruindo forças produtivas, e em meio a uma pandemia provocada pelo
coronavírus (SARS-CoV-2), COVID-19. Esse vírus trouxe ainda mais desafios para a
humanidade, porque encontrou um sistema de produção da vida em franca degeneração,
decomposição e destruição, o sistema capitalista. Um dos grandes desafios foi/é salvar
vidas, mantê-las e enfrentar questões específicas, particulares, nos sistemas de políticas
públicas para a economia, saúde, cultura, meio ambiente, educação, ciência e
tecnologia1.
As elucidações da profunda crise, que não é superestrutural nem passageira,
mas estrutural e permanente (MONTORO, 2014), podem ser identificadas no âmbito da
economia. Os indicadores do crescimento mundial negativo do Produto Interno Bruto
(PIB) são evidentes no Brasil. Segundo dados do Departamento Intersindical de
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), no Boletim de Conjuntura, de
Julho/Agosto de 2020, a queda do PIB é de 8,5%, com aumento de desempregados em
4,4 milhões, o que eleva para cerca de 17 milhões o número de trabalhadores
desempregados e o número de subocupados, com perda expressiva de renda.
A continuidade da aplicação dos ajustes estruturais fundomonetaristas,
ineficientes, ineficazes para a classe trabalhadora e suas necessidades, altamente
destrutivos de direitos e conquistas estão evidentes em, pelo menos, cinco medidas
econômicas:
(1) Emenda Constitucional (EC) 95/20162, “Teto dos Gastos”, que estabelece
novo regime fiscal e restringe gastos públicos por 20 anos, valendo até 2036, atingindo
investimentos na saúde e educação; (2) na terceirização sem limites (Lei N.º 13.429,
2017), nas contrarreformas Trabalhista (LEI N.º 13.429, 2017) e da Previdência (EC N.º
103, 2019); (3) na contrarreforma Administrativa3, em que o governo, em lugar de
valorizar a melhoria da gestão dos serviços públicos, propõe diversas reformas com o
nítido propósito de esvaziar o serviço público, como são os casos das Propostas de
Emenda à Constituição – PEC n.º 186 e n.º 188, além da MP 922/2020. Essas medidas
estão divididas em, pelo menos, três Projetos de Emenda Constitucional: PEC
emergencial, que visa medidas permanentes de controle do crescimento das despesas;
PEC do Pacto Federativo, a qual objetiva criar medidas de ajustes fiscais; PEC dos

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 2
Fundos Públicos, que visa à revisão e extinção de fundos públicos bem como medidas
para privatizar 17 empresas estatais; (4) no “Plano Brasil Mais”, 4do governo de Jair
Bolsonaro, encaminhado por Paulo Guedes, em 05 de novembro de 2019, para ser
aprovado pelo parlamento brasileiro, que prevê Projetos de Lei para desvincular,
desobrigar, desindexar, desestatizar/privatizar o orçamento e as empresas estatais. O
plano pretende alterar as funções sociais do Estado Brasileiro, com redução de gastos
obrigatórios, objetiva alterar também regras do pacto federativo e revisar fundos
públicos. Essas medidas trarão consequências nefastas e destrutivas no âmbito da
Educação Física, seja como formação de professores, como conteúdo do Ensino
Fundamental e Médio, seja como Política Pública de desenvolvimento científico e
tecnológico, educacional, de lazer e do esporte competitivo de alto rendimento; e (5) o
Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda diante dos impactos da
COVID-195, denominado por Rodrigo Maia como a “Economia de Guerra”, que previa
suspenção de contratos trabalhistas, renda emergencial e redução das horas de trabalho,
com redução de salários.
Com essas medidas econômicas que visam desvinculação, desobrigação,
desindexação e desestatização, impactam-se os serviços públicos, bem como a garantia
de direitos e conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras, já incluídos precariamente na
Constituição Federal de 1988.
A crise capitalista gera efeitos evidentes nas consequências sociais do
desmonte da República e retirada dos direitos, pela via das medidas encaminhadas pelo
Executivo, aprovadas no Legislativo, com o respaldo do Judiciário. Medidas perversas
porque penalizam a classe trabalhadora, mas são amplamente aprovadas por setores
como a mídia privada, que tem concessões estatais, pelos latifundiários e pelos
empresários capitalistas, o setor rentista parasitário da economia. Com essas medidas,
crescem os índices de desemprego e de violência, principalmente com os mais pobres, o
povo negro, os indígenas, os quilombolas, Fundo e Fecho de Pasto, povos tradicionais,
de terreiros, das águas, das florestas, os Sem-teto, os Sem-terra, os atingidos por
grandes obras, as mulheres, os LGBTQI+6. As evidências também estão nas
consequências da perda de direitos com leis trabalhistas da seguridade social, da
assistência, previdência e saúde.
O colapso do Sistema Único de Saúde, pela falta de investimentos públicos e
de uma política nacional coordenada para salvar vidas, também ficou evidente durante a
pandemia de 2020. O propósito da elite no poder é reduzir os gastos com políticas

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 3
públicas, em especial, saúde, educação, saneamento e beneficiar o setor rentista da
economia. A finalidade é tirar dos pobres para “compensar” os pobres, proporcionando
uma renda mínima em dinheiro para que decidam o que fazer. Uma espécie de “vale”,
um “voucher” para a classe trabalhadora empobrecida “comprar” do setor privado
educação, saúde, assistência, previdência.
Evidências da crise podem ser identificadas, também, nas questões ambientais,
na destruição das florestas, na mineração devastadora, na privatização das águas, no
negacionismo das problemáticas climáticas. Os ataques às florestas na Amazônia trarão
consequências mundiais irreversíveis ao planeta, com alterações climáticas que poderão
inviabilizar a vida humana. O Objetivo é único: riquezas minerais a custo da
devastação. Ademais, povos indígenas serão dizimados e a biodiversidade destruída.
A crise está sendo evidente, também, nas questões políticas, com avanços da
direita e extrema direita, na atuação das milícias, do narcotráfico, do “gabinete do ódio”,
na propagação das Fake News e na atuação dos Think Tanks. Além disso, evidencia-se
na destruição da Constituição Cidadã de 1988, na quebra do equilíbrio dos poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, nas relações com a sociedade civil, por meio da
ameaçadora presença das forças armadas, na coerção, enquanto política de Estado,
evidente nos, aproximadamente, oito mil militares no Governo, predominantemente do
Exército, compactuando com os avanços da extrema direita genocida, avanços da
necropolítica (MBEMBE, 2018) e com a política externa subalterna aos Estados Unidos
da América do Norte (BANDEIRA, 2004).
As medidas devastadoras, próprias do ultra neoliberalismo, que impõe um
Estado (MASCARO, 2013) o qual, em sua forma jurídica, pode ser designado de
“Estado de Exceção” (VALIM, 2017), têm consequências, também, nas questões
culturais. Constatamos o rebaixamento teórico, o negacionismo da ciência, o
obscurantismo, a destruição das culturas dos Povos Tradicionais, Povos Indígenas, de
Terreiro, das Florestas, Das Águas, Dos Campos ,dos Quilombolas, Fundo e Fecho de
Pasto, com a imposição de valores de uma cultura meritocrática, paternalista, militarista,
oligárquica, machista, impregnada de preconceitos e fobias (homofobia, xenofobia,
gerontofobia entre outras), que agora busca instituir um ethos7 geocultural, em
conformidade com o ethos geopolítico do ultra neoliberalismo, do imperialismo, face
superior do capitalismo, em todo o planeta. Uma cultura da exploração, da opressão
humana e destruição da natureza, na qual prevalecem as ideias da classe dominante, a
ética e a moral próprias dos burgueses capitalistas, exploradora, opressora, da lógica

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 4
privatista, mercantilista, empresarial, parasitária, militarista, disciplinadora,
subserviente, entreguista, obscurantista, negacionista, acientífica, a-histórica e acrítica.
São as contradições entre a vida material, pelo conflito que existe entre as
forças produtivas sociais e as relações de produção que determinarão os rumos
assumidos pela luta de classes no próximo período.
Segundo Marx, “A transformação da base econômica altera, mais ou menos
rapidamente, toda a imensa superestrutura [...]” (2007, p. 25). Ainda segundo Marx, ao
considerarmos tais alterações, temos que distinguir entre as alterações materiais, as
condições econômicas de produção e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas
e filosóficas, ou seja, as formas ideológicas pelas quais os seres humanos tomam
consciência disso tudo e levam essa consciência às últimas consequências. Portanto, não
se pode mudar uma ideologia da burguesia com outra ideologia identitária. É necessário
mudar as condições materiais concretas da existência humana.
O que constatamos é que novas formas de relações de existência humana se
fazem necessárias, são vitais, ou entraremos em um processo cada vez mais profundo de
barbárie, de retrocesso civilizatório, que colocará em jogo a própria existência humana
no planeta. Os imperialistas, em especial os Estados Unidos da América do Norte, têm
um poder armamentista para destruir cem vezes o planeta Terra, mas não têm condições
de deter um vírus, e hoje o país está em primeiro lugar entre as nações, no que diz
respeito à morte de pessoas pela COVID-19.
Segundo Montoro (2014, p. 369-542), em seu livro Capitalismo e Economia
Mundial, vivemos um período histórico em que existem “crises, ajustes e crises”, para a
volta à “normalidade do imperialismo”. E a “normalidade” é um sistema dominado pelo
capital em decadência, impondo a todas as nações e suas populações, principalmente à
classe trabalhadora, um brutal sofrimento, fruto de crises financeiras, guerras e ataques
às forças produtivas, ao trabalhador, ao trabalho, ao conhecimento e à natureza. Ataques
que aprofundam a barbárie já instalada, em maior ou menor grau, em nosso planeta. Os
resultados são nefastos, a saber: destruição das forças produtivas.
O capitalismo, em sua atual fase imperialista (LENIN, 2007) apresenta
resultados visíveis, medíveis, comparáveis que são: a destruição econômica, a
regressão social e a destruição da democracia. A caracterização da situação atual é
inequívoca, segundo Montoro (2014, p. 369) “[...] se trata de uma grande crise, não
apenas muito mais profunda que a dos anos setenta, mas também comparável às mais
graves da história [...]”. Crise histórica que tem determinações da economia política, da

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 5
geopolítica mundial, que é uma das características do imperialismo, a partilha do mundo
entre as associações capitalistas (LENIN, 2007, p. 79). Vem da concentração da produção
com base na exploração do trabalho humano, dos monopólios, da financeirização, das
oligarquias financeiras e da exportação de capitais.
Para estruturar e manter um sistema com essa lógica, ergue-se toda uma
superestrutura dentro das quais estão as famílias, a igreja, a escola, as associações, as
organizações, as empresas, os partidos, os sindicatos e, inclusive, os cursos de formação
de professores de Educação Física.
O que reivindicamos para a formação de professores em geral e para a
formação de professores de Educação Física? Frente a essa realidade e considerando a
gravíssima situação sanitária de descontrole da Pandemia do coronavírus, causa da
doença COVID-19, em decorrência da necropolítica aplicada pelo Governo Bolsonaro,
interrogamo-nos sobre a concepção, os fundamentos da formação de professores em
geral e, em especial, dos professores formados em cursos de Educação Física.
Apresentamos dados sobre essa formação como mais uma contribuição que se
soma aos esforços empreendidos pelos intelectuais orgânicos da classe trabalhadora
(GRAMSCI, 1978) para enfrentar a realidade concreta, identificando os pontos de apoio
que nos permitirão superar este período pré-histórico de relações sociais possíveis à
humanidade. Aliamo-nos aos que estão concretamente inseridos nas lutas de classe da
classe trabalhadora, em defesa do projeto de emancipação humana, ou seja, projeto de
superação do modo de produção de vida capitalista, em que se situa um projeto de
formação de professores em geral e, em especial, de Educação Física, que se contrapõe
ao conformismo e a adaptação à lógica do capital.
A análise até aqui desenvolvida nos permite reconhecer que existe,
concretamente, uma realidade de crise, em que as instabilidades e contradições
capitalistas são confrontadas, remodeladas e reformuladas para manter a hegemonia em
que consiste o capitalismo. As crises, segundo David Harvey (2016, p. 09-13), abalam de
maneira drástica o modo de pensar e entender das instituições e das ideologias
dominantes, bem como nossa concepção de mundo e do lugar que ocupamos nele. Ainda
segundo Harvey (2016, p. 10), por coerção ou consentimento, acabamos adaptando-nos às
respostas capitalistas, às contradições “fundamentais”, “mutáveis” e “perigosas” do
capitalismo que sinalizam o seu fim.
Neste lastro do tempo histórico, com evidentes indícios de que as forças
produtivas não só “deixaram de crescer” (TROTSKY, 2018, p. 91), mas estão sendo

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 6
destruídas (MONTORO, 2014, p. 515), ou seja, o trabalho humano, a natureza, as
técnicas, o conhecimento científico, o trabalhador/trabalhadora estão sendo destruídos, é
que se coloca a discussão sobre a transição (TROTSKY, 2018), do projeto histórico
capitalista para o socialismo (ENGELS, 1981) e sobre diretrizes para a formação de
professores, em especial, professores de Educação Física, a ser aprofundada em próximo
texto.

2 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: tendências empresariais e


desintelectualização

Os dados sobre o Censo dos Profissionais da Educação Básica, ainda


disponíveis no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), dizem-nos que existiam, em 20048, cerca de 2,2 milhões de professores com a
“[...] missão de educar mais de 57,7 milhões de brasileiros, matriculados desde a creche
até o ensino superior [...]” (INEP, 2004, p. 05). Em 2020, não temos os dados oficiais
disponíveis, em decorrência de duas razões: uma, de ordem política, que decorre da
tática de governo de Jair Bolsonaro de não priorizar a ciência e, portanto, os institutos
de investigação e de pesquisa; e outra de ordem sanitária, em decorrência da pandemia
da COVID-19.
O Censo Escolar da Educação Básica9 demonstrou que, no ano de 2019, foram
registradas 47,9 milhões de matrículas nas 180,6 mil escolas de educação básica no
Brasil, cerca de 582 mil matrículas a menos em comparação a 2018, o que corresponde
a uma redução de 1,2%. Quanto à função docente, foram registrados 2,2 milhões de
docentes na educação básica, a maior parte, 1.383.833, equivalente 62,6%, atua no
ensino fundamental.
O Censo Escolar da Educação Superior do ano de 2018, publicado em 2019,
demonstrou que existem 2.537 Instituições de Ensino Superior, das quais 81,5% são
Faculdades, com 37.962 cursos de graduação e 45 cursos sequenciais, e que o grau
acadêmico predominante dos cursos de graduação é o bacharelado (59,9%). O número
de matrículas na Educação Superior é de 8,45 milhões de estudantes em 2018. O
número de professores do ensino superior, em 2018, era de 384.474 docentes, sendo
173.868 em exercício na Rede Pública e 210.606 na Rede Privada.
Esses dados nos permitem reconhecer que, neste momento histórico no Brasil,
em meio a uma pandemia, existem, aproximadamente, 56,35 milhões de estudantes em

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 7
183,1 mil instituições de ensino, com 2,6 milhões de docentes que estão com suas
atividades suspensas e que buscam, a partir de referências teóricas, saídas alternativas
para enfrentar o que está colocado na realidade atual, a qual descrevemos acima.
Em se tratando dos professores, perguntamo-nos onde são formados, em que
instituições de ensino obtiveram seus diplomas? Alguns dados nos permitem identificar
tendências e, assim, refletir sobre o que fazer, em especial as instituições públicas que
formam professores.
Sinteticamente, analisando os números existentes no INEP, sobre cursos de
Formação de professores no Brasil em 2020, concluímos que existem 20.382 cursos;
destes, temos, no setor público, um total de 4.501, sendo 3.936 na modalidade
presencial e 565 em Educação a Distância (EaD). O setor privado é responsável por
15.881 cursos, dos quais 4.200 são presenciais e 11.681 são via EaD.
Segundo os dados levantados por região, tem-se que a região Nordeste é a que
apresenta o maior número de cursos de formação de professores. São, no total, 5.898
cursos e, destes, 4.253 são oferecidos pela iniciativa privada, dos quais 3.588 são
cursos via Educação a Distância. A Região Sudeste detém um total de 5.721 cursos, dos
quais 4.799 estão na iniciativa privada, sendo 2.545 via Educação a Distância e 2. 254
presenciais. A Região Norte ocupa o terceiro lugar, com 3.110 cursos, sendo que,
destes, 2.266 estão na iniciativa privada, dos quais 2.057 são via Educação a Distância.
A Região Sul ocupa o quarto lugar em número de cursos, em um total de 2.982; desse
número, 2.378 cursos estão na iniciativa privada, sendo 1.664 pela via da Educação a
Distância. A Região Centro-oeste ocupa o quinto lugar, com um total de 2.671 cursos,
sendo que, destes, 2.195 estão na iniciativa privada, dos quais 1.827 são pela via da
Educação a Distância. Assim, esses dados demonstram e confirmam a tendência no
Brasil de formação de professores por cursos na iniciativa privada, via Educação a
Distância.
A respeito das políticas de formação de professores a distância no Brasil,
Malanchen (2015), após analisar criticamente o debate sobre EaD, que considerou o
deslumbramento de um novo modelo de formação, a perspectiva social, as faces ocultas
da EaD, as tramas do discurso e o determinismo tecnológico, apresenta-nos o papel
articulador, disseminador de um novo ideário nas Políticas e Estratégias para a
formação docente a distância, engendrada pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Banco Mundial. Com isso consolida-se
no Brasil, por meio de cooperações intelectuais e apoio técnico, um novo paradigma da

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 8
Educação. Malanchen (2015) questiona essas políticas e estratégias, interrogando sobre
cooperação ou dominação intelectual e, ao analisar a regulamentação da EaD e o novo
modelo de formação docente, detecta que duas ações são enfatizadas: uma que torna
imprescindível o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e outra que
indica a parceria entre público-privado, sendo incentivada pelas orientações de
organismos internacionais e, com isso, estimulando a formação de professores fora das
universidades, preferencialmente em serviço, para reduzir tempo e custos. Consolidam-
se os interesses da classe dominante que em meio a pandemia (LAMOSA, 2020)
As conclusões a que chegamos, hoje, em 2020, analisando os números e
identificando tendências na formação de professores, não diferem, em termos gerais, do
que Malanchen (2015) concluiu a respeito da educação sob a hegemonia neoliberal. Sob
a hegemonia ultra neoliberal, afirmamos nós, em 2020, o papel do Estado foi e está
sendo redefinido, na atualidade, com o desmonte acelerado dos serviços públicos, em
prol da iniciativa privada. O valor da educação, hoje, também está conformado pela
lógica do mercado, visando adequar a escola e seus profissionais aos interesses
hegemônicos de manutenção das condições de acumulação do capital na sua forma
atual.
Os oligopólios foram consolidando-se no Brasil às custas de recursos públicos
advindos do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). O ensino a distância, em meio
à pandemia, tem sido altamente lucrativo para as empresas privadas. Para grandes
empresas, é vantajoso gastar menos com a folha de pagamento de pessoal, diminuem-se
custos com instalações e equipamentos, que passam a ser de responsabilidade de
professores e estudantes. A Anhanguera Educacional Ltda, do Grupo Cogna, por
exemplo, chega a ter uma relação professor aluno de 1.737 estudantes para cada
professor10.

3. OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PÚBLICA

O desafio das Universidades e Faculdades públicas é não permitir que os


oligopólios privados11, empresariais, capitalistas, imperialistas, determinem forma e
conteúdo na formação de professores no Brasil e destruam completamente a educação
pública. E isso significa desenvolver uma forte linha de resistência ativa12, de crítica, de
apresentação de alternativas e de trabalho coletivo solidários, segundo a perspectiva da
emancipação da classe trabalhadora. Os gigantescos oligopólios educacionais estão

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 9
competindo com as instituições públicas na busca de recursos. Os aparelhos privados
estão disputando os interesses da sociedade brasileira, colocando como se os interesses
privados fossem os exclusivos interesses gerais de toda a sociedade.
A Educação, mesmo em meio à pandemia da COVID-19, continua sendo
adequada aos imperativos economicistas que orientam as políticas públicas. Malanchen,
já em 2015, questionava e sinalizava para o conceito de democracia em que eram
pautadas as políticas de EaD, que apregoavam a igualdade política e jurídica, mas não
garantiam a igualdade material. Os dados demonstram isso, pois, segundo a
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), 62% dos estudantes
não têm acesso à base material que garante a própria existência de condições para a
EaD.
Em 2020, constatamos a expansão em grande escala da formação docente a
distância, que promove, segundo Shiroma (2003), a desintelectualização, ancorando a
formação na epistemologia da prática e na individualidade, não permitindo uma
consistente base teórica, sólida e coletiva.
Esta devastadora e crescente tendência de aumento dos cursos de formação de
professores na iniciativa privada e pela modalidade de Educação a Distância, sob os
auspícios dos oligopólios, tem o respaldo de Diretrizes que regem esses Cursos,
aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologadas pelo Ministro da
Educação13. Podemos constatar que, ao longo da história, sempre ocorreram
negociações que viabilizaram a incorporação de avanços nas Diretrizes, processo que
não está acontecendo desde o Golpe de 2016 e, principalmente, sob o governo ultra
neoliberal de Jair Bolsonaro.
Estamos em 2020 e podemos constatar, pela forma como estão ocorrendo as
audiências públicas e os processos de aprovação de “novas” Diretrizes para a formação
de professores, a ocorrência de um total menosprezo pelas propostas das entidades no
campo da Educação por parte do CNE. Provavelmente, a própria pedagogia entrará
novamente em pauta e veremos o que é uma péssima hipótese: as diretrizes serão
reformuladas, o curso dividido em bacharel e licenciando, e teremos a criação de um
conselho profissional que vai regular o exercício da profissão, enquanto a valorização
do magistério está sendo violentamente atacada. Esse processo de divisão na formação e
criação de conselho profissional já ocorreu com a Educação Física.
A devastação provocada por medidas adotadas na área da Educação no Brasil,
a partir do Golpe de 2016 (JINKINGS, ET.AL. 2016), que destituiu uma presidenta

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 10
legitimamente eleita, pode ser observada nas medidas até agora adotadas contra o
Sistema Federal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, contra a Educação
Pública e contra os Serviços Públicos14.
Vamos destacar o que diz respeito à revogação arbitrária da Diretriz Curricular
sobre formação inicial e continuada de professores para a educação Básica, a Resolução
02/2015, que vinha orientando a reestruturação de currículos para a formação inicial e
continuada de professores. Com as alterações ocorridas na composição do CNE e no
Fórum Nacional de Educação (FNE), alterou-se a lei, e tem-se a aprovação, em 2019, da
resolução 02/2019, que trata da formação Inicial de professores e institui a Base
Nacional Comum Curricular (BNC) para a Formação de Professores.
As principais críticas das Diretrizes aprovadas e homologadas são as seguintes:
(a) Os fundamentos da formação de professores estão atrelados à Base Nacional
Curricular Comum (BNCC) que, por sua vez, responde a “competências e habilidades”
para adaptação ao mundo do trabalho que, como vimos acima, é o mundo do trabalho
alienador e conformador ao novo ethos geopolítico e ethos geocultural imperialista; (b)
o esvaziamento teórico de conhecimentos clássicos da área das teorias pedagógicas
críticas; (c) a divisão entre formação inicial e continuada; e (d) a desconsideração do
que determina a valorização do magistério – além da sólida formação teórica, as
condições de trabalho a formação continuada, salários, carreira, gestão democrática,
financiamento da educação, organização dos trabalhadores da educação, entre outros.
O Projeto de Formação Inicial e Continuada de Formação de professores, que
vem sendo defendido historicamente pelas entidades da Educação e pela teoria
pedagógica crítica, sobre formação de professores, sinaliza a consideração do projeto
histórico-superador do capitalismo como referência na formação (FREITAS, 2018), as
diretrizes curriculares que superem as políticas que se perfilam com o ethos neoliberal e
ultra neoliberal (MALANCHEN, 2016), os fundamentos da teoria pedagógica
Histórico-Crítica (MARTINS; DUARTE, 2010) para a formação de professores e os
princípios do Projeto de Formação de Professores da Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE, 2018), dos quais destacamos: 1º) a
formação inicial, sempre presencial e em nível superior, e a continuada devem ser
examinadas de forma contextualizada na sociedade brasileira; 2º) a transformação do
sistema educacional exige e pressupõe sua articulação com a mudança estrutural e
conjuntural, visando à construção de uma sociedade democrática, justa e igualitária; 3º)
a gestão democrática da educação integrante da democratização da sociedade brasileira;

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 11
4º) a autonomia universitária; 5º) a reformulação dos cursos de formação de professores
como processo constante e contínuo, desenvolvimento dos conhecimentos científicos e
tecnológicos e das demandas socioculturais; 6º) a defesa da Universidade e suas
Faculdades de Educação como locus prioritário para a formação dos profissionais da
educação que atuam na educação básica; 7º) a superação do caráter fragmentário e
dicotômico da formação do pedagogo e dos demais licenciados, que se materializa na
organização curricular, reafirmando a docência como a base da identidade de todos os
profissionais da educação; 8º) a extinção gradativa da formação de professores em nível
médio; 9º) os princípios da Base Comum Nacional : sólida formação teórica e
interdisciplinar sobre o fenômeno educacional, seus fundamentos históricos, políticos e
sociais, bem como o domínio dos conteúdos da educação básica, de modo a criar
condições para o exercício da análise crítica da sociedade brasileira e da realidade
educacional; unidade teoria-prática atravessando todo o curso e não apenas a prática de
ensino e os estágios supervisionados, de modo a garantir o trabalho como princípio
educativo na formação profissional; trabalho coletivo e interdisciplinar como eixo
norteador do trabalho docente; compromisso social do profissional da educação, com
ênfase na concepção sócio-histórica de leitura do real e nas lutas articuladas com os
movimentos sociais; gestão democrática entendida como superação do conhecimento
de administração enquanto técnica e compreendida como manifestação do significado
social das relações de poder reproduzidas no cotidiano escolar; incorporação da
concepção de formação continuada, visando ao aprimoramento do desempenho
profissional aliado ao atendimento das demandas coletivas da escola; avaliação
permanente dos cursos de formação dos profissionais da educação, como
responsabilidade coletiva a ser conduzida à luz do projeto político-pedagógico de cada
curso/instituição.

4. REAFIRMANDO PRINCIPIOS

Com essa concepção e fundamentos, demarca-se o campo defendido há mais


de 40 anos pelas entidades educacionais, entre as quais a Anfope, reafirmando
princípios orientadores da Base Comum Nacional na formação dos profissionais da
educação e explicitando fundamentos sócio-históricos da educação, importantes para
defender uma perspectiva de formação de professores orgânica e consistente, que
contribua no enfrentamento de projetos de formação antagônicos. Demarcamos, assim

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 12
como já o fez a Anfope, em especial, a professora Dra. Helena Freitas15, em seu Blog,
as concepções das propostas construídas coletivamente para enfrentarmos as
proposições negacionistas e divisionistas atuais do período pós-golpe de 2016.
Esses são nossos instrumentos de resistência aos processos de desqualificação
da profissão, à degradação das condições de trabalho, de salário, da carreira do
magistério e demais profissionais da educação. Com essa base, dá-se o confronto de
projetos na formação de professores no Brasil. A correlação de forças e o envolvimento
dos intelectuais orgânicos da classe trabalhadora são decisivos, em tempos de Estado de
Exceção, de pandemia, de autoritarismo e de aplicação de uma política econômica ultra
neoliberal. Os cursos de formação de profissionais de Educação Física não estão
eximidos, apartados, isolados, deste contexto e destes embates. Mas esse assunto será
motivo de um próximo texto para a Revista da Universidade Federal Fluminense que
ora está sendo lançada. Aprofundaremos o assunto da formação nos cursos de Educação
Fisica a partir da hipótese de que, além do empresariamento, da privatização, da
Educação a Distância, os cursos sofrem as seguintes pressões na disputa de projetos de
formação: São elas: 1. Pensamento médico, ainda higienista e eugenista, racista, agora
com uma linguagem científica sofisticada; 2. A influência militarista da disciplina de
corpos e mentes e de militarização das escolas16; 3. A ênfase desportiva, competitiva, de
rendimento, meritocrática; 4. O empresariamento17 e a Educação Física como negócio
lucrativo, pela via da “uberização” do trabalho do professor por meio de plataformas de
serviços controladas por monopólios internacionais; 5. O divisionismo imposto pela
regulamentação da profissão via CREF/CONFEF, que divide campos de trabalho; 6.
Política curricular com base teórica no construtivismo, no “aprender a aprender”, nas
competências e habilidades via BNCC (Resolução N.º 4, de 17 de dezembro de 2018 -
Resolução da BNCC) e Reforma Ensino Médio, Lei N.º 13.415, de 16 de fevereiro de
2017; 7. O Relativismo Pós-moderno. 8. As estas forças somam-se forças da extrema
direita, fascistas, alicerçando o processo de acumulação capitalista cuja medula é o
capital financeiro, a indústria militar bélica, e o narcotráfico (MEJIA, 2019; 2020).
Essas oito forças podem ser localizadas dentro da academia, das entidades científicas,
em todos os campos de trabalho e, principalmente, na forma como a extrema direita está
conduzindo as políticas públicas no Brasil.
O embate prosseguirá e estará expresso nas páginas desta revista, que
bravamente nasce no ano pandêmico de 2020. Prosseguirá em correlações de forças
nem sempre favoráveis à humanização. Prosseguirá enfrentando poderes internos e

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 13
externos nas instituições. Prosseguirá expressando o confronto de projetos históricos, de
projetos de escolarização, do projeto de formação de professores de Educação Física
(TAFFAREL; ALBUQUERQUE, 2020).
Assim como a Revista Fluminense de Educação Física do Instituto de
Educação Física da Universidade Federal Fluminense (UFF) prosseguirá com números
subsequentes, assim também este texto inconcluso seguirá com novas elaborações,
buscando aderência ao real concreto, para que, ao formular explicações, suscite em
todos e todas proposições superadoras, na perspectiva da emancipação humana.

REFERÊNCIAS

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Movimento. Goiânia: Ed. Espaço Acadêmico, 2018.

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Contracorrente, 2017.

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 15
1
Ver a respeito da COVID-19: o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus, criado pelo Consórcio
do Nordeste, que reúne os governos dos nove estados nordestinos para o enfrentamento da crise por que
passam esses Estados, o Brasil, a América Latina, a humanidade, o mundo todo. Disponível em:
https://www.comitecientifico-ne.com.br/. Acesso em: 20 ago. 2020
2
Ver a respeito da EC 95/2016: Cynara Monteiro Mariano, Revista de Investigações Constitucionais.
“Emenda constitucional 95/2016 e o teto dos gastos públicos: Brasil de volta ao estado de exceção
econômico e ao capitalismo do desastre”. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2359-
56392017000100259&script=sci_arttext. Acesso em: 20 ago. 2020.
3
Ver a respeito os CADERNOS DA REFORMA ADMINISTRATIVA: FONACATE – Fórum Nacional
Permanente de Carreiras Típicas do Estado. Disponível em: https://fonacate.org.br/. Acesso em: 23 ago.
2020.
4
Ver mais: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/05/paulo-guedes-plano-mais-brasil-
pretende-transformar-o-estado-brasileiro.
5
Ver Nota Técnica n.º 232 de 3 de abril de 2020, do DIEESE. Disponível em:
https://www.dieese.org.br/notatecnica/2020/notaTec232ProgramaEmergencialGoverno.html. Acesso em:
20 ago. 2020.
6
L: lésbica; G: gays; B: bissexuais; T: transexuais, travestis e transgêneros; Q: questionando ou queer; I:
intersexuais, +: todas as demais designações.
7
ETHOS palavra de origem grega relacionada à moral e aos costumes.
8
Ver mais em:
http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484154/Estat%C3%ADsticas+dos+professores+no+Brasil/2c
fab3f2-3221-4494-9f7e-63ae08c154e1?version=1.1.
9
O Censo da Educação Básica Notas Estatísticas: pesquisa realizada anualmente pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em articulação com as Secretarias Estaduais
e Municipais de Educação, sendo obrigatória aos estabelecimentos públicos e privados de educação
básica, conforme determina o art. 4º do Decreto nº 6.425/2008”.
10
Ver mais a respeito em: https://universidadeaesquerda.com.br/kroton-cortara-75-dos-cursos-
presenciais-ead-e-mais-lucrativo/?preview=true&_thumbnail_id=10777. Acesso em: 27 ago. 2020.
11
Sobre Resistência Ativa, recomendamos as seguintes obras: SAVIANI; Demerval. A Nova Lei da
Educação. LDB Trajetória Limites e perspectiva. Campinas/SP: Autores Associados, 1997; FRIGOTTO,
Gaudêncio. “Escola sem Partido” Esfinge que ameaça a educação e a sociedade Brasileira. Rio de
Janeiro. UERJ, LPP, 2017; FREITAS, Luiz Carlos. A Reforma Empresarial da educação. Nova direita,
Velhas Ideias. São Paulo, Expressão Popular, 2018.
12
O Censo da Educação Básica Notas Estatísticas está baseado na pesquisa realizada anualmente pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
13
Foram quatro os ministros indicados para o ME: Ricardo Velez Rodrigues, Abraham Weintraub, Carlos
Decotelli e o quarto, Milton Ribeiro.
14
Ver mais a respeito das medidas adotadas em tempos de pandemia em:
https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/confira-o-caderno-de-textos-e-a-proposta-de-cronograma-do-
8o-conad-extraordinario1.
15
Ver mais em:
https://formacaoprofessordotcom.files.wordpress.com/2020/05/parecer_fcd_cne_maio_2020.pdf.
16
A respeito da militarização das escolas, ver: https://ubes.org.br/2019/10-problemas-graves-no-projeto-
de-bolsonaro-para-militarizar-escolas/. Ver também: https://www.cartacapital.com.br/educacao/5-pontos-
que-colocam-em-xeque-a-militarizacao-das-escolas/ e ainda
https://revistaeducacao.com.br/2019/04/29/militarizacao-das-escolas/.
17
A respeito do empresariamento da Educação, consultar:
http://www.colemarx.com.br/teams/empresariamento-da-educacao/

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol. 01, ano 01, dez 2020. Página 16
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: A DISPUTA


NOS RUMOS DA FORMAÇÃO

TRAINING OF PHYSICAL EDUCATION TEACHERS: THE DISPUTE IN THE


TRAINING DIRECTIONS

FORMACIÓN DE PROFESORES EN LOS CURSOS DE EDUCACIÓN FÍSICA:


DISPUTAS EN LOS CAMINOS DE FORMACIÓN
Resumo: O objetivo deste texto é apresentar, após análise de dados empíricos sobre os cursos de
formação de professores de Educação Física, os dados sobre os cursos, aspectos sobre a legislação, e
posições de entidades a respeito das diretrizes para os referidos cursos. Foram identificadas oito forças
influentes que expressam posições na luta de classes, na disputa de projetos de formação e projeto
histórico. Conclui-se apresentando: a possibilidade de essência para a formação de professores de
Educação Física, que rompa com a negação do conhecimento teórico, o relativismo científico e a divisão
dos cursos em licenciatura e bacharelado.

Palavras-chave: Diretrizes. Formação de professores. Cursos de Educação Física.

Abstract: The purpose of this text is to present, after analyzing empirical data on Physical Education
teacher training courses, data on courses, aspects of legislation, and entities' positions regarding the
guidelines for these courses. Eight influential forces were identified that express positions in the class
struggle, in the dispute for training projects and historical projects. It concludes by presenting: the
possibility of essence for the training of Physical Education teachers, which breaks with the denial of
theoretical knowledge, scientific relativism and the division of courses in undergraduate and bachelor's
degrees.

Keywords: Guidelines. Teacher training. Physical Education Courses.

Resumen: El propósito de este texto es presentar, luego de analizar datos empíricos sobre los cursos de
formación del profesorado de Educación Física, datos sobre los cursos, aspectos de la legislación y
posiciones de las entidades sobre los lineamientos de estos cursos. Se identificaron ocho fuerzas
influyentes que expresan posiciones en la lucha de clases, en la disputa por proyectos de formación y
proyectos históricos. Se concluye presentando: la posibilidad de esencia para la formación del
profesorado de Educación Física, que rompe con la negación de los conocimientos teóricos, el relativismo
científico y la división de cursos en licenciaturas y licenciaturas.

Palabras clave: Directrices. Formación de profesores. Cursos de Educación Física.

AUTORES:
CELI NELZA ZULKE TAFFAREL – Professora Dra. Titular UFBA. CNPq taffarel@ufba.br
MATHEUS LIMA DE SANTANA – Estudante Educação Fisica UFBA -matheusls2010@gmail.com
SIDNEIA FLORES LUZ – Doutoranda PPGE FACED/UFBA – sidneiaflores@yahoo.com.br

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol 02, ano 02, jan.
2021. Página 1
FUTURO: DOI: https:

1 INTRODUÇÃO

A Revista Fluminense de Educação Física do Instituto de Educação Física da


Universidade Federal Fluminense (UFF), agora já em seu segundo número, continua
aprofundando os estudos. Nesse sentido, apresento elementos sobre os cursos de
formação em Educação Física, explicitando tendências e hipóteses sobre determinações
que estão tencionando os rumos da formação.
A conjuntura atual continua evidenciando o processo de destruição de forças
produtivas. Confirma-se, dia a dia, que a “crise-ajuste-crise”, não é superestrutural nem
passageira, mas estrutural e permanente (MONTORO, 2014). Confirmam-se dados
estatísticos negativos no âmbito da economia. As consequências sociais do desmonte
da República e retirada dos direitos são nefastas e trazem consequências avassaladoras,
principalmente para os mais pobres, o povo negro, os indígenas, os quilombolas, Fundo
e Fecho de Pasto, povos tradicionais, de terreiros, do campo, das águas, das florestas, os
Sem-teto, os Sem-terra, os atingidos por grandes obras, as mulheres, os LGBTQI+1, os
portadores de deficiências. Agravam-se as questões ambientais, na destruição das
florestas, na mineração devastadora, na privatização das águas, no negacionismo das
problemáticas climáticas. Também se agravam as questões políticas, com avanços da
direita e extrema direita, na atuação das milícias, do narcotráfico, do “gabinete do ódio”,
na propagação das fake news, na atuação dos Think Tanks, na destruição da Constituição
Cidadã de 1988, na quebra do equilíbrio dos poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, nas relações belicosas e violentas com a sociedade civil, por meio da
ameaçadora presença das forças armadas, a coerção, enquanto política de Estado e com
a política externa subalterna aos Estados Unidos da América do Norte. E estas medidas
devastadoras têm consequências, sim, nas questões culturais.
Constatamos o rebaixamento teórico, a desintelectualização, o negacionismo da
ciência, a destruição das culturas tradicionais com a imposição de valores de uma
cultura meritocrática, paternalista, militarista, oligárquica, machista, impregnada de
preconceitos e fobias (homofobia, xenofobia, gerontofobia entre outras). Busca-se
instituir um ethos2 geocultural, em conformidade com o ethos geopolítico do
imperialismo, face superior do capitalismo, do ultra neoliberalismo, em todo o planeta.
Uma cultura da exploração, da opressão humana e destruição da natureza, na qual

Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, vol 02, ano 02, jan.
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prevalecem, hegemonicamente, as ideias da classe dominante, a ética e a moral próprias


dos burgueses capitalistas, exploradora, opressora, da lógica privatista, mercantilista,
empresarial, parasitária, militarista, disciplinadora, subserviente, entreguista,
obscurantista, negacionista, acientífica, a-histórica e acrítica. O capitalismo, em sua
atual fase imperialista (LENIN, 2007), tem como resultados a destruição econômica, a
regressão social e a destruição da democracia.
Segundo Eloy Altuve Mejía (2019, p. 03), renasce na América Latina de
maneira pública, convicta, confessa e com adesão popular, a tendência fascista como
alternativa política. Essa opção alicerça o processo de acumulação capitalista
contemporâneo, cuja medula é o capital financeiro, a indústria militar bélica e o
narcotráfico. O Movimento “Direito à Memória e Justiça Racial” tem demonstrado essa
relação em suas iniciativas de barrar o genocídio da população negra pelo braço armado
do Estado no Rio de Janeiro (GOULART e FLORENTINO, 2020).
Nesta base teórica que demonstra nexos e relações, correlações de forças entre
as classes e frações das classes sociais, que demonstra a luta de classes e seu conteúdo
na economia, nas relações sociais, na política, no meio ambiente e na cultura em geral, é
que vamos indicar tendências e defender proposições superadoras no confronto de
projetos na formação de professores de Educação Física no Brasil, verificar a situação
dos cursos e analisar a Resolução 06/2018, aprovada em 18 de dezembro de 2018 e que
institui diretrizes para os Cursos de Educação Física,

2 SOBRE OS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Como já expusemos no texto publicado no primeiro número da Revista


Fluminense de Educação Física, o Projeto de Formação Inicial e Continuada de
Formação de professores, que vem sendo defendido historicamente pelas entidades da
Educação e pela teoria pedagógica crítica, sobre formação de professores, sinaliza a
consideração do projeto histórico-superador do capitalismo como referência na
formação, as diretrizes curriculares que superem as políticas que se perfilam com o
ethos neoliberal e ultra neoliberal (MALANCHEN, 2016), os fundamentos da teoria
pedagógica Histórico-Crítica (MARTINS; DUARTE, 2010) para a formação de
professores. Destacamos também os princípios do Projeto de Formação de Professores

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da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE,


2018) dos quais destacamos: 1º) a formação inicial, sempre presencial e em nível
superior; 2º) a transformação do sistema educacional que exige e pressupõe sua
articulação com a mudança estrutural e conjuntural; 3º) a gestão democrática da
educação integrante da democratização da sociedade brasileira; 4º) a autonomia
universitária; 5º) a reformulação dos cursos de formação de professores como processo
constante e contínuo, desenvolvimento dos conhecimentos científicos e tecnológicos e
das demandas socioculturais; 6º) a defesa da Universidade como locus prioritário para a
formação dos profissionais; 7º) a superação do caráter fragmentário e dicotômico da
formação; 8º) a extinção gradativa da formação de professores em nível médio; 9º) os
princípios da Base Comum Nacional: sólida formação teórica e interdisciplinar;
unidade teoria-prática atravessando todo o curso e não apenas a prática de ensino e os
estágios supervisionados; o trabalho coletivo e interdisciplinar como eixo norteador do
trabalho docente; compromisso social do profissional da educação, com ênfase na
concepção sócio-histórica e nas lutas articuladas com os movimentos sociais; gestão
democrática; incorporação da concepção de formação continuada, visando ao
aprimoramento do desempenho profissional; e avaliação permanente dos cursos, como
responsabilidade coletiva a ser conduzida à luz do projeto político-pedagógico de cada
curso/instituição.
Com essa concepção e fundamentos, demarca-se o campo defendido há mais
de 40 anos pelas entidades educacionais, entre as quais a Anfope, reafirmando
princípios orientadores da Base Comum Nacional na formação dos profissionais da
educação, explicitando fundamentos educacionais sócio-históricos, importantes para
defender uma perspectiva orgânica e consistente de formação de professores, que
contribua no enfrentamento de projetos antagônicos de formação.
Quanto aos Cursos de Educação Física no Brasil, podem ser localizados os
seguintes marcos temporais, com as respectivas normatizações e modalidades, de
acordo com o quadro abaixo:
Quadro 01 – Diretrizes Curriculares da Educação Física
Ano Decreto/Resolução Modalidade
1939 Decreto-Lei 1212/1939 Licenciatura em Educação Física
1945 Decreto-Lei 8270/1945 Licenciatura em Educação Física
1962 Resolução CFE n.º 298/1962 Licenciatura em Educação Física e Técnico
Desportivo

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1969 Resolução CFE n.º 69/1969 Licenciatura em Educação Física e Técnico de


Desportos
1987 Parecer CFE n.º 215/1987 Licenciatura e/ou Bacharelado em Educação Física
Resolução CFE n.º 03/1987
2004 Parecer CNE n.º 58/2004 Licenciado e/ou Graduado em Educação Física
Resolução CNE n.º 07/2004
2018 Parecer CNE n.º 584/2018 Graduado em Educação Física
Resolução CNE n.º 6/2018
Fonte: elaboração da autora.
Esses marcos também foram firmados em dados contextos históricos e em
dadas correlações de forças (TAFFAREL, 2012). Escrevemos e publicamos na Revista
Kynesis em 2012 (p. 95-133) que a recomposição do aparato legal corresponde às
tendências econômicas, entre as quais podemos reconhecer a de desregulamentação do
mundo do trabalho, controlando, ajustando, enquadrando a força de trabalho por outros
mecanismos, como a regulamentação das profissões, a divisão na formação acadêmica,
a criação de conselhos, a desregulamentação do trabalho, a flexibilização, a
terceirização, a privatização e a transferência de recursos públicos ao setor privado.
Estamos em 2020, e essas tendências se confirmaram de forma dramática, como já
demonstrado na tese da doutora Cassia Hack (2017) e atualizados em 2020 com a
colaboração de Matheus Lima de Santana, bolsista do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI).
Pesquisamos, em agosto de 2020, na plataforma pública e-MEC, que armazena
dados sobre os cursos e as instituições de ensino superior, e identificamos a quantidade
de cursos de Educação Física no Brasil, organizados de acordo com setor (público e
privado), modalidade (presencial e à distância) e por grau (bacharelado e licenciatura).
Investigamos também, em uma consulta avançada, os cursos de graduação por estado,
verificando a situação no ano de 2020. Para cada estado aplicamos oito filtros referentes
à modalidade, ao grau e à gratuidade: 1- Modalidade a distância, bacharelado e público;
2- Modalidade a distância, bacharelado e privado; 3- Modalidade a distância,
licenciatura e público; 4- Modalidade a distância, licenciatura e privado; 5- Presencial,
bacharelado e público; 6- Presencial, bacharelado e privado; 7- Presencial, licenciatura e
público; 8- Presencial, licenciatura e privado. Por último, os dados foram organizados
em quadros e gráficos.
Constatamos que existem 3.055 cursos de Educação Física no Brasil. Destes, 2.766 são
cursos da iniciativa privada, ou seja, a maioria. Na modalidade Educação a Distância,

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são 1.351 cursos na Iniciativa Privada, sendo 734 Licenciaturas e 589 Bacharelados. Na
modalidade Presencial, temos 1.704 Cursos, sendo que, destes, 1.443 são da Iniciativa
Privada. Temos, portanto, confirmado que os Cursos de Educação Física, na maioria,
estão na iniciativa privada, o que corresponde a 91% do total de cursos. Cresce a
tendência dos cursos de bacharelado e a modalidade cursos à distância. Em comparação
aos dados de 2017, o número quase duplicou, foram criados 1.346 novos cursos,
passando de 1.709 a 3.055
Quadro 02 – Cursos de Educação Física no Brasil - 2020
CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL – 2020
Modalidade a distância Modalidade presencial
Bacharelado Licenciatura Bacharelado Licenciatura
Região Total
Públic Privad Públic Privad Públic Privad Públic Privad
o o o o o o o o
Norte 0 106 4 124 21 38 45 29 367
Nordeste 0 190 8 230 15 162 55 102 762
Centro-oeste 0 82 6 110 9 81 18 65 371
Sul 1 84 3 107 16 126 19 118 474
Sudeste 0 127 6 163 31 382 32 340 1081
Total 1 589 27 734 92 789 169 654 3055
Fonte: Sistema e-MEC
Considerando as cinco regiões do Brasil, a maioria dos cursos está na Região
Sudeste, correspondendo a 35% do total. Em segundo lugar, em número de Cursos, está
o Nordeste, com 25% do total. Em terceiro lugar, a Região Sul, com 16% do total de
Cursos. Em quarto lugar, empatadas, temos as regiões Norte e Centro-Oeste, com 12%
do total de cursos.
3. AS FORÇAS SOCIAIS QUE TENCIONAM A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Constatamos que o mesmo movimento ocorrido na formação de professores em
geral está ocorrendo com os Cursos de Educação Física. Cresce a iniciativa privada e a
Educação a Distância. Há um agravante com a divisão do Curso e com um Conselho
profissional que age segundo um aparelho do Estado Burguês, exercendo prerrogativas
que não lhe cabem nem sob o ponto de vista da legalidade e muito menos da
legitimidade, como é o caso da ingerência no Sistema Educacional, nas Escolas e nos
Curso de Formação Inicial e Continuada de professores de Educação Física.
As ideias que prevaleceram em cada tempo histórico foram as da classe
dominante, ou seja, a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante, visto que a

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elas interessava manter a sociedade dividida em classes sociais e a esse modo de


produção corresponde uma superestrutura ideológica.
Quando nos perguntamos a respeito de como essas ideias tornaram-se
hegemônicas, desde os primeiros cursos instituídos no Brasil, na década de 1930,
podemos reconhecer, pela literatura pertinente, que quatro forças tencionaram,
influenciaram, o rumo dos Cursos de Formação de Professores de Educação Física: o
Modelo econômico de exploração da mão de obra, o pensamento médico higienista e
eugenista, o pensamento militarista e a tendência desportivizante. Com o Golpe
empresarial militar de 1964, a Educação Física passa a ser obrigatória no Ensino
Superior para todos os estudantes. Intensificam-se a abertura de cursos de Educação
Física nas Universidades bem como as ideias de divisão entre a Licenciatura para
formar professores e o Bacharelado voltado para o desenvolvimento da ciência do
esporte.
Com a luta pela democratização do país, na década dos anos de 1980 a 1990,
surgem teorias pedagógicas críticas e, também, teorias críticas na Educação Física, que
defendem, para esses cursos, formulações baseadas em consistente base teórica na não
divisão formativa e na não negação de conhecimentos.
Os anos iniciais de um novo milênio, novo século, a década de 2000 indicava
ampliação de campos de trabalho, em especial, com todas as contradições próprias de
uma sociedade de classes em confronto, com o impulso de políticas públicas na área do
Esporte, com a instituição do Ministério do Esporte. Avançou, também, a ideia de um
curso único por dentro do Conselho Nacional de Educação (CNE), mas o Golpe de 2016
fez esse processo retroceder, e estamos agora confrontando-nos com um ideário próprio
do século passado, acrescido da pressão exercida pelas empresas, pelos
fundamentalistas, negacionistas, protofascistas. Estamos confrontando-nos com as
posições dos Conselhos Estaduais de Educação Física/Conselho Nacional de Educação
Física (CREF/CONFEF), que exerce a função de contribuir com a divisão na formação
nos Cursos de Educação Física, extrapolando suas instâncias para interferir desde os
órgãos de fomento à pesquisa, as instâncias acadêmicas nas universidades e nos projetos
pedagógicos das escolas, do sistema de saúde, esportivo e de lazer e conflitos na atuação
em campos de trabalho que estão retraídos, pela aplicação da economia ultra
neoliberais, da política do Estado Mínimo para o social e máximo para o capital. O

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Estado de Exceção, forma jurídica do neoliberalismo (VALIM, 2017), o Estado


necessário deste modelo de reprodução social (2013, p. 125).
Vale destacar que o Golpe de 2016 (MASCARO, 2018) contra a presidenta
Dilma Rousseff (JINKINGS et al., 2016) fez retroceder políticas educacionais do
Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma Agraria (PRONERA), que era
vinculado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ao
Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Atacou também as políticas
educacionais ligadas à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão (SECADI), que foi criada com vistas a contribuir para o desenvolvimento
dos sistemas de ensino, voltado à valorização das diferenças e da diversidade
sociocultural, à promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e da
sustentabilidade socioambiental. A SECADI desenvolvia ações no campo de Educação
de Jovens e Adultos, Educação Especial na perspectiva inclusiva, Educação Ambiental
e em Direitos Humanos, Educação do Campo, Indígena e Quilombola e Educação para
as Relações Étnico-Raciais. As atribuições que competiam à SECADI estavam no
decreto n.º 7.690, de 2 de março de 2012.
Outro setor desmontado foi o Ministério do Esporte e, com ele, as Secretarias,
programas, projetos e ações. Estava em curso a estruturação do Sistema Nacional do
Esporte que contemplaria: a) as políticas de esporte, educação, lazer e inclusão social;
b) as políticas de esporte de alto rendimento com programas transversais sobre a
políticas de infraestrutura; c) as políticas de ciência e tecnologia; d) ações estratégicas
temporárias relacionadas a grandes eventos esportivos. Em 01 de janeiro de 2019, no
governo de Jair Bolsonaro, a pasta do Esporte foi incorporada ao Ministério da
Cidadania, juntamente com o Ministério da Cultura e Ministério de Desenvolvimento
Social. Nesta estrutura não existirão possibilidades de continuar o trabalho que vinha
sendo desenvolvido no Ministério do Esporte. Ocorrerá, sim, um grande retrocesso.
Quanto às Políticas de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social, que estão
sofrendo impacto e retrocesso, podemos mencionar: (1) o Programa Segundo Tempo
(PST), o qual buscava promover a inclusão social da população que historicamente
esteve à margem de seus direitos de cidadania; (2) o Programa Atleta da Escola,
voltado para escolares de 12 a 17 anos, matriculados na Educação Básica; (3) o
Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC) e o Programa Vida Saudável, que

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valorizava as atividades próprias de populações com tradições culturais particulares,


como quilombolas, indígenas e comunidades rurais; (4) Plano Nacional do Esporte de
Alto Rendimento; (5) Políticas de Ciência e Tecnologia Esportiva que focou na
produção do conhecimento científico para o desenvolvimento da Política Pública de
Esporte; (6) Projeto Referências do Esporte de Alto Rendimento em parceria com a
UFRGS; (7) Projeto Inteligência Esportiva em parceria com Centro de Pesquisa em
Esporte, Lazer e Sociedade (CEPELS) da UFPR; (8) Rede CEDES- Centro de
Desenvolvimento de Esporte Recreativo e de Lazer, que estimulou com apoio
orçamentário e incentivou com problemáticas desafiadoras e inovadoras, grupos de
pesquisa a produzir e difundir conhecimentos voltados para o aperfeiçoamento e a
qualificação de projetos, programas e políticas públicas de esporte recreativo e de lazer,
por meio da produção e difusão de conhecimentos em diferentes instâncias; (9)
Diagnostico Nacional do Esporte – (DIESPORTE). O Projeto foi executado pela UFBA,
articulado com as Universidades UFRGS, UFRJ, UFG, UFAM, UFS com
financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). O Diesporte demonstrou que
cabem, sim, iniciativas estatais de vulto para criar um Sistema Nacional do Esporte,
para fomentar, incentivar, propiciar práticas corporais, considerando principalmente o
sistema educacional, o sistema de saúde, o sistema de cultura, o sistema comunitário,
popular e, o sistema de alto rendimento, expandindo campos de trabalho.

A partir da metodologia do Diesporte (2013), foram realizadas outras duas pesquisas


em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que
contribuíram para a atualização do diagnóstico do esporte nacional. São elas: Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que tem por objetivo a produção de
informações básicas para o estudo do desenvolvimento social e econômico do País. Em
2015, foi acordada a inclusão de um suplemento de esporte junto à PNAD, que trata do
perfil do praticante em grande escala nacional, que agregaria insumos para o
acompanhamento e avaliação da efetividade das políticas do Ministério do Esporte,
inclusive em nível municipal. Outra iniciativa foi a Pesquisa de Informações Básicas
Estaduais (ESTADIC) e Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) que
são realizadas pelo IBGE em todos os estados e municípios brasileiros e levantam

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informações relacionadas à gestão dos governos estaduais e a administrações


municipais. Com o acordo junto ao IBGE, realizado em 2015, essas pesquisas também
contemplariam suplementos visando ao levantamento de informações sobre o esporte no
âmbito das esferas municipais e estaduais sobre a identificação, localização e tipo da
infraestrutura esportiva pública, bem como dados sobre a gestão esportiva nessas esferas
governamentais.

Outra dimensão que impacta possibilidades de trabalho em políticas públicas e nos


cursos de Educação Física são as Políticas de Igualdade Racial e as Políticas de Ação
Afirmativa.

A Lei n.º 12.288/10, de autoria do Senador Paulo Paim, instituiu o Estatuto da


Igualdade Racial. Segundo o artigo 1º dessa lei, o Estatuto da Igualdade Racial tem por
objetivo “combater a discriminação racial e as desigualdades raciais que atingem os
afro-brasileiros, incluindo a dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas pelo
Estado”.

As ações afirmativas são políticas focais, assistencialistas, compensatórias, que


alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e
vitimados pela exclusão socioeconômica, no passado ou no presente. Trata-se de
medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de
gênero ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no
acesso a educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no
reconhecimento cultural. Como exemplo, podemos mencionar a política de cotas,
consolidada com a lei n.º 12.711, de agosto de 2012, conhecida também como Lei de
Cotas. Essa lei estabelecia que, até agosto de 2016, todas as instituições de ensino
superior devem destinar metade de suas vagas nos processos seletivos para estudantes
egressos de escolas públicas. Temos também a Lei de Cotas Raciais no serviço público
12.990/2017. A norma era reservar 20% das vagas em concursos públicos federais para
pessoas que se declarassem de cor preta ou parda. A Lei de Cotas surgiu para reduzir a
discrepância de negros e pardos entre o serviço público federal e a população geral do
país.

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Outra medida foi a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira.


A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em seu artigo 1º, passa a vigorar acrescida
do Art. 26-A. “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”.

Vale destacar ainda as Políticas no âmbito do Sistema Único de Saúde para


promoção da equidade em saúde de populações vulneráveis. Por exemplo: Saúde da
População Negra – Portaria nº 992 de 13/05/2009; Saúde da População em Situação de
Rua - Decreto nº 7.053 de 23/12/2009; Saúde da População Cigana – Portaria nº 940 de
28/04/2011; Saúde da população LGBTQI+ - Portaria nº 2.836 de 01/12/2011; Saúde da
População do Campo e da Floresta - Portaria nº 2.866 de 2/12/2011.

Os cursos de Educação Física deveriam responder a esses marcos regulatórios,


frutos de muita luta da classe trabalhadora e de suas organizações. Mas existem outras
forças e pressões internas e externas aos cursos que deixam evidente o embate de
projetos de formação humana, projetos educacionais e projetos históricos.
Estão aí o empresariamento, a privatização, o trabalho remoto emergencial, a
Educação a Distância, em tempos de pandemia, que foram ampliados, por meio da ação
das classes dominantes, segundo estudo organizado por Rodrigo Lamosa (2020). Temos
aí a atuação do Movimento Todos pela Educação, Banco Interamericano de
Desenvolvimento, Movimento Brasil Competitivo, Fundação Roberto Marinho,
Instituto Ayrton Senna, Fundação Itaú Social, Fundação Bradesco, Fundação Lemann,
Confederação Nacional da Industria, Serviço Brasileiro de Apoio a Pequenas e Micro
Empresas, Igrejas Evangélicas, entre outras organizações que se valem da pandemia
para expandir negócios. Atuam no setor dos negócios educacionais a Associação
Nacional das Universidades Privadas (ANUP), presidida por Elizabeth Guedes, irmã de
Paulo Guedes, Ministro da Economia, e que representa grandes oligopólios
educacionais como a Kroton e a Estácio. Segundo o Coletivo de Estudos em Marxismo
e Educação (COLEMARX, 2020a COLEMARX 2020b), aliam-se organismos
internacionais, Corporações, Centros de Pensamento do Capital e trava-se um debate
sob a ética capitalista. Em uma conjuntura gravíssima é lançada a Coalizão Global da
Educação para utilização em curto tempo das tecnologias de aprendizagem remota e
assim consolidar o uso de tecnologias privadas de educação nas redes de ensino. Ainda

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segundo o COLEMARX (2020a; 2020b), estão envolvidos nesta coalisão liderados pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o
Banco Mundial (BM), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde
(OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), grupos empresariais como Microsoft, Google,
Facebook, Zoom, Moodle, Huawei, Tony Blair Institute for Global Change, Fundação
Telefônica entre outras. Formam-se trincheiras junto ao Estado, em alianças com
organismos internacionais e o setor empresarial que mantem a hegemonia na condução
das políticas educacionais e na criação de condições para a atuação de grupos
“filantrópicos-mercantis”. Entram aí as grandes corporações do capital aberto que
oferecem seus pacotes educacionais (COLEMARX, 2020a; 2020b).
O que constatamos neste momento histórico é que existem, portanto, o marco
regulatório legal, as políticas públicas de esporte, educação saúde e outras oito forças,
atuando sobre os cursos de formação de professores de Educação Física, as quais
contribuem para acentuar a tendência de cursos privados, a distância, com formação
fragmentada, com ênfase na modalidade bacharelado e com base em políticas
curriculares em sintonia com os preceitos da economia ultra neolieberal, vigente no
Brasil em 2020. São elas: 1. Pensamento médico, predominantemente higienista e
eugenista, racista, machista, agora com uma linguagem científica sofisticada (ARAUJO,
2013; CBCE, 2020); 2. A influência militarista da disciplina de corpos e mentes e de
militarização das escolas3 e a nefasta tendência das Leis da Mordaça, nos Projetos de
Lei Escola Sem Partido (RAMOS, 2016; MEIRELES; SANTOS, 2020); 3. A ênfase
desportiva, competitiva, de rendimento, meritocrática (SACOMANI, 2016; CEGALINI;
FLEURY; CARDOSO, 2016); 4. O empresariamento4 e a Educação Física como
negócio lucrativo, pela via da “uberização” do trabalho do professor por meio de
plataformas de serviços controladas por monopólios internacionais (ANDRADE, 2019;
CBCE, 2019); 5. O divisionismo imposto pela regulamentação da profissão via
CREF/CONFEF, que divide campos de trabalho (TAFFAREL; HACK;
MORSCHBACHER, 2020); 6. Política curricular com base teórica no construtivismo,
no “aprender a aprender”, nas competências e habilidades via BNCC (Resolução N.º 4,
de 17 de dezembro de 2018 - Resolução da BNCC) e Reforma Ensino Médio, Lei N.º

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13.415, de 16 de fevereiro de 2017, (BELTRÃO, 2019); 7. O Relativismo Pós-moderno


(DUARTE, 2004); 8. As forças da extrema direita, fascistas, alicerçando o processo de
acumulação capitalista cuja medula é o capital financeiro, a indústria militar bélica e o
narcotráfico (MEJIA, 2019; 2020). Essas oito forças podem ser localizadas dentro da
academia, das entidades científicas, em todos os campos de trabalho, seja no campo
educacional, campo empresarial, da saúde, clubes, academias, centros desportivos, nos
movimentos sociais, nas organizações não governamentais e, principalmente, na forma
como a extrema direita está conduzindo as políticas públicas de esporte no Brasil. É a
ideologia das classes dominantes atuando (MARX; ENGELS, 2007) é a hegemonia do
pensamento burguês.
4. A FORMAÇÃO EM UM ÚNICO CURSO COM UMA CONSISTENTE
BASE TEÓRICA
Contrários a formação fragmentada, desintelectualizada, defendemos que o
que caracteriza a intervenção do professor de Educação Física, independente do campo
de trabalho, é a docência que se materializa no trabalho pedagógico e partilhamos da
defesa de uma alternativa por meio da construção da licenciatura ampliada.
Trata-se, portanto, de uma Educação Física baseada nos anseios e
reivindicações da classe trabalhadora, radicalmente oposta à lógica lucrativa do
mercado capitalista. Defendemos, dessa forma, uma Licenciatura Ampliada –
Graduação em Educação Física, baseada, entre outros pontos, em uma formação
generalista, humanista e crítica, qualificadora da ação acadêmico-profissional,
fundamentada no rigor científico e na reflexão filosófica tendo, o trabalho como
princípio educativo (MNCR, 2010).
É imperiosa a necessidade histórica de uma consistente base teórica na
formação acadêmica dos professores de Educação Física. Morschbacher (2016) chega a
essa conclusão considerando o embate de projetos na formação dos professores de
Educação Física e os pressupostos teóricos que fundamentam a Licenciatura Ampliada,
o trabalho pedagógico com a cultura corporal como especificidade do trabalho desses
professores.

Atualmente, estamos enfrentando a implementação das diretrizes expressa na


Resolução 06/2018 do CNE, aprovadas para orientar a estruturação dos cursos de
Educação Física, que mantém a divisão na formação e, com isso, a negação de
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conhecimentos, o que rebaixa a formação teórica, atrela a formação à BNCC e à


Reforma do Ensino Médio, desqualificando a formação de professores e profissionais
de Educação Física no processo de formação acadêmica. Destacamos que as diretrizes
aprovadas no CNE fazem referência ao projeto histórico que deixa antever uma
adaptação à ordem do capital, quando faz referência a competências, habilidades, para
mercado de trabalho, escolar e não escolar, dividindo, fragmentando a formação com
consequência na concepção de currículo, pela via do esvaziamento do conteúdo teórico.
Na organização do currículo encontramos o problema gravíssimo do trato com o
conhecimento, na modalidade bacharelado e na modalidade licenciatura, ferindo-se
princípios curriculares para o trato com o conhecimento nuclear, clássico, no campo da
cultura corporal, na formação de professores de Educação Física.

Fica, portanto, evidente a contradição da negação do conhecimento para ambas as


modalidades. Os licenciados ficam privados, no mínimo, do conhecimento aprofundado
sobre saúde, esporte, cultura e lazer. Os bacharéis ficam privados, no mínimo, do
conhecimento sobre fundamentos da Educação, sobre políticas públicas e gestão da
educação. Essa contradição da negação do conhecimento é gravíssima, uma vez que
rebaixa a capacidade teórica da classe trabalhadora e desqualifica trabalhadores durante
seu processo de formação acadêmica. Com isso compromete-se a formação com uma
consistente base teórica.

Destacamos ainda a problemática das repercussões das divisões na formação


acadêmica, com o consequente esvaziamento teórico, que atendem aos interesses do
mercado de trabalho, formando um “exército de reserva” que entrará em choque nos
campos trabalhistas, choques estes que se iniciam na graduação coma divisão dos
estudantes entre licenciandos e bacharéis e com estruturas organizativas diferenciadas.
Consequentemente, tudo isso contribuiu para a desvalorização do magistério. Essa
tendência soma-se à tendência mais geral de desprestígio da profissão de professores e,
consequentemente, do profissional, dos trabalhadores e trabalhadoras que contam
somente com sua força de trabalho para manter a vida.

O embate prosseguirá e estará expresso nas páginas desta revista, que


bravamente nasce no ano pandêmico de 2020, prosseguirá em correlações de forças nem
sempre favoráveis à humanização, prosseguirá enfrentando poderes internos e externos

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nas instituições e expressando o confronto de projetos históricos, de projetos de


escolarização, do projeto de formação de professores de Educação Física (TAFFAREL;
ALBUQUERQUE, 2020).
Para expressar o embate de Projetos antagônicos neste momento histórico,
temos a Carta da Educação Física ao CNE5 também aprovada em Assembleia do
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), ocorrida em 19 de setembro de
2019, a qual é a ponta do iceberg desta luta. Quem redige e assina essa carta são: as
comunidades acadêmicas, científicas, setores do movimento estudantil, entidades
nacionais e indivíduos que se dirigem ao Conselho Nacional de Educação para
manifestar preocupação com a aprovação da Resolução CNE/CES N.º 06, de 18
dezembro de 2018, expedida pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional
de Educação (CNE/CES), que instituiu as novas DCNs dos Cursos de Graduação em
Educação Física, tendo por base o Parecer CNE/CES N.º 584, de 3 de outubro de 2018.
As preocupações são procedentes porque a metodologia/forma da tramitação e
aprovação foi apressada, e o conteúdo necessita, sim, ser questionado. Os que
subscreveram a carta supracitada manifestaram seu desacordo com as deliberações do
CNE no que se refere a essas DCNs. Destaco a carta porque, entre os encaminhamentos
formulados ao CNE, é a única que sinaliza a revogação da Resolução 06/2018.
Encaminharam questionamentos ao CNE as Universidades Federal de Uberlândia,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal de Goiás e a consulta
encaminhada pelo Ofício nº 3937/2019, /CGLNRS/DPR/SERES/SERES-MEC, de 16
de dezembro de 2019, no qual a Secretaria Executiva solicita subsídios sobre
operacionalização da Resolução CNE/CES nº 06 de 18 de dezembro de 2018, referente
às Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Educação Física.
Dentre os questionamentos contidos na referida carta, destacamos: a relação
com a Resolução CNE/CP de formação de professores, em relação ao prazo de
implementação das novas DCNs da Educação Física. Hoje sabemos que foi adiado por
mais um ano; a determinação da carga horária relativa ao estágio supervisionado; a
questão sobre o tripé do ensino, da pesquisa e da extensão, de forma indissociável; a
estruturação dos estágios supervisionados previstos apenas para a Etapa de Formação
Específica; e a questão da residência docente, que irá compor os 10% da carga horária
referencial na Etapa Específica. A Carta culmina com a solicitação da revogação das

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novas DCNs da Educação Física, passando à convocação de toda a comunidade


acadêmica, científica, movimento estudantil, entre outras entidades e indivíduos
interessados em contribuir para participação em audiência pública, com o objetivo de
aprofundar as discussões sobre tais Diretrizes. O que constatamos em agosto de 2020 é
que o CNE está expedindo parecer favorável ao adiamento da implementação das
Diretrizes Curriculares6.
Entre a aprovação das referidas Diretrizes e o ano pandêmico de 2020,
decorreram-se dois breves anos que, pelos acontecimentos, estão a exigir não somente a
revogação dessas Diretrizes, mas a revogação de todo o aparato legislativo que tem
acentuado o desmonte da nação brasileira, do patrimônio público, dos direitos e
conquistas, entre os quais, de formar professores com uma consistente e sólida base
teórica, sem divisão na formação, sem esvaziamento e rebaixamento teórico dos cursos
de formação de professores em geral e, em especial, de professores de Educação Física.
5. CONCLUSÃO
Apresentamos dados sobre a formação nos cursos de Educação Física como
mais uma contribuição que se soma aos esforços empreendidos pelos intelectuais
orgânicos da classe trabalhadora (GRAMSCI, 1978), para enfrentar a realidade
concreta, identificando os pontos de apoio na Educação e para além dela, que nos
permitirão superar este período pré-histórico de relações sociais possíveis à
humanidade. A correlação de forças e o envolvimento dos intelectuais orgânicos da
classe trabalhadora são decisivos, em tempos de Estado de Exceção (VALIM, 2017), de
pandemia, de autoritarismo e de aplicação de uma política econômica ultra neoliberal
(MASCARO, 2018). Aliamo-nos aos que estão concretamente inseridos nas lutas de
classe da classe trabalhadora, em defesa do projeto de emancipação humana, ou seja,
projeto de superação do modo de produção de vida capitalista, em que se situa um
projeto de formação de professores em geral e, em especial, de Educação Física, que se
contrapõe ao conformismo e à adaptação à lógica do capital.
Está em curso a construção da unidade dos explorados, oprimidos, massacrados
pela lógica perversa do capital. As reivindicações identitárias, que isoladamente eram
conduzidas por movimentos específicos – movimento negro, Movimento das Mulheres,
Movimento dos LGBTQI+, Movimento Indígena, dos Sem-Teto, Sem-Terra,
Quilombolas, Atingidos por Barragens e Grandes obras, Movimento das Favelas e

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muitos outros passam a reconhecer as determinações que, em última instância,


fragmentam a luta e enfraquecem o poder das organizações da classe trabalhadora.
Colocam-se assim novos desafios aos cursos.
À guisa de conclusão, destacamos quatro elementos teóricos articulados com o
projeto de sociedade superador do degenerado, decrépito, parasitário, destrutivo sistema
capitalista: reconhecimento dos elementos que permitem um diagnóstico para tomar
uma posição de classe e defender um projeto histórico superador. Esse é o primeiro
indicador para a formação de professores de Educação Física; o segundo diz respeito à
necessidade imperiosa histórica de reconceptualizar o currículo, o que significa alterar,
com radicalidade, rigorosidade e de conjunto as concepções e fundamentos na formação
de professores em geral e na formação de professores de Educação Física, que rompam
com as atuais políticas curriculares e construam uma perspectiva de políticas
curriculares histórico-crítica; o terceiro refere-se à revogação das diretrizes 02/2019
sobre formação inicial e continuada de professores; o quarto, a revogação e não
adaptação dos cursos de Educação Física às atuais diretrizes curriculares 06/2018 e o
exercício da autonomia garantida na Constituição Federal de 1988, com proposições
crítico-superadoras, cujos princípios assegurem um curso único, com formação
ampliada, contra o divisionismo, contra a negação do conhecimento, contra a
fragmentação da profissão. Então, basta de divisões, negação, rebaixamento teórico;
basta de necropolítica; basta de política ultra neoliberal. Pela emancipação humana
ominlateral.
Destacamos, por fim, o que estão ressaltando em suas produções acadêmicas as
pesquisadoras Andrea Cunha Meireles e Arlete Ramos dos Santos, quando analisam as
ameaças aos Grêmios Estudantis. Estudantes, professores, técnicos administrativos e
trabalhadores da Educação, mantenham-se Unidos! Recuperemos a memória do
Movimento Estudantil, as Jornadas de Junho de 2013, as Ocupações Escolares de
2015/2016 como eventos fundamentais de resistência e militância contra os retrocessos
que atingem diretamente os estudantes, dentre eles o movimento Escola sem Partido
(MESP). Ao contextualizar a escalada anual dos projetos de lei (PL) do MESP,
enfatizando o caráter reacionário do último PL federal em 2019, que ataca frontalmente
os Grêmios Estudantis, essas pesquisadoras destacam a importância de os estudantes
permanecerem unidos, atentos e fundamentalmente organizados para lutar e resistir aos

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mecanismos de buscam ameaçar o presente e o futuro da juventude, bem como cercear a


livre organização.
Que a Revista de Educação Física da UFF continue este caminho de
popularizar os estudos, a ciência, os debates e a defesa de outro modo de produção,
outro sistema de educação, de formação de professores e, outra Educação Física, na
perspectiva da emancipação da classe trabalhadora, para além do capital (MESZAROS,
2002).
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Contracorrente, 2017.
1
L: lésbica; G: gays; B: bissexuais; T: transexuais, travestis e transgêneros; Q: questionando ou queer; I:
intersexuais, +: todas as demais designações.
2
ETHOS palavra de origem grega relacionada à moral e aos costumes.
3
A respeito da militarização das escolas, ver: https://ubes.org.br/2019/10-problemas-graves-no-projeto-
de-bolsonaro-para-militarizar-escolas/. Ver também: https://www.cartacapital.com.br/educacao/5-pontos-
que-colocam-em-xeque-a-militarizacao-das-escolas/ e ainda
https://revistaeducacao.com.br/2019/04/29/militarizacao-das-escolas/.
4
A respeito do empresariamento da Educação, consultar:
http://www.colemarx.com.br/teams/empresariamento-da-educacao/
5
Ver mais a respeito in:
http://www.cbce.org.br/upload/biblioteca/MO%C3%87%C3%83O%20DE%20APOIO%20%C3%80%20
CARTA%20AO%20CNE.pdf , acesso em 16 nov. 2020
6
Processo 23001.000601/2020-60 Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior
Prorrogação do prazo de implantação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs).

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2021. Página 21
FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL:
CONTRIBUIÇÕES DA ANFOPE, FORLIA E MNCR

Training in Physical Education in Brazil: contributions of ANFOPE,


FORLIA and MNCR

Formación en Educación Física en Brasil: contribuciones de ANFOPE,


FORLIA y MNCR

RESUMO
Este texto responde à chamada da Associação Nacional de Formação dos Profissionais
da Educação (ANFOPE), para elaboração de um Dossiê sobre formação de professores
de Educação Física no Brasil. Delimitamos o tema em torno das contribuições da
ANFOPE para a formação dos professores de Educação Física, do Fórum Nacional de
Licenciatura em Educação Física de Caráter Ampliada (FORLIA) e do Movimento
Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCR). As
fontes foram documentos oficiais das entidades. Concluímos que a divisão da profissão e
o rebaixamento teórico pela negação do conhecimento científico traz consequências
nefastas para os professores. Sustentamos a proposta da ANFOPE sobre Base Nacional
Comum de Formação de Professores e a proposta do MNCR de curso único para atuação
em campos de trabalho na perspectiva da emancipação da classe trabalhadora.
PALAVRAS-CHAVE: Formação de Professores; Formação Professores de Educação
Física; ANFOPE; FORLIA; MNCR.

ABSTRACT
This text responds to the call of National Training Association for Education Professionals
(ANFOPE), for the elaboration of a Dossier on the training of Physical Education teachers in
Brazil. We delimited the theme around the contributions of ANFOPE to the training of Physical
Education teachers, of the Extended Degree Forum (FORLIA), and the National Movement
Against the Regulation of the Physical Education profession (MNCR). The sources were official
documents available on the websites of the entities. We conclude that the division of the
profession and the theoretical demotion due to the denial of scientific knowledge has harmful
consequences for teachers. We propose to defend the ANFOPE proposal on a Common National
Base for teacher training and the MNCR proposal for a single course to work in labor fields with
a view to the emancipation of the working class.
KEYWORDS: Teacher training; Physical Education Teacher Training; ANFOPE; FORLIA;
MNCR.

RESUMEN
Este texto responde al llamado de la Asociación Nacional de Formación de Profesionales de la
Educación (ANFOPE), para la elaboración de un Dossier sobre la formación de profesores de
Educación Física en Brasil. Delimitamos el tema en torno a los aportes de ANFOPE a la
formación de profesores de Educación Física, del Foro Extendido de Titulación (FORLIA) y el
Movimiento Nacional Contra la Regulación de la Profesión de la Educación Física (MNCR). Las
fuentes fueron documentos oficiales disponibles en los sitios web de las entidades. Concluimos
que la división de la profesión y la degradación teórica por la negación del conocimiento científico
tiene consecuencias nocivas para los docentes. Proponemos defender la propuesta de ANFOPE
sobre una Base Nacional Común para la formación docente y la propuesta del MNCR de un curso
único para trabajar en el ámbito laboral con miras a la emancipación de la clase trabajadora.
PALAVRAS CLAVE: Formación docente; Formación de profesores de educación física;
ANFOPE; FORLIA; MNCR.

INTRODUÇÃO

O presente texto compõe o Dossiê da Associação Nacional pela Formação de


Profissionais da Educação (ANFOPE), que se propõe a “analisar, debater e refletir
criticamente sobre a formação de professores de Educação Física a partir das Resoluções
do Conselho Nacional de Educação (CNE) n⁰ 06 (18/12/18) e n⁰ 02 (20/12/2019)”, e
analisa os principais marcos regulatórios que orientaram a Formação de Professores/as e
a Formação de Professores/as de Educação Física no Brasil, bem como a posição da
ANFOPE, do Fórum Nacional de Licenciatura em Educação Física de Caráter Ampliada
(FORLIA) e do Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de
Educação Física (MNCR).
Estas leis respondem a três dimensões do tempo histórico em que foram elaboradas,
a saber: a) o contexto sócio econômico, político e cultural e as demandas ali colocadas
para a formação e atuação de professores/as; b) a correlação de forças instaladas em cada
momento histórico; c) os interesses das classes dominantes que detêm os aparelhos de
hegemonia de classe.
Destacamos que neste momento histórico estamos sob o impacto de uma
pandemia/sindemia da COVID-19 que acelerou a crise do modo de produção capitalista
em nível mundial e evidencia o esgotamento das possibilidades de o sistema amenizar o
sofrimento das massas trabalhadoras, mas o aprofunda. A deterioração dos serviços
públicos, em especial dos sistemas públicos de saúde, consequência das décadas de
políticas de ajuste estrutural implementadas pelos governos para estancar a crise
capitalista, converge para que as consequências da pandemia sejam ainda mais
aterradoras. Por outro lado, a pandemia é utilizada pelos governos, em escala global,
como pretexto para implementar medidas de desregulamentação do trabalho, de
contestação de direitos sociais e de suspensão das liberdades democráticas. A chamada
crise sanitária, portanto, é a expressão da crise geral do sistema baseado na propriedade
privada dos meios de produção.
No Brasil, a pandemia já ceifou a vida de mais de 260 mil pessoas, em que se
combinam as questões mais gerais, acima referidas, à política negacionista e genocida do
governo federal, que tem apoio de militares, empresários, banqueiros, latifundiários,
obscurantistas, fundamentalistas, etc.
Redigimos este texto no momento em que os 56 milhões de estudantes e os 2,2
milhões de professores/as estão em distanciamento social, em ensino remoto e/ou
combinando o ensino presencial e remoto, em condições precárias de trabalho e de ensino.
O retorno de aulas presenciais é discutido após um ano de pandemia sem que governos
tomassem medidas para adotar proteção à comunidade escolar, como adaptações na
infraestrutura, equipamentos de proteção individuais de qualidade, testagem em massa,
etc. Ademais, sem a garantia de vacinação para todos e todas pelo Sistema Único de
Saúde.
Redigimos este texto no momento em que a Educação no Brasil está sendo
impactada destrutivamente, conforme a ANFOPE (2021) pontua na Carta do XX
Encontro Nacional, a partir de ações e medidas que ferem direitos como: a Emenda
Constitucional nº 95/2016; a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e a terceirização;
a Reforma Administrativa (PEC nº 32/2020); a Reforma do Ensino Médio (Lei nº
13.415/2017); a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Básica; a
Resolução CNE/CP nº 2/2019, que trata da Base Nacional Comum da Formação Inicial
(BNC-Formação) e a Resolução CNE/CP nº 1/2020 (BNC-Formação Continuada), que
instrumentalizam e padronizam o currículo de formação de professores/as; as políticas,
que resultam na privatização e na perda de autonomia das instituições públicas de Ensino
Superior e Tecnológico; a nomeação de Reitoras/es não eleitos pela comunidade
acadêmica nos Institutos Federais e nas Universidades Federais; a terceirização e a
privatização da gestão das escolas e das redes públicas, mediante entrega às Organizações
Sociais e a outras instituições privadas; a implementação de regulamentações ou políticas
que não sejam amplamente debatidas pelos/as Profissionais da Educação e por suas
entidades e associações representativas, principalmente, quanto à formação inicial e
continuada e às carreiras; a oferta de cursos de formação continuada por instituições
privadas, com modelos aligeirados, fragmentados e imediatistas, que corroboram para a
visão pragmatista de certificação e ascensão funcional; o notório saber como qualificação
docente; a militarização das escolas públicas brasileiras; o negacionismo e o
rebaixamento do financiamento da produção científica e; a todos os projetos e formas de
privatização de instituições, empresas e órgãos públicos e do patrimônio público, em
geral, e, de modo particular, a Energia, as Águas e o Saneamento (ANFOPE, 2021).
É neste contexto que recuperamos os principais marcos regulatórios da Formação
de Professores/as em geral e em específico da Educação Física, com as principais
conclusões que chegamos a partir das dimensões aqui delimitadas.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS NO BRASIL – POSIÇÃO DA ANFOPE

Os cursos de formação de professores/as são regidos por Diretrizes aprovadas pelo


CNE e homologadas pelo Ministro da Educação. Constatamos que, ao longo da história,
sempre ocorreram pressões e negociações que viabilizaram a incorporação de avanços
nas Diretrizes, processo que não está acontecendo desde o Golpe de 2016, que destituiu
uma presidenta legitimamente eleita e, principalmente, sob o atual governo ultra
neoliberal.
No quadro 1 estão listados os marcos regulatórios com impactos diretos na
Formação de Professores/as, aprovados desde o golpe de 2016:

Quadro 1- Marcos regulatórios com impactos na Formação de Professores/as


2016 Parecer CNE/CES nº Consulta a respeito da habilitação do curso de Educação do
786, de 10 de Campo, ofertado pela Universidade Federal de Pelotas
novembro de 2016
2017 Lei nº 13.415, de 16 Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
de fevereiro de 2017 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494,
de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho
– CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de
1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga
a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005 e institui a Política de
Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em
Tempo Integral
Parecer CNE/CP nº Proposta de alteração do Art. 22, da Resolução CNE/CP nº 2, de
10, de 10 de maio de 1º de julho de 2015, que trata das Diretrizes Curriculares
2017 Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e
cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada
Resolução CNE/CP Altera o Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de 2015, que
nº 1, de 9 de agosto define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
de 2017 inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de
formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada
2018 Parecer CNE/CP nº Solicitação de prorrogação do prazo estabelecido na Resolução
7, de 3 de julho de CNE/CP nº 1, de 9 de agosto de 2017, que alterou o artigo 22 da
2018 Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de 2015
Resolução CNE/CP Altera o Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de 2015, que
nº 3, de 3 de outubro define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
de 2018 inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de
formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada
2019 Parecer CNE/CP nº Alteração do prazo previsto no Art. 22 da Resolução CNE/CP nº
7, de 4 de junho de 2, de 1º julho de 2015, que define as Diretrizes Curriculares
2019 Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e
cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada
Resolução CNE/CP Altera o Art. 22 da Resolução CNE/CP nº 2, de 1º de julho de
nº 1, de 2 de julho de 2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
2019 formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos
de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada
Portaria nº 2.167, de Homologa o Parecer CNE/CP nº 22/2019, do Conselho Pleno do
19 de dezembro de Conselho Nacional de Educação, que, junto ao Projeto de
2019 Resolução a ele anexo, define as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a
Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a
Formação Inicial de Professores da Educação Básica – BNC
Formação
Resolução CNE/CP Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de
nº 2, de 20 de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional
dezembro de 2019 Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação
Básica (BNC-Formação)
2020 Parecer CNE/CP nº Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada
14, de 10 de julho de de Professores da Educação Básica e Base Nacional Comum
2020 para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica
(BNC-Formação Continuada)
Portaria nº 882, de 23 Homologa o Parecer CNE/CP nº 14/2020, do Conselho Pleno,
de outubro de 2020 do Conselho Nacional de Educação, que define as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Formação Continuada de
Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional
Comum para a Formação Continuada de Professores da
Educação Básica - BNC-Formação Continuada
Resolução CNE/CP Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
nº 1, de 27 de outubro Formação Continuada de Professores da Educação Básica e
de 2020 institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de
Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada)
Fonte: Elaboração própria com dados do Ministério da Educação (MEC) - consulta em fevereiro
de 2021.
Essas datas, pareceres e resoluções são historicamente determinados pela
correlação de forças em determinados contextos econômicos e políticos. Não é escopo
deste trabalho tratar de cada período histórico, mas destacar o desafio atual frente aos
pareceres, resoluções e os avanços de um projeto neoliberal de formação humana sobre a
Formação de Professores/as, reforçado pela ofensiva da extrema direita e suas políticas
protofascistas.
Scheibe (2007) analisou os embates sobre a definição das Diretrizes Curriculares
para o Curso de Pedagogia, ocorridos após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 9394/1996), e concluiu que ocorreu um processo de
mobilização e resistência das entidades do campo educacional, para assegurar a docência
como base para esse curso e a superação da dicotomia entre licenciatura e bacharelado no
seu interior. O cerne do embate à época era a contraposição ao modelo de formação dos
Institutos Superiores de Educação e de Cursos Normais Superiores, veiculado pela
reforma educacional da década de 1990, que se insere em um contexto de políticas
neoliberais. O estudo indicou ainda que a aprovação de Diretrizes Curriculares para o
Curso de Pedagogia (Parecer CNE/CP nº 5/2005 e Resolução CNE/CP nº 1/2006) e sua
definição como uma licenciatura que forma unificadamente o professor/a para a Educação
Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, constituiu-se como uma solução
negociada entre as entidades e o CNE, o que hoje se mostra inviável.
Com a aprovação da BNC-Formação e a BNC-Formação Continuada,
constatamos a ocorrência de um total menosprezo das propostas das entidades no campo
da Educação por parte do CNE. Provavelmente, a própria Pedagogia entrará novamente
em pauta e veremos o que é uma péssima hipótese: as diretrizes serão reformuladas, o
curso dividido em bacharelado e licenciatura e teremos a criação de um conselho
profissional que regulará o exercício da profissão, enquanto a valorização do magistério
está sendo violentamente atacada. Esse processo de divisão na formação e criação de
conselho profissional já ocorreu com a Educação Física.
A devastação provocada por medidas adotadas na área da Educação no Brasil, a
partir do golpe de 2016, pode ser observada nas medidas até agora adotadas contra a
Educação Pública, o Sistema Federal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e
contra os Serviços Públicos.
Destacamos a revogação arbitrária das Diretrizes Curriculares sobre Formação
Inicial e Continuada de Professores para a Educação Básica, a Resolução nº 02/2015, que
vinha orientado a reestruturação de currículos para a formação inicial e continuada de
professores/as. Com as alterações ocorridas na composição do CNE e no Fórum Nacional
de Educação (FNE), alterou-se a lei e aprovou-se a Resolução nº 02/2019, que trata da
Formação Inicial de Professores e institui a BNC-Formação de Professores.
As principais críticas às Diretrizes aprovadas são: a) os fundamentos da
formação de professores/as estão atrelados à BNCC que, por sua vez, responde a
“competências e habilidades” para adaptação ao mundo do trabalho que, como
constatamos, é o mundo do trabalho alienador e conformador ao novo ethos geopolítico
e ethos geocultural imperialista; b) o esvaziamento teórico de conhecimentos clássicos da
área das teorias pedagógicas críticas; c) a divisão entre formação inicial e continuada; d)
a desconsideração do que determina a valorização do magistério – além da sólida
formação teórica, as condições de trabalho, a formação continuada, salários, carreira,
gestão democrática, financiamento da educação, organização dos trabalhadores da
educação, etc.
O projeto de Formação Inicial e Continuada de Formação de Professores/as, que
vem sendo defendido historicamente pelas entidades da Educação e pela teoria
pedagógica crítica, sinaliza a consideração do projeto histórico-superador do capitalismo
como referência na formação (FREITAS, 1998), as diretrizes curriculares que superem
as políticas que se perfilam com o ethos neoliberal e ultra neoliberal (FREITAS, 2018;
MALANCHEN, 2016), os fundamentos da teoria pedagógica histórico-crítica
(MARTINS; DUARTE, 2010) e os princípios do Projeto de Formação de Professores/as
da ANFOPE, dos quais destacamos:
1. Sólida formação teórica e interdisciplinar, que permita apreender seus fundamentos
históricos, políticos e sociais; o domínio dos conhecimentos a serem trabalhados pela
escola; compreensão dos processos de desenvolvimento humano em suas múltiplas
dimensões e nos diferentes níveis e modalidades de ensino;
2. Eixos articuladores que garantam a unidade entre teoria-prática, o que implica assumir
uma postura em relação à produção de conhecimento para impregnar a organização
curricular dos cursos. Teoria-prática não se reduzem à mera presença e justaposição
em uma matriz curricular, mas requer assumir a centralidade do trabalho como
princípio educativo na formação, reformulando-se os estágios e sua relação com a
rede pública não como mera adaptação, mas como possibilidade de criação de formas
alternativas de organização do trabalho pedagógico e da escola, em contraposição à
hegemônica lógica tecnicista e produtivista;
3. A gestão democrática, apreendendo seu significado como instrumento de luta contra
a gestão autoritária; a vivência de formas de gestão democrática nas instituições
formadoras, desde a gestão do espaço da classe e da aula, fortalecendo a auto-
organização de estudantes, até as formas superiores de gestão educacional,
entendendo-a como superação do conhecimento de administração enquanto técnica e
controle, na perspectiva de apreender o significado social das relações de poder que
se reproduzem no cotidiano da escola, nas relações entre os sujeitos do processo
educativo, assim como na concepção e elaboração de novos conteúdos curriculares
que contemplem a multiplicidade de dimensões da formação humana;
4. Compromisso social, político e ético, com um projeto emancipador e transformador
das relações sociais, com fundamento na concepção sócio-histórica de educador/a,
estimulando a análise da política educacional, das lutas históricas dos/as profissionais
do magistério e da educação, articuladas com os movimentos sociais;
5. O trabalho coletivo e interdisciplinar problematizador como eixo norteador do
trabalho docente na universidade e da redefinição da organização curricular. A
vivência e a significação dessa forma de trabalho e produção de conhecimento
permitem a apreensão dos elementos do trabalho pedagógico na escola e das formas
de construção do projeto político-pedagógico, de responsabilidade do coletivo
escolar. A criação de novas formas de organização do trabalho pedagógico permite
enfrentar e superar a fragmentação entre as disciplinas e componentes curriculares,
bem como superar a separação e a divisão do trabalho escolar entre os/as profissionais
de educação na escola;
6. A concepção de formação continuada em contraposição à ideia de currículo e
formação extensiva, sem comprometer a formação teórica de qualidade, permitindo a
autonomia, a independência intelectual e a direção de seu próprio processo de
formação como estratégia de resistência às determinações externas sobre o caráter de
sua formação, na direção da superação pessoal e profissional, tendo como referência
o projeto pedagógico da escola e o coletivo escolar;
7. Avaliação permanente, sistemática, rigorosa e de conjunto, que deve ser parte
integrante das atividades curriculares e entendida como responsabilidade coletiva a
ser conduzida à luz do projeto político-pedagógico de cada curso ou instituição.
São, portanto, princípios da ANFOPE, os quais foram se configurando
historicamente: 1) a formação inicial, sempre presencial e em nível superior, e a
continuada contextualizada frente aos desafios da sociedade brasileira; 2) a transformação
do sistema educacional exige e pressupõe sua articulação com a mudança estrutural e
conjuntural, visando à construção de uma sociedade democrática, justa e igualitária; 3) a
gestão democrática da educação integrante da democratização da sociedade brasileira; 4)
a autonomia universitária; 5) a reformulação dos cursos de formação de professores/as
como processo constante e contínuo, considerando o desenvolvimento dos conhecimentos
científicos e tecnológicos e as demandas socioculturais; 6) a defesa da Universidade e
suas Faculdades de Educação como lócus prioritário para a formação dos profissionais da
educação que atuam na Educação Básica; 7) a superação do caráter fragmentário e
dicotômico da formação do pedagogo/a e dos demais licenciados/as, que se materializa
na organização curricular, reafirmando a docência como a base da identidade de todos os
profissionais da educação; 8) a extinção gradativa da formação de professores em nível
médio; 9) os princípios da Base Comum Nacional: sólida formação teórica e
interdisciplinar sobre o fenômeno educacional, seus fundamentos históricos, políticos e
sociais, bem como o domínio dos conteúdos da educação básica, de modo a criar
condições para o exercício da análise crítica da sociedade brasileira e da realidade
educacional; unidade teoria-prática atravessando todo o curso e não apenas a prática de
ensino e os estágios supervisionados, para garantir o trabalho como princípio educativo
na formação profissional; trabalho coletivo e interdisciplinar como eixo norteador do
trabalho docente; compromisso social do profissional da educação, com ênfase na
concepção sócio histórica de leitura do real e nas lutas articuladas com os movimentos
sociais; gestão democrática entendida como superação do conhecimento de
administração enquanto técnica e compreendida como manifestação do significado social
das relações de poder reproduzidas no cotidiano escolar; incorporação da concepção de
formação continuada, visando ao aprimoramento do desempenho profissional aliado ao
atendimento das demandas coletivas da escola; avaliação permanente dos cursos de
formação dos profissionais da educação, como responsabilidade coletiva, à luz do projeto
político-pedagógico de cada curso/instituição.
Com essa concepção e fundamentos, demarca-se o campo defendido há mais de
40 anos pelas entidades educacionais, entre as quais a ANFOPE, reafirmando princípios
orientadores da Base Comum Nacional na formação dos profissionais da educação,
explicitando fundamentos sócio históricos da educação, importantes para defender uma
perspectiva de formação de professores/as orgânica e consistente, que contribua no
enfrentamento de projetos de formação antagônicos. Demarcamos, assim como já o fez a
ANFOPE, em especial, a professora Helena Freitas1, as concepções das propostas
construídas coletivamente para enfrentarmos as proposições negacionistas e divisionistas
do período pós-golpe de 2016.
Quanto à formação continuada, como bem denunciou Freitas (2020), a respeito
da desconsideração das contribuições levadas por várias entidades, em especial a
ANFOPE:

O CNE, em completo descompasso com as necessidades históricas da


formação e valorização profissional do magistério em nosso país,
elaborou, a portas fechadas e sem diálogo com as entidades acadêmicas,
científicas e sindicais da área educacional, Parecer e Resolução,
encaminhados ao Conselho Pleno, Instituindo as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Formação Continuada dos Profissionais da
Educação Básica.2 (FREITAS, 2020, n. p., grifo da autora).

Sinteticamente, podemos apresentar os argumentos de Freitas (2019) sobre as


Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores de (Resolução CNE/CP
n⁰ 02/2019):

[...] Política Nacional de Formação de Professores, quanto a proposta


encaminhada ao CNE pelo MEC [...] apresentam um diagnóstico
limitado da problemática educativa, minimizando o peso dos fatores
extraescolares e intraescolares nos processos de desenvolvimento e
aprendizagem dos estudantes e culpabilizando os professores pelas
mazelas da educação e da escola pública, considerando que “entre os
fatores que podem ser controlados pela política educacional, o
professor é o que tem maior peso na determinação do desempenho dos

1
Ver mais em:
<https://formacaoprofessordotcom.files.wordpress.com/2020/05/parecer_fcd_cne_maio_2020.pdf>.
2
Ver mais em:
<https://formacaoprofessordotcom.files.wordpress.com/2020/05/parecer_fcd_cne_maio_2020.pdf>.
alunos”. Na lógica neoliberal, a padronização dos currículos da
educação básica – BNCC – e da formação de professores – BNC da
Formação -, é necessária para melhor avaliar de forma censitária todos
os sujeitos – estudantes e os professores, as escolas e os sistemas, [...]
(FREITAS, 2019, n. p., grifo da autora).

Esses são nossos instrumentos de resistência aos processos de desqualificação


da profissão, à degradação das condições de trabalho, de salário, da carreira do magistério
e demais profissionais da educação.
Com essa base, dá-se o confronto de projetos na formação de professores/as no
Brasil. A correlação de forças e o envolvimento dos intelectuais orgânicos da classe
trabalhadora são decisivos, em tempos de Estado de Exceção, de pandemia, de
autoritarismo e de aplicação de uma política econômica ultra neoliberal. Os cursos de
formação de profissionais de Educação Física não estão eximidos, apartados, isolados,
deste contexto e destes embates.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS DE EDUCAÇÃO FÍSICA – POSIÇÃO DO


FORLIA E DO MNCR

Os marcos legais que orientam e orientaram os Cursos de Educação Física no


Brasil podem ser localizados nos seguintes marcos temporais, com as respectivas
normatizações e modalidades conforme o quadro 2:

Quadro 2: Diretrizes Curriculares da Formação de Professores/as de Educação Física na História


Brasileira
Ano Decreto/Resolução Modalidade
1939 Decreto-Lei nº 1212/1939 Licenciatura em Educação Física
1945 Decreto-Lei nº 8270/1945 Licenciatura em Educação Física
1962 Resolução CFE nº 298/1962 Licenciatura em Educação Física e Técnico
Desportivo
1969 Resolução CFE nº 69/1969 Licenciatura em Educação Física e Técnico de
Desportos
1987 Parecer CFE nº 215/1987 Licenciatura e/ou Bacharelado em Educação
Resolução CFE nº 03/1987 Física
2004 Parecer CNE nº 58/2004 Licenciado e/ou Graduado em Educação Física
Resolução CNE nº 07/2004
2018 Parecer CNE nº 584/2018 Graduado em Educação Física
Resolução CNE nº 6/2018
Fonte: Elaboração própria com dados do MEC, consulta em fevereiro de 2021.

Esses marcos também, foram firmados em dados contextos históricos e em dadas


correlações de forças (TAFFAREL, 2012). De acordo com Taffarel (2012), a
recomposição do aparato legal corresponde às tendências econômicas, entre as quais
podemos reconhecer a de desregulamentação do mundo do trabalho, controlando,
ajustando, enquadrando a força de trabalho por outros mecanismos, como a
regulamentação das profissões, a divisão na formação acadêmica, a criação de conselhos,
a desregulamentação do trabalho, a flexibilização, a terceirização, a privatização e a
transferência de recursos públicos ao setor privado. Estamos em 2021 e essas tendências
se confirmaram de forma dramática.
Constatamos3 que existem 3.055 cursos de Educação Física no Brasil. Destes,
2766 são cursos da iniciativa privada, isto é, a maioria. Na modalidade Educação a
Distância, são 1351 cursos na Iniciativa Privada, sendo 734 Licenciaturas e 589
Bacharelados. Na modalidade Presencial, são 1704 Cursos, sendo que, destes, 1.443 são
da Iniciativa Privada. Temos, portanto, confirmado que os Cursos de Educação Física, na
maioria, estão na iniciativa privada, bem como cresce a tendência dos cursos de
bacharelado e da modalidade a distância.
O mesmo movimento ocorrido na formação de professores/as em geral está
ocorrendo com os Cursos de Educação Física. Cresce a iniciativa privada e a Educação a
Distância. E na Educação Física com o agravante da divisão no Curso e com um Conselho
profissional que age segundo um aparelho do Estado Burguês exercendo prerrogativas
que não lhe cabem sob o ponto de vista da legalidade e da legitimidade, como é o caso da
ingerência nos Curso de Formação de Professores/as e no sistema educacional.
As ideias que prevaleceram em cada tempo histórico foram as da classe
dominante, visto que a elas interessava manter a propriedade privada dos meios de
produção e a sociedade dividida em classes sociais e a esse modo de produção
corresponde uma superestrutura ideológica. Quando nos perguntamos a respeito de como
essas ideias tornaram-se hegemônicas, reconhecemos, pela literatura pertinente, que
quatro forças influenciaram o rumo dos Cursos de Educação Física: o modelo econômico
de exploração da mão de obra, o pensamento médico higienista e eugenista, o pensamento

3
Dados E-mec de agosto de 2020.
militarista e, com o golpe empresarial-militar de 1964, firma-se a tendência
esportivizante. A Educação Física passa a ser obrigatória no Ensino Superior para todos
os estudantes. Iniciam-se as propostas para divisão da formação.
Com a luta pela democratização do país, na década de 1980, desenvolvem-se
teorias pedagógicas críticas e, também, teorias críticas na Educação Física, que defendem,
para esses cursos, uma consistente base teórica, a não divisão da formação e a não negação
de conhecimentos. Os anos iniciais da década de 2000 fez avançar a ideia de um curso
único por dentro do CNE, contudo, o Golpe de 2016 fez esse processo retroceder e
estamos confrontando-nos com um ideário próprio do século passado, acrescido da
pressão exercida pelas empresas e pelo Conselho.
Para caracterizar esse embate na área de Educação Física, vamos considerar a
realidade concreta dessa formação no Brasil na atualidade. Hack (2017) sinaliza que está
ocorrendo uma tendência de desvalorização dos cursos de licenciatura, uma ampliação
dos cursos de bacharelado e uma ampliação dos cursos à distância. O argumento a respeito
da divisão na formação advém, principalmente, das políticas curriculares nacionais e
reformas sob a égide do pós-modernismo e do relativismo cultural; da área da saúde e seu
discurso higienista e eugenista e do Conselho que regulamenta a profissão com base no
“mercado de trabalho” e sua ancoragem empresarial. Reconhecemos, no entanto, que
existem resistências ativas como veremos a seguir.

FORLIA – O QUE É? O QUE DEFENDE?

O FORLIA foi criado em julho de 2012, durante a semana da 64ª Reunião Anual
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. A fundação do FORLIA decorreu
da necessidade de reunir, organizar e fortalecer as instituições que, com base na
autonomia universitária, segundo preceito constitucional do Art. 207, desenvolvem
discussões e debates para tratar das reformulações, reestruturações e conceptualizações
curriculares dos cursos de Educação Física tendo por base a concepção de formação
ampliada para atuar, tratando da Cultura Corporal, em espaços formativos que se
expandem nos sistemas Educacional, da Saúde, do Lazer, do Esporte (TAFFAREL;
HACK, 2015).
As instituições que compunham o FORLIA desde a sua fundação são as
Universidade Estaduais de Goiás, Mato Grosso, Pará, Feira de Santana; as Universidades
Federais da Bahia, Fluminense, Goiás, Pará, Rural de Pernambuco, Rural do Rio de
Janeiro, Santa Maria, Sergipe.
O FORLIA avaliou a conjuntura brasileira, quanto à política de Formação de
Professores/as de Educação Física, tendo como uma das referências as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCNs) aprovadas em dezembro de 2018. Reconheceu-se que a
conjuntura nacional em ligação com a situação internacional é marcada pela investida do
imperialismo sobre o Brasil, aliado às forças no país que coadunam com o desmonte das
políticas públicas em geral, o que tem repercussões na política nacional de formação de
professores/as. Foram apontadas algumas hipóteses sobre o processo de implementação
das DCNs de 2018: 1) Na maioria dos cursos, provavelmente, não está sendo considerada
a Resolução CNE nº 02/2015 como referência para a reestruturação dos currículos; 2)
Provavelmente, neste processo, as DCNs de 2018 estão sendo consideradas sem maiores
questionamentos quanto ao processo de sua formulação e ao seu conteúdo tendo em conta
que este documento foi aprovado sem debate com a comunidade acadêmica; 3) As
Instituições de Ensino Superior públicas, que não oferecem cursos de bacharelado em
Educação Física, relutam em criá-los; 4) Provavelmente, o setor privado fará grandes
investidas para ofertar as duas formações, licenciatura e bacharelado, considerando a
tendência do maior número de matrículas para o bacharelado e para a educação à
distância; 5) O prazo estabelecido para implementação das DCNs não está permitindo
uma discussão coletiva do que fundamenta esta proposição; 6) As DCNs correspondem
ao que a Profa. Helena de Freitas denominou de “assimetria invertida”, que significa
responder no curso de formação à lógica do mercado, em especial com a pedagogia das
competências, e agudizada pela política da extrema direita; 7) Com a possibilidade de se
implementar em nível nacional o programa Future-se, ou algo semelhante, teremos
impactos nas universidades públicas federais, como o provável fechamento de cursos, em
especial, de licenciaturas, fim da assistência estudantil, modificação do ethos da
universidade baseada na ideia de instituição como “balcão de negócios” e na compreensão
de empreendedorismo, redução drástica do orçamento da União na Educação, Ciência e
Tecnologia públicas, e o rebaixamento teórico nos currículos com as fortes influências de
ideias obscurantistas, acríticas, acientíficas e a-históricas; 8) A permanecer a ingerência
do Conselho na formação de professores/as, as Universidades perderão a autonomia para
decidir sobre os cursos, e adotarão coercitivamente a concepção desse sistema para a
formação; 9) Teremos um acesso limitado e elitista à Educação Física, alicerçada
novamente no paradigma da saúde, da aptidão física, do multiculturalismo, das
pedagogias do aprender a aprender, etc.; 10) Os currículos sujeitos a uma política
curricular, conforme denunciado por Malanchen (2016), submetidos e sustentados por
teorias pós-modernas, culminarão em uma atuação do professor/a de Educação Física que
estará aliada e atrelada à reforma do Ensino Médio e à BNCC, o que significa o fim da
Educação Física para os trabalhadores/as e da sua possibilidade de acessar este patrimônio
da humanidade; 11) Em relação à resistência e desafios frente à disputa de projetos de
formação, os segmentos docente, estudantil e de gestão apresentam elementos que nos
permitem reconhecer uma desagregação. Provavelmente, estudantes e docentes não estão
suficientemente articulados, e os gestores, por sua vez, vão cumprir as resoluções –
revivendo os embates entre projeto histórico de educação, escola e sociedade que não
estão sendo enfrentados adequadamente por estes segmentos; 12) Não estão sendo
suficientemente mobilizadas as proposições mais avançadas – considerando a
necessidade de formação coletiva da classe trabalhadora, resultante de formulações
científicas e de conteúdo emancipatório – para fazer o enfrentamento com as ideias mais
retrógradas que estão permeando os cursos (âmbito das ideias pedagógicas da formação
de professores/as); 13) As formulações de caráter sócio histórico não estão sendo levadas
em consideração como referência para a formação humana e para a formação de
professores/as de Educação Física.
O FORLIA tem se posicionado na contínua defesa contra a desqualificação dos
trabalhadores/as em sua formação inicial, com a divisão de cursos e a negação de
conhecimentos, com o rebaixamento teórico que atende somente aos interesses
exploradores do mercado de trabalho capitalista. Sua atuação está em defender uma
formação de professores/as de Educação Física em Cursos de Graduação de Caráter
Ampliado para atender os espaços formativos nos sistemas educacional, saúde, lazer,
esportivo, e outros, exercendo a docência, tratando do objeto da cultura corporal e
conferindo uma direção omnilateral à formação humana em diferentes campos de
trabalho (TAFFAREL; HACK, 2015).
MNCR – O QUE É? O QUE DEFENDE?

O MNCR foi criado em 1999, após a homologação da Lei nº 9.696/1998, que criou
o Conselho Federal de Educação Física e seus conselhos regionais.
O movimento é formado por estudantes, professores/as e trabalhadores/as de um
modo geral, organizado nacionalmente e se orienta por três princípios: 1) contrariedade à
tese da regulamentação da profissão, entendendo-a como fragmentária e corporativista;
2) ser um movimento de caráter amplo, ou seja, a luta travada na Educação Física não
pode ficar restrita a esta área, não se pauta apenas a revogação da lei que instituiu a criação
dos conselhos federal e regionais de Educação Física e regulamentou a profissão, mas um
horizonte mais amplo da luta pela abolição da sociedade de classes e pela emancipação
da classe trabalhadora; 3) a luta em defesa dos direitos da classe trabalhadora, pela
regulamentação do trabalho, como garantia de direitos básicos a todos trabalhadores,
como férias, salário, estabilidade, licenças (maternidade, paternidade, saúde), formação
continuada, etc. (MNCR, 2010).
O MNCR atua no enfrentamento e combate aos ataques e ingerência do Conselho
que, ao longo da sua existência, age de forma autoritária, violenta e repressora contra os
trabalhadores da cultura corporal. Ao longo dos últimos anos, esses trabalhadores/as têm
sido vítimas das arbitrariedades repressivas promovidas pelo Conselho, sendo ameaçados
e coagidos em seus locais de trabalho em meio à realização de suas atividades
profissionais.
Ao contrário do que propaga este Conselho4, não há restrições para a atuação
profissional do licenciado em Educação Física segundo a legislação brasileira, pois:

1) A Constituição Federal em seu artigo 5º, item XIII, declara que “é


livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer”; 2) A Lei de Diretrizes
e Bases da Educação, Lei n° 9394/96, somente impõe limites ao
exercício da profissão de Educação Física, no que diz respeito à
Educação Básica, onde os licenciados são os únicos autorizados a

4
Uma interpretação equivocada e interessada por parte do Conselho acerca da Resolução CNE/CES 07/04
outorgou à si próprio a prerrogativa de determinar a proibição de atuação em espaços não escolares aos
Licenciados/as em Educação. Dessa forma, foi possível, a partir da nova legislação, criar um enorme
contingente de cursos de Bacharelado em Educação Física, mesmo que esses já pudessem ser criados desde
1987 (MNCR, 2017, p. 12).
ministrar aulas, e 3) A Lei n° 9696/1998 que regulamenta o profissional
de Educação Física e cria o Sistema CONFEF/CREFs, não faz distinção
entre licenciados e bacharéis e nem atribui atividades diferenciadas a
estes. Ressaltamos ainda que as resoluções estabelecidas pelo sistema
CONFEF/CREFs não tem força de lei (MNCR, 2017, p. 13).

Além da coerção aos trabalhadores/as, o Conselho tem incidido em áreas que são
da competência do Ministério da Educação, da Saúde, da Ciência e Tecnologia, como por
exemplo, na área escolar, intervindo nos editais de concursos públicos para professores/as
de Educação Física na Educação Básica, impondo que seja requisito para assumir o cargo
possuir registro profissional junto ao conselho; na construção da DCNs de Educação
Física; atuando junto às secretarias municipais e estaduais para elaboração de protocolos
para retomada das aulas presenciais; assim como vem discutindo a Formação Continuada
dos professores de Educação Física junto as Secretarias de Educação do Estado e outras
entidades para promover Curso de Aperfeiçoamento.
Contrários ao projeto de formação que fragmenta a formação de professores/as de
Educação Física e divide o curso em licenciatura e bacharelado exposto nas DCNs
(Resolução n° 06/2018), que facilita e amplia a materialização dos interesses e do poder
exercido pelo Conselho sobre os trabalhadores/as da Educação Física, o MNCR defende
que o que caracteriza a intervenção do professor/a de Educação Física, independente do
campo de trabalho, é a docência, que se materializa no trabalho pedagógico, e defende
como alternativa a elaboração de uma Licenciatura Ampliada, que contemple:

Uma formação humana generalista, com base a uma sólida


interdisciplinaridade, com unidade teórico-prática, compromisso social
com a superação da sociedade de classes incentivando o trabalho
coletivo como eixo articulador do conhecimento na perspectiva de
garantir formação continuada, além de uma avaliação permanente como
parte integrante das atividades curriculares e o trabalho como princípio
educativo. Trata-se, portanto, de uma Educação Física baseada nos
anseios do trabalhador e radicalmente oposta aos ditames e humores
do mercado, numa concepção de educação inovadora e progressista.
Defendemos, dessa forma, uma Licenciatura Ampliada – Graduação
em Educação Física, baseada, entre outros pontos, em uma formação
generalista, humanista e crítica, qualificadora da ação acadêmico-
profissional, fundamentada no rigor científico e na reflexão filosófica
tendo o trabalho como princípio educativo. Necessitamos compreender
e analisar criticamente a realidade social para nela agir por meio das
diferentes manifestações e expressões da cultura corporal (MNCR,
2010 p. 75, grifo nosso).
Nesse sentido, a política global de formação que dá identidade profissional
caracteriza-se historicamente pelo trabalho profissional que tem o ato pedagógico no trato
com o conhecimento acerca da cultura corporal como identidade, abrangendo as
dimensões humana e político-social e tem por finalidade a formação na perspectiva
formação omnilateral, compromisso social da formação em direção à superação da
sociedade de classes e do modo do capital organizar a vida. Além disso, orienta-se pela
sólida e consistente formação teórica, articulação entre ensino, pesquisa e extensão,
indissociabilidade teoria-prática, articulação entre conhecimentos de formação ampliada,
formação específica e aprofundamento temático, a partir de complexos temáticos que
assegurem a compreensão radical, de totalidade e de conjunto da realidade (TAFFAREL;
SANTOS JÚNIOR, 2010).
Ao apresentar o MNCR para discutir o que está acontecendo com a formação de
professores/as de Educação Física, o fazemos para evidenciar que este processo de divisão
da formação, de negação do conhecimento, vem operando desde 1998 na Educação
Física, culmina com a divisão na formação e, continua em curso no CNE privatista, agora
atuando sob a Pedagogia.
Freitas (2021) denunciou este processo de destruição das Faculdades de
Educação:

Ao apresentar sua proposta de revisão das Diretrizes Curriculares


Nacionais para os Cursos de Pedagogia o CNE oferece claras
evidências do processo de destruição das Faculdades de
Educação, responsável pelo desenvolvimento da investigação no
campo da educação e da pedagogia e pela formação dos quadros
do magistério no interior das Instituições de Ensino Superior,
hoje na mira dos reformadores empresariais e das políticas
educacionais de caráter neoliberal desenhadas pelo CNE
(FREITAS, 2021, s/n.).

Esta destruição tem dois pontos centrais, segundo a autora: 1) A ruptura com a
concepção de formação da infância de 0 a 10 anos que tem orientado os pesquisadores e
professores que atuam na Educação Infantil nas últimas décadas; 2) A criação de trilhas
diferenciadas para professores/as especialistas, separadas da formação do diretor, que
criam e aprofundam a desigualdade profissional no interior da escola e rompem o
princípio da gestão democrática.
A ANFOPE reagiu à proposta e protocolou no dia 11/02/2021 no CNE
documento contestatório assinado por várias entidades como Associação Brasileira de
Alfabetização (ABALF), Associação Brasileira de Currículo (ABdC), Associação
Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Centro de Estudos Educação e
Sociedade (CEDES) e Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação
ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR), reafirmando
posições.

CONCLUSÃO

Podemos concluir a partir dos dados aqui apresentados que ocorrerão alterações
nos cursos de licenciatura, conforme está previsto na pauta do CNE, o que trará
implicações para as decisões sobre os Projetos Político-Pedagógicos dos Cursos de
Licenciatura em geral e, em especial, na Pedagogia e na Educação Física.
Além disso, é evidente o controle baseado nas competências que passará a ser
exercido pela gestão, pelas direções, que estão sendo preparadas para esta função, tanto
na formação quanto na atuação dos professores. Soma-se a isto o controle policialesco,
autoritário, articulado com toda a estrutura do Estado Burguês exercida pelos Conselhos
Profissionais.
Com a formação dividida, vigiada e submetida à lógica da BNCC, desestrutura-
se o que estava em germinação que é o Sistema Nacional de Educação. Teremos a
formação submetida à lógica irracional do capital, que coloca os lucros acima da vida e
submete a classe trabalhadora, desde a sua formação na Educação Infantil e na escola
básica, à perversidade da destruição da subjetividade humana e sua subsunção a
sociometabolismo do capital.
A isto reagimos defendendo as proposições acumuladas pela ANFOPE, pelo
FORLIA e pelo MNCR e, a necessidade histórica da articulação dos setores da ciência e
educação, com os demais organismos de luta da classe trabalhadora, a necessidade
histórica da formação única, para atuação em campos de trabalho que se alteram
completamente frente a determinações ambientais, culturais, sociais, políticas e
econômicas.
Haveremos de superar, pela luta articulada e unificada da classe trabalhadora,
tanto diretrizes nacionais desagregadoras e destrutivas, quando governos
antidemocráticos na perspectiva da emancipação da classe trabalhadora.

REFERÊNCIAS

ANFOPE. Carta do XX Encontro Nacional da ANFOPE. 2021. Disponível em:


<http://www.anfope.org.br/wp-content/uploads/2021/02/CARTA-XX-ENANFOPE-
5fev2021-1.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2021.
FREITAS; L. C. A Reforma Empresarial da Educação: Nova Direita, Velhas ideias. São
Paulo: Expressão Popular, 2018.
FREITAS, H. Políticas educacionais atuais de formação dos profissionais da Educação:
desafios para o curso de Pedagogia. Motrivivência, Florianópolis, a.10, v.11, p.13-30, set.
1998.
FREITAS, H. BNC da Formação: a educação e a profissão em risco. 2019. Disponível
em: <https://formacaoprofessor.com/2019/10/03/bnc-da-formacao-a-educacao-e-a-
profissao-em-risco/>. Acesso em 15 fev. 2021.
FREITAS, H. BNC da Formação Continuada de Professores é apresentada pelo CNE
sem consulta à área. 2020. Disponível em:
<https://formacaoprofessor.com/2020/05/20/base-nacional-comum-da-formacao-
continuada-de-professores-e-apresentada-pelo-cne/>. Acesso em 15 fev. 2021.
FREITAS, H. CNE indica os caminhos para a destruição da educação e da pedagogia.
2021. Disponível em: <https://formacaoprofessor.com/2021/02/11/cne-indica-os-
caminhos-para-a-destruicao-da-educacao-e-da-pedagogia/>. Acesso em 15 fev. 2021.
HACK, C. Formação de professores e professoras de Educação Física no Brasil e o
embate de projetos no campo de conhecimento da Saúde: contribuições da Teoria
Pedagógica Histórico-Crítica. 235f. 2017. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal da Bahia, 2017.
MNCR. 10 anos na luta pela regulamentação do trabalho. 2010. Mimeo.
MNCR. Boletim Informativo do MNCR. Ano 16, n. 1-2, jan./abr. 2017.
MALANCHEN, J. Cultura, conhecimento e currículo: contribuições da pedagogia
histórico critica. Campinas: Autores Associados, 2016.
MARTINS, L. M.; DUARTE, N. (Org.). Formação de professores: limites
contemporâneos e alternativas necessárias. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
SCHEIBE, L. Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia: trajetória longa e
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Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
15742007000100004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 15 fev. 2021.
TAFFAREL, C. N. Z. Formação de professores de Educação Física: diretrizes para a
formação unificada. Kinesis, Santa Maria, v.30, n.1, p.95-133, jan./jun. 2012.
Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/kinesis/article/view/5726/3395. Acesso em:
19 de dez. de 2020.
TAFFAREL, C. N. Z.; HACK, C. Dossiê Licenciatura em Educação Física com
caráter ampliado: Fórum, Marco Legal e a Produção Científica. Grupo de Estudo e
Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer, Universidade Federal da Bahia:
Salvador, 2015.
TAFFAREL, C. N. Z.; SANTOS JÚNIOR, C. de L. Formação humana e formação de
professores de Educação Física: para além da falsa dicotomia licenciatura x bacharelado.
In: TERRA, D. V.; SOUZA JÚNIOR, M. (Org.). Formação em educação física e ciências
do esporte: políticas e cotidiano. São Paulo: Aderaldo e Rothschild; Goiânia: CBCE,
2010. p.13-48.

SOBRE O(A/S) AUTOR(A/S)


Celi Nelza Zulke Taffarel
Pós-doutora em Educação Física pela Universidade de Oldenburg- Alemanha; Professora
Titular na Universidade Federal da Bahia (UFBA); Coordenadora do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer (LEPEL/FACED/UFBA); Pesquisadora
bolsista de produtividade do CNPq; Correio eletrônico: taffarel@ufba.br ; Telefone: (71)
991386904; ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3593-4279

Márcia Morschbacher
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia; Professora Adjunta do Centro
de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Pesquisadora do Grupo
de Estudo e Pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer (LEPEL/FACED/UFBA);
Correio eletrônico: mm.edufisica@yahoo.com.br; Telefone: (55) 984675612; ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-2193-0998

Cássia Hack
Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia; Professora na Universidade
Federal do Amapá (UNIFAP); Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação
Física, Esporte e Lazer (LEPEL/FACED/UFBA) e Núcleo de Estudo e Pesquisa em
Educação Física, Esporte e Lazer (NEPEFEL/UNIFAP); Correio eletrônico:
cassia.hack@gmail.com; Telefone: (96) 981291972; ORCID: https://orcid.org/0000-
0001-9238-3819

Sidnéia Flores Luz


Doutoranda em Educação na Universidade Federal da Bahia (UFBA); Estudante do
Programa de Pós-Graduação em Educação; Pesquisadora do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Educação Física, Esporte e lazer (LEPEL/FACED/UFBA); Correio
eletrônico: sidneiaflores@yahoo.com.br ; bolsista CAPES; Telefone: (71) 994042214;
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5989-3144
Ciências do Esporte, Educação Física
e Produção do Conhecimento
em 40 Anos de CBCE

Volume 4

Formação profissional e mundo


do trabalho

SÉRIE
Marta Genú Soares
Pedro Athayde
Larissa Lara 40 ANOS

Organizadores
Ciências do Esporte, Educação Física
e Produção do Conhecimento
em 40 Anos de CBCE
Reitor
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Vice-Reitor
Henio Ferreira de Miranda
Diretoria Administrativa da EDUFRN
Graco Aurélio Câmara de Melo Viana (Diretor)
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Bruno Francisco Xavier (Secretário)

Conselho Editorial
Graco Aurélio Câmara de Melo Viana (Presidente)
Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretária)
Adriana Rosa Carvalho
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Cândida de Souza
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Francisco Dutra de Macedo Filho
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Grinaura Medeiros de Morais
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Josenildo Soares Bezerra
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Leandro Ibiapina Bevilaqua
Lucélio Dantas de Aquino
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Marcelo da Silva Amorim
Marcelo de Sousa da Silva
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Marta Maria de Araújo
Roberval Edson Pinheiro de Lima
Sibele Berenice Castella Pergher
Tercia Maria Souza de Moura Marques
Tiago de Quadros Maia Carvalho

Editoração
Helton Rubiano de Macedo
Revisão
Caule de Papiro
(Ricardo Alexandre de Andrade Macedo -
Joyce Urbano Rodrigues)
Diagramação
Caule de Papiro
(Rejane Andréa Matias Alvares Bay)
Capa
Unijuí (Alexandre Sadi Dallepiane) e
Caule de Papiro
Marta Genú Soares
Pedro Athayde
Larissa Lara
Organizadores

Ciências do Esporte, Educação Física


e Produção do Conhecimento
em 40 Anos de CBCE

Volume 4

Formação profissional
e mundo do trabalho

Natal, 2020
Projeto da Direção Nacional do CBCE

Gestões 2017 a 2019 e 2019 a 2021


Vicente Molina Neto – Presidente
Pedro Fernando Avalone Athayde – Diretor de GTTs/Vice-Presidente
Larissa Lara – Diretora Científica
Romilson Augusto dos Santos – Diretor das Secretarias Regionais
Elisandro Schultz Wittizorecki – Diretor Administrativo
Victor Julierme da Conceição – Diretor Financeiro

Gestão 2017 a 2019


Mauro Myskiw – Vice-Presidente
Allyson Carvalho de Araújo – Diretor de Comunicação

Gestão 2019 a 2021


Christiane Garcia Macedo – Diretora de GTTs
Silvan Menezes dos Santos – Diretor de Comunicação

Editores da Coleção
Larissa Lara
Pedro Fernando Avalone Athayde

Coordenadoria de Processos Técnicos


Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

Formação profissional e mundo do trabalho [recurso eletrônico] / organizadores


Marta Genú Soares, Pedro Athayde, Larissa Lara. – Natal, RN : EDUFRN, 2020.
180 p. : il., PDF ; 598 Kb. – (Ciências do esporte, educação física e produção do
conhecimento em 40 anos de CBCE ; 4)

Modo de acesso: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/1/6222


ISBN 978-65-5569-027-9

1. Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. 2. Educação física – Brasil. 2.


Esportes – Brasil. I. Soares, Marta Genú. II. Athayde, Pedro. III. Lara, Larissa.

CDD 796.0981
RN/UF/BCZM 2020/11 CDU 796(81)

Elaborado por Gersoneide de Souza Venceslau – CRB-15/311

Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN


Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário
Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN | Brasil
e-mail: contato@editora.ufrn.br | www.editora.ufrn.br
Telefone: 84 3342 2221
Sumário
Apresentação.................................................................................................7
Marta Genú Soares

Capítulo 1
Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e prota-
gonismos das DCN atuais.....................................................................13
Paulo Roberto Veloso Ventura
Rodrigo Roncato Marques Anes

Capítulo 2
Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e pers-
pectivas..................................................................................................31
Zenólia Christina Campos Figueiredo
Cláudia Aleixo Alves

Capítulo 3
Formação de professores de educação física: velhos problemas, novas lu-
tas...........................................................................................................51
Cláudio de Lira Santos Júnior
Raquel Cruz Freire Rodrigues
Tiago Nicola Lavoura

Capítulo 4
A proletarização da educação física brasileira no pós-fordismo...............65
Alvaro de Azeredo Quelhas

Capítulo 5
O GTT Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro
de Ciências do Esporte: de sua criação à Carta de Vitória.......................79
Hajime Takeuchi Nozaki

Capítulo 6
Formação docente em educação física no Brasil: do pensamento curricular
à produção do conhecimento.................................................................97
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo
Capítulo 7
Novas Diretrizes e antigos debates: uma análise das novas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a graduação em Educação Física - Resolução
CNE/CES 06/2018............................................................................115
Roberto Pereira Furtado

Capítulo 8
Currículo e formação profissional em educação física: apontamentos teó-
ricos....................................................................................................137
Ângela Celeste Barreto de Azevedo
Leon Ramyssés Vieira Dias

Capítulo 9
Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no
Brasil: síntese e apontamentos.............................................................151
Anibal Correia Brito Neto
Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito
Emerson Duarte Monte

Sobre os Autores.......................................................................................171

Sobre os Organizadores.............................................................................177
Apresentação
Ao apresentarmos o Volume 4 da produção acadêmica comemorativa
aos 40 anos do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), reuni-
mos 16 autores que pesquisam sobre Formação Profissional e Mundo do
Trabalho, título deste volume que, somado ao conjunto da obra, expressa
na linha do tempo do CBCE e do Grupo Temático de Trabalho (GTT)
a evolução do pensamento científico, sempre resguardado em uma inten-
cionalidade política imanente ao fazer científico, no sentido de intervir na
produção do campo da Educação Física e das Ciências do Esporte, com
capacidade teleológica para promover a necessária transformação social a
partir das demandas da comunidade acadêmico-científica e da sociedade.
Os 16 autores assinam em nove capítulos do volume as construções
epistêmicas abrigadas na história e evocadas na memória das atividades dinâ-
micas do GTT Formação Profissional e Mundo do Trabalho que, desde sua
organização (com a criação em 1997), mobiliza pesquisadores, professores e
estudantes, aqui representados pelos 16 autores. De forma ativa e articulada,
este GTT reúne pesquisadores, professores e acadêmicos em torno da pro-
dução e de eventos científicos e, não bastante, ainda mobiliza a comunidade
acadêmico-científica, mesmo de forma passiva, quando é referência teórica
adotada em trabalhos acadêmicos, em produção de material didático, de
projetos e de todo o repertório teórico-prático sobre o tema da formação e
do trabalho no campo profissional.
O conjunto de autores, reunidos nesse volume, constitui-se de ex-
-coordenadores deste GTT, de pesquisadores que contribuem com o GTT
desde sua criação e de novos pesquisadores com produção relevante sobre o
tema. Nesse sentido, esse livro tem a representatividade acadêmico-científica
em diferentes momentos históricos e de elaboração para o enfrentamento de
situações advindas do contexto político educacional e profissional. O maior
embate do GTT é quanto à formação e ao exercício da profissão.
Há, ao longo de 20 anos de GTT, vigília para o ordenamento legal
e para a habilitação profissional permanente e aguçada de argumentações
científico-legais, as quais munem toda a comunidade nesse campo da for-
mação profissional e mundo do trabalho, a exemplo, da publicação da Carta
de Vitória, material produzido pelo GTT e marco documental orientador
da produção no campo da formação do professor e profissional. O acúmulo
de produção também revela a preocupação com as competências para o

7
Marta Genú Soares

trabalho nos diferentes campos de atuação profissional e a formação inicial


tem sido pauta constante do GTT, no diálogo franco com as agências for-
madoras, agências reguladoras e grupos de pesquisa.
Dessa forma, centramos nossa apresentação nos capítulos e auto-
res, cientes de que esse conjunto expressa nomes importantes que atuaram
no surgimento desse GTT e que contribuem para o desenvolvimento das
problemáticas debatidas no âmbito da formação e trabalho, utilizando-se
de nomes importantes na história da produção científica sobre formação
profissional e mundo do trabalho.
Ao discorrer pelo volume é enriquecedor ler, no capítulo 1, intitulado
‘Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e prota-
gonismos das DCN atuais’, de Paulo Roberto Veloso Ventura e Rodrigo
Roncato Marques Anes, o embate no front da disputa de projetos antagôni-
cos para a formação e a sólida argumentação de pesquisadores e professo-
res que estudam a formação, com a insatisfação dos mais críticos sobre o
modelo curricular prescrito com a Resolução 6/2018, apreciada no capí-
tulo 2 ‘Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e
perspectivas’, de autoria de Zenólia Christina Campos Figueiredo e Cláudia
Aleixo Alves, em que as autoras problematizam as implicações e perspectivas
da formação de professores de educação física, partindo da ideia de que as
maiores implicações estão localizadas nos modos como as Instituições de
Ensino Superior têm materializado os projetos pedagógicos curriculares. As
pesquisadoras percebem, para além dos conflitos políticos e epistemológicos
da área − pós “novas” diretrizes curriculares −, de que modo as forças anta-
gônicas entre o público e o privado mercantil no ensino superior vêm ten-
cionando a política de valorização da docência na formação de professores.
No capítulo 3, sob o título ‘Formação de professores de educação
física: velhos problemas, novas lutas’, Cláudio de Lira Santos Júnior, Raquel
Cruz Freire Rodrigues e Tiago Nicola Lavoura expressam uma primeira
análise das novas Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de gradua-
ção em Educação Física (Resolução 06/2018), recebidas como mais um
ataque à formação de professores da área à medida que mantêm e impõem
a dicotomia licenciatura x bacharelado. Trata-se de um ataque sintonizado
com todo o processo de regressão política acontecendo, no Brasil, desde o
golpe de 2016. Os autores consideram, por fim, a importância de reafirmar
a formação unificada fundamentada na abordagem crítico-superadora e na
pedagogia histórico-crítica, tema que resvala no capítulo 4 − ‘A proletariza-
ção da educação física brasileira no pós-fordismo’– de autoria de Alvaro de
Azeredo Quelhas. Nele, o autor analisa as perspectivas atuais, no Brasil, para
o trabalho no campo da educação física, situa a expansão da mercantilização

8
Apresentação

das práticas corporais no âmbito da dinâmica de reprodução capitalista,


ocorrida no Brasil notoriamente a partir das duas últimas décadas do século
XX, bem como suas repercussões na morfologia do trabalho nesse campo.
Destaca o crescente processo de proletarização da área, que acompanha as
mais recentes transformações produtivas orientadas pela chamada acumu-
lação flexível, trazendo mais precarização do trabalho para os trabalhadores
que atuam nesse campo.
Esse contexto também é anunciado por Hajime Takeuchi Nozaki
no capítulo 5 com o título ‘O GTT Formação Profissional e Mundo do
Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte: de sua criação à
Carta de Vitória traz as discussões que permearam a criação dos GTTs
no CBCE e a formação do GTT 06 – Formação Profissional e Mundo
do Trabalho. Ele retoma questões epistemológicas e políticas que envolve-
ram a mudança do nome do GTT, o qual era, originalmente, Formação
Profissional e Campo de Trabalho, assim como discorre acerca das disputas
internas em torno do posicionamento com relação ao processo de conso-
lidação das Diretrizes Curriculares da Educação Física – Resolução CNE
07/2004. Tendo como base a análise da direção política do CBCE, no
início dos anos 2000, que culminou com a reformulação dos GTT, o autor
apresenta a posição divergente do GTT com relação à Direção Nacional no
que diz respeito à minuta das Diretrizes, demarcada pela Carta de Vitória.
O Capítulo 6 ‘Formação docente em educação física no Brasil: do
pensamento curricular à produção do conhecimento’, Raffaelle Andressa
dos Santos Araujo aborda o contexto sócio histórico da formação de profes-
sores em educação física no Brasil e os desdobramentos que resultaram em
diferentes desenhos curriculares implementados nas instituições de ensino,
desde o ano de 1939. A autora analisa como cada estrutura curricular (com
base no aporte literário e nos ordenamentos legais) concebeu o pensamento
curricular e a produção do conhecimento no percurso formativo da área.
No capítulo 7 − ‘Novas Diretrizes e antigos debates: uma análise das novas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a graduação em Educação Física
- Resolução CNE/CES 06/2018, Roberto Pereira Furtado contextualiza
as reformulações das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a gra-
duação em educação física, promulgadas em 2004 e 2018, e analisa o posi-
cionamento do Conselho Nacional de Educação (CNE) diante do debate
a respeito da suposta divisão da formação, após a promulgação das DCN
de 2004. Ainda, são discutidos aspectos fundamentais do documento que
instituiu as novas DCN, em 2018, identificando suas contradições, avanços
e retrocessos.

9
Marta Genú Soares

Os dois últimos capítulos anunciam desafios e perspectivas para a


produção do conhecimento sobre a formação e trabalho na educação física.
Tais capítulos completam a amostra da produção temática que ora se centra
na história como método referenciado pela construção dos estudiosos sobre
formação, voltados para a perspectiva emancipatória pela via do conheci-
mento e pela apropriação da realidade.
Ângela Celeste Barreto de Azevedo e Leon Ramyssés Vieira Dias
assinam o capítulo 8, denominando-o de ‘O currículo da formação em
educação física no Brasil: desafios e apontamentos teórico-práticos’. Os
autores analisam as perspectivas atuais, no Brasil, para o trabalho no cam-
po da educação física e situam a expansão da mercantilização das práticas
corporais no âmbito da dinâmica de reprodução capitalista, notoriamente a
partir das duas últimas décadas do século XX, bem como suas repercussões
na morfologia do trabalho, nesse campo. Destacam o crescente processo
de proletarização da área, que acompanha as mais recentes transformações
produtivas orientadas pela chamada acumulação flexível, trazendo mais
precarização do trabalho para os trabalhadores que atuam nesse campo.
No capítulo 9, Anibal Correia Brito Neto, Eliane do Socorro de
Sousa Aguiar Brito e Emerson Duarte Monte escrevem sobre a recente
reconfiguração dos marcos normativos da formação em educação física,
os quais têm gerado historicamente um amplo debate sobre os seus limites
e possibilidades. Os autores reiteram a necessidade de questionamento às
principais modificações ensejadas nas novas Diretrizes, principalmente no
que se refere ao projeto de formação e ao perfil profissional configurado,
assim como as presumíveis implicações para a intervenção dos profissionais
egressos. De posse de tal caracterização, são discutidas alternativas, diante
da correlação de forças instaladas, que vão ao encontro da luta histórica por
uma formação generalista/ampliada em educação física. A exposição desse
estudo inicia-se com uma síntese dos fundamentos que distinguem os prin-
cipais projetos formativos em disputa nas três últimas décadas, destacando
os seus agentes proeminentes e as repercussões no exercício profissional.
Em seguida, analisam as novas referências normativas para os cursos de
graduação em educação física, com o propósito de evidenciar o projeto de
formação subjacente. Por fim, voltam-se à apresentação de evidências que
denotam a validade de uma formação, de caráter generalista/ampliado, para
aqueles que dependem exclusivamente do seu próprio labor, na produção
intitulada ‘Três décadas de embates pela formação em educação física: sín-
tese e apontamentos’.

10
Apresentação

Deparamo-nos com vasta produção de conhecimento sobre a forma-


ção profissional e mundo do trabalho − densa, reflexiva, crítica e instigadora
− que nos leva, e a toda a comunidade acadêmico-científica, a mobilizar-se
e articular-se de forma organizada e competente, posição que nos orgulha,
desde o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.
Boa Leitura!
Belém, março de 2019.
Marta Genú Soares

11
CAPÍTULO
1
Formação profissional em educação física:
dilemas, divergências e protagonismos das DCN atuais

Paulo Roberto Veloso Ventura


Rodrigo Roncato Marques Anes

Introdução
A exigência temporal que determina o atual modo de produção nos
impele, muitas vezes, problemas que amarram nosso movimento na produ-
ção do conhecimento e no debate político, movimento este que tem como
intuito provocar rupturas ao sistema vigente. É o caso da temporalidade que
antecedeu esta obra, cuja sustentação surge dos fatos que projetaram o mo-
mento histórico de elaboração das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCN) da Educação Física,1 e que traz na esteira as alterações curriculares
que cada Instituição de Ensino Superior (IES) terá que fazer, em maior ou
menor proporção, na forma e no conteúdo da formação produzida nesta
área. No entanto, o movimento político no entorno do contexto que gerou
tais diretrizes, ainda se mostra muito sombrio, a partir das diversas inter-
locuções, que os autores deste texto tiveram, desde agosto de 2015, com o
Conselho Nacional de Educação (CNE).
Dentre os pontos sombrios que se percebe no documento final que
apresenta as novas DCN, destacamos a mudança radical da proposta de
Minuta que era consenso no CNE em dezembro de 2015, e que propôs,
naquele momento, formação única pela licenciatura. Ademais, é possível
chamar a atenção ainda para o/s objeto/s de estudo, apresentados nessas
diretrizes, e o nítido diferencial que vai desaguar na intervenção profissional
de licenciados e bacharéis, incluindo-se, a não clareza de vários determi-
nantes postos no texto.

1
Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Educação Física, Parecer CNE/CES 584/2018
de 03/10/2018, Resolução CNE/CES 06/2018 de 18/12/2018.

13
Paulo Roberto Veloso Ventura - Rodrigo Roncato Marques Anes

Na nossa análise não houve os avanços que os pesquisadores mais


críticos desejavam na Resolução CNE/CES 06/2018, muitos deles por di-
versas vezes encaminhados à Comissão do CNE responsável pela revisão
das DCN da Educação Física. Entendemos que a partir da apresentação
da Minuta de 2015 em Audiência Pública no próprio CNE, as pressões
exercidas pelo conselho profissional da área (Conselho Federal de Educação
Física-CONFEF) e IES influentes, corroboradas pelo período do golpe2
político que destituiu uma presidenta eleita pelo voto popular, provocaram
uma paralisia nos setores mais críticos, enquanto os demais ganharam espa-
ço na linha de frente. Acresça-se a este cenário o fato de que, neste período,
o CNE se calou, ou se calou para os setores mais críticos. Mesmo assim,
um grupo de pesquisadores de Goiás3 insistiu sempre no diálogo e nos
questionamentos do que estava por vir, ainda que não houvesse respostas
mais esclarecedoras. Este grupo se manifestou em artigo na Revista Pensar
a Prática – UFG que publicou um número especial ao final de 2016, sobre
o embate na formação profissional em Educação Física.4
Anteriormente, para além do texto publicado na referida revista, por
debates públicos e acadêmicos contribuímos com análises sobre os docu-
mentos que tratavam da formação e a intervenção profissional, socializando
os nossos estudos sobre a Minuta apresentada pelo CNE em dezembro de
2015, e sobre a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de 2014,
que proibiu o licenciado de atuar em espaços não escolares. Mas sempre,
numa perspectiva de defender a licenciatura com formação ampliada, tendo
como argumento o que nossas IES acumularam ao adotarem esta proposta
de formação em Educação Física.
No atual contexto, destacamos que as obscuridades presentes no texto
do Parecer e da Resolução aprovados em 2018 têm causado uma série de
ambiguidades para professores e pesquisadores da área, no que se refere

2
O segundo mandato de Dilma Rousseff foi interrompido no seu segundo ano, em decorrência de
uma articulação política e econômica que levou ao seu Impeachment. Movimento que se revelou
como golpe de Estado, de caráter jurídico-parlamentar-midiático, tendo como finalidade atender
aos projetos de aprofundamento das reformas neoliberais, levando a assumir o cargo o então vice-
-presidente Michel Temer, vinculado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),
apoiador e defensor das políticas neoliberais e conservadoras (ALVES, 2016).
3
O lugar de onde falamos tem, especialmente, aporte na luta desencadeada em Goiás por um grupo
de professores/pesquisadores que fazem o enfrentamento às ingerências do sistema profissional desde
sempre: citamos os companheiros Isaias Moreira (PUC-Goiás), Roberto Furtado e Felipe Wachs
(UFG), Reigler Pedrosa e Wilmont Martins (ESEFFEGO/UEG), para além dos autores deste texto.
4
FURTADO, R. P. et al. Instabilidade Jurídica e Outras Determinações: o CNE e as novas DCN
para a Educação Física. Revista Pensar a Prática, v. 19, n.4, Goiânia, UFG, 2016.

14
Capítulo 1 – Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e protagonismos das DCN atuais

especialmente à compreensão dos seus determinantes, que trazem na esteira


interpretações e entendimentos diferentes sobre as orientações que os docu-
mentos deveriam passar para a comunidade da Educação Física.

Sobre as divergências e os protagonismos no cenário nacional


Dentre os princípios e dilemas que materializaram as divergências e
aproximações a respeito da formação na área no período de 2014 a 2018,
percebemos duas diferentes posições manifestas: a primeira relacionada
àqueles que ficaram sob um mundo inanimado, que os impedia de fazer o
debate, fosse por estado letárgico ou por terem algumas certezas que nós
não tínhamos; a segunda, referente àqueles que, em maior ou menor escala,
expressaram uma interpretação e uma perspectiva a ser defendida para a
formação em Educação Física. Nesta segunda posição, vemos 03 tendências
mais explícitas.
A tendência que defendeu a formação dupla (licenciatura e bachare-
lado), usando argumentos que caem em uma inconsistência teórica, por não
investirem em pesquisas que possam sustentar o discurso sobre a temática
da formação profissional. Tendência esta, representada por grupos que se
inserem, em especial, em cursos que já oferecem licenciatura e bacharelado,
ou apenas o bacharelado, e que, por conta desta situação, ficam na defesa
de seus interesses, daquilo que já foi estruturado na sua realidade e por
um corpo docente assentado. Mexer com esta comodidade implica um
movimento naquilo que esteja conveniente, até porque a imensa maioria
destes grupos está vinculada às IES privadas, mantendo proximidade com
o CONFEF, seja por vínculo e/ou pela concordância de ideias.
Mas, importante destacar, que o interesse maior deste segmento se
dá pelo bacharelado, materializando uma especialização precoce difundida
como o “tudo” que impele, pela aparência, um sentido de “totalidade”, es-
pecialidade esta, focada na fisiologia e/ou na biomecânica, que sustentam a
atividade física para promoção da saúde, o treinamento corporal e esportivo.
Para os grupos que vertem este pensamento, o melhor teria sido
não produzir qualquer modificação nas orientações para a formação em
Educação Física, pois, no campo acadêmico e científico, seus interesses não
ultrapassam o objetivo de mecanizar ou reificar pela verificação, produzin-
do e reproduzindo sujeitos neutralizados, o que garante a hegemonia da
“ciência pura”. Eles não se expõem diretamente ao debate, pois têm respal-
do estratégico do sistema profissional (CONFEF), que os representa por
ações ideológicas nos bastidores, via de instrumentos e poderes privilegiados
(como o econômico) no embate com os órgãos oficiais.

15
Paulo Roberto Veloso Ventura - Rodrigo Roncato Marques Anes

A segunda tendência, composta por professores pesquisadores com


trajetória crítica também defenderam a dupla formação, mas sob o argu-
mento de que, sendo cursos distintos, poder-se-ia dar uma identidade para
a licenciatura. Em outras palavras, formar professores mais qualificados para
atuar especificamente na escola.
Os sujeitos desta tendência estão vinculados às IES públicas, em sua
maioria. Esta manifestação se apresentou com maior vigor, a partir da au-
diência pública promovida pelo CNE em Brasília, em 2015. Entre eles, há
de certa forma uma aproximação do grupo anterior, por conta do discurso
similar de que a convivência entre licenciatura e bacharelado, no interior
das IES, após embates complexos deram uma trégua, ou seja, não deveriam
gerar novos debates e enfrentamentos, pois seria inoportuno, já que estando
o conflito velado, garantia-se a sobrevivência de ambas as formações.
No atual momento, com as novas DCN definidas e aprovadas, fica a
expectativa de como se dará o protagonismo nesses espaços, já que a deter-
minação é de que tenhamos um único curso (de graduação em Educação
Física), portanto um único colegiado e única coordenação, o que vai colo-
car novamente em pauta o debate epistemológico. O embate nas IES que
defendem a dupla formação tem os dias contados para reentrar em cena,
está datado para quando elas iniciarem a revisão de seus currículos para se
adequarem às atuais diretrizes, já que a entrada única e a “etapa” comum não
deveriam marcar território, mas evidente que conciliar temas e conteúdos
em disciplinas comuns, algo em torno de 50% da carga horária do curso,
vai se tornar uma arena de disputa, definição clássica para currículo.
A terceira vertente defende uma licenciatura com formação ampliada,
com sustentação em estudos e pesquisas a partir das práticas curriculares em
seus próprios cursos, cuja tradição aponta para uma formação generalista.
Este acúmulo fez muitos desses cursos materializarem suas licenciaturas
pelo que se passou a denominar de “formação ampliada”, com consistência
teórico-metodológica crítica, para que seus egressos fossem capazes das leitu-
ras necessárias sobre o contexto do mundo do trabalho e, independente do
espaço a intervir, fazê-lo com competência. A prática de ensino, pesquisas,
publicações, fóruns e outros tipos de eventos tornaram-se as fontes deste
acúmulo, a partir da década de 1990, o que resultou em produções rele-
vantes sobre o conhecimento da formação profissional em Educação Física.
Os egressos da formação ampliada adentraram programas de pós-graduação

16
Capítulo 1 – Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e protagonismos das DCN atuais

com eixo tanto nas Ciências Sociais como nas Ciências da Saúde; têm alto
índice de aprovação em concursos para atuarem no ensino superior e básico,
nas áreas da saúde, do esporte, do lazer, etc.5
O curso de Educação Física da UFG é o pioneiro na implantação
desta proposta, que posteriormente se amplia e ganha subsídios advindos
de estudos e pesquisas sobre formação profissional: UFU; UEG6; UEPA;
UFRRJ; UNEMAT; UNEB; com destaque para a UFBA, através do Grupo
de Pesquisa LEPEL – Linha de Estudo e Pesquisa em Educação Física,
Esporte e Lazer, dentre outros.7
Para além das IES citadas, podemos incluir o GTT Formação
Profissional do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), a
Secretaria Estadual do CBCE de Goiás, como também grupos de pesquisa
como o LEPEL/UFBA/FACED; o Ressignificar/UEPA; o Grupo de Estudos
Qualitativos em Formação Profissional/UFRGS; o ECOS/UFG; e o Corpo
e Mente (ESEFFEGO/UEG). Especialmente porque configuram-se como
espaços públicos e coletivos de pesquisadores e estudiosos do campo do
conhecimento, em que a divergência se apresenta como elemento inerente à
dialética do processo, contexto em que se criou um Fórum das Licenciaturas
com Formação Ampliada.
A este coletivo supracitado se imputou a responsabilidade da Minuta
apresentada pelo CNE ao final de 2015, que indicava formação única, com
extinção do bacharelado. No entanto, os autores deste texto defendem a
formação ampliada, como uma possibilidade capaz de estruturar uma for-
mação com a consistência teórica necessária para se enfrentar os desafios
determinados pela fragmentação do objeto, por se constituir como proposta
com sustentação teórico/metodológica no seu sentido lato, dando aos gra-
duados em Educação Física as condições de intervir nos diversos espaços de

5
O Grupo Corpo e Mente – Grupo de Pesquisa sobre Formação e Intervenção Profissional em
Educação Física (UEG/CNPq) tem pesquisas que corroboram com a afirmação. Ver em: MARTINS,
W. de M. et al. A inserção dos egressos de Educação Física formados na UEG – Campus ESEFFEGO
no mundo do trabalho. Anais da II Jornada de Educação Física do Estado de Goiás. Revista
Movimenta. v. 11. n. 3. 2018. Disponível em: http://www.revista.ueg.br/index.php/movimenta/
view/8154. Acesso em: 29 de março de 2019.
6
O Campus ESEFFEGO da UEG em Goiânia (onde trabalham os autores deste texto) materializou
a formação ampliada em 2007, o que qualificou a formação na licenciatura em Educação Física,
proposta derrubada em 2015 por uma conjunção de forças reacionárias, na onda nacional de romper
com o avanço socialista no país.
7
UFG (Universidade Federal de Goiás); UFU (Universidade Federal de Uberlândia); UEG
(Universidade Estadual de Goiás-Campus ESEFFEGO/Goiânia); UEPA (Universidade Estadual
do Pará); UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro); UNEMAT (Universidade do
Estado do Mato Grosso-Campus Cáceres); UNEB (Universidade Estadual da Bahia-Campus de
Feira de Santana e Alagoinhas); UFBA (Universidade Federal da Bahia).

17
Paulo Roberto Veloso Ventura - Rodrigo Roncato Marques Anes

trabalho do professor/profissional de Educação Física. Por esses pressupostos


acreditamos que, mesmo com as fragilidades das diretrizes recém aprovadas,
podemos voltar a fazer a formação ampliada.
Algumas controvérsias não tão recentes, que vêm sendo debatidas,
mas não respondidas, fortalecem a formação única, a exemplo do ques-
tionamento sobre quais dimensões do conhecimento dariam um marco
teórico para a formação do bacharel, que não estejam ou não possam ser
contempladas na licenciatura? E não estamos nos referindo às nomenclatu-
ras aparentes dadas às disciplinas, ou ementas fantasiosas que simplesmente
passam o bisturi no todo, para protagonizar a especialização precoce, como
se ela não fosse “parte do todo”. Este tudo positivista, tudo de uma parte,
que lesiona ainda mais a tese cartesiana, é um dos parâmetros postulado
pelos defensores do bacharelado que, diga-se, são licenciados.
Pesquisas apontam que a matriz curricular dos cursos de bacharelado
traz um rol de disciplinas que fragmentam o objeto de estudo, consonante
com as postulações dadas pelo modo de produção vigente. Logo após a
aprovação das diretrizes da Educação Física em 2004 (Resolução CNE/CES
07/2004), Ávila, Muller e Ortigara (2005, p. 78) já alertavam que,
O próprio estabelecimento de novas orientações ao processo educativo
fica sob os auspícios do mercado. Como uma das consequências, tem-
-se a pedagogia das competências que, orientada pelas necessidades da
formação de um novo trabalhador, projeta para a escola a função de
prepará-lo (ÁVILA; MULLER; ORTIGARA, 2005, p. 78).

Neste contexto encontramos no/na professor/a, a condição de traba-


lhadores também formados por competências pragmáticas e pressionados a
aplicá-las em suas aulas. Se nos deslocarmos para os campos de atuação dos
graduados em Educação Física, teremos o mesmo cenário.
No campus universitário em que os autores deste texto se vinculam,
o curso de bacharelado tem uma matriz ainda mais fragmentada, onde
disciplinas com 2 créditos (30 horas semestrais) proliferam, diluindo os
saberes, o que na prática tangencia o trato com o conhecimento.
Afinal, dando relevo ao questionamento feito anteriormente, qual é
o objeto de estudo do bacharelado (?), resposta que justificaria termos duas
formações “diferenciadas” no campo da Educação Física. O problema é que
a dicotomia se instala por influência externa, dada pelo mercado, colocando
trabalhadores graduados na mesma área para intervirem em campos dife-
rentes, ou seja, negamos o nosso próprio espaço de intervenção. De outra
forma, tal exclusão não ocorre nas demais áreas que formam bacharéis e
licenciados, afinal, somos diferentes porque melhores ou piores que eles?

18
Capítulo 1 – Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e protagonismos das DCN atuais

A Educação Física, colocada pela taxionomia oficial como subárea


da grande área da Saúde, tem nesta, via seus cursos de bacharelado, um
senhorio enraizado. Luiz (2016, p. 14-15) nos alerta sobre possibilidades
na formação, a partir das políticas públicas:
A apropriação do conceito ampliado de saúde e da intervenção social nos
serviços de assistência à saúde no Brasil contribuem para qualificar a for-
mação. O que se pretende é reorientar o ensino nos cursos de graduação
da área da saúde, assim como ampliar o debate sobre os vários sentidos
da saúde, saúde pública e saúde coletiva (LUIZ, 2016, p. 14-15).

Entretanto, ainda que os currículos de bacharelados e licenciaturas


apontem uma discussão relevante sobre saúde, o foco escapa para a pro-
moção da saúde (salvo algumas exceções), com desvio do eixo que respalda
as políticas públicas emanadas pelo SUS. Este deslize nos leva a abordar
doença ao invés de saúde. A mesma autora, situa a realidade da formação:
O aumento do número de vagas, novos cursos de Educação Física nas
Instituições de Ensino Superior (IES) e as diretrizes da formação inicial
da área parecem não ter se vinculado, proporcionalmente, à reorientação
da formação indicada aos cursos da área da saúde. Esses fatores contri-
buem para uma formação deficitária nesse setor de atuação, tanto na
perspectiva biomédica, quanto na dimensão subjetiva ou da coletividade
de uma prática cuidadora (LUIZ, 2016, p. 23).

Na defesa de uma formação única questionamos sobre quem são os


professores do bacharelado e da licenciatura? Bacharéis formam bacharéis
e licenciados formam licenciados? Professores que trabalham com uma for-
mação não ensinam na outra? Quanto se diferem os planos de ensino das
disciplinas oferecidas em ambas as graduações, especialmente aquelas que
tem o mesmo docente? Quais são as diferenças na organização do trabalho
pedagógico (OTP) de um professor que ensine a mesma disciplina na li-
cenciatura e no bacharelado? E não estamos falando apenas de referências
bibliográficas, mas de marco teórico, de metodologia de ensino, de con-
teúdos, de avaliação.
A formação ampliada tem como postulado que, independente do
espaço de intervenção profissional, na Educação Física, a prática corporal
se manifesta em favor da formação humana dos sujeitos por uma prática
educacional, na qual o ato educativo torna-se a essência, o que implica
uma interface com ensino e aprendizagem (VENTURA, 2011). Assim,
para este autor,

19
Paulo Roberto Veloso Ventura - Rodrigo Roncato Marques Anes

Este pressuposto se materializou a partir da inclusão dos conhecimentos


das Ciências Humanas e Sociais, que qualificam o acúmulo histórico fei-
to pelas Ciências da Saúde e reforçam uma formação ampla e sólida que
temos chamado de Licenciatura Ampliada (VENTURA, 2011, p. 92).

As atuais diretrizes da área, aprovadas ao final de 2018, abrem possi-


bilidade de se trabalhar com formação ampliada, embora não permita mais,
que isso ocorra via licenciatura. Analisaremos a Resolução mais à frente.
Quando o grupo que defende a dupla formação (segunda tendência),
sob o argumento central de se dar uma identidade para a licenciatura em
Educação Física, não está caracterizado um aceite à determinação mer-
cantil da fragmentação, definindo um trabalhador para a escola e outro
para espaços não escolares? Entendemos que por detrás da defesa de uma
identidade própria para a licenciatura há questões a serem explicadas e, por
conta disso, retrucamos os interlocutores desta proposta: identidade própria
para a licenciatura depois de todo esse acúmulo produzido e apropriado
historicamente pela área, tendo esta modalidade de formação no centro e,
durante muito tempo, única? Seria a licenciatura a não ter uma identidade?
A formação por IES civis na área tem início lá em 1939, o bacharelado entra
em 1987, mas não ganha lastro até a metade da primeira década deste século
e a licenciatura que precisaria de identidade?
Entendemos que este deveria ter sido o momento de impactar o setor
hegemônico por ações contra hegemônicas, como fator importante para
nexos e mediações entre as Ciências Biológicas e as Ciências Humanas e
Sociais. Não é admissível que os Projetos Pedagógicos de Cursos (PPC) das
licenciaturas tenham por base apenas a Resolução CNE/CP 02/2015 que,
por sinal, está recolhida e aponta indícios de possível revogação, a partir de
propostas casadas com o desmonte de uma democracia já, bem “baleada”.
Não é mais possível, a partir das diretrizes atuais, pensar que a resolução
trata da especificidade da área seja propriedade privada do bacharelado,
como se posicionou o Juiz do STJ ao proibir o licenciado de atuar para
além da escola, processo que judicializou a Resolução CNE/CES 07/2004.
Há entre os divisionários aqueles que criticam a formação amplia-
da, sob o argumento de não haver produção suficiente que sustente a
proposta. Por certo, então, não vale como produção o acúmulo no pró-
prio seio do CBCE, pelos anais dos Congressos Brasileiros de Ciências
do Esporte (CONBRACE) e Congressos Internacionais de Ciências do
Esporte (CONICE), das Revistas da Área e de livros organizados por este
Colégio Científico, para além de outras publicações em anais de eventos,
periódicos e livros acadêmico/científicos. De outra forma, o que não há,
historicamente, é uma produção suficiente que defenda a dupla formação

20
Capítulo 1 – Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e protagonismos das DCN atuais

e, em especial, o bacharelado. Sim, porque quem defende a dupla formação


deve, necessariamente, justificar esta modalidade de formação, afinal os
que optarem por ela também se formarão em Educação Física; defender a
dupla formação remete pensar o PPC com licenciatura e com bacharelado
durante muito tempo.
Esses argumentos não estão colocados apenas a partir dos pressupos-
tos da formação ampliada, mas no acúmulo histórico da licenciatura. Afinal,
que protagonismos as políticas públicas determinam para os projetos curri-
culares da Educação Física e das demais áreas que fazem parte da proposta
pedagógica das escolas de ensino básico deste país? Bacharéis e licenciados
são plenos, mas apenas os licenciados ganham formação ampliada, porque
a formação está determinada por duas diretrizes, a específica e a pedagógica.
Portanto, a formação ampliada está dada pela própria dimensão legal do
campo da formação profissional e, ao contrário do que tem sido posto, se
amplia para o campo escolar e não para outro espaço, pois não há diretrizes
para a formação do bacharel, para além das diretrizes específicas de cada
área de conhecimento.
A partir da aprovação da Resolução CNE/CES 06/2018, na formação
específica de bacharéis e licenciados há sim distinção de temas e conteú-
do a serem trabalhados em uma e outra formação, mas muitos deles têm
apontamentos para serem tratados na “etapa” final do curso, em ambas as
formações. Isso, após 50% do curso ter base comum.

Dilemas e possibilidades a partir das novas Diretrizes Curriculares


Neste espaço analisamos como o CNE acomodou, “ou não”, aquilo
que postulavam as correntes do pensamento da Educação Física que ex-
pusemos anteriormente. Não é preciso muito esforço para detectar que o
conselho profissional (CONFEF) foi o mais determinante, singularmente
citado na introdução do Parecer CNE/CES 584/2018. Mas, identificamos
que uma costura com linhas de diversas texturas compõe as diretrizes, ex-
plícitas e implícitas pelas contradições presentes no corpo do texto. O que
nos deixa mais perplexos foi a radical mudança de rumo entre a Minuta
apresentada na audiência pública realizada em Brasília ao final de 2015 e a
versão final das diretrizes aprovadas em 2018.
A Resolução CNE/CES 06/2018, do que se tem visto, não foi bem
recebida pela comunidade que trabalha com o campo da formação em
Educação Física, talvez agradando àqueles que defenderam a manutenção
do bacharelado, fato que por si só já contempla seus anseios. Os pesquisa-
dores das demais tendências apresentadas neste texto têm mostrado diversas

21
Paulo Roberto Veloso Ventura - Rodrigo Roncato Marques Anes

críticas, uma delas porque na estrutura da formação específica, o licenciado


ficou no prejuízo com diferenças que privilegia a intervenção do bacharel.
Não agradou os que defendiam a dupla formação para se ter uma formação
de qualidade para o licenciado, o que está comprometido com a forma
definida para a carga horária, que passa a ser por referência, como também
pela oferta da terceira opção, da formação integrada, formato que abre a
possibilidade da formação ampliada.
Também não agradou os que defendiam a formação ampliada. De
um lado porque se retirou que esta possibilidade fosse pela licenciatura e,
de outro, porque nega temas e conteúdos ao licenciado, que poderiam ser
trabalhados na escola, ao mesmo tempo que escancara o campo aos bacha-
réis, inclusive o escolar. Também não traz o caminho para um licenciado se
tornar bacharel, após a conclusão da licenciatura, mas o movimento inverso
está dado pela Resolução CNE/CP 02/2015.
Deve-se registrar ainda que há críticas contundentes sobre o método
de exposição do texto, incluída aí a própria escrita, que leva a ambiguida-
des, equívocos e dúvidas, as quais certamente provocarão muita confusão e
muitos embates na revisão dos PPC dos cursos de graduação em Educação
Física, pelo país afora.
Durante os 3 anos8 de “maturação” destas diretrizes, nas reuniões que
tivemos com a Comissão responsável pela sua elaboração, foi perceptível a
preocupação de que o texto apaziguasse a área, que não acirrasse a divisão
entre bacharelado e licenciatura. No entanto, as atuais diretrizes ratificam o
que estava valendo pela judicialização da lei, decisão anticonstitucional do
STJ, ou seja, se arranca pelo campo da legalidade os direitos conquistados
historicamente pelo licenciado, de trabalhar nos diversos espaços em que a
Educação Física intervém.
Numa perspectiva de equilíbrio da balança, as DCN determinam
entrada única e saídas diversas aos cursos desta área. O documento aponta
que a formação agora terá entrada única, as pessoas participam do processo
seletivo para o curso de graduação em Educação Física. A integralização
curricular se dará por 2 “etapas”9, sendo a primeira comum a todos os
aprovados, o que elimina a escolha por licenciatura ou bacharelado, a prio-
ri. Isso vai permitir que os ingressantes possam ter uma base consistente

8
Período entre a audiência pública no CNE que apresentou a Minuta que dispunha formação única
pela licenciatura (dezembro de 2015) e a publicação da Resolução CNE/CES 06/2018 (dezembro
de 2018).
9
Muito se tentou trocar este termo, porque materializa a ideia de etapismo, já criticada pelo Coletivo
de Autores em 1992 e por diversos outros estudos sobre o currículo de formação profissional.

22
Capítulo 1 – Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e protagonismos das DCN atuais

do que seja a atuação profissional na área, já que eles farão esta opção no
segundo ano de curso, após 4 semestres de disciplinas comuns, portanto
com alguma apropriação.
Isso tem envolvimento com o estágio supervisionado não obrigatório,
já que o sistema profissional vem usurpando o direito de licenciados estagia-
rem em espaços não escolares. Pois agora, enquanto os alunos não chegarem
à etapa específica, têm assegurado o “acesso” ao estágio não obrigatório, sem
restrições, porque serão apenas graduandos de Educação Física.10
Evidente que a opção só será necessária se a IES ofertar mais que
uma saída, pois a Resolução CNE/CES 06/2018 define entrada única,
mas a quantidade de saídas é de autonomia das IES. Elas poderão oferecer
apenas licenciatura, ou unicamente o bacharelado ou, ainda, somente a
formação integrada, assim como poderá conjugar duas dessas modalidades
de formação ou mesmo oferecer todas elas. Torna-se importante o cuidado
das IES em deixar claro no edital do processo seletivo e no PPC do curso o
que estará sendo oferecido, para evitar problemas futuros.
Isso é preocupante para quem defende a licenciatura, pois, o mo-
mento coloca o bacharelado como uma opção preferencial, fetichizada, já
que a escola está desenhada pelo cenário da barbárie e, na contrapartida,
em especial as academias de ginástica, transpiram serem espaços imunes aos
problemas sociais. Isso, somado à falta de políticas públicas para o campo
da educação, cujo discurso falece logo após o período eleitoral, a falta de
concurso, substituído pela contratação de professores temporários induzirá
uma demanda maior pela escolha do bacharelado, o que tornará imprati-
cável manter a licenciatura.
Essa divisão na formação ocorre num contexto em que o bacharela-
do corresponderia aos interesses dos novos espaços de trabalho que se
abriram em decorrência do desenvolvimento da indústria das práticas
corporais que, progressivamente, passaram a transformar o corpo e o
movimento humano em objetos de consumo, uma mercadoria com
boas expectativas mercantis. Entendia-se que o modo como a Educação
Física vinha se organizando anteriormente, estruturada apenas pela li-
cenciatura, não mais atendia às exigências do mercado. Diante disso,
o bacharelado passa a ser pautado pelas Ciências da Saúde, carro chefe
para as intervenções nos espaços não escolares (ANES; OLIVEIRA;
VENTURA, 2016, p. 77).

10
Usamos o termo acesso, porque o direito já estava assegurado a partir de que a lei que rege o estágio
não obrigatório não tem qualquer restrição entre o curso e o espaço de trabalho.

23
Paulo Roberto Veloso Ventura - Rodrigo Roncato Marques Anes

Entretanto, para quem oferecer mais de uma opção de saída será


relevante um trabalho que esclareça sobre a realidade dos campos de inter-
venção de licenciados e bacharéis, antes de os alunos fazerem a opção11 para
a “etapa” específica, apresentando pesquisas publicadas sobre esses espaços e
as condições laborais de trabalho, questões que normalmente estão veladas.
A mídia contribui para que o bacharelado se torne um fetiche, o que leva
à escolha inconsciente do aluno, razão da sociedade burguesa, pois, como
comenta Resende (2009, p. 102), nesta sociedade [...] “os indivíduos não
têm a direção consciente desse processo e se relacionam externa e imediata-
mente com ele; assim a conexão social é produzida à revelia deles”.
Entendemos que a “etapa comum” da formação, indicada para os dois
primeiros anos, não alavanque muitas dúvidas para a revisão curricular, mas,
na formação específica estarão acumuladas as maiores dificuldades, com
interpretações diversas, para além das críticas já anunciadas ao documen-
to. No caso das IES que ofertarem apenas uma saída, pela licenciatura ou
bacharelado o desenho está posto, já que as dificuldades maiores estariam
em inserir temas e conteúdos indicados nos documentos oficiais, para cada
modalidade. No entanto, se a saída única se der pela formação integrada,
sobrarão questionamentos.
Uma alteração que vai trazer modulações diferentes na elaboração dos
PPC se refere à carga horária. Acostumados que estamos com carga horária
mínima, agora o que vale é a “carga horária de referência”, ou seja, quando
as diretrizes estabelecem as 3.200 horas de referência, não é mínimo, nem
máximo, pode ser mais, ou menos que a referência, o que transfere a respon-
sabilidade para as IES, sob o discurso de autonomia. Nossa projeção é que
as “uniesquinas” seguirão com currículos mágicos, na lógica determinante
advinda das políticas neoliberais, impostas por organismos internacionais,
que nós consideramos apenas externos.
Nesta lógica temos o estágio supervisionado obrigatório, cuja carga
horária extrapola os limites que os campos de estágio suportam; escolas e
outros setores que normalmente nos recebem, não terão mais “espaços”
para atender uma demanda ainda mais ampla. Não há dúvidas de que,
a partir da carga horária de referência dos cursos (3.200 horas), o estágio
teria atividades com 640 horas e não há atenuantes para tamanho absurdo,
cujo pano de fundo é a definição do protagonismo oficial, neste caso, de
tornar a atividade prática, superadora de outros ordenamentos. É a teoria
pragmática dos John(s) Loke(s) brasileiros imperando.

11
Atenção com o § 1º do Art. 5º, que dá mais de uma opção sobre a transição da “etapa” comum
para a específica; a IES pode, inclusive, criar um critério próprio para este processo.

24
Capítulo 1 – Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e protagonismos das DCN atuais

Resta trabalhar com as ambiguidades do texto, em favor de estratégias


que defendemos; nos valermos da formação que acreditamos e defendemos.
Para além disso, materializar uma interface entre as diretrizes específicas e as
da licenciatura, que contém propostas possíveis de ser inseridas na formação
do graduado em Educação Física. No caso dos estágios, a Resolução aponta
a necessidade de se criar instrumentos para implantar horas de atividades
práticas, enquanto componente curricular e, incluir nesta configuração, os
estudos (processos) integradores, também componente da resolução das li-
cenciaturas. Mais que isso, diz que essas atividades contém os estágios, o que
possibilita interpretar que elas podem compor a sua exagerada carga horária.
No caso da IES oferecer formação integrada, a estratégia está naquilo
que as próprias diretrizes apontam como possibilidades de conteúdos e te-
mas que devam ser oferecidos em ambas as formações. A abordagem com
a diversidade humana é um deles, o que propicia ter disciplinas e estágios
na fase específica que tratem esta temática, tanto na licenciatura como no
bacharelado, então possibilita aproveitamento posterior desta carga horária.
Não só isso, o Parecer CNE/CES 584/2018 avalia que o trato com a saúde
balizado pela política pública do SUS foi abordado satisfatoriamente pelos
cursos de Educação Física, cumprindo com os preceitos da Resolução CNE/
CEs 07/2004 e que, as atuais diretrizes devem buscar a consolidação desta
política nacional, o que possibilita inserir disciplinas e estágios que tratem
da Saúde Pública e Coletiva, eixo dos pressupostos defendidos pelo SUS, na
mesma perspectiva da diversidade humana. Como negar tais conhecimentos
no processo educativo formal, pelo Ensino Básico? Neste contexto, não há
como negar esta apropriação aos acadêmicos da graduação em Educação
Física, independente da formação.
Há outras brechas que oportunizam a confluência de temas e conteú-
dos, não só na “etapa” comum do curso, mas com as mesmas possibilidades
para a “etapa” específica da formação. Com isso, podemos minimizar as
cargas horárias de referência, sem perda da qualidade na formação, mas
trabalhando com conhecimentos que não só fazem parte da totalidade do
objeto Educação Física, mas qualifiquem as futuras intervenções de nossos
alunos. Não está implícito nas premissas da formação integrada qualquer
indicativo de especialização para a graduação, até porque as próprias dire-
trizes postulam uma formação ampla, generalista, o que impele discordar
de processos precoces, os quais estão indicados para a formação continuada.
Uma questão confusa no campo epistemológico das diretrizes é a
pluralidade de objetos de estudo propostos. Em diálogos com o CNE pon-
tuamos sobre isso, uma das vezes arguindo que um deles teria erro na digi-
tação. O Parecer 584/2018 (p. 3) traz no texto a referência do Movimento

25
Paulo Roberto Veloso Ventura - Rodrigo Roncato Marques Anes

Humano como marco teórico, mas a Resolução 06/2018 (Art. 3º) amplia o
leque: motricidade humana ou movimento humano; cultura do movimento
corporal. Este último, desconhecido, foi o que nos trouxe a desconfiança de
erro na digitação, achávamos que seria cultura corporal de movimento, mas
não. Espera-se, agora, que o autor (ainda não identificado) possa escrever
a respeito e, quem sabe, teremos finalmente um objeto de estudo para o
bacharelado.
Uma leitura atenta nos mostra que o Parecer 584/2018 flexibiliza
o marco teórico da formação (Objeto e Objetivo Geral, Item 3, p. 4) ao
definir que o objeto das DCN encaminha a construção de currículos
[...] dentro de perspectivas e abordagens contemporâneas de formação,
pertinentes e compatíveis com referências nacionais e internacionais,
capazes de atuar com qualidade, eficiência e resolubilidade nos espaços
de atuação do graduado em Educação Física, considerando os avanços
científicos e tecnológicos do Século XXI.

Ora, para quem, como nós, defende a Cultura Corporal como objeto
da formação ampliada, não haverá nenhum receio de que este objeto se
garanta como uma abordagem contemporânea, com respaldo referencial
no Brasil e no exterior. O conceito de Escobar nos subsidia:
A “cultura corporal” é uma parte da cultura do homem. É configurada
por um acervo de conhecimento, socialmente construído e historica-
mente determinado, a partir de atividades que materializam as relações
múltiplas entre experiências ideológicas, políticas, filosóficas e sociais e
os sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, agonistas, competitivos e outros,
relacionados à realidade, às necessidades e as motivações do homem
(ESCOBAR, 2012, p. 127).

É só ler o texto das atuais diretrizes que se encontrará este conceito


espraiado por lá com seus pilares por vários artigos da Resolução 06/2018
e parágrafos do Parecer 584/2018. A consistência teórica da Cultura
Corporal, que defendemos em nossos cursos, marca uma relação com o
movimento humano, o qual se explica historicamente. Quando Escobar
assevera acima que a Cultura Corporal é parte da cultura humana, isso
nos leva à História para entender o movimento humano como um objeto
universal e ontológico, porque a História é a Ciência da Totalidade e sua
constituição se dá pelas relações sociais humanas (o trabalho universal).
Essas atividades contém a produção cultural, porque homens e mu-
lheres produzem cultura; os seres humanos, dentre todos os seres vivos é o
único que pode se valer deste privilégio e, por terem um corpo, têm inerente
a si, uma cultura corporal, mas esta é universal e tem o movimento humano

26
Capítulo 1 – Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e protagonismos das DCN atuais

como seu instrumento fundante. No desenvolvimento do conhecimento


humano fomos produzindo, a cada momento histórico, saberes mais bem
elaborados que nos levaram investigar e desvendar objetos nas suas particu-
laridades, que também são construções históricas; foi nesta trajetória e, no
interior do campo de conhecimento da Educação Física, que um Coletivo
de Autores (1992) constituiu a Cultura Corporal enquanto objeto de estudo
orientado pela Teoria Crítico Superadora, sustentada pelo marco teórico
do Materialismo Histórico, uma particularidade que não nega buscar seus
nexos e mediações com a totalidade, uma de suas categorias fundantes.

Considerações dos autores


As DCN da Educação Física aprovadas em 2018, que trouxe no
rastro uma demorada elaboração, não agradaram a comunidade acadêmi-
co/científica da área. Engrossam a fila das suas antecessoras, que também
receberam críticas contundentes. Como antes, também agora ocorreram
alterações substanciais durante o processo e, desta vez, o sistema CONFEF/
CREFs (Conselho Federal/Conselhos Regionais de Educação Física) foi
quem virou o jogo, ao extirpar a Minuta apresentada em 2015 que, no
campo dos embates, direta ou indiretamente teve apoio de todos os que
defenderam a dupla formação, o que já satisfazia a questão central da de-
manda do conselho profissional: manter o bacharelado.
No processo anterior, que redundou na aprovação da Resolução
CNE/CES 07/2004, o setor mais crítico da área se mobilizou e cancelou
o Parecer 0138/2002, que tinha todas as impressões digitais do sistema
profissional, que agora , novamente, marca presença perceptível no texto,
como ocorre no item “d” do Art. 18 da Resolução atual. Este item retira o
esporte escolar definitivamente das atribuições do licenciado e, de quebra,
leva para dentro do contexto educacional as “relevâncias social, cultural e
econômica do alto rendimento esportivo”, atropelando o que protagonizou
Caparroz (2007) sobre a antinomia “Entre a Educação Física ‘na’ escola e
Educação Física ‘da’ escola”, no contexto de, agora, estar substituída pela
redundância “Entre o esporte ‘na’ escola ou o esporte ‘na’ escola”, ou seja,
via de mão única.
O CNE guarda expectativas de uma pluralidade de currículos, sob o
argumento de dizer não ao currículo mínimo, questão que as diretrizes de
1987, 2002, 2004 e 2015 já tinham dado conta de minimizar. Nosso temor
é que a pluralidade se dê no rumo de aligeirar a formação, não apenas na
diminuição do tempo, mas pelos mesmos interesses mercantis que, a partir
das diretrizes de 2004, assolaram a formação nesta área.

27
Paulo Roberto Veloso Ventura - Rodrigo Roncato Marques Anes

Nesta direção, o receio é maior ao pensar que muitas IES com tais
interesses, possam fazer a opção pela formação integrada, usando da magia
do “encurtamento pelo encurtamento” na integralização, ou seja, por in-
teresses que não se alinhem com uma formação de qualidade, que não se
preocupe com os acadêmicos e menos ainda com o papel social que cabe
à Educação Física.
Ainda assim, dentre tantos problemas e contradições identifica-
dos, ressaltamos a importância das DCN para a Formação de Professores
(Resolução CNE/CP 02/2015), que influiu a elaboração das atuais diretrizes
da Educação Física. Dentre outras questões, foi relevante a manutenção da
carga horária com 3.200 horas de aula para as licenciaturas, fazendo com
que a Resolução atual não fizesse distinção de carga horária para a formação
de licenciados e bacharéis.
Por fim, ressaltamos o entendimento de que o de melhor dessas dire-
trizes fica por conta da possibilidade de voltarmos a fazer formação amplia-
da, agora não apenas como opção metodológica do curso, mas como uma
das possibilidades de saída, opção única se for desejo da IES, que ao final
dará ao aluno a dupla certificação, de bacharel e licenciado.

Referências
ALVES, G. O golpe de 2016 no contexto da crise do capitalismo neoliberal. 2016.
Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2016/06/08/o-golpe-de-2016-no-
contexto-dacrise-do capitalismo-neoliberal/. Acesso em: 07 abr. 2019.
ANES, R. R. M; OLIVEIRA, M. F de; VENTURA, P. R. V. Currículo, formação
docente e ginástica para todos. In: OLIVEIRA, M. F de; TOLEDO, E. de. Ginástica
para todos. Anápolis: UEG, 2016.
AVILA, A. B; MULLER, H. V de O; ORTIGARA, V. Formação de professores e
qualidade da educação: “direita volver”! In: Coletânea de textos CBCE/GTT Formação
Profissional. Formação profissional em educação física e mundo do trabalho. Vitória:
Salesiana, 2005.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena. Resolução
CNE nº 07, de 31 de março de 2004. Brasília: Diário Oficial da União, 5 de abril de
2004, Seção 1, p. 18.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a for-
mação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógi-
ca para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.
Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015. Brasília: Diário Oficial da União, 2 jul. 2015
– Seção 1 – p. 8-12.

28
Capítulo 1 – Formação profissional em educação física: dilemas, divergências e protagonismos das DCN atuais

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais do curso


de Graduação em Educação Física. Parecer CNE/CES: 584/2018 de 03 de outubro de
2018. Brasília: Diário Oficial da União, 17 dez. 2018 – Seção 1 – p. 33.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais do curso
de Graduação em Educação Física. Resolução CNE/CES nº 6, de 18 de dezembro
de 2018. Brasília: Diário Oficial da União, nº 243, 19 dez. 2018 – Seção 1 – p. 48.
CAPARROZ, F. E. Entre a educação física na escola e a educação física da escola. 3. ed.
Campinas: Autores Associados, 2007.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo:
Cortez, 1992.
ESCOBAR, M. O. A cultura corporal em questão (depoimento). In: COLETIVO DE
AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2012.
FURTADO, R. P. et al. Instabilidade Jurídica e Outras Determinações: o CNE e as
novas DCNs para a Educação Física. Pensar a Prática. v. 19, n. 4, 2016, p. 774-787.
LUIZ, A. R. Ensino sobre saúde pública e coletiva nos cursos de graduação em educação
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MARTINS, W. de M. et al. A inserção dos egressos de educação física formados na
UEG – Câmpus ESEFFEGO no mundo do trabalho. Anais da II Jornada de Educação
Física do Estado de Goiás. Movimenta, v. 11. n. 3. 2018. Disponível em: http://www.
revista.ueg.br/index.php/movimenta/view/8154. Acesso em: 29 mar. 2019.
RESENDE, A. C. A. Para a crítica da subjetividade reificada. Goiânia: UFG, 2009.
VENTURA, P. R. V. Universidade: espaço privilegiado para a formação de professores
de educação física. Linhas Críticas, v. 17. n. 32. jan./abr. 2011. Brasília: UnB, 2011.

29
CAPÍTULO
2
Formação de professores de educação física
no Brasil:
implicações e perspectivas

Zenólia Christina Campos Figueiredo


Cláudia Aleixo Alves

Introdução
Tomamos como ponto de partida a edição da Revista Motrivivência:
“10 anos de Diretrizes Curriculares para a formação de professores,” publi-
cada em 2014, para introduzir as reflexões desenvolvidas exclusivamente
para este capítulo do livro comemorativo dos 40 anos do Colégio Brasileiro
de Ciências do Esporte (CBCE).1
Entendemos a Motrivivência como marco importante, por veicular
artigos de análise e avaliação de uma década de novos ordenamentos legais
para a Educação Física brasileira. Em síntese, os textos trazem uma espécie
de “balanço” que indicou, por um lado, o avanço relativo no que se refere
à formação de professores; por outro, críticas contundentes às diretrizes
e aos cursos ofertados País afora. Assim, utilizamos aqui essa publicação
como demarcação simbólica, provocadora de inquietações e motivadora de
questões emblemáticas que persistem na formação profissional – agora, não
mais passados 10, mas 15 anos de Diretrizes Curriculares para a formação
de professores de Educação Física.

1
Aproveitando para reafirmar o nosso reconhecimento ao trabalho que o CBCE vem desempenhando
para a qualificação da área ao longo dos seus 40 anos de existência.

31
Zenólia Christina Campos Figueiredo - Cláudia Aleixo Alves

Buscamos ir além das questões simples2 com respostas complexas,


trazidas de maneira oportuna por seus editores,3 para discutir as implicações
e perspectivas para a formação de professores de Educação Física no Brasil.
A princípio, nosso objetivo era tratar dos conflitos entre os currícu-
los praticados nos cursos de formação de professores de Educação Física
para atuar na educação básica4 (licenciatura) e nos cursos de graduação
em Educação Física em nível superior de graduação plena5 (bacharelado).
Entretanto, considerando o cenário atual, após a publicação das novas6
Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Educação
Física, no final de dezembro de 2018, esse objetivo foi recomposto de modo
a aguçar nossa percepção para além dos currículos postos em ação e dos
conflitos políticos e epistemológicos da área.
Estabelecido esse “novo” arranjo curricular, é necessário entender as
forças antagônicas entre o público e o privado com fins lucrativos, numa
lógica mercantil que vem tencionando as políticas curriculares de valoriza-
ção da docência na formação de professores, em decorrência da expansão
do ensino superior brasileiro, marcadamente nas últimas duas décadas.

O público, o privado mercantil e a expansão da oferta de cursos de


educação física
Não há como desconsiderar que a expansão desordenada dos cursos
de ensino superior no país, orquestrada pelo mercado sem a regulação direta
do Estado, incluindo a expansão na oferta de cursos de Educação Física,
impacta a política curricular, o desenvolvimento curricular dos cursos e a
qualificação da formação profissional.
Essa constatação pauta-se em duas evidências: nas análises estatísti-
cas de parte dos dados apresentados no último Censo do Ensino Superior
(2016) e nos estudos que publicamos na Motrivivência, os quais revelam
que as Instituições de Ensino Superior (IES) vêm ofertando seus cursos
e desenvolvendo seus currículos de modos e interesses diversos, muito

2
“O que mudou? No que avançamos? Que limites persistem? É possível ir além? O que ainda é
preciso fazer? Que embates permanecem?”
3
Maurício Roberto da Silva e Giovani de Lorenzi Pires (editores); Gelcemar Oliveira Farias (editora
associada dessa edição)
4
Resolução CNE nº 1, de 18 de fevereiro de 2002.
5
Resolução CNE n° 7, de 31 de março de 2004.
6
Resolução CNE n° 6, de 18 de dezembro de 2018.

32
Capítulo 2 – Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e perspectivas

mais preocupadas em pontuar os indicadores dos instrumentos do Sistema


Nacional do Ensino Superior (SINAES)7 do que em proporcionar coerência
teórico-metodológica e qualidade à formação profissional.

O que indicam os dados do censo do Ensino Superior: o ensino como


serviço comercial e o ensino como direito social
Quanto ao Censo (2016), publicado pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Educacionais (INEP), destacamos que: a) o número de matrículas8
no ensino superior em 2016 ultrapassou a marca de mais de 8 milhões, em
2.407 Instituições de Ensino Superior (IES); b) a maioria dessas matrículas
foi efetivada na região Sudeste e Nordeste do País; c) do total de matrículas,
somente 12,3%, ou 296, são efetivadas em IES públicas, e 87,7%, em IES
privadas; d) houve um aumento assustador de 375,2% de matrículas entre
2006 e 2016 em cursos de graduação a distância.
Ainda sem adentrar a discussão específica dos cursos de Educação
Física, que acompanharam o mesmo ritmo de crescimento desordenado,
podemos inferir que esses percentuais de matrícula volumosos, estreitamente
ligados às IES de natureza9 privada com fins lucrativos, impactam significati-
vamente a educação superior brasileira, com interferências diretas e indiretas
nas políticas curriculares nacionais e no cotidiano do trabalho docente.
As próprias Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) da Educação
Física (2018) representam mais as forças políticas do mercado exercidas
sobre o ensino do que a escuta política de determinado grupo da área que
vinha se opondo10 à formação em duas habilitações: licenciatura e bacha-
relado.
Com a visível privatização, o ensino superior se torna cada vez menos
um direito social e cada vez mais um serviço comercial; o Estado assume
cada vez menos o seu papel público e cada vez mais o papel de supervisor

7
Lei N. 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Superior.
8
Fonte: BRASIL, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Censo da
Educação Superior no Brasil – Notas Estatísticas, Brasília, 2017, p. 5.
9
São categorias administrativas das IES: Pública, Privada, Filantrópica e Comunitária.
10
Referimo-nos aqui aos grupos acadêmicos da Educação Física que não concordavam com a “separa-
ção” das habilitações em licenciatura e bacharelado. Essa luta política, ocasionando a pressão sobre
o Conselho Nacional de Educação (CNE), que em nada parece ter a ver com a desqualificação da
docência e da necessidade de uma sólida formação de professores de Educação Física para atuar
na educação básica, favoreceu as IES, sobretudo as privadas mercantis, quando da permissão legal
de ofertar em um mesmo curso as duas habilitações. Mais adiante, apresentamos uma análise dos
problemas identificados na Resolução CNE nº 6, de 18 de dezembro de 2018, adiantando que, do
ponto de vista da formação de professores, perdemos todos.

33
Zenólia Christina Campos Figueiredo - Cláudia Aleixo Alves

do ensino; e o trabalho docente, cada vez menos complexo e cada vez mais
simplificado/instrumentalizado, torna-se acessível a qualquer um interessado
em exercê-lo (SILVA, 2012).
Para compreender esse cenário de mudanças no ensino superior
brasileiro, e também para analisar a conjuntura no atual (des)governo de
extrema direita que se instalou no Brasil, mostra-se pertinente a discussão
do financiamento (lê-se privatização) da educação superior, que remonta
ao final da década de 1980, na qual Sguissardi (2006) indica a necessidade
do conhecimento das teses dos organismos multilaterais.
Em síntese, essas teses transitam pela defesa do autofinaciamento da
educação superior: do menor retorno social e individual dos investimentos
em educação superior (1986) à sua privatização (1994); do ensino supe-
rior como bem antes privado do que público; e por fim, do Estado como
supervisor do ensino (2000).
Nenhuma semelhança com as atuais defesas feitas por esse governo,
pelo Congresso Nacional, por parte da sociedade brasileira e pelas mídias é
mera coincidência. Mesmo no período do governo democrático de esquer-
da, entre 2003 e 2013, guardadas as infindáveis diferenças,11 presenciamos
o conflito e a tensão entre quem oferece e quem financia o ensino superior
no Brasil.
Segundo Gentili (1998), a tendência de mercantilização do ensino
superior cresceu ao longo dos anos, oscilando entre a privatização parcial
e a total, articulando três modalidades institucionais: fornecimento públi-
co com financiamento privado, fornecimento privado com financiamento
público e fornecimento privado com financiamento privado.
Nessas modalidades, assentou-se a impressionante expansão das IES
privadas com fins lucrativos, ofertando vagas privadas com financiamento
público em diferentes cursos de graduação. Assistimos a um período de

11
Reconhecidamente, avanços nas áreas de políticas sociais, estabilidade econômica e afirmação de
um Brasil como soberano e independente. Na educação, sobretudo no ensino superior, nota-se
um avanço surpreendente das Instituições Federais quanto à ampliação do quantitativo de ofertas
de vagas; sistema de cotas como democratização do acesso; criação de possibilidades de assistência
estudantil, tentando garantir a permanência do estudante; e melhorias nas estruturas básicas para
o ensino, a pesquisa e a extensão.

34
Capítulo 2 – Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e perspectivas

“bonança”:12 criação de cursos em descompasso com as necessidades da


região, inclusive de Educação Física; oferta de vagas anuais em excesso; salas
de aula lotadas; alta empregabilidade para docentes e, ao mesmo tempo,
baixos salários; formação profissional aligeirada; criação de inúmeros cursos
na modalidade a distância, dentre outros.
No âmbito da oferta de cursos de Educação Física, a situação não
difere. Percebemos uma proliferação de cursos de licenciatura e bacharelado
no País, com a esperada concentração nas regiões Sudeste e Sul.
De acordo com o Relatório Síntese de Área do Inep (2017), as
Instituições Privadas de Ensino concentram 411 (74,32%) dos 553 cursos
de licenciatura em Educação Física. A região Sudeste concentra 259 cursos,
ou 46,8% do total nacional; a região Sul, 117 cursos, correspondendo a
21,2% desse total; na região Nordeste encontram-se 92 cursos participantes,
o equivalente a 16,6% do total; na região Centro-Oeste, 54 cursos (9,8%
do total); e na região Norte, 31 cursos, ou 5,6% do total.
Essa proporção também se apresenta no Relatório Síntese de Área
do Inep (2016) para os cursos de bacharelado em Educação Física. Em
2016, eram ofertados 386 cursos de bacharelado em Educação Física, sendo
371 (96,11%) concentrados em instituições privadas de ensino. A região
Sudeste concentra 208 cursos, ou 53,9% do total; a região Sul, 91 cursos,
ou 23,6%; a região Nordeste, 46 cursos, o equivalente a 11,9%; a região
Centro-Oeste concentra 31 cursos, ou 8,0%; e a região Norte, 10 cursos,
ou 2,6% do total.
Diante desses volumosos percentuais de formação profissional ofer-
tada pela iniciativa privada com e sem fins lucrativos, pode-se reafirmar que
esse fenômeno interfere no cotidiano do trabalho docente e nas políticas
curriculares nacionais.

12
De acordo com o Relatório do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), o Fundo
de Financiamento Estudantil (Fies), o programa do Ministério da Educação destinado a financiar a
graduação na educação superior de estudantes matriculados em instituições não gratuitas passou a
funcionar em um novo formato a partir de 2010. No período de 2010 a junho de 2015 o acumu-
lado chegou a 2,1 milhões de contratos. Já no primeiro semestre de 2015 o número de contratos
firmados foi de aproximadamente 252,5 mil. Juntos, os estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia
e Rio de Janeiro respondem por mais da metade dos contratos firmados no Brasil (1,08 milhão) no
cumulativo do período de janeiro/2010 a junho/2015.

35
Zenólia Christina Campos Figueiredo - Cláudia Aleixo Alves

Implicações da expansão do ensino privado mercantil no trabalho docente


em educação física
Iniciamos esta reflexão a partir das falas recorrentes tanto entre do-
centes vinculados a IES privadas mercantis no Espírito Santo quanto de
outros estados da Federação. O Programa de Pós-Graduação em Educação
Física da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) é responsável
pela formação, em nível de mestrado e doutorado, de praticamente todos
os docentes que atuam nessas IES.
Em particular no doutorado, criado em 2014, oferta-se uma dis-
ciplina obrigatória intitulada Docência no Ensino Superior,13 ministrada
por mim14 e, às vezes, em parceria com outros docentes. Nessa disciplina,
ao longo dos últimos 4 anos, os docentes/doutorandos relatam como as
respectivas instituições privadas com fins lucrativos, e também, para nossa
surpresa, sem fins lucrativos e filantrópicas, vinculadas a grandes redes de
ensino superior, interferem administrativa e pedagogicamente no trabalho
cotidiano do professor em sala de aula.
Essas interferências diretas e indiretas abrangem, entre outras:15 a)
regulamentação e controle das avaliações; b) padrão de provas com questões
prontas (banco de questões) a ser aplicadas aos estudantes; c) treinamento
dos estudantes para o Exame Nacional dos Estudantes; d) premiação ao
docente que consegue elevar o “nível” de aprendizagem dos estudantes;
e) metodologias escolhidas pela IES para ser utilizadas pelos docentes; f )
unificação de estudantes de diferentes turmas em apenas uma, com o fim de
maximizar a oferta semestral para reduzir o quantitativo de docentes, uma
espécie de mutilação do currículo e da formação profissional.
O primeiro olhar de observadores alheios ao magistério avaliaria tais
ações como facilitadoras do trabalho docente. A interpretação mais apurada
e consciente do papel docente no ensino e na aprendizagem, no entanto,
revela que se trata de ações que vão reduzindo o ensino a um trabalho sim-
ples, acessível à instrumentalização e à utilização de pessoas para aplicação
de conteúdos, metodologias e avaliações.

13
Ementa: trata da análise do ensino superior brasileiro no tocante à sua política de desenvolvimentos
contemporâneos, bem como das exigências de qualificação da docência nesse âmbito do ensino, em
especial na formação inicial em Educação Física.
14
Primeira pessoa do singular, porque se trata de experiência docente de apenas uma das autoras do
capítulo, Zenólia Figueiredo.
15
Podem-se encontrar situações semelhantes às relatadas abaixo, na tese de doutorado “A Nova Classe
Trabalhadora Vai ao Ensino Superior: um estudo das práticas didático-pedagógicas em licenciaturas
de Educação Física do setor privado no Espírito Santo”, recém-defendida no PPGEF/UFES, de
autoria de Alessandra Gerez.

36
Capítulo 2 – Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e perspectivas

Essa maneira das IES de lidar com a oferta da graduação no Brasil


tem desconsiderado a docência como trabalho e que esse trabalho é com-
plexo (SILVA, 2012), requerendo múltiplos saberes peculiares, dentre os
quais podemos citar (CUNHA, 2010, p. 21): aqueles relacionados com
o contexto da prática pedagógica, os referentes à dimensão relacional e
coletiva das situações de trabalho e dos processos de formação, os ligados à
ambiência da aprendizagem, os vinculados ao contexto sócio histórico dos
alunos, os relacionados com o planejamento das atividades de ensino, os
ligados à condução da aula nas suas múltiplas possibilidades e os atinentes
à avaliação da aprendizagem.
Apreender e construir esses saberes requer uma formação inicial e
continuada sólida, que “[...] dê argumentos ao professor no embate episte-
mológico e político que se estabelece no seu campo de atuação” (CUNHA,
2010, p. 25). Em outras palavras, uma formação docente que estude, ao
longo do curso, as dimensões e elementos fundamentais que caracterizam
e qualificam o exercício docente.
Já é consenso no campo da pedagogia universitária16 que o trabalho
docente é complexo, seu exercício exige múltiplos saberes e não se deve
exercer a docência sem formação específica, que inclui o conhecimento pe-
dagógico. Entretanto, esse consenso parece conviver com interesses institu-
cionais mercantis contrários, configurando um conflito entre o que pensam
e querem os docentes universitários, de um lado, as IES, de outro. A rigor,
há uma força externa agindo na esfera dos organismos governamentais de
controle que interfere nas políticas curriculares e no desenvolvimento curri-
cular dos cursos. A atual legislação da Educação Física, aprovada no apagar
das luzes de 2018, e não por acaso, com a transição de governo pós-golpe,17
é uma representação clara dessa influência do mercado nas políticas curri-
culares do ensino superior.

16
“A pedagogia universitária é um campo polissêmico de produção e aplicação de conhecimentos
pedagógicos na educação superior. Reconhece distintos campos científicos dos quais toma referentes
epistemológicos e culturais para definir suas bases e características [...]. É, também, um espaço de
conexão de conhecimentos, subjetividades e culturas, que exige um conteúdo científico, tecnológico
ou artístico altamente especializado e orientado para a formação de uma profissão” (LUCARELLI,
2000 apud CUNHA, 2010, p. 81).
17
Referimo-nos à crise política que levou à deposição da presidenta Dilma Rousseff, por meio de um
golpe parlamentar transformado em impeachment constitucional.

37
Zenólia Christina Campos Figueiredo - Cláudia Aleixo Alves

Formação de professores no Brasil, políticas curriculares e a tentativa de


construção de uma política de valorização da docência: e a educação física
com isso?
Essa discussão das diretrizes curriculares da Educação Física remonta
à década de 1980, quando da publicação da Resolução CFE nº 3, de 16 de
junho de 1987. Esse recorte se justifica pelo início da possibilidade de oferta
do bacharelado no cenário da Educação Física brasileira.
Essa resolução permitiu às Instituições de Ensino Superior (IES) ofe-
recer a formação de professores para a área escolar por meio da licenciatura
plena, bem como criar o curso de bacharelado visando à atuação na área
não escolar. Apesar de a formação diferenciada para o bacharel e para o
licenciado ter sido possibilitada, a maioria das IES continuava a ofertar
apenas o curso de licenciatura em Educação Física, já que o egresso desse
curso atuava em espaços escolar e não escolar.
É importante destacar que, desde então, entidades acadêmicas e
sindicatos ligados à educação básica tentavam construir e impulsionar
políticas de valorização do magistério. Esse movimento resultou na
publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, considerada um marco legal
de mudanças na educação brasileira, apesar das inúmeras emendas
parlamentares que modificaram em muito o documento-base original.
Além das reformas curriculares, a regulamentação da profissão, por
meio da Lei nº 9.696, de 1º de setembro de 1998, trouxe repercussões
para os cursos de Educação Física e acabou reforçando o conflito entre
a licenciatura e o bacharelado, já que o sistema do Conselho Federal de
Educação Física (CONFEF) passou a impedir o licenciado de atuar em
áreas não escolares.
Poucos anos depois, em 2001, essa política de valorização da docência
toma proporções significativas, com o Parecer CNE/CP nº 09/200118 e as
Resoluções CNE/CP 01/200219 e 02/2002,20 que tratam da formação de
professores para atuação na educação básica. O objetivo dessa legislação
era reforçar a identidade própria da formação de professores em nível de
licenciatura.

18
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica, em
nível superior, dos cursos de licenciatura de graduação plena.
19
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica, em
nível superior, nos cursos de licenciatura de graduação plena.
20
Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena e de formação de
professores da Educação Básica em nível superior.

38
Capítulo 2 – Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e perspectivas

No Parecer CNE nº 009/2001, a licenciatura ganha “terminali-


dade e integralidade própria em relação ao Bacharelado, constituindo-se
em um projeto específico. Isso exige a definição de currículos próprios da
Licenciatura que não se confundam com o Bacharelado ou com a antiga for-
mação de professores que ficou caracterizada como modelo ‘3+1’” (Parecer
nº 009 do CNE/CP, 2001, p. 6).
No que se refere à organização da matriz curricular, esse parecer
indica as seguintes diretrizes para as IES: pensar formas inovadoras de or-
ganização dos conhecimentos para além da organização em disciplinas; pro-
mover atividades coletivas e interativas de comunicação entre os professores
em formação e os professores formadores; incentivar estudos disciplinares
que possibilitem a inter-relação entre os conhecimentos mobilizados na
formação; articular a formação comum com a específica; articular os co-
nhecimentos educacionais e pedagógicos com os de formação específica; e
articular teoria e prática desde o início da formação.
Essas orientações consubstanciaram a publicação da Resolução CNE/
CP 01/2002, que instituiu as diretrizes curriculares nacionais para a for-
mação de professores da educação básica, em nível superior, dos cursos de
licenciatura de graduação plena.
E os projetos curriculares da Educação Física, ante essas políticas
curriculares de valorização da docência? Do ponto de vista institucional,
podem-se mapear duas “respostas” para essa pergunta. Uma, voltada àquelas
IES que investiram na construção de propostas curriculares com integralida-
des próprias, mas com interfaces possíveis entre a licenciatura e o bachare-
lado, com sólida formação de professores baseada nas diretrizes e no campo
acadêmico, não desconsiderando o mundo do trabalho, mas também não
permitindo que este determine os rumos da formação universitária; outra,
voltada à elaboração de propostas curriculares propícias à oferta das duas
formações (licenciatura + bacharelado) no mesmo curso, voltadas à captação
de estudantes e de formação mais aligeirada.
Nesse contexto, a Educação Física, por necessidade legal – mas não
epistemológica – de acompanhar essas mudanças, cria, em meio a conflitos,
a Resolução CNE/CES nº 07/2004, que passa a definir a formação especí-
fica para graduandos nessa área.
Na mesma esteira da formação de professores para atuar na educação
básica, reforçando os princípios das Resoluções CNE/CP nº 01/2002, e
02/2002, publicou-se a Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015, com o
fito de esclarecer ainda mais os pressupostos fundamentais que deveriam
ser contemplados em quaisquer cursos de licenciatura. Além disso, a carga

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Zenólia Christina Campos Figueiredo - Cláudia Aleixo Alves

horária dos cursos aumentou de 2.800 para, no mínimo, 3.200 horas de


efetivo trabalho acadêmico em cursos com duração de, no mínimo, 8 (oito)
semestres ou 4 (quatro) anos.
Essa resolução, que estabelece diretrizes curriculares nacionais para a
formação inicial e continuada dos profissionais do magistério da educação
básica, avança mais um pouco no que se refere aos desafios para a forma-
ção de professores. Para além da formação inicial, contempla a formação
continuada, considerada fundamental para o bom exercício da profissão.
Mais uma vez, alheios a essa conquista21 que representam as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCNs) para a formação de professores no País,
percebem-se no âmbito da Educação Física manifestações de resistência de
alguns grupos. Foram e ainda são expressas na área a defesa da possibilidade
de oferta de um só curso capaz de formar o docente para atuar profissional-
mente em diferentes frentes de trabalho.
Na contramão do esforço de consolidar políticas de formação de
professores condizentes com os estudos dos campos da formação docente
e do currículo, dirigido a uma formação com identidade e integralidade
próprias em cursos de licenciatura, foi encaminhada uma proposta de mi-
nuta de Projeto de Resolução, propondo novas DCNs para os cursos de
graduação em Educação Física. Esse documento previu a criação de uma
licenciatura ampliada e a extinção dos cursos de bacharelado, como eviden-
ciam os artigos 7º e 8º.22
Por outro lado, alguns discursos compreendem as propostas de for-
mação alternativa presente nas DCNs como algo que em nada colabora com
uma formação ampliada. Pereira (2014) trabalha com a hipótese, corrobora-
da por nós, de que as propostas de licenciaturas ampliadas ou unificadas têm
se preocupado mais com a oferta de uma formação voltada ao atendimento
de demandas do mercado do que propriamente com a compreensão da
totalidade dos conhecimentos da área.

21
Mesmo considerando as críticas a essa política, dirigidas por SCHEIBE e BAZZO, 2013; e
FREITAS, 2002; 2007).
22
Art. 7º Os cursos de Bacharelado em Educação Física atuais entram em regime de extinção, a partir
do ano letivo seguinte à publicação dessa Resolução.
Art. 8º As instituições de educação superior que mantêm cursos de Bacharelado em Educação Física
poderão transformá-los em cursos de Licenciatura, elaborando novo projeto pedagógico, obedecendo
ao contido nesta Resolução (BRASIL, 2015).

40
Capítulo 2 – Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e perspectivas

As recém-publicadas diretrizes curriculares nacionais dos cursos de


graduação em educação física: do ponto de vista da formação de
professores, perdemos todos!
A Resolução CNE/CP no 6, de 19 de dezembro de 2018, traz uma
alteração significativa para a organização dos cursos de Educação Física de
todo o País.
Numa breve síntese dessa Resolução, se antes a preocupação era fazer
com que os cursos de licenciatura ganhassem “[...] terminalidade e inte-
gralidade própria em relação ao Bacharelado, constituindo-se em um pro-
jeto específico” (BRASIL, 2001, p. 6), em consonância com as políticas de
qualificação de formação de professores, essa nova resolução, na contramão
da educação superior como direito social e mais atrelada à educação como
serviço, estabelece que os cursos de Educação Física devem oferecer ingres-
so único, com obrigatoriedade de os alunos, ao final do quarto semestre,
optarem pela formação específica na licenciatura ou no bacharelado.
Nesse caso, a resolução dispõe que a formação deve ser “2 em 1”,
com duas etapas, a comum e a específica, ambas com 1.600 horas refe-
renciais, totalizando 3.200 horas. Segundo o documento, a etapa comum
é responsável por possibilitar a autonomia do discente para a escolha da
formação específica e, por isso, os conhecimentos tratados nessa fase deverão
contemplar: I) Conhecimentos biológicos, psicológicos e socioculturais do
ser humano; II) Conhecimentos das dimensões e implicações biológicas,
psicológicas e socioculturais da motricidade humana/movimento humano/
cultura do movimento corporal/atividade física; III) Conhecimento ins-
trumental e tecnológico; e IV) Conhecimentos procedimentais e éticos da
intervenção profissional em Educação Física.
Na etapa específica, a formação deverá contemplar as especificidades
de cada modalidade, indicada nos artigos 10 e 11, respectivamente:
Art. 10 O Licenciado em Educação Física terá formação humanista,
técnica, crítica, reflexiva e ética qualificadora da intervenção profissional
fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta
ética no magistério, ou seja, na docência do componente curricular
Educação Física, tendo como referência a legislação própria do Conselho
Nacional de Educação para a área (BRASIL, 2018, p. 5).

41
Zenólia Christina Campos Figueiredo - Cláudia Aleixo Alves

Art. 11 O Bacharel em Educação Física terá formação geral, humanista,


técnica, crítica, reflexiva e ética, qualificadora da intervenção profissional
fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e na conduta
ética em todos os campos de intervenção profissional da Educação Física
(BRASIL, 2018, p. 8).

Além disso, ambas as habilitações deverão garantir 20% das horas


referenciais para os estágios, bem como outras atividades práticas como
componente curricular.
Outras mudanças incluem a obrigatoriedade de que os trabalhos de
conclusão de curso contemplem temas vinculados à área de atuação profis-
sional, sem carga horária pré-definida, e a integração do processo avaliativo
do curso à avaliação do egresso via sistema institucional desenvolvido pelas
IES.

Do ponto de vista da formação de professores, perdemos todos! Quais os


principais questionamentos?
O que queremos dizer com essa expressão “perdemos todos”? A prin-
cípio, duas reflexões se instalam com relação às diretrizes aprovadas: no que
se refere ao predomínio dos anseios do mercado privado de oferta de cursos
de ensino superior, em comum acordo com o Conselho Federal de Educação
Física; e no que tange à ruptura com as lutas históricas e coletivas dos mo-
vimentos e entidades ligadas à educação brasileira, que vêm discutindo e
enfrentando, junto às áreas curriculares, os desafios para a formação inicial
e continuada de professores da educação básica.
É sabido que as IES, sobretudo as privadas mercantis, vinham e vêm
burlando a legislação ao ofertarem “2 cursos em 1. ” Apresentam Projetos
Pedagógicos distintos no momento das avaliações do INEP/MEC, mas na
prática curricular ofertam quase a totalidade das unidades curriculares –
na maioria dos cursos lê-se “disciplinas” – aos estudantes dos dois cursos,
chegando a formar licenciados e bacharéis em quatro anos.
Mesmo cientes de que, em termos epistemológicos, a Educação Física
não consegue justificar a oferta de conhecimentos distintos aos dois cursos
e que as interfaces entre estes são inevitáveis e impossíveis de se efetivar, o
que denunciamos aqui é o descaso das IES mercantis com a área, com os

42
Capítulo 2 – Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e perspectivas

estudantes em formação e com o ensino superior, prevalecendo o interesse


financeiro ou a simplificação do trabalho docente, com vistas a produzir
mais-valia.23
Do ponto de vista das lutas coletivas, passamos a remar contra a maré
e deixamos de nos importar com as políticas de formação de professores
para atuar nas redes de ensino básico, travando uma disputa focada no
nosso próprio “umbigo”.

Ponto de questionamento 1:
Diz respeito ao conflito legal entre as Diretrizes Curriculares da
Educação Física e as Diretrizes Curriculares de Formação de Professores.
Definitivamente, a Resolução CNE/CP no 6/2018 aponta para um lado e
a Resolução CNE no 2/2015, para outro, no caso da formação de profes-
sores de cursos de licenciatura. Enquanto esta última amplia a formação e
está pautada e organizada em oito capítulos, articulando formação inicial e
continuada, desenvolvida no ensino superior com a escola básica, a primeira,
exclusiva da Educação Física, reduz a formação em duas etapas, pautadas
no que é específico em cada habilitação: da formação específica em licen-
ciatura em Educação Física e da formação específica em bacharelado em
Educação Física.
Para se ter uma ideia da dimensão ampla e da dimensão restrita de
formação de professores, podem-se contrapor os princípios fundamentais
determinados pela Resolução CNE no 2/2015 e a listagem de aspectos
considerados pela Resolução CNE/CP no 6/2018.
Tais princípios, de acordo com o 6º parágrafo da primeira resolu-
ção, devem contemplar: I – a sólida formação teórica e interdisciplinar dos
profissionais; II – a inserção dos estudantes de licenciatura nas instituições
de educação básica da rede pública de ensino, espaço privilegiado da práxis
docente; III – o contexto educacional da região onde será desenvolvido o
trabalho; IV – as atividades de socialização e a avaliação de seu impacto
nesses contextos; V – a ampliação e o aperfeiçoamento do uso da Língua
Portuguesa e da capacidade comunicativa, oral e escrita, como elementos
fundamentais da formação dos professores, e da aprendizagem da Língua

23
Ou seja, “[...] permite a apropriação de um quanto de trabalho docente não pago. [...] Se no atual
contexto a educação é uma esfera de produção rentável, interessa ao capitalista, como qualquer outra
fonte que possibilite o lucro” (SILVA, 2012, p. 110).

43
Zenólia Christina Campos Figueiredo - Cláudia Aleixo Alves

Brasileira de Sinais (Libras); VI – as questões socioambientais, éticas, estéti-


cas e relativas à diversidade ‘, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional
e sociocultural como princípios de equidade.
Os aspectos na Resolução da Educação Física listados no artigo 9º
devem ser contemplados em conteúdos programáticos mínimos, organi-
zados quase que por um rol de disciplinas: a) Política e Organização do
Ensino Básico; b) Introdução à Educação; c) Introdução à Educação Física
Escolar; d) Didática e Metodologia de Ensino da Educação Física Escolar;
e) Desenvolvimento Curricular em Educação Física Escolar; f ) Educação
Física na Educação Infantil; g) Educação Física no Ensino Fundamental;
h) Educação Física no Ensino Médio; i) Educação Física Escolar Especial/
Inclusiva; j) Educação Física na Educação de Jovens e Adultos; e k)
Educação Física Escolar em Ambientes não Urbanos e em Comunidades e
Agrupamentos Étnicos Distintos.

Ponto de questionamento 2:
Refere-se à integralidade própria para a formação de professores para
atuar na educação básica, em nível de licenciatura, defendida nas Diretrizes
de Formação de Professores, em contrapartida à “opção” pela licenciatura
somente na metade do curso, indicada nas Diretrizes da Educação Física.
Para além da “dobradura” da formação ao mercado privado mercantil,
que resulta nessa possibilidade de “escolha”, podemos inferir que as políticas
de valorização da docência foram frontalmente ignoradas.
O curso de formação de professores de Educação Física não se desen-
volverá desde o primeiro semestre, com conhecimentos, discussões e imer-
sões na educação básica, mas tão somente no 4º (quarto) semestre, quando
a Instituição de Educação Superior deverá promover uma consulta oficial,
por escrito, a todos os graduandos a respeito da escolha da formação que
pretendem seguir na Etapa Específica – bacharelado ou licenciatura – com
vistas à obtenção do respectivo diploma.
Como garantir os pressupostos básicos e os conhecimentos necessá-
rios à atuação docente nessa metade de curso? Se considerarmos os estudos
do campo da formação docente, bem como o que dizem as Diretrizes, o cur-
so de formação de professores deverá garantir, ao longo do processo, efetiva
e concomitante relação entre teoria e prática, ambas fornecendo elementos
básicos para o desenvolvimento dos conhecimentos e habilidades necessá-
rios à docência, conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento,
fundamentos e metodologias, conteúdos relacionados aos fundamentos da
educação, formação na área de políticas públicas e gestão da educação,

44
Capítulo 2 – Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e perspectivas

direitos humanos, diversidade etnicorracial, de gênero, sexual, religiosa, de


faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras), educação especial e
direitos educacionais de adolescentes e jovens (Diretrizes Curriculares para
a Formação de Professores, 2015).
Para tanto, é fundamental que o estudante ingresse ciente de que se
trata de curso de licenciatura, para formação de professores de Educação
Física. A integralidade, nesse caso, pode contribuir para qualificar a forma-
ção e a prática docente nessa área do conhecimento.

Ponto de questionamento 3:
Associada à questão anterior, identificamos a árdua tarefa de trabalhar
pressupostos e conhecimentos da licenciatura em metade de um curso, ou
1.600 horas. Missão impossível, se considerarmos que os demais cursos
de formação de professores contam com, no mínimo, 3.200 (três mil e
duzentas) horas de efetivo trabalho acadêmico, em cursos com duração de,
no mínimo, 8 (oito) semestres ou 4 (quatro) anos, compreendendo: I – 400
(quatrocentas) horas de prática como componente curricular, distribuídas
ao longo do processo formativo; II – 400 (quatrocentas) horas dedicadas ao
estágio supervisionado, na área de formação e atuação na educação básica,
contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o
projeto de curso da instituição; III – pelo menos 2.200 (duas mil e duzen-
tas) horas dedicadas às atividades formativas estruturadas pelos núcleos
definidos conforme o projeto de curso da instituição; IV – 200 (duzentas)
horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas
de interesse dos estudantes, por meio da iniciação científica, da iniciação à
docência, da extensão e da monitoria, entre outras, consoante o projeto de
curso da instituição.
Essa carga horária foi assustadoramente reduzida nas diretrizes da
nossa área em: I – Etapa Comum: núcleo de estudos da formação geral,
identificador da área de Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600 (mil
e seiscentas) horas referenciais, comuns a ambas as formações; II – Etapa
Específica: formação específica a ser desenvolvida em 1.600 (mil e seis-
centas) horas referenciais, durante as quais os graduandos terão acesso a
conhecimentos específicos das opções em bacharelado e licenciatura.
A Etapa Comum, de acordo com o Capítulo II da Resolução CNE/
CP no 6/2018, contempla: “I – Conhecimentos biológicos, psicológicos
e socioculturais do ser humano (a exemplo do fisiológico, biomecânico,
anatômico-funcional, bioquímico, genético, psicológico, antropológico,
histórico, social, cultural e outros), enfatizando a aplicação à Educação

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Zenólia Christina Campos Figueiredo - Cláudia Aleixo Alves

Física; II – Conhecimentos das dimensões e implicações biológicas, psi-


cológicas e socioculturais da motricidade humana/movimento humano/
cultura do movimento corporal/atividade física (a exemplo de fisiologia do
exercício, biomecânica do esporte, aprendizagem e controle motor, psicolo-
gia do esporte e outros); III – Conhecimento instrumental e tecnológico (a
exemplo de técnicas de estudo e pesquisa – tipos de conhecimento, técnicas
de planejamento e desenvolvimento de um trabalho acadêmico, técnicas
de levantamento bibliográfico, técnicas de leitura e de documentação; in-
formática instrumental – planilha de cálculo, banco de dados; técnicas de
comunicação e expressão leiga e científica e outros), enfatizando a aplicação
à Educação Física.”
A etapa específica da Licenciatura em Educação Física reduz substan-
cialmente os conhecimentos oriundos e voltados para a docência a disci-
plinas e conteúdos programáticos, tais como já mencionados: “a) Política e
Organização do Ensino Básico; b) Introdução à Educação; c) Introdução à
Educação Física Escolar; d) Didática e Metodologia de Ensino da Educação
Física Escolar; e) Desenvolvimento Curricular em Educação Física Escolar;
f ) Educação Física na Educação Infantil; g) Educação Física no Ensino
Fundamental; h) Educação Física no Ensino Médio; i) Educação Física
Escolar Especial/Inclusiva; j) Educação Física na Educação de Jovens e
Adultos; e k) Educação Física Escolar em Ambientes não Urbanos e em
Comunidades e Agrupamentos Étnicos Distintos.”

Ponto de questionamento 4:
Esse último ponto de questionamento talvez seja o mais nevrálgico
porque trata de uma unidade curricular de peso em qualquer currículo de
formação docente: o Estágio Supervisionado.
Diferentemente do espaço-tempo que as demais licenciaturas desti-
nam ao estágio supervisionado, as Diretrizes Curriculares da Educação Física
minimizam a sua importância formativa, determinando que correspondam
a 20% das horas adotadas pelo conjunto do Curso de Educação Física no
aprendizado em ambiente de prática real.
Além disso, essas diretrizes situam o estágio no âmbito das atividades
práticas da etapa específica da licenciatura e de outras vinculadas aos diver-
sos ambientes de aprendizado escolares e não escolares, e como expressão
e integração de um conjunto de atividades práticas cumpridas ao longo do
curso e ser oferecido, conjuntamente com as políticas e as atividades de
extensão da instituição com curso (Diretrizes Curriculares Nacionais dos
Cursos de Graduação em Educação Física, 2018).

46
Capítulo 2 – Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e perspectivas

A rigor, a disciplina Estágio Supervisionado está no âmbito dos 20%


das 1.600 horas da etapa específica da Licenciatura em Educação Física,
equivalentes, portanto, a 320 horas, e se confunde com atividades práticas
e de extensão, pois somente será possível ofertá-lo após a escolha dos es-
tudantes pela licenciatura, na segunda etapa do curso. O mesmo ocorrerá
com os estudantes que optarem pelo bacharelado.
Retrocedemos ao que a produção da área já indicava como desafios a
serem enfrentados no campo do estágio supervisionado nos idos da década
de 1990: visão restrita de prática, ideia de aplicação da teoria, tempos de
estágio curtos e pontuais concentrados no final do curso, meras visitas aos
estabelecimentos de ensino, planejamento e execução de práticas descoladas
da rotina das escolas, ausência de reflexão sobre o exercício da profissão,
visão parcial da escola e da prática profissional e falta de reflexividade sobre
as políticas educacionais, dentre outros.

Considerações finais
Discutimos o cenário atual de formação de professores de Educação
Física, considerando as forças externas que agem sobre as políticas curricu-
lares da área, no intuito de indicar as implicações e perspectivas para essa
formação.
Com base em nossa leitura crítica, afirmamos que, ao contrário do
que se pensa, a atual legislação recém-aprovada mais uma vez na história não
parece fruto das reivindicações da área, tampouco do lobby exercido por um
coletivo sobre o Conselho Nacional de Educação, mas de um mercado com
poder financeiro para conseguir o que lhe interessa, inclusive a intervenção
em determinado campo de formação profissional.

Referências
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Zenólia Christina Campos Figueiredo - Cláudia Aleixo Alves

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em: 28 fev. 2019.

48
3
Capítulo 2 – Formação de professores de educação física no Brasil: implicações e perspectivas

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 6, de 18 de dezem-


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49
CAPÍTULO
3
Formação de professores de educação física:
velhos problemas, novas lutas

Cláudio de Lira Santos Júnior


Raquel Cruz Freire Rodrigues
Tiago Nicola Lavoura

Desde 2016 estamos presenciando uma avalanche de retrocessos


no campo da educação. Golpe jurídico midiático parlamentar, reforma
trabalhista, PEC do fim do mundo (EC 95 que congela por 20 anos os
gastos primários do orçamento público), destituição do Fórum Nacional
de Educação, revogação arbitrária de 12 nomeações no Conselho Nacional
de Educação – CNE, substituídos por representantes do setor privado,
aprovação da reforma do ensino médio por medida provisória, construção
e aprovação do documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
sem diálogo com o conjunto dos setores representativos da área.
Este processo de regressão política social – que vem crescendo na
Europa (Reino Unido, França e Alemanha, por exemplo), nos EUA com
a eleição de Donald Trump, na América Latina (Argentina, Chile, Peru,
Colômbia e Paraguai) – culminou, no Brasil com a eleição de Jair Bolsonaro
para presidente do Brasil até 2022. Os golpistas que levaram Temer ao poder
e a base social do governo Bolsonaro constituem frações de uma mesma
classe. Desta forma, se existem diferenças no plano da forma como um
ou outro instituem suas ações, do ponto de vista do conteúdo político são
iguais: ataque aos direitos e conquistas dos trabalhadores, entre os quais o
direito a educação pública, gratuita e de qualidade para todos.
O exemplo da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio
é ilustrativo. Apresenta, enquanto uma expressão deste retrocesso, no do-
cumento um percentual de até 20% da carga horária formativa para edu-
cação a distância, chegando até 30% no caso do ensino noturno; além
da permissão de que profissionais de diversas áreas, sem licenciatura, que
tenham formação técnica e profissional (não deixa claro quais serão os cri-

51
Cláudio de Lira Santos Júnior - Raquel Cruz Freire Rodrigues - Tiago Nicola Lavoura

térios, conhecimento pragmático ou formação com pós-graduação) possam


ministrar nas escolas conteúdos relacionados à sua profissão, chamados de
Notório Saber.
A BNCC do ensino infantil, fundamental e médio não contempla
questões centrais que a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais
da Educação - Anfope vem discutindo durante os seus 40 anos de existên-
cia, tais como: a consistente base teórica, plano de carreira tendo o Piso
Nacional como referência para os professores e condições dignas de traba-
lho para todos os profissionais da educação. Pelo contrário, a nova política
educacional brasileira retira obrigatoriedade de conteúdos, flerta com setores
fundamentalistas e dogmáticos (Escola sem Partido, o travestido movimento
de desideologização da escola), elege os professores como inimigos da vez
(na era FHC eram os aposentados) e precariza cada vez mais as condições
de trabalho; a defesa de tudo que os setores progressistas conquistaram nos
últimos anos, incluso o direito a uma formação inicial de qualidade, o que
vai exigir muito mais lutas por parte do conjunto dos/as educadores/as.
A proposta da Anfope em defesa da Base Comum Nacional (que não
é a BNCC) possui diretrizes curriculares norteadoras dos diversos cursos
para a pedagogia e outras licenciaturas:
• Sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fenômeno educa-
cional e seus fundamentos históricos, políticos e sociais, bem como
o domínio dos conteúdos da educação básica, de modo a criar
condições para o exercício da análise crítica da sociedade brasileira
e da realidade educacional;
• Unidade teoria-prática atravessando todo o curso e não apenas a
Prática de Ensino e os Estágios Supervisionados, de modo a garan-
tir o trabalho como princípio educativo na formação profissional;
• Trabalho coletivo e interdisciplinar como eixo norteador do trabalho
docente;
• Compromisso social do profissional da educação, com ênfase na con-
cepção sócio histórica de leitura do real e nas lutas articuladas com
os movimentos sociais;
• Gestão democrática entendida como superação do conhecimento
de administração enquanto técnica e compreendida como mani-
festação do significado social das relações de poder reproduzidas
no cotidiano escolar;
• Incorporação da concepção de formação continuada visando ao apri-
moramento do desempenho profissional aliado ao atendimento das
demandas coletivas da escola;

52
Capítulo 3 – Formação de professores de educação física: velhos problemas, novas lutas

• Avaliação permanente dos cursos de formação dos profissionais


da educação, como responsabilidade coletiva a ser conduzida à
luz do projeto político-pedagógico de cada curso/instituição
(BRZEZINSKI, 2011, p. 20-22).
Estas diretrizes para formação de professores estão presentes nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior
(cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e
cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada – Resolução
CNE/CP 02/2015, que desde 2016 vem sendo esvaziada do debate pelo go-
verno federal. Ao que tudo indica, sendo tal resolução demasiado avançada
para o novo governo, deverá ser abandonada e substituída. Recentemente
o MEC suspendeu a tramitação do documento da Base Nacional Comum
para Formação de Professores da Educação Básica1. Outro documento que
seria imposto e que constitui uma excelente maneira de não enfrentar os
problemas concretos da formação de professores, tais como 75% da for-
mação em instituições privadas de qualidade duvidosa, com maioria das
matrículas na modalidade a distância, apenas para exemplificar.
O governo Bolsonaro, se considerarmos os anúncios que o Ministro
da Educação e o próprio Presidente vem apresentando na mídia, vai comba-
ter moinhos nos seus 4 anos, conforme ideia beligerante de uma Lava Jato da
Educação. É neste terreno que se constata o avanço do movimento Escola
Sem Partido, que promove um profundo ataque a liberdade de cátedra e a
educação pública. Na Escola Sem Partido os professores são impedidos de
debater questões de gênero, de classe e de raça e de tratar a teoria marxista
enquanto referência “doutrinária”:
A discussão e a compreensão críticas da sociedade mediada pelo conhe-
cimento não são doutrinação, menos ainda, opressão. Mas, partindo
do princípio da passividade do educando – o que já é violento, pois
lhe retira a condição de sujeito para transformá-lo em objeto – e de
um suposto poder opressor do professor, criminaliza-se aquilo que é
inerente ao processo educativo, ao ato pedagógico: confrontar ideias e
compreensões sobre um mesmo assunto, debater, ajudar na elaboração
do pensamento autônomo e fecundo mediada pelo conhecimento sis-
tematizado (RAMOS, 2017, p. 83-84).

Neste entendimento, portanto, o professor não irá desenvolver ple-


namente o seu trabalho pedagógico de forma autônoma e condizente com
os vários anos de estudos investidos na sua formação e a necessidade de

1
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=71951.

53
Cláudio de Lira Santos Júnior - Raquel Cruz Freire Rodrigues - Tiago Nicola Lavoura

desenvolvimento humano dos estudantes que exige a socialização do saber


sistematizado, culturalmente produzido. Nesta acepção o professor sofrerá
coerção para negar conhecimentos.
Desta forma, é para nós um fato que estamos passando por um mo-
mento onde se acentuam os ataques, mas dizer só isso é olhar para a reali-
dade de forma linear, e explicá-la de forma mecânica. Se de um lado cons-
tatamos o avanço da pauta ultraconservadora, do outro cresce a resistência.
Verdade que os trabalhadores tiveram derrotas históricas entre 2016/2018.
Mas, a realidade é dinâmica e a extrema direita não pode se considerar vi-
toriosa ainda. O maior exemplo está na dificuldade em aprovar a reforma
da previdência. Desde Temer que está na ordem do dia e tem verdadeira
centralidade no Governo Bolsonaro, mas ainda não conseguiram reunir
as condições para sua aprovação. Entre outras questões, porque a classe
trabalhadora resiste.
Resistência que se expressa também contra a política educacional que
o governo federal vem impondo desde 2016. Atualmente entidades cien-
tíficas e sindicais2, como é o caso da Anfope e da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Educação –Anped, da Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação – CNTE, movimentos sociais e o Fórum
Nacional Popular de Educação – FNPE, entre outros vem confrontando o
governo e colaborando com a reorganização da categoria.
Neste contexto, em que o debate sobre formação de professores so-
fre profundas regressões (reforma do ensino médio, BNCC, Escola sem
Partido) faz-se perceber uma profunda alteração na direção política que os
setores mais conservadores da área querem imprimir a formação de pro-
fessores de Educação Física. Até 2015, quando ocorreu Audiência Pública
convocada pelo CNE com apresentação de uma minuta de diretrizes que
substituiria a resolução CNE/CES 07/2004, o rumo era um: na referida
Minuta (mais exatamente no art. 7º) estava proposto a extinção dos ba-
charelados, com consequente impulso a reunificação da formação. Mas, no
meio do caminho teve o golpe, teve o golpe no meio do caminho!
Em outubro de 2018 (após três anos do mais profundo silêncio do
CNE) foi aprovado o Parecer CNE/CES 584/2018 tratando das DCN
do curso de graduação em Educação Física. Em dezembro foi aprovada a
resolução CNE/CP 06/2018 que Institui Diretrizes Curriculares Nacionais
dos Cursos de Graduação em Educação Física. Concebidos sem nenhum diá-
logo com as representações dos cursos de educação física das IES, com os

2
Maiores informações ver nos sites das entidades citadas.

54
Capítulo 3 – Formação de professores de educação física: velhos problemas, novas lutas

especialistas da área que pesquisam o assunto, com o CBCE – enquanto


maior entidade científica da área – e com a representação dos estudan-
tes (ExNEEF), num prazo absurdamente exíguo que impediu qualquer
possibilidade de análise rigorosa, as novas DCNEF demarcam a posição
reacionária que o CNE passa a desempenhar nesta quadra histórica. Pelo
documento só é possível atestar a participação dos representantes do sistema
Confef/CREF, que parece, finalmente, ter encontrado um governo/CNE
para chamar de seu.
Na página 02 do Parecer encontramos a seguinte afirmação: “(...)
a análise da trajetória de 13 anos de vigência das Diretrizes Curriculares
Nacionais do curso de graduação em Educação Física (...) revela os avanços
introduzidos por este ato legal, que estabelece, explicitamente, a integração
entre o bacharelado e a Licenciatura (...)” (Brasil, 2018a, p.2).
Se é verdade que a aprovação da resolução CNE/CES 07/2004
ensejou muitas discussões, reuniões, audiências públicas e que após sua
aprovação seguiu sendo motivo de disputas, fundamentalmente (mas não
exclusivamente) no que tange ao debate licenciatura x bacharelado, é, para
dizer o mínimo, uma forçada de barra falar em integração entre o bacharelado
e a licenciatura. Isto porque o faz sem nenhum recurso a pesquisas sobre as
condições de oferta dos cursos de Graduação em Educação Física existentes
no país, tampouco ao estado da arte sobre formação de professores.
Não encontramos, ainda, nenhum argumento, nenhuma pesquisa que
informe o que fundamenta a defesa do bacharelado além da posição
obtusa dos confefianos querendo “abocanhar” esta fatia do mercado no
confinamento de filiados. A ideia de conhecimentos diferenciados, de
aprendizagens diferenciadas e, portanto, de formações diferenciadas não
encontra correspondência na realidade. O bacharelado é sim um salto
para trás na área da Educação Física, porque divide a categoria, cinde
a formação de maneira abstrata e tenta aprisionar o debate no senso
comum (TAFFAREL; SANTOS JÚNIOR, 2010, p. 38-39).

Quase uma década depois, a questão de fundo da fragmentação da


formação em Educação Física que prevaleceu na resolução 07/2004 do
CNE, permanece: trata-se de contemplar a posição e os interesses espúrios
dos que fazem o sistema Confef/CREF. Mais ainda, trata-se de seguir ana-
lisando a intervenção profissional utilizando como critério único as ditas
diferenças nos campos de intervenção. Se é verdade que no plano da aparên-
cia existem diferenças entre, por exemplo, uma aula de futebol na escola e a
prática do futebol nas escolinhas de iniciação, na essência as regularidades

55
Cláudio de Lira Santos Júnior - Raquel Cruz Freire Rodrigues - Tiago Nicola Lavoura

prevalecem: o conteúdo de ensino é o mesmo, os macros conceitos utiliza-


dos são iguais e bacharel ou licenciado o responsável pela intervenção deverá
garantir a aprendizagem do futebol.
O que muda não é que na escola busca-se uma abordagem do fenô-
meno esportivo futebol mais genérica e na escolinha busca-se performance
e rendimento. Em qualquer lugar onde exista uma pessoa responsável por
ensinar e outra (s) no direito de aprender, é um dever do profissional ga-
rantir o acesso aos conhecimentos clássicos, sistematizados, não cotidianos
sobre o futebol. O que, portanto, caracteriza a natureza de nossa intervenção
é o fato de que, como os seres humanos não nascem chutando, driblando,
etc. eles precisam aprender, precisam se apropriar de “algo” que não lhe é
dado pela natureza (no caso, conhecimento futebol). Essa apropriação faz
desenvolver no sujeito algo novo, uma segunda natureza (SAVIANI, 2009)
resultado do trabalho educativo, ou seja, do “[...] ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é pro-
duzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI,
2008, p. 13).
Além de insistir na fragmentação da formação, as novas Diretrizes
Curriculares da Educação Física prometem causar mais problemas, posto
que ataca a autonomia universitária à medida que obriga as IES a ofertarem
as duas modalidades de formação. No parágrafo primeiro do Art. 5° diz “No
início do 4° (quarto) semestre, a Instituição de Educação Superior deverá3
realizar uma consulta oficial, por escrito, a todos os graduandos a respeito
da escolha da formação que pretendem seguir na Etapa Específica – bacha-
relado ou licenciatura [...]”.
Outro equívoco está na pretensa restrição do campo de atuação do
licenciado. Pretensa, porque não é objeto de Diretrizes Curriculares o campo
de atuação, de forma que ao traçar o perfil do egresso deve se concentrar no
perfil formativo e não onde vai atuar. Para as novas DCNEF o licenciado
só poderá atuar na escola. Como bem observado por Penna (2019), se
lembrarmos que a atuação do professor de Educação Física é permitida no
NASF (regulamentada pela Portaria N° 2. 436 de setembro de 2017), então:
Junto à proposta de aprovação do novíssimo ‘Parecer’, o qual pretende
estabelecer os limites da escola como campo de atuação/intervenção do
professor de EF, fica a curiosidade sobre quais mecanismos poderão ser

3
Grifo nosso.

56
Capítulo 3 – Formação de professores de educação física: velhos problemas, novas lutas

criados para impedir a atuação do professor de EF no âmbito do SUS.


Quais os instrumentos serão utilizados para fazer valer frente ao SUS as
determinações da proposta de novas diretrizes? (PENNA, 2019, p. 16).

A resolução CNE/CES 06/2018 é, portanto, uma coleção de equívo-


cos: construída sem diálogo com a comunidade acadêmica e científica; tem
como único interlocutor uma entidade reacionária de “regulamentação” da
profissão; foi aprovada sem garantir tempo suficiente para análise, debate
e encaminhamentos; insiste e aprofunda a fragmentação da formação de
professores da área; extrapola os limites de um documento que visa servir
de referência para a organização curricular de cursos de formação; ataca a
autonomia universitária, apenas para ficar nos pontos aqui tratados. Desta
forma, trata-se de uma resolução cuja implementação, se vir a acontecer será
de forma impositiva, pelo uso da coerção. Por tudo isto e, sem pretender
esgotar o debate, entendemos que ela deve ser amplamente rechaçada pelos
colegiados e departamentos das IES que oferecem cursos de Educação Física.
Esperamos, que a resistência a mais este ataque a nossa formação se
amplie, como resposta as necessidades postas pela realidade. Em função do
peso que o ordenamento legal em geral, e as Diretrizes Curriculares, em
específico, possuem na definição de prazos e na tipificação da formação,
bem como na delimitação da concepção de currículo, escola e objeto de
estudo que irá prevalecer no conjunto dos cursos de formação de professo-
res de Educação Física, é que entendemos que a luta pela revogação desta
resolução que visa impor novas diretrizes curriculares é elemento central na
pauta específica da área.
Consideramos importante reforçar nossa posição de defesa da
Formação Unificada, tendo como proposta para avançar no debate a for-
mulação da Licenciatura Ampliada:
O curso de formação deverá ser caracterizado como Licenciatura
Ampliada, onde o licenciado está apto a agir em diferentes campos
de trabalho mediado por seu objeto, a “cultura corporal” através da
docência. Deverá privilegiar o caráter multidisciplinar, como também
a necessidade nos currículos de conhecimentos originários tanto do
campo das Ciências Biológicas/Saúde como do campo das Ciências
Humanas/Sociais, da Terra, das Ciências Exatas, da Filosofia e das Artes
(TAFFAREL; SANTOS JÚNIOR, 2010, p. 41-42).

57
Cláudio de Lira Santos Júnior - Raquel Cruz Freire Rodrigues - Tiago Nicola Lavoura

Em tempos de obscurantismo, reafirmar posições


Mediante a atual conjuntura ideopolítica que assola nosso país, não
tão diferente daquilo que se passa na América Latina e no mundo como
um todo, ensejamos finalizar este texto reafirmando posições, as quais en-
tendemos serem deveras atuais.
Por um lado, aflora-se uma beligerante ambiência política de ataque
ao pensamento científico, à riqueza artística e à reflexão filosófica, disse-
minando-se inverdades, veiculando-se informações grotescas e infundadas,
defendendo-se iniciativas políticas e projetos de lei que visam censurar o
pensamento crítico, desvalorizar a profissão docente, sucatear e extirpar as
condições de trabalho ligadas a produção da ciência e do avanço da forma-
ção humana com vistas à sólida capacidade de compreender, explicar e lutar
pela transformação do real.
A expressão mais factual e perceptível desta onda política belige-
rante à razão humana se evidencia na maquinaria de artilharia pesada das
fakenews nas mídias sociais e nas declarações feitas pelos principais agentes
políticos da extrema direita, como os sucessivos exemplos do caso brasileiro,
com Ministros de Estados, Chefes de Secretarias e Gabinetes Institucionais
e demais órgãos dos Poderes Legislativos e Executivos, propagandeando
mentiras e falácias espúrias acerca da realidade social, cultural, política,
econômica e educacional brasileira.
De outro lado, verifica-se o aprofundamento e a generalização daqui-
lo que já se manifestava como expressão acentuada nos finais dos anos de
1990 e início dos anos 2000, a saber, uma ambiência acadêmico-científica
edificando-se em teorizações pós-estruturalistas e pós-modernas cuja deter-
minação mais essencial apresenta-se com uma dupla face: o ceticismo episte-
mológico e o relativismo ontológico por uma via e, por outra, uma narrativa
sensualista e descritiva da mera experiência cotidiana imediata (DUARTE,
2010; DUAYER, 2006; DUAYER; MORAES, 1998; MORAES, 1996,
2001, 2003).
Estas teorizações “pós”, têm sido responsáveis pela produção e vei-
culação de um conhecimento absolutamente empobrecido, reduzindo a
teoria a meros jogos de linguagem e a constructos discursivos subjetivistas,
promovendo a naturalização dos fenômenos sociais, atomizando a realidade
à particularidade imediata do cotidiano, este que acaba eleito como o limite
da inteligibilidade humana (MORAES, 2009).

58
Capítulo 3 – Formação de professores de educação física: velhos problemas, novas lutas

Com efeito, o avanço político e ideológico da direita nos últimos anos


tem se sustentado em um elemento – o que não significa o único – que
cada vez mais se generaliza na prática social humana: a desvalorização e, no
limite, um intencional combate ao conhecimento sistematizado, acadêmico,
teórico e científico (DUARTE, 2018).
A Resolução nº 6 de 18 de dezembro de 2018 não está dissociada
do quadro aludido anteriormente, sobretudo se considerarmos como ele-
mento de análise o Parecer CNE/CES nº 584, de 03 de outubro de 2018
e homologado no Diário Oficial da União de 17 de dezembro de 2018,
seção 1, pág. 33.
O texto do parecer é suficiente claro ao afirmar que as novas diretri-
zes devem “[...] estimular a superação das concepções antigas e herméticas
das grades curriculares - muitas vezes, tidos como meros instrumentos de
transmissão de conhecimento e informações [...]” ao mesmo tempo em que
devem preparar “[...] o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápi-
das transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições
de exercício profissional” (BRASIL, 2018, p. 4).
Com efeito, a referência à necessidade de superação de concepções
ultrapassadas de currículos meramente transmissores de conhecimentos
sede espaço para a propositura de uma concepção curricular baseada na
lógica de formação por competências e habilidades, com destaque para as
metodologias ativas de ensino-aprendizagem e ênfase em vivências práticas
com estímulo à aprendizagem diversificada, o que está explicitado tanto no
parecer aludido quanto no texto de resolução.
Já ao referenciar a necessidade de adequação dos cursos aos desafios
do mercado de trabalho e às transformações da sociedade contemporânea,
parece-nos ser uma preocupação explicitar e vincular a formação de profes-
sores em Educação Física à hegemônica concepção de formação profissional
que visa atender aos interesses das grandes agências internacionais do capital
financeiro, tal como evidenciado por autores como Antunes; Pinto (2017),
Freitas (2018), Frigotto (2010) e Neves (2005).
Não por acaso, no texto do parecer das diretrizes aparecem referên-
cias às “Declarações Mundiais sobre Educação Superior no Século XXI das
Conferências Mundiais sobre o Ensino Superior, realizadas pela Unesco” e
as contínuas “[...] transformações ocorridas na Educação no Século XXI”,
as quais requerem competências, habilidades e atitudes contextualizadas às
experiências reais de aprendizagem. Isso para que se tenha um “[...] perfil
acadêmico e profissional com competências, habilidades, atitudes e conhe-

59
Cláudio de Lira Santos Júnior - Raquel Cruz Freire Rodrigues - Tiago Nicola Lavoura

cimentos, dentro de perspectivas e abordagens contemporâneas de forma-


ção pertinentes e compatíveis com referenciais nacionais e internacionais”
(BRASIL, 2018, p. 4).
Assim, a lógica da formação de professores em Educação Física deve
seguir o mantra pedagógico disseminado pela epistemologia da prática e da
formação reflexiva, cujo ideário da formação docente supervaloriza o saber
tácito e o ‘conhecimento’ adquirido pela experiência nos locais de trabalho
cotidiano, em oposição ao saber escolar, teórico e sistematizado, preservan-
do-se um contexto de “[...] construção de um outro tipo de profissional
da educação, cuja legitimidade social não repousa mais nos conhecimentos
que possui ou transmite, mas nas competências que constrói e que o ha-
bilita para o convívio com situações cada vez mais complexas e incertas”
(CAMPOS, 2002, p. 86).
Aliás, o professor Dermeval Saviani, em sua densa e vasta obra inti-
tulada História das ideias pedagógicas no Brasil, já havia alertado para o fato
de que o ideário pedagógico hegemônico em nosso país a partir dos anos de
1980 possui bases econômico-pedagógicas vinculadas ao neoprodutivismo,
sendo a teoria do capital humano refuncionalizada aos novos objetivos de
formação de sujeitos para as ‘novas demandas’ do mercado de trabalho; as
bases didático-pedagógicas associadas ao aprender a aprender e ao neoesco-
lanovismo, direcionado à constante necessidade de atualização de saberes e
competências de empregabilidade e adaptabilidade; as bases psicopedagó-
gicas neoconstrutivistas reorientadas para a pedagogia das competências,
reforçando-se a ideia de que se constrói conhecimento na ação, e; as bases
pedagógico-administrativas voltadas ao neotecnicismo, cuja lógica empre-
sarial aplicada à educação alimenta a busca da ‘qualidade total’ e amplia a
disseminação da ‘pedagogia corporativa’ (SAVIANI, 2011).
Nesta conjuntura de tantos retrocessos, reacionarismos e de declínio
da razão, cujo processo de formação humana das novas gerações (tanto na
educação básica quanto no ensino superior) passa a se vincular ao pensa-
mento obscurantista, o apregoar da neutralidade e do misticismo, e a difusão
do relativismo e do ceticismo, esvaziando-se os currículos de conteúdos
científicos capazes de levar os indivíduos a compreenderem, explicarem e
intervirem na realidade social, entendemos como mais do que necessário a
defesa da formação de professores em geral e, no seu interior, da formação de
professores de Educação Física na perspectiva defendida intransigentemente
pela pedagogia histórico-crítica, sobretudo no que tal teoria pedagógica
assinala como os desafios teóricos e políticos da educação na atualidade.

60
Capítulo 3 – Formação de professores de educação física: velhos problemas, novas lutas

Com relação aos desafios teóricos, a pedagogia histórico-crítica vem


sendo coletivamente construída por diversos pesquisadores e estudiosos da
educação brasileira, os quais decidiram somar esforços aos iniciais e originais
trabalhos do professor Dermeval Saviani (2008, 2009), resultando-se atual-
mente em um acúmulo de produções acadêmico-científicas e de iniciativas
político-pedagógicas as mais variadas4, mas que preserva em suas formu-
lações um núcleo comum: a imperiosa e vital necessidade de apropriação,
pelos alunos em sua singularidade, do patrimônio humano desenvolvido
socialmente e acumulado historicamente nos campos das ciências, das artes
e da filosofia (PASQUALINI; TEIXEIRA; AGUDO, 2018).
Parece-nos que assumir esta orientação pedagógica da formação de
professores de Educação Física, mesmo que nos marcos limitadores das
atuais diretrizes, mas, mantendo como horizonte deste processo a luta pela
formação plena de indivíduos nas máximas possibilidades e potencialidades
de desenvolvimento humano, permite-nos colocar em ação a estratégia de
resistência ativa sinalizada por Saviani (2018).
Entendemos, também, que se coloca como um desafio teórico pautar
o debate acerca da formação de professores de Educação Física consideran-
do-se as formulações teórico-metodológicas mais ricas em determinações
teóricas para a prática educativa, as quais deem em conta de possibilitar uma
verdadeira reflexão sistemática, radical e de conjunto acerca do objeto de
ensino da Educação Física e constitutivos fundamentos ontológicos e his-
tóricos, das finalidades educativas desta disciplina na escola e no currículo,
da relação forma e conteúdo de ensino conforme os níveis de escolarização
dos sujeitos e seus processos de desenvolvimento.
A nosso juízo, é a concepção de Educação Física denominada de
crítico-superadora que ainda hoje se apresenta como a formulação teórico-
-metodológica mais desenvolvida para nos fazer avançar, neste desafio, pelas
seguintes razões:
• Pauta-se no materialismo histórico-dialético enquanto lógica e teo-
ria do conhecimento e enquanto método de análise da realidade
social concreta, não destituindo ou fragmentando as dimensões
ontológica e epistemológica, estabelecendo nexos e relações entre
o objeto da Educação Física e a prática social complexa e contra-

4
Em Saviani (2018), é possível evidenciar certo balanço do acúmulo teórico produzido pelo coletivo
de pesquisadores comprometidos com o desenvolvimento desta teoria pedagógica, notadamente
quanto aos fundamentos históricos, filosóficos, psicológicos e pedagógicos, situados neste último
os esforços feitos no campo da didática e da prática de ensino, além das pesquisas sobre currículos,
conteúdos escolares e as iniciativas de implementação da pedagogia histórico-crítica em determinadas
redes oficiais da educação brasileira.

61
Cláudio de Lira Santos Júnior - Raquel Cruz Freire Rodrigues - Tiago Nicola Lavoura

ditória, permitindo compreender o que é esta sociedade atual na


qual vivemos, qual a estrutura essencial de funcionamento dela,
como ela se edifica, nasce e desenvolve, quais as contradições que
esta sociedade é imanentemente portadora e quais as suas possibi-
lidades futuras de desenvolvimento e superação e, em meio a isso,
compreender como as atividades humanas do jogo, do esporte,
da dança, das lutas, da ginástica e da capoeira – denominadas de
cultura corporal – são socialmente determinadas e culturalmente
instituídas e que, portanto compreende-las é compreender uma
parte ou parcela da cultura geral desta e de outras formas de socie-
dade antecedentes à essa;
• Situa-se no interior da teoria pedagógica histórico-crítica, uma
teoria crítica da educação brasileira que recoloca, como nenhuma
outra teoria pedagógica, a problemática da função social da escola,
resgatando de forma muito peculiar a natureza e a especificidade da
educação escolar, conferindo importância ao saber sistematizado e
aos conhecimentos das ciências, das artes e da filosofia de manei-
ra absolutamente diversa das pedagogias neoescolanovistas ou do
aprender a aprender. Uma teoria pedagógica que atribui à escola
a importância vital de contribuir para o processo de humaniza-
ção dos indivíduos por meio da socialização do saber produzido
historicamente pelo gênero humano, conferindo ao professor a
autoridade de diretividade pedagógica, assumindo a dimensão da
intencionalidade do ato educativo;
• Busca o aporte teórico da psicologia histórico-cultural (também
denominada de Escola de Vigotski) para compreender a natureza
social do homem, a maneira histórica e cultural de constituição de
sua filogênese e sua ontogênese, os nexos e relações entre a apropria-
ção dos signos da cultura e o desenvolvimento de funções psíquicas
superiores instituidoras de formas de comportamento complexo
culturalmente instituídos. E com base na periodização do desenvol-
vimento sistematizado por esta teoria psicológica é possível pensar
a organização e desenvolvimento de atividades e tarefas escolares
de acordo com a tríade conteúdo-forma-destinatário.
Sobre os desafios políticos, a questão vital que se coloca no momen-
to é a de máxima luta pela organização coletiva com vistas à resistência e
superação dos desafios postos na atualidade (SAVIANI, 2018), tanto de
modo geral, quanto para os educadores com relação às questões de âmbito
educacional. Somente nos organizando em torno e por dentro dos orga-

62
Capítulo 3 – Formação de professores de educação física: velhos problemas, novas lutas
4
nismos de luta da classe trabalhadora (SANTOS JUNIOR; LAVOURA,
2017) teremos condições de lutar contra os ataques e avanços das políticas
conservadoras, entreguistas e espoliadoras do povo brasileiro.
E, neste processo de luta política, convocamos todos os pesquisado-
res, estudantes, professores e entidades científicas da área da Educação Física
a somar esforços pela luta da formação unificada, de concepção generalista
e ampliada, plena de conteúdos científicos, artísticos e filosóficos com vistas
ao desenvolvimento de futuros profissionais capazes de realizarem uma re-
flexão crítica, ampliada, sistemática e de conjunto da realidade educacional
brasileira e das possibilidades de intervenção nesta, com a tão importan-
te e necessária Educação Física, considerando-se seus diversos campos de
atuação.

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63
Cláudio de Lira Santos Júnior - Raquel Cruz Freire Rodrigues - Tiago Nicola Lavoura

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64
CAPÍTULO
4
A proletarização da educação física brasileira
no pós-fordismo
Alvaro de Azeredo Quelhas

Introdução
A celebração de quatro décadas de existência do Colégio Brasileiro de
Ciências do Esporte, em 2018, acontece em um momento extremamente
delicado para a vida nacional. Após uma campanha eleitoral fortemente
polarizada, elegeu-se um candidato de extrema direita, impulsionado por
um discurso violento, disseminador da cultura do ódio e de ataque as mi-
norias. Mergulhado numa profunda crise econômica, agravada nos anos
anteriores pela crise política que resultou no impedimento da presidenta
Dilma Rousseff, o país viu o desemprego disparar, alcançando mais de 13
milhões de trabalhadores, uma taxa percentual de 12,4%, conforme reve-
lou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC),
divulgada pelo IBGE (DESEMPREGO..., 2019).
Além do forte desemprego e da redução da atividade econômica, os
trabalhadores se viram diante da ameaça de uma reforma da previdência
pública que aumenta em muito a idade mínima para aposentadoria e o
tempo de contribuição para usufruir desse direito. Antes disso, assistiram
uma contrarreforma trabalhista que permite ainda mais a ampliação da
precarização do trabalho no Brasil.
O intuito do texto é indicar os determinantes estruturais dessa preca-
rização, pois a partir dessa base é possível compreender melhor a condição
laboral de hoje no Brasil, para em seguida reconhecer sua manifestação na
área da Educação Física.

65
Alvaro de Azeredo Quelhas

Determinantes estruturais da precarização do trabalho no Brasil


Para identificar e compreender as atuais condições laborais dos tra-
balhadores brasileiros é preciso reconhecer alguns determinantes estruturais
que estão presentes em nossa realidade, desde as duas últimas décadas do
século XX e que nos remetem, ainda, ao próprio movimento de reprodução
do sociometabolismo do capitalismo em tempo recente.
A década de 1980 foi marcada pelo fim do período da ditadura civil-
-militar pós-1964, e trouxe também, a crise de um projeto industrializante
que pôs fim a um período de cerca de cinquenta anos no qual houve ex-
pansão do emprego e da riqueza no país, muito embora não tenha havido
sua distribuição para o conjunto da classe trabalhadora. Com a crise, teve
início uma desestruturação do mercado de trabalho que se aprofundou
nos anos de 1990 por meio da implantação do processo de liberalização da
economia de cariz neoliberal, tendo em vista à inserção do país na chamada
globalização financeira internacional.
Este processo que se abateu sobre a economia brasileira, não foi um
fenômeno isolado, mas inseriu-se numa crise global do capital que afetou
todo o sistema capitalista desde meados dos anos de 1970. Seus traços mais
evidentes, segundo Antunes (1999), foram: (1) queda da taxa de lucro;
(2) esgotamento do padrão taylorista/fordista de produção; (3) hipertrofia
da esfera financeira; (4) maior concentração de capitais graças às fusões
entre empresas monopolistas e oligopolistas; (5) crise do welfare state ou
do “Estado do bem-estar social”; (6) aumento acentuado das privatizações.
Segundo Mészáros (2006), crises de intensidade e duração variadas
são o modo natural de existência do capital, pois é por meio delas que o
capital pode progredir para além de suas barreiras imediatas e, desse modo,
estender com dinamismo cruel sua esfera de operação e dominação. Por
esta razão, afirma o autor, a última coisa que o capital poderia desejar seria
uma superação permanente de todas as crises, ainda que, frequentemente,
seus ideólogos e propagandistas sonhem com isso ou, ainda, reivindiquem
a realização disso.
Diante dessa nova crise, o capital reagiu com a reestruturação pro-
dutiva e o neoliberalismo, que são duas interfaces de uma mesma resposta,
conforme aponta Carcanholo (2008). Por um lado, o processo de reestru-
turação produtiva se encarregou da rotação do capital, enquanto o neoli-
beralismo, como aspecto político, ideológico e econômico, teve o papel de
garantir as condições de lucratividade: (a) interna - pela desregulamentação

66
Capítulo 4 – A proletarização da educação física brasileira no pós-fordismo

e flexibilização dos mercados, principalmente o de trabalho, e (b) externa


- pela pressão por desregulamentação e abertura dos mercados comerciais
e financeiros.
A década de 1990 foi marcada pelo desenvolvimento de um novo
complexo de reestruturação produtiva no país, para instaurar de modo sistê-
mico a acumulação flexível, onde a descentralização produtiva, caracterizada
pela terceirização e pela deslocalização industrial, foi um dos principais
elementos (ALVES, 2000).
A terceirização, que nos interessa mais diretamente para analisar
a situação atual dos trabalhadores da Educação Física, era antes restrita
principalmente aos serviços de apoio à produção, tais como alimentação,
transporte, assistência médica, começou a se expandir para atividades vincu-
ladas diretamente à esfera da produção, onde há trabalho mais qualificado,
oferecendo uma divisão especializada do processo produtivo aliada à manu-
tenção do nível tecnológico, como por exemplo, atividades de manutenção,
ferramentaria, estamparia, fornecimento de peças e subconjuntos, no caso
de montadoras de automotores.
Tão ou mais importante do que os elementos já apontados anterior-
mente pelo autor, outro fator fundamental do processo de reestruturação
produtiva no Brasil, foi a flexibilidade do contrato de trabalho, ou seja, a
necessidade de uma nova regulação do trabalho, que atendesse aos impera-
tivos da acumulação flexível, que também foi constituída durante a década
neoliberal no Brasil.
Segundo Borges & Pochmann (2002), o Brasil foi apontado nos
relatórios da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como um dos
recordistas mundiais em desregulamentação na década de 1990, ao adotar os
seguintes mecanismos, dentre outros: (1) criação do contrato de trabalho em
regime de tempo parcial, com redução proporcional do salário e do tempo
de férias; (2) desistência da Convenção 158 da OIT que obriga justificar,
por escrito, os motivos das demissões.
Essas transformações ampliaram a precarização do trabalho no Brasil,
que é um elemento estrutural da “condição de proletariedade” sob o capi-
talismo global, caracterizada pelo aumento da taxa média de exploração,
já que ocorre o aumento médio da taxa de extração de mais-valia (ALVES,
2007). Apesar de elemento estrutural, as experiências da precarização do
trabalho são vividas e percebidas de formas diferentes pelos contingentes
do velho salariato e pela nova geração imersa na nova precariedade salarial.
“Existe, neste caso, nos ‘novos coletivos de trabalho’, níveis discrepantes
de experiências vividas e percebidas da ‘condição de proletariedade’ e do
universo salarial” (ALVES, 2007, p. 36). Em sua dimensão objetiva, a pre-

67
Alvaro de Azeredo Quelhas

carização se expressa por formas instáveis de salariato, com mudanças no


plano dos direitos e na forma de contratação; de alterações qualitativamente
novas na gestão do cotidiano dos locais de trabalho (organização e jornada
de trabalho) e da própria perspectiva de carreira e de inserção no mercado
de trabalho, em virtude do crescimento do desemprego aberto. No plano
subjetivo da força de trabalho, esta desefetivação da inserção salarial possui
desdobramentos, que pode ser verificada também pelo surgimento de novas
doenças ocupacionais e do sofrimento psíquico dentro e fora dos locais de
trabalho.
A nova precariedade salarial vivida e percebida pelos jovens operários
e empregados, muitos contratados sob modalidades de contratos flexíveis
disseminados ao longo dos anos de 2000 no Brasil, é qualitativamente
diferente da experiência da precarização do trabalho de velhos operários e
empregados contratados há algumas décadas. “A nova precariedade salarial é
a nova forma de salariato adequado ao regime de acumulação flexível que se
difunde nas organizações do capital, privadas ou públicas” (ALVES, p. 39).
As mudanças de que tratamos até aqui, visavam e ainda visam supe-
rar por incorporação de novos elementos, o chamado modelo de produção
fordista, também denominado taylorista-fordista, apontado como principal
responsável pela grande expansão capitalista no Pós II Guerra Mundial,
período conhecido como anos de ouro do capitalismo. Conforme aponta
Bihr (1998), a crise dos anos 30 que se seguiu ao crash de 1929, levou a im-
portantes ajustes no pós II Guerra Mundial, provocados por diversos fatores,
dentre eles as intensas lutas do proletariado. A necessidade de divisão dos
ganhos de produtividade pressupunha, segundo o autor, profundas transfor-
mações da relação salarial, “[...] ou seja, das condições econômicas, sociais e
jurídicas que regiam a troca e o uso da força de trabalho do proletariado no
processo de trabalho e também sua reprodução fora desse processo” (p. 43).
Essas transformações implicaram no que o autor denominou de compromis-
so fordista, que segundo ele, garantiu aos trabalhadores europeus naquele
período, determinados ganhos que compensassem o alto grau de exploração
capitalista. Ou seja, em troca da intensa exploração, os trabalhadores tiveram
conquistas que iam além dos ganhos salariais, mas garantiam determinado
nível de proteção social, benefícios sociais para eles e seus dependentes, que
estiveram inscritos no chamado Estado de Bem-Estar Social:
1. Garantia de um salário mínimo correspondente a um padrão de
consumo considerado irredutível e, sobretudo, um crescimento dos
salários reais por meio da indexação do salário nominal aos preços;

68
Capítulo 4 – A proletarização da educação física brasileira no pós-fordismo

2. Instituir práticas e procedimentos de negociação coletiva por ramos


e em nível nacional, chegando a adotar contratos coletivos com
força constrangedora para os agentes individuais (empregadores e
assalariados);
3. Instituir um salário indireto (ou salário social) financiado por reco-
lhimentos obrigatórios (impostos e/ou cotizações sociais), ou seja,
um conjunto de benefícios sociais colocando o assalariado e seus
dependentes protegidos dos acasos naturais ou sociais da existên-
cia (doença, invalidez, desemprego, velhice, sobrecargas ligadas à
educação das crianças), garantindo a possibilidade de reproduzir
sua força de trabalho em todas as circunstâncias.
A crise capitalista dos anos de 1970 colocou em xeque esse modelo
de desenvolvimento e produção, gestando um novo regime de acumulação,
associado com um sistema de regulamentação política e social bem dife-
rente. “A acumulação flexível, como eu vou chamá-la, é marcada por um
confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade
dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões
de consumo” (HARVEY, 1994, p. 140).
Os processos de reestruturação produtiva que vêm provocando inten-
sas transformações sobre a força de trabalho na perspectiva da acumulação
flexível, não ficaram restritos ao setor industrial, mas também alcançaram o
setor de serviços (ANTUNES, 2004), no qual se insere o trabalho na área
da educação física, seja no campo escolar ou no não escolar, em especial
no chamado segmento fitness, representado fortemente pelas academias de
ginástica.
A flexibilidade na produção que caracteriza a acumulação flexível ne-
cessita da flexibilidade dos contratos de trabalho para ser alcançada. O Brasil
acaba de avançar nesta direção, conforme trabalho recentemente publicado
por Krein (2018), no qual ele alerta para os impactos nocivos sobre os tra-
balhadores de novas medidas aprovadas no Congresso Nacional, ao analisar
as duas principais mudanças formais aprovadas em 2017 pelo parlamento
brasileiro e sancionadas pela presidência da República,que [...] pontos da
[...] liberaliza a terceirização e amplia o contrato temporário.
Na opinião do autor, essas duas leis constituem de fato uma contrar-
reforma trabalhista, pois representam um retrocesso na regulação social do
trabalho provocado pelas mudanças institucionais aprovadas, já que buscam,
ao mesmo tempo, legalizar práticas já existentes no mercado de trabalho e
possibilitar um novo ‘cardápio’ de opções aos empregadores para manejar
a força de trabalho de acordo com as suas necessidades.

69
Alvaro de Azeredo Quelhas

Trata-se em realidade, de um ajustamento do padrão de regulação do


trabalho de acordo com as características do capitalismo contemporâneo,
fortalecendo a autorregulação do mercado ao submeter o trabalhador a uma
maior insegurança e ao ampliar a liberdade do empregador em determinar
as condições de contratação, o uso da mão de obra e a remuneração do
trabalho.
Em relação ao contrato de trabalho, as mudanças recentes significam
possibilitar um “cardápio” de opções aos empregadores, deixando os traba-
lhadores em condições muito vulneráveis. Em primeiro lugar destaca-se a
liberalização total da terceirização, ao permitir a sua utilização inclusive em
atividade fim e em qualquer setor de atividade. Ela também se expressa em
diferentes modalidades como o contrato temporário, o trabalho autônomo,
a “pejotização” e a cooperativa de trabalho.
Em segundo lugar, agora os empregadores contam com um leque
de contratações atípicas, temporárias e mais precárias, tais como: (1) a am-
pliação do contrato a tempo parcial para até 32 horas semanais, inclusive
admitindo hora extra; (2) a introdução do contrato intermitente, que pro-
porciona liberdade para a empresa contratar somente pela jornada que o
trabalhador efetivamente trabalhar, podendo apresentar grande desconti-
nuidade, o que deixa o trabalhador em situação vulnerável, como se observa
com o chamado contrato “zero hora” inglês; (3) a extensão da contratação
temporária para até 270 dias no ano, que é uma modalidade em que o
trabalhador tem menos direitos e o empregador fica desresponsabilizado
por danos causados à saúde do trabalhador no exercício da atividade; (4)
a desfiguração da relação de emprego disfarçada com a possibilidade da
contratação do autônomo de forma continuada, configurando-se como
uma forma de legalizar a contratação do trabalhador como pessoa jurídica
em substituição ao contrato assalariado. Ou seja, é um novo leque de pos-
sibilidades abertas que significam formas de contratação mais baratas aos
empregadores e mais vulneráveis aos trabalhadores.
Em terceiro lugar, a nova legislação trabalhista reduz custos e facilita
ao empregador demitir os trabalhadores: (1) ao dar segurança para as em-
presas poderem desligar os trabalhadores coletivamente e individualmente
sem necessidade de negociarem com o sindicato ou prestarem conta às ins-
tituições públicas; (2) ao possibilitar que a rescisão do contrato seja realizada
por acordo, em que o trabalhador receberá o aviso prévio e a indenização
sobre o saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) pela
metade, somente 80% do FGTS e não terá direito ao seguro desemprego; e
(3) a nova regulamentação “desobriga que a homologação seja realizada na
entidade de classe”, assim como abre a possibilidade de as partes assinarem

70
Capítulo 4 – A proletarização da educação física brasileira no pós-fordismo

um termo de quitação anual de obrigações trabalhistas durante a vigência


do contrato, em situação em que o assalariado está dependendo do emprego
para sobreviver.
Com certeza, essas novas normatizações irão aprofundar ainda mais a
precarização do trabalho no Brasil, ampliando a instabilidade, a insegurança
e o medo dos trabalhadores, ampliando o desequilibrio da relação entre
capital e trabalho.

Elementos da precarização do trabalho na educação física


Ao investigar a situação laboral dos trabalhadores da Educação Física
no chamado segmento fitness, na cidade do Rio de Jaeiro, no início da se-
gunda década deste século, pudemos constatar uma grande proximidade de
elementos com os princípios da acumulação flexível (QUELHAS, 2012).
Tal constatação se reveste de importância para refletir sobre a situação la-
boral na área, por se tratar de um segmento de atividade profissional que
teve forte expansão a partir dos anos de 1980, ampliando vertiginosamente
as possibilidades de ocupação para os trabalhadores da área na atualidade.
Ao lado disso, o período analisado captura o amadurecimento econômico
deste setor, em expansão desde os anos de 1980. Por último, o universo da
pesquisa investigado representa um dos pólos mais avançados do segmento
fitness no Brasil.
Foi possível identificar consolidada nas academias de ginástica, a nova
ordem produtiva que segue os princípios organizacionais da acumulação
flexível, inspirada no toyotismo, modelo desenvolvido na montadora de
automóveis japonesa Toyota, e que se desenvolve de três formas, conforme
Bihr (1998) e Alves (2011): na produção fluida, na produção flexível e na
produção difusa.
A produção fluida busca a eliminação de tempo morto e de interrup-
ções durante a realização do processo produtivo, com importante papel de
novos equipamentos robóticos, ao lado de uma nova forma de organização e
divisão do trabalho, que requer o trabalhador/equipe polivalente e a adoção
de dispositivos organizacionais que pressupõem o envolvimento pró-ativo
do operário ou empregado.
A flexibilidade da produção procura atender a uma demanda variável
em volume e composição através de: (a) novas máquinas de base microele-
trônica e informacional, com capacidade para serem rapidamente reprogra-
madas para uma série de tarefas diferentes; (b) um novo perfil profissional
do trabalhador, que seja capaz de ocupar diferentes postos de trabalho,
executar diferentes tarefas, inserir-se em diferentes segmentos do processo

71
Alvaro de Azeredo Quelhas

de trabalho, etc.; (c) flexibilização da força de trabalho, inicialmente, por


meio do enfraquecimento das condições jurídicas que regem o contrato de
trabalho, o que implica na possibilidade de recorrer facilmente ao trabalho
em tempo parcial e ao trabalho temporário.
Por último, a produção difusa significa “externalizar” uma parte das
funções produtivas ou administrativas da empresa, conservando o núcleo
central do processo de trabalho e de gestão, subcontratando todo o resto –
produção especializada ou extraordinária, segurança e limpeza, manutenção
especializada, etc., pela adoção ampliada da terceirização e outras formas.
Observa-se nas academias mais desenvolvidas um grande número
de equipamentos de ginástica, aliado a uma grande variedade de exercícios
possíveis, o que permite dar fluidez e flexíbilidade ao serviço oferecido. A
fluidez da produção é alcançada pela grande quantidade e variedade de
equipamentos, o que permite um volume maior de clientes se exercitando
ao mesmo tempo, num determinado período do dia, como por exemplo no
início da manhã e da noite, horários de pico nas academias.
Esta capacidade de fluidez também é importante quando considera-
mos a localização das academias. Agora, ela não ocorre somente em áreas
residenciais, mas também em zonas comerciais onde há grande afluxo de
pessoas, como em shopping centers. Deste modo, a fluidez proporcionada
pela quantidade e qualidade dos equipamentos disponíveis é necessária para
atender clientes antes, durante ou após a sua jornada de trabalho, que re-
querem um pronto atendimento de suas necessidades de exercitação.
A fluidez da produção proporcionada pelos modernos equipamentos
de ginástica, aliada à quantidade disponível, implica num trabalho de novo
tipo da força de trabalho do fitness, em especial, dos trabalhadores que atuam
nas salas de musculação. O trabalho deste profissional reduz-se e restringe-se
em termos técnicos-profissionais e amplia-se em termos sócio-afetivos, isto
é, pela valorização das relações interpessoais com os clientes e da capacidade
de comunicação que se constituem como importantes mecanismos para a
continuidade (fidelização) do cliente na academia.
O investimento na maquinaria para aumentar a fluidez da produ-
ção repercute sobre aquele trabalhador em alguns aspectos. Em primeiro,
ocorre uma desvalorização de seu trabalho, pois as máquinas estão cada
vez mais desenvolvidas, solicitando menos conhecimento técnico daquele
trabalhador. As máquinas também substituem o trabalho vivo em boa parte,
tornando desnecessário a contratação de mais trabalhadores. Elas ampliam
o grau de exploração do trabalhador, pois o mesmo passa a atender maior

72
Capítulo 4 – A proletarização da educação física brasileira no pós-fordismo

número de clientes da empresa, principalmente nos horários de pico de


movimento, diminuindo relativamente a sua remuneração: mais trabalho,
mesmo dinheiro.
O atendimento de demandas variadas para públicos distintos, ca-
racterística da produção flexível de inspiração toyotista, é alcançado com
o concurso da flexibilidade de contratos, que permitem oferecer produtos
variados de diversas maneiras. Os equipamentos para ginástica cada vez mais
sofisticados permitem atender focos diferenciados, como na estética ou na
saúde, concomitantemente, além de públicos diferenciados como, jovens e
idosos, homens e mulheres. Também encontarmos salas especializadas para
cycle indoor (ciclismo estacionário) e running class (corrida em esteira), e salas
para atividades variadas como ginástica localizada, yoga, alongamento, etc.
Por último, temos o trabalho oferecido pelo personal trainer (treinamento in-
dividualizado). Algumas academias também oferecem atividades aquáticas.
Esta nova exigência de flexibilidade da produção, necessária para
atender a demanda de consumo mais flutuante e diversificada, necessita,
conforme Bihr (1998), de uma organização flexível do trabalho. Além disso,
para garantir a flexibilidade do processo de trabalho pode-se recorrer tam-
bém, segundo o autor, à flexibilização da força de trabalho. A flexibilização
da força de trabalho ocorre pela adoção de formas de contratação decor-
rentes do enfraquecimento das condições jurídicas que regem o contrato de
trabalho, em especial, o trabalho em tempo parcial e o trabalho temporário.
Conforme Boltanski e Chiapello (2009), o trabalho de tempo parcial
é um instrumento essencial da flexibilidade, já que possibilita aumentar a
presença de pessoal nas horas de maior atividade, sendo, portanto, mais
frequente nas atividades do setor serviço que não são estocáveis e é preciso
oferecer o serviço quando o cliente o quer.
A utilização do contrato de tempo parcial está difundida e largamente
utilizada no segmento fitness, como observamos no posicionamento do
presidente da Associação Brasileira de Academias:
Sob o aspecto trabalhista, foi publicada em 2001 a Medida Provisória
2164-41, de suma importância para a sobrevivência das academias em
razão da concorrência gerada pelo crescimento desenfreado do mercado:
o contrato de trabalho pelo regime de tempo parcial, que diminui o
custo da folha de pagamento em aproximadamente 10% ante a pro-
porcionalidade das férias para empregados que trabalhem até 25 horas
semanais, reduzindo sobremaneira o custo com as substituições de aulas
(ABREU, 2005, p. 46)

73
Alvaro de Azeredo Quelhas

A flexibilização do tempo de trabalho permite alocar os trabalha-


dores conforme os interesses dos proprietários das academias de ginástica,
para cobrir horários de pico de movimento ou atender demandas de aulas
específicas, como cycle indoor, running class, e outras mais, que podem ser
programadas de acordo com a procura e comodidade dos clientes, alocan-
do os profissionais responsáveis somente para estes horários.
Através de consulta ao sítio eletrônico da rede Bodytech (http://www.
bodytech.com.br), que pode ser considerada a maior rede de academias de
ginástica em atividade no Brasil, em estudo de 2012, levantamos a jornada
de trabalho de professores da área de atividades coletivas (ginástica e afins)
em cinco unidades, para verificar a ocorrência do contrato de tempo parcial.
Foi possível constatar a predominância de pequenas jornadas de trabalho.
Quase 85% de um total de 132 profissionais que constavam dos quadros
de horários da rede Bodytech, tinham no máximo 10 horas de trabalho,
sendo que um pouco mais de 45% executavam uma jornada de até 5 horas
semanais. No outro extremo, próximo ao limite estabelecido em lei para
a contratação pelo regime de tempo parcial, ou seja, 25 horas semanais de
trabalho, encontramos apenas 1,5% dos trabalhadores. É possível supor que
esses trabalhadores sejam obrigados a buscar outros contratos de trabalho,
ou trabalhar por conta própria, inclusive na própria empresa, como personal
trainer, em busca de complementação de sua remuneração, o que traz várias
consequências graves, tanto profissionais, quanto pessoais: instabilidade pro-
fissional; sujeição à condições de trabalho desfavoráveis; competição intensi-
va com outros trabalhadores; jornada de trabalho estendida; maior desgaste
físico e mental para cumprir a jornada de trabalho diária, em decorrência
da maior quantidade de deslocamentos e gastos financeiros; redução do
tempo de convivência familiar e social, dentre outros. Por último, é preciso
recordar que com a proporcionalidade de dias de férias do regime de tempo
parcial, o trabalhador que tiver mais de um contrato, com jornada de horas
semanais e período de contratação diferente, terá grande dificuldade para
gozar seu período de férias em mais de uma empresa, simultâneamente e
com a mesma duração de dias.
No segmento fitness, a adoção do contrato de tempo parcial de for-
ma generalizada nos remete para um aspecto da lei geral de acumulação
capitalista, enunciada por Marx (2001) no capítulo XXIII do livro I, de “O
Capital”. Ali, ele explica que a acumulação capitalista sempre produz “[...]
uma população trabalhadora supérflua relativamente, isto é, que ultrapassa
as necessidades médias de expansão do capital, tornando-se, desse modo,
excedente.” (p. 733). Essa população trabalhadora excedente, diz ele, não
é apenas um produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento

74
Capítulo 4 – A proletarização da educação física brasileira no pós-fordismo
5
da riqueza no sistema capitalista, mas também “[...] se torna, por sua vez,
a alavanca da acumulação capitalista e, mesmo, condição de existência do
modo de produção capitalista.” (p. 735). Ela forma um exército industrial
de reserva, disponível ao capital a qualquer tempo.
Os entrevistados que participaram de nossa pesquisa, revelaram uma
absoluta falta de uniformização das remunerações nas empresas do fitness,
inclusive entre trabalhadores que exercem as mesmas funções num determi-
nado setor, exceto no de musculação. No setor das chamadas “aulas coleti-
vas” é possível perceber uma diferenciação das remunerações que, no entan-
to, não apresentam parâmetros claros definidos pelas empresas para todos
os empregados. Os relatos indicaram a ocorrência de uma individualização
das remunerações, que é alcançada através de “negociações” pessoais entre
trabalhadores e os representantes dos patrões, o que traz uma concorrência
velada entre os próprios trabalhadores (QUELHAS, 2012).
Outro aspecto importante descortinado com a pesquisa, foi a situação
do personal trainer. A questão da regularização jurídica do personal trainer
é um tema importante para os empresários do fitness. Para Abreu (2010),
a figura do personal trainer é caracterizada pela total ausência de relação de
emprego com a academia, através da inexistência de remuneração deste
“colaborador” pela academia, e da falta de subordinação quanto a horário e
demais ordens naturais de uma relação de emprego. Não havendo os requi-
sitos da relação de trabalho, a regularização jurídica da relação da academia
com o personal pode-se dar de duas maneiras: contrato de locação de espaço
ou uma simples autorização.
Os depoimentos também nos revelaram uma nova forma de explo-
ração quando da prestação do serviço de personal trainer. Apesar do serviço
ser prestado para os clientes das academias, as empresas cobram destes tra-
balhadores uma taxa por hora utilizada, denominada por eles de “repasse”.
O mais comum é a cobrança de um valor por hora utilizada, mas existe tam-
bém o “repasse” de valor fixo, independente do número de horas utilizadas.
Algumas empresas foram mencionadas por cobrar um mínimo mensal de
oito horas, que se não forem utilizadas durante o mês, se perdem. Chamou
muita atenção nos depoimentos, o fato do serviço de personal trainer ocupar
uma grande parte das jornadas de trabalho. Na maioria das vezes, o tempo
nesta atividade é superior ao estabelecido no contrato de trabalho que o
trabalhador tem junto à academia. Essa importância pode ser constatada
no depoimento abaixo:
Vou te dar uma conta que eu faço de cabeça, que eu brinco. Que eles
nunca me pagavam na verdade. Porque como eu deixo uma taxa de per-
sonal, como eu tenho muito cliente lá, eu sempre paguei um repasse alto,

75
Alvaro de Azeredo Quelhas

o meu salário eu estava devolvendo para eles no meu repasse. O meu e de


mais meia-dúzia. (Entrevistado nº 08, grifos nossos) (QUELHAS, 2012,
p. 200).

Vários depoimentos mostraram uma rotina de trabalho bastante lon-


ga e extenuante, ultrapassando 08 horas por dia, com fortes repercussões na
vida pessoal e na qualidade de vida desses trabalhadores. Vários deles iniciam
sua jornada de trabalho por volta de 06 ou 07 da manhã e só vão encerrá-
-la à noite, em torno de 21 ou 22 horas. Horários para refeições não são
respeitados, muitas vezes substituídos por lanches rápidos e deslocamento.
Há vários deslocamentos durante o dia para mais de um local de trabalho
ou para atendimento particular.
Houve relatos de falta de convívio familiar com filhos e filhas, com-
panheiros ou companheiras; exaustão ao fim do dia; irritabilidade com
música, pois ao longo do dia fica submetido ao barulho constante; e até,
impossibilidade de engravidar.
A possibilidade de contratação como autonômo ou pessoa jurídica
apresentadas por Krein (2018), tendem a fragilizar ainda mais as relações
trabalhistas no segmento fitness. Por outro lado, a ampliação da terceiriza-
ção poderá atingir os trabalhadores da Educação Física no meio escolar,
inclusive no setor público por meio de contratos de gestão das escolas por
organizações sociais. Há pouco tempo, a Educação Física correu o risco de
ser retirada da proposta do Novo Ensino Médio aprovada em 2017, o que
trouxe novas preocupações para os trabalhadores da área no campo escolar.
Bunngenstab e Lazzarotti (2017) destacam que apesar da manutenção da
Educação Física no texto (Lei nº 13.415/2017), foram mantidas questões
que ameaçam os trabalhadores da área, como os “itinerários formativos”
que podem desobrigar o aluno de cursar esse conteúdo, e a possibilidade de
atuação na escola de profissionais do chamado “notório saber”.
Diante dos elementos da realidade apresentados, podemos dizer que
os trabalhadores na área da Educação Física podem ser identificados como
parte de um novo proletariado de serviços, em concordância com a visão
de Antunes (2018, p. 54), que aponta
[...] uma expansão significativa de setores médios que, em seu processo
de assalariamento, pelas formas de realização e vínculos que passam a as-
sumir com o trabalho que desenvolvem, sofrem uma crescente proletari-
zação, a exemplo dos trabalhadores de escritório, bancários, professores,
assalariados do comércio, trabalhadores em supermercados, fast-foods,
call-centers, TICs (ao menos em seus estratos médios e inferiores), con-
firmando e aprofundando a formulação pioneira de Braverman.

76
Capítulo 4 – A proletarização da educação física brasileira no pós-fordismo

Tal entendimento reveste-se de importância pela necessidade desses


trabalhadores se reconhecerem enquanto membros de uma determinada
classe social e possam se engajar na organização e nas lutas por melhores
condições de trabalho e de vida. Cabe recordar, com base em Nozaki (1998),
que a regulamentação da profissão de educação física (Lei nº 9696/1998),
ao invés de se contrapor aos detentores do capital no mundo das atividades
físicas e à enorme precarização do trabalho que atingia também aos trabalha-
dores desta área, esteve todo tempo apoiada em pressupostos corporativistas
profissionais que atacavam outros trabalhadores. E mais, a regulamentação
da profissão se pautou pela lógica de mercado e disseminou a visão de pro-
fissional liberal, típico da chamada classe média que desempenha trabalho
intelectual.

Conclusão
Ao finalizarmos esse texto, gostaria de ressaltar a importância e a
necessidade de estudos que analisem a situação laboral dos trabalhadores
da área da Educação Física, não só pela quantidade restrita de estudos neste
campo, como também para conhecermos mais amplamente o universo de
inserção desses trabalhadores no mundo do trabalho.
Entendemos ser fundamental que essas análises considerem o so-
ciometabolismo do capital, como o principal determinante estrutural da
condição laboral dos trabalhadores da área.
Por último, consideramos que a proletarização dos trabalhadores da
Educação Física é uma realidade que precisa ser reconhecida e enfrentada,
pois ela traz repercussões extermamente sérias não só para o trabalho da-
queles profissionais, bem como para suas vidas.

Referências
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trumento jurídico? Revista ACAD, n. 50, p. 8, abr. 2010.
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77
Alvaro de Azeredo Quelhas

ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital.


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de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2012.

78
CAPÍTULO
5
O GTT de Formação Profissional
e Mundo do Trabalho do Colégio
Brasileiro de Ciências do Esporte:
de sua criação à Carta de Vitória

Hajime Takeuchi Nozaki

Introdução
Os anos 1990, no Brasil, foram marcados pela implementação do
neoliberalismo e a retomada de projetos conservadores em vários campos,
inclusive o da educação física. No plano internacional, a falência dos Estados
operários burocráticos do leste europeu e o avanço das políticas econômicas
ortodoxas capitalistas sustentaram uma mudança da conjuntura superes-
trutural marcada por um pensamento único e conformista. Na educação
física brasileira, tal contexto possibilitou a reinvestida dos setores conserva-
dores e corporativistas que investiram em dois projetos significativos, o da
regulamentação da profissão e o da fragmentação da formação profissional,
por meio da divisão entre licenciatura e bacharelado (NOZAKI, 2004).
Tais projetos, historicamente gestados desde os anos 1980, ganhariam um
terreno propício para se concretizar no final dos anos 1990 e início dos
anos 2000. A regulamentação da profissão efetivou-se no ano de 1998; as
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), em 2004.
Já os anos 2000 não reverteram tais processos, ainda que, em 2002,
fosse eleita pela primeira vez, desde a redemocratização política dos anos
1980, um governo de frente popular, que se manteve por 14 anos no país.
Ao contrário, o que deveria ser a reinvestida dos setores progressistas e revo-
lucionários dos anos 1980, traduziu-se em uma fragmentação da esquerda
brasileira como resposta à política conservadora e ortodoxa dos anos 1990.
O Brasil acompanhou a tendência mundial e viu surgir, nos anos 2000, um
setor reformista que, muito embora proveniente da tradição progressista,
adequou-se à gerência da crise do capital a partir de um novo tipo de neoli-

79
Hajime Takeuchi Nozaki

beralismo (NOZAKI; PENNA, 2007). Este é o contexto em que o Colégio


Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) se organiza enquanto entidade
científica, nos anos 1990 em diante, em um cenário academicista, produ-
tivista e competitivo da produção do conhecimento. Também é o contexto
em que surge a criação dos seus Grupos de Trabalhos Temáticos (GTT).
O GTT Formação Profissional e Mundo do Trabalho, criado em
1996 e reunido pela primeira vez em 1997, é contemporâneo à regula-
mentação da profissão de educação física. Também é contemporâneo às
primeiras discussões sobre as DCNs (BRASIL, 2004a), já que, em 1998, foi
formalizada pela Comissão de Especialistas em Educação Física SESu/MEC
(COESP) a primeira proposta que substituiria as antigas DCNs – Resolução
03/87 (BRASIL, 1987). Tal proposta daria início a um longo percurso que
só terminaria em 2004, com a Resolução 07/04 (BRASIL, 2004a).
Considerando o exposto, este texto limita-se à análise do GTT desde
a sua criação até a aprovação da Resolução 07/04. Neste período, o GTT,
ao mesmo tempo em que se estruturava e buscava sua identidade junto ao
CBCE, o fez a partir dos embates internos entre as diversas posições po-
líticas sobre tais temáticas e posteriormente um confronto com a própria
Direção Nacional (DN) da entidade. Pretende, pois, apresentar as discussões
que permearam a criação dos GTT no CBCE e a formação do então GTT
05 – Formação Profissional e Campo de Trabalho. Intenta, neste empenho,
resgatar as questões epistemológicas e políticas que envolveram a mudança
do nome do GTT, bem como as disputas internas em torno do posiciona-
mento com relação ao processo de consolidação das DCNs. E, tendo como
base a análise da direção política do CBCE no início dos anos 2000, que
culminou com a reformulação dos GTT, apresenta a posição divergente
do GTT com relação à DN no que diz respeito à minuta das Diretrizes,
demarcada pela Carta de Vitória.
O referencial teórico utilizado para a análise é o materialismo histó-
rico dialético, buscando elaborar os nexos entre o contexto histórico-social
brasileiro dos anos 1990 a 2000 e a disputa dos projetos societários mani-
festados no interior do CBCE, particularmente na estrutura do GTT. Para
tal, foram utilizadas, além da bibliografia referente ao tema produzida no
interior da entidade, a documentação do CBCE – estatuto, anais, progra-
mação e registros de seus eventos, registros de sua estrutura organizacional
e de diretores ao longo do período analisado – e a documentação do GTT
de Formação Profissional e Mundo do Trabalho – relatórios de gestão da
coordenação, registros de reuniões do comitê científico, registros da lista
de discussões do GTT, relatos de eventos ligados ao GTT ou com a parti-
cipação de seus membros.

80
Capítulo 5 – O GTT de Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte: de sua criação à Carta de Vitória

A criação do GTT
Na 48ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), em 1996, na cidade de São Paulo, reuniu-se o Colégio Brasileiro
de Ciências do Esporte (CBCE), como de costume, com uma programa-
ção específica que discutiu, entre ouros pontos, a criação dos Grupos de
Trabalhos Temáticos (GTT). Buscava-se um modelo similar ao de outras
entidades científicas tais como a Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação (Anped) ou a Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), nas quais os grupos de trabalhos
orientavam a vida orgânica da entidade.
A criação dos GTT do CBCE tratou-se de uma discussão mediada
pelo enfrentamento à denominada crise de identidade ou do estatuto epis-
temológico da educação física situada na década de 1990. A dificuldade
estaria na própria definição do objeto de estudo, visto que as diferentes
subáreas que comporiam a educação física detinham-se a objetos de forma
diferenciada, a partir de diferentes perspectivas epistemológicas e paradig-
máticas. Tal aspecto ocasionaria a fragmentação em torno do objeto de
estudo, posto que cada subárea abordaria o objeto em seu aspecto próprio
– biológico, psicológico, sociológico e assim por diante – bem como cada
uma delas tendia a se abrigar em sua ciência mãe, contribuindo então para
a produção de conhecimento fragmentado e especializado em tais ciências
(BRACHT, 1993)1.
Portanto, criar os GTT tratava-se de não replicar as ciências mães,
ou subáreas em que se concentravam os estudos da educação física/ciências
do esporte. Na discussão feita na reunião da SBPC, argumentava-se que se
deveria evitar a criação de GTT tais como Psicologia do Esporte, Fisiologia
do Esporte, História da Educação Física/Ciências do Esporte, entre outros.
A ideia do ‘temático’ nos grupos de trabalho concernia à tentativa de agru-
par a discussão presente em várias ciências mães, buscando a produção de

1
Para uma descrição mais aprofundada do debate sobre o estatuto epistemológico da área e para a
crítica do seu caráter internalista, o qual norteou o próprio CBCE dos anos 1990, consultar Nozaki
(2014).

81
Hajime Takeuchi Nozaki

conhecimento interdisciplinar2. Discutia-se a necessidade de trazer para o


interior do CBCE os grupos da educação física e ciências do esporte que
formavam suas próprias entidades ou se reuniam em eventos de sua própria
disciplina, tais como a Sociedade Brasileira de Biomecânica e o Encontro
Nacional da História do Esporte, Lazer e Educação Física. A própria pa-
dronização dos nomes de todos GTT que iniciavam com a nomenclatura
‘Educação Física/Esporte’ buscava evidenciar a intenção de congregar a
discussão daquele tema em torno de um único objeto.
A partir do empenho interdisciplinar em agrupar disciplinas ou ciên-
cias mães é possível compreender o surgimento de GTT tais como Educação
Física/Esporte e Escola (GTT 1); Educação Física/Esporte e Políticas
Públicas (GTT 2); Educação Física/Esporte, Comunicação e Mídia (GTT
3); Educação Física/Esporte e Processo de Ensino Aprendizagem (GTT
4); Educação Física/Esporte e Formação Profissional/Campo de Trabalho
(GTT 5); Educação Física/Esporte e Saúde (GTT 7); Educação Física/
Esporte e Grupos/Movimentos Sociais (GTT 10); Educação Física/Esporte
e Epistemologia (GTT 11)3. Por outro lado, outros GTT acabaram por
repetir disciplinas já existentes na área ou por modificar seus nomes, mas
com clara referência ao conteúdo disciplinar. Seriam os casos dos GTT
Educação Física/Esporte Recreação e Lazer (GTT 6); Educação Física/

2
A busca da produção de conhecimento interdisciplinar era o foco das discussões do CBCE dos
anos 1990. Por exemplo, o IX CONBRACE, em 1995, na cidade de Vitória, teve como tema
‘Interdisciplinaridade, ciência e pedagogia’. As conferências buscavam tematizar a interdiscipli-
naridade: ‘Interdisciplinaridade na Ciência’ (Conferência 1); ‘Interdisciplinaridade na Pedagogia
(Conferência 2); Interdisciplinaridade: uma análise epistemológica (Conferência 3). Houve painéis
e mesa redonda em que se colocavam palestrantes de áreas diversas para que se buscasse um diálogo,
por exemplo: ‘As contribuições da Aprendizagem Motora e da Filosofia’ (Painel 1); ‘As contribui-
ções da Biomecânica e da Sociologia’ (Painel 2); ‘As contribuições da Epidemiologia e da História’
(Painel 3); ‘As relações entre Filosofia, Ciência e Arte’ (Mesa redonda) (REVISTA BRASILEIRA
DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 1995). O resultado dos painéis e da mesa redonda foi, em sua
extensa parte, uma apresentação de cada área realizada por seu especialista, no qual restou pouco
ou quase nenhum diálogo e seguramente não se alcançou o empenho de vislumbrar caminhos para
a interdisciplinaridade.
3
A ordem dos GTT foi proveniente de como foram surgindo os temas ao longo da discussão.
Assim, é possível afirmar que os temas que haviam mais representatividade ou tradição no interior
da entidade foram sendo apontados, sem uma preocupação de ordena-los por qualquer critério. É
interessante, contudo, perceber que o tema da Epistemologia aparece como um dos últimos (GTT
11), porém, isso não corresponde a uma menor representatividade, já que se tratava do próprio tema
que conduzia a criação dos GTT. Ao contrário, por ser esta a discussão chave, a Direção Nacional da
entidade parecia constrangida em propor este tema, quando outros sócios o fizeram, argumentando
a importância dele para o momento em que as discussões se procediam.

82
Capítulo 5 – O GTT de Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte: de sua criação à Carta de Vitória

Esporte Rendimento de Alto Nível (GTT 8, com referência ao Treinamento


Esportivo); Educação Física/Esporte e Portadores de Necessidades Especiais
(GTT 9, com referência à Educação Física Especial)4.
No ano seguinte a esta discussão, em 1997, no X Congresso Brasileiro
de Ciências do Esporte (CONBRACE), na cidade de Goiânia, os 11 GTT
inicialmente criados entraram em funcionamento5. Nesta primeira etapa de
funcionamento, ainda não existiam coordenações de GTT que, no âmbito
do CONBRACE, só se efetivaram em 1999, em sua 11ª edição, na cidade
de Florianópolis. O primeiro coordenador do GTT 5 foi Amauri Aparecido
Bássoli de Oliveira, que havia sido vice-presidente do CBCE entre os anos
de 1995 e 1997.

A estruturação do GTT e a sua organicidade junto ao CBCE: a mudança


do seu nome enquanto horizonte político e epistemológico
Considerando as intenções de buscar convergir discussões diversas
em um único GTT, é possível afirmar que, desde sua criação, no interior
do GTT de Formação Profissional/Campo de Trabalho confluíam temas
provenientes de várias subáreas, tais como o currículo, a didática, o trabalho
docente, o trabalho pedagógico, processos de ensino e aprendizagem6, a
regulamentação da profissão, entre outros.
A partir do XII CONBRACE, no ano de 2001, em Caxambu, o GTT
de Formação Profissional/Campo de Trabalho começou a se estruturar de
forma mais orgânica e coletiva. Na verdade, tal estruturação era proveniente
de uma demanda da Direção Nacional do CBCE (DN), a qual orientava os
seguintes eixos para configuração de todos GTT: 1) polo articulador de pes-
quisadores de determinado tema; 2) polo de reflexão, discussão e produção

4
Esta é a composição dos GTT que foi utilizada no X CONBRACE, em 1997. No XI CONBRACE
surgiu o GTT 12 – Educação Física/Esporte e Memória, Cultura e Corpo. A partir do XII
CONBRACE, outras modificações nos GTT foram ocorrendo, entre elas a extinção do GTT
Educação Física/Esporte e Processo de Ensino e Aprendizagem (XII CONBRACE), a criação e
extinção do GTT Pós-Graduação (XII e XV CONBRACE) e inclusões do GTT Corpo e Cultura
(XIV CONBRACE) e do GTT Gênero (XIX CONBRACE). Além das inclusões e extinções, houve
modificações na ordem e nos nomes dos GTT. O GTT 5 – Educação Física/Esporte e Formação
Profissional/Campo de Trabalho modificou-se para GTT 6 – Formação Profissional e Mundo do
Trabalho. As discussões e motivações que levaram à modificação do nome deste GTT serão apre-
sentadas no próximo item.
5
Note-se que antes dos GTT já havia a organização de apresentação de temas livres e comunicações
coordenadas em grupos, porém, tais grupos não se caracterizavam como uma estrutura no interior do
CBCE, mas apenas uma divisão para a organização de apresentações no interior do CONBRACE.
A divisão dos grupos de apresentação de temas livres e comunicações coordenadas normalmente
era feita pelo critério disciplinar e, também a isto, veio a estrutura dos GTT se opor.
6
Inicialmente criado como um GTT, o tema dos processos de ensino e aprendizagem tenderam a se
inserir no GTT de Formação Profissional e Campo de Trabalho.

83
Hajime Takeuchi Nozaki

de determinado tema; 3) polo dos parâmetros norteadores das instâncias po-


líticas do CBCE. Foi possível, no interior daquele evento, realizar discussões
acerca da organização do GTT, que apontaram para o perfil da coordenação
e do comitê científico, a ementa e os eixos temáticos. Tais eixos revela-
vam sintonia com o conjunto de discussões que permeavam o GTT, sendo
eles: a) políticas públicas de formação em Educação Física; b) Trabalho/
Educação/Educação Física; c) Produção de conhecimento; d) Currículo e
prática pedagógica; e) Formação do professor e profissionalização docente.
Não houve a aprovação da modificação da ementa do GTT, apesar de ter
sido realizada discussão que chegou a formular uma proposta7. A coordena-
dora escolhida foi Celi Taffarel e o comitê científico foi composto por seis
membros titulares e três suplentes (GTT 05 – CBCE, 2001).
Na medida em que o GTT começava a se estruturar, foi participando
mais organicamente das discussões que o próprio CBCE encaminhava. Uma
discussão central à época era a da formação das DCNs. Desde a elaboração
da primeira da proposta da COESP, em 1998, houve a participação em al-
gum grau do CBCE, visto que Elenor Kunz, presidente à época da entidade
científica, foi membro daquela comissão. Também a Revista Brasileira de
Ciências do Esporte (RBCE) publicou as justificativas, proposições e argu-
mentações daquela proposição (KUNZ et. al., 1998). Não obstante, o GTT
de Formação Profissional/Campo de Trabalho só entrou organicamente
nesta discussão em 2001, justamente por ocasião do XII CONBRACE e,
posteriormente, pela participação no Fórum sobre Formação Profissional na
Educação Física Brasileira, organizado pelo CBCE, em março de 2002, na

7
Antes da realização do XII CONBRACE, a ementa que constava para o GTT é a mesma de hoje:
‘Estudos acerca dos distintos aspectos do processo de formação profissional concernente à área de
conhecimento Educação Física. Estudos sobre a relação da formação e a inserção do profissional
desta área de conhecimento no mundo do trabalho’. Apesar de discussões de mudanças de ementa
no período que compreende os anos 2001 a 2003, o GTT não chegou a modificá-la. No XII
CONBRACE, a proposta em discussão, que não obteve aprovação devido ao pouco tempo que
restou para o debate era: ‘Estudos das relações Trabalho/Educação e Educação Física, considerando
políticas públicas, produção de conhecimento, currículo e prática pedagógica, formação do professor
e profissionalização docente’ (GTT 05 – CBCE, 2001). Já o relatório técnico-científico do período
de 2001 a 2003 do GTT aponta que no XIII CONBRACE ficou acertado que a ementa ficaria:
‘Estudos das relações entre formação profissional na educação física e o mundo do trabalho” e que
deveria ser aprofundada até sua definição no XIV CONBRACE (TAFFAREL, 2003a). Também na
ata de reunião do Comitê Científico após o XIII CONBRACE, em dezembro de 2003, em Vitória,
consta a reformulação da ementa para ‘Os estudos das relações, nexos, contradições, possibilidades
e determinações da formação humana e profissional – trabalho pedagógico, currículo, formação
inicial e formação continuada – frente ao mundo do trabalho e sua caracterização, regulação e
normatização em diferentes modos de produção’ (COMITÊ CIENTÍFICO GTT FORMAÇÃO
PROFSSIONAL E MUNDO DO TRABALHO, 2003a, p. 2), indicando a discussão via internet
até a SBPC de 2004. Houve várias discussões no grupo de e-mails do GTT, porém, sem uma con-
clusão que pudesse aprofundar a definição por outra ementa no XIV CONBRACE.

84
Capítulo 5 – O GTT de Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte: de sua criação à Carta de Vitória

cidade de Campinas. Mostrou-se lá oficialmente representado por quatro


membros do Comitê Científico (FIGUEIREDO; ANDRADE FILHO,
2002).
O momento era de reformulação da proposta da primeira COESP,
visto que esta última havia entrado em conflito com o Parecer CNE/CP
09/2001 (BRASIL, 2001), que tratava das Diretrizes para a Formação de
Professores. Tais Diretrizes apontava para a terminalidade e integralidade
própria da licenciatura, o que conflitava com a estrutura da primeira pro-
posta da COESP, na qual a licenciatura em educação física seria apenas um
dos campos de aplicação, concluída em uma segunda fase da formação, após
uma fase comum a todos os tipos de campos (NOZAKI, 2004). Do ponto
de vista crítico, entidades tais como a Associação Nacional pela Formação
dos Profissionais em Educação (ANFOPE) denunciavam a falta de legiti-
midade do processo de elaboração das DCNs de todas as áreas em razão
da falta de diálogo do governo federal com as entidades da sociedade civil,
tendo em vista a perspectiva de reforma educacional em curso para atender
às exigências do Banco Mundial e do FMI (FIGUEIREDO; ANDRADE
FILHO, 2002).
O Fórum sobre Formação Profissional na Educação Física Brasileira,
organizado pelo CBCE, contou com a participação, além do GTT de
Formação Profissional/Campo de Trabalho e da DN, de representantes
de mais de 40 escolas de educação física, de membros das COESPs e da
Executiva Nacional de Educação Física (ExNEEF). Ao final dos trabalhos,
foi elaborada uma proposta de Diretrizes Curriculares (FÓRUM SOBRE
FORMAÇÃO PROFISSIONAL NA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA,
2002), “[...] visualizando a proximidade da definição, por parte do Conselho
Nacional de Educação, das Diretrizes Curriculares para os cursos de nível
superior – Graduação - em Educação Física” (FIGUEIREDO; ANDRADE
FILHO, 2002, p. 1). Não obstante, tal esforço não logrou êxito, visto
que, em abril de 2002, um mês depois do Fórum organizado pelo CBCE,
o CNE aprovou o Parecer 138/02 (BRASIL, 2002a), que acatava para
as DCNs da educação física a proposta discutida nos Fóruns Regionais
do sistema CONFEF/CREFs (NOZAKI, 2004). De qualquer modo, o
GTT de Formação Profissional/Campo do trabalho começava a ganhar
protagonismo no interior do CBCE para a formulação teórico e política
concernente à formação profissional.
Já no que se refere à sua estruturação, uma importante discussão foi a
mudança do seu nome, pois continha, em si, elementos de orientação não
só epistemológica, como política. Desde o XII CONBRACE, em 2001,
ocorreu a discussão sobre a modificação da ementa, mas também sobre

85
Hajime Takeuchi Nozaki

a mudança do nome do GTT para ‘Formação Profissional e Mundo do


Trabalho’ (GTT 05 – CBCE, 2001). Contudo, não houve, tal como no
caso da ementa, uma aprovação da modificação do nome, deixando-a para
ser aprofundada no XIII CONBRACE.
No XIII CONBRACE, novamente na cidade de Caxambu, foi mon-
tada uma programação de maneira que, antes da apresentação de trabalhos,
houvesse 30 minutos de um espaço denominado ‘palavras iniciais’ as quais
os membros dos GTT, juntamente com professores convidados de outros
GTT ou da DN, fariam exposições de temas tais como ‘conjuntura nacio-
nal e internacional’, ‘mundo do trabalho, da formação de professores e dos
conselhos profissionais’, ‘reformulação das DCNs dos cursos de educação
física’, ‘produção do conhecimento sobre formação de professores e da prá-
tica pedagógica’ e ‘políticas públicas do governo Lula para a formação de
professores’ (TAFFAREL, 2003a). No que se refere à exposição do tema
sobre o ‘mundo do trabalho, formação de professores e dos conselhos pro-
fissionais’, Hajime Nozaki fez a defesa da modificação do nome do GTT,
baseado na diferenciação conceitual entre as noções de mercado e campo
de trabalho e o conceito de mundo do trabalho.
Argumentou Nozaki (2005) que o mercado de trabalho, termo muito
utilizado na educação física, tem como referência as análises imediatistas
em torno das possibilidades da venda da força de trabalho, sem a análise
mais aprofundada das contradições concernentes à exploração do trabalho
humano. Tratar-se-ia, portanto, de uma noção ideológica que visa adap-
tar o trabalhador às condições mais precárias, considerando as estratégias
contemporâneas da gerência do capital. Reconheceu, por outro lado, que
a noção de campo de trabalho utilizada pelo GTT até então avançava com
relação à noção de mercado de trabalho, porém, ainda era restrita, posto
que se restringia aos locais e espaços de trabalho, sua ocupação pelos pro-
fessores, portanto, não tratava das análises das forças que se contrapunham
enquanto forças motrizes das relações sociais. Assim, defendeu a análise do
mundo do trabalho, que supunha estudar, para além da ocupação e atua-
ção dos espaços, os aspectos estruturais das relações de confronto capital e
trabalho que determinavam as condições em que o trabalho se caracteriza
no seu tempo histórico. Tratava-se, pois, de uma defesa política de um setor
que vinha da tradição de lutas dos anos 1980 e que buscava centralizar a
categoria trabalho no GTT, para o enfrentamento de discussões tais como
as DCNs e a regulamentação da profissão.
Naquele momento, era possível identificar três posições epistemoló-
gicas e políticas no interior do GTT que se confrontavam para escolher o
seu nome. A primeira delas defendia o nome ‘formação de profissionais e

86
Capítulo 5 – O GTT de Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte: de sua criação à Carta de Vitória

intervenção profissional’, caracterizada por uma visão sistêmica de sociedade


e fracionada de intervenção entre a escola e fora dela e, consequentemente,
a fragmentação da formação entre licenciatura e bacharelado. A segunda
posição defendia o nome ‘formação profissional e campos de trabalho’ cal-
cada em uma percepção fenomênica de sociedade, baseada em elementos
supraestruturais, tais como o cotidiano, a cultura, o gênero, a memória e o
corpo. E, a última posição, com base no marxismo, que reivindicava o nome
‘formação profissional e mundo do trabalho’, considerava como eixo o tra-
balho pedagógico – práxis social – na formação, produção do conhecimento
e nas políticas públicas (TAFFAREL, 2003a). Após as discussões elaboradas
no interior do XIII CONBRACE, foi decidido a modificação do nome do
GTT para ‘Formação profissional e mundo do trabalho’, a ser aprofundada
no XIV CONBRACE e depois modificada no XV CONBRACE8.

Das disputas internas para a disputa com a DN: a carta de Vitória e a


audiência pública sobre as DCN
Na educação física brasileira, a disputa histórica em torno da forma-
ção profissional, desde os anos 1980, ocorreu entre os campos corporati-
vista/conservador e o progressista/revolucionário (QUELHAS; NOZAKI,
2007). Os anos 1990 viram surgir o que denominamos de campo refor-
mista, que migraram suas posições radicais para políticas de conciliação
de classes, relativizando as posições antes defendidas por eles na década de
1980 e caracterizando-as como ideológicas, assumindo postura academicista
e produtivista (QUELHAS; NOZAKI, 2018). Já os anos 2000 puderam
presenciar a projeção do campo reformista, sobretudo nos anos de governo
de frente popular.
Em sua criação, o GTT teve que conviver com a disputa de espaço
pelos setores conservadores/corporativistas que defendiam o bacharelado
e a regulamentação da profissão. Tão logo o sistema CONFEF/CREFs se
consolidou como uma das principais forças da educação física brasileira, es-
tes setores abandonaram a disputa no CBCE. Os anos 2000-2004, período
desta análise, a entidade foi dirigida pelo setor reformista, já majoritário, que

8
Diferentemente do que ocorreu com a decisão acerca da modificação da ementa tomada no XII
CONBRACE, a modificação do nome do GTT foi incorporada imediatamente por ele e, mesmo
sendo adotado apenas em 2007 no XIV CONBRACE, já em dezembro de 2003, é possível identi-
ficar documentos internos do GTT que o tratam como o ‘GTT de Formação Profissional e Mundo
do Trabalho’. Pode-se concluir que a modificação do nome tinha uma relevância naquele momento
não só epistemológica, mas política, do ponto de vista estratégico.

87
Hajime Takeuchi Nozaki

acompanhou as políticas de frente popular e operou uma reforma interna


da entidade9. Foi quando o GTT se tornou protagonista de disputas com a
DN, na proporção em que representou os setores minoritários da entidade.
No ano de 2002, o CBCE iniciou uma reforma estatutária que se
mirava a adoção de modelos de entidades científicas tais como a Anped e a
Anpocs, consideradas referências para suas áreas. Todavia, tais entidades se
formaram pelo agrupamento dos cursos de pós-graduação em suas áreas.
O CBCE, contudo, diferentemente destas outras entidades, possuía em
sua expressiva base associados estudantes de graduação e, boa parte dos
professores ainda não possuía os títulos de mestre e doutor. A reforma
estatutária de 2002, realizada na 54ª reunião da SBPC, em Goiânia, deli-
berou, entre outros, a titulação mínima de doutor para o coordenador do
GTT e a de mestre para os membros do comitê científico. Tal deliberação
foi polêmica, posto que integrantes de GTT tais como o de Movimentos
Sociais trouxeram críticas relevantes com relação a este critério para a equi-
pe de coordenação dos GTT, por compreenderem que não expressavam
a centralidade da relevância com relação aos quesitos que os postulantes
a tais cargos deveriam possuir. Tais deliberações trouxeram dificuldades
para a formação do quadro de equipe de coordenadores de GTT no XIII
CONBRACE, no ano posterior à reforma estatutária. No caso do GTT 5,
a dificuldade também era grande, pois os integrantes mais ativos do GTT
que poderiam assumir a coordenação não possuíam o título de doutor.
Assim, “internamente ao GTT 05 ficou decidido que o mesmo estaria sendo
coordenado pelo comitê científico, sob a coordenação da professora Zenólia
[Figueiredo], que após defender sua tese de doutorado deverá coordenar o
GTT” (TAFFAREL, 2003a, p. 10).
Uma discussão que ilustra a disputa de correlação de forças entre os se-
tores do CBCE foi a deliberação, na assembleia geral do XIII CONBRACE,
de moção de apoio ao PL 7370/02 (BRASIL, 2002b). Tal Projeto de Lei
tinha como objetivo alterar o artigo 2º da Lei 9696/98 (BRASIL, 1998),
acrescentando a não sujeição à fiscalização dos Conselhos Profissionais de
Educação Física os profissionais de danças, artes marciais e yoga, seus ins-
trutores, professores e academias. O setor minoritário defendia a moção de
apoio ao PL, enquanto que o majoritário argumentava que não era aquele
o espaço de discussão de uma matéria tal como aquela.

9
A reforma estatutária ocorrida no ano de 2002 é crucial para compreender esta reforma interna do
CBCE, porém, se torna aquém do escopo deste texto. Desta reforma era abordada apenas a questão
que tange diretamente à organização estrutural dos GTT.

88
Capítulo 5 – O GTT de Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte: de sua criação à Carta de Vitória

Na verdade, tal defesa não se diferia de outra muito parecida ocorrida


na assembleia geral do XI CONBRACE, quando se discutiu se o CBCE
teria posição favorável ou contrária à regulamentação da profissão. O se-
tor majoritário não defendia ser favorável à regulamentação da profissão,
porém, sua defesa era de que não se deveria discutir tal encaminhamento
naquele espaço. Tal debate fez com que houvesse a necessidade de duas vo-
tações, a primeira se seria correto encaminhar tal deliberação na plenária e a
segunda se a plenária seria a favor ou contra a regulamentação da profissão.
Vencida a primeira etapa depois de um longo debate e com um resultado
bem dividido, a segunda votação, mais sumária, deliberou com ampla van-
tagem de votos – e muitas abstenções – posição contrária à regulamentação
da profissão, remetendo tal debate para o aprofundamento da discussão em
suas secretarias estaduais. Perceba-se que a concepção defendida pelo setor
majoritário do CBCE era de que uma entidade científica não deveria se
posicionar frente às questões políticas da área. Contudo, historicamente,
as próprias entidades científicas que o CBCE procurava seguir se valiam
do ativismo político, por exemplo, a SBPC, que se posicionou duramente
contra a ditadura militar da década de 1970.
Da mesma forma, o debate em torno da moção de apoio ao PL foi
extenso na assembleia geral do XIII CONBRACE: de um lado, os que
defendiam a importância do engajamento do CBCE à luta contra as in-
gerências do sistema CONFEF/CREFs; de outro, os que defendiam que
o papel da entidade científica não incluía a tomada de decisão daquela
natureza. Novamente, ao final do debate foi aprovada a moção de apoio ao
PL 7370/02 com a inclusão dos termos ‘capoeira’, educação física do magis-
tério regular’ e ‘lutas’. “A mesma assembleia encarregou o GTT Formação
Profissional e Mundo do Trabalho, além dos GTT Políticas Públicas
e Movimentos Sociais, da elaboração de um Parecer que fundamentas-
se tal decisão” (GTT FORMAÇÃO PROFISSIONAL E MUNDO DO
TRABALHO, 2003, p. 1, grifo no original). Assim, evidenciou-se a orga-
nicidade e importância estratégica que assumiu o GTT para o CBCE. O
Parecer que subsidiou o CBCE foi discutido coletivamente no GTT de
Formação Profissional e Mundo do Trabalho e depois encaminhado aos
outros dois GTT e à DN.
Por outro lado, o papel balizador da condução política da entidade
a ser exercido pelo GTT encontrou limites na proporção em que se mos-
trou contrária à política da DN da entidade. Após o XIII CONBRACE,

89
Hajime Takeuchi Nozaki

entre 11 a 13 de dezembro de 2003, os integrantes do comitê científico10


e a coordenadora se reuniram na cidade de Vitória para tratar de questões
organizativas do GTT tais como a ementa e título do GTT, critérios e
procedimentos para seleção e avaliação de trabalhos a serem apresentados
no CONBRACE, a forma de apresentação dos pôsteres, temas encomen-
dados; encontros regionais, participação do GTT na SBPC e organização
de livro (COMITÊ CIENTÍFICO GTT FORMAÇÃO PROFSSIONAL
E MUNDO DO TRABALHO, 2003a). Não obstante, a marcação de uma
audiência pública que o Conselho Nacional de Educação (CNE) realizaria
nos dias 15 e 16 para tratar de um substitutivo ao Parecer 138/02 trouxe
para a centralidade da pauta a discussão das DCNs da educação física11. A
informação que chegava era de que a DN veiculara, via internet, um apoio
à proposta da COESP que preparava o substitutivo, o que causava espécie
aos membros do comitê científico, posto que não houve consulta ao GTT,
ainda que ele houvesse acumulado discussão, sobretudo por conta do XIII
CONBRACE (CARTA DE VITÓRIA, 2003).
Uma vez realizado o debate proveniente da análise do substituti-
vo, “[...] o Comitê Científico, com voto contrário da professora Zenólia
[Figueiredo]12, decidiu redigir um documento identificando os pontos pro-
blemáticos e enfatizando sua contraposição ao documento da COESP”
(GTT FORMAÇÃO PROFISSIONAL – MUNDO DO TRABALHO,

10
Pelo comitê científico participaram os professores Astrid Ávila, Celi Taffarel, Erineusa Silva, Hajime
Nozaki e Paulo Ventura, além da coordenadora do GTT, a professora Zenólia Figueiredo.
11
Após a mudança do governo federal para o de frente popular, em 2003, houve a interrupção do
trâmite do Parecer 138/02 que, como ressaltado, sofria de forte influência do sistema CONFEF/
CREFs. Foi montada uma segunda COESP, incluindo representantes do CONFEF, CBCE e da
primeira COESP. A professora Zenólia Figueiredo participou da Comissão, segundo Helder Resende
que a convidou, inicialmente pelo mérito acadêmico, porém, passou a representar o CBCE a partir
de agosto de 2003 (TAFFAREL, 2003b). Tal participação causaria conflito por ocupar à mesma
época a coordenação do GTT.
12
“O voto contrário foi da professora Zenólia C. Campos Figueiredo, que em declaração de voto
deixou registrado que apesar dos limites identificados na proposta da COESP acredita que a mesma
representa um acordo e um avanço possível nesse momento da Educação Física brasileira; além disso,
registrou sua posição de apoio a DN no que diz respeito a condução política que estava dando a
questão das diretrizes curriculares” (COMITÊ CIENTÍFICO GTT FORMAÇÃO PROFSSIONAL
E MUNDO DO TRABALHO, 2003a, p. 2). Já a Carta de Vitória (2003, p.1) que contém a po-
sição do comitê científico retirada na reunião ressalta que: “Faz-se importante também, ratificar a
posição assumida nesta mensagem em referência no item anterior, de que o CBCE esteve presente
de forma concreta nos trabalhos de construção do documento intitulado de ‘substitutivo’ do Parecer
CNE 0138/02, através da Professora Zenólia Figueiredo, a qual, inicialmente, “parece”não ter sido
convidada nesta condição, mas assim se efetivou durante o processo. O GTT, por maioria de seus
membros entende ser esta uma posição elementar, para que a sócia/pesquisadora não se consolide
historicamente, como a‘responsável’ pelas consequências advindas do substitutivo, se aprovado [...]”.

90
Capítulo 5 – O GTT de Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte: de sua criação à Carta de Vitória

2004a, p. 1). Assim, foi redigida a ‘Carta de Vitória’, remetida para a DN,
juntamente com um parecer sobre a proposta substitutiva, criticando a
divisão da formação em licenciatura e bacharelado:
Ao [instituírem-se] caminhos distintos para pensar a formação do licen-
ciado e bacharel precisamos refletir sobre os argumentos que justificam
tal formulação. Vale lembrar, que diferente das outras áreas do conhe-
cimento, a EF divide licenciado e bacharel somente na diferenciação do
espaço de intervenção em que esse realizará a prática docente. Assim, o
licenciado ficaria circunscrito ao espaço escolar e o bacharel aos outros
espaços não escolares (recreação, lazer, treinamento desportivo, atividade
física e saúde,...). Essa diferenciação dos espaços onde ocorrerá a inter-
venção profissional, não se traduz em uma necessidade [de] estabelecer a
formação dicotomizada, pois o que caracteriza nossa área é a prática pe-
dagógica, que deve orientar um processo de formação que leve em conta
essa prática docente e uma formação teórica, sólida e de qualidade. Essa
formação generalista poderá ocorrer num mesmo curso que congregue
os conhecimentos necessários na graduação referenciados num padrão
unitário de qualidade nacional. Apontamos que é um equívoco histórico
fragmentar a formação e por conseqüência os espaços de intervenção da
EF, expressos nos artigos 1º e 2º da proposta de Resolução da COESP
(COMITÊ CIENTÍFICO GTT FORMAÇÃO PROFISSIONAL E
MUNDO DO TRABLAHO, 2003b).

Ainda, tal parecer, ao criticar o modelo de competências ao qual se


baseava a proposta da COESP, terminava considerando que ela deveria ser
rejeitada, no intuito de um estabelecimento de uma discussão mais amplia-
da para a construção das DCNs. Contudo, tal orientação não foi acatada
pela DN. Na audiência pública promovida pelo CNE em Brasília, dois
dias depois da reunião do comitê científico do GTT, a vice-presidente do
CBCE, Silvana Goellner, ao reforçar a participação da entidade no processo
de construção do substitutivo pela representação de Zenólia Figueiredo,
manifestou apoio ao documento e referendou o processo, reconhecendo
os avanços significativo da proposta da COESP. Salientou, por outro lado,
que a discussão permanecia no interior do CBCE (TAFFAREL, 2003b).
No dia 29 de janeiro de 2004 ocorreu uma reunião em Brasília na
qual os representantes da nova COESP entregaram a proposta substitu-
tiva ao Parecer 0138/02 ao CNE e, em 18 de fevereiro tal proposta foi
aprovada como o Parecer 058/04 (BRASIL, 2004b) (GTT FORMAÇÃO
PROFISSIONAL – MUNDO DO TRABALHO, 2004b). Tal parecer, que
deu origem às DCNs, Resolução 07/04, foi operado a partir da conciliação
entre setores historicamente hegemônicos e conservadores na educação física

91
Hajime Takeuchi Nozaki

brasileira e os setores reformistas oriundos da formação política do país


pós 1990. Por este último setor, à guisa de justificativa desta conciliação,
tal Diretrizes foi considerada o “consenso possível” (TAFFAREL, 2003b).

Conclusão
Este texto tematizou a criação dos GTT no âmbito do CBCE e a
estruturação do GTT de Formação Profissional e Mundo do Trabalho.
Conforme apresentado, na medida em que o GTT foi se estruturando,
buscou cumprir com a caracterização dada pela DN de qual seria o papel
dos GTT, ou seja, tornar-se ‘polo dos parâmetros norteadores das instâncias
políticas do CBCE’. Não obstante, tendo em vista o processo de formulação
das DCNs e a participação do CBCE neste contexto, foi possível constatar
um claro choque entre o GTT e a DN, o que significa concluir que não
necessariamente um GTT se torna balizador das políticas da entidade, ainda
que tenha produção especializada e qualificada em determinado tema e que
se empenhe politicamente para construir uma posição a ser tomada.
A disputa entre posições aqui analisada não se refere, por outro lado,
ao confronto entre instâncias no interior do CBCE, mas de setores em
busca da condução política da entidade. Trata-se da disputa de projetos
políticos, de projetos de sociedade. Neste sentido, GTT tais como o de
Formação Profissional e Mundo do Trabalho – objeto desta análise – e o
de Movimentos Sociais se tornaram, em certa monta, uma ameaça para
o setor que conduz majoritariamente o CBCE. Junte-se a eles o mais tra-
dicional movimento social de esquerda da educação física, o Movimento
Estudantil de Educação Física (MEEF) e um mais recente movimento cria-
do, o Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de
Educação Física (MNCR).
Considerando o louvável esforço do CBCE de produzir um registro
dos seus 40 anos de existência, é possível ainda salientar que a história desta
entidade e a condução política do chamado grupo ligado à visão médica
da ciência que depois sofreu embate e perdeu a hegemonia para o grupo
afeito à visão social e pedagógica já foram muito bem analisadas desde a
sua criação, em 1978. Esta história se passa essencialmente nos anos 1980,
tendo como pano de fundo, cenário – ou contexto histórico, como prefe-
rimos – a redemocratização da política brasileira. Não obstante, para fazer
jus aos demais anos de existência do CBCE, dos anos 1990 em diante, é
importante sob o ponto de vista da produção do conhecimento novos es-
tudos para revelar quem são os ‘autores e atores’ da disputa, nos termos em
que estudou Daolio (1998), ou por onde se trava a ‘disputa de campo’ nos

92
Capítulo 5 – O GTT de Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do
Esporte: de sua criação à Carta de Vitória

termos em que propôs Paiva (1994), ambos ainda focalizando as disputas


do CBCE nos anos 1980. Essa é uma exigência do ponto de vista cientí-
fico; do ponto de vista político, é necessário, antes de tudo, reconhecer a
existência de setores em disputa e legitima-los como setores que buscam
opções divergentes no interior daquela entidade. Somente desta maneira
será possível fazer avançar o CBCE.
Os anos 1990 e sobretudo os primeiros anos do século XXI contam
a história do setor do CBCE que se tornou hegemônico e teve seu ápice
quando conduziu a política da entidade em alinhamento com a época em
que a frente popular assumiu a presidência da república no país, também no
início dos anos 2000. O que se pode apontar prospectivamente para os anos
2020? Sem dúvidas, o contexto no qual a história do CBCE será construída
será diferente. A experiência dos governos de frente popular deixou uma
dura lição para a classe trabalhadora, a qual ajudou a mobilizar milhares
de brasileiros, desde junho de 2013, e resultou na ascensão de um governo
com clara disposição de combater o que chama de ideologias de esquerda,
o que seguramente aprofunda uma etapa mais ortodoxa da política eco-
nômica já iniciada com o impeachment de Dilma Rousseff, em agosto de
2016. Teremos algo mais parecido com o vivido nos anos 1990, no qual
a esquerda brasileira forçosamente se unificou para combater o avanço da
implementação neoliberal. Todavia, agora, sabemos que a esquerda não
é somente um setor, mas setores que seguramente divergem e disputam
também entre si os projetos estratégicos de sociedade.

Referências
BRACHT, Valter. Educação Física/Ciências do Esporte: que ciência é essa? Revista
Brasileira de Ciências do Esporte, v. 14, n. 3, p. 111-118, maio, 1993.
BRASIL. Conselho Federal de Educação. Resolução. Resolução nº 03, de 16 de junho
de 1987. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de
graduação em educação Física (Bacharelado e/ou Licenciatura Plena). Diário Oficial
da União, Brasília, DF. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 set. 1987.
BRASIL. Lei nº 9.696, de 1º de setembro de 1998. Dispõe sobre a regulamentação
da Profissão de Educação Física e cria os respectivos Conselho Federal e Conselhos
Regionais de Educação Física. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 1998.
BRASIL. Parecer CNE/CP nº 009, de 8 de abril de 2001. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso
de licenciatura, de graduação plena. Conselho Nacional de Educação, Brasília, 2001.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 0138, de 3 de abril de 2002.
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Educação Física. Câmara
de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação, Brasília, 2002a.

93
Hajime Takeuchi Nozaki

BRASIL. Projeto de Lei nº 7.370, de 20 de novembro de 2002. Acrescenta parágrafo


único ao art. 2º da Lei 9.696, de 1º de setembro de 1998. Brasília: Câmara dos
Deputados, 2002b.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 7, de 31 de março de 2004.
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação
Física, em nível superior de graduação plena. Diário Oficial da União, Brasília, DF,
5 abr. 2004a.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 058, de 18 de fevereiro de 2004.
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CARTA DE VITÓRIA. Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Grupo de Trabalho
Temático Formação Profissional e Mundo do Trabalho. Vitória, 2003.
CASTELLANI FILHO, Lino. A formação sitiada: diretrizes curriculares de educação
física em disputa. Observatório do Esporte. Observatório de Políticas de Educação
Física, Esporte e Lazer – CNPq/Unicamp. Campinas: Unicamp, 2016. Disponível
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COMITÊ CIENTÍFICO GTT FORMAÇÃO PROFSSIONAL E MUNDO DO
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94
Capítulo 5 – O GTT de Formação Profissional e Mundo do Trabalho do Colégio Brasileiro de Ciências do
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95
CAPÍTULO
6
Formação docente em
educação física no Brasil:
do pensamento curricular à produção do
conhecimento

Raffaelle Andressa dos Santos Araujo

Introdução
Os desenhos curriculares de formação docente em Educação Física
surgiram de diferentes momentos históricos que trouxeram marcas e ca-
racterísticas político-econômico-social em nosso país. É possível observar
traços significativos do pensamento curricular à produção do conhecimento
demarcada por alguns avanços, mas, também, retrocessos em algumas destas
estruturas curriculares.
Inicialmente, para melhor compreensão do teor desses escritos, re-
porta-se ao aspecto conceitual do currículo o que tem sido desconforto em
alguns atores sociais das instituições de ensino por não saberem expressar o
real conhecimento que este envolve no processo formativo. Em geral, estes
sabem sobre sua importância, entretanto, possuem dificuldades para expres-
sar as relações em que o currículo está imbricado. Dificuldade implicada por
ser uma “tradição inventada” (GOODSON, 2010), portanto, um artefato
socio educacional de natureza plurívoca.
Nesse viés, o currículo não é uma área completamente autônoma,
visto que é marcado pela diversidade de designações enraizadas pelas dife-
rentes áreas do conhecimento, ou seja, são vários os estudos que abordam
a amplitude de significados que as escolas de pensamento curricular lhe
atribuem; não é algo estável e limitado, o que resulta em seu hibridismo
epistemológico desde a sua gênese. Logo, configura-se como um campo

97
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo

contestado, de embates e produtor de teorias, capaz de influenciar propostas


pedagógicas e disseminar diferentes processos de contextualização de seus
discursos (LOPES; MACEDO, 2013; SILVA, 2014).
Nesse sentido, ao refletir sobre o currículo surge a figura de um ca-
leidoscópio na imaginação. O desafio aponta a necessidade de vê-lo como
uma imagem que através do reflexo da luz exterior (diferentes contextos da
realidade) em pequenos espelhos inclinados (múltiplas variáveis – organiza-
ção de conhecimento; processo de formação; construção social; intervenção
sociocultural; realidade prescrita e interativa; prática docente; teoria; poder,
etc.), apresentam, a cada movimento, combinações variadas de efeito vi-
sual – agradáveis, quando são práticas curriculares exitosas e desagradáveis,
quando essas práticas se perdem no caminho.
O pensamento curricular pode ser reunido em uma única direção:
saber quais questões o currículo busca responder. Nesse entendimento, as
teorias curriculares surgem a partir da necessidade de compreensão das
diversas dimensões que refletem um contexto social. Elas podem manifes-
tar discussões de natureza humana, sobre a natureza da aprendizagem ou
sobre a natureza do conhecimento, da cultura e da sociedade; se estas se
diferenciam à medida em que explicitam diferentes elementos constitutivos
do currículo e priorizam um ou vários em detrimento de outros. Nesta di-
reção, uma teoria curricular parte do pressuposto que o currículo é sempre
resultado de uma seleção que deve justificar a escolha dos conhecimentos
que são selecionados à luz de uma questão central “Qual conhecimento
deve ser ensinado? ” (SILVA, 2014, p. 14).
Refazendo a pergunta acima poder-se-ia indagar qual conhecimento
deve ser ensinado na formação docente em Educação Física no Brasil.
O presente texto tem como objetivo abordar o contexto sócio his-
tórico da formação de professores em Educação Física no Brasil e seus
desdobramentos que resultaram em diferentes desenhos curriculares imple-
mentados nas instituições de ensino desde os anos de 1939 e analisar como
cada estrutura curricular, com base no aporte literário e nos ordenamentos
legais, concebeu o pensamento curricular e a produção do conhecimento
no percurso formativo da área.
Assim, contemplam-se seis atos de currículo de formação em
Educação Física: 1939, 1945, 1969, 1987, 2004 e 2018. Tendo em vista o
limite da estrutura física desse capítulo, optou-se por elucidar a contribuição
dos diferentes desenhos curriculares para a formação docente em Educação
Física e suas principais críticas anunciadas no cenário acadêmico.

98
Capítulo 6 – Formação docente em educação física no Brasil: do pensamento curricular à produção do
conhecimento

Primeiro ato: o desenho curricular de 1939


Os antecedentes da formação em Educação Física foram demarcados
intelectualmente por influências médicas e empiricamente, pelas instituições
militares. Registra-se que desde o período imperial traços sociais, políti-
cos, econômicos e culturais explicam as dimensões teóricas e práticas da
Educação Física.
A Educação Física foi inserida no ensino superior somente na fase
republicana pré-Vargas (1889-1930), justificando a criação das primeiras
Escolas (Liga dos Esportes da Marinha, Curso Provisório de Educação Física
e Centro Militar de Educação Física - todas de origem militar) que forma-
vam especialistas. E foi assim que seu ensino nas escolas primárias e médias
se iniciou pelos sargentos ou civis formados por militares.
Havia, naquele momento, a necessidade de compreender a Educação
Física enquanto conhecimento sob bases biológicas, para melhor disseminar
a prática da ginástica nas escolas em nome da disciplina, higiene e saúde da
população. Surgia a emergência de se pensar em uma estrutura curricular
que atendesse aos requisitos básicos para a graduação.
O primeiro desenho curricular de 1939 refletiu o trilhar da Educação
Física na concretização de uma identidade moral e cívica brasileira, em
conformidade aos princípios de segurança nacional e preparação física para
a defesa da pátria. Neste tocante, a Educação Física ficou controlada pelas
diretrizes morais, políticas e econômicas que formavam a base ideológica
da nação.
Para contemplar o propósito de políticas de formação de professores
que pudessem efetivar essas ações e princípios, foram criados órgãos para
estruturar essa formação com o perfil de defesa da nação, demandado pelo
regime ditatorial de Vargas. Nesse período surgiram as primeiras tentativas
de formação sistematizada em Educação Física.
A conquista da primeira estrutura curricular para a graduação acon-
teceu em 1939 (Quadro 1), ano em que foi criada a Escola Nacional de
Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil – RJ, por meio do
Decreto-Lei nº 1.212, de 2 de maio de 1939. Trata-se de um marco impor-
tante que se configurou numa referência para as demais escolas da época,
pois sua finalidade consistiu em: formar pessoal técnico, articular teoria e
prática, difundir conhecimentos da área e realizar pesquisas indicando os
métodos mais adequados à prática da Educação Física e dos Desportos no
país (BRASIL, 1939).

99
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo

Quadro 1 – Desenho curricular de formação em Educação Física de 1939

Curso Habilitação Duração Saberes


Anatômicos,
Biológicos,
Higiênicos,
I
Pedagógicos,
Desportos e
Superior de Ginástica.
Licenciado em
Educação 2 anos
Educação Física Anatômicos,
Física
Biológicos,
Organizacionais,
II
Pedagógicos,
Desportos e
Ginástica.
Normal de Normalista
Educação Especializado em
Física Educação Física
Técnica Técnico Anatômicos,
Desportiva Desportivo Biológicos,
Higiênicos,
Treinador e 1 ano I Pedagógicos,
Treinamento e
Massagista Organizacionais,
Massagem
Desportivo Desportos e
Medicina da Médico Ginástica.
Educação Especializado em
Física e dos Educação Física e
Desportos Desportos
Fonte: A autora (2018), com base em Brasil (1939).

Observa-se no currículo de 1939 algumas contribuições notáveis para


a formação docente em Educação Física: a) A Educação Física foi incluída
no Ensino Superior, mesmo não possuindo uma identidade formativa, pois
atendia diferentes necessidades da época: militares, médicas e governamen-
tais; b) Para o licenciado em Educação Física era exigido um acréscimo
de um ano de disciplinas, com o objetivo de aprofundar as disciplinas de
cunho pedagógico; c) A prática estava presente como vivência durante o
processo de formação.
Como principais críticas apontam-se: a) A formação com objetivos
diversos - intervenção na educação, disseminando os ideais nacionais através
de sessões ministradas por instrutores do Exército; utilização da área para
difusão e obtenção de conhecimentos científicos por parte dos médicos,

100
Capítulo 6 – Formação docente em educação física no Brasil: do pensamento curricular à produção do
conhecimento

fortalecimento do Estado e aprimoramento da raça; b) Exclusão de qualquer


outro Método que não fosse o Francês; c) Programas de Educação Física
Geral e de Desportos com planejamentos diferenciados para o sexo masculi-
no e sexo feminino, devido as peculiaridades biofisiológicas; d) Na Educação
Física não era exigido o curso de didática que correspondia a um percentual
de 1/8 da carga horária do curso destinado à formação pedagógica.
A essa estrutura curricular de formação em Educação Física atribui-se
características sexistas, de adestramento físico e de formação técnico-ins-
trumental, condizente à consolidação da proposta desenvolvimentista do
governo de Vargas.
Correlato ao Decreto-Lei de 1939 emergiu a exigência, também, do
diploma de graduação para o exercício profissional nos estabelecimentos de
ensino oficiais (federais, estaduais ou municipais) e particulares. De forma
a atender essa determinação, uma nova reestruturação foi sistematizada em
1945, consubstanciando no segundo ato curricular.

Segundo ato: o desenho curricular de 1945


O Decreto-Lei nº 8.270 de 1945 materializou a segunda estrutura
curricular da área, conforme destaca o Quadro 2.
Quadro 2 – Desenho curricular de formação em Educação Física de 1945

Curso Habilitação Duração Saberes


Biológicos, Higiênicos,
I Pedagógicos, Desportos e
Ginástica.
Superior de Anatômicos, Biológicos,
Licenciado em
Educação 3 anos II Pedagógicos, Desportos e
Educação Física
Física Ginástica.
Anatômicos, Biológicos,
III Pedagógicos, Desportos e
Ginástica.
Normalista Anatômicos, Biológicos,
Educação
especializado Pedagógicos,
Física 1 ano I
em Educação Organizacionais, Desportos
Infantil
Física Infantil e Ginástica.
Anatômicos, Biológicos,
Técnica Técnico Pedagógicos,
1 ano I
Desportiva Desportivo Organizacionais e
Desportos.

101
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo

Massagista Anatômicos, Biológicos,


Massagem 1 ano I
Desportivo Desportos e Ginástica
Medicina Médico
Anatômicos, Biológicos,
da Especializado
Pedagógicos,
Educação em Educação 1 ano I
Organizacionais, Desportos
Física e dos Física e
e Ginástica.
Desportos Desportos
Fonte: A autora (2018), com base em Brasil (1945).
Essa reforma manteve alguns elementos da proposta de 1939, como
os saberes exigidos para a formação, redimensionando apenas sua estrutura
organizacional com o prolongamento da duração do curso de formação do
professor de Educação Física de dois para três anos.
Desse modo, passou a integrar no novo currículo o ‘Curso de
Educação Física Infantil’ que substituiu o ‘Curso Normal de Educação
Física’, acrescentando a disciplina de Psicologia aplicada o que demonstrou
atenção aos conteúdos para a atuação com crianças e para a formação de
recursos humanos para a escola primária. No entanto, mesmo com a am-
pliação da carga horária e o aumento da quantidade de disciplinas, ainda
assim a natureza biologista e desportivizante permaneceu no bojo da pro-
posta de 1945.
Esse desenho inspirou a formação em Educação Física até a década
de 60, quando se iniciaram novos debates sobre a formação profissional,
promulgada com a abertura política, a democratização do país. A Educação
passou a ser debatida na intenção de se elaborar um projeto de diretrizes e
bases para a educação nacional.
A formação do professor adquiriu atenção especial com a promul-
gação da LDBEN nº 4.024/61. Apesar de sua construção estar pautada na
questão da organização dos sistemas de ensino de duas posições divergentes,
na Constituição de 1937 com uma concepção mais centralizadora e na
Carta de 1946 com o intuito de uma concepção federativo-centralizadora
do sistema de ensino, “[...] limitou-se, porém, tão somente, à organização
escolar, prendendo-se, em relação a ela, a apenas regular o funcionamento
e controle do que já estava implantado” (CASTELLANI FILHO, 2013,
p. 81). Nesse sentido, a organização escolar manteve suas características de
aparelho reprodutor das relações sociais vigentes da época.
Diferentemente das demais licenciaturas, no desenho curricular de
1939 para a Educação Física, não foi exigido o curso de didática que cor-
respondia a um percentual de 1/8 da carga horária do curso destinado à
formação pedagógica. Em função da LDBEN nº 4.024/61, foi conferido

102
Capítulo 6 – Formação docente em educação física no Brasil: do pensamento curricular à produção do
conhecimento

ao Conselho Federal de Educação (CFE) o estabelecimento, a duração e


o currículo mínimo dos cursos de ensino superior. A obrigatoriedade da
Educação Física foi consolidada no ensino primário e médio, conforme o
Art. 22 da LDBEN.
Os métodos ginásticos abriram espaço para o esporte e a Educação
Física ainda se encontrava com suas bases científicas enraizadas nas ciências
biomédicas, impossibilitando avanços mais significativos para a área que
realmente pudessem contribuir com o desenvolvimento das potencialidades
humanas físicas, psicológicas e sociais.
Diante desse contexto, não foi possível obter o avanço no campo
pedagógico da Educação Física em virtude do próprio processo de forma-
ção em que os professores disseminavam práticas radicadas na concepção
biologista da área, prevalecendo a natureza técnico-instrumental de formar
professores. Concretizada a internacionalização do mercado, o advento do
esporte e a instituição do governo militar no país, a Educação Física anun-
ciou o terceiro ato curricular de formação profissional.

Terceiro ato: o desenho curricular de 1969


A aprovação do desenho curricular de 1969 intercorreu em um cená-
rio assinalado pelo regime autoritário com muitos conflitos. A censura foi
exercida e os sindicatos, entidades estudantis e partidárias foram fortemente
controladas. E, apesar de um amplo apoio dos setores da classe dominante,
tal movimento também estava envolvido com fortes resistências de diversos
outros segmentos sociais brasileiros.
No tocante à Educação Física, diferentemente da década de 60 em
que não era cogitada sua obrigatoriedade no ensino superior, na Lei da
Reforma Universitária iniciaram-se os primeiros estímulos por parte das
Instituições de Ensino Superior (IES) às atividades desportivas.
A publicação do Decreto-Lei nº 705 de 25 de julho de 1969 alterou
o Art. 22 da LDBEN 4.024/61 e efetivou em seu Art. 1º a obrigatorieda-
de da Educação Física. Assim, a Lei nº 5.540/68 estimulou a prática da
Educação Física no ensino superior e o Decreto-Lei nº 705/69 tornou sua
prática obrigatória em todos os níveis e ramos de escolarização, e coube,
então, ao Parecer nº 894/69 e à Resolução do Conselho Federal de Educação
(CFE) nº 69, de 06 de dezembro de 1969 a atribuição de fixar o currículo
mínimo dos cursos de Educação Física. Contudo, o currículo de formação
em Educação Física adquiriu o status de nível superior (curso de graduação)
somente após a Resolução CFE de nº 69/69 (Quadro 3).

103
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo

Quadro 3 – Desenho curricular de formação em Educação Física de 1969

Curso Habilitação Duração Saberes


Matérias Básicas:
Biologia, Anatomia,
Licenciado em Fisiologia, Cinesiologia,
Educação Física Biometria e Higiene.
Matérias Profissionais:
Socorros Urgentes,
Ginástica Rítmica,
3 a 5 anos Natação, Atletismo,
(1.800h) Recreação e as matérias
Graduação em
pedagógicas (Psicologia
Educação Física
da educação, Didática,
Prática de Ensino
através de Estágios
Licenciado Supervisionados e
em Educação Estrutura de Ensino de
Física e Técnico 1º e 2º graus).
Desportivo - Escolha de duas
Concomitante
modalidades desportivas
para complementação.
Fonte: A autora (2018), com base em Brasil (1969).
O advento do novo currículo de 1969 apresentou como principais
contribuições o destaque aos saberes relativos ao conhecimento, assim como as
matérias pedagógicas com ênfase na Didática e Práticas de Ensino para com-
por o currículo mínimo, com vistas à formação do professor. Outro aspecto
positivo consistiu na presença da prática de ensino através de estágios super-
visionados, com a concepção de prática como aplicação de conhecimento.
Apesar de todos os esforços dessa proposta curricular, Souza Neto et
al. (2004) afirmam que a formação em Educação Física continuava a ser
questionada. Dessa vez, em relação à imposição das matérias fixadas pelo
currículo mínimo, as novas demandas do mercado de trabalho que extra-
polavam os limites da escola e a exigência de um outro tipo de profissional
que pudesse atender às reais necessidades sociais, bem como a urgência de
se pensar a Educação Física como campo de conhecimento específico.
O desenho curricular de 1969 conduziu algumas características da
proposta de 1939 como o processo de militarização dos processos pedagó-
gicos e formativos, desenvolvimento do esporte para atender as questões da
performance de alto rendimento e a ausência de discussões e embates que
pudessem traduzir em soluções para os problemas da formação em Educação

104
Capítulo 6 – Formação docente em educação física no Brasil: do pensamento curricular à produção do
conhecimento

Física. Nas palavras de Azevedo (2013, p. 97), os professores continuavam


“[...] com uma fundamentação teórica de atendimento ao exercício da técni-
ca profissional exercida, ainda desprovida de um corpo filosófico-sociológico
consistente, apesar das disciplinas pedagógicas”.
Embasados nessas premissas e no contexto sócio histórico da época,
pode-se reconhecer que a estrutura curricular de 1969 atendeu aos interesses
do Estado ajustando a Educação Física à massificação esportiva e coesão so-
cial, situação que não favoreceu a necessidade de se pensar a Educação Física
como área de conhecimento específico. Este ato promoveu uma formação
tecnicista, incipiente, reforçando seu caráter instrumental ao se preocupar
apenas com elementos biológicos e esportivos. Além desses fatores, também
não contemplou a carga horária para a formação de professores que previa
2.500 horas para os cursos de licenciatura plena.
A Educação Física seguiu, portanto, os preceitos da pedagogia tec-
nicista em voga no Brasil, na década de 70, tendo sido implementada nos
currículos sob a forma de atividade aliada ao aprimoramento da aptidão
física, mecanismo que incitou à performance esportiva.
Em meados dos anos de 1980 os movimentos democráticos se fortale-
ceram, o discurso biológico da Educação Física descendeu e a função social da
Educação Física passou a ser questionada, contribuindo para o início de uma
instabilidade epistemológica da área. Dessa crise, surgiram as diferentes abor-
dagens da Educação Física brasileira embasadas pelo amplo debate e discussões
nas comunidades acadêmicas sobre os seus pressupostos e especificidade.
O currículo mínimo proposto pelo desenho de 1969 não mais aten-
dia ao processo de formação e, com o aumento da área de atuação do pro-
fissional, da rápida ampliação e diversificação do mercado de trabalho antes
concentrado na educação escolar e com o emergente campo profissional
esportivo, houve a necessidade na implementação do quarto ato curricular
orientado pela Resolução MEC/CFE nº 03, de 16 de junho de 1987.

Quarto ato: o desenho curricular de 1987


Os anos de 1980 estabeleceram um novo momento disposto em
definir a identidade e o sentido pedagógico da Educação Física, dantes
definidos pelos governos militares.
Segundo descrições no Parecer CNE/CES nº 215/870, a reflexão
sobre os problemas da formação profissional em Educação Física foi objeto
de amplo debate, com regularidade desde 1978, registrada em encontros,
simpósios e seminários, com a participação dos especialistas da área, profes-
sores e alunos de 96 cursos de Educação Física em funcionamento no país.

105
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo

A mobilização resultou, portanto, alguns anos de discussão que envol-


veu toda a comunidade acadêmico-científica da Educação Física e somente
em 1987 ocorreu a implementação do quarto desenho curricular, a partir da
promulgação do Parecer CNE/CES nº 215/87 e da publicação da Resolução
CFE nº 03/1987, concebendo total autonomia às instituições formadoras
para elaborar seus próprios currículos. Esse foi um marco pioneiro de for-
mação universitária na Educação Física que passou a ter autossuficiência na
composição curricular para a formação própria de um perfil profissional,
sendo considerada até os dias atuais nas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) para a formação de professores da Educação Básica.
Dessa forma, a Resolução CFE nº 03/1987 extinguiu o currículo
mínimo, propôs uma nova organização do currículo por campo de conhe-
cimentos e instituiu, também, o título de bacharel em Educação Física,
como resposta aos argumentos de que a formação do licenciado não vinha
atendendo aos anseios do crescimento da sociedade, exigindo profissionais
mais qualificados e competentes que pudessem intervir em diversos campos
de trabalho não escolar (Quadro 4).
Quadro 4 – Desenho curricular de formação em Educação Física de 1987

Curso Habilitação Duração Saberes

Formação geral:

Licenciado Conhecimento Filosófico


em Conhecimento do Ser
Educação - Humanística Humano
Graduação Física 4a7 Conhecimento da
em anos Sociedade
Educação (2.800h) - Técnico: Conhecimento Técnico
Física Bacharel (associada aos conhecimentos das áreas de
em cunho humanísticos).
Educação Aprofundamento de Conhecimento:
Física Disciplinas selecionadas pelas IES e
desenvolvidas de forma teórico-prática,
permitindo a vivência concreta no campo de
trabalho.
Fonte: A autora (2018), com base em Brasil (1987).

106
Capítulo 6 – Formação docente em educação física no Brasil: do pensamento curricular à produção do
conhecimento

Da ampla literatura sobre o assunto, destacam-se os estudos de Kunz


et al. (1998) e Alves e Figueiredo (2014) que situam a proposta de 1987
numa perspectiva de licenciatura plena em que se formavam profissionais
para atuar no âmbito escolar e extraescolar, em virtude da abrangência do
campo de atuação.
Registram-se alguns avanços na formação, subsidiada pela Resolução
CFE nº 03/1987, como: a) Extinção da formação através do currículo
mínimo obrigatório; b) Criação do curso de bacharel em Educação Física;
c) Acréscimo de 1.000 horas no processo de formação em Educação Física;
d) Adoção da perspectiva de licenciatura plena em que se formavam pro-
fissionais para atuar no âmbito escolar e extraescolar; e) Currículo com
uma formação geral, disciplinas de cunho humanístico, técnico e aprofun-
damento de conhecimento; f ) Presença do estágio com duração mínima
de um semestre de ensino; g) Concepção de prática como aplicação de
conhecimento; h) Autonomia na elaboração dos currículos dos cursos de
Educação Física de acordo com suas especificidades.
Apesar desses destaques, notam-se limites em relação à estrutura cur-
ricular dessa proposta, como a fragmentação do conhecimento em subáreas,
distanciamento entre a produção científica e o mundo do trabalho.
Esse desenho curricular de 1987 manteve-se até a ordenação de um
novo cenário político nacional que gerou mudanças significativas na orga-
nização curricular de forma a garantir flexibilidade e autonomia das IES
no Brasil.

Quinto ato: o desenho curricular de 2004


Com a aprovação da LDBEN nº 9.394/96, marco da instituciona-
lização das políticas educacionais, a educação, o currículo e a escola foram
idealizados de forma mais flexível, não mais como processos d•e reprodução
do conhecimento, mas como um importante campo de produção de saberes.
Novos documentos também foram instituídos como, por exemplo, as
DCNs com características e princípios formativos que pudessem assegurar a
flexibilidade e a qualidade de formação oferecidas nos cursos de graduação.
De acordo com Araujo (2014), no campo do currículo aconteceram
as mudanças mais significativas, o que estabeleceu novas exigências e práti-
cas, tanto para as instituições formadoras quanto para os profissionais que
trabalham com a formação docente. Essas proposições legitimaram maior
flexibilidade na organização de cursos e carreiras profissionais.

107
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo

É com esse olhar que a prática do exercício da docência nos cursos


de formação permite favorecer uma relação pedagógica de construção, (re)
significação e socialização com o ambiente institucional de trabalho, ou
seja, a escola. Nesse prisma, o currículo é concebido como o conjunto
de valores que propiciam a produção e a socialização de significados no
campo social, mas também um norte que contribui para a construção da
identidade sociocultural do futuro professor. Desenvolver o currículo exige
a contextualização social, o trabalho coletivo, o planejamento sistemático
e a compreensão de que esse processo é dinâmico, complexo e inacabado.
Os currículos de licenciatura em Educação Física resultaram em um
considerável aumento no número e na carga horária das disciplinas de
fundamentação científica e filosófica. Também promoveu mudanças impor-
tantes ao introduzir novos conhecimentos de outras bases científicas, deses-
tabilizando a tendência tradicional-esportiva. Portanto, ambas concepções
de currículo abordaram disciplinas teóricas e práticas de forma estanques,
como se estas dimensões não fizessem parte do mesmo fenômeno.
O desenho curricular de 2004 normatizou dois tipos de habilitação:
a licenciatura e o bacharelado (Quadro 5). Sendo que, nos cursos de licen-
ciatura em Educação Física foram asseguradas as orientações deliberadas
tanto na legislação específica que trata o curso, Resolução CNE/CES nº
07/2004, como das Resoluções CNE/CP nº 01 e nº 02/2002, diretrizes
para a formação de professores na Educação Básica.
Quadro 5 – Desenho curricular de formação em Educação Física de 2004

Curso Habilitação Duração Saberes

Licenciado Formação ampliada:


em - Relação ser humano-sociedade;
Educação - Biológica do corpo humano;
Física - Produção do conhecimento científico e
tecnológico.
Graduação
Formação específica:
em 4 anos
- Culturais do movimento humano;
Educação (3.200h)
- Técnico-Instrumental;
Física
- Didático-Pedagógico.
Bacharel Núcleos temáticos de aprofundamento:
em as IES poderão propor um ou mais
Educação núcleos, utilizando até 20% da carga
Física horária total.
Fonte: Araujo (2018), com base em Brasil (2004).

108
Capítulo 6 – Formação docente em educação física no Brasil: do pensamento curricular à produção do
conhecimento

A partir dessa estrutura curricular, observam-se os seguintes avanços:


a) Concepção de Educação Física como área de conhecimento e de interven-
ção acadêmico-profissional, direcionadas à saúde, lazer, recreação e esporte;
b) Formação fundada na concepção nuclear de natureza político-social,
ético moral, técnico-profissional e científica; c) Presença da prática e de
reflexões sobre a prática por meio da Prática como Componente Curricular
(PCC), do Estágio Curricular Supervisionado (ECS) e das Atividades
Complementares (AC).
Os aspectos mais criticados no desenho curricular de 2004 são: a)
Fragmentação da área com base nos campos profissionais; b) As diretrizes
regem ambas habilitações, desconsiderando algumas especificidades que
são próprias da docência; c) O licenciado tem a docência como identidade
profissional, independente da habilitação; d) Discussões acentuadas sobre
a licenciatura plena, a formação ampliada e a licenciatura ampliada no
bojo acadêmico-científico; d) Concepção de formação por competências,
implicando em um trabalhador flexível e disponível para as transformações
no mundo do trabalho.

Sexto ato: o desenho curricular atual


Em 2018 entrou em vigor um novo ato curricular para a formação
em Educação Física, com prescrição acerca de suas finalidades, princípios,
fundamentos e desenvolvimento formativo, fundamentada nas novas DCNs
do curso de graduação em Educação Física por meio da Resolução CNE/
CES nº 06/2018 (BRASIL, 2018) que revogou a Resolução CNE/CES nº
07/2004 (BRASIL, 2004).
Conforme se observou ao longo desse texto, a formação do licenciado
se deu a partir dos problemas enfrentados no próprio contexto de ensino
escolar brasileiro e para atender a demanda exigida pelo mundo do trabalho
(extraescolar) surgiu o bacharelado. Ambos exigiam uma formação acadê-
mica com conteúdos comuns pertencentes ao campo da Educação Física.
A dinâmica curricular atual parece retratar a instância apresentada
no artigo ‘A formação sitiada. Diretrizes curriculares de Educação Física
em disputa: jogo jogado?’ de autoria de Castellani Filho (2016), ao afir-
mar um ingresso único para a formação do graduado em Educação Física,
consoante a duas etapas curriculares: a) Etapa comum, gerada a partir do
núcleo de estudos da formação geral com campo de conhecimento especí-
fico/identificador da área e b) Etapa específica, formação baseada no campo
de conhecimento de intervenção profissional, isto é, específico das opções
em bacharelado ou licenciatura (Quadro 6).

109
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo

Quadro 6 – Desenho curricular de formação em Educação Física atual

Curso Habilitação Duração Saberes


Etapa comum = 1.600h
- Conhecimentos biológicos, psicológicos
e socioculturais do ser humano;
- Conhecimentos das dimensões e
implicações biológicas, psicológicas e
socioculturais da motricidade humana/
movimento humano/cultura do
movimento corporal/atividade física;
- Conhecimento instrumental e tecnológico;
- Conhecimentos procedimentais e éticos
da intervenção profissional em Educação
Física.
Etapa específica = 1.600h (definir opção
Licenciado de formação; presença do Estágio e
em Prática como Componente Curricular).
Educação Licenciatura:
Física Conteúdos programáticos:
- Política e Organização do Ensino Básico;
Graduação - Introdução à Educação;
em 4 anos - Introdução à Educação Física Escolar;
Educação (3.200h) - Didática e metodologia de ensino da
Física Educação Física Escolar;
- Desenvolvimento curricular em
Educação Física Escolar;
Bacharel em - Educação Física na Educação Infantil;
Educação - Educação Física no Ensino
Física Fundamental;
- Educação Física no Ensino Médio;
- Educação Física Escolar Especial/
Inclusiva;
- Educação Física na Educação de Jovens
e Adultos;
- Educação Física Escolar em ambientes
não urbanos e em comunidades e
agrupamentos étnicos distintos.
Bacharelado:
Eixos articuladores:
I - Saúde
II - Esporte
III - Cultura e Lazer
Fonte: A autora, com base em Brasil (2018).

110
Capítulo 6 – Formação docente em educação física no Brasil: do pensamento curricular à produção do
conhecimento

Importante registrar que, de acordo com o parágrafo único do Art.


7º, o egresso do curso deverá articular os conhecimentos da Educação Física
com os eixos/setores da saúde, do esporte, da cultura e do lazer, assim
como os da formação de professores. Nesse percurso, o licenciado terá for-
mação na docência do componente curricular da Educação Física com
base na Resolução CNE/CES nº 06/2018 e legislação própria do Conselho
Nacional de Educação, Resolução CNE/CP nº 02/2015.

Conclusão
Nesse caminhar, ainda de incertezas para o cenário hodierno, tem-se
a trajetória dos diferentes atos curriculares na formação em Educação Física
no Brasil e as recentes mudanças no cenário educacional. Estas levam ao
entendimento de que o atual pensamento de se fazer currículo nessa área
advém das influências e construções produzidas em contextos adversos no
decorrer de sua história.
De igual maneira, anunciam-se os elementos a serem suplantados
que, muitas vezes, se materializam no currículo como realidade interativa
nos cursos de Educação Física: prevalência da natureza técnico-instrumental
de formação; ênfase na perspectiva técnica-biológica; ausência de articulação
adequada entre os conhecimentos adquiridos na graduação e o exercício
profissional; falta de articulação entre as dimensões teóricas e práticas no
processo formativo; e, o distanciamento entre as realidades acadêmica e
escolar, com a consequente desvalorização do trabalho pedagógico na escola.
E, assim, como ponto de partida sugere-se compreender o pensamen-
to curricular e o processo da produção do conhecimento na Educação Física.
Nesta constituição, reitera-se que o currículo parte de uma compreensão que
envolve a apropriação e assimilação individual e particular, social e global do
conhecimento historicamente acumulado na sociedade, sendo necessário a
superação de currículos prescritivos de viés normativo e racionalista para dar
lugar à construção coletiva de um currículo emancipatório, que reconheça
e estabeleça o potencial crítico dos sujeitos educacionais.

Referências
ALVES, C. A; FIGUEIREDO, Z. C. C. Diretrizes Curriculares para a formação em
educação física: camisa de força para os currículos de formação? Motrivivência, v. 26,
n. 43, p. 44-54, 2014.

111
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo

ARAUJO, R. A. DOS S. Currículo de formação docente em educação física: análise sobre


as práticas, o estágio e as atividades complementares. 2018. 393 f. Tese (Doutorado)
–Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza,
2018.
ARAUJO, R. A. DOS S. A educação física na formação inicial: prática pedagógica e
currículo. São Luís, MA: EDUFMA, 2014.
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BRASIL. Conselho Federal de Educação. Decreto-Lei nº 1.212, de 2 de maio de 1939.
Cria, na Universidade do Brasil, a Escola Nacional de Educação Física e Desportos.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del1212.
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BRASIL. Conselho Federal de Educação. Decreto-Lei nº 8.270, de 3 de dezembro de
1945. Altera disposições do decreto-Lei nº 1.212, de 17 abril de 1939. Disponível em:
http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=14844&nor-
ma=29833. Acesso em: 20 out. 2017.
BRASIL. Conselho Federal de Educação. Resolução nº 69, de 06 de novembro de 1969.
Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização dos cursos
de educação física. Disponível em: http://cev.org.br/biblioteca/parecer-69-69/. Acesso
em 20 out. 2017.
BRASIL. Conselho Federal de Educação. Resolução nº 3, de 16 de junho de 1987. Fixa
os mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de graduação em
Educação Física (Bacharelado e/ou Licenciatura Plena. Brasília, 1987. Disponível em:
http://crefrs.org.br/legislacao/pdf/resol_cfe_3_1987.pdf. Acesso em: 9 set. 2017.
BRASIL. Resolução nº 7, de 18 de março de 2004. Institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de grad-
uação plena. Brasília, 2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
ces0704edfisica.pdf. Acesso em: 10 mar. 2014.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Conselho Nacional de Educação (CNE).
Câmara de Educação Superior (CES). Resolução nº 6, de 18 de dezembro de 2018.
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física
e dá outras providências. Brasília, 2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/in-
dex.php?option=com_docman&view=download&alias=104241-rces006-18&catego-
ry_slug=dezembro-2018-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 10 jan. 2019.
BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Conselho Nacional de Educação (CNE).
Conselho Pleno. Resolução nº 2, de 1 de julho de 2015. Diretrizes Curriculares Nacionais
para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação
pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação contin-
uada. Brasília, 2015. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=17719-res-cne-cp-002-03072015&Itemid=30192.
Acesso em: 01 ago. 2015.

112
Capítulo 6 – Formação docente em educação física no Brasil: do pensamento curricular à produção do
conhecimento

CASTELLANI FILHO, L. Educação física no Brasil: a história que não se conta. 19.
ed. Campinas, SP: Papirus, 2013.
CASTELLANI FILHO, L. A formação sitiada. Diretrizes Curriculares de Educação
Física em disputa: jogo jogado? Pensar a Prática, v. 19, n. 4, p. 758-773, 2016.
GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.
KUNZ, E. et al. Novas diretrizes curriculares para os cursos de graduação em Educação
Física: justificativas – proposições – argumentações. Revista Brasileira de Ciências do
Esporte, n. 1, v. 20, p. 37-47, 1998.
LOPES, A. C; MACEDO, E. O pensamento curricular no Brasil. In: LOPES, A. C.;
MACEDO, E. (orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2013.
SILVA, T. T. DA. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3.
ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
SOUZA NETO, S. et al. A formação do profissional de educação física no Brasil:
uma história sob a perspectiva da legislação federal no século XXI. Revista Brasileira de
Ciências do Esporte, v. 25, n. 2, p. 113-128, 2004.

113
CAPÍTULO
7
Novas diretrizes e antigos debates:
uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Graduação em Educação Física − Resolução CNE/
CES 06/2018

Roberto Pereira Furtado

Recentemente, o Conselho Nacional de Educação (CNE) instituiu


as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Graduação em
Educação Física, através da Resolução CNE/CES Nº 6 de 18 de dezembro
de 2018, publicada no Diário Oficial da União em 19 de dezembro de
2018. Neste capítulo, desenvolvo uma análise a respeito desta Resolução,
compreendendo-a em meio às disputas teóricas e políticas presentes no
campo.
O ponto de partida é a apresentação de um breve resgate histórico
dos debates acadêmicos da Educação Física, ocorridos a partir dos anos
1980, procurando enfatizar os distintos posicionamentos que protagoniza-
ram disputas teóricas e políticas sobre a formação profissional em Educação
Física. Em seguida, é apresentado o entendimento consolidado pelo CNE,
no período de 2004 a 2015, a respeito do quadro normativo que envolve a
formação profissional em Educação Física, especialmente, nos aspectos rela-
cionados ao debate sobre a abrangência e/ou especialização da Licenciatura
e do Bacharelado. Por fim, são apresentadas análises iniciais a respeito da
Resolução 06/2018, atualmente em vigor.

Breve síntese do debate sobre a formação em Educação Física nos anos


1980 e 1990
O movimento de aproximações teóricas e metodológicas com dis-
tintas tradições científicas, denominado como movimento renovador da
Educação Física brasileira, teve seu apogeu em meados da década de 1980.
Sua efervescência teórica, entre outros aspectos, foi caracterizada pela crí-

115
Roberto Pereira Furtado

tica contundente à perspectiva da aptidão física que dominava o campo da


Educação Física (TAFFAREL, 1993; DAOLIO, 1997; BRACHT, 1999;
DAVID, 2003; AZEVEDO, MALINA, 2004; NOZAKI, 2004).
O movimento renovador emerge em um contexto em que predomi-
nava uma Educação Física imersa no âmbito da educação formal. Portanto,
a crítica ao paradigma da aptidão física orientava-se, sobretudo, à perspec-
tiva presente na formação dos professores de Educação Física e no ensino
da educação física escolar. Ou seja, mirava-se na Educação Física escolar
historicamente constituída até aquele momento.
Entretanto, ao mesmo tempo, a partir dos anos 1980 e, mais inten-
samente, nos anos de 1990, houve um forte crescimento no mercado de
trabalho vinculado ao mundo do fitness ou da aptidão física (NOZAKI,
2004; FURTADO, 2007, 2009; QUELHAS, 2012).
Havia, portanto, uma contradição entre o movimento teórico da
Educação Física brasileira dos anos 1980 e o movimento das forças pro-
dutivas que consubstanciavam uma nova realidade no mundo do trabalho.
Em outras palavras, enquanto no debate teórico se desenvolviam novas
perspectivas para a Educação Física a partir de críticas ao paradigma da ap-
tidão física, simultaneamente, crescia a demanda por uma força de trabalho
vinculada ao paradigma da aptidão física e ao perfil do trabalhador de novo
tipo a ser a ser forjado, principalmente, para trabalhar no segmento fitness1.
É consenso entre os pesquisadores da formação em Educação Física
que este crescimento do mercado de trabalho pressionou o campo ao de-
mandar um profissional formado a partir de um conjunto de conhecimen-
tos que favoreceriam a atuação profissional em contextos distintos aos da
educação formal (TAFFAREL, 1993; RANGEL-BETTI, BETTI, 1996;
KUNZ, et al, 1998; MANOEL, TANI, 1999; DAVID, 2003, QUELHAS,
NOZAKI, 2006).
Dessa forma, as Diretrizes Curriculares constituídas através da
Resolução CFE2 03/87 foram produzidas em meio ao contexto de deba-
tes do movimento renovador e da ampliação do mercado de trabalho da
Educação Física vinculado à aptidão física. Portanto, expressou esta contra-

1
Foi analisado em Furtado (2007; 2007-b; 2009) a expansão do fitness e os nexos apresentados com
as transformações no modo de produção e a necessidade de um trabalhador de novo tipo a partir
dos processos de reestruturação produtiva. Tais transformações no modo de produção, ocorreram,
principalmente, após os anos 1970 nos Estados Unidos, Japão e Europa e após o final dos anos 1980
no Brasil. Foram o pano de fundo mais geral dos percursos das forças produtivas mais diretamente
vinculadas com a Educação Física brasileira nos anos 1980 e 1990, como já explicitaram David
(2002) e Nozaki (2004).
2
Conselho Federal de Educação, sucedido em 1995 pelo Conselho Nacional de Educação.

116
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

dição, apresentando alguns dos argumentos teóricos desenvolvidos até en-


tão, mas também influências do mercado fortemente emergente. Instituiu,
portanto, significativas alterações em relação às legislações anteriores para
a formação em Educação Física. Entre elas, destaca-se a incorporação da
possibilidade de graduação em Licenciatura e/ou Bacharelado.
Esta Resolução foi precedida por um debate inicial, mas já consisten-
te e significativo politicamente, a respeito da necessidade ou não de uma
formação específica para os professores de Educação Física que trabalhavam
fora do âmbito da educação formal. Kunz et al (1998) de forma semelhante
à Verenguer (1996), identificaram a presença de três perspectivas em dispu-
ta: 1- Aqueles que defendiam a manutenção da formação em licenciatura,
num formato generalista de perspectiva ampliada, respaldado no argumento
de que a intervenção do professor de Educação Física é essencialmente pe-
dagógica; 2- Os que defendiam uma outra formação para a Educação Física
que “idealizava a formação de um profissional mais qualificado e especializa-
do para trabalhar nos diferentes campos de trabalhos denominados de não
escolar” (KUNZ et al, 1998, p. 39); 3- E ainda, um grupo que argumentava
por uma formação consolidada a partir de um objeto de estudo próprio
que balizaria a formação e as carreiras de pesquisador e professor universi-
tário, atrelado ao desenvolvimento dos cursos de Pós Graduação. Sobre esta
última, nas palavras de Manoel e Tani (1996, p. 17), “a existência de um
curso de Bacharelado pressupõe a existência de um corpo de conhecimentos
produzido e sistematizado pela área”.
As discussões sobre a formação em Licenciatura e/ou Bacharelado
continuaram no final dos anos 1980 e durante os anos 1990. Em geral,
estiveram bastante marcadas pela defesa do atendimento às demandas
mercadológicas ou à sua denúncia, mas também perpassaram importantes
análises epistemológicas e questionamentos sobre os perfis especialistas e/ou
generalistas da formação do Licenciado e do Bacharel, concebidos a partir
de posições políticas distintas. Em linhas gerais, as três perspectivas iden-
tificadas por Verenguer (1996) e Kunz et al (1999), anteriormente citadas,
continuaram presentes.
Entretanto, a produção teórica sobre a formação em Educação Física
também envolveu outros enfoques para além da polêmica entre Licenciatura
e Bacharelado. Por exemplo, Rangel-Betti e Betti (1996) discorreram sobre
os impactos do processo histórico de crítica à aptidão física nos currículos
dos anos 1990. Para os autores, os currículos poderiam ser classificados
em dois tipos, sendo o currículo tradicional esportivo e o currículo de
orientação técnico científica, ambos criticados pelos autores. O primeiro
foi caraterizado, fundamentalmente, pela dicotomia entre as disciplinas

117
Roberto Pereira Furtado

“praticas”, ou seja, de execução e demonstração de capacidades técnicas e


físicas e disciplinas “teóricas” que enfatizavam aspectos biológicos e psico-
lógicos relacionados com a aptidão física. O segundo, foi caracterizado pela
maior valorização de disciplinas “teóricas”, aumentando espaços inclusive
para as ciências humanas e sociais, em que a teoria seria o ponto de partida
da aprendizagem e a prática seria o momento de aplicação da teoria. Após
a crítica a ambos perfis curriculares, os autores defendem outra abordagem
que guarda semelhanças com a concepção conhecida como epistemologia
da prática. Darido (1995), já apresentava uma tipologia semelhante, deno-
minando os dois tipos como currículos tradicionais e currículos científicos.
Também de modo semelhante, a autora já demonstrava aproximações com
a epistemologia da prática ao fazer a crítica às duas concepções curriculares.
Estes autores explicaram o movimento de mudanças nos currícu-
los a partir do grau de incorporação de fundamentos científicos. Por isso,
identificaram esse movimento como sendo um crescimento cientificista na
formação, nos moldes do que se entende por ciência e currículos positivistas,
ou seja, que compreendem mecânica e fragmentadamente as relações entre
sujeito e objeto, teoria e prática, resultando em propostas lineares e aplica-
cionistas de currículo. Portanto, não foi por acaso que o desenvolvimento
desta crítica encontrou respaldo na epistemologia da prática. Essa nova
perspectiva que se apresentava nos debates sobre a formação em Educação
Física evoca a manifestação de um saber legitimado a partir da própria
prática social da Educação Física, debruçando-se em estudos que valorizam
a construção cotidiana de conhecimentos pelos próprios professores na
realidade de suas intervenções, sobretudo no âmbito da Educação Física
escolar. Embasada em uma crítica à separação entre teoria e prática e na
demasiada ênfase dada à primeira, a epistemologia da prática não distingue
de modo suficiente o conhecimento científico do saber cotidiano. Ao
contrário, considera o conhecimento científico como um desdobramento
destes saberes, diferenciando-se radicalmente da compreensão dialética de
práxis, de ciência e de teoria3. Ou seja, a necessária crítica à perspectiva po-
sitivista, aplicacionista, a respeito da relação teoria e prática, foi produzida
nos moldes de uma abordagem pragmatista.
Uma das principais referências da epistemologia da prática é o autor
norte-americano Donald Schon. Suas reflexões, com destaque àquelas rea-
lizadas nos anos 1980, influenciaram o debate internacional da formação

3
Não é objeto deste artigo desenvolver com maior profundidade a crítica à epistemologia da prática,
mas apenas identificar sua presença no interior do debate sobre a formação na Educação Física
brasileira. Para maiores aprofundamentos sobre esta crítica no âmbito da educação e da educação
física ver: Duarte (2003); Rodrigues e Kuenzer (2007); Bandeira (2017).

118
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

de professores. Outros autores também foram importantes disseminadores


e também obtiveram boa aceitação na Educação Física brasileira, como o
canadense Maurice Tardif e o espanhol Angel Péres Gomes. Um exemplo
de como esta perspectiva foi se tornando mais relevante nas pesquisas e
debates acadêmicos sobre a formação em Educação Física foi o convite ao
professor Angel Péres Gomes para proferir palestra no V Simpósio Paulista
de Educação Física, realizado no ano de 1997 (GOMES, 1997). O livro de
Cecilia Borges: “O professor de Educação Física e a construção do saber”.
(BORGES, 1998), talvez seja a obra produzida sobre forte influência da
epistemologia da prática mais impactante no âmbito da Educação Física
brasileira dos anos 1990.
No final dos anos 1990, o debate sobre a formação em Educação
Física estava mais vinculado às análises dos desenvolvimentos curriculares e
na relação destes com a formação de professores ou, nas palavras de Andrade
Filho, direcionados para “a compreensão da realização crítica do currículo
no dia-a-dia” (ANDRADE FILHO, 2001, p. 25). Além da significativa
incorporação da epistemologia da prática pelo campo da Educação Física,
outra explicação para este escopo predominante das pesquisas sobre for-
mação foi o impacto que a Resolução CFE 03/87 provocou na Educação
Física, ao longo dos anos 1990. Vale ressaltar que esta Resolução ampliou,
consideravelmente, a carga horária mínima para o curso e rompeu com a
lógica de prescrição de disciplinas obrigatórias que, ao lado da possibilidade
de formação em Licenciatura ou Bacharelado, compuseram um conjunto
de importantes e impactantes alterações, no âmbito do ordenamento legal
para a formação em Educação Física.
O debate acadêmico a respeito da formação ganhou novo impulso
no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, com os resultados dos tra-
balhos das sucessivas comissões de especialistas da Educação Física4. Mais
uma vez, compuseram as discussões as análises com enfoques epistemoló-
gicos e os debates envolvendo a relação entre Licenciatura e Bacharelado
e seus formatos especialistas ou generalistas, reacendendo estas discussões
anteriores, não resolvidas pelo campo. Além disso, as forças representativas
da esfera mercadológica novamente se apresentaram para a disputa dos
projetos de formação. Nesta ocasião, de forma mais contundente, devido
ao desenvolvimento quantitativo muito mais expressivo em razão do forte
crescimento da indústria do fitness e dos cursos superiores vinculados às
instituições privadas, ocorridos ao longo dos anos 1990. E também com

4
Tais comissões foram designadas para propor novas Diretrizes Curriculares que substituiriam a
Resolução CFE 03/87, ainda em vigor na ocasião.

119
Roberto Pereira Furtado

um maior desenvolvimento qualitativo, pois os setores representativos do


mercado encontravam-se articulados, principalmente, através do sistema
CONFEF/CREF.
O resultado deste processo foi a elaboração da Resolução CNE/CES
07/2004, como novas DCNs para a Graduação em Educação Física.

As DCNs de 2004: 14 anos de debates e disputas


Foi longo, polêmico e politicamente disputado o processo de ela-
boração das DCNs publicadas em 2004. Teve início com a constituição
da primeira comissão de especialistas e a publicação do documento síntese
de seu trabalho em 1999. Mas, outras três comissões foram seguidamente
constituídas até a publicação da Resolução em 20045. Resumidamente, no
aspecto que envolve o grau acadêmico a ser atribuído, se Licenciatura e/ou
Bacharelado, o que sucedeu foi o seguinte: 1- Apresentação pela primeira co-
missão de especialistas de uma proposta com formação única em Graduação
em Educação Física; 2- Elaboração do Parecer 138 pela segunda comissão
de especialistas que propõe, de forma explícita, uma formação direcionada
quase exclusivamente para o atendimento das demandas provenientes do
mercado de trabalho no âmbito da saúde. Este parecer refere-se à Graduação
em Educação Física e cita que a formação em Licenciatura deve considerar
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
Educação Básica publicadas no mesmo ano: CNE/CP 01 e 02/2002; 3- A
terceira comissão de especialistas insere a possibilidade da formação no Grau
acadêmico Bacharelado, o que não havia nas duas anteriores; 4- A quarta
comissão não se refere ao Grau acadêmico do Bacharelado, substituindo a
especificidade de termo Bacharelado pela abrangência do termo Graduação,
dando origem à Resolução 07/2004.
Todas as propostas construídas foram alvos de críticas ou defesas,
acompanhando os posicionamentos políticos distintos6. É importante res-
saltar que o Movimento Estudantil de Educação Física, a partir de sua en-
tidade representativa, Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física
– ExNEEF, pautou este debate em seus encontros nacionais deste período,
o que permitiu a constituição de um acúmulo teórico para a construção de
um posicionamento firme e consistente diante do processo de elaboração
das Diretrizes. Destaca-se a participação na audiência pública em dezembro

5
Nozaki (2004); Frizo (2010), Lemos et al (2012); Veronez (2013), descrevem resumidamente a
trajetória dessas 4 comissões.
6
Alguns destes posicionamentos distintos estão expressos em (DAVID, 2002, 2003; BENITES E
SOUZA NETO, 2003; TOJAL, 2003; KUNZ, 2003).

120
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

de 2003 e a ocupação do CNE em 2004, além de diversos documentos


produzidos que apresentam o posicionamento dos estudantes7. Também
merece destaque o posicionamento do GTT Formação Profissional/Campo
de Trabalho8, do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, que promoveu
diversos debates e produziu a Carta de Vitória, como documento síntese
do posicionamento do GTT.
Sobre o conteúdo da Resolução 07/2004, é importante esclarecer
que: 1- Não há referência ao Bacharelado, entretanto boa parte do campo
assumiu que a Resolução 07/2004 seriam as diretrizes do Bacharelado;
2- Não há nenhuma referência à divisão da atuação profissional9. Já a divi-
são da formação10 pode ser compreendida apenas implicitamente. Porém,
mesmo assim, predominantemente o campo assumiu que a Resolução cla-
ramente dividiria a formação e a atuação profissional da Licenciatura e do
Bacharelado.
Em relação ao primeiro aspecto, entre os mencionados acima, é im-
portante lembrar que das quatro propostas das comissões de especialistas,
apenas a terceira sugeriu a elaboração das DCNs a partir da especificidade
do Bacharelado. Mas em sua apresentação, na audiência pública realizada
em dezembro de 2003, essa possibilidade foi bastante criticada por vários
dos participantes e refutada pelo relator, Éfrem de Aguiar Maranhão. O
novo texto produzido, após as reuniões seguintes11, explicitava a neces-
sidade de retirar a expressão Bacharelado em Educação Física, deixando
claro que a Resolução era destinada aos cursos de Graduação em Educação
Física de forma ampla e não ao Grau Acadêmico específico de Bacharel.
Entretanto, construiu-se uma hegemonia no campo da Educação Física que
compreendia Graduação como se fosse sinônimo de Bacharelado, processo
já amplamente discutido em Furtado et al (2016) e por Alves (2012). Não
são poucas as publicações em forma de dissertações, teses ou artigos que
afirmaram explicitamente que a Resolução 07/2004 não seria destinada
para a Licenciatura, mas, exclusivamente, para o Bacharelado em Educação
Física. Boa parte da responsabilidade por tal transmutação do sentido da

7
Para uma melhor compreensão da participação neste debate do Movimento Estudantil de Educação
Física - MEEF, conferir Titton et al (2015).
8
Na ocasião, denominado de “Formação Profissional/Campo de Trabalho”, atualmente é denominado
como “Formação Profissional e Mundo do Trabalho”.
9
Me refiro aqui à divisão no âmbito do trabalho que indicaria que o licenciado poderia trabalhar
apenas na educação básica.
10
Refiro-me aqui à divisão na formação, entre licenciatura e bacharelado.
11
O rascunho produzido pela quarta comissão encontra-se disponível no site do MEC. Nele pode ser
percebido, logo na capa, a orientação para a retirada da expressão bacharelado, substituindo-a por
Graduação (disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/fisica.pdf ).

121
Roberto Pereira Furtado

Resolução se deve à ação do sistema CONFEF/CREF e de seus representan-


tes, por meio de seus panfletos publicados em suas revistas ou em veículos
de publicações acadêmicas, por exemplo, o artigo de Steinhilber (2006).
Sobre o segundo aspecto, ou seja, a efetivação da divisão da atuação
profissional a partir dos dois Graus Acadêmicos, a Resolução 07/2004 tam-
bém não apresenta nenhuma determinação com este sentido. Obviamente,
a transmutação da referência à Graduação como se fosse referência ao
Bacharelado contribuiu para a impressão de que a Resolução estivesse inse-
rindo a divisão na atuação profissional. Mas, além disso, outras mediações
ajudam a compreender este processo de construção da fragmentação na
atuação profissional que inicialmente se tornou hegemônico nas compreen-
sões teóricas e nas construções curriculares do campo e, posteriormente,
conquistou respaldo expresso na legislação.
Uma delas foi a promulgação da LDB, em 1996, e o novo marco
teórico legal estabelecido para as Licenciaturas e para o trabalho do profes-
sor na educação básica, que determina a obrigatoriedade da obtenção do
Grau Acadêmico de Licenciado para os professores de quaisquer compo-
nentes curriculares. Como consequência, houve a elaboração das Diretrizes
Curriculares para a formação de professores através das Resoluções 01 e
02/2002, que impactaram nas discussões das comissões de especialistas
da Educação Física. Dessa forma, ao definir a necessidade de formação
em Licenciatura para o trabalho na educação básica, a LDB promoveu a
primeira fragmentação no âmbito da atuação profissional, ainda durante
vigência da 03/87. Distinguiu-se assim, a atuação profissional do Licenciado
e do Bacharel, pois aos últimos apresentava-se o impedimento da atuação
profissional na educação básica enquanto aos primeiros não havia nenhum
impedimento ao trabalho em diferentes espaços.
Outra mediação fundamental foi o novo status da Educação Física
como profissão regulamentada, com a Lei 9696/98 que regulamenta a pro-
fissão e institui o sistema CONFEF/CREF. Após a formação das primeiras
turmas sob égide da Resolução 07/2004, os CREFs, alegando respaldo na
Resolução 94/2005 do CONFEF, iniciaram o processo de fiscalização que
impede a atuação profissional de Licenciados em espaços distintos da edu-
cação básica, gerando reações organizadas por parte dos egressos em alguns
Estados brasileiros, como detalhado em Furtado et al (2016).
Diversos autores já desenvolveram importantes análises da Resolução
07/2004, envolvendo o seu conteúdo, o processo histórico de sua constru-
ção, os debates e disputas envolvidos, entre outros aspectos, considerando,
inclusive o contexto desses dois novos elementos, em relação à 03/87, aci-
ma destacados: a promulgação da LDB e a Regulamentação da profissão

122
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

(NOZAKI e QUELHAS, 2006; TAFFAREL, LACKS, SANTOS JÚNIOR,


2006; FRIZO, 2010, ALVES, 2012; LEMOS et al, 2012; VERONEZ,
2013).
É importante acrescentar, porém, novas mediações que ainda não
foram consideradas pela literatura, mas são fundamentais para compreender
a consolidação da dupla formação e da divisão da atuação profissional com
a restrição da atuação do Licenciado à educação básica.
Uma delas diz respeito aos caminhos tomados pelas discussões episte-
mológicas e sobre a formação em Educação Física. Nos anos 1980, como já
explicado, ela se deu pelo movimento renovador, com sua crítica à aptidão
física e busca por novos fundamentos para a Educação Física. Já no processo
de elaboração da Resolução 07/2004, havia o fortalecimento das reflexões
teoricamente orientadas a partir da busca por uma melhor compreensão
da Educação Física como prática social e pedagógica12 além de influências
diretas da epistemologia da prática, no debate Pedagógico em geral e tam-
bém na Educação Física. A insistência em chamar a atenção para este fato
se justifica por ser um componente da nova perspectiva de formação de pro-
fessores instituída oficialmente no Brasil13. E, no âmbito da Educação Física,
ajuda a compreender o apoio dado à divisão da formação em Licenciatura e
Bacharelado por muitos teóricos que estudam as intervenções pedagógicas
na educação básica. Dessa forma, as ações do sistema CREF/CONFEF de
impedir o trabalho dos licenciados fora da educação básica encontrou apoio
em parte significativa dos pesquisadores do campo, o que contribuiu com
respaldo teórico para construir legitimidade à muitas ações do Conselho.
Outra mediação que reforça esse quadro, foram os rumos adotados
pela Pós-Graduação Stricto Sensu, que junto com a ascensão da epistemolo-
gia da prática, conduziu muitos dos estudiosos do campo da educação básica
a, cada vez mais, defenderem uma formação específica para o trabalho na
escola. Foram construídos argumentos que vão desde os epistemológicos,
sobre a necessidade de constituição de uma identidade docente e de um
enfoque formativo a partir da prática e do cotidiano escolar, até alguns ainda
mais pragmáticos, referentes à sobrevivência dos estudos sobre a Educação
Física na educação básica a partir de perspectivas distintas dos estudos so-

12
Nos debates que sucederam aqueles do movimento renovador, ficaram delineadas duas grandes
matrizes nas discussões epistemológicas da Educação Física, uma que a entende como ciência e ou-
tra como prática pedagógica (BETTI, 1996). Essa segunda matriz continuou seu desenvolvimento
teórico em busca da fundamentação da Educação Física a partir do reconhecimento da existência
de certo distanciamento entre as produções acadêmicas e a intervenção profissional. Uma procura
pela Educação Física nela mesma, de um retorno à própria Educação Física, ou de um retorno à
prática.
13
Ver Rodrigues e Kuenzer (2007).

123
Roberto Pereira Furtado

bre a aptidão física. Estes últimos argumentos, ainda mais pragmáticos,


intensificaram-se acompanhando os caminhos da Pós-Graduação Stricto
Sensu da Área 21.
Neste sentido, no movimento ocorrido após a publicação das DCNs
de 2004, a Pós-Graduação também contribuiu com a consolidação da di-
visão da formação e da atuação profissional. Faz isso porque assombra pes-
quisadores do campo sociopedagógico, provocando-lhes medo de extinção
e medo do retorno à Educação Física escolar baseada na aptidão física.
Consequentemente, muitos desses pesquisadores fizeram da divisão da
formação e da atuação profissional sua última trincheira na esperança de
protegerem uma Educação Física crítica à aptidão física e fizeram da licen-
ciatura o último refúgio para suas sobrevivências no campo. Além disso, a
Pós-Graduação, nos moldes como está consubstanciada, também alimenta
a divisão da formação e da atuação profissional, porque quando estabelece
articulações com a formação inicial o faz, principalmente, através dos cursos
de Bacharelado. Por sua vez, o Bacharelado também retroalimenta o atual
modelo da Pós-Graduação, produzindo a maioria dos futuros estudantes
destes cursos e ofertando a maioria dos bolsistas de iniciação científica aos
laboratórios. Nesse sentido, ao longo dos 14 anos de vigência da 07/2004,
a estrutura da Pós Graduação Stricto Sensu acabou se constituindo como
outra mediação para a consolidação da divisão da formação e da atuação
profissional14.

O CNE respondendo aos “movimentos” da área… (de 2004 a 2015)


Além do cenário interno ao campo, apresentado acima, outro prota-
gonista de todo este processo é o próprio Conselho Nacional de Educação
- CNE. Evidentemente que o CNE também sofre influências dos agentes
políticos do campo, incorporando ou repelindo pautas apresentadas. Mas
antes disso, é necessário compreender que o CNE também produz, a par-
tir de seus debates e disputas internas, suas próprias concepções e agendas
para a educação superior brasileira. No contexto de debates políticos mais
amplos do que os das respectivas áreas de conhecimento e atravessado por
interesses e pautas políticas nacionais e internacionais, é que são gestadas as
políticas para a educação superior, incluindo as diretrizes curriculares dos
cursos de Graduação.

14
Não foi por acaso que na audiência pública de 2015, em Brasília, por ocasião da Minuta que
propunha extinguir o bacharelado, um dos argumentos bastante enfatizados era de que a Pós-
Graduação sofreria bastante com tal extinção.

124
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

Não será possível e também não é propósito deste texto realizar uma
análise das diferentes composições e das influências e disputas ocorridas
no CNE neste período. Mas sobre a principal demanda apresentada pela
Educação Física brasileira entre 2004 e 2015 ao CNE, que tratava do caráter
e abrangência da Resolução 07/2004, o CNE manteve-se sempre com o
mesmo posicionamento. Em todos os documentos em que tratou a questão,
está explícita a tentativa de reverter o entendimento que foi ganhando corpo
no campo de que a referida Resolução seria específica para o Bacharelado em
Educação Física. O CNE sempre foi incisivo ao reafirmar que a Resolução
dizia respeito aos cursos de Graduação em Educação Física, ou seja, obvia-
mente, incluía-se a Licenciatura. Mas diversas instituições, pesquisadores
e intelectuais do campo insistiram em afirmar o contrário. A explicação de
todo esse embate está melhor desenvolvida em Furtado et al (2016).
Mas é importante destacar ainda que, movidos por um entendimento
semelhante ao do CNE e diferente do majoritariamente produzido pelo
campo, uma ação política foi desenvolvida no Estado de Goiás, ainda em
2009. Na ocasião, o Sistema CREF/CONFEF começou a impedir que os
Licenciados em Educação Física trabalhassem fora do ambiente escolar.
Um dos componentes desta ação política foi judicial, quando com apoio
do Ministério Público Federal foi produzida uma Ação Civil Pública em
defesa do direito ao trabalho do Licenciado em Educação Física. Esta ação
judicial foi inicialmente vitoriosa, mas derrotada em segunda instância,
após outro processo ter sido julgado, no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça – STJ, em que um egresso de um curso de Licenciatura solicitava
ter o diploma de Bacharel em Educação Física. O STJ, obviamente, decidiu
que o egresso não teria este direito, pois o curso realizado por ele, foi de
Licenciatura. Mas ao negar a solicitação, julgou sob o regime de recursos
repetitivos, impactando os demais processos de natureza semelhante. A
partir de então, os processos com argumentação totalmente diferente, que
tratavam da reivindicação do direito Constitucional ao trabalho por parte
dos Licenciados, foram derrotados na segunda instância por efeito do regime
de recursos repetitivos (FURTADO et al, 2016).

125
Roberto Pereira Furtado

Dessa forma, se a LDB havia promovido a primeira fragmentação


da Educação Física no âmbito da atuação profissional, o STJ15 promoveu
a segunda e, desde então, havendo formação de Licenciados e Bacharéis,
os campos de atuações profissionais estão também legalmente distintos16.
Neste mesmo contexto, diversas Instituições de Ensino Superior - IES
foram processadas por egressos Licenciados, por estes serem impedidos de
trabalhar fora da educação básica pelo Sistema CONFEF/CREF, contra-
riando as expectativas de ampla atuação profissional. Por sua vez, diversas
IES pressionaram o CNE, pois o Conselho responsável pela regulação da
educação superior, sempre que consultado, respondeu que a Resolução
07/2014 estabeleciam as Diretrizes para qualquer Graduação em Educação
Física, não havendo, portanto, em nenhuma Resolução emanada pelo CNE,
nada que justificasse o impedimento ao trabalho do Licenciado fora do
âmbito da educação básica. Esta decisão do STJ contrariou frontalmente
a intencionalidade do CNE em relação ao seu entendimento do que seja
Licenciatura. É importante ressaltar que a Pedagogia também passou e passa
por debate teórico semelhante e a posição do CNE foi a de não corroborar
com uma formação restrita ao âmbito da educação básica e não distinguir
a formação do Pedagogo em Bacharéis e Licenciados, apresentando uma
compreensão de docência ampliada e não circunscrita ao exercício do ma-
gistério na educação básica.

Novas DCNs para Graduação em Educação Física − Resolução 06/2018:


análises iniciais
É neste novo cenário que o CNE reinicia os debates em relação
às DCNs para a Graduação em Educação Física. A proposta inicial de
extinção do Bacharelado, realizada por meio de Minuta apresentada no
final do ano de 2015 foi imediatamente refutada por um posicionamento
que reflete a hegemonia construída no campo, anteriormente explicada.
A força política atual dos defensores da restrição da atuação profissional
e de uma formação determinada pelos campos de trabalho está composta

15
E, posteriormente, a decisão foi ratificada pelo Superior Tribunal Federal – STF, entretanto sem
análise do mérito, por essa análise, supostamente, já ter sido realizada no STJ. “A regra geral da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é impedir, de longa data e já com entendimento su-
mulado, o reexame de prova ou a discussão sobre matéria de fato […]. Tal fenômeno se materializa
da seguinte maneira: quando da aferição da admissibilidade dos recursos excepcionais, ao menor
sinal de que é possível ser necessário reexaminar prova ou reabrir questões de fato, a decisão já se
inclina – e, ao final, assim se fundamenta – na aplicação desses entendimentos sumulados, quase
como se o enunciado fosse uma verdade sabida (sumulado está, decidido está, para todo o sempre...)”
(HIRSCH, 2007, p. 179).
16
Para maior aprofundamento, ver Furtado et al (2016).

126
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

principalmente por um Sistema CONFEF/CREF mais poderoso do que em


2004, com a Pós-Graduação Stricto Sensu predominantemente articulada
com cursos de Bacharelado e por pesquisadores da atuação profissional da
Educação Física na educação básica que estão vislumbrados com o desejo
de uma formação circunscrita à realidade escola.
Enfim, correlação de forças desfavorável aos defensores de uma for-
mação inicial unificada, com sólida e ampla formação teórica que permita
a formação numa perspectiva de totalidade e integralidade, que reconheça a
Educação Física e não a pulverização dos campos de trabalho, como centra-
lidade do processo de formação. Dessa forma, a Resolução 06/2018 mantém
a concepção fragmentada de formação e atuação profissional. Ou, mais do
que isso, explicita esta fragmentação. Como longamente discutido nos itens
anteriores, tal explicitação não foi obra do desejo do CNE, mas antes disso,
resultado do processo histórico do desenvolvimento do campo acadêmico e
profissional, com suas contradições e correlações de forças presentes.
Há limites teóricos e epistemológicos na proposta da Resolução
06/2018, há incongruências com a Resolução 02/2015 para formação de
professores, há incoerências internas e há uma significativa distância para
um documento radicalmente comprometido com a classe trabalhadora.
Destaca-se, por exemplo, que para referir-se ao objeto de conhecimen-
to foram negligenciadas pela Resolução 06/2018 as noções ou conceitos
de cultura corporal, cultura corporal de movimento e práticas corporais.
Ignorou-se, portanto, o acúmulo teórico, a ampla disseminação no campo e,
inclusive, as suas utilizações em diversos documentos balizadores de políticas
públicas tanto na educação, como na saúde e no esporte.
Entretanto, as expectativas não poderiam ser muito diferentes, pois
trata-se de uma Resolução construída por Conselheiros com nenhuma
aproximação com a Educação Física, no quadro de correlação de forças
já apresentado. Além disso, produzida em um processo de construção da
Resolução que não oportunizou que o campo se expressasse sobre questões
teóricas e epistemológicas, ou seja, pouco democrático, pois os debates
estiveram sempre circunscritos à velha polarização entre formação única
através da Licenciatura ou divisão da formação. Além do mais, trata-se de
uma proposição formulada pelo Estado, em uma sociedade de classes que,
embora possa expressar contradições, possui um papel muito bem definido
no processo de luta de classes. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que já
é um imperativo a defesa pela revogação destas novas DCNs, denunciando
seus limites, imprecisões e comprometimento com uma Educação Física
fragmentada, também é necessário avaliar as possibilidades dadas a partir
do texto proposto, pois é o que está em vigência.

127
Roberto Pereira Furtado

Dessa forma, a pretensão fundamental da breve análise a seguir é


avaliar os caminhos a serem seguidos por uma proposta de formação ri-
gorosa teoricamente e que vise um percurso formativo em que, ao final,
sejam atribuídos os dois graus acadêmicos ao egresso, já que esta expressão
do movimento contrário foi assimilada e está posta no texto da Resolução,
mesmo que de forma subsumida à fragmentação. Não está muito claro no
texto da Resolução a forma exata como essa integração entre os dois graus
acadêmicos se efetivaria. Provavelmente, isso ocorreu por intencionalidade
do próprio CNE em não determinar exatamente esse percurso. Entretanto,
pelo menos dois caminhos parecem possíveis. Um caminho seria a partir de
escolha prévia da IES que construiria uma proposta curricular totalmente
integrada, onde todos os alunos sairiam com a dupla formação. Outro
a partir da escolha do estudante, que diante do percurso previsto para o
Bacharelado e do previsto para a Licenciatura, poderia optar em cursar
ambos, a partir do que a IES determinar como projeto para essa terceira
opção. Além desses dois caminhos, ainda há possibilidade da IES restringir
a formação apenas à licenciatura ou ao bacharelado.

Licenciatura, bacharelado e possibilidade de dupla formação


Como se sabe, muitos currículos elaborados após a Resolução 03/87
negligenciaram estudos sobre a Educação Física na educação básica, mesmo
sendo denominados de Licenciatura. Pelo teor da atual Resolução, isto seria
dificultado, pois a Resolução exige que sejam explicitados os projetos de
formação de Licenciatura para a educação básica e o projeto de formação de
Bacharéis, além de referir-se à obrigatoriedade para os cursos de Licenciatura
observarem também a Resolução 02/2015. Entretanto, é importante ter
clareza que não será a Resolução em si que determinará os caminhos e
perfis curriculares. Ao contrário, são as compreensões sobre a Educação
Física, as disputas, posicionamentos e interesses em cada IES, que darão o
acabamento ao projeto de formação.
Cabe lembrar que, atualmente, a Pós Graduação Stricto Sensu em
Educação Física é uma determinação fundamental para a compreensão do
lugar cada vez mais central que os conteúdos que têm sido denominados
pelo campo como biodinâmica do movimento humano tem ocupado nas
dinâmicas curriculares17, mesmo na formação de licenciados. A quase ex-
tinção dos debates sobre a educação básica nos cursos de Pós Graduação
e a inexpressiva oportunidade de estudos de mestrado e doutorado em

17
Esse processo que é muito evidente e já bastante debatido no âmbito da Pós-Graduação tende, cada
vez mais, a alcançar a Graduação de modo semelhante.

128
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

Educação Física em linhas de pesquisa com escopo nas ciências humanas


e sociais, tem dado forma a um cenário em que se amplia a quantidade de
professores que ministram aulas nos cursos de formação em Educação Física,
em disciplinas centrais para a identidade do campo, ou seja, aquelas que
compõem mais diretamente o universo da cultura corporal, como espor-
tes, jogos, lutas, ginásticas, entre outras, com nenhuma aproximação com
estudos sobre a educação básica. Do mesmo modo, se apresenta a lacuna a
respeito de estudos sobre o SUS, a partir de referenciais da Saúde Coletiva.
Esse cenário não é determinado pelas diretrizes em si, nem seria refu-
tado por uma divisão absoluta na formação (como não foi nos últimos 15
anos), pois sua determinação encontra-se, fundamentalmente, na formação
dos quadros de pesquisadores e professores universitários com a lógica posta
pela Área 21 que, por sua vez, tem cada vez mais respondido às demandas
do desenvolvimento das forças produtivas diretamente relacionadas com a
aptidão física.
Portanto, a construção da proposta curricular e o efetivo desenvol-
vimento do currículo em ação, serão grandes desafios para as IES compro-
metidas com uma formação em Educação Física que não seja pautada18 pela
aptidão física e pelos estudos que a sustentam. Apesar dos limites do texto
da Resolução, estando ela em vigor, é necessária e possível a construção de
uma formação multidisciplinar a partir da cultura corporal, rigorosa teorica-
mente e, ao mesmo tempo, ampliada para além dos conhecimentos técnicos
instrumentais demandados pelos campos de intervenção profissional.
Tal desafio passa pelo empenho em oportunizar aos estudantes a
conclusão das duas formações. Está dada esta possibilidade, a partir da
integração dos processos formativos, prevista na Resolução. Duas formas
para operacionalizar esse processo estão expressas na Resolução. Nenhuma
das duas necessita possuir o somatório das 1600 horas referenciais, que
totalizaria 4800 horas, como uma leitura superficial poderia indicar. A pri-
meira forma seria através da oferta de cada uma das etapas de formações
(Licenciatura e Bacharelado), permitindo ao estudante interessado cursar
ambas. A segunda, seria a construção de um currículo único, já integrando
no projeto as duas etapas (licenciatura e bacharelado), que seria determinado
pela IES para todos os alunos.

18
A presença dos estudos sobre a aptidão física é fundamental nos currículos de formação, pois trata-se
de um importante componente da Educação Física. O alerta aqui se refere à tendência a estes estudos
direcionarem toda a formação.

129
Roberto Pereira Furtado

No caso dessa escolha em cursar mais de um percurso formativo ser


do estudante, é importante que as IES construam projetos curriculares que
contemplem a integração entre as áreas específicas de modo a viabilizar
a dupla formação, garantindo os conteúdos pertinentes a ambos Graus
Acadêmicos, sem, no entanto, sobrecarregar o currículo com excesso de
disciplinas ou conteúdos redundantes. Caso contrário, a tendência será
o esvaziamento da Licenciatura e uma acentuada demanda interna pelo
Bacharelado19, o que potencializará ainda mais o processo de atração para a
biodinâmica, dada a característica hegemônica dos Bacharelados existentes.
O conteúdo da Resolução dá abertura para a efetivação desse desafio.
Talvez a mais significativa distinção da Resolução 06/2018 seja a explícita
intencionalidade do texto em estabelecer uma articulação entre Licenciatura
e Bacharelado, atrelada a possibilidade de uma formação única e integrada,
que atribui duplo Grau Acadêmico ao egresso. Tal articulação é indicada,
inicialmente, ao definir o curso como Graduação, denominado exclusiva-
mente como Educação Física. Além disso, a entrada única, estabelecida
no artigo 5, explicita ainda mais esta intencionalidade. No inciso segun-
do, parágrafo terceiro, do mesmo artigo, a integração entre bacharelado e
licenciatura ganha maior evidencia, pois está explicito que “a integração
entre áreas específicas dependerá de procedimento próprio e da organização
institucional de cada IES[...]”.
No artigo sétimo, esta necessidade de articulação é reforçada, quando
afirma que os egressos, ou seja, tanto licenciados quanto Bacharéis, devem
articular os conhecimentos da Educação Física com conhecimentos de se-
tores diversos, como saúde, lazer, cultura, esporte e educação. Em outras
palavras, o Licenciado também deve conhecer o setor da saúde e outros mais
próximos da formação do Bacharel e este também deve conhecer o setor da
educação formal e formação de professores. O artigo oitavo reforça ainda
mais esta intencionalidade, quando indica a necessidade desta aproximação
se dar também pelo conhecimento do campo empírico da intervenção pro-
fissional nos diferentes setores, tanto para Licenciados como Bacharéis, pois
indica-se que isso ocorra na denominada Etapa Comum. Além disso, esta
aproximação empírica e teórica com os diferentes campos de intervenção
ou realidades do mundo do trabalho auxiliaria na definição de qual Grau
Acadêmico prosseguir, se Licenciatura, Bacharelado ou ambos. O artigo
décimo primeiro, novamente reforça esta articulação, quando afirma que
as outras atividades “práticas” da etapa específica da Licenciatura podem
estar relacionadas com ambientes de aprendizado escolares e não escolares.

19
Acompanhando aos encantamentos do mundo do fitness e do esporte de alto rendimento.

130
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

O artigo décimo terceiro aborda a necessidade de estudos integra-


dores para enriquecimento curricular, de modo bastante semelhante ao
anteriormente denominado de atividade complementares. Parece óbvio,
mas é importante reforçar que tanto estudantes do Bacharelado quanto da
Licenciatura podem participar das mesmas experiências formativas para
compor os denominados estudos integradores, como participação em um
mesmo evento científico ou grupo de estudos, por exemplo. Constituindo
assim, mais um espaço curricular para a integração da formação entre
Licenciados e Bacharéis.
Ainda no mesmo sentido, quando inicia a explicitação dos objetivos
e perfil do Bacharelado, a Resolução, logo no primeiro item, refere-se a
conceitos mais próximos do campo pedagógico, quando afirma que de-
vem “dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais
específicos da Educação Física e aqueles advindos das ciências afins [...]”.
No capítulo IV, Das Diretrizes Gerais, essa integração e possibilidade
de saída única ficam evidenciados tanto no artigo 25 quanto no artigo 30.
O caput do artigo 25 afirma que “A organização curricular do curso de
graduação em Educação Física deverá abranger atividades integradoras de
aprendizado [...]”. A alínea “b” deste artigo caminha no mesmo sentido, ao
englobar entre as atividades integradoras dos Graus Acadêmicos “práticas
reais articuladas entre os sistemas de ensino, saúde, esporte, lazer e institui-
ções oferecedoras de atividade física [...]”. Por fim, o artigo 30 explicita que:
As Instituições de Educação Superior poderão, a critério da Organização
do Projeto Pedagógico Curricular do Curso de Educação Física, admitir,
em observância do disposto nesta Resolução, a dupla formação dos
matriculados em bacharelado e licenciatura.

Portanto, do ponto de vista da relação entre Licenciatura e


Bacharelado, a Resolução 06/2018 realiza um retorno à 03/87, ao permitir
novamente a formação em Licenciatura e/ou Bacharelado incorporada em
um único percurso formativo. Entretanto, esse retorno ocorre em outra con-
dição qualitativa, pois explicita a necessidade dos percursos da Licenciatura
e do Bacharelado estarem evidenciados, com seus conteúdos específicos
garantidos, embora articulados.

Considerações finais
Uma análise mais rigorosa e ampliada da Resolução 06/2018 ainda
se faz necessária. É importante aprofundar na análise da pouca articulação
desta Resolução com a 02/2015, da fragilidade teórica e epistemológica da

131
Roberto Pereira Furtado

proposta, do pouco diálogo com outras políticas públicas introduzidas pelo


Estado brasileiro. Sobretudo, faz-se necessária uma análise que compreenda
os possíveis impactos da Resolução 06/2018 na constituição do campo da
Educação Física. E para a Licenciatura em Educação Física, especificamente,
é importante compreender esse processo no interior do atual direcionamen-
to das políticas educacionais que tende a enfraquecer a Educação Física
escolar, ao mesmo tempo em que as forças produtivas do mundo do fitness
ou da aptidão física tem se fortalecido cada vez mais. Nesse sentido, se no
âmbito da Pós-Graduação há uma atração fatal para a biodinâmica, como
explicitaram Manoel e Carvalho (2011), no âmbito da Graduação já há for-
tes atrações para o Bacharelado, que poderão ser fatais à Licenciatura, caso
as Instituições não viabilizem uma proposta que favoreça à dupla formação,
seja por determinação curricular, seja por escolha do estudante.
Esta tendência não seria eliminada com uma proposta de formação
totalmente dividida, como não o foi nos últimos 15 anos. Ao contrário,
ao dividir a formação a partir da prerrogativa dos campos de atuação pro-
fissional, o que se produz é um processo formativo determinado pela ins-
trumentalização das intervenções profissionais e pela imediaticidade das
características peculiares de cada campo de atuação. Assim, a formação em
Educação Física se subsume ao campo de atuação profissional. A autono-
mia da Universidade, da formação e da produção do conhecimento fica
condicionada ao imperativo da atuação profissional. A formação deixa de
ser concebida a partir da constituição da Educação Física em suas múltiplas
dimensões, para se produzir como um conjunto de respostas pragmáticas às
demandas apresentadas pelos desafios imediatos do trabalho em contextos
específicos.
A Resolução não apresenta fundamentos consistentes para subsidiar
o campo da Educação Física nos avanços necessários aos debates acerca da
formação, permeados por polêmicas e disputas que se intensificaram desde
a publicação da Resolução CNE/CES 07/2004. Ela assume e incorpora
estruturalmente a fragmentação da formação em Licenciados e Bacharéis,
ao mesmo tempo em que indica a possibilidade de dupla formação e a ne-
cessidade de articulação entre as formações específicas. Assim, este debate
tende a permanecer em voga, direcionando as reflexões sobre a formação
em Educação Física, prejudicando o campo nos avanços necessários em
relação à qualidade da formação e seus aspectos teóricos e epistemológicos.
Aparentemente elaborada com a pretenciosa intenção de pacificar o debate
a esse respeito, o resultado final foi um conjunto de proposições polêmicas

132
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

e de difícil interpretação, principalmente, em razão do escasso debate e do


não protagonismo do próprio campo no processo de discussão e elaboração
da proposta.

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134
Capítulo 7 – Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Graduação em Educação Física − Resolução CNE/CES 06/2018

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135
CAPÍTULO
8
Currículo e formação
profissional em educação física:
apontamentos teóricos

Ângela Celeste Barreto de Azevedo


Leon Ramyssés Vieira Dias

Introdução
Em 40 anos de existência do Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte
(CBCE) o currículo da formação em Educação Física (EF) vem passando
por reformas obrigatórias, estabelecidas por Diretrizes Nacionais definidas
pela legislação que, por sua vez, vêm produzindo desafios e apontamentos
teórico-práticos a serem destacados e refletidos. Assim, a formação profis-
sional em EF tem sido uma das questões debatidas no ambiente acadêmico.
Diante da dinâmica de demandas sociais, mas também da própria legislação
que determina, em parte, como será tal formação, emergem questões com
significância para estudo. É o caso, por exemplo, da questão do currículo e
de respectivos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP).
Nos dias atuais, as formações em licenciatura e a conhecida como ba-
charelado em EF são oferecidas com projetos de currículo distintos. As dire-
trizes curriculares para elaboração ou reformulação do Curso de Graduação
em EF estão pautadas na Resolução 07/04 e, no caso da formação em licen-
ciatura, é necessário apreciar as diretrizes instituídas na Resolução 01/02.
Em 2015, no entanto, as Diretrizes Curriculares instituídas na
Resolução 01/02 passaram por modificações definidas na Resolução 02/15
e no final de 2018 foram homologadas novas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o curso de Graduação em EF, definidas na Resolução 06/18.
Estas novas Diretrizes Curriculares instituem em seu artigo 5º “que a forma-
ção do graduado em EF terá ingresso único, destinado tanto ao bacharelado
quanto à licenciatura” (BRASIL, 2018, s/p), o que possibilita pensar um
currículo em EF a partir de uma formação única.

137
Ângela Celeste Barreto de Azevedo - Leon Ramyssés Vieira Dias

No presente estudo, ora apresentado, trazemos em debate questões es-


pecíficas e de relação com o currículo de formação superior em EF. Retratar
tais questões possibilita realizar determinadas inferências que podem sub-
sidiar a construção e reformulação de PPP dos cursos de graduação em EF,
já apontadas pela atual legislação.

Procedimentos metodológicos
Com base na perspectiva histórico-crítica de estudo do currículo
foram pautados procedimentos metodológicos para delinear a proposta do
presente estudo. É de acordo com tal perspectiva de currículo que autores
como Popkewitz (2010), Moreira (2003) e Silva (2002) baseiam suas refle-
xões e propostas. Na realização do nosso estudo tomamos como referencial
teórico fundamentos de Silva (2002) e também de Saviani (1999), especifi-
camente no debate e crítica à exacerbação da técnica, ou seja, o tecnicismo.
Os passos metodológicos utilizados foram a pesquisa bibliográfica e
a pesquisa documental. A pesquisa bibliográfica é a que produz referências
acadêmico-científicas sobre o tema e pressupõe a consulta em fontes como
livros e periódicos. Com esse levantamento é possível verificar o debate
presente na produção acadêmica sobre currículo e obter maior compreen-
são para captar significados que emergem e estão presentes na dinâmica
curricular. Já a pesquisa documental é a que torna possível o levantamento,
a comparação e a confrontação de dados. A análise documental para Gil
(2008, p.45) “vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento
analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com o objetivo
da pesquisa”. Nos tópicos seguintes apresentamos o desenvolvimento do
nosso estudo.

Sobre o debate acadêmico no campo do currículo


Publicações que tratam sobre a questão curricular no campo edu-
cacional em variadas áreas têm mostrado certo consenso em apontar que
a construção curricular obedece a uma dinâmica com debates e embates
em torno da hegemonia e do poder. Construir um currículo não é um ato
neutro. Tal consenso está materializado independentemente do nível ou
disciplina/área envolvida, embora possa haver propósitos e sínteses conver-
gentes na construção curricular e na dinâmica docente da prática curricular
(PALMA et al., 2010; HORN; GERMINARI, 2006).

138
Capítulo 8 – Currículo e formação profissional em educação física: apontamentos teóricos

Outra questão presente em variadas publicações sobre a temática


do currículo é a cultura, entendida tanto em sentido amplo, humanístico,
universal; como em sentido estrito, particular, relativo, para caracterizar
um grupo social ou comunidade (SANTOS et al., 2010; GIROUX, 2003;
APPLE, 2000).
Dessa forma, a escolha ideológica na delimitação do sentido da cul-
tura que é utilizado para pensar o currículo pode determinar uma com-
preensão da cultura com derivações epistemológicas. A ideologia pode estar
aproximada, por exemplo, a uma tentativa de manutenção da hegemonia,
atingindo os limites da sala de aula e cenários de aprendizagem da prática
profissional (APPLE, 2006).
Na direta ou indireta relação com a formação e/ou intervenção profis-
sional, a identidade curricular é outra questão que constitui de um conjunto
de produções e pode ser visualizada de diversas formas em autores como
Santomé (1998); Goodson (2008); Silva (2002); Alves (1992); Sacristán
(1998); Lopes (2011) e Moreira (2001). Esse debate se faz presente tam-
bém no campo acadêmico da EF questionando a fragmentação da área em
bacharelado e licenciatura (VENTURA, 2011); apresentando dados dos
currículos das universidades (MARQUES et al., 2017); propondo subsídios
teóricos para se pensar a reformulação curricular via identidade teórica ou
via história da formação superior (AZEVEDO, 2016; AZEVEDO, 2013).
Já autores como Alves e Figueiredo (2015) discutem sobre o currí-
culo na EF e a repercussão da divisão do curso na formação; Barros (1995)
destaca pontos positivos da divisão da formação em EF; Freitas e Scherer
(2014) defendem que a conjuntura da formação profissional em EF serve
para suprir as necessidades do mundo do trabalho.
O debate acadêmico sobre currículo relacionado ao campo educa-
cional é bastante ampliado, com uma vasta literatura publicada em livros
e revistas científicas datadas desde o início do século passado, como o livro
de Dewey, intitulado The child and the curriculum, de 1902 (SILVA, 2002).
De acordo com Giroux (1997), cabe analisar, por exemplo, questões
que possibilitam sínteses e mediações que poderiam dar base de sustenta-
ção para a formação profissional, em uma visão gramsciana, de intelectuais
orgânicos vinculados não só à classe dominante, mas também à classe tra-
balhadora. Nesses termos, tanto nos documentos legais prescritivos como
na proposta de currículo elaborada para a formação profissional desses
intelectuais, consideramos ser possível encontrar espaços para oposição e
resistência à ordem dominante. Assim, nessa perspectiva apresentada por
Giroux (1997), cabe compreender sobre aspectos da proposta de formação
humana de relação com o currículo e trazidas em PPP.

139
Ângela Celeste Barreto de Azevedo - Leon Ramyssés Vieira Dias

Currículo e formação humana


O processo educacional foi influenciado por diferentes concepções
e correntes pedagógicas, difundidas ao longo do tempo. Dentre essas con-
cepções, Saviani (1999) discorre sobre as correntes pedagógicas difundidas
que influenciaram o contexto da instituição escolar ao longo do século XX.
De acordo com o autor, a pedagogia tradicional assume uma concepção na
perspectiva de integrar todos os indivíduos à ordem social vigente, tendo o
professor como centro do processo ensino-aprendizagem. A pedagogia nova
faz críticas à escola tradicional e tem o estudante como centro do processo
ensino-aprendizagem, mas propõe uma adequação do indivíduo ao meio,
em vez de um questionamento para um rompimento com a ordem social
vigente. A pedagogia tecnicista também segue a tendência liberal tradicional
e objetiva o aperfeiçoamento da ordem social vigente, de forma a qualificar
indivíduos, tornando-os competentes para atender a demanda do mercado
de trabalho sem se importar com as mudanças sociais. Já com a pedagogia
crítico-reprodutivista não se acredita na possibilidade de superação da lógica
capitalista através do sistema educacional, pois a escola é vista como um
instrumento de luta burguesa contra o proletariado. Então nessa pedagogia
não há mobilização dos alunos a entender a importância da luta de classes.
Essas pedagogias são denominadas por Saviani (1999) de concepções
não críticas na Educação e em oposição a elas o autor propõe a pedagogia
histórico-crítica, na qual traz uma proposta de educação que visa a necessi-
dade de romper e superar o modo de produção capitalista. Com essa peda-
gogia cabe propor uma formação humana aos indivíduos de modo que se
possa compreender suas possibilidades nos campos da educação, da saúde,
do lazer, do trabalho, bem como nas relações sociais com outros indivíduos.
As concepções de pedagogias são difundidas na Educação Básica ou
no Ensino Superior a partir dos conteúdos, dos objetivos e das propostas de
formação que estão inseridas e organizadas na forma de currículo do curso
e se expressa através do seu PPP.
A palavra currículo foi incorporada ao sistema educacional e é com-
preendida como sendo um conhecimento escolar e uma experiência de
aprendizagem. O currículo carrega consigo diversas particularidades da
sociedade em que se insere, pois é influenciado diretamente pelos aspectos
culturais, políticos e do sistema educacional vigente. Nele encontramos um
espaço político, no qual existe a possibilidade de luta contra a hegemonia
ou a possibilidade de as classes dominantes continuarem a segregar a desi-
gualdade social e a opressão das minorias (GOODSON, 2008).

140
Capítulo 8 – Currículo e formação profissional em educação física: apontamentos teóricos

De acordo com Silva (2002), na área de conhecimento do currículo,


Dewey, Bobbitt, Apple e Giroux são alguns dos autores que contribuíram
para as reflexões sobre os elementos teóricos pedagógicos presentes na prá-
tica docente curricular e que constitui da perspectiva de formação humana
proposta com essa prática.
A formação humana é o que diferencia os seres humanos dos demais
seres vivos, pois nela há capacidade humana de transformar a natureza, criar
a cultura e as condições de superar as barreiras das necessidades biológicas.
Ao suprirmos essas necessidades básicas, novas necessidades são criadas e
com o tempo se tornam mais complexas no desenvolvimento histórico
do gênero humano, formando o que chamamos de sociedade (DUARTE,
2013).
De acordo com Silva (2011), é possível considerar em propostas
pedagógicas contidas nos currículos uma perspectiva de formação humana
unilateral – fragmentada e alienada, essencial para a manutenção do projeto
histórico capitalista – e outra omnilateral, defendendo uma ruptura ampla
com o projeto capitalista rumo ao projeto histórico socialista. Nesse senti-
do, as pedagogias não críticas em Educação discutidas por Saviani (1999)
propõem uma formação mais aproximada da perspectiva unilateral. Com
base na pedagogia tecnicista, por exemplo, propõe-se uma reordenação do
processo educativo de modo a transferir para o trabalho pedagógico a ló-
gica da objetividade, eficiência, racionalidade e produtividade exigida no
trabalho fabril.
Das teorias de currículo existentes, denominadas como tradicional,
crítica e pós-crítica, é a teoria crítica que propõe fundamentos na perspectiva
de superação da pedagogia tecnicista, representada por autores de diferentes
matrizes teórico-epistemológicas. Na sequência, trazemos um panorama
sobre essas teorias, com destaque para a teoria crítica.

As teorias de currículo
A palavra currículo − emergindo como conceito − passou a ser retra-
tada no contexto educacional com o processo de escolarização de massas,
no final do século XIX, desencadeado nos Estados Unidos (GOODSON,
2008). O surgimento das teorias sobre currículo pode estar associado a tal
contexto, pois o processo de industrialização e os consequentes movimentos
de imigração e urbanização levaram um significativo número de educado-
res dedicarem-se a esse tema. Segundo Moreira e Silva (2009), as teorias
de currículo eram produzidas nessa época de modo a controlar e planejar
cientificamente as atividades pedagógicas.

141
Ângela Celeste Barreto de Azevedo - Leon Ramyssés Vieira Dias

As teorias de currículo existentes retratam sobre essas e outras ques-


tões relacionadas a currículo. A teoria de currículo caracterizada como tradi-
cional considera como já dadas respostas a questões sobre ‘qual’ e ‘por que’
determinado conhecimento deve ser ensinado, aceitando o status quo de ser
estruturado por questões técnicas e tendo como centro da preocupação a
questão da organização. Caracteriza-se como pretensamente neutra, cien-
tífica e desinteressada. Já as teorias críticas e pós-críticas, embora com fins
diversos, buscam refletir sobre o porquê e quais interesses estão envolvidos
na seleção do conhecimento a ser abordado, preocupando-se em identificar
e mediar às relações de saber, identidade e poder (SILVA, 2002).
São vários os autores que representam a literatura tradicional, crítica
e pós-crítica de currículo, retratando e demarcando assim uma forma de
pensar, definir e revelar o significado de currículo. O marco do surgimento
da literatura tradicional de currículo foi a publicação, em 1918, do livro The
curriculum, de Bobbitt; embora, em 1902, Dewey tenha publicado The child
and the curriculum, com uma vertente considerada mais progressista que a
de Bobbitt. Mas, para Silva (2002), foi o pensamento de Bobbitt que mais
influenciou o campo de estudo sobre currículo. Os objetivos e resultados
a serem alcançados a partir de um currículo aproximado dessas referências
teóricas devem ser traçados visando eficiência e precisão, a partir de padrões
preestabelecidos. A publicação do livro de Tyler, em 1949, consolida essa
perspectiva de Bobbitt, embora inclua a filosofia e a sociedade como obje-
tivos a serem também contemplados no pensamento curricular.
Já a teoria crítica de currículo, mais tarde com desdobramento para
teoria pós-crítica, ocorre a partir do final dos anos 1960 com os movimen-
tos de resistência e oposição em vários países à compreensão de currículo
somente pelos aspectos técnico e administrativo. Nos anos 1970, destaque
para os seguintes autores: Althusser, Bourdieu, Passeron e Freire, retratando
temas mais gerais sobre educação e de implicações importantes na teorização
específica de currículo visto que se constituiu no fundamento da teorização
educacional crítica desenvolvida nos anos subsequentes, com influência até
os dias atuais, inclusive no Brasil (SILVA, 2002).
Ainda nos anos 1970, mas retratando temas mais centrados em
questões curriculares, a partir da sociologia, se destacam a publicação do
primeiro volume de um total de três, de Class, Codes and Control, de Basil
Bernstein e de Knowledge and Control: new directions for the sociology of edu-
cation, de Young – obra que marca o início da sua liderança diante do im-
portante movimento crítico denominado de Nova Sociologia da Educação
(NSE) desenvolvido na Inglaterra. William Pinar e Madeleine Grumet são
expoentes dessa época de outro movimento crítico denominado Movimento

142
Capítulo 8 – Currículo e formação profissional em educação física: apontamentos teóricos

de Reconceptualização, também centrado em questões curriculares. Uma


teoria crítica mais centrada em questões curriculares pode ser encontrada
em publicações de Apple, em 1979 e de Giroux, em 1981 (SILVA, 2002).
Giroux (1992; 1997), em publicações posteriores, nos fornece uma
base teórica específica para discutir sobre o papel do professor na sociedade.
Tais referências trazem uma tipologia do papel social do professor levantan-
do questões de relação com a formação; que é proposta por um currículo
prescrito formalmente e que se constitui no denominado PPP de curso. O
professor tem sido reduzido ao nível de um escriturário, executor de ordens
educacionais burocráticas e a de um técnico especializado que, no caso do
ensino superior, vai promover formações profissionais nesta mesma lógica.
A Teoria Crítica do Currículo deve ser entendida como um movi-
mento de problematização constante, pois assim novas questões vão sendo
apontadas e discutidas ou rediscutidas, tomando como matriz as preocu-
pações fundantes ligadas à emancipação humana.
Na área de EF, por exemplo, no início dos anos 1990, um Coletivo
de Autores (1992) propôs uma nova forma de pensar o currículo escolar,
através da concepção de currículo ampliada. A ideia era vincular a teoria ge-
ral do conhecimento com a psicologia cognitiva, fundamentando de forma
cientifica a reflexão e a prática pedagógica que se desenvolvem no processo
escolar. Para os autores, o currículo representaria o trajeto do homem na
busca do conhecimento científico selecionado pela escola, em confronto
com o saber trazido do seu cotidiano “e de outras referências do pensamen-
to humano: a ideologia, as atividades dos alunos, as relações sociais, entre
outras” (p. 28).
O Coletivo de Autores (1992) ao se referir à instituição de ensino en-
tende que a mesma não desenvolve conhecimento cientifico, pelo contrário,
ela se apropria desses conhecimentos dando tratamento metodológico para
tornar compreensível para os alunos. Isso só é possível através do currículo
que, organizado sobre esses conhecimentos, tem por objetivo a reflexão do
aluno. Assim, o currículo comprometido com os interesses das camadas
populares tem que ser capaz de dar conta da reflexão pedagógica ampliada,
tendo como eixo a “constatação, a interpretação, a compreensão e a expli-
cação da realidade social complexa e contraditória (p. 30)”. Dessa forma,
podemos considerar que na concepção de currículo ampliado, “o currículo
é o conjunto de atividades nucleares distribuídas no espaço e no tempo da
escola para cuja existência, não basta apenas o saber sistematizado” (p. 31).
A contribuição desse Coletivo de Autores mostrou-se relevante na
área da EF, a ponto de, ainda nos dias atuais, influenciar e estar presente em-
basando o pensar e o fazer curricular de professores nas escolas e universida-

143
Ângela Celeste Barreto de Azevedo - Leon Ramyssés Vieira Dias

des do Brasil. Atualmente, a concepção de Currículo Ampliado vem sendo


tema de referência em debate sobre processo de reformulação curricular da
formação superior em EF, no qual predomina uma base teórico-prática de
pensar currículo caracteristicamente tradicional e tecnicista (AZEVEDO,
2013); tal como parece ocorrer em outras formações de nível superior e nos
outros níveis de ensino do sistema educacional brasileiro.
Segundo Azevedo (2013), os cursos de graduação em EF não apre-
sentam um PPP elaborado a partir de determinações da política curricular
vigente, quiçá, pautados em referências advindas com a teoria de currículo
difundidas, por autores como Silva (2002), Goodson (2008), Popekwitz
(2010), Santomé (1998) e Giroux (1997). Mas, é preciso considerar que
a elaboração do PPP no ensino formal passou a ser obrigatória somente
a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de
1996 e na formação superior em EF tal obrigatoriedade se efetivou com a
legislação de 2002 e 2004.
A legislação é outro aspecto de relevância na relação com o currícu-
lo. Desse modo, apresentamos abaixo como a legislação está intimamente
relacionada e orientando a construção curricular no campo da formação
superior em EF desde os anos 1980.

A legislação e o currículo do curso de graduação em educação física


Com a promulgação da LDBEN – Lei nº 9394, em 20 de dezembro
de 1996, foi promovida uma série de decretos-leis, pareceres e resoluções
com diretrizes curriculares a serviço de uma grande reforma educacional
brasileira que vieram facilitar o processo de aplicação de políticas públicas
conforme orientações de organismos multilaterais (SOARES, 2000).
Tal legislação, em vigor, tornou obrigatória a todos os cursos de gra-
duação que a formação oferecida fosse prescrita a partir de PPP orientados
por Diretrizes Curriculares Nacionais, estabelecidas na forma de Resolução.
Desse modo, o curso de graduação em EF teve suas Diretrizes pautadas na
Resolução 07/04, na qual consta a recomendação de apreciar a Resolução
01/02 – que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de
Professores da Educação Básica – no caso da formação do licenciado em EF.
De acordo com esta Resolução 01/02, as então formações em licenciatura e
bacharelado teriam que ser ofertadas a partir de distintos PPP.

144
Capítulo 8 – Currículo e formação profissional em educação física: apontamentos teóricos

Nesses 40 anos de CBCE, a formação em EF no Brasil passou por


mudanças significativas. Quando da criação do CBCE, estava iniciando
uma discussão nacional para uma reforma do currículo do curso de EF
que culminou em 1987 na Resolução 03/87 que introduziu a formação em
bacharelado. Até então, existia somente a formação em licenciatura em EF.
A Resolução 03/87 surgiu a partir de uma ampla discussão que ocor-
reu no período de nove anos, por iniciativa da Secretaria de EF e Desportos
do Ministério de Educação e Cultura (SEED-MEC), e contou com a par-
ticipação de diretores, coordenadores, professores e estudantes de escolas
de EF do país. Nessa discussão mais ampla, a proposta do bacharelado
não foi debatida porque foi rejeitada qualquer tentativa de fragmentação
da área logo no início das discussões (AZEVEDO, 2013). De acordo com
Ventura (2011), a divisão do curso de fato contribuiu para uma formação
fragmentada e aligeirada na prescrição e prática curricular em EF, dentre
outras questões.
Até a promulgação da Resolução 03/87, a formação superior em EF
era oferecida somente na proposta de licenciatura e habilitava o formado
para atuação tanto no campo escolar como não escolar. Com essa Resolução,
as Instituições de Ensino Superior (IES) poderiam optar por oferecer o
curso de EF em licenciatura e/ou bacharelado. Ou seja, a partir de uma
matriz curricular comum de disciplinas às duas formações ou com matrizes
curriculares e integralizações distintas para cada formação.
Conforme pode ser visto em Azevedo (2013), na época, a maioria
das IES públicas optou por continuar oferecendo somente a formação em
licenciatura. Uma exceção foi a UFRJ, que ofereceu as duas formações em
cursos e ingressos distintos. Já a maioria das universidades particulares optou
por oferecer as duas formações juntas, em um mesmo curso e com o mesmo
tempo de integralização de IES que ofereciam somente uma formação.
Tal contexto perdurou até 2002, quando surge a já referida Diretrizes
Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica,
prescrita na Resolução 01/02. Esta Resolução modificou o cenário para os
cursos de licenciatura, dando a eles identidade própria, de forma que não
se confundam com os cursos de bacharelado ou a formação 3+1, na qual se
cursa, por exemplo, três anos de formação comum e um ano de bacharelado
ou licenciatura. Com essa nova diretriz curricular os cursos de licenciatura
e bacharelado em EF deveriam ser oferecidos com PPP distintos.
A tensão no campo de atuação se aprofunda com as tentativas de
impedir o professor licenciado em EF de atuar no campo não escolar, geral-
mente provocadas por interferência do Conselho Federal de EF. Este con-

145
Ângela Celeste Barreto de Azevedo - Leon Ramyssés Vieira Dias

texto acabou por gerar muitas ações judiciais e consultas ao Ministério de


Educação e Cultura (MEC) sobre definições relativas ao campo de atuação
profissional do professor licenciado para além da área escolar.
Somado a esses fatos, em julho de 2015, foi homologada a Resolução
02/15 que instituiu novas Diretrizes Curriculares para o Curso de Formação
de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2015). Diante desse cenário,
deu início um período de debates - compreendido entre os anos de 2015 e
meados de 2016 - sobre as mudanças das Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Curso de Graduação em EF no Brasil. Assim, ocorreram audiên-
cias públicas e encontros em algumas cidades do Brasil com a participação
de Conselheiro(s) do Conselho Nacional de Educação (CNE); diretores,
coordenadores, professores e estudantes de Escolas de EF; representantes
de entidades, instituições públicas e privadas. A pauta em debate era sobre
a possibilidade de se promover a unificação do currículo do curso de EF
instituídas pela legislação na forma de Resolução. Uma minuta de Resolução
com esta proposta foi apresentada pelo CNE para discussão e fragmentou
opiniões entre aqueles que defendiam a manutenção da divisão da formação
em licenciatura e bacharelado e aqueles que defendiam a formação única.
Após a crise política em 2016, com a saída de Dilma Rousseff da
presidência nada mais se discutiu a respeito dessa questão do currículo de EF
até 3 de outubro de 2018, quando foi definida uma proposta de Diretrizes
Curriculares Nacionais para o curso superior de EF do Brasil, homologada
na Resolução 06/18, de 14 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018). De
acordo com esta Resolução, a formação em EF se mantém dividida em
licenciatura e bacharelado, mas no seu artigo 5º estabelece que seja único
o ingresso na graduação em EF.
Ainda são muitas as dúvidas a serem dirimidas no processo de im-
plementação dessas Diretrizes Nacionais para o curso de Graduação em EF.
Todo esse contexto apresentado vem causando perplexidade e muita indig-
nação em boa parte da comunidade acadêmica nos primeiros meses do ano
de 2018. É preciso considerar que Diretrizes Curriculares são documentos
prescritivos de regulação e controle, mas que permitem possibilidades de
oposição e resistência à ordem dominante conforme nos afirmou Giroux
(1997).
Nem sempre se alcança os resultados que se esperam das leis, a exi-
gência de elaboração do PPP pela LDBEN foi importante para o debate
sobre currículo no Brasil. Para o currículo do curso de Graduação em EF,
especialmente, trouxe um avanço na perspectiva de formação trazida desde a
criação, nos anos 1930, porque trouxe pressupostos para pensar a formação
não somente a partir de um rol de disciplinas, dentre outros fatores.

146
Capítulo 8 – Currículo e formação profissional em educação física: apontamentos teóricos

Anterior à Resolução 01/02 é pressuposto que a prescrição curricular


dos cursos de Graduação em EF no Brasil, em sua maioria, se constituía
somente de um rol de disciplinas, com ementários e bibliografias corres-
pondentes – atualmente, definida como Matriz Curricular –, estabelecida
após um breve histórico institucional.
Um levantamento de dados que realizamos em 2016 no total de 53
Universidades públicas federais do Brasil, demonstrou que os Cursos de
Graduação em EF propõem uma Matriz Curricular constituída de discipli-
nas isoladas, distribuídas e dispostas com conteúdos muito próximos do mo-
delo tradicional e tecnicista, demarcados pela teoria tradicional e pedagogias
não críticas de currículo apresentadas, respectivamente, por Silva (2002) e
Saviani (1999). Com isso, a proposta de homem e de sociedade que é veicu-
lada, predominantemente, atende à ordem e interesses econômicos a partir
de um currículo que se estruturou como forma de aperfeiçoar a produção da
sociedade capitalista, trazendo saberes fragmentados e alienados. Vale notar
que, apesar do avanço alcançado com a exigência de elaboração do PPP, é
preciso romper com a herança histórica de pensar e fazer currículo em EF.
Reordenamento e atualização de ementas e bibliografia do rol de dis-
ciplinas não garantem uma reformulação do pensamento e, principalmente,
do fazer curricular. Embora estejam presentes possibilidades de um pensar e
um fazer diferente na prática de currículo é difícil construir uma proposta
curricular na qual se pense a formação para além de um rol de disciplinas
e do cunho técnico-biológico, dada essa herança histórica que prevalece.
Com base na produção de conhecimento que retrata a teoria crítica
de currículo, compreende-se, por exemplo, que o currículo prescrito seria
composto com propósitos de atender vertentes de controle, regulação e
poder. Popkewitz (2010) visualiza o currículo produzindo dois diferentes
níveis de regulação: estabelece e seleciona o conhecimento mais válido e
também estabelece como será a transmissão deste conhecimento; que regras
e padrões o direcionarão.

Conclusão
Diante do exposto, no contexto das mudanças estabelecidas pela
legislação atual somada ao permanente e dinâmico processo de discussão
sobre currículo, cabe destacar o seguinte:
1- É válido considerar que o Projeto de Currículo de um curso deve
ser uma construção de um coletivo constituído dos sujeitos que
compõem a comunidade acadêmica/institucional deste curso. Isso
equivale dizer que representantes dos segmentos docente, discente

147
Ângela Celeste Barreto de Azevedo - Leon Ramyssés Vieira Dias

e técnico administrativo devem propor demandas, interesses, ideias


retiradas de quem representa e não as suas próprias. Para tanto,
propostas de estudo e debate com fundamentação teórica curri-
cular devem ser promovidas de modo a obter a participação dos
sujeitos dos segmentos que constituem da comunidade institucio-
nal e, assim, garantir a elaboração de um PPP mais coletivamente
representativo;
2- Em processos de construção e reformulação curricular deve ser
proposto um referencial teórico pautado na teoria crítica de cur-
rículo, como nos esclarece Silva (2002). Tal referência possibilita
a construção de PPP em EF no qual o rol de disciplinas proposto
venha atender à formação que se deseja promover. Nesta perspecti-
va de currículo, cabe discutir primeiro qual a proposta de homem e
de sociedade que se deseja alcançar com a formação que se pretende
oferecer para depois elencar e produzir o arranjo metodológico com
o rol de disciplinas para esse fim;
3- É necessário tratar o conhecimento técnico-prático com funda-
mento das Ciências Humanas na formação em EF. O professor
de EF que não detém como igualmente importante o fundamen-
to advindo das ciências humanas torna-se um técnico sem crité-
rio teórico-metodológico de formação humana para orientar sua
prática profissional. Pensar, por exemplo, arranjos metodológicos
com disciplinas que retratam esse fundamento, perpassando todo
o currículo, pode ter uma representação bastante significativa na
formação do professor de EF. Cabe considerar que, para além de
um bom profissional, tecnicamente preparado, está se formando
um ser humano para atender outros seres humanos. Tal base de
formação humana no campo acadêmico-científico só pode ser fun-
damentada pelas ciências humanas;
4- São muitos os limites a serem enfrentados para promover propos-
tas de currículo baseadas na teoria crítica de currículo, tanto para
promover a prescrição quanto e, talvez com mais limites ainda, para
promover a prática curricular. Na elaboração de qualquer proje-
to é necessário ter pessoas (especialmente professores) dispostas e
preparadas a construí-lo e desenvolvê-lo. No caso da formação em
EF, dada a tradição de privilegiar o conhecimento técnico-prático
em detrimento do conhecimento advindo das ciências humanas,
o professor da formação inicial reproduz o modelo no qual foi
formado e promove no fazer docente uma prática pedagógica na
perspectiva tecnicista apontada por Saviani (1999). Vale dizer que

148
Capítulo 8 – Currículo e formação profissional em educação física: apontamentos teóricos

essa não é uma ocorrência somente na prática docente em EF, o


que não justifica deixar de buscar possibilidades de superação de
uma atuação docente baseada em tal perspectiva.
No presente estudo, longe de esgotar o debate sobre currículo e for-
mação superior em EF, buscamos trazer alguns apontamentos teóricos que
podem subsidiar processos de construção do PPP ou reforma curricular do
curso de Graduação em EF, como a estabelecida pela legislação atual.

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Ângela Celeste Barreto de Azevedo - Leon Ramyssés Vieira Dias

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150
CAPÍTULO
9
Três décadas de embates pela formação
profissional em educação física no Brasil:
síntese e apontamentos

Anibal Correia Brito Neto


Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito
Emerson Duarte Monte

Introdução
No ano de 2019, completam-se oito décadas da promulgação da pri-
meira legislação, de caráter nacional, que fixou um padrão para a Formação
Profissional daqueles que atuariam com a Educação Física e Desportos no
país. Trata-se do Decreto-Lei n. 1.212, de 17 de abril de 1939, que, além
de criar, na então Universidade do Brasil, a Escola Nacional de Educação
Física e Desportos, estabeleceu critérios para a organização dos cursos, re-
gulamentou o regime escolar e o perfil dos candidatos, bem como definiu
as prerrogativas conferidas à diplomação (BRASIL, 1939).
Se até a transição para os anos 80 persistia, no âmbito dos dispositi-
vos normativos, a primazia do diploma de Licenciado em Educação Física
como exigência para o exercício da função de Professor de Educação Física
nos estabelecimentos de ensino e também, como requisito à matrícula e
obtenção do título de Técnico Desportivo, a chegada desta nova década
materializou a intensificação dos questionamentos acerca desta perspectiva
de formação profissional.
De acordo com o Parecer n. 215, de 11 de março de 1987, aprova-
do pelo então Conselho Federal de Educação (CFE), entendia-se, naquele
contexto, que as recomendações e conclusões expressas nas normatizações
vigentes não estavam mais em consonância com as demandas profissionais.

151
Anibal Correia Brito Neto - Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito

[...] tanto sob o ponto de vista didático-pedagógico (graduação a ní-


vel de licenciatura com apenas três anos de duração e um mínimo de
1800 horas/aulas) como quanto ao nível de sua habilitação técnica
propriamente dita (a possibilidade da titulação do chamado Técnico
Desportivo ser obtida simultaneamente com a licenciatura, apenas com
o acréscimo de mais duas matérias selecionadas na lista dos desportos
oferecidos pela Escola e, principalmente, a completa omissão no que
se refere ao Bacharelado). (BRASIL, 1987a, p. 10, grifo dos autores).

Com base nessa caracterização, a decisão oficial foi pelo deslocamento


da titulação de Técnico Desportivo para a pós-graduação, em nível de espe-
cialização, creditando aos cursos de graduação em Educação Física conferir
os títulos de Bacharel e/ou Licenciado em Educação Física, de modo a com-
patibilizar o currículo às peculiaridades regionais, ao contexto institucional
e aos interesses e necessidades da comunidade escolar (BRASIL, 1987a).
Frente ao processo de institucionalização do Bacharelado em
Educação Física, possibilidade de formação que passaria a coexistir com a
tradicional formação em Licenciatura, deflagrou-se, provavelmente, a pau-
ta de maior controvérsia na área dos últimos 30 anos, a saber: a questão
sobre qual a concepção de formação e o perfil acadêmico-profissional que
deveriam orientar a intervenção dos egressos dos cursos de graduação em
Educação Física.
De modo pioneiro, Faria Junior (1987) caracterizou os primeiros
argumentos e formas de organização daqueles que defendiam a perspectiva
da formação de um professor de Educação Física “generalista”, tido como
um profissional formado sob uma perspectiva humanística, em Licenciatura
Plena, com atuação em sistemas de educação formais e não formais, versus
àqueles que interviam em favor de uma concepção “especialista”, que seria
formado sob uma ótica pragmática e tecnicista, em Bacharelado ou habili-
tação específica, a dedicar-se a um ramo da Educação Física.
Tal embate ganhou tamanho protagonismo, que passou a ocupar não
apenas os principais fóruns da área, mas recentemente as diversas instâncias
do sistema judiciário brasileiro, notadamente em função das interpretações
das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação
em Educação Física estabelecidas por meio da Resolução n. 7, de 31 de
março de 2004, do Conselho Nacional de Educação (CNE), Câmara de
Educação Superior (CES). (BRASIL, 2011a).
Embora desde 2005, a CNE/CES – órgão responsável por delibe-
rar sobre as diretrizes curriculares para os cursos de graduação e analisar
questões relativas à aplicação da legislação referente à educação superior
(BRASIL, 1995) –, tenha começado a lidar com o persistente questiona-

152
Capítulo 9 – Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no Brasil: síntese e
apontamentos

mento acerca das possibilidades de Formação Profissional em Educação


Física e os campos de atuação propiciados por elas (BRASIL, 2005), apenas,
em 2011, esta Câmara instaurou o Processo n. 23001.000030/2011-72,
aprovando a primeira comissão para apreciar a indicação referente à revisão
do texto das DCN para o curso de graduação em Educação Física (BRASIL,
2011a).
Entre idas e vindas, somado à diversas recomposições da comissão
(BRASIL, 2017) e à veiculação de uma minuta de projeto de Resolução
que propunha a extinção dos cursos de Bacharelado em Educação Física
(BRASIL, 2015), a aprovação das novas DCN do curso de graduação em
Educação Física só se confirmou com o Parecer CNE/CES n. 584, de 3 de
outubro de 2018 (BRASIL, 2018a), e sua consequente Resolução CNE/
CES n. 6, de 18 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018b).
Portanto, diante desta recente reconfiguração dos marcos normativos
da formação em Educação Física, os quais têm gerado historicamente um
amplo debate sobre os seus limites e possibilidades, cabe reiterar a neces-
sidade de questionarmos as principais modificações ensejadas por estes,
principalmente no que se refere ao projeto de formação e o perfil profissio-
nal configurado, assim como as presumíveis implicações para a interven-
ção dos profissionais egressos. De posse de tal caracterização, será possível
discutirmos alternativas, diante da correlação de forças instaladas, que vão
ao encontro da luta histórica por uma concepção de formação generalista/
ampliada em Educação Física.
Nesse sentido, a exposição deste estudo inicia com uma síntese dos
fundamentos que distinguem os principais projetos formativos em dispu-
ta nas três últimas décadas. Em seguida, analisam-se as novas referências
normativas para os cursos de graduação em Educação Física, com o pro-
pósito de evidenciar o projeto de formação subjacente. Por fim, volta-se à
apresentação de evidências que denotam a validade de uma formação, de
caráter generalista/ampliado, para aqueles que dependem exclusivamente
do seu próprio labor.

Os projetos de formação em disputa nas três últimas décadas


Como demonstra o Parecer CFE n. 215/1987, ainda que as refle-
xões em torno dos problemas que envolviam os parâmetros fixados pela
Resolução CFE n. 69, de 02 de dezembro de 1969, estivessem em curso
desde 1978, os registros indicam que, em 1986, já em fase avançada de
elaboração da proposta de formação substitutiva, em face da consulta rea-

153
Anibal Correia Brito Neto - Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito

lizada junto aos 96 cursos de Educação Física em funcionamento no país,


apenas duas manifestações, das 40 recebidas pelo grupo de trabalho do CFE,
referiram-se ao curso de Bacharelado (BRASIL, 1987a).
Contudo, como evidencia Tojal (1989), várias investidas em prol da
institucionalização do Bacharelado em Educação Física foram viabilizadas
em curto período de tempo sob o comando das Escolas de Educação Física
do Estado de São Paulo. As ações envolveram manifestações em sessões
plenárias do CFE, convocação de reuniões entre as Escolas de Educação
Física e, essencialmente, a elaboração de documentos dirigidos ao relator
do Parecer no âmbito do CFE. Somado a isso, Taffarel (1993) destaca a
influência decisiva das teses defendidas no interior da Escola de Educação
Física da Universidade de São Paulo (ESEF/USP), em especial, aquelas
elaboradas por Oliveira (1988), sobre a definição do CFE para a formação
profissional em Educação Física.
Consequentemente, em poucos meses, como demonstra Tojal
(1989), a proposta de Bacharelado em Educação Física não apenas ingres-
sou no rol de cogitações do relator e grupo de trabalho do CFE, como foi
incorporada ao Parecer e à Resolução que tratavam, inicialmente, do curso
de Licenciatura em Educação Física, aprovada em 11 de março de 1987,
por unanimidade, no Plenário do CFE, e, posteriormente, homologada na
forma da Resolução CFE n. 3, de 16 de junho de 1987, a qual fixou “os
mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de gradua-
ção em Educação Física (Bacharelado e/ou Licenciatura Plena)” (BRASIL,
1987b).
Chama-se atenção, nesse marco histórico de reformulação dos dispo-
sitivos normativos da formação em Educação Física com a introdução, mal-
grado o relativo ineditismo, do Bacharelado, para o gérmen dessa enfática
defesa de parte dos intelectuais da área. Nozaki (2004, p. 180) dá indicativos
dessa tática adotada ao correlacionar com as ações para Regulamentar a
Profissão de Educação Física. Nessa direção, o autor destaca a realização na
cidade do Rio de Janeiro, em 1972, do III Encontro de Educação Física, or-
ganizado pela Associação dos Professores de Educação Física da Guanabara,
em que foi debatido, dentre outros eixos, os “Conselhos Regionais e Federal
dos Titulados em Educação Física e Desportos”.
Nozaki (2004) salienta o uso do termo “Titulados” para diferenciar
de Professores e, dessa forma, justificar a existência de uma outra Profissão.
O principal empecilho, a essa altura, para Regulamentar a Profissão de
Educação Física, incidia sobre a já regulamentada profissão de Professor.
Portanto, a diferenciação precisaria existir desde a formação, vindo a calhar
com a introdução do Bacharelado.

154
Capítulo 9 – Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no Brasil: síntese e
apontamentos

Aditado a isso, Faria Junior (1987) argumenta que a defesa do pro-


fissional especializado, distinto do Licenciado, que se expressou sob a de-
nominação do Bacharel em Educação Física, atendia, naquele contexto, às
necessidades urbanas, de cidades de grande e médio porte, indicadas por
pesquisas, com amostras não representativas sobre mercado de trabalho, que
incorreria no esfacelamento da profissão, na constituição de agrupamentos
corporativistas e no fortalecimento da visão do profissional de Educação
Física como técnico. Em síntese, de acordo com o autor, seria inapropria-
da a utilização da terminologia bacharelado “para um profissional que vai
exercer o magistério (ainda que não nas escolas de 1º e 2º graus) em clubes,
academias e instituições afins, condomínios, etc. Parece-nos que é justa-
mente aí que se precisa cada vez mais do licenciado, do educador” (FARIA
JUNIOR, 1987, p. 29).
Dessa forma, conforme sugere Nozaki (2004), a falta de legitimida-
de do Bacharelado em Educação Física, somada a falta de clareza dos seus
pressupostos, implicou em uma baixa adesão desta possibilidade formativa
pelas Instituições de Ensino Superior (IES), visto que passados oito anos da
aprovação da referida Resolução CFE n. 03/1987, a pesquisa de Quelhas
(2003 apud NOZAKI, 2004) identificou que apenas cinco cursos de gra-
duação, dos 128 existentes no país, eram de Bacharelado.
Contudo, na segunda metade da década de 1990, com a reabertura
do processo de discussão das normas orientadoras dos cursos de gradua-
ção em Educação Física, por ocasião da determinação legal em relação à
substituição da fixação detalhada de um currículo mínimo por Diretrizes
Curriculares, retomou-se, de modo agudizado, o embate de perspectivas
antagônicas para a formação em Educação Física. Diferentemente do ime-
diatismo de outras áreas profissionais na definição dos seus novos dispositi-
vos oficiais orientadores, o processo de discussão na Educação Física durou,
aproximadamente, seis anos, levando em consideração a composição da
primeira comissão de especialistas responsável por coordenar os trabalhos,
em 1998, até o seu desfecho por meio da aprovação do Parecer CNE/CES
n. 58, de 18 de fevereiro de 2004 (BRASIL, 2004a), e sua consequente
Resolução CNE/CES n. 7/2004 (BRASIL, 2004b).
Nessa oportunidade, ganhou destaque a atuação do Sistema for-
mado pelo Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e seus res-
pectivos Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs), já constituído
como o “organizador da mercantilização do campo da Educação Física”
(GAWRYSZEWSKI, 2008, p. 3), logo, grande interessado na garantia de
uma formação específica para o propalado mercado do fitness, o Bacharel
em Educação Física.

155
Anibal Correia Brito Neto - Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito

Com forte ingerência nos atos administrativos governamentais di-


recionados à política educacional, o Sistema CONFEF/CREFs além de
dominar os trâmites institucionais de aprovação das DCN conseguiu sujei-
tar notáveis entidades e intelectuais progressistas da área ao seu projeto de
formação, naquilo que ficou conhecido inusitadamente como o “consenso
possível”.
Ao submeter à crítica os parâmetros teórico-metodológicos orienta-
dores das DCN aprovadas pelo Parecer CNE/CES n. 58/2004 e Resolução
CNE/CES n. 7/2004, Brito Neto et al. (2011) assinalou que a opção por
uma concepção de Educação Física voltada à promoção da saúde, bem como
a recorrente utilização da expressão movimento humano não consideravam
as relações sociais de produção da existência humana, o que aproximava tal
formulação das “teorias educacionais não críticas” (SAVIANI, 2003). Além
disso, o predomínio da pedagogia das competências e o pragmatismo da
suposta indissociabilidade teoria e prática foram caracterizados como for-
mas de subsunção da educação à sociabilidade capitalista. Por fim, o estudo
também examinou a ambiguidade no que se refere à ausência de referências
ao termo Bacharelado em Educação Física em favor da expressão graduação.
Diante de um contexto de insatisfação, dúvidas e imprecisões sobre
os limites e possibilidades ensejados pelas novas DCN, a área da Educação
Física vivenciou, em um primeiro momento, intensa mobilização no sentido
da formulação de críticas, interpretações e perspectivas superadoras em rela-
ção ao dispositivo legal outorgado, caminho este que logo cedeu lugar para
o amplo processo de judicialização da lide relacionando formação e atuação
profissional em Educação Física, a qual tem reproduzido em juridiquês, o
típico embate de projetos para a Formação Profissional na área.
Apesar de constantemente demandado pelo sistema judiciário para
se pronunciar sobre a matéria, é somente no ano de 2011 que o CNE/CES
reabre o processo referente à revisão do texto das DCN para os cursos de
graduação em Educação Física, com a primeira e única audiência pública
convocada oficialmente por este órgão ocorrendo em 2015. Dessa forma,
contrário ao anúncio de uma pretensa ampliação do debate sobre as DCN,
o que se observou foi, novamente, a ausência dos personagens basilares para
efetivação de qualquer ato normativo educacional, quer seja, a numerosa
comunidade dos 1.309 cursos de Educação Física alastrado em todo o ter-
ritório nacional.

156
Capítulo 9 – Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no Brasil: síntese e
apontamentos

O projeto de formação subjacente às novas DCN para a educação física


Logo no primeiro contato com o Parecer CNE/CES n. 584/2018
(BRASIL, 2018a), chama atenção a flagrante omissão do relator quanto aos
acontecimentos que antecederam a aprovação deste importante documento.
De forma distinta dos últimos Pareceres que aprovaram os preceitos legais
orientadores dos cursos de graduação em Educação Física no país (BRASIL,
1987a, 2004a), nos quais já no seu preâmbulo estava presente a versão
oficial dos acontecimentos históricos da sua admissão, o novo documento
evidencia completo desprezo dos seus sistematizadores com o princípio da
publicidade e o registro dos fatos para a posteridade.
Diante do interstício de, aproximadamente, 15 anos que separam a
promulgação dos últimos marcos legais da formação em Educação Física
(BRASIL, 2004a, 2004b 2018a, 2018b), assinalado por forte conturbação
na comunidade acadêmica e profissional acerca das disposições vigentes
até 2018, com implicações incalculáveis, inclusive, na esfera judicial, seria
prudente e razoável que o órgão responsável por “assegurar a participação
da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional” (BRASIL, 1995),
ao menos justificasse as opções realizadas, em especial, a guinada de uma
pretensa extinção dos cursos de Bacharelado em Educação Física (BRASIL,
2015) para a expansão demasiada do raio de ação desta formação, a qual
arrematou todo e qualquer campo de intervenção exterior à Educação Básica
(BRASIL, 2018a, 2018b).
Vale frisar que a aprovação do Parecer CNE/CES n. 584/2018, mate-
rializou a primeira manifestação favorável deste órgão acerca da compulsória
delimitação dos fundamentos da formação do Licenciado em Educação
Física voltarem-se, exclusivamente, à docência do componente curricu-
lar Educação Física, enquanto os da formação do Bacharel em Educação
Física, direcionarem-se aos demais campos de intervenção profissional da
área (BRASIL, 2018a, 2018b).
Como podemos observar, a considerável documentação registrada
ao longo de todo o intenso e duradouro embate relacionado às restrições
dos campos de atuação profissional dos Licenciados em Educação Física é
reiterativa quanto ao posicionamento contrário desta CNE/CES aos atos
praticados pelo Sistema CONFEF/CREFs, no sentido da inapropriada cir-
cunscrição deste perfil profissional ao universo exclusivo da Educação Básica
(BRASIL, 2005, 2011a, 2011b, 2012).
Nesse sentido, ao que tudo indica, a decisão por um Parecer a his-
tórico, com evasivas que alegam uma construção coletiva, pautada na “[...]
evolução pensada, gradual, responsável e sem trauma, focada no propósito

157
Anibal Correia Brito Neto - Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito

educacional, profissional e de segurança jurídica” (BRASIL, 2018a, p. 5),


visa, primeiramente, escamotear a luta contumaz de projetos antagônicos
para a formação em Educação Física, além de buscar ocultar os vestígios
que revelam a supremacia de determinado(s) agrupamento(s) acadêmicos
e profissionais na redefinição dos rumos das DCN para a área. Portanto, é
no mínimo estranho que em uma conjuntura marcada por grande mobi-
lização em defesa da perspectiva ampliada da Licenciatura e de contínuas
manifestações favoráveis a esta perspectiva pelo então relator, conselheiro
Paulo Monteiro Vieira Braga Barone, tenha seu desfecho tão distinto, em
face da mudança da relatoria para o conselheiro Luiz Roberto Liza Curi.
Em vista disso, cabe maior atenção em relação à íntima correspon-
dência entre o projeto de formação aprovado nas DCN e as perspectivas
formativas apresentadas pelas universidades estaduais paulistas e pelo CREF
4/SP, por ocasião do Encontro promovido pela Escola de Educação Física e
Esporte (EEFE) da USP, no ano de 20161, o qual contou com a participação
do conselheiro Luiz Roberto Liza Curi, que naquela oportunidade ocupava
a presidência da comissão que examinava as DCN para a área.
Em síntese, conforme exara o Art. 5º da Resolução CNE/CES n.
6/2018, a nova configuração indica um curso de graduação em Educação
Física, com ingresso único, desdobrado em uma etapa comum a ambas
as formações, seguida pela etapa específica, direcionada à formação em
Licenciatura ou Bacharelado. Pelo exposto, a liberdade institucional an-
teriormente assegurada para decidir sobre a oferta exclusiva de cursos de
Licenciatura e/ou Bacharelado foi extinta, tornando-se compulsória a oferta
das duas possibilidades de formação pelas IES.
Embora o Art. 5º, § 3º, da Res. n. CNE/CES 6/2018 assinale a
possibilidade de integração de alguns temas e conteúdos da etapa especí-
fica, assim como, o Art. 30 admita como alternativa a dupla formação em
Bacharelado e Licenciatura, o texto normativo impele a pensar ou mes-
mo forjar elementos de diferenciação entre as duas opções de formação,
já que está descartada a viabilidade de experiências que abranjam a totali-
dade da prática social Educação Física em uma única formação, tal qual a
Licenciatura de caráter ampliado2.

1
Realizado no dia 18 de março de 2016, nas dependências da EEFE/USP, o Encontro contou com
as seguintes exposições: Conselheiro Luiz Roberto Liza Curi (CNE), Profa. Margareth Anderáos e
Prof. Alexandre Janotta Drigo (CREF4/SP), Prof. Miguel de Arruda (Unicamp), Prof. Mauro Betti
(Unesp) e Prof. Go Tani (USP). Disponível em: http://www.eefe.usp.br/?destaque/mostrar/id/1021.
Acesso em: 16 fev. 2019.
2
Indica-se como matéria a ser aprofundada a produção de Santos Júnior (2005), Taffarel (2012) e
Ribeiro et al. (2015).

158
Capítulo 9 – Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no Brasil: síntese e
apontamentos

Do escrutínio das indicações endereçadas à etapa da formação es-


pecífica em Licenciatura e Bacharelado, precipuamente os Art. 10 e 19 da
Resolução n. CNE/CES 6/2018, devido suas referências em relação aos
fundamentos que devem orientar tal formação, não resta dúvida quanto
ao predomínio do princípio da simetria invertida como critério para a seg-
mentação formal do curso de graduação em Educação Física, visto que o
foco está na correspondência direta dos parâmetros teórico-metodológicos
desenvolvidos durante a formação e as necessidades imediatas da interven-
ção profissional em campos, de trabalho, específicos.
Tal perspectiva já foi objeto de crítica formulada por Taffarel, Lacks e
Santos Júnior (2006), os quais apresentaram mediações da vinculação desta
acepção com a lógica da empregabilidade, de modo que a formação profis-
sional passaria a ser definida pelas demandas do mercado. É também sobre
esse aspecto que recai outra eminente inconsistência de se voltar a formação
ao imediato atendimento ocupacional, em especial quando consideramos a
excêntrica divisão dos campos de trabalho correspondentes à Licenciatura e
o Bacharelado em Educação Física, em que a primeira voltar-se-ia ao campo
escolar da Educação Básica3, enquanto o segundo, de acordo com o Art. 18
da Resolução CNE/CES n. 6/2018, para o vasto campo do
[...] treinamento esportivo, orientação de atividades físicas, prepara-
ção física, recreação, lazer, cultura em atividades físicas, avaliação física,
postural e funcional, gestão relacionada com a área de Educação Física,
além de outros campos relacionados às práticas de atividades físicas,
recreativas e esportivas. (BRASIL, 2018b, p. 5).

Assim, como contraria Nozaki (2017), seriam necessários vários


Bacharelados em Educação Física, com o fim de cobrir a complexidade
destes campos e não apenas um. Portanto, advertimos que o predomínio
desta segmentação formal e a científica, com base em campos escolares e não
escolares, ademais de manifestar um equívoco de natureza epistemológica,
apresenta graves consequências acadêmico-profissionais e políticas, visto
que além de subtrair conhecimentos de ambas as formações e reforçar a
tese da especialização prematura na etapa inaugural da educação superior,
legitima a ingerência policialesca dos conselhos profissionais sobre os/as
trabalhadores/as da área, com base no diploma obtido.

3
Sobre esse aspecto, vale advertir, com base no princípio da coerência interna da norma, a flagrante
imprecisão exposta no Art. 20, da Resolução CNE/CES n. 6/2018, quando expõe a atuação do
bacharel em Educação Física nos campos de intervenção previstos no caput do Art. 10, o qual se
refere ao magistério/docência do componente curricular Educação Física. Pelo exposto, julgamos
que, ao invés da referência ao Art. 10, a indicação apropriada seria em relação ao Art. 18 da mesma
norma.

159
Anibal Correia Brito Neto - Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito

Cabe ainda inferir que outras cisões presumivelmente surgirão a


partir da proposta expressa no Art. 5º, § 1º, da Resolução CNE/CES n.
6/2018. Se, por um lado, a ideia referente à realização de consulta oficial
para que os graduandos escolham a formação que pretendem seguir pode
levar ao esvaziamento da Licenciatura ou do Bacharelado, por outro lado,
a definição de critérios pré-estabelecidos para que essa escolha ocorra pode
implicar no engendramento de hierarquias entre os cursos e na concorrência
predatória entre os estudantes durante a etapa comum, solapando o que se
entende potencialmente por ‘escolha’.
Dessa forma, diante das limitações postas, acentua-se a urgência do
debate sobre as possibilidades associadas à luta histórica por uma forma-
ção de natureza generalista/ampliada em Educação Física. Para tanto, as
evidências que denotam a especificidade do trabalho na área, assim como
a dinâmica atual dos cursos de graduação em Educação Física podem nos
fornecer importantes indícios.

A persistência na afirmação de um projeto de formação unificada


Em recente investigação sobre os campos de trabalho dos egressos
dos Cursos de Graduação em Educação Física da Universidade Federal de
Goiás (UFG), Furtado e Santiago (2015) revelam uma máxima que está
presente na maioria das Cidades do Brasil: os dois campos preponderantes
de intervenção do/a professor/a de Educação Física são a escola e a aca-
demia de ginástica, representando 54% da amostra, com destaque para o
percentual de 20% que não trabalhava na área da Educação Física. Dentre
os demais campos de trabalho, há que se considerar que existem outros,
tem-se a Educação Superior (principalmente as atividades de tutoria nos
cursos Educação à Distância), atividades no âmbito do Esporte (iniciação
esportiva, treinamento desportivo, políticas públicas de esporte, clubes),
além das atividades de Lazer (hotéis, associações).
Nos diversos campos de trabalho em que os/as professores/as vão
atuar, os conteúdos requisitados serão correlatos. Todos estarão inseridos
no campo da expressão corporal como linguagem social, que se radicalizam
naquilo que pode ser denominado como cultura corporal, e nesse campo
não há como existir divergências, ao reconhecer nos jogos; nas danças; nas
lutas; nas artes de combate japonesas; na capoeira; nos exercícios ginásticos;
nos esportes; no malabarismo; no contorcionismo; na mímica, o conteúdo
material para a intervenção na área (SOARES et al., 2012).

160
Capítulo 9 – Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no Brasil: síntese e
apontamentos

Concorda-se, nessa esteira, com a síntese apresentada por Souza


(2009) relativa ao debate da Educação Física como ciência. Imersa na rea-
lidade dos novos campos epistemológicos, a autora insere a Educação Física
entre as ciências da prática, sem realizar uma oposição entre teoria e prática,
mas problematizando e apresentando os limites, ao delimitar a Educação
Física como ciência básica ou ciência aplicada.
Nessa direção, Nozaki (2004) chama atenção ao apresentar os limites
do corpo argumentativo que se propõe sustentar a existência do Bacharelado
em Educação Física. Analisa que devido à natureza do trabalho, nos distin-
tos campos de intervenção do/a professor/a de Educação Física, ser a do-
cência que se expressa como trabalho pedagógico, o Bacharelado (formação
específica) acaba por equivaler-se à própria Licenciatura.
A análise de Nozaki (2004) realizada no período da promulgação da
Resolução CNE/CES n. 7/2004, foi confirmada por meio da investigação
realizada por Lima e Monte (2015) a respeito de 27 cursos de Educação
Física presentes em universidades públicas que possuíam a dupla formação.
O conteúdo das matrizes curriculares desses cursos, revelou, em nível nacio-
nal, que a diferença incide sobre 26% das disciplinas dos cursos, portanto,
74% das disciplinas desses cursos investigados possuíam conteúdos comuns
e/ou afins, com alguns casos em que a matriz curricular era única para os
dois cursos.
A compreensão de similaridade entre os cursos, com a necessária
ampliação de conteúdo das Licenciaturas tendo em vista as especificidades
da educação básica, foi afirmada e ratificada pelo CNE em algumas oportu-
nidades. Destaca-se aqui, a melhor síntese acerca dessa querela realizada por
meio do Parecer CNE/CES n. 274, de 6 de julho de 2011, dos conselheiros
Paulo Vieira Braga Barone e Maria Beatriz Moreira Luce,
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em
Educação Física são únicas, e qualquer outra interpretação é impró-
pria. Os conteúdos curriculares, assim como as competências e habili-
dades previstas nas Diretrizes, referentes ao campo técnico-científico da
Educação Física, são idênticas para a licenciatura e o bacharelado, não
havendo divisão possível para nenhum efeito. Mais uma vez, deve ser
ressaltado que a licenciatura requer competências adicionais, nos termos
da já citada Resolução CNE/CP nº 1/2002. (BRASIL, 2011a, p. 5-6).

Portanto, o que está posto no patamar material da formação em


Educação Física é a ampliação da unidade entre os profissionais, tendo em
vista a similaridade entre conteúdos e práticas profissionais, ou o fortaleci-
mento de conjecturas em direção a divisão da formação com o objetivo de

161
Anibal Correia Brito Neto - Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito

limitar a intervenção nos campos de trabalho? Aqui defendemos a neces-


sária unidade entre os trabalhadores pela unicidade de seus conteúdos de
trabalho, pela natureza das suas intervenções profissionais, pela formação
em nível superior, balizada na ciência moderna e, por compartilharem de
condições semelhantes de trabalho nos distintos campos de intervenção.
No particular das condições de trabalho dos/as professores/as de
Educação Física, considera-se as principais tendências, do século XXI,
dentre os campos de trabalho: academias de ginástica e escola. Acerca da
primeira, Antunes (2003) demonstrou, ao investigar o trabalho de “ins-
trutores de ginástica” em cidades do interior de São Paulo, que 52,3% não
possuíam registro na carteira de trabalho e 76,9% dos instrutores estavam
pouco ou nada satisfeitos com o salário.
Gawryszewski e Coimbra (2008) apresentam um conjunto de ele-
mentos que demonstraram o quadro de precarização do trabalho do/a pro-
fessor/a de Educação Física no estado do Rio de Janeiro a partir das ações
das entidades que organizam os donos das redes de academias de ginástica.
Quelhas (2012), ao pesquisar academias de ginástica, na cidade do
Rio de Janeiro, que apresentam o mais elevado nível de desenvolvimento no
segmento fitness, constatou que, a jornada de trabalho do/a professor/a de
Educação Física, expressa-se como muito elevada, ao ponto de ultrapassar as
8 horas de duração por dia para àqueles que possuem mais de um vínculo.
Nessa direção, Mendes (2010) observou que, por motivos relacionados à
busca pelo aumento da remuneração, 54,7% dos/as professores/as possuíam
dupla jornada de trabalho, em Brasília, alguns com quatro vínculos laborais
(9,4%).
A saúde desses/as professores/as é severamente prejudica. Quelhas
(2012) reporta a existência de elevada queixa de lesão nos joelhos; calos nas
cordas vocais; crises de stress; cansaço extremo e outros problemas, oriundos
da exaustiva jornada de trabalho. Na pesquisa desenvolvida por Hartwig
(2012), em academias de ginástica da cidade de Pelotas, verificou-se que
87,9% dos entrevistados relataram alguma dor/desconforto em alguma re-
gião do corpo no último ano.
A média salarial continua a ser um ponto de insatisfação, como des-
tacou Antunes (2003). Quelhas (2012) chama atenção para os valores da
hora-aula que variavam de R$ 4,50 à R$ 40,00, conforme a função exercida.
Mendes (2010) frisa que a média salarial no salão de musculação, por ho-
ra-aula, era de R$ 10,00 e de R$ 20,00 nas aulas coletivas. Borges (2015),
em pesquisa no município de Ananindeua (PA), com professores/as que
atuavam com a musculação, constatou que a maioria (81,2%) recebia entre
R$ 10,00 e R$ 15,00 por hora de trabalho.

162
Capítulo 9 – Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no Brasil: síntese e
apontamentos

Cruz e Monte (2017), a partir de pesquisa com professores/as que


atuam em academias de ginástica na cidade de Belém (PA), identificaram
que as relações de trabalho são precárias ao não existir plano de carreira,
horas-extras, Participação nos Lucros ou Resultados (PLR) ou outros be-
nefícios. Além disso, a remuneração média desses/as professores/as ficou na
faixa entre um a dois salários mínimos para 80% dos investigados.
Esse quadro não difere das condições de trabalho no ambiente es-
colar. Silva (2006), em investigação sobre as condições de trabalho dos/
as professores/as da rede municipal de Campinas, descreve o quantitativo
insuficiente de materiais para desenvolver a disciplina Educação Física com
as turmas. Esse quadro se agrava com as condições infra estruturais dos
locais para realizar as aulas, ainda competindo com os demais estudantes
no momento da utilização do “pátio” ou da área do refeitório.
Além disso, não há uma mudança de realidade quando se utiliza o
critério salarial para a análise. Apesar de se configurar como servidores pú-
blicos, portanto, regidos sobre o Regime Jurídico Único, a valorização do
profissional do magistério da educação básica ainda não foi conquistada,
mesmo ciente da vitória da categoria com a aprovação da Lei n. 11.738,
de 16 de julho de 2008 (BRASIL, 2008), que estipulou o piso salarial pro-
fissional nacional para os profissionais do magistério público da educação
básica, vários estados e municípios não têm cumprido essa base legal.
Em 2003, o número de escolas públicas municipais com a existên-
cia de instalações esportivas era de 12,0% (IBGE, 2006). Esse percentual
avançou, em 2016, para 27,3%, ou seja, em 13 anos o número de escolas
públicas municipais que não possuíam instalações esportivas continuou
presente para 72,7% dos municípios brasileiros (IBGE, 2017).
Imersos nessas condições de trabalho, os agravos à saúde decorren-
tes da psicodinâmica do trabalho são expressivos. Os casos de o Síndrome
do Esgotamento Profissional (SEP), assim como de Síndrome de Burnout
começam a ser investigados entre os/as professor/as de Educação Física das
redes de educação básica. O que se tem verificado, produto dessas pesqui-
sas, é a desistência, os sentimentos negativos, o desgaste físico e emocional,
decorrentes das precárias condições de trabalho, das baixas remunerações,
de ausência de perspectivas para o desenvolvimento na carreira (BOTH;
NASCIMENTO, 2010; PIRES; MONTEIRO; ALENCAR, 2012;
SANTINI; MOLINA NETO, 2005; SINOTT et al., 2014; VALÉRIO;
AMORIM; MOSER, 2009).
Portanto, o percurso traçado para a construção da profissionalização
na área da Educação Física, ao longo das últimas quatro décadas, foi de
avanço do conservadorismo e do corporativismo na área, com vistas a criar

163
Anibal Correia Brito Neto - Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito

nos campos de trabalho condições favoráveis para a exploração da força


de trabalho qualificada. Dessa forma, o projeto dos defensores da divisão
na área da Educação Física, em Licenciatura e Bacharelado, naufragou ao
não garantir o status esquadrinhado por parte dos signatários da tese da
Regulamentação da Profissão.
No plano imediato, ante os campos de trabalho e as condições de tra-
balho postas hoje, assim como a nítida unicidade da formação em Educação
Física, apesar da divisão legal imposta pela Resolução CNE/CES n. 6/2018
e o seu reconhecimento de permissibilidade da formação unificada, o pro-
jeto que precisa ser reafirmado é àquele construído nos idos da década de
1980, expresso da formação generalista, maturada e lapidada pela síntese
que se imprimiu para a Licenciatura de caráter ampliado, pela compreensão
histórico-político-econômica, assim como dos parâmetros teórico-metodo-
lógicos e epistemológicos da área, que dão identidade à intervenção do/a
professor/a de Educação Física em todos os campos de trabalho.

Considerações finais
Transcorridas oito décadas da primeira lei com o propósito de impri-
mir unidade à formação profissional em Educação Física em todo o país, das
quais três delas expressaram, com veemência, a luta entre campos políticos
antagônicos pela primazia de seus projetos político-pedagógicos. Exprime-
se crescentemente a necessidade de coligir algumas lições desse processo.
A primeira lição diz respeito às mudanças na correlação de forças
a partir da regulamentação da profissão e estabelecimento do Sistema
CONFEF/CREF. Dotado de estrutura capilarizada, arrecadação multimi-
lionária e forte lobby político, esta instituição tem conseguido impor seus
arbítrios não apenas nos litígios da formação profissional, mas em várias
outras pautas na área. Trata-se, contudo, de uma dinâmica contraditória, a
qual tem acirrado ao mesmo tempo o seu polo reverso, isto é, ao passo que
o conselho profissional dita os seus desígnios despoticamente e afeta a vida
de muitos estudantes e trabalhadores, o nível de insatisfação em relação a
esta corporação também tende a evoluir progressivamente.
A segunda, concerne ao descaso de muitos estudantes, profissionais
e intelectuais da área acerca da ascensão considerável do conservadorismo
nas múltiplas frentes de intervenção da Educação Física. A indiferença,
a acomodação e o oportunismo têm possibilitado que posturas abusivas
tenham galgado o rito habitual na definição das políticas, regulamentos e
práticas institucionais.

164
Capítulo 9 – Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no Brasil: síntese e
apontamentos

O terceiro aspecto, revela a terceira lição, se relaciona com a aprova-


ção deste novo ato normativo que passou a orientar a política de formação
em Educação Física a partir de 2018. Mesmo que este tenha efetivado as
aspirações dos setores conservadores/corporativistas, com a anuência de
grupos reformistas pela preservação do Bacharelado na área, não se deve
suprimir a luta por uma concepção generalista/ampliada desta formação, o
que inclui levar às últimas consequências as possibilidades de integração das
áreas específicas e de dupla formação durante o processo de reorganização
das propostas curriculares dos cursos de Educação Física.

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165
Anibal Correia Brito Neto - Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 7, de 31 de março de 2004.


Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação
Física, em nível superior de graduação plena. Brasília, DF: Conselho Nacional de
Educação, 2004b. Disponível em: https://goo.gl/oSKLBC. Acesso em: 12 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 400, de 24 de novembro de 2005.
Consulta sobre a aplicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica e das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos
de graduação em Educação Física ao curso de Educação Física (licenciatura), tendo
em vista a Resolução CONFEF no 94/2005. Brasília, DF: Conselho Nacional de
Educação, 2005. Disponível em: https://goo.gl/kBXgDH. Acesso em: 12 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer n. 274, de 06 de julho de 2011.
Indicação referente à revisão do texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para curso
de Graduação em Educação Física. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação,
2011a. Disponível em: https://goo.gl/XbSkFA. Acesso em: 12 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer n. 82, de 03 de março de 2011.
Solicitação de informações relativas aos cursos de Instrutor e Monitor de Educação
Física. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação, 2011b. Disponível em: https://
goo.gl/ncQvdJ. Acesso em: 12 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 255, de 06 de junho de 2012.
Reexame do Parecer CNE/CES nº400/2005, trata de consulta sobre a aplicação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica e
das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física
ao curso de Educação Física (licenciatura), tendo em vista a Resolução CONFEF no
94/2005. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação, 2012. Disponível em: https://
goo.gl/nFM8bq. Acesso em: 12 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Minuta de Projeto de Resolução para au-
diência pública de 11/12/2015. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso
de graduação em Educação Física, Licenciatura. Brasília, DF: Conselho Nacional de
Educação, 2015. Disponível em: https://goo.gl/jAvGcp. Acesso em: 12 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. COMISSÕES (atualizado em março de
2017). Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação, 2017. Disponível em: https://
goo.gl/VTaJ3Z. Acesso em: 12 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer nº 584, de 03 de outubro de 2018.
Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Educação Física. Brasília,
DF: Conselho Nacional de Educação, 2018a. Disponível em: https://goo.gl/5x7UBT.
Acesso em: 12 jan. 2019.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 6, de 18 de dezembro de 2018.
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação
Física e dá outras providências. Brasília, DF: Conselho Nacional de Educação, 2018b.
Disponível em: https://goo.gl/qTYoX2. Acesso em: 12 jan. 2019.

166
Capítulo 9 – Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no Brasil: síntese e
apontamentos

BRASIL. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso


III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para ins-
tituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público
da educação básica. Brasília, DF: Presidência da República, 1995. Disponível em:
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Educação Física e a burguesia do fitness: ACAD/ SINDACAD e CONFEF. EFDeportes,
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d120/a-precarizacao-do-trabalho-do-professor-de-educacao-fisica.htm. Acesso em: 5
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atuantes em academias da cidade de Pelotas-RS. 2012. 183 f. Dissertação (Mestrado em
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos
Municípios Brasileiros: Esporte 2003. Rio de Janeiro: IBGE, 2006.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos estados
e dos municípios brasileiros: Esporte 2016. Rio de Janeiro: IBGE, 2017.
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teóricos e base legal da formação do bacharel e do licenciado nas Instituições Públicas de
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em Educação Física) – Curso de Educação Física, Universidade do Estado do Pará,
Belém, PA, 2015.

167
Anibal Correia Brito Neto - Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito

MENDES, A. D. Atuação profissional e condições de trabalho do educador físico em aca-


demias de atividades físicas. 2010. 210 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)
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Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.
TAFFAREL, C. N. Z. A formação do profissional da educação: o processo de trabalho
pedagógico e o trato com o conhecimento no curso de Educação Física. 1993. 301 f.
Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 1993.

168
Capítulo 9 – Três décadas de embates pela formação profissional em educação física no Brasil: síntese e
apontamentos

TAFFAREL, C. N. Z.; LACKS, S.; SANTOS JÚNIOR, C. de L. Formação de


Professores de Educação Física: estratégia e táticas. Motrivivência, ano 18, n. 26, p.
89-111, jun. 2006.
TAFFAREL, C. N. Z. Formação de professores de educação física: diretrizes para a
formação unificada. Kinesis, v. 30, n. 1, p. 95-133, 2012a.
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de Piracicaba, Piracicaba, 1989.
VALÉRIO, F. J.; AMORIM, C.; MOSER, A. M. A síndrome de Burnout em profes-
sores de Educação Física. Revista de Psicologia da IMED, v. 1, n. 1, p. 127-136, 2009.

169
Sobre os Autores

Alvaro de Azeredo Quelhas


Licenciado em Educação Física (1984) e Pedagogia (1989) pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Concluiu o Mestrado
em Educação Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ,
1995) e o Doutorado em Ciências Sociais na Universidade Estadual Paulista
(UNESP, 2012), analisando a precarização do trabalho do professor de
educação física no segmento fitness. Trabalhou como professor de educação
física na educação básica da rede pública da Prefeitura do Rio de Janeiro du-
rante doze anos, tendo também, experiência profissional em academia e clu-
be daquela cidade. Desde 1997, é professor do Departamento de Educação
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
onde atua principalmente nas disciplinas de metodologia do ensino e estágio
supervisionado para licenciandos em educação física.

Ângela Celeste Barreto de Azevedo


Doutora em Educação Física pela Universidade Gama Filho (UGF).
Realizou estudo de Pós-Doutoramento em políticas curriculares para for-
mação de professores na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Atualmente é professora associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), atuando no Curso Superior de Educação Física e no Programa de
Pós-Graduação em Tecnologia para o Desenvolvimento Social. É coorde-
nadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Vitor Marinho EEFD/UFRJ e
membro do comitê científico do GTT Formação Profissional e Mundo do
Trabalho do CBCE. Tem experiência em docência, direção e coordenação
acadêmica nas áreas de Educação e Educação Física/Esporte, com atuação
e outras publicações nos temas currículo, história, projeto pedagógico e
pedagogia.

171
Anibal Correia Brito Neto
Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), com período sanduíche na University of Edinburgh. Professor
efetivo da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Membro do grupo de
pesquisa Ressignificar/UEPA – Experiência Inovadoras na Formação de
Professores e Prática Pedagógica em Educação Física. Atua nos seguintes
temas: política educacional, formação de professores e prática pedagógica.

Cláudia Aleixo Alves


Doutora e Mestre em Educação Física pela Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES), na linha de pesquisa Educação Física, Currículo
e Formação Docente. Realizou doutorado sanduíche na Universidade do
Minho em Portugal. Professora de Educação Física efetiva do Instituto
Federal Fluminense - Campus Itaperuna/RJ. Tem experiência como pro-
fessora na educação básica e realiza estudos na área de currículo e formação
profissional em educação física.

Cláudio de Lira Santos Júnior


Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Professor da UFBA, atuando na Graduação e na Pós-graduação. Realizou
estudos de pós-doutoramento em Educação Escolar na UNESP-Araraquara.
Coordena o Grupo Linha de Estudos e Pesquisas em Educação, Esporte
e Lazer (Lepel). Trabalha com temas ligados a educação e educação física,
como formação de professores, ensino de educação física com base na pe-
dagogia histórico-crítica e na abordagem crítico-superadora. Está na luta
contra o golpe de 2016, contra o fascismo, pela liberdade de Lula e reesta-
belecimento da democracia no Brasil.

Eliane do Socorro de Sousa Aguiar Brito


Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), com período sanduíche na University of Edinburgh. Professora
efetiva da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Membro do grupo de
pesquisa Ressignificar/UEPA – Experiência Inovadoras na Formação de
Professores e Prática Pedagógica em Educação Física. Atua nos seguintes
temas: política educacional, formação de professores e prática pedagógica.

172
Sobre os Autores

Emerson Duarte Monte


Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA),
com período sanduíche na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Professor efetivo da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Líder do
Grupo de Pesquisa Ressignificar/UEPA. Coordenador da Especialização em
Pedagogia da Cultura Corporal/UEPA. Atua nos temas: trabalho docente,
política educacional e de esporte, formação de professores, expansão e fi-
nanciamento da educação superior, carreira do magistério superior.

Hajime Takeuchi Nozaki


Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Juiz de Fora (FACED/UFJF). Sócio do CBCE desde 1993, atuou como
membro da Secretaria Estadual do Rio de Janeiro e do Comitê Científico do
GTT Formação Profissional e Mundo do Trabalho. Membro do Movimento
Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física
(MNCR), desde sua criação, em 1999. Dedica-se aos estudos na área de
Trabalho e Educação e Economia Política, atuando principalmente nos
seguintes temas: mundo do trabalho e educação física, formação humana
e marxismo.

Leon Ramyssés Vieira Dias


Mestre em Tecnologia para o Desenvolvimento Social pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente atua como
professor da Educação Básica na Rede Pública de Ensino do município
de Araruama/RJ e no curso de licenciatura EaD em Educação Física da
Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). É membro pesquisador do
Grupo de Estudos e Pesquisas Vitor Marinho EEFD/UFRJ, no qual de-
senvolve pesquisas com outras publicações nos temas currículo, formação
humana e epistemologia da técnica.

Paulo Roberto Veloso Ventura


Doutor em Educação. Professor Concursado pela Universidade
Estadual de Goiás (UEG) como DES I - Nível 1 - Campus ESEFFEGO
(Goiânia); professor Adjunto 1 da PUC-Goiás. Lidera grupo de pesquisa
em educação física com foco na formação de professores e suas políticas
públicas. Trabalha com ênfase nas temáticas: prática pedagógica, currículo,
formação de professores, políticas públicas.

173
Raffaelle Andressa dos Santos Araujo
Doutora em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)
e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Professora de Educação Física no Instituto Federal do Maranhão (IFMA −
Campus Buriticupu) e no Programa de Formação de Professores da Educação
Básica do Plano Nacional de Ações Articuladas do MEC (PARFOR/
UFMA). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagógicas em
Educação Física (GEPPEF/DEF/UFMA). Pesquisadora do Centro de
Desenvolvimento de Pesquisa em Políticas de Esporte e de Lazer da Rede
CEDES-MA. Tem experiência nos seguintes temas: currículo, formação de
professores de educação física, prática pedagógica, esporte e lazer, cultura
e corpo.

Raquel Cruz Freire Rodrigues


Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Graduada em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade
de Pernambuco (UPE). Professora Adjunta pela Universidade Estadual de
Feira de Santana – UEFS. Atualmente desempenha a função de secretária
da Associação Nacional dos Profissionais da Educação − Anfope (biênio
2018-2020). Tem experiência na área de educação/educação física, com
ênfase em formação profissional, atuando principalmente nos seguintes
temas: educação física escolar, educação física e esporte, organização do
trabalho pedagógico, prática de ensino e estágio curricular.

Roberto Pereira Furtado


Doutor em Educação, professor da Faculdade de Educação Física e
Dança da Universidade Federal de Goiás – FEFD-UFG. Licenciado em
Educação Física pela ESEFFEGO-UEG, mestre em Educação pela UFG.
É líder do grupo de pesquisa ECOS – ‘Educação Física, trabalho e forma-
ção’ – onde desenvolve pesquisas que envolvem o mundo do trabalho e a
formação em educação física, especialmente sobre a organização do trabalho
no mundo do fitness e na saúde pública, os processos de precarização do
trabalho e construção de carreiras em educação física e as diretrizes curri-
culares nacionais para a graduação em educação física.

174
Sobre os Autores

Rodrigo Roncato Marques Anes


Doutor em Educação. Professor efetivo da Universidade Estadual
de Goiás (UEG)- Campus Goiânia. É membro da Secretaria Estadual
do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte e membro pesquisador da
Rede de Pesquisadores sobre Professores (as) da Região Centro-Oeste
(REDECENTRO). Tem experiência na área de educação e educação físi-
ca, com ênfase em formação de professores, educação física escolar, prática
pedagógica, currículo, esporte, lazer e políticas públicas.

Tiago Nicola Lavoura


Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Graduado em Licenciatura Plena em Educação Física pela
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Realizou pós-douto-
ramento em Educação Escolar na UNESP-Araraquara e em Educação e
Psicologia na Universidade de Aveiro (UA), Portugal. Membro do Comitê
Científico do GTT de Movimentos Sociais do Colégio Brasileiro de
Ciências do Esporte (CBCE). Professor Titular da Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação
Humana e Educação Física (GEPEFEF). Trabalha com temas afetos aos
fundamentos da educação e da educação física.

Zenólia C. Campos Figueiredo


Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e Mestre em Educação Física pela Universidade Gama Filho.
Realizou pós-doutorado na Universidade do Porto, em Portugal. Professora
Associada IV do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professora permanente
do Programa de Pós-graduação em Educação Física do CEFD. É atualmente
Pró-reitora de Graduação da UFES. Tem experiência nos campos da for-
mação de professores de educação física, do currículo de formação docente
em educação física e na pedagogia universitária.

175
Sobre os Organizadores

Marta Genú Soares


Doutora em Educação. Docente titular da Universidade do Estado do
Pará (UEPA) no Programa de Pós-Graduação em Educação e na Licenciatura
em Educação Física. Líder do Grupo de Pesquisa Ressignificar-Experiências
Inovadoras na Formação de professores e Prática Pedagógica. Atua na área
da educação com os temas: formação, currículo, prática pedagógica.

Pedro Fernando Avalone Athayde


Doutor em Política Social e mestre em Educação Física pela
Universidade de Brasília (UnB). É atualmente vice-presidente do Colégio
Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), professor e coordenador do
programa de pós-graduação da Faculdade de Educação Física da UnB.
Coordena o Grupo de Pesquisa e Formação em Educação Física, Esporte
e Lazer (AVANTE/UnB). Tem experiência na área de políticas de esporte
e lazer, sobretudo nos seguintes temas: políticas públicas, orçamento e fi-
nanciamento, direito e legislação esportiva, análise e avaliação de projetos
e programas esportivos e estudos comparados sobre políticas nacionais de
esporte.

Larissa Michelle Lara


Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(2004) e mestre em Educação Física pela mesma instituição (1999).
Realizou o Estágio Sênior Pós-doutoral (2017) na Universidade de Bath,
Reino Unido (Bolsista CAPES/Programas Estratégicos-DRI). É professora
Associada no Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação
Associado em Educação Física UEM-UEL e do Mestrado Profissional em
Rede Nacional (PROEF). É líder do Grupo de Pesquisa Corpo, Cultura e
Ludicidade (DEF/UEM/CNPq), editora-chefe da Editora da Universidade
Estadual de Maringá (Eduem) e Diretora Científica do Colégio Brasileiro
de Ciências do Esporte (CBCE).

177
Este livro foi produzido com a supervisão
técnica da EDUFRN, em maio de 2020.
Ciências do Esporte, Educação Física
e Produção do Conhecimento
em 40 Anos de CBCE

Volume 4

Formação profissional e mundo do trabalho

O volume 4 da produção acadêmica comemorativa aos 40 anos do Colé-


gio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) trata da Formação profissio-
nal e mundo do trabalho na Educação Física e recupera a linha histórica
dos eixos de produção do conhecimento sobre formação e trabalho, em
que contextualiza, na dimensão política, a essência acadêmico-científica e
a competência dos profissionais da Educação Física no exercício das práti-
cas educativas nos diferentes campos de ação profissional. O conjunto de
autores, reunidos nesse volume, constitui-se de ex-coordenadores do
GTT Formação Profissional e Mundo do Trabalho, de pesquisadores que
contribuem com o GTT desde sua criação e de novos pesquisadores com
produção relevante no campo da formação. Os 16 autores assinam em
nove capítulos do volume as construções epistêmicas abrigadas na história
e evocadas na memória das atividades dinâmicas do GTT Formação
Profissional e Mundo do Trabalho. A leitura deste volume é densa, reflexi-
va, crítica e instigadora, o que nos mobiliza, assim como toda a comuni-
dade acadêmica, de forma orgânica, para a necessária intervenção com-
promissada com a formação de sujeitos críticos e historicamente situados.

ISBN 978-65-5569-027-9

9 786555 690279 >


A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO CURRÍCULO NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL

THE INSTRUMENTALIZATION OF THE CURRICULUM IN THE


FORMATION OF PHYSICAL EDUCATION TEACHERS IN
BRAZIL

LA INSTRUMENTALIZACIÓN DEL CURRÍCULO EN LA


FORMACIÓN DE PROFESORES DE EDUCACIÓN FÍSICA EN
BRASIL

RESUMO
Este artigo analisa a intencionalidade de instrumentalização do currículo de formação de
professores de Educação Física no Brasil, por via das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais dos
cursos de graduação, evidenciando que elas têm intenção de orientar uma única organização
curricular para todo o território nacional, na qual as perspectivas acadêmica e instrumental de
currículo predominam, precarizam as formações por meio da redução do tempo e espaço
necessários à qualificação da formação profissional (licenciatura e bacharelado) e propõem um
trato simplificado do estágio supervisionado como sinônimo de prática ou de atividades de
extensão. Conclui-se que essa política curricular desconhece os pilares da formação na área,
contradiz as próprias políticas de formação de professores, limita a experiência formativa de
professores e bacharéis, e traz implicações que marcam o retrocesso dos cursos de formação
profissional em Educação Física.
Palavras-chave: Educação Física; Currículo de Formação; Diretrizes Curriculares Nacionais.

ABSTRACT
This article analyzes the intentionality of instrumental the curriculum for the formation of
Physical Education teachers in Brazil, through the current National Curriculum Guidelines for
undergraduate courses, showing that they are intended to conduct a single curricular organization
for the entire national territory, in which the academic and instrumental perspectives of the
curriculum predominate, precarious formation by reducing the time and space necessary for the
qualification of professional training (teacher of formation and baccalaureate) and propose a
simplified treatment of the supervised internship as a synonym for practice or extension activities.
It is concluded that this curricular policy ignores the pillars of formation in the area, contradicts
the teacher formation policies itself, limits the formative experience of teachers and bachelors,
brings implications that mark the setback of professional formation courses in Physical Education.
Keywords: Physical Education; Formation Curriculum; National Curricular Guidelines.

RESÚMEN
Este artículo analiza la intencionalidad de instrumentalizar el currículo de formación docente de
Educación Física en Brasil, a través de los Lineamientos Curriculares Nacionales vigentes para
los cursos de graduado universitario, demostrando que pretenden orientar una organización
curricular única para todo el territorio nacional, en la que predominan las perspectivas académicas
e instrumentales del currículo, precarización de la formación al reducir el tiempo y espacio
necesario para la calificación de la formación profesional (graduación y bachillerato) y proponer
un tratamiento simplificado de la prácticas supervisadas como sinónimo de práctica o actividades
de extensión. Se concluye que esta política curricular desconoce los pilares de la formación en el
área, contradice las propias políticas de formación docente, limita la experiencia formativa de
docentes y licenciados, trae implicaciones que marcan el retroceso de los cursos de formación
profesional en Educación Física.
Palabras clave: Educación Física; Currículum de Formación; Directrices Curriculares
Nacionales.

Introdução

O propósito deste artigo é analisar a intencionalidade de instrumentalização do currículo


de formação de professores de Educação Física no Brasil, sobretudo após a aprovação das
Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs dos cursos de graduação publicadas em 2018
(Resolução CNE/CES no 6, de 18 de dezembro de 2018).

A intencionalidade de instrumentalização dos currículos da área não é recente. Nota-se


essa intenção nas legislações desde o início do processo formativo de professores em
nível superior no País. Em 2001, Andrade Filho já sinalizava, em sua dissertação de
mestrado, que a cultura de formação em Educação Física continuava apontando mais para
a manutenção de uma tradição instrumentalizadora da formação do que para as rupturas
formativo-culturais idealizadas.

Com a publicação das Resoluções CNE/CES no 7/2004 e no 6/2018, a instrumentalização


voltou a se manifestar, agora num contexto de expansão desordenada do ensino superior
privado e, consequentemente, da imensa oferta de cursos de licenciatura e bacharelado
em Educação Física no Brasil.

A discussão da instrumentalização perpassa o debate do conhecimento, ainda bastante


abordado nos estudos do campo do currículo. Num contexto de reforma de currículo de
formação profissional é comum se perguntar: que conhecimento deve ser ensinado? Que
conhecimento será selecionado no currículo de formação? Que organização curricular
será possível construir se consideradas as diretrizes curriculares? Em consonância com
diferentes perspectivas de currículo, sabemos que há várias possibilidades de respostas a
essas perguntas.

Neste artigo analisamos as DCNs dos cursos de Educação Física,1 evidenciando que elas
têm intenção de orientar uma única organização curricular para todo o território nacional,
na qual as perspectivas acadêmica e instrumental de currículo predominam e indicam a
área e a organização de um modelo curricular fechado em conteúdos de ensino,
científicos, técnico-instrumentais e pedagógicos, propostos de forma acrítica, o que, por
consequência, deixa marcas de regressão na formação de professores para atuação na
educação básica. Tais marcas remontam ao currículo mínimo preconizado pela Resolução
CFE no 69/1969).2

1 A área tem por tradição adotar os referenciais legais do Conselho Nacional de Educação – CNE, sem os
questionamentos necessários a um processo de reforma curricular, com vistas ao avanço e à qualificação
dos cursos de formação de professores.
2 A Resolução no 69/69 do antigo CFE tratava da formação de professores de Educação Física em cursos
de graduação e conferia o título de Licenciado em Educação Física e Técnico em Desportos, além de
determinar o currículo mínimo nacional. Nela a instrumentalização era bem caracterizada.
O artigo está dividido em três partes. A primeira discute as perspectivas teóricas em torno
do conhecimento curricular, com foco no conhecimento instrumental e acadêmico; a
segunda apresenta uma síntese das atuais diretrizes curriculares da Educação Física,
destacando os conhecimentos nelas selecionados; e a terceira, destinada à análise,
demonstra e interpreta as intencionalidades de instrumentalização do currículo e a
possível consequente mutilação da formação de professores.

O Debate do Conhecimento Curricular

Não é nosso objetivo neste tópico discutir os sentidos que o termo currículo vem
assumindo ao longo dos tempos, mas tratar a questão do conhecimento a partir de quatro
perspectivas do campo do currículo – acadêmica, instrumental, progressivista e crítica –
abordadas pelas autoras Lopes e Macedo (2011), com destaque para as duas primeiras. A
discussão do conhecimento curricular não se limita a essas perspectivas e cada uma
envolve diversos estudiosos e tendências. Entre as perspectivas abordadas pelas autoras,
evidenciamos os princípios e pressupostos da acadêmica e da instrumental para melhor
compreensão e proposição de rupturas com as atuais diretrizes curriculares da Educação
Física.

“Todo conhecimento é um saber, mas nem todo saber é um conhecimento” (LOPES;


MACEDO, 2011, p. 71). Tal afirmação sintetiza bem a perspectiva acadêmica no campo
do currículo. Ou seja, para se considerar um saber como conhecimento, ele precisa passar
por um processo de validação, por meio de regras e métodos no contexto de uma
disciplina acadêmica especializada. A validação científica de determinados
conhecimentos curriculares de formação perpassa o conhecimento comprovadamente
científico.

Os conhecimentos considerados relevantes e selecionáveis (leia-se “válidos”) numa


reforma curricular, por parte dos professores e coordenadores da área, têm sido, via de
regra, os mesmos considerados “inquestionáveis” para o início da formação do professor
de Educação Física. A maioria dos currículos da área é centrada em disciplinas
acadêmicas,3 tais como Anatomia Humana, Biologia Celular, Fisiologia e Cinesiologia,
ou mesmo em disciplinas aplicadas, como Socorros de Urgência, Higiene e Psicologia
Aplicada. Com raríssimas exceções em nível nacional, permanece a crença de que o
currículo de formação deve ensinar a natureza desses conhecimentos acadêmicos e ser
capaz de desenvolver o pensamento conceitual (acadêmico) nos estudantes em formação.

A perspectiva acadêmica tem estreita relação com outra, a vertente instrumental do campo
do currículo. Nesse caso, a referência do conhecimento, além do atendimento às regras e
métodos acadêmicos, é a razão instrumental, que busca a materialização da eficiência,
centrada nos meios e objetivos.

Nesse caso, “[...] o conhecimento a ser selecionado para o currículo deve estar vinculado
à formação de habilidades e de conceitos necessários à produtividade social e econômica
[...]” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 74). O conhecimento ensinado deve poder ser

3 Nas quais “[...] os conceitos e os princípios a serem ensinados aos alunos são extraídos do saber
especializado acumulado pela humanidade” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 111)
representado por competências, habilidades, conceitos e desempenhos suscetíveis à
transferência e aplicação em contextos sociais e econômicos.

A perspectiva curricular instrumental se articula com a formação do professor e sua


intervenção profissional, repercutindo na concepção do professor como técnico-
especialista. De acordo com Pérez Gómez (1995), a formação inicial desse professor tem
origem “[...] na concepção epistemológica da prática herdada do positivismo, que
prevaleceu ao longo de todo o século XX, servindo de referência para a educação e
socialização dos profissionais em geral e dos docentes em particular” (p. 96).

Para o autor, a atividade profissional – aqui, a atividade docente – de ensino e


aprendizagem se reduz à aplicação instrumental dos saberes provenientes da ciência
básica, responsável pela produção dos conhecimentos teóricos que dão suporte ou
fundamento à ciência aplicada; saberes no âmbito da ciência aplicada que possibilitam o
diagnóstico e a solução de problemas; e saberes competentes e atitudinais que
possibilitam a intervenção e a aproximação nas situações práticas em que são requeridos
(PÉREZ GOMES, 1995).

Ao que parece, também a aplicação instrumental desses saberes provenientes da ciência


básica, aplicada e/ou competentes e atitudinais tem prevalência nos currículos de
formação em Educação Física. Assim como a perspectiva acadêmica, a instrumental tem
sido porta de entrada e justificação dos cursos, por meio dos conhecimentos científicos
das ciências biológicas e aplicadas.

As outras duas perspectivas abordadas pelas autoras são: progressivista e crítica. A


perspectiva progressivista se aproxima da acadêmica e se afasta da instrumental. Nela o
conhecimento deixa de se voltar a si mesmo e passa a respeitar o desenvolvimento e a
maturidade dos estudantes, suas experiências e atividades. Já a perspectiva crítica conecta
o conhecimento com os interesses humanos, a hierarquia de classes, a distribuição de
poder na sociedade e a ideologia. Portanto, supera as demais, por ser compreensiva,
buscando entender a atuação das dimensões políticas, econômicas e sociais na seleção do
conhecimento, bem como a atribuição de significados a elas.

Essas duas últimas perspectivas não integram o escopo analítico deste artigo, pois, mesmo
sabendo que uma perspectiva não substitui a outra e não há linearidade entre elas,
partimos do entendimento de que há predomínio das duas primeiras perspectivas nas
DCNs analisadas. Em momento oportuno, retomaremos à citada Resolução CFE no 3/87,
com fins de compreender suas intencionalidades na formação profissional em Educação
Física, em finais da década de 1980. Por certo, mobilizaremos as concepções
progressivista e crítica4 na sua análise interpretativa.

As Atuais Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Educação Física

4 O que nos mobiliza, também, a retomar análises das versões curriculares (1991 e 2006) do Curso de
Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos – Cefd da Universidade Federal do Espírito
Santo – Ufes, onde atuamos, para evidenciar aos docentes do curso a necessidade de romper com as atuais
DCNs e continuar o trabalho de reformas curriculares na construção de currículos reflexivos e críticos. Isso,
claro, se pretendermos formar professores de Educação Física que conectem o conhecimento da área com
os interesses humanos e a formação humana e cidadã das crianças, adolescentes, jovens e adultos com os
quais interagem.
Em artigo5 anterior também analisamos essas DCNs. Entretanto, para elucidar como os
interesses das instituições privadas com fins lucrativos tencionaram sua aprovação,
abordamos o que vem implicando na efetivação de uma política curricular de
desvalorização da docência na formação dos professores da área. Neste artigo, embora o
foco seja a intencionalidade de instrumentalização dessas diretrizes no currículo de
formação, veremos que pode implicar também a simplificação do trabalho docente.

Numa breve retomada histórica, para fins de compreensão do atual cenário da legislação
da Educação Física, identificamos que a partir das Resoluções CNE/CP nº 1/20026 e nº
2/20027, as Instituições de Ensino Superior – IES de todo o País tiveram que reorganizar
os currículos, o que envolveu também a reformulação organizacional dos cursos. A
orientação naquele momento era de que os currículos dos cursos de licenciatura e
bacharelado não se confundissem, e para tanto, era necessário criar percursos formativos
com integralidade e terminalidade próprias.

Na área da Educação Física, em meio a manifestações favoráveis e contrárias à formação


integral do licenciado e do bacharel, foi aprovada a Resolução CNE/CES nº 7/2004, que
passou a definir a formação para o Curso de Graduação em Educação Física, gerando
algumas confusões na utilização dos termos “graduado em educação física” e “professor
da educação básica”. Esses equívocos acirraram o debate da formação na área, mas
acarretaram o atendimento da exigência de ingresso no curso de licenciatura independente
do curso de bacharelado, além de todas as discussões apropriadas à formação do professor
e à valorização do magistério.

Quase uma década depois, a Resolução nº 2, de 1º de julho de 2015 8, reforçou o


entendimento de que a licenciatura deveria formar professores para atuar na educação
básica. Isso manteve a ideia de que o ingresso no Curso de Educação Física se daria pela
licenciatura ou pelo bacharelado.

Na contramão dessa orientação, também considerando a posterior publicação da


Resolução nº 2, de 20 de dezembro de 20199, que reitera a necessidade de a licenciatura
ser curso sólido de formação de professores, o Conselho Nacional de Educação – CNE
alterou o rumo da formação em Educação Física, com a elaboração e publicação da
Resolução nº 6, de 18 de dezembro de 2018,10 ignorando os profissionais e estudiosos da
própria área, bem como o saber da formação profissional já constituído. Definitivamente,
essas diretrizes retroagem e abrem espaço para velhas disputas políticas e
epistemológicas, aparentemente superadas, em nossa área.

5 FIGUEIREDO, Zenólia; ALVES, Cláudia. Formação de professores de Educação Física no Brasil:


implicações e perspectivas (2020).
6 Institui as Diretrizes Curriculares para a formação de professores da Educação Básica, em nível superior,
nos cursos de licenciatura de graduação plena.
7. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura de graduação plena de formação de
professores da Educação Básica em nível superior.
8. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, de formação pedagógica para graduados e de segunda licenciatura) e a formação continuada.
9 Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores para a Educação Básica
e institui a Base Nacional Comum para a formação inicial de professores da Educação Básica (BNC-
Formação).
10
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física e dá outras
providências.
Dentre as principais mudanças, destacam-se as questões dos conhecimentos selecionados
para ambas as habilitações, a entrada com ingresso único e a escolha pela terminalidade
licenciatura ou bacharelado por parte do estudante no meio do curso (início do 4º
semestre). De maneira resumida, as IES deverão oferecer o curso denominado
“Graduação em Educação Física,” composto por duas etapas, que, somadas, integram a
carga horária total referencial de 3.200 horas:

Os estudantes terão inicialmente a formação geral e, na etapa seguinte, a formação


específica em licenciatura ou bacharelado, conforme suas próprias escolhas, mediante
critérios preestabelecidos. Segundo as atuais DCNs, a etapa comum, núcleo de estudos
da formação geral identificador da área de Educação Física, a ser desenvolvido em 1.600
(mil e seiscentas) horas referenciais, deverá contemplar os seguintes conhecimentos: I –
Conhecimentos biológicos, psicológicos e socioculturais do ser humano, enfatizando a
aplicação à Educação Física; II – Conhecimentos das dimensões e implicações biológicas,
psicológicas e socioculturais da motricidade humana/movimento humano/cultura do
movimento corporal/atividade física; III – Conhecimento instrumental e tecnológico; e
IV – Conhecimentos procedimentais e éticos da intervenção profissional em Educação
Física (BRASIL, 2018).

Na etapa específica, a ser desenvolvida em 1.600 (mil e seiscentas) horas referenciais, na


qual os graduandos terão acesso a conhecimentos específicos das opções em bacharelado
ou licenciatura, o estudante cursará disciplinas afins, conforme sua escolha. Nessa etapa
também se encontra o Estágio Supervisionado, que deve abarcar 20% da carga horária
referencial do conjunto do curso.

Pela ausência de clareza no texto das atuais DCNs, há diferentes entendimentos de como
se dará a oferta do curso na prática. Um exemplo é a possibilidade de escolha do estudante
por licenciatura ou bacharelado para as IES que não oferecem as duas modalidades de
curso. Sobre essa opção com dúbia interpretação, a Pró-Reitoria de Graduação da Ufes
questionou o CNE, que em documento oficial – Ofício no
361/2019/CES/SAO/CNE/CNE-MEC, de 18 de junho de 2019 –, esclareceu:

Nesse sentido, em resposta ao questionamento encaminhado, e


conforme entendimento implícito nas DCNs do curso de Educação
Física, temos que a Resolução não prevê a obrigatoriedade da
oferta de ambas as habilitações - licenciatura e bacharelado - do
curso de Educação Física. Assim, caso a instituição decida pela
oferta da formação destinada a licenciatura ou ao bacharelado, em
ambos os casos, a organização curricular de cada formação deverá
se desenvolver com a carga horaria referencial de 3.200 (três mil e
duzentas) horas, contemplar as habilidades e competências a serem
desenvolvidas, assim como os conteúdos curriculares que comporão
os diversos eixos de formação, cabendo à IES, observadas as DCNs
do curso, definir a matriz curricular sem, obrigatoriamente,
considerar o desdobramento do curso em duas etapas (grifos
nossos).

Também em um documento de orientação técnica, o Conselho Federal de Educação Física


– Confef informa que as DCNs não proíbem o oferecimento de apenas uma formação,
apesar de aproveitar a ocasião para reafirmar a sua posição11 inicial de que, “[...] contudo,
é desejável que o PPC contemple as duas formações, de forma a garantir a opção do aluno
conforme disposto nas DCNs” (Confef nº 001/2019). Para além desses apontamentos com
base em interesses do mercado e conforme discutido posteriormente, em conflitos
epistemológicos entre os cursos, Santos Júnior, Rodrigues e Lavoura (2020, p. 56)
entendem que as DCNs ferem a autonomia universitária.

Nesse cenário de incertezas, as Instituições de Ensino Superior – IES têm tomado


caminhos distintos na reorganização dos conhecimentos curriculares. Algumas delas
continuam reproduzindo o currículo vigente, apenas com adequações mais voltadas à
questões de organização de ementas, disciplinas e carga horária; enquanto outras ainda
tentam compreender as DCNs, sabendo que as alterações nelas contidas podem
representar perdas incontornáveis no processo de formação tanto do licenciado quanto do
bacharel. Permanecemos na expectativa de que as IES, ao menos as públicas, exerçam
sua autonomia, percebam o seu comprometimento como bem público capaz de formar e
produzir conhecimento crítico vinculado aos interesses sociais e que não se curvem ao
que parece um revés “insano” na formação profissional da Educação Física brasileira.

As Intencionalidades de Instrumentalização do Currículo

Partimos da compreensão de que as atuais DCNs da área, “aprovadas no apagar das luzes
de 2018, e não por acaso, com a transição de governo pós-golpe12” (FIGUEIREDO;
ALVES, 2020, p. 7), trazem intencionalidades subjacentes à organização curricular no
campo da formação profissional em Educação Física. Elas estão ancoradas mais nas
percepções acadêmica e instrumental de currículo, podendo favorecer uma simplificação
do trabalho desastrosa para a formação do professor (Licenciatura) de Educação Física
atuante na Educação Básica.

Como apontamentos de análise, discutimos três intencionalidades de instrumentalização


do currículo: a) indicação de um único modelo fechado de currículo de formação para
todo o território nacional, implicando um conhecimento curricular baseado na estrutura
das disciplinas acadêmicas e instrumentais; b) precarização das formações por meio da
redução do tempo e do espaço necessários à formação e à qualificação da formação
profissional (licenciatura e bacharelado); e c) proposição do estágio supervisionado como
aplicação da teoria.

As intencionalidades de instrumentalização do currículo de formação em Educação


Física: o modelo de currículo único nacional e os conhecimentos selecionados

O Artigo V da Resolução no 6/2018 é central em nossa análise por carregar consigo duas
intencionalidades para a organização curricular dos cursos de graduação em Educação
Física: uma voltada à tentativa de padronização do currículo nacional definido pelo
ingresso único, destinado tanto ao bacharelado quanto à licenciatura; outra, associada à
primeira, voltada ao desdobramento dos conhecimentos selecionados em duas etapas –

11
Discutida mais adiante no artigo.
12 Referimo-nos à crise política que levou à deposição da presidenta Dilma Rousseff, por meio de um
golpe jurídico, midiático e parlamentar, transformado em impeachment constitucional.
comum e específica. Ambas demonstram instrumentalização simplificada para a
formação do docente e a formação do bacharel em Educação Física, mantendo-se
reduzidas à razão instrumental e à perspectiva acrítica.

Essa definição do ingresso único indica às Instituições de Ensino Superior um modelo


padrão de organização curricular. Tecnicamente essa padronização representou “entregar
os anéis para não perder os dedos. ” Lembramo-nos dessa expressão quando da nossa
percepção e acompanhamento – incluindo participação presencial em uma reunião no
CNE em 2019 – da elaboração das DCNs até a sua aprovação e publicação.

Em nosso entendimento, ocorreram três movimentos políticos nos bastidores em direção


ao CNE e junto aos conselheiros Luiz Roberto Liza Curi e Antônio de Araújo Freitas
Junior, construídos por professores, pesquisadores e entidades da área: um grupo
concentrado em algumas regiões da Federação, tais como Bahia, Goiás e Rio de Janeiro,
com discussão e tentativa de aprovação da denominada Licenciatura Ampliada, pautada
na tese de que em qualquer campo de trabalho da área a ação pedagógica é a base da
formação; outro grupo, do estado de São Paulo, vinculado ao Confef/Conselho Regional
de Educação Física – Cref, defendendo a formação em duas habilitações (licenciatura e
bacharelado); e um terceiro grupo, não muito distante do Confef/Cref, representado pelas
Instituições de Ensino Superior privadas com fins lucrativos, na expectativa de garantir
um curso “dois em um,” ou seja, a formação do licenciado e do bacharel no mesmo
currículo de até quatro anos.

Na prática, o relator, Sr. Luiz Roberto Liza Curi13, não assumiu nenhuma das propostas
acima mencionadas, conforme acenou em algumas palestras proferidas na área. Ao
contrário, num desconhecimento total dos estudos da formação profissional em Educação
Física, bem como do acúmulo de conhecimento produzido no campo da formação de
professores – que vem desde finais da década de 1990, defendendo uma formação ampla
e sólida para o magistério, compreendida num tempo e espaço curricular no qual o futuro
docente compreenda o seu papel social, institucional e educacional na sociedade brasileira
–, tentou articular todas elas em uma única proposta “alternativa” de ingresso único no
curso, induzindo a opção do estudante por uma habilitação na metade do curso.

Com essa “solução”, tentando contemplar pressões dos diferentes grupos da área, o CNE
produziu e aprovou uma Resolução que aparta a Educação Física dos demais cursos de
Licenciatura, já que a Licenciatura da área passa a ser a única em que a formação docente
ocorre somente a partir do meio do curso e não no início. Por conseguinte, também não
satisfaz as exigências da formação do bacharel crítico reflexivo. Tudo em acordo com o
sistema Confef/Cref e em prol do mercado e do campo ampliado de atuação dos
profissionais da área.

Esse modelo único de organização curricular, na etapa geral, seleciona conhecimentos


biológicos, psicológicos e socioculturais do ser humano, conhecimentos das dimensões e
implicações biológicas, psicológicas e socioculturais da motricidade humana/movimento
humano/cultura do movimento corporal/atividade física, conhecimento instrumental e

13 Relator da proposta de Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em
Educação Física, Parecer 584/2018, aprovado em reunião ordinária do CNE, em 3 de outubro de 2018. O
Luiz Roberto Liza Curi é graduado em Ciências Sociais e Doutor em Ciência Econômica
(http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca)
tecnológico e conhecimentos procedimentais e éticos da intervenção profissional em
Educação Física; mas, na etapa específica, não menciona os conhecimentos por área
acadêmica, embora indique as disciplinas afins à Licenciatura e os eixos afins ao
bacharelado, induzindo a escolha do estudante.

Dos artigos que tratam da formação específica da Licenciatura em Educação Física (ver
Capítulo III das DCNs) – para além dos princípios, dos aspectos a serem considerados,
do conceito de docência e de formação inicial e continuada, todos praticamente copiados
da extinta Resolução no 2/2015 – merecem a nossa atenção os artigos 10 e 15.

Art. 10. O Licenciado em Educação Física terá formação humanista,


técnica, crítica, reflexiva e ética qualificadora da intervenção
profissional fundamentada no rigor científico, na reflexão filosófica e
na conduta ética no magistério, ou seja, na docência do componente
curricular Educação Física, tendo como referência a legislação própria
do Conselho Nacional de Educação para a área.
Art. 15. Os cursos de Licenciatura em Educação Física [...] devem
garantir uma formação profissional adequada aos seguintes conteúdos
programáticos:
a) Política e Organização do Ensino Básico;
b) Introdução à Educação;
c) Introdução à Educação Física Escolar;
d) Didática e metodologia de ensino da Educação Física Escolar;
e) Desenvolvimento curricular em Educação Física Escolar;
f) Educação Física na Educação Infantil;
g) Educação Física no Ensino Fundamental;
h) Educação Física no Ensino Médio;
i) Educação Física Escolar Especial/Inclusiva;
j) Educação Física na Educação de Jovens e Adultos; e
k) Educação Física Escolar em ambientes não urbanos e em
comunidades e agrupamentos étnicos distintos (BRASIL, 2015)

O artigo 10 prenuncia uma formação humanista, crítica e reflexiva do licenciado


referenciada pela mencionada legislação da formação inicial de professores à época
(Resolução CNE/CES no 2/201514), pautada em enfoques críticos, históricos e
problematizadores do conhecimento. Já o artigo 15, contraditoriamente, indica uma
perspectiva instrumental de conhecimento curricular reduzida a um rol de disciplinas,
com vistas à formação de habilidades, competências, conceitos, desempenhos e
aplicabilidade por parte do professor em contextos institucionais, sociais e econômicos.
Do mesmo modo, o Capítulo IV das DCNs, destinado à etapa específica de formação do
bacharelado15 em Educação Física, preconiza uma formação geral, humanista, técnica,
crítica, reflexiva, etc., em contraposição aos objetivos de adquirir e desenvolver
conhecimentos, atitudes e habilidades profissionais para intervir nos seguintes campos:
treinamento esportivo, orientação de atividades físicas, preparação física, recreação,
lazer, cultura em atividades físicas, avaliação física, postural e funcional, e gestão

14 Essa Resolução foi revogada pela Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019, que define as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores para a Educação Básica e institui
a Base Nacional Comum para a formação inicial de professores da Educação Básica (BNC-Formação).
15 O Capítulo IV da Resolução no 6/2018, relacionado com a etapa específica de formação do
bacharelado, praticamente reitera/transfere todos os conceitos, princípios e conhecimentos previstos pela
Resolução CNE/CES no 7/2004.
relacionada com a área de Educação Física, além de outros campos relacionados às
práticas de atividades físicas, recreativas e esportivas. Para tanto, de acordo com o art. 20
do mesmo Capítulo IV, a formação deverá contemplar os eixos articuladores saúde,
esporte, cultura e lazer.

Nessa etapa específica de formação do bacharelado, as DCNs não listaram disciplinas, tal
como fizeram na etapa específica de formação em Licenciatura. Mesmo assim, a razão
instrumental, “[...] que busca sua legitimação pelo atendimento eficiente a determinados
fins, sem problematizar os processos que levam a esses fins” (LOPES; MACEDO, 2011,
p. 73), ou que, na percepção similar de Libâneo (2014), visa resultados imediatos e, por
isso, se apresenta como “[...] um conjunto de conteúdos mínimos necessários ao trabalho
e emprego, na verdade um ‘kit’ de habilidades de sobrevivência para redução da pobreza
e adequar os indivíduos às exigências do desenvolvimento econômico” (p. 4), predomina
nas duas etapas do modelo curricular proposto, até mesmo se levarmos em consideração
a própria organização curricular prevista por etapas, sob a forma linear de tratar o
conhecimento na lógica racional, do geral para o específico, no sentido da teoria para a
aplicação.

As intencionalidades de instrumentalização do currículo de formação em Educação


Física: a redução do tempo e espaço de formação em licenciatura e bacharelado

Os conhecimentos selecionados nas DCNs para cada uma das etapas do Curso de
Graduação em Educação Física são organizados em tempo e espaço determinados,
conforme os artigos abaixo:

Art. 2º O Curso de Graduação em Educação Física tem carga horária


referencial de 3.200 (três mil e duzentas) horas para o desenvolvimento
de atividades acadêmicas.
Art. 5º
I - Etapa Comum – [...] a ser desenvolvido em 1.600 (mil e seiscentas)
horas referenciais, comuns a ambas as formações.
II – Etapa Específica – [...] a ser desenvolvida em 1.600 (mil e
seiscentas) horas referenciais, e na qual os graduandos terão acesso a
conhecimentos específicos das opções em bacharelado ou licenciatura
(BRASIL, 2018).

Na Resolução CNE/CES no 7/2004, revogada pela atual Resolução CNE/CES no 6/2018,


ambos os cursos contavam com as mesmas 3.200 horas,16 como tempo mínimo de
formação. Cada um deles se organizou com essa carga horária total, com ingresso e
terminalidade próprios, e claro, considerando a inevitável e apropriada interface de
conhecimentos entre ambos ao longo da formação.

16 Essa carga horária dos cursos de licenciatura e bacharelado previstos pela Resolução CNE/CES no
7/2004 foi definida em normativas externas à área. A carga horária de 3.200 horas para os cursos de
bacharelado em Educação Física foi definida pela Resolução CNE/CES n° 4/2009, que instituiu a carga
horária mínima e os procedimentos relativos à integralização e duração de alguns cursos de graduação,
bacharelados, na modalidade presencial, e a mesma carga horária de 3.200 horas para os cursos de
licenciatura, naquela ocasião, foi definida pela Resolução CNE/CES n° 2/2002.
No cenário atual, a mesma carga horária referencial de 3.200 horas foi distribuída em
duas etapas, com 1.600 horas para a etapa comum aos dois cursos (licenciatura e
bacharelado) e 1.600 horas para a etapa específica de cada curso. Essa intencionalidade,
inter-relacionada ao modelo único de formação tratado anteriormente, fragiliza e
desqualifica tanto a licenciatura quanto o bacharelado.

Por um lado, para demonstrar essa fragilização relacionada ao tempo e ao espaço de


organização curricular nos cursos de licenciatura, comparamos as atuais DCNs para a
formação inicial de professores para a Educação Básica17 que orientam todas as
licenciaturas e as atuais DCNs dos cursos de graduação em Educação Física. Vejamos:

(Resolução nº 2/2019):
Art. 11. A referida carga horária dos cursos de licenciatura deve ter a
seguinte distribuição:
I – Grupo I: 800 (oitocentas) horas, para a base comum que compreende
os conhecimentos científicos, educacionais e pedagógicos e
fundamentam a educação e suas articulações com os sistemas, as
escolas e as práticas educacionais.
II – Grupo II: 1.600 (mil e seiscentas) horas, para a aprendizagem dos
conteúdos específicos das áreas, componentes, unidades temáticas e
objetos de conhecimento da BNCC, e para o domínio pedagógico
desses conteúdos.
III – Grupo III: 800 (oitocentas) horas, prática pedagógica, assim
distribuídas:
a) 400 (quatrocentas) horas para o estágio supervisionado, em situação
real de trabalho em escola, segundo o Projeto Pedagógico do Curso
(PPC) da instituição formadora; e
b) 400 (quatrocentas) horas para a prática dos componentes curriculares
dos Grupos I e II, distribuídas ao longo do curso, desde o seu início,
segundo o PPC da instituição formadora.

(Resolução no 6/2018)
Art. 6º A Etapa Comum (1.600 horas), cuja conclusão possibilitará a
autonomia do discente para escolha futura de formação específica [...].
Art. 7º Tendo concluído a Etapa Comum, o(a) graduando(a) prosseguirá
para as formações específicas (1.600 horas) em bacharelado ou
licenciatura.
Parágrafo único. O egresso do curso deverá articular os conhecimentos
da Educação Física com os eixos/setores da saúde, do esporte, da
cultura e do lazer e os da formação de professores.

Como podemos identificar, a seleção e a organização dos conhecimentos no tempo e


espaço curriculares da formação dos docentes das demais licenciaturas diferem
substancialmente da possibilidade proporcionada à organização curricular da formação
do professor de Educação Física. Enquanto a primeira conta com as 3.200 horas integrais
e visa atingir maior organicidade na formação docente e potencializar a valorização do
magistério, com conhecimentos e cargas horárias compatíveis ao longo do curso, a

17 Sabemos que essa Resolução também é considerada como retrocesso no campo da formação de
professores e acompanhamos de perto todas as questões e críticas levantadas a ela pelos estudiosos e
entidades acadêmico-científicas da Educação; no entanto, decidimos não abrir essa discussão neste artigo,
por entender que precisamos tratar mais do objeto central proposto.
segunda conta com a metade (1.600 horas) e reduz a formação em duas etapas quase
independentes, com conhecimentos e cargas horárias insuficientes.

Percebemos que essa redução do tempo na formação docente em Educação Física pode
indicar que as IES priorizem, na seleção dos conhecimentos curriculares específicos, o
conhecimento de natureza instrumental, disciplinas tradicionais aplicáveis, diretamente
relacionadas com a prática profissional, em função do limite da carga horária de 1.600
horas.

Por outro lado, também para demonstrar essa possível fragilização relacionada com a
redução do tempo e espaço de organização curricular nos cursos de bacharelado,
retomamos a Resolução no 7/2004 e a Resolução CNE/CES n° 4/2009, que definem as
3.200 horas para o curso de bacharelado, em contraposição às já mencionadas 1.600 horas
de formação específica do bacharelado nas atuais DCNs da área. Vejamos:

(Resolução no 7/2004):
Art. 7º Caberá à Instituição de Ensino Superior, na organização
curricular do curso de graduação em Educação Física, articular as
unidades de conhecimento de formação específica e ampliada,
definindo as respectivas denominações, ementas e cargas horárias em
coerência com o marco conceitual e as competências e habilidades
almejadas para o profissional que pretende formar.
§ 1º A Formação Ampliada deve abranger as seguintes dimensões do
conhecimento [...].
§ 2º A Formação Específica, que abrange os conhecimentos
identificadores da Educação Física, deve contemplar as seguintes
dimensões [...].
§ 3º A critério da Instituição de Ensino Superior, o projeto pedagógico
do curso de graduação em Educação Física poderá propor um ou mais
núcleos temáticos de aprofundamento, utilizando até 20% da carga
horária total, articulando as unidades de conhecimento e de
experiências que o caracterizarão.

Consideramos que não é necessário retomar a Resolução no 6/2018, no que se refere a


essa questão da carga horária, e sim lembrar que, segundo ela, couberam ao curso de
bacharelado as mesmas 1.600 horas de formação específica atribuídas à licenciatura.

De modo algum ignoramos a outra parcela de tempo de 1.600 horas para a Etapa Comum,
mas afirmamos que toda formação profissional pretensamente dotada de qualidade
acadêmica e profissional consistente necessita de um currículo de formação pensado para
além dos níveis formais e de disciplinas acadêmicas e instrumentais cabíveis na grade e
abordadas em etapas. Trata-se de dispor de tempo e espaço para construir identidades
profissionais no e para o curso, tanto quanto pontes entre os conhecimentos, bem como
questionar por que se ensinam aqueles conhecimentos e não outros.

Enfim, guardadas as proporções, alguns dos apontamentos críticos sobre a redução do


tempo da licenciatura são aplicáveis ao curso de bacharelado, sobretudo aqueles voltados
ao aligeiramento dos cursos e suas implicações para as duas formações.
As intencionalidades de instrumentalização do currículo de formação em Educação
Física: o retrocesso na concepção do estágio supervisionado como aplicação da
teoria

Iniciamos este tópico com a citação dos principais artigos das atuais DCNs dos cursos de
graduação em Educação Física, no que diz respeito ao Estágio Supervisionado – ES, na
expectativa de evidenciar o retrocesso histórico conceitual dessa unidade curricular na
licenciatura.18

CAPÍTULO III – DA FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM


LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Art. 11. As atividades práticas da etapa específica da Licenciatura
deverão conter o estágio supervisionado, bem como outras vinculadas
aos diversos ambientes de aprendizado escolares e não escolares.
§ 1º O estágio deverá corresponder a 20% das horas referenciais
adotadas pelo conjunto do curso de Educação Física ao aprendizado em
ambiente de prática real, e deverá considerar as políticas institucionais
de aproximação ao ambiente da escola e às políticas de extensão na
perspectiva da atribuição de habilidades e competências.
§ 2º O estágio deverá expressar e integrar o conjunto de atividades
práticas realizadas ao longo do curso e ser oferecido, de forma
articulada, com as políticas e as atividades de extensão da instituição
com curso.
§ 3º Os graduandos em atividades de estágio deverão ter seu
desempenho e aproveitamento avaliado por metodologia própria
desenvolvida no âmbito do Projeto Pedagógico Curricular do Curso e
do Projeto Institucional.
Art. 12. A etapa específica da Licenciatura em Educação Física deverá
desenvolver, além do estágio, outras atividades práticas como
componente curricular, distribuídas ao longo do processo formativo;

CAPÍTULO IV - DA FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM


BACHARELADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Art. 22. As atividades práticas da formação específica do bacharelado
deverão conter o estágio supervisionado de 20% das horas referenciais
adotadas pelo conjunto do curso de Educação Física, oferecido na área
de bacharelado.
§ 1º (idem ao Capítulo III)
§ 2º (idem ao Capítulo III)
§ 3º (idem ao Capítulo III)
Art. 23. A formação específica do bacharelado deverá desenvolver,
além do estágio, outras atividades práticas como componente
curricular, distribuídas ao longo do processo formativo (BRASIL,
2018).

Em que pese o nosso total estranhamento, as DCNs, com exceção dos artigos acima –
mencionando o artigo 11 o estágio nas licenciaturas e o artigo 22 o estágio nos
bacharelados –, propõem a mesma concepção de ES para ambos os cursos,

18 Ainda não podemos afirmar o mesmo retrocesso para o Estágio Supervisionado no bacharelado, porque
não houve acúmulo suficiente de produção no campo. Ao contrário do Estágio Supervisionado nas
licenciaturas, que vem sendo estudado ao longo de décadas.
desconsiderando até mesmo a diferença entre os contextos institucionais e educacionais
de intervenção dos futuros profissionais da área.

Em nossa análise, visualizamos os seguintes desconhecimentos e retrocessos conceituais


relacionados com o trato do Estágio Supervisionado: a) estágio como sinônimo de prática
na perspectiva aplicacionista; e b) estágio como sinônimo de atividades de extensão.

Revisitando a produção da área sobre Estágio Supervisionado – ES no campo da formação


de professores, percebemos que na sua trajetória histórica e conceitual, desde a produção
acadêmica datada de inícios da década de 1990, bem como na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional no 9.394/1996, o ES tem sido compreendido como articulação
entre teoria e prática, por meio de discussões e pesquisas que mobilizam diversas
temáticas no contexto educacional, tais como saberes docentes, identidade docente,
interdisciplinaridades, histórias de vida, cultura e práxis, dentre outras temáticas
(ALMEIDA; MOREIRA, 2020).

Mais recentemente, o ES na licenciatura tem sido compreendido também em outras


dimensões, tais como a docência coletiva e compartilhada com a instituição escolar e
“tempos na escola” suficientes ao longo do curso de formação docente. Essa percepção
de ES solicita das instituições formadoras uma nova configuração curricular, de modo
que ele seja o eixo central da formação e fio condutor de práticas coordenadas,
interdisciplinares e contextualizadas às demais áreas dos conhecimentos curriculares, por
meio da articulação entre teoria e prática (ALMEIDA; MOREIRA, 2020).
Pois bem, longe de ser essa a concepção mobilizada pela Resolução no 6/2018, em
dissonância com as atuais diretrizes de formação de professores, a defesa do conceito de
ES como sinônimo de prática remonta ao já assegurado pela Lei no 5.692, de 11 de agosto
de 1971, em consonância com a pedagogia tecnicista, que concebe os professores como
aplicacionistas e executores.

Não entendemos que essa definição conceitual advinda das diretrizes curriculares da área
impeça que as IES pensem em outras perspectivas de organização do ES nos currículos,
antes indicando que essa política curricular pode ser vista como
[...] um primeiro condicionante direto do currículo, enquanto o regula,
e indiretamente através de sua ação em outros agentes moldadores. A
política curricular estabelece ou condiciona a incidência de cada um dos
subsistemas que intervém num determinado momento histórico”
(SACRISTÁN, 2000, p. 109).
A produção de conhecimento do ES no bacharelado é um campo em construção,
principalmente porque os cursos de bacharelado do País, na maioria, datam de 2004 para
cá e se organizam a partir dos eixos de aprofundamento de cada projeto curricular,
geralmente reunidos em: esporte, saúde, gestão esportiva, recreação e lazer.

Esses eixos indicaram a necessidade de redirecionamento dos cursos para diferentes


contextos de atuação profissional – clubes, academias, empresas, hospitais, clínicas, etc.
– e trouxeram muitos desafios que perduram. Dentre eles, situa-se o repensar a unidade
curricular Estágio Supervisionado na formação do bacharel em Educação Física, muito
mais em decorrência dos contextos de intervenção do que da sua natureza, fundada na
ação educacional.
De fato, as DCNs do curso de graduação em Educação Física desconhecem os dilemas
internos da área e sua produção acadêmica, e ancoram-se em concepções simplificadas,
instrumentais e aplicacionistas, tomando o ES como sinônimo de prática.

Não vimos explicação com base teórica para considerar o ES como atividades de
extensão. A inserção da dimensão extensionista nos cursos de graduação nada tem a ver
com a carga horária do ES. Enquanto este se constitui em disciplinas e/ou unidades
curriculares semelhantes, voltadas ao momento supervisionado de efetivação de uma
carga horária de intervenção acadêmico-profissional, a extensão nos currículos de
formação, conforme legislação19 própria, deve ser definida como intervenções
envolvendo diretamente as comunidades externas, contemplando programas, projetos,
cursos e oficinas, eventos e prestação de serviços.

Por fim, não nos detivemos na análise das cargas horárias do ES nas duas formações
específicas, mas vale mencionar, são propostos 20% das horas referenciais. Ou seja, são
previstas 640 horas se o curso perfizer 3.200 horas, que só poderão ser ofertadas a partir
da metade do curso, quando o estudante optar entre licenciatura e bacharelado.

Considerações Finais:

Quando retomamos a questão de qual organização curricular será possível construir se


consideradas as atuais diretrizes curriculares, concluímos que as intenções de
instrumentalizar os currículos dos cursos de graduação em Educação Física – por via de
um único modelo de formação, da indução à seleção de conhecimentos instrumentais e
acadêmicos, com vistas a conferir eficiência e racionalidade ao currículo, da redução do
tempo e espaço que impede a garantia de qualidade ao curso e, do trato equivocado do
Estágio Supervisionado e do seu papel na formação profissional – apontam para o
desconhecimento dos pilares da formação na área pela política curricular governamental,
que contradiz as próprias políticas de formação de professores, empobrece a experiência
formativa de professores e bacharéis e faz retrocederem os cursos de formação
profissional em Educação Física.

Mesmo cientes de que, do ponto de vista da teorização curricular, qualquer currículo


formal pode e deve ser reescrito pelos docentes no cotidiano e as “[...] mudanças
curriculares são lentas e complexas” (LOPES, MACEDO, 2011, p. 142), não há como
ignorar que os documentos curriculares, tais como as DCNs, são fontes legais das
organizações dos cursos de graduação. Em algumas situações em que também expressam
os anseios do ensino superior privado mercantil e do mercado de trabalho, são fontes reais
para a definição de metas educacionais.

Sendo assim, a área precisa urgentemente entender o que essas políticas curriculares têm
tentado induzir nos nossos cursos, organizando-se por meio de suas instituições e
entidades científicas e sindicais, para que exerçamos pressão política efetiva para
revogação e abertura urgente de uma ampla discussão das DCNs dos cursos de graduação
em Educação Física.

Referências

19 Resolução CNE nº 7, de 18 de dezembro de 2018.


ANDRADE FILHO, Nelson Figueiredo de. Formação Profissional em Educação Física
Brasileira: uma súmula da discussão dos anos de 1996 a 2000. RBCE, Vol. 22, n. 3, p.
23-37, maio 2001.

ALMEIDA, Francisca; MOREIRA, Evando. A concepção de formação no estágio


curricular na licenciatura em educação física: formação acadêmica ou formação
profissional? In: O estágio curricular supervisionado da educação física no Brasil:
formação, influências, inovação pedagógica e perspectivas. Curitiba: CRV, 2020, p. 75-
86.

BRASIL. Conselho Federal de Educação. Resolução nº 69, de 6 de novembro de 1969.


Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização dos cursos
de educação física. Brasília, 1969.

BRASIL. Conselho Federal de Educação. Resolução nº 3, de 16 de junho de 1987. Fixa


os mínimos de conteúdo e duração a serem observados nos cursos de graduação em
Educação Física (Bacharelado e/ou Licenciatura Plena). Brasília, 1987.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro


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______. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE nº 7, de 31 de março de 2004.


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2018. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Educação Física.
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Brasília, DF. Ministério da Educação, 2019.

CONFEF. Documento de orientação técnica 001/2019, de 4 de maio de 2019.


Esclarecimentos acerca da Resolução CNE/CES nº 6/2018, que institui as Diretrizes
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https://www.confef.org.br/confef/conteudo/1856. Acesso em: 18 de mar. 2021.

______. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de


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Zenólia C. Campos Figueiredo


Doutora em Educação (UFMG)
Profa. Titular da Universidade Federal do Espírito Santo
zenoliavix@gmail.com
Telefone: (27) 992623663

Cláudia Aleixo Alves


Doutora em Educação Física (UFES)
Profa. de Educação Física do Instituto Federal Fluminense – Campus Itaperuna/RJ
claudia.a.alves@iff.edu.br
Telefone: (31) 973382969

Nelson Figueiredo de Andrade Filho


Doutor em Educação (UNICAMP)
Prof. Associado III da Universidade Federal do Espírito Santo
nelsonfaf@hotmail.com
Telefone: (27)999138671
LIVES SOBRE O DEBATE DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO
DA EDUCAÇÃO FÍSICA- CNE/CES nº 06/2018

Currículo de Educação Física. Conversas sobre Currículo em Educação Física: desafios


estratégicos para uma formação socialmente referenciada.
Palestrantes: Celi Taffarel e Lino Castelani
Link: (1604) Currículo de Educação Física - YouTube

A implementação das DCNs e a formação em Educação Física: o que dizem as entidades


científicas da área?
Palestrantes: - Prof. Paulo Roberto Veloso Ventura (Dr. CBCE/UEG) - Profa. Celi Nelza Zulke
Taffarel (ANFOPE/UFBA)
Link: (1604) A implementação DCNs e a formação em Educação Física: o que dizem as
entidades científicas da área? - YouTube

Experiências na estruturação de PPCs em Educação Física: em pauta as resoluções CNE/CES


nº 06/2018 e CNE/CP nº 02/2019.
Palestrantes: - Profa. Juliana Pizani (UFSC) - Prof. Roberto Pereira Furtado (UFG)
Link: (1604) Experiências na estruturação PPCs em EF: em pauta resoluções CNE/CES nº
06/2018 e CNE/CP nº 02/2019 - YouTube

As DCN´S e a Formação em Educação Física: A Experiência da UFSC


Palestrantes: - Profª. Drª. Juliana Pizani – UFSC
Link: (1604) #01 – AS DCN´s E A FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA: A EXPERIÊNCIA DA UFSC -
YouTube

Mesa IV: Para que nós formamos hoje? — A que(m) serve a nossa fragmentação?
Palestrantes: Celi Taffarel (UFBA); Roberto Furtado (UFG); Reinaldo Magalhães (EXNEEF)
Link: (1604) Mesa IV: Para que nos formamos hoje? — A que(m) serve a nossa fragmentação? -
YouTube

Mesa Diretrizes Curriculares EF Paulo Barone UFJF parte 1


Link: (1604) Mesa Diretrizes Curriculares EF Paulo Barone UFJF parte 1 - YouTube
Mesa Diretrizes Curriculares EF Paulo Barone UFJF parte 2
Link: (1604) Mesa Diretrizes Curriculares EF Paulo Barone UFJF parte 2 - YouTube
Mesa Diretrizes Curriculares EF Paulo Barone UFJF parte 3
Link: (1604) Mesa Diretrizes Curriculares EF Paulo Barone UFJF parte 3 - YouTube

Reunião realizada entre as Universidades Estaduais Paulistas para debater as DCN, ocorrida
em 11 de março de 2016.
Link: (1604) reunião diretrizes exposições - YouTube e reunião diretrizes plenária - YouTube

III Colóquio de Graduação das Universidades Estaduais Paulistas com a participação do


presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) Prof. Dr. Luiz Roberto Liza Curi
em 25/04/2019
Link: (1604) Evento 25/04/2019 - YouTube

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