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CARAPICUÍBA

- UMA ALDEIA MAMELUCA

Américo Pellegrini Filho


CARAPICUÍBA
- uma aldeia mameluca

Américo Pellegrini Filho

Coleção Cadernos de Folclore


24º volume - 2016

1ª Edição
São José dos Campos-SP
Coleção Cadernos de Folclore

Realização Presquisas, textos e fotografias


Prefeitura Municipal de São José dos Campos Américo Pellegrini Filho
Fundação Cultural Cassiano Ricardo – FCCR
Diretoria de Patrimônio Cultural Design Gráfico, Editoração
Museu do Folclore de São José dos Campos e Tratamento de Imagens
Nilson A. Ferreira
Idealização
Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP Impressão
Ângela Savastano JAC Gráfica e Editora Ltda.
São José dos Campos – SP
Gestão do Projeto
Francine Maia Colaboração
Avelino Israel
Revisão de Textos
Vera Maria Costa

Ficha catalográfica elaborada pela editor

F481c

Filho, Américo Pellegrini;


Carapicuiba, uma aldeia mameluca / Américo Pellegrini Filho –
São José dos Campos / SP: Prefeitura Municipal de São José
dos Campos/ CECP/ FCCR, 2016.

p.216; 23cm x 21cm; (Cadernos de Folclore; v.24)

1. Cultura Popular / Folclore – São José dos Campos – SP 2. Arte Popular / Artistas
Populares – São José dos Campos 3. Programa Museu Vivo – Museu do Folclore/ Centro
de Estudos da Cultura Popular e Fundação Cultural Cassiano Ricardo I.Título.

CDD: 390
ISBN: 978-85-85262-83-9 CDU: 398

Copyright @ Américo Pellegrini Filho – 2016


Todos os direitos reservados

Fundação Cultural Cassiano Ricardo – FCCR


Avenida Olivo Gomes, 100 – Santana – 12211-115
São José dos Campos – SP – Brasil
www.fccr.sp.gov.br
Abreviações

AJS - The American Journal of Sociology


Anot. - Anotado/a
CDFB - Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro
CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,
Arqueológico e Turístico (do estado de São Paulo)
Doc. - Documento (de campo)
Esp. - Especialmente
Entrev. - Entrevista
Estrib. - Estribilho
Grav. - Gravado/a
h - hora/s
IBECC - Instituto de Educação, Cultura e Ciência
Inéd. - Inédito
Inf. - Informante/s
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
m - minuto/s
MEC - Ministério da Educação e Cultura
Mun. - Município
P. - Página/s
Pe. - Padre
Princ. - Principalmente
Rev. - Revista
Rev. do IHGB - Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Rev. do IHGSP - Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
Seg. - Seguinte/s
SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
USP - Universidade de São Paulo
Sumário

Introdução...................................................................................................................................................................................17

Primeira Parte
PATRIMÔNIO CULTURAL......................................................................................................................................................21

Cap. 1 – Histórico da Aldeia de Carapicuíba..............................................................................................................................21

1.1. Lutas e catequese.................................................................................................................................................................21


1.2. Escravidão do indígena........................................................................................................................................................22
1.3. Contatos culturais com a América Espanhola......................................................................................................................23
1.4. Os jesuítas e o culto do cruzamento.....................................................................................................................................24
1.5. A denominação “aldeia”. As aldeias em São Paulo............................................................................................................26
1.6. Origem da Aldeia de Carapicuíba........................................................................................................................................30
1.7. O nome “Carapicuíba”...........................................................................................................................................................33

Cap. 2 – A Aldeia de Carapicuíba contemporânea– mudanças...................................................................................................34

2.1. Características físicas Aldeia e a vida moderna......................................................................................................................34


2.2. A Aldeia a vida moderna......................................................................................................................................................34
2.3. Reelaboração do programa urbanístico e arquitetônico da Aldeia de Carapicuíba...............................................................37

Segunda Parte.............................................................................................................................................................................43

O PATRIMÔNIO CULTURAL DA ALDEIA DE CARAPICUÍBA..........................................................................................43


Cap. 3 – Patrimônio Cultural e mudanças...................................................................................................................................43
Cap. 4 – Aspectos econômico-sociais.........................................................................................................................................45
Cap. 5 – Assistência religiosa......................................................................................................................................................52
Cap. 6 – Elemento humano..........................................................................................................................................................53

Terceira Parte..............................................................................................................................................................................61
FOLCLORE................................................................................................................................................................................61

Cap. 7 – Festas.............................................................................................................................................................................61
7.1. Festa de Reis (Tentativa de reconstituição) .........................................................................................................................61
7.1.1. Contexto da festa...............................................................................................................................................................61
7.1.2. Danças leves......................................................................................................................................................................62
Doc. 1 – Venha Dois.....................................................................................................................................................................64
Doc. 2 – Itararé............................................................................................................................................................................66
Doc. 3 – Quero Bem....................................................................................................................................................................67
Doc. 4 – Tangará..........................................................................................................................................................................69
Doc. 5 – Tiu-tiu-tiu-tá..................................................................................................................................................................69
7.2. Festa de Santa Cruz .............................................................................................................................................................71
7.2.1. Histórico............................................................................................................................................................................72
7.2.1.1. A festa noutros locais......................................................................................................................................................72
7.2.1.2. Origem da festa na Aldeia de Carapicuíba......................................................................................................................73
7.2.2. Contexto da festa...............................................................................................................................................................76
7.2.2.1. Programa........................................................................................................................................................................76
7.2.2.2. Ambiente........................................................................................................................................................................78
7.2.2.3. Calendário......................................................................................................................................................................80
7.2.2.4. Festeiros........................................................................................................................................................................80
7.2.2.5. Mastro e bandeira..........................................................................................................................................................81
7.2.2.6. Bendito..........................................................................................................................................................................81
Doc. 6 – Bendito.........................................................................................................................................................................82
7.2.2.7. Leilão............................................................................................................................................................................83
7.2.2.8. Culinária cíclica............................................................................................................................................................84
Doc. 7 – Gemada.........................................................................................................................................................................85
Doc. 8 – Gengibirra.....................................................................................................................................................................85
Doc. 9 – Pau-a-pique...................................................................................................................................................................85
Doc. 10 – Quentão.......................................................................................................................................................................86
7.2.3. Danças leves......................................................................................................................................................................86
Doc. 11 – Cirandinha...................................................................................................................................................................87
Doc. 12 – Chimarrete..................................................................................................................................................................89
Doc. 13 – Chimarrete...................................................................................................................................................................92
Doc. 14 – Chimarrete..................................................................................................................................................................93
Doc. 15 – Quadras de Chimarrete.....................................................................................................................................93
Doc. 16 – Cana Verde / Caninha Verde......................................................................................................................................94
7.2.4. Dança de Santa Cruz........................................................................................................................................................96
Doc. 17 – Saudação..................................................................................................................................................................100
Doc. 18 – Roda..........................................................................................................................................................................103
Doc. 19 – Início da Roda...........................................................................................................................................................105
Doc. 20 – Despedida..................................................................................................................................................................106
Doc. 21 – Final e Zagaia...........................................................................................................................................................109
Doc. 22 – Hino à Santa Cruz / Lenho Sagrado.........................................................................................................................114
7.3. Festas de Santo Antônio, São João e São Pedro.................................................................................................................115
7.3.1. Contexto das festas...........................................................................................................................................................115
Doc. 23 – Canto: procissão / lavagem do santo........................................................................................................................117
Doc. 24 – Canto: entrada na igreja após lavagem do santo.......................................................................................................118
7.3.1.1. “Sortes” de junho..........................................................................................................................................................118
Doc. 25 – “Sortes” ...................................................................................................................................................................118
7.3.1.2. Culinária cíclica...........................................................................................................................................................119
Doc. 26 – Quentão.....................................................................................................................................................................120
Doc. 27 – Quentão.....................................................................................................................................................................120
7.3.2. Dança..............................................................................................................................................................................120
7.3.2.1. Quadrilha.....................................................................................................................................................................121
Doc. 28 – Quadrilha (Entrevista)..............................................................................................................................................121
7.4. Festa de Santa Cruzinha ....................................................................................................................................................123
Doc. 29 – Roda..........................................................................................................................................................................124
Doc. 30 – Saudação...................................................................................................................................................................127
Doc. 31 – Roda ........................................................................................................................................................................128

Cap. 8 – Outras manifestações folclóricas................................................................................................................................128


Abrolho / amarrado de toalha....................................................................................................................................................128
8.1. Linguagem e denominações populares...............................................................................................................................128
Linguagem................................................................................................................................................................................129
Doc. 32 – Frases-feitas e ditados..............................................................................................................................................129
Nomes e apelidos......................................................................................................................................................................129
Doc. 33 – Apelidos....................................................................................................................................................................130
Topônimos populares.................................................................................................................................................................131
Doc. 34 – Topônimos populares................................................................................................................................................131
Doc. 35 – Assombrações na Aldeia..........................................................................................................................................135
Doc. 36 – Assombração do Cavaleiro Ligeiro..........................................................................................................................136
Doc. 37 – A reza na igreja........................................................................................................................................................136
Doc. 38 – Reza dos mortos.......................................................................................................................................................137
Doc. 39 – Assombração do Cavaleiro.......................................................................................................................................137
Doc. 40 – Lobisomem................................................................................................................................................................138
Doc. 41 – O japonês empanamado...........................................................................................................................................138
Doc. 42 – Fábrica de gente........................................................................................................................................................139
Doc. 43 – O moço que casou...................................................................................................................................................139
Doc. 44 - A História de São Pedro........................................................................................................................................140
Doc. 45 – Perguntas (Adivinhas).............................................................................................................................................140
8.3. Costumes...........................................................................................................................................................................143
Doc. 46 – Mutirão para serviços de roça....................................................................................................................................143
Doc. 47 – Batismo após a morte ................................................................................................................................................144
8.4. Medicina caseira ...............................................................................................................................................................144
Doc. 48 – Chás caseiros............................................................................................................................................................145
Doc. 49 – Chá para resfriado.....................................................................................................................................................146
Doc. 50 – Chá de laranjeira........................................................................................................................................................146
Doc. 52 – Chá de cipó cabeludo................................................................................................................................................147
8.5. Culinária............................................................................................................................................................................147
Doc. 53 – Cuscuz.......................................................................................................................................................................149
Doc. 54 – Paçoca de carne..........................................................................................................................................................150
Doc. 55 – Rabanada.................................................................................................................................................................151
Doc. 56 – Canjica.....................................................................................................................................................................151
Doc. 57 – Paçoca de amendoim ...............................................................................................................................................151
Doc. 58 – Pixé ..........................................................................................................................................................................152
Doc. 59 – Pastel de farinha de milho........................................................................................................................................152
Doc. 60 – Cabreúva ..................................................................................................................................................................152
Doc. 61 – Camburu ..................................................................................................................................................................152
Doc. 62 – Camburu.................................................................................................................................................................153

Cap. 9 - CONSIDERAÇÕES FINAIS - FOLCLORE E MUDANÇA.................................................................................153


9.1. Formação do folclore da Aldeia........................................................................................................................................154
9.2. Crise e mudança no folclore da Aldeia ..............................................................................................................................160
9.3. Conclusões .........................................................................................................................................................................168
9.4. Sugestões ...........................................................................................................................................................................169
Desvio do tráfego . ....................................................................................................................................................................169
Urbanismo.................................................................................................................................................................................170
Centro de estudos.....................................................................................................................................................170
Ecomuseu ................................................................................................................................................................170
Lazer: a população da área.......................................................................................................................................170
Ensino: Patrimônio Cultural ....................................................................................................................................170
Não interferir no folclore..........................................................................................................................................171

ANEXOS..................................................................................................................................................................172
Povos da região do Rio Grande do Sul / Paraguai (Anexos 1 a 8)
Perspectiva da Aldeia de Carapicuíba (Anexo 9)
Planta atual da Aldeia de Carapicuíba (Anexo 10)
Programas de festas (Anexos 11 a 13)
Cronologia da Aldeia de Carapicuíba (Anexo 14)...................................................................................................172
Informantes (Anexo 15)...........................................................................................................................................181
Festeiros, 1930 a 1979 (Anexo 16)...........................................................................................................................184
Ilustrações (1 a 11)...................................................................................................................................................186

BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................................................................197

ÍNDICE REMISSIVO..............................................................................................................................................204
A Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), em parceria com o Centro de Estudos da
Cultura Popular (CECP), apresenta o trabalho “Carapicuíba: Uma Aldeia Mameluca”, do professor
Américo Pellegrini Filho.

Originalmente composta entre 1976 e 1980, esta obra é resultado de ampla pesquisa
documental e de rigorosa análise e interpretação histórica que busca leitores interessados na
complexa relação entre transformação e preservação, característica da área do Patrimônio
Cultural.

A abordagem aberta e generosa da Aldeia de Carapicuíba possibilita levantar diversas


questões que transcendem a região da Grande São Paulo e estimula a imaginação para além das
fronteiras geográficas.

“Carapicuíba: Uma Aldeia Mameluca” é o 24º volume da série “Cadernos do Folclore”,


mantida e lançada desde 1986 pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo. Em cada volume
encontra-se uma importante contribuição para a difusão e a valorização dos saberes e fazeres que
incrementam o pensamento acerca do Patrimônio Cultural em São José dos Campos.

O lançamento deste caderno faz parte das ações comemorativas dos 30 anos de existência
da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, que reafirmam o compromisso desta gestão na valorização
e preservação do Patrimônio Cultural de São José dos Campos.

Alcemir Palma
Diretor-presidente da FCCR

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14 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Uma abordagem sábia e especial
O Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP) sente-se honrado em ter o nome do
professor Américo Pellegrini Filho fazendo parte do rol de autores que compõem a série Cadernos
de Folclore. Mais que honrado, o CECP sente-se agradecido.

O lançamento do 24º volume da coleção criou nos seus idealizadores uma grande expectativa
que foi plena e ricamente atendida pela obra do mestre Américo Pellegrini Filho.

‘Carapicuíba – Uma Aldeia Mameluca’ aborda os principais e necessários pontos que um


estudioso de folclore deve e precisa seguir para a pesquisa e conhecimento da cultura do nosso
povo, nossa cultura.

A referência histórica, o espaço geográfico ocupado pela aldeia, seu patrimônio cultural, a
Carapicuíba de antes e a atual, tudo isso sabiamente abordado e de maneira muito especial, que só
esse grande pesquisador e muito querido mestre pode fazer.

Angela Savastano
Presidente do Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP

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16 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Prefácio

O jesuíta José de Anchieta refere que havia doze aldeias ao redor da pequena vila de São Paulo, criada em 1554,
uma corajosa e primeira iniciativa planejada no planalto, longe do litoral. Essas aldeias formavam uma espécie de cordão
para proteger religiosos e colonos portugueses, nos trabalhos de cristianizar índios e conquistar o território inexplorado.
Ora, considere-se que no século XVI a introdução de núcleos de conquistadores da Colônia, os brancos dominadores,
em diferentes pontos do sertão desconhecido, era realmente um ato de bravura, sujeito a enfrentar doenças, lutas, mortes.
Quem se aventuraria a isso?!
Os sacerdotes da Companhia de Jesus, seguindo o lema de sua ordem – Ad Majorem Dei Gloriam (Para a Maior Glória
de Deus), enfrentaram o desafio para mudar costumes dos indígenas e impor a cristianização, junto com colonizadores
que tinham outros objetivos – o poder material, as terras, a busca de metais preciosos e pedras preciosas, atendendo a
determinações da Metrópole Portuguesa – movimentaram-se todos para a criação de núcleos populacionais em volta da
São Paulo nascente. Desse modo, iam surgindo as doze aldeias – São Miguel, Pinheiros, Guarulhos, Barueri, Carapicuíba,
Itu, São José (dos Campos), Embu, Itapecerica... Foi assim o começo da colonização do branco em terras do planalto
de Piratininga. Pergunta-se: e os índios, primeiros donos das terras, como ficaram? Resposta: foram simplesmente
dominados, escravizados pelo colonizador português (e convenhamos: se não fossem estes, teriam sido espanhóis,
holandeses, ingleses... Era uma época de conquistas neste Novo Continente, pelos europeus).
Realmente, as aldeias tinham a importante função de proteger a vila de São Paulo para evitar ataques de indígenas
na guerra contra o branco invasor. É o caso do ataque ocorrido em julho de 1562, relatado por Anchieta em carta de
16-abril-1563 (Anchieta, Cartas avulsas, 1900, p. 32). Pois bem: os tempos voaram, os séculos passaram, os hábitos grupais
mudaram, o Doutor Progresso chegou, às vezes com fúria, e as aldeias foram se desfazendo. Algumas se transformaram
em cidades, outras ficaram bairros da metrópole. Só restou uma, sempre modesta, pequena, sem importância econômica,
humilde mesmo, fora de rotas comerciais – a Aldeia de Carapicuíba. Nesse antigo núcleo índio-luso-jesuítico, desde
1580, aconteceram contatos raciais e culturais que resultaram no tipo mameluco, origem do caipira paulista. O isolamento
relativo da Aldeia de Carapicuíba explica a manutenção, até nossos dias, de soluções arquitetônicas e de traços folclóricos
que não existem noutros locais com passado semelhante ou igual; únicos!
Para conhecer a evolução da Aldeia de Carapicuíba, em seus longos 400 anos de vida, e compreender a permanência de
seu folclore apesar de crises, estudamos sua história – com cartas antigas, biografias, artigos, tradição oral, depoimentos –
e pesquisa de campo (feita com o necessário rigor). É o que se acha nestas páginas, de 1979/1980. Estivemos inicialmente
no Mestrado sob orientação do prof. Egon Schaden, depois (houve problemas administrativos na ECA-USP) do prof.
Fredric M. Litto.

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18 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Introdução

Este trabalho é resultado de pesquisa bibliográfica e de vários anos de observações na Aldeia de Carapicuíba e
arredores, bem como de convivência com alguns de seus mais antigos moradores – conhecedores e praticantes das
tradições populares locais. Nossa atenção maior, desde 1961, foi despertada pelo fato de, a pouco mais de 20 quilômetros
da praça da Sé paulista, se encontrar um pequeno aglomerado de casas antigas, onde ocorre uma das mais interessantes
festas folclóricas da Grande São Paulo. Se os afazeres diários e as viagens para conhecimento e estudo de outros aspectos
do patrimônio natural e cultural brasileiro – a Cultura Brasileira, afinal – nos impediram aprofundar tais observações
feitas anteriormente (desde o final da década de 1950), resolvemos todavia fazê-lo em fins de 1978 e inícios de 1979.
Assim, aproveitamos material de campo já então coletado em diversas ocasiões e ampliamos esse material mediante o
alargamento dos contatos com outros elementos que, embora residindo atualmente fora da área da Aldeia, ligam-se às suas
vivências populares típicas. Desse modo, fomos tendo oportunidade (inclusive como participante de eventos) de verificar
que o folclore da Aldeia de Carapicuíba não se resumia somente à festa de Santa Cruz – como transparece em escritos
publicados por alguns poucos autores que procuram estudar o populário paulista – mas vai muito além disso. Realmente,
fomos colhendo pormenores sobre a própria festa, os quais nos permitiriam efetuar um apanhado livre de deficiências que
se podem observar na pouca bibliografia específica e acadêmica sobre esse evento da Aldeia; e fomos colhendo também
outras manifestações do complexo sociocultural de tipo popular que se denomina folclore (ou outras denominações) –
danças, alimentos, chás de medicina caseira, narrativas orais – material sobre o qual não há referências na bibliografia
consultada. O interesse por uma festividade popular e tradicional ou por fatos como os lembrados acima, cada assunto
focado de modo isolado e sem preocupação pelo contexto em que acontecem é um equívoco lamentável. Então, cabe a
pergunta: como esses tantos traços folclóricos perduraram por séculos, no pequeno povoado caipira próximo da Praça
da Sé paulistana? Necessário recorrermos a referências históricas da Aldeia e da capital paulistana, para tentarmos
compreender o fenômeno sociocultural e local de nossos dias.
Ainda mais: verificamos igualmente que a Aldeia de Carapicuíba das décadas de 1960/70 sofreu muitas mudanças,
em especial provenientes do gigantismo de São Paulo, um violento processo de expansão horizontal e de aumento e
diversificação do contingente demográfico que naturalmente atinge todos os povoados próximos. Como se comporta o
fenômeno folclórico de um pequeno e antigo núcleo mameluco e caipira, face a essa tremenda conurbação que tem por
ponto central a metrópole paulistana? Segundo nossos informantes mais idosos, “a Aldeia está acabando”, lamento que
inclui o material e o espiritual do antigo povoado. Sentimos então o quanto urgente se apresentava a tarefa de registrar
as formas folclóricas atuais e de um passado não tão longínquo, uma vez que o dinamismo da vida contemporânea,
principalmente na área de influência direta de uma grande metrópole como São Paulo, provoca mudanças constantes e
carapicuíba - uma aldeia mameluca 19
profundas, em curto período de tempo. Por isso, voltamos a campo diversas vezes, a fim de registrar vivências tradicional-
populares, na prática ou na memória de habitantes da área da Aldeia ou a ela ligados.
Além desse objetivo de registro de folclore num local tipicamente paulista, e seu estudo, havia porém outro aspecto
não menos importante: a Aldeia de Carapicuíba constitui um dos mais interessantes “restos” de antigos tempos da vida
no Planalto Piratiningano, e que conseguiu conservar-se por um desses acasos felizes; todas as demais aldeias (doze)
contemporâneas à de Carapicuíba, século XVI, desapareceram em sua estrutura urbana e arquitetônica, ou modificadas
pela própria evolução ou engolidas pelo gigante chamado São Paulo. Carapicuíba – modesta, quieta, humilde, não
dispondo de presença econômica, mantendo-se num isolamento relativo modorrento – atravessou séculos com poucas
modificações, teve fases críticas, chegando à tentativa de ser desfeita. E de repente, por volta de 1960/70, se vê como
que acuada pela expansão e pela especulação imobiliária, com a presença de tantos novos habitantes em seus arredores.
Ainda assim ela se mantém no aspecto de patrimônio arquitetônico, com suas casinhas de pau a pique conseguindo
conservar-se airosamente até contra investidas de possantes ônibus e caminhões... As autoridades encarregadas da defesa
e conservação do patrimônio histórico e arquitetônico? Talvez estejam sem verbas – como costuma acontecer ou pelo
menos dizer-se – ou então estarão cuidando de outros bens patrimoniais. A Aldeia de Carapicuíba, na sua modéstia e na
sua humildade, não tem retábulos de arte sofisticada, muito menos doirados por mãos hábeis de artífices bem treinados; e
suas casas de residência são também muito singelas, pobres – tudo refletindo a pobreza de São Paulo nos idos dos séculos
XVII, XVIII, até XIX. Mas se ela constitui um conjunto a retratar uma época, aí se baseia exatamente o aspecto importante
para sua devida preservação como bem cultural, segundo ensinam especialistas na matéria, inclusive através de reuniões
internacionais promovidas pela UNESCO. Compreendida desse modo, é indiscutível a força potencial que a Aldeia
oferece para local destinado a turismo cultural, além de se indicar também como opção ao lazer/entretenimento (para a
população local e dos arredores). Todavia, tem faltado cabeças – mais do que verbas – para realizar adequadamente essa
potencialidade.
O registro – nas possibilidades de hoje, quer dizer, beneficiando-se de informantes conhecedores das tradições locais
– de facetas do ethos de uma comunidade resultante do encontro cultural índio-luso-jesuítico, portanto mameluco, no
Planalto Piratiningano; a Aldeia de Carapicuíba como bem patrimonial de indiscutível valor, e seu folclore paulistano,
face à situação de crise provocada por mudanças impostas pelo ritmo de vida da Grande São Paulo – é o objetivo deste
estudo.
Se bem que pretendendo fazer um estudo de folclore, repetimos: não pretendíamos ficar no simples coletar e expor
dados como muitas vezes tem sido feito entre nós, tampouco em romantismo deslocado. Pareceu-nos indispensável um
embasamento histórico, para se compreender no bolsão de cultura caipira, com forte presença (antigamente, vá lá) do
índio. Em vista desses aspectos, a Primeira Parte do trabalho tem tratamento diacrônico e diz respeito à Aldeia como
Patrimônio Cultural, incluindo seu histórico (sem todavia desejarmos que seja um estudo de História). A Segunda Parte
trata de aspectos derivados da primeira – Considerações sobre o patrimônio cultural da Aldeia de Carapicuíba, incluindo
dados que levam à compreensão das mudanças e da situação de crise atual. Na Terceira Parte, Folclore, está o material
de campo coletado (na própria Aldeia e arredores, em Carapicuíba, Osasco, São Paulo), com algumas anotações à guisa
de introdução a cada capítulo ou item, na medida em que o fato registrado (ou grupo de fatos) indica ser necessário. Esse
material de campo se acha disciplinado como documentos numerados, sendo um corte sincrônico das vivências populares

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da Aldeia, especialmente no período 1969/79, conforme seus informantes. No capítulo 9 dessa Terceira Parte procuramos
estudar o folclore da Aldeia e as transformações pelas quais tem passado nos últimos anos, terminando com Conclusões
e oportunas Sugestões. Finalmente, vêm os Anexos, em que se sobressai a cronologia da Aldeia, e a Bibliografia, além
do Índice Remissivo.
Devemos anotar que se de um lado e coleta e o estudo do folclore local não ofereceram problemas intransponíveis,
a não ser pela lamentável estreiteza da bibliografia específica e acadêmica existente, de outro lado o levantamento de
dados históricos sobre a Aldeia de Carapicuíba nos exigiu redobrados esforços. Primeiro porque a Aldeia foi sempre um
núcleo sem maior importância econômica, não merecendo portanto constar com frequência em documentos antigos; e
segundo porque os documentos antigos publicados carecem de uma sistematização que facilite sua consulta. No que se
refere à bibliografia de cultura tradicional-popular, limitamo-nos a obras sobre São Paulo, já que a Aldeia de Carapicuíba
constitui um local bem próximo da capital paulista, mas principalmente porque nela preponderou a cultura paulistana, e
administrativamente pertenceu a São Paulo.
Tratando-se de um trabalho sobre folclore, pareceu-nos conveniente esclarecer um ou outro aspecto teórico dessa
disciplina. Para efeito deste trabalho, consideramos folclore o complexo de fenômenos socioculturais de tipo popular que
refletem o pensar, sentir, agir e reagir de coletividades humanas diferindo da cultura erudita e da cultura de massa. Como
tal, são traços mantidos pelo costume e pela imitação, difundindo-se pela reprodução por seus portadores. Para efeito
de estudo, convém realçar a distinção entre o popular – o “folk” – e a cultura erudita e a de massa, embora os três tipos
coexistam e se influenciem. Ao utilizar o significante popular, não consideramos ser o folclore exclusivo das “camadas
incultas” ou o “vulgus”* ou os pobres, ou ainda os rurícolas; há folclore em todas as camadas sociais. Interessa-nos a
mentalidade e o comportamento populares nas sociedades industriais (a cultura rural e a urbana), ainda que alguns autores
defendam a existência de folclore também de povos tribais. Nessas colocações, seguimos conceitos de especialistas de
renome, em que se destacam Luís da Câmara Cascudo, Édison Carneiro, Antônio Cândido, mas com especial destaque
para as conceituações de Amadeu Amaral e de Égon Schaden, as quais nos parecem não perder validade:
“O folclore estuda os produtos da mentalidade popular. O povo tem sua ciência a seu
modo, uma arte, uma filosofia, uma literatura – ciência, arte, filosofia e literatura
anônimas. Tem também um direito, uma religião e uma moral que se distinguem
dos que lhe são impostos pela cultura da escola ou lhe vêm por infiltração
natural de influências ambientais muito embora possam ter tido uma origem
cultural remota, mas já trabalhada por um inconsciente processo de
adaptação à psique coletiva”. (Amadeu Amaral,
Tradições populares, p. 52-53).

(Folclore é) “determinada ordem de fenômenos culturais relativos ao saber,


à arte, às técnicas e aos costumes populares, isto é, tradicionais e de
autoria em geral anônima, em oposição a criações análogas de origem
erudita ou científica. Se para as sociedades primitivas não tem, de

carapicuíba - uma aldeia mameluca 21


ordinário, sentido a distinção entre as duas categorias de fenômenos,
ela pode ser útil ao estudo das formas de vida rurais e urbanas, onde
não raras vezes se impõe de maneira por assim dizer natural”.
(Égon Schaden, Rev. de Antropologia 7 (1-2), julho-dezembro-1959).
Embora tenhamos total respeito e acatamento pelas duas definições acima, nossas observações sobre folclore
brasileiro contemporâneo nos levam a refletir quanto a estes dois pontos: 1- as manifestações folclóricas não são sempre
anônimas (Schaden tem o cuidado de dizer “em geral anônimas”); e 2- além de as manifestações tradicional-populares
diferirem das eruditas, elas diferem também daquelas da comunicação de massa.

Para o estudo do material bibliográfico e do material de campo aqui reunido, procuramos servir-nos de recursos já
amadurecidos em Antropologia e Sociologia, uma vez que Folclore é uma disciplina inserida no campo das ciências
do homem, e intimamente ligado a outras. Se alguns estudiosos não raras vezes têm usado material de folclore para
seus trabalhos de Antropologia e Sociologia, de nossa parte seguimos um caminho que podemos dizer inverso: usamos
recursos dessas ciências para estudar material de folclore, cujo campo (conforme consta na tabela de Vicente Salles, Rev.
Brasileira de Folclore número 19) é um ângulo de 360 graus de cultura com características expostas acima.
Esperamos que estas páginas possam ter alguma utilidade para o maior e melhor conhecimento do povo brasileiro –
uma área temática de Brasilogia, que se faz necessário assumir, desenvolver e aprimorar – e em particular (mas não como
bairrismo rasteiro e prejudicial) do caipira paulista e sua cultura advinda do mameluco, já por si resultado do profundo
processo de aculturação havido em terras de Piratininga, desde o século XVI.

* - “Vulgus” e qualificações semelhantes, até preconceituosas, em Renato Almeida.

22 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Primeira Parte

PATRIMÔNIO CULTURAL

Cap. 1 – Histórico da Aldeia de Carapicuíba


A Aldeia de Carapicuíba constitui um dos mais expressivos exemplares, no gênero, que restou da atuação dos
jesuítas no Brasil Colônia. É um conjunto retangular formado de pequenas construções, deixando livre uma área central
– o pátio – e ficando em destaque o templo católico, integrado num dos lados do quadrilátero. Houve outras aldeias
semelhantes à de Carapicuíba, próximas da vila de São Paulo de Piratininga (e em outros lugares da América portuguesa e
da espanhola), sendo algumas frequentemente citadas em documentos antigos; todavia elas ou desapareceram por motivo
de lutas e outros, ou então foram absorvidas pelo processo de urbanização. Além das aldeias jesuíticas, propriedade da
Companhia de Jesus, houve no Brasil também aldeias “de El Rei”, criadas pelo governo com o objetivo de colonização.
Em todas se fazia presente o sacerdote católico, já que a catequese dos indígenas era considerada imprescindível, embora
alguns choques de interesses tenham ocorrido entre religiosos e colonizadores, estes mais interessados na escravização
do selvícola e na posse da terra. De qualquer forma, nessas aldeias sem dúvida se deram alguns dos primeiros frutos do
processo de aculturação, resultado do encontro de traços culturais dos nativos com outros da cultura europeia (através do
conquistador português) e com a religião católica.

1.1. Lutas e catequese


Fundada São Paulo em 1554, em local estratégico1 dos campos de Piratininga, logo sentiram os primeiros povoadores
e religiosos o perigo de ataques de selvícolas; os alvoroços com os primitivos habitantes do planalto começaram já em
1554 e se repetiram várias vezes, com maior ou menor perigo para a vila, em diversos anos da segunda metade do século
XVI2. Visando o duplo objetivo de proteção da vila e atração dos indígenas no trabalho de catequese, foram instaladas
algumas aldeias, como pontos avançados em relação a Piratininga. Depois da ereção da povoação de Piratininga a vila,
em 1560, e principalmente depois de a autoridade dos brancos, portugueses e espanhóis, se firmar em consequência
1
- Conforme ressalta Pasquale Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 11/13, 19/20 e 70.
2
- Os ataques de indígenas à vila de Piratininga são objeto de alguns estudos de historiadores, como: Afonso de E. Taunay, História..., 1953(?), p. 9 e seg.; Serafim Leite, Rev.
do Arquivo (21), 1936, p. 24 e seg.; Idem, História..., 1938, v. 1, p. 288/291; Simão de Vasconcelos, Crônica..., 1977, v. 2., p. 75/77; Alfredo Ellis Jr., Resumo..., 1942, p.
85; Aureliano Leite, História..., 1954, p. 32/33; e outros. Em carta de 16-abril-1563, Anchieta assim se refere ao ataque de 1562: Na casa de S. Paulo de Piratininga, em
Julho, dez padres, tendo por superior o Padre Vicente Rodrigues, são affligidos pelo cerco que os Indios põem à villa. Com o auxilio dos fieis, de seis ou sete aldeias, e
principalmente de Martim Affonso Tibiriçá, conseguem vencer os contrarios que, dispersos, desde o segundo dia, abandonam a peleja, batidos; José de Anchieta, Cartas
avulsas, p. 32.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 23


das derrotas infligidas aos tupis, em 1562, e aos tamoios, em 1567, o gentio se foi localizando em aldeias nos arredores
de São Paulo. Segundo refere Anchieta, existiam 12 Aldeias, de que as principais eram a de São Miguel, a distância de
duas léguas do norte da vila, e a dos Pinheiros, ao sul3 . Essa aldeia de Pinheiros (o atual bairro de mesmo nome, na
Capital) deve ter sido um núcleo pré-cabralino que a partir de 1560 recebeu reforço de povoamento4 pois apresentava
considerável importância, e foi alvo de grave ataque em 1590, quando se quebrou uma imagem de Nossa Senhora; mas
os paulistas, recebendo reforços, conseguiram afugentar os Tupinaquins. O profanador da estátua caiu vivo nas mãos
das autoridades, e, atado à cauda dum cavalo, foi arrastado pela aldeia para escarmento de todos5. Passado o perigo de
ataques, principalmente como o de 10 de julho de 1562, parece terem colonos e sacerdotes percebido haver melhores
condições para uma relativa tranquilidade6, inclusive graças à ampliação da segurança providenciada para a nascente
São Paulo de Piratininga; os próprios indígenas espalhados pelas cercanias do Colégio, confiando nos jesuítas, acabaram
por deixar todas as suas habitações em que haviam esparzido e a recolherem-se todos a Piratininga, que eles mesmos
cercaram com os Portugueses, e está segura de todo o embate7.

1.2. Escravidão do indígena


Uma vez conseguida certa margem de segurança, logo aumentou a necessidade de braço escravo. Daí a busca de
indígenas como imposição econômica8: era preciso braço escravo para a agricultura embora incipiente9 (pois a vila tinha
de se auto-sustentar, importando apenas sal e alguns poucos produtos), e para as entradas ao sertão à procura de metais
preciosos conforme interesse da Metrópole10, para auxiliar os patriotas do Nordeste contra o invasor holandês11 , também
para os engenhos de açúcar do Nordeste12, em auxílio na defesa de São Vicente e Santos13 e para outras atribuições14
– enfim os paulistas se viam impelidos ao apresamento de índios, empreitada tida como absolutamente normal. Assim,
3
- Basílio Rower, Páginas..., 1957, p. 505.
4
- Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 72.
5
- S. Leite, Rev. do Arquivo (21), 1936, p. 32.
6
- Outras vitórias contra o selvícola, ocorridas em 1565 em Santos-São Vicente, e em 1565/67 no Rio de Janeiro contribuíram para maior confiança no planalto paulista,como
lembra Taunay, História..., 1953(?), p. 12. Por seu turno, Teodoro Sampaio afirma que até o final do século XVI permaneceu o clima de insegurança na vila; São Paulo...,
Rev. do IHGSP (4),1898/99, p. 257; reprod. em São Paulo no..., 1978, p. 159 e seg..
7
- Anchieta, Cartas, p. 179/187, citado por S. Leite, Rev. do Arquivo 2(21), 1936, p. 29.
8
- S. Leite, citado por Aracy Amaral, A Hispano..., 1972, p. 22; também Taunay, História..., 1953(?), p. 211/22; Ellis Jr., Resumo..., 1942, p. 135/136 e 246; R. B. Moraes,
Contribuições..., 1935, p. 73/74.:
9
- Ellis Jr., Resumo..., 1942, p. 243. T. Sampaio se refere às prósperas atividades de criação e lavoura, Rev. do IHGSP (4), 1898/99, p. 275/276.
10
- Uma das primeiras expedições com esse objetivo foi a de Diogo Gonçalves Laço, 1598, por determinação do governador geral: além do chefe contava com 1 mestre
fundidor, 2 técnicos em prospecção e mais de 200 índios, conforme Taunay, História..., 1953(?), p. 23; e Pedro T.A. Paes Leme, Notícias..., 1954, p. 33. Mas outras logo
foram efetuadas; ver além dos autores citados, mais Wilhelm L. von Eschwege, Pluto brasiliensis, 1944, p. 29; frei Gaspar da Madre de Deus, Memórias..., 1975, p. 135;
Ellis Jr., Resumo..., 1942, p. 160 e seg.; A. Leite, História..., 1954, p. 65; F. Cardim, Tratados..., 1939, p. 314 e 316; T. Sampaio, Rev. do IHGSP (4), 1898/99; Cassiano
Ricardo, Marcha..., 1970.
11
- Taunay, História..., 1953(?), p. 34; A. Leite, História..., 1938, p. 56; Paulo F. S. Camargo, A igreja..., 1952/53, v. 2, p. 11.
12
- Segundo Ellis Jr., entre as “causas externas” do bandeirismo de apresamento a principal foi a existência de um mercado de consumo de escravos índios, em distância tão
grande do planalto paulista. Era a lavoura do açúcar no nordeste. Essa região exigia cerca de 4.000 escravos por ano, sendo abastecida por paulistas inclusive porque
os holandeses impediam o tráfico com Angola. Cessado este impecilho, o apresamento paulista diminuiu de intensidade. Resumo..., 1942, p. 159; ver também p. 160, 243,
249 (citando Roberto Simonsen), 251 (idem). Ainda: C. Ricardo, Marcha..., 1970, v. 1, p. 41 e outras.
13
- Leme, Notícias..., 1954, p. 34/35; Taunay, História..., 1953(?), p. 24 e 44; Ellis Jr., Resumo..., 1942, p. 165/166; Leite, História..., 1954, p. 40, 41 e 47.
14
- Ellis Jr. Relaciona expedições para doze objetivos de auxílio e povoamento em outras capitanias, excluídas as de procura de metais; Resumo..., 1942, p. 179. A. de Saint-
Hilaire faz referências ao problema da escravização do selvícola por paulistas; Viagem..., 1972, p. 17/27 e outras.

24 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


como pequeno núcleo isolado no planalto, em mais de uma vez São Paulo ficou desfalcada de sua força de trabalho e
até de seus líderes, requisitados para missões noutras paragens, entre as quais as próprias expedições para aprisionar
indígenas15, apesar de leis em contrário como a de 26 de julho de 1596, a de 3 de julho de 1611, a de 1 de abril de1680 e
outras – todas ignoradas em muitas ocasiões, a fim de satisfazer aos interesses principalmente econômicos. Os Guaianá,
que habitavam o planalto de Piratininga16 , e outros indígenas trazidos de longe eram reunidos nas aldeias próximas da
vila, e sua escravização originou conflitos entre colonos e jesuítas17 , a ponto de os paulistas terem expulsado da Capitania
os inacianos, em 164018 . Os atritos entre colonos e religiosos por causa da escravização dos selvícolas continuaria por
muito tempo19 . Procurando regulamentar a situação, uma carta régia de 1696 determinava a criação de mais aldeias
destinadas à fixação e aos trabalhos dos indígenas20 , sem esquecer a assistência religiosa. Como se verifica, sempre havia
a presença do sacerdote católico, inclusive nas aldeias “oficiais”, ou seja, do Real Padroado.
Pelo exposto – sobre um assunto de História que permite longos estudos, fora dos objetivos deste trabalho – se
percebe como houve no planalto, desde o primeiro século, a preocupação e a necessidade dos colonos em relação à posse
do braço escravo nativo, para isso tendo-se procurado apresar primeiramente os indígenas localizados nas proximidades
da vila, e depois indo-se buscá-los em paragens mais distantes, inclusive as longínquas e convidativas reduções do
Sul; paralelamente, foi preocupação constante dos jesuítas a defesa – pelo menos assim colocada – do índio contra
essa situação. De modo que no final do século XVI e durante o XVII em São Paulo o grande noli me tangere da época
enquadrava-se nos casos da questão servil, na oposição à entrega de índios mansos às aldeias de catequese jesuítica, pois
de nada valiam as ordens emanadas do Trono assegurando a liberdade dos autóctones como a lei de Évora, promulgada
em 1570. Eram as suas disposições burladas, diariamente, e o tráfego vermelho imperava em todo o Brasil21.

1.3. Contatos culturais com a América Espanhola


Essa atividade de caça e escravização do indígena em terras portuguesas, e semelhantemente nas espanholas da
América do Sul, provocou frequentes contatos entre o colono estabelecido no Brasil e o espanhol no Prata, bem como
entre jesuítas fixados no Brasil e seus companheiros das reduções do Sul do continente22 . Tais contatos parece terem-se
refletido inclusive na arte sacra de uma grande área (os atuais estados de Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, bem
como Belém-PA)23 – o que nos mostra a evidência da proximidade de outros traços culturais.
15
- Em fins do século XVI o movimento entradista, tais proporções tomara que a Câmara receava o despovoamento da vila proibindo aos moradores saíssem ‘ao encontro de
índios pelos caminhos’, no dizer de Taunay, História..., 1953(?), p. 22. Ver também R. B. Moraes, Contribuições..., 1935, p. 74.
16
- Conforme J. C. Gomes Ribeiro, Os indígenas..., Rev. do IHGSP (13), 1908; A. A. de Freitas, Os guayanàs de Piratininga, 1910; P. Ayrosa, Estudos..., 1967, p. 39, 43 e
seg.; J. M. Oliveira, Quadro..., 1846, v. 1, p. 5/6; Saint--Hilaire, Viagem..., 1972, p. 284 e 197; R. B. Moraes, Contribuições..., 1935, p. 70/72; Petrone, Os aldeamentos...,
1964, inéd., . 10/13.
17
- Serafim Leite indica ter sido no final do século XVI que se aproximou o ciclo da caça ao índio, em que as guerras iam ser pretexto para cativeiros injustos, e que por isso
não aprovadas pelos jesuítas; Rev. do Arquivo (21), 1936, p. 32/33.
18
- Taunay, História..., 1953(?), p. 24/27; A. Leite, História..., 1954, p. 52.
19
- Taunay, História..., 1953(?), p. 40 e outras.
20
- Taunay, História..., 1953(?), p. 40.
21
- Taunay, História..., 1953(?), p. 15; também: Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 26/63. Sobre o mesmo tema e especificamente sobre a Aldeia de São Miguel, ver
Sylvio Bomtempi, O bairro..., 1970, p. 73/80.
22
- Estudando o tema, Aracy Amaral diz que durante o século XVII nas rotas por terra se intensificava o intercâmbio entre as missões jesuíticas, do Peru ao Paraguai e S.
Paulo; A Hispano...,1972, p. 23; tendo encontrado relato de tantos casos de idas e vindas de sacerdotes jesuítas de São Paulo para o Paraguai – e de lá à Bolívia e Peru
– que difícil é relatar todos; Idem, p. 29. Ver também P. F. S. Camargo, A igreja..., 1952/53, v. 2, p. 84 e 85; e Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 20.
23
- Amaral, A Hispano..., 1972, p. 9, 10 e 48.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 25


Viagens de jesuítas, expedições de civis para procurar metais preciosos e para caça ao índio foram três fatores de
intercâmbio cultural entre jesuítas espanhóis e domínios espanhóis na América do Sul, de um lado, e religiosos e colonos
portugueses instalados no sul e leste brasileiros, de outro. Convém lembrar que o domínio espanhol sobre Portugal (1580-
1640) e consequentemente o Brasil, de certo modo facilitou as ligações do ponto avançado que era São Paulo, com as
áreas de colonização espanhola e as reduções da região então chamada do Paraguai. Entretanto, a rota São Paulo-Paraguai
– o Peabiru – já era conhecida mesmo antes da própria fundação de São Paulo, segundo Teodoro Sampaio, um caminho
que datava de época imemorial, e pelo qual o padre Manoel da Nóbrega recebia emissários do Paraguay24 . As viagens
que jesuítas radicados no sul e leste brasileiros faziam a reduções do Sul do continente, inclusive para se ordenarem25
, e por outro lado as viagens jesuítas daquelas reduções faziam a cidades brasileiras, como São Paulo e Santana de
Parnaíba26 mostram os frequentes intercâmbios que mantinham. Enquanto os missionários se comunicavam com essa
frequência, os líderes civis principalmente em São Paulo se preocupavam com dois objetivos: busca de metais raros e
busca de mão de obra escrava indígena – ambos implicando contatos culturais também. Os êxitos que o colonizador
espanhol já vinha obtendo com a exploração das famosas minas do Peru e Potosi funcionavam como incentivo para a
procura de metais preciosos; notícias sobre a prata da América Espanhola foram uma forte motivação27 para expedições
em busca de riquezas que deviam existir no sertão. E ainda as próprias guerras movidas pelos “portugueses de São Paulo”
nas reduções jesuíticas para aprisionar selvícolas já um tanto aculturados serviram para a troca de traços culturais, até
mesmo para a vinda de indígenas artífices28 .
Esse intercâmbio cultural era, em última análise, uma consequência lógica dos contatos feitos com os objetivos
declarados que indicamos acima.
Todavia, esse parece constituir um tema para pesquisas aprofundadas, como aliás sugere Aracy Amaral baseada em
estudos preliminares, partindo das decorrências do intenso intercâmbio da região sul do país com o Prata, por parte dos
religiosos jesuítas (Córdoba de Tucumán, sobretudo, e através dela com Chuquisaca e Potosi, ou numa outra vertente,
via Paraguai e missões jesuíticas aí sediadas) e que pontilhavam os caminhos que conduziam ao muito percorrido pelos
paulistas e castelhanos, caminho de Potosi, capital da América nesse século29 (o XVII).

1.4. Os jesuítas e o culto da cruz


Entre os costumes de significado religioso implantados pelos jesuítas no Brasil parece fora de dúvida ser um deles o
culto à cruz, embora não tenha sido prática exclusiva dos inacianos. Alguns exemplos de escritos antigos podem ajudar
a caracterizar a constância da presença da cruz em atividades jesuíticas: carta de Pero Correa, em 1554, falando sobre
viagem de Nóbrega informa que jesuíticas em sua peregrinação tinha esta maneira que quando entravam em alguma
aldeia dos índios, um dos meninos levava uma cruz pequena levantada, iam cantando as ladainhas, e logo se juntavam os
24
- Sampaio, Rev. do IHGSP (4), 1898/99, p. 260/262; Idem, São Paulo no..., 1978, p. 161/162. Petrone também se refere ao caminho chamado Peabiru; Os aldeamentos...,
1964, inéd., p. 13, 20, 73 e outras.
25
- Monsenhor Camargo relata os tratos de paulistas para terem sacerdotes nas aldeias. Queriam dizer padre secular, porque os que estudaram no Paraguai sabiam a língua
indígena e havia em São Paulo vários clérigos que lá estudaram ou vieram de lá; P. F. S. Camargo, A igreja..., 1952/53, v. 2, p. 84.
26
- Camargo, A igreja..., 1952/53, v. 2, p. 85; ver rodapé 20.
27
- Amaral, A Hispano..., 1972, p. 23.
28
- Amaral, A Hispano..., 1972, p. 48, 54, 62.
29
- Amaral, A Hispano..., 1972, p. 9.

26 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


meninos do logar com elles30 , prática referida novamente na carta quadrimestre (setembro-1556 a janeiro-1557) relativa
à Bahia31 . O pe. Ruy Pereira, relatando em 1560 o início da aldeia de Santiago, Bahia, diz que foi tanto o entusiasmo
dos selvícolas nos trabalhos para fazer a igreja, que em quatro dias acabaram, desoccupando-se de todo o mais; até as
mulheres alimparam e no meio do terreiro, arvoraram uma cruz, a maior que em minha vida vi32 .
Outros documentos dos primeiros séculos, ou posteriores a essa época, indicam igualmente a presença da cruz nas
atividades jesuíticas e especialmente nas aldeias de catequese. Além de ser oportuno lembrar um desenho de Eckhout,
século XVII, mostrando aldeia missionária em Pernambuco, e com um grande cruzeiro na frente da igreja. Será o caso de
voltarmos às reduções jesuíticas do Sul do continente, uma vez sendo ponto pacífico que houve contatos culturais entre
os missionários do sul e leste brasileiros com os do Prata, da mesma ordem religiosa (conforme indicamos no item 1.3).
A gravura em cobre33 , de 1755, reproduzindo o povo de São João Batista nas instalações jesuítico-guaranis apresenta
quatro cruzeiros, um em cada canto do pátio central. O mesmo esquema se dava na redução da Candelária, como consta
em gravura de 176734 . Por seu turno, o pe. Antônio Sepp cita diversas vezes o uso da cruz como marco de posse de terras
e em comemoração à festa de maio35 . Essas referências a práticas religiosas nas reduções jesuítico-guaranis – onde a cruz,
como no Brasil, foi uma constante, como indicam os documentos escritos e iconográficos – vêm a propósito quando já
verificamos ter havido intercâmbio cultural entre sacerdotes no Brasil e em grande parte da América Espanhola. Houve
soluções semelhantes, aqui e lá, para semelhantes problemas e situações de catequese (e o assunto vai nos interessar em
particular quando tratarmos da festa de Santa Cruz). Tanto quanto aproximações em arte sacra (conforme Aracy Amaral),
tudo indica ter havido grandes aproximações em características de costumes religiosos, em aldeias no Brasil e reduções
espanholas na América.
No que se refere à Aldeia de Carapicuíba, felizmente há um trecho muito sugestivo de Manoel da Fonseca, relativo a
esse pormenor da presença da cruz. Relatando nas obras terminadas em 1736 e lembrando que ao pe. Belchior de Pontes
não havia parecido conveniente a mudança da Aldeia para Itapecirica – como ordenaram os sacerdotes contra a vontade
dos indígenas residentes que se teriam negado a abandonar Carapicuíba – diz o autor da biografia do pe. Pontes que um
velho cruzeiro foi reaproveitado, pois não tinham tempo de fazer outro.
Confirma esta profecia outra não menos singular: porque mandando o Padre Reytor do Collegio no anno de 1736,
fazer a dita Igreja; succedeu acabar-se a tempo, em que não houve lugar de lavrar a madeira para uma Cruz, que se
pretendia levantar defronte da porta. O Religioso, que assistia a obra, vendo a falta, e tendo pressa de se retirar para o
Collegio com os officiaes que a havião de fazer, ordenou aos Indios que puzessem uma Cruz antiga, que estava defronte
das casas, em que se recolhiam os Religiosos, quando por alli passavaõ. Obedeceraõ elles, e posta a Cruz, se lembraraõ
os Indios velhos que aquella mesma tinha estado no adro da Igreja antiga, e que o padre Belchior tinha dito que ainda
havia de servir de huma Igreja nova, que alli se havia de fazer36.

30
- Cartas avulsas, p. 137.
31
- Cartas avulsas, p. 160.
32
- Cartas avulsas, p. 267.
33
- Pormenor em Lucas Mayerhofer, Reconstituição..., 1942, 61.
34
- Mayerhofer, Reconstituição..., 1942, p. 63.
35
- Antônio Sepp, Viagem..., 1972, p. 55, 89, 141, 146.
36
- Manoel da Fonseca, Vida..., s/d, p. 121/122.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 27


Além de ser o próprio símbolo do cristianismo (e por isso ter sido largamente usado por sacerdotes católicos), a cruz
é portanto uma constante nas atividades missionárias dos jesuítas dos primeiros séculos; e a referência de Manoel da
Fonseca, acima reproduzida, indica a tradição dela na própria Aldeia de Carapicuíba. Tal fato encaminha a compreensão
de manifestações festivas em homenagem ao símbolo cristão; paralelamente a outros costumes dos mesmos religiosos
– a criação e o incentivo de procissões, cantos, danças, representações teatrais com o indígena, às vezes aproveitando
suas aptidões e seu gosto, outras vezes sugerindo e inovando37 . (Essa associação de cruz e jesuítas nos será útil quando
estudarmos o problema da origem da festa de Santa Cruz, na Aldeia).

1.5. A denominação “aldeia”. As aldeias em São Paulo


A disposição de casas compreendendo uma área livre no centro, segundo Luís Saia, é universal e inclusive do
indígena brasileiro, como lembra frei Vicente do Salvador quando se refere a aldeias de tal maneira arrumadas, que lhes
fique no meio hum terreiro, onde fação seus bailes, e festas, e se ajuntem à noite a conselho38 .
A palavra “aldeia” no caso das jesuíticas e das oficiais – não será demais realçar – designa não exatamente o aldeamento
típico de povos tribais, mas sim uma solução de conjunto urbanístico-arquitetônico adotado pelos jesuítas e que obteve
destaque nas reduções ou povos39 instalados durante os séculos XVII e XVIII em grande região do vale dos rios Uruguai
e Paraná-Paraguai, solução essa baseada em ordenações manuelinas e filipinas40 , especialmente na Recopilación de
leyes de los Reynos de las Indias, capítulo sobre a população de cidades, vilas e povoados41 . Naturalmente os conjuntos
dos povos do Sul do continente alcançaram maior progresso na época, e maior requinte, até hoje dignos de admiração e
respeito, todavia as linhas gerais da implantação, no seu núcleo, são praticamente as mesmas – o quadrilátero formado por
residências para os “agregados” e tendo num dos lados, em destaque, o templo e dependências dos padres. Nessas aldeias
os jesuítas procuravam agrupar índios, ensinando-lhes a doutrina cristã e coordenando o trabalho de todos, principalmente
na lavoura, desse modo procurando mudar-lhes os costumes; por exemplo, tornando-os sedentários, lavradores, criadores,
artífices, e impondo um regime de vida42 .
A base da solução urbana das aldeias era o tipo hipodâmico43, preferido por jesuítas, como informa Saia44. Essa
solução é um reticulado de vias de passagem formado pelas construções, e dispondo ainda de uma área livre como centro
nervoso do sistema – o pátio ou praça central, também definido por linhas retas – que privilegia num dos lados o templo
e talvez outras instalações dos religiosos. Como se pode observar no caso da Aldeia de Carapicuíba, trata-se de um
conjunto quadrangular por excelência, ou seu núcleo; todavia, outras casas devem ter-se espalhado ao redor, fugindo ao
37
- Como se pode verificar pelo teatro de Anchieta, também por escritos de vários autores – Antônio Sepp, Viagem..., 1972, p. 61, 90/91; S. Leite, História..., 1938, v. 2, p.
100/110; Félix de Azara, Viajes..., 1923, v. 2, p. 147.
38
- Luís Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 11, citação de frei Vicente do Salvador. Ver também Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 167; Pierre Deffontaines, Como..., 1944,
Boletim... (14).
39
- Entre as várias obras sobre as reduções jesuíticas, ver: Lucas Mayerhofer, Reconstituição..., 1947; A. Sepp, Viagem..., 1972; F. de Azara, Viajes..., 1923.
40
- Saia, Fontes primárias..., 1948, p. 4.
41
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd. p. 2; Mayerhofer, Reconstituição..., 1942, p. 54; Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 168 e 171.
42
- Nesse sentido, os textos do pe. Sepp (1655-1733) são interessantíssimos, relatando suas próprias experiências na região das Missões. Semelhantemente, com relação à vida
em São Paulo e no Brasil, sobressaem as cartas dos jesuítas, em especial as de José de Anchieta; ver S. Leite, Cartas..., 1954/58.
43
- Sistema de planejamento urbano criado por Hipódamo de Mileto, e que consiste em arruamento formado por retas cruzadas.
44
- Saia, Fontes primárias..., 1948, p. 4.

28 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


rigor do planejamento reticulado preferido pelos inacianos, e adequando-se a circunstâncias locais bem como ao gosto do
colonizador e do mameluco45 . O resultado final na Aldeia do século XVIII deve ter sido um misto de solução hipodâmica
mais o informalismo reinante em Piratininga, sabendo-se da preferência do caipira paulista em se manter um tanto
distanciado de centros urbanos. No início do século XX – a despeito da grande distância de tempo em relação ao século
XVIII – ainda restavam velhas casas de pau a pique isoladas nos arredores do núcleo da Aldeia, habitada por caboclos e
descendentes de indígenas, como lembram alguns de nossos informantes mais idosos.

Comparando-se os planos urbanísticos das reduções do império jesuítico-guarani46 com o da Aldeia de Carapicuíba47,
se pode verificar a identidade existente no “miolo” do traçado. Ressalta, evidentemente, que nas reduções do Sul houve um
enorme progresso e maior rigor por parte dos inacianos, logo elas eram de muito maiores proporções. Mas considerando-
se apenas a parte central, a identidade é flagrante: o templo inserido no lado do quadrilátero que fica em destaque no
leve declive do sítio, os demais lados formados por residências. E ainda devendo considerarem-se outras características
– a escolha do sítio em declive, proximidade de nascente, um dos cantos do quadrilátero fechado. Para tal comparação,

45
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 2 e 11; Idem, Morada..., 1972, p. 30/32.
46
- Conforme consta em Mayerhofer, Reconstituição..., 1942, (ilustr.); Saia, Morada..., 1972, p. 16; e Sepp, Viagem..., (ilustr.).
47
- Saia, Morada..., 1972, p. 16.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 29


constitui documento de particular importância a gravura de cobre (já citada, datada de 1755 retratando o povo de São
João Batista48 , que como as demais reduções era formada por um reticulado de vias centralizado no pátio; além dessa
redução documentada contemporaneamente à sua existência, também sobre a redução da Candelária há documentação
semelhante, e se sabe – através de reconstituições – que outras igualmente apresentavam a solução hipodâmica49 como
uma constante portanto. A diferença entre os povos jesuíticos do Sul e a Aldeia de Carapicuíba reside nas proporções e
no fato de que colonos portugueses e primeiros paulistas preferiram espraiar-se numa área ao invés de se concentrarem
num ponto central. De um modo ou de outro, a “aldeia” constituía então a forma utilizada pelos jesuítas para agrupar
o selvícola a fim de melhor atingir seus objetivos de catequese50 bem como pela Coroa a fim de garantir seu domínio;
aquelas eram aldeias jesuíticas (comumente provenientes de doações à Companhia) e estas chamadas “do Real Padroado”.
Diversos desses agrupamentos humanos foram formados, inclusive a partir de aldeamentos indígenas, procurando-se dar
a eles um caráter permanente e assim fixar o gentio a uma determinada propriedade, já que uma das maiores dificuldades
para os missionários era la mudança continua desta gente que no atura en un lugar sino mui poco, no dizer do padre Luiz
da Grã51 .

48
- Reproduzida em Sepp, Viagem..., 1972 (ilustr. 50); Mayerhofer, Reconstituição..., 1942, p. 61; Saia, Morada..., 1972, p. 16.
49
- Mayerhofer, Reconstituição..., 1942.
50
- Leite, História..., 1938, v. 1, p. 302.
51
- Carta do pe. Luiz da Grã reproduzida em S. Leite, História..., v. 1, p. 302; Idem, Rev. do Arquivo 2(21), 1936, p. 39; Idem, Cartas..., v. 2, 1956/58, p. 292. Ver observações
semelhantes na carta do pe. João de Azpilcueta, em S. Leite, Cartas..., v. 1,1956/58, p. 181.

30 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


No caso do planalto piratiningano, no início do trabalho catequético os jesuítas percorreram grandes extensões em
missões, concluindo depois que seria muito mais eficiente tentar reunir os indígenas nessas que viriam a ser aldeias.
Anchieta se refere a 12 em redor de São Paulo, formando um como que cordão avançado de proteção da vila52 e para
atração do selvícola, além do que facilitando as atividades dos religiosos. As cartas jesuíticas citam constantemente aldeias
na Bahia, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em outros pontos do território luso na América do Sul; no planalto paulista,
a partir do final do século XVI podem-se relacionar as de: Maniçoba ou Japiúba, Ibirapuera (provavelmente o distrito
de Santo Amaro de hoje), Geribatiba, São Miguel do Ururaí, Mairanhaia, Maruim, Embu, Itapecirica, Itaquaquecetuba,
Guarulhos, Nossa Senhora da Escada, Barueri ou Marueri, Nossa Senhora da Conceição dos Pinheiros, Carapicuíba53.
Segundo Petrone, os núcleos iniciais e talvez derivados de pontos já habitados por selvícolas foram Pinheiros e São
Miguel; um segundo grupo de aldeias visou agrupar indígenas e foram doadas a jesuítas – Embu, Escada, Carapicuíba;
enquanto outras constituíram casos com características especiais54.
Por isso com a denominação ”aldeia” se designava, já no primeiro século, o tipo de povoamento destinado a agrupar
indígenas “descidos”* do sertão e reunidos sob orientação dos jesuítas. Essa permanência da denominação no uso
popular (no caso de Carapicuíba), além de nos documentos antigos ser também uma constante, nos leva a conservá-la
neste trabalho, com esse mesmo significado, preferindo-a a aldeamento55.

52
- José de Anchieta, Cartas..., 1900, p. 321; Leite, História..., 1938, v. 1, p. 302.
53
- Benedito Calixto, Capitanias..., 1927, mapa; Leite, História..., 1938, v. 1, p. 302 e seg.; Idem, Rev. do Arquivo 2(21), 1936, p. 38 e seg.; P.S.F. Camargo, A igreja...,
1952/53, v. 1, p. 202.
54
- Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 81/82.
55
- Sobre ambas denominações, ver Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 64/65 e 162/163.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 31


* - “Descimento” de índios é modo de referir o agrupamento de indígenas, em todas as regiões da Colônia, para
catequese, para sua cristianização obrigatória. Segundo alguns autores, é forma de escravização do indígena, pela mudança
de sua cultura e imposição da cultura europeia. Também era usado dizer-se “administração” de índios.
É assunto complexo, implicando conflitos índios x governos x colonos x religiosos.

1.6. Origem da Aldeia de Carapicuíba


Nem sempre as aldeias se fixaram, desde sua fundação, em local definitivo. Motivos variados – terras mais adequadas
à lavoura, proximidade de rios piscosos, interesses da Coroa ou de jesuítas, posição estratégica e outros – levavam à
mudança de lugar.56 . No caso da Aldeia de Carapicuíba, parece bastante certo que o primitivo povoado surgiu no último
quartel do século XVI, conjugando providências oficiais para proporcionar mais terras a indígenas cristianizados, até
mesmo implicando objetivos estratégicos de defesa dos interesses de colonizadores e interesses dos jesuítas sempre ativos
na catequese e “administração” de indígenas.
A documentação dos dois primeiros séculos é parca e às vezes imprecisa, além do que há desencontro de informações
nos estudos existentes sobre as aldeias em redor de São Paulo; alguns autores que trataram do assunto fazem afirmações
imprecisas e até erradas.
Uma das falhas graves em certos estudos é o equívoco de considerar as aldeias de Pinheiros (nos papéis antigos
consta “dos Pinheiros”) e a de Carapicuíba como sendo uma só57 . Buarque de Holanda lembra que elas não se confundem
numa só; sobre a de Pinheiros há numerosas menções em textos dos fins do século XVI (…). Carapicuíba, ao contrário,
esteve sob os cuidados da Companhia de Jesus até a extinção da mesma, em resultado de doação feita à Capela de Na.
Sra. da Graça por Afonso Sardinha e Maria Gonçalves de sua fazenda, cabendo aos padres da Companhia cuidar ‘de
toda a sua gente forros goaramins, como de outras nações’. A escritura de doação data de 9 de julho de 1615 (...)58 .
Todavia, bem anterior a 1615 há outro documento importante relativo ao surgimento da Aldeia de Carapicuíba: a
sesmaria de 12-outubro-1580, no qual Jerônimo Leitão (loco-tenente de Lopo de Sousa, donatário da capitania de São
Vicente) justifica que os índios dos Pinheiros, até agora lavraram nas terras dos Padres, por serem índios cristãos e as
ditas terras se vão acabando, necessitando-se então oficializar a cessão de mais terras; nesse sentido Jerônimo Leitão
cita inclusive um pedido dos selvícolas – por sua petição – atendido através da sesmaria de outubro de 1580. Certamente
houve entendimentos e acordo entre as autoridades da administração local, os jesuítas e selvícolas, no sentido de se
criar mais um povoado, adiante da aldeia de Pinheiros e numa área já conhecida por Carapicuíba; talvez não apenas por
estarem ocupadas as terras de Pinheiros, mas também por se esperarem mais indígenas59 . No trecho relativo a essas
aldeias, frei Gaspar deixa claro que uma surgiu depois de alguns anos da outra; esse trecho é o seguinte, após referir-
se à extinção de Santo André: Os Guaianazes oriundos de Piratininga e mais índios ali moradores vendo que iam
concorrendo portugueses e ocupando as suas terras desampararam S. Paulo e foram situar-se em duas aldeias, que
56
- Petrone faz diversas observações sobre o sítio das aldeias e a instabilidade da sua fixação: Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 92/101.
57
- Ver por exemplo J.J.M. d’Oliveira, Notícia raciocinada..., Rev. do IHGB (8), 1846; e Taunay, História..., 1953(?), p. 21. Pasquale Petrone aponta a falha de se considerarem
Pinheiros e Carapicuíba como sendo uma mesma aldeia: Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 66 e 70.
58
- Sérgio B. Holanda, Capelas..., Rev. do SPHAN (5), 1941, p. 110.
59
- Os índios de Piratininga esperavam outros índios que haviam de chegar brevemente do sertão; Leite, Rev. do Arquivo 2(21), 1936, p. 42. Também Taunay, História...,
1953(?), p. 22.

32 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


novamente edificaram uma com o título de Nossa Senhora dos Pinheiros e outra com a invocação de S. Miguel. Depois
de alguns anos Jerônimo Leitão, Loco-Tenente de Lopo de Sousa, Donatário de S. Vicente, concedeu-lhes terras por uma
só sesmaria lavrada aos 12 de outubro de 1580, na qual consignou aos índios dos Pinheiros 6 léguas em quadro, na
paragem chamada Carapicuíva; e outras tantas aos índios de S. Miguel, em Uraraí60 .
De forma que a sesmaria de 1580 nos parece documento duplamente importante: por mostrar que a aldeia de Pinheiros
era uma e a de Carapicuíba veio a ser outra, posterior àquela61 ; e por oficializar seis léguas de terra em quadra, para os
índios dos Pinheiros, em Carapicuíba, nas margens do Umbiaçaba, tanto de uma parte como de outra – sendo portanto
uma espécie de certidão de nascimento da Aldeia de Carapicuíba.
Quanto à doação de uma fazenda aos jesuítas (o que não era incomum), feita por Afonso Sardinha e Maria Gonçalves,
sem dúvida é do século seguinte; no ano da doação, 1615, a Aldeia já existia62 .
Luís Saia dá o ano de 1582 como o de fundação da primitiva Aldeia63 , sem citar fontes. Podemos crer que a primeira
tentativa de estabelecer o povoado ocorreu no início da década de 1580.
Essa parece constituir a origem primeira da Aldeia de Carapicuíba.
Entretanto, como já indicamos, tais povoados não se fixavam com certeza num local definitivo desde o começo, pois,
às vezes, tanto sacerdotes quanto colonos se viam obrigados a transferir suas instalações, de resto precárias. No caso de
Carapicuíba, sua vizinhança com propriedades de colonos fez surgirem problemas, inclusive relativos à escravização
do aborígene – choques de interesses que aliás eram comuns, de modo que a vida na Aldeia no século XVII certamente
apresentou períodos mais favoráveis e outros de depressão; até se procurou transferi-la para Itapecirica da Serra, por
decisão dos jesuítas; para isso chegando-se ao extremo de derrubar as casas existentes a fim de forçar a mudança. Saia
afirma que ela chegou a ser praticamente destruída no segundo século, e dela retirados os índios que foram então para
Itapecerica, voltou a ser recomposta logo em seguida, inclusive a partir do aproveitamento de algumas paredes de taipa
remanescentes da primeira instalação64 . Buarque de Holanda afirma que a tentativa de mudança deve ter ocorrido pelas
imediações de 169865 , todavia parece ter havido forte resistência à ideia de mudança para Itapecirica. Por essa época, surge
a figura do pe. Belchior de Pontes que, vindo da Bahia, encarregou-se da Aldeia. Manoel da Fonseca assim relata o fato
da transferência para Itapecirica: Não pareceo bem ao Padre Pontes esta mudança, e he tradição entre os mesmos Indios
que elle dissera que naõ havia de deixar de ser Aldêa Carapicuyba. O tempo tem mostrado que foy vaticinio; porque
alguns dos Indios mudados para Itapycyryca nunca deixarão o lugar, em que se tinhaõ criado: e por mais diligencias
que fizeraõ os Religiosos, para que vivessem juntos, chegando a derrubar-lhes as casas, que tinhaõ em Carapicuyba,
nunca o puderão conseguir (…) e tem multiplicado desorte, que já se lhes fez Igreja dedicada a S. Joaõ Baptista66.
Concluindo-se que a tentativa de mudança acabou fortalecendo a Aldeia. A igreja referida por Manoel da Fonseca é
60
- G. M. de Deus, Memórias..., 1975, p. 125/126.
61
- G. M. de Deus, Memórias..., 1975, p. 126.
62
- Sempre houve problemas de posse de terra dos indígenas. Em 1789, José A. de Toledo Rendon afirma que estou persuadido que taes sesmarias nunca foram medidas nem
demarcadas, não só porque d’isso nenhum documento tenho encontrado, como mesmo porque a medição dellas já a muitos annos se fez impraticavel pela multiplicidade
de moradores que foram entrando (…); Memória..., Rev. do IHGB (4), 1842, p. 313.
63
- Saia, Morada..., 1972, p. 19.
64
- Saia, Morada..., 1972, p. 19.
65
- Holanda, Capelas..., Rev. do SPHAN (5), 1941, p. 111.
66
- M. da Fonseca, Vida..., s/d, p. 121.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 33


a construção atual, e data de 173667, época em que também deve ter sido refeita parte da aldeia, certamente num feitio
muito próximo ao de hoje68 . Nos trabalhos de reinstalação da Aldeia se incluiu a recolocação de um cruzeiro em frente à
porta do templo (como já vimos no item 1.4.), o que mostra a existência do culto da cruz já naqueles tempos69 . O século
XVIII parece ter sido a época em que a Aldeia de Carapicuíba se consolidou, a partir especialmente da reconstrução, cujas
características coincidem em linhas gerais com os padrões comuns nos núcleos urbanos setecentistas – uniformidade dos
lotes, uniformidade das fachadas, uniformidade das dimensões, semelhança nas plantas, precariedade de técnica70 , numa
singeleza própria dos tempos de exíguos recursos em terras paulistas. Essa reafirmação da Aldeia no início do século
XVIII, como núcleo de habitação para indígenas e controlada pelos jesuítas, parece ter tido apoio importante na pessoa e
na atuação do pe. Belchior de Pontes, chegando sua lembrança persistir até hoje na tradição oral.
A expulsão dos jesuítas, 1760, deve ter dado ensejo a que a propriedade passasse aos Camargos71 , uma das mais
antigas famílias paulistas e cujos integrantes mantiveram verdadeira “guerra civil” com os de outro clã numeroso e
forte, o dos Pires, a partir de cerca de 164072 . Desprovida da direção dos jesuítas a Aldeia decaiu, no século XVIII,
quando ficou ligada formalmente à paróquia de Cotia e se mantendo grandemente isolada73. Pesquisando em 1936/38
as construções e a vida da Aldeia, o arquiteto Luís Saia nota que o voltar-se a si mesmo do povoado, além do simples

Grupo em 2 de maio de 1913; sentado, Antero (instrumentista); na porta, de preto, Eufrosima


e outros.

67
- M. da Fonseca, Vida..., s/d, p. 121.
68
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 1.
69
- M. da Fonseca, Vida..., s/d, p. 121/122.
70
- Nestor G. dos Reis Filho, Quadro..., 1976, p. 24.
71
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 1.
72
- Taunay narra diversos eventos desses conflitos, História..., 1953(?), p. 28 e seg.. Outras referências em G. M. de Deus, Memórias..., 1975, rodapé na p. 128.
73
- Essa decadência é referida por S. B. Holanda, citando Azevedo Marques, para quem a Aldeia já não existia em 1774; Capelas..., Rev. do SPHAN (5), 1941, p. 112.

34 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


isolamento geográfico ainda possível de se observar na época, foi fator de sua manutenção através de séculos: Penso que
melhormente se explicaria o fenômeno que resguardou e conservou Carapicuíba, com a psicologia dos seus moradores.
Fechada, arredia, voltada para si mesma, quase sem tomar conhecimento do que se passa fora de seu âmbito limitado.
Esse caráter psicológicos se retrata fielmente na disposição urbanística das casas, voltadas uma para as outras, num
quadrado que jamais se vira para fora74 , fatores que poderão explicar também a manutenção de alguns traços da cultura
popular75 , inclusive o próprio nome: “aldeia”76. Entretanto, além desse alegado fator psicológico, não podemos esquecer
a ausência de importância econômica da Aldeia no contexto paulista de então, o que contribuiu grandemente para sua
preservação inercial.

1.7. O nome “Carapicuíba”


A sesmaria de 1580, assinada por Jerônimo Leitão, concede terras aos Índios dos Pinheiros, citando que elas se situam
num lugar onde chamam Carapicuíba77 , o que indica tratar-se de local já conhecido dos selvícolas. Nos documentos
antigos esse nome aparece grafado de várias maneiras – Carapucuyva, Crapocouva, Carapicuhyba, Carapecuuba,
Carapumyba, etc – o que afinal ocorre com muitas outras palavras, de origem indígena ou não.
Na biblioteca consultada não há consenso a respeito do significado que para tal denominação era dada pelos selvícolas.
Podemos relacionar as seguintes versões:
1. O que se revolve em fojos, isto é, em buracos, corruptela de “Quar-á-picuibae”: “Quar-a” (fojo, poço, buraco), “i”
(indicando posição e correspondendo a em), e “picui” (revolver), precedido de “y” (se) com acréscimo de “bae”
formando particípio e significando o que78 .
2. Orelha de pau ruim, cogumelo ruim ou venenoso, próprio de troncos em decomposição. Derivado de
“Carapecú” (cogumelo) e “ahima” (ruim)79 .
3. Resina de pau podre. De “carapicu” (pau, madeira), e “iba” (orelha)80 . Liga-se à hipótese anterior do cogumelo
chamado orelha de pau, família das Poliporáceas.
4. Terra boa com pedra ruim. De “cará” (terras boas), “picu” (pedra) e “iva” (ruim)81 .
5. Peixe virado, peixe remexido. De “Acará-picui(-ba)”, ou seja “Acará” (peixe) e contração de “picuiba” (revolvido,
remexido, virado)82 .
6. Farinha fina de acará (do peixe acará). De “Cará-pi-cui(ba)”, desdobrando-se em ”Acará” (peixe que tem esse
nome), “pi” ou “pii” (fino) e contração de “cuiba” em “cui” farinha, pó)83 .

74
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 20.
75
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 22.
76
- Petrone reconhece que o isolamento de Carapicuíba pode ter sido fator de conservação do nome “aldeia”; Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 273.
77
- Cartas de datas..., 1937, p. 22.
78
- Significação de João Mendes de Almeida, Diccionário geographico da Provincia de São Paulo, citado por J. David Jorge, “Carapicuíba”, A Gazeta, São Paulo,
20-março-1952.
79
- Conforme J. D. Jorge, A Gazeta, 20-março-1952.
80
- Uma das duas “versões populares” colhidas por Luís Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 1.
81
- Outra das versões colhidas por Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 1.
82
- Conforme referido por J. D. Jorge, A Gazeta, 20-março-1952.
83
- J. D. Jorge, A Gazeta, 20-março-1952.
carapicuíba - uma aldeia mameluca 35
7. Peixe comprido de mau sabor, de péssimo paladar. Contração e adulteração de “Acará-pucu-aíba” significando
“Acará” ou a forma reduzida “Cará” (o cascudo, o escamoso; peixe fluvial), “pucú” (comprido) e “aíba” (mau,
ruim, inconveniente, venenoso)84 .
Embora sem pretender resolver o desencontro de opiniões de estudiosos sobre o assunto – pois, como acontece com
outros termos da língua portuguesa falada no Brasil de origem tupi-guarani, se torna difícil e até impossível obter hoje em
dia uma certeza absoluta sobre étimos primitivos – parece-nos mais aceitável a interpretação de Carapicuíba como local
onde há peixe acará comprido e impróprio ou ruim de se comer. Todavia, com os tupinólogos a última palavra.

Cap. 2 - A Aldeia de Carapicuíba contemporânea – mudanças


2.1. Características físicas
Localizada num terraço fluvial85 (embora afastada de grandes cursos d´água), a Aldeia de Carapicuíba situa-se a
cerca de 23º 34’ de latitude sul e 46º 50’ de longitude ocidental. Dois acessos podem levar a ela: a partir da Rodovia
Raposo Tavares SP-270 e BR-277, e outro a partir da cidade de Carapicuíba em área urbanizada. Ambos os caminhos
são denominados tradicionalmente de Estrada da Aldeia e na verdade são continuação um do outro. Na rodovia Raposo
Tavares, a partir do seu quilômetro 22, à direita de quem se dirige da Capital paulista para a cidade de Cotia, o acesso
tem cerca de 2 quilômetros, atravessando área do município de Cotia ocupada por sítios e chácaras de veraneio e também
residências de executivos que trabalham em São Paulo, mas notando-se acelerado processo de urbanização. Por esse
caminho, cerca de 300 metros após a divisa dos municípios de Cotia e Carapicuíba, em descida, se acha a Aldeia. Passando
esta e continuando pelo caminho, já não se veem chácaras e sim os estreitos arruamentos do chamado bairro da Aldeia,
seguindo-se Vila Dirce e outros bairros; perto de 15 quilômetros depois, a maior parte num espigão, está o centro da cidade
de Carapicuíba. Sendo um dos municípios da Grande São Paulo, Carapicuíba foi formado por áreas que anteriormente
pertenciam a Santana de Parnaíba, Cotia e Barueri, tendo sido criado pela lei estadual 8092, de 28-fevereiro-1964. Limita-
se ao norte com Barueri, a este com Osasco, ao sul com Cotia e a oeste com Jandira; pequeno trecho do rio Tietê constitui
a divisa com Barueri, e pequenos cursos dágua determinam a divisa com outros municípios. Sua área total é de 44
quilômetros quadrados, toda ela considerada perímetro urbano pela lei municipal 179, de 2-janeiro-1970. A população
estimada (77.086 habitantes em 1977)86 apresenta alto índice de trabalhadores imigrantes nordestinos, mineiros e seus
descendentes, trabalhadores no comércio e na indústria locais e de municípios vizinhos ou próximos, inclusive São
Paulo. Por isso é considerada uma das “cidades-dormitório” da Grande São Paulo.

84
- J. D. Jorge, A Gazeta, 20-março-1952. Antônio A. da Cunha não inclui Carapicuíba em sua obra,porém nela constam: acará – s.m. Designação comum a diversos peixes
de água doce da família dos ciclídeos; e também: carapicu – s. m. (T. Akarapu’cu aka’ra “acará” + pu’ku “comprido”). Peixe de mar da família dos encinostomídeos”;
Dicionário....
Rodolpho von Ihering informa pormenores sobre o peixe: “Acará – também “Cará” ou “Papaterra”. Peixes da fam. Cichlideos, dos gêneros Geophagus, Acara,
Astronotus, Cichlasoma, etc. A espécie mais comum no Brasil meridional, G. Brasiliensis, atinge um palmo de comprimento, e como o corpo é alto e grosso, alguns
pescadores o levam para casa; mas a carne não presta, pois como diz um dos seus nomes, esses peixes vivem do alimento que encontram no lodo. (…), e dá outros dados;
Dicionário..., 1978.
85
- Conforme Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 98; sobre o sítio da Aldeia, também p. 100.
86
- Dados do Anuário..., 1977.

36 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Agenciada em sítio com leve declive e próxima de uma pequena nascente (hoje quase extinta), a Aldeia de Carapicuíba
forma um retângulo de 53 por 31,5 metros (com ligeira irregularidade), tendo, em 1979, vinte e uma construções incluindo
a igreja. Esta e seis residências se inserem no lado mais elevado do suave declive do pátio, onde desemboca a estrada de
ligação com a rodovia Raposo Tavares, chamada Estrada da Aldeia. Os lotes têm, via de regra, 5 metros de frente, e seu
comprimento varia desde cerca de 20 até 150 metros. As casas são térreas, a maioria de pau a pique e telhado de duas
águas. Fogem dessa regra geral: as casas número 18, 19, 20 e 21 que foram levantadas há poucas décadas, e a casa 9 que
tem telhado de quatro águas. Segundo Saia, no correr de casas 9/12 foram aproveitadas paredes das primitivas construções,
isto é, da primeira tentativa de fundação de um núcleo populacional, provavelmente do século XVI. Uma construção
que fechava o canto formado pelo lado oposto ao da igreja e o lado da “rua do Sacramento”, a oeste ruiu há algumas
décadas, não sendo refeita; portanto na época de nossas anotações há um terreno livre onde anteriormente era uma das
casas, conforme consta no primeiro plano do bico de pena de Luís Saia mostrando perspectiva da Aldeia em 1938. Esse
mesmo levantamento do ex-diretor do 4º Distrito do IPHAN mostra uma área livre entre a citada “rua do Sacramento” e
a “Estrada de Itu” ou av. João Fazoli87. Nessa área foram construídas duas moradias, que juntamente com as outras duas
situadas nos terrenos da esquerda da igreja – as casas 18 e 19 na numeração oficial atual, são as construções mais recentes
do conjunto, bem posteriores às demais. O templo católico é uma edificação em taipa, de 1736, medindo 13,20 metros
de frente por 12 de fundo. É rodeado por uma calçada de pedra feita em 1970 em reforma do pátio, providenciada pela
Prefeitura Municipal de Carapicuíba. Não dispondo de torre, seus dois sinos atuais* ficam colocados no coro. O telhado
é de duas águas na fachada é uma empena simples e contínua que termina ao alto na ponta da cumeeira, encimada por
uma cruz de madeira, e abaixo da qual fica uma pequena janela que dá internamente para o coro. Na direção dessa janela,
fica a porta central, de duas folhas e com seis almofadas, e que serve à nave. Duas portas secundárias, simples, ladeiam
a principal: a do lado direito dando acesso a um cômodo sem utilização maior nos anos de nossas observações, e a do
lado esquerdo do templo dando acesso a duas salas contíguas usadas como sacristia e depósito de utensílios de festas; a
segunda dessas salas tem ligação com a área da igreja que seria a capela-mor. Ainda no lado direito da construção, e na
sua parte posterior, há outro cômodo isolado, com porta aberta para a Estrada da Aldeia. A nave é única, retangular, e
se une à área onde está o altar, medindo no total 5,30m metros de largura por 11,80 de fundo. No único altar do templo
está um retábulo de madeira apresentando decoração bastante simples; o sacrário e o grande nicho principal dominam a
parte central, que é ladeada por quatro falsas pilastras, estas por sua vez limitando, aos pares, áreas ocupadas por quatro
nichos secundários superpostos dois a dois, cada um dos quais tendo em relevo um querubim na respectiva base. Nos
anos de nossas observações, esse retábulo se encontra pintado a óleo, cor creme com partes em azul escuro acentuando
o que seriam a base a o capitel das pilastras além de uma faixa superior à guisa de entablamento. Convém acentuar ser
um trabalho de talha bastante simples, e talvez constitua produto de mão de artífice indígena, inclusive se considerarmos
sua colocação por Lúcio Costa entre os do primeiro período – seiscentistas – embora datando de inícios do XVIII88 . No

- Em 1936/38, nesse lado do pátio estavam fincadas 4 grossas árvores originadas de quatro esteios para palanque de festa, como refere Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 18.
87

- Lúcio Costa, A arquitetura..., Rev. do SPHAN (5); na p. 47 os quatro períodos estudados; e sobre o retábulo da Aldeia a citação sem pormenores: conquanto já no começo
88

do século XVIII, o pequeno altar tão singelo da igreja de Carapicuíba, p. 63/64.


Luís Saia refere-se ao retábulo de Carapicuíba como sendo de composição preferindo uma linha mais severa (…) já oitocentista; A arquitetura..., São Paulo..., 1966, p.
239/240.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 37


nicho central se acha a antiga imagem de Santa Catarina89 (madeira, cerca de 1,10m de altura). Também em talha, o
sacrário se resume a uma caixa com cerca de 30 cm cujos lados apresentam trabalho em alto-relevo com elemento floral
em curvas e cuja porta contém em baixo-relevo dourado as letras IHS e uma cruz. A base do sacrário está com a borda
queimada, certamente por uso inadvertido de lamparina ou vela sobre a mesa. Imagens de feitura industrial e castiçais
complementam o altar. Ao seu lado direito, é costume ficar um cruzeiro de madeira, escuro, tendo nos braços um tecido
branco – a chamada “toalha da cruz”.

No centro do pátio há um cruzeiro de madeira com 1,96 metro de altura a 1,00 nos braços, chantado em base
de alvenaria. Algumas palmeiras formam duas alas ao cruzeiro em direção ao templo. É costume caiar de branco as
construções, pintando-lhes portas e janelas de azul (mas nossos informantes afirmam que antes do Patrimônio aparecer
a gente pintava da cor que quisesse).
89
- Santa Catarina é o orago atual. Primeiramente o orago era São João Batista; a troca deve datar da reinstalação da Aldeia, em 1736, como indica Saia, Aldeia..., 1937, p. 18.
Portanto, há dois séculos a igreja é dedicada a Santa Catarina e não a São João Batista, como consta em Leonardo Arroyo, Igrejas..., 1954, p. 115/128.

38 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Provavelmente nas demais aldeias localizadas ao redor de São Paulo de Piratininga, tenha-se tentado a mesma
disposição urbanística e a mesma solução arquitetônica, perdidas com a evolução dos tempos, o crescimento urbano e
outros fatores. A atual cidade de Itaquaquecetuba, por exemplo, deve ter-se estendido a partir da praça onde está a igreja
e em frente desta o cruzeiro, num esquema semelhante ao da Aldeia de Carapicuíba. Próximo de Itaquaquecetuba, o atual
distrito de São Miguel Paulista (antigamente aldeia de São Miguel de Ururaí) certamente se espalhou do largo dominado
pelo templo católico, a igreja de São Miguel Arcanjo, de 1622, aliás um dos mais importantes bens de Patrimônio cultural
da Capital. Por outro lado, antes da edificação da atual igreja de Nossa Senhora de Monte Serrat, no largo de Pinheiros,
na Capital paulista, havia uma igreja menor disposta de modo que a fachada ficava voltada para a atual rua Butantan, e a
seu lado havia também uma capela formando esquina com a rua Padre Carvalho, ambas demolidas, e em redor das quais
se fazia a festa de Santa Cruz, segundo nossos informantes.
Essas aldeias, como lembra Saia, não serviram apenas para juntar índios sob a direção de jesuítas, mas também
foram núcleos de larga mestiçagem90 , por certo querendo o autor referir-se não apenas à mestiçagem racial, mas
igualmente cultural; portanto núcleos de forte processo de aculturação, o que nos interessa particularmente para o caso de
características da festa de Santa Cruz e de outras manifestações folclóricas.

* - Em fotografia de 1913 (ilustração 1) aparecem bem nítidos três sinos. Informantes afirmam que um desses três foi
retirado pelo pessoar do Patrimônio e não devolvero mais.

2.2. A Aldeia e a vida moderna


As terras localizadas entre o conjunto de construções seculares da Aldeia e a cidade de Carapicuíba, hoje grandemente
urbanizadas e ocupadas por uma população carente de recursos, eram desabitadas ou abrigavam sítios tranquilos até cerca
das décadas de 1950/60; mas nas últimas décadas a Aldeia e suas proximidades passaram por profundas modificações
em suas estruturas sociais. No estudo feito em 1936/38, Luís Saia fala de japoneses, sitiantes que haviam chegado fazia
poucos anos. Segundo nossos informantes, antes dos japoneses instalaram-se nos arredores da Aldeia também os italianos,
cultivando a terra. Desse modo, temos que primeiramente imigrantes estrangeiros e depois migrantes do estado de São
Paulo, do Nordeste e de Minas Gerais, fixaram-se na área, e tornaram minoria os paulistas da própria área, descendentes
inclusive de velhas estirpes como os Camargos. Ora, essas modificações acabam afetando a vida daquela que era uma
comunidade, implicando alterações de fatos folclóricos, como veremos adiante. Os sítios de produção hortifrutigrangeira
devem ter começado a ser absorvidos intensamente a partir da década de 1950, de modo que em 1979, ano em que
encerramos nossas observações, eles não existem mais.
A Aldeia, integrada no perímetro urbano do município de Carapicuíba desde 1970, sofre com a exploração
imobiliária tendo feito ocupar até terrenos dentro dos limites de 300 metros do entorno, previstos nas disposições legais
de tombamento. Isso ocorreu porque as autoridades – como infelizmente costuma acontecer em nosso país – não tiveram
ou não forçaram condições favoráveis para serem aplicadas na prática as determinações do tombamento, o que, somado
ao crescimento explosivo da urbanização, quase permite dizer-se ter tombamento da Aldeia permanecido apenas no
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 554.
90

carapicuíba - uma aldeia mameluca 39


papel, não fossem as obras de restauro da década de 1950. Ao mesmo tempo em que essa ocupação territorial ocorria
nos arredores imediatos da Aldeia, o município de Carapicuíba crescia sem plano diretor e, portanto, sem que seus
desfavorecidos habitantes – atraídos para atender à demanda de mão de obra por parte de indústrias – pudessem dispor
de vários serviços de infraestrutura urbana; o que aconteceu e acontece afinal com quase todos os municípios da Grande
São Paulo – crescimento rápido e desordenado, com as naturais consequências para a qualidade de vida da população91 .
Mesmo nas proximidades da Aldeia estão-se instalando indústrias, enquanto a especulação imobiliária corre desenfreada,
o que dificulta o trabalho de resguardo de um dos mais valiosos conjuntos histórico-arquitetônicos do estado paulista.
Após as investigações de Luís Saia em 1936/38, o IPHAN tombou a Aldeia pelo processo 218/T, inscrição número 7
do Livro do Tombo, de 13-maio-1940. Por sua vez o CONDEPHAAT parece recusar-se a efetuar tombamento em nível
estadual (“ex-oficio”), embora no 4º Distrito do IPHAN se informe que esse tombamento estadual também foi feito.
Em 1950 o IPHAN providenciou orçamento para restauração, e as primeiras obras desse tipo foram feitas na igreja,
de 1954 a 1959. As casas foram restauradas no período de 1956 a 1961. Algumas outras obras foram efetuadas ou refeitas
em anos posteriores. Às vezes a Prefeitura tem-se dedicado a este ou aquele melhoramento, nem sempre aprovado pelas
autoridades federais e estaduais. Por exemplo: a Estrada da Aldeia foi asfaltada em 1958, desde a divisa com Cotia até
o centro de Carapicuíba, com a faixa negra passando pelo pátio (!) e naturalmente muito bem recebida pelos habitantes,
como sinal de progresso que chega; em 1970 a Prefeitura realizou reforma no chão de terra do pátio92 , que apresentava
ligeiro declive (foram construídas mureta e escadas para compensar o desnível do terreno, ficando agora a área em frente
ao templo e ao redor do cruzeiro em plano mais elevado que a área de frente às casas do lado noroeste). Por outro lado,
a precariedade em que se acha o conjunto patrimonial é também confirmada pelo ocorrido em 1976, quando estudantes
obtiveram autorização paroquial para retirar a antiga imagem de Santa Catarina “para restauros”, o que provocou atitude
hostil do diretor Luís Saia, do IPHAN, contra sacerdote e moradores: ele fechou a igreja impedindo sua utilização.
Depois, esclarecido o fato e tendo sido trazida a imagem, voltaram os ânimos a serenarem. Porém o sino, uma imagem
e outras peças não voltaram à Aldeia. Diante de fatos assim, é perfeitamente lícito admitir a hipótese de que qualquer
pessoa pode levar peças da Aldeia – e por que não de outros locais? – sob uma alegação qualquer, e não mais devolvê-
las; aliás, muitos exemplos semelhantes já aconteceram pelo Brasil afora. Os antigos moradores da Aldeia se queixam
das autoridades dos dois órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio natural e cultural, afirmando que elas não
fazem nada e não deixam fazer. Em 1978, o IPHAN obrigou a demolição de um galpão que o vigário estava terminando,
no terreno atrás da igreja e destinado a abrigar festas.
Os melhoramentos públicos na área são recentes, e alguns chegaram mesmo contra as normas que deveriam prevalecer
num bem tombado. Como indicamos acima, o asfaltamento da Estrada da Aldeia foi feito em 1958. Mas com o pormenor
lamentável da passagem da pista negra pelo pátio, em vez de contornar o conjunto. A linha de ônibus Carapicuíba-Aldeia
faz ponto final na Estrada da Aldeia próximo da entrada do Sanatório Anhembi (na divisa de municípios), tendo sido
inaugurada em maio-1970. Mas os ônibus dessa e de outras linhas (inclusive uma Pinheiros-Aldeia) já tiveram ponto

91
- Como em 1933 já afirmavam especialistas reunidos no 4º Congresso dos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna) em advertências e orientações
dirigidas a arquitetos e urbanistas do mundo inteiro: Foi o desenvolvimento descontrolado e desordenado da Era da Máquina que produziu o caos em nossas cidades;
Carta de Atenas, 1973.
92
- Ofício 10/217/GP/SRE/79, da Prefeitura Municipal de Carapicuíba, respondendo a solicitação de informações.

40 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


final em pleno pátio antigo, chegando-se a instalar uma cabina de fiscalização ao lado do cruzeiro, no centro da praça
(!); e nas manobras que os coletivos faziam chegou a acontecer, por duas vezes, baterem em casas seculares. Moradores
solicitaram providências, o que levou a Prefeitura a encurtar o trajeto, ordenando em 1978 a transferência do ponto final
para a Vila Dirce, bairro a cerca de dois quilômetros da Aldeia – o que trouxe insatisfação aos usuários, pois os obrigava
a tomarem duas conduções. Diz-se que a Prefeitura não encontrou local mais próximo para o novo ponto final, ou não
quis desapropriar terreno para esse objetivo. Com o asfalto ligando a rodovia Raposo Tavares ao centro de Carapicuíba (e
portanto à estrada que serve os municípios de grande concentração industrial do oeste de São Paulo), a Aldeia veio a ser
passagem obrigatória de veículos de todo tipo. Diferente dos idos de 1910/20, quando ainda se gastava um dia no trajeto
de Pinheiros à comunidade, viajando a cavalo, em carros de boi ou trólis e charretes para participar da festa de Santa Cruz,
levando alimentos e agasalhos – como ainda lembram nossos informantes remanescentes da família Camargos; e quando
os primeiros veículos motorizados começaram a fazer essa viagem, ao lado de cavaleiros... . Segundo Belisário Camargo
Júnior, o primeiro automóvel a chegar na Aldeia foi um Fiat ou Benz, na festa de maio de 1913.
A energia elétrica domiciliar foi inaugurada em 1968; e, segundo consta, a Prefeitura solicitou a orientação do IPHAN,
mas, em vista da demora em obter resposta, o prefeito autorizou a instalação da rede elétrica por processos convencionais.
Assim, as casas da Aldeia têm postes encaixados nos beirais para sustentar os fios, quando as recomendações óbvias e
seguidas internacionalmente em casos semelhantes são as de se efetuarem instalações subterrâneas. Essa rede elétrica, até
1979, é apenas para uso domiciliar, não havendo projeto de iluminação pública93.

- Ofício 10/79, da Prefeitura Municipal de Carapicuíba.


93

carapicuíba - uma aldeia mameluca 41


Os moradores do local serviam-se de poços e da Biquinha (uma nascente próxima da Estrada da Velha de Cotia, a
cerca de 250 metros da igreja) para abastecimento de água. Em 1979, a Sabesp estendeu a adutora até a Aldeia, atendendo
parte das residências. Não há esgoto no local. Em 1977, chegaram os fios de telefone; até inícios de 1979, a Telesp havia
instalado um aparelho no local.
Com esses melhoramentos, a Aldeia começa a ensaiar alguns primeiros passos desencontrados no sentido de
aproveitamento turístico: a casa número 2 foi alugada para um restaurante de pratos típicos chilenos (por que não
paulistas?!), acomodado num rancho feito no quintal; a casa número 3 também foi alugada e se adapta para receber uma
galeria de arte; enquanto a sala da frente (somente essa) da casa número 18 foi alugada para uma imobiliária por alguns
meses. Tudo isso – mudanças – ocorreu em fins de 1978 e inícios de 1979, fazendo com que outros proprietários pensem
em altas cifras para alugar suas casas ou parte delas.
Servindo-nos ainda do trabalho de Luís Saia, vejamos agora certas particularidades da vida intramuros nas residências
da Aldeia de Carapicuíba. Nos seus registros inéditos, Saia mostra muitos traços da cultura caipira presentes na Aldeia
– e, pode-se supor, em seus arredores – o que aliás é confirmado por nossos informantes mais idosos: cama de ferro,
catre de toldo e cama de estiva94 foram encontrados pelo pesquisador do IPHAN; também lamparina, menos comumente
a espingarda e a bolsa de pano para caçada; na cozinha o fogão de estiva (fogão a lenha construído sobre estrado de
paus), potes de barro, gamelas, fumeiros, cuscuzeiros de barro, pilões, guampa de chifre para água na roça, purunga
para pescaria95 . Com as mudanças nas décadas posteriores à de 30, podemos observar, final do período de nossas
investigações, que algumas casas da Aldeia adotam a sala da frente como sendo ”de visitas”, embora possam manter
uma cama ainda, talvez por falta de cômodos suficientes (Saia aliás já advertira sobre essa inovação). Dois de nossos
informantes – Lucas Dias e Antônio Camargo – explicam como era a cama de pobre anteriormente:
-Aquele tempo, quem tinha cama, argum tinha; quem não tinha fincava... botava um esteio lá, outro cá, outro aqui,
quatro, e trançava de cipó.
Era a chamada tarimba. Mas as camas agora são todas do tipo industrial – cama comprada é recente, explica Saia.
Apetrechos de caça e pesca passaram a ser obsolescência; na cozinha se usa fogão a gás de butijão, louça industrializada,
panelas de alumínio, armários de fórmica; as lamparinas não são mais necessárias96 ; e a presença de receptores de televisão
logo é percebida pelas indefectíveis antenas no lado externo dos telhados – o que afinal constitui uma consequência
natural da inevitável adoção de inovações da vida moderna.
Todavia, mantêm-se alguns costumes tradicionais e populares: dentro de casa, a cozinha continua sendo o cômodo
preferido para prosear (talvez em companhia de um cafezinho e de bolo de fubá) – de resto, hábito grupal comum no
Brasil inteiro e em especial entre os habitantes rurais e de pequenas cidades – cozinha tendo funções múltiplas de local
onde se preparam e tomam refeições bem como “onde se fica”, a sala de estar da residência. Quando o número de pessoas
é grande e a cozinha não o comporta, o jeito é espalhar-se pelo quintal e a área do pátio em frente da moradia, talvez
utilizando um banco de madeira ou levando cadeiras para fora da casa. Figuras de sentido decorativo na parede não eram
comuns, como nota Saia, a não ser algum retrato de família ou imagem religiosa impressa, tal qual pode ser observado

94
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 44/45.
95
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 44/45.
96
- Contrastando com o observado por Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 45.

42 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


hoje em dia: na casa 18 há fotografias de 1913; noutras há fotografias de parentes do proprietário,vivos ou falecidos; ou
ainda bibelôs, sendo também comum uma ou duas gaiolas com pássaros.

2.3. Reelaboração do programa urbanístico e arquitetônico


da Aldeia de Carapicuíba

Com a integração forçada da Aldeia de Carapicuíba na vida da Grande São Paulo, e considerando ser ela o único
exemplar das antigas aldeias que sobrou até nossos dias sem apresentar sensíveis transformações descaracterizadoras,
é natural que se esperassem das autoridades providências para assegurar sua preservação e adequá-la a um uso que, em
vez de contribuir para sua perda, venha a colaborar para sua valorização. Todavia, além do tombamento e das obras de
restauro feitas pelo IPHAN nada foi efetivado para o melhor aproveitamento desse patrimônio cultural paulista face
às novas condições de vida. A despeito de o CONDEPHAAT não ter tombado a Aldeia até agora, há em seus arquivos
um estudo97 para o desvio de tráfego no entorno dela, datado de maio-1977, e cuja execução não demandaria grandes
verbas – a menos que a demora se prolongue esperando ainda maior concentração demográfica na área, o que levaria a
desapropriações e obras mais custosas. Por esse estudo, o núcleo da Aldeia ficaria isolado por correntes em seus cinco
acessos, e teria piso de solo-cimento. O tráfego seria desviado cerca de 200 metros antes da entrada do pátio antigo,
abrindo-se ou regularizando-se vias de contorno devidamente pavimentadas; trechos intermediários entre os pontos de
desvio e as correntes de bloqueio seriam reservados para estacionamento na própria pista. Mas essa sugestão se encontra
apenas no papel.
Quanto ao aspecto arquitetônico, desnecessário lembrar que a imprevisão já citada permitiu que diversas casas
precárias fossem construídas dentro do raio de 300 metros legalmente protegidos no caso de bens tombados. Por certo
elas deverão ser demolidas, e seus moradores removidos – o que implica um problema social que precisa ser levado em
conta, mas que não chega a constituir nenhum impedimento. Das construções antigas, várias são habitadas ou utilizadas
em comércio; outras porém se encontram desabitadas e, mediante reciclagem, poderão melhor ser aproveitadas com a
instalação de serviços, principalmente os voltados para a educação e cultura, além de turismo98 . Quanto a este último
aspecto a ser considerado – o turismo – não será demais observar tratar-se de atividade que tende a aumentar no Brasil
e estando a Aldeia de Carapicuíba a curta distância de São Paulo, ela apresenta um grande potencial de aproveitamento
para lazer e turismo que precisa ser levado em conta. Para evitar consequências prejudiciais comuns em atividades
turísticas não corretamente organizadas e orientadas, mais ainda se faz sentir a necessidade de se instalarem na Aldeia
equipamentos adequados e acertadamente dimensionados, bem como se faz sentir a necessidade de se dispor de serviços
condizentes – o que poderá fazer com que o público local se beneficie e se conscientize do valor do conjunto antigo, além
de se obter do visitante igualmente a conscientização desse valor, levando-o a um comportamento baseado em respeito
pelo bem cultural. Enfim, um problema de preservação ativa – conservar sim, porém dando ao bem cultural uma função
útil à sociedade. (Ver item 9.4, sobre Sugestões a serem aplicadas na Aldeia).

98
- Planejamentos urbanístico-arquitetônicos desse tipo, atualmente, devem considerar o fenômeno turístico como realidade dos tempos modernos (e portanto devem contar
com a participação de técnicos no setor), providenciando para que no “turista predador” não tenha condições para assim agir.
97
- “Sugestão de desvio de tráfego...”, inédito, 1977.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 43


Grupo em 3 de maio de 1925, sendo: Chico e Jucão no lado esquerdo; de pé com cachecol, Hermínio Xavier; sentado: Hernani Xavier, e também
sentado com chapéu no joelho, José Teodoro Xavier, “Juca”. Da família Formiga, todos frequentadores das festas na Aldeia.

44 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Segunda Parte

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL


DA ALDEIA DE CARAPICUÍBA

Após as considerações sobre dados históricos e materiais da Aldeia de Carapicuíba, veremos nesta Segunda Parte
alguns aspectos de sua vida, os quais vão interessar posteriormente ao estudo do folclore local e das mudanças que o
afetam. De modo que nestes capítulos teceremos considerações sobre a Aldeia como exemplar de memória nacional, e
depois aspectos econômico-sociais, religiosos e de formação do elemento humano na área.

Cap. 3 - Patrimônio cultural e mudanças

Não há dúvida sobre a grande importância da Aldeia de Carapicuíba como conjunto de indiscutível valor patrimonial.
As construções residenciais e o templo católico – todos muito singelos e até rústicos, marcados por técnica construtiva
simples (pau a pique e taipa) bem assim pela ausência de qualquer ornamentação que implique elaboração aprimorada
ou riqueza material – refletem exatamente as limitadas condições de vida da sociedade rural paulista dos séculos XVII
e XVIII, e mais especificamente as condições de um aglomerado constituído originalmente para catequese jesuítica.
Devemos ressaltar: o único aglomerado, entre diversos da mesma época e com semelhantes objetivos e funções, que se
manteve durante séculos com poucas modificações, naquela simplicidade e rusticidade típica, pois é ponto pacífico que
a região paulista nunca chegou a atingir elevados níveis de riqueza99 nem a desfrutar o relativo conforto que em outras
áreas da Colônia se verificavam.
As origens longínquas da Aldeia de Carapicuíba remontam a 1580, com a concessão de sesmaria a indígenas, e sua
instalação passou por percalços compreensíveis em vista de jogo de interesses – dos selvícolas, de colonos, de jesuítas
– tornando-se definitiva no terceiro decênio do século XVIII. Mantendo-se em situação mais ou menos periférica em
relação aos centros de decisão da Colônia e do Império, ela pode subsistir embora precariamente por cerca de dois séculos
com sua imagem atual100. Assim, o conjunto de patrimônio cultural da Aldeia de hoje é de fato representativo de uma
época passada, e por isso deveria ter recebido mais atenções no sentido de ser preservado através de projeto adequado e

- Taunay, História...,1953(?), p. 73 e outras; J. F. de Camargo, Crescimento da..., 1952, v. 1, p. 13; Ricardo, Marcha..., v. 1, 1970, 155/157.
99

- Como foi estudado na Primeira Parte deste trabalho.


100

carapicuíba - uma aldeia mameluca 45


em tempo concretizado.
Se por um lado o patrimônio material da Aldeia foi tombado (1940) e restaurado (segunda metade da década de
1950) pelo IPHAN, por outro lado parece ter faltado uma política de bom relacionamento e cooperação do órgão federal
com os moradores do local, com autoridades, com entidades; a ponto de por várias vezes terem ocorrido desagradáveis
situações e conflito que não beneficiaram a nenhuma das partes. Faltaram importantes providências complementares
ao tombamento e restauro – como conscientizar a população e autoridades sobre o valor do conjunto patrimonial; dar
a este uma destinação que garantisse ao mesmo tempo seu uso e proteção; estabelecer entrosamento com autoridades
religiosas e civis visando obter apoio para a adequada conservação do conjunto e resguardar o entorno principalmente
em razão da especulação imobiliária que se fazia sentir em toda a Grande São Paulo101. Enquanto em relação ao conjunto
acontecia essa situação, que se poderia chamar de imprevisão já na década de 50, talvez calcada na sempre alegada
falta de verbas para obras no setor cultural, se bem que a burocracia e a falta de planejamento e de elemento humano
devidamente capacitado102 são fatores que também ou melhor podem explicar a carência de providências necessárias,
no setor público103 . Por outro lado, nessa mesma década, estudiosos de folclore paulista – acentue-se que naqueles anos
iniciando suas atividades de pesquisa, embora comumente apoiados em auto-didatismo e levados às vezes por doses de
romantismo104 – foram atraídos pelas tradições da Aldeia, a ponto de interessarem a Comissão do IV Centenário que
incluiu a festa de maio nas comemorações do quarto centenário da fundação de São Paulo, 1954.
Esse é o início de uma presença que se tornaria uma interferência constante (e, de certa forma, inevitável) de elementos
eruditos – estudantes de arquitetura e artes, professores, folcloristas, turistas – na vida da Aldeia de Carapicuíba, tomada
como objeto de estudo e curiosidade em momentos passageiros. E a despeito de muitos desses visitantes serem pessoas
suficientemente esclarecidas quanto à preservação do patrimônio cultural, parece não terem sido tomadas as providências
ideais visando a uma correta preservação ativa (como de resto acontece no Brasil, via de regra).
Criando-se o município de Carapicuíba, 1964, a Aldeia se incluiu em seu território. Alguns serviços públicos de
infraestrutura urbana foram efetuados no local, na segunda metade do decênio de 1960 e no seguinte, já que oficialmente
o município não dispõe de área rural desde 1974 em vista de sua expansão, preso à condição de cidade-dormitório no
complexo urbano-industrial da Grande São Paulo. Entre esses serviços – seja-nos permitido recapitular – de inegável
importância para a qualidade de vida da população local, incluem-se a instalação de rede de energia elétrica domiciliar,
1968; reforma do pátio feita pela Prefeitura, 1978; autorização para funcionamento de ponto final de linha de ônibus no

101
- Até contrariando o art. 25 do cap. V do Decreto-lei 25, e 30-novembro-1937 (que organiza a proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional): O Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas e artísticas, instituições científicas, históricas
e artísticas e pessoas naturais e jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do patrimônio histórico e artístico nacional; Diário Oficial
da União, 6-setembro-1937. Tais conceitos afinal foram reafirmados no Compromisso de Salvador, 1971, item 11, em Patrimônio cultural, v. 2. Por seu turno, a Carta de
Veneza, 1964, recomenda que a conservação de monumentos é sempre favorecida quando se atribui a esses monumentos função útil à sociedade (…); em Patrimônio
cultural, 1974, v. 1. Essas colocações não constituem novidades, e não o eram também nos anos em que foram estabelecidas, uma vez que já antes disso formavam um
consenso entre especialistas. A dificuldade residia e reside na sua aplicação correta e no momento certo, não depois.
102
- A falta de mão de obra especializada é reconhecida no Compromisso de Brasília, 1970, quando recomenda indispensável criar cursos adequados para remediar a
situação; Patrimônio cultural, v. 2, 1974.
103
- Problemas desse tipo são discutidos por N. G. Reis Filho, Quadro..., 1976, p. 191/206.
104
- A Comissão Nacional de Folclore-IBECC iniciou a formação da Comissões Estaduais em 1947, se bem que elas sempre se apresentaram como órgãos um tanto abstratos,
na dependência da boa vontade de um reduzido número de pessoas, em que se incluem diletantes e não especialistas.

46 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


pátio, junto ao cruzeiro central, 1970; instalação de rede telefônica, 1977/79; instalação (parcial) de rede domiciliar de
água, pela Sabesp, 1979105 – providências que, a par de sua utilidade em termos de progresso que não se pode nem se deseja
evitar, foram concretizadas sem prévio entrosamento com o IPHAN ou o CONDEPHAAT. Dessa forma, a integração
final da Aldeia ao sistema urbano do município, e por consequência da Grande São Paulo, realizou-se sem respeito a
preceitos adequados a casos de conjuntos patrimoniais tombados: instalação elétrica aérea em vez de subterrânea; pista
de asfalto passando pelo pátio em vez de passar fora do entorno; estacionamento, circulação e manobra de coletivos no
próprio pátio (o que levou até a choques desses veículos e de um caminhão contra as casas 3, 7 e 11) e o mesmo pátio
usado diariamente para estacionamento de automóveis106 . Constitui exemplo de ocupação do solo desordenada, com
perdas para o ambiente natural e o artificial. Os serviços públicos acima referidos são uma consequência; mas poderiam
ter sido executados atendendo a recomendações quanto à preservação ativa.
Essas circunstâncias de falta de complementação do tombamento e restauro, mais a falta de conscientização popular
sobre a importância de um bem patrimonial, associadas à grande e irrefreável expansão urbana do município (feita de
maneira descontrolada principalmente em relação à exploração imobiliária, com a fixação na área e em pouco tempo, de
grandes contingentes demográficos estranhos às tradições locais) deixam a Aldeia, já no decênio de 1970, em situação de
inteiro desamparo, como se não constituísse ela um real exemplo de conjunto de especial valor cultural, com quatrocentos
anos de existência. Um local indicado para reciclagem, instalação e funcionamento de um ecomuseu e de atrativo
diferencial para lazer e turismo culturais.

Cap. 4 - Aspectos econômico-sociais

Surgindo nos últimos anos do século XVI e marcando sua presença no século seguinte como um dos pontos avançados
em relação a São Paulo, na função de sedentarizar indígenas para a catequese e também concorrendo para a defesa da vila
piratiningana – na época um útil ponto avançado na conquista do território colonizado – a Aldeia de Carapicuíba teve
períodos de crise e decadência. Já no século XVII Afonso Sardinha estendia suas propriedades até aquelas terras, depois
doadas aos jesuítas com a escravaria que lhe fazia parte. Um período de dúvida foi aquele em que ocorreu a tentativa
de mudança para Itapecirica, atendendo à imposição de jesuítas. De acordo com Holanda, essa tentativa deve ter-se
verificado cerca de 1698107, portanto pouco mais de um século depois da sesmaria que destinou para os índios da aldeia
de Pinheiros seis léguas em quadra no sitio aonde pedem que é Carapicuíba108. Os naturais não aceitaram de modo algum

105
- Alguns desses dados foram fornecidos pela Prefeitura Municipal de Carapicuíba, ofício 10/217/GP/SRE/79, de 6-julho-1979, acompanhado de xerox de documentos
legais; e outros foram obtidos na mesma Prefeitura ou junto a moradores da Aldeia e arredores.
106
- Desviando-se de conceitos estabelecidos pela UNESCO em sua Convenção de Paris, 1972, perfeitamente aplicáveis a casos de bens patrimoniais de importância nacional
ou regional (ver definições da “Convenção sobre a proteção do patrimônio mundial, cultural e natural”, Paris, 16-novembro-1972; também a “Recomendação sobre a
conservação de bens culturais que a execução de obras públicas ou privadas possam colocar em perigo”, Paris, 19-novembro-1968; em Patrimônio cultural, 1974.
De igual forma quanto à Constituição Federal e a Constituição Estadual. Certos temas básicos foram também retomados, em recomendações do Compromisso de
Salvador (convocado pelo Ministério da Educação e Cultura-IPHAN) que cita claramente relações entre preservação de bens naturais e culturais face ao (desejado)
desenvolvimento do turismo.
107
- Holanda, Capelas..., Rev. do SPHAN (5), 1941, p. 111
108
- Conforme sesmaria de 1580; Cartas de datas..., 1937.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 47


a ideia de mudança e, se os jesuítas chegaram a destruir suas casas, eles voltaram ao local e insistiram em permanecer,
até que tiveram apoio do pe. Belchior de Pontes. A construção do templo de taipa (1736) marcou definitivamente o sítio
da Aldeia. É lícito supor-se então, durante o século XVIII, a afirmação da Aldeia como núcleo de uma área que deveria
abranger moradores esparsos dos arredores, conforme preferência de mamelucos e depois caipiras, cuidando de suas
pequenas lavouras de subsistência, com sua vida pacata sendo um pouco tirada da rotina vez por outra com uma eventual
chegada de mais selvagens “descidos” do sertão, ou tendo de atender a requisições para integrar bandeiras ou para efetuar
serviços principalmente em São Paulo, ou ainda por ocasião de alguma festividade tradicional de base religiosa, herança
da atuação jesuítica. A economia de subsistência certamente se baseava na cultura (muito comum na época) de mandioca,
milho, feijão109, alguma cana-de-açúcar, marmelo. É sabido que São Paulo de Piratininga chegou a exportar farinha de
mandioca, marmelada e outros artigos da terra110, porém faltam registros específicos sobre a produção da Aldeia. Afinal,
em relação a São Paulo, ela constituía apenas um ponto avançado no cinturão de aglomerados índio-luso-jesuíticos
criados para catequese, colonização e defesa da vila (cidade) que se formava em torno do Colégio111. Outros havia mais
próximos, que poderiam até, com mais facilidade, contribuir se necessário para a vida econômica da sede da Capitania,
diga-se de passagem também muito limitada. Pelas frequentes requisições de mão de obra, pode-se afirmar que, no
século XVIII a Aldeia teve a função de reserva de elemento humano para os interesses de São Paulo112; uma povoação de
diminutas proporções e sem produção econômica própria. Vivendo em condições precárias, percebe-se. Mas para esse
elemento humano, o selvícola aldeado, mesmo os serviços feitos mediante remuneração eram desfavoráveis, uma vez que
qualquer rendimento obtido era primeiro recebido pelo diretor da aldeia respectiva que, por sua vez, efetuava a divisão
estabelecida na administração de Luiz Antônio de Souza. Como relata José Arouche de Toledo Rendon, esse governador
determinou que tudo o que os Indios ganhassem fosse para as mãos dos Directores, que estes dividissem o ganho de cada
um em tres partes: que a terceira parte ficasse ao Indio, e que os dois terceiros tirasse o Director a sua 6º parte, e o resto
se mettesse em um cofre para a igreja e o parocho. Vê-se que por esse modo, ganhando o miseravel Indio 100 réis por
dia (era o jornal d’aquelle tempo), ficavam em sua mão 33rs para n’esse dia sustentar-se a si, sua mulher e seus filhos,
além dos dias santos em que nada ganhava113.
A precariedade da vida dos aldeados e em particular (no caso que nos interessa mais de perto) da vida da Aldeia de
Carapicuíba é muito significativa, a ponto de Azevedo Marques ponderar que ela já não existia em 1774114, no que pode
haver algum exagero, se bem que o próprio governador da Capitania pessoalmente observou a decadência das aldeias em

109
- Antônio Cândido indica terem sido a mandioca, o milho e o feijão o que se poderia se chamar triângulo básico da alimentação caipira, sendo que com o correr do tempo
a mandioca foi substituída pelo arroz; Os parceiros..., 1975, p. 32 e 135. Ver também Carlos B. Schmidt. Áreas..., em São Paulo..., 1966.
110
- Taunay, História..., 1953(?), p. 66, 68 e outras; Idem, São Paulo no..., 1921, p. 198. Referindo-se à produção de São Paulo em 1585, José de Anchieta fala de marmelos
em grande quantidade e se fazem muitas marmeladas...; A Provincia..., 1946, p. 26. Também há referências em Fernão Cardim, Tratados..., 1939, p. 313/314; e Ricardo,
Marcha..., 1970, p. 155/157.
111
- Como lembra S. Leite, História..., v. 1, p. 302, 1938, referindo-se à série de aldeias que rodeavam São Paulo.
112
- Além de utilizada nas bandeiras, a mão de obra de indígenas aldeados era utilizada para os mais diversos serviços; ver Documentos..., v. 33, p. 25 e 46, v. 84, p. 98, v.
85, p. 10 e 22, e outros. Também J. J. Machado d’Oliveira, Quadro..., v. 1, p. 71; J; A. Toledo Rendon, Memória..., Rev. do IHGB (4), 1842, p. 300 e 301; Petrone, Os
aldeamentos..., 1964, inéd., p. 34/57, 141/157 e 181/190.
113
- J. A. T. Rendon, Memória..., Rev. do IHGB (4), 1842, p. 304.
114
- Citado por S. B. Holanda, Capelas..., Rev. do SPHAN (5), 1941, p. 112.

48 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


1775115, verificando que faltava tudo e que seus habitantes eram explorados inclusive por religiosos116. Um levantamento
feito no ano de 1777 por Manoel da Ressurreição se refere ao sacerdote encarregado da Aldeia com breves palavras, pois
mais não precisaria: Hé Paroco desta Aldeia Fr. Joaquim Mariaño de Medeiros, Religiozo Mestre Franciscano, sustenta-
se como pode117. Em cerca de 1783 outra referência atesta a pobreza em que deviam arrastar-se Carapicuíba e outras
aldeias: é Manuel Cardoso de Abreu que classifica os habitantes das vilas de Parnaíba e Itu, bem assim os da freguesia
de Araçariguama como mais remediados porque se beneficiam de atividades ligadas ao açúcar, à criação e à produção
de panos de algodão (e inclui também habitantes de Araraytaguaba, hoje Porto Feliz). Todavia informa serem muito
miseraveis os moradores das freguesias de Cutia, S. Roque, Santo Amaro e outras aldeias dos suburbios desta cidade118
(São Paulo).
De fato, a Aldeia de Carapicuíba estava por completo alheia aos grandes ciclos econômicos da Colônia – açúcar no
Nordeste e em São Paulo, ouro em Minas Gerais e outras regiões – e até de modo relativo alheia à vida da própria vila
de São Paulo, já por si uma cidadezinha provinciana, pobre e sem produção econômica de vulto119. Quanto ao movimento
de muares do Sul para abastecer tropas de transporte de mercadorias, também não beneficiou a Aldeia, deslocada dos
roteiros preferidos120.
O mapa da Capitania de São Paulo elaborado em 1791/1792 por Antônio Roiz Montezinho121 dá realce, na região, às
vilas de São Roque e Parnaíba, vindo a seguir em hierarquia político-administrativa as freguesias de Cotia e Santo Amaro;
depois as aldeias de Itapecerica, Embu, Carapicuíba e dos Pinheiros; e por fim as fazendas de Rio Grande, Rio Pequeno
e Rio das Pedras. Ora, São Roque, surgida em meados do século XVIII, também, Cotia, 1662, e Sorocaba, 1646122 , já
ultrapassavam a velha Aldeia, pois encontraram funções econômico-sociais que as impulsionassem; semelhantemente
ocorria com a antiga Aldeia de Pinheiros, com sua privilegiada posição de passagem e de travessia do rio de mesmo
nome123 .
Quarenta e cinco anos depois do trabalho de Montezinho, outro mapa, elaborado por Daniel Pedro Muller124 , não
assinala a Aldeia de Carapicuíba, embora constem Parnaíba, Cotia, Santo Amaro, Barueri, Embu, Itapecerica. A ausência
115
- Documentos...,v. 28, p. 28/29 (Relatório 12).
116
- Documentos..., v. 28, p. 35/36 (Relatório 6). Também Rendon se refere à exploração de religiosos sobre indígenas, Memória..., Rev. do IHGB (4), 1842.
117
- Manoel da Ressurreição, Relação..., Rev. do IHGSP (4), 1898/99, p. 377. O rodapé que pretende informar sobre a Aldeia é muito significativo: Era propriedade de Affonso
Sardinha, que a legou aos jesuítas de S. Paulo pelos annos de 1615, com os escravos e indios que a cultivavam. Confiscada pelo marques de Pombal, foi annexada aos
bens da coroa com a colonia de indios que ahi havia e que teve por diretor espiritual o illustre jesuita Bcehior (sic) de Pontes. A colonia desappareceu e o territorio é
hoje devoluto com alguns intrusos.
118
- “Divertimento admiravel”, de Manuel Cardoso de Abreu, Rev. do IHGSP (6), p. 169/178; citado por Otoniel Mota, Do rancho..., 1941, p. 147. Petrone considera a fase de
decadência das aldeias a partir de fins do século XVIII, e marcada por completa desorganização; Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 118.
119
- Sobre as rendas da Capitania em cerca de 1766, seu governador Luiz Antônio de Souza Botelho Mourão lamenta em carta: são tão deminutas, e tem chegado a tal
decadencia os fundos de seu rendimento que não hé possível poderem chegar para os gastos ordinarios (…); Documentos..., v. 223, p. 82. Em outra carta o mesmo
governador, em 1767, dirigindo-se ao rei de Portugal e relatando a respeito da situação da Capitania quando assumiu sua direção, diz que as povoações estavam faltas de
gente, e sem nenhum modo de ganhar a vida, os campos incultos (…) Idem, p. 251.
120
- A importância dos muares do Sul para transporte de mercadorias começou a crescer com o descobrimento das minas de ouro, final do século XVII, até a implantação
de ferrovias, segunda metade do século XIX; nesse período avulta a figura do tropeiro paulista. A respeito, ver F. F. A. Medeiros, A feira..., Boletim..., (1), 1949; P.
Deffontaines, As feiras de..., Geografia (3), 1935; Carlos B. Schmidt, Tropas..., Boletim... (32), 1959; S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, esp. p. 155/159.
121
- “Mapa Corographico...” em Taunay, Collectanea..., 1922.
122
- Ernani S. Bruno, Esboço..., São Paulo..., 1966, p. 8.
123
- Pinheiros: estudo..., p. 46 e 97; A. B. Amaral, O bairro..., 1969, p. 31/59.
124
- “Mappa Chorographico ...” em Taunay, Collectanea..., 1922.
carapicuíba - uma aldeia mameluca 49
de Carapicuíba não terá sido por desconhecimento, pois o autor desse mapa de 1837 possuía instrução superior ao
comum de sua época, segundo Taunay, e seu trabalho é tido por esse mestre historiador como producto de longa e
paciente sedimentação de esforços125 e além de tudo, Muller conhecia as aldeias e seus problemas. Se não incluiu a
Aldeia de Carapicuíba é porque ela não apresentava suficiente importância para justificá-lo.
No final do século XVIII, algumas aldeias já prósperas justificavam certas medidas preconizadas por José Arouche
de Toledo Rendon: se creassem freguesias (…), marcando-lhes districtos, como se fez na Conceição dos Guarulhos126 ;
mas a Aldeia de Carapicuíba não teria apresentado condições para tanto, uma vez que continuou como tal.
Quando os indígenas podiam usar as terras que lhes foram concedidas em sesmaria, a economia da Aldeia foi de
subsistência, com alguns produtos que por certo mal e mal davam para a dieta simples dos habitantes. Um documento de
1799 mostra problemas de abandono e falta de recursos após a expulsão dos jesuítas, dizendo que anos antes, quando sob
direção desses sacerdotes, os índios fazião suas lavoras, assim como plantavão dilatados mandiocaes, de que extrahião
a farinha pª a sua sustentação, e igoalm. algodoaes deque se vestião por ser aquele terrão de reconhecida produssão pª
estes dois generos: de annos porem a esta parte se vem privadas daquele meio por abandono dos “valos” e queimadas
feitas por pessoas de pouca cautela, vezinhas127.
Um recenseamento de 1803128 arrolando 40 famílias pode ser assim esquematizado, levando-se em conta o item
“Ocupações e cazualidades”:
Atividade Famílias
Cultivo de algodão, feijão e milho* 5
Cultivo de algodão e milho 3
Cultivo de feijão e milho 4
Cultivo de algodão 9
Cultivo de milho 2
Fiar 2
Serviços avulsos** 7
Ausentes*** 8

* - No texto: Planta milho, feijam, algodão, gasta em sua casa


**- No texto: Vive de gornal (sic); jornal: pagamento diário por trabalho
***- No texto: Fugido, Fugidos da Villa de Campinas, etc

Como se pode observar, uma economia fechada e sem nenhuma diversificação razoável. Note-se a presença do
algodão, que certamente era destinado à produção caseira de fio para o preparo de pano grosso (e semelhantes) usado
na confecção de vestimentas para os habitantes das redondezas; liga-se às duas famílias que viviam de fiar129 . Por outro
125
- Comentários de A. E. Taunay ao mapa de Muller, Collectanea..., 1922.
126
- Rendon, Memória..., Rev. do IHGB (4), 1842, p. 315.
127
- Boletim do Departamento... (8), 1948, p. 88/90.
128
- Boletim do Departamento... (8), 1948.
129
- Sobre a importância da fiação e tecelagem caseiras no planalto paulista, ver S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, p. 253/313.

50 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


lado, ressalta ainda o cultivo de milho para subsistência não sendo citada a mandioca (a despeito da referência de poucos
anos antes), o que vem ao encontro de ponderações de Sérgio Buarque de Holanda sobre a importância do Zea mays na
alimentação do indígena e do caipira paulista130. Sete famílias viviam de serviços avulsos, aqui se incluindo possivelmente
requisições para trabalhos não apenas nos arredores mas também em fazendas e cidades da região. Finalmente, oito
residências deviam achar-se vazias porque seus moradores (individualmente ou a família) estavam fugidos.
Por esse início do século XIX, levantamentos semelhantes feitos em outras aldeias das cercanias de São Paulo
mostram uma ou outra atividade a mais – Vive de fazer panelas, Vive de mandioca que planta – além de constantes como
plantio de milho, algodão e feijão, fiar, jornal, fugido, ou Vive vagabundo em paragensincertas, Sem licença para Minas,
ou também Não planta por não ter terras131 , mostrando a precariedade da vida dos indígenas reunidos nesses locais, sem
defesa efetiva contra usurpações de suas terras, e com aviltamento de seu trabalho, apesar de algumas das aldeias vierem
a ser embriões de cidades. O processo aculturativo impunha ao índio uma posição de subalternidade, o que não impediu
a permanência/assimilação de diversos de seus traços culturais, que se integraram na cultura caipira – como a Aldeia é
exemplo.
No século XIX, nada de importância pudemos identificar na vida modorrenta da Aldeia que, por certo, continuou em
seu isolamento relativo (o que todavia, como vemos no Cap. 6, foi fator de formação e manutenção de um aglomerado
caipira característico). A grande movimentação econômico-social que atingia outras regiões paulistas, principalmente
com a cafeicultura, estava longe da área da Aldeia que, não vindo a se constituir em grande centro produtor, não necessitou
de braço escravo africano.
Portanto, não seriam lavouras ou mineração, nem pecuária ou comércio os fatores de mudança que se fariam sentir
na Aldeia e arredores – mudanças que já estavam acontecendo em outras aldeias ou vilas132 antigas: Guarulhos, São
Miguel, Mogi das Cruzes, São José (dos Campos), Penha, Pinheiros – algumas tendo se desenvolvido em cidades, outras
tendo passado a integrar a cidade de São Paulo133 -- e assim ela atravessou o século XIX adormecida no seu isolamento
e sobrevivendo estabilizada em padrões mínimos de economia e sociabilidade (como estudado por Antônio Cândido em
Os parceiros do Rio Bonito, na região de Bofete). Até esses tempos, a homogeneidade de cultura e a organização social
e econômica da Aldeia e arredores se mantinha em equilíbrio, dentro de suas limitações e sem ter de enfrentar grandes
influências exógenas (o que sem dúvida contribuiu extraordinariamente para a permanência de traços folclóricos, como
veremos adiante). Pasquale Petrone observa que a Aldeia não conheceu nenhuma evolução significativa, tanto que em
1896 a ela se faz referência como terreno devoluto com alguns intrusos. Talvez essa seja a razão por que, inteiramente
olvidada, ou quase, não apenas se conservou como conjunto arquitetônico praticamente intacto mas, também, trouxe até
os dias atuais o nome de Aldeia ou Aldeia Velha de Carapicuíba134.

130
- Holanda, Caminhos..., 1957, princ. p. 215/225.
131
- Boletim do Departamento... (8), 1948.
132
- De acordo com Daniel P. Muller, pela década de 1830 Embu é capela curada e Cotia é freguesia (também nesse caso estão Guarulhos, Nossa Senhora do Ó, Penha); a
Aldeia de Carapicuíba não consta da relação; Ensaio d’un..., 1978, p. 247, tabela 18.
133
- Aroldo de Azevedo, Embriões de..., Boletim..., (25), 1959,; e Idem, Aldeias..., Boletim... (33); Pierre Deffontaines, Como se..., Boletim... (14 e 15), 1944.
134
- Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 273.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 51


Quando da passagem do século135, São Paulo já mostrava sua vocação de metrópole – como centro de atividades
ligadas à monocultura do café e com suas primeiras indústrias atraindo imigrantes e provocando êxodo rural – depois
culminando com o gigantismo expresso no slogan “São Paulo não pode parar”, uma coqueluche paulistana dos anos
50, naturalmente interferindo na estrutura de bairros até então afastados (como Lapa, Nossa Senhora do Ó, Pinheiros);
provocando expansão também em subúrbios (como é o caso de Osasco, transformado em município, enquanto mais
adiante, no antigo caminho para Itu, Carapicuíba, de simples ponto de parada com o famigerado Matadouro de gado,
transformava-se em distrito e município). Ao mesmo tempo em que várias cidades apresentavam sensível progresso
através de maior dinamismo na lavoura ou de instalações de indústrias (São Roque, Sorocaba, São Bernardo, para
ficarmos apenas em exemplos geograficamente mais próximos da área que nos interessa) – a Aldeia de Carapicuíba ainda
não dispunha de condições favoráveis a se integrar de modo positivo nessa economia de mercado. Continuava periférica.
Ainda era uma comunidade até meados do século XX, o que se explica em grande parte pelo seu isolamento relativo; um
bairro rural136 , a pouco mais de 20 quilômetros do centro da Capital.
A abertura de rodovias ou a modernização de outras (como a Raposo Tavares SP-270 e BR-277 para ligação de São
Paulo com Cotia, São Roque, Sorocaba e o Sul; a Régis Bitencourt BR-116 em sentido semelhante no trecho inicial,
cerca de 1960) a dinamização da ex-Estrada de Itu, ou Estrada de Osasco, hoje transformada numa larga avenida de
características urbanas, a Corifeu de Azevedo Marques, tornaram obsoleto o antigo caminho que ligava a Capital à área
da Aldeia, aliás hoje praticamente desaparecido porque absorvido por arruamentos que deram forma a bairros e locais
como Previdência, Butantan, Jardim Pirajussara, Vila Santa Isabel, Ribeirão da Aldeia e outros137, além do que essas
rodovias passam longe da Aldeia e área contígua. Esses roteiros portanto reforçaram a marginalização da Aldeia, que
não teve função de passagem (como havia acontecido com a Penha, Pinheiros e mais recentemente com a atual cidade
de Carapicuíba). Diferentemente de todos os aldeamentos (…), Carapicuíba ficou um pouco à margem, segundo parece,
dos principais eixos de circulação, fato que poderia contribuir para explicar sua maior permanência – como acentua
Pasquale Petrone138.
Entrementes, a Aldeia e seus arredores não dispunham de produção agrícola, muito menos industrial com objetivos
comerciais para se transformar numa considerável fornecedora de gêneros e produtos ao grande centro consumidor que
se levantava na Capital (como acontecia com outros pontos – Mogi das Cruzes, Guarulhos, Jundiaí). Se por um lado ela
não dispunha de produção própria, por outro lado não dispunha também de algum local progressista e próprio no qual
pudesse apoiar-se; o próprio município de Carapicuíba, como já vimos, foi criado apenas em 1964. As propriedades
rurais das décadas de 1930/1940 eram poucas e pequenas chácaras, via de regra pertencentes não ao habitante tradicional
da área mas adventícios (especialmente japoneses e italianos), embora tenham efetuado algum comércio em Pinheiros
tiveram vida curta, pois o gigantismo de São Paulo provocando a conurbação fez desaparecer essa incipiente lavoura com

135
- Esta primeira fase da indústria paulistana, que se desenvolveu aproximadamente de 1890 até à primeira guerra mundial, coincide, no seu aparecimento, com a fase
áurea da imigração italiana; Petrone, As indústrias..., Boletim... (14), 1953, p. 27; O período da primeira grande-guerra assistiu a um avultamento da industrialização
paulistana, Idem, Ibidem, p. 30. Ver também Taunay, História da..., 1953(?), p. 246 e seg.; Heitor F. Lima, O parque..., São Paulo..., 1966, esp. p. 116/119.
136
- Sobre “bairro rural”, ver A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 62/65; e Maria Isaura P. Queiroz, Bairros..., 1973, p. 122.
137
- Houve duas “Estradas de Itu”, uma das quais servindo a Aldeia de Carapicuíba; daí o nome de uma das vias que saem do seu pátio, conforme registrado no item 8.1,
Topônimos populares. Mas ela foi abandonada em favor do trajeto que passa por Parnaíba e Pirapora; ref. em J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 31.
138
- Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 100 274.

52 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


objetivos comerciais (o que não aconteceu com Pinheiros, que se havia transformado em centro de comercialização de
produtos agrícolas de propriedades próximas). Por conseguinte, não chegou a se configurar uma verdadeira relação de
simbiose entre a Aldeia e São Paulo.
Quando a Capital se firma como metrópole industrial, não apenas Carapicuíba, mas também Osasco e outras cidades
têm de se ajustar como cidades-dormitório, se bem que com variações de intensidade, de maneira que os habitantes
espalhados pelos novos bairros surgidos a partir da sede do município de Carapicuíba em direção à Aldeia, tendo a
Estrada da Aldeia como ponto de referência, são operários obrigados a se deslocar diuturnamente a São Paulo ou a outros
locais de trabalho, em que se inclui a cidade de Osasco (em cuja área se instalaram muitas indústrias). Portanto, a Aldeia
mesmo nunca chegou a ser um centro produtor ou comercial que pudesse de algum modo entrar na economia de mercado
imposta pela vida moderna. E, atualmente, sua área contígua abriga operários não qualificados, quer dizer, é fornecedora
de mão de obra barata, atendendo a interesses industriais (e comerciais) da Grande São Paulo.
Embora dispondo de um tempo razoável para as condições gerais no planalto paulista do século XVIII, a Aldeia de
Carapicuíba não cresceu a ponto de poder encaminhar-se rumo a freguesia e cidade; nunca teve necessidade da construção
de um mercado para trocas comerciais (o que teria sido um índice de progresso), e sendo assim, nunca viria a ter os três
edifícios que caracterizam os núcleos em expansão no Brasil Colônia – igreja, mercado e cadeia-câmara.
Possuindo apenas a igreja em destaque, o que todavia, não significa que a Aldeia tivesse motivação religiosa para
atrair romeiros (como aconteceu com Bom Jesus de Pirapora, relativamente próximo, com Aparecida e outros centros de
movimentação religiosa).
Desse modo, podemos dizer com a frase genérica de Robert W. Shirley que a Aldeia de Carapicuíba constitui um
dos bolsões de História deixados pela maré da expansão portuguesa139 ou neste caso, melhor seria a expansão luso-
índio-jesuítica. É ainda um caso ilustrativo da afirmação de João Camilo de Oliveira Torres sobre enormes diferenças
existentes entre uma região brasileira e outra, entre um local moderno e outro que se conserva como em tempos coloniais
ou imperiais: viagens no espaço são também viagens no tempo...140 .
Valeria recordar aqui o “vaticínio” atribuído ao famoso pe. Belchior de Pontes, no trecho seguinte da biografia por
Manoel da Fonseca: (…) foy necessario mudá-la para terras virgens, e cubertas de matto, onde houvesse commodidade,
para que os Indios, que já eraõ muitos, pudessem ter abundancia de mantimentos com que se sustentassem. Naõ pareceo
bem ao Padre Pontes esta mudança, e he tradição entre os mesmos Indios que elle dissera que naõ havia de deixar de
ser Aldêa de Carapicuyba. O tempo tem mostrado que foy vaticinio; porque alguns dos Indios mudados para Itapycyryca
nunca deixaraõ o lugar (...)141 . Só que recordá-la agora em sentido oposto àquele com que os indígenas alegremente a
receberam; de fato, a Aldeia nunca passou disso... .

139
- R. W. Shirley, O fim de..., 1971, p. 25.
140
- J. C. O. Torres, Estratificação social no Brasil, citado por R. W. Shirley, O fim de..., p. 25
141
- M. da Fonseca, Vida do..., s/d, p. 121.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 53


Cap. 5 - Assistência religiosa

Já foi lembrada, neste trabalho, a vigorosa atuação dos jesuítas no Brasil e, particularmente, na Aldeia de Carapicuíba,
em sua missão catequética142. A festa de Santa Cruz constitui um evento que tem sua origem remota nessa atuação dos
inacianos. Tal atividade visando a catequese utilizou muitas vezes formas aborígenes e populares, aplicando-as para o
objetivo específico143 e, assim, conseguindo fazer chegar com maior facilidade a mensagem do cristianismo, veiculada
através de elementos do próprio universo cultural deles144. De certo modo, essa atuação foi ratificada e recomendada pelo
Concílio Vaticano II (1962/1965) e por alguns documentos papais não vinculados a esse conclave145.
Entretanto, e apesar disso, nas últimas décadas parece ter sido uma constante tal fato desencontro entre autoridades
religiosas locais e o povo, na Aldeia de Carapicuíba passou a ser uma dificuldade a mais na situação de crise em que ela
se encontra.
Segundo nossos informantes, anteriormente os festeiros e demais encarregados de organizar uma festividade com
base religiosa não encontravam dificuldade no relacionamento com o padre, e a colaboração recíproca era ponto pacífico;
era até normal que nas ocasiões festivas a igreja se beneficiasse com algum tipo de rendimento. A espontaneidade na
destinação de eventual sobra para a manutenção da igreja marcava o que seria uma maior identificação povo-religião.
Agora, após o explosivo aumento populacional que se verificou principalmente a partir da década de 1950, além de outros
fatores, a paróquia à qual está ligada a Aldeia não tem possibilidades de dar aos populares a assistência pastoral que eles
esperam receber; pelo contrário e por outro lado, quer dos populares ajuda para serviços e obras, a qual eles não se sentem
obrigados a dar. Frequentemente os devotos da Santa Cruz lamentam a ausência do padre na festividade de maio ou na de

142
- Outras ordens da Igreja Católica Romana também atuaram ou atuam no Brasil com o mesmo objetivo, devendo citarem-se franciscanos, carmelitas, e mais recentemente
os capuchinhos, dominicanos e salesianos.
143
- Não apenas no Brasil, diga-se de passagem, pois a prática de absorção de traços de culturas pagãs pela liturgia cristã ocorre desde os primeiros tempos de nossa era; ver
José Geraldo de Souza, Folcmúsica e liturgia, princ. p. 9/15; e Idem, Música..., RBF (11). Osmores que hoje passam por cristãos na Europa Ocidental, são o resultado do
sincretismo de dois mil anos, indica William G. Sumner, Folkways, p. 157. De acordo com o mesmo autor, em cerca do século V os mores vigentes na Europa valorizavam
os espetáculos com sofrimento, sangue, crueldade, e em dia de realização desses espetáculos, as igrejas ficavam vazias. Os cristãos (…) viviam segundo os mores de
sua época e todas essas cousas tinham atrás de si séculos de tradição. (…) A Igreja foi obrigada a fazer concessões. Permitiu festas, feiras, jogos, nas proximidades da
Igreja e converteu as festas pagãs com suas procissões, luzes e guirlandas, em festas e usos cristãos. Tomou emprestados os atrativos do culto de Ísis, Mitra e Cibele e
adotou todos os meios de sugestão empregados em seus ritos. Os grandes sacerdotes se dividirama respeito dessa norma de agir. Idem, p. 705/706. Depois, século VII, a
mesma Igreja Católica partiu para proibições na adoção da lúdica, numa “tentativa para purificar os usos adotados por compromisso com o paganismo”. Entretanto, os
autos foram posteriormente aproveitados como veículos para mensagens cristãs, de modo que “O drama cristão atingiu o auge de seu desenvolvimento sacerdotal entre
os séculos IX e XII”; Idem, p. 711/712.
Ver também Renato Almeida, Inteligência..., 1957, p. 80/81 e 84; I. H. Dalmais, Liturgia..., Culturas, tradições..., 1977, p. 27/36; revista Vozes 71(7), setembro-1977;
Maria Isaura P. Queiroz, O campesinato..., 1973, p. 72/99; Maria L. B. Ribeiro, Turismo, folclore e religião, RBF (36) sobre relacionamento do cristianismo com outras
religiões, e sincretismo religioso no Brasil.
144
- No Brasil, o teatro de Anchieta é um dos mais expressivos exemplos, não se devendo esquecer a utilização de danças e cantos em práticas religiosas católicas; o
próprio Anchieta cita isso, A Província..., 1946, p. 14. Serafim Leite dedica um extenso parágrafo ao assunto em sua História da..., v. 2, 1938, p. 100/110; também há
diversas passagens sobre o assunto, muito ilustrativas, em correspondência de jesuítas: Idem, Cartas dos... , 1956/58; Fernão Cardim faz relatos curtos mas interessantes,
Tratados..., 1939, p. 254, 258/259, 270 e outras.
José Geraldo de Souza publicou estudo sobre o folclore do ciclo natalino, sugerindo a estruturação de uma Missa de Natal com aplicação de temas de Pastoril, Pastorinhas,
Lapinha e Folia de Reis; O ciclo de..., Rev. de Catequese 2(8), outubro/dezembro-1979
145
- Especialmente a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, ou Sacrosantum Concilium. Ver J. G. Souza, Folcmúsica..., 1966, e Idem, Música folclórica na..., RBF (11).

54 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


setembro. Com alguma frequência, houve atritos igualmente entre sacerdotes e o IPHAN quanto à conservação da igreja
e pertences. Mas o vigário da paróquia se defende de qualquer acusação, lembrando ter muito serviço em uma enorme
área, o que se apresenta de fato como um motivo aceitável para o funcionamento mero precário do templo da Aldeia.Não
justificando ser sede de paróquia, a igreja de Santa Catarina acha-se integrada à paróquia de São Lucas, no município de
Carapicuíba, cuja sede fica na igreja de mesmo orago localizada na Estrada daAldeia ou avenida Inocêncio Seráfico e
que,em 1979, inclui dezoito centros comunitários com templo ou sem ele. Naturalmente, o vigário enfrenta dificuldades
em atender a todos os locais e celebrar missa sistematicamente em todos os pontos de sua área e o fato de, na igreja de
Santa Catarina, ser celebrada missa dominical é colocado como ”privilégio”. No entanto, nos demais dias da semana
quem cuida do templo é uma catequista leiga, Lourdes Brito, que abre a porta pela manhã e a fecha às 18 horas; a igreja
permanece vazia a maior parte das horas. Em novenas e reuniões semelhantes, a mesma pessoa dirige as atividades, como
representante do sacerdote.
Se recordarmos aqui a facilidade com que estudantes levaram a imagem de Santa Catarina “para restauro”, o que
provocou enérgicas atitudes do chefe do 4º Distrito do IPHAN; se recordarmos que há cerca de vinte anos não mais se
encontra na igreja um dos seus três sinos, uma imagem antiga de São João Batista e outros pertences; e se recordarmos
a falta de medidas visando à conscientização do valor patrimonial do conjunto antigo (como já vimos), além dessas
dificuldades quanto ao maior entrosamento entre o sacerdote e os fieis nas festividades de base religiosa, teremos na
assistência espiritual insatisfatória – pelo menos assim sentida principalmente por participantes da festa de Santa Cruz, a
mais importante da Aldeia – ainda outra característica da vida atual do vetusto núcleo índio-jesuítico.

Cap. 6 - Elemento humano

Nos primeiros tempos, a Aldeia de Carapicuíba foi habitada por indígenas146 em processo de aculturação, provavelmente
Guaianás em maior número, administrados por jesuítas e tendo naturais contatos com o colonizador português. Durante
os séculos XVII e XVIII e depois da expulsão dos jesuítas, 1759, a Aldeia de Carapicuíba (e outras próximas de São
Paulo) frequentemente funcionou como fornecedora de mão de obra147 indígena ou quase isso, a despeito de dispositivos
legais que proibiam tal escravidão, a todo momento desrespeitados ou contornados.

146
- Teodoro Sampaio informa que Fernão Dias o Velho, tinha nas suas terras do sítio do Capão a aldeia de Pinheiros habitada por Guaianás. Afonso Sardinha tinha aldeado
outros da mesma tribo em Carapicuíba; Rev. do IHGB; e em São Paulo no..., 1974, p. 165.
147
- Provocando até esvaziamento populacional, como afirma Teodoro Sampaio, Rev. do IHGB; e São Paulo no..., 1978, p. 165/166. Também Afonso A. Taunay,
História...,1953(?), p. 39/41, 97 e outras; Idem, São Paulo no..., 1921, esp. p. 184/185; J. F. Camargo, Crescimento da..., 1952, v. 1, p. 13; J. A. T. Rendon, Memória..., Rev.
do IHGB (4), 1842, p. 302 e outras – além de outros autores que tratam do assunto. Referindo-se a Pinheiros mas extrapolando para outras aldeias paulistas, pesquisadores
do Dep. de Geografia-USP indicam que a requisição de indígenas persistiu no decorrer da primeira metade do século XVIII, em virtude do fato do aldeiamento de
Pinheiros, à semelhança de outros, na prática se ter tornado um núcleo fornecedor de mão de obra, sofrendo constantes sangrias em seu efetivo demográfico; Pinheiros
estudo..., p. 92/93. Nos Documentos interessantes há diversas requisições feitas aos diretores de aldeias, mostrando essa função – em nosso caso, de Carapicuíba: –
fornecedora de mão de obra fácil (ver em Anexo, a Cronologia da Aldeia), situação que chegou a obrigar determinações administrativas, século XVIII, no sentido de se
impedir a saída de índios sem ordens expressas da autoridade maior da Capitania. A saída de elementos válidos se nota ainda em censos que mostram maior número de
mulheres e menor de homens.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 55


CAIPIRA / CABOCLO - Essa mão de obra servia às mais diversas finalidades, desde lavoura, minas e bandeiras
de guerra até consertos em templos católicos. Com o tempo, é natural que a população tenha passado por um visível
processo de miscigenação, uma vez que o colono português não sentia nenhuma aversão sexual face ao aborígene148 (e
posteriormente ao afro-negro); daí o tipo mameluco149, sem dúvida outro habitante comum na Carapicuíba dos primeiros
séculos, em cuja área próxima certamente se espalhavam pequenas propriedades de selvícolas e mestiços, que preferiam
melhor se acomodar nas vizinhanças do núcleo de residências e não nele próprio. Essa preferência que pode ter sido a
origem de ”bairros rurais”150 com um ponto de referência formado por capela e venda, talvez alguma casa, enquanto
outras casas de moradia e sítios ficam dispersos por área considerável cujos habitantes, porém, sentem-se unidos por
consciência de vizinhança, laços familiares, interesses comuns e afinidades sócio-culturais. Na Aldeia de Carapicuíba,
deram-se, portanto, algumas das primeiras manifestações resultantes do encontro de culturas (as indígenas, a portuguesa,
mais o catolicismo) em terras paulistanas. Carapicuíba e as demais aldeias foram pontos de convergência étnico-cultural
que, por isso, produziram a “larga mestiçagem”151 de que fala Saia, devendo-se entender aí a palavra mestiçagem com
enfoque bem amplo, não apenas racial. Surgia assim um novo tipo humano – o caipira paulista, herdeiro de colonizadores
e de índios aculturados, de bandeirantes brancos ou já mestiços, de mamelucos às vezes ousados; herdeiro de traços da
148
- Foi, pois, no sangue guarani, no sangue tupi-guarani que se fusionaram os primeiros e principais elementos do povo paulista. O tupi-guarani foi, em São Paulo e
no Brasil, a cavala, de cerne rijo e de seiva rica, onde se implantou e vicejou exuberante o enxerto luso: a ele devemos irretorquivelmente a unidade nacional e a
similaridade de gênio e de índole do povo brasileiro, tão exposto a influências dispersivas pela diversidade das linhas isotérmicas do seu território; A. A. de Freitas,
Vocabulário..., 1976, p. 5.
Ver também C. Ricardo, Marcha..., 1970, esp. v. 1, p. 79 e seg., e v. 2, p. 335 e seg.. Sobre a população de São Paulo e arredores no século XIX, lembra Matos: É
provável que, do total de pardos, ainda figurasse um elevado número de mamelucos ou caboclos, resultantes do cruzamento luso-ameríndio, embora não tenhamos dados
concretos para comprovar essa assertiva; Odilon N. de Matos, A cidade..., 1955, p. 46. Especificamente sobre o indígena da Aldeia de Carapicuíba não há documentação
taxativa, sendo razoável considerar que ela teve contingentes variados (também no Embu) de índios descidos do sertão, conforme P. Petrone, Os aldeamentos..., 1964,
inéd., p. 86.
149
- O termo mameluco foi usado no Brasil desde o século XVI para designar o descendente de pai português (ou europeu) e mãe aborígene. Não há consenso quanto à sua
origem: Teodoro Sampaio, registrando a forma “mamaluco”, dá como corr. mamã-ruca, o que procede da mixtura, o mixtiço, O tupi na..., 1901, p. 138. Plínio Ayrosa
estudando o termo declara que quanto à sua formação o desacordo é positivo e sem possibilidades de ser dirimido. Dois grupos se formaram e mantêm-se em campos
opostos,irredutivelmente. Quer um deles que o termo seja árabe, ou pelo menos de origem árabe, e que o outro seja tupi ou de origem tupi; Estudos..., 1967, p. 99; e
lembra mamlouk do árabe significando “o governado, o possuído,”, que equivale ao servus dos latinos (…). De mamlouk para mameluco vai apenas um pequeno passo
(p. 99). Por outro lado, pondera que em tupi mamã não significa, com precisão, misturar ou mistura, mas sim rodear, ligar, atar, cercar, etc, sendo que monã ou monáne
correspondem a misturar (p. 101); daí conclui: O termo, pensamos nós, é realmente árabe. Foi dado ao filho da mulher indígena, na época da conquista, com a mesma
acepção que tinha em árabe. (…) Com o correr dos tempos e com a ascendência dos mamelucos em nosso meio social, aquela ideia de servilismo se diluiu e desapareceu.
Mameluco exprimiu, desde então, apenas a qualidade de descendente do europeu e da índia. E foi com esse sentido, que se pode chamar brasileiro, que o termo árabe
se incorporou ao nosso idioma (p. 102); o mesmo em Rev. do Arquivo (1), São Paulo, 1934. Note-se que A. G. Cunha não inclui o termo em seu Dicionário..., 1978.
150
- Citando documento de 1797 da Câmara de Atibaia, Antônio Cândido faz notar que havia vinte e cinco casas no povoado de Jaguari (atual Bragança Paulista), porém pelo
território da freguesia espalhavam-se mais de 4.400 pessoas; quase mil famílias, talvez. Qual a sua unidade de agrupamento? E conclui ser essa unidade a dos “grupos
rurais de vizinhança, que na área paulista se chamaram sempre bairro. Em seguida, esse autor explica o bairro rural dizendo-o estrutura fundamental da sociabilidade
caipira, consistindo no agrupamento de algumas ou muitas famílias, mais ou menos vinculadas pelo sentimento de localidade, pela convivência, pelas práticas de auxílio
mútuo e pelas atividades lúdico-religiosas. As habitações podem estar próximas uma das outras, sugerindo por vezes um esboço de povoado ralo; e podem estar de tal
modo afastadas que o observador muitas vezes não discerne, nas casas isoladas que topa a certos intervalos, a unidade que as congrega. E reforça a vinculação na
denominação com as áreas de ocupação antiga: Este sentido do termo bairro parece ligado diretamente à área caipira, não ocorrendo, ao que eu saiba, noutras regiões
do Brasil. Mesmo em São Paulo, não ocorre, ou ocorre esporadicamente, nas zonas novas, sendo francamente usado apenas nas mais velhas. Encontrei-o também no Sul
e Oeste de Minas, faltando dados sobre Goiás e Paraná (…); A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 61/63. Ver também Maria Isaura P. Queiroz, Bairros..., 1973, p. 122.
151
- Luís Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 54.
Tratando do bairro rural, Antônio Cândido explica ter sido nele que se desenvolveu uma população dispersa, móvel, livre, branca ou mestiça, geralmente de branco e índio,
com pouco sangue negro; Os parceiros..., 1975, p. 81.

56 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


cultura índio-luso-católica. O caipira fazendo rede ou esteira para dormir nelas, aprendidas empiricamente dos selvícolas,
ou também dormindo em catre importado e adaptado; o caipira comendo pratos à base de mandioca, milho, feijão,
também comedor de içá torrada; o caipira conhecedor de segredos de plantas do mato usadas para se medicar e receoso
de seres misteriosos – Baitatá, Saci, Curupira, Lobisomem – vivos em estórias contadas e ouvidas com respeito; falando
de primeiro a língua dos naturais da terra tanto ou mais que a portuguesa dos seus conquistadores vindos de além-mar,
tornada obrigatória em 1727, mas amoldada a seus modos, com palavreado novo que enriquece o português e usando
um frasear lento, plano e igual, na expressão de Amadeu Amaral152; o caipira comemorando datas do catolicismo com
roupagem própria e misturando religião com divertimento mais bebida mais dança mais música e canto próprios: o
tipo humano cuja denominação153 provém também da língua nativa, largamente utilizada nos tempos de formação do
povo brasileiro, em São Paulo. O caipira que, por força de circunstâncias históricas e econômicas, se fechava com a
família numa pequena porção de terra na qual produzia apenas para subsistência, sem manter contatos intergrupais que
o comércio intenso, se houvesse, tornaria frequentes. Isto fez surgir o estereótipo de ser ele anti-social, primitivo, arisco,
atrasado, indolente, desconfiado154.
152
- Amadeu Amaral, O dialeto..., 1955, p. 45.
A convivência de brancos e ameríndios, com naturais mesclagens, é mostrada suficientemente no pequeno trecho do pe. Antônio Vieira escrito em 1694: as famílias de
portugueses e índios em São Paulo estão tão ligadas umas as outras que as mulheres e filhos se criam mística e domesticamente, e a língua que nas ditas famílias se fala
é a dos índios e a portuguesa a vão os meninos aprender á escola, citado por Plínio Ayrosa, Estudos..., 1967, p. 11; e Teodoro Sampaio, O tupi na..., 1901, p. 13.
A influência do tupi na fala de interioranos de São Paulo, assunto de mais de um estudo, lembrada por Teodoro Sampaio quando afirma que se usava o tupi até dentro
da Vila de Piratininga, não obstante a preponderância que o elemento oficial garantia ao português. No campo, porém, nas aldeias e nas lavouras o tupi foi por mais
de século a língua dominante, e também: na linguagem do caipira paulista de hoje ainda mais abundante são os resíduos deixados pelo tupi. As frases saem-lhe ainda
inçadas de vocábulos bárbaros numerosos. (…) O sainete indígena ficou-lhe no sangue e na língua; Sampaio, Rev. do IHGB; e em São Paulo no..., 1978, p. 169/ 170; além
de referência na p. 231. Outras referências em T. Sampaio, O tupi na..., 1901, p. 11/17; Afonso A. de Freitas, Vocabulário..., 1976, p. 5 e 13; Petrone, Os aldeamentos...,
1964, inéd., p. 252; Ricardo, Marcha..., 1970, esp. p. 174/175. Plínio Ayrosa procura explicar aspectos da língua portuguesa no Brasil relacionando-os com o tupi-guarani;
Estudos..., 1967. (Ver rodapé 153).
153
- “Caipira” vem do tupi, embora seja desses termos ou dessas expressões que, como escreve precavidamente Amadeu Amaral, têm fornecido pasto à imaginação dos
etimologistas. Uns derivam-na de “currupira”, sem se dar o trabalho de explicar a transformação; outros, de “caapora”, o que é ainda mais extravagante, se possível.
C. de Mag. entendia que era ligeira alteração de “caa-pira”, morador do mato; O dialeto..., 1955, p. 106. Segundo T. Sampaio pode ser cai-pira, a queimada, o que
anda em queimadas, o que trata de queimadas, ou então caí-pir, o vergonhoso, o tímido, o acanhado; O tupi na..., 1901, p. 74 e 118. Já Afonso A. de Freitas dá como
corruptela de cáápóra. Roceiro, camponês: o morador do mato, da roça, porém já integrado à civilização citadina; Vocabulário..., 1976, p. 43.
Antônio G. Cunha dá ao termo os significados de Indivíduo rústico, tímido; roceiro, matuto, porém anota: Origem controvertida. Admitindo-se que proceda do tupi,
caipira poderia ser corruptela de caipora, com intercorrência de curupira, que justificaria a evolução pora pira. Semanticamente a hipótese é viável; faltam, todavia,
os elos da cadeia evolutiva, pois a documentação histórica é tardia; Dicionário..., 1978.
Quanto ao termo “caboclo”, no verbete de A. Amaral consta a forma cabocro, s.m. – mestiço de branco e índio, ficando as hipóteses sobre a origem: De curiboca? De
cabouco?; O dialeto..., 1955, p. 103. Teodoro Sampaio dá como corr. caá-bóc, tirado ou procedente do matto; O tupi na..., 1901, p. 120. Para P. Ayrosa Caboclo é
simplesmente o homem saído do mato, tirado do mato, o índio escravizado ou catequizado que vinha residir nos aldeiamentos. A decomposição da palavra demonstra-o
com clareza: caá-bóc, do mato tirado; Estudos..., 1967, p. 80. A. G. Cunha afirma ser bastante controvertida a etimologia de caboclo. Admitindo-se que proceda desse
étimo tupi (kari’uoka), a cadeia evolutiva poderia ser assim estabelecida: T. kari’uoka (1) cariboca (2) coriboca (3) coriboco (4) cobocoro (5) cabocoro (6) cabocolo (7)
caboclo. Esse autor coloca que a documentação histórica utilizada permita depreender-se que com o termo caboclo os autores dos séculos XVII e XVIII designavam, em
princípio, o índio em geral – e, mais particularmente, o que já estava semi-aculturado, o que já convivia com o branco, que morava na ‘casa do branco’ (T. kari’uoka
‘casa do branco’); Dicionário..., 1978.
154
- As características da cultura caipira são apontadas por Antônio Cândido: 1) isolamento; 2) posse de terras; 3) trabalho doméstico; 4) auxílio vicinal; 5) disponibilidade de
terras; 6) margem de lazer; Os parceiros...,1975, p. 83. E realça que a atividade agrícola seminômade e o povoamento esparso deram origem às maneiras esquivas, de
pouco desenvolvimento mental e social próprios do homem segregado (p. 43). A economia fechada e o seminomadismo porém tiveram de ceder à sedentarização no século
XVIII, um momento crítico da história paulista, porque nesse tempo parecem haver-se configurado os traços fundamentais da cultura caipira, que se vinha esboçando
desde o início da colonização – os abastados puderam prosperar com lavouras e escravos negros, enquanto os demais tiveram de se contentar com ser aventureiros,
valentões, guerreiros em batalhas longínquas, mas também agregados, posseiros, desbravadores que viriam a ser sitiantes dedicados à economia de subsistência e se
preciso desbravadores de novas terras férteis, comportamento este que mais fixava a precariedade de produção, o isolamento, a estabilização da vida caipira em termos
de padrões mínimos (p. 85/86).

carapicuíba - uma aldeia mameluca 57


É esse tipo humano o agente que fixa, em suas vivências simples e em seus horizontes geográfico-culturais limitados,
os resultados da aculturação índio-luso-católica em terras de São Paulo, dos quais muitos são manifestações folclóricas
encontradas na Aldeia de Carapicuíba e registradas neste trabalho.
BAIRRO RURAL - O final do século XVIII e inícios do XIX deve ter sido o tempo em que a Aldeia mostrou indícios
de sua vida como bairro rural caipira155 dispondo de população (no núcleo e nos arredores, isto é, formando sua própria
área sociocultural) marcada pela presença de indígenas e mamelucos e prolongando modorramente seu isolamento e
sua decadência, às vezes. Saint-Hilaire, sempre meticuloso, entretanto nem se deu ao trabalho de chegar até ela, já que
após deixar Pinheiros parou na fazenda de Carapicuva onde encontrou apenas uma construção e em cujas terras, diz que
existe uma aldeola habitada por indígenas156 não observada pessoalmente como fez com as de Pinheiros em que verificou
evidentes traços do seu sangue mesclado157 e portanto, mamelucos; a Aldeia de Carapicuíba não justificava caminhada até
ela, assim lhe devem ter informado. De fato, ao mesmo tempo em que se formavam o mameluco e o caipira, dos séculos
XVII/XIX, acentuava-se a decadência da Aldeia, principalmente na segunda metade do século XVIII e no século XIX;
e assim ela atravessou toda essa última centúria. O já citado recenseamento de 1803158 dá para a Aldeia 168 habitantes,
se bem que esse total deve ser considerado uma quantidade aproximada, uma vez que na casa relacionada com o número
40 não consta o total de pessoas, valendo para efeito de cômputo, apenas uma*. Atendo-nos aos números dados, 14
habitantes relacionados não estavam presentes, resultando em um total de 154 efetivos, cujas idades permitem serem
agrupados nestas faixas:
Faixas etárias Habitantes
1 a 15 anos 71
16 a 25 anos 34
26 a 35 anos 18
36 a 45 anos 9
46 a 55 anos 7
56 a 65 anos 6
66 ou mais anos 9
____
154
Percebe-se claramente a grande diferença para crianças – com 46,1% – em relação aos demais. Se somarmos os
habitantes dos grupos etários 16/25 e 26/35 anos teremos que 34,4% eram constituídos de elemento humano em idades
que, teoricamente, os colocam na situação de força de trabalho, mas que, no entanto, não deviam encontrar condições
ideais para plena realização; não será à toa que a maioria (nove em catorze) dos fugidos se situavam nessas faixas de
idade. No grupo etário mais alto, havia nove pessoas (5,8%) com idades variando entre 71 e 92 anos. O item “Cor” indica
“V” de vermelho para todos os 168 habitantes, todavia não nos

155
- Para Pinheiros, esse período de transformação de aldeia em medíocre povoado caipira foi fixado no último quartel do século XVIII; Pinheiros: estudo..., p. 97.
156
- Auguste de Saint-Hilaire, Viagem..., 1972, p. 201.
157
- Auguste de Saint-Hilaire, Viagem..., 1972, p. 197.
158
- Boletim do Departamento... (8), 1948.

58 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


* - No texto: Gregerio (sic) Pechoto e seus filhos, indicando-se a idade do citado mas sem referência aos filhos; e
todos “Fugidos na Villa de Crastro” (sic).

parece dever essa indicação ser considerada em termos tão absolutos, pois tudo leva a crer que devia haver também
muitos mamelucos na Aldeia, naquela época.
Em razão do abandono em que se achava a Aldeia de Carapicuíba, o processo de passagem de aglomerado de
indígenas e mamelucos para um povoado tipicamente caipira159 deve ter-se arrastado por muitos anos, entrando pelo
século XIX; o que, aliás, pode ter dado tempo a se enraizarem mais fundamente costumes da comunidade.
DESENVOLVIMENTO DEMOGRÁFICO - A estagnação, e até a decadência demográfica, se filia à própria
estagnação ou ao pequeno desenvolvimento da população da Província de São Paulo, que só começaria seu impulso
no final do século XIX160 , porém sem atingir mais de perto, e com maior intensidade, a área onde se localiza a Aldeia
de Carapicuíba. O explosivo desenvolvimento demográfico da Capital no final do século XIX, com o afluxo de grandes
contingentes de imigrantes estrangeiros e de habitantes de outras cidades paulistas (inclusive considerando o êxodo
rural), não favoreceu, pelo menos de início, o desenvolvimento populacional de municípios vizinhos161. Pelo contrário,
esse crescimento explosivo provocou até decréscimos locais de população162, além de diversas alterações nas cidades e
núcleos menores do chamado “cinturão caipira”163 , provocando enfim uma reorganização dos arredores de São Paulo em
seu próprio benefício164 ; era a metrópole dinâmica a engatinhar. A monocultura cafeeira e outros fatores sócio-econômicos
(já referidos) foram alavancas desse dinamismo que, entretanto, ainda não chega à Aldeia de Carapicuíba. Em 1873,
uma relação informativa sucinta das ex-aldeias mostra a precariedade de Carapicuíba: A existência deste aldeamento é

159
- Essa transformação dos ex-aldeamentos que passam a povoados caipiras é referida por J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 55 e 75.
160
- Como refere Camargo, nos séculos XVII e XVIII o movimento bandeirista apresentou uma importância, do ponto de vista demográfico, de caráter absolutamente
qualitativo, pois as bandeiras foram, quantitativamente, fatores de despovoamento: com efeito, a província paulista caracterizar-se-ia no final do século XVIII pela
pobreza material da sua reduzida população. A expansão açucareira da primeira metade do século XIX e a cafeicultura da 2ª metade seriam elementos realmente
propulsores da demografia e da economia de São Paulo; J. F. de Camargo, Crescimento..., 1952, v. 1, p. 13. O mesmo autor afirma que a intensidade do crescimento
da população paulista foi bastante fraca até 1886, tomando grande impulso no final do século XIX até nossos dias; Idem, Ibidem, v. 1, p. 51; impulso aliás associado à
imigração estrangeira; Idem, Ibidem, v. 1, p. 147. No último quartel do século XIX, a concentração de imigrantes estrangeiros é mais representativa na Capital; após esse
período de crescimento intenso da população paulistana, se acentua a presença do imigrante estrangeiro no interior: Afonso E. Taunay, História..., 1953(?), p. 254 e 259;
Jurgen R. Langenbuch, A estruturação..., p. 125/130; O. N. de Matos, A cidade..., p. 45 e 55.
161
- Conforme Jurgen R. Langenbuch, A estruturação..., p. 124/130.
162
- O grande ‘boom’ do crescimento de São Paulo se verificou no período intercensitário 1886/1900, quando sua população aumentou em 445%. Pois bem, é exatamente
neste período que se verifica o menor índice de crescimento para o conjunto dos municípios vizinhos, cuja população aumenta apenas em 22%. É também exclusivamente
neste período que se verificam decréscimos locais de população, que afetaram os municípios de Guarulhos, Mogi das Cruzes e Cotia, os quais em 1900 encerravam
apenas 95%, 81% e 66% do efetivo demográfico que continham em 1886; J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 125R; relacionando o êxodo rural ao crescimento da
cidade de São Paulo.
Em 1836, de acordo com Daniel P. Muller, a cidade de São Paulo contava com 21.933 habitantes, dos quais apenas 9.391 se localizavam no seu centro urbano, formado
pelas freguesias da Sé, Santa Ifigênia e Brás. Conforme Matos, vê-se que A maior parte da gente paulistana espalhava-se pelas demais freguesias, que seriam os
subúrbios da Pauliceia de então: Guarulhos, Nossa Senhora do Ó, Cotia, Nossa Senhora, São Bernardo, Juqueri e Mboy (Embu); O. N. de Matos, A cidade de..., 1955, p.
44. Como se pode perceber, no último quartel do século XIX a situação se inverte, com a Capital exercendo forte atração e se transformando no grande centro demográfico
e econômico apesar de desmembramentos e formação de novos municípios.
Sobre desenvolvimento industrial na mesma época, ver p. 45/46 do cap. 4.
163
- O “cinturão caipira” compreende locais mais afastados da Capital, enquanto o “cinturão das chácaras” compreende outros mais próximos de seu centro antigo, atualmente
abrangidos pelo crescimento urbano; J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 63/76; P. Petrone, Os aldeamentos, 1964, inéd., p. 232 e outras.
164
- J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 129.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 59


presentemente nominal; a sua população confunde-se com a civilisada165 . Note-se que como centro abastecedor de mão
de obra indígena e sem necessidade de mais braços, pois não teve nenhum ciclo de produção econômica dinâmica, na
Aldeia não se fez sentir a presença do elemento afro-negro166.
Nos primeiros decênios do século XX, instalam-se nas proximidades do núcleo da Aldeia alguns imigrantes italianos167,
ocupando-se de lavoura e outros serviços. Depois, chegam algumas famílias de japoneses168. É o início da diversificação
da estrutura demográfica de toda a área a oeste da Capital, embora ainda não muito sensível até a década de 1930.
Prevalecia o caipira; o ambiente ainda era rural. A Aldeia de Carapicuíba mantinha-se um ponto singelo do “cinturão
caipira”. Depois, em meados do século, essa diversificação assume proporções extraordinárias, com a presença maior de
estrangeiros, paulistas de outras cidades, nordestinos e mineiros num rápido processo de cosmopolitização da Capital e
arredores. Quanto aos imigrantes do Nordeste brasileiro, calcula-se que o estado paulista absorveu isoladamente cerca
de 40% do contingente nordestino. Se considerados apenas os nordestinos imigrados no Sudeste, tal proporção chegou
a atingir quase três quintas partes do respectivo total169. Todos atraídos pela possibilidade de melhores empregos na
sociedade urbano-industrial cujo epicentro é a Capital, provocam grandes problemas para a qualidade de vida em sua área
imediata170. Com o fenômeno da conurbação na Grande São Paulo dos dias atuais, há naturais mudanças nas vivências
folclóricas, como veremos.
A implantação de diversos loteamentos de tipo popular na década de 1960, a partir da sede municipal e estendendo-
se a todas as glebas disponíveis, mostra como foi intenso o desenvolvimento demográfico na parte oeste da Grande
São Paulo. Compreendendo os atuais municípios de Osasco e Carapicuíba, Osasco em segundo lugar em densidade
da população, acima da Capital, e Carapicuíba em sexto lugar171. Um quadro172 da população estimada em 1975, de
municípios próximos de Carapicuíba pode ser assim montado:

165
- Publicado no Almanaque de Luneé e Fonseca de 1873, citado por J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 59.
166
- Em documentos antigos constam as denominações “negro” e “negro da terra”, dadas porém ao índio. Posteriormente se chamou “negro de angola” ou “de guiné” ao
escravo proveniente da África.
167
- A presença de italianos nos arredores da Aldeia é reflexo da grande concentração desses imigrantes na área de influência da Capital. Camargo mostra que a partir de 1887
as cifras relativas ao imigrante português são ultrapassadas pelas do imigrante italiano: desse ano até 1945 chegam ao Brasil 1.36.253 italianos, dos quais 68% preferem
o estado de São Paulo. Essa preferência mostra-se mais forte entre 1901 e 1920, período em que São Paulo recebe 79,7% dos italianos chegados ao Brasil; J. F. de
Camargo, Crescimento..., 1952, v. 1, p. 147.
168
- Luís Saia registrou a presença de japoneses, 1936, em Aldeia.... Nossos informantes porém afirmam que antes desses já se tinham instalado italianos. A presença de
imigrantes japoneses nas proximidades da Aldeia é explicada de modo muito semelhante à de imigrantes italianos: houve grande preferência de nipônicos por São Paulo,
conforme J. F. de Camargo, Crescimento..., 1952, v. 1, p. 147. Entre os imigrantes italianos e japoneses concentrados na Capital no início do século XX, muitos se fixaram
em Pinheiros (como lembra um de nossos velhos informantes, Belisário Camargo Júnior); e em particular quanto aos japoneses é de se citar ainda a criação de colônias
em locais a oeste da Capital, conforme Pinheiros: estudo..., p. 67 e seg.
169
- Hélio A. de Moura, Carmen S. da Cunha Holder & Aidil Sampaio, Nordeste..., 1975, p. 9. Os grandes fluxos de nordestinos para São Paulo foram provocados principalmente
por secas (1950/54 e 1955/59) em sua região de origem, bem como por expectativas se melhores condições de vida; Santa H. Bosco & Antônio Jordão Netto, Migrações,
1967, p. 186 e 206.
170
- Santa H. Bosco e Antônio Jordão Netto salientam pontos negativos da concentração imigratória: sub-emprego, sobrecarga de organismos de assistência social e hospitais
de atendimento gratuito, agravamento do problema habitacional com proliferação de favelas; Migrações, p. 207. Ver também Nestor G. Reis Filho, Quadro..., 1976, p.
66/70.
171
- O seis municípios de maior densidade demográfica na Grande São Paulo em 1975: São Caetano do Sul, Osasco, São Paulo, Diadema, Santo André, Poá, Taboão da Serra,
Mauá e Carapicuíba; Anuário..., 1977.
172
- Anuário..., 1977.

60 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Município Pop. estimada Área, km² Densid. demogr.
1975 km²/habit.

Barueri 49.600 64 775


Carapicuíba 72.086 44 1.638
Cotia 40.390 335 120
Itapevi 36.015 98 367
Jandira 16.284 25 651
Osasco 376.689 67 5.622
São Paulo 7.198.608 1.493 4.821
Taboão da Serra 53.583 23 2.329

Desse modo, na década de 1970 se concretizou o que se havia configurado anteriormente: a concentração demográfica
chegou aos arredores da Aldeia, especialmente com migrantes nordestinos, mineiros e de outras procedências que,
geralmente como operários não qualificados, passaram a ocupar o solo intensivamente, de maneira mais evidente no lado
ao norte do pátio antigo (direção da sede do município de Carapicuíba), enquanto para o lado da via Raposo Tavares e
mais a oeste e ao longe se formaram bairros e chácaras de famílias abastadas – tanto uns como outras divorciados das
tradições locais. Tal concentração demográfica, através de elemento humano portador de cultura popular diversa daquela
especificamente caipira paulista, e em especial de costumes locais, agravou grandemente uma situação de crise para
os padrões vigentes, crise essa cujos primeiros sintomas por certo poderiam ter sido sentidos por observadores atentos
cerca de 1950173. Indícios dela teriam sido a dessacralização de costumes, o falecimento de líderes locais sem que outros
viessem substituí-los, a mudança de pessoas portadores de tradições locais para cidades próximas, a urbanização intensa
e descontrolada, a supervalorização de padrões da sociedade de consumo em oposição a padrões da cultura popular do
caipira da região – circunstâncias, afinal, que podem ser observadas em muitos locais do Brasil contemporâneo; o choque
do “antigo” com o “moderno”, com aceitação deste em desfavor daquele.
Dessa maneira, a Aldeia de Carapicuíba deixa de ser uma comunidade, perdendo suas características de aglomerado
caipira. Envolvidos na conurbação paulistana, o núcleo antigo e seus arredores – como um conjunto integrado – a
rigor continuam tendo a função de fornecedores de mão de obra barata (como em séculos passados), numa posição
sempre periférica em relação a São Paulo, agravada agora por problemas originados pela presença de desocupados,
desempregados e marginais, entre os quais não é impossível o trânsito de toxicômanos174 (como declara uma informante
conhecedora do local e sua gente).

173
- Note-se que no início da década de 1950 foram feitos os primeiros registros da festa de Santa Cruz na Aldeia, época em que folcloristas – desprovidos de formação
acadêmica específica – procuravam encontrar um caminho para o conhecimento do populário paulista.
174
- Sabe-se que na década de 1970 os problemas de desemprego e marginalidade foram agravados em toda a parte oeste da Grande São Paulo, a ponto de Osasco ser chamada
a “capital do crime”

carapicuíba - uma aldeia mameluca 61


62 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Terceira Parte

FOLCLORE

Cap. 7 -Festas
Várias festividades movimentavam a vida da Aldeia de Carapicuíba até alguns decênios atrás. A mais importante era
(e continua sendo) a efetuada em princípio de maio, louvando-se a Santa Cruz; semelhante, porém de menor amplitude,
era (e continua sendo) a de meados de setembro, denominada de Santa Cruzinha. Outras ainda eram a de princípio de
janeiro em louvor aos “Santos Reis”; as de junho, comemorando Santo Antônio, São João e São Pedro, e a de novembro
em louvor de Santa Catarina. Com as mudanças ocorridas nos tempos de 1940/70, a festa de Reis desapareceu; as juninas
diminuíram sensivelmente; a festa, homenageando o orago da igreja local, reduziu-se à parte religiosa.
Vejamos algumas informações sobre outras festividades e seus contextos. Além das citadas acima, havia outro
evento, típico de comunidade: o “Domingo do Mês”175 . Todo primeiro domingo do mês, fazia-se uma reunião festiva com
participação de elementos mais chegados ao grupo social. Numa festa, escolhia-se o festeiro da seguinte, encarregado
de organizar a comemoração; nas proximidades do dia, reuniam-se os moradores da área para os mais diversos serviços,
inclusive varrer o pátio da Aldeia, preparar flores artificiais para enfeite do altar do templo, preparar comes e bebes, etc.
Muito semelhante às funções do “festeiro” nos eventos de grande monta, no Brasil atualmente, como festa do Divino
Espírito Santo, festa de São Bendito e outras. Havia reza puxada por algum popular (no que se notabilizou Nhô Virgílio
Avelino de Jesus) e, à noite, o divertimento se baseava na execução de danças como Cirandinha, Cana Verde, Chimarrete,
e também cantorias de modas de viola. Desde cerca de 1945 não se faz mais a festa do “Domingo do Mês”.

7.1. Festa de Reis (Tentativa de reconstituição)

Anteriormente, a festa de Reis ou dos Santos Reis assumia papel importante na vida da Aldeia. Hoje, porém, nada
mais resta da comemoração. Os dados abaixo foram colhidos junto a elementos que alcançaram os tempos em que a data
constituía uma das comemorações importantes no local.

7.1.1. Contexto da festa


- Na bibliografia consultada – a disponível – fazem-se referências à festa de Santa Cruz e, de passagem, à de Santa Cruzinha; sobre as demais na Aldeia, não há referências
175

válidas.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 63


Até cerca de 1945, por ocasião do Natal, já se encontrava a Folia de Reis percorrendo as residências da área da
Aldeia de Carapicuíba. O grupo era formado por um violeiro-mestre, outro violeiro que fazia a segunda voz, um tocador
de triângulo e um tocador de caixa (pequeno tambor), além de um menino que fazia o tipe; outras pessoas podiam juntar-
se ao grupo de Reis. As cantorias tinham sentido religioso: anunciar o nascimento de Jesus. O circuito devocional tinha
ainda a finalidade prática de comunicar a festa e arrecadar fundos para sua realização.
Nos dias 5 e 6 de janeiro, efetuava-se a festividade, em geral na própria Aldeia ou em alguma casa próxima, conforme
o “festeiro” escolhido habitasse no núcleo ou nos arredores. O ambiente festivo era marcado sempre pelas bandeirinhas
de papel de seda, pelos arcos de bambu e por uma ou outra barraca improvisada para comes e bebes.
Cerca da década de 1930, com a chegada de migrantes vindos de Minas Gerais, a área da Aldeia passou a contar
também com um grupo de Folia de Reis “mineira”, como se diz, para distingui-la da “paulista”. Esses elementos
acrescentaram ao populário da Aldeia algumas danças (apresentadas) que perduram na memória coletiva; mas a Folia
“mineira” desapareceu, tanto como a “paulista”.

7.1.2. Danças leves



Em algumas das festas da Aldeia de Carapicuíba não faltavam certas danças com coreografia simples, de roda ou
de alas, e que em seu conjunto não recebem um nome genérico por parte dos próprios participantes; isso nos leva a
denominá-las danças leves176; parecem ser exemplos locais ou regionais do que os estudiosos chamam de Fandango177.
Trata-se em geral de manifestações com coreografia por movimentos suaves (só o Chimarrete, tido como mais reservado
para homens, inclui uma parte sapateada), registrando-se a presença constante da viola, melodia em quatro tempos e
letra em quadra com liberdade temática. Nas festividades da Aldeia são mais conhecidas as três seguintes: Cana-Verde,
Cirandinha e Chimarrete, porém há outras, ou melhor, havia anteriormente, uma vez que as mudanças socioculturais
ocorridas nas décadas de 1960/70 colocaram essas manifestações folclóricas em evidente desuso. Agora, mantêm-se
apenas na memória de diversos informantes, de uma prática esporádica. Entre as que registramos na Aldeia, se incluem:
Venha Dois, Itararé, Tangará, Quero Bem, Tiu-tiu-tiu-tá178 . Nota-se certa confusão ou incerteza em pormenores de
algumas dessas manifestações coreográfico-musicais, inclusive entre informantes de mais idade, o que prova, afinal,
estarem elas em decadência e mesmo desuso. Esses desencontros percebem-se com maior evidência com a Marrafinha
(talvez proveniente do litoral), o Tangará, o Engenho Novo, o Itararé; a ponto de não se nos ter afigurado conveniente
insistir em registrar uma ou outra das danças – às vezes reduzidas ao canto, perdida a função da coreografia – lembradas
pelos entrevistados. Aliás seu pouco uso pode também explicar sua ausência em estudos publicados sobre as festas da
Aldeia179. Perguntados sobre o motivo de não se praticarem as danças como há algumas décadas, os informantes como
que se conformam:
176
- Maria Amália Correa Giffoni prefere chamá-las “danças miúdas”, definindo-as como danças rápidas, de execução fácil, que possam ser praticadas a qualquer momento,
sem preparo prévio, como geralmente acontece nas festas campestres, porque todos as conhecem; Danças miúdas..., 1972, p. 11.
177
- Nossos informantes parecem desconhecer o termo “fandango”.
178
- Na bibliografia consultada não constam registros dessas manifestações folclóricas na Aldeia de Carapicuíba.
179
- Diga-se de passagem que a única festa realmente divulgada, na Aldeia, é a de Santa Cruz; e as três danças citadas são Cana-Verde, Cirandinha e Chimarrete (além do
Sarabaquê).

64 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


-Anh, não tem mais gente pra dançar (Ataliba Costa Camargo).
Essas danças não exigem local especial para execução; podem ser feitas em ambientes fechados como em áreas abertas,
com piso artificial ou de terra. Na Aldeia, o local preferido sempre foi o próprio pátio, comumente em frente da casa do
festeiro. A participação é livre e não há indumentária especial. O violeiro constitui a base instrumental e de comando:
ele toca e canta, também dança como os demais participantes, e de acordo com a exigência da coreografia acaba sendo
igualmente o marcador; pode haver mais de um violeiro. Além da viola de dez cordas (preferida ao violão, de introdução
mais recente) pode estar presente o pandeiro. A melodia é geralmente em quatro tempos; a letra – quase sempre quadras
em redondilha maior, rimando o segundo com o quarto versos, ABCB – pode ser tradicional ou improvisada, admitindo-
se o canto a qualquer dançante. O tema é livre e quase sempre de assunto não-religioso, prevalecendo referências líricas
à mulher/amor, em versos intercambiáveis de um fato coreográfico-musical para outro; realmente, observa-se que muitas
das quadras conhecidas são cantadas tanto numa melodia quanto em outras (portanto as letras constantes em nossos
registros não são exclusivas das danças e melodias em que se acham colocadas neste texto, podendo ocorrer também em
outras manifestações). A coreografia é simples, com movimentos variando entre roda, pares soltos, de braços dados ou
enlaçados, formando alas ou filas180.
Essas considerações gerais sobre o que estamos denominando danças leves valem não apenas para as que vêm logo
a seguir neste item, mas também para outras, em itens posteriores.
Até cerca de 1960 era comum nas tardes de 2, 3 e 4 de maio fazerem-se essas danças, integradas à festa de Santa
Cruz, nas atividades diurnas; depois se acentuou seu desuso, de modo que no final da década de 1970, se tornou bem
mais difícil sua ocorrência dentro da vigência normal de folclore. Perdendo-se o costume de praticar as danças, parece ter
ficado, entretanto, o canto correspondente, como forma simplificada de lazer e divertimento, como tivemos oportunidade
de vivenciar na noite de 4 de maio de 1979 quando, num intervalo da dança de Santa Cruz, após ter sido servida a
tradicional canja aos instrumentistas, cantou-se alegre e informalmente, ao redor da mesa, o Tiu-tiu-tiu-tá na “casa da
festa”, surgindo várias quadras de momento (ver registro no item 7.2 da festa de Santa Cruz); trata-se aliás de prática
costumeira cantar o Tiu- tiu-tiu-tá e outras, logo após a canja.
Além de poderem ser vivenciadas em maio, as danças leves também podiam ocorrer no ciclo junino e em 6 de
janeiro, dia de Reis. Segundo os informantes, nessa festa de Reis havia preferência, na hora do divertimento para o Venha
Dois, Itararé, Tangará, Quero Bem, Tiu-tiu-tiu-tá (e outras, apenas parcialmente lembradas). Diversas são de procedência
de Minas Gerais, e devem ter-se integrado em festas da Aldeia a partir da década de 1930. Mas conforme os depoimentos
coletados, pela década de 1950, as festas de janeiro e junho deviam estar em decadência, consequentemente se verificando
o desuso das danças leves registradas adiante. Na época de nossas observações, elas são recordadas (e seu canto às vezes
praticado com naturalidade) apenas pelos mais idosos, lamentando que sejam coisas de tempos de dantes. Esse lamento,
porém, é acompanhado por interesse renovado de jovens esclarecidos.

- Verifica-se haver imprecisão em registros publicados quanto à descrição de coreografias. Alguns autores se referem a pares frente a frente que formam “filas”, quando na
180

realidade estão dispostos em alas, ou seja, cada participante ao lado de outro. Convém esclarecer que neste estudo distinguimos fila (pessoas dispostas uma na frente de outra
e voltadas para uma mesma direção) de ala (pessoas uma ao lado de outra, podendo formar par com a que se acha à sua frente, em outra ala).

carapicuíba - uma aldeia mameluca 65


Estas são as características de tais danças:

Doc. 1
Venha Dois
Gravado em Carapicuíba, 1979; informantes:
Ataliba C. Camargo, Antônio Camargo, Ítalo C. Camargo e outros
Dança com duas fases: pares frente a frente e de braços dados; não há número estipulado de participantes. Acompanha
a viola.
Coreografia:
a) Posição inicial com os pares soltos frente a frente, separados por cerca de dois metros; ficam portanto duas alas
sendo uma de damas e a outra de cavalheiros.
b) Enquanto se canta uma quadra todos fazem balancê.
c) No estribilho, obedecendo aos versos, a dama e o cavalheiro que se encontram na extremidade à direita das
damas se unem pelos braços e, em passos dentro do ritmo, se dirigem à extremidade oposta, por entre as duas alas de
participantes. Os demais, mantendo o balancê, alongam os passos de modo a avançar na direção do local de onde saiu o
casal.
d) Quando todos os pares tiverem se transferido de uma extremidade para a outra, a dança pode terminar; ou então
prossegue com o primeiro par repetindo o movimento de mudança de sua posição.
Esquematicamente:

Violeiro → ← Dama 1
Cavalheiro 2 ↓ Dama 2
Cavalheiro 3 Dama 3
Cavalheiro 4 Dama 4
Cavalheiro 5 Dama 5

Letra:
1- Aqui mesmo tô bem vendo
Olhos que tão me matando - Bis
Me matai devagarinho
Que eu quero morrê gozando

66 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Estribilho:
Venha dois!
Balancê, balancê Balanceia, balancê
Vai seguindo seu caminho

2- Viola de cinco cordas


Bem podia ser de seis - Bis
O amor que já foi meu
Bem podia sê otra veiz

(Estribilho)

Música:

Obs.: O Venha Dois era comum nas festas juninas, até aproximadamente o final da década de 1940.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 67


Doc. 2
Itararé
Gravado em Carapicuíba, 1979; informantes.:
Ataliba C. Camargo, Antônio Camargo, Ítalo C. Camargo e outros

Não foi possível registrar a coreografia dessa dança, pois os informantes não apresentaram consenso. Tem-se que é
de origem mineira e foi conhecida na Aldeia a partir da década de 1930.

Letra:
1- Dance, dance, minha gente,
Dance, dance, dance bem
Ai, quem não dançar agora
Dançará o ano que vem

Estribilho:
(Eu) Fui no Itararé
Beber água, não achei
Adeus bela morena
Que no Itararé deixei

2- Fui na tua casa


Pedi água pra bebê
Não era sede que eu tinha
Fui aí só pra te vê

(Estribilho)

3- Fui descendo rio abaixo


Procurando lambari
Procurando amor de longe
Que de perto já perdi

(Estribilho)

68 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Música:

Doc. 3
Quero Bem
Gravado em Carapicuíba, 1979; informantes.:
Ataliba C. Camargo, Antônio Camargo, Ítalo C. Camargo e outros

Letra:
1- Não se encoste na parede 2- Essa noite dormi fora
Que a parede larga pó - Bis Esqueci do cobertor - Bis
Quero bem, quero bem Quero bem, quero bem,
Quero bem não sei a quem Quero bem não sei a quem
Quero bem, quero bem, quero bem Quero bem, quero bem, quero bem
Só você e mais ninguém Só você e mais ninguém

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3- Bateu vento na roseira Quero bem, quero bem, quero bem
Me cobriu todo de flor - Bis Só você e mais ninguém
Quero bem, quero bem
Quero bem não sei a quem 7- Quando me aperta a saudade
Quero bem, quero bem, quero bem Com ela que me desfaço - Bis
Só você e mais ninguém Quero bem, quero bem,
Quero bem não sei a quem
4- Viola, minha viola Quero bem, quero bem, quero bem
Cavalete de marfim - Bis Só você e mais ninguém
Quero bem, quero bem
Quero bem, quero bem, quero bem 8- Fui amado, fui querido
Só você e mais ninguém De todas flores do campo - Bis
Quero bem, quero bem,
5- O tocadô desta viola Quero bem não sei a quem
Vai no céu e torna a vim - Bis Quero bem, quero bem, quero bem
Quero bem, quero bem Só você e mais ninguém
Quero bem não sei a quem
Quero bem, quero bem, quero bem 9- Agora sô desprezado
Só você e mais ninguém De quem me queria tanto - Bis
Quero bem, quero bem
6- Viola, minha viola, Quero bem não sei a quem
Tem boca, costa e aço - Bis Quero bem, quero bem, quero bem
Quero bem, quero bem Só você e mas ninguém
Quero bem não sei a quem

Música:

70 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Doc. 4
Tangará
(Fragmento)
Gravado em Carapicuíba, 1979; informantes.:
Ataliba C. Camargo, Antônio Camargo, Ítalo C. Camargo e outros

Letra:
1- Compadre vá lá pra dentro 2- Bate palma pra dentro
Entrando no sapatea(do) Bate palma pra fora
Como é tão interessante Tornai repicá pra dentro
A dança do tangará Que meu bem vai-se embora

Música:

Doc. 5
Tiu-tiu-tiu-tá
Gravado em Carapicuíba, 1979; informantes.:
Ataliba C. Camargo, Antônio Camargo, Ítalo C. Camargo e outros

Dança de roda, em geral acompanhada apenas de viola (uma ou mais), com coreografia igual à da Cana Verde e
versos livres. É tida como uma das danças de origem mineira, e alguns informantes dizem-na Cana Verde mineira para
diferenciá-la da Caninha Verde propriamente, que é paulista.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 71


Coreografia:

Participantes dispostos em roda, entremeando-se damas e cavalheiros; o giro é em sentido anti-horário. Os movimentos
são iguais aos da Caninha Verde, Doc. 16.

Letra:
Usam-se quadras tradicionais ou improvisadas, com o canto livre a todos os participantes.

1- Quem está aqui me vendo (Estribilho)


Pensará que estou alegre
O meu coração está tinto 5- Quem tá bem deixa que esteja
Como a tinta que se escreve Que eu não posso estar melhor
Eu junto com o meu primo
Estribilho: Não há regalo melhor
Tiu-tiu-tiu-tá
Sapatinho de iaiá (Estribilho)
Isso vai pra meia noite
Deixa o cravo serená 6- O que é que sinhifica
Fita verde na viola
2- Aqui mesmo tô bem vendo Sinhifica um acinte
Olhos que tão me matando Que meu bem me fez agora
Me mata devagarinho
Qu’eu quero morrê gozando (Estribilho)
(Estribilho)
7- Debaixo do alambique
3- Menina, minha menina, Quero minha sepultura
Sobrancelha de veludo Que mesmo depois de morto
O teu pai não tem dinheiro O teu pai já não tem nada Quero me ver na fartura
Mas teu corpo vale tudo
(Estribilho)
(Estribilho)
8- A casa do meu irmão
4- Esta casa tá bem feita Tem ímã, tem ferradura
Com esteio de canela É a casa que todos gostam
Tomara que Deus ajude Que é uma casa de fartura
Quem mora debaixo dela

72 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Música:

Obs.: O Tiu-tiu-tiu-tá era bastante comum em festas da Aldeia, especialmente nas de Reis e nas juninas, em 1930/50.

7.2. Festa de Santa Cruz

A mais importante e concorrida manifestação folclórica da Aldeia de Carapicuíba é a festa de Santa Cruz, em 2,
3 e 4 de maio. Nessa ocasião se faz a dança de mesmo nome ou Sarabaquê, Sarabaguê. Trata-se de um dos mais
interessantes fatos da cultura popular na Grande São Paulo, cujos princípios se perdem nos tempos do Brasil Colônia e
estão intimamente ligados ao culto à cruz estabelecido e incentivado pelos jesuítas em seu trabalho de catequese, de zelo
pelos bons costumes e a prática religiosa junto a portugueses e brasileiros de então.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 73


7.2.1. Histórico

7.2.1.1. A festa noutros locais

A cruz parece ter sido tema de um ciclo bem mais intenso de comemorações festivo-religiosas, em épocas passadas;
além do que o símbolo cristão empresta nome a muitos municípios, bairros, vias públicas (a começar, afinal, pelo próprio
nome inicial da terra descoberta em 1500). Atualmente há festa de Santa Cruz em diversas cidades do interior paulista,
às vezes em bairros rurais, porém na maior parte se limitam a barracas, bingo, comes e bebes, além da parte religiosa181.
Ela se mantém com vigor em duas cidades da Grande São Paulo, aliás antigas aldeias: Embu e Itaquaquecetuba, via de
regra no início do mês de maio, mas depois dos dias 2, 3 e 4 (dias fixos em que se realiza a comemoração na Aldeia de
Carapicuíba). Nessas duas cidades, a festividade tem características próprias, diferentes daquelas encontradas na Aldeia
objeto de nosso estudo.
A bibliografia de folclore não indica a ocorrência da festa de Santa Cruz antigamente, em outros locais. Apenas
Antônio Egídio Martins proporciona um informe a respeito de proibição da festa que se realizava onde hoje se situa
o “centro novo” da Capital: Em consequência de haver, em março de 1909, conforme notícia publicada pelo Diário
Popular, de 31 do mesmo mês, o arcebispo metropolitano, D. Duarte Leopoldo e Silva, resolvido proibir a tradicional
festa popular de Santa Cruz do Pocinho, deixou de se realizar a mesma festa no dia 3 de maio daquele ano na respectiva
capela que era situada na Rua Vieira de Carvalho e foi demolida em princípios de 1912182 .
Nossos informantes mais idosos se recordam de a festa ter sido efetuada até as primeiras décadas do século XX em
alguns pontos onde hoje ficam os bairros de Pinheiros, Butantan e arredores. E com as mesmas características encontradas
na festividade contemporânea da Aldeia, uma vez que os próprios elementos daí participavam das comemorações nos
outros pontos, locomovendo-se a pé, em carros de boi, em charretes, a cavalo. A festa era realizada junto a uma igreja ou
capela. Como se verifica, a comemoração tradicional foi eliminada – resta apenas lamentar – pelo progresso acelerado de
São Paulo. De acordo com os informantes, e portanto de acordo com a tradição oral, a festa de Santa Cruz, nos moldes da
existente na Aldeia de Carapicuíba, foi realizada até cerca de 1920 nos seguintes locais:
> Largo de Pinheiros183; acentuamos que, nos séculos XVI e XVII, a estrutura urbana da aldeia dos Pinheiros diferia
bastante da atual. Havia pequena igreja com a fachada voltada para onde hoje é a rua Butantan, isto é, o importante
caminho para o rio Pinheiros. Nesse local, tendo por referência a igreja, é praticamente certo que se desenvolvia a festa de
Santa Cruz, provavelmente com a dança em homenagem ao símbolo do cristianismo e participação de índios e colonos;
> Pirajussara (junto à casa de João Christi);
> “Corujas” (atualmente uma parte do bairro de Alto dos Pinheiros);

181
- Ver Oneyda Alvarenga, Música..., 1950;Rossini T. de Lima, Folclore das..., 1971, p. 62; Maria A. C. Giffoni, Manifestações..., RBF 11(31), setembro/dezembro-1971; A.
Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975.
182
- A. E. Martins, São Paulo antigo, 1973, p. 304. Eduardo A. Escalante faz referência a uma comemoração de Santa Cruz no Paraguai; A festa..., inéd., p. 49/50 (citando
Paulo de Carvalho Neto).
183
- A monografia de Antônio B. Amaral O bairro..., 1969, não faz nenhuma referência sobre a festa de Santa Cruz nesse local (e aliás inclui muito pouca coisa no item
“7- Divertimentos”, p. 77/78). No entanto, vários de nossos informantes afirmam ter certeza de que a comemoração era efetuada no núcleo do bairro, que afinal foi uma
aldeia antiga. Ficamos com nossos informantes.

74 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


> “Botequim” (nome popular designando trecho do lado de numeração par da av. Francisco Morato próximo da
“Casa da Força”, ou seja, instalações da Light).

Agora, esses locais se acham muito modificados, as capelas que serviam de referência central foram demolidas ou
substituídas, a urbanização transformou a paisagem, indústria e comércio tomaram conta de espaços, e a devoção da
Santa Cruz deixou de existir neles, só permanecendo na memória de algumas pessoas remanescentes.

7.2.1.2. A festa na Aldeia de Carapicuíba:


o problema da origem

Sem citar documentos escritos mas por certo baseando-se na tradição oral (embora não o declarando), a pouca
bibliografia específica sobre a festa de Santa Cruz na Aldeia de Carapicuíba relaciona a origem dessa comemoração como
trabalho de catequese dos jesuítas, em especial o pe. Belchior de Pontes; esse relacionamento porém – não será demais
realçar – é feito com frases não categóricas.
Tecendo considerações sobre o cortejo da Entrada dos Palmitos na festa do Divino Espírito Santo em Mogi das
Cruzes, Mário de Andrade acha insofismável a substituição católica da árvore-de-maio pela cruz festejada em maio,
associando a comemoração do dia 3 às Maias europeias, festejando o início da primavera. Esse estudioso de cultura
brasileira se refere especificamente ao evento da Aldeia, afirmando: (…) quer com a permissão ou iniciativa dos próprios
padres, quer por reminiscência pujante das árvores-de-maio, até hoje é tradição em Carapicuíba cada família enfeitar a
sua cruz com flores e ramos. O enfeite parece inocente, mas cada qual se esmera em arrear sua cruz de tanta folha e flor,
que o madeiro quasi desaparece na enfeitação festiva, se transformando numa quasi arvoreta. De maio...184 . Devemos
observar porém que no período de nossas investigações não tem havido nas cruzes junto as casas da Aldeia tanta flor
como indicado no trecho acima transcrito. Colocam-se algumas flores, também alguma vela acesa.
Talvez aproveitando-se do texto de Mário de Andrade, Rossini T. de Lima procura ligar a festa da Aldeia com o ciclo
de maio do folclore europeu, citando Van Gennep e práticas de feitiçaria, elemento sexual nas cerimônias cíclicas, mês
nefasto para o casamento e outras particularidades não visíveis atualmente na festa da Aldeia185. De passagem, Rossini
lembra que foram o jesuíta e o índio, primeiros habitantes da Aldeia186; enquanto Alceu Maynard Araújo, bem mais
prolixo, também se reporta aos tempos da catequese; em algumas linhas afirma: A antiga aldeia de Carapicuíba com
seu quadrado simétrico de casas de taipa ‘olhando’ para o templo secular dedicado a Santa Catarina (santa de cabelos
louros, como a cantam versos da marujada de Iguape), onde os índios aldeados aprenderam o ABC da religião com
o lendário Padre Belchior, é a guardadora da tradição centenária que a catequese incitou – a Dança da Santa Cruz.
/ Ali os selvícolas que Afonso Sardinha trouxe do sertão, se iniciaram na vida sedentária, na agricultura. Aprenderam
a trabalhar a terra, a plantar marmelos (os paulistas já exportaram marmelada), pêssegos, uvas, figos, cevada e trigo.
Comia-se pão feito com trigo crioulo e fazia-se vinho para as missas do pe. Belchior de Pontes, com as uvas da terra.
184
- Mário de Andrade, A Entrada..., Rev. do Arquivo 3(32), fevereiro-1937, p. 55 e 56.
185
- Lima, Folclore das..., 1971, esp. p. 59/61, onde são apresentados traços folclóricos como específicos da festa de maio na Aldeia, mas que – atenção – são comuns a
outros ciclos e também a outras regiões.
186
- Lima, Folclore das..., 1971, p. 61.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 75


Os índios libertos deixados por Afonso Sardinha sob a direção de jesuítas, aprenderam também as danças as quais
praticavam com ‘grande decência’ no desenrolar de suas quatro partes: reza saudação, roda e despedida. Atualmente a
dança compreende saudação, roda e despedida187 .

Como se pode observar, nenhum dos dois autores (que mais publicaram sobre folclore paulista) se prendeu a dados
específicos esclarecedores sobre a origem da festa; discorrendo aliás indistintamente e ao mesmo tempo sobre ela e a
dança que nela ocorre. Talvez seja essa até uma coincidência a considerar: ambas tendo se formado juntas.

Mas quando?
A bibliografia de História e de Folclore188 não nos forneceu um documento taxativo sobre a origem da festa (e da dança)
de Santa Cruz, na Aldeia. Tal fato porém não é de se estranhar, por mais de um motivo; e aqui nos parece conveniente
um breve retrospecto. Sabendo-se que a Aldeia teve períodos de depressão, a ponto de ter sido praticamente destruída no
segundo século189 por ordem dos sacerdotes (item 1.6) interessados em forçar sua transferência190 para Itapecirica; sabe-
se que ficou ao abandono após a extinção da Companhia de Jesus191 , e até deixou de existir por volta de 1774 segundo
Azevedo Marques192 (talvez com certo exagero); e em 1777 o bispo de São Paulo em sua relação se refere ao pároco da
Aldeia dizendo que ele sustenta-se como pode193 . Com essa existência marcada por fases de tanta precariedade e por
litígios envolvendo posse de indígenas e de terras194 , naturalmente havia assuntos muito mais importantes para a época a
serem registrados, quando houvesse, do que uma festa ou uma dança; mesmo porque as festas deviam ser algo integrado
nos hábitos grupais criados pelos jesuítas em seu trabalho de catequese, de acordo com seus objetivos; como referem
Serafim Leite195 e outros autores; era portanto coisa comum na vida de religiosos, brancos e indígenas – e se sabe que
o comum não constitui notícia. Em geral, nas cartas de jesuítas e em documentos oficiais pode ser citada esta ou aquela
festividade, numa passagem ou noutra em que o missivista escreve sobre os últimos acontecimentos, mas sem se obrigar
a descrever a festa; ou num documento oficial em função de preparativos que implicam despesas, taxas, uma recepção
ou algum evento excepcional, mas também sem nenhuma obrigação de descrever a festa em si. Muito menos a dança
e outros fatos que poderiam integrar determinada festividade nos costumes da época. Desse modo, hoje em dia, pela
consulta a documentos dos primeiros séculos fica-se sabendo da existência, em São Paulo e em outros locais da Colônia,
de fatos folclóricos como Cavalhadas, Touradas, procissão de Corpus Christi com “ramagens”, presépio, instrumentos
musicais, autoflagelação, etc, sem todavia se encontrarem sempre pormenores sobre cada um desses fatos possíveis.

187
- Araújo, Folclore nacional..., 2.ed., 1967, v. 2, p. 23. O mesmo autor resume suas considerações sobre a festa da Aldeia e de Itaquaquecetuba (embora não constem
indicações de local e data) em Cultura..., 2.ed., 1973, p. 63/65.
188
- Em seu extenso e interessante estudo sobre as aldeias de São Paulo, Pasquale Petrone não se detém no assunto festas, fazendo apenas referências passageiras; Os
aldeamentos..., 1964, inéd., p. 253/254.
189
- Luís Saia, Morada..., 1972, p. 19.
190
- Manoel da Fonseca, Vida do..., s/d, p. 121.
191
- Sérgio B. Holanda, Rev,. Rev. do IPHAN (5), 1941, p. 112.
192
- S. B. Holanda, Rev. do IPHAN (5), 1941, p. 112
193
- Manoel da Ressurreição, Relação..., Rev. do IHGSP (4), 1898/99, p. 377.
194
- A. E. Taunay, História..., 1953(?), p. 24 e seg..
195
- S. Leite, História..., 1938, v. 2, p. 100/110.

76 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Portanto, eles podem ser citados via de regra apenas de passagem, às vezes como algo conhecido de todos, pois assim
realmente o eram, de uma forma geral; daí dispensarem explicações longas, a não ser excepcionalmente.
Tais considerações valem, genericamente para se conscientizar que a falta de um documento taxativo não é argumento
suficiente para se concluir que – no caso de nosso estudo – a festa ou a dança de Santa Cruz não possam ter origem em
tempos dos primeiros contatos culturais em terras de Piratininga.
Entrementes, já vimos a importância que os jesuítas davam ao culto à cruz (item 1.4). Uma carta do padre Leonardo
do Valle, escrita da Bahia em 1561, se refere à festa do dia da Exaltação da Cruz (setembro, portanto ligada diretamente
à festa de Santa Cruzinha na Aldeia, formalmente igual à de Santa Cruz), em Itaparica196. Serafim Leite relata que o
costume de enriquecer as comemorações religiosas com cantos e outros recursos logo se ampliou, e transcreve trecho do
relato da visitação do padre Gouveia em que são citadas as festas da Circuncisão, Santa Cruz de Maio, Onze-Mil-Virgens
e S. Cristóvão197.
Associando-se a essas informações esparsas e miúdas com o pormenor de estar documentado, na própria Aldeia de
Carapicuíba, o uso de cruzeiro conforme cita o pe. Manoel da Fonseca – como de resto semelhantemente ocorreu nas
reduções jesuíticas do Sul do continente e por certo nas demais aldeias jesuíticas de São Paulo e de outros pontos do
território luso-brasileiro (como vimos no item 1.4) – é perfeitamente lícito colocar o início das manifestações em louvor à
cruz no período de implantação definitiva da Aldeia, ou pouco depois, século XVIII. Quando a construção da atual igreja
foi terminada, em 1736 (conforme Manoel da Fonseca, itens 1.4 e 1.6), e antes disso quando o pe. Belchior de Pontes deu
forte apoio à Aldeia – deve ser essa primeira metade do setecentos o tempo de formação ou fixação da festa de Santa Cruz.
Há porém outro fator importante a ser considerado, e que vem corroborar essa hipótese. Trata-se da tradição oral
tomada como fonte primária198. E a tradição oral da Aldeia de Carapicuíba associa a existência da festa e da dança de
Santa Cruz à figura do pe. Belchior de Pontes, que cuidou da Aldeia no início do século XVIII.
Considerando, como já vimos, que nos séculos XVIII e XIX o povoado passou por períodos de extrema pobreza e
praticamente de total isolamento, sem ter qualquer importância econômica, é natural e compreensível a falta de registros
sobre o que se passava em sua vida comunitária. Mas é fato que ela continuou existindo, embora modorramente, e esse
pode ter sido até o mais importante fator de manutenção de seu folclore através dos tempos, com pouquíssimas mudanças,
e afinal um fator também de sua própria preservação natural, como lembra Luís Saia. As mudanças que procuramos apontar
neste estudo, note-se, são das recentes décadas do século XX, provocadas pelo acelerado processo de urbanização e pela
secularização de modos de vida modernos, provocando choques com a situação anterior mais favorável à manutenção de
costumes, mais ainda os que estão ligados a alguma religião.
Fazendo confluir esses dados, parece-nos poder considerar-se um consenso o estabelecimento da época de formação
da festa (por extensão, da dança) de Santa Cruz como sendo talvez no final o século XVII e, mais provavelmente, na
primeira metade do XVIII. Uma festa sem dúvida ligada às práticas religiosas índio-jesuíticas dessa época, e que no
decorrer dos tempos se fixou em formas que persistem até hoje. Sem deixar, naturalmente, de aceitar outros fatos também

196
- S. Leite, Cartas dos..., 1956/58.
197
- S. Leite, História..., 1938, v. 2, p. 110.
198
- Procedimento indicado e utilizado por pesquisadores diversos, entre os quais Antônio Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 18; Luís Saia, Fontes..., maio-1948, p. 9/11, na
bibliografia consultada.

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integrados às vivências populares, depois de ela se ter firmado como elemento aglutinador (seria o caso de outras danças
folclóricas, da fogueira, de comes e bebes – traços que podem ter-se agregado à festa na mesma época de sua instituição
ou bem depois).

7.2.2. Contexto da festa



7.2.2.1. Programa

No mês de abril, um volante impresso anunciando e convidando para o evento costuma ser afixado em estabelecimentos
comerciais dos arredores da Aldeia de Carapicuíba: é o programa da festa ou – como também se denominava anteriormente
e alguns moradores atuais do local ainda dizem – o convite. O padrão seguido normalmente para essa peça de comunicação
é o seguinte: papel sulfite branco, formato vertical 42x24cm, dizeres impressos em preto e no terço superior, ao centro,
uma cruz em vermelho ou em preto. O cabeçalho: Dias 1, 2, 3 e 4 de Maio / na Aldeia de Carapicuíba. Na altura da parte

78 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


inferior do eixo vertical da cruz, duas linhas mais: Sendo encarregado de realizar aFESTA DE SANTA CRUZ na / Aldeia
de Carapicuíba na qual será apresentada a – e com destaque, logo abaixo da cruz: tradicional / Dança de Santa Cruz
ou Sarabaquê. Seguem-se os demais dados informativos das atividades, sempre redigidos como trazidos a público pelo
festeiro – novena, leilão, levantamento do mastro, alvorada, e outros. Em rodapé, costuma vir o nome dos festeiros (um
casal), às vezes junto com nomes de uma Comissão auxiliar. Normalmente, tem havido poucas variações nos programas;
o papel pode ser em cor pastel, o formato pode ser um pouco mais mais alongado.

No terço inferior do programa tem sido publicado um texto explicativo sobre o Sarabaquê, de redação mais elaborada,
introduzido a partir da década de 1960. É o seguinte:
Dança de Santa Cruz ou Sarabaquê (Quinze com Quinze)
A ‘Dança de Santa Cruz’ é um ato religioso e foi o modo mais fácil que os Jesuítas encontraram para
catequizar os índios, isto é, pela dança e pelos cânticos. Não tem traje especial.
À frente dos dançantes, vão dois violeiros; atrás de um, deles, um tocador de adufe. Os violeiros são ‘mestres’ e
‘contra-mestres’. Imediatamente atrás vêm o ‘tiple’ e o ‘contralto’. O ‘mestre’ faz a primeira voz, o ‘contra-mestre’
a segunda. O tiple é uma voz atenorada, ou melhor, em falsete e o ‘contralto’ é o que faz a voz mais grave de todos.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 79


Atrás dos cantadores vêm os dançantes em coluna de dois. Quem quiser pode tomar parte da ‘dança’, bastando
que para isso seja convidado e que o faça com devoção.
A ‘Dança de Santa Cruz’ é uma parcela mínima, porém, indiscutível e inconfundível, da cultura espiritual
tradicional das gentes brasílicas, acondicionada e acomodada no calendário cristão pelos missionários e que
chegou até nossos dias graças aos que sabem cultuar e respeitar as nossas tradições.
A aldeia de Carapicuiba está sob a proteção da SANTA CRUZ, e é por isso que em seu terreiro na parte central
se encontra o símbolo que cultua a mais antiga devoção e a mais bela tradição dos nossos maiores.

De acordo com uma de nossas informantes, Ilydia Camargo, essa explicação sobre a dança de Santa Cruz se baseia
em volantes distribuídos na Casa do Bandeirante, em São Paulo, quando na década de 1960 a direção desse museu
paulistano (com Paulo Camillier Florençano e Maria Aparecida Paiva Alves) incentivava a realização de eventos com
a presença de folclore paulista. Inclusive a própria dança foi efetuada nos jardins do museu com elemento humano da
Aldeia e patrocínio da Prefeitura paulistana. Os moradores da Aldeia e as pessoas mais chegadas à tradição da festa de
maio adotaram o texto e passaram a reproduzi-lo no programa.
Se essas características identificam o programa da festa, tem havido ocasiões contudo em que elas são deixadas de
lado, mudando-se totalmente o padrão tradicional-popular e surgindo então cartazes promocionais em tamanho maior,
impressos em cores e com ares ou intenções de criação artística. São exemplos o programa de 1954 (muito provavelmente a
primeira vez em que o programa sofreu essas alterações), ano em que a comissão oficial do IV Centenário da Capital incluiu
a comemoração da Aldeia na programação daquele aniversário. Também o programa de 1972, ano do Sesquicentenário
da Independência, apresenta outras características, e em alguns outros poucos casos. Nota-se nesses exemplos a presença
de festeiros não pertencentes à comunidade, inclusive folcloristas. Nesses casos, fica mais que evidente a interferência
cultural, pelo menos na elaboração do programa – que, afinal, é parte integrante do complexo da festa. Eventualmente,
como aconteceu na década de 1970, o volante pode ser custeado por uma entidade ou pela Prefeitura Municipal de
Carapicuíba, conforme consta às vezes em rodapé.
Belisário Camargo Júnior, outro informante, lembra que o programa não era feito anteriormente.Trata-se de inovação
surgida por volta de 1930 ou logo após esse ano, quando parece que a divulgação da festa começou a se ampliar.

7.2.2.2. Ambiente

Embora os programas impressos da festa incluam o dia 1º de maio, a rigor ela se concentra mesmo nos dias 2, 3 e 4
desse mês. A parte religiosa se inicia antes, em 24-abril, com a tradicional novena. Como 1º de maio, Dia do Trabalho, é
feriado nacional, aproveita-se para, principalmente à noite, fazer leilão de prendas e um ou outro divertimento como pau
de sebo, ou ainda violeiros. Todavia, essas atividades do dia 1º de maio não são parte essencial da festa, e podem ocorrer
ou não. Mas a Aldeia já se encontra engalanada com as costumeiras bandeirinhas de papel de seda e arcos de bambu
(pelo menos junto ao cruzeiro e à porta da igreja), barraquinhas armadas na frente de algumas casas utilizando-se ripas e
galhos, cobertas com folhas de bananeira e taboa (antigamente) ou de biri, e secundariamente folhas de coqueiro. Nessas
barraquinhas vendem-se quentão, churrasco, doces caseiros de abóbora, de mamão, de batata, de cidra. Espalhados pelo

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largo, encontram-se vendedores ambulantes de pipoca, maçã do amor e uma ou outra guloseima. Nos bares e vendas
aumenta o consumo de refrigerantes, cerveja, pinga. Fios de lâmpadas iluminam o local e contribuem para o ambiente
festivo. Naturalmente as barracas, as guloseimas fabricadas e as lâmpadas elétricas são introduções recentes na festa.
O cruzeiro, no centro do pátio, acha-se enfeitado com dois arcos de bambu cruzados no alto, e bandeirinhas de papel
de seda, além de um pano branco entrelaçado nos braços: é a chamada toalha da cruz, feita de tecido de algodão podendo
ter aplicações de crochê. É colocada no cruzeiro dia 2 de maio, permanecendo aí até o final da festa.
No chão de terra, alguns metros em frente de cada uma das casas, e mais ou menos na direção da porta de entrada,
seu morador coloca uma cruz de madeira, cerca de 80cm de altura, às vezes adornada de flores naturais ou artificiais. É
costume acender velas, especialmente nas três noites de festa, na base de alvenaria do cruzeiro central e junto às cruzes
das residências. Pode acontecer de nem todas as casas terem uma cruz à frente, porém o número desse símbolo cristão
não tem sido menor de catorze, nos anos em que baseamos nossas observações.
Em relação ao início do século, o ambiente da Aldeia durante a festa de maio se modificou bastante, segundo nossos
informantes, o que nos parece uma consequência natural principalmente do intenso processo de urbanização da região.
Belisário Camargo Júnior lembra, por exemplo, que anteriormente era usado para iluminação noturna um fio encerado
(usava-se cera de abelha) funcionando como pavio apoiado em suporte de madeira ou então de bambu; também se
usaram bambus em posição horizontal, aproveitando-se alguns gomos para funcionarem como lamparinas a querosene; e
ainda lampiões, iluminação a carbureto e petromax (pouco utilizado). Bandeirinhas de papel de seda constituem elemento
antigo na festa (aliás, em praticamente todas as festas tradicional-populares do Brasil). Os arcos de bambu eram feitos
junto à porta da casa do festeiro (além de junto à porta da igreja e no cruzeiro, como hoje se mantém). Até fins da década
de 1950 ainda se acendia uma grande fogueira no pátio, durante os dias da festa de maio, que tem noites frias; isso não
mais acontece.

Os programas da festa ainda citam a Alvorada, que se resumiu bastante. Anteriormente, ela consistia no repique
festivo dos sinos da igreja e na queima de baterias e rojões adquiridos pelo festeiro.
- Mas agora, por causa das despesas, por causa do preço das coisas, não tem mais rojão; a gente usa alguns
caramurus. Mas o rojão é que é tradicional, e alguns festeiros iam comprar lá em Itapecirica da Serra (Ilydia Camargo).
Para a criançada, várias vezes durante os dias da festa se fazia o “quebra-moringa”, com duas moringas de barro
cheias dágua penduradas numa trave; a menina ou o menino que, com um pedaço de pau e os olhos vendados, acertasse
numa delas quebrando-a ganhava um cartucho como brinde. Já desde cerca de 1958 não se faz esse divertimento.
Igualmente, não há mais “roletas e mesas de jogos de azar” referidos por Saia; porém se pode encontrar uma ou outra
barraca de lona onde se jogam argolas para tentar tirar maço de cigarros, maçãs e outras miudezas. Os mascates – sírios
vendedores de bugigangas – são figuras do passado. Quanto aos caipiras, referidos ainda por Saia na década de 1930,
passaram a ser praticamente inexistentes na década de 1970, substituídos por nordestinos e outros migrantes.

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7.2.2.3. Calendário

Como já indicamos, a novena começa em 24 de abril, as rezas iniciando-se por volta de 20 horas, na igreja, com
prosseguimento até o dia 2 conforme a tradição – informa o programa. No feriado de 1º de maio pode haver leilão,
violeiros, fogueira (em desuso), e começa o grande congraçamento social da festa.
Dia 2: levantamento do mastro com a bandeira da festa, às 19,30 horas; encerramento da novena e início da dança de
Santa Cruz por volta das 21 horas.
Dia 3: alvorada ao romper do dia; missa às 10h, procissão às 17h (que pode alongar-se por ruas próximas do núcleo
da Aldeia), e depois leilão de prendas que se esperam dos devotos; à noite, a dança de Santa Cruz.
Dia 4: à noite, a mesma dança, que se encerra de madrugada com a Zagaia. Ainda no dia 4, à tarde, podem ser feitas
algumas danças leves – Cirandinha, Chimarrete e Cana Verde, se bem que os informantes mais idosos conhecem outras.
Essas danças à tarde não faltavam anteriormente, mas já no período 1960/70 começaram a ficar em desuso.

7.2.2.4. Festeiros

Para organizar a festividade, fica encarregado um casal, geralmente por promessa ou devoção. De acordo com nossos
informantes, na missa do dia 3 pode ser decidido quem ficará com o encargo para o ano seguinte, normalmente sem
interferência do sacerdote católico. Os interessados se apresentam aos demais e fica acertada sua condição de festeiros.
Nesse dia, após a procissão pelos arredores da Aldeia, recolhem-se os andores no templo, com exceção da cruz; e o
sacerdote anuncia os nomes dos festeiros do próximo ano. Antigamente constituía uma surpresa e, portanto, o ato cercava-
se de expectativa.Entretanto, hoje, os acertos para a transferência de funções são feitos abertamente. Nessa hora, o festeiro
do ano entrega um ramo de palmas ao novo festeiro, e a festeira entrega a coroa à sua sucessora. Todos então formam
novo cortejo, de menores proporções, que dá a volta no pátio, terminando com um brinde pago pelo novo festeiro, num
bar local.
As flores que o festeiro recebe são tradicionalmente três ramos de palmas – as chamadas palmas de Santa Rita – em
geral envoltas em papel (prefere-se o celofane) e fitas. A coroa prateada, com 20cm de altura, nos dias da festa é adornada
com fitas e colocada em pires com pequena toalha de crochê.
No dia 5, à tarde costumava-se descer o mastro, dava-se uma volta processional pelo pátio com os novos festeiros
conduzindo a bandeira, fazia-se o beijamento – atos que serviam como confirmação do início efetivo do novo período de
preparação da festa. Atualmente, a descida do mastro com a bandeira foi transferida para um ou dois domingos após o dia
3. Via de regra, o mastro e a bandeira ficam guardados na igreja.
Aos novos festeiros compete tomar as providências para o próximo ano (o que em geral é feito só nos meses antecedentes
a maio): avisar os instrumentistas e demais elementos; confeccionar o programa e afixá-lo em estabelecimentos comerciais
e outros, das redondezas; adquirir fogos de artifício, alimentos, lenços especiais para os “tocadores”; combinar pormenores
com o padre e com outras pessoas; convidar uma ou outra autoridade; receber prendas para o leilão; providenciar o chamado
“sistema de som” para o leilão e para avisos; solicitar policiamento (o que tem sido um motivo de grandes dificuldades,
pois todos os antigos moradores da Aldeia e seus descendentes se queixam da falta de policiamento eficiente para evitar

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arruaças, feitas quase sempre por pessoas que desconhecem a tradição da festa); preparar bambus e bandeirinhas de papel
para a decoração e assim por diante. O êxito da comemoração depende muito do interesse e da atuação dos festeiros.
Mas há outros elementos que colaboram ou que recebem encargos específicos: o Capitão do Mastro fica encarregado de
preparar essa peça, e a Juíza da Bandeira providencia a pintura da cruz em retalho de tecido e sua colocação num quadro
de madeira feito de modo a poder girar quando colocado no alto do mastro. Anteriormente, o Capitão da Fogueira era
o encarregado de providenciar a lenha e cuidar da própria fogueira; hoje em dia esse pormenor da festividade está em
desuso, não sendo necessário portanto um seu responsável.

7.2.2.5. Mastro e bandeira

O mastro com a bandeira pintada (uma constante nas festas tradicionais brasileiras) também está presente na festa de
Santa Cruz. Na Aldeia, o mastro é feito com um tronco de eucalipto ou alguma árvore, esguio e alto (cerca de 6 metros),
que é pintado de uma só cor ou em faixas de duas cores. Na extremidade que ficará ao alto é colocada a bandeira de tecido,
que traz a cruz pintada com mais um ou outro enfeite, em geral pequenas flores ou folhas. Essa bandeira costuma ser
pregada num quadro de madeira que tem os lados horizontais prolongados de modo a poderem ser furados. Nesses dois
furos se passará a ponta do mastro e a bandeira poderá ser movimentada pelo vento, quando o mastro já estiver fixado
no chão. Dia 2, após a reza, cerca de 20 horas, a bandeira é primeiramente exposta pelos festeiros postados em frente da
igreja, para o beijamento dos devotos e, em seguida, é colocada na ponta do mastro, conduzido geralmente por homens até
as proximidades do centro do pátio. Nesse local já se preparou uma cavidade para fincar a peça. O levantamento constitui
um momento ritual alegre, marcado pelo espoucar de caramurus e às vezes rojões.
Tais atividades são preparadas e coordenadas pelo Capitão do Mastro e a Juíza da Bandeira, com colaboração de
outras pessoas.
Anteriormente, na ponta superior do mastro se colocava uma coroa de arame enfeitada com flores artificiais.

7.2.2.6. Bendito

A novena consiste basicamente em reunião de devotos na igreja, cerca de 20 horas, durante as nove noites anteriores
ao primeiro dia da festa, ou seja, começando em 24 de abril e se encerrando em 2 de maio. A reza é puxada por um
capelão (nos anos de nossas observações essa função é desempenhada por Lurdes Brito), dispensando portanto a presença
do sacerdote católico, que aliás só comparece mesmo para a missa na manhã do dia 3. Cada reunião da novena dura no
total cerca de 35 minutos, sendo encerrada com o canto de um Bendito, tendo participação coletiva, todos em pé.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 83


Doc. 6
Bendito
Gravado na igreja de Santa Catarina,
Aldeia de Carapicuíba, em 1de maio de 1979, durante a novena da festa; 10 minutos

Estribilho: Bendito e louvado seja


Do céu a divina luz
Nós também na terra damos
Louvores à Santa Cruz

1 Humildemente prostados
De joelhos ao pé da cruz
Deu o último suspiro
Nos braços da Santa Cruz

(Estribilho)

2 No alto monte Calvário


Viu-se brilhar uma luz
Dois anjos anunciaram
Nos braços da Santa Cruz
(Estribilho)

3 Meu Jesus quando morreu


Deixou o mundo sem luz
Para remir os pecadores
No santo lenho da cruz

(Estribilho)

4 Esta firme redenção


Foi feita da Santa Cruz
Ela quem deve nos salvar Ela quem deve nos louvar
Para sempre, amém Jesus

(Estribilho)

84 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Música:

Obs: Esta é a melodia de uma espécie de reza “cantada”, um tipo de canto recitado, tradicional, que na transcrição musical
não se enquadra bem em uma divisão exata de compasso, como nas músicas convencionais. Portanto, fez-se um pequeno
sinal vertical acima do pentagrama, apenas para sugerir ali a possibilidade de divisão, para auxiliar na “leitura”.

7.2.2.7. Leilão

Como já indicamos, no dia 1º de maio pode começar o leilão de prendas, que os devotos costumam levar e entregar na
“casa do festeiro” (uma casa especialmente reservada para organização, direção, preparação de comida e outras atividades)
ou mesmo no palanque onde modernamente se instala microfone e onde fica o leiloeiro. Até cerca de 1950/60, o leilão
era feito no rés-do-chão e baseado na comunicação direta do leiloeiro com o povo, ou seja, sem microfone/alto-falante;
e a figura do leiloeiro se movimentava por entre as pessoas próximas, até com eventuais brincadeiras improvisadas,
com semelhanças em muitos locais do Brasil. Nos anos mais recentes, a Prefeitura Municipal de Carapicuíba envia
equipamento de som, instalado na área que seria do coro, no templo católico. Num palanque se posta um ”locutor” que
muitas vezes é funcionário municipal, para dar avisos como:

carapicuíba - uma aldeia mameluca 85


-Alô, proprietário do Volks chapa (…...), pedimos retirar seu carro porque a dança vai começar no lugar onde ele se
acha!
E que anuncia também o começo ou a continuação do leilão, como sendo geralmente o grandioso leilão de prendas!
As prendas variam muito – garrafas de vinho ou de champanha, frango assado, vasos de louça, toalhas bordadas,
bibelôs, porções de mantimentos como arroz, feijão, milho e outros, bolos feitos em casa, e assim por diante. Via de regra
são oferecidas por devotos, e a renda obtida reverte para as despesas da festa ou para a igreja.

7.2.2.8. Culinária cíclica

Alguns pratos, petiscos e bebidas ocorrem na festa de Santa Cruz da Aldeia de Carapicuíba. É tradicional servir-se
aos instrumentistas uma farta canja de galinha e uma gemada especial, nos dias 3 e 4. Depois da Zagaia, no encerramento,
também é servida gemada a todos os participantes que amanhecem na comemoração. Normalmente é o festeiro que
deve encarregar-se dos caldeirões de canja e da gemada (feita com ovos, açúcar e vinho, porém com a particularidade do
aproveitamento das claras que são batidas em separado). Segundo Belisário Camargo Júnior, a gemada é mais antiga que
a canja, mas ambas estão arraigadas nos costumes da festa na Aldeia.
São tradicionais também doces caseiros de mamão verde, batata, abóbora, cidra; e ainda bombocado, pé-de-moleque.
Anteriormente era muito comum o cartucho199 , um cone de papel, cerca de 20 a 30cm de comprimento, enfeitado na
“boca” com papel clorido recortado, e contendo amendoim açucarado e erva doce açucarada; os maiores continham
pequenos doces de abóbora, batata, coco e outros. Eram vendidos durante a festa e constituíam o especial presente que o
cavalheiro oferecia à dama, após cada Roda, na dança. Informa Belisário Camargo Júnior que se encontravam cartuchos
não apenas na Aldeia, mas igualmente em festas de Santa Cruz noutras localidades próximas, inclusive o bairro de
Pinheiros – o que vinha a ser uma das constantes da festa nesses locais.
Os informantes mais idosos confirmam que anteriormente havia também arroz-doce, cocada, batata doce em calda,
suspiro, sequilho200 – doces que nos anos de 1970 não são usuais – e que eram vendidos por exemplo por uma dona
Vitalina, residente na cidade do Embu e já falecida, que se postava junto à igreja com seu tabuleiro. Quanto aos salgados,
é citado com frequência o pastel de farinha de milho feito principalmente por Albertina Pereira Leite, também falecida201 .

199
- Historiando aspectos da procissão de Sexta-Feira Santa que saía da igreja do Carmo, na Capital paulista em meados do século XIX, Antônio E. Martins relata que os
integrantes da guarda romana dessa procissão recebiam como remuneração ao serviço prestado, a quantia de 5$000 e um cartucho contendo doces e ficando ainda a
Ordem Terceira muito agradecida às referidas pessoas, porque ninguém queria, naquele tempo, sair de judeu do Carmo. A. E. Martins, São Paulo antigo, 2. ed., 1973,
p. 52/53.
O cartucho era invólucro artesanal de doces, comum em ocasiões especiais, por certo ainda ocorrendo alhures.
200
- Luís Saia cita vários desses doces, Aldeia..., 1937, inéd., p. 18. Quanto à batata doce em calda, que não mais se faz na Aldeia, não localizamos registro na bibliografia
consultada. Todavia, nossas coletas de folclore na região a oeste e sul da Capital paulista indicam ser um doce bastante conhecido, principalmente em zona rural. Para
prepará-lo procede-se como com frutas diversas: após ser descascada, a batata doce é cortada em pedaços pequenos – picada, como se diz – e levada ao fogo com água e
açúcar para formar calda e cozer.
201
- Esse pastel de farinha de milho é citado por Antônio E. Martins como uma das “quitandas” vendidas nas vias públicas por pretas escravas, na Capital, desde o século XVIII;
São Paulo antigo, 2. ed., 1973, p. 202. Receita em Jamile Japur, Cozinha..., 1963, p. 45, sem especificar o local da coleta. (Ver registro no cap. 8, item 8.5, Culinária).

86 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Quanto a bebidas, são conhecidas a gengibirra202 , o pau-a-pique203 e o quentão204 , além da preferência dos
instrumentistas (nem sempre confirmada) pela cerveja preta durante a festa, que serviria para limpar e fortalecer a
garganta e assim permitir os cantos noite a dentro. A gengibirra (é comum ouvir-se dos informantes gengisbirra) e o pau-
a-pique caíram em desuso, favorecendo o quentão, tomado em pequenas xícaras usualmente empregadas para servir o
cafezinho. Dizem ainda que colocavam gengibirra em pequenos barris que ficavam na janela de algumas casas dedicadas
à venda de doces.
Doc. 7
Gemada
Anotações na Aldeia de Carapicuíba, 1979; informantes:
Ilydia Camargo e Belisário Camargo Júnior.
Servida à noite aos instrumentistas e outros participantes da festa de Santa Cruz

Ingredientes: duas dúzias de ovos, vinte colheres (de sopa) de açúcar, cinco litros de vinho (de preferência o tinto).
Modo de preparar: Batem-se as gemas e o açúcar, enquanto as claras são batidas em separado até o ponto de neve.
Depois se juntam ambas, batendo sempre; e por fim o vinho aos poucos, batendo.

Doc. 8
Gengibirra
Anotação na Aldeia de Carapicuíba, 1979; informante: Ilydia Camargo

Ingredientes: gengibre, açúcar, fermento e água.
Modo de preparar: os ingredientes são deixados fermentando durante dois dias. Após esse tempo, se coa e se
engarrafa.
Doc. 9
Pau-a-pique
Anotação na Aldeia de Carapicuíba, 1978; informante: Ilydia Camargo

Ingredientes: meio quilo de gengibre, duzentos gramas de erva-doce, trezentos gramas de canela em pau, uma pitada
de cravo moído, uma pitada de nós moscada, cinco litros de água, açúcar, dois litros de cachaça.
Modo de preparar: os pedaços de gengibre devem ser lavados e envoltos em guardanapo de pano para serem macetados.
202
- A. E. Martins registra receita de gengibirra diferente da que anotamos na Aldeia, e que era vendida em armazéns em meados do século XIX na Capital paulista: A bebida
chamada Gengibirra era feita de farinha de milho, gengibre, casca de limão e água, ficando também por alguns dias em infusão e depois vendida a 80 réis cada meia
garrafa ou botija louçada (…); São Paulo antigo, 2. ed., 1973, p. 221/222. O mesmo autor se refere ainda à Caramuru, consideradas duas gostosas bebidas; além dos
saborosos sequilhos doces que eram chamados pelos meninos de Tarecos; Idem, Ibidem.
203
- J. Japur inclui receita de pau-a-pique em seu Cozinha..., 1963, p. 80/81, e informa ser bebida centenária usada na Festa de Santa Cruz da Aldeia de Carapicuíba. R. T.
Lima também afirma ser bebida típica da festa de Santa Cruz; Folclore das..., 1971, p. 68 (faltando o ingrediente água). A. M. Araújo encerra o item de receitas de Doces
caipiras com a dessa bebida, afirmando porém ser bebida do ciclo junino em terras paulistas; Folclore nacional, 2.ed., 1967, v. 3, p. 224; do mesmo autor, reprod. em
Cultura..., 2. ed., 1973, p. 189.
204
- J. Japur dá receitas de quentão, Cozinha..., 1963, p. 81/82, com o pormenor de gengibre ralado (como em nosso Doc. 10).
carapicuíba - uma aldeia mameluca 87
Isso feito, juntam-se os demais ingredientes (exceto a cachaça) e o açúcar, ferve-se, obtendo-se consistência de calda rala.
Deixa-se dois dias em infusão. Coa-se e adicionam-se os dois litros de cachaça; se ficar muito forte, acrescenta-se água.
Dá-se outra fervida.
O pau-a-pique é servido frio.

Doc. 10
Quentão
Receita comum na Aldeia de Carapicuíba, admitindo variantes

Ingredientes: Dois litros de água, três dentes de gengibre, açúcar e um litro de cachaça.
Modo de preparar: Lavam-se os pedaços de gengibre que em seguida são macetados envoltos em guardanapo; fervem-
se os ingredientes com exceção da cachaça que é acrescentada logo após retirar o recipiente (em geral um caldeirão) do
fogo.
Serve-se quente, quase sempre em pequenas xícaras de louça branca.
Obs.: Há variantes de quentão que incluem canela em pau, cravo, pedaços de limão – colocados para ferver junto
com a água e o açúcar.

7.2.3. Danças leves

Algumas danças de roda e de alas movimentavam as tardes do ciclo festivo de maio, como já indicamos (item
7.1.2.). As de feição mais tipicamente paulista (se bem que não exclusivas da Aldeia pois há variantes em outros locais e
regiões) parecem ser a Cana Verde ou Caninha Verde, o Chimarrete e a Cirandinha205 , praticadas até cerca de 1960. Porém
outras parece terem chegado a se incorporar por pouco tempo à festa de maio – e eventualmente a outras manifestações
cíclicas da Aldeia – trazidas por migrantes vindos de Minas Gerais, o que deve ter ocorrido na década de 1930 como
recordam diversos de nossos informantes. É o caso do Tiu-tiu-tiu-tá, ainda hoje bem vivo na memória dos mais velhos,
ao menos como canto. Na década de 1970 a ocorrência dessas danças leves rareou, não mais sendo elas de conhecimento
e vivência normal entre elementos ligados à Aldeia e de faixas etárias mais baixas.

- R. T. Lima apenas cita a ocorrência de Cana Verde, Cirandinha e Chimarrete na festa, sem incluir registro de campo, em A Gazeta, 12, 19 e 26-maio-1962; republicado
205

em Folclore das..., 1971, espec. p. 62. O mesmo se verifica em A. M. Araújo, Folclore nacional, 2. ed., 1967, p. 24.
Sobre Chimarrete: referindo-se a danças do fandango litorâneo, R. T. Lima em Melodia e ritmo... dá duas versões em Aldeia de Carapicuíba, na Capital: uma de
Chimarrita, com o nome de Chimarrete e outra da Querumana, mas adianta que o informante descreveu as duas danças conforme a tradição local (p. 43) – o que não satisfaz
como pormenor de pesquisa – e que então não as colocaria como danças litorâneas. No caso dessa versão do Chimarrete parece mesmo ter características de variante da Aldeia
ou da região, portanto ligada ao interior sul do estado paulista (ou mais ao Sul?), até mesmo porque inclui na letra referências ao sertão de Cuiabá, a boiadeiro, a Chimarrete,
chimarrete / Que veio lá de Cotia. Ainda sobre essa dança, Maria A. C. Giffoni dá versão colhida no Embu, 1965, em seu Danças miúdas..., 1972, p. 17/24. Dessa mesma
cidade outro registro, 1970, de A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975, p. 88/93.
Sobre Ciranda (que na Aldeia se denomina comumente Cirandinha): R. T. Lima publica registro da Aldeia de Carapicuíba, 1954, em A Gazeta, 19-julho-1958; e M. A.
C. Giffoni tece considerações a respeito de vários locais e formas com que se apresenta, dando registro do Embu, 1965, em Danças miúdas..., 1972, p. 25/32.
Sobre as três danças, ver também O. Alvarenga, Música..., 1950.

88 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


A Cirandinha, a Cana Verde e o Chimarrete são, como já apontamos, as três danças leves que mais resistiram; e na
bibliografia sobre a festa de Santa Cruz são as mais comumente citadas, ainda que sem registros completos.

Doc. 11
Cirandinha
Gravado em Carapicuíba, 1979;
informantes: Ataliba C. Camargo, Ítalo C. Camargo, Antônio Camargo e outros

Dança de roda com pares de braços dados numa fase, e de pares enlaçados na outra fase. A melodia tem quatro
tempos, havendo ao menos um violeiro que comanda a eventual troca de damas; todos os participantes, com trajes livres,
podem cantar os versos de tema livre.
Coreografia:
a- Forma-se roda, cavalheiros do lado de dentro e dando seu braço direito às respectivas damas.
b- O movimento da roda é anti-horário. Os passos acompanham os quatro tempos da música durante o canto das
quadras e durante a pausa de canto que se segue ao estribilho.
c- Quando se canta o estribilho, se executam estes movimentos:
c1- Nos dois primeiros versos do estribilho se largam os braços, e os pares ficam frente a frente, em balancê
(balançando o corpo lateralmente).
c2- No trecho que diz Dar meia volta os pares se enlaçam (seguram-se levemente pelos antebraços) e dão juntos
meia volta. Em seguida, cantando Volta emeia vamos dar, retornam à posição anterior.
c3- O final do estribilho indica se o par continua o mesmo ou se a dama será passada para o cavalheiro da frente: se
o violeiro canta Deixa ficar é sinal de continuar cada um com seu par; porém se ele canta Passe adiante e troque o par
o cavalheiro, ao terminarem o meio giro (item c2),solta a dama para a frente e deixa seu braço direito à que lhe vem por
detrás. Esse passar de damas comandado pelo violeiro, entremeado por algumas vezes de deixa ficar, prolonga-se até que
elas cheguem ao respectivo par inicial. Então, a dança pode terminar.
c4- Tanto no caso de continuar o par como no caso de mudar de dama, a seguir (na pausa de canto e na quadra
posterior) prossegue a roda com os pares de braços dados.

Letra:
A letra é cantada com bis a cada dístico das quadras, e no primeiro dístico do estribilho. Este é cantado logo a seguir
de cada quadra, e varia em seu último verso, variação em geral determinada por um violeiro:

carapicuíba - uma aldeia mameluca 89


1- Fui no campo apanhá flor Vamos todos cirandar
(E) Todo o campo afloresceu Vamos dar a meia volta
No meio das flores branca Volta e meia vamos dar
Meu amor apareceu Vamos dar mais outra meia
(Oh) Ciranda, cirandinha Passe adiante e troque o par
Vamos todos cirandar
Vamos dar a meia volta 5- No alto daquele morro
Volta e meia vamos dar Tem uma fita balançando
Vamos dar mais outra meia Não é fita, não é nada
Meu amor tá me chamando
Outra vez, deixa ficar
Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar
2- Lá no céu tá trovejano
Vamos dar a meia volta
Mas não é para chover Volta e meia vamos dar
Meu amor está doente Vamos dar mais outra meia
Mas não é para morrer Passe adiante e troque par
Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar 6- Fui descendo rio abaixo
Vamos dar a meia volta Procurando piraí
Volta e meia vamos dar Procurando amor de longe
Vamos dar mais outra meia Que o de perto já perdi
Passe adiante e troque o par Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar
3- Fui amado e fui querido Vamos dar a meia volta
De todas flores do campo Volta e meia vamos dar
Agora sô deserdado Vamos dar mais outra meia
De quem eu queria tanto Passe adiante e troque o par
Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar 7- Fui andando p’um caminho
Vamos dar a meia volta O sapé picô meu pé
Volta e meia vamos dar Amarrei com fita verde
Vamos dar mais outra meia Cabelinho de Isabé
Quem está bem deixa ficar Ciranda, cirandinha
Vamos todos cirandar
4- Se eu soubesse que aqui tinha Vamos dar a meia volta
Miséria de cantadô Volta e meia vamos dar
Vamos dar mais outra meia
Eu trazia lá de casa
Quem está bem deixa ficar
Meu canário dobrador
Ciranda, cirandinha
90 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Música:

Doc. 12
Chimarrete*
Gravado em Carapicuíba, 1979;
informantes: Ataliba C. Camargo, Ítalo C. Camargo, Antônio Camargo e outros
*- Vogal tônica fechada: Chimarrête

Dança de duas alas, com pares dispostos frente a frente. Acompanha ao menos uma viola; nos intervalos entre uma
quadra e o estribilho os participantes fazem palmeado.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 91


Coreografia:
a- Posição inicial em duas alas de damas e cavalheiros frente a frente. Os pares não chegam a se tocar em nenhum
momento da dança.
b- Quando é cantada uma quadra, faz-se o balancê (o corpo balanceando com a contínua inversão de pé de apoio, no
mesmo local e dentro do compasso).
c- Após ser cantada uma quadra faz-se palmeado com participação de todos os dançantes (exceto o violeiro). A
seguir, ambas as alas avançam de modo a inverter suas posições; logo retornam às posições iniciais.
d- Quando é cantado o estribilho, fazem movimentos de avanço-e-recuo, duas vezes. No primeiro verso do estribilho
os dançantes de aproximam com três passos, e no seguinte verso recuam; no terceiro e quarto versos repetem esse avanço-
e-recuo, ficando então cada qual no seu lugar.

Letra:
Versos tradicionais ou não, de tema livre, e bisando os dois primeiros; participação livre. O violeiro e qualquer
dançante podem lançar versos.

1- Viola, minha viola 3- Quem me dera ter agora


Vamo no campo chorá Um cavalinho de vento
Você sabe e não me conta Para dar um galopinho
Onde meu amor está Onde está meu pensamento
(Palmeado) (Palmeado)

Estribilho: (Estribilho)
Chique-chique, chique-tá Zique-tique, zique-tá
Oh lê, oh lê, oh lá 4- Chimarrete, chimarrete
Chique-chique, chique-tá Zique-tique, zique-tá Que veio do pau arcado
Cada um no seu lugá Quem não dança o chimarrete
Morre seco, arreganhado
2- Eu de cá mecê de lá (Palmeado)
Ribeirão passa no meio
Eu daqui dou um suspiro (Estribilho)
E você suspiro e meio
(Palmeado) 5- Laranjeira pequeninha
Toda coberta de flor
(Estribilho) Eu também sô pequeninho
Coberto de tanto amor
(Palmeado)

92 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


(Estribilho) 7- Laranjeira pequeninha
Tira o galho do caminho
6- A raiz da laranjeira Eu quero passá pra lá
Não há machado que corte (Mas) Tenho medo dos espinho
Tomara que Deus ajude (Palmeado)
Esta família de sorte
(Palmeado) (Estribilho)

(Estribilho)

Música:

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Doc. 13
Chimarrete
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 2 de maio de 1969;
informantes: Nazário Gaspar da Silva, Antônio Camargo, Sebastião Ferraz e outros

Letra:

1- Moreninha não se case 4- O que é que sinhifica
Aproveite o tempo bão Fita verde na viola?
(Ai) Namorai moço sortero Sinhifica (ai) um acinte
Se fosse casado não Que meu bem me fez agora

Estribilho: Zique-tique, zique-tá


Zique-tique, zique-tique, zique-tá Oh lê, oh lê, oh lá
Oh lê, oh lê, oh lá Zique-tique, zique-tá
Cada um no seu lugá Cada um no seu lugá

(Palmas) (Palmas)

2- Você me mandô cantá
(Mas) Pensando que eu não sabia 5- Amanhã quem perguntá
Tenho o peito pra cantá Quem é que cantô aqui
Até noutra hora do dia É um home do Riberão
Que cantô pa diverti
(Estribilho)


(Palmas) (Ai) Zique-tique, zique-tá
Oh lê, oh lê, oh lá
3- Meu amigo Sebastião Zique-tique, zique-tá
Por que está aborrecido? Cada um no seu lugá
Acho q’ tomô u’as canelada
E tomô uns pé no ovido

(Estribilho)

94 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Doc. 14
Chimarrete
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 3 de maio de 1969;
informantes: Nazário Gaspar da Silva, Rubens Camargo, Horácio Camargo, Antônio Camargo e outros

Letra:
1- Fui amado e fui querido 3- Que o Pinheiro vale muito
De todas flores do campo Que a Aldeia um conto e cem
Agora sô desprezado Que a Aldeia vale mais
Por quem me queria tanto Por as morena que tem

(Palmas) (Palmas)

Estribilho: (Estribilho)

Zique-tique, zique-tique, zique-tá 4- Viva o cravo, (oi) viva a rosa
Oh lê, oh lê, oh lá Viva a flor da laranjeira
Zique-tique, zique-tique, zique-tá Viva o dono desta casa
Cada um no seu lugá Com sua família intera

2- Amanhã quem perguntá (Palmas)
(Ai) Quem é que cantô aqui?
Foi um home do 21
Que cantô pa divertimento

(Palmas)

(Estribilho)

Doc. 15
Quadras de Chimarrete
Informantes escrita, de Alayde Camargo Bernardo, 1979, referindo-se a um Chimarrete
de tia Anica Xavier, nos decênios 1920/30

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1- Chimarrete, chimarrete 2- Chimarrete, chimarrete,
Que veio do pau arcado Que veio de Montevidéu
Quem não dança chimarrete Quem não dança Chimarrete
Morre seco, arreganhado Não vai comigo p’ro céu

Doc. 16
Caninha Verde
Gravado em Carapicuíba, 1979;
informantes: Ataliba C. Camargo, Ítalo C. Camargo, Antônio Camargo e outros

É dança de roda, com pares soltos, acompanhada de melodia de quatro tempos efetuados à base de viola (uma ou
mais); os versos podem ser tradicionais ou improvisados.

Coreografia:

a) Forma-se roda de damas e cavalheiros, entremeados; deve haver número par de pares soltos. Em nenhum momento
da dança os participantes se tocam. Convém dispor-se pelo menos quatro pares, incluindo um violeiro (ou mais de um).
b) A roda gira em sentido anti-horário.
c) Damas e cavalheiros executam quatro passos, ambos iniciando com o pé esquerdo e na primeira sílaba do verso
cantado (ex.: Fui, To). Esse primeiro passo é dado de frente ao respectivo par; o segundo e o terceiro passos (pés direito
e esquerdo) destinam-se a fazer um movimento de rotação em meia volta, de modo que, no quarto passo (pé direito e
cantando a última sílaba tônica do verso, flor), cada dançante se acha voltado para seu vizinho, portanto trocando de par
por um momento.
d) Na primeira sílaba do segundo verso (To) recomeça o ciclo de passos: batida do pé esquerdo ainda face ao par
momentâneo, fazendo-se depois a meia volta (de frente para o centro hipotético da roda) com o pé direito e o esquerdo
(sílabas cam, flo) de modo que, no quarto tempo da melodia, cada dançante já está virado para seu par original e batendo
o pé esquerdo no chão (ceu).
e) O giro de meias voltas é feito uma vez para a direita e outra vez para a esquerda dos participantes, com sua frente
voltada para o centro hipotético da roda.
f) Cada vez que se completa uma meia volta, cada dama fica de frente ou para seu par ou para outro cavalheiro; e
vice-versa quanto aos homens. Portanto, há troca momentânea de pares.
g) No quarto passo – quando se canta a última tônica do verso, e o direito vindo a ser o pé de apoio – faz-se cortesia
mútua, com ligeira inclinação da cabeça e do tronco. Essa mesura, às vezes com suave e rápida genuflexão, dá leveza e
alegria ao conjunto de movimentos.

96 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Letra:
1- Fui no campo apanhá flor Passa boi, passa boiada
(E) Todo o campo afloresceu Também passa a moreninha
Oh, lá lá-rai Do cabelo cacheado
Todo o campo afloresceu
No meio das flores brancas 4- Viola, minha viola,
Meu amor apareceu Cavalete de marfim
Oh, lá lá-rai
2- Eu aqui nesta dança Cavalete de marfim
Como estô me arregalando Quem tocá esta viola
Oh, lá lá-rai Vai no céu e torna a vim
Como estô me arregalando
E as pulga lá de casa 5- Aqui mesmo tô bem vendo
Como é que estão passando? Olhos que tão me matando
Oh, lá lá-rai
3- No alto daquele morro Olhos que tão me matando
Passa boi, passa boiada Me matai devagarinho
Oh, lá lá-rai Qu’eu quero morrê gozando

Música:

carapicuíba - uma aldeia mameluca 97


7.2.4. Dança de Santa Cruz

O ponto alto da festa de maio na Aldeia de Carapicuíba é a dança de Santa Cruz. Ela é iniciada cerca das 21 horas e se
desenvolve madrugada a dentro. A participação é livre e não há trajes especiais, a não ser o pormenor de os instrumentistas
trazerem amarrado no pescoço um lenço, geralmente providenciado pelos festeiros e com a cruz ou dizeres alusivos ao
evento, bordados ou pintados. Essa dança é feita sempre ao ar livre e à noite, no pátio da Aldeia.
Denominações

“Sarabaguê” ou “Sarabaquê” é um dos nomes da dança. Os informantes mais idosos da Aldeia não sabem explicá-
lo, embora todos acreditem ser o nome indígena da dança. Ilydia Camargo e Belisário Camargo Júnior afirmam que essa
denominação não era tão comum, preferindo-se anteriormente o nome de dança de Santa Cruz. Este último informante
acha correta a prosódia Sarabaguê – a gutural branda (g e não q), com o hiato (ue) e o último fonema fechado (ê). Mas
mesmo entre os praticantes mais idosos se ouve Sarabaquê, Sarabaqué.
Há também outro nome, parece que menos usado: Quinze-com-quinze. Ilydia Camargo tenta explicá-lo como
adequação ao ritmo; seria uma solução fonética que se integra na música e na coreografia: as tônicas da frase quinze com
quinze é quinze coincidindo com os três tempos iniciais, ficando o quarto tempo livre, como pausa da coreografia. Essa
denominação parece ter surgido na década de 1950, quando alguém, por efeito de bebida alcoólica, começou a cantar
quinze com quinze é quinze durante a Roda. A novidade provocou receptividade no momento, e o novo nome parecia se
acrescentar aos demais.

A denominação de sentido religioso é a mais arraigada – dança de Santa Cruz.

Instrumentos

Nos anos de nossas observações, os instrumentos mais usados são: violas, reco-recos e pandeiros; portanto cordofones,
idiofones e membranofone/idiofones. Sua execução parece reservada a sexo masculino, especialmente quanto à viola,
o que afinal constitui uma norma no folclore brasileiro: o homem canta, dança e toca, enquanto a mulher canta e dança.
Entretanto, não há nenhuma proibição às mulheres para tocarem qualquer instrumento, e às vezes se tem visto Ilydia
Camargo participando do Sarabaguê e tocando reco-reco; e jovens como Helenice Camargo também executando algum
instrumento.
A viola é do tipo encontrado comumente em áreas de cultura paulista, ou seja, a viola de dez cordas ou cinco
duplas. As utilizadas hoje em dia na Aldeia são produtos industrializados, e seus executores não se cansam de elogiar
as violas antigas, bem como sempre almejam possuir uma dessas, feitas a mão. É costume duas violas participarem; no
começo do século havia pelo menos três, como se observa em fotografias da época, se bem que excepcionalmente ainda
podem encontrar-se três tocadores do instrumento. Sem os violeiros, não se faz o Sarabaguê, notando-se às vezes grande
preocupação dos demais participantes, receosos da sua ausência. Aliás, durante a dança os violeiros ficam na posição
que se pode dizer de honra: nas partes da Saudação e da Despedida postam-se no centro da ala de frente, ladeados pelos

98 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


outros tocadores; pode haver tocadores de reco ou pandeiro na segunda ala, junto com populares, porém nunca vimos aí
um violeiro. E são ainda os violeiros que iniciam a outra parte da dança, a Roda.
Alguns elementos que tocam viola nas comemorações da Aldeia: Ataliba, Argemiro (Miro), José Pereira (Zeca),
Hamílton Camargo. Anteriormente, ficaram famosos Virgílio Avelino de Jesus e Belisário Camargo como violeiros.
O reco-reco ou reque-reque (comumente se diz reduzidamente reco) da Aldeia é feito com uma cabaça ou porunga,
fruto seco do cabaceiro-amargoso (Lagenaria vulgaris Ser.) à qual é fixado, por pressão num corte ou usando-se cola, um
pequeno pedaço de madeira dura – ipê, marfim – com cerca de 2x2x20cm (medidas variáveis dependendo do tamanho da
cabaça), previamente denteado e sobre o qual se fricciona uma vareta de madeira (para a qual os informantes não têm um
nome consensual) a fim de obter som. Já houve um ou outro reco-reco de chifre de boi, todavia o tipo desse instrumento
que se tornou tradicional na Aldeia é o de cabaça ou porunga. Alguns têm formato ovóide, outros são compridos e
afinados, uma vez que o próprio fruto do vegetal varia muito em sua conformação. A extremidade superior é seccionada,
ficando uma saída para o som; e são feitos ainda dois orifícios à meia distância das extremidades, os quais servem para
segurar a peça e também para saída do som. Não há quantidade pré-determinada de reco-recos na dança de Santa Cruz,
e como diversos elementos possuem o seu, o número desse instrumento varia bastante de uma festa para outra e até de
um dia para outro na mesma ocasião. Portanto o reco-reco é exemplo de relação direta da tradição local com recursos
da natureza. Alguns tocadores de reco-reco nos anos de nossas observações: Antônio Camargo (Mimi), Belisário (Zico),
Eduardo Gimenez, Sebastião Ferraz, Ilídia (Nenê), e crianças.
O pandeiro usado é produto industrial, comum; alguns participantes o chama também de adufo. Antigamente era
usado pandeiro feito a mão, com arco de barril ou madeira arqueada, e couro de animal, colocando-se no lugar das
soalhas de metal algumas moedas cuja liga contivesse cobre, furadas no centro206. Certos participantes parecem reservar
o nome adufe para esses pandeiros com moedas; de qualquer forma, eles não são encontrados hoje em dia, existindo
apenas um ou dois guardados como recordação de parentes falecidos. Segundo informa o violeiro Ataliba C. Camargo,
seu pai Juvenal Antero de Camargo tocava o adufe ou surdo – feito apenas com arco e couro distendido (sem as soalhas
de metal nem as moedas); após o falecimento de Juvenal, 1962, não se tem mais verificado a presença desse instrumento
(desprovido das soalhas). Como no caso do reco, não há limite para o número de pandeiros, mas se tem registrado a
presença de um ou dois. Nazário e Ítalo têm sido assíduos tocadores de pandeiro, semelhantemente acontecendo com
elementos mais jovens, inclusive meninos.
Outro instrumento que se usava na dança de Santa Cruz era a puíta ou cuíca, geralmente uma só. Quem se notabilizou
na execução da puíta foi Rivadávia Camargo, conhecido por Daio. Após seu falecimento, cerca de 1965, esse instrumento
caiu em desuso; Antônio Camargo possui uma guardada.
- Mas não tem quem toque – diz.
Também chegou a ser usado o cavaquinho, tocado por Pedro de Andrade, não perdurando porém.

- O uso de moeda de cobre em pandeiro foi registrado em outros locais. Exemplo é a descrição de Cururu em Cuiabá, 1887, feita por Karl von den Steinen no livro Entre
206

os indígenas do Brasil Central (citado por R. T. Lima , Melodia e..., p. 9).

carapicuíba - uma aldeia mameluca 99


Distribuição espacial

A dança de Santa Cruz ou Sarabaguê se compõe de três partes distintas207: Saudação, Roda e Despedida, entre
cada uma havendo um intervalo para descanso, comentários, brincadeiras, acuar o veado, quentão, etc. Essas partes são
repetidas frente a cada cruz. Mas primeiramente a dança, em suas três partes, é realizada face à igreja de Santa Catarina;
em seguida , passa a ser feita frente ao cruzeiro no centro da praça; depois, frente à cruz colocada no chão e adiante ou
junto à entrada da casa 16 (que fica à direita do templo e à margem da Estrada da Aldeia no trajeto que leva à via Raposo
Tavares; Anexo 10). Prosseguindo, frente à cruz da casa 15 ao lado – e assim sucessivamente, distribuindo-se em sentido
geral contrário ao dos ponteiros do relógio, de maneira que a casa 18 (localizada do lado esquerdo do templo) é a última
face a cuja cruz se dança o Sarabaguê, já de madrugada. Encerra-se a volta geral da Aldeia frente à igreja e ao cruzeiro
outra vez (quando ocorre a Zagaia, somente na madrugada de 4 para 5 de maio). Em relação a cada cruz, fazem-se as
três partes: Saudação, Roda e Despedida. Se frente a uma casa não está colocada uma cruz, ela é ignorada, passando-se
à próxima construção que tenha o símbolo cristão fixado próximo da porta.
Vejamos como é feita cada parte da dança.

Saudação

A primeira parte do Sarabaguê conserva mais de perto o sentido religioso (como acontece com a Despedida). A porta
da igreja se fecha cerca das 20 horas. Os instrumentistas ficam postados voltados para a igreja, lado a lado, dando-se
preferência aos violeiros para as colocações centrais. Além de viola, há reco-recos (feitos de cabaça) e de pandeiros. Atrás
dessa primeira ala poderão estar outras pessoas com instrumentos – recos ou pandeiros. Também nessa segunda ala e atrás
dela fica o público participante. Todos de frente para a igreja ou a cruz. Nesta primeira parte, os versos quase sempre são
tradicionais. No início da primeira Saudação (como ficou referido, feita face à igreja), canta-se invariavelmente:

Deus te salva a casa santa


Onde Deus fez sua morada (ah!)
Deus te salve o cális bento
E a hóstia consagrada208 (ah!)

Ajudai, Virgem Maria


Fazer sua oração (ah!)
Ajudai os seus devoto
Pra cumpri com a devoção (ah!) Cumpri sua devoção

Essas duas quadras são tidas como abertura da manifestação coreográfico-musical-religiosa, portanto cantadas sempre
207
- E. A. Escalante compara a dança a uma suíte em três partes; A festa de..., inéd., p. 90.
208
- Essa quadra é frequente no folclore brasileiro;ver Emílio Willems, Cunha..., 1947, p. 105 e 151; e A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975, p. 174.

100 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


frente à igreja em cada um dos três dias da festa. No final de cada dístico, no bis, a última nota é prolongada tanto pelos
próprios tocadores/cantadores, tomando por base a terça, quanto por outros elementos (inclusive os populares, atrás) que
acompanham em uníssono, terças, sextas, oitavas e outras notas, formando uma “massa sonora” dissonante num final
grandioso, apoiado quase sempre em ah!
As quadras porém não são cantadas seguidamente; faz-se uma pausa do canto a cada dois versos, quando se executam
movimentos de recuo e avanço em relação à igreja, conservando-se todos voltados para ela. Depois, quando a Saudação
é feita frente ao cruzeiro ou a uma cruz domiciliar, o esquema de canto-coreografia se mantém: dístico, recuo e avanço,
outros dois versos. O movimento de afastar em ré e voltar à posição inicial é feito por todos os participantes; o público em
parte acompanha o ritmo com palmeado e às vezes com repetidos agudos Ui! Ui!Ui! nos três tempos iniciais e silenciando
no quarto. Por seu turno os instrumentistas, uma vez afastados cerca de seis a dez metros (sem interromper os toques)
dão giro rápido de 180 graus e imediatamente voltam a ficar de frente para a igreja: é o sinal de cessar o recuo e de todos
passarem a avançar, sempre no ritmo. A sequência, então, pode ser indicada assim:
(Pausa de canto; todos na posição inicial)
Deus te salve a casa santa
Onde Deus fez sua morada
Ajudai, Virgem Maria
(Pausa de canto; recuo com palmeado e
Fazer suas oração (ah!)
agudos; giro de 180 graus dos instru-
(Pausa de canto; recuo com palmeado e
mentistas; avanço com palmeado)
agudos; giro de 180 graus dos instru-
Deus te salva o cális bento
mentistas; avanço com palmeado)
E a hóstia consagrada

Cantam-se duas ou três quadras em homenagem à cruz, interpondo-se o vai-e-vem para trás e para a frente. Para
terminar a Saudação (que dura menos de 15 minutos) os instrumentistas lançam um Viva a Santa Cruz! respondido
coletivamente. Faz-se intervalo informal de alguns minutos.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 101


Doc. 17
Saudação
Gravado e anotações feitas na Aldeia de Carapicuíba esp. de 1969 a 1979

As quadras seguintes são preferidas para a Saudação face ao cruzeiro:

1- Do céu caiu um cravo Lá do céu caiu um cravo 3- Deus vos salve salve cruz bendita
Nos braços da Santa Cruz (ah!) Filha da Vigem Maria (ah!)
Os anjos todos disseram Em louvor o vosso nome
Para sempre, amém Jesus (ah!) Festejamo o vosso dia (ah!)

2- Do céu caiu um cravo Lá do céu caiu um cravo 4- Deus te salve a cruz bendita
Nos braços da Santa Cruz (ah!) Filha de Virgem Maria
Do raio nasceu a Virgem Do cravo nasceu a Virgem A cruz bendita
Da Virgem nasceu Jesus (ah!) Filha de Virgem Maria, ah!

102 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Música:

Roda

Depois do intervalo, ainda frente à igreja na primeira vez (e posteriormente frente ao cruzeiro e a cada cruz domiciliar,
na repetição do ciclo tríplice que constitui a dança), e ocupando área maior, os violeiros iniciam um movimento circular
de sentido anti-horário, seguindo-se a eles outros instrumentistas e demais participantes. Os homens tomam posição numa
roda externa, voltados para o centro hipotético dela e face às mulheres, que portanto ficam numa roda interna de costas
para o centro. Cada cavalheiro com sua dama, ambos frente a frente, sem se tocarem e guardando entre si uma distância
de cerca de um metro e meio. Tem-se, portanto, uma roda dupla de pares soltos: cavalheiros por fora e damas por dentro,
frente a frente. É a segunda parte da dança de Santa Cruz.
A coreografia é a seguinte: os homens começam com o pé esquerdo, levado concomitantemente para a frente e para
a direita, no primeiro tempo da música. No segundo tempo, movimentam o pé direito que fica colocado junto ao outro.
No terceiro tempo movem o pé esquerdo, principalmente o calcanhar, de modo a ficar a ponta direcionada para a dama.
Enquanto isso, as mulheres se movimentam de maneira correspondente, começando com o pé direito. O quarto tempo
da melodia relaciona-se com a mesura ou cumprimento mútuo: um ligeiro balanço da cabeça e/ou do tronco para a
frente. Talvez por influência desse quarto tempo musical e do meneio do corpo, diversos participantes acabam puxando
um pouco o pé solto (direito para os homens e esquerdo para as mulheres), o que facilita inclusive a continuação da
sequência coreográfica uma vez que se torna mais tranquilo automatizar os movimentos invertendo sempre as funções
do pé de apoio e do solto. Entretanto, há velhos participantes da dança de Santa Cruz que realizam apenas os três passos,
limitando-se à vênia mútua curta no quarto tempo musical.
Na Roda, um ou outro participante mais integrado na tradição local (inclusive os instrumentistas) pode efetuar
um movimento fora da rotina descrita acima: um rápido e alegre giro completo, mantendo o ritmo. Esse giro se chama
luxinho, luxo; dizendo-se fazer luxinho para o par.
carapicuíba - uma aldeia mameluca 103
Também pode acontecer de o cavalheiro largar sua posição e postar-se com agilidade frente a outra dama, fazer
luxinho para ela, e retornar a seu lugar, naturalmente com reclamações do outro cavalheiro em cuja posição ficou por uns
instantes, e com risos dos que estão próximos. Parece que menos comumente, as damas também podem fazer luxinho
para outros cavalheiros que não o seu par. Essa variação constitui, assim, uma troca momentânea de par, conjugada com
o luxinho.
Dois cavalheiros podem ainda trocar de lugar por alguns momentos.
Tais “brincadeiras”, além dos versos de tema livre que não raro são improvisados e às vezes derivam para desafio,
fazem da Roda a fase alegre da dança, a qual é também a mais prolongada das três.
104 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Doc. 18
Roda
Conforme gravados e anotações feitas esp. na Aldeia de Carapicuíba, de 1969 a 1979

Na formação inicial da Roda, os violeiros cantam versos ainda de sentido religioso; porém apenas nessa abertura.
Estas duas quadras são tidas como que obrigação do início desta segunda parte:

1- Vamo salvá a Santa Cruz 2- Para todos os devotos


E a padroera do lugar (ah!) Vô pedir pra Santa Cruz (ah!)
Pra que ela nos proteja Tomara que ela ajude
Pra todos lugar que andar (ah!) Para sempre, amém Jesus (ah!)

E vêm depois os versos de temas livres, redondilha maior rimando ABCB, alguns tradicionais e outros adaptados ou
criados de improviso. Exemplos registrados:

3- Qualquer coisa que eu pudesse 7- Se esta rua fosse minha


No coração pra te dá (ah!) Eu mandava ladrilhar (ah!)
Eu tirando sei que morro Com pedrinhas de brilhante
(E) Morto não posso te amar (ah!) Para meu amor passar (ah!)

4- Agora que eu vô cantá 8- Tenho meu cavalo baio


Qu’inda hoje não cantei (ah!) (E) Minha mula pangaré (ah!)
Quero exprimentá meu peito Quando meu cavalo dança
Se inda está como deixei (ah!) Minha mula bate o pé (ah!)

5- Pra dançá com esta morena 9- Menina dos olhos preto


Eu tenho satisfação (ah!) Sobrancelha de veludo (ah!)
O luxinho que ela faz Se teu pai não tem dinheiro
Me balança o coração (ah!) Os teus olhos pagam tudo (ah!)

6- Atirei um limão verde 10- Amanhã encilho o pingo


Por detrás da sacristia (ah!) Sorto o poncho estrada a fora (ah!)
Deu no cravo, deu na rosa Canta o galo, chora a china
Deu na moça que eu queria (ah!) Que o caboclo vai-se embora (ah!)

carapicuíba - uma aldeia mameluca 105



11- Um laço de fita verde 15- Viola, minha viola
Com três dedos de largura (ah!) Vamos no campo chorá (ah!)
Na cintura da morena Quero que você me conta
Mata qualquer criatura (ah!) Onde meu amor está (ah!)

12- Eu moro dentro da lima 16- Agora qu’eu vô cantá


Bem pertinho da semente (ah!) Qu’inda hoje não cantei (ah!)
Não há peito que eu não abra Quero exprimentá meus peito
Nem coração que eu não entre (ah!) Vê se está como deixei (ah!)

13- No caminho da Aldeia 17- Adeus, Aldeia de gosto,


Passa boi, passa boiada (ah!) Adeus, Aldeia querida (ah!)
Também passa a moreninha Adeus, coração de prata
Do cabelo cacheado (ah!) Perdição da minha vida (ah!)

14- Fui no campo apanhá flores 18- Se quisé que vai e vorte
Todo o campo floresceu (ah!) Mande varrê a estrada (ah!)
No meio das flores brancas Tire a pedra do caminho
Meu amor apareceu (ah!) Sereno da madrugada (ah!)
Música:

106 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Doc. 19
Início da Roda
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, festa de Santa Cruz, 3 de maio de 1969
Obs.: Algumas quadras não puderam ser gravadas porque seus cantadores
se encontravam mais ao longe

1- Vamos salvar a Santa Cruz 3- Qualquer coisa que eu pudesse


E a padroera do lugar (ah!) No coração pra te dá (ah!)
Pedir que ela proteja Eu tirando sei que morro
Em toda parte que andar (ah!) (E) Morto não posso te amar (ah!)

2- Para rodos os devoto (ah!)


Vô pedi pra Santa Cruz
Tomara que ela ajude
Para sempre, amém Jesus (ah!)

A rigor, a Roda não tem duração fixa; se não houver interferências prejudiciais (como visitantes e curiosos limitando
o espaço disponível), pode prolongar-se por meia hora ou mais. E vem o intervalo, quando se toma quentão, se come
pipoca ou churrasquinho, se comenta este ou aquele verso, este ou aquele assunto da dança. Ou ainda se acua alguém,
que é obrigado a pagar despesas no bar.

Acuar o veado

Um divertimento que pode ocorrer logo no início de qualquer intervalo, quando a Roda ainda está-se desfazendo,
é o de os instrumentistas improvisarem um cerco a determinada pessoa, imitando latidos e roçando alegremente, como
que acuando caça. A pessoa está sendo obrigada a pagar despesas de petiscos, refrigerantes, cerveja ou o que for, quase
sempre num dos bares da Aldeia. É o que se chama acuar o veado ou simplesmente acuar. Havia preferência pela cerveja
preta (que alguns dizem ser apropriada para proteger a garganta de quem vai cantar a noite inteira), mas se pode tomar
refrigerante, caipirinha, ou ainda comer algum doce ou salgado; tudo por conta da pessoa que foi acuada.

Despedida

Para encerrar o ciclo tríplice da dança, os instrumentistas e demais participantes se colocam como na primeira parte:
frente à porta da igreja (na abertura da noitada) ou à cruz, em alas. Cantam-se alguns poucos versos e imediatamente –
sem intervalo – seguem pela sua esquerda em direção ao próximo local. Quando estão frente à igreja, logo após a cantoria
de duas ou três quadras se deslocam pela esquerda, em bloco, para frente ao cruzeiro; e acabam ficando todos postados na
posição contrária à anterior, ou seja, de costas para o templo católico, recomeçando então o ciclo: a Saudação ao cruzeiro,

carapicuíba - uma aldeia mameluca 107


depois a Roda, depois a Despedida. Terminada a Despedida ao cruzeiro central, e sem intervalo, partem todos para a
frente da cruz da casa 16 (ou a que lhe fica junto), sempre conservando a disposição geral de alas voltadas para o símbolo
cristão. E aí se fazem as três partes da dança.
Na Despedida, não é comum o movimento de recuo-e-avanço. Bastam duas quadras (às vezes apenas uma) e logo se
toma a direção do próximo local.

Doc. 20
Despedida
Conforme gravações e anotações feitas na Aldeia de Carapicuíba, de 1969 a 1979

Quadras comuns desta parte, tradicionais:

1- Eu vou dar a despedida Vamos dá ´por despedida


Como se costuma dar (ah!)
Amanhã por essas horas
Eu volto a te visitar (ah!)

108 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


2- Vamos dar por despedida
Como se costuma dar (ah!)
Amanhã de madrugada Quando for de madrugada
Vortamo te visitá (ah!)

3- Eu vô dar a despedida
Como deu Cristo em Belém (ah!)
Adeus Aldeia de gosto
Até o ano que vem (ah!)

4- Vamos dar por despedida


Como se costuma dar (ah!)
Quando for pro outro ano
Voltamos te visitar (ah!)

5- Vamos dar por despedida


Da casa santa da luz (ah!)
Pra que ela nos proteja
Para sempre amém Jesus (ah!)

6- Vamo dar por despedida


Como deu o sabiá (ah!)
Amanhã na mesma hora
Vortamo te visitá (ah!)

7- Amanhã que eu vou-me embora


Pro caminho da cidade
Vô chorando, vô gemendo
Levando muta saudade

carapicuíba - uma aldeia mameluca 109


Encerramento e Zagaia

O final da festa e da dança, na madrugada de 4 para 5 de maio, contém alguns pormenores que não seguem o padrão.
Terminada a Despedida à última cruz domiciliar, os participantes postam-se frente à igreja. Executam então nova
Saudação e a Despedida conjuntamente em relação à igreja e ao cruzeiro no centro do pátio; de modo que alternam os
movimentos, primeiro frente à porta do templo, depois frente ao cruzeiro, voltando frente ao templo e encerram frente
ao cruzeiro, com vivas. A seguir, fazem a última Roda, quando um devoto ou mais frequentemente um dos violeiros vez
por outra grita uma palavra de ordem que é como uma senha para todos inverterem a direção do movimento, e assim a
Roda passa a girar de sentido anti-horário a sentido horário (alterando-se portanto a ordem dos passos: damas devem
começar com o pé esquerdo e cavalheiros com o direito). Outro aviso e a Roda retoma seu sentido normal. Nesses
momentos também se fazem luxinhos e despedidas com mesuras aos companheiros, tudo marcado pelo espírito alegre
e descontraído que caracteriza a Zagaia, nome dado a essas variações da Roda final, que é seguida por afetuosos apertos
de mão e abraços acompanhados de um Até pro ano. A festa se encerra com todos de novo reunidos frente ao cruzeiro
cantando o bendito Hino à Santa Cruz ou Lenho Sagrado209.
Em vista dessas variações que ocorrem no final da festa bem como em vista de as poucas referências bibliográficas
serem muito incompletas210, e objetivando deixar suficientemente claros esses momentos finais da comemoração e da
dança, damos abaixo pormenores registrados em 1979.

209
- Esse Hino à Santa Cruz foi publicado em reportagem não assinada intitulada Festa de Santa Cruz na Aldeia de Carapicuíba, em O Estado de S. Paulo, 10-maio-1959 (as
dez quadras, sem melodia); e também por R. T. Lima, ABC do folclore, 1957, p. 138/139 (seis quadras e melodia), recolhida na Aldeia em 1954 “do violeiro Belizário de
Camargo Júnior” (correção: certamente se refere ao famoso violeiro Belisário Camargo, cujo filho é um dos nossos informantes).
210
- Autores que focalizam o final da dança de Santa Cruz, da Aldeia, o tratam com muita superficialidade ou descuido. Vejamos. Araújo baseia-se em hipótese, como é seu
hábito e sem provas: “A despedida é a parte que pontofinaliza os festejos em Carapicuíba, quando formam a grande roda para a dança da zagaia, já no dealbar do
dia. Zagaia é uma espécie de lança, era a arma que o jesuíta colocou nas mãos do índio para representação teatral, pois é originariamente africana, seu nome é de
origem moura, foi portanto usada num bailado em cujo entrecho havia o ataque de azagaias, argumento quem sabe baseado nos fatos da luta que mantiveram quando
pretenderam transferir os antigos moradores de Carapicuíba para Itapecerica. Mas, acontece que na aldeia de Carapicuíba, graças a Afonso Sardinha, os índios tinham
seus direitos resguardados. Desse bailado, pois este era teatro catequético, ficou apenas o nome da grande roda da zagaia”. Alceu M. Araújo, Folclore nacional, 1967,
v. 2, p. 24. Em parte reprod. em “Tradição: a Festa de Santa Cruz”, O Estado de S. Paulo, 19-março-1965. Seja-nos permitido fazer os necessários esclarecimentos e
as necessárias correções, na medida de nossas possibilidades e de acordo com nossas observações no local e junto aos nossos informantes: 1) não existe a “dança da
zagaia”; 2)se a zagaia foi “arma que o jesuíta colocou nas mãos do índio para representação teatral”, isso não consta na bibliografia consultada (que inclui cartas de
jesuítas) nem na tradição oral de hoje em dia; 3) quanto a ter sido “um bailado em cujo entrecho havia o ataque de azagaias” mesma realidade: não há referências
bibliográficas nem menções da tradição oral que confirmem; 4) a fraqueza da frase seguinte se trai a si mesma – “quem sabe baseado nos fatos da luta que mantiveram
quando pretenderam transferir os antigos moradores de Carapicuíba para Itapecerica” – idem: faltam registros e referências à pretensa luta (com zagaia?!!) na tentativa
de transferir a Aldeia; 5) na documentação histórica não consta que Afonso Sardinha tenha “resguardado” direitos dos índios, mas sim que fez doação deles aos jesuítas;
6) não consta que houve “bailado” em possível “teatro catequético”, do que teria restado “apenas o nome da grande roda da zagaia”, que não existe (ver item 1). Em
nenhum momento nossos informantes se referiram a luta, a zagaia como arma, a bailado. Precisamos usar de franqueza: seis correções de pormenores graves em cerca
de oito linhas – se esse procedimento se repete em textos sobre tradições populares, talvez em benefício de romantismo impróprio, não se obterá estudo sério de folclore
(ou o nome que se dê ao complexo de tradições populares).
Enquanto Lima, preferindo ser mais e apenas descritivo, informa que “Na última noite, depois da “Sarabaqué” se desenvolver como nas anteriores, há a despedida geral
da igreja e do Cruzeiro. E por fim, dança-se a “Zagaia”. Forma-se uma roda como a descrita, com as damas por dentro e os cavalheiros por fora, a qual se movimenta
de modo idêntico. Mas, em dado momento, o violeiro-chefe grita: “Zagaia, vem zagaia!”, e todos os dançadores dão meia volta recomeçando a dançar em sentido
contrário. Há também nesta parte os mencionados giros dos participantes.” Rossini T. Lima, A Gazeta, 26-maio-1962; e Idem, Folclore das..., 1971, p. 67.

110 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Doc. 21
Final e Zagaia
Anotado e gravado na Aldeia de Carapicuíba, noite de 4 para 5 de maio de 1979

Cerca de 3h20m do dia 5 de maio de 1979, perto de 30 pessoas completaram o circuito da dança, tendo-a executado
frente a cada cruz junto à porta das casas. Por essa hora da madrugada, terminaram a Despedida frente à última cruz
residencial e se dirigiram para a posição frente ao templo católico. Postados em alas com os instrumentistas na vanguarda,
cantaram quadras tradicionais:

Deus te salve a casa santa


Onde fizeste morada (ah!)
Onde está o cális bento
E a hóstia consagrada (ah!)

Numa bacia de pedra


Maria lavou Jesus (ah!)

(Interromperam sequência da quadra para fazer os movimentos de vai-e-vem: cerca de 60 passos miúdos em ré,
depois avançaram com passos mais largos; atrás dos instrumentistas, a maioria dos participantes batia palmas no ritmo.
Completaram a quadra com segundo dístico:

Maria mulher formosa


Deu louvor à Santa Cruz (ah!)

Novamente cerca de 40 passos miúdos em ré, seguindo-se um avanço mais rápido em direção ao templo; novo recuo
menos longo; então os instrumentistas deram meia volta ligeira pela direita e imediatamente retornaram à posição anterior,
de frente para a igreja (alguns dos demais participantes acompanham essas meias voltas). Continuando, avançaram em
direção à porta da igreja, outra meia volta ligeira e logo virando para a posição normal; aproximaram-se do templo
fazendo às vezes brevíssimas pausas com inclinações de reverência, sempre executando as violas, os reco-recos e os
pandeiros. Chegados junto ao patamar da entrada do templo, tomaram a direção do cruzeiro central pela esquerda.
Todos postados frente ao cruzeiro, fizeram novos movimentos de recuo e avanço; até que os violeiros puxaram outra
quadra em dísticos:
Numa bacia de pedra
Maria lavou Jesus (ah!)

(Recuo e avanço como já descrito, agora tendo por referência o cruzeiro).

carapicuíba - uma aldeia mameluca 111


Maria mulher formosa
Deu louvor à Santa Cruz (ah!)
Novamente fizeram recuo e avanço. Iniciaram outra quadra:

Deus te salve a cruz bendita


Filho da Virgem Maria (ah!)

(Novos movimentos de vai-e-vem; ao avançarem fizeram breves inclinações do tronco, como em esboço de
reverências. Já próximos ao cruzeiro, terminaram a quadra:)

Em louvor do vosso nome
Festejamo o vosso dia (ah!)

Novos movimentos de recuo e avanço, depois recuo terminando com meia volta e retorno à posição para avançar em
direção ao cruzeiro, incluindo as pausas rapidíssimas à guisa de reverência. A seguir, deram uma volta pela esquerda para
chegarem frente à igreja. Aí cantaram a Despedida final:

Vamo dar por despedida


Da casa santa de luz (ah!)

(Recuo e avanço como descrito. Terminaram a quadra:)

Pra que ela nos proteja


Para sempre, amém Jesus (ah!)

Fizeram de novo o movimento de ré; depois avançaram com as rápidas inclinações; recuaram, deram meia volta
ligeira (acompanhados pelos demais) logo ficando de novo frente ao templo; avançaram até chegarem à posição inicial
próxima à porta, deram outra meia volta com retorno à posição inicial próxima à porta. Nessa altura, cada instrumentista
se aproxima dos degraus da entrada, tocando sempre; os que usam chapéu o tiram da cabeça, fazem o sinal da cruz e
beijam (ou fazem menção de beijar) o chão, no que são acompanhados pelos demais participantes, cada um por sua vez.
À medida que faziam essa mesura devocional, iam saindo pela esquerda e postando-se frente ao cruzeiro. De maneira que
todos ficaram novamente frente ao símbolo cristão do centro do pátio. Cantaram a Despedida ao cruzeiro:

Vamo dar por despedida
Como deu Cristo em Belém (ah!)

(Recuo e avanço. Completaram:)
112 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Vamos todos dar um viva
Até pro ano que vem (ah!)

Fizeram os últimos movimentos de recuo e avanço em relação ao cruzeiro, com a meia volta rápida e as reverências
de praxe ao se aproximarem do símbolo cristão. Finalmente, quando estavam próximos da cruz, os violeiros e demais
instrumentistas puxaram os vivas, que podem ser dados também por qualquer participante:
-Viva a Santa Cruz!
-Viva todos os devotos!
-Viva os festeiros!
-Viva Santa Catarina!
Respondendo-se em cada vez coletivamente: -Viva!
Eram cerca de 3h40m; havia terminado a cantoria de base religiosa da festa de maio de 1979.
Logo iniciaram a Roda final, na área entre o templo e o cruzeiro. Essa última Roda apresenta alguns pormenores
que não ocorrem em outras: é o que se chama Zagaia.
Formada a grande roda de homens por fora e mulheres por dentro, cantaram algumas quadras conhecidas. Antônio
Camargo tocando reco-reco, acompanhado de outros:

Viva o cravo e viva a rosa


Viva a flor de laranjeira
Viva todos os devotos
Com sua família inteira

O violeiro Ataliba Costa Camargo cantou um dístico e em seguida uma das senhas da Zagaia:

Vamo dar por despedida


Da dança da Santa Cruz
Êh chuva!

A essa expressão, todos inverteram o sentido do movimento da Roda: os homens passaram a dançar conforme a
direção dos ponteiros de relógio e começando com o pé direito, enquanto as mulheres passaram a se movimentar na
direção contrária à dos ponteiros de relógio e começando com o pé esquerdo. Logo Ataliba completou a quadra:
Pra que ela nos proteja
Para sempre, amém Jesus
Olha a ponte caiu!

Todos voltam a dançar, conforme o combinado, normalmente.


Essas palavras de ordem indicando a inversão do movimento e, depois, a readoção do padrão, são ditas com entusiasmo

carapicuíba - uma aldeia mameluca 113


entre um dístico e o seguinte, enquanto os participantes – já conhecedores da tradição – ficam aguardando o momento em
que surge a marcação, em geral de um violeiro (ou pelo menos de quem está cantando uma quadra). Podem ser também:
-Zagaia!
-É agora!
E outras.
Ainda durante essa última Roda, alguns participantes – especialmente homens – saíram de sua posição e se postaram
entre as duas alas, fazendo ligeiras mesuras frente a damas, o luxinho de despedida. Alguns desses dançadores chegaram
a dar a volta inteira na roda cumprimentando cada dama, até retornarem à sua posição inicial. Tudo feito com alegria e
sempre ao som de canto e música, ou pelo menos música, seguindo o ritmo e mantendo a coreografia.

Dentro do meu peito tenho


Uma casinha de vento
Uma é do coração
Outra é do pensamento
A Roda de encerramento durou pouco menos de 15 minutos, e ao terminar todos bateram palmas acompanhando
algumas expressões de entusiasmo:

- Conheceu, papudo!

Depois desses momentos de lazer, novamente se postaram com seriedade frente ao cruzeiro para rezar em intenção
de companheiros falecidos e para cantar o Hino à Santa Cruz. Cerca de 4 horas da madrugada, terminaram, com novos
vivas à Santa Cruz, queima de fogos tipo “Caramuru” e todos se cumprimentando com apertos de mão e repetindo
invariavelmente:
- Até pro ano!

114 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


carapicuíba - uma aldeia mameluca 115
Doc. 22
Hino à Santa Cruz ou Lenho Sarado
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, noite de 4 para 5 de maio de 1979.
Obs.: Parece ser elaboração erudita

Terminada a última Roda e depois de soltarem alguns fogos de artifício e se cumprimentarem alegremente, os
participantes da festa de Santa Cruz se reuniram de frente para o cruzeiro e fizeram uma oração de encerramento em
memória dos devotos falecidos, na qual se destaca um bendito por eles denominado LenhoSagrado e Hino à Santa
Cruz, atualmente reservado para o fecho da comemoração. É formado por dez quadras e, como nem todos os elementos
lembram a letra integral, apenas a primeira e a última foram cantadas.

-Antigamente nós cantava também no último dia da novena, mas como ele é muito comprido, e não tem quase
ninguém que cante com a gente, então... Porque um ano que cantei junto com a Aninha, ela segunda voz e eu primeira
voz; foi um negócio, né. Mas depois não cantemo mais porque não tem quem ajude a gente. Esse hino precisa ter umas
quatro, cinco pessoa que ajude a gente cantá. – Ilydia Camargo.

1- Bendito e louvado seja 5- Bendito e louvado seja


Da cruz o lenho sagrado O lenho da cruz subida
Em que o Cordeiro de Deus No qual está pendente
Foi por nós crucificado Foi por nós sacrificado O doce fruto da vida

2- Bendito e louvado seja 6- Bendito e louvado seja


Da cruz o sacro madeiro O tronco, as varas e os ramos
Que foi banhado em sangue Da cruz que deu o remédio
Do imaculado Cordeiro Com que dos males saramos

3- Bendito e louvado seja 7- Bendito e louvado seja


O patíbulo da cruz O bom título da cruz
No qual pelo nosso amor Na qual Jesus Nazareno
Expirou o bom Jesus Nos salvou por ser Jesus

4- Bendito e louvado seja 8- Bendito e louvado seja


Da cruz o tronco precioso Pelo seu lenho Jesus
Foi a chave com que Jesus Brilha a cruz por ser Jesus Cristo
Nos abriu o céu ditoso Brilha Cristo pela cruz

116 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


9- Da cruz o régio estandarte
Da fé e da Santa Igreja
Pelos homens e pelos anjos
Bendito e louvado seja

Música:

7.3. Festas de Santo Antônio, São João e São Pedro

Em junho, era costume antigamente arraigado – até cerca de 1950 – fazerem-se festas comemorativas dos três santos
do mês: Antônio (de 12 para 13), João (de 23 para 24) e Pedro (de 28 para 29); as festividades mais concorridas eram as
de São João.

7.3.1. Contexto das festas

Na época, a Aldeia ficava enfeitada com bandeirinhas de papel de seda colorido e arcos de bambu. Acendia-se pelo
menos uma fogueira, crianças e jovens preparavam balões, mulheres preparavam doces, todos tomavam providências
para a festa que era de todos, como se verifica pela narração de Ilydia Camargo sobre a Quadrilha que entrava pelas casas

carapicuíba - uma aldeia mameluca 117


saindo pelos quintais e alcançando outras casas... Um ambiente descontraído de comunidade. Também havia danças
leves, como Cana Verde, Cirandinha, Tiu-tiu-tiu-tá, Chimarrete.
De 12 para 13 era costume fazerem-se as “sortes”211 ou “sortes de Santo Antônio”, que alguns estendem também a
São João, para se saber o futuro, mas, principalmente, ligadas a assuntos de amor (documentos adiante).
Conforme lembram as informantes Ilydia Camargo e Alvina da Silva Costa, sempre se fazia procissão à meia-noite
de 23 de junho, com velas acesas e uma imagem de São João Batista, com orações católicas e cantando uma quadra
(doc. seguinte) que relaciona a cerimônia de caráter popular com os primeiros batismos no rio Jordão: dirigiam-se da
Aldeia até o chamado rio da Fazenda (Anexo 10), onde, próximo, da estrada efetuavam a prática de lavar o santo212. Nhô
Virgílio Avelino de Jesus, afamado capelão caipira, era quem lavava a imagem; os demais, no momento do ritual mágico-
religioso, procuravam garantir mais um ano de vida ou procuravam indicação de casamento próximo:
-A gente olhava na água pra vê a sombra que aparecia na água (Alvina)213 .
Durante a lavagem do santo não se cantava. Depois, o regresso em procissão com rezas. Como em outras festividades,
havia o festeiro que custeava todas as atividades coletivas (dispensando-se o leilão), também o capitão do mastro, o juiz da
bandeira, e mais fogueira, fogos de artifício, pipoca, bolo de fubá, paçoca de amendoim, café, quentão, temperada. Fazia-
se sempre a Quadrilha214 , marcada por Francisco Margarido de Camargo, e ainda se dançavam Cana Verde, Cirandinha,
Chimarrete, Tiu-tiu-tiu-tá, além de baile, em locais separados, pois alguns preferiam aquelas danças enquanto outros
optavam pelo baile comum, na informação de Ilydia Camargo.
Chico Camargo faleceu em 1959, Virgílio Avelino de Jesus em cerca de 1969, e a festa de São João decaiu. Em
1972 ela foi efetuada novamente graças ao entusiasmo de Antônio Camargo (Mimi) e outros, incluindo-se a lavagem do
santo no rio da Madame e outras práticas. Porém faltava Francisco Margarido de Camargo, marcador da Quadrilha; e já
ocorriam motivos novos que forçavam o arrefecimento das comemorações juninas. Hoje em dia essas festas são feitas por
estudantes de Primeiro Grau da escola que se situa na Estrada Velha de Cotia, e em ambientes familiares com poucos dos
traços folclóricos que antes marcavam o ciclo – quentão, pipoca, alguns fogos de artifício como curiosidade.
Os documentos adiante, portanto, não constituem exemplos de folclore atual e arraigado nos costumes da Aldeia
da década de 1970, mas uma reminiscência de fatos de certa forma recentes para os mais velhos. No caso da Quadrilha,
211
- Há grande variedade das “sortes” de junho. Luís da Câmara Cascudo estuda aspectos delas, citando vário autores, em Anúbis e..., 1951, p. 229/241. Registros também em
R. T. Lima, A Gazeta, 16 e 23-junho-1962; reprod. em Folclore das..., 1971, p. 89/91; Guilherme Studart, Usos e superstições cearenses, Rev. da Academia Cearense 15),
1910, reprod. em Cascudo, Antologia... e Dicionário..., 1954; A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975, p. 131/135.
212
- Sem dar localização dos dados porém sabendo-se que foram coletados no estado de São Paulo, 1944/56, A. M. Araújo publica cantos da procissão para lavar o santo
(diferentes do nosso doc. 23), além de sortes “sempre relacionadas com o casamento” e outras práticas do ciclo, Poranduba..., 1957, v. 1, p. 88/108.
Cássio M’Boy tece considerações sobre “Lavagem de São João no Embu”, A Gazeta, 1-agosto-1959. R. T. Lima publicou uma “Oração a São João Batista” (que parece
um bendito) do Embu, e que entre outras inclui esta quadra semelhante ao nosso Doc. 23: “Vamos, vamos todos lavar, / Lá no rio de Jordão, / Onde Cristo Senhor Nosso
/ Batizou o São João” (não consta melodia); Lima, Folclore das..., 1971, p. 77/78. Um registro da cerimônia popular também foi feito em Mauá: A. Pellegrini Filho,
Folclore paulista, 1975, p. 130/131.
213
- A obrigatoriedade de ver a própria imagem refletida na água é crença universal, cuja prática no Brasil se fixou especialmente na noite de São João. L. C. Cascudo faz
considerações a respeito, Anúbis.., 1951, p. 133/138. A. M. Araújo publica texto com a crença de que “se por acaso, veem o rosto refletido na superfície das águas, é
porque viverão aquele ano”; Poranduba..., 1957, v. 1, p. 105.
214
- A. M. Araújo divulga marcação da dança, datada de 1860; Folclore nacional, 1967, v. 2, p. 194/196. R. T. Lima publica marcação (com explicações)
registrada em Piracicaba, 1954; Quadrilha francesa..., A Gazeta, 9-junho-1962; reprod. em Folclore das..., 1971, p. 87/89. Ver também: M. A. C. Giffoni,
Danças..., 1972; e A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975. A Quadrilha ocorre em todas as regiões do país.

118 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


conservamos os termos da entrevista gravada da informante, uma vez que assim se pode observar não apenas os dados
dessa dança de acordo com a marcação que seu pai fazia, mas também outros pormenores e o ar de saudosismo da
entrevistada, cônscia de estar falando de coisas que não voltam mais. Quanto às “sortes”, foram na maior parte lembradas
igualmente por pessoas de faixas etárias acima de 50 anos, embora jovens de 20 ou menos também conheçam algumas.

Doc. 23
Canto da procissão para lavagem do santo
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo

Vamos nós lavar São João


Lá na água do Jordão
Onde Cristo Senhor Nosso
Batizou São João

Música:

carapicuíba - uma aldeia mameluca 119


Doc. 24
Canto ao entrar na igreja, voltando da lavagem do santo
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo

São João Batista


Ele está no seu altar
Pedindo misericórdia
Para todos adorar

Música:

7.3.1.1. “Sortes”

As “sortes” do ciclo junino, com considerável variedade, são conhecidas mais comumente por elementos do
sexo feminino de várias faixas etárias (as relacionadas abaixo nos foram comunicadas por moças e senhoras idosas,
principalmente em 1979). Associa-se a essas “sortes” o atributo que o povo dá a Santo Antônio, de santo casamenteiro, por
isso são tidas também como sortes de Santo Antônio – a serem feitas de 12 para 13 do mês – se bem que da mesma forma
podem ser praticadas na festa de São João, 23 para 24 de junho, o que em parte pode ser explicado pela circunstância de
essa data ser a mais comemorada. Sendo traços folclóricos com ocorrência em extensa distribuição geográfica, as “sortes”
não constituem fatos exclusivos da Aldeia de Carapicuíba.

Doc. 25
“Sortes”
Anotados na Aldeia de Carapicuíba, 1978 e 1979 (docs. a até f),
e gravado em São Paulo, 1979 (doc. g)

120 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


a) Do cabelo e aliança
Amarra-se no fio de cabelo a aliança, que se deixa pendurada na altura da boca de um copo com água, segurando-se
a outra extremidade do fio. Quantas batidas a aliança der no copo correspondem a tantos anos que a pessoa vai esperar
para casar.

b) Da faca na bananeira
Enfiar a faca numa bananeira à meia-noite, diz que sai o nome do namorado na bananeira.

c) Dos três nomes na água


Três namorados em vista, escrever o nome de cada um num papel e dobrar, deixando num prato no sereno. No dia
seguinte, 13, o papel que estiver mais aberto traz o nome do preferido.

d) Dos três nomes
Escrevem-se os nomes de três moços com quem se deseja casar, em três pedaços de papel. Embaralha-se bem, e se
jogam dois para trás, guardando o terceiro papel; dorme-se com esse papel debaixo do travesseiro. No dia seguinte vai-se
ver qual o nome sorteado.

e) Dos pingos de vela


À noite, por alguns momentos deixam-se cair, num copo com água, os pingos de uma vela acesa; enquanto a
vela estiver pingando não se pode olhar na água do copo. Deixa-se o copo no sereno (alguns costumam cobri-lo com
guardanapo). Na manhã seguinte se vai ver o que a vela na água indica sobre o futuro da pessoa – um nome, uma grinalda
(casamento), um avião (viagem), caixão de defunto, etc.

f) Da chave
Dorme-se com uma chave debaixo do travesseiro, para ver se sonha com quem vai se casar.
Obs.: Exclusiva para a comemoração de São Pedro.
g) Da imagem
Na noite de São João, durante a lavagem do santo, se a moça vir sua própria imagem refletida na água é sinal de
casamento no próximo ano.

7.3.1.2. Culinária cíclica

O ciclo de junho é marcado, na cozinha típica, principalmente pelo quentão, bebida servida bem quente e quase
sempre em pequenas xícaras (as usadas para o cafezinho de todas as horas); à sua receita básica se podem adicionar

carapicuíba - uma aldeia mameluca 121


alguns ingredientes215 , como explicado abaixo. Também é velho costume comerem-se bolo de fubá, pipoca, pinhão
cozido em água com sal, tendo a ponta previamente cortada.
Além de integrar o ciclo de junho, o quentão é comum também na festa de Santa Cruz da Aldeia de Carapicuíba.
-O que é mais importante pra fazê quentão, que eu acho, que eu sempre aprendi fazê: o gengibre, o açúcar, a água;
faz aquela calda. Depois de cozido o gengibre, põe a pinga. (Ilydia Camargo).
Quanto a variantes, diz a mesma informante:
-Tem muitos que põe cravo, canela, casca de limão, queima o açúcar, mas isso aí é artificial (querendo significar que
esses ingredientes fogem da receita trivial da bebida).

Doc. 26
Quentão
Receita de Eufrosina Andrade Camargo, falecida; usada na Aldeia de Carapicuíba,
décadas de 1960/1970

Ingredientes: 2 litros de água; 1 litro de pinga; açúcar a gosto; 3 dentes de gengibre.


Preparo: O gengibre é envolto em guardanapo e macetado. Mistura-se o gengibre macetado na água com o açúcar.
Ferve-se. Tira-se do fogo e se acrescenta a pinga. Conforme a preferência, pode-se dosar a quantidade de aguardente e
obter uma bebida mais forte ou menos forte. Serve-se quente, sendo costume em pequenas xícaras de louça branca.

Doc. 27
Quentão
Receita de Alayde Camargo Bernardo; anotação na Aldeia de Carapicuíba, 1979

Ingredientes: 1 copo e meio de água; 4 cravos; 2 pedaços de canela em pau; 3 rodelas de limão sem casca; alguns
pedaços de gengibre; açúcar à vontade; 2 copos de pinga.
Preparo: Fazer uma calda rala, e se necessário acrescentar mais água; adicionar os outros ingredientes. Retirar do
fogo e adicionar os dois copos de pinga; deixar ferver mais uma vez. Servir quente. Depois de pronto, a panela onde o
quentão se acha deve permanecer tampada.

7.3.2. Danças

Nas festas de junho era costume dançarem-se Cirandinha, Cana Verde, Chimarrete, Quero Bem, Venha Dois e outras
manifestações da lúdica folclórica do interior sul do estado de São Paulo; além do Tiu-tiu-tiu-tá (parece que de origem
215
- J. Japur dá oito variantes de quentão, Cozinha;..., 1963, p. 81/82. A receita básica inclui apenas água, açúcar, gengibre e aguardente, como consta em Francisco Damante,
O bom do povo, citado por L. C. Cascudo, Dicionário..., 1954.

122 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


mineira e integrado ao populário da Aldeia). Essas danças já foram tratadas em itens anteriores. A Quadrilha, característica
do ciclo, não faltava.

7.3.2.1. Quadrilha

As informações sobre como era feita essa dança na Aldeia se acham no depoimento abaixo.

Doc. 28
Quadrilha (entrevista de Ilydia Camargo)
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979. O marcador a que a informante se refere era
Francisco Margarido de Camargo, seu pai, falecido em 1959

-Quem sabia marcá era meu pai. Atualmente não tem quem marque, porque as Quadrilha feita hoje em dia, que é
feita no Grupo (Escolar) é tudo diferente.
-Diferente como?
-Diferente. Eu dancei muita Quadrilha, meu pai marcava Quadrilha, que era um negócio! (Lembrando:) “O centro”,
“Balancê”, “Tur”. Depois otra vez “O centro!”, “Balancê com as damas na frente e o cavalhero atrás”. Depois dizia
assim: “Tur” com o par da frente. Então dizia assim: “Roda de dois!”, a gente ia rodando, de braço. Depois dizia assim:
“Dama na frente e cavalhero atrás”. Depois dizia assim: anh, “Sombra de dama”, então os cavalhero punham a mão na
cabeça da dama; depois a gente voltava a mão atrás assim, e os cavalhero punha as mãos na mão da gente. (Pausa). Esse
me esqueci. Depois: “Vira-vorta!” a gente passava assim, o cavalhero ficava na frente (invertendo a posição com a dama
que lhe estava à frente). Depois tem “Mão esquerda com esquerda”, a gente punha assim, e dizia: “Segue o granchê”;
então a gente ia passando aqui, aqui, mão com cavalhero (fez gestos do zigue-zague e movimentos do “garranchê”),
dama com cavalhero, dama com cavalhero, dama com cavalhero, dama com cavalhero, até chegar no par da gente.
Então dizia: “Balancê com seus par!” Aí a gente ficava, faz a marcação de passos no mesmo lugar, que é o “balancê”.
Mas eu esqueci muita coisa. (Pausa). Depois tem a “Cobrinha”; depois, então depois diz assim: “Roda de cavalhero por
fora e as dama por dentro”; então vai, os cavalhero segue à esquerda, as dama segue à direita. Então vai (até encontrar
o par respectivo). Depois diz assim: “Janela de macaco”; então os home fica assim (cavalheiros seguram-se as mãos e
cruzam os braços na altura do queixo das damas); depois diz assim: “Janela de dama” (idem invertendo posição com
as damas). Depois diz assim: “Estrela de dama” (damas por dentro continuando braços cruzados). Depois diz: “Segue o
passeio”, daí a gente segue; depois dama com dama; cavalhero com dama, pega a mão. “Vem em roda”. Depois assim:
“A cobrinha!” então o cavalhero pega qui (a mão), vai dançando, vai fazendo zigue-zague, vai fazendo zigue-zague
(participantes emfila única, seguros pelas mãos, tendo o “marcador” à frente) vai fazendo zigue-zague mas sem fazer
roda. Então meu pai, se tinha uma casa aqui meu pai saía pro quarto, do quarto virava, do quarto ia pra cozinha, da
cozinha virava, ele ia na sala, da sala ia pro quintal, virava por lá depois entrava pra cozinha, pra saí pra dançá; tudo
quanto era lugar; meu pai ia na frente.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 123


-Depressa ou devagar?
-Ah, conforme a sanfona. E eles tinha um fraque pra marcá a Quadrilha, um fraque era da gente dos Formiga,
emprestavam o fraque pra ele, vestia pra marcá a Quadrilha. Era muito bonito.
-Tinha sanfona?
-Tinha.
-Quem tocava?
-Um sanfonero que vinha do Remédio*. Sanfonero chamava-se Amaro.
-Além da sanfona, algum outro instrumento?
__________
* - Refere-se ao bairro dos Remédios, na Capital paulista.

-Pandero.
-Quem tocava pandeiro?
-Olha, isso não me alembro quem tocava pandero. Se não me engano era Dito da Nhá Brasília; já faleceu também.
Conhecido por Dito da Nhá Brasília.
-Além do pai da senhora, alguém mais marcava Quadrilha?
-Não. Só meu pai.
-Ele faleceu quando?
-Faleceu em 59. No dia que começô a novena, de tanto que ele gostava da festa de Santa Cruz, que ele faleceu no
primeiro dia da novena de Santa Cruz, que foi dia 24 de abril, que foi a turma dos Formiga que foi festeiro. Eles viero
na Aldeia, fazê a novena, depois passaro na casa da minha irmã na Rua Pinheiros, que o corpo do meu pai estava lá.
-Mas daí para cá continuou havendo Quadrilha na Aldeia, ou não?
-Não. Agora tem Quadrilha nas festinha das crianças, joanina, na Aldeia, mas é muito diferente.
-Por que a senhora acha que é diferente?
-Diferente porque meu pai marcava uma Quadrilha muito bonita.
-Mas em que é diferente?
-Diferente é que tem muita coisa que na Quadrilha do meu pai não tem esses que tem hoje. Que nem dizê “as dama
vai cumprimentá os cavalhero”. Não, a Quadrilha do meu pai não tinha isso.
-Com quem ele aprendeu?
-Home, isso não sei. Nós saímo dançá Quadrilha, ele marcava Quadrilha e todo mundo dançava, e era muito bonito.
E todo mundo: Ah, Chico não vai embora sem marcá Quadrilha! Papai tinha que marcá Quadrilha.
-Além da Quadrilha tinha alguma coisa mais nas festas?
-Não.
-Antes da Quadrilha não tinha...
-Tinha baile.
-Baile? De quê?
-Sanfona. Baile de... rastapé.

124 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


-Mas dançava-se o que no baile? Que música?
-Era samba, valsa, ranchera, chote.
-Em junho?
-Ah, o casamento que a gente ia, assim qualqué baile comum.
-Mas digo: nas festas de junho?
-Tinha também. Fora as dança Cana Verde, Cirandinha, Chimarrete, tinha uma sala dançava essas dança e noutra
sala dançava o baile.
-De dia ou de noite?
-De noite.
-Sempre de noite?
-Sempre de noite. Porque tinha muito dos Camargo daí do pessoar do Ataliba não gostava de baile; estão gostando
de baile agora. E nós gostava de baile; então eles ficava numa sala e eles ficava na otra.
-Isso mais ou menos quando?
-Ah, nós era mocinha nova, de 13, 14 ano.
-Então, 1930, por aí?
-É, mais o menos; 30, 32, 33.
-O “casamento caipira” era feito?
-Não.
-Era só Quadrilha mesmo?
-É.
-Que música costumava tocar na Quadrilha?
-Marcha.
-Qual marcha?
-Quarqué marcha que dá o ritmo pra dançá Quadrilha.
-Tinha alguma preferida ou não?
-Não. Contanto que seja marcha, tocada com sanfona e pandero...

7.4. Festa de Santa Cruzinha

Em meados de setembro, realiza-se na Aldeia de Carapicuíba outra festa de caráter religioso-popular: a de Santa
Cruzinha216 , que se pode considerar uma repetição da grande festa de 2, 3 e 4 de maio, mas agora em menores proporções.
A festa em si se efetua ou no dia 15 ou num sábado e domingo próximos. Em linhas gerais, as características desta festa
de Santa Cruzinha são as mesmas das de maio, inclusive com a dança de Santa Cruz (são as duas ocasiões em que o
Sarabaguê é feito – maio e setembro – apenas se notando uma amplitude menor da comemoração de setembro).
O programa parece não seguir um padrão como na festa de maio: em medidas variáveis, geralmente é encimado

carapicuíba - uma aldeia mameluca 125


pelo título Festa de Santa Cruz (Santa Cruzinha) ou Festa de Santa Cruzinha, seguindo-se o nome do local e a data. Na
metade, ou no terço inferior alinham-se os itens da programação que, via de regra, no primeiro dia (sábado) é o seguinte:
cerca de 19h30m, levantamento do mastro; 20h, reza em louvor à Santa Cruz na igreja, puxada por capelão ou capelã; e
cerca de 21h, a dança de Santa Cruz que se prolonga pela noite e, havendo condições favoráveis, termina de madrugada.
A programação do segundo dia costuma ser: 11h, missa; 14h, leilão de prendas; e 17h, procissão. No rodapé do volante
vêm nomes dos festeiros e, às vezes, o nome do vigário e agradecimentos pelas prendas. Nem sempre consta a cruz nos
programas impressos da festa de setembro.
“INÍCIO” e “APRESENTAÇÃO” - Comparando-se programas dos anos 60 com outros posteriores, nota-se um
pormenor que pode ter significado para nossos objetivos. Naquele tempo se anunciava o Sarabaquê com estas palavras:
21 horas, Início da tradicional Dança de Santa Cruz ou Sarabaquê (quinze com quinze). Nos programas de 1972, 1973
e 1977 consta: Às 21 horas, apresentação da Dança de Santa Cruz, que se encerrará na madrugada com a tradicional
Zagaia. O pormenor para o qual queremos chamar a atenção é a substituição do início pela apresentação. Podemos
considerar que é um reflexo da mudança de vivência da dança, que por força do público estranho ao local deixa de ser
216
- Comemorando o descobrimento da cruz que serviu para execução de Jesus, cuja tradição diz ter sido localizada por Santa Helena (Flavia Iulia Helena, 250-330; restos
mortais no Vaticano, Museu Pio Clementino), mãe do imperador romano Constantino (272?-337). O local do descobrimento é o pequeno monte do Gólgota (=Local da
Caveira), então fora de Jerusalém.

126 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


uma manifestação marcada pela espontaneidade e pela funcionalidade como características do fato folclórico, para passar
a ser algo que se mostra, exibe, apresenta a alguém que não a conhece, o público exógeno? Por outras palavras: uma
modificação de função da dança, que estaria passando a ser feita “para ser vista”, resultado das mudanças socioculturais
verificadas na Aldeia? Como vemos, a análise de programas impressos fornece indicação interessante sobre mudança em
vivências da festa.
Pormenores da comemoração: no fim de semana em que se dá a festa de Santa Cruzinha, a Aldeia pode ter diversas
barracas para venda de petiscos salgados e doces, quentão e refrigerantes, e eventualmente barracas com jogos de azar.
E ainda os cordões de bandeirinhas de papel de seda e outros com lâmpadas elétricas. O cruzeiro é adornado com arcos
de bambu cruzados e nos braços se lhe coloca a “toalha da cruz”. Também são colocadas cruzes pequenas em frente das
casas dos devotos. Tudo lembrando a festa de maio.
Como é hábito geral, um casal fica encarregado de organizar a festividade, se bem que contando com a colaboração
de outras pessoas.
Faz-se a bandeira com a cruz pintada, a qual é pregada num quadro e levantada no mastro chantado ao lado do

carapicuíba - uma aldeia mameluca 127


cruzeiro permanente.
E no sábado à noite se dança o Sarabaguê, com as mesmas características já apontadas (item 7.2.4) – Saudação
primeiro frente à igreja, seguindo-se a Roda e depois a Despedida; imediatamente a Saudação frente ao cruzeiro, depois
Roda e Despedida; e frente à cruz de cada casa a partir das que ficam ao lado da estrada, oposto ao templo católico, em
sentido anti-horário, até chegar à casa que se encontra à esquerda do templo. Já noite alta, repetem-se as partes da dança
frente à igreja e ao cruzeiro, encerrando-se com a Zagaia. Nos intervalos, os comentários alegres e uma ou outra acuação
para obrigar alguém a pagar petiscos e bebidas num bar ou numa venda da Aldeia.
No domingo à tarde era costume fazerem-se as danças Cana Verde, Cirandinha, Chimarrete e às vezes outras mais
(todas já referidas em páginas anteriores), seguindo-se o leilão de prendas e cuja renda reverteria em benefício da igreja
ou se destinava ao custeio da festa. A partir da década de 1970, porém, essas danças praticamente estão em desuso,
semelhantemente acontecendo com o leilão. Alguns informantes chegam a dizer que a festa de Santa Cruzinha está
acabando mais depressa que a de maio. Entretanto, se por um lado isso parece verdadeiro e se a festa de Santa Cruzinha
sempre deve ter sido de menores proporções que a de Santa Cruz, por outro lado pudemos notar em 1978 e 1979 o interesse
de jovens no sentido de se revalorizarem tradições locais, a ponto de se terem mobilizado para organizar o evento de
setembro de 1979, trabalhando como comissão auxiliar (embora nada conste no programa impresso) dos festeiros, que
foram Antônio Camargo, conhecido por Mimi, e esposa, Lourdes. Esse grupo de jovens é integrado por Helenice Camargo
(filha do casal de festeiros acima), e outros, os quais se dedicaram à organização da festa de 1979 por considerarem que
alguém deve fazer algo para preservar as coisas antigas e populares. Portanto, foram motivados pela conscientização da
necessidade de preservação de valores culturais. De modo que providenciaram a confecção do programa, a decoração do
pátio nos moldes costumeiros, os contatos com autoridades (solicitação de auxílio à Prefeitura, policiamento, presença do
sacerdote, etc), preparo do pau-a-pique, quentão, doces e outros petiscos, contatos com elementos-chave da dança (como
violeiros). Também montaram uma pequena exposição de ampliações fotográficas da Aldeia e da festa. Encontraram
receptividade em diversos populares, porém não tiveram apoio nem participação do sacerdote católico, enquanto o frio e
a chuva contribuíram para aumentar suas preocupações pelo êxito, o que atingiu um ponto máximo quando após a reza
um elemento da Prefeitura encarregado do “serviço de som” anunciou um conjunto de cantorias que viria “abrilhantar
a festa” e ainda, já cerca de 22h, os violeiros não haviam chegado e corria boato de que não compareceriam; alguns dos
instrumentistas teriam preferido ir pescar, ou foram impedidos pelo mau tempo, enquanto outros se dispunham a cumprir
a devoção ainda que com tempo chuvoso... Logo depois, o início da frustração se desfez, com a solução para problema
dos cantores de música popular que não se apresentaram graças em parte à chegada providencial dos violeiros (sem os
quais a dança de Santa Cruz não pode ser realizada). A dança acabou se realizando animadamente e conforme os padrões
tradicionais que, dessa forma, foram mantidos apesar da precariedade evidente.

128 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Doc. 29
Roda
Quadras anot. nas Rodas da festa de Santa Cruzinha da Aldeia de Carapicuíba,
15 de setembro de 1979

1- Vamos saudar a Santa Cruz 2- Se eu soubesse que chorando


Padroeira do lugar Meu amor apareceria
Que ela nos proteja Não tinha tanto trabalho
Em toda parte que andar De chorá todos os dia

Obs.: Essa foi a quadra de abertura da primeira Roda, a qual geralmente guarda sentido religioso.

3- Pra dançá a Santa Cruz


Cada um tem um sistema
A maior alegria*
É dançar com a Jurema

* - O participante dobrou a sílaba or, fazendo com que o verso se ajustasse à costumeira redondilha maior: A maio-
or alegria. O procedimento se repete: Um amo-or verdadero; Ele-e pinta o sete.

Doc. 30
Saudação (frente ao cruzeiro)
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 16 de setembro de 1972.
Obs.: Entre um dístico e outro os participantes afastam e recuam, com palmas ritmadas

1- Deus vos salve a cruz bendita


Filha da Virgem Maria (ah!)
Em louvor o vosso nome
Festejamo o vosso dia (ah!)

2- Lá do céu caiu um cravo


No braço da Santa Cruz (ah!)
Do raio nasceu a Virgem
Da Virgem nasceu Jesus (ah!)

carapicuíba - uma aldeia mameluca 129


Doc. 31
Roda (em frente ao cruzeiro)
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 16 de setembro de 1972

1 Ajudai, meu companheiros 5- Eu junto com meu amigo


Ajudai como um irmão (ah!) Somo os dois da mema artura (ah!)
Que nós dois cantando junto Ele pinta o sete
Faz chorá dois coração (ah!) (Ai) E eu pinto a saracura (ah!)

2- Eu aqui com o Mimi 6- Comecei contá as estrela


(Ai) Todos dois somo famoso (ah!) (Ai) Sete, oito, nove, dez (ah!)
Ele se chama Perigo Quando fui contá a doze Quando fui contá a onze
E eu me chamo Perigoso (ah!) Caí morto nos teus pés (ah!)

3- Você diz que me quer bem 7- Tico-tico no terreiro


(Ai) Agora que eu quero vê (ah!) Nem que chova não se molha
Um amor verdadero Onde tem moça bonita
Vou amar até morrê (ah!) Moça feia não se olha

4- Morena quando eu morrê


Me enterra em uma praça (ah!)
Vou pedi pro Criador
Tudo que você merece (ah!)

Cap.8 Outras manifestações folclóricas

Entre os diversos traços da cultura popular da Aldeia de Carapicuíba, no campo material se inclui o abrolho, que
nossos informantes dizem ser coisa dos mais velho: hoje não se faz mais. Era um artesanato baseado em saco de algodão
branco que ia sendo desfiado e, a partir desses fios, se formavam soluções que lembram flor, teia de aranha, zigue-zague
etc, baseando-se em amarrar fios. Tem sentido decorativo. O abrolho ou amarrado de toalha é de origem portuguesa.

8.1. Linguagem e denominações populares

Dos traços linguísticos que registramos, alguns não apresentam maior novidade sendo regionalismos conhecidos; ao
lado de outros, próprios do local estudado.
130 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Linguagem

No falar de nossos informantes, principalmente os de faixa etária mais alta, às vezes se nota este ou aquele traço
de linguagem caipira, como: troca do l por r (Ardeia por Aldeia); intercalação do i eufônico formando ditongo com
vogal tônica seguida de s ou z (nóis faz); redução de ditongos (cavalhero, festero, picô por picou); uso frequente de
flexão verbal no singular em lugar do plural (nóis vai, os verso que nóis canta é assim); queda do s como morfema de
plural ficando a pluralidade determinada pelo artigo ou pelo adjetivo (Ajudai os seus devoto); queda do l e do r final
em oxítonas (fazê, Juvená), e outros – de resto fenômenos comuns especialmente na fala interiorana de São Paulo217.
Todavia, as características linguísticas que se poderiam chamar caipiras não são notadas em elementos jovens da Aldeia
e arredores, ainda que filhos de portadores daquela linguagem e participantes das tradições locais.
No documento seguinte estão agrupados alguns fatos linguísticos registrados nas conversas com elementos de cultura
folk da Aldeia e arredores.

Doc. 32
Frases-feitas e ditados
Gravado e anotados na Aldeia de Carapicuíba e arredores, 1978/1979

a) Fulano está que nem anu no arame – referindo-se a pessoa embriagada, que fica balançando pra frente e para trás.
b) Fulano morre cherando o joelho – referindo-se a pessoa muito pobre; porque pobre dorme encolhido.
c) Fulano pra mim é criança de honte – significando que a pessoa citada é jovem em relação a quem fala.
d) Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga – trabalhar com fé é mais garantido que afobar-se.
e) Nóis bebia uma pinga sentida – bebia muito.
f) Pra encontrar com o diabo não precisa madrugar – usado quando se cruza com alguém indesejável.
g) Quanto mais a gente se abaixa mais a bunda aparece – significando que quanto mais atenção se dá aos outros
mais se recebem provas de ingratidão.
h) Trazer (alguém) no riscado – controlar o comportamento (de alguém).
i) Umas par de veiz – diversas vezes.

Nomes e apelidos

Nas formas de nomear pessoas, pode-se notar o relacionamento vicinal que caracteriza a vida na comunidade da
Aldeia, como em tantos grupos humanos, na sociedade industrial, que apresentam fortes relações sociais. Os informantes
mais velhos, via de regra, têm apelidos e se recordam de apelidos de pessoas falecidas – soluções especiais de denominação
- Diversas dessas variantes prosódicas do linguajar interiorano paulista podem ser explicadas como influências da língua dos tupi-guarani, fixadas principalmente durante
217

cerca de dois séculos em que foi largamente utilizada no planalto de Piratininga, como coloca com exemplos Plínio Ayrosa lembrando ocorrências fonéticas vulgares que
se podem encontrar sem violência alguma no esquema geral da fonética e prosódia tupi-guarani; Estudos tupinológicos, 1967, esp. p. 21/25.
Um estudo abrangente do linguajar interiorano e popular de São Paulo é o efetuado por Amadeu Amaral, O dialeto caipira, 1955.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 131


motivadas por afetividade, determinada característica pessoal, determinada circunstância ou outras causas. Uma vez
fixada pela aceitação coletiva, o apelido passa até a prevalecer sobre o nome de registro, que eventualmente pode nem
ser conhecido de todos. Também uma característica de nomeação popular típica de cultura rural e encontrada em nossos
velhos informantes é a junção do nome de um parente próximo (quase sempre pai, mãe, marido ou esposa) surgindo
formas de identificação com sentido de patronímico popular e que passam a funcionar como sobrenomes alternativos218
ou como reforço de identificação oral, deixando para segundo plano, na prática, o sobrenome verdadeiro: Nina de Olária,
ou seja, Nina filha de Olária; Benedito da Nhá Quirina, Benedito filho de Nhá Quirina.
Convém mencionar que, apesar da tradicional devoção de maio, não registramos nomes de motivação ligada à cruz
nem ao orago da igreja (Santa Catarina).

Doc. 33
Apelidos
Anot. na Aldeia de Carapicuíba, 1978/1979

a) Bastião Peludo – Sebastião Pereira da Silva, falecido.

b) Benedito Roseta – Benedito de Tal, falecido; era mameluco e se notabilizou pela ligeireza. O Roseta advém do
nome de peça de ferro colocada na ponta da vara usada para tanger gado, vez por outra utilizada por ele como arma ou
como recurso de intimidação.

c) Lula – Luís Camargo Tolomy, falecido. Apelido derivado do nome. Tocava pandeiro na dança de Santa Cruz.

d) Mimi – Antônio Camargo, nascido na proximidade do dia 13 de junho. Apelido afetivo que o próprio informante
não sabe explicar.

e) Nenê – Ilydia Camargo; apelido afetivo.

f) Nhô Zé Mimi – José Adelino de Andrade. A forma aférese-apocopada Nhô Zé é comum para Senhor José
demonstrando certo respeito. O Mimi é apelido com que sua mãe se tornou conhecida, ficando Zé da Mimi quando era
jovem, logo reduzido para Zé Mimi (portanto um patronímico); a anteposição do Nhô se deu posteriormente.

g) Nhô Gílio – Virgílio Avelino de Jesus, falecido. Foi violeiro e capelão afamado. Por aférese.

h) Pai-Faca – Benedito da Conceição, descendente de índios. Assim chamado por ser arruaceiro e andar armado com
faca.

218
- A. Cândido registrou patronímicos e matronímicos em Bofete-SP: A vida familiar do caipíra, Sociologia16(4), 1954; reprod. em Os parceiros..., 1975, p. 241/143.

132 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


i) Puerinha – Diminutivo de poeira; apelido dado à linha de ônibus e aos próprios veículos que fazem a ligação
Carapicuíba-Aldeia.
j) Sapo – Lucas Dias, descendente de índios. Alcunha motivada pela barriga, que se tem como semelhante à de sapo

l) Xiru – Benedito da Cruz, descendente de índios, falecido. Proprietário de sítio nas proximidades da Aldeia.

m) Zico – Belisário Camargo Júnior, apelido afetivo.

Topônimos populares

Persistem vários nomes populares dados em tempos passados a certos locais, vias e acidentes geográficos na Aldeia
e suas proximidades. A começar pelo antigo caminho que liga a cidade de Carapicuíba à rodovia Raposo Tavares, de
longa data conhecido como Estrada da Aldeia, denominação de origem popular que chegou a ser formalizada pela
municipalidade, mas que, atualmente, recebe outro nome oficial, sem ocorrer esquecimento do popular. Alguns locais,
bairros (que foram bairros rurais, não confundidos com os bairros atuais urbanos do município) e vias públicas estão em
situação semelhante, às vezes conservando a denominação e outras vezes sobrepondo-se-lhes um nome oficial. Neste
caso de dupla denominação – a popular e a nova, oficial – pode ocorrer a prevalência da nomenclatura popular e na prática
a quase completa ignorância da oficial, ou a coexistência de ambas, mas também pode vir o esquecimento da popular
em favor da oficial. A intensa urbanização pode provocar mudanças em topônimos até pela perda do fator funcional que
originou antigos nomes, como por exemplo Bairro das Paneleiras, Rio do Xiru, Tatu; entretanto outros se enraizam de
tal modo no uso coletivo que mesmo com o desaparecimento de sua justificativa continuam prevalecendo: Biquinha (que
antigamente chegava a abastecer os habitantes), Estrada da Aldeia.
A praça determinada pelos quatro lances de construções simples é conhecida por pátio da Aldeia; um significante
incomum em São Paulo e no Sudeste, ainda que mais frequente em cidades do Nordeste brasileiro, refletindo permanências
lusas.
Nem todos os topônimos populares listados no Doc. 34 são de conhecimento de nossos informantes; estão nesse
caso o Rio da Madame, a Ponte doJoaquim Paz, o Puchio, denominações que vários entrevistados desconhecem.
Evidentemente, desnecessário indicar que os mais jovens avultam nesse caso (Anexo 10).

Doc. 34
Topônimos populares
Anotados na Aldeia de Carapicuíba e arredores, 1978/1979

carapicuíba - uma aldeia mameluca 133


Topônimo
popular Localização Origem/mudanças

a) Bairro das Bairro onde residiam e traba- Por ter sido local de produção
Paneleiras lhavam oleiras, próximo da de louça de barro, queimada
Fazendinha em forno escavado em barranco.
Com arruamentos atuais, o
o nome foi esquecido

b) Biquinha Local a cerca de 200m do Nascente dágua, agora quase


largo da Aldeia, na Estrada seca. O nome permanece
Velha de Cotia

c) Estrada da Via asfaltada que liga a sede Um dos mais antigos caminhos
Aldeia do município à Aldeia e, em estabelecendo ligação entre a
continuação, à divisa com Aldeia e outros lugares. Nome
Cotia (prosseguindo até a alterado pela lei mun. 372, 9-
via Raposo Tavares) janeiro-1975, para av Inocêncio
Seráfico (homenagem a esse
proprietário de terras no município)
da sua sede até a Aldeia; daí até a
divisa com Cotia continua sendo
Estrada da Aldeia (Planta de 1974*).
O nome permanece na prática

d) Estrada Ve- Via de terra batida que par- Caminho antigo que conduzia a
lha de Cotia te da Aldeia em direção su- Cotia. Nome alterado pela lei
ou Estrada deste levando à Granja Via- mun. 395, 13-novembro-1975,
de Itu na (mun. de Cotia) e rod. para Estrada João Fasoli (home-
Raposo Tavares; também nagem a esse imigrante e dono
chamada Estrada da Aldeia de terras no local. Ambos os
nomes coexistem

e) Fazendinha Bairro próximo da Vila dos Antiga fazenda no local, agora a-


Pereiras brangida por arruamentos. Nome
em esquecimento

134 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


f) Granja Velha Bairro cortado pela Estrada Existiu granja no local, denomina-
Velha de Cotia, próximo da do Chácara Granja Velha pela
divisa com esse município Planta de 1974*

g) Pátio Praça central da Aldeia -

h) Pico Chanchã Local elevado próximo da Costumavam juntar-se no local


divisa com Cotia, sudoeste muitas aves desse nome (um
da Aldeia e próximo da Fa- picapau da família Picideos,
zendinha Colaptes campestris).
Nome em processo de
esquecimento

i) Ponte Grande - -

j) Puchio Local na Estr. Velha de Co- Nome em processo de


tia, altura da Granja Viana esquecimento
(mun. de Cotia)

l) Rio da Fazenda Pequeno curso dágua ao norte Havia fazenda no local. Consta na
da Aldeia, atravessando a Es- Planta de 1974* como rio da Fa-
trada da Aldeia zenda Velha

m) Rio da Madame Pequeno curso dágua a no- -


roeste da Aldeia; é também
referido como Rio Acima

n) Rio do Xiru Pequeno curso dágua a leste Por extensão, do apelido de pro-
da Aldeia; é outro nome de prietário de terras no local. Nome
rios citados acima em esquecimento

o) Rua Sacramento Via que sai do largo da Al- (Não consta na Planta de 1974*)
deia em direção oeste

p) Rua Santa Catarina Via que sai do largo da Al- Homenagem ao orago da igreja.
deia em direção nordeste, Oficialmente alterado para rua
até o local chamado Xiru Miguel de Camargo

carapicuíba - uma aldeia mameluca 135


q) Tatu ou Morro Local próximo à Estr. da Diz-se que havia muito buraco de
do Tatu Aldeia, a suleste do largo tatu no local. Nome em esquecimento
da Aldeia

r) Vila dos Pereiras Bairro próximo da Fazen- Por extensão do sobrenome de


dinha uma das famílias na área há
tempos. Atualmente abrangido
por arruamentos no sítio
das Paineiras

s) Xiru ou Sítio do Área leste da Aldeia, pela Por extensão, apelido do


Xiru Rua Santa Catarina proprietários de terras. Nome em
esquecimento

8.2. Literatura oral



Segundo nossos informantes mais idosos, contavam-se muitos causos na Aldeia de Carapicuíba, envolvendo fatos e
pessoas reais ou não. Na linguagem popular, a palavra causo tem muitas vezes o valor de coletivo, englobando tanto o que
em termos de estudos de literatura folclórica se denominam contos populares, lendas, mitos, anedotas e outras formas,
quanto ocorrências verdadeiras, sem haver grande preocupação por distinguir umas de outras. Mas se procurarmos
estabelecer com rigor alguma diferença, parece que o portador de cultura folk atribui a narrativas lendárias e mitológicas o
caráter de algo acontecido, real, religioso; enquanto as histórias podem ser sobre temas surgidos da imaginação ou podem
ser narrativas de sentido jocoso, uma anedota219 . Contar causo era próprio de horas de lazer, velórios, reuniões festivas
familiares. Todavia – sempre de acordo com nossas observações e especialmente de acordo com depoimentos – hoje,
a diminuição do tempo livre e o surgimento de outras formas de lazer (cite-se a televisão) têm tornado raro esse hábito
grupal de desfiar narrativas tradicional-populares. Quem conhece e conta alguns temas de literatura oral, na Aldeia, são
poucos elementos de faixa etária alta, geralmente por terem ouvido de outras pessoas, já falecidas: a transmissão oral se
caracterizando, com o pormenor importante da confiança do receptor quanto à veracidade do conteúdo narrado. Os mais
moços, mesmo sendo moradores na Aldeia ou arredores, ou então parentes próximos de nossos informantes de mais idade
e frequentadores do local, desconhecem tais histórias, e quando as ouvem não o fazem com credibilidade, como se pode
- Solicitada a explicar o que é causo, Ilydia Camargo tentou:
219

- Causo é que inventam, como inventam por exemplo causo de um português, de um caipira, uma coisa; agora assombração é outra coisa que quase imita mais o meno
o causo, né.
As narrativas lendárias – denominadas genericamente assombração pelos informantes – constituem formas ditas e ouvidas com respeito, baseadas na credulidade que lhes
atribui a a condição de fatos acontecidos, mesmo que não presenciados pelo narrador; daí a tentativa de Ilydia Camargo no sentido de distinguir causo de assombração.
No exemplo da lenda do Cavaleiro ligeiro diz a informante Alvina da Silva Costa que “-Ninguém num viu o Cavalero, porque tinha medo”, mas aceitavam que ele existia
de fato; enquanto Ilydia afirma sobre outra narrativa lendária: “-Esse não é causo, é coisa acont... é verdadero, assombração!”
Citando Van Gennep, lembra Renato Almeida a conveniência de se manejar a classificação de narrativas populares “conforme o meio ou a circunstância, segundo a
maneira pela qual atua”; Inteligência..., 1957, p. 54.

136 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


perceber acontecia noutros tempos. Os idosos de hoje têm plena consciência de que agora não se contam causos como
antes. Por quê?
-Progresso, né! Tudo mudado, pessoas mudando... (Ilydia).
-Sabe, morre algum muda (Alvina).
Também se encontram, como é natural, narrativas humorísticas, como Ahistória de São Pedro, doc. 44, de sentido
etiológico220 .
Alguns dos documentos seguintes estavam como que adormecidos na memória, em evidente situação de “falta de
uso”. Antigos e famosos contadores de causos foram os frequentemente lembrados Nhô Virgílio Avelino de Jesus (que era
também capelão e está citado por Luís Saia em seu trabalho inédito de 1936/38) e Belisário Camargo, sem dúvida ricos
depositários das mais lídimas tradições populares paulistas. Na maior parte os documentos seguintes foram gravados,
conservando-se naturalmente a prosódia popular, com recursos comuns, de modo simples. O doc. 40 se enquadra no
motivo H64.1 (Werwolf with thread in teeth), de Thompson.

Doc. 35
Assombrações na Aldeia
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Lucas Dias (entrevista)

-Eu vi, quantas vezes eu vi... (ruído de caminhão passando encobre a voz). O cavalo vinha correndo que nem cavalo
manga-largo, né, pac-tac, pac-tac; a gente escuitava, pac-taca, pac-taca. Chegava aí, cabava.
Porcissão, saía daquela catacumba porcissão, i vinha quelas luzalada tudo acesa. Daí a gente enxergava quando
vinha. Quando chegava aí apagava. Não se via mais. Eu vi umas par de veiz aí.
Batê o sino aí. Socá na igreja eu vi.
-Como se explica isso de assombração?
-Ah, isso não sei.
-E lobisomem?
-Lobisome tinha, lobisome é gente. Lobisome; quarqué, eu, você, ele pode sê lobisome. (Risos).
-Como a gente faz para ser lobisomem?
-Eu não sei. Os mais velho conta que... Diz que seis, sete filho, o úrtimo diz que é lobisome. Falam, não sei, eu não
poso dizê; os mais velho fala isso, né, falava. Agora eu não sei. Lobisome é gente.
-E o saci?
-Saci não sei; eu nunca vi isso aí.

220
- Não foi localizado o motivo na sistematização de Stith Thompson, Motif-index..., 1966.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 137


Doc. 36
Assombração do cavaleiro ligeiro
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Alvina da Silva Costa

-O cavalero que vinha até ali no coquero perto da casa do Belisário, dali vortava, né. Não passava dali pra lá*.
Ninguém nunca pôde vê o cavalero, via só que … aquilo que vinha mesmo numa pressa...! Chegava até ali, pra cá do
coquero, dali sumia. Ele corria na Estrada de Itu até perto do pátio, e logo voltava. A gente fechava tudas porta; mas
não fazia mal pra ninguém.
Aqui, chegava a Ave Maria nem criança saía pra brincá, tudo pra dentro. Ninguém nunca viu o cavalero porque
tinha medo, mas ele passava ligero.

* - Não passava defronte à igreja.

Doc. 37
A reza na igreja
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo

-Os três cavalero vinha vindo... Era gente do Juca Vitório; se não me engano vinha um do Nhô João da Cruz vinha
junto; não sei se era Nhô João da Cruz, quem é que era. Lá no arto, vinha vindo os três cavalero de lá. Era mais o meno
dez hora, dez e poco mais o meno. Intão um falô pro otro assim:
-Ôh, a igreja tá aberta, tem reza; vão depressa, nóis arcançá a reza.
Chegaro na Ardeia, marraro o cavalo no coquero, entraro na igreja, tiraro o chapéu, olharo: tudo gente estranha,
tudo branco, tudo empanamado!! Aí disse que levantaro diss’: -Sai daqui qu’essa reza não é pra voceis!
E bateu a porta da igreja.
(Complemento:)
-O Zezinho, do seu Domingos... o Hermindo tinha venda ali na esquina, né, o Zezinho do seu Domingos agora nessa
festa com esse pessoá do Sebastião festero, ele pegô contô p’os filho dele, e ele veio c’os filho dele perguntô pra mim:
Nenê, você lembra do causo dos cavalero? Falei: Alembro. Disse: Intão, eu conto pr’o meus filho, meus filho pensa que
é mentira. Falei: Não; verdade. Isso é verdade!
Agora, eu não cheguei a vê! Mas tinha gente que chegava, contava que isso é um causo verdadero.

138 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Doc. 38
Reza dos mortos
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
conversa entre Lucas Dias e Antônio Camargo (Mimi)

Mimi: - Os antigo, eu via conversá na venda aí, que lá do arto – era tudo campo aqui, não – quando era dez/
onze hora da noite um pessoar vinha vindo a cavalo, disse: -Ôh, hoje tem missa na Ardeia, tem reza na Ardeia, vamo tocá
depressa os cavalo. Chegava ali no pátio...
Lucas: -Ah, esse ‘cê tá falando sabe quem é?
Mimi: -Anh?
Lucas: -Você chegô conhecê mal-e-má aquele Filia Cianinho?
Mimi: -Anh, pai da Nhá Marcelina, né!
Lucas: -É, isso. Ah, aquele quando veio de lá, ele trabalhava, ali regulano par’ce qu’umas nove/dez hora não
sei, qu’ele veio, diz que tava aberta a igreja – eles contam, né.
Mimi: -Ele entrô na igreja, né.
Lucas: -Não entrô; ele chegô na porta da igreja, aí diz que veio uma de lá, levantô e veio, um, e disse assim:
-Você vai embora porque aqui é reza de mórto, não de vivo.
Diz que ele fastô da porta da igreja, assim contam, não sei – fastô e a igreja fechô.
Mimi: -Isso ovi falá.

Doc. 39
Assombração do cavaleiro
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo (presente também Alvina da Silva Costa)

-Dos três tamém, dois que saiu aqui, Alvina. Era gente dos Vitório, sempre era gente dos Vitório.
A gente escutava isso sempre quando morria anjinho aqui na Ardeia; saía muito causo, muita anedota.
Intão foi dois cavalero indo daqui pra lá*. Quando chegô ali, um cavalero arcançô eles, i quando aquele cavalero
arcançô eles, o chapéu deles cresceu, cabelo ohrn!** Aí cresceu. Eles conversava e o cavalero não conversava; descia
quieto. Intão ali na Granja Velha, tinha aquele triinho que subia nos Laia, né. Bão. Intão tinha aquela água pra passá
ali, pa passá a pé a gente tinha a pontinha; i pa passá a cavalo passava p’ dentro do rio, né. Bão. Os dois cavalero
passô p’o meio da água; aquele não passô p’ meio da água, já sperô lá na frente, já passô. Aí já foi mais o meno assim.
Agora – eles falaro – pra nóis i pra cá, o cavalero acompanha. Intão vamo subi esse triinho aqui, ele não acompanha
nóis, nóis vão pará no João Puri.
Quando eles subiro naquele triinho que ia pra lá no Laia deu um pé de vento, Alvina, um pé de vento qu’ quase
derrubaro eles! Correro e entraro num ranchinho de Nhô João Puri. Quando eles descero do cavalo entraro no ranchinho

carapicuíba - uma aldeia mameluca 139


de João Puri, ele falô: -A vossa salvação foi vocês entrare aí.
Se escondero; entraro lá dentro e se escondero.

* - Indica a direção onde atualmente se situa a Granja Viana.


** - Gesto de cabelo arrepiado e chapéu como que saindo da cabeça.

Doc. 40
Lobisomem
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo (presente também Alvina da Silva Costa)

Ilydia: -Lobisome eu... Diz que existe; existia, agora não existe mais. A gora lobisome é gente Mas que gente que
não é batizado, né. Gente que não é batizado.
Agora lá em Pinheiros nós moramo na rua Alvarenga, vizinho de um senhor que era lobisome. Ele saía, os filho
contava que ele saía... cinco pa meia-noite ele saía, né; e depois vortava, às veiz vortava c’a ropa tuda rasgada, o dente
tudo cheio de coisa assim, né. I aquela sina, aquela missão qu’ele tem pra cumpri. I aqui na Ardeia memo tinha um que
contô, que correu. Antigamente usava essas saia de baeta, né, i vinha vindo o lobisome, e a moça correu trepô na portera,
e o lobisome pegô, começô linhá aquilo dela, e ficô quelas coisa da saia dela no dente dele. Otro dia eles conhecero quem
era a pessoa que era lobisome, que tava c’o dente tudo cheio daquelas coisa da saia dela.
(Complemento:)
-Qual é a sina do lobisomem?
A sina do lobisome diz que é sete ano que tem que cumpri. Mas agora hoje em dia já não tem mais nada disso.
Alvina: -Ah! Agora não tem mais nada.
-Por que?
Ilydia: -Progresso, né! Tudo mudando, pessoas mudando.
Alvina: -Sabe morre, algum muda.

Doc. 41
O japonês empanamado*
Anedota gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo

-O japonês levô a mulher no médico; ela tava doente, levô no médico. E a mulher todo dia trabalhando, sarô, ficô
boa; o marido ficô branco, empanamado*, que não podia nem pará em pé. Branco, empanamado* o japonês. Então vai
um conhecido dele chegô pra ele falô:

140 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


-Oh... O nome dele era... (Pensa) tinha um nome esquisito que esqueci agora. -Oh, como é, Fulano, você levô vossa
mulher no médico, vossa mulher sarô; você tá desse jeito!? O que aconteceu?
Êh sabe (Tentando imitar fala de imigrante japonês), eu levô minha muié no dotoro, non, dotoro falô assim pra mim:
Todo dia meu mulher toma de noite novalgina. Eu fazê**

* - Amarelado, por causa de fraqueza ou doença; tonto.


** - Baseada em trocadilho com marca de analgésico.

Doc. 42
Fábrica de gente
Anedota anotada na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ítalo C. Camargo

-Era um home que trazia a filha no riscado, e ela não sabia nada. Uma vez, estavam passando em frente um motel,
e a moça perguntou:
-Papai, o que é isso aí?
-Ah, isso é fábrica de criança.
Daí, noutro dia ela foi com uma amiga e as duas viram um home comendo uma mulher por trás. Quando voltou pra
casa disse:
-Papai, eu estive naquela fábrica de gente, e vi um home que tinha acabado de fazer uma mulher, e estava torneando
o cu.

Doc. 43
O moço que casou
Anedota anotada na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo

-Um moço casou e o pai recomendou que se portasse direito na noite de núpcia, sem fazer barulho porque todos iam
ficá escutando por curiosidade. Mas de noite o filho:
-Paiê!
Nada
-Paiêêê!
-O que foi?
-Paiêêê.
-O que foi, meu filho?
Nada. Até que uma hora chamô de novo lá do quarto donde estava
-Paiêeêê!

carapicuíba - uma aldeia mameluca 141


-Mas o que foi meu filho?
-O saco não qué entrá, paiêêê!

Doc. 44
A história de São Pedro
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo. Obs.: O registro desta narrativa foi dos mais problemáticos,
pois os informantes se negavam a dizê-la; a própria informantes ao se dispor a contar
a história ainda negaceou, alegando ser uma história muito feia

-A história de São Pedro a minha mãe que contava; que o culpado de as buceta das mulhé fedê é o São Pedro.
Porque São Pedro andô com uma penca de buceta pra colocá nas mulhé; intão, ele cansô e dexô as penca na cerca de
arame. Quando foi no otro dia ele pegô, falô assim:
-Puxa vida! Esqueci de colocá as buceta nas mulhé Como é que eu vô fazê?
Aí quando ele chegô, tava tudo fedendo! E ele pegô diss’:
-Ah! Mas eu já comprei... Mas eu já comprei... já tinha que colocá essa, eu vô colocá fedeno mesmo.
Então foi agora as buceta disgraçuda fede por causa, culpa de São Pedro! (Risos).

Doc. 45
Perguntas
Gravado e anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informantes: Ítalo C. Camargo e Ilydia Camargo

a) O que é que
nasce na terra
e mora na água.
Se voltar na terra apodrece?
(Canoa)

b) Um camarada tinha cinquenta e uma vacas. Ele foi contá no dia seguinte, tinha cinquenta e dois bezerro,
e nenhuma deu dois bezerros. Como apareceu um bezerro a mais?
(Uma das vacas se chamava Nenhuma)
c) O que é que
tem coração na ponta do rabo?
(Cacho de bananas)
d) O que é que

142 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


cai em pé
e corre deitado?
(Água)
e) O que é uma coisa
que tá com a boca pra cima, tá vazio;
tá com a boca pra baixo, tá cheio?
(Chapéu)

f) Qual é o céu que não tem estrela?


(Céu da boca)

g) Tem coroa, não é rei;


tem escama, não é peixe.
O que que é?
(Abacaxi)

h) Qual é a boca que não usa dentadura?


(Boca da noite)

i) A filha é verde
a mãe é encarnada;
a filha é mansa
a mãe é braba
(Pimenta)
j) A mãe é mansa
e a filha é braba
(Raiz de sapê; por causa
do espinho)

l) É comprido e é branco;
tem pavio que nem vela
e não é vela
(Mandioca)
m) O que é uma coisa
que entra duro
e sai mole pingando?
(Macarrão)

carapicuíba - uma aldeia mameluca 143


n) Qual é a menina que não usa calça?
(Menina dos olhos)

o) Vamo fazê o que Deus mandô


Uni pelo com pelo
e a pelada tá no meio
(Fechar os olhos)

p) Pé redondo
e rastro comprido
(Carro; carro de boi)

q) Uni bunda com bunda


o gostoso tá no meio
(Um prato com outro e a comida
deixada entre eles para não esfriar)

r) Tem bico mas não bica


tem asa mas não voa
(Chaleira, bule)

s) O que é uma coisa


que anda de manhã cedo
a casa toda
e se esconde atrás da porta?
(Vassoura)

t) O que é que
o pires falou pra xícara?
(Ai, que bundinha quente!)

144 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


8.3. Costumes

Uma prática muito em voga antigamente na Aldeia de Carapicuíba era a do muchirão (palavra mais comum entre
nossos informantes) ou mutirão221. Como já estudado, trata-se de uma forma de ajuda vicinal, caracterizada pela
participação desinteressada e livre de pagamento, mais comumente em trabalho agrícola ou de barrear casa de pau-a-
pique (mas podendo ter outros objetivos). Registra-se como agradecimento o beneficiado servir, à noite ou durante o dia,
as necessárias refeições aos seus colaboradores. Na Aldeia era muito frequente servirem-se café e canjica, ou virado de
feijão com arroz, leitão assado, arroz-doce. Nos trabalhos coletivos na roça era costume cantar-se em coro a duas vozes;
entretanto nossos informantes não se dispuseram sequer a uma tentativa de reconstituição, alegando faltarem pessoas para
formar o conjunto.
Promessas eram comuns quando da aproximação de festas cíclicas. Uma das práticas ligadas à religiosidade era a de
as mulheres fazerem promessa de limpar (varrer, lavar, juntar todo o material inservível) o pátio e especialmente o adro
da igreja, e depois entrar no templo descalças.
Quando havia velório, cantava-se uma reza que tinha por estribilho:

Meu Anjo da Guarda
Bem aventurado
Eu sempre convosco
Meu Anjo
Me tenho guardado
Esse é apenas um fragmento da recitação cantada. Depois de ter sido levado o defunto, era costume varrer a casa e
jogar o lixo na direção tomada pelo cortejo fúnebre222 . Nos sete dias seguintes, se rezava o terço na residência do falecido,
em dedicação à sua alma.
Tais práticas se acham em desuso, bem como o batismo após a morte, estranho costume (doc. 47) sobre o qual não
encontramos referência bibliográfica.

Doc. 46
Mutirão para serviços de roça
Informação escrita, 1979, de Alayde Camargo Bernardo e relativa aos decênios de 1920/30, quando a informante
(criança e jovem) frequentava a Aldeia de Carapicuíba com a família

Para fazer farinha de mandioca: casa do velho Jeremias. As pessoas iam chegando às 7h, trabalhavam, contavam
causos, durante dias até terminar o trabalho.
221
- Sobre essa forma de ajuda mútua, ver P. Ayrosa, Rev. do Arquivo 1(2); Idem, Estudos..., 1967, p. 103/109; A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 67/71 e 126/129. Por sua
vez, A. G. Cunha inclui o termo em seu Dicionário..., sem todavia indicar se o étimo é tupi. E. Willems estuda o mutirão em Cunha..., 1947, p. 34/40 e 165.
222
- Em Cunha, Emílio Willems registrou: Imediatamente após ter ‘saído o enterro’, limpa-se a casa toda, mas em vez de varrer o cisco para os fundos, atiram-no pela porta
da rua; Cunha..., 1947, p. 125.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 145


Num cômodo na frente da casa ficava uma espécie de fogão a lenha; para torrar a farinha usavam enorme tacho de
cobre; com um utensílio de madeira no formato de um rodinho mexia-se a farinha. (Como é usual em Casas de Farinha).
O preparo da farinha era feito da seguinte forma: uma pessoa segurava a mandioca enquanto outra girava uma roda
(espécie de moenda), embaixo ficava uma gamela de madeira comprida que ia recebendo a mandioca ralada. A mandioca
ralada era colocada numa espécie de forma de taquara trançada chamada “tipiti”; uma prensa de madeira extraía o
líquido, tampavam-se os “tipitis” e colocavam-se no ribeirão amarrados numa estaca. Isto era feito para tirar o amargo da
mandioca, durante um determinado tempo. Ia novamente para a prensa para tirar a água. Neste ponto a mandioca ralada
era colocada no tacho acima descrito, as pessoas se revezavam até torrar toda a farinha, que era repartida entre as pessoas
que trabalharam.
Para colher batata: (bem no alto do morro, alto da Aldeia), do casal japonês Nissino a senhora recepcionava os que
iam ao mutirão com virado de batata inglesa (uma delícia) e café.
Para debulhar milho: casa da Albertina, à tarde chegavam dois carros de boi cheios de milho. Às 18 horas as pessoas
iam chegando para debulhar o milho; usavam um sabugo e iam rapando os outros para debulhar mais depressa. O milho
ia em sacas, para o Mercado de Pinheiros onde era vendido. A palha era usada para fazer colchões e forrar chiqueiros.

Doc. 47
Batismo após a morte
Gravado em Carapicuíba, 1979; entrevista com Ilydia Camargo

-Os padrinho vão dia 2 de fevereiro, que é dia de Nossa Senhora das Candeias, vão batizar no cemitério. Vai o pai
e a mãe, e leva os padrinho, e batiza a criança no cemitério conforme ele tá batizano a criança viva; pra criança não
ficá pagão.
-Não vai padre?
-Não, não. Eles têm um livro no catecismo, que ensina como é que a gente batiza a criança.
-Que livro é esse?
-É o catecismo antigo.
-Costuma ainda hoje ou não?
-De hoje, esses tempo pra cá não tenho escutado mais ninguém que faça isso. Antigamente sim; a religião antigamente
era outra.
-Outra como?
-Era mais... a gente tinha mais, a pessoa mais católica, criada mais aquela coisa... a religião era mais... não sei
como vô dizê; era firme, a religião mais firme, o catolicismo era otro.

8.4. Medicina caseira

Como se sabe, remédios caseiros assumem grande importância em populações menos integradas a padrões de cultura
erudita, até porque muitas vezes eles constituem o único recurso disponível para a cura desejada. Isso explica, em poucas

146 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


palavras, o conhecimento que alguns informantes mais idosos guardam de velhas práticas incluindo principalmente
vegetais colocados em infusão na água (ou em aguardente), de uso dos antigos.
-Ah, eles (chás) dava pra tudo. Aí a questão é psicológica. (Belisário, tentando explicar a quantidade de preparados).
Hortelã, alecrim (Rosmarinus officinalis), laranjeira (Citrus aurantium), poejo (Cunila microcephala e outras),
beladona (Atropa belladonna) e tantos outros vegetais são frequentemente incluídos em diferentes receitas caseiras,
muitas das quais os primeiros jesuítas chegados ao Brasil aprenderam com os indígenas223; mas com o passar do tempo
essas receitas vão sofrendo naturais modificações, acréscimos, adaptações, substituições, conforme a região e conforme
influências que os grupos sociais recebem. No caso da Aldeia de Carapicuíba, parece perfeitamente aceitável ter havido
um grande acervo de conhecimentos de terapêutica acientífica, desaparecido quase por completo por causa da presença
de produtos farmacêuticos industrializados e pela facilidade de locomoção até centros desenvolvidos, onde o interessado
pode consultar um médico. Nossos documentos seguintes não constituem, portanto, exemplos de prática frequente e
atual na Aldeia e arredores, e sim, mais comumente, lembranças e sabedoria de elementos do povo quanto a esse assunto,
cuja aplicabilidade fica até prejudicada hoje pela desnecessidade da previdência de se cultivar no quintal plantas que
apresentam tal utilidade. Quanto ao aspecto psicológico, convém lembrar não termos registrado a presença de práticas
espirituais – simpatias, rezas, ritos mágico-religiosos – acompanhando as receitas de mezinhas, o que talvez seja explicado
pelo pormenor de a coleta ter-se reduzido apenas a preparados caseiros, isto é, sem dependerem e sem provirem de
determinado curandeiro ou rezador, raizeiro, tipos que não foram localizados na Aldeia e arredores.

Doc. 48
Chás caseiros
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
das informantes Alcina da Silva Costa e Ilydia Camargo; gravado em São Paulo, 1979,
do informante Belisário Camargo Júnior

Os chás caseiros são feitos misturando-se geralmente folhas ou ramos da planta com água e levando ao fogo para uma
fervida, após o que se toma; ou também se pode guardar para tomar em doses. Não é costume usar açúcar.

a) Três ramos de carqueja (Gên. Baccharis) para dores de rim.


b) Pariparova (Gên. Piper) e carqueja (Gên. Baccharis) para dores de rim.
c) Três ramos de alecrim (Rosmarinus officialis) para coração.
d) Poejo (Mentha pulegium) para regularizar o intestino e o estômago.
e) Hortelã (Mentha pipperita) vermífugo; também para fígado.
f) Cipó cabeludo (Gên. Mikania) duas folhas, para dor de rim.
223
- Várias indicações são dadas por J. de Anchieta, Cartas inéditas, 1900, p. 38, 43 e outras; Idem, Capitania...., 1946, p. 39 e 41/42. As necessidades do primeiro século
na Colônia fizeram com que nos jesuítas, com os recursos disponíveis, formassem e desenvolvessem um quadro de receituário próprio, em que se destacava a Triaga
Brasílica até com fórmulas secretas, conforme lembra Maria T. L. A. Camargo, Garrafada, 1975, p. 15 (incluindo citação de Serafim Leite, Artes e ofícios dos jesuítas,
1549-1579). O aproveitamento da fauna e da flora para preparo de remédios caseiros pelos jesuítas é lembrado também por Sérgio B. de Holanda, Caminhos e..., 1957,
esp. p. 88.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 147


Doc. 49
Chá para resfriado
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979
informante: Ilydia Camargo

Ingredientes: três copos dágua, três gotas de alho sativo, três gotas de acónito (Aconitum napellus) e três gotas de
beladona (Atropa belladona).
Modo de preparar: misturam-se os ingredientes na água e deixa-se em vasilhame, em infusão. Toma-se uma colher
(de sopa) a cada hora.
Indicado para curar resfriado forte, gripe, febre.

Doc. 50
Chá de mexerica com mel de abelha*
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979; informante: Ilydia Camargo

Ingredientes: três folhas de mexeriqueira, água e mel de abelha.


Modo de preparar: ferve-se a água com as folhas de mexeriqueira, depois se adoça com mel. Toma-se quente.
Indicado para curar gripe e bronquite (chiado no peito).

* - A forma usual, nos informantes, é mixirica, mixiriqueira.

Doc. 51
Chá de laranjeira**
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979; das informantes Alvina da Silva Costa e Ilydia Camargo;
gravado em São Paulo, 1979, do informante Belisário Camargo Júnior

Ingredientes: algumas folhas de laranjeira e pinga.


Modo de preparar: deixam-se as folhas em infusão com a pinga, numa vasilha, por um mínimo de três dias.
Indicado para curar resfriado.
Obs.: Também se usam folhas de mexeriqueira.

** - Trata-se e uma infusão com uso de aguardente, porém os informantes a denominam chá, com tratamento igual
aos preparados em que se usa água para ser fervida.

148 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Doc. 52
Chá de cipó cabeludo
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Alvina da Silva Costa

Ingredientes: duas folhas de cipó cabeludo (Gên. Mikania) e água.


Modo de preparar: deixa-se ferver a água com as folhas. Toma-se quente.
Indicado para dores de rim.

8.5. Culinária

Até meados do século XX, os habitantes da Aldeia de Carapicuíba incluíam em seus hábitos alimentares vários pratos
regionais paulistas. Já fizemos referência ao pastel de farinha de milho que era especialidade de Albertina Pereira Leite
na festa de Santa Cruz, e aos doces da quituteira Vitalina de Tal, do Embu e que se deslocava para a Aldeia em época de
festa. A bebida pau-a-pique, a gemada para os instrumentistas da dança de Santa Cruz em maio e setembro, o arroz-de-
suã, a carne e a gordura de porco, a rabanada, o camarão de água doce, o lambari frito, a batata doce em calda, o camburu,
o pixé, a paçoca de carne – são outros componentes da dieta cotidiana ou cíclica do local e arredores em outros tempos e
que em grande parte caíram em desuso224 .
CUSCUZ - Entre os pratos anteriormente muito apreciados figurava o cuscuz paulista, feito em cuscuzeiro de barro225
(confeccionado por oleiras do chamado bairro das Paneleiras, situado a oeste do largo da Aldeia). Trata-se de peça
encontrada, com suas feições gerais, em outras regiões produtoras de “louça de barro” – a parte inferior (chamada
bunda do cuscuzeiro), destinada a conter água e tendo apenas um orifício para essa finalidade; e a superior (boca do
cuscuzeiro) destinada a abrigar e cozer o cuscuz, e ligada à outra por vários furos de pequeno diâmetro que têm a função
de deixar passar o vapor dágua que completa o cozimento. Sendo assim uma peça inteiriça, obrigava o recurso de se
colocar previamente um guardanapo no receptáculo destinado a cozer a massa (o cuscuz), o qual era indispensável
na hora de virar o cuscuz, isto é, retirá-lo sem precisar literalmente virar o próprio cuscuzeiro (ver receita de cuscuz,
adiante). As mulheres ou os jovens subiam pelos riachos das proximidades mariscar camarão de água doce e lambari,
ingredientes desse prato; e por ocasião da Semana Santa a gordura de porco era substituída por óleo vegetal, obedecendo
a preceitos católicos. Hoje, não apenas o cuscuz deixou de ser feito com a frequência de antes, mas camarão e lambari
nem se encontram mais, que os riachos ou secaram ou estão poluídos226. Outro preparado de todos era a paçoca de carne

224
- Na bibliografia consultada não localizamos registros de batata doce em calda, rabanada, camburu e pixé (este com o significado anotado na Aldeia).
225
- Há dois tipos de cuscuzeiro popular e artesanal: um com duas partes sobrepostas formando uma só peça – a parte inferior que é a panela onde vai água para ferver, e a
forma situada acima da panela e que contém o cuscuz. A altura total varia entre 20 e 30 cm. O outro tipo se resume na forma para conter a massa (seu uso depende portanto
de outro vasilhame onde se coloca água). De acordo com nossos informantes, na Aldeia deve ter sido conhecido o cuscuzeiro de duas partes sobrepostas.
226
- Jamile Japur afirma que antigamente preferia-se o bagre para o cuscuz, podendo levar ainda farinha de trigo em vez da de mandioca, que aparece em nosso doc. 53. O
cuscuz foi desde muito tempo um dos pratos de relevo da cozinha paulista, conforme essa autora; Cozinha tradicional..., 1963, receita nas p. 38-39, considerações nas p.
28-29.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 149


consumida com arroz e feijão ou simplesmente acompanhada de café ou banana nanica227 .
-Agora nem tem pilão, né. Só se fizé na máquina (Alvina).
-A paçoca socada no pilão é gostosa porque fica fiada de carne; e na máquina fica carne moída (Ilydia, com gesto
de desaprovação).
IÇÁ - Um hábito alimentar arraigado, herdado dos indígenas, era o de comer içá (Atta sexdens) torrada ou frita. De
setembro em diante, no tempo da revoada – a saída das fêmeas dos formigueiros, com o abdome carregado de ovos –
muitas pessoas se punham a correr atrás de içá por aí, como lembra o informante Lucas Dias, descendente de índios228,
que explica o modo simples de preparar as formigas:
-Botava na caçarola e fazia salmora de sal, ia mexendo. Ele ia secando. Saía tud’aquelas perninha delas, asa, e
ficava só o corpinho dele, assim. É gostoso!
Havia muitos formigueiros nos arredores da Aldeia, onde hoje a urbanização e a ocupação do solo impedem sua
existência.
-Ah, agora não come mais, p’que não tem...! (Lucas).
Comia-se ainda o arroz-de-suã, cuja dificuldade atual para ser preparado começa já no corte da coluna vertebral do
porco visando obterem-se as costelas, o que impede seu aproveitamento adequado para aquele prato. E também se comia
o virado (feijão misturado com farinha de mandioca ou de milho), a pamonha de milho verde, o melado com farinha de
mandioca229.

227
- J. Japur dá duas receitas de paçoca de carne, em que entra torresmo e diz ser esse prato sempre acompanhado de banana; Cozinha tradicional..., 1963, p. 44/45. Alceu
M. Araújo inclui a paçoca de carne seca entre pratos típicos de Minas Gerais, Folclore nacional, v. III, p. 225; e Bariani Ortêncio dá receita integrando A cozinha goiana,
1967, p. 217, confirmado por Regina Lacerda, Folclore..., s/d, p. 48/49.
228
- Anchieta registra: Na primavera, isto é, em Setembro, si o sol está quente, soltam os enxames, quase sempre no dia seguinte ao de chuva e trovões (…). Porém na occasião
da sahida dos buracos, as comem as aves e os indios que anciosamente aguardam esta época, tanto os homens, como as mulheres; abandonam as casas, partem, correm
com grande alegria e satisfação, para colher os novos fructos, chegam à entrada dos buracos, e enchem de agua as pequenas covas que abrem, e ahi ficando se defendem
do furor dos paes, e apanham os filhotes, ao sahirem dos buracos, e enchendo as suas vasilhas, com certeza algumas grandes cabaças, voltam para casa, torram ao
fogo em panella, de barro, e comem, torrados, porém conservam-se por muitos dias, sem arruinar. Quanto é saboroso este alimento e como é saudável, conhecemos nós
próprios, que o experimentamos. José de Anchieta, Cartas inéditas, 1900, p. 37; também de Anchieta, Capitania..., 1946, p. 33/35.
Viajando para Minas Gerais em 1717, d. Pedro de Almeida Portugal foi surpreendido num rancho onde pernoitou, nas proximidades de Jacareí e São José dos Campos,
pelo oferecimento de um paulista que com generozo animo offereceo a sua Exª para cear meyo macaco, e humas poucas formigas, que era com tudo quanto se achaua.
Agradeceu lhe sua Exª a offerta, e preguntandoselhe a que sabião aquellas iguarias, respondeo, que o macaco era a caça mais delicada, que hauia naquelles matos
circumvizinhos, e que as formigas eram tão saborozas despois de cozidas, que nem a milhor manteiga de Flandes lhe igualava; Diario da jornada..., em Rev. do SPHAN
(3), p. 307/308.
Karol Lenko faz apanhado de referências sobre a utilização de içá (tanajura, saúva) como alimento em algumas regiões do Brasil, uma herança deixada pelos nossos
índios, e documenta a venda desses insetos nos Estados Unidos, cerca da década de 1950, recobertos de chocolate, com matéria-prima importada da Colômbia pela firma
Reese Finer Foods, de Chicago: A içá, um petisco nacional, A Gazeta, 22-outubro-1960; adaptado e reprod. em Lenko & Papavero, Insetos..., 1979, . 276/283.
J. Japur lembra que viajantes observaram esse costume em São Paulo e outros lugares; Cozinha tradicional..., 1963, p. 18, 28 e 29. Luís C. Cascudo também faz referências,
Dicionário..., 1954, p. 271, 567/568 e 602. No Cozinheiro nacional, editado pela Livraria Garnier no século XIX, consta a seguinte receita de “Tanajura frita”: “Toma-
se uma porção de tanajura e escalda-se com água quente; tiram-se depois os abdomens que se frigem em gordura, polvilhando-se com sal e pimenta, e estando bem
torrados servem-se como prato de surpresa; no gosto, assemelha-se ao camarão”; cit. por Lenko & Papavero, Insetos..., p. 282. Na tradição popular não se escaldam as
formigas, mas sim se fritam em gordura.
229
- Sem dúvida é frequente o uso do milho e da mandioca, duas constantes na dieta do caipira e, afinal, do brasileiro de outras regiões, como já visto através de outras
citações. Antônio G. da Cunha faz uma extensa listagem de referências à mandioca: A atestar a extraordinária importância da mandioca como alimento indispensável aos
indígenas e aos primeiros colonizadores europeus, a documentação (…) é abundante e extensa. Nenhum outro vocábulo de origem tupi está tão amplamente documentado
na língua portuguesa (…); Dicionário. Ver também Otoniel Motta, Do rancho..., 1941, p. 121.

150 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


No tempero dos salgados era costume usar certas plantas cultivadas no quintal – que hoje em dia é raro... – como
alecrim (Rosmarinus officinalis), manjericão (Ocimum basilicum), louro (Laurus nobilis).
Alguns doces também deixaram de ser comuns, até por falecimento das pessoas que conheciam os segredos da
culinária tradicional e não os transmitiram aos demais; é o caso do sequilho:
-Minha mãe sabia, e levou a receita com ela (Ilydia).
Belisário Camargo Júnior tem fama de saber preparar uma deliciosa paçoca de amendoim230 ; porém não a faz com
a frequência de seu tempo de jovem, até cerca da década de 1950. Nessa primeira metade do século ainda se fazia canjica
tal qual no século XVIII231 : milho socado no pilão e cozido nágua; os complementos viriam depois ao servir-se.
Hoje em dia, no trivial dos habitantes da Aldeia e de pessoas que, mesmo não residindo no local e arredores permanecem
ligadas às suas tradições, se incluem arroz e feijão, alguma salada, batata, alguma carne, ovo; aos domingos macarronada,
frango, e os mais abastados podem acrescentar maionese, canja, às vezes torta – não obrigatoriamente todos esses pratos,
mas variando entre eles. Em 1978, com a instalação de um restaurante de pratos típicos chilenos em ambiente rústico da
casa 2, foi com grande receptividade que os habitantes da Aldeia e arredores conheceram a empanada, abrindo o leque de
opções alimentares de fim de semana. É raro fazerem cuscuz, paçoca de carne, arroz-de-suã e outros pratos dos antigos,
como dizem, e que os elementos mais jovens podem jamais ter experimentado.
Os documentos seguintes dizem respeito a fatos da culinária regional paulista – com a ressalva já feita de não serem
tão comuns na Aldeia e arredores como em outros tempos – independente de outros que foram incluídos em outros
tópicos deste trabalho por se integrarem também em culinária cíclica.

Doc. 53
Cuscuz
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo, que diz ter aprendido com sua mãe, Eufrosina Andrade Camargo

Ingredientes: farinha de milho em pedaços, pequena quantidade de farinha de mandioca (apenas para dar liga),
cheiro verde, gordura de porco, água, sal, camarão de água doce, lambari, palmito, abobrinha, chuchu, tomates, ovos
cozidos, azeitonas, sardinha (fresca ou em lata), cenoura. A quantidade de cada ingrediente é determinada pela prática.
Modo de preparar: mistura-se a farinha de milho e a de mandioca; adicionam-se os temperos refogados com a

230
- J. Japur dá receita da paçoca de amendoim, Cozinha tradicional..., 1963, p. 69, com variante de fubá em lugar da farinha de mandioca como em nosso doc. 57. Sobre o
mesmo prato, acompanhada de banana, ver depoimento recolhido por A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 272.
231
- Referindo-se à moderação do pe. Belchior de Pontes no comer, na verdade seu biógrafo registrou a realidade da dieta do habitante pobre rural da época, que tinha na
canjica um dos pratos comuns: Consta de milho grosso de tal sorte quebrado em hum pilão, que tirando-lhe a casca, e o olho, fique o mais quasi inteiro. He manjar
tão puro, e simples que, além de agoa, em que se coze, nem sal se lhe mistura. Finalmente he sustento próprio de pobres (…); Manoel da Fonseca, Vida do..., s/d, p. 55.
Certamente um traço da cultura indígena assimilado pelo colonizador e pelo mameluco, já no século XVIII ou antes.
Em sua coleta sobre culinária paulista, J. Japur dá receita de canjica cozida na água mas dizendo ser costume acrescentar leite, pouco antes de tirá-lo do fogo; Cozinha
tradicional..., 1963, p. 63. A presença e a importância do milho na alimentação do caipira paulista é relatada por A. Cândido, Os parceiros..., princ. p. 47/53; e S. B. de
Holanda, Caminhos..., 1957, p. 215/225.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 151


gordura de porco, salmoura, amassando-se bastante a fim de misturar bem. Fritam-se na gordura de porco outros
ingredientes: cenoura, chuchu e abobrinha picados, tomates, peixes, etc além dos temperos dosando com água (deve ficar
bem aguado), que são juntados à massa de farinhas. Reservam-se um ou dois ovos duros, pedaços de peixe (especialmente
sardinha) cozidos, azeitonas.
No vasilhame onde o cuscuz vai ser cozido em vapor dágua arrumam-se no fundo: fatias de ovos duros, sardinhas
ou peixe, azeitonas, fatias de tomates, camarões; e sobre esses ingredientes previamente reservados se coloca a massa.
Em cerca de 25 minutos, com a água fervendo, o cuscuz está pronto.
Anteriormente se usava o cuscuzeiro de barro para o cozimento, no fundo do qual era costume colocar um guardanapo
(de pano de algodão) molhado, de modo que sobre ele ficava posta a massa. Também era costume cobrir o cuscuz com
folha de couve manteiga antes do cozimento; quando ela estivesse amarelada o cuscuz estava no ponto de cozimento.
Tirava-se a folha e se retirava o cuscuz da forma de barro puxando as pontas do guardanapo; diz-se virar o cuscuz no
prato (não se podia virar o cuscuzeiro por causa da água colocada na parte inferior e indispensável para cozimento).
Outro meio de saber se o cuscuz já atingiu o ponto ideal de cozimento é o que consiste em enfiar uma faca nele: se ao
ser retirada ela estiver limpa, o cuscuz se acha cozido, mas se vier com massa, ainda está cru. Na Semana Santa, se
substituía a gordura de porco por óleo vegetal. Atualmente, em vista da falta de camarão de água doce e lambari, se usa
camarão salgado e cação. Com o desaparecimento do artesanato de utensílios de barro, pode-se fazer cuscuz em forma
de alumínio apropriada ou em forma de bolo ou ainda em escorredor de macarrão.

Doc. 54
Paçoca de carne
Anotado em Carapicuíba, 1979;
informante: Alvina da Silva Costa; gravado em São Paulo, 1979;
informante: Belisário Camargo Júnior

Ingredientes: carne de vaca (de segunda), óleo ou gordura, farinha de mandioca ou de milho, manjerona, salsa,
alho, sal, cebolinha verde, tomate, cebola, água.
Modo de preparar: pica-se a carne (corta-se em pedaços pequenos) e leva-se a refogar com temperos. Quando
estiver cozida, leva-se a socar no pilão, juntando-se farinha aos poucos. O ponto da paçoca – obtido como diz o povo
pela prática consegue-se quando ela estiver com a carne bem desfiada e misturada à farinha, nem muito seca por falta
de água nem pastosa pelo excesso.
Também se pode usar carne defumada (deixada no fumeiro para secar), cortada em tiras, antes de ser picada para
socar no pilão.
Serve-se com café ou com banana nanica, ou ainda à refeição com arroz e feijão.

152 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Doc. 55
Rabanada
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1978;
informantes: Ilydia Camargo e Lourdes Domingos Camargo;
e gravado em São Paulo, 1979; informante: Belisário Camargo Júnior

Ingredientes: pão amanhecido, leite, ovos, sal, óleo, açúcar e opcionalmente canela.
Modo de preparar: corta-se o pão em fatias, que são molhadas no leite (em um prato) e depois em ovos batidos (em
outro prato). Fritam-se as fatias de pão, deixadas secar sobre um pedaço de papel ou em guardanapo (para absorver o
óleo); passam-se em açúcar. Para quem gosta pode-se também polvilhar canela em pó.
Serve-se acompanhada de café.

Doc. 56
Canjica
Gravado em São Paulo, 1979;
informante: Belisário Camargo Júnior

Ingredientes: milho branco ou amarelo, água, cinza como complemento para pilar, leite, açúcar.
Modo de preparar: socava-se no pilão o milho seco, branco ou amarelo, colocando-se um pouco de água e de cinza
para ajudar a pilar. O cozimento era feito em água, bastante demorado. Estando os pedaços de milho suficientemente
moles, servia-se no prato; e a gosto as pessoas se serviam de leite e açúcar, no prato.
Obs.: Hoje em dia se acrescentaram outros ingredientes – leite condensado, canela – além de o leite e o açúcar serem
fervidos junto com o milho preparado por processo industrial.

Doc. 57
Paçoca de amendoim
Gravado em São Paulo, 1979; informante: Belisário Camargo Júnior

Ingredientes: amendoim torrado e sem a pele que envolve os grãos, farinha de mandioca fina, açúcar.
Modo de preparar: torrado o amendoim, deve-se retirar a pele que envolve os grãos; isso se consegue rolando-se os
próprios entre as mãos. Misturam-se no pilão o amendoim e a farinha de mandioca, dosando aos poucos, mexendo com
colher e sempre socando. O açúcar entra em pequena quantidade. As proporções de cada ingrediente são dadas pela
experiência; no princípio fica uma pasta, até porque o amendoim é gorduroso; mas com a dosagem de farinha se obtém
o ponto, quando a paçoca estiver solta.
Costuma-se comer paçoca de amendoim com banana maçã.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 153


Doc. 58
Pixé
Gravado em São Paulo, 1979; informante: Belisário
Camargo Júnior; anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Alvina da Silva Costa

Ingredientes: milho torrado socado e leite.


Modo de preparar: torra-se o milho seco, que depois é socado no pilão repetidas vezes, peneirando-se de tempos em
tempos para separar o pó de milho que se vai obtendo; os pedaços ainda graúdos voltam ao pilão para serem socados.
Armazena-se o pó obtido, que é tomado com leite pela manhã. É tido como fortificante.

Doc. 59
Pastel de farinha de milho
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Alvina da Silva Costa

Ingredientes: meio quilo de farinha de milho, um ovo, um pouco de óleo, água morna, sal, temperos verdes, carne
moída, palmito.
Modo de preparo: faz-se a massa, depois se abre o folheado com uma garrafa (girando como rolo de amassar), e se
formam os pastéis com carne moída ou palmito. Os temperos variam, na base de cheiro verde, pimenta, salsa e outros.
Frita-se em gordura já bem quente.

Doc. 60
Cabreúva
Gravado em São Paulo, 1979;
informante: Belisário Camargo Júnior

Ingredientes: seis gemas, uma garrafa de pinga, seis colheres (de sopa) de açúcar ou a gosto.
Modo de preparar: Batem-se bem as gemas com o açúcar, acrescentando-se depois a pinga, mexendo sempre.

Doc. 61
Camburu
Entrevista com Alvina da Silva Costa; anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979

-O camburu? Ah, a gente cozinhava a mandioca, depois socava ela no pilão,depois punha a mandioca socada

154 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


dentro daquele pote de barro – faziam pote de barro, sabe como é? – depois fervia um pouco de água e punha naquela
mandioca. Tampava e dexava, aquilo azedava, sabe. Ficava ali numa semana ou mais, conforme ia pondo mais água
quente; aquilo ia azedando. Magine...
E ficava o café deles. Daí punha açúcar e tomava.
Assim meu pai falava, que era o café dos índio; eu sei porque meu pai fazia, e eu via.

Doc. 62
Camburu
Entrevista de Lucas Dias; gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979

-Aquele tempo o café da antiguidade... Não tinha café. Era camburu. Já ouviu falá camburu? Feito de mandioca
doce. Essa mandioca doce relava ela ansim, né, e depois cozinhava a mandioca. Cozinhava, dexava bem molinho pra
gente comê, e depois esmagava ele e botava num pote – aquele tempo se alembra que tinha pote de barro – botava ali,
tampava ele, tampava e dexava ali. Quando ele começava a fermentá, pra cima... começava azedá e começava fermentá,
daí logo tava bão de bebê. Era o café. Por isso é que os índio era muito forte, por causa disso, camburu. Não existia café
naquele tempo. Cedo assim, a gente levantava, e quem gostava com açúcar botava um poquinho de açúcar, e o que não
gostava bebia ele puro. Ah, podia trabalhá aí que não tinha fome.
-Mas comia alguma coisa ou só bebia o camburu?
-Bão, depois almoçava, comia outra comida, né. Mas o café era esse. Não tinha café que nem nós toma café agora
cedo, né; levanta e já toma o café. ‘Quele tempo não existia quase café.
-Sim, mas o camburu era para beber?
-Era pra bebê.
-E comia alguma coisa junto ou não?
-Não, bebia só o camburu.
-O camburu era dos índios então?
-É, o camburu era dos índio.

Cap. 9 - Considerações finais – Folclore e mudanças

Neste capítulo, fazemos considerações finais sobre a formação do folclore da Aldeia de Carapicuíba, o que até certo
ponto pode ser válido para a região oeste da Capital paulista e municípios como Cotia, São Roque, Piedade; todavia,
apenas em parte, porque na Aldeia se encontram traços que, se ocorreram noutros locais, hoje estão esquecidos. É o caso
especialmente da dança de Santa Cruz nos moldes em que é efetuada na Aldeia, um caso único, por certo herança dos
tempos de convivência índio-jesuítica. Após esse primeiro item do capítulo, estudaremos as mudanças havidas na área da

carapicuíba - uma aldeia mameluca 155


Aldeia, nos últimos decênios (baseando-nos nos dados das Primeira e Segunda Partes do trabalho), e como elas influíram
e estão influindo no folclore local.
Neste último trecho do trabalho colocam-se então problemas como o da “defesa” e da “morte” do folclore, ressaltando-
se o aspecto funcionalidade para melhor compreensão da dinâmica em que se acha o fenômeno folclórico.
Terminamos com conclusões e sugestões.

9.1. Formação do folclore da Aldeia

Como já observamos neste trabalho, a falta de registros antigos às vezes dificulta a compreensão da formação de
fatos folclóricos atuais. Porém, chegamos a ela através de outros caminhos, servindo-nos da tradição oral (especialmente
depoimentos de informantes idosos) bem como da leitura de documentos históricos, de correspondência datada de épocas
passadas, de relatos de viajantes, procurando assim a evidência de como deve ter sido a vida do povo, cujos fatos comuns,
por assim serem, não mereciam registro232 ; tais dados, postos em confronto com registros atuais, nos dão a possibilidade
do estudo feito com larga margem de segurança. Esse procedimento metodológico nos leva a compreender como foi
importante a presença do indígena bem como a do jesuíta na área da Aldeia de Carapicuíba, a ponto de, séculos após os
decênios dos primeiros contatos, terem persistido manifestações provenientes da mestiçagem cultural luso-índio-católica.
FESTAS, DANÇAS - Nas aldeias que se instalaram ao redor da vila piratiningana, algumas do Real Padroado e outras
da Companhia de Jesus, sem dúvida se deram muitos contatos culturais que provocaram o surgimento de novas formas
de manifestação humana. Em nosso caso, ressalta-se a atuação dos jesuítas, já por várias vezes referida, os quais com seu
trabalho de catequese induziram a formas de aculturação. Não será fora de propósito repetir que, para mais eficientemente
atingir sua finalidade de cristianizar os selvícolas, logo se preocuparam os inacianos em aprender-lhes a língua e conhecer-
lhes os costumes; logo aproveitaram vivências indígenas fazendo delas instrumentos para a conversão, e juntando
elementos culturais europeus e preceitos católicos, criaram condições para chegar ao sentimento e à razão dos naturais
da terra aldeados; eventualmente à força. Esse procedimento, naturalmente, se estendeu visando ao bom comportamento
de mamelucos e colonizadores. Isso explica em grande parte a existência no povo brasileiro de tantos traços folclóricos
ligados ao catolicismo, às vezes como sincretismo religioso, havendo mesmo um catolicismo popular configurado por
práticas supersticiosas, crenças, danças, autos populares, simbologia de cores, etc, tudo profundamente enraizado no
folk. A manutenção da festa de Santa Cruz na Aldeia – como em outros locais – durante anos a fio e até sobrevivendo a
períodos de depressão e quase desaparecimento do aglomerado carapicuibano é exemplo do quanto arraigado se acha no
povo brasileiro esse modo de manifestar religiosidade associada ao lazer233 . Mas a festa de Santa Cruz, nesse aspecto,
é apenas um dos muitos casos semelhantes, pois no Brasil há festas de motivação religiosa – entenda-se: católica –
que mobilizam cidades e regiões inteiras. À guisa de exemplificação, podemos citar as grandes comemorações de São
Benedito em Aparecida-SP e Itapira-SP, de Santo Amaro no distrito de mesmo nome em Campos-RJ, de Nossa Senhora
dos Navegantes em algumas cidades gaúchas incluindo Porto Alegre, do Senhor do Bonfim em Salvador-BA, mais as do

232
- Semelhantemente, ver S. B. de Holanda, Caminhos..., 1957, p. 107. A “Escassez de informações até o século XVIII” é referida por Oneyda Alvarenga, Música..., 1950,
p. 17.
233-
Sobre associação entre recreação e religiosidade em festas, ver observações de Emílio Willems, Cunha..., 1947, p. 136/137 e 167.

156 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


ciclo de Natal/Reis, do ciclo junino, do ciclo do Divino, para só ficar por aqui, que a lista seria longa234 . Tal coexistência
de comemoração religiosa com festa popular incluindo atividades lúdicas as mais diversas é comum entre nós, variando
conforme a época, a região, o evento, as pessoas envolvidas, o conteúdo afinal. Aliás não constitui novidade que eventos
comemorativos puramente religiosos tenham adquirido aspecto festivo (e também aspectos mágico-religiosos), sendo o
caso de se recordarem válidas para Portugal e Brasil também as grandes procissões235 de Corpus Christi, das quais grupos
diversos participavam para maior brilhantismo solene e festivo. Como se sabe, não apenas o ritual de povos agrafos mas
também o de civilizados inclui frequentemente a festa236 e a dança237 , ambas tendo função integradora em grupamentos
humanos e nem sempre com sentido de alegria, pois a festa pode ser também séria como lembra Huizinga238. Francisco
Schaden coloca a ligação íntima das artes indígenas com a vida religiosa, e quanto à música afirma sua significação muito
profunda decorrente de seu caráter sagrado e da função primordial de fornecer um liame entre a comunidade dos viventes
e o reino dos mortos, dos heróis e dos deuses239 . E sobre manifestações coreográficas, afirma que nas culturas primitivas,
o caráter sagrado da dança é, em geral, ainda mais manifesto do que o da música. Constitui a parte essencial das festas
religiosas e de outras cerimônias de interesse coletivo240 . Assim, era até um caminho natural o aproveitamento de festas,
cantos, danças dos indígenas brasileiros associando-os a conteúdos cristãos. Afinal a dança sempre foi uma constante nas
formas de manifestação do espírito humano; quer se trate das danças sagradas ou mágicas dos selvagens, ou das danças
rituais gregas, ou da dança do rei David diante da Arca da Aliança, ou simplesmente da dança como um dos aspectos de
uma festa, ela é sempre, em todos os povos e em todas as épocas, a mais pura e perfeita forma de jogo, nas palavras de
Huizinga241 , em especial quando se trata de dança coletiva242 .
ACULTURAÇÃO - No Brasil, os jesuítas atuaram exaustivamente de modo a mudar o comportamento do habitante
natural da terra através da política de aplicar aspectos de seu próprio universo cultural, devidamente adaptados, enriquecidos,
prestigiados pelo simples fato de serem utilizados. Essa atividade dos inacianos243 era acompanhada, por outro lado, da
grande receptividade e adaptabilidade do colonizador português face às circunstâncias da terra a ser desbravada, o que
caracterizaria uma autêntica troca de conhecimentos entre o aborígene e o branco, estabelecendo-se vantagens mútuas

234
- Ver: Fernando Sales, Calendário..., Cultura (11), outubro/dezembro-1973; R. T. Lima, Folclore das..., 1971; A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975.
235
- As procissões ganharam muita pompa na Europa medieval, conforme W. G. Sumner, Folkways, 1950, p. 713/714; e no Brasil vieram ao encontro do gosto barroco do
século XVIII, prolongando-se pelo tempo.
236
- Ver cap. 5, nota 2. W. G. Sumner faz diversas referências sobre festas ligadas a práticas religiosas, Folkways, 1950, p. 682, 706 e outras.
237
- W. G. Sumner indica danças ligadas a religiões em diversas culturas, Folkways, 1950, p. 662, 681 e outras, inclusive danças indecentes às vezes ligadas a práticas
religiosas, p. 666, 696, 710. Ver também L. C. Cascudo, Dicionário..., 1954, verbete “dança”; e Maria A. C. Giffoni, Manifestações..., Rev. Bras. de Folclore 11(31), setembro/
dezembro-1971.
Em comunidades do Yucatan, R. Redfield anota que as principais atividades de festas do padroeiro são: novena, tourada rústica e dança folclórica; The folk..., AJS (52)4,
janeiro-1947, p. 307.
238
- Johan Huizinga, Homo ludens,1971, p. 25.
239
- F. Schaden, Índios, caboclos..., 1963, p. 10.
240
- F. Schaden, Índios, caboclos..., 1963, p. 11.
241
- J. Huizinga, Homo ludens, 1971, p. 183/184.
242
- J. Huizinga, Homo ludens, 1971, p. 184.
243
- Sacerdotes de outras ordens católicas também desenvolveram atuação semelhante no Brasil Colônia, incentivando exteriorizações aparatosas ligadas ao culto, especialmente
no século XVIII, o que em alguns pontos do país chegou a resultar em eventos de grandioso efeito visual, marcado este por um barroquismo que até hoje se pode observar.
A festa do Divino em cidades de Minas Gerais, Goiás, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo é talvez o melhor exemplo disso.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 157


pelos padrões de comportamento de certo modo novos, porém não totalmente estranhos244. A arte de aproveitar traços
indígenas visando à mudança de hábitos grupais, no caso ainda dos inacianos dos primeiros tempos da Colônia, atinge
um ponto alto no teatro de Anchieta245 , porém esse não é exemplo isolado; consta que o mesmo sacerdote utilizou e
incentivou o Cururu246 e o Cateretê247 com objetivos de catequese. E foi dos que mais se interessaram em aprender e
registrar a língua geral e fixar sua gramática. Também se interessaram os missionários da Companhia pela medicina
indígena248 , até se especializando no preparo e na administração de mezinhas baseadas na flora e na fauna regionais,
quando não em crendices e práticas mágicas.
CRUZ - Ora, grande parte dos fatos folclóricos que registramos na Aldeia de Carapicuíba mostra amiúde a presença
do elemento indígena, o que pode perfeitamente ser entendido como consequência da ação do jesuíta e ao mesmo tempo
da atitude receptiva do colonizador português e seus descendentes imediatos; além do que é consequência da presença
marcante do selvícola na vida paulista dos primeiros tempos. Se não, vejamos.
A festa de Santa Cruz – a mais importante manifestação católico-popular da Aldeia – está ligada ao costume de se
chantar um cruzeiro como marco cristão e à prática de reverenciar esse símbolo. Se bem que não exclusivo dos inacianos,
esse costume fica bem evidenciado em gravuras antigas das reduções do Rio Grande do Sul-Paraná-Paraguai-Argentina249
. No caso da Aldeia de Carapicuíba, assume excepcional valor um trecho da biografia do pe. Belchior de Pontes, escrita
pelo pe. Manoel da Fonseca e já reproduzido anteriormente (item 1.4.); por ele ficamos inteirados de que havia o costume
de manter um cruzeiro no centro do pátio da Aldeia e talvez também defronte das casas, em que se recolhião os Religiosos,
quando por alli passavão250 . Isso foi em 1736, época em que possivelmente já poderia ser usual fazer-se a dança de Santa
Cruz pelo menos em maio: a tradição oral faz remontar a 1714 o primeiro ano em que se efetuou a festa de maio, não se
sabe todavia se incluindo a dança (ver Cronologia, em Anexos). Faltam documentos taxativos, e estamos no campo de
hipóteses, ainda que levando em conta a tradição oral.
DANÇA DE SANTA CRUZ - Como foi visto, a dança de Santa Cruz tem dois tipos de coreografia: alas em frente
ao símbolo cristão, fazendo movimentos de avanço e recuo (as partes de Saudação e Despedida) e a grande roda de pares
soltos frente a frente (a parte intermediária chamada Roda). Embora os poucos autores brasileiros que trataram dessa
dança não se tenham aprofundado, tem-se afirmado ser ela derivada de coreografias em roda251 dos indígenas (e que afinal

244
- Como indica em várias passagens S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, p. 35, 87/90, 132, 301 e outras.
245
- Ainda a título de ilustração interessa citar trecho de um relato de 1717 e referente à passagem de d. Pedro de Almeida Portugal pela Aldeia da Escada, aonde o receberão
os Indios com humas danças, a modo das que fazem as regateiras com os arcos, e com esta muzica adiante, se apeou sua Exª na Igreja a fazer oração (…); Diário da...,
Rev. do SPHAN (3), p. 306.
246
- Sobre o Cururu, ver João Chiarini, Rev. do Arquivo (115), 1947; O. Alvarenga, Música..., 1950, p. 211/2121; Maria A. C. Giffoni, Manifestações..., Rev. Bras. de Folclore
11(31), setembro/dezembro-1971.
247
- Sobre Cateretê, ver Oneyda Alvarenga, Rev. do Arquivo (30), 1936; Idem, Música..., 1950, p. 184/193. Dessa autora: Segundo opinião corrente, é dança de origem
ameríndia, tendo sido no primeiro século de colonização aproveitada pelo Padre Anchieta nas festas católicas, em que a bugrada a dançava e cantava com textos cristãos
escritos em tupi; Música..., 1950, p. 184/185.
Ver também: Maria A. C. Giffoni, manifestações..., Rev. Bras. de Folclore 11(31), setembro/dezembro-1971; Francisco P. da Silva, A dança do cateretê, Rev. Bras. de
Folclore (25), setembro/dezembro-1969.
248
- Ver cap. 8.
249
- Ver esquemas das Missões, Cap. 1.
250
- M. da Fonseca, Vida do..., s/d, p. 121.
251
- Todos os cronistas coloniais descrevem o bailado indígena em círculo, com pancadas de pé e canto; L. C. Cascudo, Dicionário..., 1954, verbete dança.

158 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


têm distribuição universal) – o que pode satisfazer a segunda parte do Sarabaguê, quando se cantam versos profanos.
Em relação à primeira e à terceira partes, que na Aldeia de Carapicuíba têm a mesma distribuição espacial e os mesmos
movimentos, poderá também ser derivada de coreografia indígena (embora não se conheçam documentos antigos sobre
essa manifestação; quer dizer: na falta de documentos fortes, continuamos com hipóteses válidas, sem precisar apelar para
romantismo ou ficção imaginativa). Na verdade, ao apreciarmos a Saudação e a Despedida, nos dias de hoje, podemos
visualizar indígenas naqueles movimentos, acompanhados de palmeados e exclamações rápidas em uníssono Ui! Ui! Ui!
Ui! todos recuando, até chegar o momento do volteio, e então todos avançando para a posição anterior.
Convém ressaltar que a distribuição espacial e os movimentos coreográficos da dança de Santa Cruz feita na Aldeia
de Carapicuíba são inteiramente diversos dos encontrados em outros locais onde também se realiza a mesma festa,
inclusive Embu e Itaquaquecetuba252 , duas ex-aldeias que foram contemporâneas da que estamos estudando. O Sarabaguê
ocorre apenas na Aldeia de Carapicuíba com as características apontadas neste trabalho (item 7.2.4.), e essa denominação
“Sarabaguê” ou “Sarabaquê” também lhe é exclusiva. Em outros aspectos das festas de maio e setembro, estes mais ligados
ao aspecto religioso, deixam perceber-se uma origem erudita. É o caso dos benditos decorados e recitados com música
um tanto flutuante, em coro, durante a novena preparatória e no encerramento da festa, junto ao cruzeiro (itens 7.2.2.6.
e 7.2.4.). Versos como Para remir os pecadores / No santo lenho da cruz; Da cruz o sacro madeiro / Que foi banhado
em sangue / Do imaculado Cordeiro; O patíbulo da cruz; O bom título da cruz, Da cruz o régio estandarte, Da fé e da
Santa Igreja traem elaboração erudita, um tanto longe da singeleza com que o povo cria suas poesias, às vezes plenas de
religiosidade e de lirismo. No caso do Lenho Sagrado ou Hino à Santa Cruz interessante observar que os informantes
não o consideram um bendito, mas sim um canto especial dedicado à cruz; seu próprio título está intimamente ligado ao
catolicismo erudito – o Sacrum Lignum de velhos textos latinos. Parece por inteiro aceitável que nossos documentos 6
e 22 sejam integrados por versos elaborados por algum sacerdote e que depois ficaram consideravelmente fixados na
memória coletiva, sem dispensar ultimamente a via escrita como auxílio, pois diversos elementos por nós entrevistados
mostraram textos desses benditos batidos a máquina. Todavia, se acham integrados à tradição popular e religiosa das
festas de Santa Cruz na Aldeia.
Numa comunidade pequena e vivendo em relativo isolamento como foi a Aldeia de Carapicuíba, tanto consideremos
épocas remotas como outras mais recentes, a função social das festas assume grande importância. É nessas ocasiões
que, saindo da rotina sem ferir os costumes253 , seus membros têm oportunidade de estreitar laços de amizade, reforçar
a organização grupal254 , reafirmar a integração nos padrões de comportamento vigentes. Daí a realização na Aldeia,
até meados do século XX, não apenas de festas mais amplas como a de Santa Cruz, de Reis, de São João, mas também
outras, digamos restritas, e que entretanto apresentavam o mesmo valor funcional, como as reuniões do Domingo do Mês
(conforme referido na abertura do cap. 7).
TRADIÇÕES POPULARES (FOLCLORE) - Se nessas festividades da Aldeia era ou é comum a persistência de
traços índio-jesuíticos, o mesmo se dá com certos elementos da cultura europeia, veiculados e ajustados no início pelo

252
- Registros da festa e da dança no Embu e em Itaquaquecetuba em: A. M. Araújo, Folclore nacional, 1967, v. 2, p. 11/22; Idem, Documentário..., 1952, p. 35/37; Maria A.
C. Giffoni, Danças miúdas..., 1972, p. 17/32; A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975, p. 85/89.
253
- W. G. Sumner, Folkways, 1950, p. 681; e J. Huizinga, Homo ludens, 1971, p. 25 (entre outros) falam da festa como fuga da rotina.
254
- R. Redfield lembra a importância da organização e da solidariedade grupais, numa sociedade de folk; The folk..., AJS 52(4), janeiro-1947, p. 297.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 159


colonizador português ou por agentes luso-brasileiros. É o caso de bandeirinhas de papel de seda e arcos de bambu usados
na decoração local; a escolha de um casal, os festeiros, para se responsabilizar pela organização do evento, auxiliado por
outras pessoas – o Capitão do Mastro, a Juíza da Bandeira, o Capitão da Fogueira; ainda a queima de fogos de artifício,
especialmente rojões de estampido; a presença de danças de origem ibérica (Chimarrete, Cana Verde, Cirandinha). Nas
festas de junho, em louvor a Santo Antônio, São João e São Pedro, também ocorrem traços ligados ao contexto europeu:
“sortes”, a fogueira, a Quadrilha, a lavagem de São João.
Por volta da década de 1930, a presença de imigrantes vindos de Minas Gerais fez fixar no gosto coletivo algumas
outras manifestações, especialmente danças ou cantorias como Venha Dois, Quero Bem, Tiu-tiu-tiu-tá, por sua vez
originárias da Península Ibérica.
As festas públicas da Aldeia de Carapicuíba, quase sempre de base tradicional-religiosa, são exemplos de como
tais eventos têm caráter aglutinador de fatos socioculturais. Tanto os nascidos espontaneamente no povo como os que
possam ter origem em elites ou em entidades eruditas mas aceitos e assimilados pela coletividade que então se apropria
deles, fazendo-os parte de seu universo cultural. Aqui reside, enfim, a característica de “coletivas” dada às manifestações
folclóricas: serem aceitas por uma coletividade e passarem a ser propriedade dela, o que não leva em conta o aspecto
autoria. Desde que o fato se integre nos hábitos grupais, a critério exclusivo do próprio grupo social, sendo aprendido ou
transmitido, e praticado de modo empírico e tradicional – com continuidade – marcado por espontaneidade e satisfazendo
a determinadas necessidades – sua função – ele estará inserido no campo do que se denomina folclore. Assim sendo,
certamente nos primeiros séculos de colonização aquela sempre lembrada atuação de jesuítas visando a catequese, junto
com a praxis lusitana, deve ter trazido, sugerido, tentado, forçado e obrigado outras ideias e outros usos que não vingaram
porque não encontraram abrigo na mentalidade popular (na linguagem, na indumentária, na culinária, em costumes, em
comemorações, etc). O processo de aculturação compreende uma espécie de seleção ou filtragem – isto sendo assimilado
e frutificando modificado, aquilo sendo eliminado e esquecido, numa interação diuturna que cristaliza a longa e larga
elaboração do saber e do fazer do povo255 . Ressaltamos que tais colocações se referem a todos os temas das tradições
populares.
LUSO & ÍNDIO - Na nomenclatura popular e na literatura oral registradas em nosso lugar de pesquisa se faz presente
com alto índice o elemento luso, mas também se encontram fatos de formação local, atendendo a condições ecológicas
próprias. Narrativas lendárias e mitológicas são exemplos de como o folclore pode ser ao mesmo tempo universal (um
motivo que ocorre em diversos povos) e regional (assumindo aspectos distintivos que delineiam a variante, e retratando
assim o ser humano de uma determinada época e de uma determinada geografia)256 .
Se nas festas populares brasileiras fica patente a convivência de elementos culturais dos três ramos considerados
básicos – luso (branco), aborígene, afro-negro – os quais agrupados e assumindo novas feições vêm desempenhar
importantes funções sociais – e se na literatura oral a marca luso-brasileira se sobressai, é na medicina popular e na
culinária onde o índio parece fazer-se mais presente, conforme documentos registrados na Aldeia.
A medicina rústica, em sua simplicidade de chás à base de vegetais que se têm à mão, deriva de conhecimentos
empíricos de colonizadores e sacerdotes em contato com o selvícola, portador e comunicador àqueles dos segredos da
- R. Almeida, Inteligência..., 1957, p. 113.
255

- Sobre recepção e modificações de narrativas, ver R. Almeida, Inteligência..., 1957, p. 71; Idem, Vivência..., p. 37/38.
256

160 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


natureza em que ele não era um estranho, mas sim, parte integrante de um sistema ecológico.
Na culinária – a cíclica e a do cotidiano – se faz sentir a grande proporção de assiduidade com que o patrimônio
cultural indígena se integrou no do caipira paulista. São de procedência indígena pratos – com respectivas denominações
– como a paçoca de carne e a de amendoim (paçoca vem de pó-çoca = esmigalhar à mão, desfiar, pilar ou machucar com
a mão257 ), a canjica258 feita nos moldes dos antigos paulistas e conhecida por canjica grossa, o pixé259 , o camburu (estes
dois de acordo com declarações de nossos informantes). Por sua vez, o cuscuz apresenta uma longínqua ascendência
moura260 , e no contexto culinário da Aldeia de Carapicuíba parece constituir uma exceção perfeitamente compreensível
por pelo menos dois motivos: primeiro, trata-se de prato que obteve larga aceitação, em todas as áreas de cultura paulista,
às vezes simplificado pela escassez de recurso local mas outras vezes e mais frequentemente no estado de São Paulo
enriquecido com diversos ingredientes; e segundo, porque veio ao encontro do uso do milho, um produto da terra que
foi da mais ampla utilização no planalto paulista261. Embora nos primeiros tempos o milho tenha sido mais comum que
a mandioca na região paulista de serra-acima, e continuou recebendo preferências dos paulistas em todo lugar aonde
chegavam, a Manihot utilissima e derivados acabaram-se integrando aos hábitos alimentares do caipira, especialmente a
partir do século XIX. De qualquer forma, o milho e a mandioca já eram de uso dos indígenas, e a aceitação e adaptação
de ambos pelo colono português e por primeiras gerações de brasileiros, junto com outros aspectos, mostra o ajustamento
havido por parte dos conquistadores e desbravadores para vencer262 . Além dos citados, podemos lembrar outros alimentos
de origem indígena e conhecidos na Aldeia, ainda que diversos deles estejam agora em desuso: feijão, pipoca (de popoka
ou pi’poka e significando arrebentado ou estalado)263 , içá torrada, farinha de mandioca. Quanto ao camburu (doc. 58 e
59) – conhecido de Lucas Dias e Alvina da Silva Costa, ambos descendentes de “bugre” – e do qual não encontramos
referência na bibliografia consultada, pode provir de camburiú, palavra que, segundo Teodoro Sampaio, é corruptela de
camby-ri-y significando “rio onde corre leite” e ainda corruptela de “camuri-ú, rio do roballo”. Talvez o nome da bebida
feita de mandioca se explique por associação à cor do leite; fica a hipótese.
Mais traços indígenas podem ser lembrados: confecção e uso de “louça de barro”264 , tendo havido até um local na
área estudada em que residiam oleiras, o Bairro das Paneleiras; e devendo-se ainda citar muchirão, Baitatá, reco-reco de

257
- T. Sampaio, O tupi na..., 1901, p. 143; ou pa’soka = pilar no pilão, conforme A. G. Cunha, Dicionário..., 1978.
258
- T. Sampaio, o termo vem de acan-jic = grão cozido; O tupi na..., 1901, p. 76. Não consta em A. G. Cunha, Dicionário..., 1978.
259
- A. G. Cunha registra o termo pixé, porém com o significado de “mau cheiro, catinga”; Dicionário..., 1978.
260
- Cuscuz paulista: (…) variante local do velho petisco de mouros, já há muito aclimado na península ibérica, conforme S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, p. 218.
Os árabes trouxeram o cuscuz para a África e Portugal. Africanos e portugueses vieram para o Brasil fazendo o cuscuz, popularizando-o entre seus descendentes. O
cuscuz de milho é o mais tradicional; L. C. Cascudo, Dicionário..., 1954. O cuscuz paulista é velho conhecido em cidades como Piracicaba, Tietê, Capivari e outras.
261
- Ver S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, esp. p. 215/225; Carlos B. Schmidt, Áreas..., em São Paulo..., 1966, p. 133/153; J. Japur, Cozinha..., 1963, p. 9/10; A. Cândido, Os
parceiros..., 1975, esp. p. 47/53. A presença do milho, do feijão e da mandioca na dieta de São Paulo é uma constante em documentos dos séculos XVII e XVIII, citados
por Holanda e Cândido; ver também Boletim do Departamento do Arquivo (8), 1948, que traz censo nas aldeias paulistas. Sobre o uso da canjica, século XVIII, ver Doc.
56 no cap. 8. Milho e farinha de milho, farinha de mandioca, feijão, toucinho, bois – são produções registradas Em muitas povoaçoens ou Em bastantes povoações na
década de 1830, o que demonstra sua generalização; Daniel P. Muller, Ensaio d’un... 1978, p. 122/123, tabela 2.
Entre os mantimentos recebidos por Joaquim Francisco Lopes para abastecer sua bandeira, 1829, de São Paulo a Mato Grosso passando pela vila de Piracicaba,
constavam: canjica grossa, farinha, feijão, milho, queijo, rapadura, sal e toicinho; Boletim do Departamento (3), 1948, p. 59/125.
262
- Sobre o uso da mandioca e do milho especialmente em São Paulo, ver: S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, p. 221/225; F. Schaden, Índios, caboclos..., 1963, p. 19; A.
Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 49/53.
263
- T. Sampaio, O tupi na..., 1901, p. 76/77; o étimo pi’poka em AQ. G. Cunha, Dicionário..., 1978.
264
- Entre as ocupações de indígenas residentes em algumas aldeias consta o item ”louceira”; Boletim (8), 1948.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 161


cabaça – todos eles que integram um conjunto de perfil do caipira paulista (como já vimos quando tratamos do Elemento
Humano, cap. 6) e em particular no seu folclore, com grande contingente de traços indígenas. Naturalmente, nesse
contexto se destaca a figura do mameluco*, algo como um soberbo intermnezzo entre o selvícola dos primeiros séculos
e o caipira de nossos dias265 .
Sendo resultado desses contatos interculturais e raciais entre índios e brancos, a Aldeia de Carapicuíba é mameluca
em suas origens – final do século XVI e o século XVII – mantendo-se caipira-paulistana no século XX.

* - Mameluco = ver rodapé 149.

9.2. Crise e mudança no folclore da Aldeia

Baseando-nos em dados bibliográficos e em informes de campo, pudemos efetuar um levantamento diacrônico que
nos permitiu verificar como traços folclóricos tipicamente do caipira de uma área específica das redondezas de São Paulo
se mantiveram até cerca dos decênios de 1930/1950, com muito poucas modificações, e como nos decênios de 1960/1970
as mudanças havidas na Grande São Paulo – fazendo-se sentir mais de perto na área da Aldeia de Carapicuíba – acabaram
por colocar em desuso diversos desses traços tradicional-populares.
FOLCLORE MORRE? - Resta apontar mais especificamente os fatores que contribuíram para essa situação atual.
Podemos partir de uma comprovação: a de que realmente diversas (talvez possamos dizer muitas) manifestações folclóricas
da área estudada se encontram em desuso, ou mesmo desapareceram. Estão nesse caso a Folia de Reis paulista que existiu
e que não mais se encontra, por falecimento de seus líderes sem que tenha havido continuadores; costumes como o batismo
após a morte e o muchirão; alguns pratos e algumas bebidas como arroz-de-suã, pastel de farinha de milho, sequilho,
camburu, pixé; modas de viola; narrativas da chamada (por estudiosos) literatura oral. Algumas dessas manifestações,
na Grande São Paulo, podem conseguir expressar-se aqui e ali (exemplo: Folia de Reis em Guarulhos; festa do Divino
Espírito Santo no bairro de Freguesia do Ó, modas de viola em cidades mais ao sul), em geral desconhecidas na barafunda
desta grande metrópole, dia e noite dominada por problemas políticos e econômicos, por “enlatados” na televisão, que é
também caracterizada por programas ao vivo marcados por modelos da american way of life. Um exemplo pinçado na
realidade e mostrado com objetividade: enquanto na televisão se valoriza a moça loira, nas quadras tradicional-populares
a preferência reiterada é pela morena (doc. 2, 13, 14, 16, 18, 31), na Aldeia de Carapicuíba como em tantos locais do
Brasil inteiro.
No caminho da Aldeia
Passa boi, passa boiada
Também passa a moreninha
Do cabelo cacheado (Doc. 18)

- Como afirma S. B. de Holanda: (…) em São Paulo, mais do que em outras regiões brasileiras, permaneceram longamente vivas e fecundas as tradições, os costumes e
265

até a linguagem da raça subjugada; Caminhos..., 1957, p 89.

162 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Outras manifestações do populário local também estão em processo de esquecimento, tais como as antes apreciadas
danças Cirandinha, Chimarrete, Cana Verde, alguns pormenores do contexto da festa de Santa Cruz, alguns chás de
medicina caseira, a elaboração de alguns pratos (cuscuz, paçoca de amendoim, canjica), alguns topônimos populares.
Se determinados fatos praticamente desapareceram em poucos anos, embora sejam recordados por algumas pessoas, e
se outros fatos parece estarem seguindo caminho semelhante, cabe a pergunta: folclore morre? As opiniões de folcloristas
divergem (como aliás divergem em outros assuntos de seu campo de estudo; portanto em princípio não devemos nos
afligir...) alguns defendendo a posição de que realmente folclore – como todos os demais fatos socioculrurais – têm
um nascimento, um período de vida com possíveis modificações e podem desaparecer; enquanto outros afirmam de
pés juntos (os defuntos nos desculpem) que ele não morre, é substituído. Mas nem todos os estudiosos têm tratado
do assunto formalmente, quem sabe evitando-o com cautela. No entanto, entre eruditos existe a preocupação pela
“defesa”266 e pela “preservação” de folclore, além da preocupação pela “restauração”. Ora, quer dizer que em formas
folclóricas está implícita a possibilidade de desaparecimento. Em 1960, escrevendo sobre pesquisa de folclore, Édison
Carneiro conceituava que o folclore deve ser encarado como fenômeno social e cultural vivo, atual, capaz de nascimento,
desenvolvimento e morte267 – admitindo portanto claramente o desaparecimento de manifestações da tradição popular.
Outro folclorista de renome, Renato Almeida, observa que o fato folclórico só persiste enquanto tem função marcada,
seja a primitiva que o motivou, seja sua reinterpretação. Mas ele morre quando e onde nasce, no seio do povo. Desde que
perdeu sua finalidade, é olvidado e desaparece, passa a ser um fenômeno apenas histórico268.
Por sua vez, Luís da Câmara Cascudo acha ser dispensável (…) qualquer discussão sobre a permanência do
folclore no tempo e no espaço. Haverá um folclore dos astronautas como há um folclore dos chauffeurs de
automóveis e dos pilotos de aviões. Inútil será pensar que um desenvolvimento industrial anulará o folclore.
Fará nascer outro. (…) Essencial é deduzir que o folclore é uma cultura mantida pela mentalidade do homem
e não determinada pelo material manejado. O material é que será moldado, elevando-se a um motivo criador.
Para que desapareça é preciso que sucumba a própria função269. Guardemos essas últimas palavras do folclorista
potiguar, que serão logo mais juntadas às de Renato Almeida.
Em seu trabalho sobre “cultura rústica”, tratando da sociologia dos meios de vida, Antônio Cândido acentua que
o caipira da área de Bofete (por ele estudada em 1947/54) sobrevive em condições precárias; a cultura do caipira,
como a do primitivo, não foi feita para o progresso: a sua mudança é o seu fim, porque está baseada em tipos tão
precários de ajustamento ecológico e social, que a alteração destes provoca a derrocada das formas de cultura por eles
condicionada270 .
266
- Em 22-agosto-1958 foi instalada no Ministério da Educação e Cultura a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (em 1979 transformada no Instituto Nacional de
Folclore), entre cujos objetivos se inclui o de proteger o patrimônio folclórico, as artes e os folguedos populares. Se bem que deixando de lado (felizmente) a ideia
rançosa e superada de “pureza” em folclore, será todavia o caso de se perguntar: defender, proteger – já não são interferências eruditas na vida normal do fato folclórico?
Eis um dilema criado pelos tempos modernos e que leva diversos elementos a adotar uma atitude que se pode dizer paternalística em relação ao folclore.
Sobre o assunto, ver a Carta do Folclore Brasileiro, itens VI e IX, quando já os folcloristas sentiam necessidade de solicitar essa proteção; 1° Congresso..., p. 79 e
81;também: Édison Carneiro, Dinâmica..., 1965, p. 99/120 e 175/180.
267
- E. Carneiro, Dinâmica..., 1965, p. 90.
268
- R. Almeida, Vivência..., p. 31.
269
- L. C. Cascudo, Folclore do..., 1965, p. 9/10.
270
- A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 82.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 163


Dessas citações podemos destacar pelo menos dois pontos que nos interessam mais de perto: função ou funcionalidade
do fato folclórico, e progresso.
O material coletado na Aldeia de Carapicuíba permite perceber-se que até as décadas de 1940/1950 as manifestações
folclóricas se acham profundamente enraizadas no elemento humano integrado na comunidade, e constituíam traços
mentais e de comportamento da maior importância, assim considerados pelos próprios habitantes (conforme relatos
dos nossos informantes mais idosos). As festas juninas eram acontecimento esperado, preparado, vivido intensamente; o
mesmo com as festas em honra da Santa Cruz, quando o fervor religioso pelo símbolo cristão se expressava seriamente
(alguns informantes lembram que Nhô Virgílio e Belisário Camargo não admitiam cantar os versos do Sarabaguê fora
da época e da hora certa, como estamos fazendo agora, a nosso pedido, para conferir registros feitos anteriormente); as
narrativas lendárias eram aureoladas com o respeito do sagrado, também não se admitindo brincadeiras a respeito delas; a
medicina caseira só não resolvia casos impossíveis, e até hoje nossa informante Ilydia Camargo cita casos contemporâneos
de cura de bronquite e outros males após o fracasso de remédio fabricado; o muchirão era a solução prática e às vezes
única de resolver problemas como eliminar o mato da plantação ou barrear uma casa; uma moda de viola não era apenas
cantada com prazer, mas muito mais que isso era um momento de lazer ao mesmo tempo que de realização do cantador
e dos ouvintes, participantes efetivos, sentindo-se todos envolvidos nos conceitos emitidos, numa autêntica situação de
empatia coletiva. Isso significa que os fatos folclóricos não eram – como realmente não são – simples sobrevivências
do passado, eventualmente persistindo até esta ou aquela época mais recente; eles têm uma função social indiscutível,
quer dizer, satisfazem necessidades da coletividade onde ocorrem, onde são vivenciados. Sendo assim, fazem parte da
trama sociocultural não como anacronismos exóticos ou curiosos, mas como partes integrantes da vida do grupo social.
O elemento humano da Aldeia de Carapicuíba até meados do século XX era constituído de indivíduos integrados na
cultura caipira; independentemente de residirem na própria Aldeia e na área próxima dela – formando um grupo de
vizinhança – ou mesmo na cidade de Carapicuíba, ou em Osasco, em Pinheiros ou em outros bairros da Capital: seu
endereço residencial passava a ser um pormenor dispensável quando se aproximava o tempo de participar de um evento
cíclico da Aldeia, para onde se dirigiam anteriormente a cavalo ou em carro de boi, em charrete ou mesmo a pé, e depois
em automóveis, caminhões – mas muito dificilmente deixavam de comparecer; os costumes ligados à Aldeia eram algo
de sua própria vida, praticados com espontaneidade e satisfação.
Num curto período de cerca de 20 anos, houve intensa ocupação do solo – o progresso – nas cercanias do antigo
núcleo, principalmente a partir da sede do município de Carapicuíba, ao qual a Aldeia passou a pertencer mediante
modificações quanto à divisão político-administrativa da região oeste da cidade de São Paulo. Aqui temos de tecer
algumas considerações, ainda que breves, sobre o conceito de progresso. Como coloca Fernando de Azevedo, a palavra
apresenta com frequência dois sentidos diferentes; um objetivo, que é o de desenvolvimento, avanço, movimento em
determinada direção, e o outro, de evolução para melhor271. Para os atuais moradores da Aldeia e arredores, o que ocorreu
foi uma melhoria na qualidade de vida, foi a possibilidade de desfrutar conforto expresso em fogão a gás, televisão, água
encanada, ônibus e automóvel circulando em asfalto. Enfim é uma ideia calcada em juízo de valor – o segundo conceito
na citação de Fernando de Azevedo – embora as mesmas pessoas achem e saibam que a Aldeia perdeu a tranquilidade de
antes, que hoje não se pode viver com o sossego de antes, que as festas não são como as de antes, que frequentemente há
271
- F. Azevedo, A ideia...., p. 3, Rev. de Antropologia 10(1/2), 1962; reprod. por ECA, 1972.

164 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


brigas de estranhos a ponto de ser necessária a presença de viaturas policiais, que hoje em dia não há ambiente para se
praticarem aquelas coisa dos antigo.
A população do município de Carapicuíba – tendo grande massa de migrantes de outras regiões do país272 , aí
instalados em curto período de tempo – é um fator humano que influiu grandemente para o desuso em que se encontram
fatos do folclore local. Novos habitantes ou frequentadores e novo ritmo de vida – de certa forma antitéticos, contrários,
aos pré-requisitos da cultura de folk rural ou de pequenas comunidades ou bairros rurais, que caracterizava a Aldeia –
contribuíram fortemente para o enfraquecimento dos laços consuetudinários que permitiam aos integrantes do grupo social
de então (mesmo pessoas que, residindo fora da área, sentiam-se porém presas a suas vivências populares) realizarem-
se na participação de eventos cíclicos. Mas essa presença de migrantes trabalhando como operários não é único fator
humano a ser considerado. Dentro de famílias integradas às vivências populares locais, elementos das novas gerações não
se sentem sempre atraídos por tais vivências, tidas como coisa dos antigos, portanto jogadas a um papel de anacronismo,
que os tempos modernos não aceitam. Vai bem aqui a expressão choque de gerações, uma vez que a juventude – até alguns
jovens de famílias antigas radicadas ou com propriedade na área – chegam a ter atitudes de desprezo para com aqueles
costumes, o que literalmente choca e inibe os mais velhos. Como disse muito significativamente a informante Alvina da
Silva Costa: Os mais novo até faz caçoada da gente... De maneira que as pessoas mais velhas se sentem desmotivadas
a continuarem aquelas práticas antes tão arraigadas em seus hábitos grupais. São indícios de desorganização social e
cultural. Todavia, essas considerações sobre jovens não são feitas de modo absoluto; há elementos que não apresentam
essa mentalidade contra as “coisas antigas”, e até em posição oposta sentem certos fatos folclóricos, principalmente na
festa de Santa Cruz, como naturalmente seus, e os vivem com espontaneidade. Chegam a dar uma nota sofisticada à festa
e à dança de Santa Cruz, de certo ângulo contrastando (por exemplo nos trajes e em outros pormenores) com elementos
de faixas etárias mais altas. Esses jovens vivem inteiramente de acordo com padrões da sociedade urbana ocidental
moderna, estudam ou trabalham em Carapicuíba, Osasco, São Paulo, não sendo absolutamente portadores claros de
cultura caipira – como podem ter sido seus avós – entretanto não recusam certas manifestações tradicional-populares
da Aldeia; neles coexistem o “novo” e o “antigo” que não é considerado por eles próprios como algo “antiquado”. Essa
verificação mostra afinal o valor da tradição no folclore: uma força que atua no sentido de manutenção de valores, porém
admitindo modificações.
Certo que no folclore há modificações, contudo elas ocorrem num ritmo lento que permite assimilações, ajustamentos,
adaptações, recriações do povo, sem ferir sua mentalidade e sem quebrar a estabilidade de suas formas sociais. Também é
oportuno observar agora a constância do retorno a situações semelhantes em épocas certas, isto é, a manutenção de ciclos
de eventos. Cada um com características próprias: as “sortes de São João”, determinadas bebidas, a Quadrilha são típicas
e até exclusivas do ciclo junino; a dança de Santa Cruz é feita apenas nos dias 2 a 4 de maio e em meados de setembro
(realizá-la fora dessas épocas os antigos consideravam um desrespeito à religião); na festa de Reis passaram a ser comuns
danças como o Tiu-tiu-tiu-tá, Quero Bem, Venha Dois, trazidas por mineiros, as quais porém não desalojaram a Cirandinha,
a Cana Verde, o Chimarrete das festas à Santa Cruz. Cada ciclo tem suas características próprias, e o tempo certo de
- Nordestinos e mineiros concentrados no município chegam a vivenciar fatos do populário de suas regiões de origem: em Carapicuíba há um grupo de Reisado misto de
272

Guerreiro, liderado pelo alagoano Oswaldo Fausto dos Santos, e na matriz local tem sido feita a festa do Divino em que se incluem aproximações com a de Diamantina-
MG, liderada em seus aspectos profanos por mineiros provenientes dessa cidade. Por outro lado, em Osasco se situa a Casa do Violeiro do Brasil, congregando grande
número de repentistas, violeiros e cantadores nordestinos mas também paulistas (e de qualquer procedência). Naturalmente, há mudanças no decorrer dos tempos.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 165


vivenciá-las é aguardado com expectativa, como já explicado. É próprio do folclore uma reiteração a longo prazo, como
que pautando a vida pelo retorno cíclico ao já conhecido; uma recorrência. Em oposição a esse modo de pensar, sentir,
agir e reagir, a vida moderna tem ânsias pela renovação constante, pelo novo que força e antecipa a obsolescência, pela
substituição até apressada do existente em favor do vir a ser, numa constante mudança; e o povo brasileiro tem especial
preferência por esse comportamento. No caso da Aldeia de Carapicuíba, essa mentalidade favorável ao atual invadindo
abruptamente sua tranquilidade de séculos só podia criar uma situação de crise, da qual os velhos habitantes tomaram
sentido somente quando perceberam que junto com o asfalto e o fogão a gás vieram problemas de desocupados (até
toxicômanos) provocando brigas, ruídos de veículos que chegaram a bater nas frágeis construções de pau-a-pique, perda
de ambiente adequado para as festas cíclicas273 . Percebe-se então que aquele isolamento relativo em que permaneceu a
Aldeia de Carapicuíba durante séculos foi um fator de permanência de seus fatos folclóricos. A despeito de seus habitantes
sempre terem tido relações com Pinheiros, Cotia e outros locais mais ou menos próximos, o povoamento se manteve
distante de uma completa integração a esses locais. Contudo, a explosão demográfica de São Paulo tendo-se dado em
curto período de tempo e chegando assim à Aldeia, provocou desorganização de sua estrutura social, daí advindo a perda
de funcionalidade de muitos fatos folclóricos. Por aí, podemos verificar serem de enorme importância as observações a
respeito da funcionalidade como uma das condicionantes do fato folclórico274.
Será necessário lembrarmos aqui outro pormenor importante que ocorre na fase de mudança abrupta, a
despersonalização do indivíduo275: na metrópole, passa a constituir apenas uma ínfima parte de uma vasta engrenagem,
substituível a qualquer momento, se faltar. No grupo de vizinhança da Aldeia e nos demais elementos embora radicados
geograficamente fora desses limites porém integrados ao seu corpus cultural, o relacionamento era acentuado, cada
indivíduo era uma entidade com presença própria e marcante; sua ausência seria sentida, e ele não seria substituído com
facilidade (isso é ainda notado, por exemplo, na possibilidade da ausência de violeiros). Cerca de 1950 em diante essa
sólida estrutura sociocultural começou a se desagregar.
Então, será difícil compreendermos que com a chegada de novos padrões de vida, impostos pela cidade grande, tanto
aquelas necessidades anteriormente comuns quanto suas respectivas soluções de enorme valor funcional (uma dança,
uma cantoria, um chá terapêutico, uma forma de ajuda vicinal, uma “sorte de São João”), tanto umas quanto outras
integradas num sistema que se poderá chamar de sólida autarquia sociocultural, passam a ser ou parecer, hoje em dia,
anacronismos cuja sobrevivência, por isso mesmo, não tem razão de ser. Houve mudança de mentalidade276 que levou à
perda de funcionalidade; e nessa situação o fato folclórico tende a desaparecer.
273
- De certo modo se poderão aplicar à Aldeia contemporânea as palavras de Fernando de Azevedo: a evolução social, que é um fenômeno de dinâmica das sociedades,
série de transformações da estrutura social e na base das quais se acha a mudança das relações econômicas ou de produção dos bens materiais, não é um progresso
em si mesmo – como se verifica nas colocações contraditórias dos moradores entrevistados. Mas, ainda segundo Azevedo, aquela evolução social proporciona, sim,
oportunidades para o progresso, com a emergência de problemas novos e necessidades de enfrentá-los; A ideia..., Rev. de Antropologia 10(1/2), 1962; reprod. por ECA,
1972. Mudanças face a novos padrões de vida em Cunha são indicadas por R. W. Shirley, O fim de uma..., 1971, esp. p. 135, 202/203, 282/283.
274
- R. Almeida acentua a importância da função no fato folclórico; Inteligência..., 1957, p. 49, 54, 159; Idem, Vivência..., p. 30 e 31. Ver também É. Carneiro, Folclore
(comunicação à CNFl, doc. 359, de 3-novembro-1956, e Paratodos julho-1956.
O Congresso Internacional de Folclore realizado em Buenos Aires, 1960, conceitua (seguindo o conteúdo de delegados paulistas em proposta apresentada no Congresso
Internacional realizado em São Paulo, 1954, mas não aprovada) o folclore como fenômeno cultural que precisa ser captado na sua realidade presente e na função social
que exerce no tempo e no espaço; É. Carneiro, Dinâmica..., 1965, p. 65.
275
- R. Redfield, The folk..., JAS 52 (4), janeiro-1947, p. 301 e 306.
276
- A respeito do relacionamento mentalidade/folclore ver: E. Schaden, Homem..., 1972, p. 435; R. Almeida, Vivência..., p. 36; L. C. Cascudo, Folclore do..., 1965, p. 10.

166 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Permitimo-nos nesta altura discutir um aspecto da citação feita acima de trecho de Antônio Cândido, quando esse
professor afirma que a mudança na cultura caipira é o seu fim porque ela não foi feita para o progresso, uma vez que está
baseada em grande precariedade277. Os dados levantados na Aldeia de Carapicuíba parecem permitir-nos compreender ter
sido ela uma comunidade com fraca economia de subsistência mas com uma cultura bastante firme e nada precária. Sua
desorganização terá ocorrido não tanto por fraqueza dos laços intragrupais ou por satisfação insuficiente que os costumes
vigentes davam aos seus membros, mas sim pela mudança socioeconômica278 desmesuradamente acentuada acontecida
em curto período de tempo, sem dar chances a ajustamentos279 . Além do que devemos lembrar outros fatores (de resto já
apresentados antes): a dessacralização dos costumes influindo na perda de sentimento religioso por ocasião de festas de
base religiosa; o falecimento de líderes locais sem que houvesse continuadores à altura; as facilidades de comunicação
e locomoção permitindo eliminar o isolamento relativo de antes e provocando diversificação das necessidades e das
motivações culturais (rádio e televisão constituem casos evidentes). Uma vez integrada à vida da Grande São Paulo,
a Aldeia de Carapicuíba tem que aceitar os padrões da cidade-grande, da metrópole, muitas vezes opostos àqueles
encontrados no local até meados do século. Tais circunstâncias levam à morte ou a ajustes de seus fatos folclóricos,
que são reflexos da cultura caipira de antiga formação; ou pelo menos levam a modificações tão acentuadas, que podem
incorrer em sua descaracterização. Daí porque os mais idosos repetem: A Aldeia está morrendo. Se houver tempo e
renovada aceitação coletiva, essas circunstâncias atuais poderão ainda levar a uma reinterpretação dos fatos folclóricos,
hipótese sobre a qual todavia não nos cabe manifestar agora, uma vez que o processo se acha em andamento280. E,
finalmente, no caso de os traços folclóricos serem substituídos (como querem alguns autores), o serão por outros que sem
dúvida refletirão a nova realidade, a realidade da cidade-grande, diversificada, heterogênea281.
TURISTA QUER O EXÓTICO - Se por um lado diversas manifestações tradicional-populares da Aldeia de
Carapicuíba perderam sua funcionalidade, o que as levou ao desuso e à morte, a análise sincrônica da festa de Santa Cruz

277
- A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 82
278
- A economia e sua influência como fator de mudança é ressaltada por A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 165 e outras; Maria I. P. Queiroz, Bairros..., 1973, p. 119 e
outras; R. W. Shirley, O fim de..., 1971, p. 135 e seg..
279
- A. Cândido se refere à assimilação, combinação e rejeição de novos valores culturais, quando indivíduos e grupos diferentes se acham em contato social, e citando
Romanzo Adams lembra que um dos fatores a serem verificados no processo é o da velocidade – lento demais, acarreta resistência aos (novos) padrões; rápido
demais desorganização dos padrões anteriores, antes de haver possibilidade de integrar os novos; Os parceiros...,1975, p. 20-0. A segunda parte dessa citação cabe
perfeitamente ao caso da Aldeia.
280
- Sobre modificações ocorridas com naturalidade em fatos folclóricos ver L. C. Cascudo, Folclore do..., 1965, p. 36/37; R. Almeida, Inteligência..., 1957, p. 60; É. Carneiro,
Dinâmica..., 1965, p. 5/57.
A. Cândido afirma que todas as vezes que surge, por difusão da cultura urbana, a possibilidade de adotar os seus traços, o caipira tende a aceitá-los, como elemento de
prestígio. Este, agora, não é mais definido em função da estrutura fechada do grupo de vizinhança; mas da estrutura geral da sociedade, que leva à superação da vida
comunitária inicial; Os parceiros..., 1975, p. 181. Maria I. P. Queiroz mostra a inadequação de fatos folclóricos à sociedade moderna; O campesinato..., 1973, esp. p.
191/192.
281
- Richard Dorson estudou a população de Gary e East Chicago, 1968, registrando seus fatos folclóricos; Is there..., JAF (p. 328), abril/junho-1970. R. Almeida se refere de
passagem a folclore urbano, esp. no Rio de Janeiro; Vivência..., p. 26, 30/31.
Por sua vez, Nestor G. Reis Filho acentua (não especificamente sobre folclore) que no Brasil os elementos da cultura tradicional, desorganizados pelo contato com
o meio metropolitano, vêm sendo substituídos apenas por elementos mal coordenados de cultura de massa, fornecidos com objetivos comerciais de menor alcance;
Quadro..., 1976, p. 199. O mesmo autor lembra, quanto a patrimônio cultural de modo genérico, que o brasileiro atual se acha afastado de suas origens rurais de um
passado recente mas ainda não (está) integrado culturalmente nas grandes metrópoles em formação; p. 194. Acrescentamos: a rapidez das mudanças provocadas pela
urbanização intensa não dá tempo para essa integração.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 167


nos leva, entrementes, a outras considerações ainda com referência à função, e agora especificamente a esse evento. Já
ressaltamos (apoiando-nos em depoimentos de informantes de faixas etárias mais altas) a importância da festa até os
primeiros decênios do século XX, como forma de expressão religiosa dos membros da então comunidade, feita com muita
seriedade e respeito, ao mesmo tempo que como forma de lazer – sem prejuízo mútuo para ambos os enfoques. Do início
da década de 1970 em diante, passou a se notar na festividade de maio a presença maior de um público inteiramente
estranho ao local e às suas tradições populares. São estudantes de 2° Grau e de faculdades que, a mando deste ou daquele
professor (talvez até desconhecedor do assunto) vão “fazer pesquisa” sobre arquitetura ou folclore da Aldeia, ou são
alunos da disciplina Folclore em cursos superiores que vão à Aldeia com mesmos objetivos, e são também turistas que
esperam ver na festa o exótico, o diferente, o vistoso, o espetáculo que seria uma fuga à rotina das opções convencionais
citadinas. Especialmente estes, na maioria das vezes saem – digamos – decepcionados, primeiro porque o patrimônio
arquitetônico da Aldeia não apresenta a imponência que alguns menos avisados esperam, e segundo porque a festa e a
dança da mesma maneira não constituem um espetáculo atraente para os olhos, como são certas festividades, certas
danças e certos autos populares brasileiros (citemos as festas do Divino, de São Benedito em algumas cidades, de Nossa
Senhora dos Navegantes mais o Carnaval; e o Catira, as danças gaúchas, o Carimbó, o Maculelê, a Cavalhada Dramática,
o Bumba-Meu-Boi, o Guerreiro...). A essas pessoas “de fora” se acrescentam os migrantes originários de Minas Gerais
e do Nordeste. Tal presença de pessoas que vão “ver” apenas, vão “assistir” à festa e à dança, com curiosidade – sem a
intenção de participar do evento – muitas vezes municiados de gravador e máquinas de fotografar e de filmar, constitui
um novo ingrediente na paisagem da Aldeia em dias e noites da festa de Santa Cruz. Já não é o participante efetivo
da devoção ao símbolo religioso, nem o participante secundário que muitas vezes acompanha aquele e até ajuda nos
preparativos (estando praticamente engajado no evento), e nem também o habitante-novo já referido do município que,
descontraidamente, “dá um pulo” até o antigo núcleo na expectativa de encontrar ambiência para se divertir numa festa
quem sabe semelhante às “de largo” ou “de arraial” típicas do Nordeste. Um público citadino cujos veículos têm de ser
deixados na margem da Estrada da Aldeia ou mesmo estacionados em pleno pátio junto a cruzes frente às quais deverá
ser feita a dança-ritual do Sarabaquê; um público cujo imaginário situa o folclore no espetaculoso, assim pré-entendido
algo de visual exótico e com outros atrativos especiais e diferenciadores – à procura de uma alteridade chamativa. Para
muitos desses visitantes – turistas eventuais – tal expectativa por “assistir a” sem integrar-se vem a frustração. E eles têm
de se contentar com uma dança simples, repetitiva, com elemento humano trajando roupas comuns, tocando instrumentos
simples... Esses visitantes não alcançam aspectos e conteúdos um tanto subliminares que marcam a festa, para quem a
entende e a vivencia. Enfim, um problema de cultura integrada ou autêntica, que não satisfaz a público exógeno282 , cuja
presença pode até ser prejudicial à tradição popular local.
AINDA A FUNCIONALIDADE - Por outras palavras e em resumo: uma festa e uma dança anteriormente realizadas
por um grupo social pequeno, com caráter religioso e de sadio divertimento comunitário, agora sentem-se alvo de
tentativas (ainda que involuntárias, vá lá) de ser procuradas como objetos de curiosidade por parte de estranhos que
esperam ver nelas o espetáculo (que elas não são nem nunca pretenderam ser, também não se realizaram ou realizam
com essa intenção). Enfim: uma mudança de funcionalidade que pode acentuar-se, em vista da potencialidade da Aldeia

282
- Conforme diferenciação entre “cultura espúria” e “cultura autêntica”, texto de Edward Sapir, Culture, genuine and spurius, AJS 29(4), janeiro-1924.

168 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


de Carapicuíba para turismo cultural283 , haja vista a afluência de fregueses do restaurante rústico de comidas chilenas
instalado em 1978 numa das casas do núcleo antigo. A propósito: por que não um restaurante de pratos regionais paulistas,
no local tipicamente paulista e paulistano?! Instalam-se conflitos.
“-Alô, alô – diz reiteradamente o homem do alto-falante instalado pela Prefeitura – alô, proprietário do Volkswagen
chapa (…), por gentileza queira retirar seu carro de onde se acha, porque a dança vai ser apresentada nesse lugar. Por
favor,urgente, proprietário do Volkswagen...”
Diga-se de passagem que conflitos dessa natureza e mudança de funcionalidade advindo abruptamente ocorrem em
diversas regiões do país, e de modo mais acentuado onde órgãos oficiais ligados ao turismo procuram fazer com que
esse ramo de atividades se beneficie da lúdica e de festas folclóricas (Bahia e Pernambuco acabam sendo exemplos mais
evidentes). Em princípio é preciso ponderar que tal aproveitamento está incluído na moderna dinâmica sociocultural
em que o folclore se acha, e o incremento do turismo interno e receptivo sempre leva à utilização do populário, sem
dúvida uma oferta diferencial em nada desprezível. Essa utilização pelo turismo entretanto é mais uma interferência
erudita nos fatos folclóricos da Aldeia, como outras que apontamos nos capítulos 3 (quanto ao patrimônio arquitetônico),
4, 5 e 6. Sabe-se que a utilização de folclore pelo turismo não segue normas mínimas284 que visem a evitar resultados
desastrosos e inclusive contrários as próprios interesses econômicos da chamada “indústria sem chaminés”; sendo assim,
fica problemático saber se esse novo enfoque em processo, na festa de Santa Cruz, pode ser um incentivo para sua
continuidade, embora modificando sua funcionalidade e espontaneidade, ou se é um último suspiro de traço cultural
tradicional-popular moribundo, como querem vários de nossos informantes demonstrando pessimismo e forte nostalgia285
. Realmente, quando o fato folclórico tem estreito vínculo com religiosidade, torna-se mais delicado seu aproveitamento
e sua transformação em espetáculo, sem contra-indicações; seria necessário lembrar os Candomblés “para turista ver”?
Com frequência, elementos mais idosos da velha comunidade índio-jesuítica paulistana lamentam que a festa está
acabando e que a Aldeia está acabando. Algo como o que Antônio Cândido qualificou pesquisando outros agrupamentos
caipiras face ao fenômeno da urbanização, Os parceiros do Rio Bonito: um saudosismo transfigurador -- uma verdadeira
utopia retrospectiva, ou uma tendência a idealizar o passado. No nosso caso, transcorre um semestre ou um ano, e
tanto na festa quando a Aldeia dão sinais de vida; até enfrentando mudanças abruptas e impactos naturais. Acabando?
Preferimos considerar que a festa e a Aldeia passam por uma crise, provocada pela rápida urbanização da área e pelo
crescente interesse erudito por manifestações de cultura tradicional-popular. Será oportuno lembrarmos outra grande crise
– talvez mais aguda – que ocorreu na mesma Aldeia, cerca do início do século XVIII, quando os jesuítas ordenaram sua
transferência para Itapecerica, chegando a desfazer construções. E a Aldeia ressurgiu.

283
- Na verdade a Aldeia de Carapicuíba tem grande potencialidade como local receptivo para turismo cultural e lazer cultural, associando seu patrimônio histórico e
arquitetônico ao patrimônio folclórico, além da vantagem de sua proximidade em relação a São Paulo. Lamentável é que autoridades e órgãos que lidam tanto com
patrimônio cultural como com turismo/lazer não tenham tomado providências para o adequado aproveitamento do local (inclusive para atender o público escolar, tão
receptivo), ao mesmo tempo evitando sua descaracterização e sua perda.
284
- Até por omissão de folcloristas, como reconhece R. Almeida, Folclore e turismo cultural, RBF 10(28), p. 99. Ver também do mesmo autor: Elementos..., RBF (33), e
Folclore e turismo, RBF 12(36), maio/agosto-1973; e Maria L. B. Ribeiro, Turismo..., RBF 12(36), maio/agosto-1973.
285
- Analisando representações mentais do caboclo face ao impacto de problemas econômicos, A. Cândido cita o que se poderia qualificar de saudosismo transfigurador
– uma verdadeira utopia retrospectiva, se coubesse a expressão contraditória, através da qual procuram valorizar o passado; Os parceiros..., 1975, p. 193 e 235, 249.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 169


9.3. Conclusões

Com sua origem afastando-se ao final do século XVI e tendo permanecido até o século XX consideravelmente à
margem de mudanças profundas provenientes de um dinamismo socioeconômico e cultural que ela não teve, a Aldeia
de Carapicuíba constitui um dos mais expressivos casos de patrimônio cultural no estado de São Paulo. Sua simplicidade
reflete as condições de vida nos campos de Piratininga dos séculos XVII e XVIII, sendo portanto um retrato fiel de uma
época.
O patrimônio urbanístico-arquitetônico, embora singelo, constitui um conjunto de valor excepcional, que sofre
consequências do conflito provocado por intensa ocupação do solo verificada de modo mais acentuado a partir de meados
do século XX.
170 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
A formação de fatos folclóricos da Aldeia de Carapicuíba remonta aos tempos do encontro cultural índio-luso-
católico. Como núcleo de mamelucos e de caipiras paulistas, herdeiros de velhas tradições populares que se reportam
ao final do primeiro século de colonização, a Aldeia de Carapicuíba chegou ao século XX como um bolsão de folclore
específico da área a oeste da cidade de São Paulo; na realidade, a Aldeia guarda traços culturais paulistanos, anteriores ao
forte processo de cosmopolitismo da capital.

São fatores que explicam a manutenção dos elementos socioeconômicos e culturais da Aldeia de Carapicuíba:
a) Isolamento relativo (quanto à geografia e à cultura).
b) Economia de subsistência satisfazendo às necessidades do grupo social. Ausência nas relações econômicas
regionais.
c) Cultura tradicional fortemente integrada, com traços intimamente associados à religiosidade, permitindo coerência
interna.

São fatores que levam às mudanças na área da Aldeia de Carapicuíba:


a) Eliminação do isolamento relativo permitindo contatos intergrupais mais frequentes e profundos.
b) Quebra da economia de subsistência, passando o elemento humano a depender da economia de mercado,
integrado em atividades da Grande São Paulo.
c) Presença – em curto período de tempo – de grandes contingentes de migrantes de outras regiões do país, que
não se sentem obrigados a aderir ao universo da cultura tradicional-popular local.
d) Urbanização intensa – em curto período de tempo – e difusão intensa de novos padrões culturais, provocando
situação de oposição entre “antigo” e “moderno”, com valorização deste.
e) Secularização dos costumes (com enfraquecimento de práticas coletivas de base religiosa).
Com a acentuação de mudanças socioeconômicas na Grande São Paulo provenientes do explosivo crescimento da
metrópole paulistana, especialmente nas décadas de 1950/1960, a urbanização chegou à área da Aldeia por volta dos
decênios de 1960/1970, influindo grandemente na sua vida até então tranquila. Seu patrimônio cultural de modo geral
e o folclórico em particular se encontram em situação de crise, já tendo algumas manifestações tradicional-populares
desaparecido.
Na forma como existe atualmente, a dança de Santa Cruz é um dos fatos folclóricos mais importantes da Grande São
Paulo. Na verdade, o Sarabaguê é único.

9.4. Sugestões

Com 400 anos de existência, e tendo passado por fases de decadência, mas se conservando como exemplo de vida
simples do homem paulista de séculos atrás, a Aldeia de Carapicuíba necessita de providências urgentes para resguardar-
se contra consequências de mudanças abruptas e até contra destruição.
DESVIO DO TRÁFEGO - Entre essas providências ressalta como óbvio que se deve desviar o tráfego, evitando

carapicuíba - uma aldeia mameluca 171


a passagem pelo pátio antigo. Basicamente, essa obra já conta com estudo preliminar (conforme citado no item 2.3.),
todavia trata-se de um estudo que permite ampliações e aprimoramento. Ainda sobre esse assunto importante, fica claro
o seguinte: deve-se providenciar urgentemente uma via de contorno da Aldeia de Carapicuíba, a leste e a oeste, asfaltada
e com sinalização correta. No pátio antigo deve ser proibida a circulação e o estacionamento de veículos motorizados.
URBANISMO - Nos dias de festa na Aldeia há grande acúmulo de veículos. A reforma urbanística do entorno da
Aldeia de Carapicuíba deve considerar essa circunstância, e deve ser dimensionada em razão do público flutuante em
épocas normais e em festas cíclicas. Deverá ser implantada uma praça (ou mesmo duas) destinada a abrigar: a) ponto
final de linhas de ônibus Carapicuíba-Aldeia e Pinheiros-Aldeia; e b) área destinada a estacionamento para veículos
particulares de visitantes. Essa praça pode localizar-se a leste do pátio antigo (nas proximidades do Sítio do Xiru, onde
existe área desocupada) e ligar-se ao núcleo antigo principalmente pela Rua Santa Catarina. Outra praça pode localizar-se
a oeste, à beira da Estrada de Itu ou de Cotia e na altura da Biquinha.
Junto às praças sugeridas – ou junto a uma delas – deverão ser construídas instalações adequadas para recepção de
visitantes, como sanitários, lanchonete, posto de informação com telefone, etc.
CENTRO DE ESTUDOS - Sendo um local de inegável importância como patrimônio cultural paulista, junto a
essa praça – ou a uma delas – deverá ser instalado também um centro de difusão cultural devidamente equipado para
estudos, e dedicado especialmente a campos temáticos específicos como arquitetura, história, folclore, artes, antropologia
cultural, ecologia, turismo. Tal centro de difusão cultural deverá estar apto a atender estudantes e estudiosos de qualquer
procedência e todos os níveis, mas também deverá ser útil a estudantes e moradores das redondezas. Um auditório com
equipamentos modernos e uma biblioteca especializada se incluem nas dependências desse centro de difusão cultural, para
aulas, seminários, consultas e semelhantes. É evidente que com tais equipamentos deverá igualmente haver melhoria de
serviços gerais e de infraestrutura, como policiamento, e deverá visar-se a criação de condições favoráveis à compreensão
do valor do local como exemplar vivo da memória nacional; para o que se poderá recorrer inclusive a eventos na base de
ambientação.
ECOMUSEU - Dessa maneira, a Aldeia poderá ser visitada e estudada como um autêntico ecomuseu. O antigo núcleo
mameluco possui todos os conteúdos e atrativos para funcionar como ponto de atração, estudo e lazer para visitantes
de diversas espécies. Trata-se até de um fator para obtenção de recursos financeiros, a serem reinvestidos na Aldeia.
É indispensável que, no planejamento desse ecomuseu e na sua concretização, sejam cuidadosamente consideradas e
respeitadas as facetas representativas da história e da cultura popular da área e da região. Também deverá ser devidamente
considerado o aproveitamento do elemento humano local, com a necessária qualificação.
LAZER: A POPULAÇÃO DA ÁREA - Se a Aldeia tem vocação para receber público exógeno interessado
especialmente em temas culturais paulistas, ou paulistanos, ao mesmo tempo não podemos ignorar as necessidades e
os interesses do cotidiano da população local e do entorno, ainda que ela esteja passando por um processo de grande
diversificação. Cabe instalar também, na Aldeia ou em seus arredores, quem sabe incluídos nas praças a oeste e a leste
do pátio, equipamentos convencionais para lazer (recreativo e cultural), destinados em particular à população endógena.
ENSINO: PATRIMÔNIO CULTURAL - É de enorme importância que professores/as do ensino básico no município
de Carapicuíba e em municípios próximos incluam em suas aulas conteúdos sobre a Aldeia de Carapicuíba como exemplo
de Patrimônio Cultural de interesse da nação – sua história desde 1580, as relações de índios e jesuítas, o aspecto religioso,

172 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


a arquitetura simples (refletindo a situação da Capitania de São Vicente e da cidade de São Paulo), o folclore e o que
mais seja adequado para a compreensão da existência hoje da única aldeia entre as 12 referidas no século XVI em terras
paulistas. A presença atual de tantas famílias de nordestinos, mineiros e de outras origens na área torna ainda mais
necessária a inclusão desses conteúdos e de seu ensino cuidadoso, permitindo que novas gerações possam entender as
tradições da nova terra e vivenciá-las com afetividade. Naturalmente, para que isso aconteça é preciso que professores/
as recebam a devida instrução específica; a Secretaria Estadual de Educação e as Secretarias Municipais de Educação
deverão criar cursos e condições para se chegar a esse objetivo (que, ademais, é um aspecto da esperada melhoria da
qualidade de ensino).
NÃO INTERFERIR NO FOLCLORE - É sabido que a defesa de bens culturais de tipo material pode ser resolvida
até com certa facilidade. A mesma facilidade todavia não ocorre com bens espirituais ou imateriais. No caso de traços
folclóricos específicos da área da Aldeia de Carapicuíba, deve haver suficiente esclarecimento por parte das autoridades, no
sentido de não interferir nas vivências folclóricas, ou interferir o menos possível; e já estarão adotando um comportamento
aconselhável para evitar descaracterização no folclore. O apoio que as autoridades podem dar a manifestações folclóricas
– quando necessário – deve restringir-se de modo a evitar que seus agentes percam a iniciativa; por outras palavras: o que
é próprio do povo ao povo compete.
Se este ou aquele traço folclórico tende a desaparecer ou modificar-se, tangido pelas circunstâncias do dinamismo
sociocultural, procurar mantê-los anti-naturalmente – na forma e no conteúdo – já constitui uma interferência erudita
condenável. Todavia, no caso da Aldeia de Carapicuíba, parece lícito esperar-se que a preservação correta de seus aspectos
histórico-arquitetônicos, associada a outras medidas visando a conscientização de seu valor como bem cultural, pode vir
a constituir-se em fator favorável à vida continuada do folclore local.

Leitura atenta dessas sugestões mostra que elas são perfeitamente viáveis, desde que se disponha de bons
administradores. De administradores públicos que poderão receber bons dividendos políticos, pois estarão trabalhando
para serem obtidos benefícios no presente e no futuro.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 173


Anexo 1
Cronologia da Aldeia de Carapicuíba

12-outubro-1580 - Sesmaria* de Jerônimo Leitão, atendendo a pedido de indígenas da Aldeia dos Pinheiros (atual
bairro de Pinheiros, Capital paulista) e concedendo a eles no logar aonde o pedem seis leguas de terra são para os indios
de Pinheiros seis leguas de terras em quadra no sitio aonde pedem que é Carapicuiba ao longo do rio umbiaçaba tanto
de uma parte como da outra ficando o dito rio no meio as quaes seis leguas se começarão a medir assim de uma parte
como da outra do rio onde acabarem as derradeiras dadas que antes desta carta foram dadas aos brancos a qual terra
assim dou para os moradores da dita aldeia dos Pinheiros que agora são me pelo tempo em diante forem para nellas
fazerem e lavrarem seus mantimentos (…); Cartas de datas...

* Sesmaria = Área concedida pelo rei de Portugal, para uso e cultivo por parte de uma pessoa ou um grupo de pessoas.

1582 - De acordo com Luís Saia, ano (ou época?) de fundação da primeira Aldeia de Carapicuíba, não obrigatoriamente
no local da que existe atualmente; L. Saia, Aldeia...

9-julho-1615 - Afonso Sardinha e sua esposa Maria Gonsalves fazem doação de toda a sua fazenda à Capella de
N. Snrª do Collegio e Igr. de S. Paulo.
(…) As terras desta doação de Affonso Sardinha são em que se acha situada a Aldeia vulgarmente chamada
‘Carapicuiba’ no destricto de S. Paulo (…); Documentosinteressantes, v. 44, p. 360/367.
Embora oficialmente a Aldeia de Carapicuíba tenha origem na sesmaria de 1580, alguns autores – talvez pela
exiguidade de documentação – criaram ambiguidade sobre ela. É consenso que Afonso Sardinha possuía terras na
região, tendo reunido grande número de indígenas em sua fazenda; daí o prof. Pasquale Petrone considerar natural que se
recorresse aos jesuítas para que aos indígenas aldeados fosse prestada a assistência espiritual que se julgava necessária.
A presença jesuítica deve ter-se verificado desde os primeiros tempos da arregimentação dos indígenas (…). O fato é que
o aldeamento já devia estar definido, de forma estável, na passagem do quinhentos para o seiscentos (…). A direção legal
do aldeamento passou para os jesuítas em 1615. Nesse ano, por escritura de 9 de julho, Afonso Sardinha e sua mulher
Maria Gonsalves fizeram doação de toda sua fazenda ao Colégio de São Paulo. P. Petrone, Os aldeamentos..., p. 77.

18-julho-1633 - Sebastião Medeiros Ramos, vereador em São Paulo, requer à Câmara dessa cidade providências
para se evitar a usurpação que os jesuítas pretendiam fazer de terras em Carapicuíba; Atas..., v. 4, p. 122.

24-maio-1636 - Ata da Câmara da vila de São Paulo relatando problemas com indígenas saídos das aldeias;
Actas..., v. 4, p. 299/300.

9-janeiro-1638 - Determinação dos vereadores paulistanos para que os moradores desta vila puzesem nas aldeas as
pesas que os moradores desta vila trouxerão do sertão que fosem cazados (…); Actas..., v. 4, p. 376.

174 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


1640/1643 - Com desentendimentos entre paulistas e jesuítas relativos à utilização de selvícolas como escravos, em
1640 os inacianos são expulsos de suas propriedades, somente sendo reintegrados em 1643. Houve então breve período
de crise nas aldeias jesuíticas.

6-agosto-1650 - Indígenas aldeados em Carapicuíba são requisitados para murarem e consertarem a igreja jesuítica
do Colégio de Piratininga; P. Petrone, Os aldeamentos..., p. 155, citando Actas..., v. 5, p. 434.

1694 - Francisco Frazão declara que na Aldeia de Carapicuíba ficavão cincoenta captivos. Mas posteriormente
todos foram transferidos para a fazenda de Santana, dos jesuítas; Documentos interessantes, v. 44, p. 367.

Cerca de 1698 - Tentativa dos padres de mudar a Aldeia para Itapecerica, chegando a serem demolidas algumas
casas para assim forçar seus habitantes a obedecer, segundo Sérgio Buarque de Holanda, Rev. do SPHAN (5), p. 111.
Inícios do século XVIII - O pe. Belchior de Pontes, encarregado da Aldeia, desaprova a pretendida mudança, por
certo a partir da verificação de que seus habitantes se recusavam a abandonar o local. A tradição oral registrada por seu
biógrafo, pe. Manoel da Fonseca, informa ter ele afirmado que não havia de deixar de ser Aldea Carapicuyba.

3-março-1713 - Informado por Pedro Taques de Almeida (administrador geral das aldeias) da situação ilegal em
que se encontravam as sesmarias dadas aos indígenas, o rei D. João V ordena por Carta Régia que se restituíssem as seis
léguas de terras dadas aos naturais de Pinheiros e de São Miguel em 1580. Todavia essa determinação não traz garantia
aos indígenas, em razão de fortes interesses de colonos já instalados nas terras e também interesses de autoridades por
mesmos motivos; conforme José A. T. Rendon, Memória..., Rev. do IHGB (4), p. 309/312.

Primeira metade do século XVIII - Segundo a tradição oral, época das primeiras festas (talvez também da dança) de
Santa Cruz na Aldeia. A tradição oral indica 1714 como o primeiro ano em que se efetuou a festa.

13-março-1733 - D. Antônio Luís de Távora, conde de Sarzedas, publica bando dizendo que as Aldeas de Indios
desta Capitania, se achão exaustas delles, por haverem alguns moradores della levado os Indios e Indias para fora não
só alugados e induzidos, mas ainda com despachos (…) - e ordena conservarem-se todos os Indios nas Aldeas, para
estarem promptos para as occaziões que se offereserem do Real Serviço (…); Boletim do Departamento... (7), p. 74/77.

10-maio-1734 - D. Antônio Luís de Távora, conde de Sarzedas, em longo regimento se refere ao despovoamento
das aldeias por causa de requisições de indígenas para trabalhos domésticos e nas minas, razão pela qual ordena com
pormenores o retorno imediato de indígenas às suas povoações, bem como proíbe a retirada deles para quaisquer trabalhos
sem fiador ou licença do governador; Boletim do Departamento... (7), p. 105/109.

1736 - Construção do templo atual. Nessa época, reconstrução de casas da Aldeia com características muito próximas
das atuais, segundo Luís Saia.

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1736 - Coincidindo com a construção do novo templo, deve ter ocorrido a mudança de orago: anteriormente era São
João Batista, passando a ser Santa Catarina, como até hoje (conforme Luís Saia).

1736 - Reaproveitamento de um cruzeiro que tinha estado no adro da igreja antiga, e que o Padre Belchior tinha
dito que ainda havia de servir em huma Igreja nova que alli se havia de fazer – segundo Manoel da Fonseca – porque
terminada a construção do templo o responsável pela obra resolveu não esperar a confecção de uma cruz nova. A que foi
aproveitada era uma antiga, que estava defronte das casas, em que se recolhiaõ os Religiosos, quando por alli passavaõ;
M. da Fonseca, Vida...

Primeira metade do século XVIII - Período de consolidação da Aldeia, principalmente graças à ação do pe. Belchior
de Pontes, cuja memória a tradição guarda com grande respeito.
Reconstrução da Aldeia, aproveitando-se (conforme Luís Saia) algumas paredes de casas anteriores e que subsistem
atualmente nas casas 10 e 11.

1760 - Com a expulsão dos jesuítas, a Aldeia inicia um período de decadência.

Cerca de 1762 - A Aldeia rende somente vinte e dois mil e seis contos reis de hum pouco de algodão que produzio
as mesmas terras (…); Documentosinteressantes, v. 4, p. 366.

Década de 1760 - Decadência e confisco de fazendas que foram dos jesuítas. Carta de D. Luís Antônio de Souza
indica estarem elas inteiramente perdidas, os escravos muito danificados, e demenuidos, as casas cahidas e tudo com
necessidade urgente de se lhe aplicar remedio. (Carta datada de Santos, 6-janeiro-1766).

1766 – Por recenseamento, a Aldeia tinha 23 casas – a menor quantidade entre as dez aldeias pesquisadas: Pinheiros,
Barueri, São Miguel, Escada, Itaquaquecetuba, Embu, Itapecirica, São José e Peruíbe. A população era formada por
72 mulheres (sendo uma ausente) e 60 homens (sendo um, ausente); P. Petrone, Os aldeamentos..., p. 179, citando
Documentos interessantes, v. 73, p. 63.

4-julho-1767 - D. Luís Antônio de Souza comunica ao rei de Portugal que tem procurado fundar Povoaçoens, a
melhorar as Aldeas dos Indios que achei nesta Capitania; Documentos interessantes, v. 23.
1767 ou anos seguintes - Com a expulsão dos jesuítas, o local deve ter passado a pertencer a uma família tradicional
de São Paulo, os Camargos (conforme Luís Saia).

6-abril-1771 - O governador D. Luís Antônio de Souza ordena que nenhum Indio ou India se atreva a sahir da aldea
para fora sem licença do Director e na falta ou auzencia delle do seo Pe Superior, e para fora da Capitania por despacho
meu (…); Documentos interessantes, v. 33, p. 41.

176 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


25-julho-1771 - O governador D. Luís Antônio de Souza ordena a dois oficiais irem às aldeias de Pinheiros,
Itapecirica, Embu e Carapicuíba, a fim de retirar delas os Indios que se puderem comodamte tirar sem vexame della,
para fazerem aterro junto à ponte de Pinheiros; Documentos interessantes, v. 33, p. 25.

4-fevereiro-1772 - Ordem do governador Luís Antônio de Souza aos diretores das aldeias de Pinheiros, Embu,
Itapecirica, Barueri e Carapicuíba objetivando conserto da ponte sobre o rio Pinheiros, danificada por chuvas; requisita
de cada uma das aldeias pª esta obra quatro Indios, dois sestos e duas enxadas sendo que aos mesmos Indios se assistirá
pela dª Câmara com o preciso e diario sustento, na frª já praticada com os outros (…); Documentos interessantes, v. 33,
p. 46.

22-agosto-1772 - O governador Luís Antônio de Souza determina ao diretor da Aldeia que ao pedir-se quaesquer
Indios pª serv° fora da Aldêa, fação pr° depositar o dr° em q’ se ajustarem os mesmos Indios, em ordem a que deste modo
sejão destes vexados com trabalho sem lucro algum (…); Documentos interessantes, v. 33, p. 70.

13-novembro-1772 - Portaria do governador Luís Antônio de Souza para o sargento-mor Pedro Taques declarar seus
conhecimentos sobre aldeias da Capitania; Documentos interessantes, v. 33.

1774 - Época de grande decadência. Azevedo Marques chega a acreditar que a Aldeia deixou de existir por volta
deste ano.

1775 - Relatando a situação em que encontrou as aldeias, o governador Luís Antônio de Souza indica que cerca de
1775 As Aldeas dos Indios, por algumas das quais passei, estão totalmente destruidas, e quaze despovoadas. Nam havia
gente mais abatida, e vexada; vinhão Aldeias inteiras trabalhar em huma Chacra, e conduções de meu Antecessor, e não
se lhes pagava jornal; outros em fazendas de alguns favorecidos, os filhos, e filhas se davão a servir a gentinhas, onde me
consta eram consternados, como captivos. Dei logo providencias (…); Documentos interessantes, v. 28, p. 28.

20-fevereiro-1776 - Martim Lopes Lobo de Saldanha narra em correspondência a Martinho de Mello e Castro a
situação de aldeias quanto aos serviços religiosos: Pela constante falta de Presbiteros secullares estão Paroquiando
Regullares das Aldêas dos Indios, onde são mais lobos que Pastores. Fervem as queixas, e toda a providencia é frustada;
porque removidos, hé forçozo serem substituidos por outros Frades que todos fora de seus conventos degeneram (…);
Documentos interessantes, v. 28, p. 35/38.

11-dezembro-1776 - Requisição de doze Indios trabalhadores da Aldeia para o sargento-mor Antônio Francisco de
Andrade; Documentos interessantes, v. 84, p. 98.

1777 - Referência do bispo de São Paulo, d. Manuel da Ressurreição, dizendo que o pároco encarregado da Aldeia
sustenta-se como pode – o que de certo modo confirma o abandono e a decadência em que se achava o local.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 177


8-abril-1782 - Determinação governamental para o diretor da Aldeia no sentido de levar à sede da administração,
em São Paulo, os índios Estêvão da Costa, Serafino Pereira, Bento Peixoto, André da Cunha, Cipriano, Paulo Vieyra e
Jerônimo da Cunha; Documentos interessantes, v. 85, p. 44.

19-abril-1782 - Ordem do governador Francisco da Cunha Menezes aos diretores das aldeias de Barueri, Itapecirica,
Embu e Carapicuíba no sentido de darem a Vicente da Costa Taques e Aranha, doze Indios capazes de trabalhar, na
sua Fazenda, com quem ajustarão, os que os dos Indios hande ganhar por mez, ou por aquelle tempo, que o servirem;
Documentos interessantes v. 85, p. 10.

13-novembro-1782 - Determinação do diretor da Aldeia (e aos de outras aldeias) no sentido de escolher hûa
India rapariga, que julgar com capacidade, e inteligencia pª aprender a tecer a fabrica de algodão, e a conduzirá a esta
salla do Governo, para ser mandada à aquelle ensino e depois de estar neste bem instruida, tornará pª a dª Aldeya para
ensinar outras Indias, afim de que lucrem com este tão util trabalho, e não padeção tanta mizeria, em q. estão vivendo;
Documentos interessantes, v. 95, p. 16/17.

4-março-1783 - Requisição do capitão Martinho A. de Leme, inspetor das Aldeias, no sentido de serem escolhidos
dez índios das Aldeias de Embu, Itapecirica e Carapicuíba, para serem entregues ao capitão Francisco Xavier dos Santos,
para trabalho a ser pago na forma do costume; Documentos interessantes, v. 85, p. 18.

4-maio-1783 - Ordem do governador Francisco da Cunha Menezes ao diretor da Aldeia no sentido de dar a
João Baptista Victoriano, quatro índios, que o mesmo escolher na dª Aldeya, pª hirem com elle a diligencia, de q. Vai
encarregado, e o mesmo Director lhe intimará o rigorozo castigo, que terão se fugirem de trabalhar ou se retirarem sem
consentimto do d° João Baptista; Documentos interessantes, v. 85, ´. 22.

29-julho-1783 - Ordem do governador Francisco da Cunha Menezes ao capitão Martinho A. F. Leme, inspetor
das Aldeias de Embu, Itapecirica e Carapicuíba, no sentido de enviar logo a esta Salla dez Indios dos mais capazes, q.
houverem nas Aldeyas de sua administração pª hirem trabalhar na Fazª de S. Aana por tempo de dous mezes; segue-
se a relação das aldeias de São Miguel, Escada, Barueri e Pinheiros, sem estar incluída a de Carapicuíba; Documentos
interessantes, v. 85, p. 92.

30-agosto-1783 - Determinação do diretor da Aldeia (também aos de outras aldeias) para que mande a esta salla
tres Indios capazes, athé as quatro horas da tarde do dia segunda feira o pro de setembro, pª hirem trabalhar, e render
aos q. se achão rossando, e plantando em Juquery; Documentos interessantes, v. 85, p. 24.

30-dezembro-1783 - Ordem do inspetor das aldeias de Embu, Itapecirica e Carapicuíba para vender o gado que das
mesmas se achar capaz de tirar (…) em utilidade da Real Fazenda; Documentos interessantes, v. 85, p. 27.

178 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


7-janeiro-1784 - Ordem aos diretores ou capitães-mores das aldeias de Itapecirica, Embu, Barueri e Carapicuíba no
sentido de entregar a Vicente da Costa Taques Goes e Aranha (capitão-mor de Itu) tres Indios de cada hûa das referidas
Aldeyas, na forma do custume; Documentos interessantes, v. 85, p. 27.

9-janeiro-1784 - O governador Francisco da Cunha Menezes nomeia para Director d’Aldeya de Carapicuiba a
Francisco Bicudo de Brito, por achar nelle capacidade de dirigir a dª Aldeya nos bons costumes, e socego que requer a
sua occupação (…); Documentos interessantes, v. 85, p. 27.

4-agosto-1784 - paçouse Portª ao Indio Paulo Vicyra, pª ser Sargto mor da Aldeya de Carapicuiba; Documentos
interessantes, v. 85, p. 34.

2-março-1785 - Determinação ao diretor da Aldeia para enviar logo prezoz a esta Salla, os Indios, Estevão da
Costa, Lourenço Perª e Cipriano Perª; Documentos interessantes, v. 85, p. 39.

Final do século XVIII - As terras da Aldeia são de nenhum rendimento. E após a expulsão dos jesuítas ficaram os
Indios em sua liberdade e por não assistirem na Aldeia por andarem continuamente aos jornaes pelos caminhos de S.
Paulo, hé a rezão porque também não haverá daqui em diante rendimento algum para o dito legado, e se acha em total
decadencia que as cazas de vivenda no tempo que o Ouvidor fes suquestro nesta Aldeia estavão arruinadas e cobertas de
capim; Documentos interessantes, v. 44, p. 367.

20-agosto-1798 - O governador Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça nomeia José Arouche de Toledo Rendon
para o cargo de Diretor Geral dos Índios, recebendo este a incumbência de visitar as aldeias e verificar possibilidades de
melhorá-las; Memórias sobre..., Rev. do IHGB (4).

1798 - José A. de Toledo Rendon visita as aldeias e escreve a “Memória sobre as aldeas de indios da Provincia de
S. Paulo, segundo as observações feitas no ano de 1798”, publicada na Rev. do IHGB (4).
No relatório de José A. T. Rendon consta que a aldeia do Embu já tem parocho collado. Deve-se-lhe dar Districto
competente, abrangendo as duas aldeas visinhas de Carapicuhyba e Itapecirica, cujas capellas devem ficar como filiais
daquella Matriz e terão capellães se os interessados nisso os quizerem sustentar; Documentos interessantes, v. 44, p.
113/116.
Final do século XVIII - Recenseamento das aldeias. A maioria da população de Carapicuíba é de crianças: 54 entre
zero e dez anos, num total de 138 habitantes. De 10/20 anos havia 27 elementos; de 20/30 anos, 20 elementos; de 30/40
anos, 15 elementos; de 40/50 anos, 11 elementos; de 50/60 anos, 3 elementos; de 60/80 anos, 8 elementos; Boletim do
Departamento... (8), p. 126.

1-outubro-1790 - É nomeado para Capitão Mór dos Indios da Aldeya de Carapucuyva ao Indio Vitorino Barboza,
attendendo à sua capacidade, e bons costumes (…); Boletim do Departamento...(8), p. 80/81.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 179


1792 - A Aldeia consta no “Mapa Corographico que por ordem do Ilustrissimo e Excelentissimo Senhor Bernardo
José de Lorena, Governador, e Capitão General da mesma Capitania, Levantou o Ajudante Engenheiro António
Roiz Montezinho, conforme suas observações feitas em 1791 e 1792”. Todavia sua posição não está correta (o que é
compreensível pela falta de recursos da época), havendo como que uma inversão quanto à posição do Embu. Talvez seja
a primeira vez em que a Aldeia é marcada em mapa, embora consta apenas o nome de Carapicuíba (Pinheiros e outras
aldeias também constam apenas com o nome principal).

15-setembro-1799 - Informação indica abandono de plantações de subsistência na Aldeia, especialmente quanto a


mandioca e algodão. As dificuldades se configuram nestes motivos: os valos por antigos se achão arruinados imparte,
alem do dano, que os fogos de cada anno lansados por pessoas de pouca cautela (…), ou seja, queimadas. As criações
também danificavam pequenas lavouras construções, por falta de cercas; Boletim do Departamento... (8), p. 88/91.

1803 - Recenseamento indica haver 40 residências, com 168 habitantes declarados, porém 14 deles ausentes –
fugidos; Boletim do Departamento... (8), p. 219/224.

13-agosto-1803 - Antônio José de Franca e Horta dirige-se ao príncipe regente lamentando a situação de extrema
pobreza das dez aldeias, incluindo Carapicuíba; conclui ser muito interessante extinguir as aldeias como tal e já se
antecipa conferindo aos índios a liberdade de se estabelecer onde mais util lhes for. Também sugere formarem-se
freguezias naquelas aldêas susceptiveis disso. Citações especiais para São José dos Campos) que já era paróquia e
seria transformada em freguesia, e Nossa Senhora da Escada e Barueri. Carapicuíba e Itapecirica seriam abrangidas
por Embu, a ser elevada a distrito; Documentos interessantes, v. 44, p. 113/116.

1845 - Decreto 426 de 24-julho; o Governo Imperial determina seja informado sobre a situação geral das aldeias de
São Paulo. José J. M. d’Oliveira fica encarregado pelo governo provincial de fazer relatório a respeito.

1845 - Habitantes de aldeias de São Paulo encaminham a José J. M. d’Oliveira representações segundo as quais
conhecem o Director-Geral, que ainda existiam restos por descendência da antiga população indígena; que foi
estabelecida nas aldeias de Carapucuyba e Baruery, uma parte habitando o seu primordial territorio, e outra a maior,
disseminada ou vagando pelos districtos circunvizinhos; P. Petrone, Os aldeamentos..., p. 136, citando os Anais da
Assembléia Legislativa Provincial de S. Paulo, 18846/1847, p. 435.

1845 - José J. M. d’Oliveira fez levantamento da situação das aldeias e apresenta ao governador um relatório
apontando o estado de decadência em que elas se encontravam.

1845 - Na “Notícia raciocinada sobre as aldeias dos indios, desde seu começo até a actualidade”, Rev. do IHGB (2),
José J. M. d’Oliveira considera Pinheiros e Carapicuíba uma só aldeia, incorretamente, pois esta foi formada cerca de
vinte anos depois da de Pinheiros, além da distância entre elas.

180 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


14-março-1846 - Decreto provincial nomeia José J. M. d’Oliveira para o Cargo de Diretor Geral dos Índios da
Província de São Paulo.

Cerca de 1846 - Pelo relatório de J. J. M. d’Oliveira, tenta-se a reorganização e o desenvolvimento das aldeias de
São Miguel, Itaquaquecetuba, Barueri de Carapicuíba; todavia, permanece sem êxito.

Meados do século XIX - As aldeias ao redor de São Paulo continuam em grande decadência, com seus habitantes
abandonados à própria sorte. Em 1848, Domiciano Leite Ribeiro, presidente da Província, tenta organizar algumas aldeias,
nada indi cando ter obtido êxito; conforme S. Bontempi, O bairro..., p. 125, citando Eugênio Egas.

18-setembro-1850 - Pela lei imperial 601, complementada por outros documentos legais desse mesmo ano e de 1856
e de 1858, ficou determinado que as terras dos indígenas fossem incorporadas ao patrimônio nacional. Na prática, isso
corresponderia à extinção das aldeias como tais, uma vez que a decadência dos núcleos, a dispersão dos habitantes e seu
cruzamento com outros elementos indicava, desde tempos, a aproximação dessa medida.

1869 - Cândido Borges Monteiro, presidente da Província de São Paulo, relata que nas aldeias o typo americano
primitivo desapareceu completamente pelo cruzamento de raças e dá outras características, apontando o estado de
decadência em que se achava o serviço de catechese; conforme S. Bontempi, O bairro..., p. 125, citando E. Egas.

Final do século XIX - A Aldeia é citada como área de terras devolutas e habitada por intrusos; Documentos
interessantes, v. 22, p. 183.

Maio-1913 - Pela primeira vez chega à Aldeia um automóvel (Fiat, Benz ou Berlier) conduzindo participantes da
festa de Santa Cruz (conforme informação de Belisário Camargo Júnior). O fato pode ser tido com um dos marcos de
mudanças iniciais na área da Aldeia, ainda que, por muitos anos, muitos participantes continuassem a usar veículos de
tração animal para a mesma viagem; ou se locomoviam a pé.

Cerca de 1926 - Regularização da posse de terras dos moradores da Aldeia e arredores (conforme Luís Saia,
Aldeia..., p. 19).

Final da década de 1920 / Inícios da década de 1930 - Chegada de primeiros imigrantes à região – italianos (segundo
nossos informantes) e depois japoneses (segundo nossos informantes e L. Saia), que se instalam na área da Aldeia como
lavradores e, eventualmente, outro tipo de trabalho.

Década de 1930 - Migrantes de Minas Gerais passam a residir nas proximidades da Aldeia, influindo parcialmente no
folclore local com acréscimos, especialmente Folia de Reis e algumas danças que se fixaram na festa de Reis (6-janeiro)
e numa ou noutra ocasião.

carapicuíba - uma aldeia mameluca 181


1936/1938 - Pesquisas de Luís Saia para o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de que resultou o tombamento
da Aldeia.

Décadas de 1930/1950 - Chegada dos primeiros habitantes provenientes de Minas Gerais, do Nordeste e, em menor
escala, de outras regiões do país, instalando-se na área da Aldeia e no futuro município de Carapicuíba.

1940 - Tombamento da Aldeia de Carapicuíba pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-MEC,
através do processo 218-T, inscrição no Livro do Tombo número 7, de 13-maio-1940.

1954 a 1959 - Primeiras obras de restauração na Aldeia, pelo 4° Distrito do SPHAN, sediado em São Paulo. Outras
obras se prolongam até 1961.

1954 - A Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo inclui a festa de Santa Cruz, das festividades
tradicionais da Aldeia, no calendário oficial das comemorações paulistanas. A partir desse ano, a festa passa a ser atrativo
de folcloristas e outros estudiosos.

1958 - A Estrada da Aldeia é asfaltada.

Década de 1960 - Com a expansão urbana, acelera-se a exploração imobiliária entre a rodovia Raposo Tavares e o
rio Pinheiros. Há grande afluxo de novos habitantes, quase sempre operários.

1960 - Pela lei estadual 8092/64, de 28-fevereiro, fica criado o município de Carapicuíba, nele se incluindo a Aldeia
de Carapicuíba.

1968 - Chega à Aldeia a rede elétrica domiciliar.

1970 - Pela lei municipal 179/70, de 2-janeiro, “fica declarado como pertencente ao perímetro urbano toda a área
do município de Carapicuíba”.

197- - A Prefeitura Municipal de Carapicuíba reforma o pátio da Aldeia, provocando protestos do diretor do 4°
Distrito do IPHAN, em São Paulo.

1971 - A Prefeitura Municipal de Carapicuíba oficializa a festa de Santa Cruz, da Aldeia.

1974 - Cantorias da dança de Santa Cruz feitas pela “Família Camargo” constituem uma faixa do disco Música
popular do Centro Oeste e Sudeste, LP MPA9324, v. 4, da Marcus Pereira, São Bernardo do Campo-SP.

182 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


1975 - Pela lei municipal 372/75, de 9-janeiro, a Estrada da Aldeia tem sua denominação alterada para Av. Inocêncio
Seráfico.

1975 - Pela lei municipal 395/75, de 13-novembro, a Estrada da Aldeia ou Estrada de Itu, também chamada
Municipal da Aldeia e ainda Estrada de Cotia passa a denominar-se oficialmente Estrada João Fazoli.

1977 - Chegam à Aldeia os fios de telefone. O primeiro aparelho é instalado na residência-venda de Massahiro Ueta.

1978 - Abre-se um restaurante de pratos típicos chilenos, na casa n 2 da Aldeia.

Janeiro-1979 - É inaugurada a rede de abastecimento domiciliar de água, da Sapesp- Companhia de Saneamento


Básico de São Paulo, abrangendo casas do lado leste da Aldeia.

Anexo 2
Informantes

Entre as família mais tradicionais da Aldeia de Carapicuíba e arredores se inclui a dos Camargos, com elementos
radicados no local há séculos, mas agora residindo também em Carapicuíba, Osasco e São Paulo. Outros velhos troncos
são os dos Pereiras, dos Tolomys e dos Xaviers.
Virgílio Avelino de Jesus, conhecido por Nhô Virgílio ou Nhô Gílio, citado várias vezes no texto, foi um líder das
práticas tradicional-populares da região (aparece nas ilustrações 2 e 3). Era preto e não deixou descendentes na Aldeia;
notabilizou-se como capelão, violeiro da festa de Santa Cruz e em qualquer outra oportunidade, contador de causos, sendo
lembrado com frequência pelos informantes atuais de mais idade. Outros elementos lembrados são Belisário Camargo e
Juvenal Antero de Camargo, todos falecidos.
Nossos informantes, período de 1969 a 1979, ficam relacionados abaixo.

ALAYDE CAMARGO BERNARDO – branca, n. Em São Paulo,1912; viúva, tem filhos e netos; irmã de Conceição
Maria de Camargo. Residiu em São Paulo mas na infância e adolescência frequentou assiduamente a Aldeia, especialmente
em dias de festas, com a família. Atualmente reside em Jaú-SP (de onde nos enviou alguns dados).

ANTÔNIO CAMARGO, MIMI – branco, n. no bairro do Caxingui, mun. de São Paulo, 1922; filho de Francisco
Margarido de Camargo e Eufrosina Andrade Camargo; casado com Lourdes Domingues Camargo; tem filhos e netos.
Completou o curso primário; foi motorista e comerciou com tropas de mulas vindas de Minas Gerais; é funcionário
da Prefeitura Municipal de Carapicuíba; cuida também de vacas de sua propriedade, em terreno alugado no bairro da
Aldeia. Mudou-se de São Paulo para a Aldeia em 1932 com a família; posteriormente voltou na residir em Pinheiros,
depois na Aldeia, tendo-se fixado na Vila Dirce (bairro próximo da Aldeia) em 1944; possui automóvel; sua filha caçula

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é universitária. Um dos nossos melhores informantes, na dança de Santa Cruz toca reco-reco (já tocou também cuíca
e pandeiro) e conhece outras danças como Cana Verde, Chimarrete, Cirandinha, Tiu-tiu-tiu-tá. Forneceu diversas
informações sobre as vivências populares da Aldeia, onde é dos elementos mais benquistos. Irmão de Ilydia Camargo.

ALVINA DA SILVA COSTA – descendente de indígenas, n. na Aldeia, cerca de 1895; viúva; teve um filho (falecido),
tem netos. Residiu em São Paulo trabalhando como doméstica em algumas residências e tendo ocasião de viajar
acompanhando os patrões; por isso esteve no Rio de Janeiro, em Santos e em outras cidades, o que lembra com prazer.
Mas sempre participou de festas na Aldeia e em outros locais, especialmente a de Santa Cruz. Mora a cerca de 200 metros
do núcleo antigo; forneceu-nos vários dados. Atualmente não mais participa das comemorações tradicionais da Aldeia.

ARGEMIRO C. CAMARGO – branco, n. na Aldeia de Carapicuíba, 1921; desquitado; industrial; reside em São
Paulo. Desde criança participou da festa de Santa Cruz, tocando reco-reco e depois viola. Cerca de 1957 em diante
passou na tocar como contra-mestre e mestre; na década de 1970 passou a frequentar menos assiduamente a Aldeia.

ATALIBA C. CAMARGO – branco, n. na Aldeia de Carapicuíba, 1926; casado com Mercedes Andreota Camargo;
dois filhos: Hamilton (que toca viola) e Mariza; reside em Osasco; possui automóvel; azulegista. Até os 19 anos viveu
na Aldeia, e desde muito jovem tocava reco-reco, depois viola. Em cerca de 1949 tocava junto com Belisário Camargo
na dança de Santa Cruz, recebendo elogios e incentivos do “velho” Belisário, seu tio. Quando este elemento se afastou
da Aldeia, 1955, passou a tocar como mestre, revesando-se com o irmão Argemiro C. Camargo; outros irmãos: Lindolfo
e Ítalo.

BELISÁRIO CAMARGO JÚNIOR, ZICO – branco, n. em São Paulo (bairro de Pinheiros, onde sempre residiu), 1903;
casado com Conceição Maria de Camargo (n. em Bocaina-SP, 1905); têm filhos. Junto com a esposa têm participado da
vida da Aldeia desde crianças. Belisário trabalhou em comércio; atualmente está aposentado. É filho de Palmira Ezequiela
do Prado Camargo, conhecida por Sinhara (n. em São Paulo (Pinheiros), 1884) e Belisário Zacarias de Camargo (n. na
fazenda de Mutinga, atualmente mun. de Osasco-SP, 1878, falecido em São Paulo, 1974, por sua vez descendente da
família Camargo radicada em São Paulo e arredores há séculos). Este Belisário Zacarias de Camargo, pai do informante,
é o famoso “velho” Belisário, como é citado ainda hoje por elementos da Aldeia.

ILYDIA CAMARGO, NENÊ – branca, n. em Taboão da Serra (então pertencente a São Paulo), 1918, filha de
Francisco Margarido de Camargo e Eufrosina Andrade Camargo. Fez curso primário no Taboão; junto com a família
residiu na Granja Velha (mun. de Carapicuíba), Taboão da Serra, Aldeia, bairros paulistanos do Caxingui e Itaim, fixando-
se na Aldeia a partir de 1960. Mas sempre compareceu às festividades da Aldeia, desde criança (a Ilustração 3 foi
fornecida pela informante, que aparece com cerca de 10 anos). Trabalhou em firma de confecção de roupas, em São Paulo,
e na Prefeitura Municipal de Carapicuíba; está aposentada. Uma de nossas melhores informantes, conhece as tradições
populares do local pesquisado e é tida como uma sua defensora enérgica.

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ÍTALO COSTA CAMARGO – branco, n. do bairro da Aldeia de Carapicuíba, 1920; casado com Vergelina de Oliveira
Camargo; filhos. Toca pandeiro na dança de Santa Cruz desde muito jovem. Trabalha como corretor de imóveis em
Osasco-SP, onde reside.

JOSÉ ADELINO ANDRADE, NHÔ ZÉ MIMI – branco, n. no bairro do Jaguaré (São Paulo), 1892. Casado
com Antônia Maria de Andrade, Nhá Tonica (branca, n. no Taboão da Serra, 1895). O mesmo sobrenome de ambos é
coincidência; não têm consanguinidade; filhos, netos e bisnetos. Formam excelente dupla de cantadores de modas de
viola; participaram assiduamente das festividades da Aldeia. Antônia Maria de Andrade é prima-irmã de Ilydia e Antônio
Camargo, por parte materna.

JOSÉ PEREIRA LEITE, ZECA – branco, n. da área da Aldeia, 1921; casado, filhos. Reside nas proximidades da
Aldeia, pertencendo a uma das famílias tradicionais da região. Toca viola na dança de Santa Cruz, e já tocou reco-reco e
cavaquinho, quando jovem.

LUCAS DIAS – descendente de indígenas e brancos; n. no Taboão da Serra (então pertencente a São Paulo), 1898;
reside na Aldeia desde cerca de 1 ano de idade. Trabalhou na lavoura e em serviços braçais, sempre nas proximidades da
Aldeia. Participava sempre das festas, inclusive tocando pandeiro.

NAZÁRIO GASPAR DA SILVA – mulato, n. na área da Aldeia de Carapicuíba, 1907; casado, filhos. Trabalhou em
serviços braçais e ligados à lavoura. Foi sempre um participante entusiasta das festas da Aldeia, tocando pandeiro. Em
1979 se afastou do local por motivos de saúde; reside próximo da rodovia Raposo Tavares.

Outros elementos ligados à vida da Aldeia de Carapicuíba (alguns dos quais foram informantes eventuais):
Ana Branco, Aninha (falecida em 1979).
Cândida Lafayete Ferraz (nordestina residente em São Paulo e com propriedade na Aldeia, a cujas tradições populares
se integrou).
Eduardo Gimenez.
Hamilton C. Camargo,
Mílton (filho de Ataliba C. Camargo, ambos violeiros).
Helenice Camargo (filha de Antônio Camargo e Lourdes Domingues Camargo)
Hernani Theodoro Camargo Xavier (falecido).
Honório Camargo (falecido em 1971).
Isabel Xavier, Isa (afastou-se da Aldeia após o falecimento de seu marido, o dr. Hernani Theodoro Camargo Xavier).
Jandira Camargo.
João Acácio de Almeida.
Marcolino Rosa da Cruz.
Lindolfo C. Camargo.

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Marina Camargo.
Mariza Camargo.
Massahiro Ueta.
Odila Camargo.
Oswaldo Lopes.
Sebastião Ferraz (nordestino radicado na Aldeia, reside em São Paulo; comerciante em Carapicuíba, integrado aos
hábitos grupais da área pesquisada.
Solange Rocha de Oliveira.
Yara Camargo.

Anexo 3
Festeiros de Santa Cruz, 1930-1979

Diversas fontes – em especial programas impressos e entrevistas com pessoas residentes na Aldeia ou relacionadas à
sua cultura – nos permitiram levantar nomes de organizadores da festa de maio. Em 1954, a festividade foi incluída nas
comemorações do quarto centenário de fundação da cidade de São Paulo, daí o festeiro ter sido o secretário-executivo
da Comissão Nacional de Folclore-IBECC-UNESCO (houve presença de autoridades, como Guilherme de Almeida, que
presidia a comissão das comemorações paulistanas). Em 1972, ano do Sesquicentenário da Independência, foi outra
exceção.
Via de regra, os organizadores são elementos diretamente ligados às tradições locais, em especial os da família
Camargo.

1930 – Delfino Cerqueira e esposa, Emília Cerqueira;


1938 – Belisário Camargo e esposa, Palmira E. do Prado Camargo;
1939 – Roberto Lorenz e esposa Benedita Lorenz;
1941 – Miguel Mirizzola e esposa Olinda Rizzo Mirizzola;
1942 – Jorge Rizzo e esposa Andrelina Prado Rizzo;
1948 – Antônio de Morais e Eufrosina de Andrade Camargo;
1953 – Belisário Camargo e esposa, Palmira E. do Prado Camargo;
1954 – Renato Almeida e Maria de Lourdes Borges Ribeiro (representando a Comissão Paulista de Folclore);
1955 – Jurandyr Camargo e esposa, Antonieta Silva Camargo;
1958 – Antônio de Morais e Eufrosina de Andrade Camargo (esta faleceu tendo sido substituída por Vanete
Camargo e filhos);
1959 – Odette Xavier, Maria Lúcia Correa Xavier, Maria de Lourdes Xavier, Luiz Gastão Xavier, Maria A.
Xavier Silva, Hélio Coelho da Silva, Elodia Carvalho de Formiga Xavier, José Carmo de Formiga Xavier, Terezinha
Graziano Brandão, Paulo Brandão, Marleine Antinori dos Santos, Ivan Machado dos Santos, Daisy Xavier Mentone,
Henrique Mentone, Dirce Theodoro Xavier Costa e José Octávio Pinto Costa;

186 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


1960 – Flávio de Almeida Prado Galvão e esposa;
1961 – José Octávio Pinto Costa e Dirce T. Xavier Costa;
1962 – Odevaldo Andreotte Camargo e Mariza Andreotte Camargo (irmãos);
1963 – Jacinto Gimenez e esposa;
1964 – Sebastião Ferraz e esposa, Maria Cândida L. Ferraz;
1968 – Oswaldo Lopes e esposa, Laura Lopes;
1969 – Sebastião Alves Lúcio e esposa, Isabel Lúcio;
1970 – Oswaldo Lopes e esposa, Laura Lopes;
1971 – Amos Meucci, Raimundo Nonato Nicodemus e Carlos Wada e esposa;
1972 – Rossini Tavares de Lima e Maria do Rosário Tavares de Lima (pelo Museu de Artes e Técnicas Populares),
e Edenyr Machado e Laura Della Mônica (pela Secretaria Municipal de Turismo e Fomento);
1973 – Antônio Camargo e esposa, Lourdes Domingues Camargo; Celso Pacheco Bentim e esposa, Marlene
Suarte Bentim;
1974 – Lindolfo C. Camargo e esposa, Catarina Lemos A. Camargo;
1975 – Antônio Camargo e esposa, Lourdes Domingues Camargo; e Ataliba Camargo e esposa, Mercedes
Andreotte Camargo;
1976 – Ítalo C. Camargo e esposa, Vergelina de Oliveira Camargo; e Antônio Camargo e esposa, Lourdes
Domingues Camargo;
1977 – João Acácio de Almeida e esposa; Antônio Camargo e esposa, Lourdes Domingues Camargo;
1978 – Solange Rocha de Oliveira e Sérgio Rocha de Oliveira (irmãos);
1979 – Linneu Criste Adorno e esposa, Maria Inês Criste Adorno.

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Ilustração 1

Grupo formado por ocasião da festa de Santa Cruz na Aldeia de Carapicuíba, 2-maio-1913. À direita, dois violeiros.
Ao fundo, o tradicional arco de bambu e bandeirinhas de papel de seda. Pela janela, ao alto do frontispício, se podem
ver três sinos da igreja.

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Ilustração 2

Grupo formado por ocasião da festa de Santa Cruz, 1913. Da esquerda para a direita: Antero (pandeiro), Virgílio
(viola), Benedito da Nhá Quirina (viola), elemento não identificado, com viola; em segundo plano: Pedro (cavaquinho),
Lula (pandeiro) e outro elemento não identificado (com reco-reco encoberto).

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Ilustração 3

Grupo formado por ocasião da festa de Santa Cruz na Aldeia de Carapicuíba, 1928. À esquerda em pé, Aparício
Teixeira com viola, e agachado (de palheta) Virgílio Avelino de Jesus também com viola. Percebe-se o cruzeiro central
com a “toalha da cruz” e coroado por dois arcos de bambu; além das bandeirinhas de papel de seda. Ao lado do cruzeiro
aparece ainda o mastro da festa. Ao fundo os telhados das casas do lado noroeste da Aldeia, inclusive da que desmoronou
(localizada no canto fechado).
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Ilustração 4

Belisário Camargo Júnior com violas que pertenceram a seu pai.

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Ilustração 5

Pandeiros ou adufes com moedas de cobre, usados anteriormente na festa de Santa Cruz da Aldeia de Carapicuíba

192 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Ilustração 6

O cruzeiro central da Aldeia de Carapicuíba, durante a festa de Santa Cruz de maio de 1978.

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Ilustração 7

Saudação, em 3 de maio de 1979.

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Ilustração 8

Saudação em 2 de maio de 1969.

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Ilustração 9

Despedida e frente a uma das cruzes domiciliares, em 2 de maio de 1969. Da esquerda para a direita: Nazário
(pandeiro), Zeca Pereira (viola), Ítalo (pandeiro), Antônio Camargo (reco-reco), Sebastião Ferraz (encoberto, com reco-
reco) e Eduardo Gimenez (reco-reco).

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Ilustração 10

Roda, em 2 de maio de 1969. Aparecem Eduardo Gimenez e Antônio Camargo (tendo à sua frente Lourdes D.
Camargo), com reco-recos.

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Ilustração 11

O avanço-e-recuo da Saudação (movimentos iguais na Despedida), em 2 de maio de 1978. Aparecem:


José Pereira (Zeca) com viola, Hamílton Camargo com viola, Nazário Gaspar da Silva com pandeiro,
Antônio Camargo (Mimi) com reco-reco e Ilydia Camargo (Nenê) com reco-reco.

198 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


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Agricultura, 1947.

. . : . .

carapicuíba - uma aldeia mameluca 205


Índice remissivo

Para facilitar as consultas, este Índice Remissivo reúne termos importantes relacionados à história e ao folclore
da Aldeia de Carapicuíba. Compreende-se que são palavras e expressões selecionadas. Quando se trata de autores de
trabalhos publicados, suas referências estão colocadas a partir do nome próprio, porém dando-se destaque ao sobrenome
– em maiúsculas – para eventual procura em dicionários de estudos, índices onomásticos e bibliografias.

Acuar o veado.....................................................105 Antônio Roiz MONTEZINHO..........................46 - 47


A Aldeia está acabando...............................17 - 167 Antônio SEPP, pe.......................................25 - 26 - 27
a cavalo......................................................137 - 162 Antropologia............................................................20
aculturação.........................................53 - 155 - 158 Anedota..................................................................138
Afonso A. de FREITAS..........................23 - 54 - 55 Aparecida.........................................................51 - 154
Albert Eckhout......................................................25 apelidos..................................................................130
Albertina Pereira Leite..........................................85 Araçariguama...........................................................47
Alceu Maynard Aracy AMARAL.......................................22 - 23 - 24
ARAÚJO.........74 - 85 - 86 - 108 - 116 - 148 - 157 Araraytaguaba (Porto Feliz).....................................47
aldeia...............................................15 - 22 - 26 - 28 arco de bambu..........................................................79
Aldeia de Carapicuíba............................15 - 17 - 19 Argemiro C. Camargo............................................182
21 - 25 - 30 - 34 - 164 - 167 - 170 - 174 - 180 Aroldo de AZEVEDO..............................................49
Alfredo ELLIS JÚNIOR................................21 - 22 arredores da Aldeia /
algodão....................................................47 - 48 - 49 área próxima...........................37 - 49 - 50 - 58 - 162
alteridade.............................................................166 arroz-de-suã............................................................147
Alvina da Silva Costa....159 - 116 - 163 - 182 - 137 arroz-doce.......................................................84 - 147
alvorada.................................................................79 assombração..................................................135 - 137
Amadeu AMARAL..............................19 - 55 - 129 Atibaia......................................................................54
América Espanhola................................................23 Auguste de SAINT-HILAIRE..........................22 - 56
Américo PELLEGRINI FILHO..........72 - 86 - 98 - Aureliano LEITE......................................................21
116 - 157 Ataliba Costa Camargo..................................63 - 182
anexo Afonso de E. TAUNAY....................................21 - 23
Angola...................................................................58 Afonso Sardinha/ Maria
Antônio A. da CUNHA......................143 - 148 - 159 Gonsalves......................................30 - 44 - 45 - 172
Antônio Barreto do AMARAL............................72 ala (não fila)..............................................................63
Antônio Camargo.........................................64 - 181
Antônio CÂNDIDO........19 - 46 - 49 - 50 - 54 - 55 - Bariani ORTÊNCIO...............................................148
75 - 130 - 143 - 149 - 159 - 161 - 165 - 167 Barueri.......................................................15 - 29 - 34
Antônio Egídio MARTINS............................72 - 84 Basílio ROWER.......................................................22
Antônio Geraldo da CUNHA..............................143
206 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
bairro rural..................................................50 - 54 - 56 Carta de Atenas.......................................................38
Baitatá.......................................................................55 Carta de Veneza.......................................................44
balancê......................................................................64 Cartas de datas de terra, 1555-1600........................45
bambu................................................................78 - 79 “cartucho”..............................................................84
bandeira....................................................................81 catequese................................................................21
bandeirinha de papel de seda............................78 - 79 catolicismo / católico...................................144 - 147
bandeirismo de apresamento / Cavaleiro Ligeiro..................................................136
caça ao índio....................................................22 - 23 centro de difusão cultural.....................................170
batata-doce em calda................................................84 cerveja preta..........................................................105
batismo após a morte..............................................144 chá........................................................................145
Belchior de Pontes, pe...............31 - 32 - 73 - 75 - 174 Chimarrete............................62 - 92 - 93 - 163 - 166
Belisário Camargo..................................................162 cidade-dormitório..................................................44
Belisário Camargo Júnior.........................78 - 79 - 182 cidade-grande / metrópole............................50 - 165
bendito......................................................81 - 82 - 157 cipó cabeludo.......................................................145
Benedito CALIXTO.................................................29 Cirandinha......................................................62 - 87
Biquinha.................................................................170 cocada....................................................................84
Botequim / Casa de Força.........................................73 colono / colonizador / colonização......................169
Brasil.................................................................21 - 23 Colônia............................................................15 - 21
Brasilogia.................................................................20 Comissão Nacional de Folclore.............................44
Companhia de Jesus.........................15 - 21 - 30 - 74
cabreúva.................................................................152 Compromisso de Brasília........................................44
caipira / caboclo (rod. 152, 153, 154)..................54 - CONDEPHAAT-Conselho de
55 - 79 - 116 - 123 - 159 - 162 - 163 - 165 - 169 Defesa do Patrimônio
carro de boi.............................................39 - 72 - 162 Artístico, Arqueológico e
Cassiano RICARDO...................22 - 43 - 46 - 54 - 55 Turístico do estado de São
Cássio M’BOY........................................................116 Paulo..............................................................38 - 41
Camargos / Pires (1640)...........................................32 costumes.............................................143 - 165 - 169
camburu.........................................................153 - 159 conclusões............................................................168
Catira/Cateretê...............................................156 - 166 contexto / ambiente............17 - 45 - 58 - 115 - 158 -
Canjica....................................................................151 159 - 160 - 161
Cana Verde................................................62 - 94 - 163 conurbação......................................................58 - 59
canja.........................................................63 - 84 - 149 coreografia............16 - 94 - 96 - 99 - 101 - 112 - 156
caramuru...................................................81 - 85 - 153 “Corujas”..............................................................73
Capitão da Fogueira..............................................158 Cotia.........................................................34 - 47 - 50
Capitão do Mastro....................................................81 crise...........................................160 - 167 - 169 - 173
Carapucuya e variantes; significados.......................33 cronologia da Aldeia.....................19 - 53 - 156 - 172
Carlos Borges SCHMIDT................................46 - 159 cruz cuíca / puíta............................24 - 25 - 156 - 157

carapicuíba - uma aldeia mameluca 207


culinária....................................................84 - 147 Edward SAPIR.......................................................166
Cultura Brasileira...............................................17 Égon SCHADEN..............................15 - 19 - 20 - 164
cultura popular..................................................170 El Rei (aldeia de) / Real Padroado /oficial.........21 - 23
Curupira..............................................................55 Emílio WILLEMS..................................................143
cuscuz / cuscuzeiro..................................147 - 149 energia elétrica.........................................................39
Cururu...............................................................156 Engenho Novo..........................................................62
Ernâni da Silva BRUNO...........................................47
dança.....77 - 96 - 98 - 154 - 156 - 163 - 166 - 167 escravização / escravidão /
- 169 escravo / cativeiro...........................................22 - 23
dança leve / dança miúda.............................62 - 86 Estrada da Aldeia.............................35 - 51 - 38 - 166
Daniel Pedro MULLER...............................49 - 57 Estrada de Itu..................................................35 - 170
decênio........................44 - 45 - 61 - 93 - 143 - 160 Estrada Velha de Cotia...........................................116
defesa / preservação de folclore....18 - 22 - 23 - 30 Eufrosina Andrade Camargo...................................120
- 45 - 46 - 154 - 161 - 171
descimento de índios / descer.......................29 - 30 farinha de mandioca...............................................159
desenvolvimento demográfico............................57 farinha de milho...............................................84 - 159
despedida.........................................105 - 106 - 156 Fazendinha.............................................................132
desuso...................63 - 147 - 159 - 160 - 163 - 165 Félix de AZARA......................................................26
desvio de tráfego...............................................169 Fernando de AZEVEDO........................................162
diacrônico.........................................................160 Fernando SALES....................................................155
DIÁRIO da jornada, 1717................................148 Fernão CARDIM, pe..................................22 - 46 - 52
Diário Popular...................................................72 Festa / festividade..............115 - 154 - 163 - 165 - 166
ditados...............................................................129 festa de Santa Cruz........25 - 36 - 61 - 63 - 71 - 156 -
Divino Espírito Santo / Divino..................61 - 155 163 - 167 - 173
DOCUMENTOS interessantes........174 - 175 - 177 festa de Nossa Senhora dos
Domingo do Mês.................................................61 Navegantes................................................154 - 166
dona Vitalina......................................................147 festa de São Benedito....................................154 - 166
Doutor Progresso................................................15 festa do Divino Espírito Santo...............61 - 155 - 166
12-outubro-1580 (sesmaria).........................30 - 31 festa dos Santos Reis................................................22
festeiro...............................................52 - 80 - 83 - 184
Eduardo Gimenez................................................97 Flávio A. P. GALVÃO............................................185
Embu..................................15 - 29 - 84 - 157 - 178 F. L. d’Abreu MEDEIROS.......................................47
economia de subsistência..................................169 fogueira....................................................................79
ecomuseu..........................................................170 folclore................................74 - 152 - 154 - 157 - 171
Édison CARNEIRO.........................19 - 161 - 165 folclore = fenômeno cultural..................................164
Eduardo A. ESCALANTE..........................72 - 98 folclore morre?.......................................................160
educação / cultura / ensino..............................170 mineiro / Minas Gerais...................37 - 163 - 171 - 179

208 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


Folia de Reis.....................................................62 isolamento relativo................................................169
folk....................................................................19 IBECC-Inst. Brasileiro de Educação,
Francisco Margarido de Camargo...................116 Cultura e Ciência..................................................44
Francisco Pereira da SILVA.............................156 índio / indígena / aborígene /
Francisco SCHADEN............................155 - 159 gentio / nativo / selvícola /
frases-feitas.....................................................129 autóctone............21 - 22 - 23 - 28 - 31 - 58 - 53 - 74
Frederic M. Litto...............................................15 Instituto Nacional de Folclore.................................161
freguesia...........................................................51 interferência erudita .......................78 - 80 - 105 - 167
fugido (índio)...........................................48 - 178 italianos (imigrantes)................................................58
função social / funcional / funcionalidade....157 Ítalo C. Camargo..............................................64 - 183
- 162 Itapecirica / Itapicirica............................15 - 167 - 173
Freguesia do Ó................................................160 Itaquaquecetuba...............................................37 - 157
Itu ............................................................................15
grupo de vizinhança........................................165
Guaianá......................................................23 - 53 José Pereira...............................................................97
Guarulhos..................................................29 - 50 José Francisco de CAMARGO.................................58
Gaspar da Madre de DEUS........................30 - 31 José Geraldo de SOUZA, pe.....................................52
gemada.............................................................85 José Joaquim Machado de
gengibirra / gengisbirra / gengibre..................85 OLIVEIRA......................................................23 - 30
Goiás.................................................................54 Juíza da Bandeira.....................................................81
Grande São Paulo / São Paulo....44 - 51 - 165 - Jundiaí......................................................................50
169 Jurgen R. LANGENBUCH......................................57
Jamile JAPUR..............84 - 85 - 147 - 148 - 149 - 159
Hamílton Camargo...........................................97 japonês empanamado..............................................138
Helenice Camargo..........................96 - 126 - 183 japoneses (imigrantes).......................................37 - 58
Hélio A. de MOURA, Carmen S. da J. C. Gomes RIBEIRO..............................................23
Cunha HOLDER e Aidil SAMPAIO.............58 J. David JORGE................................................33 - 34
hipodâmico / Hipótamo de Mileto....................26 Jerônimo Leitão..........................................30 - 32 - 33
história / histórico.....................................18 - 74 João C. de Oliveira TORRES...................................51
hipótese.........................................156 - 157 - 159 João CHIARINI......................................................156
João Mendes de ALMEIDA.....................................33
içá torrada.......................................................148 João de AZPILCUETA Navarro, pe.........................28
inaciano............................................................23 Joaquim Roberto de Azevedo
Irénée Henri DALMAIS..................................52 Marques........................................32 - 46 - 74 - 175
Itararé.................................................62 - 63 - 66 Johan HUIZINGA........................................155 - 157
Ilydia Camargo....78 - 85 -116 - 117 - 121 - 136 José Arouche de Toledo
- 137 - 139 RENDON...............................................................46

carapicuíba - uma aldeia mameluca 209


José de ANCHIETA, pe.....................15 - 21 - 46 - 148 Mogi das Cruzes.........................................................50
more............................................................................52
Karol LENKO......................................................... 148 morena....................................................103 - 104 - 160
muares.........................................................................47
lamparina....................................................................79 mudanças, 1960/1970...............................34 - 160 - 169
lampião.......................................................................79 mutirão /muchirão ...........................................143 - 162
Lapa............................................................................50 mameluco (rodapé 149)..............17 - 54 - 27 - 169 - 170
“larga mestiçagem”.............................................37 - 54 mandioca............................................................46 - 148
lazer...........................................................................170 Manoel da FONSECA...........................25 - 31 - 51 - 75
leilão de prendas..........................................................83 Manoel da RESSURREIÇÃO, frei.............................47
Leonardo ARROYO....................................................36 Manuel Cardoso de ABREU.......................................47
Leonardo do Valle, pe.................................................75 mapa.....................................................................7 - 178
leste.............................................................................24 Maria Amália Correa GIFFONI...62 - 72 - 86 - 116 -
Lavagem de Santo............................................117 - 118 156 - 157
linguagem.................................................................129 Maria Isaura Pereira de QUEIROZ.....50 - 52 - 54 - 165
Lobisomem........................................................55 - 138 Maria de Lourdes Borges RIBEIRO.........................184
Lopo de Sousa............................................................30 Mário de ANDRADE..................................................73
Lourdes Brito..............................................................53 Marrafinha..................................................................62
Lourdes Domingues Camargo..........................183 - 185 Martim Affonso Tibiriçá.............................................21
Lucas Dias........................................................159 - 183 mastro da festa............................................................81
Lucas MAYERHOFER........................................27 - 28
Lúcio COSTA..............................................................35 Nazário Gaspar da Silva....................................92 - 183
Luís da Câmara CASCUDO............19 - 156 - 161 - 165 negro da terra..............................................................58
Literatura Oral...........................................................134 Nélson PAPAVERO..................................................148
Louça de barro / Paneleiras.......................................159 Nestor Goulart dos REIS FILHO........................32 - 44
Luís SAIA...26 - 29 - 31 - 32 - 35 - 37 - 38 - 172 - 180 Nhô Virgílio Avelino de Jesus..................97 - 116 - 162
Luiz Antônio de Souza Botelho nordestino / Nordeste.................22 - 37 - 58 - 166 - 171
Mourão.....................................................................47 Nossa Senhora do Ó.............................................49 - 50
Luiz da Grã, pe............................................................28
Luso & Índio.............................................................158 Odilon Nogueira de MATOS......................................54
oeste............................................................................54
medicina caseira........................................................144 Oneyda ALVARENGA.............................72 - 154 - 156
mel de abelha.............................................................146 ônibus / caminhões (na Aldeia)...................................18
milho....................................................................46 - 48 Osasco...........................................18 - 34- 50 - 58 - 163
1554............................................................................21 Otoniel MOTA..........................................................148
1760 (expulsão dos jesuítas).......................................32
1736 (construção da igreja atual)..............................173 qualidade de vida...........................................................

210 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


paçoca de amendoim..................................................151 38
paçoca de carne..........................................................150 IV Centenário de São Paulo.................................78 - 180
pandeiro / adufo..........................................................76 quebra-moringa.............................................................79
Paraguai...............................................................24 - 26 querosene.......................................................................79
Paraná.........................................................................26 Quero bem.....................................................62 - 67 - 163
Parnaíba...............................................................24 - 34 Quentão.........................................................85 - 86 - 120
Pasquale PETRONE......................22 - 29 - 31 - 49 - 50 Quadrilha.....................................................................121
pastel de farinha de milho..................................84 - 152
Patrimônio Cultural............42 - 43 - 18 - 21 - 168 - 170 rabanada......................................................................151
pau-a-pique.................................................................85 raio de 300 metros.........................................................41
Paulo de CARVALHO NETO.....................................72 reco-reco........................................................................98
Peabiru........................................................................24 redondilha maior..........................................................103
Penha..........................................................................49 redução / redução jesuítica / missão jesuítica /
perguntas (adivinhas).................................................140 Jesuítica/...............................................................22 - 25
Pero Correa.................................................................24 Regina LACERDA......................................................148
Pedro Taques de Almeida Paes LEME........................22 religiosidade associada a lazer......................................169
pesquisa..............................................................44 - 158 Renato ALMEIDA................................................20 - 161
Pierre DEFFONTAINES......................................26 - 47 Rev. do Arquivo Municipal.....................................21 - 22
Pinheiros..............................................22 - 50 - 56 - 162 Revista do IHGSP...................................................23 - 47
Piracicaba.........................................................116 - 159 Revista do IPHAN/SPHAN...................................45 - 156
Pirajussara / João Christi............................................72 reza.....................................................................136 - 137
Pires / Camargos (1640).............................................32 Richard M. DORSON..................................................165
pixé...........................................................................152 Rio de Janeiro................................................................23
Planalto Piratiningano / Piratininga............................23 Roda.................................................101 - 105 - 127 - 128
Plínio AYROSA.........................23 - 54 - 55 - 129 - 143 Robert REDFIELD......................................................155
populário.....................................................................59 Robert W. SHIRLEY.............................................51 - 165
português (imigrante)...................................................45 rodapé 149 (mameluco).................................................54
Potosi / Peru................................................................24 Rodolpho von IHERING...............................................34
praça....................................................................17 - 26 rodovia Raposo Tavares..........................................50 - 98
pratos chilenos / empanada.......................................181 rojão..............................................................................79
Prefeitura Municipal de Carapicuíba..35 - 38 - 44 - 180 Rossini Tavares de LIMA............73 - 85 - 86 - 108 - 116
preservação ativa..........................................41 - 44 - 45 Rua do Sacramento........................................................35
primeiro automóvel (na Aldeia).................................39 Rubens Borba de MORAES...................................22 - 23
Ruy Pereira, pe..............................................................25
processo 218/T (tombamento)...................................162
progresso...................................................................162
Saci................................................................................55
Programa....................................................76 - 77 - 124 Santa Catarina......................................................36 - 174

carapicuíba - uma aldeia mameluca 211


Santa Cruzinha (festa de)....................................61 - 123 tiple / tipe......................................................................78
Santa H. BOSCO e Antônio Tiu-tiu-tiu-tá..........................................62 - 63 - 69 - 163
JORDÃO NETTO.................................................58 Teodoro SAMPAIO........................................24 - 53 - 159
Sarabaguê..................................................96 - 157 - 169 “toalha da cruz”.............................................................79
Santo Amaro...............................................................47 tombamento / tombar............................................37 - 180
Santo / Santos Reis..............................................22 - 61 tradição oral............................................................72 - 73
São Bernardo (do Campo)........................................180
turismo / turismo cultural / turista......................165 - 167
São João Batista..........................................................28
São José do Campos....................................................15
São Miguel (Uraraí)..............................15 - 22 - 29 - 37 Ui! Ui!..................................................................99 - 157
São Paulo...............................18 - 21 - 22 - 37 - 50 - 163 Umbiaçaba....................................................................31
São Roque...................................................................47 UNESCO...............................................................18 - 45
São Vicente...........................................................22 - 30 único exemplar..............................................................41
Saudação...................................................98 - 100 - 156 urbanização........................................................167 - 169
sequilho......................................................................84
Sebastião Ferraz..................................................92 - 97 Venha Dois....................................................62 - 64 - 163
Serafim LEITE, pe......................................................22 Vicente do SALVADOR................................................26
Sérgio Buarque de HOLANDA...........30 - 31 - 33 - 45 Vicente SALLES...........................................................20
- 46 - 48 vinho...............................................................74 - 84 - 85
sesmaria......................................................34 - 43 - 172 viola / violeiro........................................................63 - 64
Simão de VASCONCELOS, pe...................................21
Virgílio Avelino de Jesus....................97 - 116 - 162 - 181
sincretismo.........................................................52 - 154
sociologia....................................................................20
Sorocaba.....................................................................50 Wilhem L. von ESCHWEGE........................................22
IPHAN-Instituto do Patrimônio William Graham SUMNER...........................................52
Histórico e Artístico Nacional .........38 - 41 - 44 - 53
Stith THOMPSON.....................................................135 Zagaia...........................................80 - 98 - 108 - 109 - 110
SUGESTÃO de desvio de
tráfego, 1977............................................................41
sugestões...................................................................169
Sul..........................................................23 - 25 - 28 - 50
suspiro.........................................................................84
“sortes”......................................................................118

taipa............................................................................35
Topônimos................................................................131
Tangará..........................................................62 - 63 - 69
tareco..........................................................................85
tarimba.......................................................................40
Telesp.........................................................................40
212 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
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214 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Coleção Cadernos de Folclore
A Coleção Cadernos de Folclore reúne importantes contribuições de diferentes autores, resultado de pesquisas científicas
ou relatos de experiências na área da cultura popular, constituindo-se numa rica fonte de consulta para educadores,
pesquisadores, especialistas e interessados no saber popular.

De 1986 a 1998 a coleção foi produzida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) e Comissão Municipal de
Folclore. A partir de 1999 e até esta data, a parceria passou a ser com o Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP).

Volumes Anteriores

1º volume – 1986 9º volume – 1997


Azeite de Mamona – Toninho Macedo e Angela Savastano Chico Triste I – Coletânea de Textos de Francisco
Pereira da Silva
2º volume – 1988
Carro de Boi – Zuleika de Paula 10º volume – 1998
Chico Triste II – Coletânea de Textos de Francisco
3º volume – 1988 Pereira da Silva
Laraoiê, Exu – Hélio Moreira da Silva
11º volume – 1999
4º volume – 1989 Ciclo de Natal – Coletânea de Textos de Maria Graziela
Fumos e Fumeiros do Brasil – Marcel Jules Thieblot B. dos Santos

5º volume – 1990 12º volume – 2001


Jogos, Brinquedos e Brincadeiras – J. Gerardo M. Guimarães Curiosidades folclóricas sobre o inseto – Hitoshi
Nomura
6º volume – 1992
Maria Peregrina – Benedito José Batista de Melo 13º volume – 2002
Histórias de Onça – Ruth Guimarães
7º volume – 1994
Saci – José Carlos Rossato 14º volume – 2003
De Já Hoje – Darcy Breves de Almeida
8º volume – 1995
Cobras e Crendices – Maria do Rosário de Souza Tavares 15º volume – 2004
de Lima Pedra-de-raio – Uma superstição Universal – J. Gerardo
M. Guimarães

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16º volume – 2006 20º volume – 2010
Santo de Casa Faz Milagre: A Devoção a Santa Perna – Objetos: percursos e escritas culturais – Ricardo Gomes
Cáscia Frade Lima

17º volume – 2006 21º volume – 2011


Educação e Folclore – Histórias Familiares dando Suporte Folia de Reis, Sambas do Povo – Alberto T. Ikeda
ao Conteúdo – Leila Gasperazzo Ignatius Grassi
22º volume – 2012
18º volume – 2008 O Saber e o Fazer no Museu do Folclore – Fábio Martins
O Milho e a Mandioca nas cozinhas brasileiras, segundo Bueno
contam suas histórias – Maria Thereza Lemos de Arruda
Camargo 23º volume – 2013
O Saber e o Fazer no Museu do Folclore – Fábio Martins
19º volume – 2009 Bueno e Maria Siqueira Santos
O saber, o cantar e o viver do povo – Carlos Rodrigues
Brandão

216 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca


carapicuíba - uma aldeia mameluca 217
ISBN 978-85-85262-83-9

9 788585 262839

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