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Volume 24 - 2016 - Carapicuíba - Uma Aldeia Mameluca
Volume 24 - 2016 - Carapicuíba - Uma Aldeia Mameluca
1ª Edição
São José dos Campos-SP
Coleção Cadernos de Folclore
F481c
1. Cultura Popular / Folclore – São José dos Campos – SP 2. Arte Popular / Artistas
Populares – São José dos Campos 3. Programa Museu Vivo – Museu do Folclore/ Centro
de Estudos da Cultura Popular e Fundação Cultural Cassiano Ricardo I.Título.
CDD: 390
ISBN: 978-85-85262-83-9 CDU: 398
Introdução...................................................................................................................................................................................17
Primeira Parte
PATRIMÔNIO CULTURAL......................................................................................................................................................21
Segunda Parte.............................................................................................................................................................................43
Terceira Parte..............................................................................................................................................................................61
FOLCLORE................................................................................................................................................................................61
Cap. 7 – Festas.............................................................................................................................................................................61
7.1. Festa de Reis (Tentativa de reconstituição) .........................................................................................................................61
7.1.1. Contexto da festa...............................................................................................................................................................61
7.1.2. Danças leves......................................................................................................................................................................62
Doc. 1 – Venha Dois.....................................................................................................................................................................64
Doc. 2 – Itararé............................................................................................................................................................................66
Doc. 3 – Quero Bem....................................................................................................................................................................67
Doc. 4 – Tangará..........................................................................................................................................................................69
Doc. 5 – Tiu-tiu-tiu-tá..................................................................................................................................................................69
7.2. Festa de Santa Cruz .............................................................................................................................................................71
7.2.1. Histórico............................................................................................................................................................................72
7.2.1.1. A festa noutros locais......................................................................................................................................................72
7.2.1.2. Origem da festa na Aldeia de Carapicuíba......................................................................................................................73
7.2.2. Contexto da festa...............................................................................................................................................................76
7.2.2.1. Programa........................................................................................................................................................................76
7.2.2.2. Ambiente........................................................................................................................................................................78
7.2.2.3. Calendário......................................................................................................................................................................80
7.2.2.4. Festeiros........................................................................................................................................................................80
7.2.2.5. Mastro e bandeira..........................................................................................................................................................81
7.2.2.6. Bendito..........................................................................................................................................................................81
Doc. 6 – Bendito.........................................................................................................................................................................82
7.2.2.7. Leilão............................................................................................................................................................................83
7.2.2.8. Culinária cíclica............................................................................................................................................................84
Doc. 7 – Gemada.........................................................................................................................................................................85
Doc. 8 – Gengibirra.....................................................................................................................................................................85
Doc. 9 – Pau-a-pique...................................................................................................................................................................85
Doc. 10 – Quentão.......................................................................................................................................................................86
7.2.3. Danças leves......................................................................................................................................................................86
Doc. 11 – Cirandinha...................................................................................................................................................................87
Doc. 12 – Chimarrete..................................................................................................................................................................89
Doc. 13 – Chimarrete...................................................................................................................................................................92
Doc. 14 – Chimarrete..................................................................................................................................................................93
Doc. 15 – Quadras de Chimarrete.....................................................................................................................................93
Doc. 16 – Cana Verde / Caninha Verde......................................................................................................................................94
7.2.4. Dança de Santa Cruz........................................................................................................................................................96
Doc. 17 – Saudação..................................................................................................................................................................100
Doc. 18 – Roda..........................................................................................................................................................................103
Doc. 19 – Início da Roda...........................................................................................................................................................105
Doc. 20 – Despedida..................................................................................................................................................................106
Doc. 21 – Final e Zagaia...........................................................................................................................................................109
Doc. 22 – Hino à Santa Cruz / Lenho Sagrado.........................................................................................................................114
7.3. Festas de Santo Antônio, São João e São Pedro.................................................................................................................115
7.3.1. Contexto das festas...........................................................................................................................................................115
Doc. 23 – Canto: procissão / lavagem do santo........................................................................................................................117
Doc. 24 – Canto: entrada na igreja após lavagem do santo.......................................................................................................118
7.3.1.1. “Sortes” de junho..........................................................................................................................................................118
Doc. 25 – “Sortes” ...................................................................................................................................................................118
7.3.1.2. Culinária cíclica...........................................................................................................................................................119
Doc. 26 – Quentão.....................................................................................................................................................................120
Doc. 27 – Quentão.....................................................................................................................................................................120
7.3.2. Dança..............................................................................................................................................................................120
7.3.2.1. Quadrilha.....................................................................................................................................................................121
Doc. 28 – Quadrilha (Entrevista)..............................................................................................................................................121
7.4. Festa de Santa Cruzinha ....................................................................................................................................................123
Doc. 29 – Roda..........................................................................................................................................................................124
Doc. 30 – Saudação...................................................................................................................................................................127
Doc. 31 – Roda ........................................................................................................................................................................128
ANEXOS..................................................................................................................................................................172
Povos da região do Rio Grande do Sul / Paraguai (Anexos 1 a 8)
Perspectiva da Aldeia de Carapicuíba (Anexo 9)
Planta atual da Aldeia de Carapicuíba (Anexo 10)
Programas de festas (Anexos 11 a 13)
Cronologia da Aldeia de Carapicuíba (Anexo 14)...................................................................................................172
Informantes (Anexo 15)...........................................................................................................................................181
Festeiros, 1930 a 1979 (Anexo 16)...........................................................................................................................184
Ilustrações (1 a 11)...................................................................................................................................................186
BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................................................................197
ÍNDICE REMISSIVO..............................................................................................................................................204
A Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), em parceria com o Centro de Estudos da
Cultura Popular (CECP), apresenta o trabalho “Carapicuíba: Uma Aldeia Mameluca”, do professor
Américo Pellegrini Filho.
Originalmente composta entre 1976 e 1980, esta obra é resultado de ampla pesquisa
documental e de rigorosa análise e interpretação histórica que busca leitores interessados na
complexa relação entre transformação e preservação, característica da área do Patrimônio
Cultural.
O lançamento deste caderno faz parte das ações comemorativas dos 30 anos de existência
da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, que reafirmam o compromisso desta gestão na valorização
e preservação do Patrimônio Cultural de São José dos Campos.
Alcemir Palma
Diretor-presidente da FCCR
O lançamento do 24º volume da coleção criou nos seus idealizadores uma grande expectativa
que foi plena e ricamente atendida pela obra do mestre Américo Pellegrini Filho.
A referência histórica, o espaço geográfico ocupado pela aldeia, seu patrimônio cultural, a
Carapicuíba de antes e a atual, tudo isso sabiamente abordado e de maneira muito especial, que só
esse grande pesquisador e muito querido mestre pode fazer.
Angela Savastano
Presidente do Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP
O jesuíta José de Anchieta refere que havia doze aldeias ao redor da pequena vila de São Paulo, criada em 1554,
uma corajosa e primeira iniciativa planejada no planalto, longe do litoral. Essas aldeias formavam uma espécie de cordão
para proteger religiosos e colonos portugueses, nos trabalhos de cristianizar índios e conquistar o território inexplorado.
Ora, considere-se que no século XVI a introdução de núcleos de conquistadores da Colônia, os brancos dominadores,
em diferentes pontos do sertão desconhecido, era realmente um ato de bravura, sujeito a enfrentar doenças, lutas, mortes.
Quem se aventuraria a isso?!
Os sacerdotes da Companhia de Jesus, seguindo o lema de sua ordem – Ad Majorem Dei Gloriam (Para a Maior Glória
de Deus), enfrentaram o desafio para mudar costumes dos indígenas e impor a cristianização, junto com colonizadores
que tinham outros objetivos – o poder material, as terras, a busca de metais preciosos e pedras preciosas, atendendo a
determinações da Metrópole Portuguesa – movimentaram-se todos para a criação de núcleos populacionais em volta da
São Paulo nascente. Desse modo, iam surgindo as doze aldeias – São Miguel, Pinheiros, Guarulhos, Barueri, Carapicuíba,
Itu, São José (dos Campos), Embu, Itapecerica... Foi assim o começo da colonização do branco em terras do planalto
de Piratininga. Pergunta-se: e os índios, primeiros donos das terras, como ficaram? Resposta: foram simplesmente
dominados, escravizados pelo colonizador português (e convenhamos: se não fossem estes, teriam sido espanhóis,
holandeses, ingleses... Era uma época de conquistas neste Novo Continente, pelos europeus).
Realmente, as aldeias tinham a importante função de proteger a vila de São Paulo para evitar ataques de indígenas
na guerra contra o branco invasor. É o caso do ataque ocorrido em julho de 1562, relatado por Anchieta em carta de
16-abril-1563 (Anchieta, Cartas avulsas, 1900, p. 32). Pois bem: os tempos voaram, os séculos passaram, os hábitos grupais
mudaram, o Doutor Progresso chegou, às vezes com fúria, e as aldeias foram se desfazendo. Algumas se transformaram
em cidades, outras ficaram bairros da metrópole. Só restou uma, sempre modesta, pequena, sem importância econômica,
humilde mesmo, fora de rotas comerciais – a Aldeia de Carapicuíba. Nesse antigo núcleo índio-luso-jesuítico, desde
1580, aconteceram contatos raciais e culturais que resultaram no tipo mameluco, origem do caipira paulista. O isolamento
relativo da Aldeia de Carapicuíba explica a manutenção, até nossos dias, de soluções arquitetônicas e de traços folclóricos
que não existem noutros locais com passado semelhante ou igual; únicos!
Para conhecer a evolução da Aldeia de Carapicuíba, em seus longos 400 anos de vida, e compreender a permanência de
seu folclore apesar de crises, estudamos sua história – com cartas antigas, biografias, artigos, tradição oral, depoimentos –
e pesquisa de campo (feita com o necessário rigor). É o que se acha nestas páginas, de 1979/1980. Estivemos inicialmente
no Mestrado sob orientação do prof. Egon Schaden, depois (houve problemas administrativos na ECA-USP) do prof.
Fredric M. Litto.
Este trabalho é resultado de pesquisa bibliográfica e de vários anos de observações na Aldeia de Carapicuíba e
arredores, bem como de convivência com alguns de seus mais antigos moradores – conhecedores e praticantes das
tradições populares locais. Nossa atenção maior, desde 1961, foi despertada pelo fato de, a pouco mais de 20 quilômetros
da praça da Sé paulista, se encontrar um pequeno aglomerado de casas antigas, onde ocorre uma das mais interessantes
festas folclóricas da Grande São Paulo. Se os afazeres diários e as viagens para conhecimento e estudo de outros aspectos
do patrimônio natural e cultural brasileiro – a Cultura Brasileira, afinal – nos impediram aprofundar tais observações
feitas anteriormente (desde o final da década de 1950), resolvemos todavia fazê-lo em fins de 1978 e inícios de 1979.
Assim, aproveitamos material de campo já então coletado em diversas ocasiões e ampliamos esse material mediante o
alargamento dos contatos com outros elementos que, embora residindo atualmente fora da área da Aldeia, ligam-se às suas
vivências populares típicas. Desse modo, fomos tendo oportunidade (inclusive como participante de eventos) de verificar
que o folclore da Aldeia de Carapicuíba não se resumia somente à festa de Santa Cruz – como transparece em escritos
publicados por alguns poucos autores que procuram estudar o populário paulista – mas vai muito além disso. Realmente,
fomos colhendo pormenores sobre a própria festa, os quais nos permitiriam efetuar um apanhado livre de deficiências que
se podem observar na pouca bibliografia específica e acadêmica sobre esse evento da Aldeia; e fomos colhendo também
outras manifestações do complexo sociocultural de tipo popular que se denomina folclore (ou outras denominações) –
danças, alimentos, chás de medicina caseira, narrativas orais – material sobre o qual não há referências na bibliografia
consultada. O interesse por uma festividade popular e tradicional ou por fatos como os lembrados acima, cada assunto
focado de modo isolado e sem preocupação pelo contexto em que acontecem é um equívoco lamentável. Então, cabe a
pergunta: como esses tantos traços folclóricos perduraram por séculos, no pequeno povoado caipira próximo da Praça
da Sé paulistana? Necessário recorrermos a referências históricas da Aldeia e da capital paulistana, para tentarmos
compreender o fenômeno sociocultural e local de nossos dias.
Ainda mais: verificamos igualmente que a Aldeia de Carapicuíba das décadas de 1960/70 sofreu muitas mudanças,
em especial provenientes do gigantismo de São Paulo, um violento processo de expansão horizontal e de aumento e
diversificação do contingente demográfico que naturalmente atinge todos os povoados próximos. Como se comporta o
fenômeno folclórico de um pequeno e antigo núcleo mameluco e caipira, face a essa tremenda conurbação que tem por
ponto central a metrópole paulistana? Segundo nossos informantes mais idosos, “a Aldeia está acabando”, lamento que
inclui o material e o espiritual do antigo povoado. Sentimos então o quanto urgente se apresentava a tarefa de registrar
as formas folclóricas atuais e de um passado não tão longínquo, uma vez que o dinamismo da vida contemporânea,
principalmente na área de influência direta de uma grande metrópole como São Paulo, provoca mudanças constantes e
carapicuíba - uma aldeia mameluca 19
profundas, em curto período de tempo. Por isso, voltamos a campo diversas vezes, a fim de registrar vivências tradicional-
populares, na prática ou na memória de habitantes da área da Aldeia ou a ela ligados.
Além desse objetivo de registro de folclore num local tipicamente paulista, e seu estudo, havia porém outro aspecto
não menos importante: a Aldeia de Carapicuíba constitui um dos mais interessantes “restos” de antigos tempos da vida
no Planalto Piratiningano, e que conseguiu conservar-se por um desses acasos felizes; todas as demais aldeias (doze)
contemporâneas à de Carapicuíba, século XVI, desapareceram em sua estrutura urbana e arquitetônica, ou modificadas
pela própria evolução ou engolidas pelo gigante chamado São Paulo. Carapicuíba – modesta, quieta, humilde, não
dispondo de presença econômica, mantendo-se num isolamento relativo modorrento – atravessou séculos com poucas
modificações, teve fases críticas, chegando à tentativa de ser desfeita. E de repente, por volta de 1960/70, se vê como
que acuada pela expansão e pela especulação imobiliária, com a presença de tantos novos habitantes em seus arredores.
Ainda assim ela se mantém no aspecto de patrimônio arquitetônico, com suas casinhas de pau a pique conseguindo
conservar-se airosamente até contra investidas de possantes ônibus e caminhões... As autoridades encarregadas da defesa
e conservação do patrimônio histórico e arquitetônico? Talvez estejam sem verbas – como costuma acontecer ou pelo
menos dizer-se – ou então estarão cuidando de outros bens patrimoniais. A Aldeia de Carapicuíba, na sua modéstia e na
sua humildade, não tem retábulos de arte sofisticada, muito menos doirados por mãos hábeis de artífices bem treinados; e
suas casas de residência são também muito singelas, pobres – tudo refletindo a pobreza de São Paulo nos idos dos séculos
XVII, XVIII, até XIX. Mas se ela constitui um conjunto a retratar uma época, aí se baseia exatamente o aspecto importante
para sua devida preservação como bem cultural, segundo ensinam especialistas na matéria, inclusive através de reuniões
internacionais promovidas pela UNESCO. Compreendida desse modo, é indiscutível a força potencial que a Aldeia
oferece para local destinado a turismo cultural, além de se indicar também como opção ao lazer/entretenimento (para a
população local e dos arredores). Todavia, tem faltado cabeças – mais do que verbas – para realizar adequadamente essa
potencialidade.
O registro – nas possibilidades de hoje, quer dizer, beneficiando-se de informantes conhecedores das tradições locais
– de facetas do ethos de uma comunidade resultante do encontro cultural índio-luso-jesuítico, portanto mameluco, no
Planalto Piratiningano; a Aldeia de Carapicuíba como bem patrimonial de indiscutível valor, e seu folclore paulistano,
face à situação de crise provocada por mudanças impostas pelo ritmo de vida da Grande São Paulo – é o objetivo deste
estudo.
Se bem que pretendendo fazer um estudo de folclore, repetimos: não pretendíamos ficar no simples coletar e expor
dados como muitas vezes tem sido feito entre nós, tampouco em romantismo deslocado. Pareceu-nos indispensável um
embasamento histórico, para se compreender no bolsão de cultura caipira, com forte presença (antigamente, vá lá) do
índio. Em vista desses aspectos, a Primeira Parte do trabalho tem tratamento diacrônico e diz respeito à Aldeia como
Patrimônio Cultural, incluindo seu histórico (sem todavia desejarmos que seja um estudo de História). A Segunda Parte
trata de aspectos derivados da primeira – Considerações sobre o patrimônio cultural da Aldeia de Carapicuíba, incluindo
dados que levam à compreensão das mudanças e da situação de crise atual. Na Terceira Parte, Folclore, está o material
de campo coletado (na própria Aldeia e arredores, em Carapicuíba, Osasco, São Paulo), com algumas anotações à guisa
de introdução a cada capítulo ou item, na medida em que o fato registrado (ou grupo de fatos) indica ser necessário. Esse
material de campo se acha disciplinado como documentos numerados, sendo um corte sincrônico das vivências populares
Para o estudo do material bibliográfico e do material de campo aqui reunido, procuramos servir-nos de recursos já
amadurecidos em Antropologia e Sociologia, uma vez que Folclore é uma disciplina inserida no campo das ciências
do homem, e intimamente ligado a outras. Se alguns estudiosos não raras vezes têm usado material de folclore para
seus trabalhos de Antropologia e Sociologia, de nossa parte seguimos um caminho que podemos dizer inverso: usamos
recursos dessas ciências para estudar material de folclore, cujo campo (conforme consta na tabela de Vicente Salles, Rev.
Brasileira de Folclore número 19) é um ângulo de 360 graus de cultura com características expostas acima.
Esperamos que estas páginas possam ter alguma utilidade para o maior e melhor conhecimento do povo brasileiro –
uma área temática de Brasilogia, que se faz necessário assumir, desenvolver e aprimorar – e em particular (mas não como
bairrismo rasteiro e prejudicial) do caipira paulista e sua cultura advinda do mameluco, já por si resultado do profundo
processo de aculturação havido em terras de Piratininga, desde o século XVI.
PATRIMÔNIO CULTURAL
30
- Cartas avulsas, p. 137.
31
- Cartas avulsas, p. 160.
32
- Cartas avulsas, p. 267.
33
- Pormenor em Lucas Mayerhofer, Reconstituição..., 1942, 61.
34
- Mayerhofer, Reconstituição..., 1942, p. 63.
35
- Antônio Sepp, Viagem..., 1972, p. 55, 89, 141, 146.
36
- Manoel da Fonseca, Vida..., s/d, p. 121/122.
Comparando-se os planos urbanísticos das reduções do império jesuítico-guarani46 com o da Aldeia de Carapicuíba47,
se pode verificar a identidade existente no “miolo” do traçado. Ressalta, evidentemente, que nas reduções do Sul houve um
enorme progresso e maior rigor por parte dos inacianos, logo elas eram de muito maiores proporções. Mas considerando-
se apenas a parte central, a identidade é flagrante: o templo inserido no lado do quadrilátero que fica em destaque no
leve declive do sítio, os demais lados formados por residências. E ainda devendo considerarem-se outras características
– a escolha do sítio em declive, proximidade de nascente, um dos cantos do quadrilátero fechado. Para tal comparação,
45
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 2 e 11; Idem, Morada..., 1972, p. 30/32.
46
- Conforme consta em Mayerhofer, Reconstituição..., 1942, (ilustr.); Saia, Morada..., 1972, p. 16; e Sepp, Viagem..., (ilustr.).
47
- Saia, Morada..., 1972, p. 16.
48
- Reproduzida em Sepp, Viagem..., 1972 (ilustr. 50); Mayerhofer, Reconstituição..., 1942, p. 61; Saia, Morada..., 1972, p. 16.
49
- Mayerhofer, Reconstituição..., 1942.
50
- Leite, História..., 1938, v. 1, p. 302.
51
- Carta do pe. Luiz da Grã reproduzida em S. Leite, História..., v. 1, p. 302; Idem, Rev. do Arquivo 2(21), 1936, p. 39; Idem, Cartas..., v. 2, 1956/58, p. 292. Ver observações
semelhantes na carta do pe. João de Azpilcueta, em S. Leite, Cartas..., v. 1,1956/58, p. 181.
52
- José de Anchieta, Cartas..., 1900, p. 321; Leite, História..., 1938, v. 1, p. 302.
53
- Benedito Calixto, Capitanias..., 1927, mapa; Leite, História..., 1938, v. 1, p. 302 e seg.; Idem, Rev. do Arquivo 2(21), 1936, p. 38 e seg.; P.S.F. Camargo, A igreja...,
1952/53, v. 1, p. 202.
54
- Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 81/82.
55
- Sobre ambas denominações, ver Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 64/65 e 162/163.
67
- M. da Fonseca, Vida..., s/d, p. 121.
68
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 1.
69
- M. da Fonseca, Vida..., s/d, p. 121/122.
70
- Nestor G. dos Reis Filho, Quadro..., 1976, p. 24.
71
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 1.
72
- Taunay narra diversos eventos desses conflitos, História..., 1953(?), p. 28 e seg.. Outras referências em G. M. de Deus, Memórias..., 1975, rodapé na p. 128.
73
- Essa decadência é referida por S. B. Holanda, citando Azevedo Marques, para quem a Aldeia já não existia em 1774; Capelas..., Rev. do SPHAN (5), 1941, p. 112.
74
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 20.
75
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 22.
76
- Petrone reconhece que o isolamento de Carapicuíba pode ter sido fator de conservação do nome “aldeia”; Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 273.
77
- Cartas de datas..., 1937, p. 22.
78
- Significação de João Mendes de Almeida, Diccionário geographico da Provincia de São Paulo, citado por J. David Jorge, “Carapicuíba”, A Gazeta, São Paulo,
20-março-1952.
79
- Conforme J. D. Jorge, A Gazeta, 20-março-1952.
80
- Uma das duas “versões populares” colhidas por Luís Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 1.
81
- Outra das versões colhidas por Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 1.
82
- Conforme referido por J. D. Jorge, A Gazeta, 20-março-1952.
83
- J. D. Jorge, A Gazeta, 20-março-1952.
carapicuíba - uma aldeia mameluca 35
7. Peixe comprido de mau sabor, de péssimo paladar. Contração e adulteração de “Acará-pucu-aíba” significando
“Acará” ou a forma reduzida “Cará” (o cascudo, o escamoso; peixe fluvial), “pucú” (comprido) e “aíba” (mau,
ruim, inconveniente, venenoso)84 .
Embora sem pretender resolver o desencontro de opiniões de estudiosos sobre o assunto – pois, como acontece com
outros termos da língua portuguesa falada no Brasil de origem tupi-guarani, se torna difícil e até impossível obter hoje em
dia uma certeza absoluta sobre étimos primitivos – parece-nos mais aceitável a interpretação de Carapicuíba como local
onde há peixe acará comprido e impróprio ou ruim de se comer. Todavia, com os tupinólogos a última palavra.
84
- J. D. Jorge, A Gazeta, 20-março-1952. Antônio A. da Cunha não inclui Carapicuíba em sua obra,porém nela constam: acará – s.m. Designação comum a diversos peixes
de água doce da família dos ciclídeos; e também: carapicu – s. m. (T. Akarapu’cu aka’ra “acará” + pu’ku “comprido”). Peixe de mar da família dos encinostomídeos”;
Dicionário....
Rodolpho von Ihering informa pormenores sobre o peixe: “Acará – também “Cará” ou “Papaterra”. Peixes da fam. Cichlideos, dos gêneros Geophagus, Acara,
Astronotus, Cichlasoma, etc. A espécie mais comum no Brasil meridional, G. Brasiliensis, atinge um palmo de comprimento, e como o corpo é alto e grosso, alguns
pescadores o levam para casa; mas a carne não presta, pois como diz um dos seus nomes, esses peixes vivem do alimento que encontram no lodo. (…), e dá outros dados;
Dicionário..., 1978.
85
- Conforme Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 98; sobre o sítio da Aldeia, também p. 100.
86
- Dados do Anuário..., 1977.
- Em 1936/38, nesse lado do pátio estavam fincadas 4 grossas árvores originadas de quatro esteios para palanque de festa, como refere Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 18.
87
- Lúcio Costa, A arquitetura..., Rev. do SPHAN (5); na p. 47 os quatro períodos estudados; e sobre o retábulo da Aldeia a citação sem pormenores: conquanto já no começo
88
No centro do pátio há um cruzeiro de madeira com 1,96 metro de altura a 1,00 nos braços, chantado em base
de alvenaria. Algumas palmeiras formam duas alas ao cruzeiro em direção ao templo. É costume caiar de branco as
construções, pintando-lhes portas e janelas de azul (mas nossos informantes afirmam que antes do Patrimônio aparecer
a gente pintava da cor que quisesse).
89
- Santa Catarina é o orago atual. Primeiramente o orago era São João Batista; a troca deve datar da reinstalação da Aldeia, em 1736, como indica Saia, Aldeia..., 1937, p. 18.
Portanto, há dois séculos a igreja é dedicada a Santa Catarina e não a São João Batista, como consta em Leonardo Arroyo, Igrejas..., 1954, p. 115/128.
* - Em fotografia de 1913 (ilustração 1) aparecem bem nítidos três sinos. Informantes afirmam que um desses três foi
retirado pelo pessoar do Patrimônio e não devolvero mais.
91
- Como em 1933 já afirmavam especialistas reunidos no 4º Congresso dos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna) em advertências e orientações
dirigidas a arquitetos e urbanistas do mundo inteiro: Foi o desenvolvimento descontrolado e desordenado da Era da Máquina que produziu o caos em nossas cidades;
Carta de Atenas, 1973.
92
- Ofício 10/217/GP/SRE/79, da Prefeitura Municipal de Carapicuíba, respondendo a solicitação de informações.
94
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 44/45.
95
- Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 44/45.
96
- Contrastando com o observado por Saia, Aldeia..., 1937, inéd., p. 45.
Com a integração forçada da Aldeia de Carapicuíba na vida da Grande São Paulo, e considerando ser ela o único
exemplar das antigas aldeias que sobrou até nossos dias sem apresentar sensíveis transformações descaracterizadoras,
é natural que se esperassem das autoridades providências para assegurar sua preservação e adequá-la a um uso que, em
vez de contribuir para sua perda, venha a colaborar para sua valorização. Todavia, além do tombamento e das obras de
restauro feitas pelo IPHAN nada foi efetivado para o melhor aproveitamento desse patrimônio cultural paulista face
às novas condições de vida. A despeito de o CONDEPHAAT não ter tombado a Aldeia até agora, há em seus arquivos
um estudo97 para o desvio de tráfego no entorno dela, datado de maio-1977, e cuja execução não demandaria grandes
verbas – a menos que a demora se prolongue esperando ainda maior concentração demográfica na área, o que levaria a
desapropriações e obras mais custosas. Por esse estudo, o núcleo da Aldeia ficaria isolado por correntes em seus cinco
acessos, e teria piso de solo-cimento. O tráfego seria desviado cerca de 200 metros antes da entrada do pátio antigo,
abrindo-se ou regularizando-se vias de contorno devidamente pavimentadas; trechos intermediários entre os pontos de
desvio e as correntes de bloqueio seriam reservados para estacionamento na própria pista. Mas essa sugestão se encontra
apenas no papel.
Quanto ao aspecto arquitetônico, desnecessário lembrar que a imprevisão já citada permitiu que diversas casas
precárias fossem construídas dentro do raio de 300 metros legalmente protegidos no caso de bens tombados. Por certo
elas deverão ser demolidas, e seus moradores removidos – o que implica um problema social que precisa ser levado em
conta, mas que não chega a constituir nenhum impedimento. Das construções antigas, várias são habitadas ou utilizadas
em comércio; outras porém se encontram desabitadas e, mediante reciclagem, poderão melhor ser aproveitadas com a
instalação de serviços, principalmente os voltados para a educação e cultura, além de turismo98 . Quanto a este último
aspecto a ser considerado – o turismo – não será demais observar tratar-se de atividade que tende a aumentar no Brasil
e estando a Aldeia de Carapicuíba a curta distância de São Paulo, ela apresenta um grande potencial de aproveitamento
para lazer e turismo que precisa ser levado em conta. Para evitar consequências prejudiciais comuns em atividades
turísticas não corretamente organizadas e orientadas, mais ainda se faz sentir a necessidade de se instalarem na Aldeia
equipamentos adequados e acertadamente dimensionados, bem como se faz sentir a necessidade de se dispor de serviços
condizentes – o que poderá fazer com que o público local se beneficie e se conscientize do valor do conjunto antigo, além
de se obter do visitante igualmente a conscientização desse valor, levando-o a um comportamento baseado em respeito
pelo bem cultural. Enfim, um problema de preservação ativa – conservar sim, porém dando ao bem cultural uma função
útil à sociedade. (Ver item 9.4, sobre Sugestões a serem aplicadas na Aldeia).
98
- Planejamentos urbanístico-arquitetônicos desse tipo, atualmente, devem considerar o fenômeno turístico como realidade dos tempos modernos (e portanto devem contar
com a participação de técnicos no setor), providenciando para que no “turista predador” não tenha condições para assim agir.
97
- “Sugestão de desvio de tráfego...”, inédito, 1977.
Após as considerações sobre dados históricos e materiais da Aldeia de Carapicuíba, veremos nesta Segunda Parte
alguns aspectos de sua vida, os quais vão interessar posteriormente ao estudo do folclore local e das mudanças que o
afetam. De modo que nestes capítulos teceremos considerações sobre a Aldeia como exemplar de memória nacional, e
depois aspectos econômico-sociais, religiosos e de formação do elemento humano na área.
Não há dúvida sobre a grande importância da Aldeia de Carapicuíba como conjunto de indiscutível valor patrimonial.
As construções residenciais e o templo católico – todos muito singelos e até rústicos, marcados por técnica construtiva
simples (pau a pique e taipa) bem assim pela ausência de qualquer ornamentação que implique elaboração aprimorada
ou riqueza material – refletem exatamente as limitadas condições de vida da sociedade rural paulista dos séculos XVII
e XVIII, e mais especificamente as condições de um aglomerado constituído originalmente para catequese jesuítica.
Devemos ressaltar: o único aglomerado, entre diversos da mesma época e com semelhantes objetivos e funções, que se
manteve durante séculos com poucas modificações, naquela simplicidade e rusticidade típica, pois é ponto pacífico que
a região paulista nunca chegou a atingir elevados níveis de riqueza99 nem a desfrutar o relativo conforto que em outras
áreas da Colônia se verificavam.
As origens longínquas da Aldeia de Carapicuíba remontam a 1580, com a concessão de sesmaria a indígenas, e sua
instalação passou por percalços compreensíveis em vista de jogo de interesses – dos selvícolas, de colonos, de jesuítas
– tornando-se definitiva no terceiro decênio do século XVIII. Mantendo-se em situação mais ou menos periférica em
relação aos centros de decisão da Colônia e do Império, ela pode subsistir embora precariamente por cerca de dois séculos
com sua imagem atual100. Assim, o conjunto de patrimônio cultural da Aldeia de hoje é de fato representativo de uma
época passada, e por isso deveria ter recebido mais atenções no sentido de ser preservado através de projeto adequado e
- Taunay, História...,1953(?), p. 73 e outras; J. F. de Camargo, Crescimento da..., 1952, v. 1, p. 13; Ricardo, Marcha..., v. 1, 1970, 155/157.
99
101
- Até contrariando o art. 25 do cap. V do Decreto-lei 25, e 30-novembro-1937 (que organiza a proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional): O Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional procurará entendimentos com as autoridades eclesiásticas, instituições científicas, históricas e artísticas, instituições científicas, históricas
e artísticas e pessoas naturais e jurídicas, com o objetivo de obter a cooperação das mesmas em benefício do patrimônio histórico e artístico nacional; Diário Oficial
da União, 6-setembro-1937. Tais conceitos afinal foram reafirmados no Compromisso de Salvador, 1971, item 11, em Patrimônio cultural, v. 2. Por seu turno, a Carta de
Veneza, 1964, recomenda que a conservação de monumentos é sempre favorecida quando se atribui a esses monumentos função útil à sociedade (…); em Patrimônio
cultural, 1974, v. 1. Essas colocações não constituem novidades, e não o eram também nos anos em que foram estabelecidas, uma vez que já antes disso formavam um
consenso entre especialistas. A dificuldade residia e reside na sua aplicação correta e no momento certo, não depois.
102
- A falta de mão de obra especializada é reconhecida no Compromisso de Brasília, 1970, quando recomenda indispensável criar cursos adequados para remediar a
situação; Patrimônio cultural, v. 2, 1974.
103
- Problemas desse tipo são discutidos por N. G. Reis Filho, Quadro..., 1976, p. 191/206.
104
- A Comissão Nacional de Folclore-IBECC iniciou a formação da Comissões Estaduais em 1947, se bem que elas sempre se apresentaram como órgãos um tanto abstratos,
na dependência da boa vontade de um reduzido número de pessoas, em que se incluem diletantes e não especialistas.
Surgindo nos últimos anos do século XVI e marcando sua presença no século seguinte como um dos pontos avançados
em relação a São Paulo, na função de sedentarizar indígenas para a catequese e também concorrendo para a defesa da vila
piratiningana – na época um útil ponto avançado na conquista do território colonizado – a Aldeia de Carapicuíba teve
períodos de crise e decadência. Já no século XVII Afonso Sardinha estendia suas propriedades até aquelas terras, depois
doadas aos jesuítas com a escravaria que lhe fazia parte. Um período de dúvida foi aquele em que ocorreu a tentativa
de mudança para Itapecirica, atendendo à imposição de jesuítas. De acordo com Holanda, essa tentativa deve ter-se
verificado cerca de 1698107, portanto pouco mais de um século depois da sesmaria que destinou para os índios da aldeia
de Pinheiros seis léguas em quadra no sitio aonde pedem que é Carapicuíba108. Os naturais não aceitaram de modo algum
105
- Alguns desses dados foram fornecidos pela Prefeitura Municipal de Carapicuíba, ofício 10/217/GP/SRE/79, de 6-julho-1979, acompanhado de xerox de documentos
legais; e outros foram obtidos na mesma Prefeitura ou junto a moradores da Aldeia e arredores.
106
- Desviando-se de conceitos estabelecidos pela UNESCO em sua Convenção de Paris, 1972, perfeitamente aplicáveis a casos de bens patrimoniais de importância nacional
ou regional (ver definições da “Convenção sobre a proteção do patrimônio mundial, cultural e natural”, Paris, 16-novembro-1972; também a “Recomendação sobre a
conservação de bens culturais que a execução de obras públicas ou privadas possam colocar em perigo”, Paris, 19-novembro-1968; em Patrimônio cultural, 1974.
De igual forma quanto à Constituição Federal e a Constituição Estadual. Certos temas básicos foram também retomados, em recomendações do Compromisso de
Salvador (convocado pelo Ministério da Educação e Cultura-IPHAN) que cita claramente relações entre preservação de bens naturais e culturais face ao (desejado)
desenvolvimento do turismo.
107
- Holanda, Capelas..., Rev. do SPHAN (5), 1941, p. 111
108
- Conforme sesmaria de 1580; Cartas de datas..., 1937.
109
- Antônio Cândido indica terem sido a mandioca, o milho e o feijão o que se poderia se chamar triângulo básico da alimentação caipira, sendo que com o correr do tempo
a mandioca foi substituída pelo arroz; Os parceiros..., 1975, p. 32 e 135. Ver também Carlos B. Schmidt. Áreas..., em São Paulo..., 1966.
110
- Taunay, História..., 1953(?), p. 66, 68 e outras; Idem, São Paulo no..., 1921, p. 198. Referindo-se à produção de São Paulo em 1585, José de Anchieta fala de marmelos
em grande quantidade e se fazem muitas marmeladas...; A Provincia..., 1946, p. 26. Também há referências em Fernão Cardim, Tratados..., 1939, p. 313/314; e Ricardo,
Marcha..., 1970, p. 155/157.
111
- Como lembra S. Leite, História..., v. 1, p. 302, 1938, referindo-se à série de aldeias que rodeavam São Paulo.
112
- Além de utilizada nas bandeiras, a mão de obra de indígenas aldeados era utilizada para os mais diversos serviços; ver Documentos..., v. 33, p. 25 e 46, v. 84, p. 98, v.
85, p. 10 e 22, e outros. Também J. J. Machado d’Oliveira, Quadro..., v. 1, p. 71; J; A. Toledo Rendon, Memória..., Rev. do IHGB (4), 1842, p. 300 e 301; Petrone, Os
aldeamentos..., 1964, inéd., p. 34/57, 141/157 e 181/190.
113
- J. A. T. Rendon, Memória..., Rev. do IHGB (4), 1842, p. 304.
114
- Citado por S. B. Holanda, Capelas..., Rev. do SPHAN (5), 1941, p. 112.
Como se pode observar, uma economia fechada e sem nenhuma diversificação razoável. Note-se a presença do
algodão, que certamente era destinado à produção caseira de fio para o preparo de pano grosso (e semelhantes) usado
na confecção de vestimentas para os habitantes das redondezas; liga-se às duas famílias que viviam de fiar129 . Por outro
125
- Comentários de A. E. Taunay ao mapa de Muller, Collectanea..., 1922.
126
- Rendon, Memória..., Rev. do IHGB (4), 1842, p. 315.
127
- Boletim do Departamento... (8), 1948, p. 88/90.
128
- Boletim do Departamento... (8), 1948.
129
- Sobre a importância da fiação e tecelagem caseiras no planalto paulista, ver S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, p. 253/313.
130
- Holanda, Caminhos..., 1957, princ. p. 215/225.
131
- Boletim do Departamento... (8), 1948.
132
- De acordo com Daniel P. Muller, pela década de 1830 Embu é capela curada e Cotia é freguesia (também nesse caso estão Guarulhos, Nossa Senhora do Ó, Penha); a
Aldeia de Carapicuíba não consta da relação; Ensaio d’un..., 1978, p. 247, tabela 18.
133
- Aroldo de Azevedo, Embriões de..., Boletim..., (25), 1959,; e Idem, Aldeias..., Boletim... (33); Pierre Deffontaines, Como se..., Boletim... (14 e 15), 1944.
134
- Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 273.
135
- Esta primeira fase da indústria paulistana, que se desenvolveu aproximadamente de 1890 até à primeira guerra mundial, coincide, no seu aparecimento, com a fase
áurea da imigração italiana; Petrone, As indústrias..., Boletim... (14), 1953, p. 27; O período da primeira grande-guerra assistiu a um avultamento da industrialização
paulistana, Idem, Ibidem, p. 30. Ver também Taunay, História da..., 1953(?), p. 246 e seg.; Heitor F. Lima, O parque..., São Paulo..., 1966, esp. p. 116/119.
136
- Sobre “bairro rural”, ver A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 62/65; e Maria Isaura P. Queiroz, Bairros..., 1973, p. 122.
137
- Houve duas “Estradas de Itu”, uma das quais servindo a Aldeia de Carapicuíba; daí o nome de uma das vias que saem do seu pátio, conforme registrado no item 8.1,
Topônimos populares. Mas ela foi abandonada em favor do trajeto que passa por Parnaíba e Pirapora; ref. em J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 31.
138
- Petrone, Os aldeamentos..., 1964, inéd., p. 100 274.
139
- R. W. Shirley, O fim de..., 1971, p. 25.
140
- J. C. O. Torres, Estratificação social no Brasil, citado por R. W. Shirley, O fim de..., p. 25
141
- M. da Fonseca, Vida do..., s/d, p. 121.
Já foi lembrada, neste trabalho, a vigorosa atuação dos jesuítas no Brasil e, particularmente, na Aldeia de Carapicuíba,
em sua missão catequética142. A festa de Santa Cruz constitui um evento que tem sua origem remota nessa atuação dos
inacianos. Tal atividade visando a catequese utilizou muitas vezes formas aborígenes e populares, aplicando-as para o
objetivo específico143 e, assim, conseguindo fazer chegar com maior facilidade a mensagem do cristianismo, veiculada
através de elementos do próprio universo cultural deles144. De certo modo, essa atuação foi ratificada e recomendada pelo
Concílio Vaticano II (1962/1965) e por alguns documentos papais não vinculados a esse conclave145.
Entretanto, e apesar disso, nas últimas décadas parece ter sido uma constante tal fato desencontro entre autoridades
religiosas locais e o povo, na Aldeia de Carapicuíba passou a ser uma dificuldade a mais na situação de crise em que ela
se encontra.
Segundo nossos informantes, anteriormente os festeiros e demais encarregados de organizar uma festividade com
base religiosa não encontravam dificuldade no relacionamento com o padre, e a colaboração recíproca era ponto pacífico;
era até normal que nas ocasiões festivas a igreja se beneficiasse com algum tipo de rendimento. A espontaneidade na
destinação de eventual sobra para a manutenção da igreja marcava o que seria uma maior identificação povo-religião.
Agora, após o explosivo aumento populacional que se verificou principalmente a partir da década de 1950, além de outros
fatores, a paróquia à qual está ligada a Aldeia não tem possibilidades de dar aos populares a assistência pastoral que eles
esperam receber; pelo contrário e por outro lado, quer dos populares ajuda para serviços e obras, a qual eles não se sentem
obrigados a dar. Frequentemente os devotos da Santa Cruz lamentam a ausência do padre na festividade de maio ou na de
142
- Outras ordens da Igreja Católica Romana também atuaram ou atuam no Brasil com o mesmo objetivo, devendo citarem-se franciscanos, carmelitas, e mais recentemente
os capuchinhos, dominicanos e salesianos.
143
- Não apenas no Brasil, diga-se de passagem, pois a prática de absorção de traços de culturas pagãs pela liturgia cristã ocorre desde os primeiros tempos de nossa era; ver
José Geraldo de Souza, Folcmúsica e liturgia, princ. p. 9/15; e Idem, Música..., RBF (11). Osmores que hoje passam por cristãos na Europa Ocidental, são o resultado do
sincretismo de dois mil anos, indica William G. Sumner, Folkways, p. 157. De acordo com o mesmo autor, em cerca do século V os mores vigentes na Europa valorizavam
os espetáculos com sofrimento, sangue, crueldade, e em dia de realização desses espetáculos, as igrejas ficavam vazias. Os cristãos (…) viviam segundo os mores de
sua época e todas essas cousas tinham atrás de si séculos de tradição. (…) A Igreja foi obrigada a fazer concessões. Permitiu festas, feiras, jogos, nas proximidades da
Igreja e converteu as festas pagãs com suas procissões, luzes e guirlandas, em festas e usos cristãos. Tomou emprestados os atrativos do culto de Ísis, Mitra e Cibele e
adotou todos os meios de sugestão empregados em seus ritos. Os grandes sacerdotes se dividirama respeito dessa norma de agir. Idem, p. 705/706. Depois, século VII, a
mesma Igreja Católica partiu para proibições na adoção da lúdica, numa “tentativa para purificar os usos adotados por compromisso com o paganismo”. Entretanto, os
autos foram posteriormente aproveitados como veículos para mensagens cristãs, de modo que “O drama cristão atingiu o auge de seu desenvolvimento sacerdotal entre
os séculos IX e XII”; Idem, p. 711/712.
Ver também Renato Almeida, Inteligência..., 1957, p. 80/81 e 84; I. H. Dalmais, Liturgia..., Culturas, tradições..., 1977, p. 27/36; revista Vozes 71(7), setembro-1977;
Maria Isaura P. Queiroz, O campesinato..., 1973, p. 72/99; Maria L. B. Ribeiro, Turismo, folclore e religião, RBF (36) sobre relacionamento do cristianismo com outras
religiões, e sincretismo religioso no Brasil.
144
- No Brasil, o teatro de Anchieta é um dos mais expressivos exemplos, não se devendo esquecer a utilização de danças e cantos em práticas religiosas católicas; o
próprio Anchieta cita isso, A Província..., 1946, p. 14. Serafim Leite dedica um extenso parágrafo ao assunto em sua História da..., v. 2, 1938, p. 100/110; também há
diversas passagens sobre o assunto, muito ilustrativas, em correspondência de jesuítas: Idem, Cartas dos... , 1956/58; Fernão Cardim faz relatos curtos mas interessantes,
Tratados..., 1939, p. 254, 258/259, 270 e outras.
José Geraldo de Souza publicou estudo sobre o folclore do ciclo natalino, sugerindo a estruturação de uma Missa de Natal com aplicação de temas de Pastoril, Pastorinhas,
Lapinha e Folia de Reis; O ciclo de..., Rev. de Catequese 2(8), outubro/dezembro-1979
145
- Especialmente a Constituição sobre a Sagrada Liturgia, ou Sacrosantum Concilium. Ver J. G. Souza, Folcmúsica..., 1966, e Idem, Música folclórica na..., RBF (11).
Nos primeiros tempos, a Aldeia de Carapicuíba foi habitada por indígenas146 em processo de aculturação, provavelmente
Guaianás em maior número, administrados por jesuítas e tendo naturais contatos com o colonizador português. Durante
os séculos XVII e XVIII e depois da expulsão dos jesuítas, 1759, a Aldeia de Carapicuíba (e outras próximas de São
Paulo) frequentemente funcionou como fornecedora de mão de obra147 indígena ou quase isso, a despeito de dispositivos
legais que proibiam tal escravidão, a todo momento desrespeitados ou contornados.
146
- Teodoro Sampaio informa que Fernão Dias o Velho, tinha nas suas terras do sítio do Capão a aldeia de Pinheiros habitada por Guaianás. Afonso Sardinha tinha aldeado
outros da mesma tribo em Carapicuíba; Rev. do IHGB; e em São Paulo no..., 1974, p. 165.
147
- Provocando até esvaziamento populacional, como afirma Teodoro Sampaio, Rev. do IHGB; e São Paulo no..., 1978, p. 165/166. Também Afonso A. Taunay,
História...,1953(?), p. 39/41, 97 e outras; Idem, São Paulo no..., 1921, esp. p. 184/185; J. F. Camargo, Crescimento da..., 1952, v. 1, p. 13; J. A. T. Rendon, Memória..., Rev.
do IHGB (4), 1842, p. 302 e outras – além de outros autores que tratam do assunto. Referindo-se a Pinheiros mas extrapolando para outras aldeias paulistas, pesquisadores
do Dep. de Geografia-USP indicam que a requisição de indígenas persistiu no decorrer da primeira metade do século XVIII, em virtude do fato do aldeiamento de
Pinheiros, à semelhança de outros, na prática se ter tornado um núcleo fornecedor de mão de obra, sofrendo constantes sangrias em seu efetivo demográfico; Pinheiros
estudo..., p. 92/93. Nos Documentos interessantes há diversas requisições feitas aos diretores de aldeias, mostrando essa função – em nosso caso, de Carapicuíba: –
fornecedora de mão de obra fácil (ver em Anexo, a Cronologia da Aldeia), situação que chegou a obrigar determinações administrativas, século XVIII, no sentido de se
impedir a saída de índios sem ordens expressas da autoridade maior da Capitania. A saída de elementos válidos se nota ainda em censos que mostram maior número de
mulheres e menor de homens.
155
- Para Pinheiros, esse período de transformação de aldeia em medíocre povoado caipira foi fixado no último quartel do século XVIII; Pinheiros: estudo..., p. 97.
156
- Auguste de Saint-Hilaire, Viagem..., 1972, p. 201.
157
- Auguste de Saint-Hilaire, Viagem..., 1972, p. 197.
158
- Boletim do Departamento... (8), 1948.
parece dever essa indicação ser considerada em termos tão absolutos, pois tudo leva a crer que devia haver também
muitos mamelucos na Aldeia, naquela época.
Em razão do abandono em que se achava a Aldeia de Carapicuíba, o processo de passagem de aglomerado de
indígenas e mamelucos para um povoado tipicamente caipira159 deve ter-se arrastado por muitos anos, entrando pelo
século XIX; o que, aliás, pode ter dado tempo a se enraizarem mais fundamente costumes da comunidade.
DESENVOLVIMENTO DEMOGRÁFICO - A estagnação, e até a decadência demográfica, se filia à própria
estagnação ou ao pequeno desenvolvimento da população da Província de São Paulo, que só começaria seu impulso
no final do século XIX160 , porém sem atingir mais de perto, e com maior intensidade, a área onde se localiza a Aldeia
de Carapicuíba. O explosivo desenvolvimento demográfico da Capital no final do século XIX, com o afluxo de grandes
contingentes de imigrantes estrangeiros e de habitantes de outras cidades paulistas (inclusive considerando o êxodo
rural), não favoreceu, pelo menos de início, o desenvolvimento populacional de municípios vizinhos161. Pelo contrário,
esse crescimento explosivo provocou até decréscimos locais de população162, além de diversas alterações nas cidades e
núcleos menores do chamado “cinturão caipira”163 , provocando enfim uma reorganização dos arredores de São Paulo em
seu próprio benefício164 ; era a metrópole dinâmica a engatinhar. A monocultura cafeeira e outros fatores sócio-econômicos
(já referidos) foram alavancas desse dinamismo que, entretanto, ainda não chega à Aldeia de Carapicuíba. Em 1873,
uma relação informativa sucinta das ex-aldeias mostra a precariedade de Carapicuíba: A existência deste aldeamento é
159
- Essa transformação dos ex-aldeamentos que passam a povoados caipiras é referida por J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 55 e 75.
160
- Como refere Camargo, nos séculos XVII e XVIII o movimento bandeirista apresentou uma importância, do ponto de vista demográfico, de caráter absolutamente
qualitativo, pois as bandeiras foram, quantitativamente, fatores de despovoamento: com efeito, a província paulista caracterizar-se-ia no final do século XVIII pela
pobreza material da sua reduzida população. A expansão açucareira da primeira metade do século XIX e a cafeicultura da 2ª metade seriam elementos realmente
propulsores da demografia e da economia de São Paulo; J. F. de Camargo, Crescimento..., 1952, v. 1, p. 13. O mesmo autor afirma que a intensidade do crescimento
da população paulista foi bastante fraca até 1886, tomando grande impulso no final do século XIX até nossos dias; Idem, Ibidem, v. 1, p. 51; impulso aliás associado à
imigração estrangeira; Idem, Ibidem, v. 1, p. 147. No último quartel do século XIX, a concentração de imigrantes estrangeiros é mais representativa na Capital; após esse
período de crescimento intenso da população paulistana, se acentua a presença do imigrante estrangeiro no interior: Afonso E. Taunay, História..., 1953(?), p. 254 e 259;
Jurgen R. Langenbuch, A estruturação..., p. 125/130; O. N. de Matos, A cidade..., p. 45 e 55.
161
- Conforme Jurgen R. Langenbuch, A estruturação..., p. 124/130.
162
- O grande ‘boom’ do crescimento de São Paulo se verificou no período intercensitário 1886/1900, quando sua população aumentou em 445%. Pois bem, é exatamente
neste período que se verifica o menor índice de crescimento para o conjunto dos municípios vizinhos, cuja população aumenta apenas em 22%. É também exclusivamente
neste período que se verificam decréscimos locais de população, que afetaram os municípios de Guarulhos, Mogi das Cruzes e Cotia, os quais em 1900 encerravam
apenas 95%, 81% e 66% do efetivo demográfico que continham em 1886; J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 125R; relacionando o êxodo rural ao crescimento da
cidade de São Paulo.
Em 1836, de acordo com Daniel P. Muller, a cidade de São Paulo contava com 21.933 habitantes, dos quais apenas 9.391 se localizavam no seu centro urbano, formado
pelas freguesias da Sé, Santa Ifigênia e Brás. Conforme Matos, vê-se que A maior parte da gente paulistana espalhava-se pelas demais freguesias, que seriam os
subúrbios da Pauliceia de então: Guarulhos, Nossa Senhora do Ó, Cotia, Nossa Senhora, São Bernardo, Juqueri e Mboy (Embu); O. N. de Matos, A cidade de..., 1955, p.
44. Como se pode perceber, no último quartel do século XIX a situação se inverte, com a Capital exercendo forte atração e se transformando no grande centro demográfico
e econômico apesar de desmembramentos e formação de novos municípios.
Sobre desenvolvimento industrial na mesma época, ver p. 45/46 do cap. 4.
163
- O “cinturão caipira” compreende locais mais afastados da Capital, enquanto o “cinturão das chácaras” compreende outros mais próximos de seu centro antigo, atualmente
abrangidos pelo crescimento urbano; J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 63/76; P. Petrone, Os aldeamentos, 1964, inéd., p. 232 e outras.
164
- J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 129.
165
- Publicado no Almanaque de Luneé e Fonseca de 1873, citado por J. R. Langenbuch, A estruturação..., p. 59.
166
- Em documentos antigos constam as denominações “negro” e “negro da terra”, dadas porém ao índio. Posteriormente se chamou “negro de angola” ou “de guiné” ao
escravo proveniente da África.
167
- A presença de italianos nos arredores da Aldeia é reflexo da grande concentração desses imigrantes na área de influência da Capital. Camargo mostra que a partir de 1887
as cifras relativas ao imigrante português são ultrapassadas pelas do imigrante italiano: desse ano até 1945 chegam ao Brasil 1.36.253 italianos, dos quais 68% preferem
o estado de São Paulo. Essa preferência mostra-se mais forte entre 1901 e 1920, período em que São Paulo recebe 79,7% dos italianos chegados ao Brasil; J. F. de
Camargo, Crescimento..., 1952, v. 1, p. 147.
168
- Luís Saia registrou a presença de japoneses, 1936, em Aldeia.... Nossos informantes porém afirmam que antes desses já se tinham instalado italianos. A presença de
imigrantes japoneses nas proximidades da Aldeia é explicada de modo muito semelhante à de imigrantes italianos: houve grande preferência de nipônicos por São Paulo,
conforme J. F. de Camargo, Crescimento..., 1952, v. 1, p. 147. Entre os imigrantes italianos e japoneses concentrados na Capital no início do século XX, muitos se fixaram
em Pinheiros (como lembra um de nossos velhos informantes, Belisário Camargo Júnior); e em particular quanto aos japoneses é de se citar ainda a criação de colônias
em locais a oeste da Capital, conforme Pinheiros: estudo..., p. 67 e seg.
169
- Hélio A. de Moura, Carmen S. da Cunha Holder & Aidil Sampaio, Nordeste..., 1975, p. 9. Os grandes fluxos de nordestinos para São Paulo foram provocados principalmente
por secas (1950/54 e 1955/59) em sua região de origem, bem como por expectativas se melhores condições de vida; Santa H. Bosco & Antônio Jordão Netto, Migrações,
1967, p. 186 e 206.
170
- Santa H. Bosco e Antônio Jordão Netto salientam pontos negativos da concentração imigratória: sub-emprego, sobrecarga de organismos de assistência social e hospitais
de atendimento gratuito, agravamento do problema habitacional com proliferação de favelas; Migrações, p. 207. Ver também Nestor G. Reis Filho, Quadro..., 1976, p.
66/70.
171
- O seis municípios de maior densidade demográfica na Grande São Paulo em 1975: São Caetano do Sul, Osasco, São Paulo, Diadema, Santo André, Poá, Taboão da Serra,
Mauá e Carapicuíba; Anuário..., 1977.
172
- Anuário..., 1977.
Desse modo, na década de 1970 se concretizou o que se havia configurado anteriormente: a concentração demográfica
chegou aos arredores da Aldeia, especialmente com migrantes nordestinos, mineiros e de outras procedências que,
geralmente como operários não qualificados, passaram a ocupar o solo intensivamente, de maneira mais evidente no lado
ao norte do pátio antigo (direção da sede do município de Carapicuíba), enquanto para o lado da via Raposo Tavares e
mais a oeste e ao longe se formaram bairros e chácaras de famílias abastadas – tanto uns como outras divorciados das
tradições locais. Tal concentração demográfica, através de elemento humano portador de cultura popular diversa daquela
especificamente caipira paulista, e em especial de costumes locais, agravou grandemente uma situação de crise para
os padrões vigentes, crise essa cujos primeiros sintomas por certo poderiam ter sido sentidos por observadores atentos
cerca de 1950173. Indícios dela teriam sido a dessacralização de costumes, o falecimento de líderes locais sem que outros
viessem substituí-los, a mudança de pessoas portadores de tradições locais para cidades próximas, a urbanização intensa
e descontrolada, a supervalorização de padrões da sociedade de consumo em oposição a padrões da cultura popular do
caipira da região – circunstâncias, afinal, que podem ser observadas em muitos locais do Brasil contemporâneo; o choque
do “antigo” com o “moderno”, com aceitação deste em desfavor daquele.
Dessa maneira, a Aldeia de Carapicuíba deixa de ser uma comunidade, perdendo suas características de aglomerado
caipira. Envolvidos na conurbação paulistana, o núcleo antigo e seus arredores – como um conjunto integrado – a
rigor continuam tendo a função de fornecedores de mão de obra barata (como em séculos passados), numa posição
sempre periférica em relação a São Paulo, agravada agora por problemas originados pela presença de desocupados,
desempregados e marginais, entre os quais não é impossível o trânsito de toxicômanos174 (como declara uma informante
conhecedora do local e sua gente).
173
- Note-se que no início da década de 1950 foram feitos os primeiros registros da festa de Santa Cruz na Aldeia, época em que folcloristas – desprovidos de formação
acadêmica específica – procuravam encontrar um caminho para o conhecimento do populário paulista.
174
- Sabe-se que na década de 1970 os problemas de desemprego e marginalidade foram agravados em toda a parte oeste da Grande São Paulo, a ponto de Osasco ser chamada
a “capital do crime”
FOLCLORE
Cap. 7 -Festas
Várias festividades movimentavam a vida da Aldeia de Carapicuíba até alguns decênios atrás. A mais importante era
(e continua sendo) a efetuada em princípio de maio, louvando-se a Santa Cruz; semelhante, porém de menor amplitude,
era (e continua sendo) a de meados de setembro, denominada de Santa Cruzinha. Outras ainda eram a de princípio de
janeiro em louvor aos “Santos Reis”; as de junho, comemorando Santo Antônio, São João e São Pedro, e a de novembro
em louvor de Santa Catarina. Com as mudanças ocorridas nos tempos de 1940/70, a festa de Reis desapareceu; as juninas
diminuíram sensivelmente; a festa, homenageando o orago da igreja local, reduziu-se à parte religiosa.
Vejamos algumas informações sobre outras festividades e seus contextos. Além das citadas acima, havia outro
evento, típico de comunidade: o “Domingo do Mês”175 . Todo primeiro domingo do mês, fazia-se uma reunião festiva com
participação de elementos mais chegados ao grupo social. Numa festa, escolhia-se o festeiro da seguinte, encarregado
de organizar a comemoração; nas proximidades do dia, reuniam-se os moradores da área para os mais diversos serviços,
inclusive varrer o pátio da Aldeia, preparar flores artificiais para enfeite do altar do templo, preparar comes e bebes, etc.
Muito semelhante às funções do “festeiro” nos eventos de grande monta, no Brasil atualmente, como festa do Divino
Espírito Santo, festa de São Bendito e outras. Havia reza puxada por algum popular (no que se notabilizou Nhô Virgílio
Avelino de Jesus) e, à noite, o divertimento se baseava na execução de danças como Cirandinha, Cana Verde, Chimarrete,
e também cantorias de modas de viola. Desde cerca de 1945 não se faz mais a festa do “Domingo do Mês”.
Anteriormente, a festa de Reis ou dos Santos Reis assumia papel importante na vida da Aldeia. Hoje, porém, nada
mais resta da comemoração. Os dados abaixo foram colhidos junto a elementos que alcançaram os tempos em que a data
constituía uma das comemorações importantes no local.
válidas.
- Verifica-se haver imprecisão em registros publicados quanto à descrição de coreografias. Alguns autores se referem a pares frente a frente que formam “filas”, quando na
180
realidade estão dispostos em alas, ou seja, cada participante ao lado de outro. Convém esclarecer que neste estudo distinguimos fila (pessoas dispostas uma na frente de outra
e voltadas para uma mesma direção) de ala (pessoas uma ao lado de outra, podendo formar par com a que se acha à sua frente, em outra ala).
Doc. 1
Venha Dois
Gravado em Carapicuíba, 1979; informantes:
Ataliba C. Camargo, Antônio Camargo, Ítalo C. Camargo e outros
Dança com duas fases: pares frente a frente e de braços dados; não há número estipulado de participantes. Acompanha
a viola.
Coreografia:
a) Posição inicial com os pares soltos frente a frente, separados por cerca de dois metros; ficam portanto duas alas
sendo uma de damas e a outra de cavalheiros.
b) Enquanto se canta uma quadra todos fazem balancê.
c) No estribilho, obedecendo aos versos, a dama e o cavalheiro que se encontram na extremidade à direita das
damas se unem pelos braços e, em passos dentro do ritmo, se dirigem à extremidade oposta, por entre as duas alas de
participantes. Os demais, mantendo o balancê, alongam os passos de modo a avançar na direção do local de onde saiu o
casal.
d) Quando todos os pares tiverem se transferido de uma extremidade para a outra, a dança pode terminar; ou então
prossegue com o primeiro par repetindo o movimento de mudança de sua posição.
Esquematicamente:
Violeiro → ← Dama 1
Cavalheiro 2 ↓ Dama 2
Cavalheiro 3 Dama 3
Cavalheiro 4 Dama 4
Cavalheiro 5 Dama 5
Letra:
1- Aqui mesmo tô bem vendo
Olhos que tão me matando - Bis
Me matai devagarinho
Que eu quero morrê gozando
(Estribilho)
Música:
Obs.: O Venha Dois era comum nas festas juninas, até aproximadamente o final da década de 1940.
Não foi possível registrar a coreografia dessa dança, pois os informantes não apresentaram consenso. Tem-se que é
de origem mineira e foi conhecida na Aldeia a partir da década de 1930.
Letra:
1- Dance, dance, minha gente,
Dance, dance, dance bem
Ai, quem não dançar agora
Dançará o ano que vem
Estribilho:
(Eu) Fui no Itararé
Beber água, não achei
Adeus bela morena
Que no Itararé deixei
(Estribilho)
(Estribilho)
Doc. 3
Quero Bem
Gravado em Carapicuíba, 1979; informantes.:
Ataliba C. Camargo, Antônio Camargo, Ítalo C. Camargo e outros
Letra:
1- Não se encoste na parede 2- Essa noite dormi fora
Que a parede larga pó - Bis Esqueci do cobertor - Bis
Quero bem, quero bem Quero bem, quero bem,
Quero bem não sei a quem Quero bem não sei a quem
Quero bem, quero bem, quero bem Quero bem, quero bem, quero bem
Só você e mais ninguém Só você e mais ninguém
Música:
Letra:
1- Compadre vá lá pra dentro 2- Bate palma pra dentro
Entrando no sapatea(do) Bate palma pra fora
Como é tão interessante Tornai repicá pra dentro
A dança do tangará Que meu bem vai-se embora
Música:
Doc. 5
Tiu-tiu-tiu-tá
Gravado em Carapicuíba, 1979; informantes.:
Ataliba C. Camargo, Antônio Camargo, Ítalo C. Camargo e outros
Dança de roda, em geral acompanhada apenas de viola (uma ou mais), com coreografia igual à da Cana Verde e
versos livres. É tida como uma das danças de origem mineira, e alguns informantes dizem-na Cana Verde mineira para
diferenciá-la da Caninha Verde propriamente, que é paulista.
Obs.: O Tiu-tiu-tiu-tá era bastante comum em festas da Aldeia, especialmente nas de Reis e nas juninas, em 1930/50.
A mais importante e concorrida manifestação folclórica da Aldeia de Carapicuíba é a festa de Santa Cruz, em 2,
3 e 4 de maio. Nessa ocasião se faz a dança de mesmo nome ou Sarabaquê, Sarabaguê. Trata-se de um dos mais
interessantes fatos da cultura popular na Grande São Paulo, cujos princípios se perdem nos tempos do Brasil Colônia e
estão intimamente ligados ao culto à cruz estabelecido e incentivado pelos jesuítas em seu trabalho de catequese, de zelo
pelos bons costumes e a prática religiosa junto a portugueses e brasileiros de então.
A cruz parece ter sido tema de um ciclo bem mais intenso de comemorações festivo-religiosas, em épocas passadas;
além do que o símbolo cristão empresta nome a muitos municípios, bairros, vias públicas (a começar, afinal, pelo próprio
nome inicial da terra descoberta em 1500). Atualmente há festa de Santa Cruz em diversas cidades do interior paulista,
às vezes em bairros rurais, porém na maior parte se limitam a barracas, bingo, comes e bebes, além da parte religiosa181.
Ela se mantém com vigor em duas cidades da Grande São Paulo, aliás antigas aldeias: Embu e Itaquaquecetuba, via de
regra no início do mês de maio, mas depois dos dias 2, 3 e 4 (dias fixos em que se realiza a comemoração na Aldeia de
Carapicuíba). Nessas duas cidades, a festividade tem características próprias, diferentes daquelas encontradas na Aldeia
objeto de nosso estudo.
A bibliografia de folclore não indica a ocorrência da festa de Santa Cruz antigamente, em outros locais. Apenas
Antônio Egídio Martins proporciona um informe a respeito de proibição da festa que se realizava onde hoje se situa
o “centro novo” da Capital: Em consequência de haver, em março de 1909, conforme notícia publicada pelo Diário
Popular, de 31 do mesmo mês, o arcebispo metropolitano, D. Duarte Leopoldo e Silva, resolvido proibir a tradicional
festa popular de Santa Cruz do Pocinho, deixou de se realizar a mesma festa no dia 3 de maio daquele ano na respectiva
capela que era situada na Rua Vieira de Carvalho e foi demolida em princípios de 1912182 .
Nossos informantes mais idosos se recordam de a festa ter sido efetuada até as primeiras décadas do século XX em
alguns pontos onde hoje ficam os bairros de Pinheiros, Butantan e arredores. E com as mesmas características encontradas
na festividade contemporânea da Aldeia, uma vez que os próprios elementos daí participavam das comemorações nos
outros pontos, locomovendo-se a pé, em carros de boi, em charretes, a cavalo. A festa era realizada junto a uma igreja ou
capela. Como se verifica, a comemoração tradicional foi eliminada – resta apenas lamentar – pelo progresso acelerado de
São Paulo. De acordo com os informantes, e portanto de acordo com a tradição oral, a festa de Santa Cruz, nos moldes da
existente na Aldeia de Carapicuíba, foi realizada até cerca de 1920 nos seguintes locais:
> Largo de Pinheiros183; acentuamos que, nos séculos XVI e XVII, a estrutura urbana da aldeia dos Pinheiros diferia
bastante da atual. Havia pequena igreja com a fachada voltada para onde hoje é a rua Butantan, isto é, o importante
caminho para o rio Pinheiros. Nesse local, tendo por referência a igreja, é praticamente certo que se desenvolvia a festa de
Santa Cruz, provavelmente com a dança em homenagem ao símbolo do cristianismo e participação de índios e colonos;
> Pirajussara (junto à casa de João Christi);
> “Corujas” (atualmente uma parte do bairro de Alto dos Pinheiros);
181
- Ver Oneyda Alvarenga, Música..., 1950;Rossini T. de Lima, Folclore das..., 1971, p. 62; Maria A. C. Giffoni, Manifestações..., RBF 11(31), setembro/dezembro-1971; A.
Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975.
182
- A. E. Martins, São Paulo antigo, 1973, p. 304. Eduardo A. Escalante faz referência a uma comemoração de Santa Cruz no Paraguai; A festa..., inéd., p. 49/50 (citando
Paulo de Carvalho Neto).
183
- A monografia de Antônio B. Amaral O bairro..., 1969, não faz nenhuma referência sobre a festa de Santa Cruz nesse local (e aliás inclui muito pouca coisa no item
“7- Divertimentos”, p. 77/78). No entanto, vários de nossos informantes afirmam ter certeza de que a comemoração era efetuada no núcleo do bairro, que afinal foi uma
aldeia antiga. Ficamos com nossos informantes.
Como se pode observar, nenhum dos dois autores (que mais publicaram sobre folclore paulista) se prendeu a dados
específicos esclarecedores sobre a origem da festa; discorrendo aliás indistintamente e ao mesmo tempo sobre ela e a
dança que nela ocorre. Talvez seja essa até uma coincidência a considerar: ambas tendo se formado juntas.
Mas quando?
A bibliografia de História e de Folclore188 não nos forneceu um documento taxativo sobre a origem da festa (e da dança)
de Santa Cruz, na Aldeia. Tal fato porém não é de se estranhar, por mais de um motivo; e aqui nos parece conveniente
um breve retrospecto. Sabendo-se que a Aldeia teve períodos de depressão, a ponto de ter sido praticamente destruída no
segundo século189 por ordem dos sacerdotes (item 1.6) interessados em forçar sua transferência190 para Itapecirica; sabe-
se que ficou ao abandono após a extinção da Companhia de Jesus191 , e até deixou de existir por volta de 1774 segundo
Azevedo Marques192 (talvez com certo exagero); e em 1777 o bispo de São Paulo em sua relação se refere ao pároco da
Aldeia dizendo que ele sustenta-se como pode193 . Com essa existência marcada por fases de tanta precariedade e por
litígios envolvendo posse de indígenas e de terras194 , naturalmente havia assuntos muito mais importantes para a época a
serem registrados, quando houvesse, do que uma festa ou uma dança; mesmo porque as festas deviam ser algo integrado
nos hábitos grupais criados pelos jesuítas em seu trabalho de catequese, de acordo com seus objetivos; como referem
Serafim Leite195 e outros autores; era portanto coisa comum na vida de religiosos, brancos e indígenas – e se sabe que
o comum não constitui notícia. Em geral, nas cartas de jesuítas e em documentos oficiais pode ser citada esta ou aquela
festividade, numa passagem ou noutra em que o missivista escreve sobre os últimos acontecimentos, mas sem se obrigar
a descrever a festa; ou num documento oficial em função de preparativos que implicam despesas, taxas, uma recepção
ou algum evento excepcional, mas também sem nenhuma obrigação de descrever a festa em si. Muito menos a dança
e outros fatos que poderiam integrar determinada festividade nos costumes da época. Desse modo, hoje em dia, pela
consulta a documentos dos primeiros séculos fica-se sabendo da existência, em São Paulo e em outros locais da Colônia,
de fatos folclóricos como Cavalhadas, Touradas, procissão de Corpus Christi com “ramagens”, presépio, instrumentos
musicais, autoflagelação, etc, sem todavia se encontrarem sempre pormenores sobre cada um desses fatos possíveis.
187
- Araújo, Folclore nacional..., 2.ed., 1967, v. 2, p. 23. O mesmo autor resume suas considerações sobre a festa da Aldeia e de Itaquaquecetuba (embora não constem
indicações de local e data) em Cultura..., 2.ed., 1973, p. 63/65.
188
- Em seu extenso e interessante estudo sobre as aldeias de São Paulo, Pasquale Petrone não se detém no assunto festas, fazendo apenas referências passageiras; Os
aldeamentos..., 1964, inéd., p. 253/254.
189
- Luís Saia, Morada..., 1972, p. 19.
190
- Manoel da Fonseca, Vida do..., s/d, p. 121.
191
- Sérgio B. Holanda, Rev,. Rev. do IPHAN (5), 1941, p. 112.
192
- S. B. Holanda, Rev. do IPHAN (5), 1941, p. 112
193
- Manoel da Ressurreição, Relação..., Rev. do IHGSP (4), 1898/99, p. 377.
194
- A. E. Taunay, História..., 1953(?), p. 24 e seg..
195
- S. Leite, História..., 1938, v. 2, p. 100/110.
196
- S. Leite, Cartas dos..., 1956/58.
197
- S. Leite, História..., 1938, v. 2, p. 110.
198
- Procedimento indicado e utilizado por pesquisadores diversos, entre os quais Antônio Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 18; Luís Saia, Fontes..., maio-1948, p. 9/11, na
bibliografia consultada.
No mês de abril, um volante impresso anunciando e convidando para o evento costuma ser afixado em estabelecimentos
comerciais dos arredores da Aldeia de Carapicuíba: é o programa da festa ou – como também se denominava anteriormente
e alguns moradores atuais do local ainda dizem – o convite. O padrão seguido normalmente para essa peça de comunicação
é o seguinte: papel sulfite branco, formato vertical 42x24cm, dizeres impressos em preto e no terço superior, ao centro,
uma cruz em vermelho ou em preto. O cabeçalho: Dias 1, 2, 3 e 4 de Maio / na Aldeia de Carapicuíba. Na altura da parte
No terço inferior do programa tem sido publicado um texto explicativo sobre o Sarabaquê, de redação mais elaborada,
introduzido a partir da década de 1960. É o seguinte:
Dança de Santa Cruz ou Sarabaquê (Quinze com Quinze)
A ‘Dança de Santa Cruz’ é um ato religioso e foi o modo mais fácil que os Jesuítas encontraram para
catequizar os índios, isto é, pela dança e pelos cânticos. Não tem traje especial.
À frente dos dançantes, vão dois violeiros; atrás de um, deles, um tocador de adufe. Os violeiros são ‘mestres’ e
‘contra-mestres’. Imediatamente atrás vêm o ‘tiple’ e o ‘contralto’. O ‘mestre’ faz a primeira voz, o ‘contra-mestre’
a segunda. O tiple é uma voz atenorada, ou melhor, em falsete e o ‘contralto’ é o que faz a voz mais grave de todos.
De acordo com uma de nossas informantes, Ilydia Camargo, essa explicação sobre a dança de Santa Cruz se baseia
em volantes distribuídos na Casa do Bandeirante, em São Paulo, quando na década de 1960 a direção desse museu
paulistano (com Paulo Camillier Florençano e Maria Aparecida Paiva Alves) incentivava a realização de eventos com
a presença de folclore paulista. Inclusive a própria dança foi efetuada nos jardins do museu com elemento humano da
Aldeia e patrocínio da Prefeitura paulistana. Os moradores da Aldeia e as pessoas mais chegadas à tradição da festa de
maio adotaram o texto e passaram a reproduzi-lo no programa.
Se essas características identificam o programa da festa, tem havido ocasiões contudo em que elas são deixadas de
lado, mudando-se totalmente o padrão tradicional-popular e surgindo então cartazes promocionais em tamanho maior,
impressos em cores e com ares ou intenções de criação artística. São exemplos o programa de 1954 (muito provavelmente a
primeira vez em que o programa sofreu essas alterações), ano em que a comissão oficial do IV Centenário da Capital incluiu
a comemoração da Aldeia na programação daquele aniversário. Também o programa de 1972, ano do Sesquicentenário
da Independência, apresenta outras características, e em alguns outros poucos casos. Nota-se nesses exemplos a presença
de festeiros não pertencentes à comunidade, inclusive folcloristas. Nesses casos, fica mais que evidente a interferência
cultural, pelo menos na elaboração do programa – que, afinal, é parte integrante do complexo da festa. Eventualmente,
como aconteceu na década de 1970, o volante pode ser custeado por uma entidade ou pela Prefeitura Municipal de
Carapicuíba, conforme consta às vezes em rodapé.
Belisário Camargo Júnior, outro informante, lembra que o programa não era feito anteriormente.Trata-se de inovação
surgida por volta de 1930 ou logo após esse ano, quando parece que a divulgação da festa começou a se ampliar.
7.2.2.2. Ambiente
Embora os programas impressos da festa incluam o dia 1º de maio, a rigor ela se concentra mesmo nos dias 2, 3 e 4
desse mês. A parte religiosa se inicia antes, em 24-abril, com a tradicional novena. Como 1º de maio, Dia do Trabalho, é
feriado nacional, aproveita-se para, principalmente à noite, fazer leilão de prendas e um ou outro divertimento como pau
de sebo, ou ainda violeiros. Todavia, essas atividades do dia 1º de maio não são parte essencial da festa, e podem ocorrer
ou não. Mas a Aldeia já se encontra engalanada com as costumeiras bandeirinhas de papel de seda e arcos de bambu
(pelo menos junto ao cruzeiro e à porta da igreja), barraquinhas armadas na frente de algumas casas utilizando-se ripas e
galhos, cobertas com folhas de bananeira e taboa (antigamente) ou de biri, e secundariamente folhas de coqueiro. Nessas
barraquinhas vendem-se quentão, churrasco, doces caseiros de abóbora, de mamão, de batata, de cidra. Espalhados pelo
Os programas da festa ainda citam a Alvorada, que se resumiu bastante. Anteriormente, ela consistia no repique
festivo dos sinos da igreja e na queima de baterias e rojões adquiridos pelo festeiro.
- Mas agora, por causa das despesas, por causa do preço das coisas, não tem mais rojão; a gente usa alguns
caramurus. Mas o rojão é que é tradicional, e alguns festeiros iam comprar lá em Itapecirica da Serra (Ilydia Camargo).
Para a criançada, várias vezes durante os dias da festa se fazia o “quebra-moringa”, com duas moringas de barro
cheias dágua penduradas numa trave; a menina ou o menino que, com um pedaço de pau e os olhos vendados, acertasse
numa delas quebrando-a ganhava um cartucho como brinde. Já desde cerca de 1958 não se faz esse divertimento.
Igualmente, não há mais “roletas e mesas de jogos de azar” referidos por Saia; porém se pode encontrar uma ou outra
barraca de lona onde se jogam argolas para tentar tirar maço de cigarros, maçãs e outras miudezas. Os mascates – sírios
vendedores de bugigangas – são figuras do passado. Quanto aos caipiras, referidos ainda por Saia na década de 1930,
passaram a ser praticamente inexistentes na década de 1970, substituídos por nordestinos e outros migrantes.
Como já indicamos, a novena começa em 24 de abril, as rezas iniciando-se por volta de 20 horas, na igreja, com
prosseguimento até o dia 2 conforme a tradição – informa o programa. No feriado de 1º de maio pode haver leilão,
violeiros, fogueira (em desuso), e começa o grande congraçamento social da festa.
Dia 2: levantamento do mastro com a bandeira da festa, às 19,30 horas; encerramento da novena e início da dança de
Santa Cruz por volta das 21 horas.
Dia 3: alvorada ao romper do dia; missa às 10h, procissão às 17h (que pode alongar-se por ruas próximas do núcleo
da Aldeia), e depois leilão de prendas que se esperam dos devotos; à noite, a dança de Santa Cruz.
Dia 4: à noite, a mesma dança, que se encerra de madrugada com a Zagaia. Ainda no dia 4, à tarde, podem ser feitas
algumas danças leves – Cirandinha, Chimarrete e Cana Verde, se bem que os informantes mais idosos conhecem outras.
Essas danças à tarde não faltavam anteriormente, mas já no período 1960/70 começaram a ficar em desuso.
7.2.2.4. Festeiros
Para organizar a festividade, fica encarregado um casal, geralmente por promessa ou devoção. De acordo com nossos
informantes, na missa do dia 3 pode ser decidido quem ficará com o encargo para o ano seguinte, normalmente sem
interferência do sacerdote católico. Os interessados se apresentam aos demais e fica acertada sua condição de festeiros.
Nesse dia, após a procissão pelos arredores da Aldeia, recolhem-se os andores no templo, com exceção da cruz; e o
sacerdote anuncia os nomes dos festeiros do próximo ano. Antigamente constituía uma surpresa e, portanto, o ato cercava-
se de expectativa.Entretanto, hoje, os acertos para a transferência de funções são feitos abertamente. Nessa hora, o festeiro
do ano entrega um ramo de palmas ao novo festeiro, e a festeira entrega a coroa à sua sucessora. Todos então formam
novo cortejo, de menores proporções, que dá a volta no pátio, terminando com um brinde pago pelo novo festeiro, num
bar local.
As flores que o festeiro recebe são tradicionalmente três ramos de palmas – as chamadas palmas de Santa Rita – em
geral envoltas em papel (prefere-se o celofane) e fitas. A coroa prateada, com 20cm de altura, nos dias da festa é adornada
com fitas e colocada em pires com pequena toalha de crochê.
No dia 5, à tarde costumava-se descer o mastro, dava-se uma volta processional pelo pátio com os novos festeiros
conduzindo a bandeira, fazia-se o beijamento – atos que serviam como confirmação do início efetivo do novo período de
preparação da festa. Atualmente, a descida do mastro com a bandeira foi transferida para um ou dois domingos após o dia
3. Via de regra, o mastro e a bandeira ficam guardados na igreja.
Aos novos festeiros compete tomar as providências para o próximo ano (o que em geral é feito só nos meses antecedentes
a maio): avisar os instrumentistas e demais elementos; confeccionar o programa e afixá-lo em estabelecimentos comerciais
e outros, das redondezas; adquirir fogos de artifício, alimentos, lenços especiais para os “tocadores”; combinar pormenores
com o padre e com outras pessoas; convidar uma ou outra autoridade; receber prendas para o leilão; providenciar o chamado
“sistema de som” para o leilão e para avisos; solicitar policiamento (o que tem sido um motivo de grandes dificuldades,
pois todos os antigos moradores da Aldeia e seus descendentes se queixam da falta de policiamento eficiente para evitar
O mastro com a bandeira pintada (uma constante nas festas tradicionais brasileiras) também está presente na festa de
Santa Cruz. Na Aldeia, o mastro é feito com um tronco de eucalipto ou alguma árvore, esguio e alto (cerca de 6 metros),
que é pintado de uma só cor ou em faixas de duas cores. Na extremidade que ficará ao alto é colocada a bandeira de tecido,
que traz a cruz pintada com mais um ou outro enfeite, em geral pequenas flores ou folhas. Essa bandeira costuma ser
pregada num quadro de madeira que tem os lados horizontais prolongados de modo a poderem ser furados. Nesses dois
furos se passará a ponta do mastro e a bandeira poderá ser movimentada pelo vento, quando o mastro já estiver fixado
no chão. Dia 2, após a reza, cerca de 20 horas, a bandeira é primeiramente exposta pelos festeiros postados em frente da
igreja, para o beijamento dos devotos e, em seguida, é colocada na ponta do mastro, conduzido geralmente por homens até
as proximidades do centro do pátio. Nesse local já se preparou uma cavidade para fincar a peça. O levantamento constitui
um momento ritual alegre, marcado pelo espoucar de caramurus e às vezes rojões.
Tais atividades são preparadas e coordenadas pelo Capitão do Mastro e a Juíza da Bandeira, com colaboração de
outras pessoas.
Anteriormente, na ponta superior do mastro se colocava uma coroa de arame enfeitada com flores artificiais.
7.2.2.6. Bendito
A novena consiste basicamente em reunião de devotos na igreja, cerca de 20 horas, durante as nove noites anteriores
ao primeiro dia da festa, ou seja, começando em 24 de abril e se encerrando em 2 de maio. A reza é puxada por um
capelão (nos anos de nossas observações essa função é desempenhada por Lurdes Brito), dispensando portanto a presença
do sacerdote católico, que aliás só comparece mesmo para a missa na manhã do dia 3. Cada reunião da novena dura no
total cerca de 35 minutos, sendo encerrada com o canto de um Bendito, tendo participação coletiva, todos em pé.
1 Humildemente prostados
De joelhos ao pé da cruz
Deu o último suspiro
Nos braços da Santa Cruz
(Estribilho)
(Estribilho)
(Estribilho)
Obs: Esta é a melodia de uma espécie de reza “cantada”, um tipo de canto recitado, tradicional, que na transcrição musical
não se enquadra bem em uma divisão exata de compasso, como nas músicas convencionais. Portanto, fez-se um pequeno
sinal vertical acima do pentagrama, apenas para sugerir ali a possibilidade de divisão, para auxiliar na “leitura”.
7.2.2.7. Leilão
Como já indicamos, no dia 1º de maio pode começar o leilão de prendas, que os devotos costumam levar e entregar na
“casa do festeiro” (uma casa especialmente reservada para organização, direção, preparação de comida e outras atividades)
ou mesmo no palanque onde modernamente se instala microfone e onde fica o leiloeiro. Até cerca de 1950/60, o leilão
era feito no rés-do-chão e baseado na comunicação direta do leiloeiro com o povo, ou seja, sem microfone/alto-falante;
e a figura do leiloeiro se movimentava por entre as pessoas próximas, até com eventuais brincadeiras improvisadas,
com semelhanças em muitos locais do Brasil. Nos anos mais recentes, a Prefeitura Municipal de Carapicuíba envia
equipamento de som, instalado na área que seria do coro, no templo católico. Num palanque se posta um ”locutor” que
muitas vezes é funcionário municipal, para dar avisos como:
Alguns pratos, petiscos e bebidas ocorrem na festa de Santa Cruz da Aldeia de Carapicuíba. É tradicional servir-se
aos instrumentistas uma farta canja de galinha e uma gemada especial, nos dias 3 e 4. Depois da Zagaia, no encerramento,
também é servida gemada a todos os participantes que amanhecem na comemoração. Normalmente é o festeiro que
deve encarregar-se dos caldeirões de canja e da gemada (feita com ovos, açúcar e vinho, porém com a particularidade do
aproveitamento das claras que são batidas em separado). Segundo Belisário Camargo Júnior, a gemada é mais antiga que
a canja, mas ambas estão arraigadas nos costumes da festa na Aldeia.
São tradicionais também doces caseiros de mamão verde, batata, abóbora, cidra; e ainda bombocado, pé-de-moleque.
Anteriormente era muito comum o cartucho199 , um cone de papel, cerca de 20 a 30cm de comprimento, enfeitado na
“boca” com papel clorido recortado, e contendo amendoim açucarado e erva doce açucarada; os maiores continham
pequenos doces de abóbora, batata, coco e outros. Eram vendidos durante a festa e constituíam o especial presente que o
cavalheiro oferecia à dama, após cada Roda, na dança. Informa Belisário Camargo Júnior que se encontravam cartuchos
não apenas na Aldeia, mas igualmente em festas de Santa Cruz noutras localidades próximas, inclusive o bairro de
Pinheiros – o que vinha a ser uma das constantes da festa nesses locais.
Os informantes mais idosos confirmam que anteriormente havia também arroz-doce, cocada, batata doce em calda,
suspiro, sequilho200 – doces que nos anos de 1970 não são usuais – e que eram vendidos por exemplo por uma dona
Vitalina, residente na cidade do Embu e já falecida, que se postava junto à igreja com seu tabuleiro. Quanto aos salgados,
é citado com frequência o pastel de farinha de milho feito principalmente por Albertina Pereira Leite, também falecida201 .
199
- Historiando aspectos da procissão de Sexta-Feira Santa que saía da igreja do Carmo, na Capital paulista em meados do século XIX, Antônio E. Martins relata que os
integrantes da guarda romana dessa procissão recebiam como remuneração ao serviço prestado, a quantia de 5$000 e um cartucho contendo doces e ficando ainda a
Ordem Terceira muito agradecida às referidas pessoas, porque ninguém queria, naquele tempo, sair de judeu do Carmo. A. E. Martins, São Paulo antigo, 2. ed., 1973,
p. 52/53.
O cartucho era invólucro artesanal de doces, comum em ocasiões especiais, por certo ainda ocorrendo alhures.
200
- Luís Saia cita vários desses doces, Aldeia..., 1937, inéd., p. 18. Quanto à batata doce em calda, que não mais se faz na Aldeia, não localizamos registro na bibliografia
consultada. Todavia, nossas coletas de folclore na região a oeste e sul da Capital paulista indicam ser um doce bastante conhecido, principalmente em zona rural. Para
prepará-lo procede-se como com frutas diversas: após ser descascada, a batata doce é cortada em pedaços pequenos – picada, como se diz – e levada ao fogo com água e
açúcar para formar calda e cozer.
201
- Esse pastel de farinha de milho é citado por Antônio E. Martins como uma das “quitandas” vendidas nas vias públicas por pretas escravas, na Capital, desde o século XVIII;
São Paulo antigo, 2. ed., 1973, p. 202. Receita em Jamile Japur, Cozinha..., 1963, p. 45, sem especificar o local da coleta. (Ver registro no cap. 8, item 8.5, Culinária).
Ingredientes: duas dúzias de ovos, vinte colheres (de sopa) de açúcar, cinco litros de vinho (de preferência o tinto).
Modo de preparar: Batem-se as gemas e o açúcar, enquanto as claras são batidas em separado até o ponto de neve.
Depois se juntam ambas, batendo sempre; e por fim o vinho aos poucos, batendo.
Doc. 8
Gengibirra
Anotação na Aldeia de Carapicuíba, 1979; informante: Ilydia Camargo
Ingredientes: gengibre, açúcar, fermento e água.
Modo de preparar: os ingredientes são deixados fermentando durante dois dias. Após esse tempo, se coa e se
engarrafa.
Doc. 9
Pau-a-pique
Anotação na Aldeia de Carapicuíba, 1978; informante: Ilydia Camargo
Ingredientes: meio quilo de gengibre, duzentos gramas de erva-doce, trezentos gramas de canela em pau, uma pitada
de cravo moído, uma pitada de nós moscada, cinco litros de água, açúcar, dois litros de cachaça.
Modo de preparar: os pedaços de gengibre devem ser lavados e envoltos em guardanapo de pano para serem macetados.
202
- A. E. Martins registra receita de gengibirra diferente da que anotamos na Aldeia, e que era vendida em armazéns em meados do século XIX na Capital paulista: A bebida
chamada Gengibirra era feita de farinha de milho, gengibre, casca de limão e água, ficando também por alguns dias em infusão e depois vendida a 80 réis cada meia
garrafa ou botija louçada (…); São Paulo antigo, 2. ed., 1973, p. 221/222. O mesmo autor se refere ainda à Caramuru, consideradas duas gostosas bebidas; além dos
saborosos sequilhos doces que eram chamados pelos meninos de Tarecos; Idem, Ibidem.
203
- J. Japur inclui receita de pau-a-pique em seu Cozinha..., 1963, p. 80/81, e informa ser bebida centenária usada na Festa de Santa Cruz da Aldeia de Carapicuíba. R. T.
Lima também afirma ser bebida típica da festa de Santa Cruz; Folclore das..., 1971, p. 68 (faltando o ingrediente água). A. M. Araújo encerra o item de receitas de Doces
caipiras com a dessa bebida, afirmando porém ser bebida do ciclo junino em terras paulistas; Folclore nacional, 2.ed., 1967, v. 3, p. 224; do mesmo autor, reprod. em
Cultura..., 2. ed., 1973, p. 189.
204
- J. Japur dá receitas de quentão, Cozinha..., 1963, p. 81/82, com o pormenor de gengibre ralado (como em nosso Doc. 10).
carapicuíba - uma aldeia mameluca 87
Isso feito, juntam-se os demais ingredientes (exceto a cachaça) e o açúcar, ferve-se, obtendo-se consistência de calda rala.
Deixa-se dois dias em infusão. Coa-se e adicionam-se os dois litros de cachaça; se ficar muito forte, acrescenta-se água.
Dá-se outra fervida.
O pau-a-pique é servido frio.
Doc. 10
Quentão
Receita comum na Aldeia de Carapicuíba, admitindo variantes
Ingredientes: Dois litros de água, três dentes de gengibre, açúcar e um litro de cachaça.
Modo de preparar: Lavam-se os pedaços de gengibre que em seguida são macetados envoltos em guardanapo; fervem-
se os ingredientes com exceção da cachaça que é acrescentada logo após retirar o recipiente (em geral um caldeirão) do
fogo.
Serve-se quente, quase sempre em pequenas xícaras de louça branca.
Obs.: Há variantes de quentão que incluem canela em pau, cravo, pedaços de limão – colocados para ferver junto
com a água e o açúcar.
Algumas danças de roda e de alas movimentavam as tardes do ciclo festivo de maio, como já indicamos (item
7.1.2.). As de feição mais tipicamente paulista (se bem que não exclusivas da Aldeia pois há variantes em outros locais e
regiões) parecem ser a Cana Verde ou Caninha Verde, o Chimarrete e a Cirandinha205 , praticadas até cerca de 1960. Porém
outras parece terem chegado a se incorporar por pouco tempo à festa de maio – e eventualmente a outras manifestações
cíclicas da Aldeia – trazidas por migrantes vindos de Minas Gerais, o que deve ter ocorrido na década de 1930 como
recordam diversos de nossos informantes. É o caso do Tiu-tiu-tiu-tá, ainda hoje bem vivo na memória dos mais velhos,
ao menos como canto. Na década de 1970 a ocorrência dessas danças leves rareou, não mais sendo elas de conhecimento
e vivência normal entre elementos ligados à Aldeia e de faixas etárias mais baixas.
- R. T. Lima apenas cita a ocorrência de Cana Verde, Cirandinha e Chimarrete na festa, sem incluir registro de campo, em A Gazeta, 12, 19 e 26-maio-1962; republicado
205
em Folclore das..., 1971, espec. p. 62. O mesmo se verifica em A. M. Araújo, Folclore nacional, 2. ed., 1967, p. 24.
Sobre Chimarrete: referindo-se a danças do fandango litorâneo, R. T. Lima em Melodia e ritmo... dá duas versões em Aldeia de Carapicuíba, na Capital: uma de
Chimarrita, com o nome de Chimarrete e outra da Querumana, mas adianta que o informante descreveu as duas danças conforme a tradição local (p. 43) – o que não satisfaz
como pormenor de pesquisa – e que então não as colocaria como danças litorâneas. No caso dessa versão do Chimarrete parece mesmo ter características de variante da Aldeia
ou da região, portanto ligada ao interior sul do estado paulista (ou mais ao Sul?), até mesmo porque inclui na letra referências ao sertão de Cuiabá, a boiadeiro, a Chimarrete,
chimarrete / Que veio lá de Cotia. Ainda sobre essa dança, Maria A. C. Giffoni dá versão colhida no Embu, 1965, em seu Danças miúdas..., 1972, p. 17/24. Dessa mesma
cidade outro registro, 1970, de A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975, p. 88/93.
Sobre Ciranda (que na Aldeia se denomina comumente Cirandinha): R. T. Lima publica registro da Aldeia de Carapicuíba, 1954, em A Gazeta, 19-julho-1958; e M. A.
C. Giffoni tece considerações a respeito de vários locais e formas com que se apresenta, dando registro do Embu, 1965, em Danças miúdas..., 1972, p. 25/32.
Sobre as três danças, ver também O. Alvarenga, Música..., 1950.
Doc. 11
Cirandinha
Gravado em Carapicuíba, 1979;
informantes: Ataliba C. Camargo, Ítalo C. Camargo, Antônio Camargo e outros
Dança de roda com pares de braços dados numa fase, e de pares enlaçados na outra fase. A melodia tem quatro
tempos, havendo ao menos um violeiro que comanda a eventual troca de damas; todos os participantes, com trajes livres,
podem cantar os versos de tema livre.
Coreografia:
a- Forma-se roda, cavalheiros do lado de dentro e dando seu braço direito às respectivas damas.
b- O movimento da roda é anti-horário. Os passos acompanham os quatro tempos da música durante o canto das
quadras e durante a pausa de canto que se segue ao estribilho.
c- Quando se canta o estribilho, se executam estes movimentos:
c1- Nos dois primeiros versos do estribilho se largam os braços, e os pares ficam frente a frente, em balancê
(balançando o corpo lateralmente).
c2- No trecho que diz Dar meia volta os pares se enlaçam (seguram-se levemente pelos antebraços) e dão juntos
meia volta. Em seguida, cantando Volta emeia vamos dar, retornam à posição anterior.
c3- O final do estribilho indica se o par continua o mesmo ou se a dama será passada para o cavalheiro da frente: se
o violeiro canta Deixa ficar é sinal de continuar cada um com seu par; porém se ele canta Passe adiante e troque o par
o cavalheiro, ao terminarem o meio giro (item c2),solta a dama para a frente e deixa seu braço direito à que lhe vem por
detrás. Esse passar de damas comandado pelo violeiro, entremeado por algumas vezes de deixa ficar, prolonga-se até que
elas cheguem ao respectivo par inicial. Então, a dança pode terminar.
c4- Tanto no caso de continuar o par como no caso de mudar de dama, a seguir (na pausa de canto e na quadra
posterior) prossegue a roda com os pares de braços dados.
Letra:
A letra é cantada com bis a cada dístico das quadras, e no primeiro dístico do estribilho. Este é cantado logo a seguir
de cada quadra, e varia em seu último verso, variação em geral determinada por um violeiro:
Doc. 12
Chimarrete*
Gravado em Carapicuíba, 1979;
informantes: Ataliba C. Camargo, Ítalo C. Camargo, Antônio Camargo e outros
*- Vogal tônica fechada: Chimarrête
Dança de duas alas, com pares dispostos frente a frente. Acompanha ao menos uma viola; nos intervalos entre uma
quadra e o estribilho os participantes fazem palmeado.
Letra:
Versos tradicionais ou não, de tema livre, e bisando os dois primeiros; participação livre. O violeiro e qualquer
dançante podem lançar versos.
Estribilho: (Estribilho)
Chique-chique, chique-tá Zique-tique, zique-tá
Oh lê, oh lê, oh lá 4- Chimarrete, chimarrete
Chique-chique, chique-tá Zique-tique, zique-tá Que veio do pau arcado
Cada um no seu lugá Quem não dança o chimarrete
Morre seco, arreganhado
2- Eu de cá mecê de lá (Palmeado)
Ribeirão passa no meio
Eu daqui dou um suspiro (Estribilho)
E você suspiro e meio
(Palmeado) 5- Laranjeira pequeninha
Toda coberta de flor
(Estribilho) Eu também sô pequeninho
Coberto de tanto amor
(Palmeado)
(Estribilho)
Música:
Letra:
1- Moreninha não se case 4- O que é que sinhifica
Aproveite o tempo bão Fita verde na viola?
(Ai) Namorai moço sortero Sinhifica (ai) um acinte
Se fosse casado não Que meu bem me fez agora
(Palmas) (Palmas)
2- Você me mandô cantá
(Mas) Pensando que eu não sabia 5- Amanhã quem perguntá
Tenho o peito pra cantá Quem é que cantô aqui
Até noutra hora do dia É um home do Riberão
Que cantô pa diverti
(Estribilho)
(Palmas) (Ai) Zique-tique, zique-tá
Oh lê, oh lê, oh lá
3- Meu amigo Sebastião Zique-tique, zique-tá
Por que está aborrecido? Cada um no seu lugá
Acho q’ tomô u’as canelada
E tomô uns pé no ovido
(Estribilho)
Letra:
1- Fui amado e fui querido 3- Que o Pinheiro vale muito
De todas flores do campo Que a Aldeia um conto e cem
Agora sô desprezado Que a Aldeia vale mais
Por quem me queria tanto Por as morena que tem
(Palmas) (Palmas)
Estribilho: (Estribilho)
Zique-tique, zique-tique, zique-tá 4- Viva o cravo, (oi) viva a rosa
Oh lê, oh lê, oh lá Viva a flor da laranjeira
Zique-tique, zique-tique, zique-tá Viva o dono desta casa
Cada um no seu lugá Com sua família intera
2- Amanhã quem perguntá (Palmas)
(Ai) Quem é que cantô aqui?
Foi um home do 21
Que cantô pa divertimento
(Palmas)
(Estribilho)
Doc. 15
Quadras de Chimarrete
Informantes escrita, de Alayde Camargo Bernardo, 1979, referindo-se a um Chimarrete
de tia Anica Xavier, nos decênios 1920/30
Doc. 16
Caninha Verde
Gravado em Carapicuíba, 1979;
informantes: Ataliba C. Camargo, Ítalo C. Camargo, Antônio Camargo e outros
É dança de roda, com pares soltos, acompanhada de melodia de quatro tempos efetuados à base de viola (uma ou
mais); os versos podem ser tradicionais ou improvisados.
Coreografia:
a) Forma-se roda de damas e cavalheiros, entremeados; deve haver número par de pares soltos. Em nenhum momento
da dança os participantes se tocam. Convém dispor-se pelo menos quatro pares, incluindo um violeiro (ou mais de um).
b) A roda gira em sentido anti-horário.
c) Damas e cavalheiros executam quatro passos, ambos iniciando com o pé esquerdo e na primeira sílaba do verso
cantado (ex.: Fui, To). Esse primeiro passo é dado de frente ao respectivo par; o segundo e o terceiro passos (pés direito
e esquerdo) destinam-se a fazer um movimento de rotação em meia volta, de modo que, no quarto passo (pé direito e
cantando a última sílaba tônica do verso, flor), cada dançante se acha voltado para seu vizinho, portanto trocando de par
por um momento.
d) Na primeira sílaba do segundo verso (To) recomeça o ciclo de passos: batida do pé esquerdo ainda face ao par
momentâneo, fazendo-se depois a meia volta (de frente para o centro hipotético da roda) com o pé direito e o esquerdo
(sílabas cam, flo) de modo que, no quarto tempo da melodia, cada dançante já está virado para seu par original e batendo
o pé esquerdo no chão (ceu).
e) O giro de meias voltas é feito uma vez para a direita e outra vez para a esquerda dos participantes, com sua frente
voltada para o centro hipotético da roda.
f) Cada vez que se completa uma meia volta, cada dama fica de frente ou para seu par ou para outro cavalheiro; e
vice-versa quanto aos homens. Portanto, há troca momentânea de pares.
g) No quarto passo – quando se canta a última tônica do verso, e o direito vindo a ser o pé de apoio – faz-se cortesia
mútua, com ligeira inclinação da cabeça e do tronco. Essa mesura, às vezes com suave e rápida genuflexão, dá leveza e
alegria ao conjunto de movimentos.
Música:
O ponto alto da festa de maio na Aldeia de Carapicuíba é a dança de Santa Cruz. Ela é iniciada cerca das 21 horas e se
desenvolve madrugada a dentro. A participação é livre e não há trajes especiais, a não ser o pormenor de os instrumentistas
trazerem amarrado no pescoço um lenço, geralmente providenciado pelos festeiros e com a cruz ou dizeres alusivos ao
evento, bordados ou pintados. Essa dança é feita sempre ao ar livre e à noite, no pátio da Aldeia.
Denominações
“Sarabaguê” ou “Sarabaquê” é um dos nomes da dança. Os informantes mais idosos da Aldeia não sabem explicá-
lo, embora todos acreditem ser o nome indígena da dança. Ilydia Camargo e Belisário Camargo Júnior afirmam que essa
denominação não era tão comum, preferindo-se anteriormente o nome de dança de Santa Cruz. Este último informante
acha correta a prosódia Sarabaguê – a gutural branda (g e não q), com o hiato (ue) e o último fonema fechado (ê). Mas
mesmo entre os praticantes mais idosos se ouve Sarabaquê, Sarabaqué.
Há também outro nome, parece que menos usado: Quinze-com-quinze. Ilydia Camargo tenta explicá-lo como
adequação ao ritmo; seria uma solução fonética que se integra na música e na coreografia: as tônicas da frase quinze com
quinze é quinze coincidindo com os três tempos iniciais, ficando o quarto tempo livre, como pausa da coreografia. Essa
denominação parece ter surgido na década de 1950, quando alguém, por efeito de bebida alcoólica, começou a cantar
quinze com quinze é quinze durante a Roda. A novidade provocou receptividade no momento, e o novo nome parecia se
acrescentar aos demais.
Instrumentos
Nos anos de nossas observações, os instrumentos mais usados são: violas, reco-recos e pandeiros; portanto cordofones,
idiofones e membranofone/idiofones. Sua execução parece reservada a sexo masculino, especialmente quanto à viola,
o que afinal constitui uma norma no folclore brasileiro: o homem canta, dança e toca, enquanto a mulher canta e dança.
Entretanto, não há nenhuma proibição às mulheres para tocarem qualquer instrumento, e às vezes se tem visto Ilydia
Camargo participando do Sarabaguê e tocando reco-reco; e jovens como Helenice Camargo também executando algum
instrumento.
A viola é do tipo encontrado comumente em áreas de cultura paulista, ou seja, a viola de dez cordas ou cinco
duplas. As utilizadas hoje em dia na Aldeia são produtos industrializados, e seus executores não se cansam de elogiar
as violas antigas, bem como sempre almejam possuir uma dessas, feitas a mão. É costume duas violas participarem; no
começo do século havia pelo menos três, como se observa em fotografias da época, se bem que excepcionalmente ainda
podem encontrar-se três tocadores do instrumento. Sem os violeiros, não se faz o Sarabaguê, notando-se às vezes grande
preocupação dos demais participantes, receosos da sua ausência. Aliás, durante a dança os violeiros ficam na posição
que se pode dizer de honra: nas partes da Saudação e da Despedida postam-se no centro da ala de frente, ladeados pelos
- O uso de moeda de cobre em pandeiro foi registrado em outros locais. Exemplo é a descrição de Cururu em Cuiabá, 1887, feita por Karl von den Steinen no livro Entre
206
A dança de Santa Cruz ou Sarabaguê se compõe de três partes distintas207: Saudação, Roda e Despedida, entre
cada uma havendo um intervalo para descanso, comentários, brincadeiras, acuar o veado, quentão, etc. Essas partes são
repetidas frente a cada cruz. Mas primeiramente a dança, em suas três partes, é realizada face à igreja de Santa Catarina;
em seguida , passa a ser feita frente ao cruzeiro no centro da praça; depois, frente à cruz colocada no chão e adiante ou
junto à entrada da casa 16 (que fica à direita do templo e à margem da Estrada da Aldeia no trajeto que leva à via Raposo
Tavares; Anexo 10). Prosseguindo, frente à cruz da casa 15 ao lado – e assim sucessivamente, distribuindo-se em sentido
geral contrário ao dos ponteiros do relógio, de maneira que a casa 18 (localizada do lado esquerdo do templo) é a última
face a cuja cruz se dança o Sarabaguê, já de madrugada. Encerra-se a volta geral da Aldeia frente à igreja e ao cruzeiro
outra vez (quando ocorre a Zagaia, somente na madrugada de 4 para 5 de maio). Em relação a cada cruz, fazem-se as
três partes: Saudação, Roda e Despedida. Se frente a uma casa não está colocada uma cruz, ela é ignorada, passando-se
à próxima construção que tenha o símbolo cristão fixado próximo da porta.
Vejamos como é feita cada parte da dança.
Saudação
A primeira parte do Sarabaguê conserva mais de perto o sentido religioso (como acontece com a Despedida). A porta
da igreja se fecha cerca das 20 horas. Os instrumentistas ficam postados voltados para a igreja, lado a lado, dando-se
preferência aos violeiros para as colocações centrais. Além de viola, há reco-recos (feitos de cabaça) e de pandeiros. Atrás
dessa primeira ala poderão estar outras pessoas com instrumentos – recos ou pandeiros. Também nessa segunda ala e atrás
dela fica o público participante. Todos de frente para a igreja ou a cruz. Nesta primeira parte, os versos quase sempre são
tradicionais. No início da primeira Saudação (como ficou referido, feita face à igreja), canta-se invariavelmente:
Essas duas quadras são tidas como abertura da manifestação coreográfico-musical-religiosa, portanto cantadas sempre
207
- E. A. Escalante compara a dança a uma suíte em três partes; A festa de..., inéd., p. 90.
208
- Essa quadra é frequente no folclore brasileiro;ver Emílio Willems, Cunha..., 1947, p. 105 e 151; e A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975, p. 174.
Cantam-se duas ou três quadras em homenagem à cruz, interpondo-se o vai-e-vem para trás e para a frente. Para
terminar a Saudação (que dura menos de 15 minutos) os instrumentistas lançam um Viva a Santa Cruz! respondido
coletivamente. Faz-se intervalo informal de alguns minutos.
1- Do céu caiu um cravo Lá do céu caiu um cravo 3- Deus vos salve salve cruz bendita
Nos braços da Santa Cruz (ah!) Filha da Vigem Maria (ah!)
Os anjos todos disseram Em louvor o vosso nome
Para sempre, amém Jesus (ah!) Festejamo o vosso dia (ah!)
2- Do céu caiu um cravo Lá do céu caiu um cravo 4- Deus te salve a cruz bendita
Nos braços da Santa Cruz (ah!) Filha de Virgem Maria
Do raio nasceu a Virgem Do cravo nasceu a Virgem A cruz bendita
Da Virgem nasceu Jesus (ah!) Filha de Virgem Maria, ah!
Roda
Depois do intervalo, ainda frente à igreja na primeira vez (e posteriormente frente ao cruzeiro e a cada cruz domiciliar,
na repetição do ciclo tríplice que constitui a dança), e ocupando área maior, os violeiros iniciam um movimento circular
de sentido anti-horário, seguindo-se a eles outros instrumentistas e demais participantes. Os homens tomam posição numa
roda externa, voltados para o centro hipotético dela e face às mulheres, que portanto ficam numa roda interna de costas
para o centro. Cada cavalheiro com sua dama, ambos frente a frente, sem se tocarem e guardando entre si uma distância
de cerca de um metro e meio. Tem-se, portanto, uma roda dupla de pares soltos: cavalheiros por fora e damas por dentro,
frente a frente. É a segunda parte da dança de Santa Cruz.
A coreografia é a seguinte: os homens começam com o pé esquerdo, levado concomitantemente para a frente e para
a direita, no primeiro tempo da música. No segundo tempo, movimentam o pé direito que fica colocado junto ao outro.
No terceiro tempo movem o pé esquerdo, principalmente o calcanhar, de modo a ficar a ponta direcionada para a dama.
Enquanto isso, as mulheres se movimentam de maneira correspondente, começando com o pé direito. O quarto tempo
da melodia relaciona-se com a mesura ou cumprimento mútuo: um ligeiro balanço da cabeça e/ou do tronco para a
frente. Talvez por influência desse quarto tempo musical e do meneio do corpo, diversos participantes acabam puxando
um pouco o pé solto (direito para os homens e esquerdo para as mulheres), o que facilita inclusive a continuação da
sequência coreográfica uma vez que se torna mais tranquilo automatizar os movimentos invertendo sempre as funções
do pé de apoio e do solto. Entretanto, há velhos participantes da dança de Santa Cruz que realizam apenas os três passos,
limitando-se à vênia mútua curta no quarto tempo musical.
Na Roda, um ou outro participante mais integrado na tradição local (inclusive os instrumentistas) pode efetuar
um movimento fora da rotina descrita acima: um rápido e alegre giro completo, mantendo o ritmo. Esse giro se chama
luxinho, luxo; dizendo-se fazer luxinho para o par.
carapicuíba - uma aldeia mameluca 103
Também pode acontecer de o cavalheiro largar sua posição e postar-se com agilidade frente a outra dama, fazer
luxinho para ela, e retornar a seu lugar, naturalmente com reclamações do outro cavalheiro em cuja posição ficou por uns
instantes, e com risos dos que estão próximos. Parece que menos comumente, as damas também podem fazer luxinho
para outros cavalheiros que não o seu par. Essa variação constitui, assim, uma troca momentânea de par, conjugada com
o luxinho.
Dois cavalheiros podem ainda trocar de lugar por alguns momentos.
Tais “brincadeiras”, além dos versos de tema livre que não raro são improvisados e às vezes derivam para desafio,
fazem da Roda a fase alegre da dança, a qual é também a mais prolongada das três.
104 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Doc. 18
Roda
Conforme gravados e anotações feitas esp. na Aldeia de Carapicuíba, de 1969 a 1979
Na formação inicial da Roda, os violeiros cantam versos ainda de sentido religioso; porém apenas nessa abertura.
Estas duas quadras são tidas como que obrigação do início desta segunda parte:
E vêm depois os versos de temas livres, redondilha maior rimando ABCB, alguns tradicionais e outros adaptados ou
criados de improviso. Exemplos registrados:
14- Fui no campo apanhá flores 18- Se quisé que vai e vorte
Todo o campo floresceu (ah!) Mande varrê a estrada (ah!)
No meio das flores brancas Tire a pedra do caminho
Meu amor apareceu (ah!) Sereno da madrugada (ah!)
Música:
A rigor, a Roda não tem duração fixa; se não houver interferências prejudiciais (como visitantes e curiosos limitando
o espaço disponível), pode prolongar-se por meia hora ou mais. E vem o intervalo, quando se toma quentão, se come
pipoca ou churrasquinho, se comenta este ou aquele verso, este ou aquele assunto da dança. Ou ainda se acua alguém,
que é obrigado a pagar despesas no bar.
Acuar o veado
Um divertimento que pode ocorrer logo no início de qualquer intervalo, quando a Roda ainda está-se desfazendo,
é o de os instrumentistas improvisarem um cerco a determinada pessoa, imitando latidos e roçando alegremente, como
que acuando caça. A pessoa está sendo obrigada a pagar despesas de petiscos, refrigerantes, cerveja ou o que for, quase
sempre num dos bares da Aldeia. É o que se chama acuar o veado ou simplesmente acuar. Havia preferência pela cerveja
preta (que alguns dizem ser apropriada para proteger a garganta de quem vai cantar a noite inteira), mas se pode tomar
refrigerante, caipirinha, ou ainda comer algum doce ou salgado; tudo por conta da pessoa que foi acuada.
Despedida
Para encerrar o ciclo tríplice da dança, os instrumentistas e demais participantes se colocam como na primeira parte:
frente à porta da igreja (na abertura da noitada) ou à cruz, em alas. Cantam-se alguns poucos versos e imediatamente –
sem intervalo – seguem pela sua esquerda em direção ao próximo local. Quando estão frente à igreja, logo após a cantoria
de duas ou três quadras se deslocam pela esquerda, em bloco, para frente ao cruzeiro; e acabam ficando todos postados na
posição contrária à anterior, ou seja, de costas para o templo católico, recomeçando então o ciclo: a Saudação ao cruzeiro,
Doc. 20
Despedida
Conforme gravações e anotações feitas na Aldeia de Carapicuíba, de 1969 a 1979
3- Eu vô dar a despedida
Como deu Cristo em Belém (ah!)
Adeus Aldeia de gosto
Até o ano que vem (ah!)
O final da festa e da dança, na madrugada de 4 para 5 de maio, contém alguns pormenores que não seguem o padrão.
Terminada a Despedida à última cruz domiciliar, os participantes postam-se frente à igreja. Executam então nova
Saudação e a Despedida conjuntamente em relação à igreja e ao cruzeiro no centro do pátio; de modo que alternam os
movimentos, primeiro frente à porta do templo, depois frente ao cruzeiro, voltando frente ao templo e encerram frente
ao cruzeiro, com vivas. A seguir, fazem a última Roda, quando um devoto ou mais frequentemente um dos violeiros vez
por outra grita uma palavra de ordem que é como uma senha para todos inverterem a direção do movimento, e assim a
Roda passa a girar de sentido anti-horário a sentido horário (alterando-se portanto a ordem dos passos: damas devem
começar com o pé esquerdo e cavalheiros com o direito). Outro aviso e a Roda retoma seu sentido normal. Nesses
momentos também se fazem luxinhos e despedidas com mesuras aos companheiros, tudo marcado pelo espírito alegre
e descontraído que caracteriza a Zagaia, nome dado a essas variações da Roda final, que é seguida por afetuosos apertos
de mão e abraços acompanhados de um Até pro ano. A festa se encerra com todos de novo reunidos frente ao cruzeiro
cantando o bendito Hino à Santa Cruz ou Lenho Sagrado209.
Em vista dessas variações que ocorrem no final da festa bem como em vista de as poucas referências bibliográficas
serem muito incompletas210, e objetivando deixar suficientemente claros esses momentos finais da comemoração e da
dança, damos abaixo pormenores registrados em 1979.
209
- Esse Hino à Santa Cruz foi publicado em reportagem não assinada intitulada Festa de Santa Cruz na Aldeia de Carapicuíba, em O Estado de S. Paulo, 10-maio-1959 (as
dez quadras, sem melodia); e também por R. T. Lima, ABC do folclore, 1957, p. 138/139 (seis quadras e melodia), recolhida na Aldeia em 1954 “do violeiro Belizário de
Camargo Júnior” (correção: certamente se refere ao famoso violeiro Belisário Camargo, cujo filho é um dos nossos informantes).
210
- Autores que focalizam o final da dança de Santa Cruz, da Aldeia, o tratam com muita superficialidade ou descuido. Vejamos. Araújo baseia-se em hipótese, como é seu
hábito e sem provas: “A despedida é a parte que pontofinaliza os festejos em Carapicuíba, quando formam a grande roda para a dança da zagaia, já no dealbar do
dia. Zagaia é uma espécie de lança, era a arma que o jesuíta colocou nas mãos do índio para representação teatral, pois é originariamente africana, seu nome é de
origem moura, foi portanto usada num bailado em cujo entrecho havia o ataque de azagaias, argumento quem sabe baseado nos fatos da luta que mantiveram quando
pretenderam transferir os antigos moradores de Carapicuíba para Itapecerica. Mas, acontece que na aldeia de Carapicuíba, graças a Afonso Sardinha, os índios tinham
seus direitos resguardados. Desse bailado, pois este era teatro catequético, ficou apenas o nome da grande roda da zagaia”. Alceu M. Araújo, Folclore nacional, 1967,
v. 2, p. 24. Em parte reprod. em “Tradição: a Festa de Santa Cruz”, O Estado de S. Paulo, 19-março-1965. Seja-nos permitido fazer os necessários esclarecimentos e
as necessárias correções, na medida de nossas possibilidades e de acordo com nossas observações no local e junto aos nossos informantes: 1) não existe a “dança da
zagaia”; 2)se a zagaia foi “arma que o jesuíta colocou nas mãos do índio para representação teatral”, isso não consta na bibliografia consultada (que inclui cartas de
jesuítas) nem na tradição oral de hoje em dia; 3) quanto a ter sido “um bailado em cujo entrecho havia o ataque de azagaias” mesma realidade: não há referências
bibliográficas nem menções da tradição oral que confirmem; 4) a fraqueza da frase seguinte se trai a si mesma – “quem sabe baseado nos fatos da luta que mantiveram
quando pretenderam transferir os antigos moradores de Carapicuíba para Itapecerica” – idem: faltam registros e referências à pretensa luta (com zagaia?!!) na tentativa
de transferir a Aldeia; 5) na documentação histórica não consta que Afonso Sardinha tenha “resguardado” direitos dos índios, mas sim que fez doação deles aos jesuítas;
6) não consta que houve “bailado” em possível “teatro catequético”, do que teria restado “apenas o nome da grande roda da zagaia”, que não existe (ver item 1). Em
nenhum momento nossos informantes se referiram a luta, a zagaia como arma, a bailado. Precisamos usar de franqueza: seis correções de pormenores graves em cerca
de oito linhas – se esse procedimento se repete em textos sobre tradições populares, talvez em benefício de romantismo impróprio, não se obterá estudo sério de folclore
(ou o nome que se dê ao complexo de tradições populares).
Enquanto Lima, preferindo ser mais e apenas descritivo, informa que “Na última noite, depois da “Sarabaqué” se desenvolver como nas anteriores, há a despedida geral
da igreja e do Cruzeiro. E por fim, dança-se a “Zagaia”. Forma-se uma roda como a descrita, com as damas por dentro e os cavalheiros por fora, a qual se movimenta
de modo idêntico. Mas, em dado momento, o violeiro-chefe grita: “Zagaia, vem zagaia!”, e todos os dançadores dão meia volta recomeçando a dançar em sentido
contrário. Há também nesta parte os mencionados giros dos participantes.” Rossini T. Lima, A Gazeta, 26-maio-1962; e Idem, Folclore das..., 1971, p. 67.
Cerca de 3h20m do dia 5 de maio de 1979, perto de 30 pessoas completaram o circuito da dança, tendo-a executado
frente a cada cruz junto à porta das casas. Por essa hora da madrugada, terminaram a Despedida frente à última cruz
residencial e se dirigiram para a posição frente ao templo católico. Postados em alas com os instrumentistas na vanguarda,
cantaram quadras tradicionais:
Novamente cerca de 40 passos miúdos em ré, seguindo-se um avanço mais rápido em direção ao templo; novo recuo
menos longo; então os instrumentistas deram meia volta ligeira pela direita e imediatamente retornaram à posição anterior,
de frente para a igreja (alguns dos demais participantes acompanham essas meias voltas). Continuando, avançaram em
direção à porta da igreja, outra meia volta ligeira e logo virando para a posição normal; aproximaram-se do templo
fazendo às vezes brevíssimas pausas com inclinações de reverência, sempre executando as violas, os reco-recos e os
pandeiros. Chegados junto ao patamar da entrada do templo, tomaram a direção do cruzeiro central pela esquerda.
Todos postados frente ao cruzeiro, fizeram novos movimentos de recuo e avanço; até que os violeiros puxaram outra
quadra em dísticos:
Numa bacia de pedra
Maria lavou Jesus (ah!)
(Novos movimentos de vai-e-vem; ao avançarem fizeram breves inclinações do tronco, como em esboço de
reverências. Já próximos ao cruzeiro, terminaram a quadra:)
Em louvor do vosso nome
Festejamo o vosso dia (ah!)
Novos movimentos de recuo e avanço, depois recuo terminando com meia volta e retorno à posição para avançar em
direção ao cruzeiro, incluindo as pausas rapidíssimas à guisa de reverência. A seguir, deram uma volta pela esquerda para
chegarem frente à igreja. Aí cantaram a Despedida final:
Fizeram de novo o movimento de ré; depois avançaram com as rápidas inclinações; recuaram, deram meia volta
ligeira (acompanhados pelos demais) logo ficando de novo frente ao templo; avançaram até chegarem à posição inicial
próxima à porta, deram outra meia volta com retorno à posição inicial próxima à porta. Nessa altura, cada instrumentista
se aproxima dos degraus da entrada, tocando sempre; os que usam chapéu o tiram da cabeça, fazem o sinal da cruz e
beijam (ou fazem menção de beijar) o chão, no que são acompanhados pelos demais participantes, cada um por sua vez.
À medida que faziam essa mesura devocional, iam saindo pela esquerda e postando-se frente ao cruzeiro. De maneira que
todos ficaram novamente frente ao símbolo cristão do centro do pátio. Cantaram a Despedida ao cruzeiro:
Vamo dar por despedida
Como deu Cristo em Belém (ah!)
(Recuo e avanço. Completaram:)
112 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Vamos todos dar um viva
Até pro ano que vem (ah!)
Fizeram os últimos movimentos de recuo e avanço em relação ao cruzeiro, com a meia volta rápida e as reverências
de praxe ao se aproximarem do símbolo cristão. Finalmente, quando estavam próximos da cruz, os violeiros e demais
instrumentistas puxaram os vivas, que podem ser dados também por qualquer participante:
-Viva a Santa Cruz!
-Viva todos os devotos!
-Viva os festeiros!
-Viva Santa Catarina!
Respondendo-se em cada vez coletivamente: -Viva!
Eram cerca de 3h40m; havia terminado a cantoria de base religiosa da festa de maio de 1979.
Logo iniciaram a Roda final, na área entre o templo e o cruzeiro. Essa última Roda apresenta alguns pormenores
que não ocorrem em outras: é o que se chama Zagaia.
Formada a grande roda de homens por fora e mulheres por dentro, cantaram algumas quadras conhecidas. Antônio
Camargo tocando reco-reco, acompanhado de outros:
O violeiro Ataliba Costa Camargo cantou um dístico e em seguida uma das senhas da Zagaia:
A essa expressão, todos inverteram o sentido do movimento da Roda: os homens passaram a dançar conforme a
direção dos ponteiros de relógio e começando com o pé direito, enquanto as mulheres passaram a se movimentar na
direção contrária à dos ponteiros de relógio e começando com o pé esquerdo. Logo Ataliba completou a quadra:
Pra que ela nos proteja
Para sempre, amém Jesus
Olha a ponte caiu!
- Conheceu, papudo!
Depois desses momentos de lazer, novamente se postaram com seriedade frente ao cruzeiro para rezar em intenção
de companheiros falecidos e para cantar o Hino à Santa Cruz. Cerca de 4 horas da madrugada, terminaram, com novos
vivas à Santa Cruz, queima de fogos tipo “Caramuru” e todos se cumprimentando com apertos de mão e repetindo
invariavelmente:
- Até pro ano!
Terminada a última Roda e depois de soltarem alguns fogos de artifício e se cumprimentarem alegremente, os
participantes da festa de Santa Cruz se reuniram de frente para o cruzeiro e fizeram uma oração de encerramento em
memória dos devotos falecidos, na qual se destaca um bendito por eles denominado LenhoSagrado e Hino à Santa
Cruz, atualmente reservado para o fecho da comemoração. É formado por dez quadras e, como nem todos os elementos
lembram a letra integral, apenas a primeira e a última foram cantadas.
-Antigamente nós cantava também no último dia da novena, mas como ele é muito comprido, e não tem quase
ninguém que cante com a gente, então... Porque um ano que cantei junto com a Aninha, ela segunda voz e eu primeira
voz; foi um negócio, né. Mas depois não cantemo mais porque não tem quem ajude a gente. Esse hino precisa ter umas
quatro, cinco pessoa que ajude a gente cantá. – Ilydia Camargo.
Música:
Em junho, era costume antigamente arraigado – até cerca de 1950 – fazerem-se festas comemorativas dos três santos
do mês: Antônio (de 12 para 13), João (de 23 para 24) e Pedro (de 28 para 29); as festividades mais concorridas eram as
de São João.
Na época, a Aldeia ficava enfeitada com bandeirinhas de papel de seda colorido e arcos de bambu. Acendia-se pelo
menos uma fogueira, crianças e jovens preparavam balões, mulheres preparavam doces, todos tomavam providências
para a festa que era de todos, como se verifica pela narração de Ilydia Camargo sobre a Quadrilha que entrava pelas casas
Doc. 23
Canto da procissão para lavagem do santo
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo
Música:
Música:
7.3.1.1. “Sortes”
As “sortes” do ciclo junino, com considerável variedade, são conhecidas mais comumente por elementos do
sexo feminino de várias faixas etárias (as relacionadas abaixo nos foram comunicadas por moças e senhoras idosas,
principalmente em 1979). Associa-se a essas “sortes” o atributo que o povo dá a Santo Antônio, de santo casamenteiro, por
isso são tidas também como sortes de Santo Antônio – a serem feitas de 12 para 13 do mês – se bem que da mesma forma
podem ser praticadas na festa de São João, 23 para 24 de junho, o que em parte pode ser explicado pela circunstância de
essa data ser a mais comemorada. Sendo traços folclóricos com ocorrência em extensa distribuição geográfica, as “sortes”
não constituem fatos exclusivos da Aldeia de Carapicuíba.
Doc. 25
“Sortes”
Anotados na Aldeia de Carapicuíba, 1978 e 1979 (docs. a até f),
e gravado em São Paulo, 1979 (doc. g)
b) Da faca na bananeira
Enfiar a faca numa bananeira à meia-noite, diz que sai o nome do namorado na bananeira.
f) Da chave
Dorme-se com uma chave debaixo do travesseiro, para ver se sonha com quem vai se casar.
Obs.: Exclusiva para a comemoração de São Pedro.
g) Da imagem
Na noite de São João, durante a lavagem do santo, se a moça vir sua própria imagem refletida na água é sinal de
casamento no próximo ano.
O ciclo de junho é marcado, na cozinha típica, principalmente pelo quentão, bebida servida bem quente e quase
sempre em pequenas xícaras (as usadas para o cafezinho de todas as horas); à sua receita básica se podem adicionar
Doc. 26
Quentão
Receita de Eufrosina Andrade Camargo, falecida; usada na Aldeia de Carapicuíba,
décadas de 1960/1970
Doc. 27
Quentão
Receita de Alayde Camargo Bernardo; anotação na Aldeia de Carapicuíba, 1979
Ingredientes: 1 copo e meio de água; 4 cravos; 2 pedaços de canela em pau; 3 rodelas de limão sem casca; alguns
pedaços de gengibre; açúcar à vontade; 2 copos de pinga.
Preparo: Fazer uma calda rala, e se necessário acrescentar mais água; adicionar os outros ingredientes. Retirar do
fogo e adicionar os dois copos de pinga; deixar ferver mais uma vez. Servir quente. Depois de pronto, a panela onde o
quentão se acha deve permanecer tampada.
7.3.2. Danças
Nas festas de junho era costume dançarem-se Cirandinha, Cana Verde, Chimarrete, Quero Bem, Venha Dois e outras
manifestações da lúdica folclórica do interior sul do estado de São Paulo; além do Tiu-tiu-tiu-tá (parece que de origem
215
- J. Japur dá oito variantes de quentão, Cozinha;..., 1963, p. 81/82. A receita básica inclui apenas água, açúcar, gengibre e aguardente, como consta em Francisco Damante,
O bom do povo, citado por L. C. Cascudo, Dicionário..., 1954.
7.3.2.1. Quadrilha
As informações sobre como era feita essa dança na Aldeia se acham no depoimento abaixo.
Doc. 28
Quadrilha (entrevista de Ilydia Camargo)
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979. O marcador a que a informante se refere era
Francisco Margarido de Camargo, seu pai, falecido em 1959
-Quem sabia marcá era meu pai. Atualmente não tem quem marque, porque as Quadrilha feita hoje em dia, que é
feita no Grupo (Escolar) é tudo diferente.
-Diferente como?
-Diferente. Eu dancei muita Quadrilha, meu pai marcava Quadrilha, que era um negócio! (Lembrando:) “O centro”,
“Balancê”, “Tur”. Depois otra vez “O centro!”, “Balancê com as damas na frente e o cavalhero atrás”. Depois dizia
assim: “Tur” com o par da frente. Então dizia assim: “Roda de dois!”, a gente ia rodando, de braço. Depois dizia assim:
“Dama na frente e cavalhero atrás”. Depois dizia assim: anh, “Sombra de dama”, então os cavalhero punham a mão na
cabeça da dama; depois a gente voltava a mão atrás assim, e os cavalhero punha as mãos na mão da gente. (Pausa). Esse
me esqueci. Depois: “Vira-vorta!” a gente passava assim, o cavalhero ficava na frente (invertendo a posição com a dama
que lhe estava à frente). Depois tem “Mão esquerda com esquerda”, a gente punha assim, e dizia: “Segue o granchê”;
então a gente ia passando aqui, aqui, mão com cavalhero (fez gestos do zigue-zague e movimentos do “garranchê”),
dama com cavalhero, dama com cavalhero, dama com cavalhero, dama com cavalhero, até chegar no par da gente.
Então dizia: “Balancê com seus par!” Aí a gente ficava, faz a marcação de passos no mesmo lugar, que é o “balancê”.
Mas eu esqueci muita coisa. (Pausa). Depois tem a “Cobrinha”; depois, então depois diz assim: “Roda de cavalhero por
fora e as dama por dentro”; então vai, os cavalhero segue à esquerda, as dama segue à direita. Então vai (até encontrar
o par respectivo). Depois diz assim: “Janela de macaco”; então os home fica assim (cavalheiros seguram-se as mãos e
cruzam os braços na altura do queixo das damas); depois diz assim: “Janela de dama” (idem invertendo posição com
as damas). Depois diz assim: “Estrela de dama” (damas por dentro continuando braços cruzados). Depois diz: “Segue o
passeio”, daí a gente segue; depois dama com dama; cavalhero com dama, pega a mão. “Vem em roda”. Depois assim:
“A cobrinha!” então o cavalhero pega qui (a mão), vai dançando, vai fazendo zigue-zague, vai fazendo zigue-zague
(participantes emfila única, seguros pelas mãos, tendo o “marcador” à frente) vai fazendo zigue-zague mas sem fazer
roda. Então meu pai, se tinha uma casa aqui meu pai saía pro quarto, do quarto virava, do quarto ia pra cozinha, da
cozinha virava, ele ia na sala, da sala ia pro quintal, virava por lá depois entrava pra cozinha, pra saí pra dançá; tudo
quanto era lugar; meu pai ia na frente.
-Pandero.
-Quem tocava pandeiro?
-Olha, isso não me alembro quem tocava pandero. Se não me engano era Dito da Nhá Brasília; já faleceu também.
Conhecido por Dito da Nhá Brasília.
-Além do pai da senhora, alguém mais marcava Quadrilha?
-Não. Só meu pai.
-Ele faleceu quando?
-Faleceu em 59. No dia que começô a novena, de tanto que ele gostava da festa de Santa Cruz, que ele faleceu no
primeiro dia da novena de Santa Cruz, que foi dia 24 de abril, que foi a turma dos Formiga que foi festeiro. Eles viero
na Aldeia, fazê a novena, depois passaro na casa da minha irmã na Rua Pinheiros, que o corpo do meu pai estava lá.
-Mas daí para cá continuou havendo Quadrilha na Aldeia, ou não?
-Não. Agora tem Quadrilha nas festinha das crianças, joanina, na Aldeia, mas é muito diferente.
-Por que a senhora acha que é diferente?
-Diferente porque meu pai marcava uma Quadrilha muito bonita.
-Mas em que é diferente?
-Diferente é que tem muita coisa que na Quadrilha do meu pai não tem esses que tem hoje. Que nem dizê “as dama
vai cumprimentá os cavalhero”. Não, a Quadrilha do meu pai não tinha isso.
-Com quem ele aprendeu?
-Home, isso não sei. Nós saímo dançá Quadrilha, ele marcava Quadrilha e todo mundo dançava, e era muito bonito.
E todo mundo: Ah, Chico não vai embora sem marcá Quadrilha! Papai tinha que marcá Quadrilha.
-Além da Quadrilha tinha alguma coisa mais nas festas?
-Não.
-Antes da Quadrilha não tinha...
-Tinha baile.
-Baile? De quê?
-Sanfona. Baile de... rastapé.
Em meados de setembro, realiza-se na Aldeia de Carapicuíba outra festa de caráter religioso-popular: a de Santa
Cruzinha216 , que se pode considerar uma repetição da grande festa de 2, 3 e 4 de maio, mas agora em menores proporções.
A festa em si se efetua ou no dia 15 ou num sábado e domingo próximos. Em linhas gerais, as características desta festa
de Santa Cruzinha são as mesmas das de maio, inclusive com a dança de Santa Cruz (são as duas ocasiões em que o
Sarabaguê é feito – maio e setembro – apenas se notando uma amplitude menor da comemoração de setembro).
O programa parece não seguir um padrão como na festa de maio: em medidas variáveis, geralmente é encimado
Obs.: Essa foi a quadra de abertura da primeira Roda, a qual geralmente guarda sentido religioso.
* - O participante dobrou a sílaba or, fazendo com que o verso se ajustasse à costumeira redondilha maior: A maio-
or alegria. O procedimento se repete: Um amo-or verdadero; Ele-e pinta o sete.
Doc. 30
Saudação (frente ao cruzeiro)
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 16 de setembro de 1972.
Obs.: Entre um dístico e outro os participantes afastam e recuam, com palmas ritmadas
Entre os diversos traços da cultura popular da Aldeia de Carapicuíba, no campo material se inclui o abrolho, que
nossos informantes dizem ser coisa dos mais velho: hoje não se faz mais. Era um artesanato baseado em saco de algodão
branco que ia sendo desfiado e, a partir desses fios, se formavam soluções que lembram flor, teia de aranha, zigue-zague
etc, baseando-se em amarrar fios. Tem sentido decorativo. O abrolho ou amarrado de toalha é de origem portuguesa.
Dos traços linguísticos que registramos, alguns não apresentam maior novidade sendo regionalismos conhecidos; ao
lado de outros, próprios do local estudado.
130 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Linguagem
No falar de nossos informantes, principalmente os de faixa etária mais alta, às vezes se nota este ou aquele traço
de linguagem caipira, como: troca do l por r (Ardeia por Aldeia); intercalação do i eufônico formando ditongo com
vogal tônica seguida de s ou z (nóis faz); redução de ditongos (cavalhero, festero, picô por picou); uso frequente de
flexão verbal no singular em lugar do plural (nóis vai, os verso que nóis canta é assim); queda do s como morfema de
plural ficando a pluralidade determinada pelo artigo ou pelo adjetivo (Ajudai os seus devoto); queda do l e do r final
em oxítonas (fazê, Juvená), e outros – de resto fenômenos comuns especialmente na fala interiorana de São Paulo217.
Todavia, as características linguísticas que se poderiam chamar caipiras não são notadas em elementos jovens da Aldeia
e arredores, ainda que filhos de portadores daquela linguagem e participantes das tradições locais.
No documento seguinte estão agrupados alguns fatos linguísticos registrados nas conversas com elementos de cultura
folk da Aldeia e arredores.
Doc. 32
Frases-feitas e ditados
Gravado e anotados na Aldeia de Carapicuíba e arredores, 1978/1979
a) Fulano está que nem anu no arame – referindo-se a pessoa embriagada, que fica balançando pra frente e para trás.
b) Fulano morre cherando o joelho – referindo-se a pessoa muito pobre; porque pobre dorme encolhido.
c) Fulano pra mim é criança de honte – significando que a pessoa citada é jovem em relação a quem fala.
d) Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga – trabalhar com fé é mais garantido que afobar-se.
e) Nóis bebia uma pinga sentida – bebia muito.
f) Pra encontrar com o diabo não precisa madrugar – usado quando se cruza com alguém indesejável.
g) Quanto mais a gente se abaixa mais a bunda aparece – significando que quanto mais atenção se dá aos outros
mais se recebem provas de ingratidão.
h) Trazer (alguém) no riscado – controlar o comportamento (de alguém).
i) Umas par de veiz – diversas vezes.
Nomes e apelidos
Nas formas de nomear pessoas, pode-se notar o relacionamento vicinal que caracteriza a vida na comunidade da
Aldeia, como em tantos grupos humanos, na sociedade industrial, que apresentam fortes relações sociais. Os informantes
mais velhos, via de regra, têm apelidos e se recordam de apelidos de pessoas falecidas – soluções especiais de denominação
- Diversas dessas variantes prosódicas do linguajar interiorano paulista podem ser explicadas como influências da língua dos tupi-guarani, fixadas principalmente durante
217
cerca de dois séculos em que foi largamente utilizada no planalto de Piratininga, como coloca com exemplos Plínio Ayrosa lembrando ocorrências fonéticas vulgares que
se podem encontrar sem violência alguma no esquema geral da fonética e prosódia tupi-guarani; Estudos tupinológicos, 1967, esp. p. 21/25.
Um estudo abrangente do linguajar interiorano e popular de São Paulo é o efetuado por Amadeu Amaral, O dialeto caipira, 1955.
Doc. 33
Apelidos
Anot. na Aldeia de Carapicuíba, 1978/1979
b) Benedito Roseta – Benedito de Tal, falecido; era mameluco e se notabilizou pela ligeireza. O Roseta advém do
nome de peça de ferro colocada na ponta da vara usada para tanger gado, vez por outra utilizada por ele como arma ou
como recurso de intimidação.
c) Lula – Luís Camargo Tolomy, falecido. Apelido derivado do nome. Tocava pandeiro na dança de Santa Cruz.
d) Mimi – Antônio Camargo, nascido na proximidade do dia 13 de junho. Apelido afetivo que o próprio informante
não sabe explicar.
f) Nhô Zé Mimi – José Adelino de Andrade. A forma aférese-apocopada Nhô Zé é comum para Senhor José
demonstrando certo respeito. O Mimi é apelido com que sua mãe se tornou conhecida, ficando Zé da Mimi quando era
jovem, logo reduzido para Zé Mimi (portanto um patronímico); a anteposição do Nhô se deu posteriormente.
g) Nhô Gílio – Virgílio Avelino de Jesus, falecido. Foi violeiro e capelão afamado. Por aférese.
h) Pai-Faca – Benedito da Conceição, descendente de índios. Assim chamado por ser arruaceiro e andar armado com
faca.
218
- A. Cândido registrou patronímicos e matronímicos em Bofete-SP: A vida familiar do caipíra, Sociologia16(4), 1954; reprod. em Os parceiros..., 1975, p. 241/143.
l) Xiru – Benedito da Cruz, descendente de índios, falecido. Proprietário de sítio nas proximidades da Aldeia.
Topônimos populares
Persistem vários nomes populares dados em tempos passados a certos locais, vias e acidentes geográficos na Aldeia
e suas proximidades. A começar pelo antigo caminho que liga a cidade de Carapicuíba à rodovia Raposo Tavares, de
longa data conhecido como Estrada da Aldeia, denominação de origem popular que chegou a ser formalizada pela
municipalidade, mas que, atualmente, recebe outro nome oficial, sem ocorrer esquecimento do popular. Alguns locais,
bairros (que foram bairros rurais, não confundidos com os bairros atuais urbanos do município) e vias públicas estão em
situação semelhante, às vezes conservando a denominação e outras vezes sobrepondo-se-lhes um nome oficial. Neste
caso de dupla denominação – a popular e a nova, oficial – pode ocorrer a prevalência da nomenclatura popular e na prática
a quase completa ignorância da oficial, ou a coexistência de ambas, mas também pode vir o esquecimento da popular
em favor da oficial. A intensa urbanização pode provocar mudanças em topônimos até pela perda do fator funcional que
originou antigos nomes, como por exemplo Bairro das Paneleiras, Rio do Xiru, Tatu; entretanto outros se enraizam de
tal modo no uso coletivo que mesmo com o desaparecimento de sua justificativa continuam prevalecendo: Biquinha (que
antigamente chegava a abastecer os habitantes), Estrada da Aldeia.
A praça determinada pelos quatro lances de construções simples é conhecida por pátio da Aldeia; um significante
incomum em São Paulo e no Sudeste, ainda que mais frequente em cidades do Nordeste brasileiro, refletindo permanências
lusas.
Nem todos os topônimos populares listados no Doc. 34 são de conhecimento de nossos informantes; estão nesse
caso o Rio da Madame, a Ponte doJoaquim Paz, o Puchio, denominações que vários entrevistados desconhecem.
Evidentemente, desnecessário indicar que os mais jovens avultam nesse caso (Anexo 10).
Doc. 34
Topônimos populares
Anotados na Aldeia de Carapicuíba e arredores, 1978/1979
a) Bairro das Bairro onde residiam e traba- Por ter sido local de produção
Paneleiras lhavam oleiras, próximo da de louça de barro, queimada
Fazendinha em forno escavado em barranco.
Com arruamentos atuais, o
o nome foi esquecido
c) Estrada da Via asfaltada que liga a sede Um dos mais antigos caminhos
Aldeia do município à Aldeia e, em estabelecendo ligação entre a
continuação, à divisa com Aldeia e outros lugares. Nome
Cotia (prosseguindo até a alterado pela lei mun. 372, 9-
via Raposo Tavares) janeiro-1975, para av Inocêncio
Seráfico (homenagem a esse
proprietário de terras no município)
da sua sede até a Aldeia; daí até a
divisa com Cotia continua sendo
Estrada da Aldeia (Planta de 1974*).
O nome permanece na prática
d) Estrada Ve- Via de terra batida que par- Caminho antigo que conduzia a
lha de Cotia te da Aldeia em direção su- Cotia. Nome alterado pela lei
ou Estrada deste levando à Granja Via- mun. 395, 13-novembro-1975,
de Itu na (mun. de Cotia) e rod. para Estrada João Fasoli (home-
Raposo Tavares; também nagem a esse imigrante e dono
chamada Estrada da Aldeia de terras no local. Ambos os
nomes coexistem
i) Ponte Grande - -
l) Rio da Fazenda Pequeno curso dágua ao norte Havia fazenda no local. Consta na
da Aldeia, atravessando a Es- Planta de 1974* como rio da Fa-
trada da Aldeia zenda Velha
n) Rio do Xiru Pequeno curso dágua a leste Por extensão, do apelido de pro-
da Aldeia; é outro nome de prietário de terras no local. Nome
rios citados acima em esquecimento
o) Rua Sacramento Via que sai do largo da Al- (Não consta na Planta de 1974*)
deia em direção oeste
p) Rua Santa Catarina Via que sai do largo da Al- Homenagem ao orago da igreja.
deia em direção nordeste, Oficialmente alterado para rua
até o local chamado Xiru Miguel de Camargo
- Causo é que inventam, como inventam por exemplo causo de um português, de um caipira, uma coisa; agora assombração é outra coisa que quase imita mais o meno
o causo, né.
As narrativas lendárias – denominadas genericamente assombração pelos informantes – constituem formas ditas e ouvidas com respeito, baseadas na credulidade que lhes
atribui a a condição de fatos acontecidos, mesmo que não presenciados pelo narrador; daí a tentativa de Ilydia Camargo no sentido de distinguir causo de assombração.
No exemplo da lenda do Cavaleiro ligeiro diz a informante Alvina da Silva Costa que “-Ninguém num viu o Cavalero, porque tinha medo”, mas aceitavam que ele existia
de fato; enquanto Ilydia afirma sobre outra narrativa lendária: “-Esse não é causo, é coisa acont... é verdadero, assombração!”
Citando Van Gennep, lembra Renato Almeida a conveniência de se manejar a classificação de narrativas populares “conforme o meio ou a circunstância, segundo a
maneira pela qual atua”; Inteligência..., 1957, p. 54.
Doc. 35
Assombrações na Aldeia
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Lucas Dias (entrevista)
-Eu vi, quantas vezes eu vi... (ruído de caminhão passando encobre a voz). O cavalo vinha correndo que nem cavalo
manga-largo, né, pac-tac, pac-tac; a gente escuitava, pac-taca, pac-taca. Chegava aí, cabava.
Porcissão, saía daquela catacumba porcissão, i vinha quelas luzalada tudo acesa. Daí a gente enxergava quando
vinha. Quando chegava aí apagava. Não se via mais. Eu vi umas par de veiz aí.
Batê o sino aí. Socá na igreja eu vi.
-Como se explica isso de assombração?
-Ah, isso não sei.
-E lobisomem?
-Lobisome tinha, lobisome é gente. Lobisome; quarqué, eu, você, ele pode sê lobisome. (Risos).
-Como a gente faz para ser lobisomem?
-Eu não sei. Os mais velho conta que... Diz que seis, sete filho, o úrtimo diz que é lobisome. Falam, não sei, eu não
poso dizê; os mais velho fala isso, né, falava. Agora eu não sei. Lobisome é gente.
-E o saci?
-Saci não sei; eu nunca vi isso aí.
220
- Não foi localizado o motivo na sistematização de Stith Thompson, Motif-index..., 1966.
-O cavalero que vinha até ali no coquero perto da casa do Belisário, dali vortava, né. Não passava dali pra lá*.
Ninguém nunca pôde vê o cavalero, via só que … aquilo que vinha mesmo numa pressa...! Chegava até ali, pra cá do
coquero, dali sumia. Ele corria na Estrada de Itu até perto do pátio, e logo voltava. A gente fechava tudas porta; mas
não fazia mal pra ninguém.
Aqui, chegava a Ave Maria nem criança saía pra brincá, tudo pra dentro. Ninguém nunca viu o cavalero porque
tinha medo, mas ele passava ligero.
Doc. 37
A reza na igreja
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo
-Os três cavalero vinha vindo... Era gente do Juca Vitório; se não me engano vinha um do Nhô João da Cruz vinha
junto; não sei se era Nhô João da Cruz, quem é que era. Lá no arto, vinha vindo os três cavalero de lá. Era mais o meno
dez hora, dez e poco mais o meno. Intão um falô pro otro assim:
-Ôh, a igreja tá aberta, tem reza; vão depressa, nóis arcançá a reza.
Chegaro na Ardeia, marraro o cavalo no coquero, entraro na igreja, tiraro o chapéu, olharo: tudo gente estranha,
tudo branco, tudo empanamado!! Aí disse que levantaro diss’: -Sai daqui qu’essa reza não é pra voceis!
E bateu a porta da igreja.
(Complemento:)
-O Zezinho, do seu Domingos... o Hermindo tinha venda ali na esquina, né, o Zezinho do seu Domingos agora nessa
festa com esse pessoá do Sebastião festero, ele pegô contô p’os filho dele, e ele veio c’os filho dele perguntô pra mim:
Nenê, você lembra do causo dos cavalero? Falei: Alembro. Disse: Intão, eu conto pr’o meus filho, meus filho pensa que
é mentira. Falei: Não; verdade. Isso é verdade!
Agora, eu não cheguei a vê! Mas tinha gente que chegava, contava que isso é um causo verdadero.
Mimi: - Os antigo, eu via conversá na venda aí, que lá do arto – era tudo campo aqui, não – quando era dez/
onze hora da noite um pessoar vinha vindo a cavalo, disse: -Ôh, hoje tem missa na Ardeia, tem reza na Ardeia, vamo tocá
depressa os cavalo. Chegava ali no pátio...
Lucas: -Ah, esse ‘cê tá falando sabe quem é?
Mimi: -Anh?
Lucas: -Você chegô conhecê mal-e-má aquele Filia Cianinho?
Mimi: -Anh, pai da Nhá Marcelina, né!
Lucas: -É, isso. Ah, aquele quando veio de lá, ele trabalhava, ali regulano par’ce qu’umas nove/dez hora não
sei, qu’ele veio, diz que tava aberta a igreja – eles contam, né.
Mimi: -Ele entrô na igreja, né.
Lucas: -Não entrô; ele chegô na porta da igreja, aí diz que veio uma de lá, levantô e veio, um, e disse assim:
-Você vai embora porque aqui é reza de mórto, não de vivo.
Diz que ele fastô da porta da igreja, assim contam, não sei – fastô e a igreja fechô.
Mimi: -Isso ovi falá.
Doc. 39
Assombração do cavaleiro
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo (presente também Alvina da Silva Costa)
-Dos três tamém, dois que saiu aqui, Alvina. Era gente dos Vitório, sempre era gente dos Vitório.
A gente escutava isso sempre quando morria anjinho aqui na Ardeia; saía muito causo, muita anedota.
Intão foi dois cavalero indo daqui pra lá*. Quando chegô ali, um cavalero arcançô eles, i quando aquele cavalero
arcançô eles, o chapéu deles cresceu, cabelo ohrn!** Aí cresceu. Eles conversava e o cavalero não conversava; descia
quieto. Intão ali na Granja Velha, tinha aquele triinho que subia nos Laia, né. Bão. Intão tinha aquela água pra passá
ali, pa passá a pé a gente tinha a pontinha; i pa passá a cavalo passava p’ dentro do rio, né. Bão. Os dois cavalero
passô p’o meio da água; aquele não passô p’ meio da água, já sperô lá na frente, já passô. Aí já foi mais o meno assim.
Agora – eles falaro – pra nóis i pra cá, o cavalero acompanha. Intão vamo subi esse triinho aqui, ele não acompanha
nóis, nóis vão pará no João Puri.
Quando eles subiro naquele triinho que ia pra lá no Laia deu um pé de vento, Alvina, um pé de vento qu’ quase
derrubaro eles! Correro e entraro num ranchinho de Nhô João Puri. Quando eles descero do cavalo entraro no ranchinho
Doc. 40
Lobisomem
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo (presente também Alvina da Silva Costa)
Ilydia: -Lobisome eu... Diz que existe; existia, agora não existe mais. A gora lobisome é gente Mas que gente que
não é batizado, né. Gente que não é batizado.
Agora lá em Pinheiros nós moramo na rua Alvarenga, vizinho de um senhor que era lobisome. Ele saía, os filho
contava que ele saía... cinco pa meia-noite ele saía, né; e depois vortava, às veiz vortava c’a ropa tuda rasgada, o dente
tudo cheio de coisa assim, né. I aquela sina, aquela missão qu’ele tem pra cumpri. I aqui na Ardeia memo tinha um que
contô, que correu. Antigamente usava essas saia de baeta, né, i vinha vindo o lobisome, e a moça correu trepô na portera,
e o lobisome pegô, começô linhá aquilo dela, e ficô quelas coisa da saia dela no dente dele. Otro dia eles conhecero quem
era a pessoa que era lobisome, que tava c’o dente tudo cheio daquelas coisa da saia dela.
(Complemento:)
-Qual é a sina do lobisomem?
A sina do lobisome diz que é sete ano que tem que cumpri. Mas agora hoje em dia já não tem mais nada disso.
Alvina: -Ah! Agora não tem mais nada.
-Por que?
Ilydia: -Progresso, né! Tudo mudando, pessoas mudando.
Alvina: -Sabe morre, algum muda.
Doc. 41
O japonês empanamado*
Anedota gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo
-O japonês levô a mulher no médico; ela tava doente, levô no médico. E a mulher todo dia trabalhando, sarô, ficô
boa; o marido ficô branco, empanamado*, que não podia nem pará em pé. Branco, empanamado* o japonês. Então vai
um conhecido dele chegô pra ele falô:
Doc. 42
Fábrica de gente
Anedota anotada na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ítalo C. Camargo
-Era um home que trazia a filha no riscado, e ela não sabia nada. Uma vez, estavam passando em frente um motel,
e a moça perguntou:
-Papai, o que é isso aí?
-Ah, isso é fábrica de criança.
Daí, noutro dia ela foi com uma amiga e as duas viram um home comendo uma mulher por trás. Quando voltou pra
casa disse:
-Papai, eu estive naquela fábrica de gente, e vi um home que tinha acabado de fazer uma mulher, e estava torneando
o cu.
Doc. 43
O moço que casou
Anedota anotada na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo
-Um moço casou e o pai recomendou que se portasse direito na noite de núpcia, sem fazer barulho porque todos iam
ficá escutando por curiosidade. Mas de noite o filho:
-Paiê!
Nada
-Paiêêê!
-O que foi?
-Paiêêê.
-O que foi, meu filho?
Nada. Até que uma hora chamô de novo lá do quarto donde estava
-Paiêeêê!
Doc. 44
A história de São Pedro
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo. Obs.: O registro desta narrativa foi dos mais problemáticos,
pois os informantes se negavam a dizê-la; a própria informantes ao se dispor a contar
a história ainda negaceou, alegando ser uma história muito feia
-A história de São Pedro a minha mãe que contava; que o culpado de as buceta das mulhé fedê é o São Pedro.
Porque São Pedro andô com uma penca de buceta pra colocá nas mulhé; intão, ele cansô e dexô as penca na cerca de
arame. Quando foi no otro dia ele pegô, falô assim:
-Puxa vida! Esqueci de colocá as buceta nas mulhé Como é que eu vô fazê?
Aí quando ele chegô, tava tudo fedendo! E ele pegô diss’:
-Ah! Mas eu já comprei... Mas eu já comprei... já tinha que colocá essa, eu vô colocá fedeno mesmo.
Então foi agora as buceta disgraçuda fede por causa, culpa de São Pedro! (Risos).
Doc. 45
Perguntas
Gravado e anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informantes: Ítalo C. Camargo e Ilydia Camargo
a) O que é que
nasce na terra
e mora na água.
Se voltar na terra apodrece?
(Canoa)
b) Um camarada tinha cinquenta e uma vacas. Ele foi contá no dia seguinte, tinha cinquenta e dois bezerro,
e nenhuma deu dois bezerros. Como apareceu um bezerro a mais?
(Uma das vacas se chamava Nenhuma)
c) O que é que
tem coração na ponta do rabo?
(Cacho de bananas)
d) O que é que
i) A filha é verde
a mãe é encarnada;
a filha é mansa
a mãe é braba
(Pimenta)
j) A mãe é mansa
e a filha é braba
(Raiz de sapê; por causa
do espinho)
l) É comprido e é branco;
tem pavio que nem vela
e não é vela
(Mandioca)
m) O que é uma coisa
que entra duro
e sai mole pingando?
(Macarrão)
p) Pé redondo
e rastro comprido
(Carro; carro de boi)
t) O que é que
o pires falou pra xícara?
(Ai, que bundinha quente!)
Uma prática muito em voga antigamente na Aldeia de Carapicuíba era a do muchirão (palavra mais comum entre
nossos informantes) ou mutirão221. Como já estudado, trata-se de uma forma de ajuda vicinal, caracterizada pela
participação desinteressada e livre de pagamento, mais comumente em trabalho agrícola ou de barrear casa de pau-a-
pique (mas podendo ter outros objetivos). Registra-se como agradecimento o beneficiado servir, à noite ou durante o dia,
as necessárias refeições aos seus colaboradores. Na Aldeia era muito frequente servirem-se café e canjica, ou virado de
feijão com arroz, leitão assado, arroz-doce. Nos trabalhos coletivos na roça era costume cantar-se em coro a duas vozes;
entretanto nossos informantes não se dispuseram sequer a uma tentativa de reconstituição, alegando faltarem pessoas para
formar o conjunto.
Promessas eram comuns quando da aproximação de festas cíclicas. Uma das práticas ligadas à religiosidade era a de
as mulheres fazerem promessa de limpar (varrer, lavar, juntar todo o material inservível) o pátio e especialmente o adro
da igreja, e depois entrar no templo descalças.
Quando havia velório, cantava-se uma reza que tinha por estribilho:
Meu Anjo da Guarda
Bem aventurado
Eu sempre convosco
Meu Anjo
Me tenho guardado
Esse é apenas um fragmento da recitação cantada. Depois de ter sido levado o defunto, era costume varrer a casa e
jogar o lixo na direção tomada pelo cortejo fúnebre222 . Nos sete dias seguintes, se rezava o terço na residência do falecido,
em dedicação à sua alma.
Tais práticas se acham em desuso, bem como o batismo após a morte, estranho costume (doc. 47) sobre o qual não
encontramos referência bibliográfica.
Doc. 46
Mutirão para serviços de roça
Informação escrita, 1979, de Alayde Camargo Bernardo e relativa aos decênios de 1920/30, quando a informante
(criança e jovem) frequentava a Aldeia de Carapicuíba com a família
Para fazer farinha de mandioca: casa do velho Jeremias. As pessoas iam chegando às 7h, trabalhavam, contavam
causos, durante dias até terminar o trabalho.
221
- Sobre essa forma de ajuda mútua, ver P. Ayrosa, Rev. do Arquivo 1(2); Idem, Estudos..., 1967, p. 103/109; A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 67/71 e 126/129. Por sua
vez, A. G. Cunha inclui o termo em seu Dicionário..., sem todavia indicar se o étimo é tupi. E. Willems estuda o mutirão em Cunha..., 1947, p. 34/40 e 165.
222
- Em Cunha, Emílio Willems registrou: Imediatamente após ter ‘saído o enterro’, limpa-se a casa toda, mas em vez de varrer o cisco para os fundos, atiram-no pela porta
da rua; Cunha..., 1947, p. 125.
Doc. 47
Batismo após a morte
Gravado em Carapicuíba, 1979; entrevista com Ilydia Camargo
-Os padrinho vão dia 2 de fevereiro, que é dia de Nossa Senhora das Candeias, vão batizar no cemitério. Vai o pai
e a mãe, e leva os padrinho, e batiza a criança no cemitério conforme ele tá batizano a criança viva; pra criança não
ficá pagão.
-Não vai padre?
-Não, não. Eles têm um livro no catecismo, que ensina como é que a gente batiza a criança.
-Que livro é esse?
-É o catecismo antigo.
-Costuma ainda hoje ou não?
-De hoje, esses tempo pra cá não tenho escutado mais ninguém que faça isso. Antigamente sim; a religião antigamente
era outra.
-Outra como?
-Era mais... a gente tinha mais, a pessoa mais católica, criada mais aquela coisa... a religião era mais... não sei
como vô dizê; era firme, a religião mais firme, o catolicismo era otro.
Como se sabe, remédios caseiros assumem grande importância em populações menos integradas a padrões de cultura
erudita, até porque muitas vezes eles constituem o único recurso disponível para a cura desejada. Isso explica, em poucas
Doc. 48
Chás caseiros
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
das informantes Alcina da Silva Costa e Ilydia Camargo; gravado em São Paulo, 1979,
do informante Belisário Camargo Júnior
Os chás caseiros são feitos misturando-se geralmente folhas ou ramos da planta com água e levando ao fogo para uma
fervida, após o que se toma; ou também se pode guardar para tomar em doses. Não é costume usar açúcar.
Ingredientes: três copos dágua, três gotas de alho sativo, três gotas de acónito (Aconitum napellus) e três gotas de
beladona (Atropa belladona).
Modo de preparar: misturam-se os ingredientes na água e deixa-se em vasilhame, em infusão. Toma-se uma colher
(de sopa) a cada hora.
Indicado para curar resfriado forte, gripe, febre.
Doc. 50
Chá de mexerica com mel de abelha*
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979; informante: Ilydia Camargo
Doc. 51
Chá de laranjeira**
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979; das informantes Alvina da Silva Costa e Ilydia Camargo;
gravado em São Paulo, 1979, do informante Belisário Camargo Júnior
** - Trata-se e uma infusão com uso de aguardente, porém os informantes a denominam chá, com tratamento igual
aos preparados em que se usa água para ser fervida.
8.5. Culinária
Até meados do século XX, os habitantes da Aldeia de Carapicuíba incluíam em seus hábitos alimentares vários pratos
regionais paulistas. Já fizemos referência ao pastel de farinha de milho que era especialidade de Albertina Pereira Leite
na festa de Santa Cruz, e aos doces da quituteira Vitalina de Tal, do Embu e que se deslocava para a Aldeia em época de
festa. A bebida pau-a-pique, a gemada para os instrumentistas da dança de Santa Cruz em maio e setembro, o arroz-de-
suã, a carne e a gordura de porco, a rabanada, o camarão de água doce, o lambari frito, a batata doce em calda, o camburu,
o pixé, a paçoca de carne – são outros componentes da dieta cotidiana ou cíclica do local e arredores em outros tempos e
que em grande parte caíram em desuso224 .
CUSCUZ - Entre os pratos anteriormente muito apreciados figurava o cuscuz paulista, feito em cuscuzeiro de barro225
(confeccionado por oleiras do chamado bairro das Paneleiras, situado a oeste do largo da Aldeia). Trata-se de peça
encontrada, com suas feições gerais, em outras regiões produtoras de “louça de barro” – a parte inferior (chamada
bunda do cuscuzeiro), destinada a conter água e tendo apenas um orifício para essa finalidade; e a superior (boca do
cuscuzeiro) destinada a abrigar e cozer o cuscuz, e ligada à outra por vários furos de pequeno diâmetro que têm a função
de deixar passar o vapor dágua que completa o cozimento. Sendo assim uma peça inteiriça, obrigava o recurso de se
colocar previamente um guardanapo no receptáculo destinado a cozer a massa (o cuscuz), o qual era indispensável
na hora de virar o cuscuz, isto é, retirá-lo sem precisar literalmente virar o próprio cuscuzeiro (ver receita de cuscuz,
adiante). As mulheres ou os jovens subiam pelos riachos das proximidades mariscar camarão de água doce e lambari,
ingredientes desse prato; e por ocasião da Semana Santa a gordura de porco era substituída por óleo vegetal, obedecendo
a preceitos católicos. Hoje, não apenas o cuscuz deixou de ser feito com a frequência de antes, mas camarão e lambari
nem se encontram mais, que os riachos ou secaram ou estão poluídos226. Outro preparado de todos era a paçoca de carne
224
- Na bibliografia consultada não localizamos registros de batata doce em calda, rabanada, camburu e pixé (este com o significado anotado na Aldeia).
225
- Há dois tipos de cuscuzeiro popular e artesanal: um com duas partes sobrepostas formando uma só peça – a parte inferior que é a panela onde vai água para ferver, e a
forma situada acima da panela e que contém o cuscuz. A altura total varia entre 20 e 30 cm. O outro tipo se resume na forma para conter a massa (seu uso depende portanto
de outro vasilhame onde se coloca água). De acordo com nossos informantes, na Aldeia deve ter sido conhecido o cuscuzeiro de duas partes sobrepostas.
226
- Jamile Japur afirma que antigamente preferia-se o bagre para o cuscuz, podendo levar ainda farinha de trigo em vez da de mandioca, que aparece em nosso doc. 53. O
cuscuz foi desde muito tempo um dos pratos de relevo da cozinha paulista, conforme essa autora; Cozinha tradicional..., 1963, receita nas p. 38-39, considerações nas p.
28-29.
227
- J. Japur dá duas receitas de paçoca de carne, em que entra torresmo e diz ser esse prato sempre acompanhado de banana; Cozinha tradicional..., 1963, p. 44/45. Alceu
M. Araújo inclui a paçoca de carne seca entre pratos típicos de Minas Gerais, Folclore nacional, v. III, p. 225; e Bariani Ortêncio dá receita integrando A cozinha goiana,
1967, p. 217, confirmado por Regina Lacerda, Folclore..., s/d, p. 48/49.
228
- Anchieta registra: Na primavera, isto é, em Setembro, si o sol está quente, soltam os enxames, quase sempre no dia seguinte ao de chuva e trovões (…). Porém na occasião
da sahida dos buracos, as comem as aves e os indios que anciosamente aguardam esta época, tanto os homens, como as mulheres; abandonam as casas, partem, correm
com grande alegria e satisfação, para colher os novos fructos, chegam à entrada dos buracos, e enchem de agua as pequenas covas que abrem, e ahi ficando se defendem
do furor dos paes, e apanham os filhotes, ao sahirem dos buracos, e enchendo as suas vasilhas, com certeza algumas grandes cabaças, voltam para casa, torram ao
fogo em panella, de barro, e comem, torrados, porém conservam-se por muitos dias, sem arruinar. Quanto é saboroso este alimento e como é saudável, conhecemos nós
próprios, que o experimentamos. José de Anchieta, Cartas inéditas, 1900, p. 37; também de Anchieta, Capitania..., 1946, p. 33/35.
Viajando para Minas Gerais em 1717, d. Pedro de Almeida Portugal foi surpreendido num rancho onde pernoitou, nas proximidades de Jacareí e São José dos Campos,
pelo oferecimento de um paulista que com generozo animo offereceo a sua Exª para cear meyo macaco, e humas poucas formigas, que era com tudo quanto se achaua.
Agradeceu lhe sua Exª a offerta, e preguntandoselhe a que sabião aquellas iguarias, respondeo, que o macaco era a caça mais delicada, que hauia naquelles matos
circumvizinhos, e que as formigas eram tão saborozas despois de cozidas, que nem a milhor manteiga de Flandes lhe igualava; Diario da jornada..., em Rev. do SPHAN
(3), p. 307/308.
Karol Lenko faz apanhado de referências sobre a utilização de içá (tanajura, saúva) como alimento em algumas regiões do Brasil, uma herança deixada pelos nossos
índios, e documenta a venda desses insetos nos Estados Unidos, cerca da década de 1950, recobertos de chocolate, com matéria-prima importada da Colômbia pela firma
Reese Finer Foods, de Chicago: A içá, um petisco nacional, A Gazeta, 22-outubro-1960; adaptado e reprod. em Lenko & Papavero, Insetos..., 1979, . 276/283.
J. Japur lembra que viajantes observaram esse costume em São Paulo e outros lugares; Cozinha tradicional..., 1963, p. 18, 28 e 29. Luís C. Cascudo também faz referências,
Dicionário..., 1954, p. 271, 567/568 e 602. No Cozinheiro nacional, editado pela Livraria Garnier no século XIX, consta a seguinte receita de “Tanajura frita”: “Toma-
se uma porção de tanajura e escalda-se com água quente; tiram-se depois os abdomens que se frigem em gordura, polvilhando-se com sal e pimenta, e estando bem
torrados servem-se como prato de surpresa; no gosto, assemelha-se ao camarão”; cit. por Lenko & Papavero, Insetos..., p. 282. Na tradição popular não se escaldam as
formigas, mas sim se fritam em gordura.
229
- Sem dúvida é frequente o uso do milho e da mandioca, duas constantes na dieta do caipira e, afinal, do brasileiro de outras regiões, como já visto através de outras
citações. Antônio G. da Cunha faz uma extensa listagem de referências à mandioca: A atestar a extraordinária importância da mandioca como alimento indispensável aos
indígenas e aos primeiros colonizadores europeus, a documentação (…) é abundante e extensa. Nenhum outro vocábulo de origem tupi está tão amplamente documentado
na língua portuguesa (…); Dicionário. Ver também Otoniel Motta, Do rancho..., 1941, p. 121.
Doc. 53
Cuscuz
Anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Ilydia Camargo, que diz ter aprendido com sua mãe, Eufrosina Andrade Camargo
Ingredientes: farinha de milho em pedaços, pequena quantidade de farinha de mandioca (apenas para dar liga),
cheiro verde, gordura de porco, água, sal, camarão de água doce, lambari, palmito, abobrinha, chuchu, tomates, ovos
cozidos, azeitonas, sardinha (fresca ou em lata), cenoura. A quantidade de cada ingrediente é determinada pela prática.
Modo de preparar: mistura-se a farinha de milho e a de mandioca; adicionam-se os temperos refogados com a
230
- J. Japur dá receita da paçoca de amendoim, Cozinha tradicional..., 1963, p. 69, com variante de fubá em lugar da farinha de mandioca como em nosso doc. 57. Sobre o
mesmo prato, acompanhada de banana, ver depoimento recolhido por A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 272.
231
- Referindo-se à moderação do pe. Belchior de Pontes no comer, na verdade seu biógrafo registrou a realidade da dieta do habitante pobre rural da época, que tinha na
canjica um dos pratos comuns: Consta de milho grosso de tal sorte quebrado em hum pilão, que tirando-lhe a casca, e o olho, fique o mais quasi inteiro. He manjar
tão puro, e simples que, além de agoa, em que se coze, nem sal se lhe mistura. Finalmente he sustento próprio de pobres (…); Manoel da Fonseca, Vida do..., s/d, p. 55.
Certamente um traço da cultura indígena assimilado pelo colonizador e pelo mameluco, já no século XVIII ou antes.
Em sua coleta sobre culinária paulista, J. Japur dá receita de canjica cozida na água mas dizendo ser costume acrescentar leite, pouco antes de tirá-lo do fogo; Cozinha
tradicional..., 1963, p. 63. A presença e a importância do milho na alimentação do caipira paulista é relatada por A. Cândido, Os parceiros..., princ. p. 47/53; e S. B. de
Holanda, Caminhos..., 1957, p. 215/225.
Doc. 54
Paçoca de carne
Anotado em Carapicuíba, 1979;
informante: Alvina da Silva Costa; gravado em São Paulo, 1979;
informante: Belisário Camargo Júnior
Ingredientes: carne de vaca (de segunda), óleo ou gordura, farinha de mandioca ou de milho, manjerona, salsa,
alho, sal, cebolinha verde, tomate, cebola, água.
Modo de preparar: pica-se a carne (corta-se em pedaços pequenos) e leva-se a refogar com temperos. Quando
estiver cozida, leva-se a socar no pilão, juntando-se farinha aos poucos. O ponto da paçoca – obtido como diz o povo
pela prática consegue-se quando ela estiver com a carne bem desfiada e misturada à farinha, nem muito seca por falta
de água nem pastosa pelo excesso.
Também se pode usar carne defumada (deixada no fumeiro para secar), cortada em tiras, antes de ser picada para
socar no pilão.
Serve-se com café ou com banana nanica, ou ainda à refeição com arroz e feijão.
Ingredientes: pão amanhecido, leite, ovos, sal, óleo, açúcar e opcionalmente canela.
Modo de preparar: corta-se o pão em fatias, que são molhadas no leite (em um prato) e depois em ovos batidos (em
outro prato). Fritam-se as fatias de pão, deixadas secar sobre um pedaço de papel ou em guardanapo (para absorver o
óleo); passam-se em açúcar. Para quem gosta pode-se também polvilhar canela em pó.
Serve-se acompanhada de café.
Doc. 56
Canjica
Gravado em São Paulo, 1979;
informante: Belisário Camargo Júnior
Ingredientes: milho branco ou amarelo, água, cinza como complemento para pilar, leite, açúcar.
Modo de preparar: socava-se no pilão o milho seco, branco ou amarelo, colocando-se um pouco de água e de cinza
para ajudar a pilar. O cozimento era feito em água, bastante demorado. Estando os pedaços de milho suficientemente
moles, servia-se no prato; e a gosto as pessoas se serviam de leite e açúcar, no prato.
Obs.: Hoje em dia se acrescentaram outros ingredientes – leite condensado, canela – além de o leite e o açúcar serem
fervidos junto com o milho preparado por processo industrial.
Doc. 57
Paçoca de amendoim
Gravado em São Paulo, 1979; informante: Belisário Camargo Júnior
Ingredientes: amendoim torrado e sem a pele que envolve os grãos, farinha de mandioca fina, açúcar.
Modo de preparar: torrado o amendoim, deve-se retirar a pele que envolve os grãos; isso se consegue rolando-se os
próprios entre as mãos. Misturam-se no pilão o amendoim e a farinha de mandioca, dosando aos poucos, mexendo com
colher e sempre socando. O açúcar entra em pequena quantidade. As proporções de cada ingrediente são dadas pela
experiência; no princípio fica uma pasta, até porque o amendoim é gorduroso; mas com a dosagem de farinha se obtém
o ponto, quando a paçoca estiver solta.
Costuma-se comer paçoca de amendoim com banana maçã.
Doc. 59
Pastel de farinha de milho
Gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979;
informante: Alvina da Silva Costa
Ingredientes: meio quilo de farinha de milho, um ovo, um pouco de óleo, água morna, sal, temperos verdes, carne
moída, palmito.
Modo de preparo: faz-se a massa, depois se abre o folheado com uma garrafa (girando como rolo de amassar), e se
formam os pastéis com carne moída ou palmito. Os temperos variam, na base de cheiro verde, pimenta, salsa e outros.
Frita-se em gordura já bem quente.
Doc. 60
Cabreúva
Gravado em São Paulo, 1979;
informante: Belisário Camargo Júnior
Ingredientes: seis gemas, uma garrafa de pinga, seis colheres (de sopa) de açúcar ou a gosto.
Modo de preparar: Batem-se bem as gemas com o açúcar, acrescentando-se depois a pinga, mexendo sempre.
Doc. 61
Camburu
Entrevista com Alvina da Silva Costa; anotado na Aldeia de Carapicuíba, 1979
-O camburu? Ah, a gente cozinhava a mandioca, depois socava ela no pilão,depois punha a mandioca socada
Doc. 62
Camburu
Entrevista de Lucas Dias; gravado na Aldeia de Carapicuíba, 1979
-Aquele tempo o café da antiguidade... Não tinha café. Era camburu. Já ouviu falá camburu? Feito de mandioca
doce. Essa mandioca doce relava ela ansim, né, e depois cozinhava a mandioca. Cozinhava, dexava bem molinho pra
gente comê, e depois esmagava ele e botava num pote – aquele tempo se alembra que tinha pote de barro – botava ali,
tampava ele, tampava e dexava ali. Quando ele começava a fermentá, pra cima... começava azedá e começava fermentá,
daí logo tava bão de bebê. Era o café. Por isso é que os índio era muito forte, por causa disso, camburu. Não existia café
naquele tempo. Cedo assim, a gente levantava, e quem gostava com açúcar botava um poquinho de açúcar, e o que não
gostava bebia ele puro. Ah, podia trabalhá aí que não tinha fome.
-Mas comia alguma coisa ou só bebia o camburu?
-Bão, depois almoçava, comia outra comida, né. Mas o café era esse. Não tinha café que nem nós toma café agora
cedo, né; levanta e já toma o café. ‘Quele tempo não existia quase café.
-Sim, mas o camburu era para beber?
-Era pra bebê.
-E comia alguma coisa junto ou não?
-Não, bebia só o camburu.
-O camburu era dos índios então?
-É, o camburu era dos índio.
Neste capítulo, fazemos considerações finais sobre a formação do folclore da Aldeia de Carapicuíba, o que até certo
ponto pode ser válido para a região oeste da Capital paulista e municípios como Cotia, São Roque, Piedade; todavia,
apenas em parte, porque na Aldeia se encontram traços que, se ocorreram noutros locais, hoje estão esquecidos. É o caso
especialmente da dança de Santa Cruz nos moldes em que é efetuada na Aldeia, um caso único, por certo herança dos
tempos de convivência índio-jesuítica. Após esse primeiro item do capítulo, estudaremos as mudanças havidas na área da
Como já observamos neste trabalho, a falta de registros antigos às vezes dificulta a compreensão da formação de
fatos folclóricos atuais. Porém, chegamos a ela através de outros caminhos, servindo-nos da tradição oral (especialmente
depoimentos de informantes idosos) bem como da leitura de documentos históricos, de correspondência datada de épocas
passadas, de relatos de viajantes, procurando assim a evidência de como deve ter sido a vida do povo, cujos fatos comuns,
por assim serem, não mereciam registro232 ; tais dados, postos em confronto com registros atuais, nos dão a possibilidade
do estudo feito com larga margem de segurança. Esse procedimento metodológico nos leva a compreender como foi
importante a presença do indígena bem como a do jesuíta na área da Aldeia de Carapicuíba, a ponto de, séculos após os
decênios dos primeiros contatos, terem persistido manifestações provenientes da mestiçagem cultural luso-índio-católica.
FESTAS, DANÇAS - Nas aldeias que se instalaram ao redor da vila piratiningana, algumas do Real Padroado e outras
da Companhia de Jesus, sem dúvida se deram muitos contatos culturais que provocaram o surgimento de novas formas
de manifestação humana. Em nosso caso, ressalta-se a atuação dos jesuítas, já por várias vezes referida, os quais com seu
trabalho de catequese induziram a formas de aculturação. Não será fora de propósito repetir que, para mais eficientemente
atingir sua finalidade de cristianizar os selvícolas, logo se preocuparam os inacianos em aprender-lhes a língua e conhecer-
lhes os costumes; logo aproveitaram vivências indígenas fazendo delas instrumentos para a conversão, e juntando
elementos culturais europeus e preceitos católicos, criaram condições para chegar ao sentimento e à razão dos naturais
da terra aldeados; eventualmente à força. Esse procedimento, naturalmente, se estendeu visando ao bom comportamento
de mamelucos e colonizadores. Isso explica em grande parte a existência no povo brasileiro de tantos traços folclóricos
ligados ao catolicismo, às vezes como sincretismo religioso, havendo mesmo um catolicismo popular configurado por
práticas supersticiosas, crenças, danças, autos populares, simbologia de cores, etc, tudo profundamente enraizado no
folk. A manutenção da festa de Santa Cruz na Aldeia – como em outros locais – durante anos a fio e até sobrevivendo a
períodos de depressão e quase desaparecimento do aglomerado carapicuibano é exemplo do quanto arraigado se acha no
povo brasileiro esse modo de manifestar religiosidade associada ao lazer233 . Mas a festa de Santa Cruz, nesse aspecto,
é apenas um dos muitos casos semelhantes, pois no Brasil há festas de motivação religiosa – entenda-se: católica –
que mobilizam cidades e regiões inteiras. À guisa de exemplificação, podemos citar as grandes comemorações de São
Benedito em Aparecida-SP e Itapira-SP, de Santo Amaro no distrito de mesmo nome em Campos-RJ, de Nossa Senhora
dos Navegantes em algumas cidades gaúchas incluindo Porto Alegre, do Senhor do Bonfim em Salvador-BA, mais as do
232
- Semelhantemente, ver S. B. de Holanda, Caminhos..., 1957, p. 107. A “Escassez de informações até o século XVIII” é referida por Oneyda Alvarenga, Música..., 1950,
p. 17.
233-
Sobre associação entre recreação e religiosidade em festas, ver observações de Emílio Willems, Cunha..., 1947, p. 136/137 e 167.
234
- Ver: Fernando Sales, Calendário..., Cultura (11), outubro/dezembro-1973; R. T. Lima, Folclore das..., 1971; A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975.
235
- As procissões ganharam muita pompa na Europa medieval, conforme W. G. Sumner, Folkways, 1950, p. 713/714; e no Brasil vieram ao encontro do gosto barroco do
século XVIII, prolongando-se pelo tempo.
236
- Ver cap. 5, nota 2. W. G. Sumner faz diversas referências sobre festas ligadas a práticas religiosas, Folkways, 1950, p. 682, 706 e outras.
237
- W. G. Sumner indica danças ligadas a religiões em diversas culturas, Folkways, 1950, p. 662, 681 e outras, inclusive danças indecentes às vezes ligadas a práticas
religiosas, p. 666, 696, 710. Ver também L. C. Cascudo, Dicionário..., 1954, verbete “dança”; e Maria A. C. Giffoni, Manifestações..., Rev. Bras. de Folclore 11(31), setembro/
dezembro-1971.
Em comunidades do Yucatan, R. Redfield anota que as principais atividades de festas do padroeiro são: novena, tourada rústica e dança folclórica; The folk..., AJS (52)4,
janeiro-1947, p. 307.
238
- Johan Huizinga, Homo ludens,1971, p. 25.
239
- F. Schaden, Índios, caboclos..., 1963, p. 10.
240
- F. Schaden, Índios, caboclos..., 1963, p. 11.
241
- J. Huizinga, Homo ludens, 1971, p. 183/184.
242
- J. Huizinga, Homo ludens, 1971, p. 184.
243
- Sacerdotes de outras ordens católicas também desenvolveram atuação semelhante no Brasil Colônia, incentivando exteriorizações aparatosas ligadas ao culto, especialmente
no século XVIII, o que em alguns pontos do país chegou a resultar em eventos de grandioso efeito visual, marcado este por um barroquismo que até hoje se pode observar.
A festa do Divino em cidades de Minas Gerais, Goiás, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo é talvez o melhor exemplo disso.
244
- Como indica em várias passagens S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, p. 35, 87/90, 132, 301 e outras.
245
- Ainda a título de ilustração interessa citar trecho de um relato de 1717 e referente à passagem de d. Pedro de Almeida Portugal pela Aldeia da Escada, aonde o receberão
os Indios com humas danças, a modo das que fazem as regateiras com os arcos, e com esta muzica adiante, se apeou sua Exª na Igreja a fazer oração (…); Diário da...,
Rev. do SPHAN (3), p. 306.
246
- Sobre o Cururu, ver João Chiarini, Rev. do Arquivo (115), 1947; O. Alvarenga, Música..., 1950, p. 211/2121; Maria A. C. Giffoni, Manifestações..., Rev. Bras. de Folclore
11(31), setembro/dezembro-1971.
247
- Sobre Cateretê, ver Oneyda Alvarenga, Rev. do Arquivo (30), 1936; Idem, Música..., 1950, p. 184/193. Dessa autora: Segundo opinião corrente, é dança de origem
ameríndia, tendo sido no primeiro século de colonização aproveitada pelo Padre Anchieta nas festas católicas, em que a bugrada a dançava e cantava com textos cristãos
escritos em tupi; Música..., 1950, p. 184/185.
Ver também: Maria A. C. Giffoni, manifestações..., Rev. Bras. de Folclore 11(31), setembro/dezembro-1971; Francisco P. da Silva, A dança do cateretê, Rev. Bras. de
Folclore (25), setembro/dezembro-1969.
248
- Ver cap. 8.
249
- Ver esquemas das Missões, Cap. 1.
250
- M. da Fonseca, Vida do..., s/d, p. 121.
251
- Todos os cronistas coloniais descrevem o bailado indígena em círculo, com pancadas de pé e canto; L. C. Cascudo, Dicionário..., 1954, verbete dança.
252
- Registros da festa e da dança no Embu e em Itaquaquecetuba em: A. M. Araújo, Folclore nacional, 1967, v. 2, p. 11/22; Idem, Documentário..., 1952, p. 35/37; Maria A.
C. Giffoni, Danças miúdas..., 1972, p. 17/32; A. Pellegrini Filho, Folclore paulista, 1975, p. 85/89.
253
- W. G. Sumner, Folkways, 1950, p. 681; e J. Huizinga, Homo ludens, 1971, p. 25 (entre outros) falam da festa como fuga da rotina.
254
- R. Redfield lembra a importância da organização e da solidariedade grupais, numa sociedade de folk; The folk..., AJS 52(4), janeiro-1947, p. 297.
- Sobre recepção e modificações de narrativas, ver R. Almeida, Inteligência..., 1957, p. 71; Idem, Vivência..., p. 37/38.
256
257
- T. Sampaio, O tupi na..., 1901, p. 143; ou pa’soka = pilar no pilão, conforme A. G. Cunha, Dicionário..., 1978.
258
- T. Sampaio, o termo vem de acan-jic = grão cozido; O tupi na..., 1901, p. 76. Não consta em A. G. Cunha, Dicionário..., 1978.
259
- A. G. Cunha registra o termo pixé, porém com o significado de “mau cheiro, catinga”; Dicionário..., 1978.
260
- Cuscuz paulista: (…) variante local do velho petisco de mouros, já há muito aclimado na península ibérica, conforme S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, p. 218.
Os árabes trouxeram o cuscuz para a África e Portugal. Africanos e portugueses vieram para o Brasil fazendo o cuscuz, popularizando-o entre seus descendentes. O
cuscuz de milho é o mais tradicional; L. C. Cascudo, Dicionário..., 1954. O cuscuz paulista é velho conhecido em cidades como Piracicaba, Tietê, Capivari e outras.
261
- Ver S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, esp. p. 215/225; Carlos B. Schmidt, Áreas..., em São Paulo..., 1966, p. 133/153; J. Japur, Cozinha..., 1963, p. 9/10; A. Cândido, Os
parceiros..., 1975, esp. p. 47/53. A presença do milho, do feijão e da mandioca na dieta de São Paulo é uma constante em documentos dos séculos XVII e XVIII, citados
por Holanda e Cândido; ver também Boletim do Departamento do Arquivo (8), 1948, que traz censo nas aldeias paulistas. Sobre o uso da canjica, século XVIII, ver Doc.
56 no cap. 8. Milho e farinha de milho, farinha de mandioca, feijão, toucinho, bois – são produções registradas Em muitas povoaçoens ou Em bastantes povoações na
década de 1830, o que demonstra sua generalização; Daniel P. Muller, Ensaio d’un... 1978, p. 122/123, tabela 2.
Entre os mantimentos recebidos por Joaquim Francisco Lopes para abastecer sua bandeira, 1829, de São Paulo a Mato Grosso passando pela vila de Piracicaba,
constavam: canjica grossa, farinha, feijão, milho, queijo, rapadura, sal e toicinho; Boletim do Departamento (3), 1948, p. 59/125.
262
- Sobre o uso da mandioca e do milho especialmente em São Paulo, ver: S. B. Holanda, Caminhos..., 1957, p. 221/225; F. Schaden, Índios, caboclos..., 1963, p. 19; A.
Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 49/53.
263
- T. Sampaio, O tupi na..., 1901, p. 76/77; o étimo pi’poka em AQ. G. Cunha, Dicionário..., 1978.
264
- Entre as ocupações de indígenas residentes em algumas aldeias consta o item ”louceira”; Boletim (8), 1948.
Baseando-nos em dados bibliográficos e em informes de campo, pudemos efetuar um levantamento diacrônico que
nos permitiu verificar como traços folclóricos tipicamente do caipira de uma área específica das redondezas de São Paulo
se mantiveram até cerca dos decênios de 1930/1950, com muito poucas modificações, e como nos decênios de 1960/1970
as mudanças havidas na Grande São Paulo – fazendo-se sentir mais de perto na área da Aldeia de Carapicuíba – acabaram
por colocar em desuso diversos desses traços tradicional-populares.
FOLCLORE MORRE? - Resta apontar mais especificamente os fatores que contribuíram para essa situação atual.
Podemos partir de uma comprovação: a de que realmente diversas (talvez possamos dizer muitas) manifestações folclóricas
da área estudada se encontram em desuso, ou mesmo desapareceram. Estão nesse caso a Folia de Reis paulista que existiu
e que não mais se encontra, por falecimento de seus líderes sem que tenha havido continuadores; costumes como o batismo
após a morte e o muchirão; alguns pratos e algumas bebidas como arroz-de-suã, pastel de farinha de milho, sequilho,
camburu, pixé; modas de viola; narrativas da chamada (por estudiosos) literatura oral. Algumas dessas manifestações,
na Grande São Paulo, podem conseguir expressar-se aqui e ali (exemplo: Folia de Reis em Guarulhos; festa do Divino
Espírito Santo no bairro de Freguesia do Ó, modas de viola em cidades mais ao sul), em geral desconhecidas na barafunda
desta grande metrópole, dia e noite dominada por problemas políticos e econômicos, por “enlatados” na televisão, que é
também caracterizada por programas ao vivo marcados por modelos da american way of life. Um exemplo pinçado na
realidade e mostrado com objetividade: enquanto na televisão se valoriza a moça loira, nas quadras tradicional-populares
a preferência reiterada é pela morena (doc. 2, 13, 14, 16, 18, 31), na Aldeia de Carapicuíba como em tantos locais do
Brasil inteiro.
No caminho da Aldeia
Passa boi, passa boiada
Também passa a moreninha
Do cabelo cacheado (Doc. 18)
- Como afirma S. B. de Holanda: (…) em São Paulo, mais do que em outras regiões brasileiras, permaneceram longamente vivas e fecundas as tradições, os costumes e
265
Guerreiro, liderado pelo alagoano Oswaldo Fausto dos Santos, e na matriz local tem sido feita a festa do Divino em que se incluem aproximações com a de Diamantina-
MG, liderada em seus aspectos profanos por mineiros provenientes dessa cidade. Por outro lado, em Osasco se situa a Casa do Violeiro do Brasil, congregando grande
número de repentistas, violeiros e cantadores nordestinos mas também paulistas (e de qualquer procedência). Naturalmente, há mudanças no decorrer dos tempos.
277
- A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 82
278
- A economia e sua influência como fator de mudança é ressaltada por A. Cândido, Os parceiros..., 1975, p. 165 e outras; Maria I. P. Queiroz, Bairros..., 1973, p. 119 e
outras; R. W. Shirley, O fim de..., 1971, p. 135 e seg..
279
- A. Cândido se refere à assimilação, combinação e rejeição de novos valores culturais, quando indivíduos e grupos diferentes se acham em contato social, e citando
Romanzo Adams lembra que um dos fatores a serem verificados no processo é o da velocidade – lento demais, acarreta resistência aos (novos) padrões; rápido
demais desorganização dos padrões anteriores, antes de haver possibilidade de integrar os novos; Os parceiros...,1975, p. 20-0. A segunda parte dessa citação cabe
perfeitamente ao caso da Aldeia.
280
- Sobre modificações ocorridas com naturalidade em fatos folclóricos ver L. C. Cascudo, Folclore do..., 1965, p. 36/37; R. Almeida, Inteligência..., 1957, p. 60; É. Carneiro,
Dinâmica..., 1965, p. 5/57.
A. Cândido afirma que todas as vezes que surge, por difusão da cultura urbana, a possibilidade de adotar os seus traços, o caipira tende a aceitá-los, como elemento de
prestígio. Este, agora, não é mais definido em função da estrutura fechada do grupo de vizinhança; mas da estrutura geral da sociedade, que leva à superação da vida
comunitária inicial; Os parceiros..., 1975, p. 181. Maria I. P. Queiroz mostra a inadequação de fatos folclóricos à sociedade moderna; O campesinato..., 1973, esp. p.
191/192.
281
- Richard Dorson estudou a população de Gary e East Chicago, 1968, registrando seus fatos folclóricos; Is there..., JAF (p. 328), abril/junho-1970. R. Almeida se refere de
passagem a folclore urbano, esp. no Rio de Janeiro; Vivência..., p. 26, 30/31.
Por sua vez, Nestor G. Reis Filho acentua (não especificamente sobre folclore) que no Brasil os elementos da cultura tradicional, desorganizados pelo contato com
o meio metropolitano, vêm sendo substituídos apenas por elementos mal coordenados de cultura de massa, fornecidos com objetivos comerciais de menor alcance;
Quadro..., 1976, p. 199. O mesmo autor lembra, quanto a patrimônio cultural de modo genérico, que o brasileiro atual se acha afastado de suas origens rurais de um
passado recente mas ainda não (está) integrado culturalmente nas grandes metrópoles em formação; p. 194. Acrescentamos: a rapidez das mudanças provocadas pela
urbanização intensa não dá tempo para essa integração.
282
- Conforme diferenciação entre “cultura espúria” e “cultura autêntica”, texto de Edward Sapir, Culture, genuine and spurius, AJS 29(4), janeiro-1924.
283
- Na verdade a Aldeia de Carapicuíba tem grande potencialidade como local receptivo para turismo cultural e lazer cultural, associando seu patrimônio histórico e
arquitetônico ao patrimônio folclórico, além da vantagem de sua proximidade em relação a São Paulo. Lamentável é que autoridades e órgãos que lidam tanto com
patrimônio cultural como com turismo/lazer não tenham tomado providências para o adequado aproveitamento do local (inclusive para atender o público escolar, tão
receptivo), ao mesmo tempo evitando sua descaracterização e sua perda.
284
- Até por omissão de folcloristas, como reconhece R. Almeida, Folclore e turismo cultural, RBF 10(28), p. 99. Ver também do mesmo autor: Elementos..., RBF (33), e
Folclore e turismo, RBF 12(36), maio/agosto-1973; e Maria L. B. Ribeiro, Turismo..., RBF 12(36), maio/agosto-1973.
285
- Analisando representações mentais do caboclo face ao impacto de problemas econômicos, A. Cândido cita o que se poderia qualificar de saudosismo transfigurador
– uma verdadeira utopia retrospectiva, se coubesse a expressão contraditória, através da qual procuram valorizar o passado; Os parceiros..., 1975, p. 193 e 235, 249.
Com sua origem afastando-se ao final do século XVI e tendo permanecido até o século XX consideravelmente à
margem de mudanças profundas provenientes de um dinamismo socioeconômico e cultural que ela não teve, a Aldeia
de Carapicuíba constitui um dos mais expressivos casos de patrimônio cultural no estado de São Paulo. Sua simplicidade
reflete as condições de vida nos campos de Piratininga dos séculos XVII e XVIII, sendo portanto um retrato fiel de uma
época.
O patrimônio urbanístico-arquitetônico, embora singelo, constitui um conjunto de valor excepcional, que sofre
consequências do conflito provocado por intensa ocupação do solo verificada de modo mais acentuado a partir de meados
do século XX.
170 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
A formação de fatos folclóricos da Aldeia de Carapicuíba remonta aos tempos do encontro cultural índio-luso-
católico. Como núcleo de mamelucos e de caipiras paulistas, herdeiros de velhas tradições populares que se reportam
ao final do primeiro século de colonização, a Aldeia de Carapicuíba chegou ao século XX como um bolsão de folclore
específico da área a oeste da cidade de São Paulo; na realidade, a Aldeia guarda traços culturais paulistanos, anteriores ao
forte processo de cosmopolitismo da capital.
São fatores que explicam a manutenção dos elementos socioeconômicos e culturais da Aldeia de Carapicuíba:
a) Isolamento relativo (quanto à geografia e à cultura).
b) Economia de subsistência satisfazendo às necessidades do grupo social. Ausência nas relações econômicas
regionais.
c) Cultura tradicional fortemente integrada, com traços intimamente associados à religiosidade, permitindo coerência
interna.
9.4. Sugestões
Com 400 anos de existência, e tendo passado por fases de decadência, mas se conservando como exemplo de vida
simples do homem paulista de séculos atrás, a Aldeia de Carapicuíba necessita de providências urgentes para resguardar-
se contra consequências de mudanças abruptas e até contra destruição.
DESVIO DO TRÁFEGO - Entre essas providências ressalta como óbvio que se deve desviar o tráfego, evitando
12-outubro-1580 - Sesmaria* de Jerônimo Leitão, atendendo a pedido de indígenas da Aldeia dos Pinheiros (atual
bairro de Pinheiros, Capital paulista) e concedendo a eles no logar aonde o pedem seis leguas de terra são para os indios
de Pinheiros seis leguas de terras em quadra no sitio aonde pedem que é Carapicuiba ao longo do rio umbiaçaba tanto
de uma parte como da outra ficando o dito rio no meio as quaes seis leguas se começarão a medir assim de uma parte
como da outra do rio onde acabarem as derradeiras dadas que antes desta carta foram dadas aos brancos a qual terra
assim dou para os moradores da dita aldeia dos Pinheiros que agora são me pelo tempo em diante forem para nellas
fazerem e lavrarem seus mantimentos (…); Cartas de datas...
* Sesmaria = Área concedida pelo rei de Portugal, para uso e cultivo por parte de uma pessoa ou um grupo de pessoas.
1582 - De acordo com Luís Saia, ano (ou época?) de fundação da primeira Aldeia de Carapicuíba, não obrigatoriamente
no local da que existe atualmente; L. Saia, Aldeia...
9-julho-1615 - Afonso Sardinha e sua esposa Maria Gonsalves fazem doação de toda a sua fazenda à Capella de
N. Snrª do Collegio e Igr. de S. Paulo.
(…) As terras desta doação de Affonso Sardinha são em que se acha situada a Aldeia vulgarmente chamada
‘Carapicuiba’ no destricto de S. Paulo (…); Documentosinteressantes, v. 44, p. 360/367.
Embora oficialmente a Aldeia de Carapicuíba tenha origem na sesmaria de 1580, alguns autores – talvez pela
exiguidade de documentação – criaram ambiguidade sobre ela. É consenso que Afonso Sardinha possuía terras na
região, tendo reunido grande número de indígenas em sua fazenda; daí o prof. Pasquale Petrone considerar natural que se
recorresse aos jesuítas para que aos indígenas aldeados fosse prestada a assistência espiritual que se julgava necessária.
A presença jesuítica deve ter-se verificado desde os primeiros tempos da arregimentação dos indígenas (…). O fato é que
o aldeamento já devia estar definido, de forma estável, na passagem do quinhentos para o seiscentos (…). A direção legal
do aldeamento passou para os jesuítas em 1615. Nesse ano, por escritura de 9 de julho, Afonso Sardinha e sua mulher
Maria Gonsalves fizeram doação de toda sua fazenda ao Colégio de São Paulo. P. Petrone, Os aldeamentos..., p. 77.
18-julho-1633 - Sebastião Medeiros Ramos, vereador em São Paulo, requer à Câmara dessa cidade providências
para se evitar a usurpação que os jesuítas pretendiam fazer de terras em Carapicuíba; Atas..., v. 4, p. 122.
24-maio-1636 - Ata da Câmara da vila de São Paulo relatando problemas com indígenas saídos das aldeias;
Actas..., v. 4, p. 299/300.
9-janeiro-1638 - Determinação dos vereadores paulistanos para que os moradores desta vila puzesem nas aldeas as
pesas que os moradores desta vila trouxerão do sertão que fosem cazados (…); Actas..., v. 4, p. 376.
6-agosto-1650 - Indígenas aldeados em Carapicuíba são requisitados para murarem e consertarem a igreja jesuítica
do Colégio de Piratininga; P. Petrone, Os aldeamentos..., p. 155, citando Actas..., v. 5, p. 434.
1694 - Francisco Frazão declara que na Aldeia de Carapicuíba ficavão cincoenta captivos. Mas posteriormente
todos foram transferidos para a fazenda de Santana, dos jesuítas; Documentos interessantes, v. 44, p. 367.
Cerca de 1698 - Tentativa dos padres de mudar a Aldeia para Itapecerica, chegando a serem demolidas algumas
casas para assim forçar seus habitantes a obedecer, segundo Sérgio Buarque de Holanda, Rev. do SPHAN (5), p. 111.
Inícios do século XVIII - O pe. Belchior de Pontes, encarregado da Aldeia, desaprova a pretendida mudança, por
certo a partir da verificação de que seus habitantes se recusavam a abandonar o local. A tradição oral registrada por seu
biógrafo, pe. Manoel da Fonseca, informa ter ele afirmado que não havia de deixar de ser Aldea Carapicuyba.
3-março-1713 - Informado por Pedro Taques de Almeida (administrador geral das aldeias) da situação ilegal em
que se encontravam as sesmarias dadas aos indígenas, o rei D. João V ordena por Carta Régia que se restituíssem as seis
léguas de terras dadas aos naturais de Pinheiros e de São Miguel em 1580. Todavia essa determinação não traz garantia
aos indígenas, em razão de fortes interesses de colonos já instalados nas terras e também interesses de autoridades por
mesmos motivos; conforme José A. T. Rendon, Memória..., Rev. do IHGB (4), p. 309/312.
Primeira metade do século XVIII - Segundo a tradição oral, época das primeiras festas (talvez também da dança) de
Santa Cruz na Aldeia. A tradição oral indica 1714 como o primeiro ano em que se efetuou a festa.
13-março-1733 - D. Antônio Luís de Távora, conde de Sarzedas, publica bando dizendo que as Aldeas de Indios
desta Capitania, se achão exaustas delles, por haverem alguns moradores della levado os Indios e Indias para fora não
só alugados e induzidos, mas ainda com despachos (…) - e ordena conservarem-se todos os Indios nas Aldeas, para
estarem promptos para as occaziões que se offereserem do Real Serviço (…); Boletim do Departamento... (7), p. 74/77.
10-maio-1734 - D. Antônio Luís de Távora, conde de Sarzedas, em longo regimento se refere ao despovoamento
das aldeias por causa de requisições de indígenas para trabalhos domésticos e nas minas, razão pela qual ordena com
pormenores o retorno imediato de indígenas às suas povoações, bem como proíbe a retirada deles para quaisquer trabalhos
sem fiador ou licença do governador; Boletim do Departamento... (7), p. 105/109.
1736 - Construção do templo atual. Nessa época, reconstrução de casas da Aldeia com características muito próximas
das atuais, segundo Luís Saia.
1736 - Reaproveitamento de um cruzeiro que tinha estado no adro da igreja antiga, e que o Padre Belchior tinha
dito que ainda havia de servir em huma Igreja nova que alli se havia de fazer – segundo Manoel da Fonseca – porque
terminada a construção do templo o responsável pela obra resolveu não esperar a confecção de uma cruz nova. A que foi
aproveitada era uma antiga, que estava defronte das casas, em que se recolhiaõ os Religiosos, quando por alli passavaõ;
M. da Fonseca, Vida...
Primeira metade do século XVIII - Período de consolidação da Aldeia, principalmente graças à ação do pe. Belchior
de Pontes, cuja memória a tradição guarda com grande respeito.
Reconstrução da Aldeia, aproveitando-se (conforme Luís Saia) algumas paredes de casas anteriores e que subsistem
atualmente nas casas 10 e 11.
Cerca de 1762 - A Aldeia rende somente vinte e dois mil e seis contos reis de hum pouco de algodão que produzio
as mesmas terras (…); Documentosinteressantes, v. 4, p. 366.
Década de 1760 - Decadência e confisco de fazendas que foram dos jesuítas. Carta de D. Luís Antônio de Souza
indica estarem elas inteiramente perdidas, os escravos muito danificados, e demenuidos, as casas cahidas e tudo com
necessidade urgente de se lhe aplicar remedio. (Carta datada de Santos, 6-janeiro-1766).
1766 – Por recenseamento, a Aldeia tinha 23 casas – a menor quantidade entre as dez aldeias pesquisadas: Pinheiros,
Barueri, São Miguel, Escada, Itaquaquecetuba, Embu, Itapecirica, São José e Peruíbe. A população era formada por
72 mulheres (sendo uma ausente) e 60 homens (sendo um, ausente); P. Petrone, Os aldeamentos..., p. 179, citando
Documentos interessantes, v. 73, p. 63.
4-julho-1767 - D. Luís Antônio de Souza comunica ao rei de Portugal que tem procurado fundar Povoaçoens, a
melhorar as Aldeas dos Indios que achei nesta Capitania; Documentos interessantes, v. 23.
1767 ou anos seguintes - Com a expulsão dos jesuítas, o local deve ter passado a pertencer a uma família tradicional
de São Paulo, os Camargos (conforme Luís Saia).
6-abril-1771 - O governador D. Luís Antônio de Souza ordena que nenhum Indio ou India se atreva a sahir da aldea
para fora sem licença do Director e na falta ou auzencia delle do seo Pe Superior, e para fora da Capitania por despacho
meu (…); Documentos interessantes, v. 33, p. 41.
4-fevereiro-1772 - Ordem do governador Luís Antônio de Souza aos diretores das aldeias de Pinheiros, Embu,
Itapecirica, Barueri e Carapicuíba objetivando conserto da ponte sobre o rio Pinheiros, danificada por chuvas; requisita
de cada uma das aldeias pª esta obra quatro Indios, dois sestos e duas enxadas sendo que aos mesmos Indios se assistirá
pela dª Câmara com o preciso e diario sustento, na frª já praticada com os outros (…); Documentos interessantes, v. 33,
p. 46.
22-agosto-1772 - O governador Luís Antônio de Souza determina ao diretor da Aldeia que ao pedir-se quaesquer
Indios pª serv° fora da Aldêa, fação pr° depositar o dr° em q’ se ajustarem os mesmos Indios, em ordem a que deste modo
sejão destes vexados com trabalho sem lucro algum (…); Documentos interessantes, v. 33, p. 70.
13-novembro-1772 - Portaria do governador Luís Antônio de Souza para o sargento-mor Pedro Taques declarar seus
conhecimentos sobre aldeias da Capitania; Documentos interessantes, v. 33.
1774 - Época de grande decadência. Azevedo Marques chega a acreditar que a Aldeia deixou de existir por volta
deste ano.
1775 - Relatando a situação em que encontrou as aldeias, o governador Luís Antônio de Souza indica que cerca de
1775 As Aldeas dos Indios, por algumas das quais passei, estão totalmente destruidas, e quaze despovoadas. Nam havia
gente mais abatida, e vexada; vinhão Aldeias inteiras trabalhar em huma Chacra, e conduções de meu Antecessor, e não
se lhes pagava jornal; outros em fazendas de alguns favorecidos, os filhos, e filhas se davão a servir a gentinhas, onde me
consta eram consternados, como captivos. Dei logo providencias (…); Documentos interessantes, v. 28, p. 28.
20-fevereiro-1776 - Martim Lopes Lobo de Saldanha narra em correspondência a Martinho de Mello e Castro a
situação de aldeias quanto aos serviços religiosos: Pela constante falta de Presbiteros secullares estão Paroquiando
Regullares das Aldêas dos Indios, onde são mais lobos que Pastores. Fervem as queixas, e toda a providencia é frustada;
porque removidos, hé forçozo serem substituidos por outros Frades que todos fora de seus conventos degeneram (…);
Documentos interessantes, v. 28, p. 35/38.
11-dezembro-1776 - Requisição de doze Indios trabalhadores da Aldeia para o sargento-mor Antônio Francisco de
Andrade; Documentos interessantes, v. 84, p. 98.
1777 - Referência do bispo de São Paulo, d. Manuel da Ressurreição, dizendo que o pároco encarregado da Aldeia
sustenta-se como pode – o que de certo modo confirma o abandono e a decadência em que se achava o local.
19-abril-1782 - Ordem do governador Francisco da Cunha Menezes aos diretores das aldeias de Barueri, Itapecirica,
Embu e Carapicuíba no sentido de darem a Vicente da Costa Taques e Aranha, doze Indios capazes de trabalhar, na
sua Fazenda, com quem ajustarão, os que os dos Indios hande ganhar por mez, ou por aquelle tempo, que o servirem;
Documentos interessantes v. 85, p. 10.
13-novembro-1782 - Determinação do diretor da Aldeia (e aos de outras aldeias) no sentido de escolher hûa
India rapariga, que julgar com capacidade, e inteligencia pª aprender a tecer a fabrica de algodão, e a conduzirá a esta
salla do Governo, para ser mandada à aquelle ensino e depois de estar neste bem instruida, tornará pª a dª Aldeya para
ensinar outras Indias, afim de que lucrem com este tão util trabalho, e não padeção tanta mizeria, em q. estão vivendo;
Documentos interessantes, v. 95, p. 16/17.
4-março-1783 - Requisição do capitão Martinho A. de Leme, inspetor das Aldeias, no sentido de serem escolhidos
dez índios das Aldeias de Embu, Itapecirica e Carapicuíba, para serem entregues ao capitão Francisco Xavier dos Santos,
para trabalho a ser pago na forma do costume; Documentos interessantes, v. 85, p. 18.
4-maio-1783 - Ordem do governador Francisco da Cunha Menezes ao diretor da Aldeia no sentido de dar a
João Baptista Victoriano, quatro índios, que o mesmo escolher na dª Aldeya, pª hirem com elle a diligencia, de q. Vai
encarregado, e o mesmo Director lhe intimará o rigorozo castigo, que terão se fugirem de trabalhar ou se retirarem sem
consentimto do d° João Baptista; Documentos interessantes, v. 85, ´. 22.
29-julho-1783 - Ordem do governador Francisco da Cunha Menezes ao capitão Martinho A. F. Leme, inspetor
das Aldeias de Embu, Itapecirica e Carapicuíba, no sentido de enviar logo a esta Salla dez Indios dos mais capazes, q.
houverem nas Aldeyas de sua administração pª hirem trabalhar na Fazª de S. Aana por tempo de dous mezes; segue-
se a relação das aldeias de São Miguel, Escada, Barueri e Pinheiros, sem estar incluída a de Carapicuíba; Documentos
interessantes, v. 85, p. 92.
30-agosto-1783 - Determinação do diretor da Aldeia (também aos de outras aldeias) para que mande a esta salla
tres Indios capazes, athé as quatro horas da tarde do dia segunda feira o pro de setembro, pª hirem trabalhar, e render
aos q. se achão rossando, e plantando em Juquery; Documentos interessantes, v. 85, p. 24.
30-dezembro-1783 - Ordem do inspetor das aldeias de Embu, Itapecirica e Carapicuíba para vender o gado que das
mesmas se achar capaz de tirar (…) em utilidade da Real Fazenda; Documentos interessantes, v. 85, p. 27.
9-janeiro-1784 - O governador Francisco da Cunha Menezes nomeia para Director d’Aldeya de Carapicuiba a
Francisco Bicudo de Brito, por achar nelle capacidade de dirigir a dª Aldeya nos bons costumes, e socego que requer a
sua occupação (…); Documentos interessantes, v. 85, p. 27.
4-agosto-1784 - paçouse Portª ao Indio Paulo Vicyra, pª ser Sargto mor da Aldeya de Carapicuiba; Documentos
interessantes, v. 85, p. 34.
2-março-1785 - Determinação ao diretor da Aldeia para enviar logo prezoz a esta Salla, os Indios, Estevão da
Costa, Lourenço Perª e Cipriano Perª; Documentos interessantes, v. 85, p. 39.
Final do século XVIII - As terras da Aldeia são de nenhum rendimento. E após a expulsão dos jesuítas ficaram os
Indios em sua liberdade e por não assistirem na Aldeia por andarem continuamente aos jornaes pelos caminhos de S.
Paulo, hé a rezão porque também não haverá daqui em diante rendimento algum para o dito legado, e se acha em total
decadencia que as cazas de vivenda no tempo que o Ouvidor fes suquestro nesta Aldeia estavão arruinadas e cobertas de
capim; Documentos interessantes, v. 44, p. 367.
20-agosto-1798 - O governador Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça nomeia José Arouche de Toledo Rendon
para o cargo de Diretor Geral dos Índios, recebendo este a incumbência de visitar as aldeias e verificar possibilidades de
melhorá-las; Memórias sobre..., Rev. do IHGB (4).
1798 - José A. de Toledo Rendon visita as aldeias e escreve a “Memória sobre as aldeas de indios da Provincia de
S. Paulo, segundo as observações feitas no ano de 1798”, publicada na Rev. do IHGB (4).
No relatório de José A. T. Rendon consta que a aldeia do Embu já tem parocho collado. Deve-se-lhe dar Districto
competente, abrangendo as duas aldeas visinhas de Carapicuhyba e Itapecirica, cujas capellas devem ficar como filiais
daquella Matriz e terão capellães se os interessados nisso os quizerem sustentar; Documentos interessantes, v. 44, p.
113/116.
Final do século XVIII - Recenseamento das aldeias. A maioria da população de Carapicuíba é de crianças: 54 entre
zero e dez anos, num total de 138 habitantes. De 10/20 anos havia 27 elementos; de 20/30 anos, 20 elementos; de 30/40
anos, 15 elementos; de 40/50 anos, 11 elementos; de 50/60 anos, 3 elementos; de 60/80 anos, 8 elementos; Boletim do
Departamento... (8), p. 126.
1-outubro-1790 - É nomeado para Capitão Mór dos Indios da Aldeya de Carapucuyva ao Indio Vitorino Barboza,
attendendo à sua capacidade, e bons costumes (…); Boletim do Departamento...(8), p. 80/81.
1803 - Recenseamento indica haver 40 residências, com 168 habitantes declarados, porém 14 deles ausentes –
fugidos; Boletim do Departamento... (8), p. 219/224.
13-agosto-1803 - Antônio José de Franca e Horta dirige-se ao príncipe regente lamentando a situação de extrema
pobreza das dez aldeias, incluindo Carapicuíba; conclui ser muito interessante extinguir as aldeias como tal e já se
antecipa conferindo aos índios a liberdade de se estabelecer onde mais util lhes for. Também sugere formarem-se
freguezias naquelas aldêas susceptiveis disso. Citações especiais para São José dos Campos) que já era paróquia e
seria transformada em freguesia, e Nossa Senhora da Escada e Barueri. Carapicuíba e Itapecirica seriam abrangidas
por Embu, a ser elevada a distrito; Documentos interessantes, v. 44, p. 113/116.
1845 - Decreto 426 de 24-julho; o Governo Imperial determina seja informado sobre a situação geral das aldeias de
São Paulo. José J. M. d’Oliveira fica encarregado pelo governo provincial de fazer relatório a respeito.
1845 - Habitantes de aldeias de São Paulo encaminham a José J. M. d’Oliveira representações segundo as quais
conhecem o Director-Geral, que ainda existiam restos por descendência da antiga população indígena; que foi
estabelecida nas aldeias de Carapucuyba e Baruery, uma parte habitando o seu primordial territorio, e outra a maior,
disseminada ou vagando pelos districtos circunvizinhos; P. Petrone, Os aldeamentos..., p. 136, citando os Anais da
Assembléia Legislativa Provincial de S. Paulo, 18846/1847, p. 435.
1845 - José J. M. d’Oliveira fez levantamento da situação das aldeias e apresenta ao governador um relatório
apontando o estado de decadência em que elas se encontravam.
1845 - Na “Notícia raciocinada sobre as aldeias dos indios, desde seu começo até a actualidade”, Rev. do IHGB (2),
José J. M. d’Oliveira considera Pinheiros e Carapicuíba uma só aldeia, incorretamente, pois esta foi formada cerca de
vinte anos depois da de Pinheiros, além da distância entre elas.
Cerca de 1846 - Pelo relatório de J. J. M. d’Oliveira, tenta-se a reorganização e o desenvolvimento das aldeias de
São Miguel, Itaquaquecetuba, Barueri de Carapicuíba; todavia, permanece sem êxito.
Meados do século XIX - As aldeias ao redor de São Paulo continuam em grande decadência, com seus habitantes
abandonados à própria sorte. Em 1848, Domiciano Leite Ribeiro, presidente da Província, tenta organizar algumas aldeias,
nada indi cando ter obtido êxito; conforme S. Bontempi, O bairro..., p. 125, citando Eugênio Egas.
18-setembro-1850 - Pela lei imperial 601, complementada por outros documentos legais desse mesmo ano e de 1856
e de 1858, ficou determinado que as terras dos indígenas fossem incorporadas ao patrimônio nacional. Na prática, isso
corresponderia à extinção das aldeias como tais, uma vez que a decadência dos núcleos, a dispersão dos habitantes e seu
cruzamento com outros elementos indicava, desde tempos, a aproximação dessa medida.
1869 - Cândido Borges Monteiro, presidente da Província de São Paulo, relata que nas aldeias o typo americano
primitivo desapareceu completamente pelo cruzamento de raças e dá outras características, apontando o estado de
decadência em que se achava o serviço de catechese; conforme S. Bontempi, O bairro..., p. 125, citando E. Egas.
Final do século XIX - A Aldeia é citada como área de terras devolutas e habitada por intrusos; Documentos
interessantes, v. 22, p. 183.
Maio-1913 - Pela primeira vez chega à Aldeia um automóvel (Fiat, Benz ou Berlier) conduzindo participantes da
festa de Santa Cruz (conforme informação de Belisário Camargo Júnior). O fato pode ser tido com um dos marcos de
mudanças iniciais na área da Aldeia, ainda que, por muitos anos, muitos participantes continuassem a usar veículos de
tração animal para a mesma viagem; ou se locomoviam a pé.
Cerca de 1926 - Regularização da posse de terras dos moradores da Aldeia e arredores (conforme Luís Saia,
Aldeia..., p. 19).
Final da década de 1920 / Inícios da década de 1930 - Chegada de primeiros imigrantes à região – italianos (segundo
nossos informantes) e depois japoneses (segundo nossos informantes e L. Saia), que se instalam na área da Aldeia como
lavradores e, eventualmente, outro tipo de trabalho.
Década de 1930 - Migrantes de Minas Gerais passam a residir nas proximidades da Aldeia, influindo parcialmente no
folclore local com acréscimos, especialmente Folia de Reis e algumas danças que se fixaram na festa de Reis (6-janeiro)
e numa ou noutra ocasião.
Décadas de 1930/1950 - Chegada dos primeiros habitantes provenientes de Minas Gerais, do Nordeste e, em menor
escala, de outras regiões do país, instalando-se na área da Aldeia e no futuro município de Carapicuíba.
1940 - Tombamento da Aldeia de Carapicuíba pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-MEC,
através do processo 218-T, inscrição no Livro do Tombo número 7, de 13-maio-1940.
1954 a 1959 - Primeiras obras de restauração na Aldeia, pelo 4° Distrito do SPHAN, sediado em São Paulo. Outras
obras se prolongam até 1961.
1954 - A Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo inclui a festa de Santa Cruz, das festividades
tradicionais da Aldeia, no calendário oficial das comemorações paulistanas. A partir desse ano, a festa passa a ser atrativo
de folcloristas e outros estudiosos.
Década de 1960 - Com a expansão urbana, acelera-se a exploração imobiliária entre a rodovia Raposo Tavares e o
rio Pinheiros. Há grande afluxo de novos habitantes, quase sempre operários.
1960 - Pela lei estadual 8092/64, de 28-fevereiro, fica criado o município de Carapicuíba, nele se incluindo a Aldeia
de Carapicuíba.
1970 - Pela lei municipal 179/70, de 2-janeiro, “fica declarado como pertencente ao perímetro urbano toda a área
do município de Carapicuíba”.
197- - A Prefeitura Municipal de Carapicuíba reforma o pátio da Aldeia, provocando protestos do diretor do 4°
Distrito do IPHAN, em São Paulo.
1974 - Cantorias da dança de Santa Cruz feitas pela “Família Camargo” constituem uma faixa do disco Música
popular do Centro Oeste e Sudeste, LP MPA9324, v. 4, da Marcus Pereira, São Bernardo do Campo-SP.
1975 - Pela lei municipal 395/75, de 13-novembro, a Estrada da Aldeia ou Estrada de Itu, também chamada
Municipal da Aldeia e ainda Estrada de Cotia passa a denominar-se oficialmente Estrada João Fazoli.
1977 - Chegam à Aldeia os fios de telefone. O primeiro aparelho é instalado na residência-venda de Massahiro Ueta.
Anexo 2
Informantes
Entre as família mais tradicionais da Aldeia de Carapicuíba e arredores se inclui a dos Camargos, com elementos
radicados no local há séculos, mas agora residindo também em Carapicuíba, Osasco e São Paulo. Outros velhos troncos
são os dos Pereiras, dos Tolomys e dos Xaviers.
Virgílio Avelino de Jesus, conhecido por Nhô Virgílio ou Nhô Gílio, citado várias vezes no texto, foi um líder das
práticas tradicional-populares da região (aparece nas ilustrações 2 e 3). Era preto e não deixou descendentes na Aldeia;
notabilizou-se como capelão, violeiro da festa de Santa Cruz e em qualquer outra oportunidade, contador de causos, sendo
lembrado com frequência pelos informantes atuais de mais idade. Outros elementos lembrados são Belisário Camargo e
Juvenal Antero de Camargo, todos falecidos.
Nossos informantes, período de 1969 a 1979, ficam relacionados abaixo.
ALAYDE CAMARGO BERNARDO – branca, n. Em São Paulo,1912; viúva, tem filhos e netos; irmã de Conceição
Maria de Camargo. Residiu em São Paulo mas na infância e adolescência frequentou assiduamente a Aldeia, especialmente
em dias de festas, com a família. Atualmente reside em Jaú-SP (de onde nos enviou alguns dados).
ANTÔNIO CAMARGO, MIMI – branco, n. no bairro do Caxingui, mun. de São Paulo, 1922; filho de Francisco
Margarido de Camargo e Eufrosina Andrade Camargo; casado com Lourdes Domingues Camargo; tem filhos e netos.
Completou o curso primário; foi motorista e comerciou com tropas de mulas vindas de Minas Gerais; é funcionário
da Prefeitura Municipal de Carapicuíba; cuida também de vacas de sua propriedade, em terreno alugado no bairro da
Aldeia. Mudou-se de São Paulo para a Aldeia em 1932 com a família; posteriormente voltou na residir em Pinheiros,
depois na Aldeia, tendo-se fixado na Vila Dirce (bairro próximo da Aldeia) em 1944; possui automóvel; sua filha caçula
ALVINA DA SILVA COSTA – descendente de indígenas, n. na Aldeia, cerca de 1895; viúva; teve um filho (falecido),
tem netos. Residiu em São Paulo trabalhando como doméstica em algumas residências e tendo ocasião de viajar
acompanhando os patrões; por isso esteve no Rio de Janeiro, em Santos e em outras cidades, o que lembra com prazer.
Mas sempre participou de festas na Aldeia e em outros locais, especialmente a de Santa Cruz. Mora a cerca de 200 metros
do núcleo antigo; forneceu-nos vários dados. Atualmente não mais participa das comemorações tradicionais da Aldeia.
ARGEMIRO C. CAMARGO – branco, n. na Aldeia de Carapicuíba, 1921; desquitado; industrial; reside em São
Paulo. Desde criança participou da festa de Santa Cruz, tocando reco-reco e depois viola. Cerca de 1957 em diante
passou na tocar como contra-mestre e mestre; na década de 1970 passou a frequentar menos assiduamente a Aldeia.
ATALIBA C. CAMARGO – branco, n. na Aldeia de Carapicuíba, 1926; casado com Mercedes Andreota Camargo;
dois filhos: Hamilton (que toca viola) e Mariza; reside em Osasco; possui automóvel; azulegista. Até os 19 anos viveu
na Aldeia, e desde muito jovem tocava reco-reco, depois viola. Em cerca de 1949 tocava junto com Belisário Camargo
na dança de Santa Cruz, recebendo elogios e incentivos do “velho” Belisário, seu tio. Quando este elemento se afastou
da Aldeia, 1955, passou a tocar como mestre, revesando-se com o irmão Argemiro C. Camargo; outros irmãos: Lindolfo
e Ítalo.
BELISÁRIO CAMARGO JÚNIOR, ZICO – branco, n. em São Paulo (bairro de Pinheiros, onde sempre residiu), 1903;
casado com Conceição Maria de Camargo (n. em Bocaina-SP, 1905); têm filhos. Junto com a esposa têm participado da
vida da Aldeia desde crianças. Belisário trabalhou em comércio; atualmente está aposentado. É filho de Palmira Ezequiela
do Prado Camargo, conhecida por Sinhara (n. em São Paulo (Pinheiros), 1884) e Belisário Zacarias de Camargo (n. na
fazenda de Mutinga, atualmente mun. de Osasco-SP, 1878, falecido em São Paulo, 1974, por sua vez descendente da
família Camargo radicada em São Paulo e arredores há séculos). Este Belisário Zacarias de Camargo, pai do informante,
é o famoso “velho” Belisário, como é citado ainda hoje por elementos da Aldeia.
ILYDIA CAMARGO, NENÊ – branca, n. em Taboão da Serra (então pertencente a São Paulo), 1918, filha de
Francisco Margarido de Camargo e Eufrosina Andrade Camargo. Fez curso primário no Taboão; junto com a família
residiu na Granja Velha (mun. de Carapicuíba), Taboão da Serra, Aldeia, bairros paulistanos do Caxingui e Itaim, fixando-
se na Aldeia a partir de 1960. Mas sempre compareceu às festividades da Aldeia, desde criança (a Ilustração 3 foi
fornecida pela informante, que aparece com cerca de 10 anos). Trabalhou em firma de confecção de roupas, em São Paulo,
e na Prefeitura Municipal de Carapicuíba; está aposentada. Uma de nossas melhores informantes, conhece as tradições
populares do local pesquisado e é tida como uma sua defensora enérgica.
JOSÉ ADELINO ANDRADE, NHÔ ZÉ MIMI – branco, n. no bairro do Jaguaré (São Paulo), 1892. Casado
com Antônia Maria de Andrade, Nhá Tonica (branca, n. no Taboão da Serra, 1895). O mesmo sobrenome de ambos é
coincidência; não têm consanguinidade; filhos, netos e bisnetos. Formam excelente dupla de cantadores de modas de
viola; participaram assiduamente das festividades da Aldeia. Antônia Maria de Andrade é prima-irmã de Ilydia e Antônio
Camargo, por parte materna.
JOSÉ PEREIRA LEITE, ZECA – branco, n. da área da Aldeia, 1921; casado, filhos. Reside nas proximidades da
Aldeia, pertencendo a uma das famílias tradicionais da região. Toca viola na dança de Santa Cruz, e já tocou reco-reco e
cavaquinho, quando jovem.
LUCAS DIAS – descendente de indígenas e brancos; n. no Taboão da Serra (então pertencente a São Paulo), 1898;
reside na Aldeia desde cerca de 1 ano de idade. Trabalhou na lavoura e em serviços braçais, sempre nas proximidades da
Aldeia. Participava sempre das festas, inclusive tocando pandeiro.
NAZÁRIO GASPAR DA SILVA – mulato, n. na área da Aldeia de Carapicuíba, 1907; casado, filhos. Trabalhou em
serviços braçais e ligados à lavoura. Foi sempre um participante entusiasta das festas da Aldeia, tocando pandeiro. Em
1979 se afastou do local por motivos de saúde; reside próximo da rodovia Raposo Tavares.
Outros elementos ligados à vida da Aldeia de Carapicuíba (alguns dos quais foram informantes eventuais):
Ana Branco, Aninha (falecida em 1979).
Cândida Lafayete Ferraz (nordestina residente em São Paulo e com propriedade na Aldeia, a cujas tradições populares
se integrou).
Eduardo Gimenez.
Hamilton C. Camargo,
Mílton (filho de Ataliba C. Camargo, ambos violeiros).
Helenice Camargo (filha de Antônio Camargo e Lourdes Domingues Camargo)
Hernani Theodoro Camargo Xavier (falecido).
Honório Camargo (falecido em 1971).
Isabel Xavier, Isa (afastou-se da Aldeia após o falecimento de seu marido, o dr. Hernani Theodoro Camargo Xavier).
Jandira Camargo.
João Acácio de Almeida.
Marcolino Rosa da Cruz.
Lindolfo C. Camargo.
Anexo 3
Festeiros de Santa Cruz, 1930-1979
Diversas fontes – em especial programas impressos e entrevistas com pessoas residentes na Aldeia ou relacionadas à
sua cultura – nos permitiram levantar nomes de organizadores da festa de maio. Em 1954, a festividade foi incluída nas
comemorações do quarto centenário de fundação da cidade de São Paulo, daí o festeiro ter sido o secretário-executivo
da Comissão Nacional de Folclore-IBECC-UNESCO (houve presença de autoridades, como Guilherme de Almeida, que
presidia a comissão das comemorações paulistanas). Em 1972, ano do Sesquicentenário da Independência, foi outra
exceção.
Via de regra, os organizadores são elementos diretamente ligados às tradições locais, em especial os da família
Camargo.
Grupo formado por ocasião da festa de Santa Cruz na Aldeia de Carapicuíba, 2-maio-1913. À direita, dois violeiros.
Ao fundo, o tradicional arco de bambu e bandeirinhas de papel de seda. Pela janela, ao alto do frontispício, se podem
ver três sinos da igreja.
Grupo formado por ocasião da festa de Santa Cruz, 1913. Da esquerda para a direita: Antero (pandeiro), Virgílio
(viola), Benedito da Nhá Quirina (viola), elemento não identificado, com viola; em segundo plano: Pedro (cavaquinho),
Lula (pandeiro) e outro elemento não identificado (com reco-reco encoberto).
Grupo formado por ocasião da festa de Santa Cruz na Aldeia de Carapicuíba, 1928. À esquerda em pé, Aparício
Teixeira com viola, e agachado (de palheta) Virgílio Avelino de Jesus também com viola. Percebe-se o cruzeiro central
com a “toalha da cruz” e coroado por dois arcos de bambu; além das bandeirinhas de papel de seda. Ao lado do cruzeiro
aparece ainda o mastro da festa. Ao fundo os telhados das casas do lado noroeste da Aldeia, inclusive da que desmoronou
(localizada no canto fechado).
190 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Ilustração 4
Pandeiros ou adufes com moedas de cobre, usados anteriormente na festa de Santa Cruz da Aldeia de Carapicuíba
O cruzeiro central da Aldeia de Carapicuíba, durante a festa de Santa Cruz de maio de 1978.
Despedida e frente a uma das cruzes domiciliares, em 2 de maio de 1969. Da esquerda para a direita: Nazário
(pandeiro), Zeca Pereira (viola), Ítalo (pandeiro), Antônio Camargo (reco-reco), Sebastião Ferraz (encoberto, com reco-
reco) e Eduardo Gimenez (reco-reco).
Roda, em 2 de maio de 1969. Aparecem Eduardo Gimenez e Antônio Camargo (tendo à sua frente Lourdes D.
Camargo), com reco-recos.
. . : . .
Para facilitar as consultas, este Índice Remissivo reúne termos importantes relacionados à história e ao folclore
da Aldeia de Carapicuíba. Compreende-se que são palavras e expressões selecionadas. Quando se trata de autores de
trabalhos publicados, suas referências estão colocadas a partir do nome próprio, porém dando-se destaque ao sobrenome
– em maiúsculas – para eventual procura em dicionários de estudos, índices onomásticos e bibliografias.
taipa............................................................................35
Topônimos................................................................131
Tangará..........................................................62 - 63 - 69
tareco..........................................................................85
tarimba.......................................................................40
Telesp.........................................................................40
212 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
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214 CARAPICUÍBA - uma aldeia mameluca
Coleção Cadernos de Folclore
A Coleção Cadernos de Folclore reúne importantes contribuições de diferentes autores, resultado de pesquisas científicas
ou relatos de experiências na área da cultura popular, constituindo-se numa rica fonte de consulta para educadores,
pesquisadores, especialistas e interessados no saber popular.
De 1986 a 1998 a coleção foi produzida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) e Comissão Municipal de
Folclore. A partir de 1999 e até esta data, a parceria passou a ser com o Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP).
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