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ABUSOS DE PODER ECONÔMICO: ESTUDO DO CASO AMBEV

Pedro Luciano Evangelista Ferreira


Mestre em Criminologia e Direito Penal pela Universidade Candido Mendes
(UCAM-RJ)

Originalmente publicado na Revista Raízes Jurídicas (UNICENP), v.


02, p. 149-168, 2006.
Para maiores informações: http://lattes.cnpq.br/0622287330666595

CASO ANALISADO: AMBEV (Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12)


ÓRGÃO RESPONSÁVEL: CADE
REQUERENTES: Fundação Antonio e Helena Zerrenner - Instituição Nacional
de Beneficência e Empresa de Consultoria, Administração e Participações S/A
- Ecap e Braco S/A.
RELATORA: Conselheira Hebe Romano

SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
2. O PROCESSO
3. AS MANIFESTAÇÕES SOBRE A FUSÃO
a. Manifestações de Setores de Representação Social
b. As Alegações da Cervejaria Kaiser
c. As Justificativas das Cervejarias Antarctica e Brahma
4. OS PARECERES
5. A DECISÃO
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca tecer algumas considerações sobre


um caso recente envolvendo a questão da concentração do poder econômico
com vistas ao aferimento de grandes vantagens e a possível dominação do
mercado. Para tanto é estabelecido um breve histórico do processo,
destacando-se os principais argumentos contrários a fusão e os argumentos
favoráveis para, ao fim, comentar a decisão formulada pelo CADE (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) em defesa da concorrência e dos
mercados.
Tendo em vista a relevância social do assunto questiona-se sobre
a necessidade e o alcance da regulação estatal nos atos de concentração do
poder econômico, principalmente quando se trata da fusão dos dois maiores
fabricantes de cerveja e refrigerantes no mercado nacional atualmente
(Antarctica e Brahma) para a criação de uma empresa com único controle
societário que representaria mais de 70% do mercado nacional de cervejas
(AMBEV).
Acentua-se a importância do questionamento ao considerar-se
que, com a dominação do mercado pode ocorrer o controle dos preços, da
demanda, da aquisição de matéria-prima, da distribuição; além da possível
imposição de vendas casadas, fechamento de fábricas, desemprego, etc.
Não se olvide a desestabilização de Municípios que vivem da
arrecadação de impostos e dos salários dos funcionários de referidas
empresas além dos prejuízos dos comerciantes e trabalhadores do ramo que
são diretamente envolvidos, e ainda, a qualidade oferecida e o preço final
repassado para os consumidores que sofrem as maiores consequências por
estarem no último e mais frágil elo da cadeia econômica.
O processo teve início em 02/07/1999 com o julgamento ocorrido
na data de 29 a 30 de março de 2000 donde surgiu o Termo de Compromisso
assinado pelas empresas envolvidas em 19 de abril do mesmo ano, ou seja,
em apenas 09 meses foram colhidas informações que levaram ao julgamento
de um dos casos mais significativos do Direito Antitruste Brasileiro.
Tendo em vista a abrangência e a imensa extensibilidade dos
efeitos sociais desta fusão, vários setores da sociedade manifestaram-se a
respeito. Ora a argumentação foi favorável a fusão alegando a possibilidade de
ganhos de eficiência tanto no âmbito do mercado interno como no âmbito
externo; ora contra, uma vez que a AMBEV terá um poder de mercado
elevadíssimo e absolutamente discrepante em relação à suas competidoras,
possibilitando o aparecimento de sobrepujantes abusos de poder econômico se
a mesma puder atuar sem restrição alguma.

2. DO PROCESSO1:

Ab initio, impende esclarecer que em matéria de Direito Antitruste


não basta apenas proibir a fusão, incorporação ou outra forma de concentração
empresarial porquanto o aumento da concentração de mercado não
fundamenta, por si só, os motivos para desconstituir uma transação legal,
conforme tem asseverado o entendimento jurisprudencial e doutrinário tanto
nacional quanto internacional, uma vez que a elevação da concentração não
constitui condição necessária, nem suficiente, para a ocorrência de dano ao
mercado.
Todavia qualquer ato de concentração deve ser submetido a
prévia análise do órgão competente para que sejam evitados os possíveis
abusos de poder econômico e os efeitos anticoncorrenciais que deles possam
decorrer.
Assim, por força do art. 54 da Lei n.º 8.884/94, o agrupamento
societário das empresas Cia. Cervejeira Brahma (BRAHMA) e da Companhia
Antarctica Paulista – Indústria de Bebidas e Conexos (ANTARCTICA) para a
união do controle societário sob a denominação de Companhia das Américas
(AMBEV) foi submetido a prévia análise do CADE.
Nenhuma entredúvida pode se esboçar a respeito de que a
empresa CERVEJARIA KAISER é a maior interessada no processo e, para
tanto, fez uso de todos os seus recursos para conseguir a desconstituição do

1
Em conformidade com dados fornecidos pelo CADE.
ato ou, no mínimo, submete-lo a realização e sujeição a severos
condicionamentos estruturais e comportamentais para garantia do mercado.
Encabeçando o grupo de setores contrários a fusão, a empresa
Cervejaria Kaiser buscou provar que a operação de “fusão” entre a BRAHMA e
a Antarctica, se consumada, seria clamorosamente prejudicial à livre
concorrência, resultando em expressivo aumento de poder de mercado e, por
conseguinte, em dominação de mercado, em total prejuízo da coletividade -
titular do bem jurídico tutelado pela legislação concorrencial - e, em particular,
dos consumidores.
A sua maior preocupação estava em demonstrar que a operação
em questão não resultaria em um mercado normal, visto que, concentrando
mais de 73% do mercado doméstico de cerveja a AMBEV passaria a desfrutar
de excepcionais condições para o exercício de posição dominante,
aproximando-se de um monopsônio já que um das preocupações Cervejaria
Kaiser, dentre outras, era referente a demanda de embalagens metálicas e de
vidro para o envase da cerveja, além do malte, dos rótulos e rolhas metálicas
para embalagem que poderia ser controlada pela AMBEV.
Argumentações da concorrente a parte, não pode ignorar-se que
o ato de concentração ora estudado representa a concentração das duas
maiores competidoras que sempre lutaram acirradamente pela liderança do
mercado nacional de cervejas.
Iniciada a análise do ato de concentração foram enviados ofícios
para a Secretaria de Direito Econômico – SDE, à Cervejaria Kaiser, Schincariol
e à Fundação Antônio e Helena Zerrenner, para fornecimento de informações,
visando subsidiar a análise do presente Ato de Concentração.

3. DAS MANIFESTAÇÕES SOBRE A FUSÃO

3.1. MANIFESTAÇÕES DE SETORES DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL

Como dito anteriormente, a relevância do referido ato de


concentração causou a manifestação de vários setores da sociedade.
Primeiramente analisemos aqueles que se posicionaram contrários à referida
fusão:
Na condição de consumidores, os advogados Floriano de Lima
Nascimento e Esther de Souza Teixeira manifestaram-se contra a fusão das
empresas ANTARCTICA e BRAHMA por entenderem que tal ato contraria
frontalmente os princípios e às normas jurídico-constitucionais que regem a
concorrência no mercado brasileiro, com evidente prejuízo para os
trabalhadores do setor - ameaçados de perderem os seus empregos - e para
consumidores das bebidas fabricadas e distribuídas pelos mencionados grupos
empresariais. Requereram seja julgada procedente a representação para
invalidar a criação da AMBEV e de todos os atos praticados que objetivem a
fusão das empresas BRAHMA e ANTARCTICA.
Assim como os consumidores, o Sindicato de Hotéis,
Restaurantes, Bares e Similares da Região de Jales e o Sindicato de Hotéis,
Restaurantes, Bares e Similares de Assis (São Paulo) também se
manifestaram contrariamente ao Ato de Concentração.
Além disso, diversos Sindicatos de Hotéis, Restaurantes, Bares e
Similares, dos municípios de Tupã, Marília, Ourinhos, Araçatuba, Limeira, São
Carlos, todos do Estado de São Paulo manifestaram-se contrariamente à
fusão, discorrendo que a AMBEV, haverá de cometer os maiores desrespeitos
ao mercado consumidor, pois, uma vez detentores de 70% do mercado de
cervejas, não terão muita dificuldade, nem constrangimento em impor as mais
diferentes condições aos pontos de venda, bem como, possivelmente, retirar
deles as vantagens que são oferecidas quando a concorrência é livre e natural,
regida de acordo com o equilíbrio de mercado.
Também a Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares
do Estado de São Paulo demonstrou contrariedade ao criticar severamente o
ato de fusão tendo em vista o poder de dominação de mercado da AMBEV que
será superior a 70% do mercado de cervejas.
Estas entidades de classe entenderam que o poder de mercado
será muito grande dando azo ao controle de preços e imposição de vendas
casadas (e.g. vincular a venda de cervejas a compra de refrigerantes),
trazendo prejuízos aos consumidores do ramo, bem como preços elevados aos
consumidores finais.
Também foi possível verificar a manifestação contrária à
aprovação da operação da fusão pelo Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias de Alimentação de Getúlio Vargas (RS), do Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias e Cooperativas de Alimentação de Estrela,
Teutônia, Bom Retiro do Sul, Colinas, Imigrante e Fazenda Vilanova que
pugnaram pela análise apurada da operação temendo uma redução nos postos
de emprego sem uma recolocação, ocasionando o aumento do desemprego.
O Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do
Município do Rio de Janeiro também se manifestou nos autos declarando
entender que o Estado, como mediador da economia, deve ter como objetivo a
salvaguarda dos interesses coletivos da sociedade – em suma, os
consumidores – e não o favorecimento de interesses mega-empresariais.
Já o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do
Estado de Pernambuco entende que com essa fusão perde-se o direito de
escolha, o poder de barganha, a concorrência e até a discussão sobre a
qualidade do produto, pois se não houver concorrência terão que aceitar as
normas impostas por quem detém a maioria do mercado.
As redes de supermercados também não deixaram de se
manifestar a respeito. A Associação Brasileira de Supermercados registrou que
a fusão da ANTARCTICA e da BRAHMA pode causar compreensíveis
apreensões econômicas e sociais.
O Grupo Pão de Açúcar informou que a Companhia Brasileira de
Distribuição não se opõe à fusão, desde que os ganhos de produtividade,
competitividade e eficiência que serão obtidos com esse processo, segundo
têm divulgado as próprias empresas, sejam efetivamente transferidos aos
revendedores de cerveja e refrigerantes para que estes, por sua vez, possam
transferi-los ao cliente final, sem qualquer prejuízo para o mercado consumidor.
Já a rede de supermercados Carrefour apresentou sua
manifestação, no sentido de que não vislumbra aspectos positivos ou negativos
decorrentes da fusão.
Outros setores sociais também opinaram sobre a fusão da
AMBEV. Neste sentido temos a manifestação da Exmª Deputada Federal
Ângela Guadagnin2, nos termos que seguem:

“Na época do anúncio da criação da AMBEV, os seus


dirigentes já haviam afirmado em reunião com os
sindicatos e a Central Única dos Trabalhadores
(CUT), que haverá redução de custos, o que,
certamente refletiria em demissões de funcionários e
redução de conquistas consagradas nos acordos
coletivos de trabalho.
Agora, recebi documentos do Sindicato de
Trabalhadores na Indústria de Cervejarias de São
José dos Campos e Região, com denúncias que
comprovam ataques aos direitos dos trabalhadores,
conforme cópias em anexo.
Essas ações da direção da AMBEV certamente
agravarão a situação de desemprego, aumento de
preços e retorno da inflação, desencadeando uma
reação em cadeia, inclusive em outras empresas do
setor, com o virtual monopólio do mercado brasileiro
de bebidas que surgirá com a fusão.
Solicito que o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) analise com o máximo cuidado o
pedido de fusão, incluindo salvaguardas e, se for o
caso, em última instância, impedindo que se
estabeleça um monopólio prejudicial ao País,
revertendo os ataques às conquistas dos
trabalhadores já realizados e garantindo os direitos
dos consumidores brasileiros”.

2
Fls. 4.127
Também consta manifestação contrária à fusão, encaminhada
pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de São José
dos Campos e Região, relatando que já vem ocorrendo centralização de alguns
setores, pois com a unificação da folha de pagamento muitos trabalhadores,
que trabalham nesse departamento serão demitidos porquanto os serviços
feitos nas unidades passarão para a sede da AMBEV.

3.2. AS ALEGAÇÕES DA CERVEJARIA KAISER

Sobreleva notar-se que no presente processo as manifestações


mais incisivas e insistentes partiram da Cervejaria Kaiser que, na qualidade de
participante do mercado brasileiro de cervejas, manifestou sua preocupação
com a postura adotada pelos proponentes da fusão, ressaltando fatos que
indicam a existência de um alto risco de irreversibilidade por causa da fusão.
Neste sentido apresentou diversas tabelas e informações,
fornecidas pela empresa A.C. Nielsen, a respeito do market share por unidade
da federação.
Além disso, a Cervejaria Kaiser listou todos os produtos
fabricados pelo grupo, as nove unidades que participam do grupo, seus
acionistas e respectivas participações na sociedade. Trouxeram aos autos, em
anexos confidenciais, informações acerca das vendas efetuadas por regiões e
por produtos, no período de janeiro de 1996 a dezembro de 1998, e produção
mensal em hectolitros durante o período de julho de 1998 a junho de 1999.
Segundo material elaborado pela Cervejaria Kaiser, no qual
externam sua opinião acerca da operação objeto do presente processo. Entre
outros aspectos, ressaltaram que:

1- A aquisição da ANTARCTICA pela BRAHMA deu-se travestida


de fusão; que no dia seguinte ao anúncio da fusão, o negócio BRAHMA
valorizou 20%, sendo controlado por apenas três pessoas;
2- Que a concretização da fusão causará a redução de postos de
trabalho, fechamento de unidades, redução da renda e de arrecadações federal
e estadual, bem como a criação de um monopólio no mercado interno de
cervejas;
3- Que a operação estratégica já foi realizada pelos controladores
da BRAHMA, de uma forma ou de outra, pois se for aprovada o ganho é
incontestável. Se tiverem que vender a SKOL o momento oportunizará a
valorização daquela empresa e não impede que o poder da AMBEV seja
inferior ao da BRAHMA antes da fusão;
4- Acrescem que a operação, se aprovada, levará a uma
concentração de riqueza, viabilizando a ocorrência de uma série de prejuízos,
tais como o desabastecimento e o aumento de preços, prática de venda de
venda casada, imposição de quantidades, aniquilação da possibilidade de
concorrência, etc.
Outros argumentos apresentados pela Cervejaria Kaiser são de
que o ato de concentração em exame representa a fusão da empresa líder, que
possui 50% do mercado nacional de cervejas com a segunda colocada que
possui, por sua vez, 23% deste mesmo mercado.
Como a terceira e a quarta empresas respondem,
respectivamente, por 15% e 8% do mercado, a aprovação da operação pelo
CADE inviabilizará a competição das empresas remanescentes em vários
fatores como a formação de preços, a criação de imagem e marketing,
promoções, ou ainda, a geração de lucros para reinvestimento no negócio.
Obrigar a AMBEV a comprometer-se em manter baixos os preços
de seus produtos não é suficiente, entende a Cervejaria Kaiser que o preço
deve ser formado pelo dinâmico funcionamento dos mercados e da livre
concorrência e que a possibilidade de diminuição no preço de cervejas
anunciada pode, na verdade, causar um efeito contrário já que pode levar à
prática de preços predatórios que também possuem nítidos efeitos
anticoncorrenciais.
A Cervejaria Kaiser alega que a Antarctica e Brahma adotam a
estratégia do fato consumado para forçar a aprovação da operação. Além
disso, oferece parecer da lavra de Theodore Voorhees Jr 3, cuja tradução
revela, entre outros aspectos, que o ato de concentração ora analisado
provavelmente não seria aprovado nos Estados Unidos e nem tampouco seria
aceito se fosse justificada pela venda de qualquer dos ativos envolvidos, a não
ser daqueles que foram à própria razão de ser da fusão.
Às fls. 1994, a Cervejaria Kaiser relata a pesquisa realizada no
mercado cervejeiro (price elasticity model) destacando que os resultados da
aludida pesquisa demonstram que os hábitos de consumo são distintos entre
regiões; que diferentes marcas têm posicionamento diferenciados por região;
que a cerveja constitui um único mercado relevante de produto; que o mercado
relevante de cerveja é delimitado regionalmente, que a gestão estratégica de
portfolio de marcas da AMBEV, explorando diferenças regionais, permite a
limitação ou eliminação da concorrência e que há forte possibilidade de abuso
de posição dominante pela AMBEV.
A Cervejaria Kaiser também juntou parecer da lavra de Renault
de Freitas Castro, ex-Conselheiro do E. CADE e consultor da empresa,
demonstrando que a lógica da operação praticada pela AMBEV é o domínio do
mercado interno de cerveja. Para tanto são anexados estudos de autoria de
Renault de Freitas Castro, intitulados “A Ineficácia de Soluções Regionais para
o caso AMBEV” e “O mal exemplo do caso Kolynos/Colgate”.

No primeiro estudo, destaca-se o comportamento da AMBEV


externados, em meios jornalístico, dando conta que a AMBEV aceitaria uma
decisão impondo restrições regionais ao poder de mercado da empresa onde
este fosse “excessivamente elevado”, para que dessa forma a fusão fosse
aprovada.
Renault de Freitas Castro entende que esse tipo de procedimento
não elimina os efeitos nocivos dessa fusão, pelo fato de não ser um ou outro

3
Na parte introdutória, o parecerista ressalta que possui 25 anos de promotoria ligados a assuntos
da lei antitruste, dentre os quais mais de 20 incluíram a representação de clientes, multinacionais e
associações comerciais no setor de bebidas alcoólicas. Destaca, ainda, atuação constante na
produção de artigos/pesquisas da ABA.
fator isolado e sim um conjunto de fatores estruturais composto pela marca,
pela diversidade de seu portfolio de produtos, pelo sistema de distribuição,
dentre outros. E o conjunto desses fatores envolve uma estrutura em nível
nacional não se manifestando somente em nível regional, nos seguintes
termos:

“Fácil concluir, portanto, que, para uma fusão que,


como no caso da AMBEV, resulta em alteração
estrutural (concentração horizontal) com alto grau
de nocividade ao mercado e à concorrência em todo
o território nacional, não são eficazes restrições
pontuais, regionais ou meramente comportamentais,
estas, aliás, de difícil fiscalização. É preciso que os
remédios ou restrições que visem restaurar o
ambiente concorrencial atuem rápida e diretamente
sobre a estrutura do mercado como um todo,
transferindo da empresa dominante para seus
concorrentes parte de sua capacidade de produzir e
vender e do seu poder de barganha mencionados
resultam da atuação da empresa em todo o país e
não apenas nos mercados regionais onde ela tem
maior participação. Assim, o remédio dever ter efeito
nacional e não apenas regional.”

Quanto ao segundo estudo de Renault de Freitas Castro,


denominado “O MAL EXEMPLO DO CASO KOLYNOS/COLGATE”, pode-se ler
as seguintes considerações:

“A decisão do CADE no caso Kolynos-Colgate foi,


portanto, ineficaz, principalmente por ter avaliado de
modo incorreto o poder de mercado resultante
daquela operação, não atacando a verdadeira raiz
desse poder e subestimando sua capacidade
regenerativa. A análise então realizada pelo CADE
não levou na devida conta que o poder resultante
daquela operação era derivado de um conjunto
indissolúvel de fatores inter-relacionados, e não de
um somatório de vários fatores isolados. Assim, de
nada adiantaria, como, de fato, não adiantou, atacar
isoladamente o “problema” representado pela marca
Kolynos, suspendendo seu uso temporariamente, e,
de outro lado, obrigar a nova empresa a alugar parte
de sua capacidade de produção a terceiros, também
temporariamente. Tais remédios não afetam a
propriedade desses ativos, não afetam a escala de
produção e não interferem no sistema de vendas e
de distribuição, elementos que, em conjunto,
permitem manter elevadíssimo o poder de barganha
da nova empresa junto a clientes, revendedores,
fornecedores e, no fim da linha, ao consumidor.”

Também o Sindicato de Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares


de Araraquara (“Sinhores” – SP), posiciona-se contrariamente à operação,
endereçando corrrespondência diretamente a SDE.
Todavia, apesar da gama de manifestações contrárias ter sido
variada tanto no seu conteúdo como na sua origem, houveram também
manifestações favoráveis a fusão, além, é claro, das manifestações das
Cervejarias Antarctica e Brahma.
Note-se que a Associação Brasileira das Distribuidoras
ANTARCTICA – ABRADISA e a Federação Nacional das Associações dos
Distribuidores dos Produtos Skol Caracu manifestaram-se a favor da fusão,
entendendo que, uma vez mantida a independência das redes de distribuição
da SKOL, BRAHMA e ANTARCTICA, a fusão se reverterá em benefício de
todos.
Curiosamente, em momento posterior o Sindicato de Hotéis,
Bares e Similares de Marília e o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e
Similares, na região de Jales, Santa Catarina - fazendo uso de documento de
redação idêntica - mudaram de posicionamento, dizendo que não vêem
motivos para que a operação seja por ele impugnada.

3.3. AS JUSTIFICATIVAS DA ANTÁRTICA E DA BRAHMA

A Associação Brasileira das Distribuidoras ANTARCTICA –


ABRADISA alega que a AMBEV, visando garantir a livre concorrência,
viabilizará a existência e a participação dos distribuidores exclusivos e
independentes na comercialização das bebidas, fato que zelará pela
concorrência entre as marcas objeto da fusão, eis que cada distribuidor é
responsável pela distribuição de um único produto e lutam pelo
estabelecimento da marca que representam.
Para corroborar com sua afirmação, referida associação ressalta
que as redes distribuidoras das marcas envolvidas (BRAHMA, SKOL e
ANTARCTICA) têm como fim os mesmos varejistas e para tanto oferecem
preços de vendas e condições de pagamento diferenciados não
descaracterizando a concorrência apesar da fusão.
Seguindo, afirmam que alegações da Cervejaria Kaiser são falsas
e que a própria Coca-Cola/Cervejaria Kaiser foi responsável pela inauguração
da distribuição direta no mercado de bebidas, sendo regra naquela empresa.
Aduzem ainda que os contratos de distribuição seguem modelos-
padrão e, sendo a distribuição feita diretamente pelas filiais das próprias
indústrias, não existe contrato para amparar tal forma de distribuição.
Em sua defesa a AMBEV apresentou as seguintes justificativas
para a operação, quais sejam:
a) competir internacionalmente;
b) defesa da empresa brasileira e a exportação de produtos (a
Cervejaria Kaiser os contesta alegando que não há exportação relevante de
cerveja no mundo; que todos os setores efetivamente internacionalizados já
tem presença de empresas transnacionais no Brasil e que a “cerveja” não seria
uma exceção);
As Cervejarias Antarctica e Brahma objetivam demonstrar que o
negócio de bebidas no Brasil é efetuado por intermédio de uma cadeia
funcional, sendo adotada por todas as empresas do setor e que o escopo da
operação é viabilizar a atuação no Brasil e no mundo com o maior portfolio de
bebidas possível.
Ainda para rebater argumentação formulada pela Cervejaria
Kaiser alegam que - reproduzindo o modus operandi das Cervejarias
ANTARCTICA e da BRAHMA - um engarrafador brasileiro da Coca-Cola
fundou a empresa e que a Cervejaria Kaiser foi à Atlanta pedir ajuda da Coca-
Cola. Com o passar do tempo, as atitudes de referida empresa deixaram claro
que a Cervejaria Kaiser também fazia parte do negócio de bebidas no Brasil e
que hoje a Coca-Cola é sócia da Cervejaria Kaiser.
Tal como foi colocado pela Cervejaria Kaiser, a AMBEV
concordou que os principais participantes no negócio de bebidas no mercado
nacional sejam Antarctica, Brahma, Coca-Cola/Cervejaria Kaiser, Schincariol e
Skol, mais salienta que, apesar da AMBEV ser a terceira maior cervejaria em
hectolitragem, fica longe de empresas internacionais, as quais denomina
concorrentes, em estrutura de capital e percepção de valor por parte do
mercado financeiro.
Ou seja, a AMBEV declara que a fusão visa garantir
competitividade com as concorrentes do mercado exterior já que as empresas
estrangeiras terão muitas facilidades com a abertura do mercado, mais
especificamente com a formação da ALCA. Assim, se no âmbito interno a
AMBEV abarca mais de 70% do mercado, com relação aos concorrentes do
mercado internacional a sua superioridade é significativamente reduzida.
Com relação as vantagens da fusão apresentadas pela AMBEV, o
eixo principal delas girará em torno da geração de sinergias, viabilizando uma
plataforma financeira que garantirá a participação num mercado cada vez mais
globalizado e competitivo.
Conforme alegado, as eficiências virão da área logística e fabril,
com a implantação de melhores práticas, o controle dos níveis de emprego,
uma cooperação na forma de uma gestão financeira integrada, a
internacionalização dos produtos e o aumento do mercado consumidor.
Segundo referidas empresas, as sinergias ocorridas na esfera de
produção e logística representarão um substancial aumento das possibilidades
de escolha de consumidores de regiões que não estão convenientemente
atendidas até o presente momento uma vez que possibilitar-se-á a realização
de investimentos em novas marcas e tecnologias representando também uma
maior competitividade no segmento de refrigerantes e que, com as sinergias
obtidas, será possível a manutenção dos ganhos de preços para os
consumidores.
Destaca a AMBEV que a participação da Coca-Cola na indústria
brasileira de bebidas é ainda mais significativa do que indica a sua participação
no mercado de refrigerantes, eis que opera majoritariamente através de seus
franqueados, controlando, dessa forma, a produção, venda e distribuição do
seu produto e que, em razão disso, o alegado alto poder de mercado da
AMBEV é reduzido e que o poderio da Cervejaria Kaiser não pode ser
considerado isoladamente com relação ao mercado de cervejas.
Seguindo, a AMBEV alega que o sistema que realiza a
distribuição da Coca-Cola é o mesmo que distribui a Cervejaria Kaiser e que
sua participação no mercado de bebidas como um todo é de 30% e no
mercado de refrigerantes é de 48%. O modus operandi da Coca-Cola no Brasil
- assim como em várias partes do mundo - é realizado por meio de empresas
franqueadas que dela dependem na tomada de decisões estratégicas já que a
Coca-Cola possui participações, majoritárias ou minoritárias em quase todos os
seus franqueados e também que Coca-Cola e seus franqueados controlam
86% da Cervejaria Kaiser.
Assim, podemos resumir as manifestações da AMBEV na
formulação de dois pontos principais:
A fusão das Cervejarias Antarctica e Brahma gerará vários
benefícios tendo em vista a modificação e cooperação estrutural obtida e pelo
aproveitamento da capacidade fabril e tecnológica. Decorrentes destes
benefícios destaca-se a maior competitividade frente ao mercado internacional
e ainda, o repasse direto ao consumidor em duas maneiras, na qualidade e no
preço do produto.
Por fim - no que diz respeito a possibilidade da formação de um
monopsônio - assim como foi respondido pelas Cervejarias Antarctica e
Brahma, a empresa Latasa (fabricantes de latas) informou nos autos que
desconhece qualquer negociação de aquisição de seu controle acionário pela
AMBEV, esclarecendo ainda que não possui nenhum vínculo ou relação
comercial com a mesma.

4. DOS PARECERES

Constaram no processo os pareceres de alguns estudiosos, como


o Professor Calixto Salomão Filho, que entendeu que a definição de mercado
relevante deve ser dada de forma mais ampla, e não pode limitar apenas ao
mercado de cervejas incluindo também os refrigerantes sob a denominação de
mercado de bebidas. Baseando-se na teoria dos custos de transação e na
formação de cluster market no setor de bebidas, tendo em vista,
especialmente, a estratégia de distribuição de bebidas no país, o parecerista
citado declarou:

“É possível, então, concluir no sentido de que,


considerando o mercado de cervejas e refrigerantes,
a criação da AMBEV só vem compensar o imenso
poder detido pela marca Coca-Cola. Cria-se um
poder capaz de fazer frente ao da Coca-Cola que,
inclusive, permitiu à Cervejaria Kaiser alcançar uma
participação de 18% em curto período. Cria-se um
poder semelhante ao da Coca-Cola – Cervejaria
Kaiser no cluster de refrigerantes + cervejas.”
Conclui referido parecerista opinando pela aprovação da fusão e
criação da AMBEV, explicitando o entendimento que qualquer restrição imposta
às Requerentes, proibindo a distribuição conjunta de bebidas, estaria ferindo o
Princípio da Isonomia - perfilhado pela atual Ordem Constitucional - porquanto
poderia criar condições desiguais de concorrência entre os participantes,
penalizando a AMBEV e favorecendo a Cervejaria Kaiser/Coca-Cola.
Outro parecer juntado ao processo foi emitido pela Professora
Isabel Vaz, ressaltando que nos países de economia liberal o papel do Estado
se exerce mais para proteger a concorrência do que para imiscuir-se no
funcionamento do mercado.
Em seguida, referida professora entende que a empresa está
inserida na classificação dos instrumentos para realização de uma política
econômica. Assim, na busca pela realização de seus fins sociais o Estado tem
na empresa uma parceira para o cumprimento dos direitos econômicos, sociais
e culturais insculpidos no Texto Constitucional. Para fomentar esta relação o
Estado fornece subsídios, incentivos e proteção, pois depende do desempenho
empresarial o surgimento de emprego produtivo, de aumento da riqueza e de
melhoria das condições de vida da popular4.
Destarte, entende a parecerista que a fusão proporcionará um
aumento da produtividade como decorrência da racionalização das decisões
haja vista as sinergias propostas no plano operacional e no plano das práticas
comerciais. Referido aumento de produtividade propiciará o surgimento de
preços fixados em patamares mais acessíveis uma vez que as economias de
escala geradas pela AMBEV serão repassadas aos consumidores finais.
No que tange a temida eliminação da concorrência por força da
alta participação resultante da operação, entende a parecerista que a fusão
terá por efeitos o aumento da competição entre os concorrentes nacionais e os

4
Para um melhor aprofundamento sobre a função social da empresa vide:
COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da Propriedade dos Bens de Produção, in RDM
63/71.
estrangeiros, favorecendo o surgimento de uma luta pela conquista e
recuperação de fatias do mercado.
Outro fator observado pela parecerista que motiva a autorização
do ato de concentração diz respeito ao incremento das atividades tecnológicas
porquanto a fusão possibilitará a cooperação e a troca de tecnologias no
processo produtivo e o crescente investimento em áreas de desenvolvimento
tecnológico.
Outro parecer que consta no processo é da lavra de Manoel
Gonçalves Ferreira Filho e que contraria incisivamente as conclusões do
parecer da Secretária de Direito Econômico eis que o ato de concentração ora
analisado ocasionará um substancial aumento de produtividade e a melhoria da
qualidade dos bens, o que, na sua opinião, promove o aumento da eficiência e
não necessariamente a eliminação da concorrência.
Em resumo estes são os comentários sobre o andamento do
processo do ato de concentração, com as principais manifestações e
argumentações que orbitaram em torno da multicitada fusão. Importa salientar
que referidos comentários ora realizados não tem a pretensão de esgotar o
assunto tendo em vista a limitação de espaço. O intento almejado é o de
transmitir ao leitor uma síntese do andamento deste extenso processo
apresentando por fim a sua decisão. Passamos agora ao comento da audiência
em que foi proferida a decisão que resolveu o debate.

5. DA DECISÃO5

Como visto o processo de instrução do ato de concentração que


envolveu a fusão das duas maiores empresas fabricantes de cerveja do
mercado nacional foi um tanto conturbado já que houveram manifestações de
vários setores da sociedade como órgãos de representação de classe,
concorrentes e doutrinadores. Verificou-se a presença de consistentes

5
Consoante informações fornecidas pelo CADE.
argumentações tanto a favor da realização de referido ato como em sentido
contrário.
O choque entre as diversas alegações foi forte principalmente
tendo em vista os substanciais interesses envolvidos e de igual forma o grande
poder econômico dos opositores. Referida luta adentrou a audiência realizada
no plenário do CADE para a decisão da contenda de modo que houveram
várias interrupções, ameaças e tentativas de interromper o seu
prosseguimento, culminando na impetração de um Habeas Corpus em favor
dos Conselheiros do CADE para que só então a audiência tivesse seguimento.
Referida audiência realizada no dia 29 de março de 2000 teve a
duração de 14 (quatorze) horas, encerrando-se na manhã do dia 30 de março
com a imposição de um termo de compromisso de desempenho assinado pela
diretoria da AMBEV como condição para a autorização do ato de concentração.
Para possibilitar ao leitor a apreensão do clima turbulento que
envolveu a realização de referida audiência, achou-se por bem utilizar a
narrativa fornecida pelo próprio CADE para que nenhum detalhe seja olvidado,
conforme segue.
Ab initio, o Presidente do CADE Gesner Oliveira levou ao Plenário
os termos de Despacho, indeferindo o pedido, feito pela Cervejaria Kaiser
Ltda., de suspensão do ato de concentração nº 08012.005846/99-12, em razão
de matéria publicada em 22.03.2000 na Folha de São Paulo.
O Presidente ressaltou a existência de decisões judiciais
impedindo a suspensão do julgamento do processo e levou ao Plenário os
termos de Despacho, indeferindo o pedido, feito pela Cervejaria Kaiser Ltda.,
de anulação do parecer da Procuradoria nº 121/00. O Presidente ressaltou que
a Procuradoria do CADE é órgão de assessoramento, vinculada à Advocacia-
Geral da União, e que não cabe ao Plenário exercer controle de legalidade dos
atos da Procuradoria do CADE.
A Conselheira Hebe Romano proferiu despacho, indeferindo o
pedido, feito pela Cervejaria Kaiser Ltda., de suspensão do ato de
concentração nº 08012.005846/99-12, ressaltando que o artigo 12 da Lei
8884/946 será cumprido por ocasião da decisão plenária, que encaminhará
cópia dos autos ao Ministério Público Federal para ciência. O Plenário, por
unanimidade, referendou os termos do Despacho.
Ainda referida Conselheira proferiu despacho, indeferindo o
pedido, feito pela Cervejaria Kaiser Ltda., de suspensão do ato de
concentração nº 08012.005846/99-12, acerca de gravações clandestinas,
ressaltando que a empresa poderá levar a questão ao órgão competente. O
Plenário, por unanimidade, referendou os termos do Despacho.
Os Conselheiros João Bosco Leopoldino e Lucia Helena Salgado
não participaram do julgamento, em virtude de declaração de impedimento
apresentada anteriormente.
A Relatora iniciou a leitura do relatório, após a qual, manifestou-
se oralmente o Procurador-Geral do CADE.
Cumprindo-se determinação judicial, o Advogado da empresa
Cervejaria Kaiser Ltda., Luiz Antonio D’Arace Vergueiro e o Presidente da
Cervejaria Kaiser, Humberto Pandolpho, fizeram uso da palavra em
sustentação oral.
O Advogado das requerentes, Carlos Francisco Magalhães, fez
uso da palavra em sustentação oral.
Às 16h45min, o advogado da empresa Cervejaria Kaiser Ltda.,
Luiz Antonio D’Arace Vergueiro, solicitou a palavra para comunicar a existência
de decisão judicial liminar, proferida pelo Meritíssimo Juiz Federal de São José
dos Campos, determinando a suspensão do julgamento. O Presidente Gesner
Oliveira solicitou a manifestação do Procurador-Geral do CADE. O Procurador-
Geral Amauri Serralvo afirmou que a decisão foi apresentada em fac-símile
recebido por escritório de advocacia particular, sendo inservível como meio de

6
(Lei n.º 8.884/94) Art. 12. O Procurador-Geral da República, ouvido o Conselho Superior,
designará membro do Ministério Público Federal para, nesta qualidade, oficiar nos processos
sujeitos à apreciação do CADE.
Parágrafo único. O CADE poderá requerer ao Ministério Público Federal que promova a
execução de seus julgados ou do compromisso de cessação, bem como a adoção de medidas
judiciais, no exercício da atribuição estabelecida pela alínea b do inciso XIV do art. 6º da Lei
Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993.
intimação do CADE, pelo que não poderá ser obstaculizado o julgamento do
processo, o que acarretaria a aprovação incondicional por decurso de prazo,
nos termos do artigo 54, § 7º da Lei 8884/94. O Presidente Gesner Oliveira,
após ouvir o Procurador-Geral, determinou o prosseguimento dos trabalhos da
Sessão.
Às 18h45min, adentrou o recinto do Plenário o Sr. Oficial de
Justiça, portando a contra-fé da decisão judicial liminar proferida pelo
Meritíssimo Juiz Federal de São José dos Campos, para intimar o Presidente
do CADE sobre a determinação de suspensão do julgamento. O Presidente
Gesner Oliveira solicitou a manifestação do Procurador-Geral do CADE, que
afirmou estar o Meritíssimo Juiz Federal de São José dos Campos submetido a
autoridade jurisdicional do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cuja
decisão, lida no início da sessão de julgamento, entendeu estar prevento o
Meritíssimo Juiz de Belo Horizonte - MG, pelo que deveria ter prosseguimento
o julgamento.
Após este fato pediu a palavra, pela ordem, o advogado da
Cervejaria Kaiser Ltda., Luiz Antônio D'Arace Vergueiro, e, afirmando estar o
CADE a descumprir ordem judicial, o que poderia caracterizar crime de
desobediência e ensejar a prisão do Presidente do CADE, da Sra. Relatora
Hebe Romano e do Procurador-Geral do CADE, o que ensejou a imediata
impetração de ordem de Habeas Corpus pela Procuradoria do CADE, a fim de
que fosse assegurado o prosseguimento do julgamento, tendo sido concedida
medida liminar pelo MM. Juiz Plantonista da Justiça Federal em Brasília,
assegurando salvo conduto aos Senhores Conselheiros.
O Presidente Gesner Oliveira, após ouvir o Procurador-Geral,
determinou o prosseguimento dos trabalhos da Sessão.
Decisão: Quanto às questões preliminares, o Plenário, por
unanimidade, acompanhou o voto da Conselheira-Relatora. Quanto ao mérito,
o Plenário, por maioria, vencido o Conselheiro Ruy Santacruz, aprovou o ato de
concentração, condicionando-o à implementação das seguintes medidas:
1. viabilização de entrada de nova empresa, no prazo de 8 (oito)
meses a contar da data da assinatura do termo de compromisso de
desempenho entre a AMBEV e o CADE, contendo todas as determinações a
seguir, sem prejuízo dos demais prazos estipulados nesta decisão:
(a) alienação da marca Bavaria, bem como a transferência dos
contratos de fornecimento e distribuição relacionados a esta marca, vencido
neste ponto o Conselheiro Marcelo Calliari, que adicionava à proposta a venda
das marcas Polar e Bohemia;
(b) alienação de 01 (uma) unidade fabril para a produção de
cerveja, localizada em cada uma das regiões do território nacional, a saber: 1
(uma) fábrica na Região Sul, localizada em Getúlio Vargas-RS, com
capacidade instalada de 607 mil hl, de propriedade da Antarctica; 1 (uma)
fábrica na Região Sudeste, em Ribeirão Preto-SP, com capacidade instalada
de 2.400 mil hl, sendo 500 mil hl de chopp e 1900 mil hl de cerveja, de
propriedade da Antarctica, a qual deverá encontrar-se em atividade e equipada
com maquinário capaz de oferecer envasamento em latas, vencido neste ponto
o Conselheiro Marcelo Calliari, que adicionava a oferta de alternativa ao
comprador, da unidade fabril de Guarulhos-SP; 1 (uma) fábrica na Região
Centro Oeste, localizada em Cuiabá-MT, com capacidade de 700 mil hl, de
propriedade da Brahma; 1 (uma) fábrica na Região Nordeste, localizada em
Camaçari-BA, com capacidade instalada de 2.900 mil hl, de propriedade da
Brahma; e 1 (uma) fábrica na Região Norte, localizada em Manaus-AM, com
capacidade instalada de 487 mil hl, de propriedade da Brahma;
(c) as fábricas a serem alienadas para a produção de cervejas,
deverão apresentar-se nas seguintes condições: perfeito estado de
conservação e funcionamento (físicas, elétricas, hidráulicas, maquinários e
equipamentos); capacidade instalada em condições de competir, em relação ao
abastecimento, no mercado regional onde esteja localizado; atualização
tecnológica satisfatória; disponibilização, já existente, de linhas de produção de
garrafas retornáveis; e disponibilização de mão-de-obra necessária ao
funcionamento;
(d) a AMBEV deverá apresentar avaliação e auditoria das
unidades fabris mencionadas no item (b) acima, por empresa independente, a
ser por ela contratada, encaminhando laudo pericial, no prazo de 10 (dez) dias
corridos, contado da data da publicação do acórdão da presente decisão, sobre
as condições enumeradas no item (c) acima, e firmando termo de
responsabilidade com o CADE de acordo com a Resolução CADE nº 13/98;
(e) a AMBEV deverá compartilhar sua rede de distribuição com o
comprador, em todas as regiões do País, durante o prazo de 4 (quatro) anos,
prorrogável por mais 2 (dois) anos, devendo: i) disponibilizar rede de
distribuidores, de forma a assegurar plenamente a distribuição da(s) marca(s)
de cerveja do comprador, em quaisquer pontos de venda no território nacional
onde a AMBEV estiver presente; ii) disciplinar, em contrato específico firmado
entre a AMBEV e comprador, a distribuição compartilhada dos produtos da
AMBEV e do comprador, assegurando-se igualdade de condições na
distribuição dos produtos, igualdade nos custos de distribuição incorridos pela
AMBEV e pelo comprador, e a mais ampla distribuição dos produtos do
comprador referentes ao mercado de cervejas; iii) em locais onde houver
distribuição direta, deverá a AMBEV distribuir, pela sua rede própria, os
produtos do comprador referentes ao mercado de cervejas; e iv) dispensar o
comprador, expressamente, do pagamento da comissão de distribuição à
AMBEV, nos primeiros 4 (quatro) anos;
(f) o atendimento do conjunto integrado das medidas previstas
nos itens (a), (b), (c), (d), e (e) acima, que viabilizam a entrada de comprador
em escala nacional, deverá ser feito por empresa independente, que tenha
condições não apenas de manter o negócio em funcionamento, como também
potencial para competir em igualdade de condições, no mercado nacional, até
o término do prazo de compartilhamento da distribuição, não podendo esta
empresa independente deter, na presente data, mais de 5% (cinco por cento)
de participação do mercado brasileiro de cerveja;
(g) para fins desta decisão, entende-se como empresa
independente a empresa nacional ou estrangeira que não mantenha
participação acionária ou qualquer outro vínculo, ainda que minoritário, com a
AMBEV, ou com quaisquer de suas coligadas, controladas ou controladoras;
(h) a escolha da modalidade de venda ficará a cargo da AMBEV;
(i) o comprador deverá ser aprovado, previamente, pelo CADE,
em procedimento próprio; e
(j) na hipótese de o conjunto de medidas previstas nos itens (a),
(b), (c), (d), e (e) acima não ser implementado dentro do prazo de 8 (oito)
meses, previsto nesta decisão, a execução deverá ser realizada mediante
intervenção judicial, de acordo com os procedimentos previstos no Título VIII
da Lei nº 8.884/94, sem prejuízo das demais providências cabíveis.

2. A AMBEV deverá providenciar oferta pública das unidades


fabris de cerveja que pretender desativar nos próximos 04 (quatro) anos,
obedecendo os seguintes itens:
(a) da oferta pública poderão participar novos entrantes ou
concorrentes, devendo ser incluídos entre os pretendentes as associações e/ou
cooperativas de empregados;
(b) o prazo para a habilitação de interessados e concretização da
respectiva alienação será de 1 (um) ano, a contar do lançamento da oferta,
findo o qual ficará a AMBEV desobrigada da condição determinada neste item;
e
(c) deverá a AMBEV comprometer-se a manter o nível de
emprego, sendo que as dispensas associadas à reestruturação empresarial
devem vir acompanhadas de programas de recolocação e retreinamento, os
quais deverão ser supervisionados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no
âmbito de convênio com o CADE.

3. A AMBEV deverá compartilhar sua distribuição para 5 (cinco)


empresas cervejeiras, pelo prazo de 4 (quatro) anos, uma em cada uma das
regiões, conforme definidas no voto da Relatora, com participação não superior
a 5% (cinco por cento) em cada região, mediante leilão, para aquela que
oferecer o maior pagamento de comissão, o que deverá ser implementado em
8 (oito) meses, sob pena de intervenção judicial.

4. Fica a AMBEV proibida de impor exclusividade, estando


desobrigado o ponto de venda, a contar da data da publicação do acórdão
desta decisão, de restringir a venda de determinado produto ou marca, em
razão da disponibilização de maquinários, equipamentos e outros produtos de
merchandising, exceto quando os investimentos e benfeitorias forem
equivalentes a uma participação preponderante na formação dos ativos do
ponto de venda; a condição prevista no item 4 alcança, no que couber, a rede
de distribuição, em suas relações com o ponto de venda.

5. O termo de compromisso de desempenho terá duração de 5


(cinco) anos.

6. O termo de compromisso de desempenho deverá contemplar,


entre outras, as obrigações da AMBEV no que se refere ao alcance das
eficiências alegadas e auditadas e à distribuição eqüitativa entre produtor e
consumidor.

7. A AMBEV deverá encaminhar ao CADE, semestralmente,


relatório referente ao termo de compromisso de desempenho.

8. O termo de compromisso de desempenho deverá ser assinado


entre a AMBEV e o CADE, no prazo de 20 (vinte) dias, contado da data da
publicação do acórdão da presente decisão.

9. A recusa de assinatura do termo de compromisso de


desempenho implicará na imediata determinação, pelo Plenário do CADE, da
desconstituição da AMBEV.
10. O descumprimento de quaisquer das disposições do termo de
compromisso de desempenho implicará na imediata aplicação de multa mínima
de 5.000 (cinco mil) Ufir diárias, que poderá ser aumentada em até 20 (vinte)
vezes, nos termos do art. 25 da Lei nº 8.884/947, sem prejuízo das demais
providências cabíveis.

11. O Plenário, por unanimidade, determinou o envio do voto do


Conselheiro Mercio Felsky aos sindicatos e associações de classe dos
empregados da AMBEV, para sugestão de inclusão, em pauta de discussão,
de garantias trabalhistas adicionais dos empregados demitidos em razão de
reestruturação empresarial.

12. O Plenário, por unanimidade, determinou o envio de ofício à


Secretaria de Direito Econômico, contendo cópia das fls. 172/173, 751/759,
1071/1180, 1186/1251, 1256/1605, 1731/1805, 1825/1837, 1862/1891,
1902/1910, 2531/2537 e 4839/4888, com recomendação à instauração de
processo administrativo contra a AMBEV, concorrentes e distribuidoras, à luz
do que já foi solicitado pelo CADE anteriormente à SDE. O Plenário, por
maioria, vencidos a Conselheira Hebe Romano e o Presidente Gesner Oliveira,
sugeriu o conteúdo de pauta de investigação a ser seguida pela SDE na
instrução do processo administrativo, incluindo: i) imposição da prática de
venda casada; ii) discriminação de clientes; iii) impedimento de acesso a
recursos para o desenvolvimento e o funcionamento de empresas; iv)
manipulação artificial de marcas; v) redução ou interrupção da sua produção
em grande escala, sem justa causa comprovada; e vi) imposição ou fixação
unilateral de preços.

7
(Lei n.º 8.884/94) Art. 25. Pela continuidade de atos ou situações que configurem infração
da ordem econômica, após decisão do Plenário do CADE determinando sua cessação, ou pelo
descumprimento de medida preventiva ou compromisso de cessação previsto nesta Lei, o
responsável fica sujeito a multa diária de valor não inferior a 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais
de Referência - UFIR, ou padrão superveniente, podendo ser aumentada em até vinte vezes se
assim o recomendar sua situação econômica e a gravidade da infração.
13. O Plenário, por unanimidade, determinou o envio de ofício ao
Ministério Público Federal, em atendimento ao disposto no art. 12, da Lei n.
8.884/94 (retrotranscrito), anexando cópia de inteiro teor do presente processo,
inclusive dos apartados confidenciais.

14. O Plenário, por unanimidade, determinou o envio da decisão


aos Procons Estaduais, bem como ampla divulgação da decisão para os
pontos de venda e para o público em geral.

Tendo em vista o adiantado da hora, em que o julgamento do ato


de concentração n.º 08012.005846/99-12 durou 14 (quatorze) horas, o
julgamento dos processos de ordem subseqüente seguintes foram adiados
para sessão seguinte.
A Sessão encerrou-se às 05h22min de 30 de março de 2000.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, o andamento e o julgamento do caso ora analisado


(Ato de Concentração nº 08012.005846/99-12) referente a fusão das empresas
Cervejaria Antarctica e Cervejaria Brahma despertou interesse de significativa
parcela da sociedade tendo em vista a amplitude dos reflexos econômicos
decorrentes da fusão dos dois maiores fabricantes de cerveja do mercado
nacional.
Vale ressaltar que além das manifestações terem sido
numerosas, elas partiram das mais variadas classes da sociedade uma vez
que vários órgãos representativos correm o risco de serem afetados pela
referida fusão - tanto direta como indiretamente - visto que esta operação pode
ocasionar bruscas alterações no mercado, nas redes de distribuição, no setor
hoteleiro, nas relações de trabalho e de consumo e até no mercado agrícola
uma vez que as cervejarias podem controlar e influenciar o consumo de
matéria-prima, ou seja, não se trata apenas de mais uma fusão empresarial.
As alegações apresentadas tiveram consistência e embasamento
uma vez que extensa documentação - composta por gráficos, tabelas,
pesquisas de mercado, dados de fabricação, venda e distribuição de bebidas -
foi juntada ao processo de modo que ao Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE) coube avaliar a situação com imparcialidade para então
mensurar os efeitos ocasionados por referida fusão.
Como foi dito inicialmente, não basta apenas verificar a
ocorrência de uma fusão de consideráveis proporções para impedir a sua
realização de imediato, antes de tudo é necessário constatar se referida
operação representa um perigo a manutenção da concorrência, ou seja, se
referida operação não acarreta efeitos anticoncorrenciais não há porque
impedi-la.
Em que pese as alegações contrárias a ocorrência da fusão
estarem centradas na afirmação de que a AMBEV deterá mais de 70 % do
mercado nacional de cervejas, há de se analisar o contexto atual deste
mercado.
Dispendidos esforços neste sentido, obtempera-se a alegação
supra com a verificação de que os mercados são regionais e também devem
levar em conta a venda e fabricação de refrigerantes, além do que a geração
de sinergias com referida fusão que possibilitarão o desenvolvimento
tecnológico de empresas nacionais.
É inconteste que a cooperação entre as empresas contribuirá,
inconscientemente, para constituição ou manutenção de determinada ordem
interna, em defesa dos interesses individuais a exemplo do que assevera o
paradigma amplamente aceito de que “o todo é mais do que a soma das
partes”.
Ademais, o Conselho Administrativo de Defesa Econômico
desempenhou a sua função ao acompanhar a realização de referido ato de
concentração impondo uma série de medidas a serem cumpridas na
salvaguarda da concorrência e que culminaram na aceitação da diretoria da
empresa AMBEV em assinar um Termo de Compromisso cuja observância é
obrigatória, com a obrigatoriedade do fornecimento de um relatório informativo
semestral pela empresa AMBEV para que o CADE possa acompanhar o
cumprimento e a execução de referido Termo de Compromisso.
Este é um claro exemplo de atuação preventiva em que, antes da
caracterização de um ato de abuso de poder econômico, o poder público
interveio impondo regulações e limites por meio de um sistema de contrapesos
e medidas, com isso minorando antecipadamente os riscos do abuso no
exercício do poder econômico.
Nada impede, é claro, que na hipótese de verificar-se um ato
abusivo por parte da AMBEV, existam imposições e restrições mais severas ou
até punições que já são previstas em lei, dependendo da gravidade e extensão
da lesão verificada.
Por fim vale repetir a ponderação realizada anteriormente de que
a proteção da concorrência - como instrumento de colaboração inteligente para
o desenvolvimento do país - não se limita apenas em proibir toda fusão,
incorporação ou outra forma de concentração empresarial que possa existir já
que o aumento da concentração de mercado não fundamenta, por si só, os
motivos para desconstituir uma operação.
Não obstante insta frisar a importância de que toda operação que
represente potencialmente o risco da produção de efeitos anticoncorrenciais
deve necessariamente ser antecedida pela análise do órgão competente no
anseio de coibir e evitar o surgimento de todo e qualquer abuso de poder
econômico.
O poder econômico - fruto da detenção dos meios de produção -
é um dado estrutural normal e necessário aos mercados em geral. Sua
presença não pode mais ser considerada como uma anomalia assim como sua
função social não pode ser ignorada porquanto é ela quem determina a esfera
da legítima atuação dos agentes econômicos.
Todavia existe uma tendência do poder econômico em
concentrar-se cada vez mais nas mãos de poucos detentores, neste intento é
que surgem os abusos de poder econômico na tentativa de subjugar os demais
competidores e desestabilizar a estrutura mercadológica.
A partir do momento em que for verificado o exercício abusivo de
poder econômico torna-se imperiosa a ação da legislação penal para coibir,
reprimir e punir estas nocivas manifestações do poder econômico caso
contrário estimular-se-á o cometimento de novas - e maiores - práticas
abusivas, em prejuízo de toda a sociedade.

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