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Entrevistas de Logística Pública (2015-2018)

Brasília

2018
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Sumário
1. Introdução................................................................................................................................ 8
2. Seminário de Boas Práticas em Pregão Eletrônico com Evaldo Araújo Ramos, 04/12/2015 9
3. Seminário de Gestão de Convênios com Remilson Soares Candeia, 22/10/2015 ............... 12
4. Entrevista com Daniel de Andrade Oliveira Barral, 05/10/2015.......................................... 15
5. Seminário 4 anos de RDC com Ronny Charles Lopes de Torres, 04/08/2015 ...................... 20
6. Seminário de Sanções Administrativas Aplicáveis às modalidades da Lei nº8.666/93 e
Pregão na Administração Pública com Renato Felini, 23/06/15 .............................................. 22
7. Seminário Combatendo o Fracionamento de Despesas com Renato Fenili, 10/02/2016 .. 24
8. Entrevista para o Segundo Seminário Prevenção de Artimanhas e Conluios em Obras
Públicas com Gustavo Ferreira Olkowski, 24/03/2016 ............................................................ 26
9. Seminário 50 erros mais comuns em Licitações com Sandro Bernardes 22/04/2016 ........ 32
10. Entrevista para o Seminário Sanções Administrativas Aplicáveis à Modalidades da Lei
8.666/93 e Pregão na Administração Pública com Renato Fenili, 03/06/2016 ...................... 35
11. Tercero Seminário de Boas Práticas em Pregão Eletrônico com Patrícia Mastella e
Weberson Silva, 14/11/2016 ..................................................................................................... 37
12. Entrevista sobre Licitações e a lei das Estatais com Marinês Restelatto Dotti,
28/11/2016 ................................................................................................................................. 43
13. Entrevista sobre o Sistema de Registro de Preços com Marcio Motta Lima da Cruz,
30/11/2016 ................................................................................................................................. 47
14. Entrevista sobre a Terceirização na Administração Pública com Thiago Bergmann de
Queiroz , 09/01/2017 ................................................................................................................. 51
15. Entrevista sobre o Planejamento na Área de Licitações com Marcio Lima Medeiros,
20/01/2017 ................................................................................................................................. 53
16. Entrevista sobre Regime Diferenciado de Contratações-RDC com a professora
Michelle Marry Marques da Silva, 02/02/2017 ........................................................................ 57
17. Entrevista sobre Licitações nos países da União Europeia com Henrique Savanitti
Miranda, 10/02/2017 ................................................................................................................. 65
18. Seminário Governança em TI com Cristiano HecKert, 18/10/2016 ............................. 70
19. Seminário como Fiscalizar Contratos de Compras e Serviços na Administração
Pública Melhores Práticas para Atuação Eficientes do Fiscal e do Gestor com João Luiz
Domingues, 29/07/2016 ............................................................................................................ 72
20. Seminário Os 20 vícios mais comuns em Licitações e nos Contratos com Daniel Barral
e Evaldo Ramos, 05/10/2017 ..................................................................................................... 76
21. Seminário de Compras Públicas Sustentáveis com Frederico Goepfert, Juarez Sostena
e Jhéssica Cardoso, 05/08/2016 ................................................................................................ 80
22. Seminário sobre Contratação Direta na Administração Pública: Dispensa e
Inexibilidade de Licitação com Thiago Bergmann, 16/09/2016 ............................................... 84
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23. Seminário Sistema de Registro de Preços e seu uso como Instrumento de Gestão
Pública Rafael com Sérgio Lima de Oliveira, 20/05/2016 ......................................................... 88
24. Entrevista sobre Licitações na área de Infraestrutura com Marcelo Bruto da Costa
Correia, 15/02/2017 ................................................................................................................... 91
25. Seminário Planejamento e Governança em Compras Públicas com Renato Fenili,
21/02/2017 ................................................................................................................................. 94
26. Entrevista sobre a Gestão de Riscos em Compras Públicas com Franklin Brasil,
03/03/2017 ................................................................................................................................. 97
27. Entrevista sobre o Projeto que altera a Lei de Licitações e Contratos com o professor
e Desembargador Jessé Torres Pereira Junior, 07/03/2017 ................................................... 101
28. Entrevista sobre as licitações para micro e pequenas empresas com Nilo Cruz Neto,
08/12/2017 ............................................................................................................................... 105
29. Entrevista sobre licitações e contratações da Administração Pública com Marçal
Justen Filho, 20/03/2017 ......................................................................................................... 110
30. Entrevista com o Secretário de Controle Externo de Aquisições Logísticas do TCU,
Frederico Julio Goepfert Junior, sobre atuação do controle externo nas licitações no Brasil;
27/03/2017 ............................................................................................................................... 116
31. Entrevista com o professor Rafael Sérgio Lima de Oliveira sobre o projeto que altera a Lei
de Licitações e Contratos, PLS 559/2013, 03/04/2017 ........................................................... 120
32. Entrevista sobre as Contratações de TI com o professor Diogo da Fonseca Tabalipa,
10/04/2017 ............................................................................................................................... 123
33. Entrevista sobre as Licitações nos EUA com o professor Aldo Dórea Mattos, 18/04/2017126
34. Entrevista sobre as Licitações no Banco Central com o professor Daniel Cardim Heller,
24/04/2017 ............................................................................................................................... 127
35. Entrevista sobre Licitações com o Ministro do TCU Weder de Oliveira, 02/05/2017 ..... 130
36. Entrevista sobre Licitações na América Latina com a especialista em compras públicas do
BID, Leslie Harper, 09/05/2017 ............................................................................................... 139
37. Entrevista sobre Gestão Patrimonial na Administração Pública com o professor da Enap
Vandeir Luiz da Silva, 17/05/2017 ........................................................................................... 142
38. Entrevista sobre a gestão de pessoas em áreas de licitações com o diretor da Central de
Compras da Câmara dos Deputados e professor da Enap, Renato Fenili, 23/05/2017 .........145
39. Entrevista sobre o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) com
o professor da ENAP Lúcio Antônio Frezza Costa, 31/05/2017 ..............................................149
40. Entrevista com o professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes sobre compras públicas,
06/06/2017 ...............................................................................................................................160
41. Entrevista sobre a Bolsa Eletrônica de Compras do Governo do Estado de São Paulo
(BEC/SP) com a professora Maria de Fátima Alves Ferreira, 14/06/2017 ............................ 162
42. Entrevista sobre a Gestão de Indicadores em Compras Públicas com o professor Gilberto
Porto, 19/09/2017 ....................................................................................................................165
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43. Entrevista sobre a Lei das Estatais com o professor e especialista em licitações Arthur
Luis Pinho de Lima, 30/06/2017 ..............................................................................................168
44. Entrevista sobre a segregação de funções em licitações com o professor da Enap Ronaldo
Corrêa, 14/07/2017 ..................................................................................................................170
45. Entrevista sobre o planejamento das compras públicas com o professor da Enap Bruno
Eduardo Martins, 18/07/2017 .................................................................................................177
46. Entrevista sobre compras públicas sustentáveis com a professora Ketlin Feitosa de
Albuquerque Lima Scartezini, 26/07/2017 ............................................................................. 183
47. Entrevista sobre boas práticas em pregão eletrônico e SRP com o professor da ENAP
Vinicius Martins, 01/08/2017 .................................................................................................. 189
48. Seminário Melhores Práticas em Contratações de TI, Professor Walter Cunha,
12/05/2017 ............................................................................................................................... 194
49. Seminário Aspectos Controversos em Licitações com João Luiz Domingues, 06/07/2017198
50. Entrevista Virgínia Bracarense Lopes sobre Central de Compras do Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 15/08/2017 ....................................................... 206
51. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de
Administração Pública, a professora da Enap, Jhessica Ribeiro Cardoso, falou sobre Logística
Reversa no setor público 09/08/2017 ..................................................................................... 217
52. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de
Administração Pública, a professora da ENAP Lidiane da Silva Marques falou sobre licitações
na área da saúde, 22/08/2017 ................................................................................................. 220
53. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de
Administração Pública, o professor da ENAP Genivaldo dos Santos Costa falou sobre os
custos nas contratações dos serviços de natureza continuada com dedicação exclusiva de
mão de obra de acordo com a IN 05, 25/08/2017 .................................................................. 223
54. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de
Administração Pública, o professor da ENAP Antônio Jorge Leitão falou sobre aditamentos
contratuais, 29/08/2017 .......................................................................................................... 231
55. Entrevista com a professora da ENAP Gisele Aparecida Goncalves de Oliveira sobre boas
práticas na elaboração de termos de referência,05/09/2017 ................................................ 235
56. Entrevista com a professora da ENAP Cecília de Almeida Costa sobre estudos técnicos
preliminares, 12/09/2017 ........................................................................................................ 242
57. Entrevista com o professor e diretor do Departamento de Licitações da UFSC, Ricardo da
Silveira Porto, sobre o RDC, 19/09/2017................................................................................. 250
58. Entrevista com o Ministro Benjamin Zymler sobre licitações e contratos, 26/09/2017 . 262
59. Entrevista sobre indicadores em Compras Públicas com o professor Thiago Bergmann,
29/09/2017 ............................................................................................................................... 267
60. Entrevista com o professor Ronny Charles Lopes de Torres sobre Contratação Direta na
Administração Pública, 03/10/2017 ........................................................................................ 274
61. Entrevista sobre certificação em Compras Públicas com a Diretora do e Presidenta da
Rede Interamericana de Compras Governamentais, Trinidad Inostroza, 10/10/2017 ......... 279
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62. Entrevista com o professor Joel de Menezes Niebuhr sobre a modernização das licitações
no Brasil, 13/10/2017...............................................................................................................284
63. Entrevista sobre licitações internacionais para a Comunidade de Compras Públicas da
ENAP com o professor Rafael Wallbach Schwind, 17/10/2017 .............................................. 289
64. Entrevista com o professor Renato Cader sobre a Gestão Estratégica e Governança nas
Licitações, 20/10/2017 ............................................................................................................. 301
65. Entrevista com a professora Lucimar Rizzo sobre boas práticas em fiscalização de
contratos administrativos, 24/10/2017 .................................................................................. 309
66. Em entrevista para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de
Administração Pública (Enap), o professor Ciro Campos Christo Fernandes, 27/10/2017... 318
67. Entrevista com o professor Paulo Sérgio Ferreira Rago sobre Gestão de Frota de Veículos
na Administração Pública, 31/10/2017 ................................................................................... 325
68. Entrevista sobre Licitações e Contratos com o professor e Subprocurador-Geral do
Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Rocha Furtado, 03/11/2017328
69. Entrevista sobre temas avançados em Pregão Eletrônico com o professor Victor
Amorim,07/11/2017 ................................................................................................................ 331
70. Entrevista sobre as licitações na Itália com o professor Henrique Savonitti, 09/11/2017336
71. Entrevista sobre a Gestão de Riscos no setor público com o professor Rodrigo Pironti,
14/11/2017 ............................................................................................................................... 342
72. Entrevista sobre Governança em Compras Públicas com o professor e Ministro do
Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, 17/11/2017 .................................................. 346
73. Entrevista sobre o almoxarifado virtual no setor público com o professor Marcelo
Moreira Prado, 21/11/2017 ..................................................................................................... 353
74. Entrevista sobre boas práticas em compras públicas sustentáveis com o professor
Alessandro Quintanilha, 24/11/2017 ...................................................................................... 361
75. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de
Administração Pública com o professor Cláudio Sarian Altounian sobre contratos “built to
suit” ou “locação sob medida”, 28/11/2017 ........................................................................... 372
76. Entrevista com o professor da ENAP Paulo Bernardes Honorio de Mendonça sobre boas
práticas em pregão eletrônico e registro de preços, 22/09/2017 .......................................... 377
77. Entrevista sobre o TáxiGOV com a equipe da Central de Compras com Wolmar Aguiar,
Isabela Gebrim, Juliano Flávio Rezende e Fábio Ribeiro, 20/03/2018 .................................. 381
78. Entrevista com o Professor Edgar Guimarães sobre a Lei das Estatais, 02/03/2018 ....... 388
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1. Introdução

A ideia de produzir conteúdos por meio de entrevistas surgiu como uma forma de
reforçar a divulgação dos seminários da ENAP sobre Logística Pública. O palestrante
era convidado a falar sobre o tema do evento em até 10 perguntas. Em 2016, a
produção de entrevistas passou também a ser um meio de disponibilizarmos aos
servidores públicos matérias sobre licitações na Comunidade de Compras Públicas da
Escola.
Os entrevistados responderam perguntas elaboradas pelos docentes da ENAP sempre
com o objetivo de abordar temas de interesse de nossos alunos em entrevistas de
rápida leitura e divulgadas em redes sociais. Participaram também do projeto o
servidor da ENAP e especialista em Compras Públicas, Ciro Campos Christo, o professor
da ENAP Ronaldo Corrêa e a equipe da Diretoria de Comunicação e Pesquisa. Jussara
Guedes da Rocha e Mariana Lacerda trabalharam na edição dessa publicação.
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2. Seminário de Boas Práticas em Pregão Eletrônico com Evaldo Araújo Ramos,


04/12/2015
• Perguntas elaboradas pela Professora Patrícia Mastella.
Cadastro Reserva: No caso da empresa vencedora declinar em assinar o contrato e o Órgão
tiver que chamar a empresa segundo colocada do Cadastro Reserva. Como se operacionaliza
a utilização do Cadastro Reserva?

Evaldo Ramos: O Decreto Federal n.º 7.892/13, que regulamenta o Sistema de Registro de
Preços no âmbito federal, instituiu o chamado cadastro de reserva como instrumento de
eficiência na gestão dos recursos públicos, na medida em que ao utilizá-lo a Administração
estará preparada para solucionar problemas relacionados ao cancelamento da ata ou mesmo à
recusa em assiná-la. Dessa forma, caso não seja possível o cumprimento do objeto registrado
na ata por parte do vencedor da licitação, a Administração poderá convocar empresas que
constem do cadastro de reserva para execução do objeto licitado nas mesmas condições do
beneficiário originário da ata. Em termos práticos, recomenda-se que a consulta às empresas
sobre o interesse em comporem o cadastro de reserva seja feita no momento da homologação
do certame, pois neste instante há a chancela de regularidade dos atos promovidos pela
comissão ou pelo pregoeiro. Cumpre lembrar ainda que a lista das empresas integrantes do
cadastro acompanhará a ata de registro de preços como anexo. Uma questão que tem gerado
muita dúvida refere-se ao procedimento de habilitação da empresa integrante do cadastro de
reserva, sobretudo na hipótese de cancelamento da ata, em que já se passou um tempo
razoável desde a conclusão da licitação. Pois bem, penso que a melhor alternativa seja a
notificação de todos os interessados, ou seja, daquelas empresas que participaram da
licitação, para acompanhamento dos atos necessários à comprovação de atendimento aos
requisitos de aceitabilidade da proposta e habilitação por parte da licitante convocada.

Sócios em comum: Qual a real implicação da confirmação de sócios em comum na fase de


habilitação e ainda, considerando que a empresa apresentou declaração de proposta
independente?

Evaldo Ramos: Não existe vedação legal expressa à participação de empresas com sócios em
comum nas licitações públicas, razão pela qual acredito ser precipitada a desclassificação
sumária. Em minha opinião, é preciso avaliar outros elementos que possam indicar, no caso
concreto, se houve afronta ao princípio do sigilo das propostas ou mesmo tentativa de fraude
à competitividade do certame. Deve-se ter atenção, no caso do pregão eletrônico, à postura
das empresas durante a etapa competitiva e principalmente na fase de aceitabilidade da
proposta, a fim de identificar conduta dirigida e premeditada a beneficiar a empresa
“parceira”. No sistema comprasnet há uma ferramenta que identifica as empresas com sócios
em comum e que funciona como alerta ao pregoeiro sobre eventual tentativa de fraude à
competição. Sobre este ponto, recomendo a leitura do acórdão 1793/2011 – Plenário, no qual
o TCU abordou a questão e advertiu o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão sobre
o risco de empresas estarem atuando em conluio nos pregões eletrônicos promovidos no
âmbito federal, principalmente por intermédio de empresas atuando como “coelho”, ou seja,
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reduzindo seus preços a fim de desestimular a participação de outros licitantes na etapa de


lances, desistindo posteriormente do certame.

Sanções Administrativas: Seria uma boa prática, no Edital separar as sanções para o Licitante
utilizando a Lei 10.520/2002 e as Sanções para o Contratado utilizando a Lei 8.666/1993?

Evaldo Ramos: Existem algumas correntes doutrinárias sobre este tema. Particularmente,
penso que a Lei n.º 10.520/2002 dispõe suficientemente sobre a matéria, de modo que não
caberia a aplicação subsidiária da Lei n.º 8.666/1993. No entanto, devo admitir que na maioria
dos órgãos e entidades administrativas tem sido mais comum encontrarmos editais nos quais
há uma espécie de integração entre as espécies de sanções previstas nas duas normas.
Recentemente, o Tribunal de Contas da União manifestou-se sobre o tema por meio do
acórdão 2530/2015 – Plenário e, aparentemente, não se opôs à tese de que as diversas
espécies de sanções poderiam ser conjugadas em uma única modalidade. Além destas linhas
de interpretação, há várias outras como, por exemplo, a que defende ser possível acrescentar
apenas a sanção de advertência às licitações na modalidade de pregão. Existe também
corrente interpretativa no sentido de que as penalidades da Lei n.º 10.520/2002 seriam
cabíveis na fase de licitação enquanto aquelas da Lei n.º 8.666/1993 se reservariam à etapa de
execução contratual.

Abertura de Processo Administrativo - desistência de proposta:

A desistência da proposta se caracteriza, indubitavelmente, em qual(is) fase(s) do Pregão


Eletrônico? (antes da abertura da sessão? antes da abertura da fase de lances? na fase de
aceitação? na fase de habilitação? todas?

Evaldo Ramos: No caso do pregão eletrônico, as empresas interessadas podem incluir,


modificar ou mesmo excluir suas propostas no sistema até antes do início da sessão de
abertura do certame. Após este momento, não cabe mais desistência da proposta e a não
manutenção dela poderá acarretar punição à licitante.

No caso de possibilidade de abertura de processo administrativo por esse motivo, o


Pregoeiro pode informar a Autoridade Competente fundamentado no art. 28 do Decreto nº
5.450/2005?

Evaldo Ramos: Conforme dito no item acima, a licitante que não mantiver a proposta estará
sujeita às penalidades previstas no art. 28 do Decreto n.º 5.450/2005, sobretudo porque se
trata de hipótese expressamente prevista como passível de punição. A penalidade aplicada
poderá ser o impedimento de licitar e contratar com a União e o descredenciamento no SICAF,
pelo prazo de até cinco anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das
demais cominações legais.

Regularidade Fiscal ME/EPP: Com o advento do Decreto nº 8.538 de 6 de outubro de 2015, a


comprovação de regularidade fiscal das ME/EPP torna-se para efeito de contratação e não
como condição de participação. Pergunta-se, como proceder no caso da ME/EPP ainda
apresentar pendência fiscal no ato da assinatura do contrato?
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Evaldo Ramos: O referido Decreto estabelece um procedimento para a aplicação do benefício.


É bom lembrar que a ME/EPP terá direito ao prazo especial apenas em relação aos
documentos fiscais, não sendo aplicável à regularidade jurídica, habilitação técnica e
qualificação econômico-financeira. Pois bem, a norma regulamentar define no seu art. 4º, §2º,
incisos I e II o momento em que será iniciada a contagem do prazo para regularização fiscal,
sendo que no caso do pregão o termo inicial é no momento da divulgação do resultado de
habilitação. Além disso, o §4º do mesmo artigo prescreve que a etapa recursal será iniciada
após o encerramento do prazo especial ou, se for o caso, da sua prorrogação. Ora, se para
iniciar a fase recursal é preciso que o prazo especial para regularização já tenha transcorrido,
não acredito que a ME/EPP possa ser declarada vencedora do certame antes de providenciar a
regularização fiscal. Ressalte-se que a perda superveniente das condições de habilitação,
inclusive as relativas à regularidade fiscal, pode ensejar a rescisão do contrato, caso já tenha
sido assinado, ou o cancelamento da habilitação, caso o contrato ainda não tenha sido
firmado.

Em um Pregão de serviços de engenharia cujo critério de aceitabilidade é menor preço por


item e menor preço global, pergunta-se: Ao finalizar a fase de lances se a empresa atendeu
parcialmente esse critério o Pregoeiro deve negociar ou pode recusar imediatamente a
proposta?

Evaldo Ramos: Inicialmente, devemos recordar que a Súmula 259 do TCU impõe a
obrigatoriedade de definição de critério de aceitabilidade dos preços unitários e global para
licitações cujo objeto seja obra ou serviço de engenharia, determinando ainda que sejam
fixados preços máximos para ambos. Na situação apresentada, parece-me que o princípio da
economicidade deve nortear a ação administrativa, de modo que caberia sim a reconvocação
da empresa para apresentação de nova planilha sem os sobrepreços unitários detectados na
planilha original. A retificação da planilha não poderá, obviamente, implicar acréscimo no
preço global. Acredito que não seja necessário vedar qualquer outro ajuste na planilha além
daquele relativo à redução no preço dos itens que estejam com valores acima do limite
máximo aceitável.

Na abertura da sessão de um Pregão Eletrônico, é conveniente ou poderia ser considerado


uma boa prática que o Pregoeiro se identifique? Ex. Boa tarde, senhores licitantes! Aqui é o
Pregoeiro João Ricardo Almeida. Ou a seu ver, é melhor manter a impessoalidade?

Evaldo Ramos: Confesso que nunca avaliei a conveniência de identificação do pregoeiro na


sessão pública do pregão eletrônico. Considero que a divulgação do nome seja uma maneira
de deixar ainda mais transparente o procedimento, na medida em que restará claro para todos
os licitantes quem efetivamente está conduzindo os trabalhos, sobretudo por haver
frequentes mudanças entre os pregoeiros em função de ausências legais do titular.
Aproveitando o ensejo, creio que o mais importante seja o registro de algumas informações
relevantes antes de iniciar a fase competitiva do pregão, cuja finalidade é advertir os
participantes acerca das principais regras do edital.

O que o aluno da ENAP poderá esperar para o Segundo Seminário de Boas Práticas em
Pregão Eletrônico?
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Evaldo Ramos: A proposta para o 2º Seminário de Boas Práticas em Pregão Eletrônico é criar
um ambiente de compartilhamento de ideias por meio da discussão sobre temas relevantes
envolvendo os pregões eletrônicos. Tentaremos priorizar a abordagem prática com diversos
estudos de caso relacionados a situações enfrentadas diariamente por aqueles que trabalham
com pregão eletrônico, mencionando sempre as mais recentes orientações jurisprudenciais e
doutrinárias sobre cada tema. Um abraço a todos e espero vocês no dia 04/12/2015.

Evaldo Araújo Ramos é formado em Administração pela Universidade de Brasília e em Direito


pela Universidade Católica de Brasília. Iniciou em 2017 um MBA em licitações e contratos
administrativos. Atualmente ocupa o cargo de auditor federal de controle externo no Tribunal
de Contas da União, onde desempenha as funções de pregoeiro, leiloeiro e presidente das
comissões especiais de licitação. Já exerceu os cargos de técnico judiciário no Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios e de analista de finanças e controle na Controladoria-
Geral da União. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

Patrícia Mastella é formada em Administração pela Universidade para o Desenvolvimento do


Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP e também em Música - habilitação em Regência
pela Universidade de Brasília. Possui especialização na área de logística e gestão pública e
Mestrado em Docência e Gestão da Educação pela Universidade portuguesa Fernando Pessoa.
É professora colaboradora e palestrante da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP)
desde 2014 e da Escola Fazendária (ESAF), também atua como consultora, palestrante e
instrutora em cursos de capacitação na área de licitações e logística e servidora pública no
Ministério da Defesa - Departamento de Engenharia e Construção (DEC).

3. Seminário de Gestão de Convênios com Remilson Soares Candeia, 22/10/2015


• Perguntas elaboradas pelo Professor Lucio Antonio Frezza.

Em que medida a nova legislação impacta na legislação em vigor (Decreto 6170/2007 e PI


507/2011)? Quais as consequências práticas? Poderá ocorrer um conflito entre as normas?

Remilson Candeia: A transferência de recursos públicos mediante convênios e contratos de


repasse representa um importante instrumento de consolidação do pacto federativo, na
medida em que entes da Federação realizam objeto de interesse recíproco em regime de
mútua cooperação. Essa parceria privilegia o atingimento das finalidades do Estado. Não se
vislumbra possibilidade de conflito entre essas normas, pois são complementares e não pode
haver conflito entre elas.

No mesmo contexto, a nova legislação destacou a importância de uma política de fomento e


de colaboração com as organizações da sociedade civil. Sabe-se que a maioria dos Convênios
firmados atualmente envolvem organização da sociedade civil sem fins lucrativos. Assim, é
possível que ocorra uma diminuição dos Convênios firmados com entidades públicas?

Remilson Candeia: A possibilidade de celebrar esses ajustes com entidades privadas sem fins
lucrativos não deve diminuir aqueles firmados com órgãos ou entidades públicas.
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A Lei 13019/2014 instituiu novos instrumentos jurídicos para a formalização das parcerias
com as entidades privadas sem fins lucrativos: O termo de colaboração e o termo de
fomento. Quais as diferenças entre os novos instrumentos e o instrumento anterior
(Convênio)?

Remilson Candeia: A Lei 13.019/2014 trata de “regime jurídico das parcerias voluntárias,
envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as
organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de
finalidades de interesse público”.
Tem-se a mesma essência: realização de objeto de interesse recíproco em regime de mútua
cooperação. Entretanto, esse normativo aplica-se exclusivamente a acordos firmados com
organizações da sociedade civil. Talvez possa emergir um questionamento acerca da
possibilidade jurídica de a União estabelecer, nesses termos, normas destinadas aos estados,
Distrito Federal e município.

Atualmente existe um sistema gerencial denominado SICONV (Portal de Convênios) no qual


se faz a gestão de todos os Convênios firmados com o Governo Federal, inclusive àqueles
firmados com entidades privadas sem fins lucrativos. Com a criação desses novos
instrumentos (Termo de Colaboração e Termo de Fomento) será criado um novo sistema on
line para a gestão desses instrumentos ou será aproveitada a plataforma do SICONV? Quais
as perspectivas?

Remilson Candeia: Desconheço a criação desse novo sistema. O princípio da publicidade está
expressamente consagrado na Constituição (art. 37, caput). Além de dar publicidade dos atos
praticados pela Administração, o princípio da publicidade possui a essência de permitir o
controle desses atos. Esse deve ser o sentido teleológico do princípio da publicidade:
possibilitar o controle dos atos praticados pela Administração. Caso seja criado novo sistema
on line, deve haver comunicação ente este e o Siconv, para impedir a celebração de mais de
um ajuste com órgãos públicos diversos para a realização do mesmo objeto. É importante
mencionar que a Lei fala em processamento das compras e contratações por meio de sistema
eletrônico (art. 43), mas também possibilita que estados, Distrito Federal e municípios possam
aderia ao Siconv (art. 81), o que é muito salutar.

Quanto à fiscalização dos Convênios, o TCU ressalta a importância desse procedimento,


notadamente a fiscalização in loco. No caso de omissão ou negligência do Concedente ou
mesmo se o Convenente causar embaraço/obstáculo à fiscalização do Concedente, quais as
implicações para cada um dos envolvidos? A responsabilização e aplicação de sanções em
cada caso?

Remilson Candeia: Todo aquele que der causa a dano ou malversação de recursos públicos
federais está sujeito à tomada de contas especial, que via a apurar os fatos, identificar os
responsáveis e quantificar o dano. Reponde solidariamente o gestor que tendo tomado
conhecimento de irregularidades ensejadoras de tomada de contas especial não a instaurar ou
não der ciência à autoridade competente para sua instauração.O Tribunal de Contas da União
poderá aplicar multa em todo o responsável que tiver suas contas julgadas irregulares, com ou
sem débito.
14

Qual a importância do Controle Interno no âmbito do Concedente? Quais as orientações do


TCU quanto à necessidade desse Órgão? Quais as responsabilidades e consequências de um
Controle Interno ineficaz?

Remilson Candeia: O Controle Interno faz parte do Sistema de Controle, é instituto


constitucional e fundamental na fiscalização da correta aplicação dos recursos públicos. Seu
pronunciamento em tomada de contas especial é imprescindível.

No tocante à fiscalização, qual é a metodologia utilizada pelo TCU no que se refere aos
Convênios e congêneres?

Remilson Candeia: Há fiscalizações prévias, concomitantes e posteriores. Inspeções,


monitoramentos, levantamentos, dentro outros, são instrumentos de fiscalização pelo TCU.

Que medidas devem ser tomadas quando da verificação de irregularidades durante o


acompanhamento ou fiscalização do objeto?

Remilson Candeia: Levar ao conhecimento da autoridade competente os achados relevantes,


a fim de se analisar a pertinência de se instaurar tomada de contas especial, ou, de plano,
formular determinações ao jurisdicionado. O instrumento de que se vale a equipe de auditoria,
nesses casos, é a representação.

O que o aluno da ENAP poderá esperar para o Seminário Gestão de Convênios: Riscos e
Controles?

Remilson Candeia: Uma troca de experiências entre palestrante e participantes, a fim de


aperfeiçoar a Administração Pública, com abordagem de temas relevantes no que tange a
convênios, mas com linguagem simples, prática e objetiva, sempre com fundamento na melhor
doutrina e na jurisprudência do TCU.

Remilson Soares Candeia é formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) em Letras
pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Pós-Graduado em Língua Portuguesa e Mestre
em Direito, na área de concentração "Constituição e Sociedade", pelo Instituto Brasiliense de
Direito Público (IDP). Pós-Graduado em Direito Público, pelo Instituto Processus. Doutor em
Direito pela Universidade Veiga de Almeida (UVA). Atualmente ocupa o cargo efetivo de
Auditor Federal de Controle Externo no Tribunal de Contas da União, onde exerceu as funções
de Secretário-Geral Adjunto da Presidência, Assessor de Ministro, Chefe de Gabinete, Oficial
de Gabinete. Palestrante da Escola Nacional de Administração Pública.

Lúcio Antonio Frezza Costa possui graduação em Direito pelo Centro Universitário do
Triângulo (1999). É professor-tutor da Escola Nacional da Administração Pública (ENAP) em
cursos presenciais e EAD, professor-tutor da Escola Superior do Ministério Público da União
(ESMPU), professor da Escola Nacional de Governo, dentre outras Instituições parceiras
(CNPQ, MCTI, MI ...). É analista do MPU/Apoio Jurídico/Direito do Ministério Público do
Trabalho com atuação na Coordenação de Recursos Judiciais na Procuradoria Geral do
Trabalho. Tem experiência em docência e na área de Direito, com ênfase em Direito Público.
15

4. Entrevista com Daniel de Andrade Oliveira Barral, 05/10/2015


• Perguntas elaboradas por Ciro Campos Christo Fernandes.

Desde o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei


Complementar n. 123), várias leis e normas foram aprovadas para apoiar este segmento. Por
que é importante dar um tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas nas
licitações públicas?

Daniel Barral: A importância de conferir um tratamento diferenciado às microempresas e


empresas de pequeno porte (MPE) decorre do reconhecimento da relevância destas
sociedades empresárias para o desenvolvimento econômico do País, associada à constatação
de que o Brasil ainda ostenta um dos ambientes de negócio mais hostis, especialmente
quando enfocamos as dificuldades de se abrir um negócio, resolver problemas cotidianos e
pagar tributos.
Quanto ao primeiro aspecto, a relevância das MPE´s é demonstrada pelo levantamento
apresentado pela Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, que
aponta serem elas responsáveis por 99% dos estabelecimentos privados não agrícolas, além de
contribuírem com mais de 50% dos empregos formais do país1.
Ademais, para o IBGE, as micro e pequenas empresas fornecem uma importante contribuição
no crescimento e desenvolvimento do país que é a de servirem de “colchão” amortecedor do
desemprego, constituindo uma alternativa de ocupação para uma pequena parcela da
população que tem capacidade para desenvolver seu próprio negócio, e em uma alternativa de
emprego formal ou informal, para uma grande parcela da força de trabalho excedente, em
geral com pouca qualificação, que não encontra emprego nas empresas de maior porte.2
Assim, tendo presente a vital importância deste setor para o crescimento e desenvolvimento
do país, faz-se imperioso reduzir os enormes entraves burocráticos existentes no ambiente de
negócios nacional, para que os pequenos empresários possam ter alguma condição de acessar
novos mercados.
Com efeito, segundo pesquisa3 publicada pela Universidade de Cornell, INSEAD (Escola de
Negócios Europeia) e WIPO (Organização Mundial para a Propriedade Intelectual) o Brasil
ocupa a posição 137 no ranking mundial de ambiente de negócios, num total de 143 países
avaliados, ficando à frente apenas de Venezuela, última colocada, Guiné, Miamar, Bolívia,
Gâmbia e Angola.
Por estas razões é que o próprio Constituinte determinou a existência de um tratamento
favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte, como se depreende da leitura
dos arts. 146, III, “d”, 170, IX e 179 da CRFB4, com o claro intuito de incentivar a sua criação e
facilitar o acesso destas empresas a novos mercados.

1
http://smpe.gov.br/assuntos/acesso-a-mercados
2 As Micro e pequenas empresas comerciais e de serviços no Brasil : 2001 / IBGE, Coordenação de
Serviços e Comércio. – Rio de Janeiro : IBGE, 2003, disponível em:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv1898.pdf acessado no dia 04 de setembro de 2015.
3
Para maiores informações, consulte: http://www.globalinnovationindex.org/content.aspx?page=data-
analysis
4
Art. 146. Cabe à lei complementar:
16

Dentre as medidas tendentes a atingir estes objetivos constitucionais, a Lei complementar nº


123, de 14 de dezembro de 2006 conta com regras mais benéficas nas aquisições públicas. O
fundamento para esta previsão é a busca do legislador para, além de realizar uma boa
contratação, extrair do resultado da licitação externalidades positivas5, especialmente em
razão do efeito multiplicador da demanda de bens e serviços do setor público sobre o nível de
atividade, a geração de emprego e renda, e, por conseguinte, o desenvolvimento do país.
Este fenômeno de uso do poder de compra do Estado para estimular a produção doméstica de
bens e serviços nacionais é encarado como um importante instrumento de política pública de
diversos países. São ilustrativas, nesse sentido, as diretrizes adotadas nos Estados Unidos,
consubstanciadas no "Buy American Act", em vigor desde 1933, que estabeleceram
preferência a produtos manufaturados no país, desde que aliados à qualidade satisfatória,
provisão em quantidade suficiente e disponibilidade comercial em bases razoáveis. No período
recente, merecem registro as ações contidas na denominada "American Recovery and
Reinvestment Act", implementada em 2009.
A China contempla norma similar, conforme disposições da Lei nº 68, de 29 de junho de 2002,
que estipulada orientações para a concessão de preferência a bens e serviços chineses em
compras governamentais, ressalvada a hipótese de indisponibilidade no país. Na América
Latina, cabe registrar a política adotada pela Colômbia, que instituiu, nos termos da Lei nº 816,

(...)

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de


pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II,
das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art.
239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:

(...)

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)

Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às


empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a
incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e
creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

5 Em economia, externalidades são os efeitos laterais de uma decisão sobre aqueles que não
participaram dela. Existe uma externalidade quando há consequências para terceiros que não são
tomadas em conta por quem toma a decisão.2 Geralmente refere-se à produção ou consumo de bens
ou serviços sobre terceiros, que não estão diretamente envolvidos com a atividade.3 Ela pode ter
natureza negativa, quando gera custos para os demais agentes (poluição atmosférica, de recursos
hídricos, poluição sonora, sinistralidade rodoviária, congestionamento, etc.), ou natureza positiva,
quando os demais agentes, involuntariamente, se beneficiam, (investimentos governamentais ou
privados em infra-estrutura e tecnologia, ou investigação).
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Externalidades
17

de 2003, uma margem de preferência entre 10% e 20% para bens ou serviços nacionais, com
vistas a apoiar a indústria nacional por meio da contratação pública. A Argentina também
outorgou, por meio da Lei nº 25.551, de 28 de novembro de 2001, preferência aos provedores
de bens e serviços de origem nacional, sempre que os preços forem iguais ou inferiores aos
estrangeiros, acrescidos de 7% em ofertas realizadas por micro e pequenas empresas e de 5%,
para outras empresas.6
Então, considerada a importância das MPE’s no contexto econômico nacional, e ainda,
considerando ser o poder público o maior comprador nacional, tendo o governo federal
movimentando, em 2014, R$ 62,1 Bilhões, faz todo sentido utilizar o poder de compra estatal
para incentivar o desenvolvimento destas empresas.

As regras privilegiadas aumentam os custos das compras e contratações do governo?

Daniel Barral: Eu não possuo elementos seguros para confirmar ou refutar esta que é a mais
contundente argumentação dos que se colocam contra a concessão de privilégios nas
aquisições públicas para as MPE.
Se nos debruçarmos sobre os dados da SLTI veremos que entre janeiro e dezembro de 2014, as
compras governamentais movimentaram R$ 62,1 bilhões na aquisição de bens e serviços, dos
quais R$ 16,7 bilhões (27%) se referem às contratações junto as MPEs. Na comparação com o
mesmo período de 2013, as empresas do setor aumentaram sua participação nas compras
públicas em 2%.
Em relação às modalidades de aquisição, 92% (15,5 bilhões) do valor total contratado junto às
MPEs foi por meio de processos licitatórios e apenas 8% (1,27 bilhões) por meio de
dispensa/inexigibilidade de licitação em 2014.
Já em relação à economia gerada pelo uso do pregão eletrônico, é possível verificar que a
economia advinda dos certames com MPE foi de 19% enquanto que a economia gerada das
licitações com ampla participação foi de 13%7. Contudo, a confirmação do aumento da
economia demandaria a avaliação dos processos de contratação em ambos os casos, em
amostragem significativa, levantamento que acredito não ter sido ainda realizado.
Por outro lado, os pesquisadores Wagner de Paulo Santiago e Deborah Dias Cardoso e
Santiago, da Universidade Estadual de Montes Claros, publicaram estudo8 sustentando, em
suma, o aumento do custo da contratação, especialmente na hipótese em que as MPE
competem entre si em licitação exclusiva.

6 Conforme consta na exposição de motivos E.M.I. Nº 104/ MP/MF/MEC/MCT da Medida Provisória nº


495, de 19 de julho de 2010, posteriormente Convertida na Lei nº 12.349, de 2010, que promoveu
diversas alterações na Lei nº 8.666, de 1993, inclusive incluindo o princípio do desenvolvimento do
nacional sustentável.

7Todos estes dados podem ser acessados aqui:


http://www.comprasgovernamentais.gov.br/arquivos/estatisticas/02-apresentacao-siasg-mpe-
_2014.pdf.

8 Análise dos impactos na aplicação do tratamento diferenciado dado as micro e pequenas empresas
nas licitações com a administração pública: um estudo de caso na universidade estadual de montes
claros – unimontes. disponível em: http://www.congressocfc.org.br/hotsite/trabalhos_1/525.pdf.
18

Assim, ainda que faltem estudos mais significativos do ponto de vista estatístico, podemos
vislumbrar um possível risco de incremento dos custos, na hipótese em que se realize uma
licitação exclusiva às MPE’s que não tenha sido planejada adequadamente.
Conforme destacam McAfee e McMillan9, fazendo uso do conhecido estudo de George
Akerlof10 sobre o mercado de carros usados no Reino Unido, utilizado como exemplo para
elucidar o comportamento do mercado diante da incerteza da qualidade do produto
negociado, a assimetria de informação entre comprador e vendedor em mercados de bens não
eficazmente precificáveis, pode redundar na ausência de redução do preço estimado, caso a
concorrência não seja suficiente para compelir o fornecedor a reduzir ainda mais sua oferta
inicial ao ponto de equilíbrio de sua avaliação quanto ao bem.
Com isto queremos dizer que, como a Administração, de uma maneira geral, tem dificuldade
em especificar adequadamente o que pretende adquirir, além de produzir, muitas vezes, uma
estima de preços igualmente deficitária, o licitante não possui, em regra, informações
adequadas sobre o serviço pretendido pela administração ou a qualidade do bem pretendido.
Disto decorrem dois efeitos. O primeiro é que se verifica uma redução geral na qualidade dos
bens ofertados à administração, pois os bons fornecedores, diante da redução geral do nível
da competição provocada pela deficiente especificação estatal, tendem a não competir neste
mercado diante do aviltamento do preço médio ofertado.
Caso se acrescente à esta equação a baixa participação de licitantes, é possível que ocorra sim,
algum custo adicional no processo licitatório. Contudo, além de carecermos de maiores
elementos estatísticos para firmar uma posição quanto ao assunto, acredito que os benefícios
advindos desta política pública em muito superam os eventuais custos associados, desde que a
Administração planeje adequadamente as suas contratações.

Em sua opinião, quais as medidas mais importantes e que deram os melhores resultados?

Daniel Barral: A Lei Complementar nº 123, de 2006 estabelece a possibilidade de saneamento


de falhas na regularidade fiscal, cujo prazo de 2 dias úteis foi estendido para 5 dias úteis pela
Lei Complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014, a existência de empate ficto ou presumido
entre empresas de grande porte e MPE’s e a possibilidade de licitações diferenciadas.
A primeira, que trata da possibilidade de saneamento de falhas na regularidade fiscal, apesar
de pouco debatida é, na minha opinião, de fundamental importância. Segundo Fiuza e
Medeiros, fazendo alusão a estudo encomendado pelo Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, os custos de habilitação, incluindo a manutenção de certidões,
representam um componente importante nos custos de transação dos fornecedores,
chegando a 26% do custo de materiais e serviços11. Assim, a possibilidade de saneamento das

9
Auctions and Bidding. R. Preston McAfee and John McMillan. Journal of Economic Literature Vol. 25,
No. 2 (Jun., 1987), pp. 699-738

10
The Market for "Lemons": Quality Uncertainty and the Market Mechanism George A. Akerlof The
Quarterly Journal of Economics, Vol. 84, No. 3. (Aug., 1970), pp. 488-500. Stable URL:
http://links.jstor.org/sici?sici=0033-
5533%28197008%2984%3A3%3C488%3ATMF%22QU%3E2.0.CO%3B2-6
11 Fiuza, Eduardo Pedral Sampaio e Medeiros, Bernardo Abreu de. A Agenda Perdida das Compras
Públicas: rumo a uma reforma abrangente da lei de licitações e do arcabouço institucional. Texto para
discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.- Brasília : Rio de Janeiro : Ipea , 1990
19

falhas na regularidade fiscal apenas como condição à contratação, é uma vantagem


importante, que favorece a participação das MPE’s nos certames licitatórios.
Outra iniciativa importante é a realização de licitação destinada exclusivamente à participação
de MPE’s nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Se antes das alterações promovidas pela Lei Complementar nº 147, de 2014, havia discussões
a respeito da facultatividade de sua realização, por conta da interpretação literal que alguns
doutrinadores faziam da redação anterior do caput do art. 48 da Lei Complementar nº 12312,
agora não subsiste mais qualquer espaço às hesitações, diante do comando imperativo
encartado na nova redação dos incisos I e III do art. 48 da Lei Complementar nº 123, de 2006.

Acredita que já temos no Brasil um conjunto satisfatório de instrumentos e mecanismos


para o uso do poder de compra do governo? Há alguma medida que ainda precisa ser
aprovada?

Daniel Barral: Penso que o modelo de compras nacional já reclama uma reforma abrangente
em seu arcabouço normativo e institucional, de modo a conferir, novamente, organicidade ao
sistema.
É impactante o dado13, levantado em 2013, quando a Lei nº 8.666 completava 20 anos, que ela
tinha sido alterada por 61 medidas provisórias e 19 Leis, num total de oitenta normas, ou
quatro por ano.
A este estudo podemos acrescentar a Lei nº 12.873, de 24 de outubro de 2013, que alterou o
art. 24, a própria Lei Complementar nº 147, de 2014 que alterou o art. 3º e acrescentou o art.
3º-a e a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015 que alterou o art. 3º e acrescentou o art. 66-a,
todos da LGL.
Assim, ainda que o Brasil tenha avançado em muito no sentido de implementar os
mecanismos necessários ao uso do poder de compra do governo para extrair externalidades
positivas do processo licitatório, penso que é premente a necessidade de revisão profunda do
marco normativo.

De que forma os cursos e eventos de capacitação contribuem para fomentar a participação?

Daniel Barral: Como visto acima, a legislação incidente sobre o procedimento licitatório tem
sofrido constantes alterações, isto sem mencionarmos a necessidade de o servidor manter-se
constante atualizado com os entendimentos do Tribunal de Contas da União, da Advocacia-
Geral da União e da Controladoria-Geral da União.
Neste sentido, os cursos e eventos de capacitação são essenciais para que o administrador
público possa aplicar corretamente o arcabouço normativo, e com isto, alcançar, com eficácia
e eficiência, os resultados esperados das ações estatais.

12 É importante destacar que, pelo menos no âmbito federal, prevalecia o entendimento a respeito da
obrigatoriedade da realização da licitação exclusiva, forte na regulamentação contida no art. 6º do
Decreto nº 6.204, de 05 de setembro de 2007

13
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Vigência da Lei no 8.666/1993: normas que alteraram a Lei no
8.666/1993. Brasília: Senado Federal, 8 jul. 2013. (Slides da apresentação oral à CTLICON). Disponível
em: <http://tinyurl.com/ppg2lkl>.
20

Daniel de Andrade Oliveira Barral é formado em Direito pela Universidade Católica do


Salvador. Tem Especialização em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp e em
Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente ocupa o cargo de
Subprocurador-Geral Federal da Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União. É
Sócio-fundador e árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES). Desde
2008, atua na consultoria e assessoramento de gestores federais, auxiliando-os nos seus
processos de compras públicas. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração
Pública.
Ciro Campos Christo Fernandes possui graduação em ciências econômicas pela Universidade
Federal de Minas Gerais (1983), mestrado em gestão (2003) e doutorado em administração
(2010) pela Fundação Getulio Vargas (EBAPE). Atualmente é gestor governamental na Diretoria
de Pesquisa e Pós-graduação Stricto Sensu e professor do Mestrado em Políticas Públicas e
Desenvolvimento da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Suas áreas de interesse
acadêmico e profissional incluem principalmente os temas: gestão pública, governo eletrônico
e compras governamentais.

5. Seminário 4 anos de RDC com Ronny Charles Lopes de Torres, 04/08/2015


• Perguntas elaboradas pelo Professor Ciro Campos Christo Fernandes.

Que balanço você faz da utilização crescente do RDC nas contratações de obras e serviços de
engenharia, nos últimos 4 anos? Podemos considerar que esse balanço é positivo?

Ronny Torres: Certamente, o balanço é positivo. Com o RDC, foram agregadas ferramentas
importantes, que estão sendo fundamentais para alcançarmos ganhos de eficiência na seleção
da contratada e no resultado da execução do contrato. Mesmo ferramentas polêmicas, para
alguns, como a contratação integrada e o orçamento sigiloso, têm sido utilizadas com
interessantes resultados, por órgãos como o DNIT e a Infraero.

Que perspectiva você vislumbra em relação à aplicação do RDC: caberia propor a sua
extensão ainda a mais setores?

Ronny Torres: Hoje, a perspectiva é de que o Congresso produza uma nova Lei de Licitações,
que repetirá muito dos avanços identificados no Pregão e no RDC. Esse acordo legislativo
sustou a expansão gradativa que vinha ocorrendo nos objetos passíveis de adoção do RDC.
Contudo, diante do atual momento político, se a tramitação desse Projeto de Lei não caminhar
com a velocidade necessária, vejo com bons olhos a continuidade de expansão do RDC para
outras pretensões contratuais, envolvendo outros setores. No momento, o RDC deve ser
percebido como uma sétima modalidade licitatória, uma nova opção, que agrega algumas
ferramentas procedimentais não previstas pela Lei nº 8.666, de 1993.

Há algum aspecto do RDC que mereceria revisão ou que poderia ser considerado como
definitivamente mal sucedido?

Ronny Torres: A Lei do RDC possui algumas falhas técnicas, que poderiam ser superadas com
correções pontuais. O regramento sancionatório, no RDC, é ruim. Tivemos ali um retrocesso,
em relação ao regramento sancionatório da Lei do Pregão. Outra falha foi o retorno à adoção
21

do modelo de comissão de licitação, quando a experiência do pregão demonstrou que a opção


de indicar um “gestor da licitação”, o pregoeiro, permite ganhos de expertise, segurança e
agilidade nas decisões.
Outro ponto a ser revisto, é a opção do RDC de adotar, de forma subsidiária, praticamente
todas as regras contratuais da Lei nº 8.666, de 1993. São regras descompassadas com a atual
prática administrativa, que precisam ser revistas, para melhor adequação aos novos desafios
contratuais da Administração Pública. As regras atuais fomentam ineficiência e corrupção. Há
muito que se avançar, no regramento para os contratos administrativos.

O RDC e outras inovações importantes como o pregão trouxeram regras e procedimentos


que se confrontam com características da Lei de Licitações (Lei 8.666). Considera que já
estamos em uma trajetória de substituição da Lei 8.666?

Ronny Torres: Sem dúvida! É sempre bom lembrar que a Lei nº 8.666, de 1993, repetiu grande
parte do Decreto-Lei 2.300, de 1986! Ela foi confeccionada à partir da plataforma daquele
diploma normativo, que era ainda anterior à atual Constituição e fortemente marcado por um
conceito exacerbado de administração autoritária e burocrática. Mesmo se pensarmos apenas
em 1993, e compararmos como eram as contratações públicas, a terceirização, os recursos
tecnológicos, a internet, entre outros elementos, vamos perceber que tínhamos, à época, uma
realidade distinta da que vivemos hoje.
O Pregão rompeu o paradigma da Lei nº 8.666, de 1993, ao adotar um raciocínio, digamos,
gerencial, focar no resultado e apostar na simplicidade do procedimento. Foi excelente!
Trouxe grandes avanços, como a criação do pregão eletrônico, a fase recursal única e a criação
da figura do pregoeiro, gestor da licitação.
O RDC rompe também paradigmas, ao fugir do modelo de modalidades estáticas, da Lei nº
8.666, para se apresentar como uma única modalidade, com característica diferenciadora: ela
é flexível! Essa nuance permite que um conjunto de ferramentas e características
procedimentais possam ser utilizadas, de acordo com a necessidade e a escolha do ente/órgão
licitante. Dessa forma, admite-se uma margem importante para adaptação do procedimento
licitatório à necessidade administrativa, essencial à busca de uma contratação eficiente.

Quais seriam, na sua visão, os aspectos da experiência do RDC que deveriam ser
incorporados a uma nova Lei de Licitações que substituísse a Lei 8.666?

Ronny Torres: Sem dúvida, a característica da flexibilidade, além de algumas ferramentas


interessantes, como a contratação integrada, o orçamento sigiloso e a pré-qualificação
permanente, entre outras, que deverão ser utilizadas, apenas, quando essa opção for
interessante para o melhor atendimento da pretensão administrativa.

O que o aluno da ENAP poderá aguardar para o Seminário 4 anos de RDC?

Ronny Torres: A expectativa será de proporcionar uma melhor assimilação sobre esse “regime
diferenciado”, percebendo que muitas de suas “novidades” são, na verdade, a positivação de
rotinas já recomendadas pela Jurisprudência do TCU e pela experiência da AGU e de órgãos e
entidades da Administração Pública que duelam diariamente com os desafios de utilização de
uma Lei Geral de Licitações descompassada dos tempos atuais.
22

O RDC tenta incorporar boas experiências, nacionais e internacionais. O maior desafio para sua
expansão é superar o medo do novo, a preocupação com o desconhecido e a resistência de
setores que ainda se aproveitam dos gargalos criados pela Lei nº 8.666, de 1993. Espero que
esse medo, essa preocupação, não resista no aluno ENAP, após o Seminário.

Ciro Campos Christo Fernandes possui graduação em ciências econômicas pela Universidade
Federal de Minas Gerais (1983), mestrado em gestão (2003) e doutorado em administração
(2010) pela Fundação Getulio Vargas (EBAPE). Atualmente é gestor governamental na Diretoria
de Pesquisa e Pós-graduação Stricto Sensu e professor do Mestrado em Políticas Públicas e
Desenvolvimento da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Suas áreas de interesse
acadêmico e profissional incluem principalmente os temas: gestão pública, governo eletrônico
e compras governamentais.

Ronny Charles Lopes de Torres é Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em


Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas.
Membro do Grupo de confecção dos editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara
Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Membro do corpo editorial da
Revista da Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério
do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência
Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da
União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas
comentadas (7ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (6ª Edição. Coleção
Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (6ª Edição. Ed. Jus
Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a
liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Ed. Jus Podivm). Autor
da coluna mensal ?Direito & Política? da Revista Negócios Públicos.

6. Seminário de Sanções Administrativas Aplicáveis às modalidades da Lei nº8.666/93 e


Pregão na Administração Pública com Renato Felini, 23/06/15
• Perguntas elaboradas pelo Professor Ciro Campos Christo Fernandes.

Explique a importância da gestão de materiais para a administração pública. Podemos


considerar que ela é fundamental no controle e na redução de despesas?

Renato Felini: A gestão de materiais é uma nomenclatura empregada para englobar um nicho
de processos entendidos como críticos para o setor público. Talvez um termo mais acurado
seria “gestão de serviços e suprimentos” ou, até mesmo, “logística”. Estamos falando da
gestão de almoxarifados, de estoques, de patrimônio e até mesmo das licitações – abarcando,
inclusive, a contratação de serviços, por exemplo. São, seguramente, os processos mais
transversais em organizações. A busca pela eficiência na gestão de materiais traduz-se na
observância ao princípio da economicidade, na redução de desperdícios e no emprego
adequado dos recursos públicos. Em época de crise econômica – como a que vivemos hoje –,
entendo que seja uma matéria de extremo impacto na seara da Administração Pública, e que
possui efeitos significativos no segundo setor. É só lembrarmos, por exemplo, que as compras
públicas respondem por cerca de 16% do Produto Interno Bruto (PIB). A gestão de materiais
23

conduzida com profissionalismo e com boas práticas de gestão traz benefícios econômicos,
sociais e, também, socioambientais.

De que forma considera que a gestão de materiais contribui para a melhoria da qualidade
dos serviços prestados ao cidadão?

Renato Felini: A gestão de materiais, inerente à muitas vezes denominada área-meio, é a


responsável por prover as condições de trabalho para que órgãos e entidades públicas
cumpram suas missões. Uma gestão de materiais ineficiente e ineficaz trará como
consequência serviços mais morosos, menos especializados e de menor efetividade. Além de
agir como incentivadora do mercado, em especial por intermédio das licitações públicas.

Considerando a sua experiência como docente na área, quais são os principais avanços e
dificuldades com os quais a área se defronta?

Renato Felini: A área convive com o estigma de ser área-meio. Isso acaba por criar um
obstáculo para que os gestores depreendam a real criticidade da gestão de materiais. No
entanto, tal fato vem sendo alterado, em especial ante a percepção do governo, desde 2010,
de que as licitações podem ser um meio para a execução de suas políticas públicas. Na Lei de
Licitações e Contratos foi incluído o objetivo de alcançar o “desenvolvimento nacional
sustentável”. Nesse contexto, surgem as compras compartilhadas. Altera-se a Lei
Complementar nº 123/06, conferindo-se prerrogativas às micro e pequenas empresas. Cria-se
o Regime Diferenciado de Contratação (RDC), hoje regulamentador das licitações para obras e
serviços de engenharia nos setores de saúde (Serviço Único de Saúde), infraestrutura
(Programa de Aceleração do Crescimento), entre outros. É preciso despertar para a relevância
da temática e parar de analisar a área de gestão de materiais apenas pela ótica jurídica, em
termos de legalidade. Temos de repensar o tema sob a ótica de melhores práticas de gestão.

O que você sugere para o fortalecimento da gestão de materiais na administração pública


brasileira?

Renato Felini: Sugiro estabelecer redes de parcerias, que propiciem discutir e disseminar
práticas de gestão que se integrem com o princípio da economicidade. Não falo apenas de
eventos de capacitação. Falo da criação de um Fórum Permanente de Boas Práticas em
Logística para o Setor Público, não restrito a determinado poder ou esfera da federação. Um
espaço preparado para a interlocução, com servidores comprometidos com o bem público,
dialogando sobre a gestão de conhecimento de maneira incisiva, padronizando rotinas e
otimizando recursos. Os ganhos seriam quase imediatos. Imagine as boas práticas – em termos
de estimativa de despesas, gestão de estoques, aplicação de sanções administrativas a
contratados inadimplentes, entre outras – aplicadas de maneira padronizada na seara pública
brasileira, independentemente da localidade do órgão. Ganhamos em transparência de gestão
e em resultados, além de economizarmos. Sem contar a maior previsibilidade e segurança no
relacionamento com o mercado.

Ciro Campos Christo Fernandes possui graduação em ciências econômicas pela Universidade
Federal de Minas Gerais (1983), mestrado em gestão (2003) e doutorado em administração
24

(2010) pela Fundação Getulio Vargas (EBAPE). Atualmente é gestor governamental na Diretoria
de Pesquisa e Pós-graduação Stricto Sensu e professor do Mestrado em Políticas Públicas e
Desenvolvimento da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Suas áreas de interesse
acadêmico e profissional incluem principalmente os temas: gestão pública, governo eletrônico
e compras governamentais.

Renato Fenili é formado em Ciências Navais pela Escola Naval, com pós-graduação em
Administração Pública. Possui, ainda, mestrado e doutorado em Administração pela
Universidade de Brasília (UnB). Atualmente ocupa o cargo de analista legislativo e diretor da
Coordenação de Compras da Câmara dos Deputados. É autor de livros e cursos para concursos
públicos. Em 2015 publicou o livro Boas Práticas Administrativas em Compras e Contratações
Públicas (Ed. Impetus). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

7. Seminário Combatendo o Fracionamento de Despesas com Renato Fenili,


10/02/2016
• Perguntas elaboradas pelo professor Nilo Cruz Neto.

Qual a diferença entre fracionamento e parcelamento?

Renato Felini: O fracionamento ocorre quando se opta pela divisão da despesa para empregar
modalidade de licitação inferior – ou menos formal – à preconizada pela legislação para o total
da despesa, ou para efetuar contratação direta. Já o parcelamento é a divisão de um objeto de
sorte a conferir maiores chances ao mercado de participar do certame. Trata-se, por exemplo,
a minimização da formação de grupos ou de lotes em licitações. Ao passo que o fracionamento
é alusivo à despesa – e é vedado por lei, o parcelamento é do objeto, sendo prática fomentada
por diploma legal.

Existe fracionamento por meio de dispensa de licitação?

Renato Felini: Sim, de certo. Da mesma forma que existe fracionamento até por suprimento
de fundos.

Existe fracionamento utilizando exclusivamente a modalidade Pregão? Por quê?

Renato Felini: Não, não existe, haja vista que o pregão não impõe limite pecuniário para o
emprego da modalidade. O risco ocorre quando objetos de mesma natureza são adquiridos,
no exercício, por meio de distintas modalidades ou por via direta.

A despesa executada por uma prefeitura, decorrente de convênios (transferências


voluntárias), entra no cálculo do fracionamento?
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Renato Felini: Sim, seja mediante convênios ou contratos de repasse, por exemplo. Há,
inclusive, jurisprudência da Corte de Contas que tratam do assunto – veja o Acórdão nº
3.315/14 2ª Câmara TCU, por exemplo.

Qual o nível de aferição do fracionamento por objeto? Gastos com gasolina entram no
cálculo juntamente com diesel? Cadeiras com mesas e armários? Água sanitária com papel
higiênico e sabonete líquido?

Renato Felini: Eis uma pergunta importante, haja vista a indefinição jurisprudencial e a
subjetividade do conceito de natureza do objeto. Trata-se de um conceito e de práticas a
serem discutidas em profundidade no seminário a ser realizado na ENAP, em 18 de março.

Qual o nível de aferição do fracionamento em âmbito institucional? Afere-se por órgão,


entidade ou unidade gestora?

Renato Felini: De modo geral, o fracionamento deve ser analisado sob o prisma da unidade
que possui autonomia financeira para a realização da despesa.

Quais cautelas os gestores e membros de comissão de licitação devem tomar para evitar o
fracionamento?

Renato Felini: Estabelecer uma definição operacional sobre o critério de aferição do


fracionamento de despesa, planejar as aquisições e controlar qualitativa e quantitativamente
os gastos. No seminário do dia 18 de março, práticas inovadoras serão apresentadas e
discutidas.
Quais sanções administrativas e penais costumam ser aplicadas em caso de fracionamento?

Renato Felini: Além de multa, no caso especial de se dispensar ou inexigir licitação fora das
hipóteses previstas em lei, há a previsão de pena de detenção de 3 a 5 anos.

O que o aluno da ENAP poderá esperar do Seminário Combatendo o fracionamento de


despesas?

Renato Felini: Pode esperar um seminário dinâmico, objetivo e que visa a abordar um tema
por vezes negligenciado pela Administração. Pode esperar a apresentação de práticas de
gestão que visam a mitigar a probabilidade de se incorrer em fracionamento de despesas, e
que promovam maior planejamento às compras e contratações públicas. Seguramente será
um encontro que irá agregar muito às rotinas de despesas públicas, fugindo do lugar comum
de capacitações recorrentes sobre a temática.

Renato Fenili é formado em Ciências Navais pela Escola Naval, com pós-graduação em
Administração Pública. Possui, ainda, mestrado e doutorado em Administração pela
Universidade de Brasília (UnB). Atualmente ocupa o cargo de analista legislativo e diretor da
Coordenação de Compras da Câmara dos Deputados. É autor de livros e cursos para concursos
públicos. Em 2015 publicou o livro Boas Práticas Administrativas em Compras e Contratações
Públicas (Ed. Impetus). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.
26

Nilo Cruz Neto é formado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Maranhão e
Administração Pública pela Faculdade São Luís. Tem Mestrado em Políticas Públicas pela
Universidade Federal do Maranhão e é Doutorando em Políticas Públicas pelo Instituto
Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), em Portugal. Ocupa o cargo de Auditor da Controladoria-
Geral da União. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

8. Entrevista para o Segundo Seminário Prevenção de Artimanhas e Conluios em Obras


Públicas com Gustavo Ferreira Olkowski, 24/03/2016
• Perguntas elaboradas pelo professor Fabiano de Castro.

Considerando que o TCU entende adequada a adoção do pregão para contratação de


serviços comuns de engenharia, já pode ser contratado por meio do pregão obras de
engenharia?

Gustavo Olkowski: Segundo a jurisprudência do TCU, não é possível adotar a modalidade


pregão para contratar obras, sendo admitida tão somente para a contratação de serviços
comuns de engenharia, que são aqueles serviços padronizáveis, de técnica executiva
amplamente conhecida e que não possuem complexidade para sua execução. Vale acrescentar
que existem decisões do TCU que vedam a utilização do pregão até mesmo para a contratação
de projetos, já que estes, em regra, apresentam natureza predominantemente intelectual, não
sendo enquadrados na categoria comum.

Há vários anos, os órgãos e entidades da APF têm adotado a prática da contratação de obras
e serviços de engenharia, assim desde o Decreto-Lei 200/1967 que traz a diretriz para que a
APF se desobrigue da realização de tarefas executivas (execução de tarefas operacionais),
recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, para possibilitar que a APF execute
melhor as tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle, ou seja, gestão e
governança. Outra razão para a execução indireta é impedir o crescimento desmensurado da
máquina administrativa, para que o Estado não alcance dimensão indevida em função da
incorporação de tarefas de caráter operacional, que podem ser melhores executadas pela
iniciativa privada. Nesta esteira professor, e no seu entender, o que a contratação de obras e
serviços de engenharia agregou de valor aos órgãos e entidades da APF em termos de know-
how em obras e aprimoramento dos seus processos de planejamento, coordenação,
supervisão e controle dos serviços prestados?

Gustavo Olkowski: A execução indireta se dá quando a administração pública contrata uma


empresa para a execução de uma obra ou serviço de engenharia, em vez de realizar com seus
próprios recursos. Essa forma de execução acarreta a necessidade de planejamento,
coordenação, supervisão e controle. E muito se têm avançado sobre isso nos últimos anos. A
administração pública, de um modo geral, tem se conscientizado sobre a importância de
evoluir nesses temas. Já se aprendeu, por exemplo, que, em uma obra mal planejada, mal
orçada ou contratada com base em projeto básico deficiente, aumentam-se significativamente
os riscos de ela não ser entregue no prazo e ainda haver superfaturamento, ambos os casos
implicam danos à administração. No primeiro, há um prejuízo social, já que a população
carecerá por mais tempo daquele bem que está sendo construído; no segundo, há um dano
financeiro. Além disso, a administração tem verificado que falhas na coordenação e supervisão
27

das obras podem ensejar danos até mesmo maiores que os já mencionados, pois podem ser
utilizados materiais de qualidade inferior à especificada, o que acabará por reduzir a vida útil
da obra, ou serem executados serviços com qualidade deficiente, o que ensejará novos custos
e transtornos para sua reparação.

Professor em relação aos riscos envolvidos em cada contratação de uma obra ou serviço de
engenharia, quais riscos podem/devem ser gerenciados para que a APF obtenha a melhor
solução e atinja os objetivos previstos?

Gustavo Olkowski: Antes de responder é necessário esclarecer qual é o objetivo que se busca
em um contrato de obra pública, pois não é apenas a sua execução, mas sim sua execução no
prazo certo, com a melhor qualidade possível e a um preço justo. Quaisquer eventos capazes
de impactar negativamente nesses objetivos representam riscos que devem ser
adequadamente gerenciados e mitigados. Nesse sentido, a administração deve,
primeiramente, possuir um projeto básico adequadamente detalhado, em que todos os
materiais e equipamentos a serem empregados estejam corretamente especificados, de modo
a se evitar a utilização de outros de qualidade insatisfatória. Depois disso, deve ter um
orçamento baseado em custos de mercado e passar por uma concorrência real para ser
contratado, com vistas a possibilitar a escolha da proposta mais vantajosa. Por fim, a
administração deve fiscalizar adequadamente sua execução, para garantir que o objeto seja
construído de acordo com as técnicas construtivas definidas e com os materiais previstos.

Em que fase/processo da licitação (interna/externa) e da contratação (execução da


obra/serviço) podem/devem ter maior atenção da gerencia (gestão e governança) quanto ao
planejamento, coordenação, supervisão e controle, em suma, onde esta a origem (causa) e
onde mais aparecem os problemas de conluios e falcatruas em obras?

Gustavo Olkowski: O conluio ocorre sempre durante a licitação/contratação das obras.


Algumas cláusulas do edital, se não forem bem elaboradas, podem restringir a competitividade
e, assim, favorecer a formação de conluio de empresas. Já o superfaturamento se materializa
sempre no decorrer da execução do contrato. Existem diversas formas de superfaturamento,
por exemplo, por preços, por quantidades, por qualidade, por jogo de planilha, entre outras.
Sendo assim, todas as fases do processo de execução de uma obra pública (o planejamento, a
coordenação, a supervisão e o controle) são igualmente importantes e merecem sua devida
atenção. A deficiência em qualquer dessas fases pode dar causa ao aparecimento de
irregularidades.

As contratações de obras, em especial, devem ser precedidas de planejamento, todavia


nosso orçamento é tido como indicativo, que pode ser contingenciado e assim não
executado para cumprir outras metas de resultado financeiro/orçamentário. Considerando a
materialidade dos recursos envolvidos, prazo de execução e os benefícios para a sociedade,
as obras de engenharia não deveriam estar especificadas em planos de obras, fruto de um
planejamento realizado no primeiro quadrimestre do exercício anterior, dentro de um
planejamento estratégico organizacional, que por sua vez fazer parte de uma estratégia
setorial e alinhados com o PPA. Esses instrumentos de planejamento estratégico são
obrigatórios, tem previsão legal?
28

Gustavo Olkowski: Certamente que sim. De acordo com a Constituição Federal de 1988, art.
167, § 1º, nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser
iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, sob pena de crime de responsabilidade.
Complementarmente, consta na lei de licitações, art. 7º, § 2º, inciso IV, que as obras e serviços
somente podem ser licitados quando estiverem contemplados nas metas estabelecidas no
Plano Plurianual. Além disso, de acordo com o art. 20 da Lei 4320/1964, os investimentos
devem ser discriminados na Lei de Orçamento segundo os projetos de obras. Estes são
exemplos de dispositivos que visam inserir a obra dentro do planejamento governamental.
Alguns órgãos públicos já foram além. Cito por exemplo o poder judiciário, que criou regras
para incluir dentro do seu planejamento um plano de possíveis obras, com critérios para
priorizar quais delas serão executadas e a que tempo.

Além dos riscos nas fases da licitação e da contratação, quais processos de planejamento do
próprio órgão/entidade poderiam ser influenciados por estratégias da presidência e do
órgão superior, que poderiam vincular a unidade quanto à estratégia de contratação das
obras, os requisitos de padronização e de nivelamento. Assim, uma estratégica geral para a
contratação de obras não seria o ideal para o melhor atingimento dos objetivos de governo,
setoriais e organizacionais, pois estariam alinhados com os objetivos estratégicos da
unidade, do órgão superior e do governo e assim poderiam ter o patrocínio do órgão
superior e da presidência e maximizar a capacidade de implementação das estruturas
planejadas e a consecução da estratégia?

Gustavo Olkowski: Antes de responder, entendo importante falar um pouco sobre políticas
públicas. Uma política pública é um conjunto de decisões, planos, metas e ações
governamentais (seja a nível nacional, estadual ou municipal) voltados para a resolução de
problemas de interesse público. No âmbito de cada política pública (de saúde, de educação, de
transporte, etc.) são planejadas quais as ações necessárias para o alcance dos objetivos de
governo. E é nesse contexto que as obras públicas estão inseridas. Elas são o meio para a
implementação das políticas públicas. Quase sempre, a implementação e a efetividade dessas
políticas dependem da atuação conjunta de vários órgãos e entes públicos. É nesse ponto que,
a meu ver, temos muita dificuldade. Falta uma melhor integração dos diversos organismos
governamentais no planejamento e na consecução dessas políticas e, logo, das obras. Por
conta disso, não raras vezes vemos, por exemplo, políticas habitacionais investindo na
construção de casas distantes de centros urbanos e em regiões desprovidas de saneamento
básico, educação e saúde. Outro exemplo é a construção de aeroportos em regiões sem a
devida conexão com o transporte público local (metrô e ônibus). Nesse sentido, mais do que
pensar a execução de obras por ministério ou secretarias, defendo a tese de que a estratégia
para contratação das obras deveria estar contemplada dentro de um planejamento estratégico
da política pública, elaborado em conjunto com todos os entes e entidades que de alguma
forma devem contribuir para a sua efetividade.

Quanto ao planejamento da contratação se destaca o orçamento, em especial, quanto ao


preço de referência das obras e serviços de engenharia, que resulta da composição do custo
unitário direto do sistema utilizado (SINAPI, SICRO, etc.) acrescido do percentual de
Benefícios e Despesas Indiretas – BDI, qual seria a estrutura mínima a se ter nas unidades de
29

acordo com o porte, em termos de pessoal, para uma gestão adequada do contrato da obra
ou serviço, ou esses serviços poderiam ser também terceirizados, considerando que muitas
unidades da APF não têm em seus quadros engenheiros?

Gustavo Olkowski: A quantidade de pessoal para a gestão de uma obra ou serviço de


engenharia varia significativamente não apenas em função de seu porte, mas também de
acordo com a natureza e complexidade do que se pretende executar, não sendo possível,
assim, determinar uma estrutura mínima em tese. Nesse sentido, a Lei de Licitações, em seu
art. 67, prescreve que a execução dos contratos deverá ser acompanhada e fiscalizada por um
representante da Administração especialmente designado, sendo permitida a contratação de
terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição. Portanto, é
prática comum e legalmente admitida a contratação de empresa para o acompanhamento e
fiscalização das obras em órgãos públicos que possuam carência de profissionais legalmente
habilitados para essa tarefa.

Considerando que as obras de engenharia, em muitos casos, são contratadas com a iniciativa
privada por outros entes, municipais e estaduais, por meio de convênios e contratos de
repasse e também por meio de parceria público-privada PPP, seria conveniente para o
órgão/entidade elaborar um plano de gestão de riscos, quando da execução de obras por
meio das transferências voluntárias. E o que acha, também, da implantação de mecanismos
de conformidade como por exemplo da exigência de um gerente/grupo/departamento de
compliance, semelhante aos existentes na iniciativa privada?

Gustavo Olkowski: Entendo que tais práticas, de elaboração de plano de gestão de riscos e da
instituição de mecanismos de conformidade (compliance), são importantes para quaisquer
obras, não se restringido apenas às obras executadas por transferência voluntária de recursos.
Um plano de gestão de riscos nada mais é do que a identificação dos eventos que podem
ocorrer e impactar negativamente na regular execução daquele objeto e as possíveis medidas
mitigadoras para cada um desses eventos. É uma importante ferramenta para prever e evitar
problemas futuros.

Quanto aos processos de seleção do prestador do serviço, da gestão do contrato e da


fiscalização, não seria uma boa prática de gestão, na fase interna da licitação, conhecer
muito bem o mercado de prestadores de serviços de engenharia, quanto às vinculações
societárias e na fase externa da licitação, antes da assinatura do contrato, seria uma boa
prática, também, realizar diligência, quanto a existência física da empresa e questionar
quanto às vinculações pessoais para se mitigar a ocorrência de conflitos de interesse,
falcatruas e conluios em obras e serviços de engenharia?

Gustavo Olkowski: Esse é um ponto importante, mas de difícil verificação. A Lei de Licitações,
em seu arts. 28 a 30, faz a exigência da apresentação de uma série de documentos para
comprovar a regularidade jurídica da empresa, sua saúde financeira e sua qualificação técnica.
O que se busca com isso é comprovar se a licitante de fato existe, se possui condições
financeiras adequadas e experiência pretérita na execução de objeto similar ao que se
pretende contratar. Existem ainda, no art. 9º da mesma lei, vedações à participação em
licitações por pessoas físicas ou jurídicas com vínculo na entidade contratante. Contudo,
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mesmo com esses dispositivos, às vezes ocorrem burlas nas documentações e sagram-se
vencedoras empresas em condições irregulares. É desejável, assim, que se confirme, sempre
que possível, a real existência das empresas licitantes, seja por meio de diligências, seja
mediante consulta na internet, para evitar o risco de firmar contrato com as chamadas
“empresas de fachada”.

Quanto aos processos da gestão do contrato e da fiscalização, a seu ver, a utilização da curva
ABC (Regra de Pareto) para a priorização do acompanhamento e fiscalização contratual e
verificação da razoabilidade dos preços praticados é considerada uma boa prática?

Gustavo Olkowski: A regra de Pareto consiste em classificar financeiramente os serviços e/ou


insumos de uma obra por ordem de relevância, do mais relevante para o menos relevante. É
uma importante ferramenta que pode ser empregada pelo gestor de modo a direcionar suas
energias para verificar com maior cautela os itens mais significativos do contrato.

Nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade


dos preços na fase externa da licitação deve ser o preço estimado como fixação de preço
máximo a ser observado pelo presidente da comissão de licitação. Todavia, alguns
presidentes de comissão e pregoeiros para serviços de engenharia entende que há não
discricionariedade da administração, que pode ser aceitar preço superior ao estimado, desde
que motivada, qual é o correto, o preço estimado é o máximo, vinculada a comissão ou vai
depender das propostas e pode se aceitar preço superior?

Gustavo Olkowski: Não pode a comissão de licitação ou o pregoeiro admitir propostas com
valor acima do preço de referência calculado. O Decreto 7983/2013 prescreve as diretrizes
para se calcular o preço de referência de uma obra pública, dando-se preferência à utilização
de tabelas oficiais de custos, a exemplo do Sinapi e do Sicro. Caso haja especificidades do
objeto que inviabilizem a adoção dos custos constantes nessas tabelas oficiais, a administração
deve considerar tais fatos desde o início em seu orçamento de referência, adaptando-o à obra
em questão e justificando essa opção em relatório técnico que deve ser aprovado pelo órgão
gestor dos recursos ou seu mandatário.

Em relação ao dano ao erário, em termos de ocorrência de casos concretos, o que tem


causado maior prejuízo, o sobrepreço por causa de um preço estimado não tão bem orçado
ou a permissibilidade de alterações de cláusulas contratuais que podem levar ao
superfaturamento?

Gustavo Olkowski: As duas alternativas são igualmente danosas e têm causado significativos
prejuízos à administração pública. Não raras vezes verificamos obras sendo realizadas com
valores superiores aos que deveriam ser, seja por problemas em seu orçamento original, seja
por modificações implementadas ao longo da execução do contrato, notadamente alterações
no projeto e na planilha.

Considerando todos os riscos envolvidos na contratação de obras, seria uma boa prática
realizar o seguro de 100% da obra e existem propostas legislativas nesse sentido?
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Gustavo Olkowski: São diversos os riscos possíveis de ocorrer em uma obra, desde acidentes
com os trabalhadores envolvidos até danos imprevisíveis ocasionados a terceiros. Diante dessa
realidade, é comum as empresas construtoras contratarem seguro para toda a obra. De acordo
com o Decreto 7983/2013, art. 9º, inciso III, tais custos podem, inclusive, ser considerados na
parcela correspondente ao BDI.

Quanto ao uso da modalidade do Regime Diferencial de Contratação – RDC, ainda se


mantêm a tendência para ampliação para todas as obras e se tornar o regime de licitações e
a lei 8.666/93 se tornar apenas o regime de contratação, em especial devido aos pontos
positivos do RDC, por exemplo, a celeridade e a contratação integrada (impossibilidade de
aditivos) e isso mesmo após os recentes problemas de conluios e demais falcatruas com
empreiteiras, assim, em sua opinião a flexibilidade e os resultado do RDC vão se render a
rigidez da 8.666/93?

Gustavo Olkowski: Não tenho certeza dessa tendência. No ano de 2013, foi emitida pela
Presidente a Medida Provisória nº 630, que, dentre outras coisas, previa estender a
aplicabilidade do RDC para todas as obras no âmbito federal. Contudo, os termos que diziam
respeito a essa ampliação do uso do RDC foram rejeitados pelo Congresso Nacional, sendo as
demais disposições convertidas na Lei 12.980, de 28 de maio de 2014. Acredito que a lei do
RDC trouxe uma série de avanços em matéria de licitação. Cito, como exemplo, a possibilidade
de inversão das fases de habilitação e de abertura das propostas e a disputa de preços aberta.
Também incorporou o uso da internet nas licitações públicas, fato que não possuía previsão na
Lei 8.666/1993. Tais avanços têm se mostrado benéficos e, portanto, sou da opinião de que
não deveríamos perdê-los.
O que aluno da ENAP poderá esperar para o Segundo Seminário Prevenção de Artimanhas e
Conluios em Obras Públicas?

Gustavo Olkowski: No 2º Seminário Prevenção de Artimanhas e Conluios em Obras Públicas


serão apresentados conceitos gerais de obras públicas e as principais irregularidades
verificadas, tanto na fase de licitação como na execução dos contratos. Também serão
estudadas suas respectivas causas e apresentadas as melhores práticas que devem ser
adotadas para evitar a ocorrência desses problemas. Por isso, tenho a certeza de que o
seminário será de grande valia para gestores e servidores envolvidos com obras públicas, em
qualquer de suas fases, do planejamento à fiscalização e controle.

Gustavo Ferreira Olkowski é formado em engenharia civil pela Universidade Mackenzie e pós-
graduado em Auditoria e Controle Governamental pelo Instituto Serzedello Corrêa -
ISC/Tribunal de Contas da União. É auditor do TCU desde 2009 e ocupa atualmente a função
de Assessor na Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Urbana. É professor de cursos para
concursos públicos e ministra cursos na área de obras públicas. Palestrante e colaborador da
Escola Nacional de Administração Pública.

Fabiano de Castro é graduado em Administração pela Universidade de Brasília e Especialista


em Orçamento Público (ISC/TCU 2010). AFC da CGU. Professor da Enap nos cursos de licitações
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9. Seminário 50 erros mais comuns em Licitações com Sandro Bernardes 22/04/2016


• Perguntas elaboradas pelo professor Paulo Bernardes Honório de Mendonça.

Os erros praticados por agentes públicos em Licitações sempre importam nos tipos previstos
na Lei nº 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa?

Sandro Bernardes: Não. São normas distintas. No caso da lei de improbidade, as condutas são
dotadas de relativa gravidade, levando a penalidades graves, tais como a perda da função
pública. Em licitações, o que ocorre, muitas vezes, são falhas administrativas, condutas que
constituem oportunidades para o aperfeiçoamento, mas nem sempre tidas como de
improbidade.

As Organizações Sociais e as Organizações da sociedade civil de interesse público são


obrigadas a licitar? E as empresas públicas, como por exemplo a PETROBRAS, devem
observar a Lei nº 8.666/93?

Sandro Bernardes: Bom, aqui, nós temos de dividir o assunto em partes.


Em primeiro lugar, há um decreto FEDERAL (5.504/2005) que diz que o uso do dinheiro público
recebido por instituições do terceiro setor por meio de as transferências voluntárias demanda
licitação. Todavia, o TCU pensa que se poderia fazer um procedimento ANÁLOGO a uma
licitação, isto é, um processo de aquisição isonômico, com objetivo de se selecionar a melhor
proposta. Essa linha de pensamento foi compartilhada pelo STF, inclusive (Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1923). A solução, então, virá do próprio instrumento pelo qual se efetua
a transferência (o convênio, por exemplo): ele quem determinará se o emprego dos recursos
será por meio de licitação (em regra, pregão).
Com relação às empresas do Estado, há várias situações distintas. Em regra, as empresas
estatais, ATUALMENTE, deveriam observar a lei de licitações (8.666), já que a Lei própria a elas
e prevista na Constituição Federal ainda não foi editada (inc. III do art. 173). Entretanto, o caso
da Petrobras merece ressalva: para ela, foi editado o Decreto 2.745/1998, que aprova
regulamento simplificado de licitações para a empresa. Apesar de muito combatido pelo TCU,
que entende que tal norma é inconstitucional, o Decreto vem sendo utilizado pela Petrobras
em suas licitações, já que o STF proferiu diversas decisões em Mandado de Segurança para
permitir isso. Sendo assim, esta não tem seguido a Lei 8.666.

De acordo com a Lei nº 8.666/93, art. 21, § 4°, as modificações no Edital exigem nova
divulgação e reabertura de prazo exceto quando, inqüestionavelmente, a alteração não
afetar a formulação das propostas. Poderia nos trazer algum exemplo de alteração que não
afete a formulação das propostas?

Sandro Bernardes: Imagine que a propostas das empresas, em uma licitação presencial, seria
recebida na sala “X” de uma instituição pública. Contudo, no dia do certame, por conta de um
vazamento de água, a sala não poderá ser utilizada. Evidente que, no dia, basta colocar alguém
para dar aviso, no horário de recebimento das propostas, quanto ao local em que será
realizado o recebimento que está tudo certo. Por mais que tenha havido alteração nas
condições, não há qualquer impacto para a apresentação das propostas. O edital, portanto,
não precisa ser republicado.
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Um Edital de licitação poderá conter exigências que a Lei não faz?

Sandro Bernardes: A rigor, as exigências devem estar previstas em Lei (normas em geral) ou
encontrar amparo nelas. Entretanto, a situação merece duas notas:
- a expressão “Lei” não deve ser interpretada em sentido restrito. Desse modo, uma instrução
normativa, por exemplo, pode trazer exigências a serem comportadas por um edital. Contudo,
as exigências devem ser AMPARADAS pela Lei. É muito comum editais trazerem exigências
que, por mais que previstas em normas infralegais, não são amparadas pela Lei. Inadmissíveis,
portanto. A jurisprudência do TCU é farta em exemplos dessa natureza;
- a própria Lei 8.666 prevê a possibilidade de outras normas trazerem exigências não expressas
na nossa Lei Geral de Licitações (inc. IV do art. 30 da Lei 8.666). Assim, nem tudo o que se pode
exigir dos licitantes precisa encontrar expressa previsão no estatuto geral das licitações
públicas.

Com relação ao Pregão e a existência das fases interna e externa em Procedimentos


Licitatórios, podemos assegurar que existe uma “inversão de fases” no Pregão?

Sandro Bernardes: Quando se compara o pregão com as tradicionais concorrências, sim, há


uma inversão de fases: no pregão, primeiro as propostas são classificadas, para, eme seguida,
proceder-se à habilitação. Contudo, essa situação não é exclusiva do pregão. No Regime
Diferenciado das Contratação, por exemplo, a regra é que a classificação vem em primeiro
lugar.

A exigência da lista de compromissos firmados, para averiguação da saúde financeira da


empresa, em licitações de serviços de terceirização, contempla os compromissos de todas as
filiais ou apenas da Matriz?

Sandro Bernardes: Daquele que efetivamente participar da licitação. Interessante, para os que
labutam na área, a leitura do emblemático Acórdão 1214/2014, do TCU, no qual o Tribunal fez
exaustivo trabalho a respeito de tal espécie de contratação (terceirização de serviços).

Nos Registros de Preços, quanto ao cadastro de reserva nas licitações, qual a importância
deste cadastro?

Sandro Bernardes: Enorme, pois, no caso de novas convocações, não se correrá o risco de
descontinuidade do processo.

Ainda quanto ao Sistema de Registro de Preços, “caronas” ou participantes, podem


manifestar interesse em apenas alguns itens de um grupo licitado pelo seu valor total?

Sandro Bernardes: O atual entendimento do TCU é de que, COMO REGRA, se a licitação for
por grupo, a adesão por parte dos caronas também ocorrerá por grupos. Em raras exceções,
devidamente justificadas, o Tribunal tem admitido que a adesão se dê por item, quando a
licitação, originariamente, tenha sido realizada por grupo.
34

Quanto ao Decreto nº 8.538/2015, que regulamenta o tratamento favorecido, diferenciado e


simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte, observada a
impossibilidade de atendimento ao Decreto, como deverá proceder o Gestor?

Sandro Bernardes: Seguir à risca as disposições das normas, que garantem, sempre que
possível, a participação e o tratamento diferenciado às Microempresas e empresas de
pequeno porte.
Em resumo: é possível afirmar que, sempre que possível, DEVE-SE garantir o tratamento
diferenciado às as microempresas e empresas de pequeno porte, salvo no caso das exceções
contidas no art. 10º do mencionado Decreto.

Quais as tendências das aquisições públicas no Brasil?

Sandro Bernardes: Buscar soluções mais fluídas, adequadas a uma sociedade mais moderna,
desejosa, sobretudo, de que as contratações públicas sejam efetivas, isto é, que atendam,
realmente, aos interesses públicos, não só ao estabelecido na lei. Vejo, com isso, a
potencialização do uso dos meios digitais, de sistemas, que permitam contratações cada vez
mais ‘abertas’ à participação de quem quer que seja.

O que o aluno da Enap poderá esperar do Seminário 50 erros mais comuns em licitações –
Análise de Casos?

Sandro Bernardes: Exposição das ideias de alguém que lida com este assunto há mais de 20
anos, mas que, como da primeira vez, continua aficionado por ele. E muitas discussões a
respeito do que o TCU pensa, o que nem sempre condiz com o esperado pelo gestor. Isso,
claro, no intuito de contribuir para que o ambiente das compras públicos possa funcionar cada
vez melhor.

Sandro Bernardes é formado em economia pela Universidade Federal do Maranhão. Ocupa o


cargo de Auditor do Tribunal de Contas da União desde 2001. Instrutor do Instituto Serzello
Corrêa-TCU na disciplina de licitações e contratos. Ministra capacitações sobre licitações em
instituições privadas e cursos preparatórios para concursos públicos. Palestrante da Escola
Nacional de Administração Pública.

Paulo Bernardes Honório de Mendonça é mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia


Universidade Católica da Argentina - Buenos Aires. Especialista em Direito Tributário.
Aprovado no concurso de Analista Pleno em Ciência e Tecnologia (Carreira de Gestão em C&T)
e também aprovado e classificado em 3º lugar para o cargo de Tecnologista Pleno (Carreira de
Desenvolvimento Tecnológico) - Tema IV: Projetos de Tecnologia de Informação e
Comunicação, do concurso do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em 2013, optando
pela carreira de Gestão em C&T. Colaborador/Instrutor da Escola Nacional de Administração
Pública - ENAP. Atua na Diretoria de Administração, como Chefe de Licitações do Ministério da
Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações desdes 04/2013.
35

10. Entrevista para o Seminário Sanções Administrativas Aplicáveis à Modalidades da


Lei 8.666/93 e Pregão na Administração Pública com Renato Fenili, 03/06/2016
• Perguntas elaboradas pelo professor Silvio Wolff.

No artigo 87 da Lei 8.666/93 estão previstas as sanções Suspensão Temporária de licitar e


contratar com a Administração e Declaração de Inidoneidade para licitar e contratar com a
Administração Pública. Neste contexto, qual é a diferença prática entre Administração e
Administração Pública?

Renato Fenili: A diferença conceitual é explicada a partir do art. 6º do mesmo diploma legal:
ao passo que “Administração Pública” se refere a todos os órgãos e entidades da
administração direta e indireta, não se atendo a unidade específica, “Administração” é
terminologia que alude a um órgão ou entidade específica. Assim, por exemplo, quem firma
um contrato é sempre a “Administração” (um partícipe específico), mas a Lei de Licitações rege
toda a “Administração Pública”.

Qual a diferença entre as sanções Suspensão Temporária, da Lei 8.666/93, e Impedimento de


Licitar e Contratar, da Lei 10.520/02?

Renato Fenili: Há inúmeras diferenças. A amplitude de seus efeitos, o prazo máximo das
sanções, as modalidades de licitação capazes de ensejar tais sanções, as tipificações das
condutas.

Para aplicar uma sanção mais gravosa a um contratado, como uma Declaração de
Inidoneidade, é necessário que tenham sido aplicadas previamente sanções menos graves?

Renato Fenili: Não, não há. A declaração de inidoneidade refere-se a uma tipificação que
pressupõe a má fé do particular. Dessa forma, em que pese ser uma sanção mais gravosa, não
alude a uma gradação lógica com relação à advertência ou à suspensão, por exemplo.

De acordo com a gravidade e natureza do inadimplemento contratual, um agente público


pode aplicar mais de uma sanção concomitantemente?

Renato Fenili: A sanção de multa, conforme preconizado em lei, é a única sanção que pode ser
combinada com as demais.
Pode-se aplicar uma sanção administrativa a um licitante que não tenha vinculo formal com
o órgão público? Em caso positivo, em que situações?

Renato Fenili: Sim, com certeza. Esses casos serão abordados em profundidade no seminário.
O mais comum é o do chamado “coelho”, que suscita o chamado conluio por herança.

Antes da publicação da aplicação de uma sanção administrativa, decorrente de um processo


administrativo, em que foi devidamente observado o amplo direito da defesa e
contraditório, a autoridade coatora soube de fato novo que agravava a sanção original.
Neste caso, ele pode aproveitar a publicação e acrescentar/agravar a sanção original?
36

Renato Fenili: A correta condução de processos sancionatórios representa uma competência a


ainda ser bem desenvolvida pela Administração Pública. Nesse caso, uma vez vislumbrada a
agravação da sanção originalmente citada no processo administrativo, cabe nova comunicação
ao particular, conferindo a ampla oportunidade de se proceder ao contraditório.

Quais são as maiores dúvidas dos agentes públicos quanto à aplicação das sanções
administrativas? Em sua opinião as atuais sanções administrativas têm atingido seu objetivo
de diminuir e coibir práticas inadequadas, lesivas ao interesse público?

Renato Fenili: As maiores dúvidas referem-se à definição da penalidade a ser aplicada, à


dosimetria das sanções (em termos de prazo) e à correta condução do processo
administrativo, em sentido amplo. Quanto à segunda questão, entendo que seja algo difícil de
mensurar, em especial em um contexto de crise econômica, no qual a inadimplência do
particular se evidencia recorrente.

A rescisão unilateral de contrato é penalidade?

Renato Fenili: Não, não é.

O que o aluno da ENAP poderá esperar para o Terceiro Seminário de Sanções


Administrativas Aplicáveis às Modalidades da Lei nº 8.666/93 e Pregão na Administração
Pública?

Renato Fenili: Pode esperar uma capacitação completa. Toda a teoria, a jurisprudência, as
visões dissonantes sobre o tema serão apresentadas. O passo a passo do processo
administrativo sancionatório, bem como facetas polêmicas serão apresentadas mediante
estudos de caso (reais!). E, mais do que tudo, pode esperar muita interação e muita troca de
experiências.

Silvio Sousa Wolff é Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia-UFBA


(1997); Especialista em Administração Pública pela FGV/DF (1988) e em Educação a Distância
pelo SENAC/DF (2008); Graduado em Engenharia Elétrica - Opção Eletrônica - pela
Universidade de Brasília-UnB (1975). Servidor de carreira aposentado do Banco Central do
Brasil, exerceu como última função a de chefe Adjunto de Departamento no Departamento de
Infraestrutura e Gestão Patrimonial (Demap). Com 40 anos de atuação na Instituição adquiriu
larga experiência na área de Administração, com ênfase em todas as áreas da Logística
(licitações, documentação, administração predial, pagamentos e suprimentos). É professor nos
cursos: Tecnológico em Gestão Pública; de Graduação em Administração de Empresas e
coordenador do curso de especialização em Logística Empresarial do Centro Universitário IESB
(Brasília - DF), desde 2005. Fez parte do banco de colaboradores da Escola Nacional de
Administração Pública - ENAP, para os cursos presenciais: "Gestão de Materiais" e
"Fundamentos da Gestão da Logística Pública e Teoria Geral da Licitação", de 23/10/2013 a
21/11/2016. Foi professor do Centro Universitário UDF de 1999 a 2001.

Renato Fenili é formado em Ciências Navais pela Escola Naval, com pós-graduação em
Administração Pública. Possui, ainda, mestrado e doutorado em Administração pela
Universidade de Brasília (UnB). Atualmente ocupa o cargo de analista legislativo e diretor da
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Coordenação de Compras da Câmara dos Deputados. É autor de livros e cursos para concursos
públicos. Em 2015 publicou o livro Boas Práticas Administrativas em Compras e Contratações
Públicas (Ed. Impetus). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

11. Tercero Seminário de Boas Práticas em Pregão Eletrônico com Patrícia Mastella e
Weberson Silva, 14/11/2016
• Perguntas Elaboradas pelo profesor Vinicius de Lima e Silva Martins.

Qual o entendimento das legislações e do Tribunal de Contas da União sobre a utilização da


modalidade pregão para os casos de obras e reformas?

Patrícia Mastella: Fazendo uma rápida retrospectiva da legislação, o art. 5º do Decreto nº


3.555/2000 veda expressamente a utilização da modalidade pregão para contratação de obras
e serviços de engenharia. Contudo, a Lei nº 10.520/2002 em nenhum momento apresenta
restrição, mas condiciona a modalidade pregão para somente bens e serviços comuns. Já a Lei
nº 8.666/1993, que subsidiariamente é aplicada para o pregão, estabelece a distinção entre
obra e serviços conforme os incisos I e II do artigo 6º: I – Obra – toda construção, reforma,
fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta; II – Serviço –
toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais
como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação,
adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos
técnico-profissionais. Por fim, o Decreto nº 5.450/2005, que regulamentou o pregão na forma
eletrônica no âmbito federal, também ratifica que não se aplica o pregão para as contratações
de obras de engenharia, silenciando-se quanto aos serviços de engenharia.

Assim, é possível concluir que não se pode contratar obra de engenharia pela modalidade
pregão, visão compartilhada pelo jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes: “a Lei nº 10.520/2002
estabelece que o pregão pode ser utilizado para a contratação de bens e serviços comuns.
Excluída está, portanto, a contratação de obra, por mais comum que seja”. Contudo, em
relação aos serviços de engenharia, tanto a Lei nº 10.520/2002 quanto o Decreto nº
5.450/2005 não apresentam qualquer óbice, sendo o único condicionamento a caracterização
do objeto como serviço comum.

Finalmente, a utilização da modalidade pregão para contratação de obras e serviços de


engenharia ainda pode gerar dúvida, mas a Súmula 257/2010 – TCU reforça: “o uso do pregão
nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei nº 10.520/2002",
pacificando que é possível a realização de contratação de serviço de engenharia por
intermédio da modalidade pregão.

Considerando o art. 10 do Decreto nº 5.450/05, quais os possíveis parâmetros que a


autoridade competente poderá estabelecer para aferir o perfil adequado para a designação
dos pregoeiros do órgão?

Patrícia Mastella: O art. 10 do Decreto nº 5.450/2005 apresenta critérios relacionados à


vinculação do pregoeiro ao órgão e à temporalidade para a sua atuação. Já os critérios de
qualificação profissional e perfil, a legislação atribui a aferição à autoridade competente. É
claro que, no caso do pregão eletrônico, espera-se que o pregoeiro saiba trabalhar com
equipamentos de informática, navegar pela internet e dominar noções básicas da legislação e
da operacionalização dos respectivos sistemas de licitações. Contudo, ao verificar o art. 11 do
38

mesmo decreto, vemos que o pregoeiro possui uma função de gestor do certame licitatório e
que suas ações estão fundamentadas conforme o art. 3º da Lei nº 8.666/1993. Por isso que
Ronny Charles afirma que se espera do pregoeiro uma competência imaginada em uma lógica
gerencial.
Mas, a fim de ilustrar as possíveis habilidades do pregoeiro, recorremos ao professor Jair
Santana, que pontua algumas características desejáveis para compor seu perfil: pontualidade,
organização, discrição (sigilo), serenidade, domínio da legislação pertinente, disposição ao
estudo (seja do procedimento licitatório, seja das peculiaridades de cada aquisição), defesa
dos direitos da Administração e respeito aos direitos dos administrados, segurança e alto
poder decisório para a resolução de conflitos. Caberá à autoridade, dentro desse arcabouço,
levantar àqueles servidores que atendem às habilidades e perfil desejados, a fim de contribuir
para resultados bem sucedidos para a Administração Pública.

É possível omitir o valor estimado da licitação no edital da modalidade pregão? Caso


positivo, a não divulgação do valor estimado pode ser considerada uma boa prática?

Patrícia Mastella: Segundo o art. 40, § 2º, inciso II da Lei nº 8.666/93, nas modalidades
licitatórias tradicionais deve-se divulgar o orçamento estimado em planilhas de quantitativos e
custos unitários. Já no caso do pregão, a jurisprudência do TCU acena no sentido de que a
divulgação do valor orçado é facultativa, não constituindo elemento obrigatório do edital, mas
devendo este ser inserido ao processo licitatório. Em relação a não divulgação do valor
estimado constituir-se em uma boa prática, caberá aos gestores e pregoeiros, no caso
concreto, a avaliação da oportunidade e conveniência de incluir ou não tais orçamentos,
informando, nesse caso, no próprio ato convocatório, sua disponibilidade aos interessados e
os meios para obtê-los.
Contudo, a divulgação do valor estimado reforça o princípio da publicidade e confere
objetividade ao julgamento das propostas (Acórdão 1557/2009-Plenário), atendendo também
o princípio correlato da celeridade para o qual o pregão, na forma eletrônica, se destina.
Reforço ainda, que de acordo com o parágrafo único do artigo 4º do Decreto nº 3.555/00, que
regulamenta o pregão, as normas disciplinadoras da licitação serão sempre interpretadas em
favor da ampliação da disputa entre os interessados, desde que não comprometam o interesse
da Administração.

Considerando o art. 18 do Decreto nº 5.450/05, o edital da licitação na modalidade pregão


poderá estabelecer a exclusividade de realização das impugnações apenas por e-mail
institucional indicado no ato convocatório?

Patrícia Mastella: Há de se considerar alguns aspectos. Inicialmente, o teor do art. 18 do


Decreto nº 5.450/2005 afirma que a impugnação será “na forma eletrônica”, mas prevê ainda
que "qualquer pessoa" poderá impugnar o ato convocatório do pregão. Portanto, nos
deparamos com uma aparente dualidade, ou seja, o decreto orienta que a impugnação será na
forma eletrônica, mas, ao mesmo tempo, estabelece que é um direito de qualquer cidadão.
Será que qualquer cidadão tem acesso à internet, inclusive nas pequenas cidades do interior
brasileiro? Nessa esteira, muitos órgãos públicos têm colocado em seus editais a expressão
“preferencialmente na forma eletrônica", para não caracterizar uma limitação, até porque
seria o direito de peticionar inferior à exigência e determinação de canal exclusivo para tal?
39

Acrescenta-se que o Acórdão TCU nº 2.632/2008 – Plenário ratifica que o encaminhamento da


impugnação e que o direito de petição do particular poderão ser exercidos por qualquer via,
não podendo a Administração se recusar a receber a impugnação formulada por escrito de
forma tempestiva.
De forma prática, então, muitos órgãos públicos têm vinculado ao instrumento convocatório a
via de encaminhamento da impugnação. Contudo, em atenção ao princípio da razoabilidade,
não deixa de averiguar as questões apresentadas, mesmo que tenham chegado por via
“inadequada”. Nesse espectro, por fim, orientamos que, em atenção ao princípio da
publicidade, independentemente da forma de apresentação, o teor e o resultado da análise do
pedido de impugnação devam ser noticiados a todos os interessados no portal próprio.

Existe alguma orientação sobre o tempo ideal que o pregoeiro deverá disponibilizar para a
fase de lances, inclusive na indicação do tempo de iminência antes do encerramento
aleatório?

Patrícia Mastella: A legislação não determina um tempo específico para o pregoeiro utilizar na
fase de lances. Contudo, o Acórdão TCU nº 1.188/2011 – Plenário orienta que um tempo
inferior a cinco minutos, bem como a execução do comando para encerramento da fase de
lances enquanto as reduções de preços ainda sejam significativas, podem prejudicar a
obtenção da proposta mais vantajosa. Por outro lado, é sabido que as empresas participantes
dessa fase dificilmente apresentam propostas no tempo de iminência, movimentando-se
apenas a partir do encerramento aleatório. Dessa forma, há de se considerar que um tempo
de iminência muito longo poderia ser improdutivo e prejudicar a celeridade do certame.
Assim, sugere-se que o pregoeiro considere o caso concreto, se cerque do princípio da
publicidade, informando aos participantes qual o tempo que utilizará para a fase de lances, e
não deixe de estimular as empresas a apresentarem a sua melhor proposta.
Como se aplica a margem de preferência nas licitações realizadas na modalidade pregão, na
forma eletrônica?

Weberson Silva: Os responsáveis por elaborar o termo de referência e o edital devem


consultar se o objeto a ser licitado possui margem de preferência estabelecida em decreto e se
esta margem ainda se encontra dentro da validade. Encontrando-se em conformidade, o órgão
informa no instrumento convocatório a referida aplicação de margem de preferência com a
norma que embasa sua adoção, bem como o percentual da preferência estabelecida.
No sistema Comprasnet, o pregoeiro, no momento de cadastrar a licitação, deve informar que
o item possui margem de preferência marcando o campo “utilizar margem de preferência”, e
inserir o percentual no sistema. De modo semelhante ao pregoeiro, o fornecedor, quando do
cadastramento de sua proposta, deve informar a origem do produto, se este é estrangeiro ou
nacional, para que o sistema possa calcular posteriormente se este se encontra ou não dentro
do percentual estabelecido na margem de preferência.
Na sessão pública, após a fase de lances, se o produto com menor valor ofertado for de origem
nacional, não haverá aplicação da margem de preferência. Porém, se o produto com menor
valor ofertado for de origem estrangeira, o sistema automaticamente aplicará a margem de
preferência e indicará os fornecedores de produtos de origem nacional que estão enquadrados
dentro da margem, apresentando a mensagem "dentro da margem de preferência".
40

Por fim, para que seja considerado como produto nacional, o fornecedor deve apresentar a
denominada “declaração de origem”, sendo recomendável que a solicitação do documento
seja realizada via “convocação de anexo”, visando dar maior transparência aos atos praticados.
Vale ressaltar que a não apresentação da declaração faz com que o produto seja considerado
estrangeiro para fins de aplicação desse benefício. Para outras informações sobre margem de
preferência, o servidor pode buscar informações no site do Ministério da Indústria, Comércio
Exterior e Serviços na página específica sobre o tema.

Considerando as recentes jurisprudências do Tribunal de Contas da União sobre o dever do


pregoeiro em negociar a proposta final, quais as possíveis ferramentas ou argumentos para
efetivar a negociação no pregão eletrônico? Qual seria a fase e a forma adequada para a
realização da negociação?

Weberson Silva: Fazendo uma breve análise da jurisprudência, é possível constatar que o
Tribunal de Contas da União vem reiteradamente determinando aos órgãos sobre a ocorrência
de irregularidade quando há ausência de negociação com o licitante vencedor. Tal
posicionamento pode ser visto nos Acórdãos nº 3.037/2009 e 694/2014, e mais recentemente
no Acórdão nº 720/2016, todos do Plenário. Devemos considerar que, assim como no dia a dia
negociamos nas compras de bens e contratações de serviços pessoais, não poderíamos adotar
conduta diversa quando no uso do dinheiro público. As decisões citadas não exigem que haja
sucesso na negociação, mas que seja realizada pelo menos a tentativa de reduzir preços, pois,
conforme citado em uma das decisões acima: “tal medida em nada prejudica o procedimento
licitatório, apenas ensejando a possibilidade de uma contratação por valor ainda mais
interessante para o Poder Público”.
Outro ponto importante é que uma das principais habilidades de um bom pregoeiro é a
capacidade de realizar boas negociações e proporcionar economia aos cofres públicos, mesmo
após já ter atingido o preço estimado, devendo, na realização do ato, respeitar os princípios da
legalidade, da isonomia, da impessoalidade e da razoabilidade. Por vezes, algumas licitações
apresentam maiores complexidades devido à quantidade de itens que são reunidos em um
único processo. Porém, independentemente de estar reunido em um processo maior, cada
item por si só é uma licitação e deve respeitar os princípios e deveres individualmente. Nesses
casos, a melhor prática para negociar é reunir os itens comuns ganhos pelo mesmo fornecedor
para negociá-los de uma vez.
Para fins de negociação, o pregoeiro pode valer-se de dados objetivos como os demais preços
utilizados na pesquisa de mercado, que se encontram no processo e se mostram abaixo da
média de referência, ou de pesquisa de fornecimentos desse mesmo licitante, com base em
consultas em ferramentas disponibilizadas no Comprasnet, como Painel de Compras e Gestão
de Ata.
O fato de o pregão ser para registro de preços também pode ser utilizado para fomentar o
interesse do fornecedor em reduzir os preços, haja vista a possibilidade de haver maior
interesse dos órgãos em aderir quanto menor o preço, e ainda, como forma adicional, em
qualquer negociação pode o pregoeiro valer-se da possibilidade de haver um mero
arredondamento para baixo dos valores ofertados. Quanto ao momento de negociação,
durante a fase de lance, o papel do pregoeiro é o de estimular a oferta de lances, não cabendo
negociação pelo fato de a comunicação ser unidirecional (só o pregoeiro se manifesta). Na Lei
nº 10.520/2002 existe a previsão, no art. 28, que o pregoeiro poderá negociar diretamente
41

com o proponente para que seja obtido preço melhor na fase de aceitação de proposta,
porém, em homenagem ao princípio da eficiência, não vejo empecilho para que haja
negociação em outras fases, como adjudicação ou mesmo homologação do certame.
Sobre a etapa de intenção de recurso prevista no art. 26 do Decreto nº 5.450/05, é possível o
juízo de admissibilidade das motivações da intenção de recurso pelo pregoeiro, podendo
resultar em rejeição da abertura da fase recursal no pregão, na forma eletrônica?

Weberson Silva: Inicialmente cabe observar que a legislação citada apresenta que “qualquer
licitante poderá, durante a sessão pública, de forma imediata e motivada, em campo próprio
do sistema, manifestar sua intenção de recorrer, quando lhe será concedido o prazo de três
dias para apresentar as razões de recurso”, não apresentada margem de discricionariedade ao
pregoeiro para aceitar ou não a intenção de recorrer.
Não cabe ao pregoeiro, neste momento, realizar uma análise dos motivos pelos quais o
fornecedor quer recorrer, pois trata-se de um direito do fornecedor, o qual poderia informar
na intenção, por exemplo, que “não concordo com a minha desclassificação”, “não concordo
com a habilitação do outro fornecedor”, “desejo cópias dos autos” ou até mesmo “desejo
recorrer”, uma vez que, ao selecionar a intenção de recorrer no sistema e apresentar qualquer
motivo o fornecedor já cumpre o requisito legal, devendo ocorrer consequentemente a
concessão do prazo de três dias. Como costumo dizer, a intenção de recurso é “um mero
levantar de mão”.
Este entendimento é recorrentemente apresentado nas decisões do Tribunal de Contas da
União nas quais dizem que a recusa de intenção de recurso após análise liminar de mérito
contraria o art. 26, caput, do Decreto nº 5.450/2005 e constitui afronta à jurisprudência do
TCU (Acórdãos nº 1.462/2010-P, 339/2010-P, 2.564/2009-P, Acórdão nº 2.159/2016-P). Para o
órgão de controle, nessa fase cabe ao pregoeiro proceder apenas ao juízo de admissibilidade
da intenção de recurso manifestada pelo licitante, buscando verificar tão somente a presença
dos pressupostos recursais, ou seja, sucumbência, tempestividade, legitimidade, interesse e
motivação, e não o mérito.
A recusa da intenção gera o julgamento antecipado do recurso que deveria ser apresentado
nos três dias previstos na lei e impede a possibilidade de ter a decisão do pregoeiro revista
pela autoridade superior, pois a negativa da intenção já propiciará a adjudicação pelo próprio
pregoeiro, contrariando a legislação vigente.

Em relação às alterações do art. 48, III, da Lei Complementar nº 123/2006, promovidas pela
Lei Complementar 147/2014, como se aplica a "cota" de até 25% para as microempresas ou
empresas de pequeno porte nas licitações realizadas pelo pregão eletrônico?

Weberson Silva: No pregão eletrônico devem ser criados dois itens: em um, deve ser possível
a participação aberta; e, no outro, a participação exclusiva para microempresas e empresas de
pequeno porte, sendo o último item com o quantitativo de até 25% do primeiro. Atualmente,
o sistema Comprasnet está preparado para aplicação do denominado benefício tipo III (cota de
25% exclusiva) apenas para as licitações tradicionais, ou seja, que não para registro de preços.
Havendo, neste caso, a implantação de funcionalidade que cria automaticamente um
“subitem” do item principal no qual só participam as MEs e EPPs. No sistema de Registro de
Preços, a melhor forma de proceder a aplicação do benefício é a criação de itens distintos no
sistema, um com a participação aberta e outro exclusivo para ME e EPP, devendo o
42

regramento estar bem claro no edital, a ponto de haver a desclassificação sumária de qualquer
fornecedor que não seja ME ou EPP e que esteja participando do item exclusivo.
Qual é a responsabilidade do pregoeiro sobre os pareceres técnicos na fase de aceitação da
proposta, e nos possíveis equívocos do valor estimado ou no descritivo do objeto da
licitação?

Weberson Silva: Quando se fala em responsabilidade, tenho observado nos últimos anos que
há, cada vez mais, uma divisão clara estabelecida pelos órgãos de controle quando analisam os
atos praticados, responsabilizando os atores envolvidos no processo de licitação no estrito
âmbito de sua culpabilidade na prática do ato. A responsabilidade do pregoeiro nos três
documentos citados – pareceres técnicos, valor estimado e descritivo do objeto da licitação –
depende de sua participação efetiva na prática dos referidos atos.
Quanto aos pareceres técnicos, entendo que o pregoeiro deve responder se este aceitou o
objeto sem o respaldo formal da área solicitante do objeto, trazendo para si o ônus da análise
sem a manifestação da área que solicitou o objeto. Havendo manifestação da área, e
encontrando-se esta em consonância com o termo de referência que descreve o item, o
responsável pelo parecer é quem responde por eventuais irregularidades em uma aceitação ou
recusa de proposta.
No que tange ao valor estimado, a sua elaboração não é uma atividade típica da função de
pregoeiro descrita na lei que rege a modalidade e seus regulamentos. Porém, em respeito ao
princípio da legalidade, este deve fazer uma análise se a pesquisa de preços seguiu as normas
existentes que regem o tema, tais como a Instrução Normativa nº 05 de 2014 do Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
No tocante ao descritivo do objeto da licitação, entendo que o pregoeiro, quando do cadastro
do objeto nos sistemas, possui a responsabilidade de alertar a área demandante a respeito de
possíveis inconsistências ou dificuldades de caracterização do objeto, ou mesmo, quando
provocado por fornecedor com pedidos de esclarecimentos e impugnações, deve requerer o
esclarecimento sobre algum ponto que se encontra omisso, obscuro ou contraditório no
descritivo.
O que o aluno da Enap pode esperar do Terceiro Seminário de Boas Práticas em Pregão
Eletrônico, que vai acontecer no dia 2 de dezembro?

Patrícia Mastella: Um ambiente rico em debates e casos concretos, onde o participante


poderá vivenciar situações do seu dia a dia com uma orientação dinâmica da legislação atual e
das melhores práticas. Será uma oportunidade imperdível de ampliar sua visão na solução dos
desafios diários, incrementando seu conhecimento sobre o assunto. Dessa forma, a
experiência lhe proporcionará motivação para promover as melhores práticas no órgão público
onde trabalha e fazer a diferença na área das compras públicas.

Patrícia Mastella é formada em Administração pela Universidade para o Desenvolvimento do


Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP e também em Música - habilitação em Regência
pela Universidade de Brasília. Possui especialização na área de logística e gestão pública e
Mestrado em Docência e Gestão da Educação pela Universidade portuguesa Fernando Pessoa.
É professora colaboradora e palestrante da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP)
desde 2014 e da Escola Fazendária (ESAF), também atua como consultora, palestrante e
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instrutora em cursos de capacitação na área de licitações e logística e servidora pública no


Ministério da Defesa - Departamento de Engenharia e Construção (DEC).

Weberson Pereira da Silva é formado em Direito pela Faculdades Integradas da União


Educacional do Planalto Central (FACIPLAC). Pós-graduado em Processo Legislativo e em
Licitações Públicas Faculdade Unyleia. Atualmente ocupa o cargo de analista de processos do
Ministério do Planejamento. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração
Pública.
Vinicius Martins é formado em Administração pela Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ). Mestre em Gestão e Estratégia pela UFRRJ, Especialista em Pregão Eletrônico
e Formação de Gestores de Contratos pela WPOS. Servidor público Federal, atuou como
Coordenador de Administração e Chefe de Compras do Hospital Federal do Andaraí.
Atualmente desempenha a função de Subsecretário de Auditoria Interna da Secretaria
Municipal de Controle Interno da Prefeitura de São Gonçalo (RJ). Colaborador da Escola
Nacional de Administração Pública.

12. Entrevista sobre Licitações e a lei das Estatais com Marinês Restelatto Dotti,
28/11/2016
• Perguntas elaboradas pelo professor Ciro Campos Christo.

Ciro Fernandes - Como encara a Lei 13.303/2016 e a previsão constitucional do art. 173, § 1º,
aprovada pela emenda constitucional da reforma administrativa, em 1998? Considera que
foram atendidas as expectativas em relação a um “estatuto das estatais”, após o prolongado
período transcorrido?

Marinês Dotti: O estatuto das empresas públicas, das sociedades de economia mista e suas
subsidiárias, que a Lei nº 13.303/2016 vem de veicular, em cumprimento à Emenda
Constitucional nº19/1998, dedica grande parte de suas disposições a princípios e normas que
lhes devem reger a atividade administrativa. Por isto que, ao fazê-lo, constrói pontes com os
princípios e normas traçados pelo direito público brasileiro quanto a contratos administrativos
e à improbidade administrativa.

Mas o novo estatuto – assim chamado na acepção jurídica em que se toma a palavra, que
significa a pretensão de esgotar o tratamento positivado balizador de determinada área de
atuação estatal – há, por isto mesmo, de ser lido de acordo com a realidade da função
econômica com que a gestão pública brasileira, a partir da Carta Fundamental de 1988, tem
manejado aquelas empresas.
A nova Lei trouxe novidades? Ela é pouco inovadora ao se limitar a resgatar institutos já
existentes como o pregão e o RDC? Ou é cautelosa e realista, adotando somente inovações
já experimentadas?

Marinês Dotti: O Título II da Lei nº 13.303/2016 dispõe sobre as licitações e contratações das
estatais. Destaque-se, do referido diploma, procedimentos previstos na Lei nº 12.462/2011, a
qual dispõe sobre o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), na Lei nº
10.520/2002, instituidora da modalidade de licitação denominada pregão, e na Lei nº
8.666/1993, que estabelece normas gerais sobre licitações e contratações administrativas. O
estatuto contempla, pois, ordens normativas já experimentadas, concêntricas, ou seja, sob o
ponto de vista jurídico coexistem um regime especial, o do RDC, um geral, o da Lei nº
44

8.666/1993, e o procedimento do pregão, da Lei nº 10.520/2002, a disciplinar as licitações e


contratações dessas entidades.

Não é demasiado inferir que se está diante de um sistema nacional de contratações, integrado
por três outros sistemas que dialogam em temas permanentes e essenciais, como v.g., os
relacionados a critérios de aceitação de propostas, regimes de execução, registro de preços,
ritos procedimentais, imposição de sanções administrativas, limite para acréscimo do objeto e
contratações sem licitação.

Seria incompleto e deficiente, por assistemático, o estudo que se concentrasse num regime
(ou sistema) sem conhecer outros, ou, pior, sem levar em conta as suas recíprocas influências,
já reconhecidas na doutrina, na jurisprudência dos tribunais de contas e judiciais, bem como
na práxis administrativa, e que se espraiam por todos os segmentos da administração pública
brasileira.
As regras e procedimentos de licitação e contratação da Lei 13.303/2016 são adequados a
empresas estatais que exploram atividade econômica? Haverá perda de agilidade e
flexibilidade em sua gestão? Elas serão prejudicadas em seu desempenho, em relação aos
custos e à qualidade dos seus produtos e serviços?

Marinês Dotti: A Lei nº 13.303/2016 estabeleceu a regra do procedimento licitatório prévio


em contratos celebrados com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas
públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à
aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo
patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à
implementação de ônus real sobre tais bens.

A regra, contudo, foi afastada nas contratações necessárias ao desempenho negocial das
referidas entidades, tais como as relacionadas à comercialização, prestação ou execução, de
forma direta, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus
respectivos objetos sociais e nos casos em que a escolha de parceiro esteja associada às suas
características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas,
desde que justificada a inviabilidade de procedimento competitivo, considerando-se
oportunidades de negócio, segundo a lei, a formação e a extinção de parcerias e outras formas
associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em
sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas
no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente.

Impõe-se, pois, a regra da licitação nas contratações das estatais, ressalvadas as situações nas
quais for demonstrada a existência de obstáculos negociais ao desempenho das atividades das
estatais que exerçam atividade econômica.

Tais entidades, registre-se, não gozam de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado,
submetendo-se aos mesmos regimes jurídicos das empresas privadas atuantes na área,
conferindo-lhes, por conseguinte, competitividade no mercado de produção de bens e
serviços.

Se para o desempenho de suas atividades negociais fosse exigida a realização de prévia


licitação restariam essas entidades absolutamente comprometidas para a exploração de
atividade econômica, prejudicando não só o regime de livre concorrência, mas também, a
igualdade que a Constituição lhes assegura com entidades empresarias privadas.
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A nova lei adotou um escopo abrangente que inclui as empresas estatais exploradoras de
atividade econômica, as que atuam em regime de monopólio e as que prestam serviços
públicos. Há diferenças substanciais entre estas entidades que justificariam normas distintas
para cada uma?

Marinês Dotti: As empresas públicas e sociedades de economia mista são espécies do gênero
entidades estatais e representam mecanismos de intervenção direta do Estado no domínio
econômico, nos casos em que se verificam imperativos de segurança nacional ou relevante
interesse coletivo, nos termos do que dispõe o art. 173 da Constituição Federal. É possível que
essas empresas sejam prestadoras de serviço público, como é o caso da Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos que, em regime de privilégio (monopólio), presta, com exclusividade, o
serviço postal.

Quando as empresas estatais exploram atividade econômica, devem observar o comando


constitucional previsto no art. 173, §1º, III, da CF/88, segundo o qual a lei que definir o
estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias
que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação
de serviços disporá sobre licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações,
observados os princípios da administração pública.

De acordo com a Lei nº 13.303/2016, aplicam-se os dispositivos atinentes às licitações e


contratações às empresas públicas, às sociedades de economia mista e suas subsidiárias que
explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou
seja de prestação de serviços públicos, ou seja, a lei não diferencia as empresas sujeitas ao
estatuto segundo o tipo de atividade exercida ou suas características.

A licitação é a regra, mesmo para as empresas estatais submetidas a regime jurídico próprio
das empresas privadas (art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal), somente afastada em
situações nas quais for demonstrada a existência de obstáculos negociais (art. 28, §3º, I e II da
Lei nº 13.303/2016), com efetivo prejuízo às atividades da estatal, devidamente justificados,
que impossibilitem a licitação.

Outro não poderia ser o caminho. A função da licitação é a de viabilizar, por meio da mais
ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a
busca da proposta mais vantajosa para a entidade.

A adoção de um procedimento para a contratação de bens, obras e serviços de interesse para


as estatais e, ainda, para a alienação de seus bens, móveis e imóveis, visa conferir
previsibilidade, segurança, acesso igualitário à disputa, além de permitir aos órgãos de
controle, interno e externo, sindicar os atos administrativos praticados no processo,
amparados pelas normas de regência.

A previsibilidade decorre da existência de um regramento prévio, materializado no ato


convocatório, mercê do qual são divulgadas as regras para a participação no certame e para a
escolha da melhor proposta. Tal regramento, balizado pela legislação de regência, antecipa as
condições necessárias à participação na licitação, conferindo segurança jurídica à entidade e
também aos interessados na contratação.

No caso específico da Petrobras, o que muda em relação ao Decreto n. 2.745 de 1998, que
estabelecia um regime simplificado de licitação para aquela empresa? Quais poderão ser os
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impactos da Lei n. 13.303/2016 em termos de gestão das compras e contratações da


Petrobras?

Marinês Dotti: Dispunha o revogado art. 67 da Lei nº 9.478/1997 que os contratos celebrados
pela Petrobras, para aquisição de bens e serviços, seriam precedidos de procedimento
licitatório simplificado, definido por meio de Decreto do Presidente da República. Em
cumprimento ao dispositivo legal foi publicado o Decreto nº 2.745/1998, já na vigência da
nova redação constitucional (EC nº 19/1998).

O regime jurídico de licitação instituído pela Lei nº 13.303/2016 diferencia-se do regulamento


(Decreto nº 2.745/1998) ao consagrar os princípios da celeridade processual – em vista de a
análise e classificação de propostas anteceder a fase de habilitação, do exame de documentos
de habilitação que se faz do licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar e da
existência de um único recurso administrativo –, da ampla competitividade – pela adoção
preferencial do formato eletrônico – e o da economicidade – alcançado pela disputa que se
realiza por meio da etapa de lances.

Traduz-se, portanto, no rito do pregão, conforme se depreende de seu art. 51, consagrado
pelo estatuto jurídico das estatais em razão dos resultados até aqui mensurados — redução do
tempo de processamento, simplificação do procedimento e obtenção de propostas mais
vantajosas. Tão auspiciosos soam os ganhos de eficiência e eficácia que a diretriz do art. 32, IV,
da Lei, estabelece a adoção preferencial da modalidade pregão nas aquisições de bens e
serviços comuns.

Acredita que a elaboração da nova Lei foi afetada pelo ambiente de desconfiança provocado
pelas denúncias de corrupção nas empresas estatais? Nesse sentido, as soluções
incorporadas podem acarretar o enrijecimento de restrições e controles sobre estas
empresas?

Marinês Dotti: Dezoito anos após a publicação da EC nº 19/98 sobreveio a Lei nº 13.303,
dispondo sobre o prometido estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia
mista e suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios, impulsionada pelos escândalos de corrupção envolvendo licitações e contratações
realizadas por algumas dessas entidades.

Sabe-se que a corrupção apresenta-se como um fenômeno que enfraquece a democracia, a


confiança no Estado e a legitimidade dos governos. Uma sociedade com altos índices de
corrupção mais cedo ou mais tarde será submetida a crises de legitimidade no seu sistema
político, especialmente em termos de queda nos níveis de credibilidade de seus políticos e de
suas instituições. Medidas para combatê-la fazem-se necessárias.

A Lei nº 13.303/16, com respaldo no art. 37, §4º, da Constituição Federal, alude em seu art. 31
ao dever de as referidas entidades observarem o princípio da probidade administrativa em
suas licitações e contratações. Submete, pois, os gestores e empregados dessas entidades a
um dever jurídico, qual seja o de agir, nos processos de licitação e contratação por elas
instaurados, em consonância com os princípios constitucionais e administrativos, assim como
de servir à administração pública com honestidade, procedendo no exercício de suas funções
sem aproveitar-se dos poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de
outrem.
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Agentes públicos atuantes em processos de licitação e contratação realizados por tais


entidades sujeitam-se a esferas positivadas de responsabilização, a saber:

(a) responsabilidade administrativa (arts. 86, §4º, e 88, §2º, da Lei nº 13.303/16);

(b) responsabilidade civil (Código Civil, arts. 186 e 927 e art. 37, §5º, da CF);

(c) responsabilidade penal (Lei nº 8.666/93, arts. 89 a 98, c/c art. 41 da Lei nº 13.303/16);

(d) responsabilidade perante os Tribunais de Contas (Constituição Federal, arts. 70 e 71); e

(e) responsabilidade perante a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).

Ciro Campos Christo Fernandes possui graduação em ciências econômicas pela Universidade
Federal de Minas Gerais (1983), mestrado em gestão (2003) e doutorado em administração
(2010) pela Fundação Getulio Vargas (EBAPE). Atualmente é gestor governamental na Diretoria
de Pesquisa e Pós-graduação Stricto Sensu e professor do Mestrado em Políticas Públicas e
Desenvolvimento da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Suas áreas de interesse
acadêmico e profissional incluem principalmente os temas: gestão pública, governo eletrônico
e compras governamentais.

Marinês Restelatto Dotti é especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela


Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente ocupa o cargo de
Advogada da União. Autora de artigos jurídicos sobre licitações, contratos administrativos e
convênios. Professora nos cursos de especialização em Direito Público da Faculdade IDC
(Instituto de Desenvolvimento Cultural), em Porto Alegre, e especialização em Direito Público
com ênfase em Direito Administrativo da UniRitter - Laureate International Universities, em
Porto Alegre.

13. Entrevista sobre o Sistema de Registro de Preços com Marcio Motta Lima da Cruz,
30/11/2016
• Perguntas elaboradas pelo professor Evaldo Araújo Ramos.

O órgão/entidade que tem interesse em utilizar uma ata de registro de preços (ARP) na
condição de “carona” poderá aceitar que o beneficiário da ata forneça objeto com
especificações distintas das que constam da ata?

Marcio Motta: Não. A execução de ARP, diversamente do registrado, configura contratação


direta sem o devido amparo legal. A entrega de objeto de especificações diferentes daquelas
exatamente descritas na proposta vencedora e que deu origem à ata de SRP viola o princípio
da vinculação aos termos da proposta vencedora da licitação. Além disso, a Administração não
pode ser constrangida a aceitar objeto de marca, modelo ou especificações diferentes
daquelas ajustadas. Trata-se, em verdade, de um preceito da teoria geral dos contratos,
inscrito no art. 313 do Código Civil, segundo o qual “o credor não é obrigado a receber
prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”. Apenas em situações
excepcionais e mediante prévia aprovação da Administração contratante admite-se a entrega
de objeto diverso ao cotado e contratado. Nesse caso, deve-se comprovar a ocorrência de fato
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superveniente capaz de impedir o cumprimento da ata nos seus exatos termos e não mera
conveniência para o particular ou para a Administração. Além disso, exige-se a demonstração
de que a substituição da marca ou do modelo constitui opção mais favorável ao interesse
público do que a realização de licitação própria.

Na hipótese em que o preço registrado em determinada ata seja superior ao constante de


outras atas vigentes, o gerenciador poderá realizar adesão àquela com preço inferior,
descartando a sua própria ata, caso a beneficiária não concorde em negociar o valor
registrado?

Marcio Motta: Sim. Considerando que a Administração realizou licitação para registro de
preço visando aquisição futura, a qual foi procedida de planejamento prévio, com
levantamento das necessidades técnicas e quantitativas, a única hipótese para se aderir à
outra ARP cujo objeto seja idêntico ao registrado em ata própria seria a vantagem econômica,
ou seja, o preço registrado em ata própria deve ser superior ao contido em outra ata. No
entanto, acontecendo essa hipótese, cabe, primeiramente, ao órgão gerenciador da ata, seguir
o descrito no art. 18 do Decreto nº 7.892/2013 e convocar o fornecedor visando à negociação
para redução de preços e sua adequação ao praticado pelo mercado. Caso a negociação seja
frustrada, o gerenciador deverá liberar o fornecedor do compromisso assumido e, somente
vencida esta etapa, poderá solicitar adesão a outra ARP, cujo preço encontra-se mais
vantajoso à Administração Pública, e proceder ao cancelamento do registro de sua ARP. O art.
15, § 4º, da Lei nº 8.666/1993, ratifica esse posicionamento ao estabelecer que “a existência
de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão
advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às
licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de
condições”. No mesmo sentido é o disposto no art. 16 do Decreto nº 7.892/2013, que
regulamenta o SRP: “a existência de preços registrados não obriga a Administração a
contratar, facultando-se a realização de licitação específica para a aquisição pretendida,
assegurada preferência ao fornecedor registrado em igualdade de condições”. Desta forma,
entendo que não há na legislação e jurisprudência obrigatoriedade de a Administração
proceder à contratação com base em sua própria ata, quando há outras atas vigentes com o
mesmo objeto a preços inferiores. Nesse sentido é o comando do inciso XI do art. 9º do
Decreto nº 7.892/2013, que estabelece a obrigatoriedade de realização periódica de pesquisa
de mercado para a comprovação da vantagem dos preços registrados. Não havendo isso, não
está a Administração obrigada a contratar por sua ata, estando liberada para contratar por
outros meios idôneos, inclusive atas de outros órgãos.

É possível a adesão a itens individuais de uma licitação cujo objeto foi adjudicado
globalmente à empresa vencedora?

Marcio Motta: Não. A jurisprudência do Tribunal de Contas da União, a exemplo do Acórdão


757/2015, corroborada mais recentemente pelo Acórdão 588/2016, ambos do Plenário, é no
sentido de que em licitações para registro de preços é obrigatória a adjudicação por item como
regra geral, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes e a
seleção das propostas mais vantajosas. A adjudicação por preço global é medida excepcional
que precisa ser devidamente justificada, além de ser incompatível com a aquisição futura por
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itens. Desta forma, pode-se concluir que não é possível a aquisição separada de itens de
objeto adjudicado por preço global em contratações realizadas por meio de SRP.

Em licitação para registro de preços com participação exclusiva de ME/EPP, o gerenciador da


ata poderá conceder “caronas” em quantitativos superiores ao limite de R$ 80.000,00?

Marcio Motta: O Tribunal de Contas da União já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a


questão, em sede de consulta formulada pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Na
ocasião, ainda sob a égide do Decreto nº 3.931/2001, o Tribunal deixou assente, por meio do
Acórdão 2.957/2011-Plenário, que, no caso de licitações com participação exclusiva de
ME/EPPs, compete ao órgão que gerencia a Ata de Registro de Preços autorizar a adesão à
referida ata, desde que cumpridas as condições estabelecidas no art. 8º do Decreto nº 3.931,
de 2001 (atualmente regulado pelo art. 22 do Decreto nº 7.892/2013) e respeitado, no
somatório de todas as contratações, aí incluídas tanto as realizadas pelos participantes da ata,
quanto as promovidas pelos aderentes, o limite máximo de R$ 80.000,00 em cada item da
licitação.

Considerando que uma determinada ata de registro de preços tem prazo de vigência até 20
de agosto de 2016 e o prazo para entrega seja de 60 dias, a Administração poderá emitir
nota de empenho ou documento equivalente até o último dia de vigência da ata? Em caso
afirmativo, a comunicação à beneficiária poderá ocorrer após o dia 20 de agosto de 2016?

Marcio Motta: Todos os atos praticados pelos órgãos gerenciador, participante e carona,
tendentes à formalização da contratação, devem ocorrer dentro da data estabelecida como
vigência para a referida ata. De acordo com o estabelecido no § 4º, art. 12, do Decreto nº
7.892/2013, o contrato decorrente do Sistema de Registro de Preços deverá ser assinado no
prazo de validade da ata de registro de preços. Ainda segundo o mesmo decreto, o artigo 15
dispõe que a contratação com os fornecedores registrados será formalizada pelo órgão
interessado por intermédio de instrumento contratual, emissão de nota de empenho de
despesa, autorização de compra ou outro instrumento hábil, conforme as regras gerais
constantes do artigo 62 da Lei nº 8.666/93. No caso, se for permitida a utilização da nota de
empenho como substituta do termo contratual, a sua emissão poderá se dar até o último dia
de vigência da ata, isto é, dia 20 de agosto de 2016. Quanto à comunicação à beneficiária da
ata, apesar de parecer não haver óbice legal ou jurisprudencial para que ocorra após o último
dia de vigência desta, entendemos como uma boa prática que seja realizada ainda dentro do
prazo legal.

No caso de atas de registro de preços com mesmo objeto, originadas a partir de licitação
com cota de disputa exclusiva de ME/EPP, qual das duas atas deve ter preferência na
utilização?

Marcio Motta: O Decreto nº 8.538/2015, que regulamenta o tratamento favorecido,


diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte, tratou da
questão no seu art. 8º, § 4º, dispondo que “nas licitações por Sistema de Registro de Preço ou
por entregas parceladas, o instrumento convocatório deverá prever a prioridade de aquisição
dos produtos das cotas reservadas, ressalvados os casos em que a cota reservada for
inadequada para atender as quantidades ou as condições do pedido, justificadamente”. Dessa
forma, se a licitação gerou duas atas para o mesmo item, uma decorrente da cota reservada
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para ME/EPP e outra decorrente da disputa geral, deve se dar preferência à decorrente da
cota reservada, até seu exaurimento.

O exaurimento do objeto registrado acarreta automaticamente a perda de validade da ata


ainda que não tenha encerrado o seu prazo de vigência?

Marcio Motta: O Decreto nº 7.892/2013 trata da vedação de se efetuar acréscimos


quantitativos fixados na Ata de Registro de Preços, inclusive o acréscimo que trata o §1º, do
art. 65, da Lei nº 8.666/93, na exata literalidade normativa enunciada no §1º, do art. 12. Tal
disposição regulamentar consubstancia-se na impossibilidade jurídica de aditamento
quantitativo de Ata de Registro de Preços, sendo que tal alteração pode ser feita tão somente
nos contratos dela decorrentes, com base no que dispõe o art. 65 da Lei nº 8.666/93. E é
exatamente essa a determinação contida no §3º, do art. 12, do referido decreto federal. Com
efeito, findo o quantitativo estimado antes do término da vigência da ata, extinto estará o SRP,
pois a proximidade do exaurimento do quantitativo do registro implica, para a Administração,
o dever de promover nova licitação. Caberá, apenas e tão somente, falar-se em acréscimo de
contrato eventualmente vigente, nos termos do art. 65, §1°, da Lei nº 8.666/93. Portanto, meu
entendimento é que, ao esgotar o quantitativo previsto para o órgão gerenciador, extingue-se
a ata. E nem há que se falar em possibilidade ainda de atendimento aos órgãos não
participantes (“caronas”), posto que esta possibilidade é apenas acessória, ou seja, o objetivo
precípuo da ata é atender a sua própria demanda, e não uma eventual demanda de outros
órgãos. Não vejo razão para que extinto o interesse do órgão gerenciador ele continue gerindo
a ata para uso exclusivo por terceiros. Este entendimento inclusive encontra guarida no
Acórdão 1.443/2015 – TCU-Plenário, onde o Tribunal afirma que “atenta contra os princípios
da razoabilidade e da finalidade o ente público ("órgão gerenciador", nos termos do art. 1º,
parágrafo único, III, do Decreto Federal nº 3.931/2001) valer-se do sistema de registro de
preços para celebrar contrato com objeto absolutamente idêntico ao da ata que lhe deu
origem, isto é, constituir uma ata de registro de preços para simplesmente firmar contrato pela
totalidade do valor da ata. Não se pode aceitar aqui o argumento de que, nesse caso, a ata
ainda teria utilidade para os "caronas", uma vez que sua finalidade precípua – sua razão maior
de ser - é o atendimento às necessidades do "gerenciador" e dos eventuais "participantes".

A previsão de consumo inicial, eventualmente informado no edital da licitação, obriga a


Administração perante o beneficiário da ata de registro de preços?

Marcio Motta: Não. A formalização da ata de registro de preços não obriga a Administração a
contratar, conforme se depreende da leitura do art. 16 do Decreto nº 7.892, de 2013, c/c o §
4º do art. 15 da Lei nº 8.666, de 1993:

“Art. 16. A existência de preços registrados não obriga a administração a contratar,


facultando-se a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, assegurada
preferência ao fornecedor registrado em igualdade de condições.”

“Art. 15, § 4º A existência de preços registrados não obriga a administração firmar as


contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios,
respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro a
preferência em igualdade de condições.”

Esta talvez seja a principal vantagem do sistema de registro de preços, visto que a previsão das
quantidades a serem licitadas por vezes é tarefa extremamente difícil, e sempre importante,
pois pode causar ao licitante uma expectativa inatingível. Assim, a utilização do sistema de
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registro de preços, por essa característica, ameniza muito a tarefa dos órgãos públicos,
evitando-se até mesmo a necessidade de manutenção de estoques e de disponibilização
orçamentária por ocasião da licitação. Além disso, não cria essa expectativa irreal no futuro
vendedor, pois ele sabe que o sistema de registro de preços demonstra apenas uma
possibilidade de aquisição.

Evaldo Araújo Ramos é formado em Administração pela Universidade de Brasília e em Direito


pela Universidade Católica de Brasília. Iniciou em 2017 um MBA em licitações e contratos
administrativos. Atualmente ocupa o cargo de auditor federal de controle externo no Tribunal
de Contas da União, onde desempenha as funções de pregoeiro, leiloeiro e presidente das
comissões especiais de licitação. Já exerceu os cargos de técnico judiciário no Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios e de analista de finanças e controle na Controladoria-
Geral da União. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

Marcio Motta Lima da Cruz é especialista em Gestão Pública pela UNED-Espanha, Mestrado
em Fazenda Pública e Administração Financeira pelo IEF-Espanha. Atualmente ocupa o cargo
de Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União atuando como Diretor
de Centralização e Padronização de Contratações do TCU. É professor da ENAP e da Secretaria
de Educação/DF.

14. Entrevista sobre a Terceirização na Administração Pública com Thiago Bergmann de


Queiroz , 09/01/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Paulo Bernardes Honório Mendonça.

Quais serviços podem ser terceirizados?

Thiago Bergmann de Queiroz: Podemos tratar a terceirização na Administração Pública em


sentido amplo e sentido estrito. Em sentido amplo, percebe-se uma tendência do setor público
em delegar ao setor privado atividades não típicas do Estado. Alguns casos são mais
disseminados, como rodovias, mas nota-se a aceleração desse movimento nas concessões de
aeroportos, portos e espaços como parques e pavilhões de exposições. Já existem também
tentativas de substituir a tradicional terceirização de mão de obra pela terceirização total da
administração predial, como nos casos de aluguel com agregação dos serviços de vigilância,
limpeza e portaria.

Quanto à terceirização em sentido estrito, refiro-me à tradicional locação de mão de obra na


qual se obedece a Súmula 331 do TST. Segundo a jurisprudência, são passíveis de terceirização
os serviços de vigilância, limpeza e atividades meio, desde que inexista a pessoalidade e a
subordinação direta. Essas condicionais são importantes, pois, caso desconfiguradas,
caracteriza-se a relação de emprego. Como exemplo, cita-se o caso dos motoristas
responsáveis pela distribuição de bebidas da Coca-Cola, cuja terceirização foi descaracterizada
e a relação de emprego foi reconhecida pelo TST.

Em relação à análise da Planilha de Custos, a empresa licitante classificada em primeiro lugar


pode fazer alteração na planilha de preços?

Thiago Bergmann de Queiroz: Sim, observados os limites impostos pelo edital e o lance
ofertado na fase de lances.

Em que momento ou até que momento seria considerado “razoável” permitir a correção
dela pelo licitante?
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Thiago Bergmann de Queiroz: A definição dessa oportunidade deve considerar uma série de
aspectos. Inicialmente, como a licitação geralmente é por menor preço, deve-se buscar a
correção da planilha de formação para viabilizar a contratação pela melhor oferta. Entretanto,
a recorrência de incapacidade em construir uma planilha de detalhamento de preços
adequada pode denotar que a eventual contratada não tenha a capacidade administrativa de
executar o serviço. Por isso, entendo razoável uma oportunidade para que a licitante acerte
sua planilha de preços, desde que a diligência do pregoeiro seja a mais detalhada possível.

No Manual de Orientação para preenchimento da Planilha de Custos e Formação de Preços


da antiga Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (SLTI/MP), os valores dos tributos para os serviços de vigilância e
limpeza são diferenciados de acordo com o Regime Tributário (Lucro Real ou Lucro
Presumido) das empresas optantes pelo Simples. Como se pode comprovar isso?

Thiago Bergmann de Queiroz: Defendo a linha de que a empresa não deve ser remunerada
nos itens Tributos. Por isso, entendo que os valores do detalhamento desse item devem
respeitar o enquadramento da empresa nos impostos. As planilhas de custos contêm itens
como o PIS e COFINS. Para comprovar o enquadramento, deve-se solicitar, no edital, os recibos
de entrega dos respectivos impostos, a saber: a Escrituração Fiscal Digital (EFD) –
Contribuições ou o primeiro recolhimento da DAS no exercício e o recibo de entrega da DEFIS,
para as empresas optantes pelo Simples Nacional.

Em caso de pregões cujos objetos são limpeza e vigilância, os quais possuem valores
mínimos e máximos estabelecidos pela antiga SLTI/MP, o órgão que por meio de pesquisa de
preço apresentar um valor médio estimado inferior deve alterar seus valores estimados para
pelo menos o mínimo estipulado pelo MP ou pode manter o valor estimado encontrado
através de pesquisa de preço, conforme orientado pela IN nº 05/2014?

Thiago Bergmann de Queiroz: Entendo que os objetivos das portarias do MPOG são reduzir a
burocracia, pois facilitam a prorrogação dos contratos e servem de parâmetro para as
contratações. Entretanto, o objetivo é contratar um serviço que atenda às necessidades da
Administração com a qualidade requerida e, para tanto, deve-se pagar o preço justo. Logo,
entendo que o órgão deve trabalhar com a sua estimativa de preços, desde que remunere
adequadamente pelo serviço e garanta a exequibilidade do mesmo.

Quanto à Relação de Compromissos Assumidos exigida na habilitação econômico-financeira,


é estabelecido pela legislação que a diferença entre essa declaração e a Receita Bruta da
empresa não seja superior ou inferior a 10% (dez por cento), devendo haver justificativa
quando isso ocorrer. Diante disso, apenas uma declaração da licitante seria suficiente para
esclarecer, ou seria importante algum outro documento para a análise da situação
econômica da participante?

Thiago Bergmann de Queiroz: Entendo que a declaração não é suficiente, devendo ser
trazidos aos autos documentos hábeis a comprovar a declaração da licitante.

A IN nº 02/2008 afirma que para a comprovação do número mínimo de postos exigido no


edital, será aceito o somatório de atestados que comprovem que o licitante gerencia ou
gerenciou serviços de terceirização compatíveis com o objeto licitado. O que o pregoeiro e a
área técnica podem considerar compatível com o objeto do certame, considerando que a
legislação não é clara quanto a isso e a jurisprudência diverge dependendo do caso
concreto?
53

Thiago Bergmann de Queiroz: Os serviços de terceirização podem ser divididos em comuns e


especializados. Nos serviços comuns, a jurisprudência aceita que a comprovação observe a
experiência em gestão de mão de obra. Essa seria a regra geral. Entretanto, considerando que
o objetivo é o sucesso da contratação, pode-se exigir a comprovação em objetos compatíveis e
cuja especialidade seja essencial para a contratação, como a experiência em determinado
equipamento ou na operacionalização de determinada tecnologia ou em alguma técnica
construtiva diferenciada.

O que seria “quarteirização”? É possível admiti-la para a Administração Pública?

Thiago Bergmann de Queiroz: É importante ressaltar que a terceirização consiste em contratar


uma empresa para prestar determinado serviço. A quarteirização ocorre quando essa
terceirizada utiliza outras empresas como sua força de trabalho. Cumpre destacar que esse
instrumento difere da subcontratação.

Para caracterizar a quarteirização, ilustro caso comum no setor de TI onde a contratada passou
a contratar os profissionais não segundo a CLT, mas exigindo a emissão de notas fiscais, o que
fez com que várias empresas fossem constituídas. O objetivo era a elisão fiscal, mas tinha
como efeito colateral a menor proteção do trabalhador. Aos poucos, os editais foram
proibindo essa forma de contratação.

Na minha visão, esse instrumento poderia ser admitido na Administração, pois, na visão dela,
importa o serviço a ser executado e não a forma de contratação. Entretanto, ocorre a
distorção de se pagar o custo relativo à contratação segundo a CLT e a empresa remunerar o
profissional mediante a empresa recém constituída, aumentando o lucro da terceirizada. Logo,
deveria haver esse ajuste.

Na visão do profissional, ele troca as garantias da CLT por um pagamento maior, vez que
absorve mais riscos. Logo, a vedação à quarteirização visa proteger o profissional e não
necessariamente garantir a execução do serviço.

Thiago Bergmann é formado em Matemática e Ciências Contábeis e tem Mestrado em


Administração pela Universidade de Brasília. Ocupa o cargo de analista judiciário no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública
(ENAP).

Paulo Bernardes Honório de Mendonça é mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia


Universidade Católica da Argentina - Buenos Aires. Especialista em Direito Tributário.
Aprovado no concurso de Analista Pleno em Ciência e Tecnologia (Carreira de Gestão em C&T)
e também aprovado e classificado em 3º lugar para o cargo de Tecnologista Pleno (Carreira de
Desenvolvimento Tecnológico) - Tema IV: Projetos de Tecnologia de Informação e
Comunicação, do concurso do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em 2013, optando
pela carreira de Gestão em C&T. Colaborador/Instrutor da Escola Nacional de Administração
Pública - ENAP. Atua na Diretoria de Administração, como Chefe de Licitações do Ministério da
Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações desdes 04/2013.

15. Entrevista sobre o Planejamento na Área de Licitações com Marcio Lima Medeiros,
20/01/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Renato Cader.

Os gestores de compras devem conhecer muito bem a legislação e a jurisprudência dos


Tribunais para realizar a fase interna da licitação com qualidade, bem como o planejamento
54

do conjunto de licitações do órgão ou entidade. Você considera esse conhecimento


suficiente? Quais competências o gestor ou servidor deve desenvolver para realização de um
bom planejamento na área de licitações?

Marcio Lima Medeiros: É pré-requisito para todo gestor público conhecer a legislação e a
jurisprudência dos tribunais para desempenhar sua atividade. Para tanto, a Enap, como Escola
de Governo, contribui cada vez mais com capacitações presenciais e EAD de qualidade com
bastante frequência e regularidade. Além disso, os tribunais disponibilizam informativos sobre
suas jurisprudências, permitindo acompanhamento e atualização com maior facilidade.

Entretanto, atualmente o Cidadão-Cliente espera de um gestor maior efetividade de suas


ações com foco em resultados concretos para o consumo de bens e serviços. Essas
expectativas demandam o desenvolvimento, especialmente, das seguintes competências: ética
e transparência, pensamento estratégico, visão sistêmica e integrada, foco em resultados,
comunicação, trabalho em equipe, inovação, negociação, liderança, autodesenvolvimento,
excelência na prestação de serviços e sustentabilidade nas tomadas de decisões.

Nem todos os gestores e servidores conseguirão desenvolver todas as referidas competências,


mas uma equipe multidisciplinar permite que um membro da equipe compense uma lacuna de
competência de outro membro.

Como o planejamento pode auxiliar na descrição do objeto, na elaboração do termo de


referência e na pesquisa de mercado?

Marcio Lima Medeiros: A importância do planejamento nas contratações foi evidenciada no


art. 2º da Instrução Normativa SLTI 02/2008, ao definir que:

“[...] as contratações de que trata esta Instrução Normativa deverão ser precedidas de
planejamento, em harmonia com o planejamento estratégico da instituição, que estabeleça os
produtos ou resultados a serem obtidos, quantidades e prazos para entrega das parcelas,
quando couber” (SLTI, 2008).

O planejamento realizado de forma adequada permite identificar as reais necessidades, prazo,


custos envolvidos, beneficiários e clientes, com vistas ao dimensionamento correto do objeto a
ser licitado.

O processo de elaboração do projeto básico ou termo de referência constitui etapa crucial do


planejamento que deve ser antecedida de um bom diagnóstico do problema ou desafio a ser
solucionado.

O planejamento deve juntar várias cabeças pensantes da área negocial demandante, das áreas
responsáveis pela licitação e pela futura gestão do contrato, bem como potenciais clientes.
Essa inteligência coletiva vai proporcionar resultados e valerá certamente o investimento de
tempo.

Quando sabemos e registramos com detalhes o que queremos, será facilitado ao mercado
precificar ou mesmo à equipe envolvida avaliar a dificuldade de comparação de preços face à
originalidade ou especificidades do objeto a ser licitado.

Como devemos alinhar o plano de compras aos planejamentos estratégico, tático e


operacional?
55

Marcio Lima Medeiros: Tudo deve começar com o Planejamento Estratégico Institucional
(PEI). Em tese, o planejamento tático e operacional, assim como o plano de compras, devem
ser desdobramentos ou instrumentos para operacionalizar o PEI. Para tanto, as lideranças e
servidores envolvidos precisam compreender o papel do planejamento estratégico e qual a
contribuição da área de logística para executar o planejamento.

Uma mudança importante a ser implantada é alterar o modus operandi passivo da área de
licitações, ou seja, conhecidos os desafios e objetivos da instituição, o plano de compras deve
ser construído em conjunto com as áreas negociais. A mudança de paradigma é internalizar
um modelo mental logístico focado em resultados por meio da contribuição de todos e não de
transferência de responsabilidades.

Qual metodologia você sugere para a realização do planejamento na área de licitações?

Marcio Lima Medeiros: O ciclo PDCA é um método de gestão de quatro passos que pode ser
utilizado para o controle e melhoria contínua do Macroprocesso de Aquisições. Além disso,
podem ser utilizadas outras ferramentas de gestão para o processo de licitações a depender de
sua complexidade, tais como:

- Brainstorming orientado a ser utilizado em reuniões prévias com áreas demandantes;

- Matriz Swot pode ser aplicada a licitações para serviços continuados;

- Árvore de objetivos pode ser aplicada a objetos de alta complexidade ou com nível de
especificação confusa;

- Matriz de requisitos e funcionalidades aplicados à aquisição de software, ERPs etc.;

- Plano de ação orientado a ser utilizado para definir responsabilidades e prazos; e

- Lições aprendidas para retroalimentar boas práticas.

Como a TI pode facilitar o planejamento das licitações?

Marcio Lima Medeiros: A tecnologia da informação é fundamental para disponibilizar


soluções de planejamento, organização e controle, com vistas a proporcionar ganhos de
escala, produtividade e assegurar consistência dos resultados. Por exemplo: construir banco de
dados de preços de licitações para agilizar pesquisa de preços.

O que devemos fazer para incitar a cultura do planejamento nas instituições?

Marcio Lima Medeiros: O planejamento estratégico e seus desdobramentos precisam ser


patrocinados pelas lideranças e precisam estar necessariamente alinhados com o orçamento.
A alocação de recursos destinada à aquisição de bens e serviços planejados deve ocorrer com
prioridade. Alocações não planejadas só deviam ocorrer mediante justificativa do caso
concreto em situações de força maior ou imprevisibilidade.

Como você utilizaria a lógica do ciclo PDCA nas licitações?

Marcio Lima Medeiros: O ciclo PDCA é um método poderoso para construir um modelo
mental com foco em resultados em quatro passos, a saber:

- Definir uma meta relacionada à licitação alinhada ao Planejamento Estratégico ou seus


desdobramentos. Para tanto, estabelecer um método de trabalho com todos os envolvidos
para alinhar forma de trabalho;
56

- Executar o trabalho e estabelecer indicadores de desempenho. Educar e treinar os envolvidos


continuamente;

- Monitorar o desempenho, comparar as metas definidas e os resultados alcançados;

- Realizar ações corretivas, preventivas ou de melhorias no processo alimentadas pelas lições


aprendidas.

Qual a melhor forma de aplicar os critérios de sustentabilidade no planejamento das


licitações?

Marcio Lima Medeiros: As licitações e contratações públicas precisam incorporar o paradigma


da sustentabilidade. Entendo como prática sustentável assegurar ações efetivas, eficazes e
eficientes no curto, médio e longo prazo. Nesse viés, as licitações não são mais encaradas
como procedimentos voltados à aquisição estanque de produtos, serviços e obras, mas
dotadas, também, de uma função regulatória conformadora do mercado, na qual são
empregadas como instrumentos de implementação de políticas públicas.

Proposta mais vantajosa não necessariamente se refere à obtenção do menor preço, sob custo
de um ativo ambiental, humano ou de imagem. Para tanto, é preciso investir em um plano de
comunicação e formar um convencimento das lideranças e do controle interno, bem como
compreender o significado mais amplo do conceito de sustentabilidade.

O que você sugere para que se tenha mais alinhamento entre as unidades demandantes e
unidades de compras?

Marcio Lima Medeiros: Mudar a perspectiva da unidade de compras de atendimento reativo


de demandas de aquisições de bens e serviços para uma construção coletiva de um calendário
de compras e da execução de todo processo licitatório em conjunto com as unidades
demandantes.

Além disso, é importante aproximar e dialogar presencialmente com maior frequência ao invés
de comunicar-se por meio dos autos do processo, como ocorre na maior parte das vezes.

Quais os maiores desafios atuais do planejamento para área de licitações?

Marcio Lima Medeiros: Os principais desafios são alinhar planejamento estratégico ao


orçamento, capacitar os gestores e servidores em planejamento, qualificar as áreas negociais
na elaboração de termos de referência ou projetos básicos e adotar critérios transparentes na
priorização de alocação de recursos.

Marcio Lima Medeiros é formado em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e tem mestrado em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília (UnB). É
Analista de Orçamento da carreira do Ministério Público da União (MPU) desde 2005 e
atualmente ocupa o cargo de diretor de Administração do fundo de pensão dos membros e
servidores do Poder Judiciário da União. É professor convidado de Política Pública da
Faculdade Anasps e de Gestão Estratégica na Uninorte, bem como Instrutor cadastrado da
Escola de Administração Fazendária (Esaf), Escola Superior do Ministério Público da União
(ESMPU), Ministério Público Federal (MPF) em disciplinas de Economia do Setor Público,
Planejamento e Gestão estratégica, Indicadores de Desempenho e Lei de Responsabilidade
Fiscal.
57

Renato Cader da Silva é doutor em Ambiente e Sociedade pela UNICAMP e Mestre em


Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, integrante da carreira de especialista em
políticas públicas e gestão governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. Atualmente ocupa o cargo de Subsecretário-Geral do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro. Foi Secretário de Administração do Ministério Público Federal. Foi Diretor de
Gestão do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foi também Gerente
Executivo e de Recursos Humanos da ANCINE. Sua experiência profissional inclui ainda o cargo
de coordenador no Ministério do Meio Ambiente. Atuou como gestor na área de gestão
ambiental no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além de ter
trabalhado no Banco do Nordeste. É professor do MBA da Fundação Getulio Vargas de
Políticas Públicas para a Sustentabilidade e de Gestão de Compras Governamentais. Um dos
vencedores do Prêmio Inovação na Gestão Pública Federal com o projeto: Compras Públicas
Sustentáveis: uma experiência de compra compartilhada. Vencedor também do Prêmio
Sustentabilidade na Administração Pública do Instituto Negócios Públicos. Recebeu também o
Prêmio CNMP 2015, do Conselho Nacional do Ministério Público, com o projeto: "Implantação
do Sistema de Compras Compartilhadas Sustentáveis do Ministério Público Federal". Em 2016,
foi vencedor do Prêmio Ministro Gama Filho com o concurso sob o tema: "A Gestão Pública e o
Meio ambiente".

16. Entrevista sobre Regime Diferenciado de Contratações-RDC com a professora


Michelle Marry Marques da Silva, 02/02/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor José Antonio Pessoa Neto.

Quais os órgãos ou empresas públicas que podemos utilizar o RDC? E ainda para quais
objetos?

Michelle Marry da Silva: De acordo com o artigo 1º da Lei nº 12.462, de 04 de agosto de 2011,
o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) é aplicável exclusivamente às licitações
e contratos necessários à realização:

I. dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos


Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO);
II. da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação (Fifa)
2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo (Gecopa 2014) do
Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano
Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014
– CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de
responsabilidades celebrada entre a União, estados, Distrito Federal e municípios;
III. de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais
dos estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das
cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II;
IV. das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC);
V. das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS);
VI. das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e
administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo;
VII. das ações no âmbito da segurança pública;
VIII. das obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou
ampliação de infraestrutura logística;
58

IX. dos contratos de locação de bens móveis e imóveis, nos quais o locador realiza prévia
aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si
mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração;
X. das ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação;
XI. licitações e contratos necessários à realização de obras e serviços de engenharia no
âmbito dos sistemas públicos de ensino e de pesquisa, ciência e tecnologia.

Portanto, para que o RDC possa ser utilizado o objeto deverá ser um dos que foram acima
mencionados, logo, para órgãos e empresas públicas com eles relacionados.

Importante destacar que o RDC quando foi publicado autorizou a utilização do regime apenas
nas três primeiras hipóteses supramencionadas. Ao longo dos anos é que o regime foi sendo
estendido e com a inserção de novos objetos passíveis de adoção pelo RDC (como os que
foram acrescidos a partir do inciso IV), o caráter eminentemente temporal para a aplicação do
RDC, já que só poderia ser utilizado para os megaeventos foi rompido, permitindo, assim, que
a adoção do regime fosse estendida para além do marco temporal dos megaeventos
esportivos possibilitando, ainda, sua utilização por centenas de órgãos e entes públicos que
não poderiam, em tese, adotar o RDC assim que criado.

No Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), instituído pela Lei nº 12.462/11, é


necessária a realização de audiência pública para licitação com valor superior a R$
150.000.000,00?

Michelle Marry da Silva: A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, prevê em seu artigo 39 a
necessidade de realização de audiência pública para os procedimentos licitatórios que
possuam valor superior a R$ 150.000.000,00. Todavia, na Lei do RDC não há esse tipo de
exigência e como o artigo 1º, § 2º, da Lei do RDC traz previsão no sentido de que a opção pelo
RDC deverá constar de forma expressa do instrumento convocatório e resultará no
afastamento das normas contidas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, exceto nos casos
expressamente previstos na lei, então, forçoso reconhecer que não há obrigatoriedade
decorrente da norma para a realização de audiência pública.

Por outro lado, fato é que a realização de audiência pública gera controle social, então nos
casos que o objeto a ser licitado resulte em um impacto direto na sociedade é recomendável
que o gestor realize a audiência pública, mesmo que a norma não o obrigue. Também nos
casos que o objeto a ser licitado possa ser aprimorado com a opinião de especialistas da área
específica é interessante que seja realizada audiência pública.

A Lei nº 12.462/11, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, trouxe, em


seu art. 7º, inc. I, a possibilidade de a Administração Pública indicar marca ou modelo para a
aquisição de bens. As hipóteses foram previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do mesmo inciso.
Em licitações de serviços ou obras, com planilha de materiais a serem fornecidos pela futura
contratada, a Administração poderá também indicar marca ou modelo, nas hipóteses
previstas na Lei nº 12.462/11? O art. 7º da Lei nº 12.462/11 é aplicável a licitações para
contratação de serviços ou execução de obras?

Michelle Marry da Silva: O artigo 7º da Lei do RDC dispõe que:

“No caso de licitação para aquisição de bens, a Administração Pública poderá:

I - indicar marca ou modelo, desde que formalmente justificado, nas seguintes hipóteses:
59

a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto;

b) quando determinada marca ou modelo comercializado por mais de um fornecedor for a


única capaz de atender às necessidades da entidade contratante; ou

c) quando a descrição do objeto a ser licitado puder ser melhor compreendida pela
identificação de determinada marca ou modelo aptos a servir como referência, situação em
que será obrigatório o acréscimo da expressão “ou similar ou de melhor qualidade”.

Realizando interpretação literal do que dispõe o artigo precitado da Lei do RDC não seria
permitida a adoção de marca na situação narrada na pergunta, já que o disposto no caput do
artigo deixa claro que a utilização de marca é para os procedimentos licitatórios destinados à
aquisição de bens, diferente, portanto, dos objetos a serem licitados para a contratação de
serviços ou execução de obras.

Todavia, se for considerar a interpretação sistemática da norma, por conseguinte, seus


princípios orientadores e a integração do sistema no qual a norma está inserida tem-se no
artigo 3º da Lei do RDC comando no sentido de ser utilizado o princípio da eficiência e no
artigo 4º diretriz para que seja buscada maior vantagem para a administração pública,
considerando custos e benefícios, diretos e indiretos. Assim, para a situação específica narrada
na pergunta acima, qual seja: “..Em licitações de serviços ou obras, com planilha de materiais a
serem fornecidos pela futura contratada...” desde que devidamente justificado, observadas as
hipóteses legalmente previstas no artigo 7º da Lei do RDC que autorizam a utilização de marca
e constem do instrumento convocatório poderia ser aplicada aos materiais a serem fornecidos
pela futura contratada.

Entretanto, no caso da escolha pela adoção do regime de contratação integrada (mesmo que
utilizando a interpretação sistemática) não cabe a exigência de marca para os materiais a
serem utilizados na execução da obra ou serviço de engenharia licitados, pois tanto o Projeto
Básico, quanto o Executivo são elaborados pela contratada, que irá formar sua planilha de
materiais de acordo com os projetos por ela elaborados.

Contratos com remuneração por performance para eficiência energética e manutenção


industrial são comuns. Diante disso, perguntamos se é cabível esse tipo de contrato quando
o objeto for execução de obras? Caso positivo, para qual tipo de obra e como ocorre a
remuneração do contratado nesses casos? Ainda na hipótese do cabimento desse tipo de
remuneração de contrato para obras, perguntamos se é aplicável àquelas típicas da área de
saneamento (ex: assentamento de tubulação, construção de estação de tratamento de água
ou de esgoto etc.)

Michelle Marry da Silva: A Lei nº 12.462/2011 previu dois mecanismos de remuneração do


contratado: (I) a remuneração variável vinculada ao seu desempenho (artigo 10) e; (II) os
chamados contratos de eficiência no qual a remuneração do contratado será proporcional à
economia gerada à Administração Pública (artigo 23).

Na primeira hipótese: a remuneração variável em função do desempenho do contratado é


cabível na contratação de obras e serviços, inclusive de engenharia. O artigo 10 da Lei nº
12.462/2011 dispõe que a remuneração variável pode ser estabelecida tendo como base
metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega que
devem ser definidos no instrumento convocatório e no contrato. Nas contratações que
adotem a remuneração variável, o contratado irá receber uma remuneração maior na medida
60

em que atingir determinadas metas e padrões de qualidade previamente estabelecidos no


edital da licitação e no contrato. Poderá haver, portanto, um “plus” para o contratado, que
terá sua remuneração maior caso consiga alcançar as metas estabelecidas, as quais
representam vantagens adicionais à Administração.

Já na segunda hipótese: no caso dos contratos de eficiência, o contratado irá assumir o dever
de proporcionar economia à Administração, na forma de redução de despesas correntes,
sendo que sua remuneração corresponderá a um percentual do benefício obtido, portanto, se
o particular não obtiver a economia que se comprometeu a proporcionar, poderá ter redução
na sua remuneração ou ainda poderá vir a sofrer a aplicação de sanção por inexecução
contratual. O § 1º do artigo 23 da Lei nº 12.462/2011 trouxe previsão no sentido de que o
contrato de eficiência pode ter por objeto a “prestação de serviços, que pode incluir a
realização de obras e o fornecimento de bens”.

Desse modo, enquanto que os contratos que adotem a remuneração variável se aplicam a
“obras e serviços, inclusive de engenharia”, os contratos de eficiência serão utilizados para
serviços, ainda que estes possam compreender também a realização de obras e o
fornecimento de bens. Assim, evita-se que o contrato de eficiência não seja empregado para a
realização de obras quando estas não englobem também a prestação de um serviço.

Ante o exposto, pode-se concluir que é possível a utilização de contratos com remuneração
por performance para a área de saneamento, inclusive, já sendo adotado pela Companhia de
Saneamento Básico de São Paulo.

Nas licitações processadas pelo RDC, utilizando a contratação integrada, existe a necessidade
de obtenção da licença ambiental prévia para compor o anteprojeto? Caso não seja
necessário, é possível atribuir ao particular a responsabilidade pelos estudos ambientais e
respectiva licença?

Michelle Marry da Silva: Conforme disposto no artigo 9º, § 2º, inciso I, alínea “d” do RDC o
instrumento convocatório deverá conter anteprojeto de engenharia que contemple os
documentos técnicos destinados a possibilitar a caracterização da obra ou serviço, incluindo
aos impactos ambientais, bem como o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981,
também dispõe que a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos
e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio
licenciamento ambiental.

Já decidiu na mesma direção o Tribunal de Contas da União: “9.1.3. apresente ao Tribunal


plano de ação com vistas a exigir a obtenção da licença prévia ambiental antes da licitação de
obras pelo regime de contratação integrada do RDC, em conformidade com os princípios da
eficiência e da economicidade estabelecidos nos art. 37 e 70 da Constituição Federal, de
5/10/1988, bem como com a alínea "d" do inciso I do § 2º do art. 9º da Lei nº 12.462/2011 (Lei
do RDC) c/c art. 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981;” (Acórdão 2725/2016 – TCU –
Plenário) Portanto, nas licitações processadas pelo RDC, as quais utilizem a contratação
integrada, existe a necessidade de obtenção da licença ambiental prévia para compor o
anteprojeto.

Para fins do cálculo de inexequibilidade previsto no inc. I do art. 41 do Decreto nº 7.581/11,


o que deve ser levado em consideração: o valor das propostas iniciais apresentadas no
envelope ou o valor final, após a etapa de lances?
61

Para a Lei nº 8.666/1993 em seu artigo 48 serão desclassificadas:

“[...]

II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente
inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade
através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de
mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do
contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.”

Para o RDC (arts. 24 e 43) serão desclassificadas as propostas que:

“Art. 24 [...] IV - não tenham sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela
administração pública;

[...]

§ 1º A verificação da conformidade das propostas poderá ser feita exclusivamente em relação


à proposta mais bem classificada.

Art. 43. Após o encerramento da fase de apresentação de propostas, a comissão de licitação


classificará as propostas por ordem decrescente de vantajosidade.”

Ainda, para José dos Santos Carvalho Filho:

“Julgadas e classificadas as propostas, sendo vencedora a de menor preço, o pregoeiro a


examinará e, segundo a lei, decidirá motivadamente sobre sua aceitabilidade. Não há,
entretanto, indicação do que seja aceitabilidade, mas, considerando-se o sistema licitatório de
forma global, parece que a ideia da lei é a de permitir a desclassificação quando o preço
ofertado for inexequível, ou seja, quando não comportar a presunção de que o contrato será
efetivamente executado. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito
administrativo, 17ª ed. Lumens Juris Editora. Rio de Janeiro, 2007, p. 209-210.)”

Portanto, a análise da (in) exequibilidade das propostas deve ocorrer após a etapa de lances e
a proposta somente deve ser desclassificada antes da etapa de lances nos casos em que a
inexequibilidade seja apurada de modo flagrante e objetivo.

Para fins de licitação pelo RDC é possível segregar do objeto parcela do empreendimento
(por exemplo, o fornecimento de materiais), sem descaracterizar o regime de execução?

Michelle Marry da Silva: A definição do regime de execução não é ato discricionário da


Administração. Comparando a empreitada por preço global com a empreitada por preço
unitário, se a Administração tem condições de definir antecipadamente o encargo na sua
totalidade, nos seus aspectos qualitativos e quantitativos, impõe-se a empreitada por preço
global.

Em caso contrário, se a Administração não tem condições de antever o encargo em sua


totalidade, não consegue precisar o quantitativo, daí impõe-se a empreitada por preço
unitário, então, segregar do objeto parcela do empreendimento pode vir a descaracterizar o
regime de execução.

Caso a Administração entenda conveniente e oportuno e apresente justificativas técnicas


para dividir as etapas de execução de um empreendimento em momentos distintos, a ponto
de viabilizar a caracterização de dois objetos para fins de licitação (embora o segundo objeto
62

seja complementar ao primeiro), é possível licitar como contratação integrada? Cabe para os
dois objetos?

Michelle Marry da Silva: De acordo com a Lei do RDC a contratação integrada poderá ser
utilizada:

Art. 9º Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá ser
utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente justificada e cujo
objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições:

I. inovação tecnológica ou técnica;


II. possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou
III. possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado.

§ 1º A contratação integrada compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos


básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de
testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega
final do objeto.

Também o artigo 73 do regulamento do RDC dispõe que nas licitações de obras e serviços de
engenharia, poderá ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e
economicamente justificada.

Dessa forma, desde que técnica e economicamente justificada e o objeto envolver, pelo
menos, uma das condições previstas no art. 9º pode ser utilizada a contratação integrada,
logo, cabe para dois objetos se estiverem dentro das condições traçadas pela norma
supramencionada.

Considerando a complexidade do empreendimento licitado na contratação integrada, na


hipótese de subcontratação de parcela do objeto igualmente complexa, é possível admitir
que a subcontratada se apresente sob a forma de consórcio?

Michelle Marry da Silva: No artigo 14 em seu parágrafo único a Lei do RDC dispôs que nas
licitações disciplinadas pelo RDC: “I - será admitida a participação de licitantes sob a forma de
consórcio, conforme estabelecido em regulamento”.

O regulamento do RDC em seu artigo 51 trouxe previsão expressa no sentido de que: “Quando
permitida a participação na licitação de pessoas jurídicas organizadas em consórcio, serão
observadas as seguintes condições...”

Já no artigo 10, o Regulamento do RDC trouxe disposição no sentido de que:

“ A possibilidade de subcontratação de parte da obra ou dos serviços de engenharia deverá


estar prevista no instrumento convocatório.

§ 1º A subcontratação não exclui a responsabilidade do contratado perante a administração


pública quanto à qualidade técnica da obra ou do serviço prestado.

§ 2º Quando permitida a subcontratação, o contratado deverá apresentar documentação do


subcontratado que comprove sua habilitação jurídica, regularidade fiscal e a qualificação
técnica necessária à execução da parcela da obra ou do serviço subcontratado.”

Em vista disso, conforme dispositivos precitados pode-se concluir que a previsão legal foi para
que a possibilidade de subcontratação fosse definida no instrumento convocatório,
63

consequentemente, constando no instrumento convocatório a viabilidade de subcontratação


nos termos impostos pela Lei pode-se também prever a possibilidade de que a subcontratada
se apresente sob a forma de consórcio para objetos com complexidade considerável que
adotem a contratação integrada, desde que observados os parâmetros legais.

Na contratação integrada, é possível admitir prorrogação do prazo contratual, a pedido da


contratada, sem aditamento de valor?

Michelle Marry da Silva: O Regulamento do RDC em seu artigo 63 deixa claro que os contratos
administrativos celebrados pelo RDC serão regidos pela Lei nº 8.666, de 1993, com exceção
das regras específicas previstas na Lei no 12.462, de 2011, e no decreto.

A Lei do RDC em seu artigo 9º, § 4º, é taxativa no sentido de que nas hipóteses em que for
adotada a contratação integrada, é vedada a celebração de termos aditivos aos contratos
firmados, exceto nos seguintes casos:

I. para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou


força maior;
II. por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação
técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não
decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos
no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Com isso, a prorrogação do prazo contratual sendo adotada a contratação integrada, a pedido
da contratada, sem aditamento de valor é possível para que o objeto seja concluído e entregue
nos termos ajustado e desde que autorizado pela Administração.

O art. 41 da Lei nº 12.462/11 modificou os requisitos previstos no art. 24, inc. XI, da Lei nº
8.666/93 para dispensa de licitação?

Michelle Marry da Silva: Pelo que consta no art. 35 da Lei do RDC: “As hipóteses de dispensa e
inexigibilidade de licitação estabelecidas nos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de
1993, aplicam-se, no que couber, às contratações realizadas com base no RDC.”

Ocorre que, o art. 41 também da Lei do RDC dispôs que: “Na hipótese do inciso XI do art. 24 da
Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a contratação de remanescente de obra, serviço ou
fornecimento de bens em consequência de rescisão contratual observará a ordem de
classificação dos licitantes remanescentes e as condições por estes ofertadas, desde que não
seja ultrapassado o orçamento estimado para a contratação.”

Levando em consideração que para o art. 24, iniciso XI, da Lei nº 8.666/1993: “na contratação
de remanescente de obra, serviço ou fornecimento, em consequência de rescisão contratual,
desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas
condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente
corrigido”.

Conclui-se que quando adotado o regime do RDC a contratação de remanescente de obra,


serviço ou fornecimento de bens observará a ordem de classificação dos licitantes
remanescentes e as condições por estes oferta ofertadas, desde que não seja ultrapassado o
orçamento estimado para a contratação, já quando adotado o regime da Lei geral de licitações
o mesmo tipo de contratação será realizada desde que atendida a ordem de classificação da
64

licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive
quanto ao preço, devidamente corrigido.

Com a utilização do RDC é possível utilizar dois regimes de contratações , como por exemplo
preço global e unitários, caso tenha uma planilha de preços das obras/serviços de
engenharia que apresente alguns itens com incerteza nos quantitativos ( como por exemplo
fundação de uma edificação)

Michelle Marry da Silva: Consoante disposição presente no artigo 8º da Lei do RDC:

“Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:

I. empreitada por preço unitário;


II. empreitada por preço global;
III. contratação por tarefa;
IV. empreitada integral; ou
V. contratação integrada.

§ 1º Nas licitações e contratações de obras e serviços de engenharia serão adotados,


preferencialmente, os regimes discriminados nos incisos II, IV e V do caput deste artigo.”

Dessarte, o §1º precitado impõe a utilização de apenas um dos regimes descritos pela Lei.

É possível registro de preços para obras de engenharia, com adoção do Regime Diferenciado
de Contratações Públicas?

Michelle Marry da Silva: Sim. De acordo com o artigo 89 do Decreto nº 7.581, de 11 de


outubro de 2011, o Sistema de Registro de Preços com a adoção do RDC poderá ser utilizado
para a contratação de bens, de obras com características padronizadas e de serviços, inclusive
de engenharia, quando:

I. pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações


frequentes;
II. for mais conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou
contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;
III. for conveniente para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas
de governo; ou
IV. pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser
demandado pela administração pública.

Portanto, desde que o serviço de engenharia possa ser enquadrado em uma das hipóteses
acima o SRP/RDC poderá ser utilizado.

Michelle Marry Marques da Silva é Advogada da União e coordenadora-geral para Assuntos


Administrativos no Ministério da Educação. Ex-Analista Judiciária no Superior Tribunal de
Justiça. Ex-coordenadora-geral substituta na Coordenação-Geral de Licitações, Contratos e
Convênios do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Ex-assessora na
Subchefia para Assuntos Jurídicos na Casa Civil da Presidência da República. Ex-coordenadora-
geral de Suporte à Central de Compras e Contratações do Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão. Ex-coordenadora-geral de Assuntos Administrativos no Ministério
da Cultura. Especialista em Direito Público. Pós-graduada pelo Instituto Brasiliense de Direito
65

Público e pela Universidade de Brasília. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto


Brasiliense de Direito Público. Atuou na elaboração do Regime Diferenciado de Contratações.

José Antonio Pessoa Neto graduado em Administração de Empresas, possui Especialização em


Planejamento e Gestão Organizacional pela UPE, MBA em Gestão de Negócios pela UFPE e
Mestrado em Administração pela UFRPE. Palestrante em eventos na área de licitações e
contratos em mais de 50 cursos, workshops, seminários e congressos, além de possuir artigos
publicados em revistas especializadas, congressos, notícias e entrevistas na mídia. Atualmente
ocupa a função de Superintendente de Licitações e Compras na Infraero.

17. Entrevista sobre Licitações nos países da União Europeia com Henrique Savanitti
Miranda, 10/02/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Nilo Cruz Neto.

Qual a influência das Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho em matéria de


contratação pública para a legislação interna de cada país da União Europeia?

Henrique Savonitti Miranda: A diretiva é uma das espécies normativas da União Europeia e
tem por finalidade harmonizar as legislações nacionais. Ela estabelece os resultados que
devem ser alcançados pelos Estados-membros da UE, deixando a cada país uma margem de
discricionariedade de como fazê-lo. Por essa razão, elas não são autoexecutáveis e dependem
de uma legislação integradora, que deve ser elaborada dentro do prazo nela previsto. Assim, é
equivocado afirmar-se que todos os países da UE seguem as mesmas regras sobre licitações e
contratações públicas. Na Itália, por exemplo, existe a figura da Autoridade Nacional
Anticorrupção (ANAC), com ampla competência regulatória e disciplinar, que não encontra
semelhança nos outros países da União.

Como países da UE têm desenvolvido suas políticas de estímulo às micro e pequenas


empresas nas contratações públicas?

Henrique Savonitti Miranda: O novo Código de Contratos Públicos italiano inseriu algumas
prerrogativas às micro e pequenas empresas bastante semelhantes àquelas que existem no
direito brasileiro. A matéria ainda depende de regulamentação e da emanação de diretrizes
por parte da ANAC. Depois de regulamentada, será possível a contratação direta com essas
empresas até o limite de 40.000 euros. Além disso, os órgãos e entidades estarão obrigados a
dividir as grandes obras de engenharia em lotes funcionais, de modo a possibilitar sua
participação. Também será possível a realização de convites, endereçados a um número
crescente de empresas, dependendo do valor estimado da contratação.

Enquanto no Brasil convivemos com as margens de preferência e os direitos de preferência


nas licitações, na Europa as Diretivas são no sentido de acabar com as políticas de "compra
nacional" e promover a livre circulação de bens e serviços. Que lições podemos tirar da
experiência europeia?

Henrique Savonitti Miranda: Em uma organização supranacional, criada originalmente para


assegurar um mercado comum, é essencial que existam mecanismos que garantam às
empresas a possibilidade de celebrar um contrato em qualquer um dos países pertencentes ao
bloco. É por isso que a matéria “contratos públicos” sempre foi, tradicionalmente, um dos
66

principais temas das orientações comunitárias, como foi confirmado pela sucessão de diretivas
ao longo do tempo. Neste sentido, um assunto que suscita muito debate é o que diz respeito à
possibilidade de um ente público executar uma obra ou serviço por meio de uma empresa que
tenha sido criada por ele mesmo. Esse procedimento é conhecido por in house providing (que
poderíamos traduzir como “contratação caseira”), e vem sendo muito restringido pelas últimas
diretivas, sob o argumento de que ofenderia o direito à livre circulação. Creio que, no Brasil,
essa discussão chegaria a causar certa estranheza, pois a nossa legislação autoriza (e até
poderia ousar a dizer, incentiva) a contratação direta com entidades que tenham sido criadas
para prestarem serviços para o próprio Poder Público, bem como entre empresas estatais e
suas subsidiárias (conforme disposições que constam dos incisos VIII, XVI e XXIII do art. 24 da
Lei 8.666/1993, entre outros).

Quais as semelhanças entre as hipóteses de contratação direta sem licitação na Itália e no


Brasil?

Henrique Savonitti Miranda: As hipóteses de contratação direta no direito italiano


contemplam duas situações distintas. A primeira delas, denominada trattativa privata, se dá
em virtude de uma licitação anterior deserta. Nesta hipótese, a Administração Pública deverá
publicar um edital, consultar algumas empresas por ela escolhidas e negociar com uma ou
várias os termos do contrato. Na segunda hipótese – que é aquela mais parecida com o que se
pratica no direito brasileiro, visto que não é necessária a publicação de um edital – o Poder
Público italiano pode escolher uma determinada empresa e proceder à adjudicação direta
(procedura negoziata). Todavia, as situações nas quais essa forma de contratação se torna
possível são bem mais restritas que no direito brasileiro, limitando-se, nos casos de obras,
serviços e fornecimento, às hipóteses de licitação deserta, inviabilidade de competição (como
nos casos de inexigibilidade do direito brasileiro) e extrema urgência. Além dessas hipóteses,
para os contratos de fornecimento, é possível a contratação direta quando se tratar de
produtos destinados a pesquisas científicas, produtos complementares a uma licitação
anterior, matérias-primas e aquisições em condições particularmente vantajosas em virtude da
falência de uma empresa. Para os contratos de serviços, é possível a contratação direta do
vencedor de um concurso de projetação. E, finalmente, nos casos de obras públicas, torna-se
possível contratar sem licitação quando se tratar de contratações semelhantes a um objeto já
licitado, dentro do prazo de três anos. Além disso, os valores dos contratos não podem superar
1 milhão de euros, na hipótese de obras, e 135.000 ou 209.000 euros, conforme o caso, nas
hipóteses de serviços e fornecimentos.

Em relação às iniciativas europeias que vêm sendo desenvolvidas na área de


desburocratização relacionada à contratação pública, o que tem lhe chamado a atenção?

Henrique Savonitti Miranda: Um grande dilema enfrentado hoje pelos países-membros da


União Europeia diz respeito ao que denominamos, em italiano, divieto di gold plating. Gold
plating, que é uma expressão muito conhecida na área de gerenciamento de projetos, significa
“banhar a ouro” ou a inclusão de trabalhos supérfluos em um determinado projeto. Neste
sentido, muitos países da União Europeia têm adotado normas estabelecendo que, na
transposição das novas diretivas, sejam realizadas uma revisão e uma simplificação das regras
nacionais, a fim de eliminar as regras mais restritivas do que as europeias. A Comissão
Europeia alega que o gold plating, apesar de não ser ilegal, apresenta-se como uma prática
nociva, pois impõe custos que poderiam ser evitados. Na Itália, a norma que delegou ao
Governo a prerrogativa de elaborar o novo Código de Contratos Públicos, de 2016, já em seu
67

artigo primeiro, proibiu a “introdução ou manutenção de um nível de regulamentação superior


ao mínimo exigido pelas Diretivas”. Ocorre que o Código acabou por introduzir inúmeros
dispositivos que não encontram previsão nas Diretivas europeias (como é o caso, por exemplo,
da já mencionada Autoridade Nacional Anticorrupção – ANAC), acarretando uma grande
discussão sobre a legalidade dessas disposições. O certo é que, apesar de todo o debate, é
possível vislumbrar-se uma tentativa de desburocratização das normas sobre licitações em
quase todos os países da União.

Em relação à transparência dos processos de contratação, que aspecto você destacaria?

Henrique Savonitti Miranda: As últimas diretivas da União Europeia apresentaram uma


grande evolução no tema da transparência. Todos os atos de autoridades e entidades licitantes
relacionados à programação de obras, serviços e fornecimentos, bem como os procedimentos
de adjudicação dos contratos administrativos, concursos públicos, concursos de ideias e
concessões, que não sejam classificados como sigilosos, devem ser publicados e atualizados na
seção “Administração Transparente” da entidade licitante. Na Itália, estas informações
também devem ser disponibilizadas no site do Ministério da Infraestrutura e dos Transportes e
na plataforma digital criada pela ANAC. Também são publicadas eventuais decisões relativas à
inabilitação e desclassificação de licitantes, os resultados das avaliações subjetivas, da
qualificação técnica e da qualificação econômico-financeira das empresas, assim como as
modificações contratuais e os relatórios de execução financeira. No direito italiano, as
entidades que pretendam realizar uma licitação, após se qualificarem, deverão se credenciar
perante a ANAC, com base em um critério de “idoneidade/capacidade”, e terão competência
para conduzir os certames que estiverem relacionados à sua capacitação técnica. Além disso,
também devem ser publicados os nomes e currículos profissionais das pessoas que poderão
participar das comissões de licitação em cada área (obras, serviços e fornecimento, por
exemplo). Os membros das comissões de licitação serão sorteados a partir dessas
informações. As entidades também poderão se qualificar para conduzir licitações de órgãos e
entidades que não tenham sido credenciadas.

Que medidas os países da UE têm adotado para promover contratações com baixo impacto
negativo ao meio ambiente?

Henrique Savonitti Miranda: A preocupação com a sustentabilidade ambiental é, sem sombra


de dúvidas, um dos pontos-chaves das Diretivas 24/2014 e 25/2014 do Parlamento Europeu e
do Conselho. Neste sentido, foi introduzido o conceito de “proposta economicamente mais
vantajosa”, a ser utilizado, preferencialmente, em substituição ao critério de menor preço.
Desta forma, a proposta deverá ser avaliada com base na melhor relação qualidade/preço, que
deverá sempre incluir um elemento de preço ou de custo. Além disso, introduziu-se o conceito
de “custo do ciclo de vida do projeto”, que contempla aspectos como os custos da própria
aquisição, utilização de energia elétrica e outros recursos naturais, manutenção, recolha,
reciclagem, emissão de gases de efeito estufa e outras substâncias poluentes, entre outros. Na
Itália, a ANAC abriu consulta pública visando a recolher contribuições para a regulamentação
da matéria. A ideia é que seja estabelecida uma ponderação entre o preço e os critérios
ambientais (semelhante ao que ocorre na licitação de técnica e preço, do direito brasileiro) e a
adjudicação seja realizada com base na melhor equação qualidade/preço.

De acordo com a última versão do documento, os critérios para avaliação deverão ser: a)
qualidade (levando-se em consideração as especificações técnicas, características estéticas e
funcionais, acessibilidade, certificações e garantias relativas à segurança e à saúde dos
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trabalhadores, além de outros aspectos sociais e ambientais); b) a apresentação de um selo de


qualidade ecológica da União Europeia (UE Ecolabel); c) o custo de uso e de manutenção
(inclusive no que diz respeito ao consumo de energia e recursos naturais, emissões de
poluentes, mitigação dos impactos das alterações climáticas, referindo-se a todo o ciclo de
vida do produto ou serviço); d) a compensação das emissões de gases de efeito estufa
associados com as atividades da empresa; e) organização, qualificação e experiência do
pessoal efetivamente utilizado na execução do contrato; f) assistência técnica e serviço pós-
venda; e g) condições de entrega ou da execução do serviço.

Poderia nos explicar quais as diferenças entre os Acordos-Quadro (Framework Agreement)


da Europa e a nossa Ata de Registro de Preços?

Henrique Savonitti Miranda: Uma das principais diferenças entre os dois sistemas diz respeito
ao prazo. Enquanto que no Brasil a Ata de Registro de Preços tem validade máxima de um ano,
na Itália e na França, por exemplo, o Acordo-Quadro terá validade de até quatro anos, em
regra, ou de até oito anos, caso se trate do denominado setor especial (que inclui água,
energia, transportes e serviço postal). Além disso, o art. 78 do Code des Marchés Publics
francês e o art. 54 do Codice degli Appalti Pubblici italiano estabelecem duas categorias de
Acordos-Quadro: uma na qual o acordo fixa todas as disposições contratuais, sendo executado
como e quando a emissão da ordem de compra é emitida (semelhante ao que ocorre no
direito brasileiro) e outra na qual o acordo não estabelece as principais disposições contratuais
(que podem envolver o preço e especificações técnicas), sendo reaberta a disputa a cada
necessidade de nova contratação, fixando-se um prazo aos participantes para a apresentação
de suas propostas.

Como são as sanções a serem aplicadas em casos de fraudes cometidas por empresas nos
procedimentos pré-contratuais na Itália?

Henrique Savonitti Miranda: O art. 83 do Código de Contratos Públicos italiano estabelece as


sanções pecuniárias que podem ser aplicadas aos licitantes nas hipóteses de ausência,
omissões ou outras irregularidades essenciais relativas à habilitação. A sanção pecuniária varia
de 0,1% a 1% do valor do objeto do contrato, e está limitada a 5.000 euros. É interessante
notar que o Código anterior, de 2006, estabelecia que a multa poderia chegar a 50.000 euros.
A eventual sanção será descontada da caução provisória, que deve ser prestada por todos os
licitantes. Além disso, está sendo criado, perante a Autoridade Nacional Anticorrupção, um
rating de idoneidade das empresas licitantes, contendo penalidades aplicadas e premiações
recebidas, e que será utilizado para fins de habilitação. Além disso, as empresas que tiverem
representantes condenados criminalmente permanecem inidôneas, para fins de participação
em licitações, enquanto perdurarem os efeitos da condenação.

Com o Projeto de Lei do Senado nº 559/2013, que compõe a Agenda Brasil 2015, muito se
tem falado no surgimento de uma nova modalidade, que no Brasil receberia o nome de
“Diálogo Competitivo”, adaptada do Diálogo Concorrencial existente na Europa. Poderia nos
dizer como essa modalidade funciona?

Henrique Savonitti Miranda: Esta pergunta é muito interessante e aqui vou me permitir dar
uma resposta um pouco mais longa. O diálogo competitivo é um procedimento por meio do
qual a Administração Pública realiza um debate com os licitantes, objetivando avaliar soluções
técnicas, jurídicas e financeiras que atendam às necessidades do ente licitante. Aplica-se
exclusivamente a situações “particularmente complexas”, nas quais a Administração não
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dispõe dos instrumentos e dos estudos necessários para definir as características da obra ou
serviço. No direito italiano (art. 58 do Código de Contratos Públicos), após a publicação de um
edital, as empresas interessadas irão se apresentar e a Administração decidirá motivadamente
sobre a admissibilidade das empresas ao certame, momento em que será possível discutir-se
todos os aspectos da obra a ser executada. É possível, ainda, que o diálogo ocorra em várias
fases, objetivando-se a redução paulatina das soluções que estão sendo debatidas. É
importante salientar que este procedimento é medida excepcional, aplicável tão somente a
situações muito específicas.

De 2012 a 2016, foram publicados cerca de 50 editais prevendo este procedimento, o que
acarretou inúmeras críticas no sentido de que, na grande maioria dos casos, não estariam
presentes os requisitos de “grande complexidade e inventividade” que justificam a adoção da
medida. Alguns bons exemplos seriam as licitações para a implementação de um sistema de
cirurgia robótica no Hospital de Pescara, as obras visando um aumento da eficiência energética
e melhorias no sistema de manutenção do serviço de iluminação pública na região da Ligúria e
a contratação de serviços de pesquisa e desenvolvimento visando a caracterização da
biodisponibilidade, eficácia e eventual toxidade de moléculas veiculadas por meio do sistema
Drug Delivery a nível oftalmológico. Cito estes três exemplos com o objetivo de demonstrar
que, apesar de reconhecer que o diálogo competitivo possa ser uma ferramenta
extremamente útil (assim como ocorre com os concursos de projetação, por exemplo), não se
pode pretender utilizá-lo de maneira indiscriminada, assim como ocorreu, no Brasil, com o
nefasto instituto da contratação integrada (que, no meu entendimento, deveria ser abolido do
ordenamento nacional).

Para concluir, creio que nossa legislação precisa ser aprimorada urgentemente e, neste
sentido, pode incorporar muito da experiência europeia. O procedimento de escolha do
contratado pode ser bastante simplificado (conforme, aliás, já vem sendo feito desde a
implementação do pregão e, posteriormente, com o RDC). No entanto, nem lá, tampouco
aqui, existe espaço para soluções milagrosas. A solução, a meu ver, continuará sendo investir-
se pesadamente na fase de projetação e, após a adjudicação, em uma eficiente e verdadeira
gestão e acompanhamento contratual. Ilustrando com uma frase de Abraham Lincoln, “Se eu
tivesse oito horas para cortar uma árvore, passaria seis afiando meu machado”.

Henrique Savonitti é advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (desde 1999), na
Ordem dos Advogados Portugueses (desde 2016) e na Ordem dos Advogados de Udine, Itália
(desde 2016). Doutorando em Direito Administrativo pela Università di Udine (Itália) e pela
Université de Toulon (França), mestre em Direito Administrativo (Master di II Livello in
Organizzazione, management, innovazione nelle Pubbliche Amministrazioni) pela Università La
Sapienza, de Roma (Itália), mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Franca e
especialista em Direito Tributário pelo IBET/PUC-SP e IBDT/USP. Professor da Enap desde
2004.

Nilo Cruz Neto é doutorando em Políticas Públicas pelo Instituto Universitário de Lisboa
(ISCTE-IUL), em Portugal, mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão,
pós-graduado em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio
de Sá e pós-graduado em Auditoria e Perícia Contábil pela UFMA. Faz parte da carreira de
Auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União.
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18. Seminário Governança em TI com Cristiano HecKert, 18/10/2016


• Perguntas elaboradas pela professora Joyce Belga.
Hoje a TI tem sua importância reconhecida por boa parte das organizações, uma vez que elas
dependem de informação e, para analisar, fazer uso, disseminar e proteger essas
informações de forma adequada, a TI tem se mostrado indispensável. Mas como a
governança de TI pode ajudar uma organização? Ou seja, porque a TI deve ser governada?

Cristiano Heckert: A palavra “governança” vem da Ciência Econômica e designa a relação entre
o agente (que gere uma organização) e o principal (dono da organização). A TI deve ser
governada para que os seus gestores busquem sempre alcançar os objetivos dos “donos” da
organização, e não os objetivos da própria área de TI.

Há uma confusão muito comum entre o que é “gestão de TI” e “governança de TI”. Como
diferenciar esses conceitos que, apesar de se relacionarem, são bem distintos?

Cristiano Heckert: Gestão refere-se à administração das tarefas executadas no dia a dia e dos
recursos alocados para desempenhá-las. É, portanto, tarefa dos executivos da organização. Já
a governança refere-se ao direcionamento estratégico dado pelos donos da organização
(principal) e aos mecanismos de monitoramento e avaliação estabelecidos por eles para
garantir que aqueles executivos (agentes) trabalhem visando não os seus próprios interesses,
mas sim os do principal.

Boa parte dos referenciais teóricos fala que a governança de TI “deve agregar valor ao
negócio da organização”. Como essa afirmativa se traduz, de forma prática, para a
Administração Pública?

Cristiano Heckert: A governança de TI na Administração Pública tem como objetivo garantir


que a área de TI de determinado órgão direcione suas ações para o cumprimento da missão
finalística daquele órgão e não para os interesses da própria área de TI.

Partindo do fato que a governança de TI é parte integrante da governança corporativa, é


possível implantar uma governança de TI sem haver uma governança corporativa
desenvolvida na organização?
Cristiano Heckert: O ideal é que a governança de TI seja parte da governança corporativa.
Contudo, temos observado que, muitas vezes, a construção da governança corporativa em
órgãos públicos tem começado pela governança de TI e, a partir daí, criando uma cultura que
vai se disseminando pelas demais áreas.

Dado que a responsabilidade por governar a TI em organizações públicas é da alta


administração, o que o gestor de TI, enquanto “governado”, pode fazer para ajudar o
“governante” a governar?

Cristiano Heckert: O gestor de TI pode sistematizar as informações para que a alta


administração tome suas decisões da forma mais embasada possível. Assim, por exemplo, ele
deve apresentar de forma clara quais são as demandas existentes, as alternativas existentes e
os recursos disponíveis para atendê-las.

O framework, ou guia de boas práticas, mais utilizado no mundo, em se falando de


governança de TI, é o COBIT. Ele pode ser aplicado, de forma efetiva, em organizações
públicas? Existem outras iniciativas voltadas para organizações públicas?
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Cristiano Heckert: Muitos órgãos públicos têm implantado o COBIT (em todo ou em parte)
com sucesso. Mas há modelos desenvolvidos especificamente para a realidade da
Administração Pública brasileira. Cito, como destaque, o Guia de Governança de TIC do SISP,
lançado pelo Ministério do Planejamento no final do ano passado, fruto de uma parceria com a
UnB. Outra boa fonte é o Referencial Básico de Governança Aplicada a Órgãos e Entidades da
Administração Pública, editado pelo TCU.

O governo tem demonstrado crescente preocupação com governança. Por exemplo,


recentemente foi publicada a Instrução Normativa Conjunta nº 1/2016, que dispõe sobre
controles internos, gestão de riscos e governança no âmbito do Poder Executivo Federal.
Todavia, pesquisas demonstram que a maturidade em governança de TI nos órgãos ainda é
baixa. Qual a maior dificuldade para implantação?

Cristiano Heckert: Creio que a maior dificuldade ainda é a precária institucionalização da


governança. A Administração Pública brasileira se profissionalizou bastante nas últimas
décadas, mas ainda é muito personalizada. Assim, determinadas iniciativas vão bem enquanto
está no poder um dirigente que as patrocina, mas são descontinuadas quando há troca de
gestão. Precisamos criar mecanismos institucionais, que permaneçam a despeito das trocas de
pessoas nas posições de comando.

A TI está mudando a forma como o governo se relaciona com o cidadão. Diante disso, o
governo brasileiro lançou a Estratégia de Governança Digital (EGD), com o intuito de
expandir o acesso à informação, melhorar a prestação de serviços digitais e ampliar a
participação social, para que possam ser oferecidos melhores serviços à sociedade. Como a
governança de TI pode apoiar o avanço da governança digital?

Cristiano Heckert: TI hoje é parte integrante da rotina das pessoas. O Estado também precisa
incorporar essa nova forma de trabalhar e de interagir com os cidadãos. A governança de TI
deve garantir o aporte das tecnologias adequadas para viabilizar essa nova plataforma de
relação Estado-sociedade.

Há uma percepção de que a governança de TI é complexa e difícil de ser alcançada pelas


organizações, pois exige implantação de estruturas, processos, mecanismos, entre outros.
Qual seria um caminho factível para começar a implantá-la?

Cristiano Heckert: Diálogo. Peter Drucker dizia que 60% dos problemas em qualquer
organização, pública ou privada, são oriundos de falhas de comunicação. E eu costumo dizer
que ele foi modesto nesse percentual. O que temos visto reiteradamente nas organizações
públicas é que a simples criação de comitês ou reuniões periódicas que promovam a circulação
da informação é um passo inicial, mas relevante na construção da governança. Quando
trabalhamos mapeamento de processos, percebemos a mesma coisa: promovendo a conversa
entre os atores que participam de determinado fluxo, eles rapidamente identificam
oportunidades de melhoria. É impressionante constatar que temos cada vez mais tecnologias
de informação e comunicação disponíveis, mas a comunicação nas organizações ainda é muito
precária.

Os gestores de TI, às vezes, têm dificuldade em adotar boas práticas e padrões de TI, pois
não identificam vantagens no uso, mas tão somente os aspectos burocráticos e controles
que agregam. Quais benefícios pode-se colher da boa governança de TI?

Cristiano Heckert: Os gestores (não apenas de TI) no Brasil gastam muito tempo “apagando
incêndio”, ao invés de criar soluções estruturantes. Gostamos do improviso, do fazer na última
72

hora. Precisamos entender que procedimentos e rotinas padronizadas são essenciais para
garantir qualidade e consistência de resultados ao longo do tempo. A longo prazo, as
organizações mais maduras nesses aspectos são as que alcançam melhores resultados.

Como tratar a governança de TI para que possa atender, de forma ágil, as demandas por
novas soluções, como bigdata, cloud computing, mídias sociais, entre outras?

Cristiano Heckert: As tecnologias (mesmo as mais disruptivas) observam um ciclo de


maturação. Para citar um exemplo, em 2010 eu era diretor na SLTI e representei a Secretaria
numa mesa redonda sobre cloud computing na Futurecom. Somente em 2016, de volta à
Secretaria dessa vez como secretário, nós publicamos uma portaria com orientações aos
órgãos nesse tema e somente agora temos visto as primeiras experiências de contratação
desses serviços. Portanto, é preciso, por um lado, que a TI esteja permanentemente
monitorando as inovações e as tendências tecnológicas. Por outro lado, a opção por
determinada tecnologia deve ser feita com muita segurança e embasamento. Uma boa
governança permite que essa reflexão amadureça e envolva todos os atores relevantes,
minimizando seus riscos.

O que o aluno da Enap poderá esperar do Seminário Governança em TI?

Cristiano Heckert: Um dia de intenso debate, em que trocaremos experiências à luz do


moderno referencial teórico e de casos práticos vivenciados na Administração Pública
brasileira.

Cristiano Rocha Heckert possui graduação (1999), mestrado (2001) e doutorado (2008) em
Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). É servidor
público federal da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental,
aprovado em 1o lugar no concurso 2005. Atualmente exerce a função de Secretário de
Modernização e Gestão Estratégica (CC-6) no Ministério Público Federal. É professor de
governança e gestão pública na ABOP, ENAP, ESMPU, FGV e IBGP. É autor do livro
"Contratações de TI: O Jogo", em conjunto com Antonio Fernandes Soares Netto, Ed. Negócios
Públicos, 2017.

Joyce Lustosa Belga possui MBA em Gestão de Sistemas de Informação pela Universidade
Católica de Brasília (UCB). Graduação em Ciência da Computação pela Universidade Católica de
Brasília. Atualmente ocupa o cargo de Analista em Tecnologia da Informação e a função de
Coordenadora-Geral de Gestão e Governança de TI Substituta no Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão. Exerce atividades como consultora em Planejamento de TI nos órgãos do
Poder Executivo Federal. Docente no Programa de Desenvolvimento de Gestores em TI da
Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Revisora Técnica do livro "Elaboração de
PDTI" da Escola Superior de Redes (RNP). Certificação COBIT Foundation pela Information
Systems Audit and Control Association (ISACA).

19. Seminário como Fiscalizar Contratos de Compras e Serviços na Administração Pública


Melhores Práticas para Atuação Eficientes do Fiscal e do Gestor com João Luiz
Domingues, 29/07/2016

• Perguntas elaboradas pelo professor Jakson Barbosa Alves.

Qual a importância da fiscalização de contratos para a Administração Pública?


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João Luiz Domingues: Primeiramente, a fiscalização de contratos é uma obrigação legal,


conforme se verifica nas redações dos arts. 58, inciso III, e 67 da Lei nº 8.666/1993. Trata-se,
portanto, de um poder-dever da Administração.
Em segundo lugar, a Administração realiza o procedimento licitatório visando atender a uma
necessidade da sociedade. Negligenciar nesta etapa pode colocar por terra todo o esforço das
etapas anteriores – planejamento, fase interna e externa da licitação –, além de não ter a sua
demanda atendida plenamente.
A atuação administrativa não se encerra com a homologação do certame e a consequente
assinatura do contrato. A Administração deve realizar suas condutas sempre velando pelos
interesses da sociedade e, por isso, deve priorizar a fase de fiscalização contratual. É na etapa
da fiscalização que a Administração deve exigir o cumprimento do objeto e que a empresa
contratada honre a proposta apresentada na licitação.
Não se pode aceitar a inércia administrativa nesta etapa, notadamente, nos casos em que se
tem a contratação de obras e serviços, os quais somente devem ser remunerados pelos
resultados efetivamente produzidos, a partir da qualidade mínima estabelecida, e pela
utilização de materiais e recursos humanos exigidos e previstos contratualmente para as
respectivas execuções.
Por fim, a efetiva atuação administrativa na parte fiscalizatória de seus contratos resguarda o
interesse público e, consequentemente, mitiga eventuais prejuízos ao Erário causados pelos
desvios, falhas ou fraudes originários da execução contratual, além de se evitar a
responsabilidade da administração por débitos trabalhistas (responsabilidade subsidiária) e
previdenciários (responsabilidade solidária).

Na sua opinião, quais são as maiores dificuldades com as quais o poder público se defronta
na área de gestão e fiscalização de contratos?

João Luiz Domingues: Creio que as dificuldades da administração residem em dois aspectos.
Primeiramente, relaciona-se a servidores, tanto em termos quantitativos, quanto em
qualificação. O outro aspecto está ligado à falta de estrutura organizacional voltada para a
gestão e fiscalização de contratos administrativos.

A história recente mostra que a administração não dava importância à fiscalização de seus
contratos. Não podemos ter em mente que a contratada irá cumprir suas obrigações
contratuais e deixar a fiscalização em segundo plano. É preciso fiscalizar. É preciso atuar em
prol do interesse público.

Cabe frisar que hoje em dia se percebe mudança de comportamento. Verifica-se uma
administração mais atuante, ciente que suas obrigações não se encerram com o resultado final
da licitação. Há muito que percorrer. A estrada é longa, mas o importante é sair da inércia.

Ao consultar o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf) e o Cadastro de


Empresas Impedidas e Suspensas (Ceis), verifica-se atualmente que a administração tem
aplicado muitas penalidades às suas contratadas pela inexecução parcial e total do contrato.
Tal fato somente é possível se houver fiscalização. Sem fiscalização não há como aplicar
penalidade.

A atuação administrativa na fiscalização de contratos tem como efeito direto afastar possíveis
empresas do certame que tenham como objetivo fraudar ou falhar na execução contratual,
pois podem receber a penalidade máxima e ficar impedidas de licitar e contratar com a
Administração Pública durante determinado período. Considerando o poder de compra da
Administração Pública, em especial a esfera federal, os efeitos da suspensão podem significar a
redução de faturamento mensal e anual.
74

Nos últimos anos, percebe-se que surgiram novas orientações e algumas mudanças na forma
da Administração Pública fiscalizar seus contratos de terceirização de mão de obra. Dentre
essas mudanças, quais boas práticas você destacaria por terem contribuído para melhores
resultados?

João Luiz Domingues: Primeiramente, destaco a atuação dos órgãos de controle, e aqui
ressalto os trabalhos realizados pela Controladoria-Geral da União (CGU); Tribunal de Contas
da União (TCU); e das Unidades de Auditoria Interna (AUD). Os órgãos de controle deixaram de
realizar, de forma prioritária, as auditorias de conformidades, e focaram em auditorias
operacionais, verificando a aplicação dos recursos públicos sobre os prismas da eficácia,
eficiência e economicidade.

Cabe destacar que o TCU, visando melhor atuação nas contratações públicas dos órgãos
jurisdicionados, quer preventivamente ou a posteriori, criou a Secretaria de Controle Externo
de Aquisições Logísticas (Selog) em janeiro de 2013, cuja missão é “exercer o controle externo
da governança das aquisições públicas em benefício da sociedade”. O Acórdão nº 3.030/2015 –
Plenário é um exemplo de sua atuação.

Como decorrência da atuação dos órgãos de controle na verificação da eficiência dos controles
estabelecidos pelos órgãos e entidades auditados nos contratos de terceirização, surgiu a
necessidade de realizar ações de capacitação, ganhando destaque a Escola Nacional de
Administração Pública (Enap) e a Escola de Administração Fazendária (Esaf), pilares na
capacitação de servidores públicos.

Sou instrutor das duas Escolas de governo e percebo o esforço que fazem, com o orçamento
reduzido, de levar, disseminar, dividir o conhecimento entre os servidores públicos. Um
exemplo desse esforço é o seminário Como Fiscalizar Contratos de Compras e Serviços na
Administração Pública — Melhores Práticas para Atuações Eficientes do Fiscal e do Gestor, a
ser realizado dia 29 de julho. Seremos 240 servidores trocando ideias e experiências.

A Administração Pública conta com servidores altamente qualificados, como identifico em sala
de aula, quando estou ministrando cursos, ou na avaliação de novos instrutores. Agora é
“botar o pé na estrada” e dividir conhecimento, pois vejo nesses novos facilitadores o “brilho
nos olhos”, a vontade de aprender e ensinar. Isso faz toda a diferença!
Nesse sentido, temos verificado a realização de muitos treinamentos em gestão e fiscalização
de contratos. Essa mudança de comportamento é salutar e vai ao encontro da necessidade de
capacitação dos servidores.

Uma boa prática é a adoção de manuais de gestão e fiscalização de contratos administrativos,


que trazem as atividades a cargo do gestor e as de responsabilidade do fiscal de contratos,
bem como orientações e subsídios para o acompanhamento e a fiscalização dos contratos
administrativos.

O manual de gestão e fiscalização possibilita padronização dos atos de acompanhamento e de


fiscalização dos contratos, quer seja pela atuação dos atores envolvidos (gestor e fiscais), quer
seja pela elaboração de documentos, formulários e questionários.

Entre os manuais, destaco os da Advocacia-Geral da União (AGU); Ministério da Cultura;


Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR); e o Manual de Fiscalização de Contratos das Instituições
Federais de Ensino Superior (Ifes), elaborado pelo Grupo de Administração do Fórum Nacional
de Pró-Reitores de Planejamento e Administração (Forplad).
75

Não podemos olvidar das normatizações elaboradas pelo Ministério do Planejamento, como a
IN nº 02/2008, fruto da jurisprudência do TCU, em especial do Acórdão nº 1.214/2013 –
Plenário, que traz em seu Anexo IV o Guia de Fiscalização dos Contratos de Prestação de
Serviços com Dedicação Exclusiva de Mão-de-Obra.

Quanto ao ministério, gostaria de salientar que foi aberta consulta pública para recebimento
de contribuições sobre a minuta da norma que reformula a Instrução Normativa nº 2/2008. É
importante contribuirmos! Mais informações no sitio http://www.participa.br/in-terceirizacao.

Por fim, entendo que o diferencial seja onde o servidor pode encontrar informações ou trocar
de conhecimentos que permitam uma atuação mais segura. Nesse caminho, indico os
Ementários da Gestão Pública (https://groups.google.com/forum/#!forum/prgg); os
informativos do TCU (http://portal.tcu.gov.br/jurisprudencia/boletins-e-
informativos/informativo-de-licitacoes-e-contratos.htm); e o Núcleo de Apoio aos
Compradores Públicos (https://groups.google.com/forum/#!topic/nelca/pfHCbQ8SK0I), sendo
este último um grupo de discussão qualificado e intenso.

Há outros instrumentos ou mecanismos ainda não utilizados por falta de amparo legal que,
em sua opinião, poderiam ser discutidos e regulamentados para melhorar a gestão e
fiscalização de contratos públicos?

João Luiz Domingues: Começo a respondê-lo com outra pergunta: quem gosta de ser fiscal de
contratos? A resposta seria ninguém!
Como sabemos, regra geral, o servidor não pode recusar a nomeação para ser fiscal de
contrato por não se revestir em ordem manifestamente ilegal, art. 116, inciso IV, além de que
a atividade de fiscalização de contratos é tida como obrigação adicional, indicada entre os
compromissos dos agentes públicos, conforme se verifica na leitura dos arts. 2º e 3º, todos da
Lei nº 8.112/1990.

Em alguns debates de corredores, surge com frequência a seguinte ponderação: “Servidor


nomeado para fiscal de contratos deveria receber gratificação para o ofício em questão”.
Conheço muitas pessoas que apoiam essa ideia e também acho muito válida. No entanto, não
iremos resolver por completo a melhoria na fiscalização contratual.

Identifico dois grandes entraves para que os servidores nomeados como fiscais de contratos
possam atuar de forma adequada e com a eficiência necessária para o ofício em questão:
capacitação e disponibilidade de tempo para o acompanhamento e fiscalização contratual.

Capacitação “virou febre”. Têm-se muitas ofertas, tanto na esfera pública, como na via
particular ou privada. Contudo, quanto à disponibilidade de tempo para o acompanhamento
do contrato, é outra história.

Sabemos que o servidor nomeado como fiscal de contrato exerce a atividade de servidor
paralelamente àquela de agente fiscalizador. A falta de servidor na administração leva a essa
situação de concomitância das atividades. Ainda há um agravante: se for bom fiscal, atuar com
presteza, como prêmio ganhará mais outro contrato.

Não vejo como “lógica inversa dos fatos”, vez que se o servidor atuar com desídia, negligência,
imperícia, imprudência ou de forma dolosa, atrai para si a responsabilidade por eventuais
danos que poderiam ter sido evitados, podendo ainda ser responsabilizado nas esferas
administrativa, cível e penal. Então, para melhorar a gestão e fiscalização de contratos
76

públicos, minha sugestão seria a criação de cargo e/ou emprego público para atuação
exclusiva como fiscal de contrato.

Assim teríamos fiscal com dedicação exclusiva, com status de especialista, promovendo a
eficiência administrativa no acompanhamento da execução contratual, mitigando a
responsabilidade da administração, subsidiária e solidária, e o dano ao Erário, pois o
pagamento à contratada estaria de acordo com a prestação de serviços, quer seja em seus
aspectos quantitativos, alocação de mão de obra e fornecimento de insumos, como
qualitativos, relacionados à própria a qualidade dos serviços prestados.

O que o aluno da Enap poderá esperar do segundo seminário Como Fiscalizar Contratos de
Compras e Serviços na Administração Pública?

João Luiz Domingues: Estamos trabalhando para que este evento seja muito melhor do que a
primeira edição do seminário. Criamos um canal de comunicação próprio para que os
servidores inscritos ou aqueles que não puderem participar do evento encaminhem suas
dúvidas e questionamentos. Criamos o e-mail seminariofiscalizacao.enap@gmail.com e a ideia
é permanecer com ele ativo para que possamos aprender juntos e dividir ensinamentos e
conhecimentos.

Outra diferença em relação ao primeiro seminário é que, neste, estão previstas duas mesas de
debates, uma no período matutino e outra no período vespertino. Vamos trazer outros
instrutores da Enap para compor a “mesa de debates” comigo, vez que possibilita o
aprofundamento do tema e, quem sabe, encontrar nas diversidades de visão e vivência de
cada um dos integrantes, a construção de uma solução para um “problema do dia a dia”
trazido pelo servidor em seu questionamento. Acho essa possibilidade incrível!

Pela parte da manhã, terei a honra de compartilhar esse momento com Paulo Bernardes
Honório De Mendonça e Roberta dos Santos Lemos, servidores do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação e Instituto Nacional do Seguro Social, respectivamente.

No período da tarde, divido o espaço com Rafael Sergio Lima de Oliveira e Sandro Bernardes,
servidores da Procuradoria Federal/AGU e TCU, sendo que o primeiro procurador jurídico da
Enap.

Jakson Barbosa Alves Trabalha atualmente como Supervisor de Licitações na sede do


Ministério Público Federal em Rondônia, em Porto Velho-RO. Possui 10 anos de experiência na
área de licitações e contratos administrativos. Docente de diversos cursos na área de licitações
e contratos da Escola Superior do Ministério Público da União - ESMPU, da Escola Nacional de
Administração Pública - ENAP e da Escola de Administração Fazendária - ESAF.

João Domingues é formado em Odontologia pela Fundação Osvaldo Aranha e é pós-graduado


em Orçamento Público pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Ocupa o cargo de Auditor
Federal de Finanças e Controle no Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União
(CGU). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

20. Seminário Os 20 vícios mais comuns em Licitações e nos Contratos com Daniel Barral
e Evaldo Ramos, 05/10/2017
• Perguntas elaboradas pelo professir Marcio Motta Lima Cruz.
77

Em relação à pesquisa de preços, apesar de o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento


e Gestão (MP) admitir, como previsto na IN 05/2014, a utilização de apenas um orçamento,
quando este seja obtido no Portal de Compras Governamentais, esta seria uma prática
recomendada? Qual o posicionamento do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a
questão?
Evaldo Araujo Ramos: A orientação do TCU quanto à elaboração da pesquisa de preços é no
sentido de se priorizar os preços praticados junto a outros órgãos públicos. No entanto, na
medida do possível, devem ser utilizadas fontes diversificadas, na linha do que se
convencionou chamar de “cesta de preços”. Importante lembrar que durante a elaboração do
orçamento estimado, a Administração deve descartar os preços que apresentem grandes
variações em relação aos demais, para não comprometer a compatibilidade do valor de
referência com os preços efetivamente oferecidos no mercado.
Uma dúvida recorrente para quem trabalha com licitações se refere à indicação de uma
marca específica. A legislação proíbe tal prática? Em que casos é permitida?
Evaldo Araujo Ramos: Regra geral, a Lei nº 8.666/93 veda a indicação de marca (art. 7º, § 5º e
art. 15, § 7º). Entretanto, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União tem admitido a
indicação de marca em três hipóteses: atender ao princípio da padronização, para fins de
compatibilidade técnica e, por fim, para auxiliar na descrição do objeto. É importante lembrar
ainda que especificar o objeto de modo que apenas uma determinada marca consiga atender
aos requisitos técnicos previstos no edital equivale à indicação indireta de marca.
Em vista da Súmula 259 do TCU, a fixação no edital de preços unitários e global máximos é
necessária somente no caso de obras e serviços de engenharia?
Evaldo Araujo Ramos: Não. Os critérios de aceitabilidade de preços unitários e global devem
estar previstos no edital, como regra. A exceção seria apenas para objetos com características
peculiares de mercado, para os quais não seja possível definir com certa segurança os limites
de preços máximos a serem aceitos. Nesta linha, algumas decisões do TCU estão exigindo que
a ausência, no edital, de critérios de aceitabilidade de preços esteja devidamente justificada
pela Administração, sob pena de descumprimento do art. 40, X, da Lei nº 8.666/93.
Em uma licitação para serviços de limpeza, por exemplo, podem ser aceitos atestados
comprovando a prestação de serviços de recepção, ou de copeiragem, ou o objeto deve ser
idêntico?
Evaldo Araujo Ramos: No âmbito das contratações de serviços terceirizados pela
Administração Pública, uma dúvida muito frequente diz respeito ao tipo de atestado que deve
ser apresentado para fins de qualificação técnico-operacional da empresa. A questão foi
tratada pelo TCU no Acórdão 1214/2013 – Plenário, onde ficou estabelecido que para serviços
não especializados como, por exemplo, limpeza, condução de veículos, recepção etc., a
capacidade técnica a ser avaliada é na gestão de mão de obra e não no serviço que está sendo
contratado. Há decisões recentes do Tribunal reiterando esse entendimento. Portanto, no caso
citado, poderia sim serem aceitos atestados comprovando a gestão de mão de obra em
atividades distintas da que está sendo licitada. Cabe observar, porém, que se o serviço de
limpeza for especializado, ou seja, requerer habilidades e técnicas próprias para sua execução,
poderia a Administração exigir que o atestado se referisse à atividade similar ao objeto
licitado.
O art. 13, inciso IV, do Decreto nº 5.450/05 dispõe que o licitante deve “acompanhar as
operações no sistema eletrônico durante o processo licitatório, responsabilizando-se pelo
ônus decorrente da perda de negócios diante da inobservância de quaisquer mensagens
emitidas pelo sistema ou de sua desconexão”. Desta forma, podemos concluir que o
pregoeiro não tem nenhuma responsabilidade pela perda dos prazos pelo licitante
referentes aos atos da sessão (oferecimento de lances, recursos etc.)?
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Evaldo Araujo Ramos: Esta certamente é uma questão que está ganhando cada vez mais
relevância no âmbito dos pregões eletrônicos. Isso porque o TCU tem identificado situações
em que o pregoeiro deixa de comunicar no sistema as datas e horários para retomada das
sessões públicas virtuais, acarretando sérios prejuízos para os licitantes que estão participando
do certame. Assim, em respeito aos princípios da publicidade e transparência, alguns julgados
do Tribunal determinam que o pregoeiro informe, no chat, os dias e horários das sessões, para
que as empresas não venham a ser surpreendidas com a prática de atos para os quais não
haviam sido notificadas.
Como proceder em caso de um contrato de fornecimento que prevê a prestação de garantia
dos equipamentos pelo prazo de 36 meses? A vigência do contrato deve englobar este
período?
Daniel de Andrade Oliveira Barral: A questão veicula dúvida interessante e recorrente, pois
muitos acreditam que a vigência contratual deve abrigar todo o lapso da garantia, o que não é
correto. Sabemos que a garantia é um benefício concedido pelo vendedor do bem ou
prestador do serviço e tem por finalidade assegurar, por um determinado período, o padrão
de qualidade esperado da prestação contratada, de modo lateral à relação contratual
principal. Trata-se, portanto, de uma obrigação secundária ou acessória, que não se confunde
com a obrigação principal ajustada no contrato administrativo. Assim, o prazo de vigência do
contrato administrativo deve ser calculado levando-se em consideração o período necessário
para que o prestador possa concluir sua obrigação contratualmente assumida, não se fazendo
necessário estender este prazo para abarcar o período de vigência da garantia. É isto que
dispõe a Orientação Normativa nº 51, de 25 de abril de 2014 da Advocacia-Geral da União
(AGU) que dispõe que "A garantia legal ou contratual do objeto tem prazo de vigência próprio
e desvinculado daquele fixado no contrato, permitindo eventual aplicação de penalidades em
caso de descumprimento de alguma de suas condições, mesmo depois de expirada a vigência
contratual." A conclusão a que chegou a AGU é corroborada pelo disposto no art. 73, § 2º da
Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece que o recebimento provisório ou
definitivo não exclui a responsabilidade civil pela solidez e segurança da obra ou do serviço,
nem ético-profissional pela perfeita execução do contrato, dentro dos limites estabelecidos
pela lei ou pelo contrato, conforme concluiu o TCU no bojo da Decisão nº 202/2002 – 1ª
Câmara.
A Lei nº 8.666/93 prevê, no caso de aplicação de multas à contratada, que primeiramente
deve-se executar a garantia, e se a multa for superior à garantia, a diferença será descontada
dos pagamentos devidos, ou ainda, cobrada judicialmente. Poderá a Administração prever
contratualmente, com a anuência da contratada, que as multas serão descontadas
primeiramente dos pagamentos devidos?
Daniel de Andrade Oliveira Barral: Não. Segundo o entendimento firmado no parecer nº
01/2016/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, a Advocacia-Geral da União entendeu não ser possível a
infringência da ordem de preferência estabelecida nos parágrafos 2º e 3º do art. 86 e
parágrafo 1º do art. 87, devendo ser primeiro executada a garantia e, caso não haja êxito
nessa operação, por qualquer razão, ou se a multa for superior ao valor da garantia, será
possível a retenção, com o desconto dos valores devidos de qualquer fatura ou crédito
existente em favor da contratada. Referida conclusão encontra arrimo tanto na previsão
expressa do legislador a respeito da ordem de preferência a ser seguida pela Administração
Pública nestes casos, quanto na preservação do equilíbrio econômico do vinculo existente
entre a Administração e contratado, valor a ser preservado inclusive para que o contrato não
se torne inviável e o interesse público subjacente à contratação não fique desassistido.
No caso de serviços continuados, deve estar incluída no contrato a previsão da sua
prorrogação por até 60 meses ou a Lei nº 8.666/93 já a autoriza em seu art. 57, inciso II,
independente de previsão contratual?
79

Daniel de Andrade Oliveira Barral: Diversos precedentes do TCU destacam que o contrato de
serviços contínuos deve estabelecer a possibilidade de sua prorrogação, sob pena de, ante a
falta de previsão neste sentido, a Administração afrontar o princípio da estrita vinculação ao
instrumento convocatório, regulamentado no art. 41 da Lei nº 8.666, de 1993. Para o TCU, a
prorrogação realizada sem previsão contratual, surpreende os possíveis interessados que
poderiam ter se socorrido ao certame caso soubessem da possibilidade de sua extensão
temporal com fundamento no art. 57, II da Lei nº 8.666, de 1993. Neste sentido, o item 1.5, TC-
015.590/2007-9, Acórdão nº 3.031/2008-1ª Câmara D.O.U 26.09.2008, Seção 1, Página 103.
O art. 57, inciso II, da Lei nº 8.666/93 dispõe que a duração dos contratos de serviços
continuados poderá ser prorrogada por iguais e sucessivos períodos. Então, se um órgão
possui um contrato com duração de 12 meses, só pode prorrogá-lo por períodos de 12
meses?
Daniel de Andrade Oliveira Barral: Não. Ainda que a interpretação meramente literal do art.
57, II da Lei nº 8.666, de 1993, permita esta conclusão, não se mostra razoável subordinar a
Administração ao dever de estabelecer períodos idênticos de vigência, conforme o mesmo
prazo inicialmente avençado no contrato, o que pode engessar a Administração caso as
condições sob as quais se desenvolve a prestação dos serviços evidenciarem que a
prorrogação será eficaz se for mantida em período menor ou maior daquele inicialmente
fixado ou anteriormente estabelecido mediante aditamento. É por isto que a AGU admite a
prorrogação do contrato de serviços continuados por períodos diferentes, no bojo da
Orientação Normativa nº 38 de 2011.
O que o aluno da Enap poderá esperar do seminário Os 20 vícios mais comuns em licitações e
nos contratos?
Daniel de Andrade Oliveira Barral: Acredito que o seminário será uma excelente oportunidade
para podermos discutir com os colegas as melhores formas de solucionarmos os principais
vícios identificados nos editais e contratos administrativos, contribuindo para a melhoria dos
processos licitatórios e para a higidez das contratações públicas. Daremos enfoque ao
procedimento de saneamento dos vícios identificados, objetivando, tanto quanto possível, a
manutenção dos atos administrativos já praticados.

Evaldo Araujo Ramos: O objetivo do seminário é apresentar questões jurídicas inseridas no


cotidiano profissional de quem atua com licitações e contratos. Na parte relativa aos vícios nas
licitações, foram selecionados temas com grande repercussão prática, tais como indicação de
marca, realização de diligência, julgamento de proposta, análise da intenção recursal no
pregão, dentre outros. A partir de algumas decisões do Tribunal de Contas da União,
discutiremos as implicações e variações em cada um dos assuntos tratados. A participação dos
alunos será fundamental para o sucesso do evento, que será alcançado somente com o
compartilhamento de experiências entre todos nós.

Daniel de Andrade Oliveira Barral é formado em Direito pela Universidade Católica do Salvador.
Tem Especialização em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp e em Direito
Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente ocupa o cargo de
Subprocurador-Geral Federal da Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União. É
Sócio-fundador e árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES). Desde
2008, atua na consultoria e assessoramento de gestores federais, auxiliando-os nos seus
processos de compras públicas. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração
Pública.
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Evaldo Araújo Ramos é formado em Administração pela Universidade de Brasília e em Direito


pela Universidade Católica de Brasília. Iniciou em 2017 um MBA em licitações e contratos
administrativos. Atualmente ocupa o cargo de auditor federal de controle externo no Tribunal
de Contas da União, onde desempenha as funções de pregoeiro, leiloeiro e presidente das
comissões especiais de licitação. Já exerceu os cargos de técnico judiciário no Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios e de analista de finanças e controle na Controladoria-
Geral da União. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

Marcio Motta Lima da Cruz é especialista em Gestão Pública pela UNED-Espanha, Mestrado
em Fazenda Pública e Administração Financeira pelo IEF-Espanha. Atualmente ocupa o cargo
de Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União atuando como Diretor
de Centralização e Padronização de Contratações do TCU. É professor da ENAP e da Secretaria
de Educação/DF.

21. Seminário de Compras Públicas Sustentáveis com Frederico Goepfert, Juarez Sostena
e Jhéssica Cardoso, 05/08/2016
• Perguntas elaboradas pelo professor Renato Cader.

A jurisprudência do TCU está ainda em construção no que toca às compras públicas


sustentáveis, e, ao mesmo tempo, há poucos estudos mais aprofundados sobre o mercado
de bens e serviços sustentáveis no Brasil. Como o gestor de compras deve agir no sentido de
evitar a existência de itens desertos ou fracassados na licitação?

Frederico Julio Goepfert Junior: A adoção de critérios de sustentabilidade nas contratações


públicas deve ser objeto de aprofundado estudo na fase interna da licitação, ou seja, na fase
de planejamento. Para se evitar a existência de itens desertos ou fracassados, um caminho
bastante interessante é um diálogo franco e transparente com a iniciativa privada, pois esse é
o setor que irá atender à Administração Pública. Nesse diálogo, que deve ser feito por meio de
audiências públicas, o gestor exporá sua necessidade, identificará as possíveis soluções de
mercado, inclusive o estágio de maturação do setor quanto aos critérios de sustentabilidade
ambiental e, com essas informações, poderá até mesmo definir uma agenda de compras com
esses requisitos. Além desses pontos, o diálogo com o setor privado induz práticas inovadoras.
Em suma, a Administração Pública e o setor privado têm que trabalhar conjuntamente para
que critérios de sustentabilidade ambiental possam ser efetivamente especificados nas
licitações, sem prejuízo de não haver atendimento.

Em 2010, o TCU emitiu decisão monocrática, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, com
entendimento de que, apesar de louvável a preocupação dos gestores em contratar
empresas responsáveis ambientalmente, a adoção de critérios ambientais nas licitações
deve se dar paulatinamente, a fim de evitar a criação de uma reserva de mercado para as
poucas empresas que cumprirem de antemão as exigências ambientais, implicando violação
ao princípio constitucional da livre concorrência, maiores custos e reduzidas ofertas de
produtos. O uso de guias de contratações sustentáveis não estaria gerando o risco de criar
uma reserva de mercado, uma vez que os gestores aplicariam os critérios de
sustentabilidade nos editais, sem fazer isso paulatinamente, indo de encontro à decisão
mencionada?

Frederico Julio Goepfert Junior: Penso que de 2010 para cá, houve muita evolução sobre o
entendimento tanto por parte dos gestores quanto dos órgãos de controle sobre compras
81

sustentáveis. Houve um momento de discussão sobre a viabilidade jurídica da adoção de


critérios de sustentabilidade, esse ponto já está superado. Hoje, as discussões são sobre como
operacionalizar as contratações sustentáveis. O uso de guias de contratações sustentáveis, na
minha opinião, é uma boa prática. Por que não replicarmos o que já funciona? Não há sentido
em cada órgão, per se, do zero, criar especificações de sustentabilidade. Temos que buscar
certa padronização, respeitando, por óbvio, algumas diferenças de necessidades específicas. O
mercado tem que se preparar e ter perspectiva de que haverá demanda por produtos e
serviços sustentáveis. Assim, penso que, ao contrário de criar uma reserva de mercado, a
expansão da demanda pela Administração Pública com transparência e responsabilidade
consolidará esse mercado.

A exigência de laudos de laboratórios acreditados pelo Inmetro nos editais de licitação não
seria restrição à competitividade, uma vez que pode haver empresas que atendem aos
critérios de sustentabilidade e não têm o referido laudo pelo fato de ter um custo que ela
não quis assumir, preferindo priorizar seus investimentos na aplicação de critérios de
sustentabilidade nos seus processos produtivos? Não se enquadraria no mesmo caso da
cobrança das certificações ISO 14000 nos editais?

Frederico Julio Goepfert Junior: A exigência de laudos de laboratórios acreditados pelo


Inmetro é um tema bastante interessante e que apresenta certa divergência em algumas
discussões sobre a matéria, especialmente por conta de eventual restrição ao caráter
competitivo do certame. Primeiro, se o produto for de certificação obrigatória pelo Inmetro,
não há qualquer dúvida. As licitações têm que exigir nos editais e o seu cumprimento é para
todos. Quando não for o produto ou serviço de certificação obrigatória, a jurisprudência do
TCU é que não se pode exigir esse requisito como cláusula de habilitação, ou seja, para
participar do certame. Os requisitos que deveriam ser certificados podem ser especificados
para serem “entregues” quando da aceitabilidade da proposta ou do recebimento do que foi
contratado. Essa é a jurisprudência atual do Tribunal. Penso que a discussão doutrinária e
jurisprudencial sobre a exigência de certificações e selos, por exemplo, ainda tem muito a
evoluir, pois, em muitos casos, as certificações e os selos ajudariam sobremaneira os gestores
públicos no recebimento de bens e serviços sustentáveis, reduzindo dúvidas quanto à inserção
ou não dessas qualificadoras nas contratações. A IN SLTI 01/2010, o Regime Diferenciado de
Contratações e o recém-editado estatuto jurídico das empresas públicas abordam a questão
sobre a possibilidade de se solicitar a certificação da qualidade do produto ou do processo de
fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental. Esses regulamentos, na minha opinião, reforçam
a necessidade de ampliação da discussão de como exigir certificação, inclusive a ISO 14000,
sem que se restrinja indevidamente a competição. Penso que se a certificação for adotada
maciçamente nas licitações públicas, respeitando a competitividade, o custo desse processo
para os fornecedores deve diminuir, sem nos esquecermos de que a certificação pode trazer,
em contrapartida, maior respeitabilidade e reputação para a empresa, até mesmo junto ao
mercado internacional, o que é fator positivo de competitividade.

Você recomenda a inclusão de cláusula de logística reversa nos editais em todas as


categorias de bens? Há empresas especializadas que fazem isso gratuitamente, enquanto
alguns fornecedores não têm expertise em destinação adequada de seus produtos. Quais os
desafios que você identifica nessa nova perspectiva?

Juarez Sostena: A princípio, deve-se incluir cláusula de logística reversa para as categorias de
bens que tenham sistema de logística reversa obrigatório ou já implantado. Para os demais
objetos, a exigência pode gerar inconvenientes, como licitações desertas, inexecução
contratual e aumento de custos. O maior desafio na adoção da logística reversa reside na
dificuldade de se fiscalizar a efetiva destinação dos objetos, de forma a garantir seu
tratamento adequado. Para objetos que não estão contemplados por sistemas já implantados,
82

há, ainda, o problema da avaliação dos planos avulsos de logística reversa apresentados pelos
fornecedores.

Nas compras compartilhadas sustentáveis, há a vantagem do ganho de escala, reduzindo o


preço dos bens com critérios de sustentabilidade. Com esse novo modelo, há o risco de
pequenas e microempresas serem prejudicadas na competição?

Juarez Sostena: As vantagens das compras compartilhadas sustentáveis vão muito além dos
retornos crescentes de escala: sensível redução dos custos operacionais, uma vez que um
procedimento licitatório singular pode ser utilizado por vários órgãos, reduzindo a profusão de
processos destinados a adquirir o mesmo objeto; maior padronização dos itens comprados,
com reflexos sobre a interoperabilidade dos objetos e sobre seus custos de manutenção,
armazenamento e destinação final ambientalmente adequada; maior poder de negociação da
Administração; e indicações mais claras e confiáveis ao mercado, ao consolidar as demandas
de vários órgãos. O mais indicado seria centralizar essas aquisições por meio da Central de
Compras do Ministério do Planejamento, unidade especializada que poderia realizar estudo
detalhado para se chegar a uma especificação técnica mais adequada e dimensionar lotes
econômicos visando permitir ampla participação das pequenas e microempresas.

Nas compras compartilhadas, se o órgão gerenciador fizer um bom estudo técnico preliminar
e a realização da pesquisa de mercado consolidada, é necessário que os órgãos participantes
façam suas pesquisas de mercado, comprovando a vantagem? Não seria um custo processual
a mais?

Juarez Sostena: O problema reside em como garantir a qualidade do estudo técnico preliminar
realizado pelo órgão gerenciador. Salvo quando o processo é conduzido por uma unidade
especializada em aquisições centralizadas, dotada de equipe voltada à inteligência de compras,
como a Central de Compras do Ministério do Planejamento, a responsabilidade dos órgãos
participantes dificilmente será afastada no caso de estudo técnico preliminar impreciso ou
incompleto. Assim, sugere-se que os participantes façam suas análises sobre a aquisição, ainda
que de forma menos aprofundada que aquela realizada pelo gerenciador.

Nas licitações de contratos de serviços continuados, exigir no edital que a empresa forneça
capacitação sobre sustentabilidade para seus empregados não seria um procedimento que
poderia onerar muito o contrato, relegando ao segundo plano a dimensão econômica da
sustentabilidade?

Jhéssica Ribeiro Cardoso: Isto é uma avaliação que o gestor deverá fazer. Quanto significa
onerar muito o contrato? A Lei nº 8.666/1993 permite pagar mais pela melhor proposta, como
é bom lembrar, e não pela menor proposta. Se o contrato for vantajoso para a Administração,
não tem por que se falar em impedimentos (importante lembrar que não se pode exigir este
tipo de prática como habilitação). Há que se pensar no peso das dimensões de
sustentabilidade que se poderá empregar em consequência daquela escolha. Além disso, a
capacitação para empregados de uma empresa que prestar serviço para a Administração
Pública não perde, muito pelo contrário, tende a ganhar mais qualidade na prestação do
serviço – que será reconhecido também pelo gestor do contrato. A legislação trabalhista e
previdenciária também expõe a importância do aperfeiçoamento pessoal e profissional para os
empregados nas empresas. Hoje existem empresas que já utilizam vale-capacitação. É um
avanço. E se a Administração Pública tem como meta contratar com critérios de
sustentabilidade, porque aqueles que lhe prestam serviços e oferecem bens não estão
alinhados com os seus princípios? A Administração deve buscar pelas melhores empresas, os
83

melhores serviços, os responsáveis. Não pode se contentar com o que é ruim. O interesse é o
coletivo.

Você entende que o uso da curva ABC é o melhor modelo para aumentar o volume de
contratações sustentáveis numa organização? Não teria o risco de a organização
desconsiderar os itens de pouco investimento financeiro anual, mas com grande impacto
ambiental?

Jhéssica Ribeiro Cardoso: Talvez o uso da curva ABC não seja o modelo mais adequado para
aumentar o volume de contratações com critérios de sustentabilidade em uma organização. E
se o aumento das contratações não for o objetivo? E se o objetivo for contratar menos?
Consumir menos? Ter um consumo mais adequado, consciente, mais equilibrado? E se o
objetivo for não aumentar em 20% as CPS, mas iniciar compras mais responsáveis com
critérios sociais justos, econômicos e ambientalmente adequados? Penso que o ideal seja
pensar mais na qualidade do que na quantidade, pois, me parece, poderia sim ocorrer o risco
de itens de pouco investimento serem desconsiderados em uma curva ABC, no caso em que
este modelo pode auxiliar no aumento de itens com tais critérios (naqueles itens mais
importantes). Mas qual seria a qualidade destes critérios de sustentabilidade? São itens
reciclados? E se os de pouco investimento financeiro fossem aqueles que gerassem uma
economia potencial em eficiência energética, eficiência do consumo da água e ainda fosse
produzido em partes com matéria biodegradável? Talvez o principal não seja sempre aumentar
o número de Contratações Sustentáveis só por aumentar. Este número deve ter um significado
real, que demonstre uma mudança de paradigma nas organizações e na vida das pessoas.

Na sua visão, qual o maior desafio das compras públicas sustentáveis no Brasil?

Jhéssica Ribeiro Cardoso: Vou usar um trecho de uma entrevista do ex-secretário de Recursos
Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Ney Maranhão (ao assumir a
SRHU em 2013), que me parece ilustrar bem minha visão: “O maior desafio é articular, integrar
e assegurar que as coisas aconteçam no tempo e na forma certa. A forma certa muitas vezes é
encontrada no coletivo, no debate, no confronto das ideias e na mobilização da sociedade. O
tempo é importante. É preciso ser dinâmico, flexível, mais veloz nas respostas. Esse que é o
grande desafio. Fazer essas coisas acontecerem de forma harmoniosa, responsável, com todos
participando, apoiando”. Portanto, talvez devamos nos preocupar com as oportunidades que
teremos ao articular as políticas públicas que envolvem as compras sustentáveis e obter maior
participação entre os atores envolvidos: instituições de ensino, institutos de pesquisa,
indústria e comércio, gestores públicos, sociedade civil etc. O desafio é ter uma sintonia, um
intercâmbio de informações e ações. Cada um não pode mais ficar apenas no seu quadrado.

O que o aluno da Enap poderá esperar do segundo seminário de Compras Públicas


Sustentáveis?

Jhéssica Ribeiro Cardoso: Principalmente algumas fontes de informações a respeito do


assunto. A ideia é divulgar informações, boas práticas, trocar experiências para facilitar o
acesso a esses conteúdos, como editais, termos de referência, guias, práticas, programas,
projetos e outras iniciativas que estão sendo implementadas no Poder Público e que, muitas
vezes, não são conhecidas nem disseminadas ou replicadas.

Renato Cader é Doutor em Ambiente e Sociedade pela UNICAMP e Mestre em Administração


Pública pela Fundação Getúlio Vargas, integrante da carreira de especialista em políticas
públicas e gestão governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Atualmente ocupa o cargo de Subsecretário-Geral do Ministério Público do Estado do Rio de
84

Janeiro. Foi Secretário de Administração do Ministério Público Federal. Foi Diretor de Gestão
do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foi também Gerente Executivo e
de Recursos Humanos da ANCINE. Sua experiência profissional inclui ainda o cargo de
coordenador no Ministério do Meio Ambiente. Atuou como gestor na área de gestão
ambiental no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além de ter
trabalhado no Banco do Nordeste. É professor do MBA da Fundação Getulio Vargas de
Políticas Públicas para a Sustentabilidade e de Gestão de Compras Governamentais. Um dos
vencedores do Prêmio Inovação na Gestão Pública Federal com o projeto: Compras Públicas
Sustentáveis: uma experiência de compra compartilhada. Vencedor também do Prêmio
Sustentabilidade na Administração Pública do Instituto Negócios Públicos. Recebeu também o
Prêmio CNMP 2015, do Conselho Nacional do Ministério Público, com o projeto: "Implantação
do Sistema de Compras Compartilhadas Sustentáveis do Ministério Público Federal". Em 2016,
foi vencedor do Prêmio Ministro Gama Filho com o concurso sob o tema: "A Gestão Pública e o
Meio ambiente".

Frederico Julio Goepfert Junior é formado em Agronomia pela Universidade de Brasília. É Auditor
Federal de Controle Externo e ocupa o cargo de secretário de Controle Externo de Aquisições
Logísticas do Tribunal de Contas da União (Selog/TCU). Palestrante e colaborador da Escola
Nacional de Administração Pública.

Jhessica Ribeiro Cardoso é Engenheira Ambiental, especialista em Saneamento Ambiental,


Construções Sustentáveis e Licitações e Contratos. Atuou em diversas funções em órgãos
públicos como o CREA-DF e CONAM/SEMARH-DF. Atuou junto ao Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão - MP na área de Estratégias de Contratações do Governo Federal com
ênfase em Contratações Públicas Sustentáveis. Foi professora da Escola de Administração
Fazendária - ESAF e da Escola Nacional de Administração Pública - ENAP ministrando aulas
sobre Sustentabilidade, Uso do Poder de Compras e Compras Sustentáveis. Atualmente
trabalha com Licitações e Contratos no Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.

Juarez Sostena é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e coordenador-


geral de Estratégia de Contratações do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
(MP).

22. Seminário sobre Contratação Direta na Administração Pública: Dispensa e


Inexibilidade de Licitação com Thiago Bergmann, 16/09/2016
• Perguntas elaboradas professor Arthur Ribeiro Bastos Neto.

Quais princípios da Administração Pública amparam as contratações diretas, haja vista que
são exceções à regra da licitação?
Thiago Bergmann: O princípio fundamental é a supremacia do interesse público, pois, em
determinados casos, licitar é impossível ou contra o interesse público.
Na contratação direta também são aplicáveis as prerrogativas da Administração Pública,
especificamente no que se refere às denominadas cláusulas exorbitantes do art. 58 da Lei nº
8.666/93?
Thiago Bergmann: As cláusulas exorbitantes são características dos contratos administrativos,
logo, também têm aplicação nas contratações originadas pelas contratações diretas.
85

Quais critérios devem ser adotados para preencher os conceitos “natureza singular” e
“notória especialização”, cujas definições são determinantes para justificar a inexigibilidade
de licitação para a contratação de serviços, com base no inciso II, art. 25, Lei nº 8.666/93?
Thiago Bergmann: A própria Lei nº 8.666/93 já traz importantes ensinamentos sobre esse
tema ao exigir que a comprovação observe desempenhos anteriores, estudos, experiências,
publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou outros requisitos relacionados
com as atividades.
Quais cuidados devem ser adotados para a comprovação de exclusividade, a ser exigida do
fornecedor, para justificar a inexigibilidade de licitação para a aquisição de bens, com base
no inciso I, art. 25, Lei nº 8.666/93?
Thiago Bergmann: Devem ser feitas diligências junto aos emissores de atestados de
exclusividade para checar sua veracidade.
Que ilegalidades são comumente cometidas pela Administração Pública na adoção da
contratação direta?

Thiago Bergmann: Parcelamento irregular do objeto, declarar a dispensa e a inexigibilidade


indevidamente, e questões relacionadas aos valores, como sobrefaturamento ou justificativa
insuficiente do mesmo.

É possível a contratação direta sem a exigência de documentação de regularidade fiscal?


Thiago Bergmann: Exceto para as dispensas por valor, não é possível realizar a contratação
sem a regularidade fiscal em sentido latu. A regra também se aplica às inexigibilidades, exceto
nas contratações em regime de monopólio, em que tal exigência pode ser superada em virtude
da indisponibilidade do interesse público.
Entre as hipóteses taxativas do art. 24, da Lei nº 8.666/93, quais delas o administrador
público deve ter mais cautela em sua adoção, de modo a não cometer ilegalidades?
Thiago Bergmann: A hipótese de maior risco para o administrador é declarar a urgência da
contratação, pois muitas vezes essa urgência pode decorrer da omissão de tomar as
providências ao tempo adequado, ou ainda denotar falhas no planejamento das compras.
A exigência de três preços para proceder à dispensa de licitação é sempre indispensável?
Thiago Bergmann: Não. Existem casos em que não é necessária ou adequada a busca por três
preços, como nas contratações dos Correios, onde a tabela de valores decorre de previsão
normativa, ou de concessionárias de serviços públicos como água e energia.
Qual a responsabilidade imputada ao servidor em caso de inobservância das boas práticas
ou do desvirtuamento na adoção das contratações diretas?
Thiago Bergmann: Nos termos do art. 82 da Lei nº 8.666/93, os agentes administrativos que
praticarem atos em desacordo com os preceitos da Lei ou visando a frustrar os objetivos da
licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo
das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.
Nas contratações diretas, dois dispositivos estão mais caracterizados:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de
observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: pena – detenção, de
três a cinco anos, e multa.
86

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido
para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para
celebrar contrato com o Poder Público.
Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o
caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para
outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: pena – detenção, de
dois a quatro anos, e multa.
Quais as principais recomendações do TCU e da AGU a serem seguidas na utilização da
contratação direta?
Thiago Bergmann: As principais recomendações são as seguintes:
SÚMULA Nº 039, DO TCU
A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou
jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza
singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade
insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de
licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993.
SÚMULA Nº 250, DO TCU
A contratação de instituição sem fins lucrativos, com dispensa de licitação, com fulcro no art.
24, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93, somente é admitida nas hipóteses em que houver nexo
efetivo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além
de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado.
SÚMULA Nº 252, DO TCU
A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II
do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço
técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do
serviço e notória especialização do contratado.
SÚMULA N.º 255, DO TCU
Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou
representante comercial exclusivo, é dever do agente público responsável pela contratação a
adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação
comprobatória da condição de exclusividade.
SÚMULA Nº 265, DO TCU
A contratação de subsidiárias e controladas com fulcro no art. 24, inciso XXIII, da Lei nº
8.666/93 somente é admitida nas hipóteses em que houver, simultaneamente,
compatibilidade com os preços de mercado e pertinência entre o serviço a ser prestado ou os
bens a serem alienados ou adquiridos e o objeto social das mencionadas entidades.
SÚMULA Nº 270, DO TCU
Em licitações referentes a compras, inclusive de softwares, é possível a indicação de marca,
desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização e que haja
prévia justificação.
SÚMULA Nº 287, DO TCU
É lícita a contratação de serviço de promoção de concurso público por meio de dispensa de
licitação, com fulcro no art. 24, inciso XIII, da Lei 8.666/1993, desde que sejam observados
todos os requisitos previstos no referido dispositivo e demonstrado o nexo efetivo desse
87

objeto com a natureza da instituição a ser contratada, além de comprovada a compatibilidade


com os preços de mercado.
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 13, DE 1º DE ABRIL DE 2009, DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
– AGU
“EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA QUE EXERÇA ATIVIDADE
ECONÔMICA NÃO SE ENQUADRA COMO ÓRGÃO OU ENTIDADE QUE INTEGRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PARA OS FINS DE DISPENSA DE LICITAÇÃO COM FUNDAMENTO NO
INC. VIII DO ART. 24 DA LEI No 8.666, DE 1993.”
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 11, DE 1º DE ABRIL DE 2009, DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
– AGU
“A CONTRATAÇÃO DIRETA COM FUNDAMENTO NO INC. IV DO ART. 24 DA LEI Nº 8.666, DE
1993, EXIGE QUE, CONCOMITANTEMENTE, SEJA APURADO SE A SITUAÇÃO EMERGENCIAL FOI
GERADA POR FALTA DE PLANEJAMENTO, DESÍDIA OU MÁ GESTÃO, HIPÓTESE QUE, QUEM LHE
DEU CAUSA SERÁ RESPONSABILIZADO NA FORMA DA LEI.”
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 12, DE 1º DE ABRIL DE 2009, DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
– AGU
“NÃO SE DISPENSA LICITAÇÃO, COM FUNDAMENTO NOS INCS. V E VII DO ART. 24 DA LEI Nº
8.666, DE 1993, CASO A LICITAÇÃO FRACASSADA OU DESERTA TENHA SIDO REALIZADA NA
MODALIDADE CONVITE.”
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 14, DE 1º DE ABRIL DE 2009, DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
– AGU
“OS CONTRATOS FIRMADOS COM AS FUNDAÇÕES DE APOIO COM BASE NA DISPENSA DE
LICITAÇÃO PREVISTA NO INC. XIII DO ART. 24 DA LEI Nº 8.666, DE 1993, DEVEM ESTAR
DIRETAMENTE VINCULADOS A PROJETOS COM DEFINIÇÃO CLARA DO OBJETO E COM PRAZO
DETERMINADO, SENDO VEDADAS A SUBCONTRATAÇÃO; A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTÍNUOS OU DE MANUTENÇÃO; E A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DESTINADOS A ATENDER
AS NECESSIDADES PERMANENTES DA INSTITUIÇÃO.”
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 15, DE 1º DE ABRIL DE 2009, DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
– AGU
“A CONTRATAÇÃO DIRETA COM FUNDAMENTO NA INEXIGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 25,
INC. I, DA LEI Nº 8.666, DE 1993, É RESTRITA AOS CASOS DE COMPRAS, NÃO PODENDO
ABRANGER SERVIÇOS.”
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 16, DE 1º DE ABRIL DE 2009, DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
– AGU
“COMPETE À ADMINISTRAÇÃO AVERIGUAR A VERACIDADE DO ATESTADO DE EXCLUSIVIDADE
APRESENTADO NOS TERMOS DO ART. 25, INC. I, DA LEI Nº 8.666, DE 1993.”
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 17, DE 1º DE ABRIL DE 2009, DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
– AGU
"A RAZOABILIDADE DO VALOR DAS CONTRATAÇÕES DECORRENTES DE INEXIGIBILIDADE DE
LICITAÇÃO PODERÁ SER AFERIDA POR MEIO DA COMPARAÇÃO DA PROPOSTA APRESENTADA
COM OS PREÇOS PRATICADOS PELA FUTURA CONTRATADA JUNTO A OUTROS ENTES PÚBLICOS
E/OU PRIVADOS, OU OUTROS MEIOS IGUALMENTE IDÔNEOS."
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 18, DE 1º DE ABRIL DE 2009, DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
– AGU
88

“CONTRATA-SE POR INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 25, INC. II,
DA LEI N° 8.666, DE 1993, CONFERENCISTAS PARA MINISTRAR CURSOS PARA TREINAMENTO E
APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL, OU A INSCRIÇÃO EM CURSOS ABERTOS, DESDE QUE
CARACTERIZADA A SINGULARIDADE DO OBJETO E VERIFICADO TRATAR-SE DE NOTÓRIO
ESPECIALISTA.”
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 33, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2011, DA ADVOCACIA-GERAL DA
UNIÃO – AGU
"O ATO ADMINISTRATIVO QUE AUTORIZA A CONTRATAÇÃO DIRETA (ART. 17, §§ 2º E 4º, ART.
24, INC. III E SEGUINTES, E ART. 25 DA LEI Nº 8.666, DE 1993) DEVE SER PUBLICADO NA
IMPRENSA OFICIAL, SENDO DESNECESSÁRIA A PUBLICAÇÃO DO EXTRATO CONTRATUAL."
ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 34, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2011, DA ADVOCACIA-GERAL DA
UNIÃO – AGU
"AS HIPÓTESES DE INEXIGIBILIDADE (ART. 25) E DISPENSA DE LICITAÇÃO (INCISOS III E
SEGUINTES DO ART. 24) DA LEI Nº 8.666, DE 1993, CUJOS VALORES NÃO ULTRAPASSEM
AQUELES FIXADOS NOS INCISOS I E II DO ART. 24 DA MESMA LEI, DISPENSAM A PUBLICAÇÃO
NA IMPRENSA OFICIAL DO ATO QUE AUTORIZA A CONTRATAÇÃO DIRETA, EM VIRTUDE DOS
PRINCÍPIOS DA ECONOMICIDADE E EFICIÊNCIA, SEM PREJUÍZO DA UTILIZAÇÃO DE MEIOS
ELETRÔNICOS DE PUBLICIDADE DOS ATOS E DA OBSERVÂNCIA DOS DEMAIS REQUISITOS DO
ART. 26 E DE SEU PARÁGRAFO ÚNICO, RESPEITANDO-SE O FUNDAMENTO JURÍDICO QUE
AMPAROU A DISPENSA E A INEXIGIBILIDADE."
O que o aluno da Enap poderá esperar do segundo seminário sobre Contratação Direta na
Administração Pública: Dispensa e Inexigibilidade de Licitação?
Thiago Bergmann: Primeiramente, destaco o importante papel da Enap nas atividades de
capacitação. Gosto muito desse modelo que conjuga ações de capacitação tradicionais com os
seminários, onde se espera maior autonomia para discutir inovações, pontos polêmicos e
tendências. O espírito desse seminário será exatamente esse. Se eu pudesse resumir em uma
pergunta o foco do seminário, ela seria: em que casos as contratações diretas constituem a
maneira de obter a proposta mais vantajosa para a Administração Pública? Espero que o tema
seja instigante e que ajude os alunos no seu dia a dia.
Thiago Bergmann é formado em Matemática e Ciências Contábeis e tem Mestrado em
Administração pela Universidade de Brasília. Ocupa o cargo de analista judiciário no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração
Pública.
Arthur Ribeiro Bastos Neto é Engenheiro Metalúrgico graduado pela UFRJ em 1990. Cinco
anos de experiência em manutenção de indústria. Graduado em Direito pela UFBA em 2000.
Dezoito anos de experiência em atividades de compras e contratações no serviço público,
incluindo desde a elaboração de termos de referência à gestão e fiscalização de contratos.
Pregoeiro do Banco Central do Brasil. Coordenador de compras, contratações, manutenção
predial e TI na Gerência Administrativa Regional do BC em Salvador. Professor da Enap nos
cursos de licitações.

23. Seminário Sistema de Registro de Preços e seu uso como Instrumento de Gestão
Pública Rafael com Sérgio Lima de Oliveira, 20/05/2016
• Perguntas elaboradas pelo professor Davi Lucas Bois.
Quais são as principais figuras no Sistema de Registro de Preços?
89

Rafael Oliveira: Existem vários sujeitos no SRP. Devemos observar que o registro de preço é
um procedimento para a Administração catalogar preços para uma futura contratação. O
preço é registrado em uma ata que pode vir a servir ao órgão ou entidade responsável pela
condução do procedimento e a outras estruturas componentes da Administração.

A principal figura do SRP é o órgão gerenciador, que é quem conduz o procedimento e quem
gerencia ata. É o gerenciador quem instrui o processo, quem realiza a pesquisa de preço, quem
realiza negociações de preços registrados e outros procedimentos mais.

Há o participante, que é uma figura que participa do registro de preço desde o momento da
licitação. Trata-se da unidade da Administração que, sabedora que o gerenciador realizará um
certame para demanda da mesma natureza da sua, manifesta sua intenção de participar do
certame, inscrevendo sua demanda ainda na fase preparatória da licitação. A demanda do
participante está prevista no instrumento convocatório e consta da ata. Destacamos que a
inscrição do participante no SRP depende da sua manifestação de intenção.

Existe outra figura que é o participante de compra nacional. Esse é aquele órgão ou unidade
que integra um programa ou um projeto federal e, por causa disso, independentemente de
manifestação de intenção, passa a integrar a ata de registro de preço. Isto é, a participação do
participante de compra nacional se deve à sua inscrição no programa ou projeto federal. Então
se o programa ou projeto federal demandar uma contratação, os integrantes do programa ou
projeto automaticamente serão participantes de compra nacional do SRP realizado para
atender a atividade.

A última figura é o não participante, conhecida na doutrina, na jurisprudência e na praxis


administrativa como carona ou aderente. Trata-se do órgão ou entidade da Administração
Pública que, não tendo entrado no SRP ainda na fase preparatória da licitação, manifesta sua
intenção de se valer da ata para uma contração. Essa figura é está prevista no art. 22, do
Decreto nº 7.892/2013.

Importante ressaltar que há fortes resistências quanto ao carona na jurisprudência e na


doutrina. O fato é que se trata de uma figura que realiza uma contratação que não foi licitada,
já que ela aparece quando o certame já se encerrou e a ata já está assinada com um
determinado fornecedor ou prestador de serviço. Se observarmos bem, o aderente representa
um acréscimo na ata para o fornecedor ou o prestador de serviço registrado. Notemos que o
fornecedor ou o prestador do serviço vence uma licitação para uma certa quantidade, mas
pode quintuplicar tal montante, dada a limitação prevista no art. 22, § 4º, do Decreto nº
7.892/2013, sem que a Administração ganhe com o aumento da escala decorrente da adesão.
Por isso, essa figura deve ser aplicada de modo excepcional. Devemos estimular as
participações no SRP, mas utilizar com muita cautela a figura do não participante.

O órgão gerenciador é obrigado a divulgar a Intenção de Registro de Preços (IRP)? Deve


aceitar como participantes da licitação todas as unidades que manifestaram interesse?

Rafael Oliveira: A IRP é o instrumento pelo qual a Administração consegue reunir em uma
única licitação para registro de preço a demanda de vários órgão ou entidades. Com ela é que
a unidade da Administração se torna participante do registro de preço. Como a participação se
mostra como uma medida eficiente para concentrar esforço em uma única licitação e para
reduzir custos com ganho de escala, a divulgação da IRP é a regra. Todavia, há casos em que
ela pode ser prejudicial aos interesses da Administração, razão pela o art. 4º, § 1º, do Decreto
nº 7.892/2013 admite que se deixe de divulgar a IRP, desde que conste a justificativa no
processo. Por outro lado, é bom lembrar que o gerenciador não é obrigado a aceitar todos os
que manifestarem o interesse em registrar preço como participante. No § 3º do art. 4º do
90

Decreto nº 7.892 há a possibilidade de o gerenciador limitar o número de participantes de


acordo com sua capacidade de gerenciamento da ata. Isto é, em que pese a divulgação da IRP
deva ser estimulada para angariar participantes, há de se observar que a participação também
tem seus limites em razão do bom gerenciamento da ata.

Quando é possível pegar carona em uma licitação?

Rafael Oliveira: A rigor, a carona é na ata. Mas, pelo bem da verdade, é preciso admitir que
um dos ganhos da carona é a contratação sem necessidade de realizar licitação. A carona,
também conhecida como adesão, possibilita que o órgão ou entidade contrate sem esforço da
realização do certame. Isso pode parecer bom, mas, em regra, não é. O melhor é a contratação
com o quantitativo contratado licitado. Na carona isso não ocorre. Há a licitação do objeto,
mas sem a quantidade do aderente. Há, portanto, perda na escala. O Decreto nº 7.892/20132
tenta amenizar essa perda com a exigência de constar no instrumento convocatório estimativa
de quantidades a serem adquiridas pelos aderentes. Mesmo assim, há uma perda. O melhor é
o planejamento que acarretará o certame.

Entretanto, pode ser que, ante as circunstâncias enfrentadas pelo órgão ou entidade, a adesão
seja a saída mais vantajosa. Por exemplo, imaginemos um órgão de pequeno porte que
necessita imediatamente de um produto registrado em uma ata de uma entidade de grande
porte. A adesão, nesse caso, pode ser melhor opção que a própria licitação, já que o órgão
aderente se beneficiará do ganho de escala constante da ata da entidade gerenciadora dotada
de grande porte. Em suma, a carona é possível quando demonstrada a vantagem da sua
prática para o órgão ou a entidade aderente, nos termos do art. 22 do Decreto nº 7.892/2013.
Bom registrar ainda que a adesão por parte de órgão e entidades federais só pode ocorrer em
atas cujo gerenciador seja unidade da Administração Pública Federal.

É possível pegar carona em um item quando a licitação se deu por lotes?

Rafael Oliveira: Em regra, não. O fato é que numa licitação cujo critério de julgamento é o
menor preço por lote a contratação deve se dar no lote, e não individualmente nos itens.
Assim deve ser porque é possível que o valor do item a ser adquirido individualmente seja
desvantajoso para a Administração. Ou seja, numa situação como essa, terá sido realizado
certame, mas a contratação se dará em cima de um valor que não é o mais barato dentro do
certame. Por isso, a contratação de itens individualmente em licitações julgadas pelo valor do
lote é, em regra, proibida. Mas, se o preço do item desejado pela Administração for o menor
ofertado dentro do certame, sim, a adesão é possível.

Quem deve aplicar as sanções decorrentes de descumprimento das obrigações previstas na


ata? E quando houver descumprimento de obrigações do contrato?

Rafael Oliveira: Um dos avanços do Decreto nº 7.892/2013 foi trazer a definição das
atribuições de cada uma das figuras do SRP. Os artigos 5º e 6º do referido regulamento traz as
atribuições, respectivamente, do órgão gerenciado e do órgão participante. Em relação ao não
participante, o º 7º do art. 22 diz quais são suas atribuições. Quanto aos questionamentos, o
art. 5º, X, do mencionado Decreto diz caber ao gerenciador a aplicação de sanção pelo
descumprimento de obrigações constantes na ata. Quando o descumprimento é de obrigações
contratuais, quem deve aplicar a sanção é o órgão ou entidade contratante, seja ele
gerenciador, participante ou aderente.

O que o aluno da Enap poderá esperar do seminário O Sistema de Registro de Preços e seu
uso como instrumento de gestão pública?
91

Rafael Oliveira: A concepção desse seminário parte da ideia de que o Sistema de Registro de
Preços ainda é uma ferramenta pouco explorada na Administração Pública. A sua aplicação
abre várias possibilidades para o gestor público. É isto que queremos explorar no seminário: o
quão rico o SRP é para a gestão pública federal.

Davi Lucas Bois possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011)
e especialização em Direito Público pela PUC-Minas (2016). Analista Jurídico do Ministério
Público da União. Atualmente ocupa o cargo da Assessor-Chefe na Secretaria de Administração
da Procuradoria Geral da República.Tem experiência na área de Direito, com ênfase em
Licitações e Contratos Administrativos. Ministra cursos na área de Licitações e Contratos
Administrativos em diversas escolas de governo, como Escola Nacional de Administração
Pública (ENAP) e Escola Superior do Ministério Público (ESMPU).

Rafael Sérgio Lima de Oliveira é doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de


Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Ocupa o cargo de Procurador
Federal da Advocacia-Geral da União (AGU). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de
Administração Pública.

24. Entrevista sobre Licitações na área de Infraestrutura com Marcelo Bruto da Costa
Correia, 15/02/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Gustavo Ferreira Olkowski.

Um dos assuntos que estão em alta hoje em dia é a discussão sobre a eventual previsão legal
que tornaria obrigatório a empresa contratada fazer seguro performance de obra. Quais as
vantagens desse tipo de seguro? Ele seria capaz de diminuir os riscos de inexecução das
obras públicas de infraestrutura?

Marcelo Correia: O seguro performance é uma realidade no mercado de obras públicas, em


especial nos Estados Unidos, onde é obrigatório para obras de maior vulto. A sua principal
vantagem é integrar o segurador na gestão de risco das obras públicas, levando-o a contribuir
para o aprimoramento da seleção dos contratados do setor público, monitorar seu
desempenho e, inclusive, assumir a responsabilidade pela entrega final da obra quando houver
inadimplência. Por isso, o seguro performance pode contribuir para melhorar a gestão de
riscos nas obras. Cabe um alerta: a administração pública precisa se preparar para melhor gerir
os seus próprios contratos e as apólices de seguro, sob pena de, por ato ou omissão sua, dar
causa a inadimplementos, o que gera excludentes de responsabilidade do segurador e
minimiza a eficácia do seguro. Infelizmente, o histórico de baixa sinistralidade de seguros para
o setor público mostra que existe esse risco de ineficiente gestão de seguros.

Ainda sobre o seguro performance, qual o impacto dessa eventual obrigatoriedade no custo
das obras públicas?

Marcelo Correia: Já há alguma experiência de seguros performance no Brasil em obras de


edificação e rodoviárias e os custos das referidas apólices não foram significativos em relação
ao valor total da obra. Contudo, a existência de um mercado incipiente de seguros
performance e a baixa sinistralidade dos mesmo em favor da Administração Pública (muitas
vezes em razão de inadimplementos causados pela própria) não permitem ainda generalizar
um custo estimado realista de seguro performance. Mas se o seguro de fato servir para
mitigar o risco de inexecuções, os ganhos deverão compensar os custos.

Em projetos de empreendimentos objetos de concessão ou PPP, a lei admite a adoção de


Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). O que é esse procedimento e quais os
riscos envolvidos?
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Marcelo Correia: O PMI é um procedimento em que a Administração recebe do setor privado


estudos para a realização de concessões e PPPs, por iniciativa sua ou do próprio interessado,
cujo reembolso só ocorrerá em caso de aproveitamento dos estudos numa licitação bem-
sucedida. Nos PMIs, ao contrário dos projetos desenvolvidos sob a égide de contratos
administrativos, um particular interessado em participar da licitação pode desenvolver os
estudos. Na União, os PMIs foram disciplinados pelo Decreto nº 8.428/2015. O aspecto mais
positivo do PMI é permitir uma interação intensa entre Poder Público e mercado no
desenvolvimento dos estudos, mitigando o risco de a Administração desenvolver estudos sem
viabilidade técnica e econômica. Por outro lado, por serem autorizações não vinculantes para
nenhuma das partes, os PMIs costumam ter um elevado índice de insucesso, pois as partes
não chegam a um entendimento comum sobre os estudos, o que pode ocorrer especialmente
em face da elevada assimetria de informações durante o processo. O modelo de PMI não é
uma panaceia, mas aparece como uma alternativa para o desenvolvimento de estudos num
contexto de crise fiscal e no qual o modelo tradicional de contratação de estudos e projetos de
engenharia não vem funcionando a contento.

Uma quantidade expressiva das obras de infraestrutura do país tem sido licitada por meio do
regime de contratação integrada, que prescinde de projeto básico. No entanto, existem
muitas críticas de que, em parte desses certames, a contratação integrada estaria sendo
adotada tão somente para viabilizar licitações sem o planejamento adequado e com base em
projetos de engenharia ainda não totalmente concluídos. Quais aspectos devem ser levados
em conta para nortear a decisão de utilizar ou não esse regime de contratação?

Marcelo Correia: É um equívoco a utilização da contratação integrada para saltar etapas no


planejamento de obras. A experiência tem demonstrado que as contratações integradas
demandam planejamento cuidadoso do anteprojeto, do edital e do contrato, considerando a
maior alocação de riscos ao contratado, sob pena de a licitação ser fracassada ou o próprio
contrato entrar em impasse antes mesmo de se iniciar, na fase de desenvolvimento e
aceitação dos projetos de engenharia. A experiência internacional, em especial nos EUA,
mostra que contratações integradas podem oferecer ganhos de prazos e custos em face da
redução dos custos transacionais que ocorre pela concentração de responsabilidades sob o
privado, mas esse ganho é na fase de execução das obras, e não na fase de planejamento.
Entendo que a escolha pelo modelo de contratação integrada deve ser motivada pela
possibilidade de se precisar indicadores de resultado que sejam verificáveis pelo contratante,
associada à possibilidade de o privado gerir e precificar com alguma previsibilidade os riscos de
projeto. Ao contrário do que geralmente se defende, entendo que as contratações integradas
podem funcionar bem para obras de edificação, e não seriam recomendáveis para obras muito
complexas e de elevado risco construtivo. A busca por metodologias e tecnologias diversas é
outro motivo para o recurso à contratação integrada. Registro, contudo, que o TCU tem
adotado entendimento mais restritivo sobre o uso desse modelo, adstrito à hipótese em que
exista diversidade metodológica em ordem maior de grandeza e de qualidade, capazes de
ensejar uma real concorrência entre propostas envolvendo diversas metodologias.

Quais os principais riscos associados e os cuidados que devem ser tomados pela
Administração Pública em uma licitação sob o regime de contratação integrada?

Marcelo Correia: Os principais riscos numa contratação integrada são a seleção adversa e o
risco moral: a obra pode ser conquistada por quem tenha disposição de correr riscos
demasiados e/ou tente inadimplir posteriormente através da deterioração posterior do
projeto de engenharia ou de tentativas de renegociação, levando a um impasse com a
Administração. Por isso, vários cuidados devem ser tomados no planejamento, por exemplo,
elaborar um anteprojeto que detalhe mais os serviços que tenham menor previsibilidade,
93

cautelas com propostas agressivas no edital, definição precisa das soluções técnicas que
podem ser objeto de alteração, matriz de riscos cuidadosa, que os aloque a quem tem
melhores condições de geri-lo, definição precisa dos indicadores de resultado que se quer
alcançar, regras claras sobre elaboração e aceitação dos projetos pela Administração, seguros
e sanções fortes que inibam o comportamento oportunista, cronograma de pagamentos
adequado ao seu andamento físico, responsabilidades pós-contratuais bem definidas, entre
outros.

A Lei das Estatais criou o regime de contratação semi-integrada, regime este que também
está sendo incorporado no projeto de lei que, se aprovado, substituirá a atual lei de
licitações. Poderia explicar o que é esse regime e quais as principais diferenças em relação à
contratação integrada?

Marcelo Correia: O regime se assemelha à contratação integrada em termos de modelagem


contratual, com a diferença de que, nas contratações semi-integradas, a licitação deve ser
instruída com projeto básico, sendo de responsabilidade do contratado o projeto executivo.
Deve ser definido previamente quais soluções do projeto básico podem ser objeto de
alterações, e quais não podem ser, sendo atribuído ao contratado os riscos relacionados a
soluções de projeto eleitas por ele. Outra distinção é que a contratação semi-integrada
recebeu o status de regime preferencial na Lei das Estatais.

Quais regras devem ser observadas na elaboração de aditivos em obras contratadas sob o
regime de contratação semi-integrada?

Marcelo Correia: A Lei das Estatais definiu que as contratações integradas e semi-integradas
devem conter matriz de riscos, da qual conste listagem de possíveis eventos supervenientes à
assinatura do contrato, impactantes no equilíbrio econômico-financeiro, e previsão de
eventual necessidade de prolação de termo aditivo quando de sua ocorrência. A lei vedou,
ainda, a celebração de aditivos decorrentes de eventos supervenientes alocados, na matriz de
riscos, como de responsabilidade da contratada.
Como nas contratações semi-integradas o contratado tem a liberdade de alterar soluções
técnicas de projeto de acordo com a previsão contratual, não caberá aditivos decorrentes da
escolha de solução de projeto básico pela contratante, no exercício de sua liberdade
contratual. De resto, persiste o limite máximo de 25% para acréscimos contratuais.

O governo federal divulgou que pretende conceder diversas rodovias e aeroportos do país.
Em um cenário de Lava-Jato, em que as empresas que tradicionalmente participariam desses
certames estão sob investigação, quais regras devem mudar nos editais de concessão para
garantir que apareçam interessados e que haja competitividade nesses leilões?

Marcelo Correia: O caminho deve ser a ampliação da competição, com os resguardos


necessários a impedir propostas inexequíveis. Vejo três frentes em que avanços podem ser
feitos – e entendo que estão sendo realizados em recentes minutas de edital da Artesp, da
Anac e da ANTT.
Primeiro, os editais podem avançar nas regras sobre participação de empresas estrangeiras e
de menor porte, através de eliminação de requisitos burocráticos, como a exigência de decreto
de autorização de funcionamento e atestados relacionados a obras de engenharia. Também se
pode deixar opcionais as alternativas de comprovação de aptidão técnica, podendo ser por
atestados profissionais ou da própria empresa.
Segundo, a matriz de riscos precisa ser aperfeiçoada para mitigar aqueles de difícil gestão pelo
setor privado. Tem sido anunciado, por exemplo, mitigadores de risco cambial, que têm o
potencial de atrair competidores com acesso a financiamento externo. Em alguns tipos de
concessões, devemos refletir mais inclusive sobre o risco de demanda.
94

Finalmente, os projetos precisam ser realistas e adequados à demanda, não exigindo


investimento que terminem limitando a participação de mais interessados.

Marcelo Bruto da Costa Correia é formado em Direito pela Universidade Federal de


Pernambuco (UFPE), bacharel em Administração pela Universidade de Pernambuco (UPE),
mestre e doutor em Administração Pública pela FGV (SP). É servidor da carreira de Especialista
em Políticas Públicas e Gestão Governamental e ocupa o cargo de Vice-Presidente do
Complexo Industrial Portuário de Suape. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de
Administração Pública.

Gustavo Ferreira Olkowski é graduado em engenharia civil pela Universidade Mackenzie e


pós-graduado em Auditoria e Controle Governamental pelo Instituto Serzedello Corrêa -
ISC/Tribunal de Contas da União. É auditor do TCU desde 2009 e ocupa atualmente a função
de Assessor na Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Urbana. É professor de cursos para
concursos públicos e ministra cursos na área de obras públicas. Palestrante e colaborador da
Escola Nacional de Administração Pública.

25. Seminário Planejamento e Governança em Compras Públicas com Renato Fenili,


21/02/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Marcio Medeiros.

O Tribunal de Contas da União vem realizando, nos últimos anos, levantamentos para
conhecer melhor a situação da governança no setor público e assim estimular a adoção de
boas práticas de governança. Qual é atualmente o nível de maturidade de governança no
poder executivo, legislativo e judiciário?

Renato Fenili: Difícil responder uma pergunta tão ampla. A governança, em certa visão, alude
a determinado processo. Há a governança do processo legislativo, do processo judicial, do
processo de execução financeira e – este sim o nosso foco – do processo de compras e
contratações públicas. Ainda, dentro de cada um desses processos, há distintos graus de
governança, a depender do nível de análise, e do rito específico em pauta. Em uma temática
que assume, por imprecisão conceitual, contornos tão difusos, entendo por danoso fazer
generalizações em nível tão macro.

A governança de tecnologia da informação tem um avanço reconhecido em relação a outros


segmentos de atuação no setor público. Qual foi o motivo que propiciou tal avanço e quais
benefícios foram gerados?

Renato Fenili: A governança de tecnologia da informação e comunicação (TIC) vale-se da


prerrogativa de ser a espinha dorsal a governança corporativa, mesmo se considerarmos a
seara pública. No momento em que se enxerga o potencial ferramental do governo eletrônico
e sua atuação em múltiplas relações (G2G, G2B, G2E, G2G, basicamente), é corolário a busca
pela estruturação de regras de negócio e de decisões. A governança nasce, de forma explícita,
a fim de bem atender aos preceitos da Teoria da Agência; No caso das TIC, o robustecimento
da governança dá-se por múltiplos fatores, podendo-se citar desde a Lei Sarbannes-Oxley, até
a dinâmica protagonizada pelos conceitos de e-governança, e-democracia, entre outros. Os
benefícios, uma vez mais, se voltam à relação agente-principal: há maior institucionalização,
confiabilidade e transparência das regras estruturais.
95

O TCU em recente pesquisa aplicada ao tema definiu governança das aquisições como o
conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar,
direcionar e monitorar a atuação da gestão das aquisições, com objetivo de que as
aquisições agreguem valor ao negócio da organização, com riscos aceitáveis. Exemplifique
boas práticas de governança de aquisições.

Renato Fenili: Veja que definição confusa! Qual a diferença entre monitoramento e avaliação?
Seria o nível da análise? Liderança não se relaciona à capacidade de influência interpessoal do
líder? Como, com essa definição, manter a perenidade intrínseca à governança, se esta
dependeria da figura do líder, passível de mudança ante o reformismo de nossa cultura? Tudo
começa por uma boa definição de governança: um conceito que todos acham que conhecem,
mas que ninguém aborda objetivamente. Quanto às práticas, hoje é possível identificar cinco
principais instrumentos de governança nas compras e contratações públicas: o planejamento
estratégico de compras, o plano anual de compras, a matriz de riscos, o plano de capacitação e
o plano de logística sustentável.

Identifique os principais riscos que podem ser mitigados com a adoção de boas práticas de
governança nas aquisições.

Renato Fenili: Trata-se de um rol muito amplo, impossível de ser exaurido. Há a mitigação do
personalismo nas relações de compras e dos impactos negativos decorrentes do reformismo.
Tende-se a comprar praticando-se economia de escala, com sustentabilidade e exercendo uma
gestão de custos satisfatória. Minimizam-se os riscos de fracionamento de despesas, e de
retrabalho processual, bem como de uma execução financeira heterogênea ao longo do
exercício. Desenvolvem-se as equipes, evitando gestões de pessoas que olvidem as
competências essenciais e individuais. Cumprem-se prazos. Entendo que devolve muito do
aspecto weberiano às nossas burocracias públicas, minimizando-se suas disfunções.

A cartilha “10 Passos para a Boa Governança” (acessível em


http://www.tcu.gov.br/governanca) foi elaborada a fim de informar, em linguagem mais
acessível, um roteiro simplificado e prático para que os gestores públicos possam implantar
mecanismos de governança nas suas organizações. Um dos passos citados na publicação é
“Estabeleça sistema de governança com poderes de decisão balanceados e funções críticas
segregadas”. Cite exemplos de instâncias internas de governança da aquisição criadas em
órgãos públicos.

Renato Fenili: Em geral, instâncias internas referem-se a processo decisório. Pode-se fazer
uma segregação do processo decisório em termos de alçada de valores, por exemplo.

O que devemos fazer para internalizar e disseminar a importância do planejamento e da


governança nas compras públicas?

Renato Fenili: Esse foi um desafio no qual falhamos. Tanto falhamos que o Tribunal de Contas
da União vem, por meio de acórdãos nos últimos 2 anos, atuando em cima de um vácuo de
gestão dos órgãos e entidades sobre seus processos de compra. Agora, não se trata de “como
internalizar a governança”, per si. Agora é mais para: “como cumprir a jurisprudência do TCU?
96

”. A institucionalização de novos valores organizacionais pode-se, conjeturo, dar-se inclusive


após a sedimentação de práticas de governança.

Qual a melhor forma de monitorar o desempenho e amadurecimento do planejamento e da


governança nas compras públicas?

Renato Fenili: Apenas para clarificar: o planejamento é uma função administrativa, inerente ao
processo de gestão. Tão importante quanto o planejamento é a organização, a direção e o
controle. Em outro nível de análise, temos a governança. Talvez a preocupação tenha que ser
com toda a gestão (e não somente com o planejamento), aliada à governança. E, para bem
desenvolver a pergunta, há, preliminarmente, que se definir o que é desempenho, no caso em
pauta. Quais as variáveis independentes que caracterizam o desempenho (variável
dependente?). Aí sim, estaremos prontos a falar sobre a estruturação de indicadores,
responsáveis pelo acompanhamento da evolução temporal.

Avalie os benefícios da implantação de central de compras ou de compras compartilhadas


nos órgãos públicos.

Renato Fenili: Ao se avaliarem apenas os benefícios, como a pergunta exige, deixam-se de


lados os malefícios. Isso pode impingir uma resposta tendenciosa. O seminário irá abordar este
tema de forma bastante aprofundada, sob o prisma de custos. A governança, nos moldes do
ditado pelo TCU, parece se aproximar do paradigma centralizado, sensibilizando dimensões do
desempenho. Mas a descentralização, analogamente, sensibiliza outras dimensões do
desempenho de compras e contratações.

Quais os maiores desafios para adoção de boas práticas de governança de aquisições no


setor público?

Renato Fenili: Há barreiras (e conflitos) de poder, de cultura e de competências. Todas tomam


por esteio o elemento humano.

O que o aluno da ENAP poderá esperar do Seminário Planejamento e governança em


compras públicas no dia 2 de março?

Renato Fenili: Em apertada síntese: a desmistificação da governança, traduzindo-a em seus


instrumentos de gestão. O aluno irá sair do seminário não apenas tendo ampliado seu
arcabouço cognitivo, mas tendo a habilidade de bem robustecer a governança em compras e
contratações em seus órgãos de origem.

Renato Fenili é formado em Ciências Navais pela Escola Naval, com pós-graduação em
Administração Pública. Possui, ainda, mestrado e doutorado em Administração pela
Universidade de Brasília (UnB). Atualmente ocupa o cargo de analista legislativo e diretor da
Coordenação de Compras da Câmara dos Deputados. É autor de livros e cursos para concursos
públicos. Em 2015 publicou o livro Boas Práticas Administrativas em Compras e Contratações
Públicas (Ed. Impetus). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

Marcio Lima Medeiros é formado em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
tem mestrado em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília (UnB). É Analista de
97

Orçamento da carreira do Ministério Público da União (MPU) desde 2005 e atualmente ocupa
o cargo de diretor de Administração do fundo de pensão dos membros e servidores do Poder
Judiciário da União. É professor convidado de Política Pública da Faculdade Anasps e de Gestão
Estratégica na Uninorte, bem como Instrutor cadastrado da Escola de Administração
Fazendária (Esaf), Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), Ministério Público
Federal (MPF) em disciplinas de Economia do Setor Público, Planejamento e Gestão
estratégica, Indicadores de Desempenho e Lei de Responsabilidade Fiscal.

26. Entrevista sobre a Gestão de Riscos em Compras Públicas com Franklin Brasil,
03/03/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Ronaldo Corrêa.

Conceitualmente, quais são as diferenças básicas entre a gestão de riscos, os controles


internos e a governança na Administração Pública?

Franklin Brasil: Na teoria da agência, há sempre um conflito potencial de interesses entre


quem delega e quem executa. A governança é o conjunto de mecanismos de liderança,
estratégia e controle voltados para fazer esses interesses convergirem. No setor público, o
cidadão delega seus interesses a agentes políticos e burocratas. A governança compreende o
sistema de direção, supervisão e estímulo para fazer com que as ações desses agentes reflitam
a vontade do cidadão. Essa vontade é atendida por meio das políticas públicas, traduzidas em
planos, projetos e ações, cheios de objetivos. Mas há eventos que podem impedir ou dificultar
que esses objetivos sejam atingidos, levando a desvios, fraudes, desperdícios. Esses são os
riscos. E a gestão de riscos busca administrar esses eventos, para maximizar a chance e a
capacidade de as coisas funcionarem corretamente. A gestão de riscos, portanto, é um
componente da governança. É uma das funções que a alta administração tem a
responsabilidade de fomentar, direcionar e avaliar e todos na organização têm o dever de
realizar. E para gerenciar riscos, existem os controles internos, um conjunto de ações
interligadas que permeiam todos os processos, todas as atividades, todas as operações, de
modo contínuo e integrado, para reduzir a probabilidade ou o impacto dos riscos e assegurar
que os objetivos sejam alcançados.

Quais são os principais riscos de uma licitação? São todos eles gerenciáveis?

Franklin Brasil: Para identificar riscos, precisamos entender os objetivos. Licitação existe para
garantir a isonomia, a proposta mais vantajosa e o desenvolvimento nacional sustentável.
Assim, os principais riscos estão relacionados com a possibilidade de não alcançar um ou mais
desses objetivos: eventos que possam frustrar o caráter competitivo, reduzir a eficiência,
eficácia ou efetividade da proposta ou deixar de contemplar critérios relevantes para o
desenvolvimento econômico, social e ambiental. Sendo um procedimento complexo,
composto de diversas fases e atividades, cada qual com seus objetivos, há riscos específicos
em cada uma, mas eu destacaria certamente as fraudes e falhas de planejamento. É nessa
etapa que a necessidade é identificada, a solução é escolhida e desenhada, o mercado é
avaliado, os encargos definidos, o preço é estimado, as condições de seleção do fornecedor
são estabelecidas. O potencial de alcance dos objetivos da licitação está fortemente
98

concentrado nessa fase. Por isso os riscos aqui são mais relevantes. Se todos os riscos são
gerenciáveis? Eu diria que sim, ao menos os que valem a pena o esforço. Mas é importante ter
clareza de que gerenciar riscos não é sinônimo de eliminá-los. Tratar os riscos tem a ver com
torná-los aceitáveis, mas eles continuam existindo em algum nível. Talvez esteja exatamente
nisso a natureza inestimável da vida.

Quais são os principais instrumentos que podem ser adotados pela Administração Pública
na gestão de riscos nas licitações?

Franklin Brasil: Gerenciar os riscos nas licitações envolve identificar, entender, avaliar e tratar
os eventos que podem impactar os objetivos. A doutrina lista quatro grandes atitudes de
tratamento: evitar, aceitar, transferir e mitigar. Para evitar um risco é preciso evitar a própria
atividade. Por exemplo: abandonar as compras conjuntas com outros órgãos é uma forma de
evitar problemas nesse formato de aquisição. Mas aí se perde também a oportunidade das
vantagens desse formato. Para ganhar alguma coisa é preciso correr riscos, por isso, evita-los é
geralmente inviável em licitações. Transferir já é mais comum. Fazemos isso quando exigimos
garantia contratual, por exemplo. Compartilhamos com a seguradora - no caso de o
contratado optar por seguro-garantia - o risco de danos durante a execução do contrato. É
importante perceber que não eliminamos o risco com essas opções, apenas repassamos uma
parcela a terceiros. Na maior parte dos casos, o que fazemos é mitigar os riscos. Para isso
usamos controles internos. Capacitação, normas, regulamentos, manuais, roteiros, segregação
de funções, inventário, sistemas de informação, listas de verificação, todos são controles
internos que buscam reduzir o risco. Por isso a importância da aplicação adequada da gestão
de riscos para identificar o que vale a pena ser controlado e em que medida. Afinal, nem tudo
compensa o esforço de controle. Há cinquenta anos já temos uma diretriz clara, disposta no
Art. 14 do Decreto-lei 200/1967, para adotar controles proporcionais ao risco. Em certos casos,
pelo custo do controle ou pela baixa relevância, apenas aceitamos o risco. É o caso, por
exemplo, das compras de pequeno vulto, por suprimento de fundos ou cartão corporativo.
Nesses casos, os controles são simplificados, para se tornarem proporcionais ao risco.

A recente lei 13.303/2016 trouxe para o regime societário das empresas públicas e
sociedades de economia mista, a obrigatoriedade da observância das práticas de gestão de
riscos. Qual é a importância desta regra para as licitações das estatais?

Franklin Brasil: A gestão de riscos é relevante em qualquer empreendimento humano. E os


estudos e modelos da área se desenvolveram no mundo corporativo privado. O setor público
vem incorporando a doutrina mais recentemente. As estatais são entidades híbridas e para
elas, portanto, se aplicam premissas dos dois setores. Se em ambos a gestão de riscos está se
consolidando como elemento fundamental, a exigência legal faz todo sentido. Nas licitações
das estatais, os objetivos continuam relacionados com a seleção da proposta mais vantajosa e
observância dos princípios fundamentais da Administração Pública, portanto, a gestão de
riscos tem ali o mesmo propósito de garantir razoável segurança de que esses objetivos sejam
alcançados.

Qual é a visão atual do Tribunal de Contas da União acerca da gestão de riscos nas
contratações públicas?
99

Franklin Brasil: Consultando os julgados do TCU de 2001 a 2015, encontramos 482 Acórdãos
tratando do tema “Gestão de Riscos”, sendo 338 só de 2013 em diante, representando 70% do
total. Isso mostra o quanto a “Gestão de Riscos” tem se tornado central no principal órgão de
controle do país. De forma cada vez mais frequente, o TCU tem determinado às entidades
públicas que adotem um processo sistemático de gerenciamento da relação
objetivo/riscos/controles. O TCU passou a perceber que o gerenciamento de riscos é um
processo fundamental para racionalizar a ação governamental, melhorar a tomada de decisão
e avaliação de desempenho. A identificação, avaliação e tratamento de riscos de maneira
lógica e sistemática proporciona uma visão ampla do custo-benefício do controle interno,
lidando com o futuro, suas incertezas e oportunidades. Por isso o TCU entende a gestão de
riscos como uma poderosa ferramenta para os gestores do setor público. E o Tribunal tem
contribuído fortemente para a adoção dessa ferramenta por meio da publicação de literatura
especializada, desenvolvimento de metodologia e modelos, estudos e avaliações
estruturantes, a exemplo do iGov Aquisições e do documento referencial Riscos e Controles
em Aquisições.

O que é o apetite a risco e como a Administração Pública pode utilizá-lo no


compartilhamento de riscos em suas licitações?

Franklin Brasil: Segundo o referencial do COSO, apetite é o nível de risco, em sentindo mais
abrangente, que a organização se dispõe a aceitar na busca por agregar valor aos serviços
prestados para a sociedade. Estamos mais acostumados a ver esse conceito associado ao
mundo dos investimentos. Em geral, quanto maior a chance de ganhar, maior o risco de
perder. O gestor público não tem a flexibilidade de escolha de um investidor, já que a suas
decisões estão limitadas pelos mecanismos de governança, mas, ainda assim, há espaços onde
o apetite a risco poderá ser diferenciado. Como exemplo, podemos pensar nas instituições de
pesquisa e inovação, cujos processos naturalmente são caracterizados por maior incerteza de
resultados. O apetite a risco está diretamente associado à estratégia da instituição e deve ser
considerado no momento de definição dos objetivos. E conforme o apetite, o tratamento dos
riscos será diferente.

Qual é a importância da relação custo-benefício na implementação da estrutura de gestão de


riscos?

Franklin Brasil: Fundamental. A lógica é de preocupação constante com a relação custo-


benefício de tratamento dos riscos. Daí porque existe a etapa de avaliação dos riscos em
termos de probabilidade e impacto, de tal forma a compor uma matriz apontando o nível do
risco, algo como extremo, alto, médio ou baixo, de acordo com as escalas adotadas. Isso
proporciona a tomada de decisão sobre prioridades, definindo quais riscos merecem ser
tratados e com que grau de esforço, em combinação com o apetite a risco da organização.
Tenho defendido com fervor a bandeira da racionalidade administrativa do Art. 14 do Decreto-
Lei 200/67. Há meio século já temos um comando normativo para adotar controles
proporcionais aos riscos. Agora, com a doutrina da gestão de riscos, essa premissa se fortalece.
Espero, sinceramente, que sejamos capazes de entender e aplicar essa premissa: o controle
não pode ser mais caro que a coisa controlada.
100

No planejamento da licitação de sistemas de informação de médio e grande porte, qual é a


importância da observância das práticas de gestão de risco? Frameworks específicos como o
COBIT, por exemplo, são recomendáveis?

Franklin Brasil: A área de TI é vanguarda na aplicação prática da metodologia sistemática de


governança e gestão de riscos. E se estrutura num contexto de riscos próprios, especialmente
do ponto de vista da padronização, especificação, compatibilidade, segurança e suporte. Por
isso o modelo COBIT vem se consolidando e sendo recomendado, pela sua especificidade e
constante evolução, ao tratar de temas relevantes que afetam os objetivos dos serviços de
informação.

Qual é o papel da CGU em relação à aplicação das políticas de gestão de risco e a eficácia
dos controles internos?

Franklin Brasil: Como órgão central do Sistema de Controle Interno do Executivo Federal, a
CGU tem a missão fundamental de avaliar o processo de gerenciamento de riscos nas unidades
sob sua competência. Isso já vem se desenvolvendo, mas ainda precisa evoluir, especialmente
porque, primeiro, precisamos aprender a fazer a gestão de riscos, antes de avaliar o que
estamos fazendo. Por isso mesmo é que a CGU vem adotando também um papel ativo no
estimulo à implantação da gestão de riscos, contribuindo na normatização do processo e na
capacitação dos agentes públicos, na intenção de preparar os gestores para identificar, avaliar
e reagir aos riscos. Mas é muito importante distinguir os papéis. A responsabilidade por definir
e manter os controles internos é dos gestores, que executam as ações. A auditoria interna
avalia a eficácia dos controles internos, para validar e aperfeiçoar a gestão de riscos.

O sistema federal de compras públicas já chegou a ser denominado de “corruptocêntrico”,


por ter um enfoque predominante no combate à corrupção nas licitações, mas sem
mecanismos que garantam a efetiva obtenção de resultados. Qual é a relação da gestão de
riscos com o combate à corrupção?

Franklin Brasil: É importante entender que a gestão de riscos não é algo inédito,
desconhecido. Já fazemos isso. Mas fazemos, em geral, de maneira amadora, intuitiva,
improvisada, insuficiente, ineficiente. O que os modelos de referência propõem é a
sistematização, a adoção de passos lógicos e organizados, com o uso de mecanismos de apoio,
tornando o processo racional, estrutural e incorporado aos demais aspectos da organização.
Não é um remédio, para tomar de uma vez e curar todos os males. É uma vitamina, para
fortalecer a estrutura administrativa da entidade e de seus processos. Essa vitamina nos ajuda
a errar menos, evitando o desperdício de recursos. E ajuda a prevenir boa parte das fraudes,
por meio de mecanismos de controle eficientes. Mas precisamos tomar o cuidado de evitar o
excesso na dose, que só vai desperdiçar recursos. Por isso a racionalidade administrativa, o
equilíbrio entre controle e risco é o grande objetivo a perseguir. A corrupção é um dos riscos a
ser enfrentado, mas não é o único. Por isso a gestão de riscos envolve, também, a prevenção
de fraudes e desvios. Controles internos eficazes são a nossa melhor chance de atuar nas
causas dos problemas, contribuindo tanto para aumentar a eficiência das organizações quanto
para fortalecer o enfrentamento da corrupção. Mas, insisto, não se trata de controlar cada vez
mais e, sim, de controlar bem. E isso também envolve a profissionalização da gestão. Mais do
101

que a normativa detalhada de critérios, regras, vedações e exigências, precisamos de


compradores públicos valorizados, reconhecidos, capacitados. É isso que se espera de uma boa
gestão de riscos em aquisições. É isso que uma nova lei de licitações, há tempos prometida,
deveria levar em conta.

Franklin Brasil Santos é formado em Ciências da Computação pela Universidade Federal de


Mato Grosso, é Mestre em Controladoria e Contabilidade pela Faculdade de Economia e
Administração pela Universidade de São Paulo. /USP (2014). Ocupa o cargo de Auditor da
Controladoria-Geral da União desde 1998. É autor do livro “Como gerenciar riscos na
administração pública”. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração
Pública.

Ronaldo Corrêa é formado em Logística pela Universidade Estácio de Sá e mestrando em


Administração Pública pela Universidade Federal de Sergipe. Servidor da Polícia Federal desde
2004 e atualmente cedido à Controladoria-Geral da União, possui mais de 10 anos de
experiência atuando com logística pública. Desde 2010 é moderador da comunidade virtual de
práticas Nelca, com mais de 2500 compradores públicos cadastrados. Colaborador da Escola
Nacional de Administração Pública.

27. Entrevista sobre o Projeto que altera a Lei de Licitações e Contratos com o professor e
Desembargador Jessé Torres Pereira Junior, 07/03/2017
• Perguntas elaboradas pela professora Marinês Restelatto Dotti.

Na sua opinião, qual aspecto do Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013, que, em cotejo
com os demais diplomas atinentes a licitações e contratações administrativas, é merecedor
de destaque?
Jessé: O PLS 559 estabelece que a fase preparatória da licitação “é caracterizada pelo
planejamento”, o qual abordará todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão
que possam interferir na contratação. Louvável tal posicionamento. O planejamento é
instrumento essencial e indispensável para a correta e adequada alocação dos recursos
públicos. Adquiriu status de princípio fundamental da administração pública com a edição do
Decreto-lei nº 200/67, cujo art. 6º, I, dispõe que “As atividades da Administração Federal
obedecerão aos seguintes princípios fundamentais: I - Planejamento.”
O planejamento é a primeira das funções integrantes do ciclo virtuoso da gestão (PDCA),
incumbindo-lhe, no caso da atividade contratual do estado, com ou sem licitação, analisar a
relevância e a prioridade do objeto a ser contratado, examinar-lhe a viabilidade técnica e
econômica, bem como projetar-lhe os resultados de interesse público a serem alcançados. Tal
definição é importante para a avaliação das áleas ordinárias (as inerentes à natureza do
objeto) e extraordinárias (as que possam surtir de eventos alheios ao controle das partes, tais
como a força maior, o caso fortuito e o fato exclusivo de terceiro), a que se sujeita toda
empreitada humana. Em face delas, preparar-se a administração para prevenir e gerenciar
riscos, incluindo a forma como serão direcionados os recursos disponíveis e as condições que
garantam os resultados planejados. Em outras palavras, é na fase do planejamento que se
deitam as raízes da eficiência (relação custo-benefício) e da eficácia (consecução das
finalidades), ou da ineficiência e da ineficácia, na execução do contrato derivado da licitação.
Não seria exagerado dizer que ações bem planejadas também indicam os controles aptos a
precatar a administração contra desvios éticos e financeiros, que oneram e desperdiçam
recursos públicos, talvez vindo a abrir definitivamente as portas para o rigoroso manejo,
também no cotidiano da gestão pública, de técnicas e programas de integridade (compliance).
102

Que aspecto do Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013, não alcançou desejável avanço?
Jessé: Segundo o PLS 559, o pregão não se aplica às contratações de obras e serviços especiais
de engenharia e às obras, serviços e fornecimentos de grande vulto. No caso de obras e
serviços comuns de engenharia, o pregão somente poderá ser utilizado quando a contratação
envolver valores inferiores a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).
A utilização do pregão, sobretudo no formato eletrônico, tem trazido resultados positivos, que
aconselhariam a ampliação do uso da modalidade no PLS, com o fim de abarcar obras de
engenharia, independentemente do valor, desde que objetivamente estabelecidos pela
administração licitadora padrões, soluções e metodologias de execução, em harmonia com
especificações reconhecidas pelo mercado. A complexidade de execução, por si só, não afasta
a utilização do pregão, quando todos esses elementos possam ser identificados em projetos
básico e executivo desenvolvidos pela administração sem atropelos.
Veja-se que o rito ordinário do regime diferenciado de contratações públicas – RDC, objeto da
Lei nº 12.462/11, segue o paradigma do pregão (apresentação de propostas, fase de lances,
julgamento, análise dos documentos de habilitação do licitante classificado em primeiro lugar,
recurso, adjudicação e homologação), sendo viável, nesse regime, a licitação para a execução
de obras de engenharia.
O Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013, manteve a utilização da modalidade convite,
que poderá ser utilizada nas contratações de valores inferiores a R$150.000,00 (cento e
cinquenta mil reais). Em vista da otimização de tempo e recursos públicos produzida pelo
pregão, soa adequada a manutenção dessa modalidade licitatória?
Jessé: Em face das vantagens procedimentais do pregão, presencial ou eletrônico, e dos
superiores resultados que apresenta em comparação com as demais modalidades (propostas
em média 20% mais vantajosas para a administração), o convite soa como algo arcaico em
legislação licitatória do século XXI. A rigor, bastariam as modalidades pregão e concorrência,
esta quando houvesse necessidade de análise de propostas técnicas, para oferecer à
administração as alternativas necessários e suficientes para licitar qualquer compra, obra,
serviço ou alienação, qualquer que seja o seu valor estimado.
Além de conjurarem-se as notórias tendências do convite para estimular o fracionamento de
despesas, o desapreço à economia de escala, o direcionamento do resultado, já tantas vezes
objeto de ações civis públicas por improbidade administrativa, deflagradas por iniciativa do
Ministério Público. Exatamente porque tem sido mais fácil improvisar para atender a
interesses personalizados do que planejar para atender ao interesse público.
Parece-lhe apropriada a padronização de minutas de editais e contratos prevista no Projeto
de Lei do Senado nº 559, de 2013?
Jessé: A padronização de minutas de editais e contratos é diretriz a ser observada pela
administração pública quando utilizado o regime diferenciado de contratações públicas (Lei nº
12.462/11) e, ainda, nas licitações e contratações realizadas pelas empresas estatais (Lei nº
13.303/16).
A padronização de documentos que se repetem rotineiramente é meio salutar de a
administração pública desincumbir-se de tarefas que, numericamente significativas, na
essência referem-se sempre aos mesmos atos administrativos. Sua adoção é desejável na
medida em que libera recursos humanos e materiais para serem utilizados em ações que
demandam conteúdo e forma individualizados. A repetição de procedimentos licitatórios que
tenham o mesmo objeto e que guardem proporção em relação às quantidades enquadra-se
nessa hipótese.
Com a padronização definem-se os parâmetros necessários, suficientes e aplicáveis a licitações
ou contratações passíveis de realização mediante peças modelos, que, por isto mesmo,
103

racionalizam o desempenho de funções administrativas e técnicas. E desde que esses modelos


tenham tido suas minutas aprovadas pelo órgão de assessoramento jurídico da administração
e a eles se ajustem, sem qualquer dúvida, as características da nova licitação.
Segundo o Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013, a administração pública poderá,
mediante justificativa expressa, contratar mais de uma empresa ou instituição para executar
o mesmo serviço, desde que não implique perda de economia de escala. É medida viável? Na
prática, como é possível efetivar-se a contratação nesses moldes?
Jessé: O PLS 559 não inova nesse ponto. A possibilidade de contratação de mais de uma
empresa ou instituição para executar o mesmo serviço encontra previsão na Lei nº 12.462/11,
instituidora do regime diferenciado de contratações públicas.
Na contratação simultânea, existirá mais de uma empresa apta a executar o objeto contratual
sem que uma interfira na prestação realizada pela outra. As empresas contratadas prestam o
serviço, objeto da contratação, de forma concorrente, mas independentemente, efetivado o
contrato com a empresa ou instituição que oferecer a condição mais vantajosa para a
administração. Exige justificativa da vantagem da prestação de um mesmo serviço por vários
contratados, que deve resultar da conjugação de fatores técnicos, econômicos e gerenciais.
Ilustra-se com a contratação de serviços de telefonia e fornecimento de passagens aéreas. Na
primeira, as várias empresas de telefonia contratadas pela administração poderão prestar o
serviço, bastando que esta identifique, por meio de um sistema localizador, no momento da
ligação, aquela que pratica o menor preço, efetivando-se, assim, a contratação. O mesmo
poderá ocorrer com o fornecimento de passagens aéreas: diversas companhias aéreas podem
ser contratadas pela administração para a prestação do serviço, efetivando-se a contratação
com aquela que oferecer o menor preço para a data e o horário da viagem; viabiliza-se a
contratação mediante o desenvolvimento de sistema informatizado que pesquise os preços
praticados pelas companhias aéreas em tempo real, de acordo com os parâmetros solicitados,
tais como cidades de origem e de destino, datas de partida e de retorno da viagem,
alternativas de horários de voo.
O Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013, mantém a preferência de contratação para as
entidades de menor porte. É adequada a medida?
Jessé: O PLS 559 estabelece que os critérios de desempate de propostas “não prejudicam a
aplicação do disposto no art. 44 da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006”, ou
seja, assegura, como critério de desempate, preferência de contratação para as
microempresas e empresas de pequeno porte, medida que cumpre política pública inscrita nos
artigos 146, III, “d”, e 170, IX, da Constituição Federal de 1988, introduzidos pelas EC de nº
42/03 e 06/95, respectivamente. Tratando-se, como se trata, de política pública constitucional,
não se põe em discussão se a norma infraconstitucional deveria ou não cumpri-la. É dever
jurídico fazê-lo.
O Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013, contempla alguma condição restritiva à
competitividade?
Jessé: A resposta é afirmativa. O art. 57 do PLS 559 estabelece que as condições de habilitação
serão definidas no edital da licitação, que pode limitar a participação no certame aos pré-
qualificados.
A pré-qualificação constitui procedimento seletivo anterior à licitação, destinado a identificar
os que atendam aos requisitos de habilitação exigidos para o fornecimento de bem ou a
execução de serviço ou obra, nos prazos, locais e condições previamente fixados.
É vero que o registro cadastral de pré-qualificados torna mais ágil a fase de habilitação,
contudo, a realização de licitação exclusiva para detentores de certificado de pré-qualificação
é medida que restringe o acesso ao certame, impedindo que dele participem interessados que
104

atendam aos mesmos requisitos de habilitação, ainda que sem registro cadastral de pré-
qualificação. A limitação assemelha-se à exigência, em edital, de que somente licitantes
inscritos em sistema de registro cadastral sejam admitidos à licitação, restrição que o TCU,
com boas razões, já peremptoriamente rejeitou, após reiterados acórdãos a respeito, no
verbete nº 274, de sua súmula: “É vedada a exigência de prévia inscrição no Sistema de
Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf para efeito de habilitação em licitação”.
O Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013, manteve alguma impropriedade prevista na Lei
nº 8.666/93, objeto de apontamento pelo Tribunal de Contas da União?
Jessé: Dispõe o art. 62, § 3º, do PLS 559, que a documentação referente à habilitação poderá
ser dispensada, total ou parcialmente, nas contratações de entrega imediata, na alienação de
bens e direitos pela administração pública e nas contratações em valores inferiores a um
quarto do limite para a dispensa de licitação para compras em geral e para a contratação de
produto para pesquisa e desenvolvimento, até o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
Tal dispositivo, com alguns acréscimos e alterações, repete o art. 32, §1º, da Lei nº 8.666/93, o
qual estabelece que a documentação de habilitação, de que tratam os artigos 28 a 31 do
mesmo diploma, poderá ser dispensada, no todo ou em parte, nos casos de convite, concurso,
fornecimento de bens para pronta entrega e leilão.
A dispensa, no todo, dos documentos de habilitação é incompatível com o disposto no art.
195, §3º, da Constituição Federal de 1988, mercê do qual a pessoa jurídica em débito com o
sistema da seguridade social fica proibida de contratar com o poder público, não podendo
também dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
Há, pois, no caso específico da prova da regularidade com o sistema da seguridade social,
conflito entre o permissivo constante no art. 62, § 3º, do PLS 559 e a mencionada vedação
constitucional, motivo pelo qual jamais poderá ser dispensada a apresentação de documentos
que comprovem tal regularidade. Há precedentes do TCU que negam validade, em face da
Constituição, à regra do art. 32, §1º, da Lei nº 8.666/93, acerca da dispensa, no todo, de
requisitos de habilitação, precedentes esses, dentre outros, claramente extensíveis ao art. 62,
§3º, do PLS: Acórdão nº 98/2013 - Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, Processo nº
016.785/2004-0 e Acórdão nº 3.146/2010 – Primeira Câmara, Rel. Min. Augusto Nardes,
Processo nº 022.207/2007-6.
Sobre a competência para a condução do procedimento licitatório, há novidades em relação
aos demais diplomas legais (Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/02 e Lei nº 12.462/11)?
Jessé: O PLS 559 prevê a condução do procedimento licitatório por agente da licitação, solução
similar à do pregoeiro e sua equipe de apoio (Lei nº 10.520/02), sem descartar a possibilidade
da formação de comissão para a mesma tarefa em licitações complexas, nos moldes da Lei nº
8.666/93 e do Decreto nº 7.581/11, que regulamenta a Lei nº 12.462/11, diplomas estes que
preveem a competência de comissão, especial ou permanente, para as funções de receber,
examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos às licitações.
O PLS compõe, pois, competências para a condução do procedimento licitatório, definidas em
razão da complexidade da licitação, a atrair justificativa técnica da autoridade competente
para o efeito de estabelecerem-se atribuições e responsabilidades dos agentes condutores da
competição.
Ainda segundo o PLS, o julgamento por critérios de técnica e de técnica e preço poderá ser
realizado por atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa por banca designada para
tal fim, composta por três membros e por servidores em cargo efetivo ou empregados públicos
designados, ou, ainda, por profissionais contratados por seu conhecimento técnico,
experiência ou renome na avaliação dos quesitos especificados em edital. Preocupou-se o PLS
com a necessária qualificação dos agentes responsáveis pela condução da licitação quando
105

estiver em jogo a análise da melhor proposta técnica para a administração e, ao fim, para o
interesse público.
Novidade esta em que a administração poderá contratar, por prazo determinado, serviço de
empresa ou profissional especializado para assessorar os responsáveis pela condução da
licitação, medida que parece almejar não só a busca da melhor proposta para a administração,
mas, também, a correta condução técnico-administrativa do procedimento licitatório, em
conformidade com as normas de regência e com a jurisprudência atualizada dos tribunais de
contas e judiciais.
Marinês Restelatto Dotti é especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela
Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente ocupa o cargo de
Advogada da União. Autora de artigos jurídicos sobre licitações, contratos administrativos e
convênios. Professora nos cursos de especialização em Direito Público da Faculdade IDC
(Instituto de Desenvolvimento Cultural), em Porto Alegre, e especialização em Direito Público
com ênfase em Direito Administrativo da UniRitter - Laureate International Universities, em
Porto Alegre.
Jessé Torres Pereira Junior é formado em Direito pela Universidade Cândido Mendes, tem
Mestrado e Doutorado em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Ocupa o cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro. Professor e palestrante na área de Direito Público. É autor de livros sobre Direito
Administrativo e Responsabilidade Fiscal.

28. Entrevista sobre as licitações para micro e pequenas empresas com Nilo Cruz Neto,
08/12/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Sandro Bernardes.

Sandro Bernardes – Professor, tutor e monitor de diversas escolas públicas de governo, tais
como: Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Instituto Plácido Castelo (IPC) do
Tribunal de Contas do Estado do Ceará, Ministério Público Federal, Escola de Controle Externo
do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul, Ministério Público de Contas do
Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso, Instituto Serzedello Corrêa do Tribunal de
Contas da União, dentre outras instituições.
A política de concessão de regime diferenciado para microempresas e empresas de pequeno
porte no processo de contratação pública é relativamente recente em nosso país. Em seu
ponto de vista, mesmo com esse pouco tempo, é possível afirmar que as diretrizes
estabelecidas são satisfatórias?

Nilo Cruz: De modo geral, as vantagens e benefícios adotados no Brasil a partir da Lei
Complementar nº 123/2006 parecem convergir com algumas experiências já existentes em
nível internacional. É possível encontrar correspondentes na legislação norte-americana, como
no Small Business Act de 1958, e no regulamento federal de contratações, o FAR, que
consolida uma série de alterações ocorridas nessa área desde 1978 até 1999. Como exemplos,
temos a previsão de licitações com participação exclusiva de micro e pequenas empresas para
compras estimadas em até U$ 100 mil; a imposição da subcontratação de MPE em contratos
superiores a US$ 500 mil; e algo semelhante ao nosso empate ficto, abrangendo as obras e
serviços de engenharia e uma margem de 6%. Também vejo em nossa política aspectos
similares ao que ocorre em alguns países europeus. A previsão de lotes, ou cotas, com disputa
fechada entre MPE, por exemplo, é uma realidade na França, Dinamarca e Lituânia. Por outro
lado, outras experiências internacionais mostram que podemos avançar em estratégias
específicas.
106

Poderia citar algumas dessas experiências?

Nilo Cruz: Em países como Holanda, Bélgica e Hungria, por exemplo, é vedado aos órgãos
exigir das empresas pequenas a comprovação documental de quaisquer informações que
podem ser facilmente conferidas na Internet. Além disso, a ampla divulgação, em grandes
portais na Internet contendo cursos, orientações e informações específicas para estimular a
participação de pequenas empresas nas contratações públicas é uma prática adotada na
Alemanha, Áustria, Irlanda, Lituânia, Reino Unido, França e Itália. Nos Estados Unidos, o
escritório do Small Business Administration, uma agência governamental, faz o mesmo.
Importante destacar que, no Brasil, temos uma tentativa embrionária do Sebrae de
desenvolver algo nesse sentido.
Os limites atuais de enquadramento (R$ 3,6 milhões de receita bruta) são razoáveis? Você
acha que deveríamos ter uma amplitude maior? O aumento para R$ 4,8 milhões previsto
para janeiro de 2018 é adequado?

Nilo Cruz: A formulação de uma política pública passa necessariamente pela definição do
público-alvo dessa política. Por isso é preciso inserir as vantagens às micro e pequenas
empresas nas licitações no contexto da Lei Complementar nº 123/2006, cujo objetivo principal
foi o de garantir, a esse tipo de empresa, tratamento simplificado para fins tributários. Como
consequência, acabou-se por adotar aqui no Brasil o critério do faturamento, que é o
determinante para a caracterização de uma ME ou EPP.
Entendo que o recente aumento da faixa de faturamento para caracterização das empresas de
pequeno porte, que começa a valer a partir de 2018, também teve como finalidade precípua
aumentar o número de empresas aptas a aderir ao Simples, a par de outras medidas tomadas
pelo governo para permitir a adesão de firmas que atuam em atividades específicas, para as
quais a opção ao Simples era historicamente vedada. Portanto, as consequências desse novo
enquadramento para os processos de contratação pública vêm apenas a reboque, sem
grandes discussões específicas.
No entanto, aqui é preciso fazer uma observação pertinente. A fixação do público-alvo da
política de estimulo às MPE em compras públicas com base no faturamento não é uma
exclusividade nossa: é, por exemplo, o mesmo modelo seguido na Argentina e no Chile. Já nos
Estados Unidos e na União Europeia, leva-se em consideração tanto o número de empregados
como o faturamento anual da empresa. No Canadá, o porte da empresa é definido em função
do número de empregados. Ainda que vejamos uma miríade de critérios para a definição do
público-alvo, inexistem estudos nessa área apontando um ou outro modelo como um fator
decisivo para o sucesso ou insucesso da política.
Parece-nos que a política de beneficiar ME/EPP não tem sido aplicada em contratações
diretas por dispensa e inexigibilidade. É possível afirmar isso? Ao conceber a Lei, a União não
deveria ter se preocupado com tais situações?

Nilo Cruz: Você tem razão! Perceba que as vantagens conferidas às ME/EPP na LC 123 são
quase todas voltadas para o processo licitatório: o diferimento de prazo para a regularização
fiscal, o empate ficto, a participação exclusiva a depender do valor estimado, a possibilidade
de subcontratação, e cotas reservadas de disputa. Para as contratações diretas resta a previsão
de que, apenas em se tratando de dispensa feita em função do valor, a compra deva ocorrer
“preferencialmente” junto a uma ME ou EPP.
Numa análise mais apressada, a política parece ter sido concebida adequadamente, afinal de
contas, a nossa Constituição diz que a licitação é a regra, e a contratação direta, exceção, não é
mesmo? Ocorre que no mundo real não é bem assim. Nós todos que trabalhamos de alguma
107

forma com isso, temos de fato uma percepção, ainda que intuitiva, do elevado peso dos
processos de dispensa e inexigibilidade na contratação pública, o que se confirma quando
analisamos algumas estatísticas.
O site do Painel de Compras do Ministério do Planejamento (que contém dados de todos os
órgãos que compõem o SISG, do governo federal), mostra que de 2012 a 2016 os processos de
contratação direta corresponderam a cerca de 80% do quantitativo total de processos
realizados (ou seja, somando-se todos os processos de licitação, dispensa e inexigibilidade). Ele
também nos permite constatar que, no mesmo período, enquanto os valores homologados
decorrentes de contratação direta têm crescido em relação ao total, as dispensas e
inexigibilidades são cada vez menos destinadas às ME/EPP. Em 2016, por exemplo, 60% dos
valores homologados decorreram de contratações diretas; e, no mesmo ano, apenas 1,69% do
valor total homologado em dispensas e inexigibilidade foi destinado a ME/EPP.
É claro que isso exige uma profunda reflexão. Não apenas quanto a esta política de que
estamos tratando aqui, mas inclusive em relação ao processo de compras como um todo.
Hoje, é muito mais fácil para um agente de compras fazer uma dispensa do que conduzir um
processo licitatório completo. Dito de outra forma, se ele tiver a oportunidade de contratar
por dispensa, tenderá a fazê-lo. Além disso, com o passar dos anos as hipóteses de dispensa só
aumentam, enquanto que o processo licitatório, de um modo geral, parece tornar-se mais
burocrático e engessado – veja nesse sentido a quantidade de acórdãos, leis, decretos,
resoluções, instruções normativas e portarias editadas nos últimos tempos. Portanto, acredito
que uma maior participação de ME/EPP no fundo público decorrente de contrações passa
necessariamente, dentre outras medidas, pela extensão, na medida do possível, das vantagens
já conhecidas ou pela concepção de outras específicas para os processos de contratação
direta.
A legislação atual determina que nas licitações por itens haverá a participação exclusiva de
ME/EPP quando o item individualmente não ultrapassar R$ 80 mil. Isso, ao fim, não causa
embaraços à seleção da melhor proposta por parte da Administração Pública?

Nilo Cruz: Do ponto de vista meramente procedimental não vejo grandes problemas. A
inserção de cláusula específica no edital exige menos de 30 segundos para sua digitação e,
além disso, para pregões eletrônicos, basta ao pregoeiro selecionar a opção específica da
vantagem no Comprasnet, sendo que outros sistemas de compras têm dispositivo similar.
Em relação ao preço e à possibilidade de o valor adjudicado ser elevado para a Administração,
é preciso ponderar que a regra da participação exclusiva comporta exceções, e uma delas é
justamente quando a sua aplicação não for vantajosa para a Administração, no caso, por
exemplo, de resultar em preço superior ao valor estimado.
Permita-me trazer aqui um dado preocupante: na publicação Infográficos, de 2016, a empresa
de consultoria Negócios Públicos informa que, dos itens estimados em até R$ 80 mil licitados
por pregão em 2015 através do SIASG, que representam 94% do total, 59% não foram
disputados exclusivamente entre ME/EPP. Portanto, mesmo diante da regra que obriga a
participação exclusiva nesses casos, a política parece enfrentar alguma resistência na sua
implementação.
No caso de serviços contínuos, como interpretar a destinação da contratação para ME/EPP?
Deve-se levar em conta um ano ou a totalidade possível da contratação (60 meses)?

Nilo Cruz: No ano passado, o TCU decidiu que, em se tratando de licitações para a contratação
de serviços contínuos, o valor estimado de até R$ 80 mil previsto na LC 123 determinante à
participação exclusiva de ME/EPP refere-se a um exercício financeiro tomado isoladamente e,
como este tipo de contrato pode ser prorrogado por até 60 meses, a participação exclusiva
108

seria devida para contratos estimados em até R$ 400 mil ao final desse período, respeitado o
limite anual de R$ 80 mil.
De acordo com essa decisão, deve-se levar em conta não apenas o período inicial da vigência,
mas a possibilidade de prorrogações sucessivas. Portanto, importa saber o valor estimado para
todo o contrato, projetando-se ao limite a prorrogação prevista, se houver.
Por exemplo, havendo vigência inicial de 12 meses, com possibilidade de prorrogação por mais
seis, teríamos um total de 18 meses. Portanto uma estimativa de preços de até R$ 120 mil
ensejaria a participação exclusiva de ME/EPP no certame.
Essa é uma questão bem interessante, porque é um exemplo de como um agente envolvido na
implementação da política pode atuar também de modo a torná-la mais efetiva. Caso o TCU
tivesse decidido que o limite de R$ 80 mil se refere a todo o período de vigência do ajuste, a
possibilidade de aplicação prática dessa vantagem seria bastante reduzida: por exemplo, num
certame visando à contratação de serviço com vigência total prevista de 60 meses (incluídas as
prorrogações), gastos anuais estimados superiores a R$ 16 mil culminariam na ampla disputa,
com a possibilidade de participação de empresas maiores.
Quanto ao enquadramento: o papel desempenhado pela Receita Federal deve ser ativo? Ou
a própria empresa é que deve se incumbir de informar o seu desenquadramento? Cabe à
Administração averiguar eventuais fraudes?

Nilo Cruz: O desenquadramento da condição ME/EPP pelas juntas comerciais é efetuado a


partir de declaração específica apresentada pelo empresário ou sociedade empresária. Num
certame presencial, uma empresa pode apresentar qualquer um dos dois documentos a seguir
para indicar sua condição de ME/EPP: declaração unilateral, ou certidão emitida pela junta
comercial. A apresentação pode ocorrer inclusive na fase de credenciamento, para informar à
administração desde então que se trata de empresa que goza das vantagens da LC 123. Tais
expedientes, obviamente, devem ser contemporâneos ao momento da realização da licitação.
Em pregões eletrônicos, na maioria dos sistemas, a exemplo do Comprasnet, na tela de
inclusão da proposta inical há um campo que deve ser selecionado pelas ME/EPP para
informar tal condição. Em todos os casos acima, no entanto, tais declarações, bem como a
certidão da junta comercial, gozam apenas de presunção relativa, ou seja, admitem prova em
contrário.
Se num pregão, por exemplo, o licitante declarou-se ME, mas no envelope de habilitação
apresentou DRE na qual consta faturamento R$ 7 milhões no ano anterior, o pregoeiro deve
levar isso em consideração. O procedimento recomendado seria então alijá-lo imediatamente
do certame, e comunicar tal fato ao gestor, que é o agente apto a determinar a abertura de
procedimento administrativo visando à aplicação de penalidade, observado o contraditório e a
ampla defesa.
Além disso, em função do crescente número de empresas que se declaram ME/EPP sem reunir
as condições de enquadramento, o TCU vem recomendando, há bastante tempo, que o agente
de compras efetue consultas a Portais da Transparência, com o objetivo de verificar se o
somatório dos valores das ordens bancárias recebidas pelos licitantes, relativas ao seu último
exercício, extrapola o faturamento máximo permitido, de sorte a permitir a utilização dos
benefícios da LC 123 somente a empresas que se enquadrem, de fato, na condição de ME ou
EPP.
O TCU também tem recomendado, amiúde, a realização de diligência, por meio de solicitação
à licitante para que apresente documentos contábeis aptos a demonstrar a correção e a
veracidade de sua declaração de qualificação como ME/EPP.
109

Quanto ao papel da Receita Federal, uma maior integração entre seus sistemas, o Comprasnet
e as juntas comerciais, poderia, em parte, mitigar esses casos de fraude. Digo “em parte”
porque acredito que na maioria das vezes, e pelo que vi em 12 anos como auditor da CGU, a
declaração falsa e o enquadramento fraudulento na junta comercial geralmente vêm
acompanhados de balanços adulterados e omissão de receita. E, para resolver isso, não vejo
outra saída senão o incremento da fiscalização.
Tem se tornado comum, a partir de evidências extraídas da jurisprudência, que muitas
empresas se declarem como de pequeno porte sem o serem. Em sua opinião, as penalidades
aplicadas pelos órgãos de controle, em especial, as declarações de inidoneidade aplicadas
pelo TCU, são efetivas como meio de impedir a repetição de tal comportamento por parte
das empresas?

Nilo Cruz: Não acredito que tenha um efeito pedagógico geral. Mesmo reconhecendo todo o
esforço do TCU nos últimos anos em coibir tal prática, o número absoluto de empresas
cumprindo essa sanção em decorrência de fraudes diversas não chegavam a 190 em 26 de
fevereiro deste ano. Infelizmente, nos órgãos de controle em geral, como TCU, CGU, MPF, há
uma inegável limitação de ordem operacional.
Assim como me parece também que o crescimento da divulgação dos casos em que essa
fraude é identificada não tem um condão de inibi-la de modo efetivo.
Além disso, nos estados e principalmente nos municípios, em função da falta de
profissionalização dos agentes à frente do processo de compras (equipes que mudam a cada
gestão), não existe uma cultura de abertura e condução de processos de apenação, inclusive
diante de casos grosseiros de fraude ao processo licitatório, como o indicado.
Veja também que com o advento da Lei nº 13.303/2016, as empresas públicas e sociedades de
economia mista não poderão mais aplicar a inidoneidade prevista na Lei nº 8.666/1993,
podendo adotar, no máximo, a suspensão, gerando restrições à empresa sancionada apenas
perante a própria estatal.
De qualquer modo, os agentes de compras devem fazer pesquisas junto ao site do TCU, assim
como no CEIS (mantido pela CGU), e no Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de
Improbidade Administrativa (mantido pelo CNJ), para certificar-se de que as empresas
participantes do certame não estão cumprindo nenhuma sanção que as impeça de contratar
com o poder público. Inclusive há vários acórdãos do próprio TCU nesse sentido.
Mesmo se deparando, eventualmente, com uma sanção que não gera efeitos perante o órgão
promotor do certame, o agente de compras estará ciente dos riscos da participação de
determinada empresa, e terá um bom direcionador para as suas diligências.
No caso de a empresa alegadamente ser de pequeno porte sem deter tal condição: é preciso
que o resultado (fraude ao processo) seja atingido para que uma eventual punição seja
aplicada à empresa fraudadora?

Nilo Cruz: Em diversas oportunidades o plenário do TCU tem decidido que em geral, a fraude
em licitações, e em particular, a simples participação de empresa em certames exclusivos ou
com outros benefícios para ME/EPP, por meio de declarações falsas, comporta a aplicação da
inidoneidade, ainda que o licitante fraudador não tenha sido contratado ou não tenha havido
dano ao erário. Nesse sentido, vale a pena citar o Acórdão nº 1.794/2014, em que essa tese é
confirmada, tendo o tribunal apenas reduzido o prazo da inidoneidade inicialmente aplicado,
de seis meses, para três meses, pelo fato de a empresa não ter vencido o certame.
110

A partir de quando deve ser computado o prazo de cumprimento de eventual punição


aplicada a empresa declarada inidônea pelo TCU, em razão de ter se valido indevidamente
da condição de ME/EPP?

Nilo Cruz: O Acórdão nº 348/2016 – Plenário tem caráter normativo e trata da sanção de
inidoneidade prevista na lei orgânica do TCU. A contagem do prazo de cumprimento da sanção
inicia-se com o trânsito em julgado da condenação.
Nilo Cruz Neto é formado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Maranhão e
Administração Pública pela Faculdade São Luís. Tem Mestrado em Políticas Públicas pela
Universidade Federal do Maranhão e é Doutorando em Políticas Públicas pelo Instituto
Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), em Portugal. Ocupa o cargo de Auditor da Controladoria-
Geral da União. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

Sandro Bernardes é formado em economia pela Universidade Federal do Maranhão. Ocupa o


cargo de Auditor do Tribunal de Contas da União desde 2001. Instrutor do Instituto Serzello
Corrêa-TCU na disciplina de licitações e contratos. Ministra capacitações sobre licitações em
instituições privadas e cursos preparatórios para concursos públicos. Palestrante da Escola
Nacional de Administração Pública.
29. Entrevista sobre licitações e contratações da Administração Pública com Marçal
Justen Filho, 20/03/2017

• Perguntas elaboradas pela professora Marinês Restelatto Dotti.

O art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013 (lei anticorrupção), prevê um elenco de condutas que
configuram atos lesivos à administração pública, algumas relacionadas a licitações e
contratos. Na sua opinião, o elenco indicado no referido dispositivo é exemplificativo ou
exaustivo?
Marçal Filho: O elenco do art. 5º da Lei 12.846 é exaustivo, mas apenas para os fins da
disciplina prevista no referido diploma. Ou seja, existem outras hipóteses de condutas ilícitas,
sujeitas a reprovação, não previstas no referido art. 5º. Essas outras manifestações de ilicitude
se subordinam a regime jurídico distinto. Deve-se ter em vista que o regime da Lei 12.846
envolve uma responsabilização diferenciada e peculiar, caracterizada pelo sancionamento não
apenas à própria pessoa jurídica em cuja órbita foi praticada a conduta reprovável, mas
também a outras sociedades (controladoras, controladas e coligadas). Essa responsabilização
objetivada e ampla somente incidirá nas hipóteses em que o ilícito for subsumível às hipóteses
do art. 5º. Em síntese, não se trata de uma limitação do sancionamento por ilicitude, mas de
limitação da incidência do regime sancionatório diferenciado previsto na Lei 12.846.
Quais seriam os principais mecanismos e procedimentos internos a serem adotados pela
pessoa jurídica de direito privado que participa de licitações e contratações promovidas pela
administração pública, para o efeito de impedir desvios, fraudes ou irregularidades nesses
processos?
Marçal Filho: É inviável formular uma resposta exaustiva para a pergunta apresentada. Em
primeiro lugar, não se afigura possível que condutas adotadas exclusivamente no âmbito das
empresas privadas propiciem o desaparecimento de desvios, fraudes e irregularidades nos
processos licitatórios e de contratações públicas. O sucesso nessa empreitada depende da
atuação conjunta do Poder Público (inclusive do Poder Judiciário) e do setor privado. Basta um
exemplo para evidenciar a dimensão do problema. É muito usual o setor público criticar a
pluralidade de oportunidades para interposição de recursos administrativos no âmbito do
procedimento licitatório. Mas o recurso é um dos instrumentos para o particular opor-se à
111

prática de irregularidades no âmbito de licitações e contratações administrativas. Não significa


que todo recurso é procedente, mas implica a necessidade de assegurar amplamente o
exercício do direito de o particular insurgir-se contra qualquer ação ou omissão lesiva a seus
interesses. Ou seja, o primeiro ponto reside em que o setor público e o setor privado devem
atuar de como conjugado para combater a fraude. Em segundo lugar, a atuação isolada de
cada empresa licitante é insuficiente para eliminar as fraudes. Será irrelevante a adoção de
mecanismos internos de controle absolutamente eficientes em prevenção de fraudes por
todos os licitantes menos um. A generalização dos mecanismos de combate à fraude não
produzirá efeitos satisfatórios se não for praticada de modo absoluto. Significará muito mais
facilitar a atuação dos desonestos. Ou seja, o grande risco é os oportunistas aproveitarem a
honestidade dos demais competidores para obterem vantagens indevidas. Enfim, isso não
elimina a necessidade de que cada empresa estabeleça, de modo institucional, a proscrição de
práticas fraudulentas e viciadas. Isso envolve, antes de tudo, uma decisão empresarial formal,
que seja traduzida em organização e procedimentos internos apropriados. Isso envolve um
sistema de freios e contrapesos no âmbito da iniciativa privada, muito semelhante ao que é
reputado como peculiar aos regimes democráticos de governo estatal. É imperioso eliminar o
poder absoluto no âmbito da empresa privada. É tradicional afirmar que “o poder tende a
corromper, e o poder absoluto corrompe de modo absoluto...”. Esse provérbio deve ser
aplicado não apenas no âmbito do Estado, mas também da empresa privada. Isso significa a
exigência de uma sistemática de “separação de poderes” também no âmbito das empresas
privadas. Nenhum acionista, ainda que majoritário, pode acumular todas as atribuições. É
indispensável a dissociação das competências internas e a criação de estruturas
organizacionais que permitam que o poder (privado) controle o próprio poder (privado). Isso
envolve a criação de órgãos de controle ao interno da empresa, que não apenas impeçam, mas
também identifiquem imediatamente as condições necessárias à prática de corrupção, o
desvio de recursos e outras irregularidades semelhantes. Portanto, a macroempresa privada é
uma estrutura social apta a acumular enorme quantidade de poder, o que exige a imposição
de instrumentos de controle e limitação.
Há alguma legislação estrangeira a que o Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013, que
almeja revogar a Lei nº 8.666, de 1993, a Lei nº 10.520, de 2002 e os arts. 1º a 47 da Lei nº
12.462, de 2011, pode inspirar-se? Quais aspectos dessa legislação poderiam ser
incorporados ao sistema brasileiro de licitações e contratações da administração pública?
Marçal Filho: O sistema de licitações e contratações públicas vigente no Brasil, previsto nos
diversos diplomas e cogitado nas futuras reformas, é basicamente ineficiente. Tem-se
mostrado inadequado ao longo de décadas. A insistência nesse modelo é uma demonstração
de teimosia, de reiteração dos erros que a nossa experiência comprovou de modo inequívoco.
É usual afirmar que “contra fatos não há argumentos”, um ditado que é ignorado no setor das
licitações e contratações públicas no Brasil. Sou radicalmente contrário a todas as soluções
legislativas vigentes e a todas essas propostas apresentadas que se restringem a modificações
pontuais. Dito isso, é muito problemático buscar soluções no estrangeiro porque o modelo de
Estado no Brasil é inconfundível. Devemos ter em vista que o Estado brasileiro é
extremamente intervencionista e assistencialista, o que acarreta uma enorme quantidade de
contratações públicas – todas precedidas, em princípio, de licitação. Isso não significa
impossibilidade de aproveitamento de experiências estrangeiras. O primeiro aspecto a ser
reformado no direito brasileiro é definição clara e precisa da natureza instrumental da
licitação: a licitação é um meio para atingir certos resultados. O segundo aspecto essencial é a
definição mais precisa dos fins a serem atingidos. O terceiro é assegurar a mais ampla
participação possível dos interessados. E o quarto é reduzir a assimetria de conhecimento, que
conduz a Administração a contratar aquilo que não necessita ou comprar extremamente mal,
mesmo quando paga pouco. Em todos os países do mundo, existem mecanismos de adaptação
contínua nos processos licitatórios, visando realizar esses objetivos. Esses mecanismos se
traduzem na redução do autoritarismo dos procedimentos e na utilização mais intensa possível
112

dos mecanismos de mercado para benefício dos interesses a serem satisfeitos pela
Administração Pública.
Considera que a Lei nº 13.303, de 2016, a qual dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa
pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, trouxe significativos avanços no âmbito das
licitações e contratações promovidas por essas entidades?

Marçal Filho: Sim, em termos. A ilusão de que uma lei resolve os problemas práticos é,
geralmente, apenas isso: uma ilusão. A dimensão positiva ou negativa da Lei 13.303 não se
resolve no plano abstrato do discurso. Deve ser examinada em vista da realidade prática. Não
podemos ignorar o exemplo que nos foi proporcionado pela experiência da Petrobras – sobre
a qual me manifesto nos limites dos fatos divulgados pela imprensa. A Petrobras adotou um
Regulamento próprio, que já incorporava muitas das “conquistas da Lei 13.303”. Isso não
impediu os desvios que têm sido noticiados continuamente pela imprensa. Não se diga que os
desvios foram propiciados pela sistemática do Regulamento interno. Outras entidades, que
seguiam a Lei 8.666 e a sistemática tradicional, também estão envolvidas em corrupção e
irregularidades. Ou seja, é impossível eliminar a corrupção mediante apenas uma nova lei de
licitações. Com alguma ousadia, eu afirmaria que qualquer modelo licitatório poderia
funcionar satisfatoriamente se o contexto institucional público e privado assegurasse a
ausência de corrupção e impedisse a pura e simples incompetência. Voltando à Lei 13.303, ela
propicia uma margem de autonomia muito significativa para as empresas estatais
exploradoras de atividade econômica. Mas isso exigirá uma enorme dose de energia,
dedicação e comprometimento das empresas estatais. Caberá a cada empresa desenvolver as
soluções mais apropriadas para as suas necessidades e características. O grande desafio é a
tentação a promover a ultratividade da legislação anterior. Isso se verifica quando os
aplicadores da lei nova adotam interpretação que implica a preservação da lei antiga, já
revogada. No caso concreto, o problema é o risco de que a Lei 13.303 seja interpretada e
aplicada à luz dos entendimentos predominantes antes de sua edição.
De acordo com a Lei nº 13.303, de 2016, é dispensável a realização de licitação por empresas
estatais para obras e serviços de engenharia de valor até R$ 100.000,00 (cem mil reais) e
para outros serviços e compras de valor até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Ditos valores
podem ser alterados, para refletir a variação de custos, por deliberação do Conselho de
Administração da empresa pública ou sociedade de economia mista, admitindo-se valores
diferenciados para cada sociedade. Quais critérios, inclusive no tocante à periodicidade,
podem ser adotados pelo Conselho de Administração para o efeito de alterarem-se esses
valores?

Marçal Filho: A pergunta reflete o enfoque típico vigente entre nós no atual modelo licitatório.
Trata-se de uma manifestação daquela tendência a interpretar a lei nova à luz da lei antiga.
Veja-se: não se trata de criticar a pergunta, nem de afirmar que ela é equivocada. Muito pelo
contrário, essa questão poderá apresentar enorme relevância prática, especialmente em vista
de potencial preocupação dos órgãos de controle. O ponto fundamental reside em que a
finalidade da Lei era remeter a solução desse tipo de questão a cada empresa estatal, à qual
incumbiria avaliar as suas peculiaridades e determinar a solução mais adequada. Esse tipo de
solução é um rompimento com a nossa tradição. O modelo vigente exige soluções
predeterminadas, padronizadas, que sejam praticadas por toda e qualquer entidade, mesmo
que absolutamente incompatíveis com as suas circunstâncias. Portanto, a pergunta reflete
uma dose de espanto do intérprete, que fica até chocado com a ausência de uma “norma geral
uniforme e imutável, a ser aplicada de modo geral por toda a Administração Pública”.
Voltando à pergunta. No direito brasileiro, é vedada a vinculação automática de valores
monetários nominais à variação inflacionária. Portanto, o fenômeno da inflação não autoriza,
113

como regra, o reajuste automático de valores monetários nominais. Essa questão foi discutida
pelo próprio STF, no RE 565.089, a propósito do art. 37, inc. X, da CF/88 (que determina que o
valor da remuneração dos servidores públicos será reajustado periodicamente para fazer face
à inflação). Portanto, os valores monetários nominais não são reajustados de modo
automático. Por outro lado, a variação de valores monetários subordina-se às regras gerais
vigentes em nosso sistema desde a implantação do Plano Real. Se não existe autorização
legislativa para alteração automática dos valores em virtude da inflação, existe uma vedação a
que os valores sejam alterados em período inferior a doze meses. Essa é a regra geral. Ocorre
que o valor para dispensa de licitação não se confunde com um montante financeiro a ser
liquidado em favor de um sujeito. Consiste apenas numa ponderação quanto ao valor de
contratações que justifica a realização de licitação. Ora, o valor da contratação é uma
decorrência (também) dos custos necessários à execução da prestação necessária à satisfação
do interesse da parte. A Lei 13.303 reportou-se à variação dos custos, sem estabelecer regras
rígidas e rigorosas, a serem observadas de modo automático. Essa foi uma opção legislativa. Se
a Lei 13.303 pretendesse adotar regras rígidas, é evidente que outra teria sido a solução
consagrada. Em suma, a Lei autorizou soluções heterogêneas e variáveis, cuja configuração
depende das circunstâncias do mercado e das características das contratações de cada setor
de atividades exploradas pela empresa estatal. Foi fixado um valor limite máximo no momento
inicial, a ser observado pelas empresas estatais. Esse valor nominal pode ser elevado em vista
da constatação de que, com o decurso do tempo, o valor real passou a ser mais elevado – seja
em virtude da inflação geral, seja em vista de circunstâncias diferencias específicas. Existe uma
margem de discricionariedade para cada empresa alterar os limites de contratação direta. Mas
isso não significa existência de discricionariedade em sentido próprio. Não é admitida uma
valoração sobre conveniência e oportunidade para fixação de valores de dispensa dissociados
da disciplina prevista na Lei 13.303. É necessário evidenciar que os custos sofreram variações,
de modo que a preservação do valor real previsto na Lei 13.303 exige a elevação do valor
nominal. Indo avante, não é inadequado reportar-se à distinção entre reajuste e revisão,
tradicional no âmbito dos contratos administrativos. Tomando por base essa distinção, pode-
se afirmar que as variações decorrentes de inflação generalizada somente autorizam o
reajuste do limite do valor de dispensa a cada doze meses. Mas não é vedada a revisão do
valor, nos casos de variações imprevisíveis e específicas, de cunho extraordinário.
Qual a sua opinião sobre a adoção preferencial da modalidade pregão nas licitações
promovidas pelas empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias,
unicamente nas aquisições de bens e serviços comuns? Em vista da economicidade e
celeridade processual, já mensuradas, decorrentes da utilização do pregão, entende
defeituoso o dispositivo da Lei nº 13.303, de 2016, cujo texto não estendeu a utilização da
modalidade também para obras de engenharia consideradas comuns?

Marçal Filho: É verdade que a aplicação do pregão não se vincula à qualificação de um objeto
contratual como serviço ou obra de engenharia. O ponto central é a existência de um objeto
comum. Portanto, não vejo impedimento à utilização do pregão, mesmo para obras e
(especialmente) serviços de engenharia, quando o objeto for comum. Mas há outro aspecto a
ser considerado. A pergunta reflete um dilema enfrentado pela Administração Pública
diuturnamente, sem que exista uma consciência precisa do problema. Passou a ocorrer uma
dissociação entre os setores administrativos encarregados de promover a licitação e aqueles
investidos da gestão dos contratos. Portanto, o fim buscado pelo “departamento de licitações”
é realizar a licitação mais rápida e com menos incidentes, com uma contratação imediata.
Quando isso acontece, o “departamento de licitações” reputa ter cumprido as suas
atribuições. Ocorre que concluir uma licitação rapidamente não significa necessariamente que
foi obtido o melhor contrato possível. Dito de outro modo, é inquestionável que o pregão
propicia licitações mais rápidas e redução de desembolso para a Administração. Mas daí não
se segue que exista comprovação de que todo e qualquer contrato resultante de pregão é
114

satisfatório. A questão se relaciona com o que eu denomino de “mutação dinâmica da


proposta”. Num pregão, o licitante vai alterando a consistência de sua proposta à medida que
reduz o preço. A redução da oferta é refletida na diminuição do custo do particular. Então, o
objeto ofertado pelo licitante ao final do pregão não é o mesmo que ele cogitara ao apresentar
a proposta. Portanto, a Administração convive com prestações destituídas da qualidade
necessária porque o preço obtido é inferior ao necessário a assegurar uma prestação
adequada. Esse é o motivo da restrição do uso do pregão para objetos comuns. A sistemática
do pregão é adequada para contratação em que o padrão de qualidade do objeto licitado é
padronizado, insuscetível de variação, em virtude das circunstâncias do próprio mercado. Em
tais hipóteses, não se verificam os riscos da seleção adversa. Essa minha ponderação não
significa rejeitar a modalidade do pregão. Minha crítica é dirigida à “compulsão do pregão”,
digamos assim. Trata-se da suposição de que o pregão sempre e em todos os casos seria uma
solução adequada. Pode ser mais fácil e mais rápido fazer pregão, mas isso não significa que o
pregão deveria ser adotado sempre. Os economistas, há muito tempo, identificaram um
fenômeno chamado de “seleção adversa”, relacionado à chamada “assimetria de
conhecimento”. Basicamente, significa que uma contratação realizada com base no menor
preço absoluto, versando sobre um objeto de qualidade desconhecida, resulta como regra em
uma operação não vantajosa. O comprador paga valor superior àquele necessário à obtenção
do produto adequado. O tema é muito complexo e toda essa avaliação foi desenvolvida para
justificar o entendimento de que o pregão não é uma solução mágica para a Administração
Pública. Deve ser utilizado com uma cautela muito maior do que tem ocorrido na prática. No
caso específico da indagação, a Lei 13.303 rejeitou soluções formalistas, padronizadas e
obrigatórias, que possam resultar em desastres – desastres esses com os quais a
Administração vem convivendo e que precisam ser evitados.
Recentemente o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União
(CGU) divulgou avaliação dos resultados alcançados pelo Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes - DNIT, decorrentes da adoção do regime diferenciado de
contratações públicas (Lei nº 12.462, de 2011), recomendando a essa entidade sua utilização
de forma preferencial. Na sua opinião, o regime diferenciado de contratações públicas tem
potencial para ser o regime jurídico de licitações e contratações da administração pública?

Marçal Filho: Uma resposta muito simplista seria afirmar que, no atual cenário, as soluções da
Lei 8.666 e da Lei 12.462 são tendencialmente equivalentes. Alguns defeitos intrínsecos e
essenciais do regime anterior são mantidos no âmbito da Lei 12.462. Basta considerar que as
regras sobre habilitação da Lei 8.666 continuam aplicáveis. É claro que a Lei do RDC confere
uma margem muito mais adequada de autonomia à Administração para configurar um
procedimento licitatório compatível com o objeto licitado. Mas vou insistir com um aspecto
essencial do problema, que continua a ser menosprezado: um dos aspectos essenciais das
dificuldades da Administração Pública não se relaciona com o regime jurídico da licitação, mas
da contratação administrativa. A Lei 12.462 manteve o mesmo regime de contratação
administrativa herdado do Dec.-lei 2.300. São concepções anteriores à Constituição de 1988 e
que foram concebidas para um Brasil muito diferente do atual. Nem existiam empresas
privadas com a dimensão das que existem hoje. Aplica-se aquela velha comparação: colocar
um motor de Ferrari em um Fiat Uno não vai produzir bons resultados. Esse é o enfoque com o
qual temos convivido: tentativas contínuas de aperfeiçoar o procedimento licitatório, sem a
modernização compatível do regime contratual.
O art. 6º da Lei nº 12.462, de 2011, o art. 34 da Lei nº 13.303, de 2016, e o art. 21 do Projeto
de Lei do Senado nº 559, de 2013, preveem o sigilo do orçamento estimado do contrato, o
qual será disponibilizado estritamente aos órgãos de controle externo e interno. Qual a sua
opinião a respeito do sigilo frente ao disposto no art. 3º e no art. 7º, inciso VI, da Lei nº
12.527, de 2011 (lei de acesso à informação)?
115

Marçal Filho: Sempre fui contra essa orientação de sigilo do orçamento estimado. Não consigo
me convencer de que a divulgação prévia do valor do orçamento é um incentivo à elevação
dos preços. Essa é uma tese que demanda prova concreta, a qual somente poderia ser
produzida mediante experimentação concreta – que não existe. A minha proposta sempre foi
a de ampliar ao máximo a competição. Quanto maior o número de competidores, tanto menor
é o preço obtido: essa é uma lei do mercado, que não me parece ser questionável. Havendo
competição satisfatória, é irrelevante o conhecimento do valor do orçamento. Mas a minha
maior discordância com o sigilo é o risco de corrupção. Quem conhecer o valor do orçamento
adquire uma vantagem indevida na competição. Há um segundo problema, que envolve
hipóteses em que o orçamento apresenta defeitos, que o tornam inexequível. A ausência de
divulgação torna impossível a revelação dos defeitos. Enfim, existe uma outra questão, que é
surreal: se a melhor oferta for superior ao valor do orçamento, inicia-se uma negociação para
redução do seu valor sem divulgação do referido valor. De todo modo, acho que a solução
legislativa do sigilo do orçamento, embora incorreta (perdoem-me a sinceridade), é válida. A
Lei de Acesso à Informação é uma lei federal, de hierarquia normativa idêntica à das leis de
licitação. A exigência de sigilo do orçamento consta de leis federais posteriores à própria Lei de
Acesso à Informação. Portanto, é necessário aplicar a exigência do sigilo do orçamento.
Como os órgãos de controle, interno e externo, podem auxiliar a administração pública a
efetivarem contratações mais eficazes?

Marçal Filho: Não me parece que a efetivação de contratações mais eficazes dependa
especificamente de alguma atuação adicional dos órgãos de controle. Existe, no entanto, um
distanciamento significativo entre a chamada “administração ativa” e a atividade de controle.
Isso se deve a vários fatores, entre os quais a própria incerteza quanto à natureza específica e
os limites das competências dos órgãos de controle, interno e externo. Isso se traduz em
regime jurídico indeterminado, que não está consagrado de modo preciso e exato no direito
positivo. Dou um exemplo concreto: há tendência no âmbito do TCU à consagração da tese da
ausência de efeito de coisa julgada material às suas decisões. Não existe regra legal específica
sobre o tema e isso proporciona efeitos dramáticos. Por outro lado, prevalece muitas vezes o
entendimento de que a função do órgão de controle é “assegurar a supremacia do interesse
público”. Embora ninguém consiga determinar o que isso significa, há uma tendência a
resolver todas as controvérsias a favor do Poder Público, tal como se a violação da ordem
jurídica pudesse ser compatível com o interesse público nas hipóteses em que o lesado é o
particular. Ora, para haver contratação eficaz é indispensável ampliar a competição e exigir
que a disciplina contratual seja estritamente observada – não apenas nos casos em que exista
uma garantia em favor da Administração. Tem-se falado que a situação atual conduzirá à
invasão do mercado de contratações públicas por empresas estrangeiras. Ora, nenhuma
empresa estrangeira séria se disporá a participar de um mercado em que as condições
contratuais não sejam estritamente observadas. Mas existem sugestões práticas e concretas a
serem feitas. A primeira e mais urgente necessidade é a padronização dos entendimentos. Não
é possível que cada contratação seja subordinada a padrões hermenêuticos distintos,
provenientes de órgãos diversos. Se a AGU adota um entendimento e o TCU, outro, o gestor se
encontra numa situação paradoxal, em que coexistem dois universos jurídicos distintos, cada
qual com as suas regras próprias. A segunda exigência é a estabilidade dos entendimentos.
Isso não significa um engessamento das orientações, mas a vedação à aplicação retroativa da
nova interpretação. O rompimento da segurança jurídica acarreta efeitos insuportáveis. A
terceira exigência é a compreensão do contexto em que se encontra o administrador, inclusive
no tocante às necessidades concretas e as limitações existentes. O órgão de controle precisa
vivenciar a situação experimentada pelo gestor, que é muitas vezes dramática. A quarta
exigência é a alocação para os órgãos de gestão de recursos materiais e de pessoal com
qualidade, treinamento e condições equivalentes àqueles proporcionados para os órgãos de
116

controle. A atividade de controle é essencial para assegurar os objetivos constitucionais. Mas a


atividade administrativa essencial não é o controle. A satisfação das necessidades essenciais e
a promoção dos valores constitucionais mais supremos depende da atividade administrativa
ativa. Portanto, os investimentos mais relevantes do Estado devem ser realizados no âmbito
da atividade administrativa finalista.
Considera importante que órgãos e entidades públicas promovam a segregação de funções
em seus processos de licitação e contratação?
Marçal Filho: Essa é uma questão complicada, porque acarreta enorme risco de
desorganização prática. Acho extremamente nocivo atribuir a autoridades diversas as
atribuições de licitar, contratar e gerenciar o contrato. O resultado prático é atroz. Há um
pregoeiro encarregado de conduzir milhares de licitações, com objetos os mais variados
possíveis. Cabe-lhe resolver os incidentes sobre os requisitos de habilitação e sobre as
propostas. Mas o pregoeiro conhece apenas as características do sistema eletrônico. A
dissociação de atribuições produz o risco de transformação da licitação em um fim em si
mesmo. Então, o objetivo buscado pela autoridade licitatória será concluir o certame, mesmo
que o objeto contratado seja imprestável. Dito de outro modo, torna-se muito complexa uma
avaliação uniforme da “eficiência” da atividade administrativa. O resultado prático tende a ser
a contratação de objetos inadequados, inservíveis ou defeituosos. Acho indispensável que a
licitação seja conduzida por pessoal que detenha conhecimento sobre o objeto a ser adquirido.
Em termos figurados, o sujeito que vai tomar o cafezinho tem o poder-dever de acompanhar a
licitação para compra do pó de café. Ou seja, a especialização de atribuições não pode
conduzir à fragmentação da atividade administrativa. A eficiência nas contratações depende
de que o processo na sua integralidade seja vinculado à satisfação da efetiva necessidade
administrativa. Acho recomendável a especialização, mas não a segregação das atividades.
Somente desse modo será ampliada a eficiência na utilização dos recursos públicos.
Marçal Justen Filho é formado em Direito pela UFPR, mestre e doutor em Direito do Estado
pela PUC-SP. Foi professor titular da Faculdade de Direito da UFPR de 1986 a 2006, Visiting
Fellow no Instituto Universitário Europeu (Itália) e Research Scholar na Yale Law School (EUA).
É autor de diversos livros, sendo os mais conhecidos Comentários à Lei de Licitações e
Contratos Administrativos, Curso de Direito Administrativo, Pregão, Comentários ao RDC,
Teoria Geral das Concessões de Serviço Público e o Direito das Agências Reguladoras
Independentes. É membro do Conselho Editorial da Revista do Tribunal Regional Federal da
Primeira Região.
Marinês Restelatto Dotti é especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela
Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente ocupa o cargo de
Advogada da União. Autora de artigos jurídicos sobre licitações, contratos administrativos e
convênios. Professora nos cursos de especialização em Direito Público da Faculdade IDC
(Instituto de Desenvolvimento Cultural), em Porto Alegre, e especialização em Direito Público
com ênfase em Direito Administrativo da UniRitter - Laureate International Universities, em
Porto Alegre.

30. Entrevista com o Secretário de Controle Externo de Aquisições Logísticas do TCU,


Frederico Julio Goepfert Junior, sobre atuação do controle externo nas licitações no Brasil;
27/03/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Ciro Campos Christo Fernandes.

Como você definiria o papel do controle externo nas licitações públicas, considerando o
processo das compras e contratações públicas e suas diversas etapas?

Frederico Goepfert: Primeiramente, penso que o papel do controle externo é de ser o indutor
117

das melhores práticas de governança e gestão nas licitações públicas. Nesse sentido, o TCU
aborda e reforça aspectos de liderança, estratégia e controle a serem exercidas pelas altas
autoridades da Administração Pública, além, é claro, de temas como ética, qualificação,
transparência, análise de riscos e planejamento. Haja vista a importância do assunto, o TCU
editou o referencial de governança pública, que detalha a matéria e que se encontra disponível
em nossa página da Internet. Além desse enfoque, o TCU tem papel relevante no combate a
fraudes em licitações, por meio de da realização de ações fiscalizatórias, inclusive em parceira
com outros órgãos públicos, como CGU, Polícia Federal e Ministério Público. Sob essa
perspectiva, o TCU editou referencial de combate a fraudes e à corrupção, com a finalidade de
disseminar aos gestores públicos de todas as esferas o conhecimento prático que vem sendo
aplicado por organizações públicas e privadas, dentro e fora do Brasil, no combate à fraude e
corrupção, também disponível em nossa página. Não podemos esquecer ainda o papel do TCU
no aprimoramento das contratações públicas por meio de ações pedagógicas e educativas.
Destaco também o papel do TCU como indutor das contratações sustentáveis no país, com a
participação ativa em vários fóruns sobre o assunto. Enfim, são variadas as frentes de atuação
que colocam o controle das aquisições como um dos temas mais importantes de atuação do
Tribunal.
Continuando a questão anterior, qual seria, na sua visão, o papel dos gerentes das áreas de
compras e contratações para que as licitações alcancem os melhores resultados e cumpram
os requisitos legais e normativos?

Frederico Goepfert: Os gerentes das áreas de compras e contratações são ou deveriam ser os
especialistas do órgão no tema, assim, é esperado que eles propiciem na sua esfera de atuação
a aquisição das melhores soluções disponíveis no mercado para o atendimento das
necessidades de contratação informadas pelos setores demandantes. O procedimento de
contratações apresenta alguns riscos, mas, na minha opinião, dois momentos são mais críticos,
os quais devem ser objeto de profundo cuidado pelos gerentes das áreas de compras. O
primeiro é a fase de planejamento. Caso o objeto não seja corretamente definido e
especificado, a licitação está fadada a não atender ao interesse público. O planejamento tem
que ser detalhado, multidisciplinar e, dependendo do objeto, o mercado deve ser ouvido em
audiências públicas. O maior investimento de um gerente de contratações é garantir o
adequado planejamento. Aqui, vale uma observação bem relevante que muitas vezes é
esquecida. O bom planejamento minimiza desperdícios, compra-se apenas o que é necessário,
na quantidade adequada e com a devida qualidade. O segundo momento crítico é a execução
contratual, ou seja, quando do recebimento dos bens e da prestação dos serviços. Muitas
fraudes, desperdícios e desvios ocorrem nesse momento e em alguns casos são de difícil
detecção. Verificam-se problemas desde a inexecução total ou parcial do serviço ou entrega do
bem, como também no fornecimento ou prestação em qualidade bem diversa e inferior ao
que foi contratado. Nesse sentido, o gerente de contratações tem que ter uma equipe de
fiscalização qualificada e em número suficiente para evitar fraudes e desvios. Quem quiser
conhecer mais sobre riscos nas contratações, indico a ferramenta “Riscos e Controles nas
Aquisições”, disponível em nossa página na Internet (www.tcu.gov.br/Selog).
Muitas vezes os gerentes e técnicos responsáveis pelas licitações se queixam da
interferência excessiva do controle externo sobre o seu trabalho: você acredita que há um
problema em relação à definição de papeis institucionais entre o executivo e o controle
externo?
Frederico Goepfert: Não. O TCU não interfere excessivamente nas contratações públicas. É
competência do TCU verificar a regularidade e economicidade das contratações, de ofício ou
provocado por terceiros. Na verdade, uma pequena parte das licitações é julgada pelo TCU.
Penso de maneira contrária. A jurisprudência do TCU ajuda e oferece maior segurança jurídica
aos pregoeiros e demais gestores de contratações.
118

Quais os avanços do Tribunal de Contas da União – TCU em relação à sua capacidade técnica
e institucional para o aprimoramento do controle externo? Podemos considerar que o TCU
acumulou uma grande expertise técnica no assunto, ao longo dos últimos anos, mas o
executivo federal ainda padece das limitações de capacitação e de acesso a informações e
instrumentos de gestão das licitações? Se isto é verdade, é correto concluir que há um
desequilíbrio na relação entre controlador e controlado?

Frederico Goepfert: Licitações e Contratos sempre foi uma matéria na qual o TCU se debruça.
Nesse cenário, o Tribunal realmente tem grande expertise técnica, a qual é diuturnamente
repassada aos gestores de várias maneiras, como, por exemplo, seus boletins de
jurisprudência sistematizada; por meio de eventos , a exemplo dos Diálogos Públicos; por meio
de publicações de cartilhas e outros documentos como “Licitações & Contratos: orientações e
jurisprudência do TCU” e “Riscos e Controles nas Aquisições”; e também pela oferta de cursos
de ensino à distância e presenciais promovidos pela Escola de Controle Externo - Instituto
Serzedello Correa (ISC/TCU). Com essas ações e com o espírito aberto a discussões, o TCU vem
auxiliando na capacitação dos compradores públicos. Além disso, o TCU disponibiliza
aplicativos para smartphones e tablets nos sistemas android e IOS sobre sua jurisprudência,
sobre a pauta das suas sessões, por exemplo. Nesse sentido, vejo, hoje, o TCU mais como um
parceiro dos bons gestores, daqueles que buscam alcançar o interesse público de forma legal,
eficiente e econômica, do que um simples controlador, papel esse que está em consonância
com a nossa missão que é aprimorar a Administração Pública em benefício da sociedade por
meio do controle externo. Ressalto, por fim, que a jurisprudência do TCU muitas vezes vem
suprir lacunas nos normativos sobre licitações e contratos e até é indutor de novas
regulamentações sobre o tema, sempre visando ao aperfeiçoamento do processo de
aquisições públicas.
Qual deveria ser a atuação do TCU na normatização das licitações, pensando em termos do
que seria desejável. É frequente o comentário no sentido de que os posicionamentos do
Tribunal têm se tornado, na prática, a normatização efetivamente estabelecida dos
procedimentos de compra e contratação. Você concorda com esta apreciação?

Frederico Goepfert: Como respondido na pergunta anterior, licitações e contratos é uma


matéria diária de nossas ações. Boa parte das despesas públicas são realizadas por meio de
compras de bens e serviços, muitas delas submetidas à apreciação do Tribunal. Como órgão
controlador, é natural, portanto, que o TCU efetivamente seja uma fonte de direito quanto ao
assunto. Os acórdãos do TCU servem, além de decidir o caso concreto, como elemento, repito,
de segurança jurídica aos gestores e compradores públicos. A jurisprudência do TCU sobre o
tema é ampla; as discussões são fundamentadas; e o acesso é bastante fácil. Além das
pesquisas em nosso sítio na Internet, o público externo pode se cadastrar no sistema push do
TCU para receber, semanalmente, boletins de nossa jurisprudência. Tudo rápido e à mão,
bastando estar conectado à Internet.
Com relação especificamente ao controle interno, exercido pela Controladoria-Geral da
União - CGU, como vê o seu papel e a relação com o controle externo?

Frederico Goepfert: As entidades de Controle Interno dos Poderes são parceiras do TCU. A
CGU, no âmbito do Poder Executivo, tem grande importância no sistema de controle brasileiro.
Pela capilaridade de suas ações e pela gama de objetos de controle, com destaque para a
fiscalização de programas de governo e para a preparação das prestações de contas dos
órgãos do Executivo, seu papel como órgão controlador é bastante relevante, apoiando o
controle externo exercido pelo TCU a cumprir sua missão. Destacam-se também suas ações no
fomento à transparência e no combate à corrupção. Em 2016, os laços entre essas instituições
119

ficaram ainda mais fortes com a assinatura de um acordo de cooperação técnica para ampliar
e fortalecer ações integradas, além de promover o intercâmbio de experiências, informações e
tecnologias.
Há uma grande preocupação da sociedade com os aspectos de moralidade, impessoalidade,
transparência e combate à corrupção nas licitações. Precisamos de controles mais rígidos ou
as soluções devem ser buscadas com mudanças no sistema político?

Frederico Goepfert: Penso que as entidades públicas que têm competência para ações de
controle e seu respectivo ferramental de detecção e apuração, como o TCU, a CGU, o
Ministério Público, a Polícia Federal, entre outros, são aptas a realizarem ações de combate à
corrupção. O que pode ser incrementado ainda são mais ações conjuntas dentro do conceito
de “Rede de Controle”. Ações isoladas podem não ser suficientes e efetivas. Por outro lado,
acredito que o aumento da transparência, do controle social, da melhoria da educação do
povo brasileiro, assim como a disseminação de preceitos éticos, possa melhorar o combate à
corrupção em nosso país.
Qual a sua visão sobre o regime das licitações no Brasil em perspectiva histórica: que
avanços foram alcançados e quais os desafios ainda por enfrentar?
Frederico Goepfert: Penso que o arcabouço atual é bastante interessante. Por certo, melhorias
são bem-vindas. Temos, para começar, os preceitos e normas gerais da Lei 8.666/93, que
balizam as licitações e contratos públicos no país. Essa Lei foi instituída em uma época de
clamor contra desvios e corrupção, o que, segundo alguns, regulamentou demasiadamente o
procedimento. Entendo, porém, que, no geral, essa lei é boa. Depois foi criado o Pregão, e falo
especialmente do Pregão Eletrônico, instituto que revolucionou as licitações, dando agilidade e
maior impessoalidade ao certame. As vantagens do Pregão são inegáveis, embora alguns
questionem a qualidade do que é adquirido. Onde isto ocorre, não é um problema do Pregão,
mas, sim, da definição do objeto e dos requisitos habilitatórios e de qualidade definidos na
fase de planejamento e na falta de fiscalização do que é entregue. Para os grandes eventos, foi
instituído o Regime Diferenciado de Contratações - RDC que também traz conceitos
interessantes e alguns polêmicos, como a contratação integrada. Recentemente, foi publicada
a Lei das Estatais que disciplina as contratações para esses entes, matéria ainda com poucos
casos concretos no TCU. Além disso, há Instruções Normativas do Ministério do Planejamento
que disciplinam a contratação e prestação de serviços gerais e de TI. Por óbvio, sempre haverá
elogios e críticas a um ou outro desses normativos, o que não compromete as suas aplicações.
E em caso de dúvidas, o TCU está pronto para enfrentá-las e buscar a melhor interpretação e
solução em prol do interesse público. Vejo como desafios nessa área a busca de normatização
que fomente inovações construtivas e desburocratizantes nas aquisições públicas.
Continuando a questão anterior, como podemos situar o Brasil em relação ao resto do
mundo: temos um bom sistema de licitações públicas?

Frederico Goepfert: O TCU busca acompanhar os exemplos de outros países no que tange a
boas práticas para que possam ser incorporadas, se aplicáveis, em seus trabalhos, sejam eles
consultivos, quando participa de fóruns de discussão inclusive no Congresso Nacional, como
fiscalizatórios. Como já mencionado anteriormente, o arcabouço brasileiro sobre contratações
públicas, na minha opinião, é consolidado e vem atendendo ao que se propõe. Repito, há
sempre espaço para melhorias que podem vir de experiências, inclusive de outros países, mas
não são apenas eventuais alterações legislativas que irão solucionar todas as questões
referentes a compras públicas. Em evento que participamos, promovido pela OCDE, com
diferentes atores responsáveis por contratações de diversos países, verificamos preocupações
assemelhadas a algumas que enfrentamos aqui no Brasil. Destaco, por exemplo, a existência
de debates sobre como adotar critérios de sustentabilidade nas aquisições; a aceitação ou não
120

de selo verde nas licitações; como incentivar o uso de recursos locais e margens de
preferência; como e em quais contratações será franqueada a participação de empresas de
pequeno e médio portes; fazer ou não compras centralizadas; como fazer comprar
compartilhadas. Isso demonstra a complexidade e dificuldade de equacionar o assunto, seja
aqui como lá fora. De outra parte, o TCU acompanha e participa de discussões legislativas
correlatas ao tema contratações públicas, como aconteceu com a Lei das Estatais.
Frederico Julio Goepfert Junior é formado em Agronomia pela Universidade de Brasília. É
Auditor Federal de Controle Externo e ocupa o cargo de secretário de Controle Externo de
Aquisições Logísticas do Tribunal de Contas da União (Selog/TCU). Palestrante e colaborador
da Escola Nacional de Administração Pública.
Ciro Campos Christo Fernandes possui graduação em ciências econômicas pela Universidade
Federal de Minas Gerais (1983), mestrado em gestão (2003) e doutorado em administração
(2010) pela Fundação Getulio Vargas (EBAPE). Atualmente é gestor governamental na Diretoria
de Pesquisa e Pós-graduação Stricto Sensu e professor do Mestrado em Políticas Públicas e
Desenvolvimento da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Suas áreas de interesse
acadêmico e profissional incluem principalmente os temas: gestão pública, governo eletrônico
e compras governamentais.

31. Entrevista com o professor Rafael Sérgio Lima de Oliveira sobre o projeto que altera a Lei
de Licitações e Contratos, PLS 559/2013, 03/04/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Daniel de Andrade Oliveira Barral.

Qual o contexto de criação do PLS nº 559/2013 e qual o estado em que ele se encontra?
Rafael Oliveira: O Projeto de Lei do Senado nº 559/2013 é resultado do trabalho da Comissão
Temporária de Modernização da Lei de Licitações e Contratos, criada pela Presidência do
Senado em 2013, para revisar a legislação vigente relativa à matéria de contratação pública e
propor um projeto no qual houvesse a atualização e a modernização necessárias. Do trabalho
da comissão resultou uma proposta que não foi exatamente essa aprovada pelo Senado, mas
era bem parecida. O processo envolveu diversos atores. O próprio governo também participou
do debate. Há outros projetos tramitando em paralelo, inclusive houve tentativa do Executivo
de levar ao Congresso um texto seu, mas o consenso foi construído em cima do Projeto da
mencionada comissão temporária com algumas alterações. Nesse contexto é que foi
construído o PLS, que foi aprovado pelo plenário do Senado Federal em 13 de dezembro de
2016 e já se encontra na Câmara dos Deputados para a sua deliberação.
A realidade brasileira pede uma nova legislação mesmo depois de alterações decorrentes da
Lei do Pregão e do Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC?

Rafael Oliveira: Entendo que sim. Há alguns anos que uma atualização é pedida, pois de 1993,
ano da Lei nº 8.666, até os dias atuais várias foram as modificações ocorridas na Administração
Pública e no mercado do qual ela se vale. Foram alterados os serviços, os produtos, as formas
de fornecimento, o regime de execução dos serviços, o sistema de garantia dos contratos e
outros pontos mais. Por isso, a Lei nº 8.666/1993 não está adequada aos dias atuais. Para se
ter uma ideia, no âmbito da União Europeia, houve uma significativa alteração em matéria de
contratação pública em 2004, com a Diretiva 2004/18/CE, e esse modelo de 2004 já foi
revisado há três anos com a Diretiva 2014/24/UE. É verdade que o caso da União Europeia é
peculiar, pois se trata de um regime unificado de contratação estatal que ainda está em
construção. Mas, de toda forma, a comparação entre a norma de 2004 e a 2014 demonstra
que a última decorreu da necessidade de modernização, ante os desafios vividos pelo Estado
de hoje. Isso serve para demonstrar o quanto o Brasil necessita se voltar para sua legislação
sobre contratação pública. Mesmo alterações por meio de leis adjacentes, como é o caso da
121

Lei nº 10.520/2002 – a Lei do Pregão – e da Lei nº 12.462/2011 – a Lei do o RDC –, não são
suficientes porque criam microssistemas, mas mantêm a mesma matriz. O ideal, depois de
tanto tempo e de tantas alterações, é a construção de uma nova legislação para a
modernização e compilação, aproveitando, neste ponto, as experiências positivas vividas. Por
isso, percebe-se que a ideia do PLS é a modernização da legislação e a compilação das leis
existentes sobre licitações e contratos. Se aprovado o PLS nº 559/2013, serão revogadas as
Leis do Pregão e do RDC. Assim, deve-se dizer que o PLS traz novas regras e incorpora no
sistema geral institutos que atualmente são válidos apenas para o pregão e para o RDC.
O PLS traz as alterações esperadas pelos especialistas do setor de contratação pública?

Rafael Oliveira: Quanto aos especialistas, esse é um ponto sensível porque sempre há
significativas variações entre o que é o modelo ideal para uns e outros. Não tenho dúvidas que
o PLS, do modo como ele está, avança em relação à legislação atualmente vigente. É verdade
que alguns pontos poderiam ter tido avanços maiores. Aqui pode ser destacado a questão das
parcerias para inovação, as certificações e as rotulagens como requisitos de habilitação e o
critério de julgamento da proposta baseado na relação qualidade/preço. É fato que o Projeto
até enfrenta essas questões em alguma medida, mas não a ponto de solucionar os problemas
hoje já constatados. Um exemplo interessante é a figura do carona no registro de preço. O
Projeto não traz essa figura, mas o § 1º do seu art. 77 diz que a “contratação com base na ata
de registro de preços somente poderá ser efetuada por órgão ou entidade gerenciadora e por
órgão ou entidade participante, salvo em caso devidamente justificado”. Ou seja, depois de
tantas polêmicas sobre o carona, perde-se a oportunidade de enfrentar a questão e se deixa
uma abertura, pois ressalvar a possibilidade de uso da ata por outros que não o gerenciador e
o participante é deixar espaço para que o carona a utilize. O melhor seria uma posição clara do
legislador: ou pode ou não pode, e se possível, por se tratar de um tema sensível,
regulamentar ou remeter a regulamentação para o Executivo. São casos como esses que
poderiam ter tido avanços, mas não houve.
O que o Projeto absorve da Lei do Pregão e do RDC?

Rafael Oliveira: Inicialmente, deve ser notado que o PLS 559 herda uma característica comum
a ambos os procedimentos, que é a inversão da fase de julgamento e habilitação. Como já
ocorre no RDC e no pregão, as demais modalidades de licitação passam a ter a fase de
julgamento antes da habilitação. O novo texto admite que primeiro se realize a habilitação,
mas só em casos nos quais exista a justificativa. Especificamente em relação à Lei do Pregão,
essa modalidade foi incorporada pelo projeto com algumas poucas alterações em relação ao
seu cabimento. No que toca ao RDC, ele não é previsto no PLS como um procedimento
específico. Muitos dos elementos que hoje são característicos do RDC são incorporados às
demais modalidades de licitação. Em outras palavras, a modalidade do Regime Diferenciado de
Contratações Públicas acaba, mas o que lhe era peculiar passa a fazer parte das demais
modalidades. A título de exemplo, é possível citar a contratação integrada, o uso de registro de
preços para obras, o critério de julgamento das propostas de maior retorno econômico para a
figura do contrato de eficiência, o critério de julgamento de melhor conteúdo artístico e a
possiblidade de sigilo do orçamento estimado da Administração.
Quais as novidades que a aprovação do PLS trará ao ordenamento jurídico das contratações
públicas?

Rafael Oliveira: Sobre essa questão é importante fazer um apontamento. Existem diversos
dispositivos do Projeto que representam uma inovação do ponto de vista legislativo, porque se
trata do avanço da lei em regular uma questão sobre a qual ela é omissa até o presente
momento. Entretanto, a novidade legislativa contida no PLS nº 559 nem sempre representa a
122

implantação de uma nova prática na contratação pública brasileira. O critério de julgamento


das propostas com base no maior desconto, por exemplo, em que pese só houvesse legislação
autorizando o seu uso no RDC, já era aplicado no pregão por ser uma forma de alcançar o
menor preço. No projeto o critério de maior desconto passa a ter previsão como um tipo de
licitação, razão pela qual pode se dizer que se trata de uma novidade do ponto de vista da lei,
mas não na prática da licitação. Outro exemplo como esse é o credenciamento, que não tem
previsão legal, mas que já era, ainda que de forma tímida, praticado. Destacaria que a
sustentabilidade deixa de ser uma finalidade, como está hoje na Lei nº 8.666/1993, para se
tornar um princípio. Ainda sobre os princípios, é relevante notar que o Projeto prevê no art. 4º
alguns cuja ausência é sentida na Lei nº 8.666, dentre os quais vale salientar o da motivação.
São constantes os problemas em processos de contratação pública que decorrem da falta de
exposição dos motivos que levaram à decisão. Há uma significativa mudança na distribuição
das modalidades de licitação, com destaque para a criação do diálogo competitivo. Em relação
aos contratos, merece menção a possibilidade de seguro da contratação no qual a seguradora
assume a obrigação de concluir o objeto do contrato caso a contratada falte; e a figura do
contrato de execução continuada para bens e serviços, cuja vigência pode ser de até 5 (cinco)
anos, renováveis por mais 5 (cinco).
Quanto às modalidades de licitação, como fica o PLS nº 559/2013?

Rafael Oliveira: Esse é um ponto muito interessante. O concurso e o leilão são mantidos
praticamente com a mesma configuração presente na Lei nº 8.666/1993. Em relação ao
pregão, se comparado ao modelo atualmente vigente, ele é mantido com algumas poucas
modificações relativas ao seu escopo, pois no PLS ele passa a ser aplicável também para obras
consideradas comuns cujo valor estimado do contrato seja inferior a R$ 150.000,00 (cento e
cinquenta mil reais); e, por outro lado, deixa de ser aplicável às contratações para aquisição de
bens e prestação de serviços consideradas de grande vulto (aquelas superiores a cem milhões
de reais, conforme definido no inciso XX do artigo 5º do PLS) e a contratações de serviços de
engenharia cujo valor estimado seja igual ou superior a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil
reais). O convite é mantido para a adjudicação de contratos de serviços, inclusive de
engenharia, de bens e de obras com características especiais e cujo valor estimado seja inferior
a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). A concorrência fica destinada à adjudicação de
contratos de serviços e de bens não considerados comuns; à contratação de obras e serviços
de engenharia considerados comuns cujo valor estimado seja igual ou superior a R$
150.000,00 (cento e cinquenta mil reais); e às contratações para aquisição de bens e prestação
de serviços consideradas de grande vulto. A grande novidade é o diálogo competitivo, cujo
escopo é, embora a lei não utilize essa expressão, a adjudicação de contratos considerados
complexos.
Ainda sobre as modalidades, muito tem se falado do diálogo competitivo. Quais as
principais características desse procedimento?

Rafael Oliveira: Realmente, o diálogo competitivo tem sido destacado no Projeto. Trata-se de
um instituto oriundo do Direito Europeu cujo foco inicial foi incentivar os Estados-Membros da
União Europeia a promoverem parcerias público-privadas, as PPP’s. A ideia subjacente nessa
modalidade de licitação é a de que o setor privado pode contribuir para as soluções públicas.
Por isso, ele é apropriado para aquelas situações nas quais o poder público sabe da sua
necessidade, mas não sabe como supri-la. No diálogo competitivo, o objeto da contratação é
concebido no curso da licitação. O procedimento é composto por 3 (três) fases: a qualificação,
o diálogo propriamente dito e o julgamento das propostas. A primeira fase e a última pouco
diferem do que existe na concorrência na forma como regulada hoje, sendo a fase de
qualificação, digamos assim, equivalente à habilitação. Na etapa do diálogo cada candidato
apresenta a sua solução à Administração. Note que aqui é diálogo mesmo, pois cada licitante
123

apresenta sua proposta de objeto do contrato de maneira individualizada para a


Administração. Escolhida a solução, parte-se para o julgamento das propostas, que deve
ocorrer de acordo com um dos critérios de julgamento previstos no PLS nº 559. Essa
modalidade é apta para casos extremamente complexos, sendo, por isso, de aplicação restrita.
Na Europa, poucos são os países que se valem dessa espécie de procedimento, apesar de o
terem positivado no seu direito interno. Ele é bastante utilizado na Inglaterra e na França.
Além disso, é preciso ter atenção na forma como ele está previsto no Projeto, pois possui
algumas inconsistências. Por exemplo, se o Projeto for aprovado como está, o diálogo não
poderá ser aplicado às PPP’s.
O que você nos diria a título de considerações finais?

Rafael Oliveira: Creio que a Administração Pública passa por um momento importante. A
legislação de contratação pública de qualquer nação é fundamental para a qualidade dos
serviços públicos prestados e para a implementação de políticas públicas das áreas econômica
e social. Por isso, é importante que a sociedade, sobretudo aqueles que se envolvem
diretamente com a matéria, se envolva nesse debate para que o PLS possa ser aperfeiçoado na
Câmara. Mas é preciso reconhecer que uma nova legislação não é o bastante. É preciso
qualificar os agentes envolvidos no processo de contratação para gerenciar esse mesmo
processo em busca da qualidade dos resultados de um contrato público.
Daniel de Andrade Oliveira Barral é formado em Direito pela Universidade Católica do
Salvador. Tem Especialização em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp e em
Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente ocupa o cargo de
Subprocurador-Geral Federal da Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União. É
Sócio-fundador e árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES). Desde
2008, atua na consultoria e assessoramento de gestores federais, auxiliando-os nos seus
processos de compras públicas. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração
Pública.
Rafael Sérgio Lima de Oliveira é doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade
de Lisboa, Mestre em Direito e Especialista em Direito Público. Ocupa o cargo de Procurador
Federal da Advocacia-Geral da União (AGU). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de
Administração Pública.

32. Entrevista sobre as Contratações de TI com o professor Diogo da Fonseca Tabalipa,


10/04/2017
Perguntas elaboradas pelo professor Antonio Fernandes Soares Netto.

A Instrução Normativa 4 STI/MP (IN4) completa 10 anos já no ano que vem. Nesse período
ela passou por melhorias e ajudou as organizações a melhorarem o planejamento. Qual foi o
resultado principal que o governo conseguiu com a adoção, uso e disseminação desta
Instrução Normativa em sua opinião?

Diogo Tabalipa: A Instrução Normativa STI/MP 4 é um verdadeiro divisor de águas na


Administração Pública no que se refere às contratações de Soluções de Tecnologia da
Informação (TI). Nesses 10 anos a Norma evoluiu e buscou, a cada nova versão, endereçar
aspectos diferentes que necessitavam de amadurecimento.
Dentre os principais resultados, destaco a melhoria do processo de Planejamento – não só na
elaboração de planos de nível tático para a TI (Planos Diretores de TI), mas principalmente pela
instrução de um rito para elaboração do planejamento da contratação, observando os
124

principais pontos de risco do processo; e a divisão de responsabilidades entre os atores que


participam do Processo de Contratação, dos integrantes aos ficais e gestor do contrato.
Cabe destaque também a valorização e a evidenciação do papel dos gestores de TI e das
decisões que tomam ao longo do processo de planejamento da contratação.
Quais as competências são mais importantes para os servidores que irão atuar como
membros de uma equipe de planejamento da contratação, principalmente quanto ao
integrante técnico?

Diogo Tabalipa: A norma traz, desde sua segunda versão, publicada em 2010, a separação de
papéis e responsabilidades para àqueles que participam do processo de contratação. Nesse
sentido, cada participante – seja integrante, fiscal ou gestor; técnico, requisitante ou
administrativo – tem de ter conhecimento técnico relativamente à sua dimensão de atuação.
No que tange ao Integrante Técnico em específico, para o bom desempenho de suas funções,
é importante que ele conheça da(s) tecnologia(s) que a Solução de TI busca entregar, bem
como, conhecimento do mercado fornecedor e de soluções livres acerca dessas tecnologias.
Como os órgãos do SISP podem se ajudar quando uma contratação de TI em comum precisa
ser feita, visando a economia de recursos?

Diogo Tabalipa: Acredito que, de forma sucinta, o mecanismo mais simples de ajuda mútua
entre órgãos do SISP para viabilização de processos de contratação de objetos em comum seja
a promoção das Contratações Conjuntas.
Uma Contratação Conjunta é um processo licitatório realizado para suprir uma necessidade
comum a diversos órgãos e se dá por meio da celebração de uma Ata de Registro de
Preços tendo vários órgãos participantes.
Com processos dessa natureza, busca-se reduzir os custos de aquisição por meio do ganho em
escala em função dos elevados quantitativos adquiridos, padronização dos itens contratados e
racionalização administrativa, por conta da realização de um único processo centralizado em
detrimento de pequenas licitações feitas órgão a órgão.
Via de regra, os processos de Contratações Conjuntas conduzidos pela STI e pela Central de
Compras possuem quantitativos muito grandes e o tempo e risco de não conclusão são muito
altos.
Acredito que a “pulverização” das Contratações Conjuntas, por meio da realização de
processos com menos órgãos e com menores quantitativos, seja uma estratégia vencedora,
onde se equilibram fatores importantes como o tempo, o risco, padronização, racionalização
administrativa e ganho em escala.
Uma das maiores dificuldades que os gestores possuem é a construção de um processo
coeso, que gere como resultado uma aquisição que resolve um problema, após uma gestão
de contrato bem executada. Muito se falou em simplificar a IN4, mas mesmo com a
diminuição de artefatos (da versão 2010 para 2014), sabe-se que ainda o desejo de alguns
gestores é simplificar ainda mais, para que uma aquisição não seja o gargalo. Na sua opinião
o que pode ser feito pelo órgão normativo para simplificar e tornar a aplicação da IN4 ainda
mais rápida e efetiva?

Diogo Tabalipa: Acredito que a IN STI/MP 4/2014 está em linha com o que estabelece a Lei de
Licitações e que não traz exigências descabidas. Pelo contrário, os elementos constantes do
Termo de Referência, em especial nos artigos 18, 19 e 20, que tratam das responsabilidades
125

das partes, Modelo de Execução e de Gestão do Contrato, trazem um conjunto de orientações


de grande valia para o gestor.
Penso que a adequada solução para melhoria da eficiência e da efetividade das compras
públicas não está necessariamente na simplificação da norma atual, mas na racionalização do
processo de contratação pública, por meio da consecução de outras ações, tais como a
disponibilização de especificações técnicas padronizadas para os objetos mais contratados,
melhoria nos modelos de artefatos existentes, disponibilização de preços de referência (banco
de preços), disponibilização de um banco de artefatos de planejamento da contratação de
contratações exitosas, pulverização das Contratações Conjuntas, entre outros.
Ano passado a STI publicou algumas orientações e vedações específicas. Uma delas diz
respeito sobre a contratação de serviços em nuvem. Já podemos considerar o Brasil como
um país que tem condições de contratar serviços em nuvem no setor público com critérios
claros e objetivos?

Diogo Tabalipa: Pessoalmente, acredito que a discussão acerca da contratação de serviços em


nuvem principalmente no que diz respeito a segurança da informação, hospedagem dos dados
e métricas tem evoluído bastante. Já existem algumas contratações exitosas e o próprio MP
tem trabalhado numa contratação para prover esse tipo de serviço de forma estruturante.
Na sua opinião, como os servidores podem se capacitar na temática da IN4? Quais são as
fontes de informações e conhecimento que podem auxiliar as equipes para adquirir
conhecimento e prática?

Diogo Tabalipa: Entendo que existem diversas escolas para formação de servidores, públicas e
privadas, que oferecem boas capacitações. De forma geral, acredito que atividades práticas,
estudos de caso e gamificação são mais interessantes na disseminação de experiências e de
conhecimento. Quanto à fonte de informação, a STI, Órgão Central do SISP, dispõe de uma
Central de Serviços (https://c3s.sisp.gov.br/cau/) apta a auxiliar os órgãos.
A melhoria do gasto público é um tema que é de muita relevância no atual momento. Como
os gestores podem obter números para realização de pesquisas que fomentem a melhoria
contínua do processo de contratação de TI no governo federal?

Diogo Tabalipa: A STI tem trabalhado num painel gerencial visando realizar análises
quantitativas e qualitativas acerca das contratações de soluções de TI. Essa ferramenta agrega
dados oriundos do Sistema Integrado de Administração Financeira - SIAFI, e está disponível
internamente para testes. Acredito que em breve ela será disponibilizada aos órgãos e
entidades integrantes do SISP.
Antonio Fernandes Soares Netto é mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade de
Brasília, na temática de Gestão de Riscos nas Contratações Públicas (doutorado em
andamento). Consultor, Palestrante, Parecerista e autor de artigos da temática de
Contratações de bens e serviços e Contratos Administrativos. Criador do Jogo de Contratações
e da plataforma de capacitação de gestores públicos JOGOGOV. Autor da obra: Contratações
de Tecnologia da Informação: O Jogo. Atualmente é Coordenador de Planejamento e Gestão
Estratégica da Advocacia-Geral da União, onde atua com os temas de Gestão de Riscos,
Planejamento de Contratações de TIC, Projetos, Processos e Governança. Professor na ENAP,
Negócios Públicos, IBGP, ABOP, dentre outras. Coach pelo Neuroleadership Institute e
formação em gamification pela Pennsylvania University (EUA). Certificações: COBIT 5 e ITILF.
Antes de ingressar no serviço público, atuou no mercado privado pela Xerox e GVT.
126

Diogo da Fonseca Tabalipa é formado em Engenharia de Redes de Comunicação pela


Universidade de Brasília e pós-graduado em Governança de TI pela Universidade
EuroAmericana. Servidor público do cargo de Analista em Tecnologia da Informação desde
2010, Diogo foi assessor do Secretário de Tecnologia da Informação. Foi Coordenador-Geral de
Inovação em TI, tendo como principal projeto o provimento de informações estratégicas para a
Administração Pública Federal – APF, por meio da integração e cruzamento de diversas bases
de dados de diferentes órgãos da APF. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de
Administração Pública.

33. Entrevista sobre as Licitações nos EUA com o professor Aldo Dórea Mattos, 18/04/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Thiago Bergmann de Queiroz.

No Brasil, o governo central é responsável por editar normas gerais sobre as licitações.
Sabemos que o federalismo nos EUA é bem diferente do nosso. Existe um órgão central
responsável por editar diretrizes ou regras?

Aldo Mattos: Os Estados americanos gozam de grande autonomia e, sendo assim, editam suas
próprias leis para contratação de obras e serviços. São famosos, por exemplo, os cadernos de
encargos da CalTrans, que é o departamento de transportes da Califórnia, só para citar um
órgão. No âmbito federal existem regulamentos para as aquisições: são as Federal Adquisition
Regulations, que dispõem sobre os principais aspectos de licitações.
Um grande foco de atenção nas contratações do setor público são as obras. Os problemas
são vários desde a especificação, a orçamentação e o acompanhamento da obra. Como
funcionam as obras nos EUA? O setor público atua nessa área e, se sim, como são tratadas as
questões de especificação, orçamentação e fiscalização das obras?

Aldo Mattos: Quando trabalhei nos EUA, eu percebi algo que me impressionou bastante: a
antecedência com que os órgãos públicos faziam seus projetos e preparavam as licitações. Isso
dava tempo de se produzir um projeto de engenharia bem concebido, bem desenhado, bem
analisado e com um grau de detalhe que permitia um orçamento mais preciso tanto do ponto
de vista da Administração Pública, que tem que aprovisionar recursos, quanto para o setor
privado, que fará ofertas na licitação. O alto grau do projeto — lá praticamente não se fala em
licitar com projeto básico, a não ser em grandes empreendimentos contratados como EPC —
propicia uma diminuição no número de aditivos, atrasos e pleitos. Outro aspecto importante é
a preocupação com o cronograma. O contratante e o construtor sentam semanalmente para
discutir cronograma e identificar atrasos, a fim de poderem agir para debelar o foco do
problema e tomar providências em tempo hábil. Todo mês, junto com a medição, cabe ao
construtor enviar o cronograma da obra atualizado.
As compras públicas no Brasil buscam avançar em temas como sustentabilidade, incentivo às
ME e EPP como responsabilidade social e políticas de conteúdo nacional para proteger a
indústria nacional. Como esses temas são tratados nas licitações no EUA?

Aldo Mattos: Os órgãos licitantes estabelecem nos editais de licitação o percentual do valor
contrato que a empresa vencedora obrigatoriamente deverá subcontratar de Disadvantaged
Business Enterprises – DBE, que são empresas cuja gestão e capital majoritário pertencem a
grupos minoritários – afrodescendentes, hispânicos (neste incluídos impropriamente os
brasileiros), índios, nativos (esquimós, havaianos), asiáticos, mulheres e até veteranos de
guerra. Esse foi o mecanismo encontrado para garantir alguma reserva de mercado e dar
127

maior competitividade a pequenas empresas supostamente em condições inferiores de


disputa com as demais. É uma espécie de “sistema de cotas” como o das universidades
brasileiras.
O percentual de participação das DBEs varia de obra para obra, conforme o tipo de serviço e o
estado da federação. Uma obra predial, por exemplo, tem o patamar superior a uma obra de
terraplenagem; Estados com grande contingente de minorias, como a Califórnia e a Flórida,
praticam patamares mais altos. Em geral, o percentual fica na faixa de 10 a 25% do preço da
obra. No dia da licitação, cada construtora indica num formulário próprio quais serviços serão
subcontratados às DBEs, com o respectivo montante e número de registro. Ganhar a obra e
não contratar a DBE é contravenção seriíssima, passível de punição.
Na sua opinião, quais aspectos positivos das licitações nos EUA poderiam ser adotados pelo
Brasil?

Aldo Mattos: O destaque no aspecto das garantias contratuais está na figura do performance
bond, que é um seguro que a construtora contratada tem que apresentar no início da obra. O
detalhe é que esse seguro deve cobrir 100% do valor do contrato. O performance bond garante
que, no caso de falência da construtora ou de manifesta incapacidade para desempenhar os
serviços, o órgão público possa acionar a entidade seguradora. Caberá então à seguradora
terminar a obra dentro dos termos contratuais do segurado — se ela irá terceirizar a obra com
outra empresa, fazer licitação ou assumir pessoalmente a condução dos serviços, o problema é
interno da seguradora. Se o término dos serviços vier custar à seguradora mais do que o saldo
do contrato, esse é o risco de ter emitido apólice a quem não merecia.
Para dar um performance bond a uma construtora, a companhia seguradora vasculha o
histórico da empresa. Consulta clientes antigos, inspeciona obras concluídas e em andamento,
analisa balanços contábeis, avalia a capacidade de crédito, etc. Enfim, procura-se municiar de
todas as informações para calcular o risco e fixar o prêmio do seguro. As seguradoras tornam-
se, desta forma, o fiel da balança na questão das garantias contratuais.
O sistema americano é eficaz. Ele simplesmente elimina o fantasma das obras inacabadas. No
Brasil, a Lei 8.666/93 faculta aos órgãos cobrarem caução de tímidos 5% do contrato.
Convenhamos: não peneira nada e não garante coisa alguma.
Aldo Dórea Mattos é formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Bahia e tem
mestrado em Geofísica pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é diretor regional da
Association for the Advancement of Cost Engineering e diretor da Dórea Mattos Engenharia.
Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em Engenharia Civil, atuando
principalmente nos seguintes temas: controle de obras, planejamento, incorporação
imobiliária, patrimônio de afetação e orçamento.
Thiago Bergmann é formado em Matemática e Ciências Contábeis e tem Mestrado em
Administração pela Universidade de Brasília. Ocupa o cargo de analista judiciário no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração
Pública.

34. Entrevista sobre as Licitações no Banco Central com o professor Daniel Cardim Heller,
24/04/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Silvio Wolff.

Prezado Daniel, nós sabemos que o sucesso de um procedimento licitatório e sua respectiva
contratação depende em grande medida da correta identificação das necessidades do cliente
e da melhor forma de solução. Considerando a diversidade das demandas, agravada pelos
128

contingenciamentos orçamentários cada vez mais presentes, pergunto: vocês têm áreas
técnicas que tratem respectivamente do objeto (quantidades, forma de fornecimento e
especificações técnicas) e do planejamento e priorização das contratações? Como ocorre a
harmonização dessas atividades?

Daniel Heller: O Banco Central tem várias áreas técnicas tratando dos diversos objetos a serem
contratados. Podemos citar o Departamento de Infraestrutura e Gestão Patrimonial – Demap,
que dispõe de algumas subunidades com características bem específicas, como a Divisão de
Logística e Administração Predial, a Divisão de Infraestrutura, Engenharia e Arquitetura e a
Divisão de Documentação, tratando das diferentes necessidades de contratações.
Logicamente, existem outras Unidades que tratam de determinados assuntos, como o
Departamento de Tecnologia da Informação – Deinf, o Departamento de Segurança – Deseg,
dentre outros, cada um atuando no âmbito de suas respectivas competências. Assim, cada
área é tratada como um requisitante, e por sua vez, deve especificar o objeto de sua
contratação, elaborando um Termo de Referência o mais completo possível, detalhando,
quantidades, forma de fornecimento, especificações técnicas da aquisição ou contratação,
bem como providenciando a pesquisa de mercado.
Claro que o planejamento é uma das fases mais importantes da contratação, e assim, os
requisitantes devem observar com detalhe esta etapa, para que não ocorra a falta de produtos
e equipamentos, ou a descontinuidade na prestação de algum serviço. A priorização das
contratações ocorre incialmente em cada uma das Unidades requisitantes, e após, o processo
é encaminhado ao centralizador dos pedidos, que então agrupa as solicitações, realizando uma
priorização mais ampla, sendo os processos submetidos à Divisão de Licitações e Contratações
– Demap/Dilic, para condução do processo de licitação ou eventualmente de contratação
direta. A harmonização dessas atividades ocorre exatamente porque existem diversos setores
para tratar da contratação, mas cada um com sua responsabilidade bem delimitada. Além
disso, apesar de todas as ações serem formalizadas via documentos no processo, há um
estímulo à conversa e à discussão construtiva, ocorrendo o entendimento entre os diversos
atores. Assim, existindo alguma dúvida ou divergência, é marcada uma reunião para os
esclarecimentos, o que conduz a uma redução nos prazos, evitando-se a perda de tempo com
encaminhamentos muitas vezes desnecessários. Cabe, ainda, destacar a recente criação do
CGA – Comitê Estratégico de Gestão Orçamentária e de Aquisições, consoante recomendação
do Tribunal de Contas da União, com vistas ao aperfeiçoamento da governança de
acompanhamento da execução orçamentária e gestão de aquisições no âmbito do Banco
Central, consolidando as atividades de coordenação e planejamento, contando, inclusive, com
representantes das diversas unidades do Banco Central, e com o envolvimento da alta
administração da autarquia.
Parece-me que o Banco Central tem um componente único encarregado pelas fases interna
e externa das licitações demandadas por todas as áreas da Instituição. Gostaria que você
descrevesse como é a dinâmica deste processo, que certamente envolve conhecimentos
multidisciplinares, e como é feito o controle de qualidade dos projetos básicos/termos de
referência e editais, presente a necessidade da segregação das funções?

Daniel Heller: Após a unidade requisitante elaborar sua solicitação de contratação, com a
devida justificativa, e o termo de referência, o processo, atualmente já eletrônico, é
encaminhado para a Divisão de Licitações e Contratações – Demap/Dilic, do Departamento de
Infraestrutura e Gestão Patrimonial – Demap, para preparar o edital de licitação ou a
contratação direta. Assim, depois do planejamento e da elaboração do termo de referência, o
Demap/Dilic fica responsável pela continuidade da fase interna, e, posteriormente, pela fase
externa, realizando a licitação. Na preparação do edital, é feito o controle dos projetos
básicos/termos de referência, pois estes são submetidos ao crivo de servidores treinados na
129

elaboração dos editais. Em seguida, o processo é encaminhado ao Pregoeiro para aferir se


estão adequados os termos do edital, incluindo projeto básico/termo de referência, minuta de
contrato e demais anexos. Dessa forma, está configurado o double check nos termos da
minuta do edital, pois pelo menos dois servidores analisaram a referida minuta, além do
coordenador da área e do chefe da divisão, preliminarmente ao encaminhamento à
Procuradoria-Geral do Banco, que fará a análise jurídica. Na fase externa do certame o
Pregoeiro também é assistido por uma equipe de apoio efetiva, que o auxilia desde os trâmites
operacionais de sistema, bem como na análise técnica da documentação/amostra apresentada
pelos licitantes.
Vocês trabalham com padronização de documentos (editais, contratos, termos de
referência, check lists, etc.) como forma de racionalizar os processos? Em caso positivo,
como a assessoria jurídica encara e participa deste esforço?
Daniel Heller: Sim, o Banco Central trabalha com a padronização de documentos, como editais
e contratos, pois são atividades com conteúdo muitas vezes repetidos, e que permitem uma
otimização quando de sua realização. Já há muito, optou-se por tentar padronizar a maioria
destes documentos, racionalizando-se assim os processos. O Banco Central tem uma norma
interna, o MPA – Manual de Serviço do Patrimônio, que contempla em seu Título 2 a
normatização relativa a compras e contratações, e traz diversos modelos, como o do contrato
padrão. Em relação aos editais, o Banco Central adota algumas matrizes, que são
constantemente atualizadas pela Divisão de Licitações e Contratações – Demap/Dilic, para
elaboração de suas licitações, pois devido às peculiaridades de cada uma delas, não utiliza
apenas um modelo. Também são adotados check lists previamente à divulgação da licitação e
da contratação, o que assegura um maior controle dos atos administrativos. Quanto
aos termos de referência, embora seja utilizada uma forma básica, estes estão sujeitos a
variações de acordo com o objeto a ser contratado. A Procuradoria-Geral do Banco Central
apoia as realizações da área técnica-administrativa, prestando assessoria jurídica tempestiva e
bastante relevante para que os processos possam ser conduzidos adequadamente, com a
segurança jurídica necessária, inclusive quanto à padronização de documentos, evitando-se
erros e racionalizando-se os esforços da administração.
Como tem sido a experiência do Banco Central com a gestão e fiscalização dos contratos
de terceirização? A exigência de fiscais técnicos e administrativos, além dos gestores e das
contas vinculadas, têm atendido a contento o propósito de se evitar falhas e
descontinuidades dos contratos? Sintetize o modelo adotado pelo Banco, incluindo como
são tratados os processos administrativos.

Daniel Heller: A experiência do Banco Central com a gestão e fiscalização dos contratos
de terceirização de serviços tem sido relativamente boa, em que pese as restrições
orçamentárias pelas quais a Administração Pública está sendo submetida de maneira geral, o
que tem contribuído para dificuldades de as empresas honrarem seus compromissos
trabalhistas. De toda sorte, há alguns anos o Banco Central tem se preocupado com a gestão e
fiscalização de contratos, elaborando um Manual de Fiscalização de Contratos, antes mesmo
da normatização detalhada do tema por instrução normativa. E, após as alterações da IN nº
2/2008 do Ministério do Planejamento, o Banco Central adotou a figura do gestor do contrato,
do fiscal técnico e do fiscal administrativo, dependendo das características do contrato, sendo
que os fiscais administrativos estão lotados em um setor específico para otimizar o
desenvolvimento do trabalho, e a especialização dos servidores, podendo-se dizer, que foram
obtidos resultados favoráveis. Todos estes atores são submetidos a treinamento em Gestão e
Fiscalização de Contratos, por meio de programa de capacitação promovido pela UniBC –
Universidade Banco Central do Brasil ou da participação em eventos na própria Enap – Escola
Nacional de Administração Pública. A conta vinculada foi instituída no Banco Central a
aproximadamente três anos, e tem auxiliado muito, embora ocorra um trabalho adicional para
130

sua administração, pois tem garantido os pagamentos dos encargos trabalhistas aos
funcionários terceirizados, sobretudo quando a empresa apresenta problemas em sua situação
financeira. Nesse sentido, podemos citar o exemplo de um contrato que foi rescindido
unilateralmente e os recursos provisionados na conta vinculada foram mais do que suficientes
para o pagamento das verbas trabalhistas, ao contrário de há alguns anos, quando em situação
semelhante, uma outra empresa não tinha como honrar seus compromissos e os funcionários
eram forçados a ajuizarem ações trabalhistas em busca de seus direitos, onerando todas as
partes. Já os processos administrativos são instaurados quando ocorrem indícios de falhas
ainda na fase licitatória, como recomenda o Tribunal de Contas da União, bem como na fase
contratual, e são processados pelo componente de licitações e contratações do Banco Central,
e submetidos às autoridades competentes para eventual aplicação de sanções administrativas.
E para finalizar, ainda na área de gestão de contratos, vocês já implementaram algum
mecanismo que alerte o gestor sobre quaisquer intercorrências na fiscalização dos contratos,
incluindo dificuldades apresentadas pelas contratadas, prazos de vencimento e renovação,
existência de garantias adequadas e outras que possam comprometer o bom andamento dos
contratos? Em caso positivo, poderia descrevê-lo?

Daniel Heller: Sim, o Banco Central já implementou o Saic – Sistema de Administração de


Instrumentos Contratuais, que propicia ao gestor e aos fiscais de contratos o
acompanhamento das ocorrências na execução contratual, especialmente em relação aos
valores contratados, os pagamentos efetuados, aditivos, garantias existentes, com a emissão
de mensagens alertando para etapas importantes da contratação, como o seu vencimento,
enfim, registra toda a vida do contrato e facilita a atuação do gestor e dos fiscais, além de
permitir a consulta das informações dos contratos por qualquer servidor, colaborando para a
transparência nas contratações. Claro que o sistema ainda pode ser melhorado, com vistas ao
desenvolvimento dos relatórios gerenciais, mas já auxilia bastante, em razão de se poder
contar com as informações consolidadas de todos os instrumentos contratuais.
Daniel Cardim Heller é formado em Direito pela Associação de Ensino Unificado do Distrito
Federal-AEUDF e em Engenharia Civil pela Universidade de Brasília-UnB. Atualmente exerce a
função de Chefe-Adjunto no Departamento de Infraestrutura e Gestão Patrimonial – Demap,
no Banco Central do Brasil. É colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.
Silvio Sousa Wolf é mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia-UFBA
(1997); Especialista em Administração Pública pela FGV/DF (1988) e em Educação a Distância
pelo SENAC/DF (2008); Graduado em Engenharia Elétrica - Opção Eletrônica - pela
Universidade de Brasília-UnB (1975). Servidor de carreira aposentado do Banco Central do
Brasil, exerceu como última função a de chefe Adjunto de Departamento no Departamento de
Infraestrutura e Gestão Patrimonial (Demap). Com 40 anos de atuação na Instituição adquiriu
larga experiência na área de Administração, com ênfase em todas as áreas da Logística
(licitações, documentação, administração predial, pagamentos e suprimentos). É professor nos
cursos: Tecnológico em Gestão Pública; de Graduação em Administração de Empresas e
coordenador do curso de especialização em Logística Empresarial do Centro Universitário IESB
(Brasília - DF), desde 2005. Fez parte do banco de colaboradores da Escola Nacional de
Administração Pública - ENAP, para os cursos presenciais: "Gestão de Materiais" e
"Fundamentos da Gestão da Logística Pública e Teoria Geral da Licitação".

35. Entrevista sobre Licitações com o Ministro do TCU Weder de Oliveira, 02/05/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Thiago Bergmann.
131

A lei 8.666 foi editada em 1993, enquanto o princípio da eficiência foi acrescido à
Constituição federal apenas em 1998. Por esse motivo, muitas vezes percebe-se que a busca
pela legalidade supera a perseguição dos resultados, vez que os gestores têm a percepção
que só são cobrados pela falta de cumprimento das leis, normas e orientações do TCU. Qual
o papel do TCU na superação dessa percepção e no alcance dos resultados esperados das
compras públicas?

Ministro Weder: Primeiramente, gostaria de parabenizar a Enap pela iniciativa de debater, em


entrevistas, questões relevantes sobre temas da administração pública.
Quanto a esta primeira pergunta, a ideia de eficiência, na verdade, é intrínseca à função de
administrar. Não foi a Constituição de 1988 que a fez necessária na administração pública, mas
a normatização do princípio, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, deu-lhe o devido
realce, para afirmar que não basta respeitar a legalidade: é preciso produzir resultados, dentro
da legalidade. O art. 70 da Constituição, que trata do controle externo, anterior à referida
emenda constitucional, diz que a fiscalização da administração pública será exercida também
sobre os aspectos de economicidade e legitimidade. Legalidade e alcance de resultados nem
sempre podem ser dissociados.
A própria Lei de Licitações, quando prescreve que a licitação visa garantir a obtenção de
proposta mais vantajosa e o respeito pelo princípio da isonomia, está a tratar da eficiência das
compras públicas. A regra sempre foi a obtenção do melhor preço para um produto, serviço ou
obra que atenda adequadamente as necessidades da administração. Se as licitações estão
produzindo aquisições de bens e serviços de baixa qualidade, aquisições que não agregam
valor, há muito a ser repensado. O problema pode estar situado em vários pontos: na
inadequação das leis às novas realidades ou no modo como as contratações são planejadas, os
bens especificados e os critérios de habilitação e julgamento estabelecidos, por exemplo.
Não há dúvida de que os administradores públicos devem buscar resultados em conformidade
com a legislação. Do mesmo modo que, em intensidade menor, espera-se dos administradores
de empresas privadas que alcancem resultados observando as leis que regem sua atuação,
como as leis tributárias, o Código de Defesa do Consumidor, a CLT, as condicionantes
ambientais, as regras do mercado acionário, as leis de contratação pública e, cada vez mais,
seguindo as orientações de compliance e princípios éticos.
Portanto, é preciso qualificar melhor o que exatamente se tem em mente quando se diz “a
busca pela legalidade supera a perseguição dos resultados”. Deseja-se discutir que, em alguns
casos, devem ser “aceitas” irregularidades ou ilegalidades em razão dos resultados
alcançados? Se for isso, ou algo parecido, não há como definir regras em abstrato. Cada caso é
um caso. De outro lado, se o que queremos é que o Tribunal de Contas da União realize ações
de controle que visem o exame das estruturas e processos da administração, que busque a
compreensão de fundo das causas de tantos problemas recorrentemente observados, e
denunciados, na condução dos processos de contratação, então nós teremos boas respostas a
dar.
O Tribunal vem cobrando de seus jurisdicionados mais planejamento, racionalidade, estudos e
procedimentos que assegurem o melhor resultado das licitações: contratações necessárias,
definidas em planejamento prévio sério e bem elaborado, a preços justos, com respeito à
isonomia.
Há muito anos, o TCU desenvolve ações pedagógicas, indutoras e catalisadoras de mudanças
nas práticas correntemente adotadas pelos administradores públicos. E, agora, com a
inauguração das novas instalações do Instituto Sezerdello Corrêa, teremos estrutura para
ampliar essa forma de atuação do controle externo.
132

Realizamos auditorias de natureza operacional importantes, focadas na avaliação dos


resultados alcançados pelas políticas públicas e, dou especial destaque, mediante, mais
recentemente, trabalhos voltados ao aprimoramento da governança das aquisições públicas.
Nos últimos anos, o TCU vem incentivando fortemente a cultura de governança pública. No
referencial básico de governança, são identificados três mecanismos: liderança, controle e
estratégica. Na sua opinião, onde se encontra a atividade de compras públicas na esfera
federal em relação a esses três mecanismos?

Ministro Weder: A ideia completa de governança se aplica aos processos e estruturas de


compras públicas.
Em 2014, o Tribunal realizou levantamento sobre a governança das aquisições públicas. Veja o
acórdão 2.622/2015-TCU-Plenário.
Conforme está definido nesse acórdão, a governança das aquisições, um conceito ainda em
construção, “consiste no conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos
em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das aquisições, com
objetivo de que as aquisições agreguem valor ao negócio da organização”. Um ponto que
merece atenção nessa definição é a noção de que as compras “agreguem valor ao negócio da
organização”. Em outras palavras: que o processo seja eficiente.
Cabe à alta administração liderar sua organização e assumir a responsabilidade pela
governança das aquisições, avaliando, direcionando e monitorando a gestão das compras
públicas. É preciso dispor de um conjunto bem definido de diretrizes estratégicas, que guiarão
as decisões sobre o que adquirir, quando e como: política de estoques, política de compras
conjuntas, terceirização de serviços, compras sustentáveis, entre tantas outras possibilidades.
O quesito controle é tão relevante quanto os demais. A organização mapeou as falhas e riscos
de seus processos e estruturas? Dispõe de controles internos adequados, controles que
reduzam riscos das mais diversas naturezas: desde o risco de concretização de aquisições
incompatíveis com as diretrizes estratégicas (portanto, ineficientes) até o de permitir falhas
procedimentais básicas que retardam desnecessariamente a conclusão da licitação, por
suscitar impugnações, recursos, representações e ações judiciais perfeitamente evitáveis
(ineficientes também, em outra acepção), sem mencionar os riscos de gerar um ambiente
propicio à corrupção.
O processo de compras públicas é complexo e vai muito além da elaboração, divulgação e
operação do certame licitatório.
Quais seriam as medidas de curto e médio prazo a serem adotadas para melhoria da
governança das compras públicas?

Ministro Weder: O aprimoramento da governança das compras públicas não é um processo


rápido e nem comporta um conjunto de propostas aplicável a todos os casos. Envolve muitos
atores: a alta direção da administração, os servidores que atuam de modo mais presente nos
setores que lidam com a contratação pública, as instituições de controle interno, o Tribunal de
Contas da União e o Congresso Nacional, nos casos que demandam alterações normativas.
Diria, contudo, que o primeiro grande passo é alcançar a consciência de que a governança é
uma ideia que faz sentido, que não é uma abstração teórica, que são necessários estruturas e
processos articulados para que bons resultados possam ser alcançados, cesse a repetição dos
mesmos problemas e sejam minimizados os riscos de captura de parcelas da administração por
interesses privados. Uma ideia que precisa ser, com o perdão da expressão, “comprada” e bem
compreendida e apreendida pela alta administração.
133

Como o desenvolvimento da boa governança é um processo de mudança de cultura, de


estruturas e processos, uma mudança contínua, não se deve esperar evolução sensível em
poucos meses depois da edição de decretos e portarias, num passe de mágica normativo. Essa
perspectiva, contudo, não deve desestimular os esforços. Muito ao contrário, deve-se tê-la em
mente para compreender com muita clareza que se trata de um processo de repensar nossas
organizações e melhorá-las aos poucos, com persistência, numa direção bem definida.
Diferentes estratégias terão que ser adotadas para lidar com a heterogeneidade da
administração e o cenário atual de baixa maturidade em governança das aquisições, revelado
pela nossa auditoria.
Algumas medidas concretas já estão sendo implementadas: a chegada da Instrução Normativa
Conjunta MP/CGU 01/2016, sobre controles internos, gestão de riscos e governança no âmbito
do Poder Executivo Federal; a Lei 13.303/2016 - o estatuto jurídico das empresas estatais-, que
modifica os critérios de indicação para os cargos de direção e define estruturas de
governança, entre tantas outras inovações; a reformulação em curso da IN SLTI/MP 02/2008,
que regulamenta o processo de contratação de serviços terceirizados; o desenvolvimento de
cursos de capacitação em governança pública e gestão de riscos pela Enap, além de medidas
específicas adotadas por organizações públicas mais maduras que podem servir de exemplo
para outras organizações em estágios iniciais de governança. Essas novas regulações e
iniciativas requerem tempo de maturação e aplicação para produzirem os resultados
esperados.
De outro lado, o TCU continuará a desempenhar seu papel de indutor do aperfeiçoamento da
gestão pública, em bases cada vez mais ricas de informações e aprimoradas, resultantes do
avanço das relações de coordenação e aprendizado mútuo com as diferentes instituições da
administração.
A Constituição Federal estabelece que licitar é a regra para realização das compras públicas.
Entretanto, nota-se que as compras diretas representam mais de 75% dos processos e mais
de 60% do valor contratado. Como o senhor entende esse quadro e a eventual necessidade
de alterá-lo?

Ministro Weder: Esse é um quadro que precisa ser estudado a fundo. O que há de errado
nesses números? Eles suscitam preocupação, pois o senso comum e a lei nos dizem que as
compras diretas deveriam ser menos representativas no conjunto das aquisições. Esses
estudos vão revelar realidades muito distintas. Pode ser que em certas áreas o senso comum
esteja errado.
Cada instituição deveria avaliar o que ocorre no seu âmbito e buscar ter clareza sobre as
razões que explicam percentuais aparentemente elevados de compras diretas, em
percentagem e valor. E o mais importante: se as compras diretas constituem realmente uma
realidade justificável, em perfeita consonância com a legislação, deve-se aproveitar o
diagnóstico para implementar modelos de gestão e controle diferenciados para essas compras,
que estejam centrados em aspectos mais essenciais, como o rigor da motivação, o perfeito
enquadramento nas exceções ao princípio da licitação, as metodologias de avaliação e
definição do preço justo.
É possível que os exames aprofundados tragam à tona uma realidade de infrações legais e
falhas de gestão e planejamento, decorrentes de estruturas organizacionais inadequadas, que
propiciam a ocorrência significativa de desvios nas contratações diretas, a exemplo da tão
criticada e combatida prática de celebração de contratos emergenciais perfeitamente
evitáveis.
134

Esse é um trabalho que tem que ser conduzido, primariamente, pela alta administração das
organizações, mas que pode ser desenvolvido também pela CGU e pelo próprio TCU, e, por
que não, em investigações patrocinadas pela Enap.
Uma das principais contribuições do TCU sobre esse tema é o de fomentar o planejamento
adequado de compras e combater e sancionar a inércia e a incúria administrativa, que levam,
como mencionei, aos indesejáveis e ilegítimos contratos emergenciais evitáveis. É
indispensável o aprimoramento do planejamento. Os órgãos e entidades precisam passar a
promover suas contratações a partir de um “plano anual de compras”, com definição de
cronogramas das diferentes fases do processo, que leve em conta a relevância, o valor, a
essencialidade do que deve ser adquirido e dos riscos advindos de processos licitatórios e
contratações mal concebidos.
O TCU contribui para a aplicação correta das normas que autorizam a contratação direta por
meio da divulgação de suas decisões (tomadas em centenas de casos concretos e em consultas
de caráter normativo) em seus boletins de jurisprudência sistematizada, dos diálogos públicos,
das publicações referentes a licitações e contratos, e de seus estudos sobre análise de riscos
nas contratações.
O TCU tem uma jurisprudência oscilante quanto ao Sistema de Registro de Preços, por vezes
mais restritivo e outras vezes mais branda. Na sua opinião, o bom uso desse instrumento
pode ser útil para reverter o quadro apontado na questão anterior? Se sim, quais medidas
são prioritárias?

Ministro Weder: O desenvolvimento normativo do sistema de registro de preços foi um dos


grandes avanços ocorridos na contratação pública. Mas deixou brechas para
operacionalizações que deturparam o sentido do sistema, que tiveram, tem que ser e estão
sendo combatidas. São bem conhecidos os casos de “vendedores de atas de registros de
preços” e dos abusos do instituto do “carona”.
A jurisprudência do TCU sobre o sistema vem sendo construída com base em casos concretos,
procurando preservar suas vantagens e extirpar os casuísmos abusivos. Em boa parte, nunca
foram decisões fáceis, porque o Tribunal, dadas as lacunas da legislação, precisava equilibrar-
se entre dois pólos: o do cuidado de não inviabilizar iniciativas promissoras e, de outro lado, o
de não legitimar tentativas de levar o modelo para além de seus limites conceituais e
normativos. Em alguns casos, estava-se diante de um claro propósito de melhor desenvolver
certas políticas públicas; em outros, percebia-se o uso inconsistente e tecnicamente
inadequado do instituto, em que, aparentemente, o administrador assim procedia para
beneficiar-se, comodamente, da agilidade propiciada pelo sistema, mesmo que incorrendo em
riscos de questionamentos jurídicos e de incertezas sobre a vantagem dos valores registrados.
As decisões do Tribunal resultaram em muitas alterações normativas pelo Poder Executivo,
que ajudaram o modelo a se firmar, e ele ainda está em evolução.
Esse sistema tende a oferecer os melhores resultados em instituições com planejamento
consistente das contratações, em que o registro de preços baseia-se em análise de riscos, em
orçamento estimado bem executado, em consultas a variadas fontes de pesquisa de preços,
critérios adequados de aceitabilidade das propostas, análise de mercado, divisão
estrategicamente pensada em lotes ou grupos, de modo a ampliar ao máximo a competição,
sem inviabilizar a execução contratual.
É preciso chamar a atenção para um ponto importante: o procedimento de adesão. A
alternativa de adesão a atas de registro de preços pode incentivar as áreas contratantes a
adotar essa prática como regra, e não exceção, desestimulando o planejamento prévio e a
realização de certames próprios precedidos da adequada análise das necessidades. Em muitos
135

casos, observamos que a instituição que faz a adesão amolda o que necessita às especificações
dos itens registrados nas atas.
O planejamento estratégico do TCU apresenta dois cenários futuros para a atuação estatal:
aumento da atuação do governo eletrônico e avanço das parcerias entre o setor público e
privado. Sabe-se que as compras na área de TI são tidas como complexas e com uma série de
restrições à competitividade. Como o TCU e a Administração Pública devem se preparar para
esse cenário?

Ministro Weder: As contratações na área de TI exigem alta especialização e seus contratos são
de difícil modelagem. O controle externo também necessita de auditores especializados e,
felizmente, o Tribunal concebeu uma política de recursos humanos que nos permitiu recrutar,
formar e qualificar muitos auditores com esses conhecimentos. Foram eles que nos fizeram
avançar no propósito de fortalecer o planejamento e a governança das aquisições e políticas
de TI. Essa pergunta poderia dar ensejo a um seminário específico, ou como chamamos no
TCU, um diálogo público.
A nossa Secretaria de Fiscalização de TI, a Sefti, proveu-me de subsídios para responder a essa
questão, com base na experiência acumulada em casos concretos, nas prescrições das
associações especializadas do setor e nas perspectivas anunciadas nessa área.
A administração pública deve investir em pressupostos mínimos, como gestão de riscos e
cultura de planejamento: o planejamento institucional, o planejamento amplo e o sistema de
governança de TI, o planejamento específico das contratações, especialmente em atividades-
chave, como a estimativa do preço e a definição das quantidades a contratar, que afetam os
preços estimado e contratado.
Deve discutir e estabelecer modelos de parceria público-privada. Essas parcerias constituem
algo novo para a área de TI e podem ser celebradas com muitas variações de modelagem,
como as sociedades de propósito específico (SPE), e precisam considerar os riscos e custos
aceitáveis para a administração bem como remuneração e garantias atraentes para o parceiro
privado, dado o longo prazo desses contratos, em muito similares aos contratos de concessão
de serviços públicos. Embora sejam alternativas que despertam muito interesse e esperanças,
recomenda-se muita prudência e exaustivas análises técnicas e jurídicas, tendo em vista que
são modelos que apresentam muitos riscos para a administração pública, como verificamos no
exame de processos envolvendo algumas empresas estatais.
A implantação da cultura de serviços públicos digitais deve ser dinamizada, de modo que o
cidadão e as empresas privadas passem a ser os grandes clientes dos governos e haja simbiose
no uso de ferramentas de TI entre a administração e a sociedade, em vez de cada órgão
comprar ou produzir todas as ferramentas das quais necessite (por exemplo, um só sistema de
autenticação para todos os órgãos).
A administração deve formar equipes qualificadas para formular e manter ferramentas de
governo digital, relativas a serviços públicos, participação social e transparência, bem como
para participar dos processos de planejamento, das contratações e da gestão de contratos.
A redução dos custos de transação nas “contratações de TI” no âmbito dos esforços de
governo digital é outro objetivo a ser perseguido, mediante: a) padronização de objetos a
contratar, em especial aqueles de uso mais disseminado, o que gera ganhos processuais e
eleva aplicação de conhecimento especializado (a Secretaria de Tecnologia da Informação do
Ministério do Planejamento tem caminhado neste sentido); b) construção e aperfeiçoamento
de instrumentos para a pesquisa de preços (normativos, ferramentas de pesquisa); c) a
ampliação do conhecimento do mercado de TI e da capacidade de definir e negociar preços,
para reduzir os riscos de contratações desvantajosas, sejam os riscos de preços elevados ou os
de contratados incapazes de levar adiante o que prometeram a preços muito competitivos; d)
136

contratações coordenadas, contratações conjuntas por meio do sistema de registro de


preços que congreguem muitos participantes (e não muitos caronas), obtendo sinergia
institucional, com redução de preços por ganhos de escala, diminuição do custo processual e
ganhos de qualidade e eficiência pela aplicação de conhecimento especializado; e)
contratações centralizadas promovidas pelos órgãos governantes superiores (OGS), como a
Secretaria de Tecnologia de Informação e o Conselho Nacional de Justiça; f) indução contínua e
organizada do intercâmbio de informações e conhecimentos dentro da administração pública,
uma vez que os órgãos e entidades compram os mesmos objetos, as mesmas soluções de TI,
dos mesmos fornecedores, com base, quase sempre, nas mesmas normas, doutrinas e
jurisprudência dos tribunais, em especial do TCU; g) negociações diretas dos OGS com os
grandes fabricantes de softwares padronizados, para que os governos consigam preços de
referência mais baixos, que possam ser usados como base nas licitações que serão promovidas
pelos órgãos jurisdicionados dos OGS; h) investimentos para entender e contratar de acordo
com novos modelos de comercialização de TI, como software as a service (SaS) e nuvem,
caminhos que os grandes fabricantes estão seguindo e que passarão a ser o padrão em poucos
anos.
O TCU continuará priorizando ações de compreensão e investigação sistêmica da área de TI e
dos projetos de governo digital, para obter diagnósticos mais amplos e endereçar
recomendações de fundo aos OGS (controles internos, por exemplo), assim como fiscalizações
em grandes objetos, a exemplo dos sistemas estruturantes (Siafi) e a infraestrutura que serve
de base para os serviços públicos digitais. Manter nossas equipes atualizadas com o estado da
arte da TI é condição necessária para que o Tribunal possa continuar o processo de indução do
aprimoramento da governança, do planejamento, da gestão e da contratação, e ajudar a
promover avanços nos projetos de governo digital, provendo jurisprudência e doutrina, tão
bem-recebidas pela administração.
Em relação ao avanço das parcerias entre o setor público e o setor privado, existem duas
grandes justificativas: a falta de capacidade de financiamento do setor público e a busca pela
eficiência. Na sua opinião, a atividade de compras públicas contribui para essa avaliação de
ineficiência? Se sim, quais medidas podem ser induzidas pelo TCU em busca de mudança
desse cenário?

Ministro Weder: De fato, essas são as justificativas mais apresentadas para as parcerias
público-privadas. A falta de recursos fiscais é a mais relevante.
Quando a razão da saída para as parcerias é a busca por melhor prestação de serviços, ganhos
de eficiência e produção de resultados, o simples fato de se realizar uma parceria não garante
isso; precisará ser muito bem planejada, modelada, monitorada e avaliada. Caso contrário,
repassaremos a ineficiência da administração direta para a parceria, com muito menos
transparência e controle da sociedade.
A contratação de obras, bens e serviços não é uma atividade simples na administração pública
e nem no setor privado. Imaginar que as dificuldades enfrentadas decorrem essencialmente da
legislação é um enorme equívoco. Não se poderia esperar que no setor público, onde o
administrador não está aplicando seus próprios recursos, esse processo pudesse se
desenvolver sem a devida atenção a procedimentos que garantam planejamento,
transparência, rastreabilidade, isonomia e eficiência. Em grandes empresas do setor privado
(com o que pode ser comparado o setor público), em que imperam modelos de governança
para proteger acionistas e proprietários, também os administradores estão sujeitos à
observância de processos e procedimentos que balizam e restringem a discricionariedade que
desejariam ter nas contratações.
Podemos ter muitos ganhos de eficiência na contratação pública com o aprimoramento da
gestão, qualificação de servidores, profissionalização dessa atividade - quem sabe com a
137

criação de uma carreira dedicada aos procedimentos de contratação, à gestão e fiscalização


dos contratos.
Certamente teremos mais ganhos se tivermos legislações diferenciadas em razão dos objetos e
até mesmo, uma idealização para o futuro, do nível de maturidade do sistema de governança
das instituições.
Apontar a legislação como a principal causa para a ineficiência das contratações públicas é,
muitas vezes, apenas um modo cômodo de não enfrentar com os adequados conhecimentos e
práticas de administração os problemas inerentes a qualquer contratação que se deseje ser
bem-sucedida: obtenção do objeto que atenda perfeitamente às necessidades do contratante,
a preço justo, mediante boa definição de deveres e obrigações recíprocas também justas entre
contratante e contratado.
Várias iniciativas de aprimoramento da legislação e de novas práticas de gestão vêm sendo
implementadas com sucesso, como o sistema de registro de preços, o pregão, o RDC, as
compras centralizadas e as compartilhadas.
As mudanças mais recentes nas normas de compras públicas, como o RDC e a Lei das
Estatais, buscam superar dificuldades que a Administração Pública tem em elaborar projetos
com qualidade e que prevejam os riscos envolvidos, transferindo essa responsabilidade para
o contratado. Na sua opinião, essa é uma boa medida? Quais ações a Administração,
observando orientações e a jurisprudência do TCU, pode adotar para vencer os empecilhos
da elaboração dos projetos?

Ministro Weder: Essa é uma pergunta interessante. O problema da má qualidade dos projetos
parece ser e quase sempre é visto como sendo algo ínsito à administração pública brasileira;
como se estivéssemos condenados a conviver com a realidade de termos sempre obras
iniciadas com projetos ruins e terminadas anos depois do final projetado a um custo
imprevisível. Por que em outros países não é assim? O que podemos aprender com eles?
Novos regimes de contratação como a contratação integrada, prevista no RDC, ou a semi-
integrada, na Nova Lei das Estatais, não deveriam ser vistos como instrumentos para superar
as deficiências dos projetos básicos, mas como opções adequadas às características singulares
de certos empreendimentos que requerem regimes de contratação e de execução distintos do
aplicável àqueles passíveis de serem bem definidos por meio do processo usual de
planejamento, licitação e contratação.
Se uma administração tem imensas dificuldades para elaborar a tempo um bom projeto
básico, por que deveríamos imaginar que seria capaz de bem conduzir contratações
integradas, que envolvem complexidades novas e maiores? Como, de fato, se observa, não
tem sido. O TCU tem se deparado em suas fiscalizações de obras públicas com o uso
inapropriado do regime de contratação integrada.
Uma contratação integrada escorreita deve partir da definição de condições de contorno
mínimas, adequadas e suficientes para garantir que o objeto desejado pela administração seja
entregue como acordado no contrato. A vantagem desse regime é concretizada quando os
estudos dão robustos elementos ao contratado para que ele possa executar o
empreendimento combinando as melhores técnicas de engenharia e gestão de custos, para
alcançar o que lhe interessa, a melhor rentabilidade, e o pleno cumprimento do contrato,
entregando o que a administração deseja.
Mas o que temos visto é a realização de licitações sem anteprojeto bem definido, sem
orçamento estimativo adequado e sem matriz de riscos desenhada com rigor. Dessa forma, há
muitas incertezas sobre o que se está contratando e o que será entregue. Somem-se a esses
problemas as dificuldades de definição de critérios de julgamento e avaliação de
138

economicidade para comparar metodologias distintas, as quais, por natureza, implicam preços
distintos, e teremos, previsivelmente, a revogação ou anulação de editais, bem como a
ocorrência de licitações desertas e fracassadas.
Verificamos que a fase de elaboração e aprovação do projeto no órgão contratante tem levado
mais tempo do que o esperado. A essas mesmas conclusões chegou a CGU, em recente
trabalho sobre o tema.
As análises, recomendações e determinações do TCU estão contribuindo para vencer os
obstáculos encontrados na elaboração dos projetos, induzindo a administração a melhorar o
estabelecimento de premissas e a definir melhor as condições de contorno. No entanto, o
processo de aprimoramento via controle externo é um caminho longo é árduo, pois resulta em
punição por infrações à legislação e monitoramento do cumprimento de determinações e
recomendações, o que, por suas feições processuais, envolve oneroso tempo de produção de
relatórios, pareceres, análises, defesas, esclarecimentos, votos, recursos, etc, nos órgãos
jurisdicionados e no Tribunal.
O melhor e inevitável caminho para termos obras públicas de qualidade, no tempo previsto e
dentro do custo estimado, é mudar a cultura, nos desvencilharmos da ideia de que teremos de
conviver com nossa incapacidade de produzir bons projetos e de conduzir regimes de
contratação mais complexos. É preciso requalificar a capacidade técnica da administração
pública, e isso, certamente, já está ocorrendo em diversos setores e programas, e espera-se
que seja intensificado, segundo uma estratégia clara.
Não se pode também deixar de mencionar, que o ambiente empresarial e político em que se
dão as licitações de obras públicas no Brasil, como revelado pela Operação Lava Jato, dificulta
sobremaneira o objetivo de alcançar contratações públicas mais eficientes.
Tanto o RDC quanto a Nova Lei das Estatais põem à disposição dos administradores regimes e
modos de contratação alternativos, que devem ser utilizados em função das características do
objeto e da experiência do órgão contratante. É um avanço expressivo, mas não se deve
esperar grandes resultados se as estruturas que usarão essas alternativas continuarem a ser as
mesmas que antes utilizavam somente a Lei de Licitações. Quanto ao RDC, observam-se
muitos dos mesmos e velhos problemas, e novas práticas irregulares e ineficientes, como
mencionei acerca da contratação integrada. E quanto à Nova Lei das Estatais, é ainda bem
recente. Pelo que se viu na Petrobrás, a mudança dependerá muito de reforma das estruturas
e processos de governança, que está em curso.
O mesmo se espera que aconteça, num processo longo, continuado e persistente, de modo
amplo, em toda a administração pública, no qual o TCU e a Enap darão sempre contribuições
muito relevantes.

Weder de Oliveira: Ministro-Substituto do Tribunal de Contas da União. Mestre em Direito,


Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado lato sensu em Economia. The Theory and
Operation of a National Modern Economy (Minerva Program), George Washington University,
Estados Unidos. Pós-graduado em Engenharia de Produção de Petróleo,
Petrobras/Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduado em Direito, Universidade de
Brasília (UnB). Graduado em Engenharia Civil, Universidade Federal de Goiás (UFG). Trabalhou
no Congresso Nacional por dez anos, como Consultor de Orçamento, Fiscalização e Controle do
Senado Federal e Consultor de Orçamentos e Fiscalização Financeira da Câmara dos
Deputados.

Foi Auditor-Fiscal da Receita Federal e Engenheiro de Produção de Petróleo da Petrobrás.


Assessorou o relator e a comissão especial da Câmara dos Deputados instituída para examinar
o Projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal, em 1999. Assessorou o presidente da Comissão
Mista Especial Instituída para Reformular o Processo Orçamentário no Congresso Nacional
139

(Resolução nº 1/2006-CN), em 2005. Assessorou a Presidência do Senado Federal, na


Assessoria de Modernização e Planejamento, em 2008. Coordenou equipes técnicas e
assessorou relatores e presidentes de oito comissões parlamentares de inquérito, entre os
anos de 2000 e 2008: CPI das ONGs, CPMI das Ambulâncias, CPMI dos Correios, CPI dos Bingos,
CPMI do Mensalão, CPI da Ocupação Irregular de Terras Públicas na Região Amazônica, CPI do
Banespa, CPI dos Medicamentos.

Autor do livro Curso de Responsabilidade Fiscal: Orçamento, Direito e Finanças Pública-Volume


I, 1136p, 2ª edição. Editora Fórum, 2015 (1ª edição, 2013). Coautor dos livros: (1) Direito
Financeiro na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Homenagem ao Ministro Marco
Aurélio (artigo “RMS 25.943-DF/ STF - A ação fiscalizadora ampla, concentrada e ostensiva da
Controladoria-Geral sobre a aplicação de recursos federais transferidos nos municípios”).
Editora Juruá, 2016; (2) Responsabilidade Fiscal – Análise da Lei Complementar nº 101/2000 -
artigo “15 Anos de Lei de Responsabilidade Fiscal: Um pouco de história e de essência”. OAB,
Conselho Federal, 2016; (3) O Direito Administrativo na Jurisprudência do STF e do STJ:
Homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello - artigo “Ação Declaratória de
Inconstitucionalidade 2117-DF - Art. 73, § 2º, da Constituição Federal: Critério de escolha de
ministros ou de composição do Tribunal?”. Editora Fórum, 2014; (4) Licitações, Contratos e
Convênios Administrativos: Desafios e Perspectivas- artigo “Regime Diferenciado (?) de
Contratações Públicas – A nova estruturação do sistema brasileiro de licitações”. Editora
Fórum, 2013; (5) Lei de Responsabilidade Fiscal – Ensaios em comemoração aos 10 anos da Lei
Complementar nº 101/00 - artigo “O equilíbrio das finanças públicas e a Lei de
Responsabilidade Fiscal”), Editora Fórum, 2010; (6) Gasto Público Eficiente – 91 Propostas para
o desenvolvimento do Brasil. Organizador: Marcos Mendes - coautor do Capítulo 10 “Lei de
Responsabilidade Fiscal: Os avanços e aperfeiçoamentos necessários”, com José Roberto
Afonso e Amir Khair. Topbooks, 2006.

Professor do Mestrado em Administração Pública da Escola de Administração de Brasília/IDP,


do Curso de Pós-graduação em Direito Tributário, do Curso de Pós-Graduação em Direito
Administrativo e da disciplina Direito Financeiro da Escola de Direito de Brasília/IDP. Ministrou
cursos no Instituto Sezerdello Corrêa, do Tribunal de Contas da União; na Escola Superior de
Educação Fazendária - Esaf; na Escola Nacional de Administração Pública - Enap e no Centro de
Formação, Aperfeiçoamento e Treinamento da Câmara dos Deputados - Cefor. Palestrante e
professor nas áreas de direito administrativo, direito financeiro, controle externo, tribunais de
contas, auditoria governamental, administração pública, finanças públicas, orçamento público,
licitações e contratos e Lei de Responsabilidade Fiscal.
Thiago Bergmann é formado em Matemática e Ciências Contábeis e tem Mestrado em
Administração pela Universidade de Brasília. Ocupa o cargo de analista judiciário no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração
Pública.

36. Entrevista sobre Licitações na América Latina com a especialista em compras públicas do
BID, Leslie Harper, 09/05/2017
• As perguntas foram elaboradas pelos professores Paulo Bernardes Honorio de Mendonça,
Arthur Luis Pinho de Lima e pela especialista do BID, Ana Lucia Dezolt.

¿Cómo que el BID opera en la modernización de la contratación pública de América Latina y


el Caribe?
140

Leslie Harper: El BID provee apoyo financiero y técnico a los países a través de préstamos de
inversión reembolsables y de cooperación técnica no reembolsables en el área de reforma y
modernización de las compras públicas. También provee expertise en el área a través de apoyo
a redes de conocimiento como la Red Inter-Americano de Compras Gubernamentales (RICG),
estudios, talleres y consejo técnico a los gobiernos de la región.
¿Cómo que el BID contrata a sus necesidades?

Leslie Harper: El BID provee financiamiento a países de la región a través de un amplio abanico
de préstamos y programas de desarrollo. Estas operaciones implican procesos de adquisiciones
de bienes, obras y servicios que prestan firmas e individuos para los cuales, la institución opera
bajo los principios de transparencia, competencia, igualdad de oportunidades, eficiencia e
integridad (política GN-2349-9 para bienes y obras y GN-2350-9 para consultores). En relación
a las compras para satisfacer sus necesidades internas, el BID compra a través de su División
de Servicios Administrativos y Adquisiciones Institucionales usando los principios de
transparencia, equidad, capacidad de respuesta, mejor valor y responsabilidad rigen las
actividades de Adquisiciones Institucionales del Banco, y son parte de la Política de adquisición
corporativa (2303-20).
¿Cómo es organizada la Red Inter-Americana de Contratación Gubernamental (RICG) en
América Latina y el Caribe?

Leslie Harper: La RICG está conformada de 31 países de la región y está dividido por sub-
regiónes incluyendo Cono Sur, Andina, Caribe, América Central y América del Norte (solo
México dado que Canadá y EEUU no han participado activamente últimamente). Cada sub-
región tiene un representante en el Comité Ejecutivo de la RICG, el cual se reúne alrededor de
una vez cada dos meses.
En su opinión, ¿cuáles son los mejores indicadores de rendimiento de estos servicios?

Leslie Harper: Los indicadores con mayor alcance y profundidad que ahora existen son los de
la metodología para evaluar los sistemas de compras públicas (Methodology for the
Assessment of Procurement System or MAPS). Esta metodología fue creada por la OCDE en
2003 para proveer una herramienta en común para evaluar la calidad y efectividad de los
sistemas de compras públicas. La metodología está siendo revisada y una nueva versión
actualizada se espera tener en 2017, la cual incluirátemas que son de creciente relevancia,
tales como, las compras electrónicas.
En comparación con otros países de América del Sur, lo que ha aumentado la contratación
de la agilidad? ¿Cuál es la causa?

Leslie Harper: Lo que más ha afectado la agilidad es el creciente uso de los sistemas de
compras electrónicas a través de la automatización de los procesos. En Jamaica, por ejemplo,
el gobierno, con el apoyo del BID, implementó un nuevo sistema de compras electrónicas que
ha resultado en un diminución de tiempos de procesar un contrato de dos años a tres meses
¿La contratación pública es una herramienta del gobierno para el desarrollo y para las
políticas públicas. En su opinión, se puede comprar bien cuando el precio más bajo es el
criterio establecido?

Leslie Harper: Esto depende totalmente del tipo de producto que uno está comprando. Si está
comprando algo que simple que es fácil de comparar entre productos del mismo tipo como
141

son lápices o papel, entonces si en general se puede comprar bien con el criterio de precio más
bajo. Ahora, si está comprando algo muy complejo como servicios de consultoría o tecnología
es mejor tener criterios de calidad tanto de precio.
¿La transparencia del gasto público es una realidad en toda América del Sur?

Leslie Harper: Hay diferentes niveles de transparencia del gasto público entre los países de
América del Sur, pero en general se puede decir que ha habido mejoras en los últimos años
especialmente dado las innovaciones tecnológicas y herramientas que han permitido
compartir información con los ciudadanos mas fácilmente.Leslie Harper
Con su experiencia en este campo, ¿Cuáles son los principales riesgos que sobresalen en
contratos de compras electrónicas?

Leslie Harper: El riesgo mayor con un contrato de un nuevo sistema de compras electrónicas
es de hacerlo demasiado rápido sin hacer el trabajo previo de analizar como los procesos
podrían ser mejorados en lugar de simplemente automatizar los procesos existentes. Es
recomendable adaptar en la mayor medida posible los procesos al nuevo sistema, dado que
generalmente son basados en mejores prácticas en lugar de adaptar el sistema totalmente al
proceso nacional – lo cual es costoso en el momento de desarrollo, costoso para actualizar y el
país no recibe los beneficios de hacer más efectivo sus procesos.
¿Cuáles son sus expectativas para las contrataciones en el sector público? ¿El escenario es
favorable?

Leslie Harper: Las expectativas para las contrataciones para el sector público son muy buenas.
La región ha pasado por una ola de reforma y modernización los últimos dos décadas, lo cual
ha resultado en mejoras substanciales. Para 2016 casi todos los países de la región tiene una
agencia de compras (64% bajo un ministerio y 36% una entidad del gobierno), responsable
para el monitoreo y generación de políticas y la mayoría tiene al menos un portal de compras
informativa, y 80% con funciones interactivas o transaccionales. También ha habido un
enfoque en la profesionalización – lo cual es súper importante dado el creciente rol estratégico
de las compras públicas en las economías de la región. Finalmente se ha visto una tendencia
hacia el uso de las compras públicas para impulsar políticas sociales como son la promoción de
la inclusión de mujeres en las compras públicas y las empresas pequeñas medianas.
Leslie Harper tem mais de 18 anos de experiência como profissional de desenvolvimento
internacional trabalhando na América Latina e Caribe, com foco em gestão e reforma do setor
público. Desde 2008 coordena o tema de modernização de compras públicas no Departamento
de Instituições para o Desenvolvimento do BID, tendo constituído um programa estruturado
que inclui iniciativas em 24 dos 26 Países Membros do Banco. Gerencia um portfólio de US$80
milhões de dólares relacionado a compras públicas e gestão pública financeira, incluindo dois
programas de empréstimos baseados em políticas no Suriname, 4 empréstimos de
investimentos e 11 cooperações técnicas. Participou como membro de equipe para a
assessoria técnica na área de compras públicas para investimentos em empréstimos na
Colômbia, República Dominicana, Jamaica e Trinidade-Tobago. Também liderou uma grande
iniciativa de fortalecimento e modernização das compras públicas nos Países do Caribe por
meio de um programa de Bens Públicos Regionais do BID que apoia o desenvolvimento do
tema. Para tanto, criou a Rede de Compras Públicas Caribenha que promove a difusão do
trabalho de profissionais sobre reforma e modernização desta área. É líder de equipe de uma
grande iniciativa que provê 800 indicadores sobre gestão pública para usuários em todo o
mundo, denominada DataGov, incluindo o desenvolvimento de indicadores sobre a
performance das compras públicas, sendo o banco de dados mais visitado do Banco,
142

atualmente em aperfeiçoamento. Antes de se juntar ao BID, trabalhou no Chile por dois anos
em um projeto de fortalecimento de governo local como voluntária do Corpo de Paz em um
município rural do País. Leslie é americana, fluente em espanhol e português.

Arthur Luis Pinho de Lima é Especialista em contratações públicas pela Universidad de Castilla-
La Mancha, Reino da Espanha, Bacharel em direito pela Universidade de Brasília. Atualmente é
Gerente de Licitações e Contratos da Empresa de Planejamento e Logística S.A (EPL). Tem
ampla experiência profissional em licitações em órgãos como a Secretaria de Estado da Saúde
(Governo do Distrito Federal) e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP do
Ministério da Justiça). Arthur ministra cursos e palestras sobre compras públicas.

Paulo Bernardes Honorio de Mendonça é mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia


Universidade Católica da Argentina - Buenos Aires. Especialista em Direito Tributário.
Aprovado no concurso de Analista Pleno em Ciência e Tecnologia (Carreira de Gestão em C&T)
e também aprovado e classificado em 3º lugar para o cargo de Tecnologista Pleno (Carreira de
Desenvolvimento Tecnológico) - Tema IV: Projetos de Tecnologia de Informação e
Comunicação, do concurso do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em 2013, optando
pela carreira de Gestão em C&T. Colaborador/Instrutor da Escola Nacional de Administração
Pública - ENAP. Atua na Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração, como
Chefe de Licitações do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação a partir de 04/2013. Ex-
Chefe Substituto da Divisão de Administração, do Instituto Nacional de Tecnologia. Foi
pregoeiro e Presidente da Comissão Permanente de Licitações do Instituto Nacional de
Tecnologia até 2013. Desde 04/2013, chefe das Licitações do Ministério da Ciência, Tecnologia
e Inovação - MCTI.
Ana Lucia Dezolt Especialista Sênior em Gestão Fiscal e Municipal do Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID no Brasil desde 1994, responsável pela supervisão de projetos de
modernização da gestão fiscal em estados brasileiros. Com atuação transversal aos temas
fiscais e municipais, realizando no Brasil a interlocução setorial com o Governo Brasileiro sobre
o tema de Compras, membro do grupo de análise de temas sobre PPPs e do grupo de
reengenharia de processos do Banco. Áreas de trabalho: gestão de compras; revitalização de
áreas históricas; descentralização e capacidade Institucional; administração tributária e
finanças públicas; desenvolvimento de pessoas e gestão do conhecimento. Trabalhos
publicados em finanças e Compras públicas, PPPs e gestão por resultados. Foi Professora de
Relações Econômicas Internacionais no Instituto Rio Branco/Ministério das Relações Exteriores
e consultora para a Série de Política Fiscal da Comissão Econômica para América Latina e
Caribe/CEPAL, realizada em conjunto com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/IPEA
(1989/1994). É Economista graduada pela Universidade de Brasília - UnB, pós-graduada em
psicologia pela Universidade do Centro de Estudos Universitários de Brasília – UNICEUB,
mestrado em economia incompleto pela UnB, e especialização em avaliação e gestão de
projetos (BID).

37. Entrevista sobre Gestão Patrimonial na Administração Pública com o professor da Enap
Vandeir Luiz da Silva, 17/05/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Helton Souza da Cunha.

A gestão patrimonial na administração pública envolve um ambiente de controle e proteção


dos bens públicos, composto de tecnologias, expertise, recursos humanos e financeiros, para
que as unidades administrativas realizem seus objetivos. Suscintamente, como você avalia a
gestão patrimonial nos órgãos públicos federais nos dias atuais? E o que podemos
incrementar para melhorar essa gestão?
143

Vandeir: A Gestão Patrimonial na Administração Pública, de um modo geral, tem avançado nos
últimos anos, todavia, a heterogeneidade do grau de maturidade dos órgãos e entidades
públicas é refletida também na gestão patrimonial. Isso se dá, em especial, pela ausência de
um sistema estruturante comum à administração pública federal de obrigatória utilização
como é o caso do SIAFI. Nesse contexto, a administração pública federal está envidando
esforços para a criação desse sistema, o SIADS, uma solução também desenvolvida pelo Serpro
para o Ministério da Fazenda, sob gestão da Secretaria do Tesouro Nacional, que possibilita
aos órgãos da Administração Pública Federal um controle completo e efetivo de seus estoques
de materiais, bens patrimoniais e serviços de transporte, pode ser a solução para a melhoria
da gestão.

O controle, a proteção e o zelo de um bem público, muitas vezes, são despercebidos pelos
cidadãos e até mesmo por muitos servidores públicos que estejam ou não sob sua guarda. O
que se pode fazer para que isso seja evitado?
Vandeir: Acredito que as situações problema elencadas acima podem ser evitadas com dois
mecanismos, o primeiro seria a adoção pelo Poder Público de mecanismos e programas que
contemplem a conscientização a esses grupos. Já o segundo, seria realização de cursos de
capacitação a servidores ligados à área de gestão patrimonial, a prática tem se mostrada
efetiva, tais servidores atuam após o aperfeiçoamento como multiplicadores do aprendizado
dentro e fora da organização.

Ainda sobre estabelecer responsabilidades para um servidor público sobre um bem público,
a legislação atual atende a este propósito?
Vandeir: Ainda que a legislação seja relativamente antiga, é possível estabelecer
responsabilidades ao servidor público sobre um bem público, para isso, é primordial que o
controle e a guarda dos bens sejam corretamente gerenciadas pelo gestor de patrimônio.
Portanto, a legislação atende sim ao citado propósito.

Segundo o professor Renato Fenili, em entrevista publicada nesta ENAP em 02/03/2017, é


possível identificar cinco principais instrumentos de governança nas compras e contratações
públicas: o planejamento estratégico de compras, o plano anual de compras, a matriz de
riscos, o plano de capacitação e o plano de logística sustentável. Podemos pensar em
instrumentos de governança para uma gestão patrimonial mais eficiente?
Vandeir: Os citados instrumentos de governança não são estanques a apenas determinadas
áreas, devem englobar todas as áreas da Organização. Portanto, certamente a gestão
patrimonial deve estar contemplada nos instrumentos de governança para que seja ampliada a
sua eficiência.
O Decreto nº 99.658, de 30 de outubro de 1990, que regulamenta no âmbito da
Administração Pública Federal o reaproveitamento, a movimentação, a alienação e outras
formas de desfazimento de material sofreu alterações em 2007, através do Decreto nº 6.087,
especificamente no desfazimento de materiais ligados à tecnologia da informação. Como o
poder público poderia rever as formas de reaproveitamento, alienação e desfazimento de
materiais, utilizando os critérios de sustentabilidade?
Vandeir: Apesar de o citado Decreto não contemplar critérios de sustentabilidade, a
Administração Pública tem buscado aprimorar seus mecanismos de modo a contemplar esses
critérios, em especial em suas aquisições. Considerado que o Decreto trata das formas de
desfazimento de bens dos órgãos e entidades da administração pública federal, então uma
144

outra forma de promover os critérios de sustentabilidade seria condicionar as entidades sem


fins lucrativos ao cumprimento formal de apresentação de um plano que abarque critérios de
sustentabilidade e de prestação de contas a serem utilizados quando no recebimento por
doação de bens inservíveis à Administração Pública como pré-requisito ao Cadastro Nacional
de Entidades de Utilidade Pública do Ministério da Justiça (CNEs/MJ).

O Termo de Responsabilidade é um instrumento a ser assinado pelo responsável para


guarda e conservação de um bem patrimonial. Muitos servidores questionam a assinatura
deste termo e até mesmo se negam à assiná-lo, alegando, dentre outros motivos, que a
responsabilidade pela guarda e conservação de um bem comum numa instituição não
poderia ser apenas para quem assina o respectivo Termo, mas também de quem usa. Quais
os seus comentários e sugestões sobre isso?
Vandeir: A recusa pelo servidor em assinar Termo de Responsabilidade que relaciona bens que
estão sob a sua guarda não o exime de eventual responsabilização. Nesse sentido, a
Constituição Federal preconiza – artigo 70, § único – que prestará contas qualquer pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde ou administre bens e valores
públicos. Ressalta-se que a prestação de contas ocorre independente do servidor que utiliza o
bem ter assinado ou não o Termo de Responsabilidade. Todavia, em situações em tela, o
gestor de patrimônio dará ciência à autoridade competente para medidas cabíveis e manterá
em seu arquivo corrente o controle desses documentos.

Inventariar um bem móvel não é apenas localizá-lo e fazer o seu controle físico e financeiro.
Quais outros objetivos podem ser identificados ao fazer um inventário físico em um órgão
público?
Vandeir: Segundo a Instrução Normativa nº 205/88, SEDAP, Inventário físico é o instrumento
de controle para a verificação dos saldos de estoques nos almoxarifados e depósitos, e dos
equipamentos e materiais permanentes, em uso no órgão ou entidade, que irá permitir,
dentre outros: (a) o ajuste dos dados escriturais de saldos e movimentações dos estoques com
o saldo físico real nas instalações de armazenagem; (b) a análise do desempenho das
atividades do encarregado do almoxarifado através dos resultados obtidos no levantamento
físico; (c) o levantamento da situação dos materiais estocados no tocante ao saneamento dos
estoques; (d) o levantamento da situação dos equipamentos e materiais permanentes em uso
e das suas necessidades de manutenção e reparos; e (e) a constatação de que o bem móvel
não é necessário naquela unidade.
Diante ao exposto, constata-se que o objetivo do inventário não se limita ao controle físico e
financeiro.

É certo que, nos dias de hoje, ainda se perde muito tempo em localizar e inventariar
materiais permanentes nos órgãos públicos. Você acha que a aplicação da Tecnologia de
Identificação por Radiofrequência (RFID), criada também para o controle de bens
patrimoniais, aponta uma solução para os órgãos públicos?
Vandeir: As atividades desenvolvidas por comissões de inventários são de fato muito
trabalhosas e desgastantes, tendo em vista a grande quantidade de bens que as Unidades
Gestoras possuem sob sua responsabilidade que, pelo menos, uma vez por ano precisam ser
inventariados. A tecnologia de identificação por radiofrequência (RFID) certamente traz a
agilidade, tempestividade e um alto grau de confiabilidade aos inventários. Por meio dessa
tecnologia, é possível em tempo real realizar o controle total dos bens da unidade, para isso
basta instalar antenas de captação de rádio frequência em lugares apropriados que
145

possibilitarão tanto o inventário dos bens quanto uma eventual movimentação indevida de um
bem de um setor para outro. Além do controle realizado remotamente pelas antenas de
captação de rádio frequência, também, é possível o inventário ser realizado in loco por meio
de um Palmtop, para tanto, basta direcioná-lo a uma área específica e apertar o botão “iniciar”
que todo os bens daquela delimitada região serão inventariados por suas respectivas
plaquetas de identificação. Portanto, podemos sim afirmar que a tecnologia aponta como uma
solução para os órgãos públicos, alguns deles, inclusive, já dispõem dessa tecnologia, como é o
caso do TRT da 10ª Região e o Senado Federal.
Em novembro de 2010, a Secretaria do Tesouro Nacional lançou o Manual de Regularizações
Contábeis, definindo, entre outros assuntos, o mecanismo da depreciação no âmbito do
Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI). Com os novos
procedimentos deste manual, é possível afirmar que as distorções contábeis foram evitadas,
proporcionando um controle de gestão patrimonial mais preciso?
Vandeir: A contabilidade aplicada ao setor público - CASP, sofreu profundas mudanças nos
últimos anos, mudanças necessárias a refletir informações mais fidedignas aos seus usuários e
à sociedade. A Secretaria do Tesouro Nacional, Órgão Central da Contabilidade Pública do país,
elaborou a macrofunção do SIAFI 020330 que trata sobre procedimentos a serem adotados
pelas unidades gestoras (UGs) referentes à depreciação, à amortização e à exaustão de seus
ativos imobilizados. A aludida macrofunção preconiza que todas as contas contábeis atinentes
ao ativo imobilizado devem ser submetidas a tais procedimentos de forma a refletir
informações dos valores dos bens mais fidedignas. Todavia, dada a grande quantidade de bens
das UGs, os procedimentos de depreciação, exaustão e amortização não são possíveis de
serem realizadas sem o auxílio de uma ferramenta computacional de gestão patrimonial.
Considerando que nem todas as UGs possuem um sistema de gestão patrimonial, conclui-se
que não é possível afirmar que as distorções estão sendo evitadas.

Todos os bens da administração pública, sejam eles móveis ou imóveis, sofrem depreciação?
Vandeir: Segundo as Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público, os ativos
que não estão sujeitos à depreciação: bens móveis de natureza cultural, tais como obras de
artes, antiguidades, documentos, bens com interesse histórico, bens integrados em coleções,
entre outros; bens de uso comum que absorveram ou absorvem recursos públicos,
considerados tecnicamente, de vida útil indeterminada; animais que se destinam à exposição e
à preservação; e terrenos rurais e urbanos.
Vandeir Luiz da Silva é graduado em Matemática e especialista em Gestão Pública. É servidor
público federal, ocupa atualmente o cargo de Coordenador-Geral de Licitações, Contratos e
Recursos Logísticos do Ministério da Cultura.Vandeir é o atual docente de referência do curso
Gestão de Materiais da Enap.

Helton Souza da Cunha tem mestrado em Administração pela UFBA, MBA em Logística
Integrada à Empresa pela Estácio, é servidor público do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz -
Fiocruz-Bahia desde 2006. Ministra o curso Gestão de Materiais da Enap.

38. Entrevista sobre a gestão de pessoas em áreas de licitações com o diretor da Central de
Compras da Câmara dos Deputados e professor da Enap, Renato Fenili, 23/05/2017
• Perguntas foram elaboradas pela professora da Enap e servidora da Advocacia-Geral da
União, Grasielle de Oliveira Abrantes.
146

Como você tem observado a estrutura de recursos humanos da área de aquisições


(quantitativo e qualificação do pessoal) nos órgãos públicos atualmente?
Renato Fenili: Em termos quantitativos, a escassez é patente. Com a rarefação de concursos
públicos, o recrutamento ficou comprometido – realidade esta que afetou o serviço público de
modo geral. E isso faz parte de uma conjuntura que não tende, salvo melhor juízo, a mudar em
curto ou médio prazo. A privação de recursos de pessoal, aliada à impossibilidade de se
terceirizarem funções chaves da área de aquisições, leva a uma situação peculiar: o gestor tem
de inovar. Tem de implementar processos mais inteligentes, que demandem fluxos menos
custosos, de sorte a otimizar o emprego de seu pessoal. Caso não o faça, passa a ingressar em
um terreno hostil: os riscos afetos às aquisições são, em sua maior parte, inaceitáveis.
É nesse contexto que a capacitação se faz imprescindível. O nível de capacitação – e a
qualificação do pessoal – é inversamente proporcional ao custo processual, haja vista que a
ação de um servidor mais bem preparado suscita menos retrabalho. A capacitação, ainda,
pode desenvolver competências em termos de potencial inovativo. Em que pese poder se
depreender uma predisposição de os órgãos se qualificarem, estamos falando de um país de
dimensões continentais. As realidades são díspares. Há órgãos que se destacam. Mas há uma
grande massa de unidades que, desprovidas de estrutura e de recursos orçamentários para
capacitação, consubstanciam pária na Administração Pública.
As carreiras específicas para atuação dos servidores na área de aquisições, dentro dos
planos de cargos da organização, são relevantes?
Renato Fenili: Essa prática – existência de carreiras específicas na área de aquisições – é
sobremaneira inexpressiva. Não consta do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, por
exemplo. E não é espelhada na parcela majoritária de órgãos públicos. Por óbvio, caso se
implantasse um modelo de carreira que condissesse com a responsabilidade dos agentes, o
impacto seria benéfico. Mas essa é uma discussão ainda etérea.
Quais as competências (conhecimento, habilidades e atitudes) são essenciais para os
profissionais da área de aquisições atualmente?
Renato Fenili: A correta identificação das competências dá-se em função da atuação específica
do servidor em um processo amplo e transversal. Grosso modo, identifico os conhecimentos (i)
da legislação, das normas infralegais, dos preceitos de gestão de pessoas, e de governança em
aquisições; as habilidades (ii) de boa comunicação verbal e escrita, de liderança, organização e
planejamento, e as atitudes (iii) de constante atualização, de ética profissional,
empreendedorismo e equilíbrio emocional.
Essas competências têm mantido uma constância ou trata-se de uma área que exige
aperfeiçoamento e atualização dos conhecimentos, habilidades e atitudes?
Renato Fenili: Entendo que as competências, como macro construtos, têm se mantido, em sua
maioria, perenes. Mas isso pode dar uma falsa impressão de estagnação, o que seria uma
completa falácia. Ilustro: a liderança, a despeito ter se mantido temporalmente como
competência desejada, alcança hoje traços mais complexos, por exemplo. A atualização acerca
do conhecimento normativo é, da mesma sorte, mais laboriosa em virtude da geração maciça
e crescente de jurisprudência. Planejar hoje é, inequivocamente, tarefa mais árdua do que em
tempos passados.
Identifico, contudo, duas competências que se moldaram em interregno recente. Trata-se da
capacidade de implantação de instrumentos de governança, e da habilidade de se
empreender, enquanto fomento de ambiente inovativo. E, justamente, respondem pelas
principais lacunas de gestão.
147

Como você observa a formatação das capacitações, como a metodologia e didática


empregadas, e também a quantidade dessas ofertas disponíveis ao público da área de
aquisições?
Renato Fenili: Ótima pergunta. Preliminarmente, há de se considerar que, quase em uníssono,
os discentes almejam, em uma capacitação, que as competências desenvolvidas possam ser
aplicadas de forma objetiva e realista no cotidiano de trabalho. O público a ser capacitado, de
modo geral, é composto por servidores que executam o processo – são pregoeiros,
pesquisadores de preço, membros das instâncias jurídicas etc.
No entanto, os docentes, por vezes, não vivenciaram, em suas carreiras, a parte executória do
processo. Não raramente, ainda, não são servidores públicos. Resultado: as oficinas são cada
vez menos práticas, e as palestras e seminários remanescem pouco instrumentais, limitando-
se a aspectos principiológicos em termos de eficiência nas aquisições, ou a meras facetas
teóricas e legais, por exemplo. Como falar de gestão de riscos, por exemplo, se o docente
jamais implantou a gestão de riscos em um órgão público? Como falar de plano de compras se
o docente não vivenciou as celeumas em termos de disputas por espaço de poder dentro da
organização ao se implementar tal rotina?
Começo a ver um público já impaciente com esforços de capacitação que trazem comandos
irreais. Falar de governança per si, ou das recomendações por vezes utópicas dos “100
principais acórdãos do TCU” não traz efetividade. Há de se contextualizar, de prover a empatia
necessária com relação ao discente. O desafio do docente é, por exemplo, orientar a
implantação de instrumentos de governança, ou o atendimento a recomendações
jurisprudenciais em equipes de compras que, por não gozarem de patrocínio da cúpula, são
reduzidíssimas, sobrecarregadas e marcadas por intensa rotatividade. Aí a capacitação começa
a ser efetiva.
O uso de "comunidades de práticas internas”, “grupos de discussão”, “trabalho em rede”
podem ser úteis na troca de aprendizados na área de aquisições?
Renato Fenili: São extremamente úteis. Moldam-se ferramentas de baixíssimo custo, com alta
capilaridade, e conteúdo riquíssimo. O NELCA – Núcleo de Apoio aos Compradores Públicos,
um grupo de discussão via e-mail, é, em minha opinião, um caso de extremo sucesso. E vai
muito além de uma capacitação, já que um membro pode ter, em pouquíssimo tempo, uma
orientação para um problema real seu – algo impraticável de ocorrer nos modelos de
capacitação expositivas ora vigentes. Analogamente, a Comunidade de Práticas em Compras
Públicas, da Enap, começa a despontar como ferramenta de valor ímpar nesta seara,
apresentando-se não só como repositório de informações, mas também disponibilizando
fórum aos participantes.
É comum se deparar com a rotatividade de pessoal em alguns órgãos no serviço público, isso
pode trazer prejuízo nessa área em questão?
Renato Fenili: Por óbvio. E a rotatividade, como fator de prejuízo, soma-se ao crescente
número de aposentadorias de servidores das equipes de compras. Isso é um contundente
impeditivo à implantação da gestão por competências. A aprendizagem na área de compras e
contratações públicas, a depender da função específica, demanda tempo considerável, e
atualização constante. Uma satisfatória gestão do conhecimento é o meio mais imediato que
dispomos para minimizar tais danos. A sumarização de lições aprendidas, a criação de manuais
passíveis de atualização de forma célere.... O ideal, contudo, é que houvesse valorização em
termos de criação de uma carreira específica para a área de aquisições, com vantagens
proporcionais às responsabilidades dos agentes. Isso mitigaria o turnover.
Na sua percepção, as pessoas que lidam com as aquisições no serviço público estão mais
centradas em um processo de trabalho específico em detrimento de outro ou verifica-se
uma distribuição equilibrada (planejamento, execução, controle, avaliação) das aquisições?
148

Renato Fenili: Em primeiro plano, o maior contingente das pessoas que lidam com as compras
e contratações na seara pública dedica-se à execução do rito. São gestores de compras, em
seus diversos níveis hierárquicos inclusive, e em processo que congrega desde solicitantes e
centros de consumo até o ordenador de despesas. Executa-se muito, compra-se muito,
elaboram-se muitos editais, instruem-se inúmeras dispensas de licitação... mas planeja-se
pouco. Raros os órgãos que se lançam à implementação de um plano anual de compras.
Destes poucos, mais raros ainda são os que vislumbram os contornos de um plano estratégico
de compras.
No que tange ao controle, há de se bem delimitar seus tipos. Temos, hoje, um controle
a posteriori, bem definido. São os órgãos de controle interno e externo, que gozam,
usualmente, de maior valorização do que o contingente executório. Já o controle a priori e o
concomitante, materializado na gestão de riscos, é ainda parco, e sua implantação demanda
maturidade da equipe de compras.
Em que nível a alta cúpula da Administração deve se envolver no processo decisório da área
de aquisições?
Renato Fenili: A alta cúpula é a detentora do bastião da governança, no interior das fronteiras
organizacionais. A ela cabe a definição das políticas de compras, de estoques e
de terceirização, por exemplo. Cabe, ainda, manifestar-se com relação às decisões não
estruturadas, muitas vezes afetas a aquisições relevantes e/ou de alto vulto. Não se trata de se
imiscuir indevidamente no processo de compras: a cúpula faz parte do processo. De acordo
com as recomendações do Tribunal de Contas da União, o plano de compras deve ser
aprovado pela mais alta autoridade do órgão ou entidade. Deve-se, ainda, atribuir a um comitê
a responsabilidade por auxiliar a alta administração nas decisões relativas às aquisições.
É recomendável complementar o Código de Ética Profissional do Servidor Público (Decreto
1.171/1994) com um código de ética próprio ou outras políticas tratando das questões éticas
relacionadas a essa atividade específica?
Renato Fenili: O Tribunal de Contas da União entende que sim. Chega a recomendar que a
Comissão de Ética Pública oriente as organizações sob sua jurisdição a adotar código de ética
formalmente, inclusive avaliando a necessidade de complementar o código de ética do
servidor público federal ante as suas atividades específicas. Não vejo impropriedade nessa
recomendação. Minha única ressalva alude à geração em massa de normas infralegais. A ética
no serviço público é tocada por vários diplomas, indo desde a Lei nº 8.112/90, passando pelo
Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, Código de
Conduta da Alta Administração Federal, Lei de Improbidade Administrativa e até mesmo a Lei
Anticorrupção. Um servidor da área de compras que atenda aos comandos (por vezes
redundantes) dessas normas não se afastará, por certo, dos preceitos éticos.
Quais são os erros mais comuns de se cometer na gestão de pessoas da área de aquisições?
Renato Fenili: Debruçar-se sobre essa pergunta aclara o quão casuística e situacional é a
gestão de pessoas. A discussão é merecedora de palco mais amplo. Entendo, no entanto, que
há um vício arraigado na cultura brasileira, conformado desde o Período Colonial: o
personalismo na indicação e na manutenção das chefias e o reformismo quando da mudança
dos dirigentes, em interstícios por vezes exíguos.
Ademais, em apertada síntese, assevera-se que os extremos são habitualmente inadequados.
Exemplifico: excesso de feedback ou sua total ausência; excesso de disciplina (em termos de
atuação coercitiva nociva) ou de conivência; excesso de intervenção do gestor nas equipes a
ele subordinadas ou sua irrestrita ausência. Não se pode, ainda, deixar de apontar a falta de
implantação de um plano de capacitação com base nos gaps de competências.
149

Como a Central de Compras da Câmara dos Deputados faz a gestão de pessoas dos
servidores do órgão que trabalham com licitações? Há boas práticas que podem ser
compartilhadas com outros órgãos?
Renato Fenili: Entendo que, ao mesmo tempo em que há boas práticas, estamos nos
dedicando a ampliá-las. De toda sorte, posso fazer o seguinte apanhado:

• Fomento de um bom clima organizacional, através da abertura ao diálogo e acesso às


chefias;
• Existência de um plano de capacitação com base em gestão por competências;
• Implantação de um ambiente inovativo, marcado pela flexibilidade de rotinas e
geração de ideias;
• Possibilidade de ampla mobilidade de pessoal entre as unidades que compõem a
Central de Compras;
• Reuniões diárias (de curta duração) de coordenação entre as unidades que compõem
a Central, de sorte a promover o diálogo e a visão sistêmica;
• Dinamicidade na provisão de feedback positivo e negativo;
• Clareza na gestão e na disseminação de objetivos, e franca transparência na atuação,
de sorte a evidenciar que a área é pautada em bases éticas sólidas.

Renato Fenili é graduado em Ciências Navais pela Escola Naval, com pós-graduação em
Administração Pública. Possui, ainda, mestrado e doutorado em Administração pela
Universidade de Brasília (UnB). É analista legislativo e diretor da Central de Compras da
Câmara dos Deputados. No final de 2015, ele publicou o livro Boas Práticas Administrativas em
Compras e Contratações Públicas. Fenili está ministrando o Programa Lideranças em Logística
Pública que a Enap está oferecendo em 2017.

Grasielle de Oliveira Abrantes é Servidora Pública Federal estatutária desde 2007, com
experiência na docência de capacitações a servidores públicos. Instrutora da Escola Nacional
de Administração Pública – Enap – desde 2013 e da Escola da Advocacia Geral da União desde
2014, tendo atuado com público diversificado, de órgãos da administração pública federal,
estadual e municipal, níveis hierárquicos dos três escalões. Atua nos eixos de desenvolvimento
humano em Gestão Pública, principalmente em gestão estratégica e gestão estratégica de
pessoas. Especialista em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas e em Auditoria
Governamental pela Universidade Estadual do Tocantins, Bacharel em Administração pelo
CEULP Ulbra. Agente graduada do Institute Dale Carnegie, em comunicação, liderança e
relacionamento interpessoal, e pelo Instituto Eneagrama, no estudo de perfis
comportamentais.

39. Entrevista sobre o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) com
o professor da ENAP Lúcio Antônio Frezza Costa, 31/05/2017
• As perguntas foram elaboradas pela professora e Advogada da União, Michelle Marry
Marques da Silva.

Sabe-se que a forma de prestação de serviços públicos foi sendo alterada de acordo com as
mudanças processadas no Estado durante o tempo. Qual a relação das modificações de perfil
150

processadas no Estado levando em consideração os paradigmas constitucionais modernos de


Estado e a alteração da forma de pensar a prestação de serviços públicos?

Lucio Frezza: Quando há mudanças históricas em um país influenciadas por fatores políticos,
econômicos e sociais ocorre a mudança de interpretação dos textos legais e da própria
Constituição, desenhando-se assim novos paradigmas constitucionais. Os paradigmas de
determinada época acabam por delimitar o alcance da interpretação constitucional. A doutrina
estabelece três grandes paradigmas constitucionais: o Estado Liberal, o Estado Social e o
Estado Democrático de Direito.
O Estado Liberal foi marcado pela valorização dos direitos individuais, notadamente aqueles
relacionados à liberdade, igualdade formal, propriedade, e pela mitigação dos poderes do
governante submetido ao Estado de Direito (Legalidade). Foram designados pela doutrina
como direitos de primeira geração. Assim, a prestação dos serviços públicos se
consubstanciava basicamente nas atividades de poder de polícia do Estado (garantia de
segurança, liberdade e propriedade).
Posteriormente, adveio o paradigma do Estado Social com predominância dos direitos de
cunho social marcado por um Estado intervencionista e protecionista atuando na produção
econômica, em normas protetivas à saúde e controle das relações de emprego e
aposentadoria do trabalhador. São os direitos de segunda geração. Tratou-se de um modelo
marcado pela burocracia e lentidão na prestação dos serviços públicos resultando em altos
gastos públicos e pouca eficiência gestora.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 instituiu um novo paradigma de Estado, o Estado
Democrático de Direito, marcado pela ampliação do rol de direitos de primeira e segunda
gerações, e a criação dos direitos de terceira geração (direitos coletivos da sociedade - direito
ao meio ambiente equilibrado, a conservação do patrimônio histórico e cultural, etc). Buscou-
se a promoção da participação popular na tomada de decisões políticas, na definição de
políticas públicas e na conferência de legitimidade ao governante. O Estado passou a atuar
como regulador da sociedade e da economia voltado aos ideais de eficiência, gerência
administrativa e prevalência dos fins aos meios.
Em sequência, o Estado começou a se desfazer de diversas empresas de sua propriedade,
tendo como fundamento o Programa de Privatização das Estatais, submetendo-as ao controle
do Estado através dos poderes de polícia e disciplinar, por meio da criação de Agências
Reguladoras. Ocorreu nos serviços de telecomunicações, ferroviário, rodoviário, exploração de
energia elétrica, entre outros.
Paralelamente, o Estado começou a atuar em parceria com o setor privado em atividades não
exclusivamente estatais, como saúde, educação, cultura, etc. É o chamado Terceiro Setor,
exercido por meio de Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público, instituídas, respectivamente, pelas Leis nº 9.637/98, e 9.790/99, e agora com a
instituição das Organizações Sociais da Lei 13.019/2014 (Marco Regulatório das Entidades
Privadas sem finalidade Lucrativa).
Atualmente, a forma de pensar a prestação dos serviços públicos está fundada no conceito de
Administração Pública Gerencial, “modelo de governança”, ou “Managerialism”
(Gerencialismo), que prega uma nova gestão dos recursos públicos, de forma a proporcionar
ao Estado maior eficiência, flexibilização das normas rígidas de hierarquia e de estrutura,
redução de custos e operacionalização, aumento da qualidade dos serviços, entre outras
151

medidas contando ainda com a participação, exclusiva ou em parceria, da sociedade na gestão


da coisa pública, com transparência e controle por parte do poder público.

O Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE[1] pretendeu traçar um


diagnóstico econômico e da crise do Estado e propor soluções. Abordou quatro pontos: 1) a
necessidade de ajuste fiscal para devolver ao Estado a capacidade de implementar de forma
eficiente políticas públicas; 2) a construção de um novo modelo econômico; 3) a reforma
administrativa, e; 4) a reforma da previdência, com isso, sua proposta final foi do aumento
de governança, logo, da capacidade de governo do Estado. O PDRAE associou a publicização
de espaços públicos ao modelo de Estado gerencial. Pode-se dizer que foi a partir do PDRAE
que a ideia de delegação da execução do serviço público para terceiros passou a ser
disseminada?

Lucio Frezza: Como ressaltado anteriormente, a doutrina considera três paradigmas de Estado
como modelos existentes, o Estado Liberal, o Estado Social e o Estado Democrático de Direito.
Ao lado dessa classificação, o Plano Diretor de Reforma do Estado (PDRAE) denominou três
formas de Administração Pública, que consistem nos modelos de Administração Pública
Patrimonialista, de Administração Pública Burocrática (modelo weberiano), e, por fim, a
Administração Pública Gerencial (modelo de governança ou managerialism).
Nesta última, a Administração Pública Gerencial, prega-se um Estado não mais
prioritariamente produtor de bens e serviços (atuação direta na economia), mas sim regulador
da economia e da sociedade (intervenção indireta), conforme se vê do artigo 174 da CF/88,
que destaca o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. [2]
O PDRAE realmente associou a publicização de espaços públicos ao modelo gerencial, porém já
existiam iniciativas para a delegação da execução do serviço público para terceiros.
Destaca-se que, na década de 1930, ocorreu uma tentativa de profissionalizar a administração
pública com a criação do Departamento de Administração do Serviço Público – DASP, que
promoveu uma estruturação básica do aparelho administrativo instituindo o concurso público,
bem como as regras para admissão e treinamentos dos servidores.
Após o Golpe Militar de 1964, o Estado buscou expandir suas intervenções na vida econômica
e social, além de descentralizar as atividades do setor público com a criação de órgãos da
“Administração Indireta” (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedade de economia
mista) implicando em uma maior autonomia e delegação de autoridade, o que acabou
culminando com a publicação do Decreto-Lei nº 200 de 1967.
Em 1979, o Programa Nacional de Desburocratização (PND), foi criado com o propósito de
eliminar o excesso de burocracia desnecessária que atrasavam ou impediam que os cidadãos
fizessem uso dos serviços públicos.
Na década de 1990, o Governo passou a defender a ideia de um “Estado mínimo”,
promovendo uma redução dos gastos públicos, bem como a criação do Programa Nacional de
Desestatização (início ao processo de privatização de algumas estatais).
Em 1995, com a criação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE)
ocorreu a elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE),
redimensionando o próprio Estado, a sua crise e as formas de resolução da crise
estabelecendo a setorização.
152

Pode-se dizer que, com o movimento de publicização descrito pelo Plano Diretor da Reforma
do Aparelho de Estado (PDRAE), buscou-se a defesa da coisa pública, passando a ser papel do
Estado a busca pela satisfação do interesse público e não de grupos específicos da sociedade.
Com o PDRAE, o Estado passou a transferir essas responsabilidades às organizações sociais
fiscalizando-as por meio do contrato de gestão, e o controle estatal passou a ser de resultados
baseado na ideia de eficiência.

O repasse de recursos financeiros para os entes privados, sem fins lucrativos, procura
incentivar a realização de atividades que possuam, acima de tudo, interesses sociais. É uma
forma que busca a efetivação do desenvolvimento econômico e social do Estado. Nessa
perspectiva pode-se afirmar que a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, sugere uma forma
de fomentar a atividade desenvolvida pelas Organizações da Sociedade Civil?

Lucio Frezza: O STF no julgamento da ADI nº 1923/DF deixou assente que “O marco legal das
Organizações Sociais inclina-se para a atividade de fomento público no domínio dos serviços
sociais, entendida tal atividade como a disciplina não coercitiva da conduta dos particulares,
cujo desempenho em atividades de interesse público é estimulado por sanções premiais, em
observância aos princípios da consensualidade e da participação na Administração Pública.”
No caso das Organizações Sociais a finalidade do fomento é alcançada por meio de metas e de
resultados a serem alcançados no contrato de gestão.
Da mesma maneira, podem ser interpretadas as Organizações da Sociedade Civil da Lei nº
13.019/2014. Contudo, a atividade de fomento nessas entidades têm uma conotação mais
regulatória, em que a execução da parceria será acompanhada e fiscalizada pelo Poder Público
com participação da sociedade (controle social).
Foi com esse objetivo que a Lei n. 13.019/2014 instituiu o termo de colaboração, o termo de
fomento e o acordo de cooperação, como instrumentos hábeis a serem celebrados com as
chamadas Organizações da Sociedade Civil, para instigar a iniciativa privada a praticar
atividades consideradas relevantes, pelo Estado e pela sociedade, notadamente na área social.

Na linha do que acima disposto, o que são as Organizações da Sociedade Civil para a Lei nº
13.019, de 31 de julho de 2014? Existe diferença entre elas e as Organizações não
Governamentais as chamadas “ONG’s”?

Lucio Frezza: A Lei n. 13.019/2014 destacou no art. 2º, inciso I, o que se entende por
organização da sociedade civil. Para a lei, há três tipos de entidades passíveis de serem
consideradas Organizações da Sociedade Civil:
a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados,
conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras,
excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza,
participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas
atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de
forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva;
b) as sociedades cooperativas previstas na Lei no 9.867, de 10 de novembro de 1999; as
integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as
alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as
153

voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de


agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades
ou de projetos de interesse público e de cunho social;
c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e
de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos.
Pode-se dizer que as organizações da sociedade civil fazem parte de uma categoria de
entidades privadas sem fins lucrativos (ESFLs), contendo os seguintes atributos: natureza
privada, não governamental, sem finalidade lucrativa, constituída de forma legal e voluntária
caracterizado pelo regime de autoadministração.
Por sua vez, as Organizações não governamentais (ONGs) são grupos sociais organizados, sem
fins lucrativos, constituídos formal e autonomamente, caracterizados por ações de
solidariedade no campo das políticas públicas e pelo legítimo exercício de pressões políticas
em proveito de populações excluídas das condições da cidadania.
O termo “ONG”, entretanto, não pode ser aplicado a todas associações e fundações, mesmo
que sejam organizações privadas sem fins lucrativos, a exemplo de clubes, hospitais, escolas
filantrópicas, sindicatos, etc.
Por outro lado, uma ONG pode se enquadrar como uma Organização da Sociedade Civil nos
termos do artigo 2º, I da Lei 13.019/2014.

A Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, exclui de seu âmbito de aplicação as parcerias a


serem realizadas com as Organizações Sociais. Nesse diapasão, qual a diferença entre as
parcerias realizadas com as Organizações da Sociedade Civil e as Organizações Sociais?

Lucio Frezza: O artigo 3º, inciso III, foi explícito ao destacar que não se aplicam as exigências da
Lei 13.019/2014 aos contratos de gestão celebrados com organizações sociais, desde que
cumpridos os requisitos previstos na Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998.
Como ressaltado, uma das formas de parceria entre o Estado e a sociedade civil é a realização
do chamado Contrato de Gestão com a entidade privada sem fins lucrativos que tenha sido
qualificada como Organização Social pelo Poder Público.
Importante ressaltar que o modelo implementado para as Organizações Sociais (OS) da Lei n.
9.637/98 não se confunde com as relações de parceria das Organizações da Sociedade Civil de
interesse Público (OSCIP) - Lei n. 9.790/99, nem com as Organizações da Sociedade Civil criadas
pela Lei n. 13.019/2014 – Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC).
A Organização Social ao celebrar contrato de gestão com o Poder Público passa a ter direito à
dotação orçamentária, e em contrapartida este realiza o controle do dinheiro público
repassado. Nesse compasso, essas entidades gozarão de maior autonomia administrativa, e,
em compensação, seus dirigentes terão maior responsabilidade pelo seu destino. Ainda,
poderão utilizar de bens públicos, cessão de servidores públicos, para desenvolver as
atividades dispostas no art. 1° da Lei n. 9.637/1998.
As organizações sociais firmam parceria entre o Poder Público e o particular como forma de
colaboração entre os mencionados setores, tendo como finalidade fomentar a atividade
privada, aumentar a eficiência do Estado e satisfazer o interesse público, pois irão absorver os
serviços não exclusivos de Estado. Assim, irão desenvolver atividades que possuam interesse
coletivo, considerando-se que será mantido o financiamento público dos serviços.
154

Quanto às parcerias realizadas com as Organizações da Sociedade Civil, o enfoque é


justamente fortalecê-las institucionalmente de modo que atinjam os objetivos sociais para o
qual foram criadas.

Relacione a parceria firmada entre o poder público e o particular como forma de


colaboração entre os mencionados setores e a finalidade de fomento à atividade privada,
aumento da eficiência do Estado e a satisfação do interesse público?

Lucio Frezza: Como ressaltado, o espírito da Lei do MROSC (art. 6º, inciso I, da Lei
13.019/2014) é promover o fortalecimento institucional, a capacitação e o incentivo à
organização da sociedade civil em cooperação com o Poder Público no intuito de desenvolver
atividades que possuam interesse coletivo.

A lógica estabelecida pela lei foi no sentido de que a parceria entre as entidades da
Administração Pública e as Organizações da Sociedade Civil envolvesse cinco fases principais:
Planejamento e Gestão Administrativa, Seleção e Celebração, Execução, Monitoramento e
Avaliação e Prestação de Contas.

Nota-se que esse tipo de parceria está relacionado com a Administração Pública Gerencial, que
é menos burocrática, tendo como finalidades o fomento à atividade privada, o aumento à
eficiência do Estado e à satisfação do interesse público.

Em que medida as parcerias firmadas entre o poder público e as entidades privadas podem
ser consideradas um meio para realização de políticas públicas?

Lucio Frezza: A Política Pública é uma forma de o Estado promover um programa de ação
governamental, visando a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados. Nesse contexto, requer um planejamento estatal prévio, direcionado à escolha
do que irá melhor atender ao interesse coletivo.
A transferência da execução de determinado serviço público passa a ser levada em
consideração, justamente, para que, em parceria com o Estado, a entidade privada passe a
atuar e participar do atendimento às necessidades da coletividade.
Nesse contexto, a intenção do Estado, quando busca efetivar a parceria com o setor privado, é
atrair investimentos desse setor para que sejam executadas obras e serviços públicos
considerados essenciais para o desenvolvimento econômico, social e político. Nesse contexto,
a utilização de um parceiro privado tem como objetivo principal prestar os serviços públicos da
melhor forma para a coletividade, tendo em vista que a demanda é crescente e, muitas vezes,
há um déficit orçamentário Estatal para a prestação desses serviços à coletividade.
Por outro lado, a iniciativa privada tem a capacidade de realizar obras de forma mais ágil,
colaborando assim, com a prestação dos serviços públicos. A colaboração entre Administração
Pública e a Sociedade Civil, principalmente junto à população mais carente, tem por escopo
diversificar a política pública e aumentar o seu espaço de atuação. O vínculo que se forma
entre as Organizações da Sociedade Civil e a Administração Pública aumenta a participação
social na implementação das políticas públicas, notadamente quanto à fiscalização e o
resultado a ser alcançado.
155

A Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, instituiu novos instrumentos hábeis a serem


celebrados com as chamadas Organizações da Sociedade Civil, quais as diferenças entre
eles? Existe diferença entre os referidos instrumentos e o convênio?

Lucio Frezza: A Lei nº 13.019/2014 criou dois novos tipos de parceria entre o Estado e as
chamadas entidades do Terceiro Setor: o “Termo de Colaboração” e o “Termo de Fomento”.
Esses instrumentos jurídicos foram criados para substituir o “Convênio”, com o intuito deste
ser utilizado apenas em parcerias celebradas entre dois ou mais entes públicos. Por outro lado,
consta ainda do Decreto 6.170/07 e da Portaria Interministerial nº 424/2016, a possibilidade
de transferências voluntárias de recursos da União mediante Convênio ou Contrato de Repasse
às entidades privadas sem fins lucrativos.
O artigo 2º, VII da Lei nº 13.019/2014 destaca que o termo de colaboração é o instrumento por
meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com
organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e
recíproco propostas pela administração pública que envolvam a transferência de recursos
financeiros.
Já o inciso VIII do mesmo artigo ressalta que o termo de fomento é o instrumento por meio do
qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações
da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas
pelas organizações da sociedade civil que envolvam a transferência de recursos financeiros.
A diferença é que no Termo de Colaboração, a iniciativa da parceria será da Administração
Pública, enquanto no Termo de Fomento, a proposta da parceria é da entidade do Terceiro
Setor. Percebe-se, que o objetivo da criação desses instrumentos jurídicos é a realização da
transferência voluntária de recursos financeiros para a execução de Planos de Trabalho em
regime de cooperação com as Organizações da Sociedade Civil.
Recentemente, a Lei nº 13.204/2015 promoveu uma alteração legislativa no MROSC para
incluir o inciso VIII-A que trata do “Acordo de Cooperação”, com o intuito de formalizar as
parcerias entre a Administração Pública Federal e as Organizações da Sociedade Civil para a
consecução de finalidades de interesse público e recíproco, que não envolva a transferência de
recursos financeiros.
Quanto ao Convênios, destaca-se que o Decreto 93.872/86 inseriu a possibilidade de sua
celebração com as entidades privadas sem fins lucrativos, sendo regulamentado
posteriormente pela Instrução Normativa STN/MF 01/97, que disciplinou a celebração de
Convênios de natureza financeira que tenham por objeto a execução de projetos ou realização
de eventos da Administração Pública Federal com outros Órgãos da Administração Pública
Estadual e Municipal e com entidades privadas, adotando o mesmo regime para ambas.
Posteriormente, o Decreto n. 6.170/2007 disciplinou a matéria, e definiu o Convênio como
“acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos
financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e
tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta
ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou
municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando a
execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço,
aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação”. Do
156

mesmo modo, a recente Portaria Interministerial nº 424/2016 conceituou Convênio no artigo


1º, § 1º, XI.
Verifica-se que no Decreto n. 6.170/2007, o Convênio tem como objetivo a execução de
programas de governo, sendo as entidades privadas consideradas como mandatárias da
Administração Pública para a execução de políticas públicas específicas; e na Lei 13.019/2014,
a intenção foi no sentido de que as entidades privadas possam ser consideradas entidades
parceiras do Poder Público para alcançar o interesse público nas atividades fomentadas pelo
Estado, seja pelo Termo de Fomento ou Termo de Colaboração.

Quais são os objetos de acordo com a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que não são
passíveis de serem realizadas as parcerias previstas na Lei?

Lucio Frezza: O art. 40 da Lei 13.019/2014 dispôs, expressamente, quanto aos objetos no qual
as parcerias não estão autorizadas: a) a delegação das funções de regulação, de fiscalização, e
de exercício do poder de polícia; e b) as atividades consideradas exclusivas de Estado.

A Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, em seu art. 2º, inciso XII, definiu a necessidade de
prévio chamamento público antes da formalização da parceria. O instituto do chamamento
público é uma forma de seleção prévia da entidade que irá firmar os instrumentos jurídicos
previstos legalmente. O chamamento público é obrigatório? Sendo o chamamento público
uma forma de seleção das entidades que irão formalizar parcerias com o poder público
pode-se afirmar que ele é um procedimento licitatório? Existe diferença entre o
chamamento público, o credenciamento e a pré-qualificação?

Lucio Frezza: O artigo 24 do MROSC ressalta que “exceto nas hipóteses previstas na Lei nº
13.019/2014, a celebração de termo de colaboração ou de fomento será precedida de
Chamamento Público voltado a selecionar Organizações da Sociedade Civil que tornem mais
eficaz a execução do objeto”.
Como se vê, a própria lei estabelece nos artigos 29 a 32 as exceções ao chamamento público –
seja por dispensa, inexigibilidade ou outras questões (v.g., recursos decorrentes de emendas
parlamentares, urgência, calamidade pública, etc..). Ressalta-se que a ausência de realização
de chamamento público será justificada pelo administrador público.
Destaca-se ainda que o artigo 27, § 6º é explícito ao afirmar que a homologação da proposta
mais adequada no Chamamento Público não gera direito para a organização da sociedade civil
à celebração da parceria.
Por outro lado, em uma análise mais detida, verifica-se que o verbo utilizado é “será” e não
“deverá ser”, dando a impressão de que a norma não quis ser tão rígida a ponto de taxar o
procedimento como obrigatório.
Quanto à segunda pergunta, o Chamamento Público do MROSC não é necessariamente um
procedimento licitatório. A necessidade de realização de licitação advém da existência de
competição entre as potenciais entidades que possam vir a ser selecionadas a realizar o objeto
a ser contratado, porém o escopo do Chamamento Público na Lei do MROSC é outro.
O chamamento público é um procedimento destinado a selecionar uma Organização da
Sociedade Civil para firmar parceria, garantindo oportunidade de acesso a todas as entidades
interessadas. Para tanto, o órgão do governo responsável deverá publicar um edital chamando
157

todas as organizações da sociedade civil a apresentarem suas propostas, e escolher aquela


proposta mais adequada aos propósitos do objeto da parceria.
O artigo 23 do MROSC demonstra uma preocupação com a transparência dos atos a serem
praticados, já que destaca que a Administração Pública deverá adotar procedimentos claros,
objetivos e simplificados que orientem os interessados e facilitem o acesso direto aos seus
órgãos e instâncias decisórias, independentemente da modalidade de parceria prevista na Lei.
Como se vê, a intenção da norma com a realização do chamamento público é não apenas dar
transparência ao processo de seleção da entidade que irá firmar a parceria com o Poder
Público, mas também dar oportunidade de participação no procedimento de escolha da
entidade para todos aqueles que possuam os requisitos necessários para a realização do
objeto da parceria de forma mais eficaz.
Já o Instituto do Credenciamento pode ser conceituado como uma espécie de cadastro em que
se inserem todos os interessados em prestar certos tipos de serviços, conforme regras de
habilitação e remuneração prefixadas. Ao invés de ocorrer uma relação de exclusão, há a
integração para que o interesse público seja atendido não por um ou alguns prestadores, mas
que todos os interessados em igualdade de condições apresentem condições de atender o
objeto pretendido e sejam efetivamente contratados. Nasceu de uma construção
jurisprudencial, e possui como fundamento o caput do art. 25 da Lei 8.666/93, que prevê a
possibilidade de contratação sem licitação prévia, nos casos em que exista inviabilidade de
competição.

O TCU reconhece a possibilidade de utilização do Instituto do Credenciamento afirmando que:


“...não há concorrência entre os interessados; preenchidos os critérios mínimos estabelecidos
no edital, a empresa será credenciada, podendo ser contratada em igualdade de condições
com todas as demais que forem credenciadas.” (Acórdão nº 408/2012-plenário TCU)

Essa possibilidade de participação de todo e qualquer interessado que cumpra os requisitos


previstos no edital de credenciamento caracteriza ausência de competição entre os
participantes do procedimento licitatório, uma vez que todos os que forem credenciados terão
chance de ser contratados pela administração.
Não é o caso das parcerias previstas na Lei do MROSC, haja vista que haverá, na etapa de
chamamento público, a seleção de apenas uma entidade para a celebração das parcerias
legalmente previstas. Isso é evidente, na leitura do artigo 28 da Lei do MROSC, o qual deixa
claro que a intenção foi justamente a criação de uma etapa competitiva para a celebração dos
ajustes nela previstos e não o credenciamento de entidades.
A pré-qualificação, por sua vez, é um procedimento administrativo, que tem por finalidade
antecipar a fase habilitatória da licitação. É a análise da capacitação técnica previamente ao
certame licitatório, conforme previsão do art. 114 da Lei 8.666/93, que se aplica aos casos em
que a complexidade do objeto a ser licitado demande exigências técnicas, mais apuradas que
aquelas normalmente solicitadas, como ocorre nas Concorrências.
Assim, é lançado um edital que contém todas as exigências e requisitos concernentes à
qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, habilitação jurídica e regularidade
fiscal. Todo e qualquer interessado poderá participar da pré-qualificação, mas apenas aqueles
que satisfizerem as condições para habilitação serão pré-qualificados para participarem da
licitação. E no procedimento licitatório serão julgadas, tão-somente, as propostas de preços
158

dos licitantes pré-qualificados. Os competidores que não obtiverem a pré-qualificação não


participam da licitação.

A Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014 instituiu o Procedimento de Manifestação de


Interesse Social. Como funciona? Ele deve obrigatoriamente ser realizado antes da
celebração da parceria? Qual a vantagem em realizar o procedimento citado?

Lucio Frezza: O referido Instituto consta do artigo 18 do MROSC. A norma destaca que
o Procedimento de Manifestação de Interesse Social é um instrumento por meio do qual as
organizações da sociedade civil, movimentos sociais e cidadãos possam apresentar propostas
ao poder público para que este avalie a possibilidade de realização de um Chamamento
Público objetivando a celebração da parceria.
Ocorrendo a apresentação das propostas, que deve conter a identificação do seu subscritor, a
indicação do interesse público envolvido e o diagnóstico da realidade que se quer trabalhar, a
Administração Pública deverá, obrigatoriamente, publicá-las, para após, decidir pela
conveniência e oportunidade da realização do Procedimento de Manifestação de Interesse
Social.
Sendo assim, o Poder Público deverá adotar procedimentos claros, objetivos e simplificados
que orientem os seus interesses, estabelecendo critérios a serem seguidos, notadamente
quanto ao objeto da parceria, as metas, os custos e indicadores, quantitativos ou qualitativos,
de avaliação de resultados, independentemente da modalidade de parceria entabulada, por
meio do Chamamento Público.
O artigo 21 do MROSC informa que a realização do Procedimento de Manifestação de
Interesse Social não implicará necessariamente na execução do Chamamento Público, e
também não impedirá que a Organização da Sociedade Civil participe de um eventual
chamamento público subsequente, caso não sejam aprovadas as propostas.
Como se vê, o Procedimento de Manifestação de Interesse Social não é condição obrigatória à
realização do Chamamento Público, que ficará condicionado à conveniência e oportunidade da
Administração Pública.
Além disso, o § 3o do artigo 21 destaca que “é vedado condicionar a realização de
chamamento público ou a celebração de parceria à prévia realização de Procedimento de
Manifestação de Interesse Social”.
Sendo assim, é possível inferir que não há necessidade do mencionado Instituto ser realizado
antes da celebração da parceria, pois, o Chamamento Público não é obrigatório, e nem o
Procedimento de Manifestação de Interesse Social é condição indispensável à realização da
Chamada Pública.
A vantagem em instaurar esse procedimento tem por objetivo permitir e incentivar a opinião
da sociedade sobre novas ações de interesse público e recíproco que não estejam previstas em
outros projetos ou atividades que se encontrem em execução ou que tenham previsão de
chamamentos públicos para realização de parcerias. Trata-se de ideias inéditas, ainda não
contempladas em políticas públicas ou programas de governo, que possam vir a se concretizar,
caso seja do interesse da Administração Pública efetivá-las.

As contratações realizadas pelas Organizações da Sociedade Civil com uso de recursos


públicos repassados por meio da parceria devem seguir qual regulamento de compras?
159

Lucio Frezza: A Lei 13.019/2014 destaca que as organizações da sociedade civil deverão
apresentar regulamento de compras e contratações, próprio ou de terceiro, aprovado pela
administração pública celebrante, demonstrando a compatibilidade entre a alternativa
escolhida e a natureza e o valor do objeto da parceria, a natureza e o valor dos serviços, e as
compras passíveis de contratação, conforme aprovado no plano de trabalho.
A lei ainda destaca que devem ser observados os princípios da legalidade, da moralidade, da
boa-fé, da probidade, da impessoalidade, da economicidade, da eficiência, da isonomia, da
publicidade, da razoabilidade e do julgamento objetivo e a busca permanente de qualidade e
durabilidade.
Ressalta-se que artigo 48 do MROSC informa que as parcelas dos recursos transferidos no
âmbito da parceria serão liberadas em estrita conformidade com o respectivo cronograma de
desembolso, à exceção dos casos de impropriedades, em que as parcelas ficarão retidas até o
saneamento das irregularidades.
A norma prevê ainda situações de maior exigência e controle dos recursos a serem liberados,
inclusive quanto ao acompanhamento periódico a ser realizado pela entidade em decorrência
do seu poder de polícia ou de atuação do controle interno e externo.
Os repasses parcelados ficam condicionados à prestação de contas da parcela anterior, além
da regularidade com a execução do plano de trabalho.
Quanto à despesa, o artigo 45 do MROSC traz algumas vedações, como a utilização de recursos
para finalidade alheia ao objeto da parceria; e o pagamento, a qualquer título, a servidor ou
empregado público com recursos vinculados à parceria.
Entretanto, são permitidas despesas, caso aprovadas no plano de trabalho, como por exemplo,
a remuneração da equipe encarregada da execução do plano de trabalho, desde que
demonstrada a sua necessidade ao cumprimento do objeto.

Michelle Marry Marques da Silva é Advogada da União e coordenadora-geral para Assuntos


Administrativos no Ministério da Educação. Ex-Analista Judiciária no Superior Tribunal de
Justiça. Ex-coordenadora-geral substituta na Coordenação-Geral de Licitações, Contratos e
Convênios do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Ex-assessora na
Subchefia para Assuntos Jurídicos na Casa Civil da Presidência da República. Ex-coordenadora-
geral de Suporte à Central de Compras e Contratações do Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão. Ex-coordenadora-geral de Assuntos Administrativos no Ministério
da Cultura. Especialista em Direito Público. Pós-graduada pelo Instituto Brasiliense de Direito
Público e pela Universidade de Brasília. Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto
Brasiliense de Direito Público. Atuou na elaboração do Regime Diferenciado de Contratações.

Lúcio Antônio Frezza Costa possui graduação em Direito pelo Centro Universitário do
Triângulo (1999). É professor-tutor da Escola Nacional da Administração Pública (ENAP) em
cursos presenciais e EAD, professor-tutor da Escola Superior do Ministério Público da União
(ESMPU), professor da Escola Nacional de Governo, dentre outras Instituições parceiras
(CNPQ, MCTI, MI ...). É analista do MPU/Apoio Jurídico/Direito do Ministério Público do
Trabalho com atuação na Coordenação de Recursos Judiciais na Procuradoria Geral do
Trabalho. Tem experiência em docência e na área de Direito, com ênfase em Direito Público.
160

40. Entrevista com o professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes sobre compras públicas,
06/06/2017

• Perguntas elaboradas pelo professor Carlos Henrique de Azevedo Moreira.

DIMENSÃO: AVALIAÇÃO DE RESULTADOS


Qual a sua avaliação sobre os reais avanços trazidos pelas inovações em licitações na última
década?

Jacoby: A sociedade passou a dar mais importância ao tema; a imprensa procurou ouvir mais
os gestores; todos parecem exigir mais profissionalismo e melhor qualificação.

Quais instrumentos e/ou normas estão claramente obsoletas e exigem revisão imediata?

Jacoby: O Decreto, do Registro de Preços nasceu em 2014, já federal. O tempo randômico


no pregão eletrônico.

Qual a sua avaliação quanto às contribuições do TCU na área de contratações públicas?

Jacoby: Até o ano de 2.000 possuía caráter orientador; na atualidade o TCU passou a ignorar
um princípio universal de auditoria “princípio da aderência a diretrizes e normas” – Veja meu
livro Tribunais de Contas do Brasil, cap. 1, e passou a punir até quem desobedece sua
jurisprudência. Lamentável.

DIMENSÃO: IMPACTOS DA CRISE


Com a aprovação da PEC do Teto de Gastos e com a reforma da previdência batendo na
porta, existe a expectativa que os servidores permaneçam mais tempo no serviço público e
que ocorra até uma diminuição no quadro de servidores, o que prejudicará a rotatividade, a
oxigenação e aumentará a necessidade de capacitação e reciclagem. Como a Administração
deve atuar para garantir a contínua atuação dos agentes públicos com eficácia e eficiência
nesse contexto?

Jacoby: O Estado não pode continuar expandindo quantitivos de servidores. A voz corrente de
“concurseiro” é procura de estabilidade e é frequente gestores reclamarem da falta de
compromisso dos novos iniciantes. Precisamos buscar qualidade e formação continuada. E
aumentar governança e troca de boas práticas com ferramentas de TI. Ofereço a todos os
leitores a oportunidade de receberem todos os dias um resumo que faço do DOU por
WhatsApp. Basta se cadastrarem no nº (61) 99412-3151. É um exemplo de troca de
experiências.

Neste cenário de agravamento da crise econômica e consequente restrições, que


alternativas os Estados e os Municípios podem adotar para suprir suas necessidades de
especialistas em contratações públicas? Uso de trabalho colaborativo, Comunidades de
Prática, Compartilhamento de informações? (*)

Jacoby: A gestão deve buscar especialistas e definir com clareza o que quer internalizar e o que
quer terceirizar. Precisa ser efetiva a regra do art. 10,§7 do Decreto-lei 200/1967 e
desmistificar a dicotomia público-privada. O que não se pode é transferir o processo decisório,
161

o nível estratégico. Veja um exemplo. Em 2015 o GDF gastou com educação a cifra de
R$1.150,00 reais por mês por aluno! Dos quinze melhores colégios avaliados no Brasil, só 5
cobram mais de R$ 1.100,00 de mensalidade. Se dermos um cheque nesse valor para cada pai
num programa de médio prazo e transferirmos os alunos para rede privada, o Estado voltará a
sua função. Outro exemplo, o Brasil gastou em 2016, 1,2 bilhões em livro didático e só 126
milhões em tablet. No tablete podemos colocar ao aluno no mundo com os melhores livros e
professores do mundo! E quem sabe deixar de ser o nº1 em acesso a pornografia.

DIMENSÃO: O FUTURO E O USO DE NOVAS TECNOLOGIAS


Existe uma tendência de cada vez mais incluir os serviços do governo da era digital, o
chamado "governo eletrônico". Muito já se avançou com o portal de compras
governamentais, mas ainda existem muitas restrições ao acesso de mercado de compras
públicas como o SICAF e a necessidade de acompanhamento das publicações de editais sem
um catálogo saneado. Na sua opinião quais as inovações técnicas e normativas necessárias
para avançar nesse ponto, considerando que os custos seriam reduzidos para as empresas
em tempos de exclusividade de ME e EPP?

Jacoby: Neste tema, há um problema de fundo: é o governo querendo fazer tudo e


“legislando” por regras do sistema. É nítido haver um abismo entre a inteligência dos
servidores e a execução. O país tem organismos de credibilidade – com ABNT, CONFEA,
INMETRO e centenas de instituições do sistema CONMETRO. Por que o Estado foge junto da
autoregulação dos setores? Se repartíssemos as competências e as autoridades certificadoras,
o resultado já teria sido alcançado. Note: se tivermos certificações de produtos – caneta de
qualidade A, B, C editais padrão da AGU, sistemas de registro de preços como o que já existe
na Negócios Públicos, licitar deixaria de ser complicado. O sistema de registro de
preços permanente ainda não existe na esfera federal por teimosia de alguns. Já existe em
MG, MA e RO. O Ministério da Administração – a meu ver esse deveria ser o nome do órgão –
deveria apenas concentrar a elite da inteligência em gestão, fosse com servidores de carreira
ou comissionados que definissem as estratégias. A execução pela iniciativa privada com regras
de compliance e transparentes. Dia a dia, perde-se inteligência com saída de servidores.

Quais as inovações, ora em estudo, com potencial de trazer maior eficiência ao processo
e/ou melhores resultados às contratações públicas?

Jacoby: Reduzir a complexidade e quantidade das normas; implantar o SRPP (SRP +


permanente); instituir a prorrogação de 2 minutos no lance e extinguir o tempo randômico;
instituir cadastro positivo de fornecedores para desempate e contratação direta.

O quanto podemos ainda evoluir na transparência dos processos de contratação?


Jacoby: Melhoria dos sistemas e disponibilização de ferramentas gerenciais para controle da
sociedade civil organizada. O Brasil foi escolhido, em evento patrocinado pelo Banco Mundial
em Washington, em setembro de 2016, como o 4º país do mundo em transparência! E o
primeiro como prova de que transparência não serve no combate à corrupção!!!! Isso mesmo.

O Terceiro Setor pode contribuir nas contratações públicas?

Jacoby: Vou responder usando exemplo do Dr. Carlos Henrique, em outro contexto.
Precisamos compreender que podemos usar a inteligência e capacidade especializada do setor
privado, deixe que o estado concentre a inteligência estratégica. Uma montadora de veículos
162

terceiriza a fabricação de quase todas as peças e nenhum fabricante de peça tem capacidade
de fazer o veículo.

Há espaço para um melhor e mais justo relacionamento com os fornecedores (foco no


desenvolvimento de parcerias, à exemplo das montadoras de automóveis)?

Jacoby: O estado se tornou hermético. É necessário que se instituam comitês para receber
sugestões, premiar e contratar soluções de problemas. Veja a gravidade do judiciário
brasileiro; 100.000.000 de processos em tramitação, com 8 anos em média de julgamento e o
CNJ pretendia impor a Tribunais mais avançados em TI, com SP, o modelo federal, ao invés de
aproveitar os 8 anos de sistema já desenvolvido pelo TJ/SP.

O que acha do Projeto de Lei nº 559/2013, aprovado recentemente pelo Senado, que altera a
Lei de Licitações e Contratos, o qual consolida regras presentes em diferentes leis que tratam
das licitações, do pregão e do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC)?

Jacoby: Poucos sabem, mas a proposta nasceu em audiência que tive com o Presidente do
Senado, onde apresentei, junto com o Dr. Murilo Jacoby, anteprojeto de Consolidação das Leis
de Licitação e Contratos. Todas as leis o todas inclusive publicidade, e outros seriam
unificados. O projeto foi sendo desenvolvido e, como era de se esperar, alterado. Para melhor
e para pior, data venia! Hoje tem cerca de 70% do que foi proposto, mas tem avanços. Criação
do fornecimento contínuo, possibilidade do gestor escolher se, inverte ou não as fases,
responsabilização limitada a dolo, fraude ou erro grosseiro, possiblidade de rejeitar pareceres,
inclusive judiciais, contrato eletrônico, prorrogação de ata de registro de preços, edital padrão,
catálogos eletrônico, melhoria do sistema público.

Considerações Finas
É fundamental Fóruns como este, em que um grupo seleto de pessoas compromissadas como
desenvolvimento nacional podem, fora dos canais rígidos da hierarquia, encontrar “seus iguais
e semelhante” e pensar o país.
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes é Advogado. Mestre em Direito Público e Professor de Direito
Administrativo. Membro vitalício da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e
Literatura, como acadêmico efetivo imortal, em ciências jurídicas, ocupando a cadeira nº 7,
cujo patrono é Hely Lopes Meirelles. É consultor no Banco Mundial e no Instituto Escola
Protege Brasil – IEPB, advogado na Jacoby Fernandes e Reolon Advogados Associados –
JFR/AA. É autor de 12 livros. Participou de mais de 1.000 eventos.
Carlos Henrique de Azevedo Moreira possui mestrado em Engenharia de Sistemas e
Computação pela COPPE/UFRJ (2010). Atualmente é gerente de tecnologia e informação da
Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder E e analista de
informática - Serviço Federal de Processamento de Dados. Tem experiência na área de
Administração, com ênfase em Contabilidade e Finanças Públicas, atuando principalmente nos
seguintes temas: compras governamentais, eficiência, governo eletrônico, compras eletrônicas
e controle.

41. Entrevista sobre a Bolsa Eletrônica de Compras do Governo do Estado de São Paulo
(BEC/SP) com a professora Maria de Fátima Alves Ferreira, 14/06/2017
• As perguntas foram elaboradas pela Especialista Sênior em Gestão Fiscal e Municipal do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ana Lúcia Dezolt.
163

Lançada em 2000, a BEC/SP se tornou referência em compras eletrônicas. Como surgiu a


iniciativa?

A BEC foi idealizada a partir de experiência do então coordenador da área, Walter Soboll,
adquirida quando trabalhou na Bolsa de Cereais, introduzindo para as compras do estado o
conceito decommodities.
A implantação da BEC teve o apoio de outra experiência – nacional/internacional?

A implantação contou com o apoio da Procuradoria Geral do estado para interpretar a


legislação existente, que não contemplava a hipótese do uso de tecnologia da informação nas
compras públicas. Contou também com grupo de estudos no governo paulista e palestras de
consultorias sobre comércio eletrônico para apoiar o desafio da inovação pretendida, já que
não havia histórico de outra iniciativa nesse sentido no Brasil.
Considerando 16 anos de funcionamento, quais foram/são os principais desafios?

Os principais desafios foram a mudança cultural, a quebra de paradigma, a inclusão digital dos
usuários e o volume de compras do estado que não podia parar.
Como a BEC/SP se estruturou para o atendimento das várias demandas do estado
(principalmente saúde, educação e segurança pública)?

O sucesso da implantação foi a estratégia adotada com cronograma rígido de


acompanhamento, treinamento e suporte técnico para os usuários que encontraram na
equipe técnica o apoio para garantir a segurança necessária para operar o sistema na sua
unidade operacional.

A BEC/SP atende também vários municípios do estado de São Paulo. Como se deu este
processo de ampliação de usuários?

Diante do sucesso alcançado nas compras governamentais, o governo entendeu que o sistema
poderia ser utilizado pelas prefeituras paulistas, com o objetivo de proporcionar maior
celeridade e economia nas compras públicas, otimizando os recursos orçamentários.

Como foi elaborado o projeto de avaliação de fornecedores?

O projeto de avaliação de fornecedores, desenvolvido com o apoio do Banco Interamericano


de Desenvolvimento (BID), tem como objetivo registrar em ficha específica, preenchida pelas
unidades compradoras, questões sobre o recebimento do bem ou serviço. O resultado desse
questionário é apurado eletronicamente, quando é atribuída uma nota, momento em que o
fornecedor passa a integrar um rating do estado. A iniciativa será objeto de disciplinamento
por parte da Procuradoria Geral do estado.

Quais funcionalidades da BEC você considera diferenciadas em relação a outras bolsas


eletrônicas?

São várias: o catálogo de produtos que conta com requisitos de pesquisa e de informações
técnicas, busca regionalizada e informações sobre as compras do governo, com preços médios
para apoiar os usuários; o painel de fornecedores do estado, que provê aos fornecedores
cadastrados informações sobre o comportamento de suas vendas e de prestação de serviço,
com gráficos, além de permitir, em um único ambiente, que o fornecedor visualize as
164

ofertas de compras do estado para o procedimento de dispensa de licitação e modalidades de


licitação convite e pregão, todos eletrônicos. Essa iniciativa recebeu o prêmio e- Gov Nacional.
Conte-nos sobre o CADTERC – Estudos Técnicos de Serviços Terceirizados.

Os estudos técnicos de serviços terceirizados têm como objetivo divulgar as diretrizes para
contratações de fornecedores de serviços terceirizados pelos órgãos da administração pública
estadual, com padronização de especificações técnicas e valores limites (preços referenciais)
dos serviços mais comuns, levando em consideração critérios de relevância e risco na
contratação. Conta atualmente com 18 estudos divulgados e preços específicos, com
detalhamento dos insumos que compõem a descrição do serviço a ser contratado, orientações
para elaboração de minutas de editais e contratos, que podem ser acessados pelo endereço
eletrônico www.cadterc.sp.gov.br.
Quais indicadores de gestão utilizados considera mais importantes? Há indicadores de
transparência do gasto?

A Coordenadoria implantou o Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ) da BEC/SP – ISO


9001:2008, destinando ao Departamento de Qualidade e Pesquisas a gestão desse sistema,
cujo objetivo é o aperfeiçoamento contínuo de suas atividades. Os principais indicadores são:
volume de itens negociados; volume de usuários estaduais; número de fornecedores;
competitividade; percepçãodos usuários; satisfação dos colaboradores. No quesito
transparência do gasto, as informações sobre o monitoramento das negociações contam com
detalhamento por ano, mês, tipo de procedimento, valor negociado e economia auferida, além
do acompanhamento da Corregedoria Geral da Administração (CGA), que produz o índice de
utilização da BEC/SP pela Administração Pública.

Do seu ponto de vista, quais os principais riscos associados a compras eletrônicas?

Trata-se de um sistema de alta disponibilidade e, portanto, o monitoramento por parte da


equipe técnica é de fundamental importância, contando com indicadores de gestão que
colaboram para mitigar riscos de operação da BEC/SP e orientam a forma de atuar no caso de
fato superveniente vir a ocorrer. Cerca de 200 negociações são realizadas por dia.

Como a experiência da BEC pode ser aproveitada por outros estados/países?

Os dados disponibilizados na BEC podem colaborar com estudos e análises por parte de
consultores, formadores de opinião e pela sociedade, pois destinam ampla transparência
sobre compras públicas paulistas.

Maria de Fátima Alves Ferreira foi Coordenadora da Coordenadoria de Compras Eletrônicas e


de Entidades Descentralizadas, na Secretaria da Fazenda, responsável pela Bolsa Eletrônica de
Compras do Governo do Estado de São Paulo (BEC/SP) e pelo acompanhamento das entidades
descentralizadas. Formada em Administração de Empresas, pós-graduada em Controladoria
Governamental pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e com especialização em
Administração Pública pela Japan International Cooperation Agency (JICA). Atua na gestão de
projetos internacionais financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e
participa de grupos de trabalhos no âmbito do governo do Estado de São Paulo voltados para a
modernização da área de compras governamentais e regulamentação de licitações
sustentáveis. Coordenadora do Grupo de Trabalho Qualidade do Gasto no âmbito do Grupo de
Gestores Financeiros do Brasil. Possui, ainda, ampla experiência em reorganização
administrativa e implantação de novos projetos de governo. Docente na Fundação do
165

Desenvolvimento Administrativo (Fundap), escola de governo do estado de São Paulo, na área


de gestão de suprimentos, cursos presenciais e a distância.

Ana Lúcia Dezolt Especialista Sênior em Gestão Fiscal e Municipal do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) no Brasil desde 1994, é responsável atualmente pela supervisão de
projetos de modernização da gestão fiscal em estados brasileiros. Com atuação transversal aos
temas fiscais e municipais, realizando no Brasil a interlocução setorial com o governo brasileiro
sobre o tema de compras, membro do grupo de análise de temas sobre PPPs e do grupo de
reengenharia de processos do Banco. Áreas de trabalho: gestão de compras; revitalização de
áreas históricas; descentralização e capacidade institucional; administração tributária e
finanças públicas; desenvolvimento de pessoas e gestão do conhecimento. Possui trabalhos
publicados em finanças públicas e gestão por resultados. Foi professora de Relações
Econômicas Internacionais no Instituto Rio Branco/Ministério das Relações Exteriores e
consultora para a Série de Política Fiscal da Comissão Econômica para América Latina e
Caribe/Cepal, realizada em conjunto com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Ipea
(1989/1994). É economista graduada pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduada em
psicologia pela Universidade do Centro de Estudos Universitários de Brasília (Uniceub),
mestrado em economia incompleto pela UnB, e especialização em avaliação e gestão de
projetos (BID).

42. Entrevista sobre a Gestão de Indicadores em Compras Públicas com o professor Gilberto
Porto, 19/09/2017

• Perguntas elaboradas pelo professor Cristiano Heckert.

Segundo Deming, “não se gerencia o que não se mede”. Nesse sentido, qual a
importância de se trabalhar com indicadores na Administração Pública e,
particularmente, na área de compras públicas?

Gilberto: O uso de indicadores permite a geração de informações sobre o desempenho


como um feedback para a busca por melhorias. Sem o uso de indicadores não é possível,
por exemplo, identificar os problemas ou mesmo saber se a ação que estamos fazendo é a
mais adequada para o problema. Quando o assunto é indicadores em compras temos
ainda outro problema que são as diferentes formas de mensuração do desempenho que
pode gerar uma dificuldade de comparação entre municípios, estados e governo federal.
Um dos exemplos mais comuns é o indicador de tempo médio de compras que em
algumas organizações considera desde o tempo anterior ao edital publicado até a
homologação do contrato, e em outros, considera apenas da publicação do edital até a
homologação.

A teoria diz que bons indicadores são SMART (específicos, mensuráveis, atingíveis,
realistas e delimitados no tempo). Porém, muitas vezes, vemos que, na fase de
planejamento, são definidos indicadores “ideais”, mas que, no momento de execução e
monitoramento, se mostram não mensuráveis ou pouco realistas. Como evitar cair nessa
armadilha?

Gilberto: Alguns fatores que deveriam ser considerados na definição de indicadores


envolvem a sua viabilidade de medição e o seu custo x beneficio. Podemos pensar bons
indicadores que não sejam viáveis pois as informações não são confiáveis ou mesmo a
periodicidade de apuração é a cada 10 anos e não podemos aguardar esse prazo. Já a
análise custo x benefício envolve uma comparação dos custos associados a medição que
podem envolver em alguns casos o uso de pesquisas, por exemplo, com o benefício gerado
166

por essa informação para tomada de decisão. Em várias situações similares já modificamos
alguns indicadores que tinham um custo elevado de medição por outro que gerava uma
informação próxima e que não geraria custos elevados de apuração.

Muitos confundem indicadores de processo e indicadores de desempenho. Você pode


explicar a diferença entre eles?

Gilberto: O indicador de processo demonstra a eficiência de como a organização utiliza os


insumos e consegue executar o processo de trabalho. Nesse sentido, nos ajuda a
identificar eventuais gargalos ou retrabalhos. Já os indicadores de desempenho buscam
medir se o produto do processo atende a seu objetivo, ou seja, se seus beneficiários estão
satisfeitos. Um bom exemplo de compras é que a licitação pode até ser rápida e comprar
um produto barato, mas se o produto não atender as necessidades de seus demandantes
não teremos êxito.

A Administração Pública deve buscar os 4Es: eficiência, eficácia, efetividade e


economicidade. Poderia citar exemplos de indicadores relacionados a cada uma dessas
dimensões na área de compras públicas?

Gilberto: Um bom sistema de medição deve contemplar as múltiplas perspectivas de


resultado como eficiência, eficácia, efetividade e economicidade. Como um indicador de
eficiência podemos ter o tempo médio da licitação, já como eficácia temos a satisfação dos
demandantes com o produto ou serviço, de efetividade envolvendo a geração de valor
público, e como economicidade envolvendo o custo médio de aquisição. Um bom exemplo
que considera todos esses elementos é a revisão do modelo de compra de carros, para
aluguel e agora para uso de serviços como táxi ou até de aplicativos. A necessidade a ser
atendida é a mesma, o transporte dentro de determinada região, que pode ser
solucionada utilizando diferentes modelos. A avaliação do melhor modelo deveria levar
em consideração a utilização dessas diferentes dimensões do desempenho, pois não
necessariamente apenas o mais barato é o melhor.

Um elemento central nos indicadores são as metas. Porém, muitos gestores têm
dificuldades em estabelecer metas. Como definir uma meta, ao mesmo tempo
alcançável e desafiadora, especialmente, quando não temos um histórico/linha de base
de medição?

Gilberto: A ausência de série histórica é um problema bastante comum e que muitas vezes
dificulta o estabelecimento de uma meta que seja alcançável e desafiadora. Contudo, é
possível utilizar algumas estratégias como a realização de uma amostragem por um
período de tempo para estabelecer o valor inicial de referência que, junto com
alguns benchmarks, podem ser parâmetros úteis para o estabelecimento da meta. É uma
boa prática também rever a meta após um período inicial de medição para evitar que esta
fique subestimada ou superestimada.

Outra confusão comum quando se fala em indicadores se refere à periodicidade da


meta versus sua frequência de medição. Poderia explicar a diferença entre esses
elementos?

Gilberto: A periodicidade da meta está relacionada com a sistemática de monitoramento e


avaliação que será utilizada pela organização. Um indicador com uma meta que tenha
periodicidade mensal, por exemplo, será analisada nesse período o seu resultado
167

alcançado com o resultado esperado dentro de um momento de reflexão estratégica e de


aprendizado. Já a frequência de medição está relacionada com a coleta das informações
para alimentar os indicadores. Nesse mesmo exemplo podemos ter uma frequência de
medição mensal para uma meta que é trimestral.

É possível trabalhar, na área de compras públicas, com indicadores compostos ou índices


que conjugam em uma única fórmula vários indicadores? Poderia citar algum exemplo?

Gilberto: O uso de indicadores compostos exige alguns cuidados como, por exemplo, a
ponderação dos diferentes indicadores que o compõe e a orientações sobre como analisar
seus resultados. Dentro do contexto de aquisições públicas existem alguns índices de
transparência de compras que avaliam diferentes indicadores de transparência de forma
consolidada para fornecer uma visão geral do desempenho da organização nesse tema.

Como você sugere que seja a sistemática de apuração, análise crítica, discussão e
publicação dos indicadores, a fim de que sirvam, ao mesmo tempo, de instrumentos de
aprimoramento da gestão e de transparência/prestação de contas aos públicos
interessados?

Gilberto: Uma boa prática para essa sistemática é a realização de reuniões de


aprendizagem estratégica com todos os atores envolvidos nos processos. Nessas reuniões
são apresentadas as metas dos processos, os resultados alcançados, a análise dos motivos
que geraram os desvios e as soluções propostas para o redirecionamento do desempenho.
Um dos aspectos importantes dessa reunião é que o foco deve ser o aprendizado e a
melhoria contínua do desempenho do processo e não a busca por culpados pelo mal
desempenho.

Por fim, indicadores podem ser instrumentos de benchmark entre diferentes


organizações. Você poderia citar bons exemplos de indicadores para compras públicas,
que permitam comparabilidade entre diferentes órgãos, poderes e esferas de governo?

Gilberto: Alguns indicadores importantes e que geralmente são medidos pelas


organizações, envolvem o tempo médio de compras, o número de processos licitatórios
impugnados e desertos, a satisfação dos demandantes com os produtos ou serviços
adquiridos, entre outros. É importante destacar que deveríamos ter uma visão do
desempenho de toda a cadeia de suprimentos, e não apenas de compras, considerando
também indicadores de armazenamento, distribuição e gestão de contratos.

Cristiano Rocha Heckert possui graduação (1999), mestrado (2001) e doutorado (2008) em
Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). É servidor
público federal da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental,
aprovado em 1o lugar no concurso 2005. Atualmente exerce a função de Secretário de
Modernização e Gestão Estratégica (CC-6) no Ministério Público Federal. É professor de
governança e gestão pública na ABOP, ENAP, ESMPU, FGV e IBGP. É autor do livro
"Contratações de TI: O Jogo", em conjunto com Antonio Fernandes Soares Netto, Ed. Negócios
Públicos, 2017.

Gilberto Porto é formado em administração pela Universidade de Brasília. Mestre em


administração pela Fundação Getulio Vargas, MBA em Finanças e Controladoria, pós
graduação em Inteligência Competitiva, e graduação É professor associado de cursos de pós-
168

graduação na Fundação Getulio Vagas, em programas de educação executiva na Fundação


Dom Cabral e em escolas de governo. É Diretor do Instituto Publix.

43. Entrevista sobre a Lei das Estatais com o professor e especialista em licitações Arthur Luis
Pinho de Lima, 30/06/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor e auditor do TCU, Sandro Bernardes.

A Lei das Estatais (13.303/2016) foi editada depois de um bom tempo de espera. A Emenda
Constitucional 19, de 1998, previu a edição de uma Lei para regulamentar as contratações
por parte das empresas públicas e sociedades mistas. Foram 18 anos, portanto, para a
edição da norma. Após todo esse tempo de maturação, a nova Lei reflete necessidades
ATUAIS das empresas do Estado?

Arthur Lima: Na data de 30 de junho de 2017, a Lei 13.303/16 faz aniversário de um ano. As
empresas estatais têm a existência regulada pelo artigo 173 da Constituição Federal de 1988. A
participação do Estado na economia deve ser sempre marginal e mínima, operando num
ambiente imperativo de segurança nacional ou relevante interesse coletivo.
Temos atualmente 144 empresas estatais. Em virtude do tamanho do Estado, há pequenas,
medias e grandes empresas estatais que necessitam ser impessoais e transparentes nas suas
aquisições. A Lei 13.303/2016 veio para disciplinar isso. Em conclusão, a norma
regulamentadora trouxe novidades interessantes refletindo a necessidade atual das empresas
estatais.

A Lei das Estatais cuida também de contratações diretas, tratando-as, porém, de modo
distinto da Lei 8.666/1993 em alguns pontos. Exemplo disso: a norma não exige
comprovação da singularidade para a contratação de serviços técnicos com profissionais ou
empresas de notória especialização. Sendo assim, em sua opinião seria possível a
contratação de quaisquer serviços de modo direto, mesmo não sendo eles singulares?

Arthur Lima: A contratação direta não pode ser a regra, logo não é possível sempre contratar
os serviços diretamente sem o prévio procedimento licitatório.A licitação é a regra, sempre.
Por outro lado, o artigo 30, II, da Lei 13.303/16 que você destaca exige a notória especialização
e por isso é similar a inexigibilidade prevista no artigo 25, II da Lei 8.666/93, até porque há
redundância entre o serviço singular e a notória especialização. Se o futuro contratado tem
notória especialização, a consequência disso é a singularidade do serviço a ser executado.

Também não há previsão de emissão de parecer jurídico sobre as minutas de editais e/ou
contratos. A autoridade responsável poderia conduzir a contratação sem solicitar opinião da
área jurídica? Seria prudente tal atitude?

Arthur Lima: Se apenas observar a letra fria da lei, a opinião jurídica é dispensável. O parecer
jurídico deixa de ser obrigatório e passa a ser facultativo no regime jurídico de licitações e
contratos das empresas estatais.
Por outro lado, a observação das regras jurídicas por parte do gestor público, diminui a
possibilidade de se contratar um objeto de maneira equivocada e aumenta a transparência.
Ademais, a assessoria jurídica vinculada a estatal deverá aprovar o regulamento de licitações e
contratos das empresas estatais. Entendo que neste caso a estatal fica obrigada a seguir as
normas, diminuindo o impacto da falta de um parecer jurídico em cada caso já que o
regulamento será específico de cada empresa.
169

O art. 60 da Lei das Estatais determina que havendo a homologação constitui-se o “direito
relativo” à celebração do contrato pelo licitante vencedor. Qual a leitura que você faz a
respeito desse ponto?

Arthur Lima: Ao homologar a licitação, ratifica-se o processo administrativo de contratação


por parte da administração e com isso nasce o direito à contratação para o privado. Fechando
o processo de escolha, cria-se a expectativa de direito à contratação.
Com isso, a futura contratada pode se insurgir contra medidas arbitrárias que podem ser
tomadas pela administração como por exemplo a abertura de outro processo administrativo
de contratação estando vigente um com o mesmo objeto sem ser executado.

A Lei das Estatais também suprime a possibilidade de alterações unilaterais nos contratos.
Assim, qualquer alteração contratual deve contar com a anuência do contratado (§1 o do art.
81). Isso pode ser considerado uma evolução nos contratos a serem firmados pelas empresas
estatais?

Arthur Lima: Como as empresas estatais atuam em ambiente econômico próprio dos
particulares, devem ter as mesmas características dos negócios entre os privados. As
alterações devem ser negociadas o que aumenta a responsabilidade da elaboração da matriz
de risco onde será colocada a atribuição de cada parceiro contratual perante eventos que
podem ou não ocorrer. Essa é a questão. A empresa pública que atuar no livre mercado deve
ter obrigações e direitos iguais aos dos empresários.
A norma também utiliza o conceito de “risco” em diversas passagens, colocando como
cláusula necessária nas contratações das empresas estatais a matriz de riscos. Em sua
opinião, todas as contratações devem contar com a estipulação de tal documento?

Arthur Lima: A gestão de eventos que podem causar impacto na execução contratual deve
permear cada caso. O serviço de pintura de parede pode ser um serviço comum ou altamente
especializado. Se for um serviço comum, a parede de um órgão público, o risco é mínimo.
Pintar a parede interna de um reator de uma usina nuclear, o risco é extremo. O gestor deve
ter essa visão ao pontuar os riscos inerentes ao objeto contratado sob pena de burocratizar o
processo de contratação.

Os limites de dispensa de licitação também foram consideravelmente elevados. Isso condiz


com a realidade das empresas estatais?

Arthur Lima: Os limites de dispensa de licitação foram atualizados tendo em vista a realidade
econômica das empresas estatais. Não se apresenta como boa prática impor o limite previsto
na lei geral de licitações às empresas estatais que atuam no livre mercado.

De acordo com a nova Lei, o pregão passa a ser modalidade preferencial, para a contratação
de bens e serviços comuns. Mas, no caso de inviabilidade de uso do pregão, qual deveria ser
o procedimento a ser adotado pela estatal?

Arthur Lima: Essa questão é uma das mais interessantes. A lei das Estatais não nominou, assim
como no Regime Diferenciado de Contratações, a modalidade de licitação. Até porque o
modelo adotado pela lei geral de licitações tem por base o valor da contratação. Como as leis
de licitação mais recentes não se preocupam com o valor, mas com a efetiva busca da melhor
qualidade dentro do menor preço, o custo da contratação perdeu importância.
O procedimento a ser adotado é o previsto nas licitações de bens e serviços não comuns, em
especial o contido no regulamente interno que cada empresa estatal deve obrigatoriamente
desenvolver.
170

A norma também introduz o conceito de “ciclo de vida do objeto”, como um dos


determinantes da melhor proposta a ser selecionada (art. 31). De que modo pode ser
aplicado o conceito nas licitações das estatais?

Arthur Lima: Hoje não se aceita mais comprar apenas pelo menor preço. A qualidade inerente
ao material ou serviço a ser adquirido ou prestado deve ser observada e levada em
consideração para aprimorar a contratação pública.
É uma prática usual no mercado privado, agora oficialmente adotada nas contratações
públicas.
Basta ver que numa contratação de plataforma de petróleo marítima pela Petrobras, a
empresa deve observar o ciclo completo de vida do objeto ou seja a introdução, o
crescimento, a maturidade e o declínio do projeto.

Também chama atenção o “desaparecimento” da declaração de inidoneidade da norma. A


punição capital na Lei das Estatais passa a ser a suspensão, cuja extensão é limitada à
própria instituição contratante. Qual sua opinião a respeito disso? Tal limitação atende do
melhor modo aos interesses públicos?

Arthur Lima: Neste caso, houve um enorme retrocesso da norma. Explico. Para contratar bens
e serviços comuns, por meio do pregão, a estatal pode sancionar o fornecedor por até cinco
anos de impedimento de licitar e contratar e com o ente da federação a qual a empresa esteja
vinculada.
Se o fornecimento de canetas não for aderente ao pactuado na licitação ou no contrato, o
fornecedor pode ficar até cinco anos sem licitar e contratar.
Já para as compras específicas da empresa estatal, a maior sanção é a suspensão temporária
de participação em licitação e impedimento de contratar com a entidade sancionadora, por
prazo não superior a 2 (dois) anos. Não me parece lógico tal procedimento.

Arthur Luis Pinho de Lima é formado em direito pela Universidade de Brasília – UnB.
Especialista em bases geo-histórias para a formulação estratégica pela Escola de Comando e
Estado Maior do Exército – ECEME. Especialista em contratações públicas pela Universidad de
Cas lla-La Mancha, Reino da Espanha. Atualmente ocupa o cargo de Gerente de Licitações e
Contratos na Empresa de Planejamento e Logística S.A (EPL). Palestrante e colaborador da
Escola Nacional de Administração Pública.

Sandro Bernardes é formado em economia pela Universidade Federal do Maranhão. Ocupa o


cargo de Auditor do Tribunal de Contas da União desde 2001. Instrutor do Instituto Serzello
Corrêa-TCU na disciplina de licitações e contratos. Ministra capacitações sobre licitações em
instituições privadas e cursos preparatórios para concursos públicos. Palestrante da Escola
Nacional de Administração Pública.

44. Entrevista sobre a segregação de funções em licitações com o professor da Enap Ronaldo
Corrêa, 14/07/2017

• As perguntas foram elaboradas pelo professor da Enap Nilo Cruz Neto.

A Instrução Normativa CGU/MP nº 01/2016 prevê a segregação de funções, abrangendo a


autorização, execução, registro e controle, como exemplo de atividade de controle interno
para diminuir os riscos e assegurar o alcance de objetivos organizacionais e de políticas
públicas. Uma das premissas é a de que tais atividades devam ser apropriadas, ter custo
adequado, ser razoáveis e diretamente relacionadas aos objetivos de controle. Como ajustar
isso tudo considerando distintas realidades, às vezes muito discrepantes (em termos de
171

estrutura física, quantitativo de servidores, atividades desempenhadas e riscos a elas


inerentes) nos vários órgãos e entidades do Poder Executivo Federal?

Ronaldo Corrêa: Para os agentes públicos que atuam na gestão da logística pública, a
segregação de funções é um conceito tão recorrente quanto incompreendido. Pois desde a
edição da Instrução Normativa nº 1/2001-SFC, que aprovou o Manual do Sistema de Controle
Interno do Poder Executivo Federal, muito se fala acerca deste “princípio de controle interno
administrativo”.
O Tribunal de Contas da União-TCU corriqueiramente profere decisões nas quais tal assunto é
tratado. Porém, mesmo assim ainda existem dúvidas acerca da sua interpretação, aplicação e
até mesmo acerca da própria finalidade da segregação de funções.
Há quem entenda equivocadamente a segregação de funções como um mero controle
burocrático, sem se atentar para a finalidade de tal princípio. E como a Administração Pública
é estritamente vinculada ao princípio legal da finalidade, tal desconhecimento ou desvio de
finalidade assume contornos preocupantes.
A Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (INTOSAI), por exemplo,
conceitua em seu Guia Para Normas de Controle Interno do Setor Públicoque a segregação de
funções visa “reduzir o risco de erro, desperdícios ou atos ilícitos e o risco de não se detectar
tais problemas”. Já o Conselho Nacional do Ministério Público traz em seu Manual do
Ordenador de Despesas que a segregação de funções “destina-se a reduzir as oportunidades
que permitam a qualquer pessoa estar em posição de perpetrar e de ocultar erros ou fraudes
no curso normal das suas funções.”.
Ou seja, a segregação de funções é um princípio aderente à gestão de riscos. Este é um
primeiro “recorte” a ser feito, no sentido de melhor interpretar a segregação de funções e
possibilitar a sua correta aplicação.
É interessante observar ainda que, ao se referir a tal tema, a Instrução Normativa CGU/MP nº
01/2016 definiu a segregação de funções como sendo uma “atividade de controle interno”.
Mesmo que tal definição melhore um pouco a compreensão acerca da finalidade e
do status da segregação de funções no âmbito do sistema de controle interno, na prática não
auxilia propriamente na superação definitiva das dificuldades de interpretação existentes. Já
que, em linhas gerais, foram mantidas as mesmas categorias genéricas de funções segregadas.
Definições similares ocorrem também na macrofunção SIAFI 020315 e na diretriz INTOSAI GOV
9100.
172

Se observarmos, por exemplo, como a norma NBC TA 315, do Conselho Federal de


Contabilidade, aborda a segregação de funções no âmbito da identificação e avaliação dos
riscos, podemos perceber que a interpretação ali ficou sensivelmente mais facilitada, já que as
funções são categorizadas em três grandes grupos bem definidos: autorizar, registrar e
custodiar. Que, por sua vez, possuem uma maior correlação com as funções e fluxos de
trabalho existentes nas instituições públicas.
Assim, a correta aplicação do princípio da segregação de funções passa por uma adequada
definição da sua finalidade e a adequada categorização das funções a serem segregadas,
facilitando a identificação destas com as atividades desenvolvidas e as estruturas
organizacionais das instituições públicas.
Considerando que normas recentes exigem a análise e o tratamento dos riscos envolvidos na
contratação, como por exemplo a já citada Instrução Normativa nº 1/2016-MP/CGU e
a Instrução Normativa nº 5/2017-SEGES/MP, bem como a lei do RDC, a lei das estatais e até
mesmo o PLS 559/2013 (que visa substituir as normas gerais de licitação). Entendo que o ideal
neste cenário seria tratar da segregação de funções no momento da elaboração da matriz de
riscos. Assim, seria possível tanto cumprir as novas exigências legais relacionadas à gestão de
riscos, quanto possibilitar a adoção de uma adequada segregação de funções, aderente à
estrutura organizacional e adequada ao quadro de pessoal disponível na instituição.
Uma solução que eu creio ser viável é a adoção de soluções tecnológicas que possibilitem o
aumento do nível de transparência dos atos e dos processos administrativos. Como ocorre, por
exemplo, nos processos licitatórios presenciais da Universidade Federal de Santa Catarina-
UFSC. Que são transmitidos de forma online e em tempo real, via streaming de vídeo, acessível
diretamente pelo site da instituição. Até mesmo porque tais soluções atendem às exigências
da Lei de Acesso à Informação.
Com a adoção de mecanismos efetivos de transparência, passa a ser menos dificultoso mitigar
adequadamente os riscos que a segregação de funções visa enfrentar, como por exemplo a
173

facilitação à ocultação de ilícitos. Com um mecanismo eficiente de transparência, abre-se a


possibilidade até de, justificadamente, mitigar a segregação de funções, adequando-a aos
recursos humanos e materiais disponíveis, sem atravancar o funcionamento da instituição nem
assumir um nível injustificado de riscos.
Por fim, entendo que seja necessário também o órgão ponderar as vantagens e as eventuais
desvantagens de se utilizar ferramentas ágeis de contratação como o RDC e o SRP, bem como
centralizar as contratações de bens e serviços de uso comum, de forma a otimizar
estrategicamente o emprego dos recursos humanos e materiais disponíveis e possibilitar a
formação de equipes altamente especializadas. Assim, reduz-se a ocorrência de situações onde
equipes reduzidas e mal capacitadas sofrem com a sobrecarga de trabalho, em um ambiente
institucional no qual a segregação de funções é praticamente inviável.
Em pequenas prefeituras no interior do Brasil a exiguidade de pessoal em geral, e de pessoal
capacitado em particular, são problemas crônicos. Considerando a capacitação de servidores
como um processo contínuo, de que maneira mitigar tais problemas a curto prazo na área de
compras públicas à luz do princípio da segregação de funções?

Ronaldo Corrêa: A discrepância entre a realidade dos entes municipais do interior do Brasil e a
dos órgãos da Esplanada dos Ministérios em Brasília, por exemplo, é abissal. Portanto não
seria razoável propor soluções padronizadas para todos os casos.
Nas prefeituras do interior do país, especialmente as da região norte e nordeste, em casos
extremos a realidade às vezes é tão discrepante do ideal, que a segregação de funções pode
nem ser uma das principais prioridades, frente às demais necessidades de aperfeiçoamento da
gestão. Porém, na medida do possível é necessário adotar uma gestão estratégica de pessoas e
recursos materiais, de forma a otimizar a sua utilização e alcançar os objetivos institucionais,
aplicando a segregação de funções mesmo que de forma mitigada.
A Rede Nacional de Escolas de Governo conta atualmente com 262 integrantes das esferas
federal, estadual e municipal, que em sua maioria disponibilizam cursos de capacitação na
modalidade à distância. Como o custo de deslocamento a partir do interior do país para os
grandes centros às vezes é proibitivo, uma boa prática para essas prefeituras é firmar parcerias
com escolas de governo, implementar programas permanentes de capacitação e facilitar a
seus colaboradores o acesso gratuito às capacitações ofertadas por escolas de governo,
diretamente no local de trabalho, por meio da internet.
Frisando que as comunidades virtuais de prática também se mostram como uma ferramenta
de gestão do conhecimento bastante útil, eficaz e barata. Especialmente para proporcionar a
reciclagem dos servidores e o compartilhamento de dúvidas práticas do dia-a-dia,
eventualmente não abrangidas nos cursos formais.
Como a legislação no governo federal encara o fato de o setor demandante ou requisitante
do objeto atuar, num mesmo processo de contratação, no planejamento e na fiscalização do
contrato? Na sua opinião pessoal, há riscos relevantes a serem considerados?

Ronaldo Corrêa: A exemplo do que já fixava a Instrução Normativa nº 4/2010-SLTI/MP, acerca


da constituição da equipe de planejamento da contratação, a Instrução Normativa nº 4/2014-
SLTI/MP, que a substituiu, além da recém publicada Instrução Normativa nº 5/2017-
SEGES/MP, preconizam que o setor demandante tenha uma atuação ativa, tanto no
planejamento quanto na fiscalização da contratação. E isso a meu ver constitui um mecanismo
que possibilita a retroalimentação e o aperfeiçoamento contínuo do processo de
planejamento da contratação, a partir das informações e lições aprendidas registradas pelo
fiscal ou gestor na fase de execução contratual.
174

Quando o mesmo servidor faz a elaboração do Termo de Referência e cuida da fiscalização do


objeto, passa a existir o risco de ocultação indevida de erros de planejamento que, dentre
outros prejuízos, inviabilizaria o aperfeiçoamento das futuras contratações. Para mitigar tal
risco, é necessário que a etapa de planejamento da contratação e elaboração do Termo de
Referência seja efetuada por uma equipe multidisciplinar, com revisão de pares para a
correção de erros de planejamento. Em contratos de serviços continuados como o de limpeza
e conservação e vigilância, por exemplo, é possível ainda adotar a pesquisa de satisfação com
os usuários, como mecanismo de apoio à fiscalização. Tal instrumento externo de medição de
resultados pode apontar falhas contratuais não registradas pelo fiscal.
Me recordo de um caso interessante que pode ilustrar o que foi dito. Em 2010, quando eu
ainda era lotado na unidade regional da PF no estado de Mato Grosso, tive a oportunidade de
ser designado temporariamente como auxiliar técnico residente do Núcleo de Tecnologia da
Informação da PF em Sergipe-NTI, para auxiliar na elaboração do Termo de Referência (TR) de
uma licitação por SRP, para a futura aquisição de peças de reposição para computadores e
suprimentos de impressão. Naquela ocasião, a licitação estava atrasada porque mesmo que o
setor demandante dominasse as especificidades técnicas e informações de uso de cada item, a
elaboração de um Termo de Referência adequado ainda era inviável, devido à característica
multidisciplinar de tal peça de planejamento, que incorpora também conhecimentos contábeis
e técnico-jurídicos, bem como informações afetas aos sistemas de licitações e contratos.
Ao me juntar temporariamente à equipe do NTI, com a apoio do Setor de Administração e
Logística (SELOG), em poucos dias conseguimos elaborar conjuntamente um TR com elevada
qualidade técnica, que posteriormente foi crucial para que o pregoeiro julgasse a licitação com
isenção e segurança. Ao ponto de chegar a recusar a aceitação de quase uma dezena de
propostas em determinados itens, até que uma proposta vantajosa se apresentasse. A
fiscalização daquele fornecimento pelo NTI foi bastante facilitada devido aos mecanismos
objetivos de mensuração idealizados e validados pela equipe multidisciplinar e previstos no TR.
O TCU tem rechaçado situações em que há atuação múltipla do pregoeiro, ao solicitar o
serviço, elaborar o termo de referência, estimar os preços, confeccionar o edital,
providenciar a publicação do aviso e atuar como fiscal de contrato, além da condução do
certame e da análise dos pedidos de impugnação. Nesse cenário, seria possível afastar a
responsabilização administrativa do próprio pregoeiro e da autoridade que o designou
considerando outras circunstâncias do caso concreto? Poderia nos dar algum exemplo em
que isso tenha ocorrido de fato?

Ronaldo Corrêa: É importante observar que nos julgados do TCU que tratam de casos de
acumulação indevida de funções por parte do pregoeiro e comissão de licitação, tais falhas se
caracterizaram no âmbito de um mesmo processo de contratação. Ou seja, o que o TCU tem
apontado como indevida é a atuação concomitante de uma mesma pessoa em um mesmo
processo, nas fases internas e externas da licitação (Vide Acórdão TCU nº 686/2011 – Plenário,
Acórdão TCU nº 2.146/2011 – Segunda Câmara, Acórdão TCU nº 3.381/2013 - Plenário e
Acórdão TCU nº 1.375/2015 – Plenário, por exemplo)
Tal acumulação de funções é irregular porque fragiliza o gerenciamento de riscos e reduz a
eficácia do controle, além de prejudicar o alcance do objetivo da segregação de funções já
citado anteriormente: “reduzir as oportunidades que permitam a qualquer pessoa estar em
posição de perpetrar e de ocultar erros ou fraudes”. Ela ainda reduz a imparcialidade do
servidor para julgar impugnações e recursos contra o edital que ele mesmo tenha assinado.
Tive a felicidade de não ter presenciado ainda uma situação real tão crítica como a relatada na
pergunta, mas suponho que existam de fato casos parecidos. E se compulsarmos a
jurisprudência do TCU, poderemos verificar que já foram julgados diversos casos concretos
175

similares, onde tanto o pregoeiro quanto a autoridade que delegou ao servidor tal função,
eventualmente são responsabilizados administrativamente.
No Acórdão TCU 2948/2010 - Plenário, por exemplo, foi analisado um caso emblemático, no
qual se delineou claramente os limites da responsabilidade da autoridade delegante,
imputando ao pregoeiro a responsabilidade por agir fora dos limites da delegação recebida.
Naquela ocasião, foi concluído que, ao agir fora dos limites de sua competência, o pregoeiro
assumiu o risco de ser responsabilizado. Ao passo que ao gestor não era humanamente
possível acompanhar minuciosamente cada um dos atos do pregoeiro, posto que inviabilizaria
e até mesmo descaracterizaria a delegação de competência.
Qual a sua opinião pessoal quanto ao parcelamento necessário para a licitação de serviços
contínuos de vigilância armada, desarmada, ou de monitoramento eletrônico, com serviços
de instalação, manutenção ou aluguel de equipamentos de vigilância eletrônica. É razoável
adotar-se tal diretriz a quaisquer realidades? As eventuais limitações do mercado local, e os
ganhos de escala, também não poderiam ser aqui levados em consideração?

Ronaldo Corrêa: Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que a vedação constante do Art.
51-B, I da Instrução Normativa nº 2/2008-SLTI/MP não foi replicada na Instrução Normativa nº
5/2017-SEGES/MP. Pelo contrário. A nova IN de serviços permite expressamente a licitação
“para a contratação de serviços de instalação, manutenção ou aluguel de equipamentos de
vigilância eletrônica em conjunto com serviços contínuos de vigilância armada/desarmada ou
de monitoramento eletrônico” (Vide Anexo VI-A, 9. a).
Tal permissão se alinha perfeitamente com o que fixa o Art. 17 da Portaria 3.233/2012-PF, que
dispõe sobre as normas relacionadas às atividades de segurança privada, conforme consta
esclarecido no Parecer nº 852/2012-DELP/CGCSP/DIREX/PF.
A vedação que ainda perdura é quanto à realização, pelo vigilante, de serviços não previstos
no Art. 10 da Lei nº 7.102/1983, conforme esclarece a citada portaria da PF em seu artigo 17:
§ 3o As atividades de instalação, vistoria e atendimento técnico de acionamento de alarmes
não poderão ser realizados por vigilante, o qual é responsável apenas pelas atividades
previstas no art. 10 da Lei no 7.102, de 1983.
Em segundo lugar, é importante observar que o Art. 51-A da Instrução Normativa nº 2/2008-
SLTI/MPOG fixa que a Administração deve “realizar estudos visando otimizar os postos de
vigilância”, o que ratifica a ideia de que é possível adaptar a modelagem da contratação à
realidade do órgão contratante.
Um exemplo bem ilustrativo é o do município paranaense de São José dos Pinhais, que
necessitava suprir adequadamente a rede escolar de um sistema de segurança patrimonial
funcional e que coubesse no orçamento municipal. Logo de início constataram que a
ampliação da vigilância armada para todas as escolas não seria viável, devido ao seu custo
elevado. O chefe da Divisão de Auditoria Interna do município, Renato Luis Sawa, relata que
optaram pelo monitoramento eletrônico, que não funcionou adequadamente, devido à
intempestividade no envio dos comunicados de ocorrência, o que acabou anulando o “efeito
pedagógico” de inibir as invasões e furtos. Por fim, estão estudando a possibilidade de
compartilhar tal risco através da contratação de um seguro escolar.
A adesão a atas de registro de preços pelos órgãos caronas tem funcionado como válvula de
escape para muitos agentes de compras sobrecarregados de trabalho. Parece haver mesmo
uma predileção especial por essa prática. Qual a sua opinião a respeito?

Ronaldo Corrêa: É fato que a carona em Ata de Registro de Preços (ARP) sempre foi e ainda é
um tema polêmico no âmbito do Tribunal de Contas da União. Mesmo após a edição
176

do Decreto nº 7.892/2013, que fixou limites às caronas, ainda há doutrinadores e pelo menos
um ministro da suprema corte de contas que questionam a constitucionalidade da
“participação extraordinária” no Sistema de Registro de Preços (SRP).
Sem adentrar aprofundadamente nos fundamentos de tais polêmicas, pessoalmente eu tenho
observado alguns aspectos vantajosos da utilização da carona em ARP, como por exemplo nos
casos em que o órgão realiza o seu planejamento anual de contratações e já fixa que,
previamente ao início da elaboração de cada edital de licitação (portanto logo após a
elaboração do termo de referência), seja verificada a existência ou não de ARP vigente para o
objeto demandado.
Os casos imprevisíveis de alterações orçamentárias no segundo semestre do ano,
eventualmente também podem ser atendidos a contento por meio de adesão a ARP, sem a
necessidade da realização de uma licitação, que não estava inicialmente planejada para ser
realizada naquele período.
Casos de rescisão antecipada de contratos ou negativa de prorrogação por parte da empresa
contratada, podem também ser supridos adequadamente caso exista uma ARP vigente
naquele momento, evitando as famigeradas contratações “emergenciais” e até mesmo as
dificultosas contratações de remanescente.
Lembro-me ainda dos casos de contratação direta com base nos incisos I e II do Art. 24 da lei
de licitações, que podem eventualmente ser atendidos através de adesão à ARP, sem incorrer
nos riscos de fracionamento ilegal de licitação.
E, por fim, outro aspecto a meu ver vantajoso é que para o órgão gestor, a previsão de caronas
no edital de uma licitação por SRP redunda no aumento da expectativa de contratações
adicionais por parte dos licitantes. Tal previsão tem o potencial de influenciar o aumento da
competitividade da licitação.
Por mais que no SRP a licitante não tenha direito líquido e certo à contratação nem mesmo
dos itens registrados, é razoável supor - e não é difícil constatar -, que uma licitação que
preveja caronas será mais atraente para o mercado do que uma sem previsão de tais
contratações adicionais. Como um dos princípios regulamentares do pregão eletrônico é a
competitividade, a previsão de carona no SRP pode vir a ser um ótimo auxílio para o
cumprimento de tal regra.
Poderia nos indicar alguma regulamentação estadual ou municipal relacionada a segregação
de funções na área de compras públicas que tenha chamado a sua atenção?

Ronaldo Corrêa: A Resolução Seplag nº 48/2016, da Secretaria de Estado de Planejamento e


Gestão do Estado de Minas Gerais, disciplina a realização do inventário anual de bens móveis
para o exercício de 2016, e traz a indicação de que a composição da Comissão de Inventário
deve obedecer ao princípio da segregação de funções. Tal regra é importante para definir que
os detentores da custódia de bens, por exemplo, não poderão ser responsáveis pelo inventário
destes.
O Decreto nº 1.670/2013, do Governo do Estado de Santa Catarina, regulamenta o controle
interno do poder executivo estadual e faz menções ao cumprimento do princípio da
segregação de funções, especialmente nos casos em que o responsável pelo controle interno
seja titular de Função Técnica Gerencial ou Função Gratificada, e também nos casos de criação
de área interna de controle nas empresas estatais. Tal indicação reforça que a subordinação
hierárquica não pode comprometer a atuação do controle interno.
Tais regulamentos fazem menção direta à segregação de funções e chamam a atenção por
demonstrarem que tal princípio deve ser respeitado não somente na área de licitações e
contratos, mas também nas demais áreas da gestão pública.
177

Me recordo ainda do Decreto nº 870/2013, do Governo do Estado do Pará, que regulamenta a


supervisão, fiscalização e acompanhamento da execução dos contratos, convênios e termo de
cooperação. Ele não faz menção direta ao princípio da segregação de funções. Mas na prática
disciplina a segregação de funções entre servidores efetivos e auxiliares técnicos. E veda que a
designação para atuar como fiscal de contratos recaia sobre servidor que já seja fiscal de três
contratos. Tal regra denota uma gestão estratégica de pessoal, inibindo o risco da sobrecarga
de trabalho causar a ineficiência da fiscalização, aumentando as chances de alcance dos
objetivos da contratação e, em última análise, dos próprios objetivos institucionais.
O regulamento paraense traz ainda uma outra novidade interessante, que é a orientação para
que o gestor suste a assinatura de novos contratos, quando não dispuser de servidores em
quantidade suficiente para fiscalizá-lo. Isto é uma medida que se alinha à jurisprudência do
TCU, que entende como falha a ação do gestor que assina ajustes sem que a instituição possua
servidores suficientes para fiscalizar. Nessa esteira, o TCU já recomenda até mesmo o
planejamento da reposição de pessoal prestes a se aposentar (Vide Acórdão TCU nº
5.749/2014-2ª Câmara, Acórdão TCU nº 6.708/2014-1ª Câmara e Acórdão TCU nº 1.545/2015-
1ª Câmara). Isto reforça a percepção de que a segregação de funções tem estreita relação com
a gestão de pessoas na Administração Pública, além de figurar como item obrigatório da
gestão de riscos.
Ronaldo Corrêa é formado em Logística pela Universidade Estácio de Sá e mestrando em
Administração Pública pela Universidade Federal de Sergipe. Servidor da Polícia Federal desde
2004 e atualmente cedido à Controladoria-Geral da União, possui mais de 10 anos de
experiência atuando com logística pública. Desde 2010 é moderador da comunidade virtual de
práticas Nelca, com mais de 2500 compradores públicos cadastrados. Colaborador da Escola
Nacional de Administração Pública.
Nilo Cruz Neto é formado em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Maranhão e
Administração Pública pela Faculdade São Luís. Tem Mestrado em Políticas Públicas pela
Universidade Federal do Maranhão e é Doutorando em Políticas Públicas pelo Instituto
Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), em Portugal. Ocupa o cargo de Auditor da Controladoria-
Geral da União. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

45. Entrevista sobre o planejamento das compras públicas com o professor da Enap Bruno
Eduardo Martins, 18/07/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor da Enap Edson Wanderlei Fontana.

Entrará em vigor nos próximos meses a Instrução Normativa nº 05/2017 que traz um
capítulo próprio para o Planejamento da Contratação. Efetivamente, o que uma equipe de
servidores necessita para planejar minimamente uma determinada contratação pública? Os
requisitos estabelecidos na IN são suficientes?
Bruno Martins: Vamos por partes então. Efetivamente devemos associar o nosso
planejamento de compra com o plano orçamentário da unidade junto ao desembolso
financeiro. Aqui no Superior Tribunal Militar adotamos o calendário de licitações e com isso o
planejamento de compras se inicia no ano anterior quando todas as unidades informam suas
necessidades, assim conseguimos realizar compras especificas para cada mês do ano e
evitando também compras de médio e grande porte no início e no fim do exercício financeiro.
Acredito que assim seja uma forma efetiva para planejar contratação. Podemos confirmar essa
preocupação na IN em seu Parágrafo Único do Art. 27.
Um ponto significativo que vejo na IN é a Gestão de Riscos, o que ainda não levamos muito a
sério. Muitas vezes uma contratação simples pode se tornar complicada em sua execução e se
tornar o caos por não termos avaliado os impactos da contratação.
178

A IN aborda uma rotina, formaliza uma sequência de ações já prevista em outras legislações,
mas acredito que o Gestor pode ir além dela e estabelecer rotinas próprias que possam se
tornar Boas Práticas na Administração Pública. Respondendo então se os requisitos são
suficientes, acredito que há coisas que não precisam ser formalizadas, pois enrijecem o trâmite
de contratação e assim vejo a IN como uma referência, uma base a ser seguida a fim de
melhorar nossas contratações. Um manual passivo de complementos conforma a realidade de
cada órgão.

Qual a sua opinião quanto a participação em todas as etapas do planejamento da


contratação daquele a quem será confiada a fiscalização dos serviços? O referido servidor ao
planejar a contratação e posteriormente, fiscalizá-la não agiria em desconformidade com o
princípio da segregação de funções?
Bruno Martins: Bem, ponto interessantíssimo este, particularmente adorei a pergunta.
Defendo em meus cursos sobre Gestão e Fiscalização de Contratos e também em cursos de
Contratações que o fiscal de contrato é a pessoa que tem informação dos problemas. Quando
o chamamos a participar do planejamento da contratação ele irá subsidiar com informações
valiosas que possam ser detalhadas no Projeto Básico/Termo de Referência e assim evitar
problemas futuros. Não acredito que vá de encontro ao princípio da segregação de funções
pois é um processo que envolva vários setores e servidores. Veja, o fiscal irá participar do
planejamento com tais informações e não planejar propriamente a compra, muito menos
contratar. No Art. 22, § 1° aborda sobre a Equipe de Planejamento da Contratação, então o
fiscal irá compor a equipe e não agir sozinho.
Outro fator a comentar aqui é a participação do fiscal no planejamento como fator
motivacional. Sabemos que muitos servidores não querem atuar como fiscais por assumirem
responsabilidades e quando relata os problemas sente não ser ouvido pelos gestores. Imagino
que ao participar e visualizar as melhorias a cada contratação ele se sinta mais motivado em
fiscalizar o contrato.
Em instituições que tenham poucos servidores, realidade em muitos órgãos, se não houver
uma equipe razoável, acredito que ocorra infração ao princípio da segregação de funções.
Nesse caso pode ser que o fiscal chegue a agir em desconformidade.
Quais são os limites da discricionariedade técnica da Unidade Requisitante na fase inicial de
Planejamento quanto a busca por uma solução e descrição do objeto que satisfaçam uma
determinada necessidade?
Bruno Martins: Bem, muitas vezes a unidade requisitante não conhece todo o trâmite de
contratação, o que vem a gerar soluções problemáticas, ou o inverso, quando o setor de
contratação desconhece a solução ou o objeto. Imagino que não devam existir limites e sim
mais comunicação. Certa vez me deparei com o desconhecimento de produtos similares por
receber poucas informações. Estava descrevendo uma maca para ambulância e minha grande
preocupação era com o encaixe dela na ambulância que temos. Nesse sentido estava
buscando o princípio da padronização por já possuirmos a ambulância, porém para minha
surpresa, ao conversar com o setor de contratação, fui informado que o encaixe era
padronizado a vários tipos de macas. Minha preocupação então passou a ser detalhes como
altura do veículo, encaixe de maca, características, mas confesso que inicialmente estava
pensando em detalhar marca e modelo por já possuirmos ambulância. Então o que falta é
maior comunicação com setores envolvidos, e até com outros órgãos que tenham tais
necessidades, assim podemos detalhar cada vez mais soluções vantajosas.
Mas uma coisa não posso deixar de falar: não devemos reinventar a roda. Muitas soluções já
existem e são simples de serem aplicadas e contratadas, não devemos imaginar uma coisa
grandiosa que gere problemas. Buscar informações suficientes e considerar os riscos dessa
179

solução é o limite que devemos ter, ou seja, devemos realizar o processo de planejamento em
seu significado teórico: diagnosticar a situação atual, avaliar as informações diagnosticadas e
estabelecer metas e resultados futuros.

Qual a importância do mercado e das audiências ou chamamentos públicos para a fase de


Planejamento das Contratações Públicas? Salvo, raríssimas exceções, por que as Unidades
Requisitantes, por exemplo os gestores de almoxarifado, não participam de feiras de
embalagens, eventos de logística, ou seja, por que não estão up to date com o que o
mercado tem de melhor para oferecer-lhes em matéria de informações que irão subsidiar o
seu processo de tomada de decisão inerente às contratações públicas?
Bruno Martins: Grande importância. Veja, o setor privado tem algo que nós não temos, eles
podem agir naquilo que a Lei não proíba, ou seja, buscar inovações de baixo custo e testar sem
ter que justificar para a sociedade suas falhas. Nós não temos essa vantagem. Me recordo da
aula do curso que tive no processo seletivo na ENAP em que o Professor Vandeir Luiz da Silva
comentou como foi seu processo para comprar cadeiras. Ele ouviu alguns fornecedores sobre
como deveria ser detalhado o objeto e o que mais ajudou não foi o que ganhou o processo,
mas forneceu dados valiosos para a elaboração do PB/TR.
Agora sobre os gestores de almoxarifado, o curso que ministro na ENAP é justamente o de
Recursos Materiais e o que vejo dos colegas são relatos de que é uma área pouco valorizada.
Acredito que estamos mais preocupados com outras áreas que com o almoxarifado
propriamente dito. Acho que deveria ocorrer uma mudança cultural na organização e
investirmos mais em capacitações deste setor e fortalecimento da equipe. Aqui sim me deparo
com o princípio da segregação de funções sendo desconsiderado. Lembra da equipe de
planejamento? Acredito que possamos inserir na equipe o pessoal do almoxarifado para que
auxiliem o processo decisório.
A informação muitas vezes está em nosso nível operacional e não chega ao nível institucional,
responsável pelas decisões.

Dentre algumas inovações a IN 05/2017 traz no capítulo próprio para o Planejamento da


Contratação uma seção relacionada à Gestão de Riscos. Quais são os principais riscos
envolvidos numa contratação de serviços? Como identificá-los?
Bruno Martins: Atualmente considero o risco de se manter habilitado em todo o processo.
Recentemente passamos por um problema em um contrato de serviço em que uma pequena
empresa ganhou a licitação e não havia condições de manter o pagamento em dia sem a
liberação dos recursos de nossa parte, consequência: pagamentos atrasados, multas, rescisão
contratual. A fiscalização é essencial, mas temos que estabelecer meios para identificar essas
empresas, essas dificuldades. Sei que não podemos direcionar a licitação sempre às melhores,
pois não é esse o objetivo da contratação, mas devemos lembrar que uma contratação
malsucedida gera prejuízo ao erário. Acredito que devemos valorizar mais o planejamento e
tentar detalhar cada vez melhor nosso objeto. Outro risco, mas estamos ficando expert no
assunto, é o de descumprimento contratual em coisas pequenas. Por exemplo, como mensurar
e punir (pequenas punições) os atrasos recorrentes, ausências e até prestação do serviço?
Outro dia perguntei em sala de aula como saber se um funcionário realmente limpou o chão,
sabendo que normalmente ele o faz quando não estamos na organização? Muitos vieram com
ideias extraordinárias, mas quando comentei a mais simples concordaram: basta passar um
pano úmido no chão e ver a sujeira que se prende nele.
Veja, temos então vários riscos: jogo de planilha, superfaturamento, regularidade durante o
período de contrato, dentre outros. O principal ainda não temos solução, evitar a empresa que
180

não irá prestar um bom serviço, sabendo que pode ser sua primeira vez na Administração e
não a conhecermos realmente.
Talvez uma visita aos locais em que a empresa preste serviço possa ajudar a nos subsidiarmos
mais.
E para responder como identificar, devemos buscar mais informações. Seja dos setores
envolvidos com o objeto, órgãos envolvidos com a empresa a ser contratada e histórico
profissional da empresa. Riscos existem, para eliminá-los basta não contratar, então devemos
aqui buscar meios de mitigar conhecendo a empresa e trocando experiências com outros
órgãos.

Planejar pode reduzir o custo de um processo de contratação?


Bruno Martins: Sim, consideravelmente. O problema é ensinar nossa Administração que o
Planejamento reduz custo. Ainda estamos expert no “fazejamento” e não no planejamento. O
TCU sempre está de olho nas contratações emergenciais criadas por falha de planejamento,
pois elas encarecem o custo do processo. Lembra quando comentei acima sobre o calendário
de licitações? Isso permite que possamos direcionar melhor nossos recursos. Outro ponto na
elaboração de um planejamento é definir as compras dispensáveis, pois numa eventual
necessidade podemos direcionar o recurso para o que realmente é importante. No cenário
atual não estamos em fase de aquisições de equipamentos novos, em 2016 já previ para 2017
recurso para manutenção de equipamentos, pois sabia que teríamos que reparar os antigos e
não mais substituí-los. Isso é ter planejamento, pensar com antecedência das nossas
necessidades.

Temos uma Instrução Normativa exclusiva para TI, não está na hora de termos uma IN
exclusiva para as contratações relacionadas ao setor médico-hospitalar? Pois, são unidades
multi-organizacionais altamente complexas que possuem uma dinâmica de gestão própria
com a influência de aspectos emocionais envolvidos na prestação de seus serviços.
Bruno Martins: Bem, pegou na ferida agora. Atualmente auxílio a nossa Gestão Médica do
Superior Tribunal Militar. Temos nossas contratações específicas e não sinto ainda necessidade
de IN para isso. Pelo fato de não ser um Hospital não posso deduzir todas as necessidades, mas
veja, uma IN vem estabelecer rotinas que muitas vezes já as conhecemos. A vantagem de uma
IN seria a padronização do setor público, mas não vejo que não tenhamos normas suficientes
para estabelecer o padrão.
Uma coisa que devemos ter em mente sobre a área hospitalar é a de que teremos
contratações em que desejamos não utilizar. No STM temos uma UTI móvel e uma sala de
emergência com insumos para ressuscitação, mas espero não ter que usar. Isso é planejar,
prever o imprevisível. Como diria Murphy, se você acha que vai acontecer é porque irá sim
acontecer, antecipe-se.
O maior problema que vejo em insumos hospitalares seria o vencimento de medicamentos e
medicamentos de alto custo. Isso pode ser resolvido com a troca de materiais com os
respectivos almoxarifados de outros hospitais e um ação preventiva evitando doenças graves,
pelo menos o excesso delas. Acho que ações nesse sentido seriam mais efetivas que a criação
de uma IN propriamente, lembrando que a IN de TI estabeleceu a criação de comitês. No
Judiciário temos uma IN que trata da criação de um Comitê Integrado de Saúde sem
estabelecer rotinas de contratações.
181

Já que o Planejamento é tão importante para uma contratação por que há tão pouco foco no
tema planejamento nos cursos técnicos oferecidos pelas escolas de ensino e capacitação de
governo, assim como, nas do setor privado? Qual o papel, principalmente, do professor-
servidor para fomentar a disseminação da importância do Planejamento nas contratações
públicas?
Bruno Martins: Bem, posso comparar os dois setores. O setor privado está indo além nesse
segmento e valorizando cada vez mais o Planejamento. Atualmente participo de um curso
realizado pelo Conselho Federal de Administração que consiste em prestar auxílio às Micro e
Pequenas Empresas e a informação que recebo constantemente é a de que as empresas estão
valorizando bastantes capacitações nesse segmento. As grandes empresas já o fazem há algum
tempo. No setor público ainda considero tímida a atuação. Em 2016 pude participar na
instrução de nossos servidores da Justiça Militar da União com um curso de Planejamento
Estratégico, o nosso Plano Estratégico propriamente. Esse linguajar passou a ser comum em
nossa Administração desde 2012 e por influência do CNJ, que passou a exigir que os Tribunais
estabeleçam seus Planos. Acredito que em 2020 seja algo cada vez mais comum na
Administração Pública. Por atuar também no segmento de concursos públicos posso ver nos
editais o tema sendo cobrado em prova de seleção pública, ou seja, já existe a preocupação.
Acredito que todos nós professores que atuamos em capacitações no setor público devemos
reforçar a importância do planejamento, pois é ele que nos conduz aos melhores resultados.
Em uma palestra aprendi duas expressões, “fazejamento” e “planejação”. O palestrante disse
que temos que ter mais planejação e menos fazejamento. Traduzindo: devemos planejar mais
e agir ao invés de apagar incêndios. Não adianta também focar o planejamento se ele não sair
do papel, por isso mais planejação.
A IN aborda bem no seu início, Art. 1º, III, o alinhamento do o Planejamento Estratégico do
órgão, ou seja, a IN já está considerando que contratações estão fortemente ligada às ações
estratégicas da Administração, pois o Plano Estratégico aborda ações a serem implementadas,
mas para implementar essas ações precisamos realizar compras muitas vezes.

Dizem que: “Nada é tão urgente que não possa ser planejado”. Como fica então a questão da
responsabilização do gestor pela falta de Planejamento das Contratações Públicas? Se
houver um, quem é o principal culpado?
Bruno Martins: Pergunta complicada essa. Se adotarmos o Planejamento como algo a ser
trabalhado em nossa Administração significa que aos poucos todas as soluções terão seu
planejamento e assim quando surgirem coisas urgentes elas poderão ser tratadas com a
urgência merecida. A título de exemplo vou citar uma situação conhecida no Distrito Federal.
Todos que aqui habitam sabem que em agosto se inicia um período de seca e baixa umidade,
isso é um fato conhecido que pode ter seu planejamento realizado com tranquilidade, mas em
meados de 2011, salvo engano, o DF passou por uma seca acima do normal o que gerou
queimadas em quase a totalidade de sua área o que dispendeu dos Gestores da Segurança
Pública, principalmente os Bombeiros do DF, ações rápidas e efetivas. Lembro-me que naquele
período as queimadas eram subterrâneas, o que exigiu um grande volume de água para
umedecer o solo e assim eliminar o incêndio nas raízes da vegetação. Se fosse hoje, como seria
esse cenário? Não precisamos esperar que ocorra para avaliar os riscos, isso é planejar.
Aqui no STM realizamos em 2016 duas simulações de emergência, uma consistia em descer
com uma pessoa que sofreu um infarto no 11º andar, e outra consistiu em simular um
incêndio em nossa sede. Com essas simulações pudemos planejar algumas aquisições de
materiais que não tínhamos ou que estavam obsoletos. Com essa análise pudemos prever e
planejar ações para quando realmente ocorrer estarmos preparados, e isso gera economia em
grande escala.
182

A principal culpa da falta de planejamento é da cultura que temos na Administração Pública


em não fazermos o Plano. Devemos atacar primeiro esse aspecto para depois falar de culpado
propriamente. Capacitar cada vez mais e conscientizar que é planejamento que iremos obter
melhores resultados.

Quais são suas considerações finais?


Bruno Martins: Para encerrarmos com chave de ouro nossa entrevista, gostaria de falar que
desde 2017, aliás, desde 2016, necessitamos melhorar o nosso planejamento. Com a emenda
constitucional do teto dos gastos o plano de contratação e execução da despesa passou a ser
priorizado, pois a execução do orçamento agora interfere diretamente no orçamento do
próximo ano. Os penalizados serão justamente aqueles que não estão planejando e
executando corretamente, aqueles que não se preocupavam com o risco dos cortes
orçamentários cada vez maiores, pois a referência agora é o orçamento executado no ano
anterior. Se considerarmos que esse Plano de Contratações é algo estratégico a ser adotado
nas organizações não teremos grandes problemas, pois saberemos direcionar melhor nossos
recursos e assim atendermos ao princípio da eficiência, princípio expresso na Constituição
Federal.
E gestores que ainda não tem um Plano de Contratações ou o Plano Estratégico, acordem, pois
esses planos estão sendo necessários a cada ano que se passa.
Em minhas aulas, e até aqui no Tribunal, sou conhecido como o “doido do planejamento”, pois
acredito que ele nos livra de muitos imprevistos e assim quando eles ocorrem podemos trata-
los de forma mais apropriada. Pensar em coisas que possam acontecer em nossa
Administração é planejar e pensar em suas respostas é reduzir os impactos negativos que
esses imprevistos causam. Essa é a essência que devemos ter.
Bruno Martins é formado em Administração pela Universidade de Brasília e Especialista em
Gestão de Projetos – PMI. Servidor público no Superior Tribunal Militar, Consultor de
Administração e Professor, tem experiência no segmento de Gestão, atuou 5 anos na execução
orçamentária e financeira, passando a atuar mais 5 anos no Controle Interno do STM como
Auditor e um ano e meio como Supervisor do Serviço Médico do Tribunal. Atualmente auxilia a
Gestão da Coordenação de Serviços de Saúde do STM, presta consultorias a Micro e Pequenas
Empresas. Professor de Pós-graduação no IMP, Professor de Concurso Público no Grancursos
Online e Professor em empresas do setor privado que realizam capacitações aos servidores
públicos. Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.
Edson Wanderlei Fontana é mestre em Sistemas de Gestão pela Universidade Federal
Fluminense. Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes/RJ e Economia pela
Universidade da Amazônia. Especialista em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e
Marketing/RJ; Logística pela Fundação Getúlio Vargas/RJ e Comércio Exterior pela FUNCEX/RJ.
Deverá cursar no próximo ano Doutorado em Direito. Tem ampla experiência nas áreas: do
Direito Administrativo (Processos e Recursos Administrativos, Consultoria, Auditoria e
Contratações Públicas); da Administração de Negócios Internacionais (Comércio Exterior e
Logística); assim como, da Educação relacionada a capacitação de pessoal público e privado,
por meio de palestras, treinamentos e cursos in company ou abertos. Atuou como
Coordenador-Geral de Administração; Gerente de Licitações, Pregoeiro, Presidente de
Comissões de Licitação em órgãos da administração pública federal. Exerce, atualmente, o
cargo de Analista de Planejamento Gestão e Infraestrutura atuando em atividades inerentes às
aquisições e contratações do IBGE. Atua, ainda, como professor da Escola Nacional de
Administração Pública e Escola Superior de Administração Fazendária, além de instituições
privadas de treinamento e ensino.
183

46. Entrevista sobre compras públicas sustentáveis com a professora Ketlin Feitosa de
Albuquerque Lima Scartezini, 26/07/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor Renato Cader da Silva.

A jurisprudência do TCU está ainda em construção no que toca às compras públicas


sustentáveis, e, ao mesmo tempo, há poucos estudos mais aprofundados sobre o mercado
de bens e serviços sustentáveis no Brasil. Como o gestor de compras deve agir no sentido de
evitar a existência de itens desertos ou fracassados na licitação?

Ketlin Scartezini: Primeiramente, devemos ter como premissa que o Poder Público é um
grande fomentador do mercado por meio das compras públicas. A aquisição ou contratação de
serviços com critérios de sustentabilidade encontram-se em fase de implementação em muitas
instituições. Outras sequer deram início. Os órgãos de controle também estão passando por
esse processo, contudo, apesar disso, temos hoje casos de sucesso como as experiências no
Ministério da Educação, Fundo Nacional de Desenvolvimento para Educação - FNDE, Ministério
do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MPDG, TCU, STJ, TJDFT, Ministério Público
Federal entre outros. Considero a ferramenta do benchmarking de relevância ímpar para a
evolução e consolidação das CPS. Tudo tem seu tempo na Administração Pública. Um tempo
mais longo, admito, mas o gestor deve ter uma visão macro do processo licitatório, baseados
nos princípios da economicidade, da racionalidade, da vantajosidade e da sustentabilidade,
pois isso pode representar uma economia de milhões para sua instituição. Os órgãos públicos
têm necessidades básicas que são idênticas ou similares. Porque não aproveitar essa
característica para ganhar em escala? Precisamos acreditar que um trabalho de muita pesquisa
e dedicação terá um resultado positivo. O que não dá para aceitar é o gestor que não
consegue sequer cruzar a rua para conversar com o órgão vizinho para tentar estabelecer uma
parceria neste processo.

Em 2010, o TCU emitiu decisão monocrática, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, com
entendimento de que, apesar de louvável a preocupação dos gestores em contratar
empresas responsáveis ambientalmente, a adoção de critérios ambientais nas licitações
deve se dar paulatinamente, a fim de evitar a criação de uma reserva de mercado para as
poucas empresas que cumprirem de antemão as exigências ambientais, implicando violação
ao princípio constitucional da livre concorrência, maiores custos e reduzidas ofertas de
produtos. O uso de guias de contratações sustentáveis não estaria gerando o risco de criar
uma reserva de mercado, uma vez que os gestores aplicariam os critérios de
sustentabilidade nos editais, sem fazer isso paulatinamente, indo de encontro à decisão
mencionada?

Ketlin Scartezini: Entendo que não. O mercado é dinâmico e evolui num ritmo que acompanha
as exigências dos consumidores como órgãos públicos, que são grandes compradores. A
decisão do Ministro Zymler é de fevereiro de 2010 e, data vênia, de lá para cá, muitas
atualizações legais surgiram como a Lei 12.349/2010, que alterou o artigo 3º da Lei de
Licitações incluindo a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como um dos
princípios a serem observados na licitação. Recentemente, celebro o Acórdão n. 1056/2017 –
Plenário, que representa uma quebra de paradigma na Corte de Contas e um avanço enorme
184

na temática.

Outros normativos legais foram surgindo com o escopo de fomentar a inclusão dos critérios de
sustentabilidade nos processos licitatórios como a Lei 12.305/2010, a Lei 12.349/2010, o
Decreto n. 7.746/2012, IN n. 6/2013 IBAMA, IN n° 2/2014 da SLTI/MPDG, a Resolução CNJ
201/2015, a Lei 13.186/2015, entre outras. Os manuais e guias tem como fundamento
justamente o arcabouço legal existente, que está em constante evolução. O caminho para a
consolidação das licitações sustentáveis é longo, porém, irreversível.

A exigência de laudos de laboratórios acreditados pelo Inmetro nos editais de licitação não
seria restrição à competitividade, uma vez que pode haver empresas que atendem aos
critérios de sustentabilidade e não têm o referido laudo pelo fato de ter um custo que ela
não quis assumir, preferindo priorizar seus investimentos na aplicação de critérios de
sustentabilidade nos seus processos produtivos? Não se enquadraria no mesmo caso da
cobrança das certificações ISO 14000 nos editais?

Ketlin Scartezini: O Inmetro é o organismo oficial nacional que avalia a conformidade do


produto no sentido de garantir que o material adquirido atenda aos requisitos mínimos de
qualidade e ofereçam segurança ao usuário, proteção à saúde e meio ambiente. A observância
dos normativos legais e padrões técnicos de medição, qualidade ambiental, emissão,
produção, entre outros, incentivam a competitividade, a aceitabilidade dos produtos e
compatibilidade internacional, favorecendo, inclusive, sua expansão no mercado. O estigma de
que licitação pública é a aquisição do produto mais barato sem ater-se à qualidade está caindo
por terra. E a importância da acreditação do Inmetro está aí. O vantajoso no processo
licitatório é adquirir o melhor produto pelo melhor preço. E o melhor não significa o mais caro,
mas sim aquele que atende as suas necessidades de forma satisfatória e segura. Este é o papel
do organismo certificador. Contudo, nem todos os produtos que estão disponíveis no mercado
são avaliados pelo Inmetro e, como já dito, incansavelmente, pela jurisprudência do TCU,
quando a certificação não é obrigatória, não se pode exigi-la como condição de habilitação.
Estamos em fase de implementação quanto à adoção dos critérios de sustentabilidade nos
produtos e processos de produção. Será natural, com o passar do tempo, verificarmos que
aquele que não tem certificação irá perder espaço no mercado. A ISO 14000 é uma certificação
privada que especifica os requisitos de um Sistema de Gestão Ambiental. Sua exigência não é
obrigatória, portanto não pode constar da habilitação no edital. Mas nada impede que alguns
critérios contidos na ISO mencionada não possam ser exigidos nas especificações dos objetos.

Você recomenda a inclusão de cláusula de logística reversa nos editais em todas as


categorias de bens? Há empresas especializadas que fazem isso gratuitamente, enquanto
alguns fornecedores não têm expertise em destinação adequada de seus produtos. Quais os
desafios que você identifica nessa nova perspectiva?

Ketlin Scartezini: Não é possível generalizar num processo que está em transição. A logística
reversa ainda não funciona para vários segmentos da indústria. É imprescindível, para não
termos uma licitação frustrada, pesquisar sobre para quais produtos já há acordos setoriais. E
185

como funciona a logística reversa nos órgãos públicos? Deverá haver previsão expressa no
edital. No caso das lâmpadas, em que o acordo setorial foi fechado recentemente, os órgãos
devem contratar uma empresa especializada para a descontaminação e destinação
ambientalmente correta desse material. Muitos órgãos tem feito isso até de forma
compartilhada. Para pneus, baterias automotivas e cartuchos de equipamentos de impressão a
logística reversa já funciona com tranquilidade. Entendo que o maior desafio nesta questão é o
gestor conscientizar-se de que para todos os serviços prestados e materiais adquiridos haverá
um resíduo ou um rejeito. Foi-se o tempo em que a solução para isso era apenas tirar o saco
de lixo da porta, sem se importar com o impacto para o meio ambiente. Este ciclo tem que
fechar “do berço ao túmulo” e a legislação tem exigido cada vez mais responsabilidades
quanto aos impactos ambientais causados por nossas ações. Não menos importante é
a accountability do agente público perante a sociedade, ou seja, deve-se prestar contas de
suas atividades de forma transparente respeitando as obrigações que culminam em ações de
responsabilidade para uma gestão ética e comprometida com o interesse social comum.

Nas compras compartilhadas sustentáveis, há a vantagem do ganho de escala, reduzindo o


preço dos bens com critérios de sustentabilidade. Com esse novo modelo, há o risco de
pequenas e microempresas serem prejudicadas na competição?

Ketlin Scartezini: O mercado é amplo e há espaço para todos. Há que se verificar que os itens
das compras compartilhadas são materiais em grande quantidade como os de consumo
comum ou equipamentos de microinformática, por exemplo, que normalmente já seriam
adquiridos de empresas com maior porte. As vantagens das compras compartilhadas não
envolvem apenas a economia de escala, mas também facilitam a padronização, uma melhor
utilização dos recursos humanos, proporcionam economia processual e aproveitamento da
expertise de cada unidade gerenciadora. Como consequência, favorecem o desenvolvimento
econômico e social do país que se reflete nas pequenas empresas tendo em vista que o
processo produtivo de um bem, muitas vezes envolve a aquisição de insumos de outras
empresas de variados portes. A Lei Complementar n. 123/2006, modificada pela LC 147/2014,
estabeleceu que a exclusividade da participação das microempresas ou empresas de pequeno
porte nas contratações que envolvem valores até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). E prevê,
inclusive, a possibilidade de subcontratação. Portanto, não vejo exclusão de mercado às ME e
EPP nos procedimentos licitatórios.

Nas licitações de contratos de serviços continuados, exigir no edital que a empresa forneça
capacitação sobre sustentabilidade para seus empregados não seria um procedimento que
poderia onerar muito o contrato, relegando ao segundo plano a dimensão econômica da
sustentabilidade?

Ketlin Scartezini: Muito pelo contrário. Não podemos considerar o conceito de


sustentabilidade sem observarmos seus três pilares básicos – ambiental, social e econômico.
Estes aspectos basilares caminham em uníssono. O desconhecimento da importância da
sustentabilidade pode inclusive onerar o órgão com outras despesas. Num contrato
de terceirização para serviços de limpeza, por exemplo, faz-se mais que necessário que os
186

profissionais tenham noção sobre coleta seletiva tendo em vista a responsabilidade dos órgãos
públicos quanto ao gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos. No DF, a partir do advento da
Lei Distrital 5.610/2016 e Decreto Distrital 37.568/2016, os grandes geradores deverão
contratar empresas para recolhimento dos resíduos indiferenciados visto que a empresa
pública de limpeza urbana limitou a coleta em 120 litros de resíduos. Cito a contratação do STJ
que, em razão da quantidade gerada, em torno de 355 toneladas/ano, terá uma despesa em
torno de 65 mil reais. Imagine se os resíduos recicláveis forem misturados aos indiferenciados.
A conta subiria consideravelmente. Percebe-se nitidamente a relevância sobre conhecimento
da separação dos resíduos por parte dos profissionais. Em outras capitais como Salvador, Rio
de Janeiro, São Paulo isso também já acontece. Esta é apenas uma amostra da vantagem em
incluir-se no edital a capacitação em sustentabilidade. Outro exemplo seria quanto aos
contratos de copeiragem onde a desconhecimento sobre o uso racional de recursos naturais e
coleta seletiva pode impactar no aumento de despesas da conta de água, separação de
embalagens e não aproveitamento da borra do café que pode ser utilizado como adubo,
evitando-se assim outra despesa, no caso de instituições que possuam área verde.

Você entende que o uso da curva ABC é o melhor modelo para aumentar o volume de
contratações sustentáveis numa organização? Não teria o risco de a organização
desconsiderar os itens de pouco investimento financeiro anual, mas com grande impacto
ambiental?

Ketlin Scartezini: Entendo que a curva ABC pode ser utilizada como uma ferramenta de
diagnóstico na qual a organização poderá identificar as prioridades financeiras para a
implantação das contratações sustentáveis. Contudo essa metodologia pode deixar de lado os
itens de menor impacto econômico mas que possam provocar grande impacto ambiental.

No caso do STJ, por exemplo, não aplicamos a curva ABC. O processo de inserção dos critérios
de sustentabilidade iniciou-se com os materiais gráficos e demais bens de consumo para
escritório, que foram superestimados pelas unidades. Isso foi identificado a partir da análise
do planejamento de compras que contrastou com a implantação do processo virtual, a partir
do qual se espera uma redução significativa no consumo destes itens. A abordagem foi
totalmente voltada para o consumo consciente e combate ao desperdício.

Com a implantação dos Planos de Logística Sustentável, a curva ABC tem mais aplicabilidade
pois podemos identificar facilmente os itens de maior impacto financeiro.

Na sua visão, qual o maior desafio das compras públicas sustentáveis no Brasil?

Ketlin Scartezini: O maior desafio que verifico existir nas instituições é o desconhecimento
quanto ao conceito de sustentabilidade, o que é a compra sustentável e o que ela representa.
O gestor julga que o produto sustentável é mais caro, que isso irá onerar processo licitatório
sem considerar os benefícios do produto, a análise do ciclo de vida e o impacto dos resíduos
gerados. Outra dificuldade é o desconhecimento dos artigos existentes no mercado. Daí a
importância de as instituições abrirem o diálogo com o mercado e terem unidades
187

socioambientais em suas estruturas pois tenho convicção que um trabalho especializado pode
auxiliar o demandante ou a área de compras na pesquisa de materiais que impactem menos e
atendam a necessidade do órgão. Outro ponto imprescindível é a sensibilização do corpo
funcional para um consumo mais consciente e combate ao desperdício, ações que tem um
reflexo impactante no planejamento de compras.

Como você avalia o papel do TCU nos últimos anos no tema "Compras Públicas Sustentáveis-
CPS"?

Ketlin Scartezini: O TCU tem aberto diálogo por meio de seu corpo técnico na participação de
eventos, seminários e capacitações, e sido um grande indutor da sustentabilidade na gestão
pública. Destaque-se, com louvor, o recente Acórdão n. 1056/2017 – Plenário, resultado de um
extenso trabalho de auditoria operacional pela SecexAmbiental em mais de 100 instituições
públicas. Esse levantamento considerou o contexto de restrição orçamentária, a limitação dos
recursos naturais, o poder indutor das compras públicas e a necessidade de inserção social.
Tem sido surpreendente para muitos ver o TCU atuando em parceria com outros órgãos. Uma
mostra disso foi o convite para o Painel de Referência de planejamento do trabalho dessa
auditoria e a realização do IV Seminário de Planejamento Estratégico Sustentável do Poder
Judiciário e do Panorama da Sustentabilidade na Administração Pública Federal – APF. Os
eventos, realizados conjuntamente pelo STJ e TCU, tiveram a iniciativa de superar um dos
maiores desafios na APF: a dificuldade de comunicação entre servidores, órgãos ou mesmo
com a iniciativa privada. O sucesso na gestão pública requer a conversão imprescindível de
forças para o mesmo objetivo, no caso, a eficiência do gasto público, e a sustentabilidade pode
ser um de seus instrumentos. Daí a importância de ter sido considerado na auditoria em
questão a governança, o consumo, a gestão de resíduos, as construções sustentáveis e as CPSs,
as quais representam menos de 1% das contratações públicas, segundo o que foi apurado na
auditoria.

Para que uma compra seja realmente sustentável, não basta apenas a especificação do objeto,
como muitos ainda pensam. Devemos considerar o planejamento, a avaliação da real
necessidade, o uso e o descarte ou gestão dos resíduos, em consonância com a Política
Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS. E quanto ao critério de sustentabilidade, como frisa o
Secretário de Logística do TCU, Frederico Goupfert Junior, este deve ocorrer na especificação
do objeto ou na execução do contrato, não na fase de habilitação.

Outras ponderações do TCU, no evento citado, se referem à importância da qualificação dos


gestores e do engajamento das áreas para revisão dos padrões de consumo diante das novas
tecnologias que vem sendo adotadas. O critério de sustentabilidade compreende uma revisão
de todo o processo da compra. Muitas vezes a compra simplesmente não é necessária, mas é
feita por que sempre foi assim, conhecido como Complexo de Gabriela, uma paródia ao refrão
da música que diz “Eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim”. Isso revela a
dificuldade do servidor público em sair da zona de conforto, muitas vezes sem saber o porquê.
Outro fato a ser considerado e que tem sido amplamente cobrado pelo TCU são as análises de
gestão de riscos, a governança na gestão das aquisições e o Plano de Logística Sustentável -
PLS. Logo se vê que o processo de compras e contratações é muito mais amplo e requer a
análise de uma série de fatores hoje imprescindíveis para o êxito da aquisição ou de um
188

serviço de forma sustentável.

Os Planos de Logística Sustentável - PLS têm sido um ponto de fortalecimento das CPS no
Brasil. Quais as ameaças e pontos fracos que você tem encontrado nos processos de
implementação dos planos?

Ketlin Scartezini: A chegada dos PLS, previstos no Decreto 7.746/2012, na IN 10/2012 MPDG, e
nas Resoluções CNJ n. 201/2015 e TSE n. 23.747/2016 tem o condão de, dependendo do
esforço conjunto do órgão, fazer com que o consumo e certas despesas possam ser reduzidas
até que se encontre o ponto de equilíbrio, ou seja, a quantidade ideal daquele recurso para o
desempenho das atividades com qualidade. São uma excelente ferramenta de gestão
administrativa e trouxeram uma inovação para a administração pública que não é novidade no
mercado privado: a necessidade de medição e o gerenciamento das despesas de custeio. Para
muitos, em geral, se mede o que está ligado à atividade fim da instituição, não havendo uma
visão crítica quanto ao tamanho das despesas administrativas. Outros temas como gestão de
resíduos, ações de qualidade de vida e capacitações também precisam ser aferidos pois
impactam na responsabilidade do Poder Público e no engajamento do corpo funcional. Os
grandes problemas que identifico são PLSs muitas vezes complexos, de difícil entendimento
(que atribuo à falta de capacitação); o não envolvimento da área de gestão estratégica na
confecção do documento; a ausência de unidade socioambiental; a falta dos dados relativos à
consumo e gasto (que impacta no estabelecimento de metas); indefinição da linha de base; o
estabelecimento de metas intangíveis ou pífias, e poucas ações para indicadores que
requerem um esforço maior. Contudo, talvez a maior ameaça seja a ausência de entendimento
pela alta administração e por seus gestores do potencial administrativo do PLS e das
possibilidades de seus resultados.
Porque em muitos tribunais a quantidade de papel ou o número de impressoras aumentou
como a implantação do processo eletrônico? Não deveria ser o contrário? Precisamos
monitorar os gastos do dia-a-dia, realizar constantes ações de prevenção e estarmos atentos
ao ponto fora da curva. Muitos gestores acham que a saída é ter mais orçamento sempre. Mas
será que estamos sendo eficientes com o que já temos? Esse é o objetivo do PLS. Mostrar o
desempenho dessas despesas e dar a oportunidade de sermos criativos para uma melhor
racionalidade dos recursos públicos. Deixo como reflexão o que ouvi na em certa reunião na
Secretaria de Orçamento Federal – SOF, onde vários diretores-gerais de instituições públicas
pediam incremento no orçamento para seus órgãos. O titular da pasta iniciou a rodada de
conversas dizendo: “Todos os anos os senhores vêm aqui pedir mais uma fatia maior do bolo.
Esquecem-se apenas de que o bolo, entra ano e sai ano, tem o mesmo tamanho”. Jamais me
esqueci disso.

Ketlin Feitosa de Albuquerque Lima Scartezini é formada em Direito pelo Centro de Ensino
Unificado de Brasília (UNICEUB). Pós-Graduada em Gestão e Tecnologias Ambientais na Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP). Mestranda do curso Administração
Pública no Instituto de Direito Processual – IDP em Brasília – DF. Servidora pública federal do
quadro de pessoal do Ministério Público da União desde 1994. Assessora-Chefe de Gestão
Socioambiental do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 2008.Atua na área de
responsabilidade socioambiental há mais de 15 anos.
189

Renato Cader da Silva é doutor em Ambiente e Sociedade pela UNICAMP e Mestre em


Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, integrante da carreira de especialista em
políticas públicas e gestão governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. Atualmente ocupa o cargo de Subsecretário-Geral do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro. Foi Secretário de Administração do Ministério Público Federal. Foi Diretor de
Gestão do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foi também Gerente
Executivo e de Recursos Humanos da ANCINE. Sua experiência profissional inclui ainda o cargo
de coordenador no Ministério do Meio Ambiente. Atuou como gestor na área de gestão
ambiental no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além de ter
trabalhado no Banco do Nordeste. É professor do MBA da Fundação Getulio Vargas de
Políticas Públicas para a Sustentabilidade e de Gestão de Compras Governamentais. Um dos
vencedores do Prêmio Inovação na Gestão Pública Federal com o projeto: Compras Públicas
Sustentáveis: uma experiência de compra compartilhada. Vencedor também do Prêmio
Sustentabilidade na Administração Pública do Instituto Negócios Públicos. Recebeu também o
Prêmio CNMP 2015, do Conselho Nacional do Ministério Público, com o projeto: "Implantação
do Sistema de Compras Compartilhadas Sustentáveis do Ministério Público Federal". Em 2016,
foi vencedor do Prêmio Ministro Gama Filho com o concurso sob o tema: "A Gestão Pública e o
Meio ambiente".

47. Entrevista sobre boas práticas em pregão eletrônico e SRP com o professor da ENAP
Vinicius Martins, 01/08/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Rogério Colaço.

Um dos objetivos da criação do IRP para pregões no sistema de registro de preços é o ganho
de economia de escala, porém o que fazer quando, por sua localização, os órgãos que
desejam participar podem frustrar a licitação?

Vinicius: Preliminarmente, a Intenção de Registro de Preços (IRP) é um sistema que viabiliza a


comunicação e participação de diversos Órgãos da Administração Pública que utilizam o Portal
de Compras do Governo Federal/Comprasnet, nas licitações por Sistema de Registro de
Preços (SRP).

A IRP possui as seguintes fases: "Edição", "Divulgação/Aberta", "Análise/Negociação",


"Confirmação", "Encerrada" e "Transferida". A Fase "Aberta" possibilita a manifestação de
interesse de qualquer Unidade Administrativa de Serviços Gerais (UASG) aos itens do certame
do Órgão Gerenciador.

Contudo, o Órgão Gerenciador deverá avaliar as demandas manifestadas na fase


"Análise/Negociação", cabendo ao gestor de compras considerar as questões logísticas que
podem impactar na competitividade da futura licitação, como quantitativo e localização dos
Órgãos manifestados, podendo aceitar ou recusar as respectivas manifestações. Tal análise é
prevista no Art. 4º, § 3º, II, do Decreto Federal n. 7.892/2013.

Assim, quando o quantitativo ou a localização do Órgão Interessado na participação


representar um risco ao objetivo da economia de escala na futura licitação, cumpre ao gestor
190

de compras do Órgão Gerenciador recusar e indicar a devida justificativa no campo próprio do


sistema IRP, na fase "Análise/Negociação".

Quais documentos devem ser encaminhados pelo órgão participante ao órgão gerenciador
após aceitação da participação?

Vinicius: O Art. 6º, do Decreto n. 7.892/2013 estabelece que o Órgão Participante deverá
encaminhar um documento que contemple os itens e estimativa de consumo do seu interesse,
local de entrega ou cronograma de prestação de serviços, conforme o caso. O referido Decreto
estabelece também que poderá ser enviado o Termo de Referência - TR, no caso da
modalidade Pregão, ou Projeto Básico se for na modalidade Concorrência.

Entretanto, é de grande importância que o Órgão Gerenciador disponibilize a minuta do TR no


Anexo do próprio módulo IRP, promovendo a devida publicidade e o conhecimento na íntegra
de todos os possíveis participantes, a especificação do objeto divulgado pelo Gerenciador.

Assim, em homenagem ao princípio da eficiência, o Órgão Participante poderá enviar um


documento mais simplificado e assinado pela autoridade competente, informando a demanda,
local de entrega ou prestação de serviço e demais características do Órgão.

O Decreto 8.250/2014 incluiu no Decreto 7.892/2013, a possibilidade do Participante


requisitar a inclusão de novos itens, devendo ser avaliado pelo Gerenciador. Se o mesmo
aceitar, o Órgão Participante deverá realizar a especificação do objeto, a pesquisa de mercado
e posteriormente encaminhar ao Órgão Gerenciador.

Considerando que o órgão gerenciador já realizou a orçamentos, existe necessidade de nova


orçamentação pelos órgãos participantes?

Vinicius: Entendo que não há obrigatoriedade do participante realizar a pesquisa de mercado,


tendo em vista que tal procedimento pode não representar uma prática eficiente.

O órgão gerenciador poderá requisitar apoio ao participante para a pesquisa de mercado, ou


se o participante discordar do valor informado pelo gerenciador, poderá manifestar um valor
diferente, encaminhando o orçamento para a avaliação do gerenciador.

Todavia, o Decreto n. 8.250/2014 incluiu a previsão do órgão participante elaborar a pesquisa


de mercado quando solicita ao gerenciador a inclusão de itens que inicialmente não estavam
previstos na grade inicial, conforme o Art. 6º, § 5º, do Decreto n. 7.892/2013.

No Sistema de registro de preços, quando é interessante a utilização do desmembramento


de itens?

Vinicius: Uma das premissas do Sistema de Registro de Preços - SRP é a realização de licitações
conjuntas, objetivando dentre outros aspectos, o ganho de escala, a diminuição de processos
licitatórios repetidos de mesmos insumos e maior padronização.

Entretanto, o SRP viabiliza que Órgãos de regiões diferentes do país participem das licitações
conjuntas, e caso tal possibilidade não seja bem avaliada pelo Gerenciador o certame poderá
ser frustrado, tendo em vista que um Órgão da Região Norte poderá participar da licitação
com outro da Região Sul, por exemplo.
191

Nesse contexto, a ferramenta "Desmembramento de Itens" é uma funcionalidade que permite


repetir o mesmo item, no intuito de garantir que as condições diferenciadas da logística de
cada Unidade sejam individualizadas na licitação. Ou seja, de acordo com o exemplo
supracitado, um mesmo item que possui interesse de Órgãos muito distantes, poderá ensejar
em uma majoração dos valores a serem praticados na futura licitação, ou na sua própria
frustração.

Isso se deve no fato de que a empresa registrada possuir a obrigatoriedade legal em fornecer
para todos os Órgãos participantes da Ata de SRP e com o mesmo valor do item homologado
na licitação, já que os quantitativos manifestados por esses Órgãos são consolidados em um
único item do certame.

Assim, com o Desmembramento do item, o Órgão Gerenciador proporcionará na IRP a


possibilidade de competitividade da licitação respeitando as condições logísticas das
demandas específicas e regionais de todos os Órgãos Participantes do certame.

A contratação de serviços através do sistema de registro de preços pode ser uma alternativa
à terceirização?

Vinicius: O Sistema de Registro de Preços - SRP possibilita a realização de licitações conjuntas


de diversos Órgãos tanto para a aquisição de insumos como para a contratação de serviços,
conforme o Art. 3º, III, do Decreto n. 7.892/2013.

Em Instituições com vários Órgãos Gestores e que possuem serviços semelhantes, como por
exemplo, nas Unidades de Saúde, da Educação, das Forças Armadas ou nos Órgãos Municipais,
a adoção do SRP pode propiciar a otimização e racionalização das contratações, com a
diminuição das licitações repetidas, a padronização das especificações, das exigências de
qualificação técnica e das planilhas de custos e formação de preços.

Outra vantagem das contratações por SRP é a possibilidade do período comum da vigência, do
reajuste e/ou repactuação, facilitando os procedimentos de gestão e fiscalização contratual, e
principalmente alavancando o planejamento integrado das contratações.

Há algum tempo o SICAF tem apresentado a informação de “fatos impeditivos indiretos”,


como o pregoeiro deve agir frente a essa situação?

Vinicius: O Relatório do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores - SICAF


contempla as informações sobre a condição de habilitação do fornecedor e também
disponibiliza a indicação de "Ocorrências Impeditivas Indiretas", que objetiva alertar se algum
sócio ou cônjuge do fornecedor pesquisado possui sanções impeditivas de licitar ou contratar
com a administração pública.

Tal funcionalidade visa prevenir a possível contratação de fornecedores constituídos por sócios
comuns a outras empresas que foram penalizadas pela administração pública anteriormente e
tentam burlar tais sanções.

Na fase de habilitação da licitação, caso o SICAF do então vencedor do certame apresente a


informação em epígrafe, não cabe a desclassificação sumária pelo pregoeiro. O procedimento
mais adequado é avaliar criteriosamente e realizar as devidas diligências, no intuito de verificar
a completa identidade dos sócios-proprietários, o ramo de atividades e o acervo técnico,
192

conforme os pressupostos estabelecidos nos Acórdãos do Tribunal de Contas da União n.


2.218/2011 - Primeira Câmara e no 1831/2014 - Plenário.

Em alguns casos (por exemplo aquisição de cartuchos para impressora, pneus, etc) a
qualidade entre o material indicado pelo fabricante e o compatível são enormes, você
consegue indicar uma caminho para melhora da aquisição desses materiais?

Vinicius: Preliminarmente, a Administração Pública deverá promover esforços para


disponibilizar uma estrutura organizacional adequada e a devida capacitação aos servidores
para realizarem as atividades inerentes à elaboração do Termo de Referência ou do Projeto
Básico. O objetivo primordial é observar as melhores especificações dos materiais e serviços,
em consonância com a necessidade do Órgão e o ofertado no mercado.

Contudo, alguns objetos disponíveis no mercado possuem elevada discrepância de


desempenho, dificultando garantir no certame a qualidade mínima para satisfazer a
necessidade da Administração. Para esses casos específicos, é possível a indicação de marcas
como padrão de qualidade, visando mitigar o risco de adquirir insumos insatisfatórios.

Vale salientar que tal prática encontra respaldo no Art. 7º, §5º, da Lei 8.666/93, assim como na
Súmula nº. 270, do Tribunal de Contas da União - TCU, desde que seja exaustivamente
justificada pela Administração, informando os possíveis riscos da contratação.

Outro caminho possível é estabelecer a exigência de amostras na licitação, no intuito de


avaliar a qualidade e características do produto de acordo com o exigido no Termo de
Referência ou do Projeto Básico, conforme o caso. Destaca-se que só poderá ser exigida a
amostra do primeiro colocado provisório da licitação, sendo necessária a sua previsão
acompanhada com os critérios de avaliação no Ato Convocatório, conforme disposto no
Acórdão nº. 2368/2013 – TCU Plenário.

Uma das dificuldades que o pregoeiro encontra nas licitações para contratação de empresas
terceirizadas é a análise da planilha de custo e formação de preços. Quais práticas podem ser
adotadas pelas instituições para facilitar a conferencia desse documento?

Vinicius: Nas licitações que visam contratar empresas para a prestação de serviços
terceirizados, a elaboração criteriosa de planilha de custos e formação de preços se faz
necessária à garantia da adequada estimativa e definição do valor máximo do edital.

Já na fase de aceitação da proposta, ao receber a planilha de custos e formação de preços da


empresa vencedora da fase de lances, o pregoeiro não deverá avaliar apenas o valor global da
proposta, e sim buscar a análise completa das planilhas, de acordo com as convenções
coletivas vigentes e demais documentos pertinentes à composição dos custos do objeto.

Todavia, geralmente o pregoeiro não possui a capacidade de avaliar a proposta e respectivas


planilhas de composição de custos da pretensa contratação, carecendo do apoio de alguma
área específica da administração para tal etapa essencial.

Assim, considero uma boa prática a instituição de uma área ou setor exclusivo e responsável
para auxiliar tanto na padronização e elaborações das planilhas de custos com a finalidade de
definir o valor estimado no edital, assim como na análise das propostas na fase de aceitação da
licitação e posteriormente nos possíveis pedidos de revisões, reajustes ou repactuações dos
contratos.
193

A LC 123/2006 prevê que em caso de licitante ME/EPP com restrição na comprovação da


regularidade fiscal tem prazo de cinco dias úteis para regularização “cujo termo inicial
corresponderá ao momento em que o proponente for declarado vencedor do certame”.
Considerando a licitação no seu cotidiano, a partir de quando o pregoeiro deve declarar o
licitante vencedor? Como proceder quando o licitante não efetivar a regularização no prazo?

Vinicius: Inicialmente, cumpre destacar a alteração da referida norma procedida pela Lei
Complementar 147/2014, que ampliou de dois para cinco dias úteis o prazo de comprovação
da regularidade fiscal. Posteriormente, a Lei Complementar 155/2016 ampliou o referido
benefício à regularidade trabalhista, conforme nova redação do Art. 43, da Lei Complementar
123/2006.

Em relação ao momento adequado da aplicabilidade desse benefício, o Decreto Federal n.


8.538/2015 esclareceu que o licitante vencedor é declarado na fase de habilitação, tendo em
vista que a fase de aceitação refere-se à análise da especificação técnica e do preço da
proposta, de acordo com o disposto no Termo de Referência, e a habilitação se trata das
documentações previstas no edital.

Ou seja, o pregoeiro declara o licitante vencedor no momento que o mesmo apresenta a


conformidade da proposta e das documentações na fase de habilitação. Caso seja uma
ME/EPP e apresentar alguma restrição na documentação fiscal ou trabalhista, o pregoeiro
poderá comunicar via "Chat" do Comprasnet, informando o prazo de 05 dias úteis, podendo
ser prorrogado pelo mesmo período, para a sua devida regularização.

Por fim, caso o licitante não regularize a sua condição, o pregoeiro poderá convocar o licitante
subsequente na ordem de classificação, se houver, dando prosseguimento regular ao certame,
conforme a legislação vigente.

Considera ser uma boa prática que o pregoeiro se identifique durante a realização do
certame na forma eletrônica? E disponibilizar outras formas de contato, como telefone e e-
mail?

Vinicius: O pregoeiro, assim como os demais agentes públicos, deverá atender qualquer
cidadão com cortesia, dentro dos limites éticos e morais. Contudo, durante a realização de
uma licitação, principalmente na forma eletrônica, entendo que o pregoeiro não deverá
disponibilizar nenhum contato diferente ao previsto no Edital, ou seja, apenas o telefone e e-
mail institucional, em cumprimento aos princípios da isonomia, moralidade e transparência.
Vale ressaltar que a única etapa sigilosa da licitação é no período da publicidade do edital até a
fase de aceitação, compreendendo também a etapa de lances. Ou seja, se o pregoeiro
disponibilizar algum contato diferente ao previsto no ato convocatório poderá colocar em risco
o sigilo da proposta e prejudicar a isonomia e impessoalidade do processo licitatório, podendo
ensejar a sua anulação.
Vinicius Martins é formado em Administração pela Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ). Mestre em Gestão e Estratégia pela UFRRJ, Especialista em Pregão Eletrônico
e Formação de Gestores de Contratos pela WPOS. Servidor público Federal, atuou como
Coordenador de Administração e Chefe de Compras do Hospital Federal do Andaraí.
Atualmente desempenha a função de Subsecretário de Auditoria Interna da Secretaria
Municipal de Controle Interno da Prefeitura de São Gonçalo (RJ). Colaborador da Escola
Nacional de Administração Pública.
194

Rogerio Colaço da Silva é graduado em Licenciatura em Matemática pela UFSCar (2010),


especialista em Licitações e contratos administrativos UNISEB COC (2013) e Mestre em Gestão
de Organizações e Sistemas públicos UFSCar (2016).

48. Seminário Melhores Práticas em Contratações de TI, Professor Walter Cunha,


12/05/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Ricardo Miotto Lovatel.

A IN 04/2014 normatiza a atuação de três fiscais: o requisitante, o técnico e o administrativo.


Qual a importância desta segregação de função e quem seria o responsável pelo
recebimento dos serviços e produtos no caso de desenvolvimento de software?
Walter Cunha: A importância da segregação de funções entre os fiscais é, de forma imediata,
mitigar o risco inerente à sobrecarga de papéis distintos sobre um único componente,
historicamente o representante de TI. E, de forma mediata, a segregação eleva a taxa de
sucesso da fiscalização, uma vez que as três visões presentes ao longo de todo o processo
facilita a antecipação e correção de possíveis desvios nas três esferas. Face ao exposto, as três
instâncias seriam responsáveis pelo recebimento, cada uma no limite de sua competência.

A métrica de Análise de Pontos de Função (APF) tem sido uma regra na contratação de
desenvolvimento de softwarena APF. Alguns órgãos estão contratando serviços
complementares ao desenvolvimento, tais como consultoria em homem-hora e sustentação
de ambiente em UST. Qual a melhor prática alinhada com a legislação e entendimentos de
órgãos de controle?
Walter Cunha: A resposta é “depende”. Mesmo a consultoria por “homem-hora”, atualmente
condenada para o caso geral por favorecer o paradigma da improdutividade, em algumas
situações excepcionais é admitida, por exemplo, no caso de serviços de alta complexidade. Por
outro lado, no caso de serviços padronizados, as métricas de APF (desenvolvimento) e UST
(Suporte), apesar de ainda apresentarem algumas dificuldades em sua implementação, são as
mais recomendadas na atualidade, justamente por terem foco no entregável em vez de num
suposto esforço.
Atualmente existem entendimentos diferentes sobre a aplicação da IN 04/2014 em
determinados casos. O motivo é sobre a definição de "solução de tecnologia da informação",
que permite os diferentes entendimentos. Existe alguma padronização neste ponto, pois
dependendo do órgão, o mesmo objeto é contratado pela IN 04/2014 por uns e pela IN
02/2011 por outros?
Walter Cunha: Esse ponto tem sido motivo de acalorado debate entre as instâncias. Contudo,
em minha humilde opinião, em vez de se tentar descaracterizar um serviço como não de TI,
para “escapar” da IN04, deveríamos sim estar nos preocupando em estender os artefatos da
IN 04 para outras contratações de média e alta complexidade, mesmo não sendo de TI, por
conta dos benefícios alcançados de planejamento. Não é demais ressaltar que, quando se trata
de serviços de TI, a IN 04 tem precedência sobre a IN 02, pois ela regulamenta especificamente
essa área. Então vale o que diz a IN 04. Isso está explícito no art. 38 da IN 04/2014:
"Art. 38. Aplica-se subsidiariamente às contratações de que trata esta norma o disposto na IN
nº 2, de 30 de abril de 2008, e suas alterações, que disciplina as contratações de serviços
gerais."
Atualmente existem recomendações dos órgãos contratarem serviços em nuvem. Uma das
alegações é que existem "custos invisíveis" na manutenção de datacenters próprios. Outra
alegação é sobre os riscos envolvidos. Existe uma boa prática na comparação de custos que
195

resista aos questionamentos sobre os valores? Existe uma boa prática de valoração dos
custos de riscos?
Walter Cunha: Quanto ao parâmetro custo, a discussão sobre datacenter (interno vs externo)
também diz respeito a aspectos de segurança, binômio este que justamente dá margens aos
debates. Contudo, com o advento da Lei de Acesso à Informação, restou patente que a regra é
a publicidade das informações governamentais, e o critério segurança acabou sendo
fragilizado nas discussões, pelo menos em seu parâmetro Confidencialidade. Já os aspectos
Integridade e Disponibilidade, por seu turno, corroboram com a corrente que favorece a tese
da nuvem. Enfim, a migração (parcial, pelo menos) parece ser um movimento irreversível na
atualidade. Já quanto ao risco, a Administração Pública em regra nunca focou em uma
abordagem holística dos riscos. O que existiam eram abordagem isoladas inerentes à
atividade-fim da entidade, isso quando existia alguma. Por exemplo, no caso de entidade
financeira (o foco se dava apenas riscos financeiros/operacionais) e em órgão de auditoria
(riscos com foco no controle). Contudo, com a publicação da IN01 conjunta MP/CGU, o cenário
tende a mudar e o tratamento de risco passa a ser obrigatório e integrado.

A legislação de contratação vigente no Brasil, a partir da Lei nº 8.666/93, é naturalmente


usada para contratações de TI. Com a evolução das soluções de TI, que envolve a prestação
de serviços eletrônicos, as necessidades dos órgãos evoluem também, sendo necessário a
contratação de serviços que não eram demandados. Qual seria a boa prática nesta situação?
Walter Cunha: Acompanhar os normativos. E, sobretudo, quando a legislação se mostrar
omissa, usar os princípios. Aliás, uma boa prática é sempre usar os princípios mesmo quando
há legislação, mas se precisa de uma melhor interpretação. Destacaria entre todos os
Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Outra boa prática é o planejamento, seja
com a contratação já em curso, ou mesmo em um fase pré-contratação, que muitos chamam
de análise de viabilidade ou pré-projeto.

As contratações de TI cada vez mais estão caminhando no sentido de serem tratadas


como commodities, bens comuns, com o objetivo de obter uma maior competitividade e
redução de preços e isto tem sido obtido. Qual a boa prática para distinguir uma contratação
de bem comum das contratações estratégicas. No caso de contratações estratégicas pode
ocorrer de não existir um mercado de fornecedores estabelecido e como podemos lidar com
esta situação, com base nas boas práticas?
Walter Cunha: A primeira coisa a se fazer é definir os processos estratégicos para a entidade, o
que sem dúvida passa também pela definição da cadeia de valor. Sem esse exercício, falar de
contratações estratégicas não vai passar de um mero exercício retórico. No caso de não
existirem fornecedores no mercado, uma solução é acionar as empresas públicas de TI
governamentais, como Serpro e Dataprev, de modo a se encomendar um solução customizada
às necessidades do órgão.

Com base no nome do seminário, poderia falar sobre a vantagem de ter um setor específico
de contratação de TI? A IN 04/14 rege que a TI deve atender as necessidades de negócio do
órgão, reforçado pelo Decreto nº 8.638/16, de Governança Digital. A criação ou designação
de uma área específica para estas contratações seria uma boa prática baseada em quais
motivos?
Walter Cunha: Por um lado, como os normativos de TI são específicos, um setor específico
tende a se especializar e, consequentemente, ser mais ágil na condução das ações (agilidade).
Por outro lado, ao se destacar da operação da TI, os componentes de preparação de
196

gerenciamento de contratações não abandonarão a condução destas a cada emergência


comum na TI (perenidade).

O que o aluno da Enap poderá esperar do Seminário Melhores Práticas em Contratações de


TI?
Walter Cunha: Uma abordagem prática de como estruturar e desenvolver uma equipe de
gerenciamento de contratações de TI, bem como dicas de como gerenciar ativamente estas
contratações, segundo uma abordagem por projeto.
Na área de licitações, a gestão de riscos é responsabilidade de quem?
Walter Cunha: Primeiro, ressalto o entendimento do TCU sobre o que vem a ser a gestão de
riscos. Trata-se de um processo de trabalho de natureza permanente, estabelecido,
direcionado e monitorado pela alta administração, aplicável em qualquer área da organização
e que contempla as atividades de identificar, analisar e avaliar riscos, decidir sobre estratégias
de resposta a riscos, planejar e executar ações para modificar o risco, bem como monitorar e
comunicar, com vistas ao efetivo alcance dos objetivos da instituição.
Logo, pode-se chegar à conclusão que o titular da gestão de riscos é a alta administração e,
dependendo da estrutura organizacional, pode estar configurado por diferentes cargos.
Entretanto, gosto de refletir sobre a existência de riscos em todas as atividades, do nível
estratégico ao operacional. Pode-se pensar na gestão de riscos no nível mais alto, a ser
definido e monitorado pelas instâncias mais altas, e naquela gestão de riscos operacional que
o gestor operacional também realiza ao cuidar do pedaço que lhe cabe no latifúndio do
processo de compras.

Os agentes fornecedores podem ser entendidos como uma fonte de riscos?


Walter Cunha: Podem sim. As fontes de risco podem ser definidas como um elemento que,
individualmente ou de maneira combinada, têm o potencial intrínseco para dar origem ao
risco. São consideradas fontes de riscos: ameaças, oportunidades e perigos. Essas fontes
usualmente são representadas por pessoas, processos, sistemas, estrutura organizacional,
infraestrutura física, tecnologia e eventos externos. Um exemplo de risco de imagem atrelado
a fornecedores foi a participação de empresa venezuelana na licitação para aquisição de urnas
eletrônicas, cuja reputação foi posta em dúvida.

Como a gestão de riscos se aplica às contratações diretas?


Walter Cunha: A gestão de riscos, de forma ampla, é bem semelhante às demais contratações,
agregando particularidades dessa forma de contratação, como o controle de fracionamento de
despesa e o incorreto enquadramento nas hipóteses de contratação direta.

Quais seriam os riscos mais relevantes em dispensas e inexigibilidades?


Walter Cunha: Posso citar o enquadramento incorreto como compra direta, enquanto o
correto seria realizar uma licitação; o fracionamento de despesas e a definição imprecisa de
preços de referência, que sofrem as consequências das condições mercadológicas. Destaco um
risco de efeito positivo, pois a contratação direta possibilita mitigar alguns riscos da fase de
seleção de fornecedores, como se observa nas mais recentes hipóteses do art. 24 para
compras na área de saúde.
197

Existem riscos para o agente público que não faz gestão de riscos nas licitações?
Walter Cunha: Certamente. Tanto a Lei nº 8.112 quanto a Lei nº 8.666 estabelecem punições
para o agente público por ações ou omissões relacionadas às licitações. Essas punições podem
ser evitadas com uma gestão de riscos adequada. Existe um ponto de incerteza quanto à
punição aos gestores pelo descumprimento da jurisprudência do TCU e orientações dos
demais órgãos de controle quanto à implantação da gestão de riscos, o que seria um sinal bem
ruim. Melhor seria sancionar pela ausência de resultados, que poderiam ser alcançados pelo
bom tratamento dos riscos.

Como seria possível mitigar riscos na pesquisa de preços que antecede as licitações?
Walter Cunha: Costumo dizer que pesquisar preços é uma arte e não uma ciência. Cada
contratação, devido às condições de mercado, tem características próprias. Destaco as
consultas a fontes variadas, o treinamento das pessoas e a redução da rotatividade dos
servidores nessa área, a segregação de funções, a padronização e publicidade prévia das
especificações, bem como um bom levantamento do mercado fornecedor nos estudos
técnicos preliminares como ações que mitigam riscos na pesquisa de preços da instrução do
processo.

É possível conciliar os controles internos do gestor e o controle interno exercido por órgãos
como a CGU?
Walter Cunha: Entendo o papel do controle interno de órgãos como a CGU como a terceira
linha de defesa do COSO, ou seja, a função de auditoria interna. Nesse papel, a atuação é
essencial em agregar valor à primeira e segunda linhas de defesa, avaliando de forma
independente a eficácia e eficiência dos controles internos do gestor utilizados para mitigar os
riscos. Em suma, essa relação só fica pacificada quando a responsabilidade de cada um é bem
delimitada e todos agem com o espírito de melhorar a entrega para a sociedade.

A análise jurídica das minutas de edital e contrato não seria um controle suficiente dos
principais riscos nas aquisições?
Walter Cunha: Entendo que a análise jurídica visa garantir o controle de legalidade. Na minha
opinião, obedecer às normas é de extrema relevância e acho que a análise jurídica é um
grande controle interno para esses riscos. Entretanto, existem muitos outros que passam ao
largo dessa análise.

O que podemos extrair de relevante do documento Riscos e Controles nas Aquisições (RCA)
do TCU?
Walter Cunha: Inicialmente, ressalto que os órgãos públicos no Brasil são os mais variados
possíveis em termos de estrutura de pessoal. O RCA, um trabalho elogiável do TCU, é um
excelente ponto de partida para entender o processo de contratação e a gestão de riscos e um
ótimo ponto de chegada para vários órgãos que não têm ambiente interno, no momento ou
no futuro, para fazer a gestão de riscos detalhada de toda a atividade de compras públicas.
198

Seria correto afirmar que a maior parte dos riscos em licitações se concentra na fase de
planejamento da contratação?
Walter Cunha: Não concordo com a afirmação. Entendo que a maior parte dos eventos que
atrapalham o resultado da compra pública estejam na execução do ajuste. Posso delinear os
controles internos adequados na fase de planejamento, mas a execução desses ocorrerá
quando o “carro estiver andando”. Por exemplo, existem riscos quando eu defino as condições
de habilitação na licitação e também de uma empresa perder essas condições durante a
execução. O impacto do segundo, considerando que a prestação de serviços já está
acontecendo, é bem mais alto e de difícil mitigação, levando a opções de tratamento de riscos
mais gravosas. Logo, considerando o impacto dos riscos, entendo que a gestão contratual
congrega a maior parte dos riscos.

O que o aluno da Enap pode esperar do Seminário Gestão de Riscos em Licitações?


Walter Cunha: Primeiramente, gostaria de agradecer ao professor Franklin Brasil por essa
entrevista, pois ela possibilita mais um espaço para a comunidade de compras públicas discutir
o tema. Noto que a gestão de riscos virou o tema da moda, com todos preocupados em
entendê-lo e aplicá-lo. Por isso, esse seminário terá uma pegada bem prática. Vamos discutir
um pouco da história que nos fez chegar até aqui, contextualizar a gestão de riscos dentro
do framework da governança e depois partir para a construção de uma matriz de risco nas
aquisições que, com a colaboração dos alunos, será bastante útil no dia a dia dos órgãos.

Walter Cunha é formado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica


(ITA). Pós-graduado em Gerência de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). É Diretor de
Planejamento e Desenvolvimento Institucional (Governança) do Ministério da Transparência e
Controladoria-Geral da União. Especialista em Gestão de Planos, Projetos e Contratações para
Governo. Auditor Federal de Finanças e Controle - especialidade de Tecnologia da Informação
(AFFC/CGU-TI). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

Ricardo Miotto Lovatel possui graduação em Administração de Empresas pela Universidade


Federal do Rio Grande do Sul (1990). Pós Graduação em Gestão Empresarial na FVG. Longa
experiência começando na UFRGS e seguindo por diferentes empresas no mercado brasileiro.
Atua como Gerente de Projetos e Gestor de Organizações desde 1995. Atualmente é Analista
de Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, integrou o
Grupo Consultor de Gerência de Projetos do SISP (Sistema de Recursos de Informática do
Poder Executivo Federal).

49. Seminário Aspectos Controversos em Licitações com João Luiz Domingues, 06/07/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Petrônio Araújo Gonçalves Ferreira Filho.
No processo decisório do administrador público, sempre tentando cumprir os limites
constitucionais para saúde, educação e outros, até onde pode ir o poder discricionário deste
ente, sem ferir os princípios administrativos correlatos, em especial a impessoalidade?
João Luiz Domingues - Ao gestor é conferido o poder de decisão. A decisão pode ser pautada
em aspectos técnicos ou políticos. Quando assentada em aspectos técnicos, entendo que os
199

princípios da legalidade, eficiência, eficácia e impessoalidade, por exemplo, serão com certeza
mensurados e observados.
Quando a decisão do gestor é alicerçada em opção puramente política, não há como afirmar
que os princípios administrativos serão observados, vez que dependerá do direito que visa
tutelar com a tomada de decisão.

Segundo a Lei nº 10.520/02 e seu regulamento, a fase recursal do pregão é única e


estanque. Nas mãos do Pregoeiro está a decisão dos recursos, como ser eficiente quanto ao
juízo de admissibilidade recursal, quando a retórica do licitante inconformado é inócua, mal
redigida ou sem nexo causal?
João Luiz Domingues: A dicotomia entre negar a admissão do recurso por julgar meramente
protelatório e aceitar sua admissibilidade por nexo formal sempre estarão na cabeça do
Pregoeiro.
A atuação do pregoeiro ao avaliar os pedidos de recursos interpostos durante o certame deve
ser delimitada pela presença dos pressupostos recursais da sucumbência, tempestividade,
legitimidade, interesse e motivação, conforme assentada jurisprudência do Tribunal de Contas
da união (TCU). Por seu turno, a negativa da admissibilidade do pedido de recurso somente se
faria apropriada se o impetrante do pedido deixasse de observar algum dos pressupostos
listados pela Corte de Contas.
O indeferimento do pedido de recursos teria como “pano de fundo”, na maioria das vezes,
evitar o efeito procrastinatório que a empresa quer conceber na conclusão do pregão porque
foi desclassificada ou inabilitada. Tal fato, leva o pregoeiro relativizar os critérios estabelecidos
pelo TCU no momento de julgamento dos recursos, vez que o dia a dia ensina que o mundo
real difere em muito do mundo teórico e por isso o indeferimento do pleito se faria necessário.
Não sou pregoeiro, entretanto, percebo o quanto deve ser difícil a tomada de decisão do
servidor imbuído desse ofício ao deparar com a dicotomia: pertinência do recurso X recurso
protelatório.
A pertinência do recurso ganha repercussão quando o certame observa a forma eletrônica de
realização e determinada empresa, por exemplo, questiona a planilha de custos da empresa
classificada provisoriamente em primeiro lugar quanto à sua exequibilidade e se manifesta
pela intenção de recorrer. Ao analisar a composição da planilha de custos verifica que o regime
tributário que a empresa havia colocado em sua proposta comercial estava em desacordo com
o regime tributário em que de fato se encontra como optante junto à Receita Federal do Brasil.
Assim, ao receber o recurso para análise e manifestação, estaria o pregoeiro obrigado a
analisar a parte não requerida pela empresa em sua intenção de recurso? Dito de outra forma,
será que o pregoeiro deveria vincular a sua análise à motivação arguida pela empresa
originalmente, exequibilidade da proposta, ou deveria estender sua análise para o fato
alegado no recurso encaminhado, proposta comercial em desacordo com o regime tributário?
A decisão do pregoeiro quanto à situação ora apresentada de forma ilustrativa demandará
análise do caso concreto e, portanto, solução específica, não havendo, portanto, “receita de
bolo”. O importante é registrar, em qualquer caso, a motivação de seus atos, ou seja, os
motivos que levaram àquela tomada de decisão.

Sabendo-se que o regulamento do pregão exige a nomenclatura Termo de Referência (TR)


para nortear os aspectos relevantes da contratação (Decreto nº 5450/05), como mensurar
200

sua utilização, cumprindo o Acórdão TCU nº 5865/10? Assim, o TR é obrigatório só para


pregão? Nas outras modalidades podemos usar outra nomenclatura?
João Luiz Domingues: O seu questionamento é pertinente e está relacionado à terminologia
do documento que contém os elementos técnicos capazes de propiciar a avaliação do custo
durante o processo licitatório: termo de referência ou projeto básico.
Atualmente, esta questão está superada vez que utilizamos o termo “projeto básico” para as
contratações públicas realizadas pelas modalidades descritas pela Lei nº 8.666/1993, inclusive
os casos de dispensa e inexigibilidade, bem como as licitações sob a égide das Leis nº
12.462/2011 e 13.303/2016 que dispõe, respectivamente, sobre Regime Diferenciado de
Contratações Públicas (RDC) e estatuto jurídico das empresas estatais, enquanto o vocábulo
“termo de referência” está associado à modalidade pregão, eletrônico ou presencial.
Ambos os termos, projeto básico e termo de referência, apresentam a mesma “função” e por
isso em muitas das vezes assumem a mesma definição. É o que se verifica na Instrução
Normativa nº 05/2017, que dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de
contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração
Pública federal direta, autárquica e fundacional:

Anexo I:
[...]
XVIII - Projeto Básico ou Termo de Referência: documento que deverá
conter os elementos técnicos capazes de propiciar a avaliação do
custo, pela Administração, com a contratação e os elementos
técnicos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado,
para caracterizar o serviço a ser contratado e orientar a execução e a
fiscalização contratual.
Cabe frisar que a Instrução Normativa nº 04/2014, que dispõe sobre o processo de contratação
de Soluções de Tecnologia da Informação pelos órgãos integrantes do Sistema de
Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação (SISP), apresenta definição no
mesmo sentido, sem distinção entre os conceitos de termo de referência e projeto básico.

É comum se verificar nas repartições públicas um entrevero entre setores quando a temática
é a elaboração do termo de referência. Consubstanciado no regulamento do Decreto nº
5450/05, quem é o responsável pelo TR? Ademais, sabemos que ele possui um grande
número de requisitos de suma importância, como: justificativa da contratação e cotações de
preços. Destarte, seria o demandante o responsável por tudo isso?
João Luiz Domingues: A controvérsia sobre o setor responsável pela elaboração do termo de
referência poderia ser superada por regulamentação interna no órgão ou entidade. Entendo,
que atribuir ao setor requisitante a responsabilidade exclusiva pela elaboração do termo de
referência pode não representar a melhor opção, tendo em vista a exigência de
conhecimentos multidisciplinares na elaboração do aludido documento.
Este posicionamento se alinha com o descrito no Decreto nº 3.555/2000, ao prescrever em seu
art. 8º, inciso III, alínea ‘a’, que a cabe aos setores requisitante e de compras a elaboração
conjunta do termo de referência. Contudo, esse entendimento não é compartilhado pelo
Decreto nº 5.450/2005 que confere essa responsabilidade apenas ao setor requisitante.
A divergência se mostra nociva e acirra a controvérsia existente acerca da competência pela
elaboração do aludido documento. A Instrução Normativa nº 04/2014 divide essa
201

responsabilidade entre a equipe de planejamento da contratação a elaboração do termo de


referência ou projeto básico e os integrantes técnico e requisitante, responsáveis pela
elaboração do estudo técnico preliminar da contratação. Estrutura semelhante é adotada pela
Instrução Normativa nº 05/2017.
Por fim, entendo que a competência e a responsabilidade pela elaboração do termo de
referência devem ser compartilhadas entre os setores requisitante e de compras, o que
coincide com o posicionamento defendido pelo Decreto nº 3.555/2000.

Em se falando de documentos de habilitação, temos que exigir todos os requisitos do art. 27


em diante (Lei nº 8.666/93)? Ou devemos verificar como bem disse nosso mestre Marçal -
utilidade e pertinência (JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários... pg. 303)? No caso da utilidade,
como mensurar isso sem dirigismos.
João Luiz Domingues: Encontro resposta a esta pergunta dentro da própria Lei de Licitações,
mais precisamente no art. 3º, em que preconiza que a realização do certame visa à seleção da
proposta mais vantajosa para a administração a partir da aderência a vários princípios regem
às contratações públicas.
Entendo que para alcançar o objetivo delineado pelo art. 3º seja recomendável abarcar os
requisitos de habilitação prescritos pelo art. 27, em especial quanto às exigências de
qualificações técnica e econômico-financeira das empresas interessadas em participar da
licitação. As exigências de caráter técnico devem assegurar proporcionalidade entre o objeto
do certame e a experiência exigida dos licitantes, portanto, é desarrazoado exigir comprovação
de capacidade em quantitativos superiores ao do objeto da licitação.
A questão a ser superada é o que pode ser exigido e o quantum dessa exigência, o que
demanda, necessariamente, justificativa por parte de quem elabora o edital. O que se tem
observado é o desrespeito à Lei nº 8.666/1993 ao trazer como itens de habilitação exigências
não compatíveis com os arts. 27 a 31. Não sei dizer se a origem está no desconhecimento da
norma e da jurisprudência do TCU ou se reside na própria seleção do fornecedor, em que se
busca contratar determinada empresa por sua expertise na prestação de serviços ou pela
qualidade do produto ofertado, e por isso se realiza “licita direcionada”. Contudo, se faz
importante registrar que a restrição à competitividade do certame se faz possível, desde que
devidamente motivada e justificada nos autos. É o liame entre a justificativa e o
direcionamento.

No caso de contratos por escopo, extinto seu prazo de vigência sem a execução do objeto.
Em via de regra, a prorrogação do contrato administrativo deve ser feita antes do término do
prazo de vigência, via o Termo Aditivo, isto para que não se opere a extinção do contrato
mãe. Diante disto, no caso de inércia do agente público, devemos contar os lapsos temporais
de períodos de paralisação por iniciativa da administração pública? Ou devemos licitar
novamente?
João Luiz Domingues: Somente há possibilidade de prorrogar contrato, independentemente
de se tratar de contrato de escopo, se este estiver vigente. A devolução do prazo de execução
à empresa contratada deve ser feita durante a vigência contratual por meio de celebração de
termo aditivo, alterando o prazo de execução e de vigência, se for o caso.
Contudo, segundo a doutrina a extinção do contrato de escopo não se opera pelo transcurso
do prazo de vigência e sim pela conclusão do objeto, com a entrega do produto contratado.
Destarte, o prazo de execução previsto no instrumento contratual é apenas moratório, não
representando a extinção do pacto negocial, mas tão somente o prazo estipulado para sua
202

execução, e por isso mesmo que seja expirada a vigência contratual subsistiria as obrigações
contratadas.
O entendimento esposado pelo TCU no Acórdão nº 1.674/2014-Plenário converge para o
posicionamento da doutrina, pois entende que nos contratos por escopo, inexistindo motivos
para sua rescisão ou anulação, a extinção do ajuste somente se opera com a conclusão do
objeto e o seu recebimento pela Administração, diferentemente dos ajustes por tempo
determinado, nos quais o prazo constitui elemento essencial e imprescindível para a
consecução ou a eficácia do objeto avençado.
Dito de outra forma, se a Administração mantém interesse no recebimento do bem ou dos
serviços não há que se falar em nova contratação. Esse entendimento é mantido no Acórdão
nº 127/2016-Plenário, em que consigna que o escopo do contrato estará consumado quando
entregue o bem e que o tempo em que vai se desenrolar a execução do contrato não é o
elemento essencial, mas sim, a execução do objeto.
Contudo, em sentido divergente do apresentado anteriormente temos o Parecer nº
013/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, de 03 de dezembro de 20123, que considera a extinção
do contrato opera efeitos a partir do atingimento do prazo final de vigência, ainda que seja
classificado como contrato de escopo.
E nesse caso, se houver pendência para conclusão do objeto almejado no contrato de escopo,
deve-se providenciar inserção da parte remanescente em novo contrato administrativo, o qual
deverá ser precedido de licitação ou enquadrado em alguma hipótese de dispensa ou
inexigibilidade.
A execução de contrato extinto, segundo o citado Parecer, configura contrato verbal,
aplicando-se a Orientação Normativa da AGU nº 04/2009, que determina pagamento por meio
de reconhecimento da obrigação de indenizar nos termos do art. 59 da Lei nº 8.666/1993.
Portanto, em que pese as posições divergentes do TCU e AGU sobre o tema, entendo que
caberá ao gestor decidir o que fazer. É a decisão do caso concreto. É aquela que os livros não
preveem, pois em cada caso, em virtude do “direito a ser tutelado”, o gestor poderá assumir
um posicionamento. Não há receita de bolo.
O importante é justificar os motivos que levaram a adotar a decisão de fazer nova licitação ou
de receber o objeto fora do prazo contratual, fazendo contraponto entre o interesse público,
legalidade, eficiência, economicidade e necessidade pública, entre outros.

É comum nas repartições públicas a fuga de seus empregados na assunção de gerenciamento


e fiscalização de contratos administrativos. Na flexão do art. 67 da Lei nº 8.666/93 podemos
sentir a preocupação do legislador na fiscalização e gerenciamento do contrato
administrativo. Na omissão legislativa em definir os ritos que a administração pública deve
formalizar para seu cumprimento, poderíamos abstrair que o gestor de contrato possui
hierarquia sob o fiscal do contrato? Em relação aos parágrafos do artigo citado, poderíamos
elucubrar no sentido de que a frase “anotará em registro próprio todas as ocorrências”, seria
dotar o fiscal de contrato de um livro diário de anotações contratuais? Quanto a suas
obrigações, estaria à frase “as decisões e providências que ultrapassem a competência do
representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil”, obrigando o fiscal
de contrato provocar por escrito o ordenador de despesas? E que sua inércia é vista como de
própria responsabilização? Assim, como proceder perante a ocorrência do Registro da
Fiscalização versus o Registro de Ocorrências (Acórdãos TCU nº 38/13 e 675/15).
João Luiz Domingues: Realmente, a Lei nº 8.666/1993 somente trouxe o mandamento para o
acompanhamento e fiscalização dos contratos por um representante da Administração
especialmente designado, sem fazer qualquer menção a forma de sua operacionalização.
203

Portanto, caberia cada órgão ou entidade estabelecer as atribuições do representante da


Administração para o desempenho do ofício. E acredito que todos que lidam com licitação e
contratos chamavam este representante de fiscal do contrato. O famoso “Agente 67”!!!
Contudo, a partir da Instrução Normativa nº 06/2013 a figura do gestor do contrato tornou-se
efetiva nos contratos administrativos de prestação de serviços, sendo o responsável para
coordenar e comandar o processo da fiscalização da execução contratual. O fiscal do contrato,
que pode ser técnico ou administrativo, estaria subordinado ao gestor do contrato. Na
verdade, pela leitura do ato infralegal, apenas a figura do gestor do contrato seria obrigatória.
A Instrução Normativa nº 05/2017 mudou esse cenário e elencou como obrigatórios em
qualquer contrato de prestação de serviços o gestor e o fiscal técnico. O fiscal administrativo
somente se faz necessário se a prestação de serviços ocorrer sob a forma de dedicação
exclusiva de mão de obra. Em ambas as formas de execução contratual, o gestor é o
responsável pelo acompanhamento e fiscalização contratual, e portanto, para realizar o ateste
da nota fiscal.
Os fiscais administrativos e técnico devem, ao efetuar o registro das ocorrências,
comunicações entre as partes e demais documentos relacionados à execução do objeto,
organizá-los em processo de fiscalização. Atualmente, esses registros ficam consignados no
Sistema Eletrônico de Informações (SEI).
As situações que exigirem decisões e providências que ultrapassem a competência do fiscal
deverão ser registradas e encaminhadas ao gestor do contrato que as enviará ao superior em
tempo hábil para a adoção de medidas saneadoras.
Não se pode esquecer que o fiscal e o gestor podem ser responsabilizados por nas esferas
administrativa, civil ou penal em virtude de, respectivamente, ato omissivo ou comissivo
praticado no desempenho do cargo ou função; ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo,
que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros; e abrange os crimes e contravenções
imputadas ao servidor, nessa qualidade.
O gestor de contrato não se confunde com o ordenador de despesas, vez que cabe ao gestor
instruir o processo de pagamento com a nota fiscal ou fatura e os demais documentos
comprobatórios da prestação dos serviços e encaminhar para o setor competente para
pagamento. O ordenador de despesas é aquele que autoriza a realização e o pagamento das
despesas. É importante observar o princípio da segregação de funções entre o gestor e o
ordenador de despesas, por isso as atribuições do gestor não devem ser conferidas ao
ordenador de despesas.

E quanto aos riscos e controles nas aquisições? Com legislação recente, advém muitas
indagações aos administradores públicos, que por falta de informações, muitas vezes declina
de certas funções como ser Pregoeiro ou fiscal de contrato por exemplo. A Lei das Estatais
(Lei nº 13.303/16), que em seu art. 6, aponta a necessidade do estabelecimento de práticas
de gestão de riscos e de controle interno e, ao seu artigo 42, traz a necessidade da criação de
matriz de risco para as contratações de obra, bem como, sua inclusão em instrumento
convocatório. O próprio PLS nº 559/13, que pretende alterar a Lei de Licitações e Contratos,
em seu artigo 5, inciso XXV, define matriz de risco como sendo “cláusula contratual
definidora de riscos e responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio
econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de
eventos supervenientes à contratação”, devendo conter no mínimo as seguintes
informações: “a) listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato,
impactantes no equilíbrio econômico-financeiro da avença, e previsão de eventual
necessidade de prolação de termo aditivo quando de sua ocorrência; b) estabelecimento
preciso das frações do objeto em que haverá liberdade das contratadas para inovar em
204

soluções metodológicas ou tecnológicas, em obrigações de resultado, em termos de


modificação das soluções previamente delineadas no anteprojeto ou no projeto completo”
dentre outras. Indago se os controles já existentes como exigência de qualificação técnica e a
garantia do art. 56 não bastariam para isso, ou estamos por conta dos últimos
acontecimentos envolvendo política, agentes públicos e corrupção, nos estão deixando com
o preciosismo exacerbado?
João Luiz Domingues: O movimento pela melhoria da governança nas aquisições públicas
iniciou com o TCU, pois enxergou a partir de suas ações de controle que as aquisições públicas
não tinham suporte em controles internos efetivos e não eram originadas de planejamento. O
cenário identificado pela Corte de Contas não era animador.
Em resposta ao cenário identificado e visando a sua melhoria, o Ministério do Planejamento
juntamente com a Controladoria-Geral da União (CGU) publicaram a Instrução Normativa
Conjunta nº 01/2016, que dispõe sobre controles internos, gestão de riscos e governança no
âmbito do Poder Executivo federal.
Também se identificou em 2016 muitos órgãos e entidades em mobilização para aperfeiçoar
os controles internos a partir da gestão de riscos. Identificamos na internet vários manuais e
diretrizes de implantação, muitos desses frutos da Instrução Normativa Conjunta nº 01/2016.
Recentemente tivemos a publicação da Lei nº 13.303/2016 e da Instrução Normativa nº
05/2017, ambas buscando a partir do gerenciamento de riscos a melhoria das contratações
públicas e das respectivas fiscalizações. O PLS 559/2013 que irá substituir a Lei nº 8.666/1993
também segue a mesma linha. Todos falam de governança e gestão de riscos!!!
A gestão de riscos deve ser vista como uma possibilidade de melhoria dos controles internos
das aquisições públicas, contudo, enxergo alguns desafios a serem superados pelos órgãos e
entidades para a sua implementação, como por exemplo, aspecto cultural, número
insuficiente e servidores sem qualificação técnica.
O importante é entendermos que a publicação das normas por si só não muda o cenário
registrado pelo TCU em seus relatórios e acórdãos. Temos que ter consciência de que o
processo de mudança é longo e o agente principal do processo não está nos órgãos de
controle, e sim nos diversos órgãos e entidades que integram a Administração Pública, e que a
“virada da chave” envolve elementos que em sua maioria não estão no controle do gestor
público e por isso a caminhada será longa e difícil.

Quanto ao processo administrativo sancionador, muitas vezes verificamos um sem número


de dualidades jurídicas. Verifica-se desde 1993 um capítulo de crimes e penas na Lei nº
8.666, apesar de seu caráter de norma geral de licitações e contratos administrativos. Já o
Decreto nº 5450/05 que regula o Pregão, também possui estipulações de caráter punitivo,
como por exemplo seu art. 28. Assim, podemos afirmar que para as modalidades do art. 22
da norma geral de licitações nos utilizamos das punições do art. 87? E que para o Pregão,
não utilizamos a Lei nº 8.666?
João Luiz Domingues: Essa questão é muito interessante e reveste-se, mais uma vez, de
divergências. O art. 9º da Lei nº 10.520/2002, que regulamenta o pregão, prescreve que se
aplicam subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666/1993.
Nesse contexto, a subsidiariedade somente seria aplicada se houvesse falta de
regulamentação por parte da Lei nº 10.520/2002.
O art. 7º da Lei do Pregão dispõe de hipóteses para aplicação de duas penalidades:
impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e de
multa.
205

O aludido artigo transcreve em seu caput as hipóteses de direito que vinculam a atuação da
Administração na apuração e aplicação da penalidade à empresa que, convocado dentro do
prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar
documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu
objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de
modo inidôneo ou cometer fraude fiscal. Em relação à multa, sua aplicação está condicionada
à previsão no edital e no contrato.
Diferente do que falamos para multa, entendo que a ausência de previsão no edital e no
contrato, não impede a aplicação da penalidade de impedimento de licitar e contratar com a
União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, vez que encontra previsão legal e suas
hipóteses estão claramente descritas.
Retornando ao seu questionamento Petrônio, temos na Lei nº 10.520/2002 a regulamentação
da modalidade pregão, ou seja, trata-se de lei específica, não comportando assim a aplicação
subsidiária da Lei nº 8.666/1993 quanto à aplicação de penalidades, vez que há previsão legal
para duas espécies.
A maior parte da doutrina anui com essa linha, mas no dia a dia verifico que em um mesmo
edital convivem lado a lado as hipóteses descritas pela Lei nº 8.8666/1993 (advertência, multa,
suspensão e inidoneidade) e do pregão (impedimento em licitar e contratar e multa). Inclusive
a minuta padrão de edital da AGU, salvo melhor juízo, aborda todos os tipos de forma
conjunta.
O Parecer Nº 05/2015/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, de 26 de junho de 2015, “defende a Teoria
do Diálogo das Fontes”, em que seria possível a aplicação de coordenada e harmônica das Leis
nºs 8.666/1993 e 10.520/2002. De acordo com o aludido Parecer, a Administração deve avaliar
a reprovabilidade imputada e aplicar a sanção ao licitante ou ao contratado de acordo com o
postulado da proporcionalidade, o que seria prejudicado caso fosse adotada apenas a Lei do
Pregão, já que uma infração leve poderá ser apenada da mesma forma que uma infração
grave, uma vez que o art. 7º da Lei nº 10.520/2002, prevê para todas as condutas nele
previstas a mesma consequência, podendo representar uma pena excessiva para a conduta
praticada no caso concreto, e por isso a defesa da aplicação das sanções do art. 87 da Lei nº
8.666/1993.
Não obstante a tese defendida pelo Parecer nº 05/2015, eu ouso discordar de que somente a
aplicação a Lei do Pregão poderia gerar problemas de dosimetria quando imputada a
penalidade ao particular, vez que o art. 7º estabelece as condutas que podem acarretar o
impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios pelo
prazo de até 5 (cinco) anos.
O instituto da proporcionalidade e a dosimetria da penalidade aplicada estariam assegurados
pelo tempo de afastamento conferido ao licitante ou ao contratado infrator, como por
exemplo, encontramos na Norma Operacional nº 02/Dirad, elaborada pelo Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão com o objetivo de definir parâmetros à apuração de
responsabilidade em certames na modalidade pregão.
A admissão das penalidades da Lei nº 8.666/1993, em especial a suspensão e a inidoneidade,
nos certames regidos pela Lei nº 10.520/2002, permitiria ao gestor escolher, conforme o caso,
qual das três penalidades aplicaria no caso concreto em havendo cometimento de infração
que acarretasse a aplicação de sanção mais severa, o que em meu entender poderia trazer
critério de subjetividade na escolha da penalidade e consequentemente certa insegurança ao
gestor no momento de sancionar.
O efeito prático da admissão das penalidades de suspensão e de inidoneidade, juntamente
com o impedimento de licitar e contratar nos certames regidos pela Lei nº 10.520/2002, seria
206

a variação do campo de aplicação de cada penalidade, conforme estabelecido no art. 40, §§ 1º,
2º e 3º, da Instrução normativa nº 02/2010.
Segundo o ato infralegal, a penalidade de suspensão impossibilita o fornecedor ou interessado
de participar de licitações e formalizar contratos, no âmbito do órgão ou entidade responsável
pela aplicação da sanção; enquanto na inidoneidade a restrição alcança todos os órgãos e
entidades da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios; e o impedimento de licitar e contratar veda participação de licitações e
formalização de contratos no âmbito interno do ente federativo que aplicar a sanção.

O que o Aluno da Enap pode esperar do Seminário Aspectos Controversos em licitações e


contratos?

João Luiz Domingues: Posso te garantir que os alunos que participarem do evento terão uma
agradável surpresa, em especial na modelagem adotada para este seminário.
A ideia é trazer os aspectos mais controversos de licitação e contratos em um período de duas
horas cada, e o restante do tempo é dirigido ao debate com o público presente e com a
plenária formada com os professores de alto nível da Enap. Os assuntos abordados serão bem
atuais o que permitirá maior interação do público presente.
O sucesso do evento reside na participação de todos os evolvidos, professores e alunos. Por
isso, convoco a todos para participarem de mais um grande evento realizado pela Enap,
fazendo a sua inscrição e trazendo as suas experiências e dúvidas. A concepção do seminário é
troca de conhecimentos em que todos nós aprenderemos juntos!!!
Petrônio Araújo Gonçalves Ferreira Filho é graduado no Curso de Formação de Oficiais pela
Academia de Polícia Militar do Paudalho (1990) e Bacharel em Ciências Econômicas pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco (2001), é Especialista em Capacitação Docência
pelo DLCH/UFRPE (1998), Especialista em Segurança Pública pela PUCRS (2008), Especialista
em Planejamento Estratégico pela UNINASSAU (2014) e Aperfeiçoado no Curso de
Aperfeiçoamento de Oficiais da PMPE pela Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais -
FUNDAJ (2000) . Atualmente é Tenente Coronel da Polícia Militar de PE, servindo na Comissão
Permanente de Licitação (Presidente). Faz parte do Corpo de Instrutores do Centro de
Formação do Servidor Público do Estado de Pernambuco (CEFOSPE) e da Escola Nacional de
Administração Pública (ENAP), tendo experiência na área de licitações e contratos públicos
(Pregoeiro Formado e Aperfeiçoado); execução orçamentária e financeira e em docência.
Editor do Blog "O Mundo das Licitações Públicas" URL
http://licitacaoviapetroniogoncalves.blogspot.com/ ferramenta de interação
docente/discente, onde diariamente é publicado artigo sobre a matéria, com jurisprudência do
TCU.
João Domingues é formado em Odontologia pela Fundação Osvaldo Aranha e é pós-graduado
em Orçamento Público pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Ocupa o cargo de Auditor
Federal de Finanças e Controle no Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União
(CGU). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.
50. Entrevista Virgínia Bracarense Lopes sobre Central de Compras do Ministério do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 15/08/2017
• Perguntas elaboradas pelo professor Silvio César da Silva Lima.
207

Esse ano em 2017 está fazendo quase 10 anos desde a contratação de telefonia fixa (Pregão
nº 37/2008 – ~ R$ 20 Mi de economia com os partícipes (~ R$ 8 Mi) e adesões a ata (~ R$ 12
Mi) e que marcou o início das contratações conjuntas conduzidas pelo MP. O que mudou
nesse período e em que direção a Central de Compras está seguindo nesse assunto?

Virgínia: As compras conjuntas ou compartilhadas são previstas normativamente desde o


Decreto-lei nº. 2.300/86, que previa, em seu art. 14, a possibilidade de realização de
registro de preços, e foi regulamentado, pela primeira vez no ordenamento, pelo Decreto
nº. 449/92.

O Ministério do Planejamento, por meio de sua então Secretaria de Logística e Tecnologia


da Informação – SLTI, órgão central do Sistema de Administração dos Recursos de Logística
da Informação – SISP, iniciou a identificação de necessidades comuns dos órgãos e
entidades da Administração federal, com o objetivo de concentrar as demandas,
padronizar as soluções e alcançar economias de escala e processuais nas realizações de
licitações.

Mesmo com essas iniciativas ainda era difícil a atuação em licitações compartilhadas, uma
vez que as áreas envolvidas não eram dedicadas exclusivamente a esta finalidade,
concorrendo sua atuação com outras funções, principalmente aquelas relacionadas às
atividades finalísticas das unidades administrativas.

Nesse contexto e, analisando a representatividade que as compras possuem no total dos


gastos públicos do governo brasileiro, destacou-se, como essencial, o desenvolvimento de
ações no sentido de repensar os modelos de contratação instituídos, otimizar processos,
focar na qualidade, avaliar a vantajosidade das relações de compra e fornecimento que
envolvem o Poder Público e fomentar práticas inovadoras. Assim, desde janeiro de 2012, o
Governo Federal vem desenvolvendo estratégia de centralização das compras públicas,
culminando, em janeiro de 2014, com a criação da Central de Compras do Governo Federal
(CENTRAL) para concentração de funções de apoio voltadas ao processamento de
atividades comuns dos órgãos da Administração Pública Federal.

A CENTRAL funciona como um “filtro qualificado” da necessidade da Administração na


interação com o mercado. Dessa forma, é possível potencializar as demandas e otimizar
seu planejamento, padronizar os itens demandados de modo a viabilizar uma atuação
estratégica das compras públicas e imprimir ganhos de qualidade e financeiros.

Entre os resultados alcançados, destaca-se o processo de compra direta de passagens


aéreas que registrou, em média, uma redução de 19,38% nos preços pagos, o que
equivaleria a R$ 35.814.534,36, considerando o período decorrido desde a implantação do
modelo (em agosto de 2014) e os valores dispendidos com passagens aéreas pela
Administração Pública Federal direta.

Diante dos benefícios obtidos e do potencial ainda a ser explorado, o Ministério do


Planejamento, Desenvolvimento e Gestão iniciou, em 2017, a implantação de um modelo
de serviços compartilhados para o Governo Federal, sendo a Central de Compras o locus
apropriado para implantação desse novo conceito, uma vez que já atua como
concentradora do planejamento da demanda e da realização do processo licitatório de
208

determinados bens e serviços de uso em comum pelos órgãos e entidades do Poder


Executivo federal. Com essa evolução no modelo administrativo-organizacional das
funções transacionais, a CENTRAL passaria a atuar em outros estágios da cadeia logística
para fornecimento de serviços, incorporando a gestão contratual, a operação do serviço e
os processos relacionados à despesa pública.

Para inaugurar esse novo modelo foi selecionado o serviço de transporte administrativo de
servidores e colaboradores, que, somente para atender à demanda dos ministérios
localizados no Distrito Federal, atinge anualmente R$ 32 milhões distribuídos em contratos
de veículos locados, manutenção, seguro e abastecimento, não contabilizados custos de
aquisição e garagem.

Com foco na eficiência do gasto, melhoria dos serviços prestados aos usuários, uso de
tecnologia da informação, maior controle e transparência no serviço de transporte, foi
desenvolvido o TáxiGov, modelo que substitui os carros alugados e próprios por táxis, com
adoção de soluções de tecnologia de informação e comunicação para os usuários e para
gestão dos serviços, pagando-se apenas pela efetiva utilização.

Quais as verticais de compras escolhidas pela Central para atuar com contratações conjuntas
no Governo Federal e por quê? E como essas escolhas estão alinhadas com as demais ações
do Governo?

Virgínia: Durante o projeto de desenvolvimento, estruturação e implantação da Central


de Compras foram feitas análises sobre qual o escopo de bens e serviços que, além de
serem representativos para o gasto público, pudessem ter sua estratégia de compras,
forma de realização do respectivo procedimento licitatório, contratação e gestão
aprimoradas a partir de um compartilhamento ou centralização.

Nesse contexto, foram realizadas extrações de dados em sistemas da Administração


(SIASG e SIAFI), entrevistas com atores relevantes (SPOAs, gestores de logísticas e de
compras), levantamento de experiências dentro e fora da Administração de compras
compartilhadas e centralizadas e análise dos normativos e do mercado para elaborar uma
primeira carteira de projetos para a Central de Compras. A seleção também considerou a
complexidade dos objetos, o tempo estimado de implantação de novas estratégias e a
expertise das equipes envolvidas.

Outra variável importante para a definição do escopo de trabalho da CENTRAL foi analisar
aquilo que poderia ser considerado como um bem ou serviço de uso em comum pelos
órgãos e entidades da Administração, ou seja, o que pelo menos duas instituições tinham
necessidade de consumir para desenvolver suas atividades, não se limitando aqui a
critérios de que o item é simples ou complexo ou comum na linguagem da modalidade de
licitação do pregão.

Assim, a lista inicialmente identificada como passível de absorção pela Central de Compras
contemplava serviços terceirizados (ex. copeiragem, portaria, brigadista, vigilância,
manutenção predial, limpeza e conservação), frota, reprografia, material de expediente,
209

mobiliário, energia elétrica, passagens aéreas, dentre outros. Além disso, também foi
considerada a absorção de processos já em andamento, como telefonia móvel,
videoconferência, desktops e notebooks, que eram objetos em estudo pela então SLTI.

Quanto ao alinhamento da escolha desses objetos com as demais ações do Governo,


podemos destacar, principalmente, o contexto de necessidade de conciliação das
crescentes restrições fiscais com a demanda cada vez mais exigente dos cidadãos por um
melhor desempenho dos serviços públicos. Em outras palavras, há uma grande pressão
pela melhoria contínua da performance do setor público e, ao mesmo tempo, uma
tentativa de impedir o crescimento da despesa pública.

Além disso, a atuação da CENTRAL, com a desoneração das unidades administrativas dos
órgãos e entidades permite a realocação dos servidores no desempenho de atividades
finalísticas e alinhadas aos propósitos estratégicos das instituições, focando na entrega de
melhores e mais eficientes serviços.

Também podemos destacar a incorporação de tecnologia nos serviços prestados à


Administração, trazendo inovação às contrações, estimulando mercados e, ademais,
aumentando a qualidade das contratações e a economia em função de prestações de
serviço mais eficientes.

Qual a estrutura atual da Central de Compras? Vocês contam com quantos profissionais e de
que perfis?

Virgínia: De sua implantação até 2016, a CENTRAL operou por meio de 3 Coordenações-
Gerais, sendo:

• Coordenação-Geral de Estratégias de Aquisições e Contratações: responsável pelos


estudos de avaliação e proposição de modelos de aquisição de bens e contratação
de serviços para órgãos da Administração Pública Federal, atuando na construção
de soluções mais eficientes para atendimento ao governo. Representa a primeira
fase dos projetos sob responsabilidade da Central de Compras.
• Coordenação-Geral de Licitações: possui a competência para executar as licitações
e eventuais contratações diretas de acordo com a solução proposta pela
Coordenação-Geral de Estratégias de Aquisições e Contratações, englobando a
elaboração dos atos convocatórios até a homologação dos certames, também
acompanhando os projetos ainda na etapa de estudos estratégicos, a fim de trazer
conhecimento técnico específico no que se refere às regras de contratação.
• Coordenação-Geral de Gestão de Atas e Contratos: atua na gestão de atas de
registro de preços e de contratos centralizados. Realiza procedimentos de controle
de vigência de atas e pedidos de adesão, bem como atividades de gestão
contratual dos contratos.

Com a ampliação do escopo de atuação a partir de 2017 para iniciar sua atuação enquanto
um Centro de Serviços Compartilhados, a unidade passou por algumas alterações, tendo a
Coordenação-Geral de Gestão de Atas e Contratos assumido funções gestão dos contratos
210

centralizados, com o pagamento a fornecedores, gestão de Termos de Execução


Centralizada e gestão da vigência dos instrumentos contratuais.

Também foi criada uma quarta coordenação-geral, a de Serviços Compartilhados, que atua
na execução e operação de serviços quando o modelo adotado for de contrato
centralizado, gerenciando a implantação dos novos modelos de serviço, orientando os
órgãos e entidades atendidos na adoção dos novos modelos e no encerramento dos
modelos antigos.

Quanto à equipe, hoje a CENTRAL conta com aproximadamente 40 colaboradores,


havendo diversidade quanto às formações, experiências profissionais e vínculo com a
Administração. Há empregados de empresas públicas, servidores de carreira, profissionais
sem vínculo, que transitam em áreas de formação como administração (privada e pública),
economia, estatística, direito, engenharia, marketing e possuem experiência profissional
em logística, licitações e contratações, gestão de projetos, tecnologia, modelagem de
processos etc. Enfim, temos uma equipe multidisciplinar, cuja riqueza de formação e
experiência contribuem para o compartilhamento de conhecimentos, convivência de
culturas e flexibilidade de atuação.

Dada a ampliação do seu escopo de atuação, a equipe da CENTRAL também está passando
por um momento de expansão, a fim de reforçar seus quadros para melhor atender aos
órgãos e entidades, além de incorporar novos conhecimento e expertises.

Quais os benefícios advindos do trabalho conduzido das contratações conjuntas? Como eles
se tornam palpáveis para o cidadão comum que tanto clama por eficiência no gasto de seus
impostos?

Virgínia: Dentre os benefícios que as compras compartilhadas/centralizadas trazem para a


administração podemos citar:

• Aumento da eficiência na gestão dos recursos públicos, por meio de economias


processuais e ganhos de escala obtidos com a centralização de funções de compra
e contração de bens e serviços de uso em comum;
• Desenvolvimento de uma estrutura administrativa e um corpo técnico
especializado e exclusivamente dedicado ao planejamento, execução e gestão das
funções de compra e contratações de bens e serviços de uso em comum.
• Racionalização, otimização e automação dos processos referentes às funções de
compras;
• Incorporação de tecnologia e processos inovadores às rotinas da Administração;
• Padronização das aquisições e contratações;
• Utilização do poder de compras do Estado para estimular práticas inovadoras e
sustentáveis no mercado.

Todos esses benefícios têm um fim principal, qual seja, melhorar a qualidade do gasto
público, trazendo mais eficiência para a máquina administrativa, desonerando as
211

instituições para o desempenho de atividades finalísticas e alinhadas aos seus propósitos


estratégicos, focando na entrega de melhores e mais eficientes serviços públicos.

Quais as principais dificuldades enfrentadas pela Central de Compras com o processo de


centralização de compras públicas? E o que a Central tem feito para mitigar ou reduzir esses
riscos à níveis aceitáveis?

Virgínia: Dentre as principais dificuldades e as respectivas ações de mitigação podemos


citar:

• Barreiras culturais dos órgãos e entidades, como resistência devido à perda de


atribuições e autonomia, advindas da centralização das compras e resistência à
mudança de procedimentos e rotinas. Esses impactos foram e são minimizados
por meio da aproximação e diálogo junto aos órgãos e entidades com o objetivo
de conscientizar e sensibilizar quanto às vantagens e benefícios dos novos
modelos e procedimentos;
• Adaptação dos órgãos e entidades aos modelos centralizados. Para tanto, foram
desenvolvidas ações como elaboração de manuais e guias, treinamento e
capacitação dos servidores envolvidos nas áreas atividades de compras e uma
abordagem específica para os ocupantes de cargos de direção dos setores para
informá-los e sensibilizá-los quanto à importância de adesão ao novos modelos;
• Pressões e atuação de atores de mercado (fornecedores e associações
representativas) e órgãos de controle. Nesse sentidos, foram realizadas agendas
de aproximação, por meio de reuniões para esclarecer o papel e atuação da
CENTRAL em construir um modelo benéfico a todas as partes envolvidas e a
disponibilização das informações necessárias para reduzir as dúvidas quanto aos
benefícios gerados com os modelos implementados;
• Captação de profissionais especializados em atividades estratégicas de logística e
compras no âmbito do setor público. A medida adotada foi (e vem sendo) realizar
processos seletivos para a agregação de novos talentos à CENTRAL, além da
parceria com instituições com especialidade nos objetos absorvidos, por meio da
atuação de grupos de trabalho.

Você poderia nos dar alguns números da Central de Compras do último ano? Quantos
processos foram realizados no período? Qual o total em reais estimado das contratações no
período? Qual o total em reais de desconto conseguido nesses processos?

Virgínia: Os projetos da Central de Compras possuem ciclo longo de estudos para


desenhar as novas estratégias e modelos de compras. Por isso, traço um resumo dos
projetos que foram desenvolvidos e implantados desde sua criação em 2014:

Compra Direta de Passagens Aéreas (2014): redefinição do relacionamento entre a


Administração Pública e o mercado e automatizou atividades administrativas, eliminando
etapas no processo de solicitação de passagens aéreas dentro dos órgãos e entidades.
Trouxe ganhos processuais, redução de custos, maior transparência e controle ao
processo. A compra direta de passagens aéreas, registrou uma redução de 19,38% nos
212

preços pagos, o que equivaleria a R$ 35.814.534,36, considerando o período decorrido


desde a implantação (ago/2014).

Agenciamento de viagens (2014/2015, 2016 e 2017): trata-se de licitação para


contratação de única agência de viagens que prestará serviços de emissão, alteração e
cancelamento de bilhetes não atendidos pelas empresas aéreas credenciadas (compra
direta de passagens) e atendimento em horários excepcionais.

Houve três procedimentos licitatórios até o momento, pois, uma vez que um objeto é
absorvido pela CENTRAL e, sendo uma ata de registro de preços cuja vigência é de 12
(doze) meses, passa a ser nosso compromisso sempre deixar disponível aos órgãos
instrumento que permita a contratação do serviço a fim de evitar descontinuidade.

Como inovações esse novo modelo permitiu padronizar os procedimentos de aquisições


de passagens aéreas para toda APF, simplificar o processo e aumentar a eficácia dos
controles, além de disponibilizar atendimento 24 horas, 7 dias por semana.

Quantitativamente, os resultados alcançados foram: a) 1ª licitação (2014/2015): 615


participantes, com redução de 28,66% entre o valor estimado e o valor final da licitação
referente ao serviço de agenciamento; b) 2ª licitação (2016): 185 participantes, com
redução de 78% entre o valor estimado e o valor final da licitação referente ao serviço de
agenciamento; e c) 3ª licitação (2017): 263 participantes, com redução de 74% entre o
valor estimado e o valor final da licitação referente ao serviço de agenciamento.

Telefonia móvel (2014): projeto em parceria com a então Secretaria de Logística e


Tecnologia da Informação (SLTI), tinha como objeto o Registro de Preços para a prestação
de Serviços de Telefonia Móvel Pessoal (SMP) e Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC),
com fornecimento de aparelhos em regime de comodato

Foram registrados resultados muito positivos, com a participação de 78 órgãos e valor


estimado em 65,2 milhões. O percentual de redução na licitação foi de 52,59% e o
percentual de redução de despesas foi de 43,56% sobre os contratos vigentes.

Imagens de Satélite (2014-2015): projeto em parceria com a então Secretaria de


Planejamento e Investimentos (SPI), do Ministério do Planejamento, que teve por objeto a
realização de licitação para Registro de Preços para contratação, pelos 14 órgãos e
entidades da Administração Pública Federal participantes, de empresa especializada para
prestação de serviços de fornecimento de imagens óticas orbitais, de acervo ou
programadas, com a unidade dimensionada em Km².

Por meio de atividades de inteligência foram reduzidos de 108 para 8 tipos de imagem
licitados, o novo formato de contração passou a prever uma licença estendida de uso das
imagens pelos diferentes órgãos da APF. O modelo centralizado trouxe uma redução de
83,3% em relação ao valor médio pago em um dos itens de maior relevância,
representando uma economia potencial próxima de R$ 306.000.000,00.

Ativos de rede (2015): projeto também em parceria com a então Secretaria de Logística e
Tecnologia da Informação (SLTI), tendo como objeto o Registro de preços para a
213

contratação de empresa para fornecimento e instalação de Ativos de Rede, com vigência


de 12 (doze) meses, e garantia on-site, pelo período de 60 (sessenta) meses. O processo
envolveu 37 órgãos, teve valor estimado de R$ 39.329.267,01 e um valor final de R$
19.659.913,13, uma redução de 50,11%.

Venda da folha de pagamentos (2015-2016): projeto em parceria com a então Secretaria


de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho (SEGRT), tendo como objeto a prestação de
serviços de pagamento da folha salarial e outras indenizações, compreendendo a
realização da prova de vida (atualização cadastral) dos beneficiários inativos, pensionistas
e anistiados políticos. Foi realizado um credenciamento em que 11 instituições foram
contratadas, gerando uma receita acumulada de R$ 1,389 bilhão (fev/16 a jun/17).

Desktops e notebooks (2015-2017): projeto em parceria também com a Secretaria de


Logística e Tecnologia da Informação (SLTI), tendo como objeto o Registro de preços para a
contratação de empresa para fornecimento de computadores portáteis (notebooks),
estações de trabalho (desktops) e monitores, com garantia de funcionamento on-site pelo
período de 36 (trinta e seis) meses para notebooks, 48 (quarenta e oito) meses para
desktops e monitores.

O procedimento contou com a participação de 119 unidades, alcançando uma redução de


quase 40% em relação ao preço estimado.

TáxiGov (2014-2017): novo modelo de sistema de transporte de servidores públicos por


meio de agenciamento de táxis para atender aos servidores e colaboradores do Executivo
Federal em exercício no Distrito Federal que necessitam se deslocar em função de
atividades administrativas. Primeiro objeto operado no conceito de Centro de Serviços
Compartilhados, em que a CENTRAL contrata o fornecedor e passa a ser a provedora do
serviço aos órgãos da Administração Direta, representando desoneração das unidades dos
ministérios com atividades de gestão de contratos e pagamentos.

Até o momento desta entrevista, temos 13 órgãos utilizando o serviço (CGU, MCTIC, MP,
MAPA, AGU, MDSA, MD, MTur, MDIC, MME, MinC, MTPA, MEC), registrando os seguintes
resultados (13/02 a 20/07/17):

• 18.676 corridas realizadas


• 2.577 usuários atendidos
• Mais de 148 mil quilômetros percorridos
• Tempo médio de atendimento 7min (máximo de 15min pelo Termo de Referência)
• 4,9 é a média de avaliação dos motoristas e veículos (máximo 5 pelo Termo de
Referência)
• R$ 502.228,34 pagos pelo serviço
• R$ 792.945,81 economizados em relação aos modelos de transporte
anteriormente utilizados.

Além do ganho financeiro e melhoria na qualidade e agilidade do serviço, o TáxiGov


permite maior controle e transparência sobre, com informações mais precisas sobre o uso
dos veículos. A estimativa é que, até o início de 2018, todos os órgãos da Administração
direta localizados no Distrito Federal estejam utilizando o serviço.
214

Plataforma da cidadania digital (2017): apoio ao Departamento para Modernização da


Gestão, da Secretaria de Gestão, do Ministério do Planejamento, para contratação de
empresa especializada no desenvolvimento de solução tecnológica para digitalização de
serviços. A contratação faz parte da implantação da Plataforma de Cidadania Digital,
instituída pelo Decreto nº 8.936/16, que amplia e simplifica o acesso da sociedade aos
serviços públicos digitais, inclusive por meio de dispositivos móveis.

A empresa vencedora da licitação irá desenvolver ferramenta para ser integrada ao Portal
de Serviços do Governo Federal, que está sendo implementado para se tornar o canal
único e integrado para a disponibilização de informações, solicitação eletrônica,
pagamento e acompanhamento de serviços.

A solução tecnológica terá funcionalidades como: solicitação e acompanhamento dos


serviços pelo cidadão, automação do fluxo de trabalho e visão gráfica sobre situação das
demandas do órgão; interação digital como chat e e-mail; histórico de atendimento e
comunicações entre cidadão e atendente.

Como resultado da licitação, houve uma redução da ordem de 75% entre o valor estimado
e o homologado.

Quais as prioridades para 2017 da Central de Compras? Você pode nos listar algumas?

Virgínia: A prioridade da CENTRAL para este ano é a implantação do TáxiGov, que irá
consolidar o conceito de Centro de Serviços Compartilhados, para depois ter capacidade
de absorver nos objetos.

Além disso, é prioridade a evolução dos estudos de um novo modelo de compra de energia
elétrica no Ambiente de Contratação Livre (ACL), no qual a energia é adquirida
diretamente dos geradores e comercializadores, podendo obter redução nos valores
pagos, além de ganhos de eficiência e contratos mais adequados às necessidades. A
distribuição, por sua vez, continua a ser contratada junto à concessionária local. Empresas
privadas já adquirem energia no Mercado Livre e incorporaram em seus resultados ganhos
com a redução das despesas deste insumo.

Esses são os novos objetos em implantação e estudo, sendo também prioridade a


consolidação dos modelos anteriores (compra direta de passagens aéreas, por exemplo) e
a manutenção da disponibilidade de alguns bens e serviços por meio de atas de registro de
preços (agenciamento de viagens, por exemplo).

Quais as contratações da Central que estão em andamento e que os órgãos da


Administração Pública ainda podem participar? Você pode citar ao menos duas
contratações?

Virgínia: Projetos em parceria com outras unidades do Ministério do Planejamento, em


especial a Secretaria de Tecnologia da Informação – SETIC (antiga SLTI), estão em
andamento, como a contratação de telefonia móvel e fixa, de forma conjunta, e de
solução de segurança de rede.
215

Esses dois procedimentos já passaram pela fase de levantamento de demanda junto aos
órgãos e entidades, por meio da Intenção de Registro de Preços, já contemplando um
número significativo de participantes. Ambos estão em conclusão da fase interna para, na
sequência, serem publicados. Aquelas unidades que não constam como participantes,
posteriormente poderão avaliar a conveniência e oportunidade de aderirem às atas de
registro de preços.

O projeto de compra de energia, mencionado anteriormente, já tem em seu escopo


abranger 34 unidades consumidoras localizadas na Esplanada (entre edifícios principais e
anexos). Como se trata de iniciativa inovadora no âmbito da administração pública federal,
houve a contratação de consultoria especializada que possibilitará que os ganhos sejam
obtidos de maneira segura e transparente.

Como ocorre a integração da Central de Compras com as normas e diretrizes emanadas pelo
Departamento de Normas e Sistemas de Logística que também faz parte da Secretaria de
Gestão do MP?

Virgínia: A Central de Compras e o Departamento de Normas e Sistemas de Logística


(DELOG) atuam conjuntamente de forma intensa.

Primeiramente, porque a CENTRAL é uma “cliente” dos sistemas informatizados geridos


pelo DELOG, e está sujeita às diretrizes e normas, que já estavam vigentes, emanadas
deste departamento. Essa relação permite que a CENTRAL, a partir de seus projetos e
estratégias implantadas possa retornar avaliações de aprimoramento de sistemas, normas,
políticas e diretrizes, algumas, inclusive, sendo feitas de forma conjunta pelos
departamentos.

Outra forma de interação é que a CENTRAL funciona como uma incubadora, permitindo
observar a implantação de novos modelos de compras para que, posteriormente, sejam
feitos normativos para disciplinar as estratégias favoráveis para a Administração, que foi o
que ocorreu com os projetos da compra direta de passagens aéreas e com o TáxiGov.

O que poderia ser modificado na legislação de compras atual a fim de agilizar o processo das
contratações públicas e como isso poderia ajudar o trabalho da Central de Compras?

Virgínia: A legislação atual não impede que se inove nas licitações e contratações públicas,
mas também não podemos dizer que o caminho é fácil.

Normativos que disciplinem, por exemplo, novas formas de contratação, ou até que
regulamentem práticas que, para o Governo Federal, só estão sedimentadas em doutrina
ou jurisprudência, como o credenciamento, podem trazer mais agilidade e segurança para
os procedimentos.

Outras melhorias estariam associadas à regulamentação das formas de interação entre o


mercado e a administração, para trazer mais transparência para os procedimentos e
216

segurança para os gestores públicos, retirando a carga negativa e estereótipo que existe
em relação às situações em que a Administração precisa conversar e, às vezes, construir
soluções conjuntamente com o mercado.

Quando se fala em inovação, devemos saber que não temos a solução desenhada dentro
do Governo. Nós temos, talvez, o problema e/ou a necessidade definidos, e na maioria das
vezes, mau identificados e definidos. Por isso, precisamos mirar exemplos, geralmente
internacionais, em que o bom comprador é aquele que sabe dialogar e negociar com o
mercado, saindo do ponto em que estamos hoje, em que o nosso bom comprador é
aquele que sabe leis, acórdãos, doutrina, jurisprudência de trás pra frente e vice-versa.

Algumas soluções também vêm a partir de ferramentas de tecnologia da informação, pois


ter dados é ter capacidade de decisão e, assim, poder definir políticas públicas de compras
mais eficientes. Nesse sentido, as normas precisam ser mais permeáveis à inovação, seja
ela instrumental seja de mudança de paradigmas de como e o quê a Administração precisa
contratar.

Virgínia Bracarense Lopes é formada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), em Administração pela Fundação João Pinheiro e tem especialização em Direito
Público pela UFMG. É Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e ocupa o
cargo de Diretora na Central de Compras do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão.

Silvio César da Silva Lima é Graduado em Engenharia Elétrica, com Ênfase em


Telecomunicações, pela Universidade de Brasília – UnB. PósGraduado em Gestão Pública pela
Faculdade Metropolitana de Belo-Horizonte. Há 17 anos atua nos mercados públicos e
privados de Telecomunicações e TI. Servidor público federal desde 2004, lotado na Secretaria
de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. Exerce a função de coordenador geral e diretor substituto do Departamento de
Infraestrutura e Serviços de Rede da SLTI. Professor da ENAP, da ABOP e da ESAF sobre os
temas de contratações de TIC e contratações públicas em geral. Experiência na elaboração de
Termos de Referência para contratação de soluções TIC. Experiência com grandes processos de
contratações conjuntas conduzidas pelo Ministério do Planejamento – SLTI (Telefonia Fixa,
Telefonia Móvel, Ativos de Rede, Videoconferência e Computadores Pessoais). Experiência em
elaboração de referencial normativo de compras de TI (IN no 04/2008, IN no 04/2010 e IN no
04/2014), do referencial normativo sobre comunicação segura (Decreto no 8.135/2013,
Portaria Interministerial no 141/2014 e Instrução Normativa de Serviços da SLTI) e do
referencial de contratações de serviços continuados ou não (IN no 02/2008 e alterações).
Experiência em grandes contratações com aplicação das margens de preferência e do direito
de preferência em produtos de TIC pela SLTI (Equipamentos de Rede de Computadores e
Computadores Pessoais).
217

51. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de


Administração Pública, a professora da Enap, Jhessica Ribeiro Cardoso, falou sobre Logística
Reversa no setor público 09/08/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor Demétrio Florentino de Toledo Filho.

Na sua opinião, quais foram os avanços na gestão dos resíduos sólidos trazido pela Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei Nº 12.305, de 2 de agosto de 2010?

Jhessica: Acredito que os principais avanços na gestão de resíduos sólidos oriundos da publicação a
PNRS estão relacionados com a articulação institucional dos entes federados, da sociedade e do
setor produtivo. Isso significa que por meio da publicação da Lei em 2010, após longos 20 anos de
debate sobre o tema, todos esses atores envolvidos passaram a ter uma responsabilidade sobre a
gestão dos resíduos – o que chamamos de responsabilidade compartilhada, e a concepção deste
pensamento foi o primeiro passo para novos avanços: os indivíduos são responsáveis por gerenciar
o resíduo que geram, repensando seu papel como consumidores; o setor produtivo buscará
gerenciar os resíduos corretamente, e sempre tentando incorporá-los na cadeia produtiva; os
governos implementarão planos de gestão de resíduos sólidos para a promoção adequada dos
instrumentos previstos na Lei. Assim, começamos a verificar um cenário com mais engajamento da
sociedade e a cobrança pela efetivação da aplicação da Lei.
Outro avanço importante foi a construção do SINIR, Sistema Nacional de Informações sobre a
Gestão dos Resíduos Sólidos. O SINIR deve estar integrado ao Sistema Nacional de Informações
sobre Meio Ambiente (SINIMA) e o Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento Básico
(SINISA), além de considerar o Inventário de Resíduos e o Sistema Declaratório Anual de Resíduos
Sólidos, de responsabilidade do setor produtivo, por exemplo.

Qual a importância da implantação dos sistemas de Logística Reversa para o avanço na


implantação de Economia Circular?

Jhessica: A economia circular baseia-se na utilização racional dos recursos, levando em


consideração processos cíclicos de produção, ou como chamamos “do berço ao berço”. Princípios
como os 5R são totalmente empregados neste modelo de economia, pois os materiais são
utilizados, reutilizados, compartilhados, reaproveitados, reformados, remanufaturados e reciclados.
Desta forma, a Logística Reversa pode auxiliar na desconstrução do conceito de resíduo por meio
da construção de novos projetos e sistemas que venham a ser recuperados.

Na sua opinião, quais são os obstáculos para o desenvolvimento da indústria de reciclagem no


Brasil?

Jhessica: Os principais obstáculos estão associados ao alto custo operacional (de transporte e
tratamento), alta dispersão geográfica, baixo apoio do governo para coleta seletiva, resíduos são
itens de baixo valor, baixa escala de volumes, dificuldades de interpretar a legislação, cooperativas
com pouca estrutura, mercado secundário de baixa performance, falta de operadores logísticos no
mercado, dificuldades com tecnologias da informação, dentre outros.

Como os princípios de Produção e Consumo Sustentável podem auxiliar no atingimento dos


Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU?

Jhessica: Entendo que o objetivo central da nova agenda ambiental (Agenda 2030) para
desenvolvimento sustentável (pós 2015), no âmbito de Produção e Consumo Sustentável, seja com
foco no Objetivo 12 “assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”. Isto porque a
principal causa da deterioração contínua do meio ambiente global é o padrão insustentável de
218

produção e consumo. Portanto, só será possível mudar este modelo insustentável, por meio de
padrões mais responsáveis e conscientes.
Assim sendo, alguns princípios de PCS podem auxiliar no atingimento desses objetivos tais como:
aumento da reciclagem; educação para o consumo sustentável; agenda ambiental na administração
pública; compras públicas sustentáveis; construções sustentáveis; varejo e consumo sustentáveis.

Na sua opinião, quais são as cadeias produtivas prioritárias para a implantação dos sistemas de
logística reversa?

Jhessica: Penso que as cadeias produtivas definidas na PNRS são as prioritárias, certamente. Cabe
destacar que essas cadeias foram elencadas pelo Comitê Orientador e Grupo Técnico de
Assessoramento – GTA para a Implantação de Sistemas de Logística Reversa (constituído pelo
MMA, MAPA, MF, MS e MDIC). Ressalto que Grupos de Trabalho foram formados para debater a
cadeia dos seguintes produtos: embalagens plásticas de óleos lubrificantes; lâmpadas fluorescentes
de vapor de sódio e mercúrio; produtos eletroeletrônicos e seus componentes; embalagens em
geral; e resíduos de medicamentos e suas respectivas embalagens.

Como o princípio da responsabilidade compartilhada, introduzido pela PNRS, impacta as políticas


públicas para a gestão de resíduos sólidos?

Jhessica: A responsabilidade compartilhada nos ensina que todos possuem um papel em alguma
etapa do ciclo de vida de um produto ou serviço, buscando reduzir a geração de resíduos, do
desperdício de materiais, da poluição e dos danos ambientais, bem como estimulando o
desenvolvimento de mercados, produção e consumo de produtos derivados de materiais reciclados
e recicláveis. Assim, pode-se pensar em alguns meios de incorporar esses objetivos nas políticas
públicas: por intermédio da logística reversa, de acordos setoriais, das compras públicas
sustentáveis, da educação ambiental, dentre outros.
Portanto, quando pensamos a logística reversa como um instrumento de desenvolvimento
econômico e social para viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial,
para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, estamos falando de uma
responsabilidade solidária; quando pensamos os acordos setoriais como atos de natureza
contratual, firmados entre o Poder Público e os fabricantes, importadores, distribuidores ou
comerciantes, estamos falando de responsabilidade compartilhada para a gestão do ciclo de vida
dos produtos e, consequentemente, dos resíduos sólidos.

Como questões federativas e de competência exclusivas dos municípios afetam as políticas


públicas na área temática de gestão dos resíduos sólidos e reciclagem?

Jhessica: Basicamente, a PNRS estabeleceu que é responsabilidade dos municípios a elaboração,


implantação, monitoramento e revisão dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos
Sólidos – PMGIRS, como condição necessária para o acesso aos recursos da União destinados aos
empreendimentos e serviços de limpeza pública e manejo de resíduos. Contudo, a existência do
plano concluído, aprovado e em conformidade com o conteúdo mínimo previsto na Lei, é condição
necessária, mas não suficiente para formular o pedido por recursos. O objeto do pleito deve estar
identificado no plano e é fundamental que o município não esteja inadimplente. Portanto, é
importante salientar que a decisão de concessão dos recursos públicos federais leva em conta o
disposto na Lei nº 12.305/10 que tratam das prioridades para acesso aos recursos da União.
219

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, entre 2012 e 2014, o governo federal disponibilizou R$
1,2 bilhão para a execução da PNRS, auxiliando assim os programas de apoio a iniciativas
relacionadas às políticas públicas de gestão de resíduos sólidos. Essas iniciativas certamente
envolvem parte dos instrumentos da PNRS para implementar logística reversa, etc.

Qual o papel da logística reversa e da reciclagem na promoção do desenvolvimento sustentável?

Jhessica: Se a promoção do desenvolvimento sustentável é suprir as necessidades da geração atual,


sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações, entendo que o
papel da logística reversa é tornar o ser humano mais consciente no momento de suas escolhas,
podendo decidir por um modelo de produção e consumo (compras) mais responsável, que se
sustente por gerações. É implementar a logística sustentável (processo de coordenação do fluxo de
materiais, de serviços e de informações, do fornecimento ao desfazimento, que considera a
proteção ambiental, a justiça social e o desenvolvimento econômico equilibrado) em suas rotinas.

Como você avalia as políticas públicas para logística reversa e reciclagem no Brasil?

Jhessica: Um cenário promissor no seu devido tempo. Inicialmente, precisamos entender a


Logística Reversa em duas vertentes, uma de pós-venda e outra de pós-consumo. A primeira, diz
respeito aos produtos que são retirados do mercado por erros de produção, agregando valor a um
produto devolvido por razões comerciais, por exemplo. A segunda, por sua vez, diz respeito aos
resíduos industriais e está associada aos canais de produção e distribuição, em outras palavras, dos
produtos que “usamos e jogamos fora”.
O artigo 33 da Lei, nos demonstra uma forma rápida de implementar a LR, por meio de
regulamentos, acordos setoriais ou termos de compromisso para os setores chave de resíduos. Esse
artigo combinado com o 56 da norma, nos oferece uma implementação progressiva e que deve ser
amadurecida enquanto política pública. É neste sentido que vemos hoje os acordos setoriais para
sistema de logística reversa de embalagens plásticas de óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes
de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista, e embalagens em geral assinados.
Talvez por isto, as políticas públicas para LR e reciclagem começam a fomentar novas ações e
estratégias no setor produtivo brasileiro. As exigências da PNRS certamente trouxeram celeridade
nos processos produtivos e de toda cadeia logística em grandes empresas no país, pois elas
passaram a buscar novas tecnologias para reaproveitar os produtos e também para inserir insumos
da LR em outros ciclos produtivos. Em alguns setores pode ser incipiente, mas a articulação com o
Poder Público não pode parar.
O avanço tanto ocorreu que hoje já é possível realizar licitações para aquisição de bens que
preveem a realização da logística reversa. Órgãos como TRT 6ª região, IRFS, TRT 2ª Região, TRT 9ª
Região, TJRS, TJRJ, Comando Militar do Leste 1ª RM já buscaram realizar contratações com esses
critérios de sustentabilidade em logística pós-consumo. Um caso de boa prática em logística
reversa pós-venda vem sendo empregado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Em 2013, o Instituto ILOS apresentou o Panorama ILOS “Logística Reversa – Práticas nas empresas
no Brasil”, em que foram ouvidos 101 executivos de logística das maiores empresas do Brasil em
faturamento, divididas em 13 setores da economia. Os principais resultados foram de que grande
parte das empresas destinam corretamente seus resíduos, gerenciam a logística reversa de pós-
venda ou realizam alguma atividade para o gerenciamento de resíduos de pós-consumo.
Aproximadamente 60% alertam que umas das maiores dificuldades encontradas para a
implantação da logística reversa é o alto custo operacional.

Demetrio Florentino de Toledo Filho possui graduação em Física pela Universidade Federal da
Paraíba (1997), mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (2004) e
Doutorado em Desenvolvimento Sustentável pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da
220

UnB (2014). Atualmente é Analista de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento,


Industria e Comércio Exterior. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Política e
Planejamento Governamentais, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento
industrial sustentável, mudancas climáticas, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL),
Protocolo de Quioto, gestão ambiental e política industrial.

Jhessica Ribeiro Cardoso é Engenheira Ambiental, especialista em Saneamento Ambiental,


Construções Sustentáveis e Licitações e Contratos. Atuou em diversas funções em órgãos públicos
como o CREA-DF e CONAM/SEMARH-DF. Atuou junto ao Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão - MP na área de Estratégias de Contratações do Governo Federal com ênfase em
Contratações Públicas Sustentáveis. Foi professora da Escola de Administração Fazendária - ESAF e
da Escola Nacional de Administração Pública - ENAP ministrando aulas sobre Sustentabilidade, Uso
do Poder de Compras e Compras Sustentáveis. Atualmente trabalha com Licitações e Contratos no
Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.

52. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de


Administração Pública, a professora da ENAP Lidiane da Silva Marques falou sobre licitações na
área da saúde, 22/08/2017

• As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Vinicius de Lima e Silva Martins.

Quais os principais desafios nas licitações para contratações de serviços específicos na área
da Saúde?

Lidiane: Considero que o maior desafio nas licitações dos serviços de Saúde é garantir a
qualidade necessária, sem ensejar em direcionamento indevido nos descritivos, preservando a
isonomia e competitividade, já que se tratam de certames com grande variedade de
especificações.

Quais os aspectos relevantes para viabilizar uma ampla pesquisa de mercado de materiais
médico hospitalares?

Lidiane: Para garantir a ampla pesquisa de mercado de materiais médico hospitalares, a


Administração deverá priorizar os preços registrados nas Atas disponíveis no Portal de
Compras Governamentais, atentando aos descritivos previstos nos editais e nas propostas
finais das referidas licitações. Tal recomendação visa comparar a necessidade da
Administração com os descritivos das Atas vigentes, verificando as especificações,
quantitativos, regiões, qualidade das marcas registradas, garantindo assim o preço de mercado
adequado.

As alterações realizadas no art. 2°, § 1°, da Instrução Normativa n° 05/2014 pela Instrução
Normativa n° 03/2017, possibilitaram um reforço à regra de ampla pesquisa de preços, uma
vez que os parâmetros de pesquisa podem ser combinados, devendo ser priorizados os preços
registrados no Painel de Preços e os das contratações similares de outros entes públicos.

A propósito, o advento do Painel de Preços constitui uma importante ferramenta que facilita o
cumprimento do dever de obter vasta cesta de preços na pesquisa.

Considerando a complexidade dos diversos serviços na área da Saúde e a sua experiência,


quais as maiores dificuldades observadas para a adequada gestão e fiscalização dos
contratos administrativos?
221

Lidiane: A maior dificuldade é compatibilizar o perfil dos fiscais da área assistencial com as
demandas de ordem administrativas que envolvem a gestão e fiscalização de contratos
administrativos. Não obstante a IN SLTI/MPOG n° 02/2008 prever a descentralização da
fiscalização em nas figuras do fiscal técnico, fiscal administrativo e gestor, a realidade dos
hospitais não possui o quantitativo suficiente de servidores para haver essas três figuras em
cada contrato, mas apenas nos mais complexos. Diante dessa carência, muitos servidores com
formação na área assistencial (médicos, enfermeiros, patologistas, etc.) assumem a fiscalização
de contratos afetos as suas atividades fim, mas encontram dificuldades em lidar com as
questões legais e administrativas da fiscalização.

Também é imprescindível a máxima atenção aos prazos de vigência dos contratos, a fim de
evitar solução de continuidade na prestação do serviço com cobertura contratual, uma
importante risco que deve ser evitado.

Na sua opinião, como a Administração Pública poderia obter maior economia de escala nas
licitações de insumos médicos, principalmente em medicamentos, já que possuem
descritivos com menos especificidades que os materiais?

Lidiane: Entendo que os diversos Órgãos de Saúde poderiam promover licitações conjuntas
por Sistema de Registro de Preços, compatibilizando as grades, padronizando os
procedimentos e dividindo as forças, ou seja, cada Órgão licitando um grupo de certames.
Como exemplo, os 6 Hospitais e 3 Institutos Federais do Rio de Janeiro passam por um
processo de reestruturação das suas licitações, unificando e padronizando os procedimentos.
Tal prática poderia ser expandida para unificar com as licitações dos hospitais universitários e
militares do Rio de Janeiro, proporcionando assim uma expectativa de aumento da economia
de escala e eficiência do processo logístico.

Como os agentes responsáveis por descrever as especificações de equipamentos


hospitalares poderão realizar tal atividade, garantindo a competição do certame e a
obtenção da qualidade necessária na contratação pública?

Lidiane: O mercado hospitalar possui uma variedade de especificações, principalmente os


equipamentos, que demandam diversos conhecimentos como engenharia elétrica, hospitalar,
eletrônica e dentre outros, além da necessidade em atender a respectiva finalidade
assistencial. Assim, para ser viável a elaboração de especificações que atendam melhor custo
e benefício da aquisição, recomendo a consultoria de empresas específicas em engenharia
hospitalar e a participação dos profissionais assistenciais que utilizarão o equipamento, para
que indique a adequada especificação do mesmo. Vale registrar que é comum a terceirização
do serviço de gerenciamento e manutenção de equipamentos hospitalares em Unidades de
Saúde, e que tal contrato administrativo costuma prever cláusula de assessoria ou consultoria
nas possíveis aquisições ou atualização do parque tecnológico do Órgão.

Considerando a variedade do mercado hospitalar, qual a melhor forma para elaborar um


termo de referência de insumos ou serviços na área da Saúde?

Lidiane: Com o objetivo de elaborar um termo de referência completo, observando os


aspectos legais, técnicos e mercadológico, além de considerar a complexidade do nicho
hospitalar, sugiro que o referido documento seja elaborado em conjunto com representantes
da área técnica e da área administrativa. Tal metodologia visa reunir na fase de planejamento,
222

os futuros fiscais ou usuários dos insumos e os agentes que participam da pesquisa de


mercado, objetivando tornar esse documento o mais completo e preciso possível, respeitando
a necessidade assistencial e a competitividade do certame.

Quais os principais cuidados que os agentes públicos deverão observar nos contratos de
exclusividades nas manutenções de equipamentos hospitalares?

Lidiane: Os agentes públicos deverão estar embasados em laudos técnicos que afirmem a
exclusividade da empresa para a execução das manutenções, além de obterem atestados de
exclusividade fornecidos pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a
licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou,
ainda, pelas entidades equivalentes. É importante que o atestado de exclusividade seja de
âmbito nacional e informe se engloba serviço de manutenção e não apenas as peças.

Adicionalmente, os agentes deverão adotar as medidas necessárias para confirmar


a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade, nos termos da
Súmula n° 255 do Tribunal de Contas da União, bem como realizar a pesquisa de preços por
meio da comparação com os preços praticados pelo fornecedor junto a outras instituições
públicas ou privadas, conforme Acórdão n° 1565/2015 - Plenário do Tribunal de Contas da
União.

Qual o entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) para a utilização da tabela CMED
na etapa da pesquisa de mercado, já que a mesma estabelece os preços máximos de
medicamentos para as compras públicas?

Lidiane: O enunciado do Acórdão n° 2901/2016 - Plenário do TCU, veiculado através do


Boletim de Jurisprudência 153/2016, prescreve que o uso dos preços da tabela Cmed como
parâmetro não é o mais adequado, posto que são referenciais máximos permitidos em lei.
Vejamos:

Os preços divulgados pela Câmara de Regulação do Mercado de


Medicamentos (Cmed) não são o parâmetro mais adequado para
servir como referência para aquisições públicas de medicamentos ou
como critério de avaliação da economicidade de tais aquisições por
parte dos órgãos de controle, pois são referenciais máximos que a lei
permite a um fabricante de medicamentos vender o seu produto.

Diante disso, é recomendável que a pesquisa de preços de medicamentos seja ampliada com a
consulta ao painel de Preços.

Na sua opinião, como a administração pública poderia melhorar a qualidade dos insumos
adquiridos por meio das licitações?

Lidiane: Como sugestão para a melhoria na qualidade dos insumos, entendo que poderia ser
implementada a pré-qualificação das marcas utilizadas na Saúde. A pré-qualificação objetiva
avaliar a qualidade dos insumos utilizados na Unidade, analisando as marcas comercializadas
nos Órgãos de Saúde. Destaca-se o Instituto Nacional de Câncer - INCA, no Rio de Janeiro, que
possui o referido processo instituído e aprovado juridicamente, sendo uma referência para a
Área de Saúde.
223

Considerando a sua experiência como gestora de contratos em Unidade Hospitalar, quais as


medidas práticas para que os profissionais da área da Saúde possam realizar a fiscalização
dos contratos administrativos com maior efetividade?

Lidiane: Os profissionais da área da Saúde que exercem fiscalização de contratos devem ser
submetidos a capacitação, ter acesso aos documentos básicos da contratação (termo de
referência, edital, contrato, proposta da contratada, planilha de custos e formação de preços e
nota de empenho) e o apoio do gestor do contrato em relação a dúvidas que possam surgir em
relação a esses documentos. É importante elaborar um check-list com as rotinas e obrigações
da contratada, para melhor controle. A pesquisa de opinião realizada com pacientes,
acompanhantes e com demais profissionais que se beneficiam do serviço também é
importante instrumento de aferição da qualidade do serviço terceirizado o qual fiscaliza.

Lidiane da Silva Marques possui graduação em Direito pela Universidade Federal Fluminense
(2006). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo. Pós-
Graduação em Licitações e Contratos. Formação de Gestores de Contratos pela Wpós Pós-
Graduação a Distância. Mestre em Gestão e Estratégia pela UFRRJ. Facilitadora da Escola
Nacional de Administração Pública para os cursos "Gestão e Fiscalização de Contratos
Administrativos e" "Fundamentos da Gestão da Logística Pública e Teoria Geral da Licitação".
Ministra cursos de "Gestão e Fiscalização de Contratos Administrativos" na Fundação Oswaldo
Cruz-Fiocruz e na Base Naval de Natal/RN.

Vinicius de Lima e Silva Martins é Mestre em Gestão e Estratégia pela UFRRJ, Especialista em
Pregão Eletrônico e Formação de Gestores de Contratos pela WPOS. Servidor público Federal,
atuou como Coordenador de Administração e Chefe de Compras do Hospital Federal do
Andaraí; Chefe da Divisão de Licitações do Departamento de Gestão Hospitalar, Presidente de
Comissão de Licitação e Pregoeiro do Hospital Federal da Lagoa. Atualmente desempenha a
função de Subsecretário de Auditoria Interna da Secretaria Municipal de Controle Interno da
Prefeitura de São Gonçalo/RJ e Professor de Licitações da ENAP, ESAF, CEPERJ, ESAFI,
CONSULTRE e I9 TREINAMENTOS, com ênfase em na Formação de Pregoeiros, agentes da área
de Suprimentos, Gestores e Fiscais de Contratos.

53. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de


Administração Pública, o professor da ENAP Genivaldo dos Santos Costa falou sobre os
custos nas contratações dos serviços de natureza continuada com dedicação exclusiva de
mão de obra de acordo com a IN 05, 25/08/2017

• As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP João Luiz Domingues.

O que você achou, em termos gerais, da Instrução Normativa nº 5 de 2017?


224

Genivaldo: Não tenho dúvida de que a Instrução Normativa nº 5, de 2017 é mais robusta que a
Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008. O normativo aborda de forma sistêmica o
processo de contratação, contemplando as fases de planejamento da contratação, seleção do
fornecedor e Gestão de Contratos.

Outro ponto positivo apresentado na Nova IN foi a inserção de Anexos para tratar de assuntos
específicos, tais como regras e diretrizes para elaboração de Estudos Preliminares, do Termo
de Referência ou Projeto Básico, do Edital, dos procedimentos para formalização de
publicação, alteração, fiscalização de contratos, bem como dos procedimentos de pagamento.

Merece destaque ainda a introdução de Modelos para elaboração de Proposta de Preços,


Ordem de Serviço, Instrumento de Medição de Resultado (IMR), Minuta de Contrato, etc.

Essa nova estrutura da Instrução Normativa é mais didática e mais fácil de ser consultada,
tendo em vista que os assuntos são tratados em anexos específicos.

De que forma o novo Normativo pode contribuir para o aperfeiçoamento dos processos de
Contratações de Serviços de Natureza Continuada com dedicação exclusiva de mão de obra?

Genivaldo: O normativo deverá contribuir para o aperfeiçoamento do processo de contratação


ao difundir no âmbito da administração pública federal a relevância do planejamento da
contratação representado pelos estudos preliminares e o seu alinhamento com o
planejamento estratégico do órgão, bem como a introdução de práticas de gestão de riscos.

Em sua opinião quais as novidades trazidas pela Instrução Normativa nº 5, de 2017 que
impactam de forma mais significativa nos custos das Contratações de Serviços de Natureza
Continuada com dedicação exclusiva de mão de obra?

Genivaldo: As novidades trazidas pela Nova Instrução Normativa, sem dúvida, que mais
impactam nos custos das contratações dizem respeito a inclusão de novo critério de
pagamento, qual seja, Pagamento pelo Fato Gerador, a utilização dos intervalos de
produtividade nas contratações dos serviços de limpeza, a retirada no Modelo de Planilha
Anexo VII - D de campo específico para as incidências dos encargos previdenciárias nos
módulos e submódulos do Modelo de Planilha de Custos e Formação de Preços (Anexo VII- D
da Instrução Normativa nº 5, de 2017).

Tais novidades representam quebra de paradigmas, alterações de metodologia de mensuração


de custos, e uma nova concepção na formação de custos da contratação.

Em sua opinião, quais as maiores dificuldades a serem superadas pelos operadores da nova
Instrução Normativa?

Genivaldo: A primeira dificuldade que vislumbro reside nas decisões a serem tomadas nesse
período de transição, ou seja, da publicação da Norma até a efetiva entrada em vigor da nova
IN, que ocorrerá após 120 dias depois de publicada. Como foi publicada em 26 de maio de
2015, deverá entrar em vigor em meados de setembro.
225

Que decisão tomar?

Decisão 01 – utilizar os procedimentos de uma IN que já se sabe que será revogada, e


possivelmente deverá ser ajustada à nova norma? Ou;

Decisão 02 – utilizar os novos procedimentos da IN 05/2017, mesmo sabendo que alguns


procedimentos ainda dependem de formalização da SEGES, como por exemplo, a utilização de
critério de pagamento de fato gerador para os órgãos que NÃO adotam a conta vinculada, que
dependerá da publicação de caderno de logística.

Outra dificuldade se aplica principalmente às contratações de serviços de limpeza que


ocorrerem neste período de vacatio legis, tendo em vista as alterações dos índices de
produtividade, cujo novos índices são divergentes daqueles adotados na composição dos
valores limites 2017. Nesse caso como avaliar a vantajosidade da nova contratação em relação
aos valores limites publicados pela SEGES.

Exemplo: Área interna – Produtividade Valor Limite 2017 - 600 m² -

Área interna (pisos acarpetados ou frios) – Faixa de produtividade IN 05/2017 – 800 m² a 1200
m² -

Embora a IN 05/2017 estabeleça que permanecem regidos pela Instrução nº 2, de 2008, os


procedimentos administrativos autuados ou registrados até a data de entrada em vigor da IN
05/2017, os gestores administrativos hesitarão em adotar procedimentos de uma norma que
já se sabe que será revogado.

Ademais, os procedimentos internos por mais céleres que sejam, há uma possibilidade que o
instrumento convocatório com regras da IN 02/2008 seja publicado sob a égide da nova IN
05/2017.

Outra dificuldade, será a implementação de pagamentos por fato gerador. Nesse caso espera-
se que o Caderno Logística auxilie os gestores.

Sugiro à SEGES que inclua nesse novo Caderno de Logística uma regra metodológica para o
cálculo diário das ausências, para evitar que cada órgão determine sua própria metodologia.

Nos termos da Instrução Normativa o pagamento pelo fato gerador ocorrerá naquela situação
de fato ou conjunto de fatos prevista na lei ou contrato, necessária e suficiente à sua
materialização, que gera obrigação de pagamento do contratante à contratada.

Em sua opinião como se processará o pagamento dos eventos submetidos ao critério de


pagamento por fato gerador?

Genivaldo: Nos termos da Instrução Normativa o pagamento pelo fato gerador ocorrerá
naquela situação de fato ou conjunto de fatos prevista na lei ou contrato, necessária e
suficiente à sua materialização, que gera obrigação de pagamento do contratante à
contratada.
226

A adoção do Pagamento pelo Fato gerador como critério de pagamento insere-se nos
procedimentos adotados de tratamento do risco nos contratos com dedicação exclusiva de
mão de obra. Sem dúvida, trata-se de uma novidade a ser implementada nos procedimentos
de pagamento.

A composição desses valores representados pelas férias, 1/3 (um terço) de férias previsto na
Constituição, 13º (décimo terceiro) salários, ausências legais, verbas rescisórias, devidos aos
trabalhadores, bem como outros de evento futuro e incerto deverão constar das Planilhas de
Custos dos proponentes.

A dúvida que persiste é como esses eventos serão pagos quando efetivamente ocorreram.

Considerando-se que nos casos de férias e 13º Salário, tais valores são provisionados
mensalmente na proporção, em geral, de 1/12 do custo total, espera-se que o pagamento
desses eventos ocorrerá de forma proporcional ao vínculo do empregado ao contrato
administrativo, de forma análoga ao procedimento da conta-depósito no caso das férias, ou
dito de outra forma, se um empregado com 3 meses de vinculação ao contrato administrativo
fizer jus a férias, decorrente do seu contrato de trabalho, será pago a empresa o valor
correspondente a 3/12 dos valores previstos na planilha de custo da empresa Contratada.

Nos casos de ausências diárias, a empresa deverá prever na Planilha o custo diário de
reposição do profissional ausente. Dessa forma, se ao final do mês, por exemplo um
empregado se ausentou por 3 (três) dias e por conseguinte foi necessário a reposição desse
dias por outro empregado, o órgão contratante pagará a empresa contratada o custo diário
relativo aos três dias em que foi necessário a reposição.

No caso do pagamento das provisões relativos à Rescisão, a conta vinculada apresenta uma
metodologia específica.

No caso da conta vinculada, observa-se que a provisão para rescisão corresponde a um


percentual de 5% sobre a remuneração. Esta provisão visa custear apenas os valores referente
à multa sobre o FGTS e a contribuição social sobre as rescisões sem justa causa sobre o aviso
prévio indenizado e sobre o aviso prévio trabalhado.

Talvez a SEGES adote a mesma metodologia para os órgãos que utilizarem o critério de
pagamento por fato gerador.

Um cuidado especial em relação ao pagamento das verbas rescisória deve-se ao fato de sua
composição, que inclui uma proporcionalidade entre os que serão dispensados com aviso
prévio indenizado e os que irão cumprir o aviso prévio, (aviso prévio trabalhado), bem como os
valores relativos à multa do FGTS e a Contribuição Social sobre as rescisões nos casos de
rescisões sem justa causa.

Por se tratar de procedimento novo, principalmente para aqueles órgãos que não utilizam a
conta-depósito bloqueada para movimentação, mais conhecida como conta vinculada, a SEGES
informou que editará um caderno de logística para orientar os gestores na implementação dos
procedimentos necessários.
227

Em sua opinião, quais as alterações mais relevantes no Modelo de Planilha de Custo e


Formação de Preços que repercutirão nos custos das contratações de serviços de natureza
continuada com dedicação exclusiva de mão de obra?

Genivaldo: Não tenho dúvida de que as alterações mais relevantes são: primeiro, a inclusão
das Férias e Adicional de Férias no Submódulo 2.1 e a provisão de Férias no Submódulo 4.1 –
Ausências legais. Segundo, a retirada das incidências dos encargos previdenciários e FGTS nos
módulos e submódulos, permanecendo apenas no Módulo 3 – Provisão para Rescisão.

No caso do evento Férias, à primeira vista, o pagamento das Férias ocorrerá de forma
duplicada? Como se explica tal fato?

Genivaldo: De fato o pagamento de Férias ocorrerá de duas formas. A provisão prevista no


Submódulo 2.1 – Férias e Adicional de Férias corresponde ao pagamento do titular, em razão
do direito previsto na constituição e na legislação trabalhista, observados os requisitos
previstos em lei. Nesse caso, quando o critério de pagamento for pelo fato gerador, a empresa
solicitará o pagamento de forma antecipada para realizar o pagamento das férias dos
empregados que fizerem jus.

No segundo caso, o valor provisionado no submódulo 4.1 – Ausências Legais corresponde ao


custo de reposição do titular realizado pelo substituto. Tal pagamento ocorrerá a posteriori, ao
final do período correspondente à reposição.

Em relação à não explicitação de campo específico para as incidências dos encargos


previdenciários e FGTS do Modelo de Planilha de Custo e Formação de Preços, quais são as
repercussões desse fato?

Genivaldo: Na realidade, nos termos da legislação vigente, as provisões dos encargos


previdenciários e FGTS incidem sobre verbas salariais, ou dito de outra, sobre parcelas
remuneratórias. No caso da Planilha de Custo consideram-se verbas salariais, a remuneração,
Férias, Aviso prévio trabalhado, Ausências Legais, Intervalo Intrajornada, entre outros. No caso
do aviso prévio indenizado incide apenas o FGTS

No modelo anterior da Planilha de Custo previsto na Instrução Normativa nº 2, de 2008, a ser


revogada pela Nova IN, as incidências dos encargos previdenciários e FGTS incidiam no Módulo
4.2 – 13º Salário, Submódulo 4.3 – Afastamento Maternidade, Submódulo 4.4 – Provisão para
Rescisão - item A – Aviso prévio indenizado (incide apenas FGTS) e no item D - Aviso Prévio
Trabalhado e no Módulo 4.5 – Custo de Reposição do Profissional Ausente.

No Modelo de Planilha de Custo da nova IN, as incidências no Módulo da Rescisão foram


mantidas.

A não explicitação de campo específico na Planilha para as incidências de encargos


previdenciários e FGTS, segundo orientação da própria SEGES, tem por objetivo difundir nova
metodologia de cálculo, como por exemplo a utilizada na determinação dos valores limites de
vigilância e limpeza.
228

Nesse espeque deve-se considerar que a metodologia de cálculo usualmente utilizada pelos
órgãos contratantes e pelos proponentes não é a mesma utilizada na determinação dos
valores limites.

No caso dos valores limites de limpeza, por exemplo, o valor dos encargos sociais e
previdenciários é determinado no submódulo 2.2 Encargos previdenciários e FGTS aplicando o
percentual de 36,80% sobre a remuneração + 13º Salário e Adicional de Férias. O valor obtido
integrará a base de cálculo do Módulo 3 – Provisão para rescisão, e módulo 4 – Custo de
Reposição do Profissional Ausente.

Essa divergência metodológica de cálculo pode implicar em alguns problemas no âmbito da


administração.

Para sanar esses problemas, uma das soluções que sugiro, seria a edição de um Manual de
Orientação para preenchimento da Planilha de Custo.

O manual também auxiliaria os gestores e os proponentes na determinação do custo diário das


ausências para fins de pagamento por fato gerador.

9-No caso dos serviços de limpeza, a nova instrução normativa apresenta novas áreas e
novos índices de produtividade, agora estabelecidos em intervalos, diferentemente da IN
02/2008, em que esses índices de produtividade eram fixados. Na sua opinião, quais são as
repercussões dessas alterações na determinação dos custos de contratação dos serviços de
limpeza?

Genivaldo: Em relação a inclusão de novas áreas, destaco a inclusão das áreas de banheiros
com índices de produtividade de 200m² a 300m². Na Instrução Normativa n° 02, de 2008,
normalmente, as áreas de banheiros estavam inclusas nas áreas internas de pisos frios. A
inclusão das áreas de banheiros considero importante em razão das especificidades que
envolvem a limpeza daquelas áreas.

Ainda em relação a essas áreas registro o que dispõe a Súmula 448 do TST que prevê em seu
inciso II que a higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande
circulação enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo.

Dessa forma, a identificação dessas áreas específicas (banheiros) auxiliar o gestor a incluir o
adicional de insalubridade, quando for devido.

A inclusão de intervalos de índices produtividade e a nova regra da IN que estabelece que o


Edital deverá permitir que os licitantes possam apresentar produtividades diferenciadas
daquela estabelecidas pela Administração como referência tem como propósito flexibilizar a
contratação dos serviços e permitir uma maior competição entre os licitantes, tendo em vista
os recursos materiais e tecnológicos disponibilizados.

A administração, contudo, deverá ficar atento aos casos de subdimensionamento da


produtividade e a sujeição dos trabalhadores a condições de trabalho em que o esforço físico é
incompatível com as condições de trabalho prevista na legislação trabalhista.
229

Qual o tratamento a ser dado aos custos não renováveis, já pagos ou amortizados, utilizando
o critério do Pagamento pelo Fato gerador?

Genivaldo: Usando com referência o que acontece com os valores provisionados para a Conta
Vinculada, observa-se que as provisões daqueles itens são levadas para o ano seguinte, ou
seja, tais provisões são consideradas custos renováveis.

Acredito que de forma similar ocorrerá com os eventos submetidos ao critério de pagamento
pelo fato gerador, ou seja, serão considerados custos renováveis.

Este é um bom questionamento a ser encaminhado à SEGES, para conhecermos o seu


posicionamento em relação ao caso.

Qual o seu posicionamento quanto à necessidade em se realizar a pesquisa de preços de


modo a assegurar a vantajosidade dos serviços prestados sem dedicação exclusiva de mão
de obra? Você concorda ou poderia ter o tratamento conferido à prestação de serviços com
dedicação exclusiva de mão de obra?

Genivaldo: A dispensa da pesquisa de preço nos processos de renovação contratual dos


contratos de serviços de natureza continuada com dedicação exclusiva de mão de obra deve-
se ao fato de que nesse tipo de contratação envolvem dois tipos de insumos:

O primeiro está relacionado a itens que estão, em sua maioria, contemplados em Convenção
Coletiva de Trabalho (CCT), tais como salário normativo, gratificações, benefícios concedidos
(vale alimentação, cesta básica, plano de saúde, etc). Os que não estão previstos na CCT, são
disciplinados na legislação, tais como adicionais de periculosidade, insalubridade, adicional
noturno, hora extra, intrajornada, e outros associados a tarifas públicas como por exemplo o
vale-transporte.

O outro tipo de insumo que ensejaria a pesquisa de preços, seria o custo de uniforme,
materiais, utensílios usados diretamente na execução dos serviços, bem como peças de
reposição (contratos de manutenção), Equipamento de Proteção individual.

Portanto, quanto àqueles itens disciplinados na CCT, é manifesta a inutilização de pesquisa de


preço de mercado para comprovação da vantajosidade.

Nos casos de insumos não contemplados na CCT, observa-se a relação custo/benefício


representada pela relação custo/prazo despendido para a realização de pesquisa de mercado
é impeditivo, não é aconselhável tendo em vista a baixa representatividade desse itens em
relação ao orçamento global.

Aliado a isso, nos casos de contrato de manutenção predial ou de equipamentos, há, em regra,
uma lista imensa de itens, podendo chegar a 800 itens a serem pesquisados. Tal fato
representa uma notória dificuldade de comprovar a vantajosidade de contrato no caso de sua
prorrogação.
230

Essas dificuldades é que levaram ao Grupo de Estudo representados por técnicos do TCU,
Ministério da Previdência, Ministério do Planejamento, (SLTI, hoje SEGES), Advocacia-Geral da
União, Tribunal de Contas do Estado de São Paulo a proporem a dispensa de pesquisa de preço
que resultou no Acórdão TCU 1.214/2013, quando estiverem presentes as seguintes
condições/requisitos:

a) houver previsão contratual de que as repactuações de preços


envolvendo a folha de salários serão efetuadas somente com base em
convenção, acordo coletivo de trabalho ou em decorrência de lei;

b) houver previsão contratual de que as repactuações de preços


envolvendo insumos (exceto quanto a obrigações decorrentes de acordo
ou convenção coletiva de trabalho e de Lei) , quando houver, serão
efetuadas com base em índices setoriais oficiais, previamente definidos
no contrato, correlacionados a cada insumo ou grupo de insumos a
serem utilizados, ou, na falta de índices setoriais oficiais específicos, por
outro índice oficial que guarde maior correlação com o segmento
econômico em que estejam inseridos os insumos ou, ainda, na falta de
qualquer índice setorial, servirá como base o Índice Nacional de Preços
ao Consumidor Amplo – IPCA/IBGE;

c) houver previsão contratual de que as repactuações envolvendo


materiais, serão efetuadas com base em índices setoriais oficiais,
previamente definidos, correlacionados aos materiais a serem utilizados,
ou, na falta de índice setorial oficial específico, por outro índice oficial
que guarde maior correlação com o segmento econômico em que
estejam inseridos os materiais ou, ainda, na falta de qualquer índice
setorial, servirá como base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo – IPCA/IBGE.

d) nos casos dos serviços continuados de limpeza, conservação,


higienização e de vigilância, a vantajosidade econômica da contratação
para a Administração, observado o disposto nos itens a até c, somente
estará garantida se os valores de contratação ao longo do tempo e a
cada prorrogação forem inferiores aos limites estabelecidos em ato
normativo da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SLTI/MP.

d.1) quando os valores resultantes da aplicação do disposto no item d


forem superiores aos preços fixados pela SLTI/MP para os serviços de
limpeza, conservação, higienização e de vigilância, caberá negociação
objetivando a redução dos preços de modo a viabilizar economicamente
as prorrogações de contrato.
231

Em relação à dispensa de pesquisa de preço para serviços de natureza continuada SEM


dedicação exclusiva de mão de obra, na minha opinião, não acha prudente dispensá-la tendo
em vista que dependendo da natureza dos serviços a serem executados, há possibilidade da
pesquisa de preço demonstrar que a contratação que se pretende prorrogar não é mais
vantajosa. Principalmente aquelas em que a unidade de medida consiste em entrega de
produtos.

Genivaldo dos Santos Costa é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do


Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Possui pós-graduação em gestão
governamental. Exerce atividades na área de Administração Pública, com ênfase em Gestão
Pública, Política e Planejamento Governamentais.

João Domingues é formado em Odontologia pela Fundação Osvaldo Aranha e é pós-graduado


em Orçamento Público pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Ocupa o cargo de Auditor
Federal de Finanças e Controle no Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União
(CGU). Palestrante e colaborador da Escola Nacional de Administração Pública.

54. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de


Administração Pública, o professor da ENAP Antônio Jorge Leitão falou sobre aditamentos
contratuais, 29/08/2017

• As perguntas foram elaboradas pelo professor Cláudio Sarian Altounian.

Prezado Jorge, com base na sua experiência de coordenação e fiscalização de diversos


contratos administrativos, pergunto quais as principais causas que levam a uma grande
quantidade desses contratos demandarem elevados aditivos, sendo que em diversas
situações ocorre o alcance do limite máximo legal permitido sem que o objeto seja
concluído?

Antônio: Sem dúvida alguma, a maior causa dos elevados aditivos tem origem na falta ou na
ausência de planejamento da contratação, atividade realizada na fase interna do processo
licitatório. É nesta etapa que, inicialmente, são analisados os estudos de viabilidade e estudos
preliminares para as avaliações para seleção e endosso das alternativas, pesquisas de preços,
definições das especificações técnicas e estimativa de preço da contratação. Feitas as escolhas
e comprovada a viabilidade do investimento, passa-se ao detalhamento dos documentos para
a contratação (nos caso de obras anteprojeto, projeto básico e executivo), com especial
atenção à quantificação e precificação. Quando o cumprimento técnico destas etapas é
negligenciado, problemas ocorrerão, tais como: impugnações de editais, licitação deserta,
paralisações de obras, problemas com órgãos de controle, e, com frequência altíssima,
aditamentos contratuais, que em muitas ocasiões ultrapassam o limite legal, basta ver, bem
aqui perto, a Arena Mané Garrincha, com aditivos de aproximadamente 100%.

Qual tem sido o entendimento dos Tribunais a respeito da metodologia para o cálculo dos
limites legais permitidos nos aditivos? É possível a compensação entre acréscimos e
supressões?

Antônio: Os limites para aditamentos contratuais para compras serviços ou obras são de 25%
do valor inicial do contrato para seus acréscimos, e em caso particular de acréscimo para obras
de reforma é de 50%, a fim de cobrir a imprecisão nos quantitativos característico deste tipo
232

de objeto. A LLC não deixa brechas para acréscimos superiores a esses valoresmas, conforme o
caso, por acordo entre a Administração e a contratada pode-se suprimir além de 25% do valor
inicial do contrato, qualitativamente e quantitativamente.
Todavia, o TCU firmou jurisprudência no sentido da impossibilidade de compensação entre
acréscimos e supressões, em face de abusos cometidos em diversos contratos fiscalizados.
Caso assim não fosse, estar-se-ia dando margem à violação do princípio da vinculação ao
instrumento convocatório (art. 3º da LLC). Veja por exemplo: um contrato de 100, com
supressão de 25% e acréscimo de 50%, totalizando 125, com compensação entre acréscimos e
supressões. Com certeza, nesse caso, o objeto licitado foi descaracterizado, uma vez que o art.
65º da LLC não autoriza alteração desta monta. Dentro da normalidade, mesmo com a
supressão de 25%, poderíamos acrescer no máximo 25%, ocasionando um valor final de
contratação de 100.

De que modo deve ser aplicado o percentual de 25% para acréscimo em contratos de
licitação por itens e por lotes?

Antônio: Nas situações da questão anterior a base de cálculo para acréscimos e supressões é
o valor inicial (atualizado) do contrato; entretanto, nos casos de licitações por itens ou lotes, o
limite de 25% deve tomar como base de cálculo o custo unitário do serviço a ser adicionado ou
suprimido ou o valor do lote, não o valor inicial do contrato (Acórdão 1330/2008/TCU/P). Em
contratos de obras e prestação de serviços não há como seguir esta lógica, por inviabilizar a
execução da avença em ajustes que eventualmente tenham que ser feitos nos projetos. Com
efeito, é comum em execução de obras a necessidade de aumentos bem acima daquele
percentual em um determinado item que não são representativos no valor total do contrato.

Aproveitando a sua ampla experiência na área, o limite legal de acréscimo para obras e
reformas, previsto no art. 65, § 1º, da Lei 8.666, deve ser aplicado sobre cada item da
planilha do orçamento ou alguns itens podem ultrapassar os valores definidos, desde que o
valor global do contrato observe o referido limite?

Antônio: Os percentuais de 25% para obras, para acréscimos e supressões, e 50% para obras
de reforma, para acréscimos, são baseados no valor inicial reajustado do contrato. Assim, não
há qualquer problema dos itens de serviços da planilha ultrapassarem os limites de 25% e 50%,
desde que o valor global do contrato após as alterações observe aqueles limites.

Como deve proceder um gestor que constata que determinado contrato alcançou o limite
legal de aditivo, mas ainda não foi concluído? Quais os cuidados principais para finalizar o
objeto pretendido?

Antônio: Há apenas uma condição pacificada no TCU sobre ultrapassar os limites, para
alterações qualitativas, obedecendo cumulativamente vários requisitos, contemplada na
Decisão 215/1999/TCU, mas em condições excepcionalíssimas de ser aplicada. O caminho
ordinário seria a tentativa de contratação direta com a segunda colocada, pelos preços da
primeira, ou a licitação do remanescente da obra, que é uma opção demorada e custosa.
Observe que estou analisando apenas no aspecto da literalidade do art. 65º da LLC, sem
adentrar nas questões jurídicas, que interpretam a situação sobre outros ângulos.

Como você vê o novo regime de execução criado pelo RDC, a contratação integrada, em
relação à possibilidade de celebração de aditivos? Como trabalhar de modo consistente na
elaboração de uma boa matriz de riscos?
233

Antônio: Por este regime de contratação, como os projetos básicos são elaborados pela
própria empresa vencedora do certame para execução da obra, o leque de possibilidades para
aditamento foi minorado, somente por força maior ou caso fortuito e ainda por alteração dos
projetos a pedido da Administração, ou seja, a grande fonte de aditamentos, por erros e
omissões nos projetos, não foi recepcionada pela lei 12.462/11 para este regime.
Quanto à matriz de risco nos editais, exigência não prevista na lei do RDC, mas incrementada
na jurisprudência do TCU e na lei das estatais, essa peça traduz uma divisão de
responsabilidades entre o contratante e a contratada quanto à eventualidade de ocorrer
situações que venham a aumentar o custo do investimento, ou mesmo, uma ameaça ao
alcance dos objetivos a serem alcançados. É um importante instrumento para balizar o risco
para ambas as partes e, consequentemente, para avaliar a pertinência de eventuais aditivos.
Com isso, tanto a contratada estará mais segura quanto aos seus encargos, quanto a
Administração menos vulnerável em não alcançar os objetivos, com paralisações de obras, por
exemplo. A estruturação da matriz deve ser realizada com base naqueles eventos que tenham
uma relação alta de probabilidade x impacto, por exemplo, em obras rodoviárias: erros e
omissões em projetos e risco geológico de responsabilidade da contratada, licenças ambientais
e desapropriação de responsabilidade da Administração.

Já que estamos falando sobre novidades, qual sua percepção a respeito da contratação semi-
integrada prevista na lei das estatais? Seria ela mais vantajosa do que a contratação
integrada no tocante a aditivos?

Antônio: A grande vantagem destes dois regimes de execução está nas inovações após a
contratação, em relação ao anteprojeto, no caso da CI, e ao projeto básico, no caso da
contratação semi-integrada, desde que haja o estabelecimento preciso das frações do objeto
em que haverá liberdade das contratadas para inovar em soluções metodológicas ou
tecnológicas. Nestas situações, os riscos (aditivos) a serem alocados na matriz de riscos devem
ser apropriados às empresas contratadas.
A contratação semi-integrada vem preencher uma lacuna em comparação com os regimes de
preço global e unitário concebidos pela lei 8666, que, apesar de licitados com base também
em projetos básicos, em tese, não podem sofrer inovações nas soluções escolhidas durante a
fase de planejamento, fato este que obriga o gestor a ir em frente numa escolha que nem
sempre se amolda ao interesse público. Assim, este novo regime foi pensado para usufruir das
vantagens dos regimes de preço global e unitário, no que tange à segurança de informação nos
projetos, e ao mesmo tempo poder viabilizar durante a execução contratual a busca no
mercado de outras escolhas vantajosas ao interesse público e também à empresa contratada.
Quanto à comparação da vantajosidade entre estes dois regimes no que tange a aditivos,
penso não haver uma clara evidência em prol de algum deles. A contratação semi-integrada
exige maiores informações nos projetos, fato que minora a amplitude de variações
metodológicas durante a execução da obra; por outro lado, os aditamentos pela CI são
possíveis apenas nas hipóteses de casos fortuito e força maior, por alteração dos projetos por
iniciativa da Administração ou ainda nos eventos previstos na matriz de riscos como de
responsabilidade da Administração. Como a maior causa de aditamentos é oriunda da falta de
planejamento, ou seja, por erros e omissões nos projetos, a CI leva uma ligeira vantagem por
não permitir este tipo de aditamento.

Quais as principais diferenças entre reequilíbrio, reajuste e repactuação contratual? Em


quais casos é necessária a celebração de aditivo?

Antônio: O reequilíbrio é um instrumento constitucional para restabelecer a relação que as


partes pactuaram inicialmente, caso a equação econômico-financeira do contrato se desfaça
234

para alguma das partes. É um instrumento de exceção, motivado por eventos imprevisíveis ou
previsíveis de consequências incalculáveis, no qual não há periodicidade mínima para a
utilização. É necessário apenas que exista um evento previsto na alínea “d” do art. 65 da LLC.
Também não há limites (25% ou 50%) para aditamento do valor contratual neste instrumento.
Quanto ao reajuste e à repactuação, são destinados a compensar os efeitos inflacionários da
economia, ordinariamente previstos no contrato e com periodicidade mínima anual. A lei
10.192/2001 regula estes instrumentos, com relação ao termo inicial para contagem da
anualidade, não obstante inexistir o termo repactuação em qualquer legislação, é considerada
pela doutrina e jurisprudência uma espécie de reajuste, para serviços continuados com regime
de dedicação exclusiva de mão de obra. A repactuação era normatizada pela IN
02/2008/MPOG, agora pela IN 05/2017/MPOG.
No caso de obras utiliza-se o reajuste, aplicando-se automaticamente a variação anual do
índice especificado no contrato, contando a anualidade a partir da data em que o orçamento
se referir ou a data da licitação, à escolha do gestor. O entendimento majoritário na doutrina e
jurisprudência é que não existe necessidade de solicitação pela empresa como condição de se
efetivar o reajuste.
Na repactuação, é necessária a motivação pela empresa, haja vista a exigência de
comprovação da variação dos custos. Todavia, se a empresa não formular a solicitação na
vigência do contrato, o direito ficará precluso.
No caso de reequilíbrio, por ser decorrente de evento extraordinário, faz-se necessária a
prolação de termo de aditivo ao contrato; no de reajuste e repactuação, por estarem previstos
no contrato os índices e demais parâmetros, basta o apostilamento.

Se o prazo de vigência do contrato estiver vencido, é possível prorrogar o prazo para


conclusão do objeto por meio de aditivo?

Antônio: Este é um terreno ainda movediço. Há alguns anos, a doutrina e jurisprudência14


dominantes acenavam no sentido de que contrato com prazo vencido é contrato extinto, sem
validade. Todavia, recentemente, o TCU vem flexibilizando esse entendimento nos casos de
contratos de escopo, obra por exemplo, e contratos por tempo, nos casos de prestação de
serviços. No primeiro a extinção do ajuste somente se dá com a conclusão do objeto e o
respectivo recebimento pela Administração (Acórdãos 1.674/2014 e 127/2016 do Plenário do
TCU), uma vez que neste caso o importante é a execução do objeto, não o prazo. No segundo,
o tempo é essencial para eficácia do contrato, com o termo final há a extinção do ajuste.
Mas, como havia falado, há controvérsias, a AGU (Parecer
013/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU de 03 de dezembro de 2013) entende que mesmo em
contratos de escopo, expirado o prazo sem conclusão do objeto, deve ser realizada nova
licitação para o remanescente da obra.

Para finalizar, quais medidas objetivas devem ser adotadas pela Administração Pública, no
seu ponto de vista, para solucionar esse grave cenário de aditivos que extrapolam
frequentemente os limites legais?

Antônio: Sem dúvida alguma é priorizar a fase de planejamento do investimento, de forma a


aumentar a probabilidade de que os projetos básicos e executivos sejam bem elaborados, haja
vista que erros e omissões nesta etapa são as causas notáveis nos aditivos. Esta fase consome

14
9.9.5. não realize serviços sem a devida cobertura contratual e não celebre contratos e aditivos com
prazos de vigência retroativos, evitando situações irregulares [...]; - Acórdão 1.335/2009/TCU/P
235

40% do tempo no Japão e 50% na Alemanha, entretanto, apenas 20% no Brasil. Ou seja, temos
que mudar nossa cultura de última hora.
Em paralelo, o treinamento dos servidores que participam direta ou indiretamente das
contratações deve ser uma diretriz constante da Administração Pública.
Além dessas iniciativas, preciso encontrar mecanismos efetivos para solucionar o problema da
a corrupção e do modelo de financiamento das campanhas eleitorais, que deságuam, via de
regra, em aditivos de “química” que levam a superfaturamento das obras. Neste caso, as
medidas seriam legais, acabando com o sentimento de impunidade que reina no mercado.

Cláudio Sarian Altounian é escritor, professor, engenheiro e advogado, pós-graduado em


Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em Auditoria de Obras
Públicas pela Universidade de Brasília (UnB). É também professor na área de Obras Públicas e
Meio Ambiente e atuou como titular da Secretaria de Fiscalização de Obras e Patrimônio da
União do TCU (Secob), por oito anos. O professor tem três obras importantes: Obras Públicas:
Licitação, Contratação, Fiscalização e Utilização; RDC e a contratação integrada na prática e
Governança Pública: o desafio do Brasil.

Antônio Jorge Leitão possui graduação em engenharia civil pela Universidade de Uberaba
(1983), Especialização em Administração Financeira pela AEUDF (1999), Especialização em
Matemática pela UNB (2004), e Mestrado em Economia de Empresa pela Universidade
Católica de Brasília (2001). Professor de Graduação do IESB (2002/2006) e do CECAP
(2000/2002) em Brasília. Integrante da Comitiva Brasileira junto à ONU quando da Consulta
Popular efetivada no Timor Leste no período de ago/99 a out/99

55. Entrevista com a professora da ENAP Gisele Aparecida Goncalves de Oliveira sobre boas
práticas na elaboração de termos de referência,05/09/2017

• As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Marcio Motta Lima da Cruz.

Professora Gisele, a nova Instrução Normativa Seges/MPDG nº 05/2017 enfatizou a importância da


fase de Planejamento da Contratação. Na sua opinião, de que forma as novas disposições trazidas
pela IN ajudarão no incremento de qualidade da última etapa do Planejamento da Contratação,
que é a elaboração do Termo de Referência ou Projeto Básico?

Gisele: Gosto muito da mudança de cultura que o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e


Gestão vem implementando na Administração, primeiro com as contratações voltadas para Soluções
de Tecnologia da Informação, sob a égide da Instrução Normativa nº 04/2014 e agora, para as
contratações de serviços para realização de tarefas executivas sob o regime de execução indireta de
que trata da Instrução Normativa nº 05/2017. Embora o planejamento conste como princípio
fundamental da Administração lá no Decreto-Lei nº 200/67, andava um pouco esquecido.
Acho preocupante que o documento de abertura de um processo de contratação pública seja,
exatamente, o Termo de Referência. Dá a entender que não houve nenhum estudo prévio à sua
236

construção. De fato, às vezes, não houve mesmo! Mas, na maioria das vezes, existe sim uma
preocupação em melhorar a contratação, principalmente, quando refere-se aos serviços
continuados. No entanto, essa preocupação nem sempre é do demandante e, sim, da área de
licitações, do pregoeiro, ou outro setor que atue no processo.
A fase de planejamento a que se refere a IN 05/2017 prevê a elaboração dos Estudos Preliminares e
do Gerenciamento de Riscos em momento anterior a elaboração do Termo de Referência que, se
levado a sério, mudará a forma das contratações de serviços.
Digo isso porque espero, de verdade, que os Estudos Preliminares e o Gerenciamento de Riscos não
se transformem em apenas mais um formulário a ser preenchido, sem qualquer crítica.
As diretrizes para elaboração dos estudos preliminares previstas no art. 24 da IN e no Anexo III
deixam claro que todas as decisões que forem tomadas no processo deverão estar pautadas na
necessidade da Administração.
Falemos, por exemplo, da obrigatoriedade de parcelamento do objeto a que se refere o §1º do art.
23 da Lei 8.666/93 que tem por objetivo principal a ampliação da competitividade. De fato, o
objetivo é legitimo, mas veja que a finalidade da licitação é o alcance da proposta mais vantajosa.
Não é incomum nos depararmos com o parcelamento de objetos para atender ao mandamento da
Lei e em total detrimento da necessidade da Administração. É preciso nos lembrar que o
parcelamento do objeto deve visar precipuamente o interesse da Administração, como o caso
analisado pelo Tribunal de Contas da União que resultou no Acórdão 1.238/2016-P de relatoria da
Ministra Ana Arraes.
Assim, caberá a Equipe de Planejamento, com base na necessidade descrita, decidir pelo
parcelamento ou não do objeto. Isso me parece um grande passo rumo a contratações de qualidade.
Entendo que com os Estudos Preliminares e o Gerenciamento de Riscos sendo elaborados em
conformidade com a real necessidade da Administração, certamente, o resultado do processo de
contratação pública será um objeto que satisfaça a necessidade da administração.

No que diferem as etapas de Estudos Preliminares e Termo de Referência? Seria o Termo de


Referência apenas uma etapa que traria um detalhamento maior dos Estudos Preliminares?

Gisele: Acredito que a principal diferença entre as etapas de Estudos Preliminares e Termo de
Referência seja o foco que deva ser dado por cada uma delas. Enquanto o Termo de Referência
destina-se a descrever a solução (objeto) que se pretende buscar para atender a necessidade da
Administração, os Estudos Preliminares tratam descrever a necessidade, analisando as soluções
disponíveis no mercado, para então, decidir pela viabilidade ou não da contratação. Embora possa
soar estranho, em alguns casos, a melhor solução é não comprar/contratar.
Decidindo pela contratação, o Termo de Referência será elaborado a partir dos Estudos Preliminares
e do Gerenciamento de Riscos, no entanto, trará um nível de detalhamento maior para a execução
do objeto e a gestão do contrato, mas também trará novas informações importantes, tais como, a
definição da forma de seleção do fornecedor, critérios de qualificação técnica pertinentes, além da
realização de ampla pesquisa de mercado.

Pela relativa novidade do tema, há muitas dúvidas sobre a etapa de Gerenciamento de Riscos e seu
documento materializador, o Mapa de Riscos. Que sugestões/dicas poderiam ser dadas para a
elaboração deste documento, de modo que ele possa contribuir para o sucesso da contratação?
237

Gisele: Estamos vivendo um momento de euforia, por assim dizer, para todo lado que se olha o
assunto é Gestão de Riscos. Tenho visto uma preocupação generalizada em eliminar todos os riscos
da contratação como forma de gerenciamento de riscos. No entanto, gerenciar riscos NÃO significa
elimina-los, não é esse o objetivo da gestão de riscos, mas sim, identifica-los, analisa-los e avalia-los,
para só então decidir como trata-los.
O Gerenciamento de Riscos deve ser elaborado na fase inicial do processo, quando poderão ser
levantados vários riscos que impeçam o alcance do objetivo que se pretende, qual seja, a satisfação
da necessidade de Administração. Sendo necessário o seu acompanhamento durante as fases
seguintes da contratação e, principalmente, durante a execução contratual, que é quando, de fato,
muitos eventos podem ocorrer para dificultar ou impedir que o serviço seja executado e a
necessidade atendida. No caso de contratações de serviços continuados, é interessante contar com o
apoio dos fiscais que acompanham a execução contratual para apoiar na identificação, análise e
avaliação dos riscos.

De que forma o Instrumento de Medição de Resultados (IMR), que substitui o Acordo de Nível de
Serviço (ANS), pode contribuir, ao ser inserido no Termo de Referência, para a qualidade da
contratação?

Gisele: Nos termos da IN 5/2017 o Instrumento de Medição de Resultados – IMR é um mecanismo


que define, em bases compreensíveis, tangíveis, objetivamente observáveis e comprováveis, os
níveis esperados de qualidade da prestação do serviço e respectivas adequações de pagamento.
Um cuidado que se deve ter ao elaborar o IMR é lembrar que os indicadores a serem adotados
devem ter como objetivo avaliar a qualidade do serviço, definindo os percentuais de
redimensionamento dos pagamentos através das glosas.
Os indicadores devem ser objetivamente observáveis e comprováveis e estar previamente definidos
no Termo de Referência, de forma que serão conhecidos dos licitantes quando da publicação do
Edital. Portanto, não é factível que o contratado insurja contra as adequações decorrentes do IMR,
haja vista, ser de seu conhecimento as regras de execução dos serviços quando decidiu participar do
processo licitatório, sem qualquer questionamento sobre os indicadores definidos em Edital.
Em síntese, a grande vantagem do IMR é que a Administração irá pagar somente pelo que recebeu.
Por isso, a função do fiscal é essencial para acompanhar a correta execução do serviço. É um grande
incentivo para o contratado execute, de fato, o que está definido no contrato. Lembrando que o
objetivo da administração é receber tudo o que contratou, logo, os constantes ajustes decorrentes
do declínio na qualidade do serviço poderão, ainda, ensejar aplicação de sanções.

Desde 2010, com o advento da Lei 12.349, que alterou o artigo 3º da Lei 8666, a sustentabilidade
passou a estar no mesmo patamar da isonomia e da obtenção da proposta mais vantajosa como
um dos objetivos do procedimento licitatório. Porém, à primeira vista, a promoção da
sustentabilidade parece ser antagônica a estes dois outros princípios, pois pode elevar a restrição à
competividade e os preços obtidos no certame. Então, de que forma podemos conjugar a
sustentabilidade com estes outros dois objetivos?
238

Gisele: Para responder a essa pergunta Márcio peço que analise comigo a seguinte situação: se
formos a feira comum compraremos um pé de alface por 1 real, no entanto, se formos a uma feira
orgânica, compraremos um pé de alface por dois reais. O que te leva pagar o dobro do preço por um
mesmo produto? Arrisco a dizer que não é o produto em si, mas o que ele representa!
Bom, estamos falando de administração pública e, claro, não é possível pagar o dobro do preço por
um mesmo objeto, até pelo pressuposto das finalidades da licitação que são: selecionar a proposta
mais vantajosa para a Administração (que não significa necessariamente a de valor mais baixo), de
forma a assegurar igual oportunidade a todos os interessados (princípio da isonomia) e, ainda,
promover o desenvolvimento nacional sustentável.
Acertadamente, a IN prevê que a inclusão dos critérios e práticas de sustentabilidade devem ser
avaliados pela Equipe de Planejamento durante a elaboração dos Estudos Preliminares, a quem
caberá decidir pela viabilidade ou não da contratação. Se, ao inclui-los, a Administração restringir a
competitividade a um fornecedor único, deverá a Equipe de Planejamento decidir pela inviabilidade
da contratação, exceto, claro, se for essa a solução que melhor atende a necessidade da
Administração.
Observe um detalhe muito importante: a NECESSIDADE. Com a obrigatoriedade de planejar a
contratação e gerenciar os riscos envolvidos, cada vez mais, a Administração deverá buscar na
necessidade delimitada as justificativas para as decisões que serão tomadas no decorrer do processo
de contratação pública.
Dessa forma, embora custo mais alto dos produtos sustentáveis, normalmente, usado como uma das
justificativas para decidir pela não contratação sustentável, cairá por terra, posto que o objeto ou as
obrigações que seguem as diretrizes de sustentabilidade definidas na legislação estarão aderentes a
necessidade da Administração.
Ocorre que o Estado Brasileiro é o seu maior cliente e esse poder de compra é visto como uma
oportunidade de fomentar o desenvolvimento nacional, no entanto, esse poder de compra não pode
ser usado de forma irresponsável, trazendo prejuízos ao erário.
Enfatizo, ainda assim, que é necessária análise das soluções disponíveis no mercado, para não
incorrer em restrição à competitividade sem justificativa e ampla pesquisa de preços para avaliação
da disponibilidade orçamentária.
Ressalto, por fim, que a sustentabilidade precisa ser vista como algo maior que simplesmente incluir
uma especificação na descrição de um objeto ou impor ao contratado obrigações que, quiçá, serão
fiscalizadas.

Na elaboração do orçamento estimado da contratação, que boas práticas podem ser


recomendadas para uma melhor adequação deste documento aos preços praticados no mercado?

Gisele: A pesquisa de preços é uma das fases mais importantes do processo de contratação pública e,
até a publicação da Instrução Normativa nº 05/2014, pouco ou quase nada, se tinha sobre o tema.
Somente após a realização da pesquisa de preços é possível:
1. Estimar o orçamento que deverá ser despendido na contratação;
2. Determinar o preço máximo que a Administração está disposta a pagar pelo objeto (inciso X, art. 40,
Lei nº 8.666/93);
239

3. Verificar o enquadramento quanto a exclusividade da contratação para microempresas e empresas de


pequeno porte;
4. Escolher a modalidade da licitação, caso se enquadre nas modalidades da Lei 8.666/93;
5. Atender as exigências quanto a publicidade, caso seja um pregão; e
6. Subsidiar a análise e o julgamento das propostas.
Diante disso, não parece razoável que a pesquisa de preços fosse realizada com a média de três
preços com fornecedores. No entanto, a pesquisa foi feita assim por muitos anos, levando a uma
série de problemas, como licitações fracassadas, desertas, ou mesmo, aquisições que não atendem a
necessidade da Administração.
A Instrução Normativa prevê que a pesquisa de preços será realizada mediante a utilização dos
seguintes parâmetros:
a) painel de preços disponível no endereço eletrônico http://paineldeprecos.planejamento.gov.br;
b) contratações similares de outros entes públicos, em execução ou concluídos nos 180 (cento e oitenta)
dias anteriores à data da pesquisa de preços;
c) pesquisa publicada em mídia especializada, sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo,
desde que contenha a data e hora de acesso; ou
d) pesquisa com os fornecedores, desde que as datas das pesquisas não se diferenciem em mais de 180
(cento e oitenta) dias..
Além das fontes de pesquisa, a Instrução Normativa trouxe outras regras importantes, como a
desconsideração de valores inexequíveis e os excessivamente elevados.

Entendo que o que agrega qualidade a pesquisa de preços é a análise crítica dos dados coletados. Por
exemplo, se for realizar uma pesquisa de preços para aquisição de canetas, não será suficiente a
escolha três preços disponíveis no Painel de Preços. É preciso analisar a quantidade; a marca
disponibilizada; o local de entrega; se será formalizada Ata de Registro de Preços; a unidade de
medida. Fazer a pesquisa de preços com canetas de marca “xingling” esperando comprar, pelo
mesmo preço, uma caneta de marca de boa qualidade, não parece ser razoável. Assim, as
informações de: quantidade; marca; modelo; local de entrega; potência; unidade de medida;
garantias; prazo de validade; contribuirão para análise crítica dos dados coletados e permitirá que o
processo de contratação pública seja concluído com sucesso.
Certamente essa análise detalhada demandará um pouco mais de tempo por parte de quem estiver
fazendo a pesquisa de preços, no entanto, é ganho de qualidade e tempo nas fases seguintes do
processo. Afinal, quem não faz bem feito, faz duas vezes!
Outro ponto importante é que a definição do valor estimado não precisa, necessariamente, resultar
de uma pesquisa de preços. É o caso das contratações de serviços com dedicação exclusiva de mão
de obra, quando a própria Administração terá condições de elaborar as planilhas de custos e
formação de preços para definir o valor do posto de serviço. De posse do valor dos salários, definidos
em convenção coletiva de trabalho, onde também são definidos os valores dos benefícios, como vale
alimentação, e os encargos previdenciários e trabalhistas definidos na legislação, a administração
tem condições de preencher a planilha de custo e formação de preços e definir o valor máximo que
está disposta a pagar pelo serviço. Para os serviços de limpeza e vigilância é possível contar também
com os valores limites publicados pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão.
240

Na elaboração de Termos de Referência para serviços continuados de limpeza, quais as melhores


práticas a serem adotadas para a estimativa do quantitativo de prestadores de serviço? Devem ser
utilizadas como parâmetro as produtividades de referência estabelecidas pelo Ministério do
Planejamento, agora alteradas pela IN 05/2017?

Gisele: A melhor referência que se pode ter é a realidade do próprio contratante, isso é fato! E agora
está definido na IN 05/2017: os órgãos e entidades deverão utilizar as experiências e os parâmetros
aferidos e resultantes de seus contratos anteriores para definir as produtividades da mão de obra,
em face das características das áreas a serem limpas, buscando sempre fatores econômicos
favoráveis à Administração Pública.
O melhor momento para essa avaliação é na elaboração dos Estudos Preliminares e, se possível, com
a participação dos fiscais do contrato em execução e daqueles a quem será confiada a fiscalização
dos serviços do próximo contrato. Ninguém melhor que o responsável pelo acompanhamento da
execução contratual para opinar quais pontos mais sensíveis do contrato e onde pode melhorar.
Acredito que todas as inovações trazidas pela IN 05/2017 irão contribuir para o aperfeiçoamento das
contratações de serviços.
O exercício de observação e fiscalização da execução dos serviços, naturalmente, levarão o órgão a
uma maturidade sobre a realidade do contrato, contribuindo para a adoção de produtividades
diferenciadas dos referenciais da IN 05/2017.
Enquanto o órgão não alcançar esse equilíbrio, a utilização das produtividades de referência
definidas na IN devem ser utilizadas nos processos de contratação. Interessante que a IN trouxe uma
certa flexibilidade para execução dos contratos, veja, por exemplo, que o art. 62 prevê a
possibilidade de adequação do contrato à produtividade efetivamente realizada, claro, dentro dos
limites do §1º do art. 65 da Lei 8.666/93. Entenda essa flexibilidade como um pequeno ajuste e,
jamais, como uma possibilidade de deixar o planejamento em segundo plano.
Outro ponto que vejo com bons olhos é o fato do órgão poder permitir que os licitantes possam
apresentar produtividades diferenciadas daquela estabelecida pela Administração como referência,
quando o licitante deverá comprovar a exequibilidade da proposta. É uma forma de incentivar a
eficiência da iniciativa privada e, como resultado, a Administração é beneficiada diretamente com a
utilização de equipamentos que resultam em maior produtividade.

A fixação do valor da remuneração dos trabalhadores da empresa contratada em valores


superiores aos previstos em convenções ou acordos coletivos pode ser considerada uma boa
prática? Se sim, em que situações?

Veja bem, não diria que a fixação de valor de salários superiores àqueles definidos nas convenções
coletivas de trabalho seria uma boa prática pois, implica, necessariamente, em um aumento do custo
da contratação.
No entanto, pode ser essencial a fixação de salários acima das CCT’s em decorrência da necessidade
da Administração. Assim, com base nos Estudos Preliminares elaborados na fase preparatória da
contratação, a Equipe de Planejamento irá analisar o cabimento dessa exigência e, aí sim, considero
241

ser uma boa prática por ser essencial para atender a necessidade da Administração e n. Por exemplo,
na contratação de um serviço de apoio administrativo em que seja necessário a disponibilização de
mão de obra mais especializada para realização de atividades além daquelas previstas para a
categoria na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO. Nesse caso, para atender a necessidade da
Administração e alcançar a proposta mais vantajosa será necessário a fixação de salários superiores
àqueles definidos na CCT.

Que recomendações podem ser dadas para tornar mais céleres os processos de trabalho
destinados à contratação de serviços?

Gisele: O que considero mais importante para tornar o processo de contratação mais célere é a
integração entre os atores envolvidos no processo de trabalho. O demandante precisa conversar com
a área de licitações, isso é essencial para minimizar as idas e vindas do processo e contribui para o
ganho de qualidade das contratações. Pois não basta finalizar a licitação, é necessário que o serviço
seja bem executado e, o mais importante, que atenda às necessidades de Administração.
Além disso, a definição interna das atribuições dos atores do processo, o mapeamento dos processos
de trabalho e a padronização de modelos a serem adotados dentro da organização são ações que
tendem a otimizar o processo de contratação.
Em todo caso, quando não se sabe por onde começar, comece pela utilização das minutas padrão
disponibilizadas pela Advocacia Geral da União, cuja adoção é obrigatória para os órgãos do Sistema
de Serviços Gerais - Sisg, nos termos do art. 35 da IN 05/2017.

Quais as principais falhas observadas na elaboração de Termos de Referência e quais os cuidados


necessários para minimizá-las?

Gisele: Existem muitas situações que podem levar ao fracasso da contratação: especificação
incompleta; pesquisa de preços deficiente; exigências restritivas ou desnecessárias; direcionamentos.
Mas o que vejo de mais grave nos processos de contratação pública é a ausência da delimitação da
necessidade. Muitos são os casos em que o ponto de partida é o objeto da licitação e não há
necessidade a ser atendida.
Por exemplo, imagine o seguinte objeto: contratação de serviço de locação de veículos com
motorista, para o qual o termo de referência estará aderente as minutas padrão disponibilizadas pela
AGU, sem nenhum dos vícios citados anteriormente. Até aí perfeito! Mas qual seria a real
necessidade da administração? A necessidade é eventual transporte de servidores para atividades de
fiscalização durante o período da realização das Olimpíadas 2016.
Para mim, a falha mais grave é não delimitar a real necessidade da Administração e realizar um
processo de contratação pública com grande dispêndio financeiro, quando a necessidade poderia ser
atendida de forma mais eficiente e econômica, por exemplo, com ressarcimento ao servidor pelo uso
de táxi.
Percebe que o grande segredo do processo de contratação pública é a necessidade a ser atendida?!
Repito isso em sala de aula um milhão de vezes, chega a ser chato! Mas quanto mais pessoas se
preocuparem com o que é fundamental no processo de contratação pública, mais chances temos de
alcançar a finalidade da licitação em total aderência aos princípios licitatórios.
242

Marcio Motta Lima da Cruz é especialista em Gestão Pública pela UNED-Espanha, Mestrado em
Fazenda Pública e Administração Financeira pelo IEF-Espanha. Atualmente ocupa o cargo de Auditor
Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União atuando como Diretor de Centralização
e Padronização de Contratações do TCU. É professor da ENAP e da Secretaria de Educação/DF.

Gisele Aparecida Gonçalves de Oliveira possui graduação em Ciências Contábeis pela Faculdade de
Ciências e Tecnologia de Unaí (2004). Atualmente é servidora pública da Agencia Nacional de Aviação
Civil e colaboradora eventual da Escola Nacional de Administração Pública. Tem experiência na área
de licitações, com ênfase em Pregão Eletrônico.

56. Entrevista com a professora da ENAP Cecília de Almeida Costa sobre estudos técnicos
preliminares, 12/09/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor João Luiz Domingues.

Cecília, qual a sua definição para estudos técnicos preliminares nas contratações públicas?

Cecília: A Lei de Licitações e Contratos, LLC, define projeto básico como o “conjunto de
elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra
ou serviço, [….], elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares…”, logo,
nossa primeira conclusão é que o estudo técnico preliminar antecede e serve de insumo para
confecção do projeto básico. Se o projeto básico, conforme a definição citada, caracteriza a
obra ou serviço, ou, em outras palavras, caracteriza a solução a ser contratada, o que vem
antes da solução? R: O problema a ser resolvido, a necessidade da administração. Logo,
entendo que o projeto básico, e consequentemente o termo de referência – já que ambos se
prestam aos mesmos fins – é o documento que detalha a solução a ser contratada. Já o estudo
preliminar tem como objetivo estudar a necessidade da administração, seus critérios de
atendimento, as partes envolvidas e as soluções disponíveis no mercado para que a
Administração possa fazer a escolha da solução que melhor atenda a sua necessidade, a
solução a ser especificada no projeto básico ou termo de referência.

Neste sentido, gosto da definição trazida pela INSTRUÇÃO NORMATIVA n° 4, de 11 de


SETEMBRO DE 2014, para as contratações relacionadas à tecnologia da informação, que
considera na sua definição de estudo técnico preliminar elementos importantes como
definição da necessidade, requisitos necessários e suficientes à escolha da solução,
levantamento das demandas dos potenciais gestores e usuários e soluções disponíveis no
mercado.

Como critérios, podemos entender os parâmetros objetivos de aceitação da solução. São


aquelas características importantes para o órgão, as quais a solução deve contemplar. São
exatamente estes critérios que fazem com que cada contratação seja única. Por exemplo,
determinado órgão poderá estar disposto a pagar mais por uma solução, caso ela seja mais
sustentável, ou promova uma maior geração de empregos. Outro órgão pode estar mais
preocupado em encontrar uma solução minimamente satisfatória, ao menor custo possível. É
a partir destes critérios que as soluções disponíveis devem ser avaliadas. Por isso, tais critérios
devem ser passíveis de mensuração e ponderados de acordo com sua importância para que os
objetivos do órgão sejam atingidos.
243

O processo estudo técnico preliminar, composto das etapas: (1) levantamento da necessidade,
(2) identificação das partes interessadas, (3) critérios de aceitação, (4) levantamento das
soluções disponíveis, (4) escolha da solução, (5) estimativa de custo, se consolida com a
elaboração de um documento de mesmo nome. O processo é dinâmico, o documento,
estático. Com isso, queremos dizer que, durante o processo, a cada etapa, é necessário voltar
às etapas anteriores e promover correções, caso necessário.

Uma linha tênue separa o limite do conteúdo do estudo preliminar e do termo de referência
ou projeto básico. Uma das funções do estudo técnico preliminar é trazer informações
suficientes e necessárias para que a autoridade competente possa avaliar a viabilidade da
contratação, logo, este é o limite. As informações indispensáveis para que a autoridade possa
fazer tal avaliação, e somente estas, devem estar contidas no estudo.

Porém, antes iniciarmos o planejamento de qualquer contratação existem duas questões a


serem enfrentadas: (1) todos as necessidades exigem a elaboração de um estudo preliminar?
(2) Um estudo preliminar deve ser feito a cada nova contratação?

Temos sempre que lembrar que o custo do planejamento não deve exceder o benefício a ser
obtido com sua execução. Por vezes, o melhor a fazer é não fazer nada. Porque o prejuízo de
não fazer nada, caso ocorra, é menor que o custo de se fazer alguma coisa. Então, assumimos
o risco e contabilizamos o prejuízo. Isto não é desídia. Isto é decisão racional. Recursos são
escassos e devem ser bem alocados.

Um ponto a se considerar é que o processo de contratação de muitos objetos são altamente


padronizáveis. Pense bem, o café que você toma hoje é diferente do café que você tomava a
10 anos atrás? Talvez não. Até onde eu sei, café foi e continua sendo a semente do fruto do pé
de café torrado e moído. E, até mesmo os pontos de torra comercializados não creio que
tenham mudado em 10 ou em 100 anos. Mas, a forma de fornecimento, é a mesma de 100
anos atrás? Com certeza, não. Hoje temos café solúvel, café em cápsula e outros que não havia
naquela época. Por este raciocínio, é possível imaginar, para a aquisição de café, um único
estudo técnico, um único termo de referência e uma única minuta de contrato a serem
utilizados em várias contratações, até que uma alteração significativa ocorra, e, por que não,
utilizados por vários órgãos?

Uma observação interessante é que a Lei de Licitações, quando fala em projeto básico,
elaborado com base em estudo técnico preliminar, não cita aquisições, apenas obras e
serviços. Mas, será que uma solução de acesso a um edifício que envolva a aquisição de
catracas, de câmaras de segurança, e de um software que converse com tudo isso, por
exemplo, não merece um estudo técnico preliminar?

Outro ponto interessante é a análise pela ótica de otimização de recursos de Pareto.


Diferentes objetos merecem diferentes tratamentos de acordo com sua importância para a
organização. Porque gastar muito dinheiro planejando a contratação de um objeto barato e
que pouco impacta nos objetivos da organização?
244

A segunda questão nos faz pensar na amplitude do estudo. O estudo técnico para aquisição de
café, se houver, deve ser da mesma amplitude de um estudo para a construção de uma
solução que vai melhorar o transporte de passageiros entre duas cidades?

Acredito que uma boa prática é que isto seja definido pelos órgãos em um documento formal,
que traga critérios que permitam determinar quando fazer ou deixar de fazer e em que
amplitude fazer.

Qual a importância da identificação da necessidade da Administração e quais as técnicas a


serem aplicadas visando a melhor escolha da solução do ‘problema identificado’ e a
respectiva interface com as contratações públicas?

Cecília: Uma necessidade não identificada de forma correta pode levar à contratação de uma
solução inadequada. Muitos dos problemas encontrados nas contratações públicas têm
origem na adoção de soluções que não atendem à real necessidade da Administração, mas,
sim, a de determinado interessado ou grupo de interessados. E isto pode levar a grandes
prejuízos para Administração e para sociedade. A falha na identificação da necessidade
compromete todo o processo de contratação e impede que a Administração atinja seus
objetivos.

Duas áreas de conhecimento tem um grande impacto nas contratações públicas: o Direito e a
Administração. Se olharmos para as fases da contratação pública veremos que em cada fase há
predominância de uma destas disciplinas. Por exemplo, quando se elabora uma minuta de
contrato, isto é uma atividade eminentemente jurídica. Porém, quando falamos da elaboração
de um estudo técnico preliminar, de necessidade, de escolha de solução, de planejamento,
estas são atividades administrativas. Muitas técnicas podem ser utilizadas aqui. Gestão de
riscos, benchmarking, técnicas de solução de conflito, design thinking, técnica de solução de
problemas, técnicas de negociação, lembramos de nomes como os de Potter, Pareto e, porque
não, Daniel Kanehann, Michel Teversky, Dave Snowden e a lista segue longa.

Dave Snowden tem uma teoria muito interessante que poderia ser facilmente adaptada para a
decisão de como tratar o estudo preliminar de acordo com as diferentes necessidades. Ele
propõe um framework chamado Cynefin (pronuncia-se Kanevan) que é um quadro conceitual
usado para ajudar na tomada de decisões. Uma abordagem diferente é adotada de acordo
com o contexto da decisão, ou, “domínio”, que pode ser: simples, complicado, complexo,
caótico e de desordem. O que faz sentido, uma situação simples não pode ser tratada da
mesma forma que uma situação complexa. Da mesma forma uma necessidade simples não
deveria ser tratada da mesma forma que uma necessidade complexa. Mas, uma coisa tem que
ficar muito clara: tudo que está sendo exposto aqui, não é feito ainda, portanto, precisa de
validação. São hipóteses. Vamos começar a testá-las aqui na PR-DF.

Se enxergarmos a necessidade da Administração como um problema a ser solucionado,


podemos utilizar técnicas de solução de problemas na elaboração dos estudos técnicos
preliminares. Aqui na PRDF, utilizamos um abordagem proposta pelos autores Alexander de
Haan e Pauline de Heer. Não há nada de extraordinário nesta abordagem, ela utiliza
245

ferramentas conhecidas, e isto é perfeito! Temos que fugir de teorias complicadas e


ferramentas que exigem conhecimento especializado. Quanto mais simples melhor.

Tão logo um problema é apresentado, temos a tendência de buscar, quase que


automaticamente, uma solução. E partimos daí, sem analisar a necessidade ou o problema.
Isso é ruim. Não gostamos do desconforto de uma questão não respondida. Nossa aversão é
tanta, que as vezes, quando perguntamos a alguém qual o problema que ela quer resolver ela
nos responde com uma solução que não consegue implantar.
Trazendo esta questão para o mundo das contratações, é muito provável que se perguntarmos
ao responsável da área de almoxarifado qual o seu problema ele nos dará uma resposta do
tipo: tenho que comprar caneta ou papel. Veja que estes exemplos são, na melhor das
hipóteses, soluções para um problema, qual seja, necessidade de anotação de informação para
usos diversos.
A maioria dos problemas, no entanto, é complexo, e, raramente, a melhor solução é aquela
que primeiro vem a cabeça. A complexidade ocorre seja pela quantidade de pessoas, com
objetivos diversos, interessadas na solução deste problema – no nosso exemplo, temos os
usuários do material, que querem materiais de qualidade e disponível sempre que necessário;
o almoxarifado, com um espaço limitado para armazenamento; o ordenador de despesa, que
precisa conter gastos; só para citar alguns –, ou seja pela rapidez com que a informação se
dissemina, fazendo com que novos interessados surjam, com novos pontos de vistas sobre a
solução destes problemas – imagine se este órgão resolve comprar canetas Mont Blanc para
seus diretores, o que a sociedade achará disto?
Quando temos vários interessados na solução de um problema, teremos várias soluções. E
provavelmente, sem uma análise sistematizada do problema, teremos estes interessados não
sendo ouvidos ou, se ouvidos, em uma situação de impasse onde cada um defende a solução
de sua preferência.
Identificando esses atores e descrevendo o problema explicitamente, da forma como eles o
percebem, os diferentes interessados podem conhecer e compreender os objetivos e os
interesses uns dos outros.
Assim, as discussões sobre qual a melhor solução serão reduzidas, à medida que as pessoas se
concentram mais no que as partes interessadas querem alcançar com uma determinada
solução, estabelecendo critérios de análise das diversas soluções existentes. Tiramos o foco da
solução e colocamos na compreensão da necessidade a ser atendida.
As soluções possíveis, então, podem ser analisadas e ponderadas conforme os critérios
estabelecidos, o que reduz a resistência à solução escolhida ainda que esta não seja a
preferida de todas as partes ou até mesmo de nenhuma das partes, mas, é a que melhor
atende a necessidade. Isto traz transparência ao processo e demonstra a impessoalidade das
escolhas feitas.

Qual é o maior desafio para Administração nas contratações públicas, a identificação da


necessidade ou a elaboração dos estudos técnicos preliminares?

Cecília: A elaboração do estudo técnico preliminar, conforme definido aqui, gira em torno da
definição da necessidade e dos critérios estabelecidos pelas partes interessadas. Esta é a parte
mais sensível do planejamento, porque, como vimos, uma necessidade mal definida prejudica
todas as demais fases e pode levar a contratação de uma solução inadequada.

Qual a sua visão do nível das contratações públicas na esfera federal atualmente?
246

Cecília: O que me empolga, João, é ver a melhoria constante dos processos de contratação, é
ver o empenho de servidores e órgãos no aperfeiçoamento de tais processos. O MPOG, o TCU,
a AGU, o MPU e muitos outros, cada um na sua esfera de atuação, têm contribuído muito com
esta melhoria. Não significa que estão sempre certos ou que são detentores de um
incontestável conhecimento acerca do assunto, ao contrário, há muito que se aprender e há
muito que se fazer, mas, até mesmo os acórdãos ou orientações normativas que nos fazem
torcer o nariz têm o mérito de nos fazer refletir sobre determinado assunto e possibilitam,
assim, a melhoria. Gosto muito do trabalho que a Câmara dos Deputados tem realizado. Foram
tantas inovações que o Professor Renato Fenilli até escreveu um livro sobre boas práticas
administrativas em compras e contratações públicas. Mesmo assim, tenho certeza que ainda
há muitas melhorias possíveis. Acho que ainda temos muito que caminhar, mas, o importante
é que não estamos parados.

Considerando o cenário atual, o que poderia ser feito visando à melhoria das contratações
públicas?

Cecília: Não nos faltam ferramentas e boas práticas que podem ser aproveitadas. Mas, é
preciso estudá-las e testá-las, é preciso pesquisa. Sinto falta disso. Somos ansiosos, não nos
dedicamos a aprender, queremos fazer. E quando isso acontece muitas decisões não são
tomadas com base em dados e fatos, mas, no limitado conhecimento de mundo de cada um. O
que é muito falho, posto que nosso conhecimento é ínfimo se comparado com tudo que há
por ai. E esta constatação não é nenhuma novidade.

Há anos estudos são realizados acerca de heurísticas e vieses cognitivos. Heurísticas são
atalhos mentais. Vieses cognitivos são erros no processo de tomada de decisão. Isto é muito
bem explorado em algumas áreas como na publicidade e em vendas. Poderíamos citar vários
deles, muitos, visíveis nos processos de contratação. Por exemplo, recentemente ouvi uma
notícia do quanto um determinado órgão havia economizado com uma licitação feita para
registro de preços e me questionei se não estávamos ali diante do efeito do contraste.

O princípio do contraste afeta a forma como vemos a diferença entre duas coisas quando
apresentadas uma após a outra. Uma demonstração bastante empregada em laboratórios de
psicofísica para apresentar este princípio é o dos três baldes de água – um frio, outro quente e
um em temperatura ambiente. Após colocar uma das mãos no balde de água fria e a outra no
balde de água quente, coloca-se ambas as mãos no balde de água em temperatura ambiente.
A mão que estava no balde de água quente sentirá a água fria e a mão que estava no balde de
água fria sentirá a mesma água quente. Uma técnica de venda utilizada com base neste efeito,
no mercado de imóveis, é a de mostrar uma casa cara e acabada primeiro, porque, quando
chegar a vez de visitar a casa que o corretor realmente quer vender ela parecerá um excelente
negócio.

Existe alguma relação entre a melhoria das descrições (ou escolha da solução) e o
planejamento das contratações públicas?
247

Cecília: Sim, o planejamento das contratações passa por etapas interligadas e


interdependentes. Cada etapa do planejamento depende do resultado da etapa anterior. A
primeira delas é a correta identificação e análise da necessidade para escolha da solução. Se
esta etapa não for bem-feita, todas as demais estarão prejudicadas. Quando se encontra
alguma dificuldade em uma das etapas, é bom voltar a etapa anterior e verificar se a
dificuldade não se deriva dela. A dificuldade de especificação de uma solução, em um termo
de referência, ou de realização de uma pesquisa de mercado, por exemplo, pode estar
relacionada a critérios de atendimento de uma necessidade mal definidos.

Lembro-me de uma vez que nos foi solicitado a pesquisa de mercado de um certo
equipamento que tinha os mais diversos formatos, materiais e tamanhos. Quando
perguntamos a área demandante qual deles ela queria, ela respondeu que não sabia. Ou seja,
não tinha pesquisado as diferentes soluções antes de solicitar uma. Quem nunca ouviu uma
notícia de jornal relatando a compra de um equipamento de última geração que está sem uso
porque quando chegou não cabia no espaço reservado para ele ou a sala em que foi instalado
não tinha uma rede elétrica adequada para sua utilização?

Como você analisa as etapas do planejamento das contratações de serviços terceirizados sob
a ótica da IN n. 05/2017, em especial no que se refere a estudos preliminares?

Cecília: A IN n. 05/2017 trouxe, no seu art. 20, como etapas do planejamento das
contratações, a elaboração dos estudos preliminares, do plano de gerenciamento de riscos e
do termo de referência ou projeto básico.

Foi um grande avanço em relação a IN 02/2008. Perceba que a IN 02/2008 não tratava nem de
gestão de riscos, nem de estudos técnicos preliminares. Por outro lado, a IN 02/2008 trazia a
figura do plano de trabalho, que, na minha opinião, se tratava de um equívoco.

No seu art. 116, a Lei 8.666/93 determina que aplicam-se as disposições daquela Lei, no que
couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por
órgãos e entidades da Administração.

Perceba que contratações de obras, serviços, e aquisições já foram tratados nos artigos
anteriores da referida lei, logo, quando a Lei, diz que “aplicam-se as disposições desta Lei, no
que couber, aos convênios, acordos, ajustes….” refere-se a outros acordos e ajustes não
tratados diretamente por ela, tais como contratos de repasse.

A obrigatoriedade de elaboração de plano de trabalho se refere, portanto, a convênio, acordo


ou ajuste não tratado especificamente pela LLC, uma vez que está inserido no art. 116 da
referida Lei.

Além do mais, para embasar a elaboração do projeto básico, a Lei de Licitações já havia criado
a figura do estudo técnico preliminar, resgatado pela IN 04/2010 e agora pela IN 05/2017.
Outrossim, as informações obrigatórias trazidas pelo § 1o do art. 116, imprimem ao plano de
trabalho uma característica de projeto e não de processo. No caso da LLC, processo licitatório.
248

Acredito que a IN 05 foi uma melhoria, mas, a enxergo só como ponto de partida, temos que
evoluir.

Qual a relação entre os estudos preliminares e o termo de referência?

Cecília: De acordo com a IN 05/2017, isto não fica claro, pois, tudo o que ela estabelece como
conteúdo para o estudo preliminar, de alguma forma, já constava do termo de referência.

De acordo com o que definimos aqui, em linhas gerais, o estudo técnico preliminar estuda a
necessidade para escolha da solução e o termo de referência detalha esta solução, sua forma
de contratação e de fornecimento.

Considerando tudo o que foi dito, os conceitos trazidos pela IN n. 05/2017 para estudos
preliminares estão adequados, tendo em vista a identificação das necessidades da
Administração e a elaboração do termo de referência?

Cecília: Parece-nos que a IN 05/2017, em vários pontos, expressa um entendimento diverso do


aqui exposto quanto à definição e ao conteúdo do Estudo Técnico Preliminar.

Vejamos um exemplo: o artigo 21 estabelece uma sequenciação de etapas para o início do


Planejamento, quais sejam: (1) elaboração do documento para formalização da demanda, (2)
envio do documento ao setor de licitações do órgão ou entidade, (3) designação formal da
equipe de Planejamento da Contratação, onde será elaborado o Estudo Preliminar.

Se a referida Instrução Normativa estabelece que o documento de formalização da demanda


contemple a solução a ser contratada, o Estudo Técnico Preliminar, no formato aqui proposto,
perde seu objeto, que é a definição da necessidade a ser atendida e o estudo das possíveis
alternativas de solução de forma sistematizada para a escolha daquela que melhor atenda esta
necessidade.

Veja que a primeira informação contemplada no Estudo Preliminar, de acordo com a IN


05/2017, art. 24, é a necessidade de contratação, que não se confunde com necessidade da
administração a ser atendida. A necessidade de contratação justifica a solução escolhida, a
necessidade da Administração é o problema a ser resolvido. Este entendimento é reforçado
pelo anexo III, item 3.1 da IN 05/2017:

3. São diretrizes específicas a cada elemento dos Estudos


Preliminares as seguintes:

3.1. Para a identificação da necessidade da contratação:

a) Atentar que a justificativa da necessidade deve ser fornecida


pela unidade requisitante da contratação.

Parece-nos ainda que a IN inverte as etapas: após a escolha da solução é que se define a
necessidade e não o inverso.
249

Outro ponto se refere aos critérios para dispensa de elaboração de Estudo Técnico Preliminar.
Sendo o estudo um documento que analisa a necessidade ou problema a ser resolvido e seus
critérios de atendimento, bem como, as soluções possíveis, parece-nos que o a mudança em
qualquer destes elementos deveria ser considerado como critério para determinar a
necessidade ou não de se elaborar novo estudo técnico preliminar.

Vale salientar que o objeto (solução) é determinado de acordo com os critérios de


atendimento da necessidade do órgão contratante. Em se tratando de contratações conjuntas
ou compartilhadas, desde que a necessidade seja a mesma, nos parece mais adequado que
haja a elaboração de um único estudo preliminar considerando os critérios dos diversos
órgãos, uma vez que a solução a ser escolhida tem que ser a que melhor atenda a necessidade
dos diversos órgãos interessados na contratação.

Por fim, a melhoria da identificação das necessidades, elaboração de estudos preliminares e


de termos de referência pode estar associada à capacitação dos servidores? Cecília, você
entende ser este um possível diferencial para as contratações públicas?

Cecília: Definitivamente, sim! Veja de quantos assuntos diferentes já tratamos aqui e nem
sequer tocamos em outras matérias cujo conhecimento é imprescindível para aqueles que
trabalham com contratações públicas, tais como direito administrativo, direito civil,
contabilidade pública, administração orçamentária e financeira, etc. Com uma gama tão
extensa de conhecimentos exigidos, muito me espanta ainda não haver uma formação
acadêmica na área.

Nos acostumamos a simplesmente seguir o que diz a Lei, o TCU ou a assessoria jurídica do
nosso órgão, sem questionar, sem fazer nem a mais nem a menos. Consegue imaginar o
quanto isso deve custar ao bolso do cidadão?

Quando as empresas aéreas de baixo custo começaram a operar, a Delta Airlines teve que
cortar custos para se manter no mercado. A empresa adotou parceiros comerciais únicos e
para os quais o pedido podia ser feito pela internet. A empresa tinha como objetivo reduzir os
custos dos processos de aquisições para US$ 15,00, mais ou menos R$ 50,00. Nossas
estimativas demonstram que, aqui na PR-DF, os custos de aquisição podem chegar a R$
20.000,00.

Não acho que R$ 50,00 seja uma meta exequível, pois, temos muitas obrigações que uma
empresa privada não tem, mas diante de tanta discrepância, será que não seria possível uma
redução de 10%, por exemplo?

Muito me preocupa a IN 05/2017 trazer a obrigação para os órgãos de fazer a gestão de riscos
ou de elaborar um estudo técnico preliminar nos contratos com dedicação exclusiva de mão
de obra. Não porque não sejam ferramentas que melhorariam o processo. Pelo contrário, acho
que podem, sim, tornar o processo muito mais eficiente. Mas, porque, se feitas de forma
amadora e imatura, serão somente um custo a mais em processos já tão caros, sem produzir
nenhum resultado.
250

A gestão de riscos e outras ferramentas como o design thinking, por exemplo, são ferramentas
limitadas. Elas só produzem resultados quando é possível identificar uma relação causal. Veja
que o Cynefin framework traz cinco contextos, sendo que somente em dois há uma relação
causal clara, e, em um deles, é necessário conhecimento especializado para reconhecê-la. A
própria existência dos cisnes negros de Nassim Taleb, já demonstra esta limitação. Cisnes
negros são acontecimentos altamente improváveis e de um grande impacto, praticamente
imprevisíveis, mas, que acontecem com mais frequência do que imaginamos. Veja que os
cisnes negros não são imprevisíveis porque as pistas de que eles poderiam acontecer não
existiam. Elas estavam todas lá, mas, só se tornaram visíveis depois da ocorrência do evento. É
como se estas pistas fossem agulhas num palheiro. Somente após o evento é que fica clara a
conexão entre elas. Praticamente todos os grandes desastres e grandes crises econômicas
podem ser classificados como cisnes negros.

A forma de seleção dos servidores públicos também não ajuda. Raramente a formação de
quem trabalha em contratações públicas é Direito ou Administração. E ainda que seja, não
necessariamente são pessoas especialistas em contratações públicas.

Temos, portanto, que capacitar estes servidores. Não estou me referindo a cursos de uma
semana ou a seminários de um dia. Este tipo de capacitação deveria ser complementar, não
básica. Falo de especialização ou, o que acho que seria o ideal, um curso acadêmico. Faculdade
mesmo. Deveria ser requisito para trabalhar na área.

Professor João, muito obrigada pelas excelentes perguntas.

Cecilia de Almeida Costa é servidora concursada do Ministério Público da União e chefe da


Divisão de Contratações e Gestão Contratual da Procuradoria da República no Distrito
Federal. É Professora do curso de Gestão e Fiscalização de Contratos na ENAP. Ministra
também cursos na área de panejamento e gestão de riscos nas contratações públicas. Ela é
especialista em Gestão Pública Pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito Administrativo pela
Universidade Estácio de Sá.

João Luiz Domingues é Auditor Federal de Finanças e Controle no Ministério da Transparência


e Controladoria-Geral da União (CGU). É professor na Escola Nacional de Administração Pública
(Enap) e na Escola de Administração Fazendária (Esaf); e é instrutor do CGU. Atua com
licitações públicas há 10 anos e é especialista em Gestão Pública pela Enap e em Orçamento
Público pelo Instituto Serzedello Corrêa (ISC), com atualização em Direito Administrativo - foco
em licitação e contrato, pela PUC/MG. João escreve para o site
http://www.licitacaoecontrato.com.br

57. Entrevista com o professor e diretor do Departamento de Licitações da UFSC, Ricardo da


Silveira Porto, sobre o RDC, 19/09/2017

• As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Ronaldo Corrêa.


251

A lei de licitações e contratos foi promulgada há mais de 20 anos, e mesmo depois de


inúmeras emendas ela ainda possui um enfoque "corruptocêntrico", não voltado
eminentemente à busca de resultados. Diz-se que isso é reflexo do momento pós-
impeachment no qual a lei foi criada, ainda na esteira da CPI dos anões do orçamento. Já o
Regime Diferenciado de Contratações (RDC), foi uma solução instituída pelo governo federal
com o declarado propósito de conferir celeridade à contratação de obras, relacionadas aos
grandes eventos ocorridos no Brasil em 2013 e 2014. A inspiração veio de modelos
internacionais de contratação pública, como o da União Europeia, dos EUA e da OCDE. Além
destes aspectos históricos, quais são as principais diferenças entre a lei 8.666/1993 e o RDC?
Os procedimentos para a sua operacionalização são muito distintos?

Ricardo: Inicialmente fico a me perguntar como seria possível licitar tantas obras para a
viabilização de infraestruturas voltadas a realização dos eventos esportivos sediados no Brasil
entre 2013 e 2014, seguindo uma Lei de Licitações que em 2017 completou 24 anos da sua
promulgação?

Entendo que seria complicado ou, até mesmo impossível preenchermos estas lacunas pelas
contratações necessárias, dado o excesso de formalismo esculpido em tal norma, no que tange
os aspectos processuais, destacando que nesta esteira abordamos uma análise apenas no eixo
da realização da licitação.

O dispositivo legal que versa sobre o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, traz
consigo elementos inovadores que conferem ao RDC uma perspectiva mais gerencial,
diferenciando-o de maneira considerável da Lei de Licitações. No condão dos elementos
diferenciais conferidos pelo Regime Diferenciado, temos a inversão de fases no que tange a
ordem de condução do certame (advinda dos moldes do pregão), permite uma prática mais
robusta para negociações com os licitantes, temos a fase recursal única, maior flexibilidade aos
gestores para definição dos critérios de julgamentos e tipos de disputa, com o RDC é possível
utilizarmos a disputa eletrônica para a contratação de obras e serviços de engenharia
(possibilidade não prevista na Lei nº 8.666/1993), orçamento sigiloso, permissiva para a
contratação integrada, instituição da pré-qualificação permanente, sistema de registro de
preços para obras e serviços de engenharia e, por fim, a possibilidade de utilização da fase de
disputa de lances para a contratação de obras e serviços de engenharia.

Em relação à operacionalização dos certames, uma das grandes diferenças persiste na


viabilidade de realizarmos disputas eletrônicas para fins de contratação de obras e serviços de
engenharia, utilizando-se do RDC, o que anteriormente não encontrava previsão na Lei nº
8.666/1993, além, de realizarmos a inversão de fases, onde iniciamos pela análise das
propostas e, só analisamos posteriormente, a documentação de habilitação do licitante que
for o detentor da melhor proposta e, por fim, a intenção recursal em fase única, distinta das
práticas advindas da Lei de Licitações.
252

Após o início da utilização do RDC, sucessivas alterações legislativas ampliaram as


possibilidades de aplicação do RDC, de forma que mesmo já tendo ocorrido todos os grandes
eventos que inicialmente motivaram a sua criação, atualmente tal regime ainda continua
sendo utilizado por diversos órgãos. Na sua opinião, tal ampliação de escopo foi benéfica ou
houve aí um certo desvio de finalidade do RDC?

Ricardo: Entendo que a ampliação da aplicabilidade do RDC, não pode ser considerada como
um desvio de finalidade, uma vez que tal prática foi alicerçada com base nos bons resultados
produzidos por este dispositivo legal, quando de sua adoção inicial pelos entes envolvidos nas
contratações vinculadas aos eventos esportivos realizados no Brasil entre 2013 e 2014. Penso
que a extensividade do Regime Diferenciado de Contratações foi se propagando na medida em
que sua efetividade foi se comprovando e, ainda, pela falta de uma efetiva Lei Geral de
Licitações ou Código de Licitações, que pudessem trazer um arcabouço inovador, voltado a
atender efetivamente os anseios das instituições públicas, com proposições voltadas aos
resultados a serem perseguidos, com uma maior objetividade e, apresentando clareza no que
tange aos procedimentos a serem adotados pelos agentes públicos.

Particularmente, entendo que devemos buscar mecanismos que possam oportunizar


alcançarmos a eficiência que se espera do serviço público e, neste condão, vejo que o RDC
oportunizou em muitos cenários alcançarmos tal condição, resultando assim, no atendimento
do interesse público, razão esta, que justifica a extensividade do dispositivo mesmo após a
realização dos eventos esportivos no Brasil, especialmente, considerando que o normativo não
fora promulgado com um prazo determinado de vigência.

O RDC foi sendo gradativamente ampliado na sua aplicabilidade, de modo a simplificar e


conferir maior celeridade na consolidação dos processos licitatórios, sem afastar com isso,
todos os aspectos legais aplicáveis às contratações públicas.

Entendo que temos com o RDC o formalismo ponderado, constituindo-se pelo aumento da
competitividade, agregando uma maior objetividade e somando-se ainda, uma maior
discricionariedade dos gestores em prol dos resultados a serem alcançados.

Ao ser instituído, o RDC visava declaradamente dar celeridade às contratações públicas de


obras e demais objetos, que normalmente sofrem uma demora excessiva quando licitados
pelas modalidades tradicionais. Em sua opinião, o RDC de fato conferiu celeridade às
contratações públicas objeto de sua aplicação? É possível apontar números que demonstrem
essa redução de prazos?

Ricardo: Vislumbro que o RDC conseguiu atingir a esperada celeridade na contratação das
obras públicas, inclusive, esta certeza fora um dos motivos que incentivou a extensividade da
aplicação deste dispositivo a outros entes da Administração Pública e, neste quesito, entendo
que linhas gerais o Regime Diferenciado cumpriu o seu papel.

Para melhor elucidar esta afirmação, tomarei como base a minha realidade concreta
vivenciada no Departamento de Licitações (DPL) da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), onde a adoção pelo RDC no ano de 2013 potencializou as ações da Gestão Universitária
e, desde então tornou-se o instrumento oficial para a contratação de obras e serviços de
engenharia.
253

Quando da implantação do RDC na UFSC, conseguimos no mês de setembro de 2013, realizar e


concluir um montante de 08 certames, número jamais alcançado anteriormente para a
contratação de obras e serviços de engenharia, o que viabilizou há época encaminharmos
muitas obras do Programa de Reestruturação das Universidades (REUNI), sendo que em
moldes da Lei nº 8.666/1993, isto certamente não seria materializado, dado o curto espaço de
tempo que tínhamos neste período.

Em relação aos prazos vivenciados aqui na UFSC no que tange a execução dos certames por
meio do RDC, até o mês de Junho de 2017, o menor prazo dispendido para a conclusão de uma
disputa licitatória compreendeu um total de 24 dias, enquanto, que com a Lei nº 8.666/1993,
alcançamos minimamente o total de 84 dias.

No contexto dos prazos máximos, a disputa por meio do RDC estendeu-se ao montante de 138
dias, enquanto as práticas utilizando-se da Lei Geral de Licitações alcançou o número de 245
dias para a conclusão de uma disputa licitatória.

Em um cenário geral e, referenciado por médias calculadas ao longo do período de


Setembro/2013 a Junho/2017, temos conseguido findar nossos certames em um prazo de 52
dias utilizando-se o RDC, enquanto, a média alcançada com o uso da Lei n.º 8.666/1993 atingiu
o montante de 123 dias (consideramos nesta média, um mesmo número de processos
utilizando-se de cada um dos regramentos).

Diante desta realidade, temos segurança em afirmar que o RDC efetivamente reduziu os
prazos de execução dos certames licitatórios e, que muito, ainda podemos melhorar para
diminuir este tempo e, para tanto, precisamos ajustar alguns elos administrativos de
tramitação processual, conforme inclusive, posição de alguns gestores da Instituição.

O Congresso Nacional constantemente aprecia propostas de alteração legislativa das leis


gerais de licitações, como a 8.666/1993, a lei do pregão e até mesmo a lei do RDC, que já foi
inclusive cotada para substituir as leis gerais de licitações. Atualmente, está em tramitação o
PLS 559/2013, que institui normas gerais de licitação e prevê a revogação das três leis
citadas, ao passo que adota vários dispositivos da lei do RDC. Em sua opinião, a proposta de
ampliar a utilização do RDC para todo e qualquer objeto é vantajosa? E o fato do PLS
559/2013 adotar sem muitas alterações os dispositivos do RDC, lhe parece acertado ou seria
melhor aproveitar para implementar algumas melhorias?

Ricardo: Entendo que o próprio PLS nº 559/2013 (atualmente PL nº 7228/2017) que no último
dia 14 de agosto teve movimentação na Câmara dos Deputados, quando o presidente da casa,
determinou a criação de Comissão Especial para análise da nova Lei de Licitações, já vem
passando por ajustes em suas tramitações e, pelo que observamos muitas vezes proposições
distantes do cenário prático, mostra o quão complexo é o cerne da Lei de Licitações.

Particularmente, entendo que deveria ser promulgado um código único de licitações, quiçá,
possa resultar em tal proposta o trabalho desta Comissão Especial, evitando assim, existente
de tantos normativos e dispositivos, que acabam dificultando demais o trabalho dos agentes
envolvidos na área da logística pública.
254

Defendi o posicionamento de que o RDC não seria a solução para a problemática inerente aos
inúmeros normativos envoltos nas contratações, licitações e aquisições na esfera pública, mas
que este, poderia ser um "pontapé” para a reestruturação das normas ou, para a criação de
um marco legal que pudesse reger as licitações e contratações públicas.

Não defendo a extensividade do RDC para aquisição e contratação de todo e qualquer objeto,
embora, vislumbre resultados positivos por meio deste regramento, que pudessem motivar tal
aplicabilidade, porém, esta prática seria mais um “remendo” em meio a tantas normas, leis e
instruções normativas e, por esta razão defendo uma revisão do conjunto de leis que
disciplinam a matéria.

Entendo que não apenas o RDC, mas como a Lei do Pregão e a Lei de Licitações, guardam
aspectos positivos e que podem produzir uma maior eficiência na atuação do setor público,
porém, estes pontos precisam convergir em sentido único, de modo a consolidarmos uma
inovação unificada, que possa deixar de lado esta inércia de manter-se unicamente ajustando
artigos e parágrafos aqui e acolá, sem que uma reforma robusta, seja materializada no âmbito
dos regramentos que norteiam e disciplinam esta matéria.

É preciso modernizar a Administração Pública, buscar procedimentos mais céleres, desprezar


os burocratismos excessivos, instituir regras mais eficazes aos contratos administrativos, que
possam conferir “poderes” ao setor público, para que este possa fazer valer seu poder de
compra/contratação e, neste rumo possa ser iniciada a estruturação de um novo serviço
público, mais voltado aos resultados a serem perseguidos.

Além dos regimes de contratação já previstos na lei de licitações, o RDC inovou ao instituir a
possibilidade da contratação integrada. Como você vê esse novo regime de contração
quanto à possibilidade de sua operacionalização na prática, dadas as características do
mercado brasileiro de obras públicas? Como o TCU tem tratado tal assunto?

Ricardo: Entendo que o instituto da contratação integrada é inovador e, pode propiciar muitos
benefícios ao setor público, todavia, precisamos nos estruturar para a adoção desta forma de
contratação, evitando assim, cairmos em ciladas quando da execução do objeto.

Penso que a contratação integrada não pode ser vista como uma alternativa para sanar a falta
de planejamento das instituições públicas, ou ainda, para “gastar” um recurso que fora
conquistado com emendas parlamentares, por exemplo. Este instituto deve sim, nos alicerçar
na certeza, de que o planejamento deve ser realizado com afinco, detalhamento e riqueza de
informações, viabilizando assim, adotarmos a prática da contratação integrada, do contrário,
com a visão inicial, certamente estaremos fadados ao fracasso em muitas obras públicas.

Das muitas leituras realizadas perante acórdãos do Tribunal de Contas da União, percebi que
as análises realizadas em certames que envolveram a contratação integrada muitas vezes,
refletem nas menções/questionamentos envolvendo a falta de planejamento, a adoção de
justificativas “padrões” que não expressam os elementos necessários para a utilização da
referida forma de contratação. Estes resultados apresentados pelo TCU refletem a fala inicial,
onde mencionei que precisamos trabalhar melhor o planejamento nas instituições, de modo, a
melhor avaliarmos riscos na execução das obras públicas e, coibirmos práticas lesivas aos
cofres públicos.
255

Vislumbro que as empreiteiras em meio ao cenário nacional não estão efetivamente


preparadas para a execução de contratações integradas, claro, que temos exceções, porém,
considerando as inúmeras peculiaridades que existe em nossas regiões e, nos mais
diversificados órgãos da Administração Pública, percebo que não temos a qualificação
necessária do mercado para uma ampla aplicabilidade deste dispositivo e, que muitas vezes, a
adoção desta metodologia de contratação, pode representar riscos ao contratante, se os riscos
não forem bem calculados e devidamente atribuídos, pois em muitos contextos, as empresas
pensam em vencer a disputa licitatória, pois acreditam que posteriormente na execução a
realidade será outra e, que existiram facilidades para ajustes de projetos, de planilhas e, que
com aditivos, tudo poderá ser remediado.

Esta cultura se incorporou no cenário da contratação de obras públicas, porém, é necessário


trabalhar para desmitificarmos esta percepção e, o PL 7228/2017 pode representar uma nova
estruturação para este tipo de contratação, trazendo consigo, diretrizes mais claras no que
tange a responsabilidade das partes, os elementos técnicos a serem analisados para adoção da
contratação integrada que possam produzir uma maior segurança para a Administração
Pública, coibindo os famosos termos aditivos.

Destaco que o novo Projeto de Lei prevê que somente obras com valores superiores a R$ 100
milhões poderão ser contratada sob a forma integrada, ou seja, uma limitação imensa para a
aplicação desta metodologia em obras públicas, ou seja, uma proposta que veio (no RDC)
como algo a ser aplicado com uma maior frequência, retrocede e, volta a ser restritivo (com o
atual PL 7228/2017), enquanto seria pertinente seu aprimoramento.

Recentemente os normativos federais passaram a exigir a análise e a gestão dos riscos nas
contratações. A lei do RDC foi a primeira norma geral de licitações a prever a utilização da
matriz de risco nas contratações públicas. Na sua opinião, qual é a importância de tal
instrumento em uma contratação de obras pelo RDC? Há alguma dica ou boa prática acerca
de como utilizar melhor a matriz de riscos?

Ricardo: Penso que atribuir corretamente os riscos de uma contratação é inovar e, traça um
caminho de afrontar definitivamente a inércia que permeia o setor público. A adoção da matriz
de risco requer um planejamento detalhado, evitando deslizes que possam comprometer a
contratação de uma obra pública.

Concebo que a matriz de risco tem por objetivo trazer uma maior segurança para a execução
das obras públicas e, sendo elaborada corretamente, sem sombra de dúvidas, representará
uma mudança cultural no eixo destas contratações, muitas vezes fragilizadas pelos
imprevistos, pela ausência de elementos básicos na fase de realização das licitações, equívocos
de dimensionamentos nas planilhas de custos e, falhas nos projetos executivos.

A matriz deve promover a alocação eficiente dos riscos de cada contrato, estabelecendo a
responsabilidade que cabe a cada parte contratante e, também, mecanismos que afastem a
ocorrência do sinistro e que mitiguem os efeitos deste, caso ocorra durante a execução
contratual, dispondo destes elementos, tal peça ao se fazer presente no contrato firmado pela
Administração Pública, traz consigo elevada importância no processo de fiscalização do
mesmo, minimizando dispêndios ao erário.
256

No âmbito da UFSC, ainda estamos caminhando nesta área da matriz de riscos, contratação
integrada e, neste eixo, já identificamos que precisamos melhor estruturar o planejamento
que envolve a contratação de uma obra, criando mecanismos e fluxos que possam
potencializar a elaboração deste importante documento, sempre primando pelo resguardo
institucional.

Entendo que a melhor dica a ser deixada, resgata a fala inicial, onde o primeiro passo no
emprego desta ferramenta trilha a seara do planejamento, contemplando o envolvimento de
áreas multisetoriais, as quais se fazem presente em quaisquer das fases de uma contratação,
debatendo assim todo o contexto que perfaz o processual que irá resultar em futuras
contratações.

A lei de licitações fixa claramente a vedação de realização de licitação sigilosa e do uso de


qualquer elemento, critério ou fator sigiloso no julgamento das propostas. Já a lei do RDC,
inovou ao prever a possibilidade do chamado "orçamento sigiloso". Qual seria a vantagem
da utilização de tal mecanismo em uma licitação? Seria possível, com isto, aumentar a
competitividade da licitação ou evitar algum problema típico das licitações com orçamento
aberto? Você possui alguma experiência que possa nos relatar, de uso do orçamento
sigiloso?

Ricardo: O instituto do orçamento sigiloso nos certames licitatórios entendo que permeia a
intenção de coibir as práticas de conluios, combinações entre licitantes e outras práticas que
inibem a competitividade em uma licitação. O orçamento referencial mesmo não divulgado
aos licitantes mantém-se disponível aos órgãos de controle. A vantagem perseguida consiste
em se buscar preços mais próximos do estimado pela Administração. Entendo que o segmento
atuante em obras públicas ainda não está preparado para este formato de disputa (salvo, as
grandes empresas), pois na prática, muitas empreiteiras (especialmente aquelas de pequeno e
médio porte) elaboram suas propostas com base nas planilhas orçamentárias dos órgãos
licitantes, dada sua limitação técnica profissional para constituir toda uma planilha detalhada,
o que muitas vezes representa custos a empresa e, não representa qualquer certeza de que tal
“investimento” se mostra vantajoso, o que pode representar uma limitação da
competitividade. Certamente, em um cenário ideal e, especialmente considerando que todos
os licitantes deveriam analisar integralmente o ato convocatório e seus anexos, projetos e
outros, tal elaboração por parte da empresa representaria seu amplo conhecimento quanto ao
objeto, porém, esta ainda, não expressa à realidade vivenciada.

Acredito ainda, que a manutenção do sigilo absoluto em relação ao orçamento estimado de


uma contratação pode ser questionada, frente às tramitações internas que envolvem as
contratações públicas, fato que pode colocar em risco a efetividade desta prática.

O orçamento sigiloso aqui na UFSC foi adotado inicialmente quando da implantação do RDC e,
teve seu emprego em curso ao longo de 12 disputas licitatórias, alcançando uma média de
economicidade correspondente a 3,55% em relação às estimativas da instituição. Deste
montante de disputas realizadas utilizando o orçamento sigiloso, incorremos em 03 disputas
onde não alcançamos quaisquer descontos e, outras 05 licitações onde o percentual de
economicidade não alcançou a casa de 1% em relação às estimativas. Em muitos casos (10
257

certames) para que não restasse fracassada a disputa, fora necessário recorrer ao disposto no
art. 26 da Lei nº 12.462/2011:

“Definido o resultado do julgamento, a administração pública poderá negociar condições mais


vantajosas com o primeiro colocado.

Parágrafo único. A negociação poderá ser feita com os demais licitantes, segundo a ordem de
classificação inicialmente estabelecida, quando o preço do primeiro colocado, mesmo após a
negociação, for desclassificado por sua proposta permanecer acima do orçamento estimado”.

Assim, sustentados por esta permissiva, a qual consolida a prática envolta em um maior poder
de negociação é que, conseguimos contratar algumas de nossas obras, embora, não
alcançando consideráveis descontos.

Nossa experiência vivenciada aqui na UFSC, não representou vantajosidade em relação à


utilização do orçamento sigiloso, embora, tenhamos alcançado um desconto de 25,66% e,
outro de 14,06%, entendemos que a prática merecia ser revista e, assim, o fizemos e,
passamos a evoluir no que tange os aspectos da economicidade e, da competitividade.

O orçamento sigiloso é viável com toda a certeza, porém, requer que sua adoção seja avaliada
frente a cada realidade institucional e, no caso de não se obter propostas vantajosas, ainda
tem-se o recurso da negociação, que poderá auxiliar na busca do sucesso para fins da
contratação almejada.

Quanto ao Sistema de Registro de Preços (SRP), o Parecer nº


10/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU pacifica o entendimento de que a sua utilização goza
de preferência legal, sendo necessário justificar a não utilização. E no RDC? A utilização
também seria obrigatória, caso o objeto se enquadre nas hipóteses legais de uso deste
regime?

Ricardo: O Sistema de Registro de Preços (SRP) no RDC encontra assento no art. 89 do Decreto
nº 7.581/2011 e alterações advindas do Decreto nº 8.080/2013, de modo a facultar sua
adoção e, ainda, para os casos de obras e serviços de engenharia, fica seu emprego
condicionado à conveniência para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a
programas de governo; ou pela natureza do objeto, quando não for possível definir
previamente o quantitativo a ser demandado pela administração pública.

Não temos experiência com o emprego deste recurso aqui na UFSC, todavia, entendo que o
mesmo possa propiciar ganhos econômicos para a administração derivados da expectativa de
contratações, reduzir números de certames licitatórios a serem realizados e, ainda, pode
auxiliar na celeridade processual para demandas pontuais, como por exemplo, expansões
prediais, onde seja possível replicar o mesmo projeto.

É importante destacar, que não só de vantagens se constitui o SRP no RDC, como por exemplo,
não podemos esquecer que o referencial de preços para a contratação de obras e serviços de
engenharia se materializa basicamente na tabela SINAPI e ainda, no SICRO e, considerando
258

este fator, muitas vezes fica praticamente impossível a manutenção dos preços praticados na
disputa licitatório ao longo de 12 meses, o que pode gerar a necessidade de negociações com
o licitante, o que nem sempre poderá produzir resultados positivos e, até mesmo, poderá
representar riscos na execução.

Defendo a utilização do SRP para os cenários planejados, onde se detém uma visão macro das
possibilidades a serem contratadas, bem como ou, para os fins onde efetivamente seja
possível padronizar edificações/projetos, o que evitaria atropelos desenfreados quando do
excito em relação ao recebimento de recursos suplementares ou emendas parlamentares, por
exemplo.

Por fim, entendo que o advento do RDC expressamente superou críticas até então
direcionadas a Lei Geral de Licitações no que tange ao emprego da “carona”, frente à
inexistência de permissiva anterior para o emprego desta prática.

A lei de licitações fixa o limite de cinco por cento para a exigência de garantias de execução
do objeto, podendo excepcionalmente este valor chegar a até dez por cento. Como a lei do
RDC disciplina tal assunto? Na sua opinião, seria recomendável permitir a exigência de
garantia que cubra até 100% do valor do objeto licitado?

Ricardo: No que tange a abordagem inerente a exigência de seguros, particularmente entendo


que o regramento do RDC concedeu uma ampla discricionariedade aos gestores no que
consiste a definição dos parâmetros/percentuais relacionados a esta exigência, com o intuito
de equiparar tal prática, a realidade usual da iniciativa privada.

O art. 4º da Lei nº 12.462/2011 (alterado pela Lei nº 12.980/2014), menciona em seu contexto
que serão observadas algumas disposições, entre elas, a diretriz de que as condições de
aquisição, de seguros, de garantias e de pagamento serão compatíveis com as práticas do
setor privado, inclusive mediante pagamento de remuneração variável.

Esta abertura é bastante distinta da exigência esculpida na Lei nº 8.666/1993, a qual apresenta
os parâmetros limites para a questão das garantias. Destacando que no ano de 2013 houve
uma movimentação por parte do Governo, no afã de alterar esta exigência passando dos 5%
para 30% tal percentual, porém, nada avançamos neste sentido e, a Lei Geral de Licitações
permaneceu inalterada e, o regramento do RDC avançou sem delimitar este limite a ser
exigido.

No RDC não existe a obrigatoriedade de contratação de garantia de execução e não regula as


suas condições, possibilitando assim, a exigência de condições diferenciadas nas garantias
como prazos, coberturas, reajustes, recomposições e, importância segurada.

Penso que esta abertura em tal exigência, vislumbra a intenção de transferir os riscos da não
execução de uma obra para as seguradoras, a partir dos impactos atribuídos as contratadas
desde a elaboração de suas propostas, as quais com muito planejamento necessitam avaliar
minuciosamente os projetos básicos e executivos (este não existente quando da contratação
sob a forma integrada), levantando riscos pertinentes a toda execução do objeto, exigindo
uma maior qualificação de suas equipes de técnicas, uma vez que este trabalho traria reflexos
259

diretamente conexos com a composição de sua proposta, bem como, na eventual contratação
do seguro.

Diante do necessário que vivenciamos, onde inúmeras obras públicas são paralisadas pelas
empreiteiras e, acabam refletindo em prejuízos diretos a Administração Pública, penso que
estes formatos das garantias exigidos atualmente não ofertam o resguardo principal almejado
pelo setor público. Estas práticas vivenciadas seguem uma parametrização adotada na década
de 90, distante da realidade atual, o que exige maior reflexão rumo a um processo de
modernização que possa assegurar a conclusão das obras públicas contratadas.

Entendo que não devemos atuar com amarras que versam sobre a possibilidade de
alcançarmos indenizações perante as seguradoras, mas sim, criarmos parâmetros que
assegurem que as obras contratadas efetivamente serão executadas em sua plenitude, onde,
mesmo que estes limiares possam encarecer os custos destas contratações, compreendo que a
segurança de lograrmos excito em nossas obras, justificam tal incremento orçamentário, que
certamente será bem menor, do que mantermos inúmeras obras paralisadas ou, ainda,
“relicitarmos” as mesmas, onde os custos se elevaram, sem sombra de dúvidas e, atestamos
este fato com base em duas contratações efetivadas no âmbito da UFSC, após longo período
de paralisação por conta da desistência das empresas vencedoras dos certames iniciais.

No bojo destas vivências que constatamos, defendo a aplicabilidade de seguros/garantias em


moldes ao “performance bond” utilizado nos Estados Unidos, o qual assegura a completa
execução das obras, contemplando uma cobertura de 100% do valor contratado, onde esta
exigência do percentual pudesse ser escalonada de acordo com o vulto do objeto, como por
exemplo:

Cobertura de 100% para obras com valores a partir de R$ 1.000.000,00;

Cobertura de 75% para obras acima de R$ 500.000,00;

Cobertura de 50% para obras até R$ 499.999,99.

Estes percentuais poderiam ser definidos a partir de levantamentos que apresentem dados
inerentes a etapa em que as obras geralmente são paralisadas, por exemplo.

Por fim, penso que precisamos transferir à efetiva responsabilidade as seguradoras, onde estas
sejam incumbidas de verificar a documentação, os riscos da empresa contratada, de atuarem
com práticas que possam consolidar o real o acompanhamento da execução das obras
asseguradas, assumindo assim, o efetivo seguro pela entrega da obra.

A UFSC adota o RDC desde quando e para que tipos de objetos? Quais foram os principais
resultados e experiências observados? Como é feita a capacitação dos servidores da UFSC
que operam o RDC?

Ricardo: Na UFSC, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas passou a ser utilizado a


partir do mês de setembro de 2013, para fins de contratar obras e serviços de engenharia.
Desde a implantação do RDC, a instituição deixou de contratar tais objetos por meio das
modalidades preconizadas pela Lei nº 8.666/1993, adotando assim, tal dispositivo como regra
260

para a realização destes certames licitatórios. O primeiro impacto com a adoção do RDC na
UFSC consiste na mudança cultural residente no eixo do processo licitatório, perpassando por
uma maior interação entre as diversas áreas administrativas que atuam frente às demandas
para a contratação destes objetos, representou também uma definição das atribuições
aplicáveis a cada esfera envolvida nestes processos, propiciou uma melhoria significante nas
etapas processuais e, motivou a padronização da documentação envolvida na constituição
destes processos.

No que tange a relevância do RDC no âmbito da Política Institucional de Licitação, resta


comprovada a celeridade processual alcançada, frente que o tempo médio de realização de
uma disputa por meio deste dispositivo compreende aproximadamente 52 dias, enquanto as
mesmas práticas por meio da Lei Geral de Licitações superavam os 123 dias de média.

A adoção do RDC na UFSC vislumbrou também uma nova cultura no âmbito dos licitantes,
onde passamos a obter um maior respeito destas empresas, um menor ingresso de recursos
administrativos e impugnações, onde desde setembro de 2013 até 31 de julho de 2017,
totalizamos o registro de 01 impugnação aos nossos editais, 03 recursos administrativos contra
os atos de julgamentos e, 01 demanda judicial impetrada, sendo todos estes, improcedentes
ao longo do montante de 44 certames já realizados utilizando o Regime Diferenciado de
Contratações Públicas.

Em relação à economicidade auferida com a implantação do RDC, ao longo do mesmo período


citado anteriormente, o valor compreende aproximadamente R$ 9.000.000,00 (nove milhões
de reais), o que representa uma economicidade média por certame, equivalente
aproximadamente 15% em relação ao valor estimado.

A capacitação dos servidores no que tange ao RDC consistiu na participação em 01 curso


realizado por dois servidores do DPL no ano de 2013 e, posteriormente, participamos com a
presença de 02 servidores do II Congresso Brasileiro sobre o RDC realizado no ano de 2014,
sendo que os conhecimentos obtidos nestes eventos foram multiplicados internamente nas
esferas das licitações e, de engenharia. Além disto, buscamos nos mantermos atualizados
participando de debates internos envolvendo a matéria, muitas leituras técnicas e troca de
experiências em grupos de estudos como, por exemplo, no NELCA – Núcleo de Apoio aos
Compradores Públicos, onde muito aprendemos com o compartilhamento de realidades
diversas, com experiências de outras instituições e, com o auxílio dos integrantes do grupo,
que não medem esforços neste processo de multiplicação de conhecimentos.

No ano de 2014 tivemos o privilégio de compartilharmos nossa prática com os colegas do


Instituto Federal Catarinense, uma oportunidade ímpar de crescermos e aprendermos ainda
mais sobre a temática e, posteriormente esta mesma prática se repetiu neste ano, quando a
convite do Fórum Nacional de Pró Reitores de Planejamento e Administração das Instituições
Federais de Ensino Superior, explanamos sobre a boa prática de gestão em que incorremos ao
adotarmos o RDC na UFSC, certamente estas oportunidades potencializam nosso processo de
capacitação, atualmente bastante limitado com a escassez dos recursos para investimento em
cursos de aperfeiçoamento/qualificação envolvendo nossas áreas de atuação.
261

Entendo que com base nos resultados auferidos na realidade da UFSC , o RDC superou as
expectativas que inicialmente prevíamos, superou as resistências de sua implantação e,
consegue fazer com que o ganho para a Administração, seja tanto em recursos financeiros,
como também em celeridade processual, cumprindo perfeitamente o papel com que foi
promulgado.

Certamente o RDC não veio para ser a solução plena de todos os problemas que enfrentamos
no âmbito da realização dos processos licitatórios, porém, potencializou muitas inovações em
torno desta matéria e, evidenciou que é possível sairmos da inércia e avançarmos rumo a um
novo serviço público, modernizando os atos da Administração Pública em prol da eficiência
almejada.

Sou um otimista deste Regime Diferenciado de Contratações e, agradeço imensamente a


oportunidade que nos fora concedida pela Gestão da UFSC, de implantarmos o RDC no
processo de contratação de obras e serviços de engenharia, pois os resultados mostram o
quão foi benéfica esta proposta apresentada em 2013 pelo colaborador Alfredo Kleper Chaves
Lavor (em cedência a UFSC pela Eletrosul), a qual, prontamente foi abraçada pelo grupo de
servidores do Departamento de Licitações (DPL), os quais com muito esforço e dedicação
colocaram em prática sob o prisma de proporcionar uma nova realidade no eixo destas
contratações e, assim, seguem trabalhando rotineiramente no processo do aprimoramento
contínuo de nossas rotinas.

Ricardo da Silveira Porto é Mestre em Administração Universitária pela Universidade Federal


de Santa Catarina (2017), possui especialização Lato Sensu em Administração, Gestão Pública e
Políticas Sociais pela Faculdade Dom Bosco (2010), graduado em Ciências Contábeis pela
Faculdade Barddal de Ciências Contábeis (2008), possui curso Técnico Contabilidade pela
Escola Técnica de Comércio de Santa Catarina (2004). Servidor Público Federal desde o ano de
2010, ocupante do cargo de Contador, pertencente ao quadro de Técnicos Administrativos em
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Áreas de atuação, Licitações
Públicas em geral, Regime Diferenciado de Contratações Pública (RDC), Contratos
Administrativos, Elaboração de Editais de Licitações, Elaboração de Termo de Referência,
Noções de Fiscalização de Contratos Administrativos, Formação de Pregoeiros e Equipes de
Apoio.

Ronaldo Corrêa é graduado em Logística pela Universidade Estácio de Sá e mestrando em


Administração Pública pela Universidade Federal de Sergipe. Servidor da Polícia Federal desde
2004, possui mais de 10 anos de experiência atuando com logística pública e atualmente é
gestor de viagens e coordenador de capacitações na Superintendência Regional da PF em
Sergipe. Na Enap, ministra os cursos de Elaboração de Editais para Aquisições no Setor Público,
Elaboração de Termos de Referência e Projetos Básicos para Contratação de Bens e Serviços
no Setor Público, Gestão e Fiscalização de Contratos e Fundamentos do Pregão. Atuou
também como moderador da Comunidade Compras Públicas dessa escola. Atua em eventos de
capacitação do Sistema de Concessão de Diárias e Passagens-SCDP junto ao Ministério do
Planejamento e demais órgãos federais. Desde 2010 é moderador da comunidade virtual de
práticas Nelca, com mais de 2500 compradores públicos cadastrados.
262

58. Entrevista com o Ministro Benjamin Zymler sobre licitações e contratos, 26/09/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor da Enap e Subprocurador-Geral Federal
da Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União Daniel Barral.

Recentemente, a Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 2, de 30/4/2008, foi revogada pela


Instrução Normativa nº 5, de 26/5/2017, tendo esta última atualizado a regulamentação do
procedimento de contratação de serviços. Na sua avaliação, a nova regra contribuirá para a
redução dos problemas apontados pelo TCU nos procedimentos licitatórios federais ou esses
problemas não estão necessariamente associados à instrução procedimental?

Ministro Zymler: Eu acho que a Instrução Normativa nº 5/2017, como qualquer outra norma,
não possui a capacidade de resolver, de per si, as situações com que nos defrontamos na vida
quotidiana. Assim sendo, a eficácia dessa IN dependerá da forma como ela será aplicada e só
poderá ser aferida à luz dos resultados concretos obtidos pela Administração Pública.

Cabe salientar que a Instrução Normativa nº 5/2017 replica em grande medida a antiga
Instrução Normativa nº 2, com as alterações promovidas pela Instrução Normativa nº 3. No
entanto, o corpo da nova norma apresenta uma redação mais didática e enxuta, além de um
conjunto de anexos bem interessantes, o que pode facilitar sua interpretação e aplicação.

Acrescento que, quando da elaboração da Instrução Normativa nº 5, o MPOG (atual MPDG)


levou em conta alguns acórdãos do TCU, por meio dos quais foi determinado o
estabelecimento de uma fase preliminar à licitação, denominada fase de planejamento, que
engloba os estudos preliminares, a gestão de riscos e a elaboração do termo de referência ou
do projeto básico.

A ideia da Gestão de Risco é relevante e demanda um processo de aprendizagem devido ao


seu caráter inovador. Aliás, cumpre lembrar que ela está sendo desenvolvida a partir de
seguidas decisões do TCU.

Outra questão relevante tratada na IN nº 5 diz respeito à responsabilidade subsidiária do


Estado. A nova norma adota um enfoque promissor, uma vez que flexibiliza a gestão dos
contratos, por exemplo, ao permitir o uso de uma conta vinculada ou prever a sistemática do
fato gerador.

Por outro lado, o problema fundamental permanece, uma vez que o Estado precisa replicar um
departamento de pessoal para verificar a vida funcional dos empregados da empresa
terceirizada.

A meu ver, o sucesso da nova IN dependerá em larga medida da atuação da Justiça do


Trabalho, da forma como ela avaliará a aplicação da Súmula 331 aos casos concretos em
conjunto com as regras introduzidas pelo novo dispositivo, que determina a análise da culpa
do Estado.
263

Considerando que a Justiça do Trabalho apresenta uma tendência inexorável para tutelar os
direitos dos hipossuficientes, não sei se a IN 5 vai provocar alguma transformação na
jurisprudência trabalhista.

O Acórdão nº 2.622/2015– Plenário é apontado como um dos principais motivos para a


edição da IN nº 5/2017. Este é um exemplo, dentre vários outros, de como as conclusões do
TCU são determinantes para a formulação (ou reformulação) de procedimentos internos ou
mesmo das políticas públicas federais. Na sua avaliação, o papel indutor exercido pelo TCU
sobre a Administração Pública Federal decorre do reconhecimento advindo da robustez de
suas análises e conclusões ou do receio de responsabilização por parte do gestor?

Ministro Zymler: Não tenho dúvidas de que o acatamento das deliberações do TCU decorre
tanto do reconhecimento da qualidade dos trabalhos do Tribunal quanto do receio da
aplicação de sanções. Quando a Corte de Contas realiza auditorias operacionais, de
desempenho ou governança, ela exercita o soft control, um controle por meio de
recomendações, sugestões. Nessas hipóteses, o receio da punição fica absoluta ou
razoavelmente mitigado.

O que garante a adesão dos gestores públicos às recomendações é o respeito que o TCU
angariou no período pós-Constituição. Nesse período, houve a percepção de que as nossas
análises são tecnicamente sustentáveis e visam à melhoria da Administração Pública, ao
atingimento das metas fixadas para a consecução dos objetivos das políticas públicas, à busca
pela otimização dos resultados, enfim, à satisfação dos anseios da sociedade.

Por outro lado, é inconteste que, em determinadas situações, em especial quando se trata da
apuração de possíveis atos ilegais, o medo da punição desempenha um papel relevante no
acatamento das nossas decisões.

Em síntese, as duas causas apontadas para o cumprimento das deliberações do TCU são
relevantes.

O Acórdão nº 2.622/2015 – Plenário, mencionado anteriormente, objetivou sistematizar


informações sobre o estágio da governança e da gestão das aquisições da Administração
Pública Federal (APF), tendo proposto a adoção de várias medidas corretivas. A APF possui
uma governança adequada de suas contratações? O que pode ser melhorado? Quais são os
próximos passos do TCU para contribuir para o robustecimento da governança da APF?

Ministro Zymler: Diferentemente do que ocorre em outras áreas, o Tribunal ainda não
desenvolveu um índice que meça o nível da governança das aquisições na Administração
Pública Federal.

O que a gente percebe nessa área de serviços é que alguns anos atrás, antes da IN nº 2, havia
um quadro terrível de absoluto descompasso, de falta de padronização de procedimentos, de
ausência de metodologias. A referida instrução normativa teve o mérito de uniformizar
métodos e rotinas.
264

É óbvio que a Administração Pública Federal é muito grande e, por via de consequência,
apresenta um quadro assimétrico. Existem zonas de grande qualificação e outras de baixa
qualificação.

Mas, como nós não temos essa medida objetiva, eu não poderia dar números exatos e
responder a essa pergunta de uma forma paramétrica.

Quais são as boas práticas identificadas pelo TCU que deveriam ser adotadas pela APF em
suas contratações públicas e ainda não o foram?

Ministro Zymler: Eu acho que as Instruções Normativas nº 2, nº 3 e nº 5 representam, na


prática, uma homenagem à jurisprudência do Tribunal, uma vez que elas foram redigidas com
base nas nossas recomendações e determinações. Nesse mesmo sentido, pode ser citada a IN
nº 4, relativa à tecnologia da informação.

Assim sendo, verifica-se que muitas boas práticas apontadas pela Corte de Contas foram
objeto de normatização, o que implica dizer que sua adoção se tornou compulsória.
Eu diria que é quase uma forma diferente de regulamentar leis a quatro mãos, sendo que o
órgão de controle exerce um papel heterodoxo no processo de buscar a regulamentação não
de forma ativa.

Em síntese, a regulamentação é elaborada pelo Ministério do Planejamento, que leva em


consideração a totalidade dos nossos entendimentos. Note-se que esse fenômeno se repete
quando da edição de alguns decretos.

O uso de soluções alternativas de conflitos por parte da Administração é uma realidade


normativa, mas ainda pouco utilizada na prática. Atualmente, seu uso é restrito a alguns
setores ou temas. Entretanto, em razão das recentes inovações legislativas, como por
exemplo o Código de Processo Civil, que incentivou a solução consensual de conflitos, a Lei
nº 13.140/2015, que dispôs sobre a auto composição de conflitos no âmbito da
administração pública, e o art. 31 da Lei nº 13.448/2017, que reafirmou a possibilidade de
submissão dos contratos de parceria à arbitragem, sua aplicação deve crescer de maneira
importante nos próximos anos. Como o TCU está se preparando para atuar neste novo
cenário, em que a Administração realizará um número substancial de acordos
administrativos?

Ministro Zymler: Eu acho que o TCU realmente vai chegar a um ponto de inflexão na sua
jurisprudência. Historicamente, o Tribunal tem sido muito conservador, não assimilando de
forma natural a solução dos conflitos dentro da Administração Pública ou com a Administração
Pública por meio da utilização de métodos alternativos.

Avalio que tal atitude se deva ao receio de colocar em risco, ainda que em tese, as nossas
competências. Em especial, pode-se temer a perda das prerrogativas do TCU para dispor,
265

disciplinar e resolver, de forma vinculante, disputas entre entes da Administração Pública ou


entre particulares e essa Administração.

Contudo, eu tenho que reconhecer que matérias complexas, como, por exemplo, as parcerias
público-privadas, as concessões, os contratos administrativos mais sofisticados ou algumas
questões financeiras contratuais, devem ser examinadas por quem detenha conhecimentos
muito específicos.

Nesse contexto, a judicialização de questões relativas a essas matérias pode não levar à
qualquer solução. Assim sendo, o Tribunal terá que concluir que os direitos obviamente
indisponíveis não podem ser delegados à arbitragem, mas a quantificação desses direitos pode
e deve ser definida por meio de mecanismos alternativos. Afinal, é razoável que a arbitragem,
a mediação ou outro desses mecanismos defina quanto o Estado tem que pagar a alguém ou
quanto alguém tem que pagar ao Estado, envolvendo ou não um encontro de contas.

O TCU ainda não possui uma posição sólida sobre essa questão, ela está sendo construída ao
longo do tempo, a partir da solução conferida aos casos concretos submetidos ao Tribunal.
Mas eu vejo enormes chances de que, no futuro, a Corte de Contas venha a permitir e até
incentivar a autocomposição, a mediação e a arbitragem.

Na sua avaliação, quais são os cuidados que a Administração Pública deve adotar nesta
transição do modelo legalista para o modelo consensual?

Ministro Zymler: Essa é uma excelente pergunta. A qualificação adequada do quadro de


servidores é talvez a medida mais importante. Afinal, a Administração Pública só deve
percorrer novos caminhos quando contar com servidores preparados para lidar com os riscos e
desafios associados a essas novas questões.

Assim sendo, a oferta de treinamentos e cursos de pós-graduação, a formação de grupos de


estudos e discussão técnica e a certificação dos especialistas que vão atuar nessa área é
fundamental para que essa transição ocorra da forma menos traumática possível.

Quando o TCU fiscaliza uma agência reguladora em sua atividade finalística, ele exerce uma
atividade fiscalizatória de segundo grau. Poderia explicar este conceito? Qual é a diferença
prática entre o controle da atuação finalística realizado no INCRA e aquele implementado na
ANATEL, por exemplo, segundo este critério?

Ministro Zymler: Entre as competências mais nobres das agências reguladoras, está a
fiscalização da prestação de serviços públicos ou de determinadas atividades consideradas
mais relevantes para a sociedade, na forma definida em lei. Ao exercitar essa competência, o
ente regulador pratica uma atividade fiscalizadora originária ou de primeiro grau, em
obediência a um comando legislativo que lhe conferiu esse poder/dever.
266

Nesse contexto, cabe ao TCU evitar adentrar na esfera da chamada competência técnica da
agência reguladora, sob pena de violar dispositivos legais.

Além disso, é sempre importante ressaltar que os entes reguladores possuem um corpo de
servidores preparado e especializado na matéria regulada, enquanto o Tribunal conta com um
corpo funcional formado, em sua maioria, por generalistas. Assim sendo, o TCU deve ter a
humildade de reconhecer que, muitas vezes, existe uma assimetria de informações e
conhecimentos entre a Corte e as agências.

Por outro lado, isso não significa que nós não possamos controlar todo tipo de atividade
operacional do Estado. Afinal, a competência para exercer esse controle foi outorgada ao TCU
pelo art. 71 da Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, nós exercemos uma fiscalização
de 2º grau, que é a fiscalização do fiscal, no âmbito da qual verificamos se a atuação da
agência observa os parâmetros técnicos, de legalidade e de conformidade.
Caso seja constatada alguma irregularidade, alguma ilegalidade, o TCU pode e deve
determinar sua correção. Contudo, se forem detectadas apenas divergências de entendimento
ou se for verificada a adoção de medidas discricionárias consideradas passíveis de
aprimoramento, o Tribunal deverá se pronunciar por meio de recomendações, que não
possuem caráter vinculante. Nessa hipótese, a Corte de Contas estará contribuindo para o
aprimoramento da Administração Pública, não coibindo a prática de atos ilegais.

Acrescento que muitos órgãos públicos, inclusive o Incra, que foi mencionado na pergunta,
fiscalizam de alguma forma as atividades desenvolvidas na sua área de atuação, uma vez que
eles possuem competências regulatórias.

Note-se que a regulação compreende tanto a fiscalização quanto a regulamentação da


prestação de serviço público ou do exercício de atividades econômicas por particulares.

É interessante observar que a regulação não está restrita à prestação de serviços públicos,
uma vez que várias atividades econômicas privadas são reguladas por agências, como é o caso
da Agência Nacional de Águas - ANA ou da Agência Nacional do Cinema - ANCINE.

Se entre as atividades executadas pelo INCRA, no âmbito da reforma agrária, estiver a


fiscalização de determinada atividade, caberá ao TCU exercer a fiscalização sobre o fiscal.
Pouco importa se essa fiscalização de 1º grau tiver por objeto a prestação de serviço público,
uma atividade de fomento ou submetida ao exercício do poder de polícia.

Em síntese, compete ao Tribunal fiscalizar o fiscal, com o cuidado de não invadir os espaços de
competência originários desse fiscal, principalmente quando ele exerce suas competências
discricionárias e adota suas opções dentro da lei.

Benjamin Zymler é Ministro do Tribunal de Contas da União desde 2001, onde ingressou no
cargo de Ministro-Substituto em 1998, por meio de concurso público de provas e títulos.
Ocupou o cargo de Presidente da Corte de Contas no biênio 2011/2012. Mestre em Direito e
267

Estado pela Universidade de Brasília – UnB, com vasta experiência em Direito Administrativo e
Direito Constitucional, graduado em Engenharia Elétrica pelo Instituto Militar de Engenharia –
IME e em Direito pela Universidade de Brasília – UnB, ministrou cursos e palestras em diversos
institutos, tais como Escola da Magistratura do Distrito Federal e Territórios, Escola da
Magistratura do Trabalho e Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios. Foi, também, professor do Centro Universitário de Brasília – UniCeub. É autor das
obras “Direito Administrativo e Controle”, “O Controle Externo das Concessões de Serviços
Públicos e das Parcerias Público-Privadas”, “Direito Administrativo”, “Política & Direito: uma
visão autopoiética”, “Processo Administrativo no Tribunal de Contas da União” e “Regime
Diferenciado de Contratação–RDC”, “Lei Anticorrupção – Lei nº 12.846/2013 –Uma Visão do
Controle Externo”.

Daniel Barral é Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU). Desde 2008, atua na
consultoria e assessoramento de gestores federais, auxiliando-os nos seus processos de
compras públicas. É especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp e
em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). É Subprocurador-Geral Federal da
Procuradoria-Geral Federal da Advocacia-Geral da União e Professor da Escola Nacional de
Administração Pública (ENAP).

59. Entrevista sobre indicadores em Compras Públicas com o professor Thiago Bergmann,
29/09/2017
• As perguntas foram elaboradas pelos professores Bruno Eduardo Martins e Fábio
Jacinto.

Olá Professor. O tema de indicadores é bastante delicado quando precisamos elabora-los


num processo de compras. Poderia nos explicar como demonstrar numa compra os
indicadores de resultados: eficácia, eficiência e efetividade?

Thiago: Antes de qualquer coisa, é importante delimitar que o gestor deve escolher bem os
indicadores que utilizará. Conheço vários casos em que indicadores são criados com o mero
intuito de satisfazer a necessidade de informar que existem, mas viram apenas uma burocracia
se cumprir, sem direcionarem nenhuma tomada de decisão. Isso é um tremendo erro!

Desse feito, acho importante conceituarmos os seguintes três tipos de indicadores:

Eficácia é a relação entre os resultados obtidos e os resultados pretendidos: fazer da melhor


maneira, isto é, atingir os resultados esperados.
Eficiência é relação entre os resultados obtidos e os recursos empregados: fazer da melhor
maneira utilizando a menor quantidade possível de recursos.
Efetividade: é fazer o que tem que ser feito, tendo capacidade de atingir objetivos, utilizando
bem os recursos disponíveis; capacidade de ser eficaz (objetivos) e eficiente (usar bem os
recursos) ao mesmo tempo; realizar a coisa certa para transformar a situação existente. Os
indicadores de efetividade avaliam o impacto;

Percebo uma tendência de focar nos indicadores de eficiência, pois conseguimos observar com
maior facilidade os recursos que são diretamente utilizados nas compras públicas: tempo,
268

pessoas, recursos financeiros, etc. É muito comum encontrarmos indicadores de tempo de


tramitação de processos. Isso já foi meta do CNJ e atualmente consta do planejamento
estratégico da Secretária de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
SEGES/MPDG. Da mesma forma, a CGU recentemente fez todo um estudo sobre a
economicidade do processo de compras com base na diferença entre a estimativa de custos e
o valor final após a realização do pregão. O problema desse tipo de indicador é que ele gera
um moral hazard (risco moral): sabendo da avaliação, as estimativas iniciais podem ser infladas
pelas áreas para não correr o risco de ter uma redução muito pequena do custo final frente ao
estimado. Isso traduz um problema mais amplo dos indicadores de eficiência: eles transmitem
pouco a qualidade do que está sendo realizado.
Já no caso dos indicadores de eficácia, são raros os exemplos concretos. Tivemos uma palestra
nesse sentido na ENAP com um professor da George Washington University e ele abordou esse
ponto. De forma bem humorada, ele contou que pouco importa você fazer a compra toda
regular, com o preço mais barato já pago e no menor tempo possível se a satisfação do usuário
não for atendida. A coisa mais simples, que é a satisfação do usuário, é completamente
ignorada. Vemos que uma prática tão comum no setor privado não foi incorporada no setor
público. Em toda compra que realizamos na internet, ou em toda revisão numa concessionária,
recebemos um formulário para responder sobre a satisfação como cliente. Acredito que esse
tipo de indicador é muito mais importante.
Os indicadores de efetividade poderiam demonstrar se os impactos da velocidade das compras
ou de um pagamento maior (por exemplo, decorrente de uma especificação mais robusta
quanto à qualidade) melhoraram a satisfação do usuário, gerando inputs para a tomada de
decisão de futuras contratações.

Na sua opinião, qual o indicador mais difícil de ser mensurado?

Thiago: Essa pergunta é bastante interessante e vou investir um tempo nessa resposta. Como
disse anteriormente, existem vários exemplos de indicadores de tempo do processo de
compras. Eu não acho que seja um indicador útil se não for qualificado. Como vou comparar o
tempo de um pregão de compra de lápis, caneta e borracha com a compra de equipamentos
de biometria? Ademais, ainda temos casos de pregões com vários itens que tendem a demorar
mais do que pregões com poucos itens, sendo que para o órgão é menos trabalhoso ter
poucos pregões.
Logo, para ser um direcionador da atuação do gestor, é necessário agrupar os objetos por
similaridade. O que permitiria estudar, por exemplo, o ponto ótimo do agrupamento de itens
dentro de determinado objeto.
Evoluindo nesse ponto, percebo que usar esse indicador isoladamente em um órgão não
explora toda a potencialidade. O ideal seria que tivemos esses estudos centralizados, um IBGE
das compras públicas, que pudessem estabelecer padrões e coletar dados para divulgar os
indicadores e fornecer fonte segura de informações para os gestores públicos. Talvez o ideal
seria a ENAP ou a CGU assumir essa tarefa. O laborioso colega Franklin Brasil tem ideias muitos
interessantes nessa linha.
Essa padronização é importantíssima. Ilustro: certo órgão, para apurar o indicador de prazo
para realizar os pregões, acresceu as compras feitas por adesão às atas de registro de preços
de outros órgãos por entender que essas substituem os pregões que seriam realizados pelo
próprio órgão.
269

Um outro indicador bem complicado é o de economicidade das compras. Não raro os estudos
tratam a diferença entre o valor estimado e o valor final do pregão como uma medida de
sucesso da licitação. Enquanto isso seria válido no caso da pesquisa de preços ter sido
realizada com propostas de fornecedores, esse número é totalmente esquizofrênico se a
pesquisa foi feita com preços praticados em outros órgãos, ou seja, uma diferença muito
grande denotaria não um sucesso, mas um fracasso da pesquisa de preços. De novo, mais um
qualificador necessário no indicador, que seria melhor tratado numa avaliação
multiorganizacional do que isoladamente.
Acrescento ainda o indicador de custos do processo de compras. Pude conhecer um excelente
estudo disponibilizado pela professora Cecília Costa da PR-DF que, considerando o esforço
temporal de cada etapa da compra, calcula o custo do processo. Como esse custo é
fortemente influenciado pela folha de pagamentos, o que me indica que comprar caneta no
Senado seja mais caro que no Ministério do Planejamento do que no Poder Judiciário ainda
que os tempos de tramitação sejam os mesmos? No caso, eu prefiro imaginar que o
orçamento total do órgão foi dividido nos seus macroprocessos, compras sendo um deles, e
apurar qual percentual do orçamento é aplicado em cada atividade.

Muitas vezes ao descrever o objeto de licitação vejo que há dificuldade na descrição da


qualidade do objeto, como exemplo descrever a caneta “Bic”. Sempre digo que basta pensar
no que a caneta faz, escrever. Podemos utilizar esses parâmetros de indicadores para
descrição da qualidade do objeto?

Thiago: Essa pergunta é excelente. Sem adentrar em outra discussão super relevante que é a
pré-qualificação de marcas, entendo que esses indicadores de qualidade podem ser aplicados
sim. Um exemplo bem trivial é a compra de café. É raro eu encontrar um órgão que esteja
satisfeito com a sua compra de café e continuamos comprando café da mesma forma.

Enfatizo que para gerar uma legitimidade no atual modelo de compras, fortemente
descentralizado, poder-se-ia realizar uma ampla pesquisa de marcas indicadas pelos “usuários”
da compra em múltiplos órgãos ou ainda uma avaliação da qualidade dos produtos entregues.
Note que esse conceito não tem nada de novo. No estudo do marketing, sabemos bem que
produtos que não têm qualidade e serviços que não se preocupam com a satisfação do usuário
não sobrevivem no mercado concorrencial. Porém, continuamos a permitir a sobrevida ou a
desova desses produtos no setor público quando não adotamos essas práticas.

Entre os temas debatidos atualmente no âmbito das compras públicas está a Qualidade do
Gasto Público. Se você tivesse que construir um indicador para verificar a "qualidade do
gasto” de determinada contratação, se for possível, quais seriam os parâmetros que você
consideraria para construção desse indicador?

Thiago: Essa discussão é instigante. Muitas vezes temos a tendência de firmar um indicador
mais fácil de apurar, mas que não reflete a realidade do gasto público realmente. Exemplo:
Tenho objetivo que toda criança tenha livro didático para um programa educacional. Poderia
definir indicadores de quantidade de livros comprados ou quantidade de criança sem livro,
mas não avaliamos o impacto dessa aquisição na educação das crianças.
270

Nas contratações diretamente ligadas ao Planejamento Estratégico, essa observação é mais


fácil. Exemplo: A Justiça Eleitoral tem um parque de 530 mil urnas. Obviamente, a reposição
por obsolescência é feita de forma escalonada. Posso acompanhar, de cada modelo de urna,
como se comporta o índice de quebra ou a necessidade de substituição durante a votação ou
realização de eleição em urna de lona e tomar a decisão quanto à necessidade de contratação
de serviços de manutenção ou reposição das urnas. Ou seja, se o meu objetivo é realizar a
eleição de forma célere e com segurança, preciso das urnas funcionando nas votações. Um
aumento do índice de quebras me demonstraria que as contratações de manutenção e
compra não foram bem realizadas.

Nas contratações de suporte, essa aferição é mais complexa, mas ainda assim possível.
Inicialmente deve-se ter clareza do objetivo daquela contratação. Exemplo: ao efetuar a
contratação de determinado mobiliário, o tempo de reposição foi alterado? O índice de quebra
foi menor?

Obviamente, esse acompanhamento deve ser de longo prazo. A estrutura de governança pode
definir como estudos seriam realizados e até conjugados para a melhoria de qualidade, num
esforço transorganizacional.

Um indicador utilizado como exemplo no livro Transformando o Sistemas de Indicadores


(2015), da Fundação Nacional da Qualidade é o IDF (Índice de Desempenho dos
Fornecedores). Em tese esse índice seria calculado pela razão entre lotes de produtos aceitos
e lotes de produtos entregues deduzindo cinco pontos para cada não conformidade. Tendo
apenas como exemplo o referido indicador; considerando os princípios da administração
pública e as restrições técnico-legais um índice de desempenho de fornecedores (IDF) seria
aplicável ao contexto da Administração Pública Brasileira e como um órgão ou entidade
poderia se beneficiar desse tipo de indicador?

Thiago: Entendo que sim, mas não de forma direta. Outra prática da iniciativa que não
adotamos fortemente nas contratações públicas é desenvolver nossa cadeia de fornecedores.
Notamos que uma indústria automobilística, uma montadora seleciona e desenvolve seus
fornecedores de freios ou suspensão, cobrando destes resultados e qualidade. Enquanto o
serviço público não é uma atividade industrial, mesmo o setor de serviços precisa de insumos
para execução. Escolas, por exemplo, credenciam malharias para fornecer seus uniformes.

Diante desse contexto, entendo que a solução seria utilizar mais fortemente a solução do
credenciamento. Gosto de pensar na licitação de forma holística e dividir em duas grandes
decisões: quem vai me fornecer e quanto eu vou pagar, vez que a decisão do que eu vou
receber já foi tomada no planejamento da contratação.

Na escolha do fornecedor, se meu objetivo é desenvolvê-los, não vejo proveito em escolher


um, se eu posso escolher todos. Especialmente quando eu dou apenas 8 dias úteis para ele se
preparar. Houve uma banalização do conceito de bem comum, o que não acho errado, mas
não foram escalonados concomitantemente os prazos de publicação do edital.
271

Por isso, poder-se-ia manter as especificações permanentemente divulgadas, como uma


espécie de catálogo, bem como as condições de participação ou fornecimento. Um breve
parêntese: reflita como é difícil para um fornecedor acompanhar as especificações de toda a
administração pública quando o CATMAT é ignorado e os órgãos se vinculam única e
exclusivamente pelos editais.

Em suma, acho que a administração não conseguiria utilizar de forma ampla esse indicador de
desempenho de fornecedor, mas poderia adotar mais fortemente o mecanismo de
credenciamento como medida de desenvolver a divulgação àqueles que querem vender para o
setor público, uma vez que as condições seriam transparentes e com regras bem definidas.

Sabe-se que muitos problemas na qualidade de produtos ou serviços contratados decorrem


da gestão e fiscalização ineficiente do contrato; nesse sentido, quais seriam os parâmetros
importantes, que auxiliariam na construção de indicadores que para avaliar se determinado
órgão faz ou não uma boa gestão de seus contratos?

Thiago: Na minha opinião, o indicador mais importante é se a necessidade do destinatário do


objeto desse contrato foi atendida com qualidade. Os contratos que utilizam o Instrumento de
Medição de Resultados (IMR), recém-criado pela IN 05/2017 SEGES/MPDG, já têm essa lógica
apesar da maioria dos órgãos assumir indicadores de eficácia como tempo de atendimento de
demanda ou disponibilidade do serviço.

Hoje um tema bastante debatido são as Compras Governamentais Sustentáveis. Você


acredita que os indicadores de sustentabilidade utilizados em organizações privadas podem
também ser utilizados por órgãos e entidades do Governo, ou há alguma ressalva sobre o
tema?

Thiago: Entendo que é possível a utilização desses indicadores mas é preciso fazer algumas
ressalvas. Inicialmente, são poucos os estudos acadêmicos e reconhecidos em muitas das
áreas da sustentabilidade. Por exemplo: como se calcula a economia da instalação de usina
fotovoltaica? Qual o consumo de água nas cadeias produtivas dos bens e serviços que
utilizamos? Entendo que a administração poderia formar parceria com as universidades para
fomentar pesquisas nesse sentido. Outro ponto controverso é a acreditação das entidades que
elaboram esses índices. O setor público tem mais facilidade em aceitar avaliações feitas pelo
Inmetro mas dificuldade em avaliar outros casos. Nesse sentido, defendo que o primeiro passo
é criar regras para essa acreditação/certificação das questões ligadas à sustentabilidade bem
como apoiar ações de autorregulação do setor, como vêm sendo defendido, por exemplo, para
os fundos de pensão pela ABRAPP.
272

Sabe-se que os indicadores se prestam para diversos fins, entre eles a tomada de decisão.
Que tipo de indicador você acha que ajudaria o gestor a pensar sobre terceirizar ou não
determinada atividade?

Thiago: Essa pergunta está bem alinhada com a recomendação do TCU no sentido que os
órgãos devam definir sua estratégia de terceirização, no âmbito da governança das aquisições.

Em sentido amplo, se as variáveis dos custos de pessoal tiverem o mesmo valor (salário,
benefícios, etc), terceirizar será mais caro pois, via de regra, além desses custos, remunera-se
os custos administrativos e de capital da empresa. Logo, a terceirização deve ser vista como
medida de mitigação de riscos de descontinuidade do serviço e busca de eficiência, nos termos
de Ronald Coase (1937) diria que prevê a decisão de terceirizar sempre, a menos que os custos
transacionais/administrativos sejam muito elevados. Tipo: supervisionar o resultado de um
terceirizado frente a contratar um empregado internamente.

Inicialmente, vamos separar a conversa da terceirização de atividades com dedicação exclusiva


de mão de obra das demais terceirizações. No primeiro caso, é importante contextualizar que
a ideia de terceirizar vem de muito tempo, com o enfoque que a administração deve
concentrar recursos nas suas atividades finalísticas. Enquanto isso é válido em contratações de
serviços de limpeza e vigilância, essa visão fica embaçada quando estudos a terceirização nos
órgãos. Por exemplo, no STF, os cargos efetivos são divididos em cerca de 20 especialidades
enquanto os terceiros são alocados em 108 especialidades diferentes. Logo, inegável que parte
dessa força de trabalho substitui a atuação de servidores em serviços menos “nobres” com
vistas a produzir ganhos de produtividade. Esse ponto precisa ser revisitado periodicamente
para aferir se essa estratégia de terceirização contínua válida. Mesmo com a implantação de
sistemas de tramitação de processos, como o Pje e o SEI, continuamos a ver os órgãos com
contratações de serviços de mensageria. Ou ainda com a entrada de novos servidores nos
órgãos, vemos a contratação de terceiros para serviços de apoio administrativo com atividades
descritas como elaboração documentos em softwares editores de texto, criar planilhas
eletrônicas ou fazer buscar na internet, atividades que fazem parte do dia a dia de qualquer
servidor atualmente.

O contraponto nesse sentido é o engessamento causado pelo concurso público. Definimos no


momento de entrada o que o servidor vai fazer os próximos 30 anos. Eventualmente, a
necessidade pode ser alterada, como aconteceu, por exemplo, nos casos de taquígrafos. Logo,
essa estratégia de terceirização é influenciada pela maneira que os cargos efetivos são
providos, levando que as novas demandas de serviços técnicos sejam atendidas por
terceirização (mais fácil) do que por provimento de cargos efetivos (mais difícil). Diante desse
quadro, uma melhoria nesses mecanismos de ingresso pode permitir que a entrada ocorra em
cargo amplo e que as demandas sejam atendidas como solução de gestão de pessoas,
fortalecendo as escolas de governo.

Diante desse contexto, o gestor deve considerar: qual o nível de disponibilidade que almeja da
prestação de serviços? As premissas que justificaram a terceirização continuam válidas?
Existem atividades que poderiam ser absorvidas, ainda que com mudanças da forma de
execução, pelos servidores a partir do desenvolvimento de novas competências ou mudanças
das rotinas de trabalho? Qual o custo administrativo que eu teria para administrar o contrato?
273

Na terceirização sem a dedicação exclusiva de mão de obra, buscamos alocar recursos


temporariamente ou aproveitar a expertise da empresa como acontece em contratações de
call center, fábricas de software ou serviços de logística. Esses modelos, via de regra, serão
mais eficientes que a execução direta ou com dedicação exclusiva nos casos de baixa ou média
necessidade de disponibilidade. Logo, esse deve ser o indicador avaliado pelo gestor: Qual o
nível de disponibilidade que necessito dos serviços?

Uma técnica muito utilizada por organizações não governamentais é o benchmarking. Ele
pode ser utilizado para diversos propósitos. Entre eles comparar o desempenho com outras
organizações e até governos com objetivo de aprimorar processos e produtos e resultados.
Como exemplo temos indicadores das Nações Unidas que comparam países. Do ponto de
vista prático, você acha que a criação desse tipo de indicadores padronizados (genéricos),
que fossem aplicáveis para todas as unidades de compras e que permitissem a comparação
entre essas unidades seria viável na Administração Pública Federal Brasileira?

Thiago, excelente pergunta. Respondo com um grande: SIM! Temos uma dificuldade enorme
em fazer esse tipo de avaliação. Um caso de sucesso, na minha opinião, é o relatório Justiça
em Números do CNJ. Ali, existe um diagnóstico muito bem feito e padronizado do Poder
Judiciário Brasileiro. Da mesma forma, o Departamento de Pesquisas Judiciárias tem
excelentes pesquisas publicadas que carecem que os gestores as conheçam, estudem e
apliquem os cenários ali indicados. Não existe a necessidade de querer se reinventar, se
propor novos cenários, a cada mudança de gestão, sem levar em conta as avaliações já
realizadas, o que causa um grande impacto nas áreas de compras.

Delineado esse contexto e em linha com a resposta da pergunta anterior, essa padronização é
essencial para que o desempenho possa ser medido e que as decisões sejam tomadas a partir
dele. Esse é um grande problema do nosso setor público: não “punimos” ou premiamos os
gestores em relação ao atingimento das metas estabelecidas (acredito que já superamos a fase
da inexistência das metas).

Essa padronização deve considerar as particularidades já mencionadas aqui como a


característica do objeto e a sua recorrência e, no segundo momento, permitir a tomada de
decisões.

Existem muitas tentativas de se monitorar e avaliar o desempenho na administração pública,


desde o desempenho de políticas públicas até o desempenho do servidor público (vide PL
116). Nesse sentido, você acredita que um sistema de medição de desempenho para as
compras governamentais seria capaz de proporcionar mudanças significativas na forma de
determinado órgão ou entidade contratar? Quais seriam?

Thiago: Antes de definir os indicadores, precisamos ter diretrizes claras dos modelos de
contratação. Não posso comparar a contratações diferentes mesmo que o objeto pareça
274

semelhante. Um órgão compra vacina de gripe para distribuir e aplicar nos municípios do
Amazonas é diferente que comprar vacina para aplicar em um órgão do mesmo estado.

Logo, vejo os cadernos de logística como boas ferramentas de apresentação dos modelos,
vantagens e diretrizes para cada um e dos indicadores de avaliação. Assim, órgão com
modelos semelhantes poderiam validar seu desempenho.

Ou seja, esse conjunto de modelos e respectivas vantagens, diretrizes e indicadores que


podem ajudar a promover mudanças em buscas de contratações mais eficientes.

Thiago Bergmann é Mestre em Administração, bacharel em Ciências Contábeis e licenciado em


Matemática pela Universidade de Brasília (UnB). Ocupa o cargo de Analista Judiciário no
Tribunal Superior Eleitoral, com atuação nas áreas de auditoria e de licitações e contratos.
Professor na Enap e em empresas privadas de capacitação, também tem experiência na
educação básica e superior, nas modalidades presencial e a distância.

Bruno Eduardo Martins é Bacharel em Administração pela Universidade de Brasília e


Especialista em Gestão de Projetos – PMI. Servidor público no Superior Tribunal Militar,
Consultor de Administração e Professor, tem experiência no segmento de Gestão, atuou 5
anos na execução orçamentária e financeira, passando a atuar mais 5 anos no Controle Interno
do STM como Auditor e um ano e meio como Supervisor do Serviço Médico do Tribunal.
Atualmente auxilia a Gestão da Coordenação de Serviços de Saúde do STM, presta consultorias
a Micro e Pequenas Empresas e atua como Professor colaborador na ENAP, Professor de Pós-
graduação no IMP, Professor de Concurso Público no Grancursos Online e Professor em
empresas do setor privado que realizam capacitações aos servidores públicos.

Fábio Jacinto Barreto de Souza é Doutorando em Administração Pública e Políticas Públicas


(PPGA/FACE/UNB), mestre em Administração pela Universidade de Brasília (UNB), MBA em
Gestão Estratégica da Tecnologia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e
graduação em Administração pela Universidade Católica de Brasília (UCB). É Administrador da
Advocacia-Geral da União, professor substituto e pesquisador na Universidade de Brasília
(UNB/FACE/ADM) e Coordenador Adjunto do Curso de Gestão Pública Centro Universitário de
Brasília (UniCeub).

60. Entrevista com o professor Ronny Charles Lopes de Torres sobre Contratação Direta na
Administração Pública, 03/10/2017
As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Evaldo Araujo Ramos.

Segundo o painel de compras do governo federal, disponível no endereço eletrônico


www.paineldecompras.planejamento.gov.br, as contrações diretas corresponderam, no ano
de 2016, a aproximadamente 60% (sessenta por cento) do valor total aplicado nos processos
de compras do Poder Executivo Federal, dos quais mais da metade foi destinado a contratos
por inexigibilidade de licitação. Este volume gasto em contratos de inexigibilidade poderia
ser considerado excessivo em comparação com o montante direcionado aos processos
licitatórios?
275

Ronny: É um número interessante, sobretudo quando confrontado com a premissa de que, via
de regra, deve-se licitar. As chamadas contratações diretas representam a exceção à
obrigatoriedade de licitar. É necessária certa reflexão, quando se constata que a exceção tem
sobrepujado a regra.

Nada obstante, não parece possível definir esse percentual, desde já, como excessivo. A
referência utilizada foi o valor da contratação; é possível que determinadas contratações
diretas, pelo grande volume de recursos envolvidos, tenham impactado relevantemente neste
percentual. Isso pode ser identificado, sobretudo, em contratos por inexigibilidade, pois estes,
devido à expertise envolvida e à complexidade da contratação, podem envolver valores
vultosos em um único contrato.

A contratação de serviços advocatícios por parte da Administração Pública deve ser


promovida exclusivamente com fundamento no art. 25, inciso II, da Lei n.º 8.666/1993?

Ronny: Creio que não exclusivamente. Em princípio, os serviços advocatícios, quando não
prestados pelo órgão de advocacia pública, podem ser contratados mediante licitação (uma
concorrência, por exemplo) ou mediante procedimento de contratação direta. Em relação a
esta última, é comum identificar-se a contratação direta de serviços advocatícios, com
fundamento no inciso II do artigo 25 da Lei nº 8.666/93.

Neste caso, contudo, além da inviabilidade de competição, característica ínsita às hipóteses de


inexigibilidade, são necessários ao menos três requisitos: tratar-se de serviço técnico
profissional especializado (rol identificado no artigo 13); referir-se à contratação de
profissional ou empresa de notória especialização; além da natureza singular do serviço.

É importante anotar que a notória especialização envolve elemento subjetivo, já que se refere
a uma característica do particular contratado, conquanto a singularidade envolve elemento
objetivo, sendo característica diferenciadora do objeto.

No que se refere à contratação de profissional do setor artístico, o requisito legal de que o


contrato deve ser firmado diretamente com o artista ou por intermédio de empresário
exclusivo impede que a contratação seja realizada com representante detentor dos direitos
sobre as apresentações/shows somente para algumas datas específicas?

Ronny: A inexigibilidade deve ser compreendida em razão de sua característica matriz, a


inviabilidade do procedimento de competição. Assim, o pressuposto para que um profissional
do setor artístico seja contratado, através da inexigibilidade licitatória, é a inviabilidade de se
realizar uma escolha minimamente objetiva, pela constatação de que um artista realmente
consagrado pela opinião pública não se submeteria a um certame para sua contratação.
Quando a contratação, por inexigibilidade, de profissional do setor artístico se der por meio de
intermediário, deve-se exigir a comprovação da existência de contrato de exclusividade entre
o empresário contratado e o artista, sendo insuficiente documento de exclusividade apenas
276

para o dia da apresentação e restrita à localidade do evento, já que isto poderia mascarar um
embuste à obrigatoriedade de licitar.

O credenciamento como espécie de inexigibilidade de licitação exige, em tese, que os preços


sejam previamente fixados pela Administração? O credenciamento das companhias aéreas
realizado pelo Ministério do Planejamento seria uma exceção à regra?

Ronny: É comum identificar-se o credenciamento como uma hipótese de inexigibilidade.


Preferimos compreender o credenciamento como um procedimento auxiliar.
Em síntese, na nossa opinião, o credenciamento não é uma hipótese de inexigibilidade, mas
um procedimento auxiliar necessário para ulteriores contratações diretas, por inexigibilidade,
em relação a pretensões contratuais para as quais atenda ao interesse público a oportunidade
de contratação de todos os fornecedores interessados e aptos para a contratação.
A ausência de regulamentação específica sobre o credenciamento permitiu que alguns
requisitos fossem criados pela doutrina ou jurisprudência; contudo, a prática administrativa
tem produzido inflexões em “dogmas” outrora postos. Um deles, muito bem lembrado na sua
pergunta, relaciona-se à fixação prévia de preços.
Recentemente, ao elaborar o credenciamento das companhias aéreas, o Ministério do
Planejamento permitiu variação do valor da tarifa. Conforme o novo modelo, no
credenciamento para a aquisição de passagens aéreas, o preço (pagamento ao fornecedor) é
definido de acordo com os valores praticados pela empresa, no momento da contratação,
respeitando critérios de escolha e de pagamento definidos previamente.
Embora possa ser indicada como uma exceção, parece-nos que a opção adotada estabeleceu
um critério mais interessante para aquele tipo de contratação, que a fixação prévia de valores.
O credenciamento é um procedimento auxiliar muito interessante, que pode apresentar ainda
novas evoluções, para o melhor atendimento ao interesse público.

A responsabilização do agente público pela prática da conduta descrita no art. 89 da Lei n.º
8.666/1993 depende da ocorrência de efetivo dano à Administração ou bastaria a
demonstração do descumprimento às regras legalmente prescritas para a realização da
contratação direta?

Ronny: Entendemos que não depende de efetivo dano. Não há essa vinculação no tipo penal e
trata-se de delito de mera conduta. O legislador foi rigoroso, imputando como prática
criminosa até o descumprimento das formalidades pertinentes. Acreditamos, no entanto, que
como qualquer norma penal, devem ser utilizados critérios razoáveis de imputação, de forma a
impedir a aplicação desproporcional dos rigores da lei.

Supondo que a Administração de um certo município brasileiro esteja pretendendo


contratar um cantor consagrado pela opinião pública para fazer uma apresentação durante a
277

festa do dia 31/12, como poderia ser justificado o preço? Há mecanismo de comparabilidade
idôneo neste caso?

Ronny: Nesse caso, um parâmetro adequado pode ser o preço praticado pelo mesmo cantor,
em eventos similares.

Importante perceber que o preço não precisa ser o mesmo. Diversos fatores podem afetar a
oferta do profissional (data da apresentação, tempo de deslocamento, demanda atual do
artista, entre outros). O fundamental é evitar desvirtuamentos comumente identificados, em
que são estabelecidos preços astronômicos, os quais, na verdade, mascaram toda uma rede de
distribuição ilegítima da receita pública paga.

De qualquer forma, embora tenha particular rejeição a regras inflexíveis em relação às formas
de comparação do valor, é fundamental entender que o preço precisa ser justificado, assim
como a escolha do artista indicado (fornecedor). Estas justificativas, inclusivo, não sendo
razoáveis, podem ensejar a atuação do controle.

Nos processos de inexigibilidade de licitação, há obrigatoriedade de submeter os autos à


prévia aprovação da assessoria jurídica?

Ronny: O Parágrafo único do artigo 38 da Lei nº 8.666/93 faz remissão à aprovação das
minutas. Em princípio, se há uma minuta contratual, haveria a necessidade da aprovação
jurídica. Trata-se de um parecer de natureza obrigatória, porém não vinculante.

Na hipótese em que o valor da contratação por inexigibilidade encontra-se abaixo do limite


fixado no art. 24, inciso II, da Lei n.º 8.666/93, há necessidade de envio do processo à
autoridade superior para ratificação e publicação do ato?

Ronny: A Advocacia-Geral da União, em Orientação Normativa que merece elogios, a de nº 34,


firmou o correto raciocínio de que as hipóteses de inexigibilidade, e mesmo as dispensas de
licitação indicadas nos incisos III e seguintes do art. 24, cujos valores não ultrapassem os
fixados para as dispensas de pequeno valor (incisos I e II do art. 24), dispensam a publicação na
imprensa oficial do ato autorizativo pela autoridade superior a contratação direta, em virtude
dos princípios da economicidade e eficiência.

O curioso é que a ON ressalva apenas a publicação do ato autorizativo, mas não o ato em si.
Assim, em princípio, a publicação não seria necessária, mas a análise e autorização pela
autoridade superior, sim.

É possível dispensar a comprovação de regularidade fiscal da empresa que explora uma


determinada atividade em regime de exclusividade, como, por exemplo, telefonia fixa em
determinadas regiões?

Ronny: Já defendemos essa tese há anos, nos livros e nas aulas! É fundamental perceber que
os requisitos de habilitação são exigências relativas, que podem ser afastadas se não cumprem
sua função, de garantir uma boa contratação.
278

O que dizer então, em uma hipótese na qual o prestador de serviços, o único, possui alguma
pendência fiscal? Ou então em uma alienação, em que o arrematante que ofertou o maior
preço possui pendência fiscal em relação ao seu IPTU? Parece-nos evidente que exigir o
cumprimento da regularidade fiscal poderia gerar uma disfunção na aplicação da norma,
fazendo com que ela prejudicasse o interesse público contratual, ao invés de protegê-lo.
Enfim, a regularidade fiscal é um requisito de exigência relativa, que pode ser afastado,
quando esta for a melhor opção.

Dogmaticamente, a dificuldade maior se daria em relação à regularidade com a seguridade


social, por expressa restrição criada pela constituição, no §3º de seu artigo 195.

De qualquer forma, entendo que na hipótese narrada em sua pergunta, sem dúvida, poderia
ser afastada a exigência de regularidade fiscal, para resguardar o próprio interesse público
contratual envolvido.

A Lei das estatais avançou em relação a isto, retirando a previsão de exigência genérica deste
requisito de habilitação, denominado regularidade fiscal pela Lei nº 8.666/93.

Quais as principais cautelas devem ser adotadas pelos agentes públicos que trabalham com
processos de contratação direta, sobretudo em contratos de inexigibilidade?

Ronny: As hipóteses de inexigibilidade se justificam quando há inviabilidade de competição.


Bom lembrar que a competição inviável, para fins de aplicação da hipótese de inexigibilidade
licitatória, não se identifica, apenas, nas situações em que é impossível haver competição, mas
também naquelas em que esta é inútil ou prejudicial ao atendimento da pretensão contratual,
algo identificado em alguns serviços técnicos especializados, por exemplo.

É fundamental que o gestor apresente justificativa para a contratação direta, nas hipóteses de
inexigibilidade, deixando claro seu principal elemento caracterizador, que é a inviabilidade de
competição, demonstrando a razoabilidade do preço estipulado e justificando a escolha do
fornecedor, além do cumprimento das formalidades exigidas pela legislação ou requisitos
específicos da hipótese de contratação direta, como, por exemplo, a singularidade do serviço e
notória especialização do fornecedor, na contratação, por inexigibilidade, dos serviços técnicos
especializados.

Ronny Charles Lopes de Torres é Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em


Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas.
Membro do Grupo de confecção dos editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara
Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Membro do corpo editorial da
Revista da Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério
do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência
Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da
União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas
comentadas (7ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (6ª Edição. Coleção
Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (6ª Edição. Ed. Jus
Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a
279

liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Ed. Jus Podivm). Autor
da coluna mensal “Direito & Política” da Revista Negócios Públicos.

Evaldo Araujo Ramos possui graduação em Administração pela Universidade de Brasília (2004)
e graduação em Direito pela Universidade Católica de Brasília (2009). Iniciou em 2017 um MBA
em licitações e contratos administrativos. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em
Direito Administrativo. Já exerceu os cargos de técnico judiciário no Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios e de analista de finanças e controle na Controladoria-Geral da
União. Atualmente ocupa o cargo de auditor federal de controle externo no Tribunal de Contas
da União, onde desempenha as funções de pregoeiro, leiloeiro e presidente das comissões
especiais de licitação. Possui vasta experiência na área de licitações, com ênfase para o pregão
eletrônico.

61. Entrevista sobre certificação em Compras Públicas com a Diretora do e Presidenta da


Rede Interamericana de Compras Governamentais, Trinidad Inostroza, 10/10/2017
• As perguntas foram elaboradas pelos professores da ENAP Ronaldo Correa e Franklin
Brasil.

En Brasil hay una percepción de que las leyes que regulan las compras públicas fueron
elaboradas con foco en procedimientos burocráticos detallados, con poco espacio para
actuación de los agentes compradores, posiblemente en la búsqueda de reducir la
corrupción. Pero esto no parece haber surtido efectos positivos, considerando los escándalos
recurrentes de fraudes y desvíos. También no ayudó a reducir el desperdicio y la ineficiencia.
Esta evaluación parece válida para muchos países de la región. ¿Ahora sería el momento de
revisar estas directrices? ¿Invertir en la profesionalización de los compradores y su
capacidad para tomar decisiones estratégicas, con mayor flexibilidad para encontrar
soluciones ante los problemas de la logística gubernamental?

Trinidad: La contratación pública impacta significativamente en la prestación de servicios


públicos, ya sea directamente con la provisión de infraestructura, servicios de salud o
instalaciones educativas, o indirectamente generando oportunidades de negocios para el
sector privado. Es también un movilizador de la economía. En Chile, las compras públicas
representan cerca del 5% del Producto Interno Bruto, y en Brasil, cerca de un 8%, según lo
indicado por el Banco Mundial.

Las leyes y la normativa asociada a los sistemas de compras permiten establecer las reglas
sobre los procedimientos para todos los interlocutores, ya sea desde el lado de los organismos
que generan demanda como por parte del sector privado que ofrece sus productos y servicios.
Es decir, es la forma de contar con reglas claras y transparentes, y es un mecanismo para la
fiscalización del cumplimiento de los procesos de compra.

Según lo establecido por la propia OCDE, de todas las actividades de la administración pública,
las compras públicas son una de las más expuestas al riesgo de corrupción y de mal uso de los
recursos públicos. Es por ello que debe asegurarse un equilibrio entre evitar la corrupción y
otorgar a los funcionarios la flexibilidad suficiente para tomar las decisiones a la luz de su
280

propio conocimiento. Dado lo anterior se hace indispensable su profesionalización y toma de


conciencia del efecto de sus decisiones en el buen uso de los recursos públicos.

La eficiencia y la transparencia son los objetivos primarios de todo sistema de compras


públicas. En ese sentido, la contratación pública estratégica se genera mediante la
optimización y racionalización de los procesos, apoyando la transformación del sector público
en materia de innovación y políticas públicas, el crecimiento de la productividad del país y
promoviendo la contribución del sector privado a la prestación de servicios públicos.

En este contexto, es importante revisar permanentemente las directrices legales en búsqueda


de que los objetivos de la gestión de la contratación pública sean apalancados por lo
establecido en las leyes que regulan la misma.

Esto, además implica que, junto con la revisión, se realice una apropiada transmisión de las
nuevas directrices a los ejecutores de las compras, con el fin de instalar las mejores
capacidades para tomar decisiones tanto cotidianas como estratégicas. Para hacer esto, se
requiere invertir de manera constante en la profesionalización de los compradores. El
conocimiento y las herramientas permitirán que las decisiones de tomen en un espacio de
mayor flexibilidad en el actuar, pero siguiendo las directrices que se hayan definido.

¿Puede decirse que existe una tendencia en América Latina y el Caribe en ampliar y mejorar
las capacidades de los operadores de compras públicas, para que sepan realizar las
actividades cumpliendo la ley, pero también sean capaces de comprar bien?

Trinidad: Efectivamente, durante los últimos años se ha visto un fuerte interés en preparar a
los funcionarios que están a cargo de las compras, y no sólo respecto de aspectos normativos,
sino que incorporando temáticas y herramientas más estratégicas que les hagan no sólo
realizar las compras, sino que efectuarla bien. Esto se ve reflejado en el alto interés,
especialmente entre los países que son parte de la Red Interamericana de Compras
Gubernamentales (RICG), de incorporar temáticas como el “Valor por Dinero”, así también el
Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo (CLAD), que coloca énfasis en la
profesionalización del comprador.

A modo de ejemplo, en Chile hoy en día es valorado el funcionario que posee un certificado de
acreditación de competencias en compras públicas, lo que se transforma en un activo muy
importante para nuestro Estado dado que dicho proceso de acreditación aborda temas como
la efectividad y competencia en las compras públicas, la probidad y transparencia en los
procesos de compras y el correcto proceder en la ejecución de los procedimientos asociados,
relevando la función del usuario comprador.

Para lograr estos objetivos se han diseñado capacitaciones diferenciadas por perfil de usuarios
que se entregan por diversas vías (presencial, e-learning, web) y mecanismos de evaluación a
las que se someten todos los compradores públicos, que en caso de no ser aprobados, ven
impedido su acceso al sistema para realizar compras.
281

Además, se realiza una certificación a autoridades, en donde se involucra mediante una


capacitación y su correspondiente evaluación a la más alta autoridad de cada servicio público
con el fin de acercarlos a la relevancia e impacto que tienen los procesos de compras, tanto en
la eficiencia como en la probidad funcionaria, de manera a garantizar que el uso de los
recursos públicos se ajuste a las intenciones y al bien común. Sólo el año 2017, se han
certificado cerca de 100 Jefes de Servicio.

Para garantizar la profesionalización de los compradores públicos es suficiente ofrecer


eventos de capacitación o ese es un desafío que implica esfuerzos más amplios,
especialmente en términos de valorización y acreditación profesional?

Trinidad: Garantizar la profesionalización es un desafío muchísimo más amplio que sólo


ofrecer eventos de capacitación. Es sumergirlo en un ambiente de aprendizaje constante, ojalá
incluso impulsado desde el apoyo en línea que puedan dar las plataformas tecnológicas,
apoyando la toma de decisiones, pasando por una infinidad de recursos educativos, hasta las
asesorías en compras de alta complejidad.

En el caso chileno, esta profesionalización implica además que, la Dirección de Compras y


Contratación Pública de Chile, ChileCompra, como el organismo de gobierno de las licitaciones
públicas, esté permanentemente revisando sus prácticas, procesos, tecnologías y modelos de
operación.

En ChileCompra se ofrecen capacitaciones gratuitas para los usuarios compradores a través de


presentaciones presenciales y no presenciales, junto con asesorías especializadas. Desde el
año 2003 hemos capacitado a un total de 244.213 usuarios. Junto con ello realizamos dos
procesos de acreditación cada año para los usuarios en los distintos perfiles comprador,
supervisor, abogado, administrador. Por otra parte, generamos directivas con
recomendaciones que apuntan a generar mayor eficiencia y transparencia de los procesos, así
como un Código de Ética en compras públicas de modo de prevenir riesgos y potenciales
situaciones de corrupción.

A través de estos diferentes mecanismos existe una constante oportunidad de fortalecer las
capacidades de los funcionarios compradores no sólo para que trabajen bien en el sistema sino
para que tengan una visión más estratégica de la compra y contratación y así apalancar
objetivos estratégicos de políticas públicas, lo que implica el “comprar bien”.

¿Cuál es la diferencia entre la certificación y la acreditación profesional?

Trinidad: Para el caso de Chile, ambas acciones se dan a la persona en particular. La


certificación es aquella que se entrega por participación en cursos, en cambio la acreditación
es la prueba que demuestra que un funcionario cuenta con las competencias mínimas para
operar en el sistema.
282

Ahora bien, en ChileCompra estamos trabajando en una propuesta para un nuevo tipo de
certificación para organismos de capacitación, en la cual pretendemos de cierta manera
alinear los contenidos relativos a las compras públicas, y certificar a aquellas empresas que sí
lo estén de acuerdo a la normativa vigente y a las directrices que esta Dirección entregue.

Países como Uruguay, Perú, Ecuador, Nicaragua y Chile ya poseen programas de


certificación y/o acreditación para los agentes que operan las contrataciones públicas. ¿Por
qué estos gobiernos decidieron exigir que sus compradores comprueban sus habilidades y
conocimientos como requisito para actuar en el área?

Trinidad: A través de los procesos de Acreditación de Competencias, se busca evaluar los


conocimientos de los usuarios del sistema y fomentar la gestión transparente y eficiente en las
contrataciones del Estado.

Es decir, a través de pruebas se espera verificar que quienes intervienen en los procesos de
adquisiciones de cada institución, cuentan con los conocimientos y habilidades para ello,
considerando aspectos normativos y de gestión. Esto, con el propósito de contribuir al
desarrollo profesional de los usuarios del área de abastecimiento y fomentar una gestión
transparente y eficiente de las compras públicas.

En Chile, en promedio en los procesos de acreditación que se han realizado desde el año 2007
a la fecha, aprueba la evaluación un 80% de los participantes.

¿Cómo funciona el proceso de acreditación de competencias de los compradores públicos de


Chile y Perú, como experiencias ya en curso en América Latina?

Trinidad: La prueba de acreditación es un instrumento en formato papel, que consta de 50


preguntas divididas entre selección múltiple y casos de decisión. El número de cada tipo de
pregunta dependerá del perfil de la prueba, el cual puede ser: Operador, Supervisor, Abogado
o Auditor. La acreditación tiene una vigencia de 3 años, por lo tanto, el funcionario debe ir
reacreditando competencias cada 3 años.

La gran ventaja de la experiencia chilena es que la acreditación está respaldada por la Ley de
Compras, las directivas de compra y por los términos y condiciones de uso de la plataforma.
Dado lo anterior, la acreditación se ha tornado cada vez más importante, pues quien no
acredite, sufre el bloqueo de su clave de acceso al sistema.

Desde el año 2007 hemos realizado 19 procesos de acreditación. Actualmente contamos con
24.191 usuarios con acreditación vigente. En los últimos 5 años, ha aumentado en porcentaje
de acreditados, lo que se debe a un cambio en la estrategia en la prueba de acreditación, el
cual significó rearmar las pruebas teniendo en consideración las competencias de cada perfil.
283

En Chile, todos los que participan en el proceso de compras, incluida la asesoría jurídica y la
auditoría, están obligados a realizar una prueba para operar el sistema. ¿Le parece un
modelo apropiado?

Trinidad: Nuestro objetivo es que los organismos del Estado compren bien, para ello debemos
involucrar a todos los funcionarios que participan de los procesos de compra, desde el
tomador de decisión hasta quien debe manipular la plataforma electrónica. En ese sentido,
son muchos los actores que intervienen dentro del proceso completo de compras, es decir,
cuando se plantea la necesidad, elaboración de una licitación, interlocución a través de los
foros y canales establecidos, la evaluación y adjudicación propiamente tal, y luego, la gestión
del contrato y el pago final al proveedor, que a veces son pagos en etapas o por cumplimiento
de hitos. En todos esos aspectos es necesario el conocimiento de la normativa y el correcto
funcionamiento.

Como ChileCompra, además hemos desarrollado procesos de acreditación en los que se evalúa
con contenidos adecuados al tipo de perfil del usuario que rinde la prueba. Por ejemplo, no se
incorporan preguntas de funcionamiento de la plataforma electrónica para estos dos perfiles
que se señalan: abogados y auditores.

En los Estados Unidos es común que el propio profesional pague para tener un certificado,
emitido por alguna entidad independiente, como el UPPCC (Universal Public Procurement
Certification Council). En las experiencias de países latinoamericanos es así también o es el
gobierno quien paga el costo de las certificaciones?

Trinidad: En el caso de Chile, los funcionarios no incurren en gastos. Es la Dirección de


Compras y Contratación Pública, ChileCompra, quien se hace cargo del proceso de
acreditación, el cual incluye las capacitaciones gratuitas como el arriendo de los locales en que
se rinde la prueba y los facsímiles en sí mismos con sus respectivas preguntas. Considerando lo
anterior, en Chile, el costo por acreditar un usuario es de aproximadamente 15 dólares.

Respecto a los cursos de capacitación en compras públicas, la mayor oferta es por parte de
ChileCompra, ya sea a través de cursos en línea, e-learning o en formato presencial, los que
son completamente gratuitos para los funcionarios.

Asimismo, existe una oferta privada, como alternativa para aquellos organismos que requieren
mayor entrenamiento, pero implica un costo para el organismo público que invierte en
capacitación a sus equipos de trabajo, buscando su acreditación, la que es otorgada por
ChileCompra.

¿Crees que la idea de certificación o acreditación de los compradores públicos también es


apropiada para Brasil?

Trinidad: Los altos montos involucrados en compras públicas, sumado al sistema federal
brasileño que involucra distintas formas de operar en compras públicas le otorga complejidad
al sistema. Por esta razón vemos como una fortaleza la capacitación de los funcionarios que
284

trabajan en compras públicas, así como la respectiva certificación y acreditación de los


conocimientos. Para la implementación vemos que se podría realizar de manera gradual.

¿Qué podemos hacer en Brasil para implantar ese proceso de certificación o acreditación?

Trinidad: Lo más importante es contar con algún respaldo legal, que la misma normativa de
compras señale que los funcionarios relacionados con las compras deben contar con las
competencias mínimas. Luego, contar con un área especializada en temas de formación y
acreditación. Se podría trabajar en un programa de capacitación para los funcionarios que
deben rendir la prueba para ayudarles a reforzar las temáticas y lograr un buen porcentaje de
aprobación.

Esta certificación o acreditación podría ser realizada por la misma institución de compras o por
otro órgano público que pudiera realizar el proceso. De esta manera existiría un control
cruzado.

Trinidad Inostroza é advogada formada na Pontificia Universidad Católica do Chile, possui


mestrado em Direito Público, licenciada em Gestão Empresarial, Reforma Processual Criminal
e Gestão Pública e pós-graduação em Criminologia. Trinidad é Diretora do ChileCompra e
Presidenta da Rede Interamericana de Compras Governamentais.

Ronaldo Corrêa é graduado em Logística pela Universidade Estácio de Sá e mestrando em


Administração Pública pela Universidade Federal de Sergipe. Servidor da Polícia Federal desde
2004, possui mais de 10 anos de experiência atuando com logística pública e atualmente é
gestor de viagens e coordenador de capacitações na Superintendência Regional da PF em
Sergipe. Na Enap, ministra os cursos de Elaboração de Editais para Aquisições no Setor Público,
Elaboração de Termos de Referência e Projetos Básicos para Contratação de Bens e Serviços
no Setor Público, Gestão e Fiscalização de Contratos e Fundamentos do Pregão. Atuou
também como moderador da Comunidade Compras Públicas dessa escola. Atua em eventos de
capacitação do Sistema de Concessão de Diárias e Passagens-SCDP junto ao Ministério do
Planejamento e demais órgãos federais. Desde 2010 é moderador da comunidade virtual de
práticas Nelca, com mais de 2500 compradores públicos cadastrados.

Franklin Brasil é Auditor da CGU desde 1998; Bacharel em Computação pela UFMT; Mestre em
Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP; Atua na capacitação de servidores públicos, com
ênfase em terceirização, gestão de riscos, detecção de fraudes em licitações e pesquisa de
preços; Fundador e coordenador do NELCA, grupo que congrega mais de 2.300 compradores
públicos do país; Vencedor do Prêmio “Professor Lino Martins” de artigos sobre Controladoria
na Administração Pública em 2014, e duplamente vencedor do Prêmio “Chico Ribeiro” de
Qualidade do Gasto Público, em 2015 e 2016. Coautor dos livros “Controladoria no Setor
Público” e “Como combater a corrupção em licitações: detecção e prevenção”, ambos pela
Editora Fórum; Corresponsável pelo Projeto APRIMORA, parceria da CGU com o TCE-MT, que
visa fortalecer os controles internos municipais.

62. Entrevista com o professor Joel de Menezes Niebuhr sobre a modernização das licitações
no Brasil, 13/10/2017

• As perguntas foram elaboradas pelo professor da Enap Davi Lucas Bois.


285

Poderíamos dizer que as compras públicas no Brasil atualmente são pouco eficientes?

Joel: Na minha opinião, são extremamente ineficientes, sob todos os aspectos que se possa
analisar. Penso, em princípio, em quatro aspectos para medir a eficiência das contratações:
qualidade, preço, tempo e retidão. De uma maneira geral, ressaltando que há exceções, a
Administração contrata objetos de péssima qualidade, paga mais caro que o mercado, leva
muito tempo para fazer uma licitação e para os procedimentos próprios relativos à execução
contratual, como aditivos, medições e pagamentos, e há muita corrupção. Então, vamos muito
mal nos quatro aspectos, o que gera prejuízo bilionário e contínuo. A causa desse insucesso é
complexa, temos vários fatores que passam pela legislação, inadimplemento da própria
Administração Pública, insegurança jurídica, desincentivo aos agentes públicos, criminalização
da Administração Pública, politização da Administração Pública, cultura avessa ao
planejamento, falta de investimento em capacitação e um emaranhando de órgãos de controle
extremamente apegado a formalidades e que repele as inovações. Parece que tudo conspira
para o fracasso.

É preciso aguardar uma nova legislação para que as compras públicas no Brasil possam ser
mais modernas e eficientes?

Joel: Não é preciso e não se deve aguardar. Muitas coisas podem ser feitas imediatamente,
com a legislação que nós dispomos. Entretanto, não se pode fugir do fato de que a nossa
legislação sobre licitação e contrato é muito ruim e ultrapassada, não oferece aos agentes
administrativos os instrumentos mais adequados para que possam reverter esse quadro. Faço
a ressalva de que não se deve ter a expectativa que uma nova lei, por si só, resolva todos os
problemas. Uma nova lei seria o primeiro passo. Tomara que a Câmara dos Deputados consiga
avançar com o Projeto de Lei nº 6.814/2017.

As recentes inovações legislativas, como a lei das estatais e o RDC (não tão recente mais),
contribuíram para modernização das compras públicas no Brasil?

Joel: A nossa Lei de base sobre licitações e contratos é a Lei nº 8.666/93. Desde 94 ou 95, o
Governo tenta substituí-la, sem sucesso. É muito difícil, porque o assunto envolve muitos
interesses, não há convergência política e técnica. Tem um dado que me impressiona: há mais
de mil projetos de lei sobre licitações e contratos tramitando no Congresso Nacional. Atira-se
para todos os lados e não se acerta o alvo. Como o Governo não conseguiu se livrar da Lei nº
8.666/93, resolveu editar novas leis sobre licitações e contratos, que convivem em paralelo
com ela. Destaco, nesse sentido, como um marco, a Lei nº 10.520/02, que disciplina a
modalidade pregão. Depois dela, vieram várias outras, também tratando de licitações e
contratos, dentre as quais a Lei do RDC e, mais recentemente, das estatais. Isso, por um lado,
foi positivo, porque permitiu uma certa evolução. Sem dúvida, elas trouxeram avanços
importantes, embora não sejam imunes às críticas. Por outro lado, o advento de várias leis é
negativo na medida em que prejudica a segurança jurídica. São várias leis tratando do mesmo
assunto, ainda que com matizes diferentes. Essas leis se complementam e, em muitas
passagens, são contraditórias. Junto com elas vêm decretos, portarias e instruções normativas.
O efeito prático é que o agente administrativo, que trabalha com licitações e contratos,
manuseia, mais ou menos, uns quinze diplomas normativos diferentes e, frequentemente,
contraditórios. Esse conjunto de normas faz com que tudo em licitações e contratos seja muito
complicado e controverso. O ideal é que tivéssemos uma lei só sobre licitações e contratos,
com começo, meio e fim, que fosse mais racional, moderna e menos formalista.

A qualificação dos agentes públicos envolvidos no processo é pressuposto indispensável às


compras públicas eficientes?
286

Joel: Parece-me fundamental, até porque é muito difícil compreender todo esse conjunto de
normas sobre licitações e contratos e, mais difícil ainda, acompanhar a jurisprudência dos
órgãos de controle, que são determinantes para os agentes administrativos. As licitações e os
contratos são conduzidos por agentes administrativos, as decisões são tomadas por eles. O
sucesso das licitações e contratos depende, invariavelmente, dos agentes administrativos. Eles
precisam estar preparados, o que requer atualização constante.

Você acredita que é possível privilegiar a eficiência sem afrontar a legalidade? Como conciliar
ambos os princípios nos processos administrativos que tratam das contratações da
Administração Pública?

Joel: Não há conflito necessário entre legalidade e eficiência. É possível ser eficiente com a
atual legislação. Por exemplo, passar, realmente, a planejar as licitações e contratos é medida
importantíssima para se alcançar eficiência e está em total consonância com a legislação atual.
Não é necessário mexer numa vírgula da Lei para que se passe a planejar de verdade, investir
em planejamento, fazer as sondagens adequadas para as obras públicas, avaliar bem as
demandas da Administração, etc. Dá para avançar com a legislação atual, embora seja mais
difícil. Uma nova lei facilitaria as coisas.

O Sistema de Registro de Preços pode ser um importante instrumento na modernização das


compras públicas?

Joel: O registro de preços é previsto na Lei nº 8.666/93 desde sempre. É amplamente


utilizado e oferece bons instrumentos à Administração Pública. É algo positivo que temos hoje.
E ainda podemos avançar, há ideias, como a do registro de preços permanente, que parecem
interessantes. Em linhas gerais, a Administração publicaria um edital, registraria os preços e
qualquer empresa, na vigência da ata, poderia apresentar sua proposta e ter o seu preço
registrado. A ata seria dinâmica, haveria uma espécie de disputa constante entre os
fornecedores. A Administração utilizaria a ata quando lhe fosse oportuno, sem entraves e sem
maiores formalidades, conseguiria contratar com agilidade. Também precisamos evoluir no
sentido de vários órgãos e entidades promoverem licitações para registro de preços em
conjunto, aumentando a economia de escala e reduzindo os preços. E, ainda, deve-se ampliar
as hipóteses de utilização do registro de preços, especialmente para obras e serviços de
engenharia.

A participação extraordinária ou “carona” pode ser uma ferramenta útil na concretização de


compras públicas eficientes?

Joel: Acredito que o carona seja inconstitucional, equivale a uma dispensa de licitação sem
qualquer justifica, e, portanto, viola vários princípios da Administração Pública, dentre os
quais, com destaque, o da isonomia. Dou um exemplo, para ser mais claro: a entidade “A”,
sediada em Santa Catarina, faz licitação para registro de preços de quinhentos computadores.
Com base nessa licitação, o vencedor dela assina a ata de registro de preços, da qual decorre
ou decorrem contratos para a aquisição dos quinhentos computadores que foram licitados,
repito, pela entidade “A”. Ocorre que, com o carona, a entidade “B”, em Minas Gerais, que
não promoveu licitação alguma, vale-se da ata de registro de preços da entidade “A” e, por via
de consequência, da licitação promovida pela entidade “A”, para também comprar quinhentos
computadores. Ora, o contrato pertinente à aquisição de quinhentos computadores firmado
pela entidade “B”, de Minas Gerais, não foi precedido de licitação pública e, em decorrência
disso, os interessados em vender os quinhentos computadores à entidade “B” não tiveram
287

oportunidade de disputa, não foram tratados com igualdade. Neste exemplo, bastante
frequente, a situação ainda se agrava porque as entidades “A” e “B” estão em estados
diferentes, sujeitas a mercados diferentes. Suponha-se que uma empresa de Minas Gerais não
tenha participado da licitação da entidade “A”, porque ela se realizava em Santa Catarina, fora
da sua área de atuação. Ela não é obrigada a participar de todas as licitações que ocorrem no
Brasil. No entanto, essa empresa, como atua em Minas Gerais, teria interesse de disputar o
contrato da entidade ‘B”, que fica no seu Estado. O problema é que ela não tem acesso ao
contrato da entidade “B”, porque sequer foi lançada a licitação. Enfim, viola-se o direito da
empresa de disputar o contrato da entidade “B”, viola-se o direito da empresa de ser tratada
com igualdade pela entidade “B”, viola-se a isonomia. O assunto é polêmico, vários estados
proibiram o carona, outros permitiram. Agora, o carona não contribui em quase nada para
resolver o problema da falta de eficiência nas licitações e contratos. Tanto é verdade que ele é
utilizado há anos pela Administração Pública, especialmente a Federal, e os problemas se
avolumam dia a dia.

As políticas públicas implementadas por meio das licitações, como preferências a pequenas
empresas, concessão de margens a produtos nacionais, dentre outras, podem representar
um entrave à otimização e racionalização das compras públicas?

Joel: Sou contra a utilização de licitações e contratos como instrumentos de políticas públicas.
A licitação brasileira é procedimento já por demais complicado. Os editais de licitação
desenham verdadeira gincana de documentos, contendo exigências e exigências, muitas delas
meramente formais e burocráticas, totalmente dispensáveis. A eficiência em licitação será
encontrada na medida em que ela tornar-se mais simples, mais focada no propósito de
selecionar a proposta mais vantajosa. Tudo que se põe na licitação que não vise a selecionar a
proposta mais vantajosa acaba prejudicando em algum grau este intento, já que a torna mais
complicada. O País ganhará muito com uma licitação menos complicada, o procedimento será
mais célere, o custo financeiro dos contratos menor e os objetos terão melhor qualidade. Isto
fará com que a Administração desempenhe melhor as suas atividades, em prol da população.
Disporá de obras, serviços e bens de melhor qualidade e mais eficientes, portanto prestará
serviços melhores. Economizará recursos financeiros, portanto poderá utilizar o montante
economizado para ampliar sua atuação, atendendo mais gente e com mais funcionalidades.
Enfim, a simplificação da licitação é a melhor medida para promover o desenvolvimento
nacional e as políticas públicas, sob todos os seus aspectos. Além disso, a licitação não é a
panaceia das políticas públicas. O Estado dispõe de muitos instrumentos para realizar as
políticas públicas mais eficientes e eficazes que a licitação pública. A licitação acaba sendo
utilizada como instrumento de política pública, porém não é o instrumento mais adequado
porque, na maioria dos casos, a licitação é incapaz, não consegue. Há casos e casos, cada qual
com a sua peculiaridade. No entanto, de maneira geral, percebe-se claramente que não é com
licitação que as políticas públicas alcançarão os resultados que lhe são esperados.

Ao contrário dos serviços, que podem ser continuados ou não, as aquisições realizadas pela
Administração, via de regra, devem ter seus contratos encerrados em 31 de dezembro. A
ampliação do previsto no art. 57, II, da Lei n° 8.666/93 para abarcar a possibilidade de
288

“fornecimento contínuo” poderia contribuir para uma maior eficiência nas compras de
materiais ou equipamentos que são utilizados ininterruptamente pela Administração?

Joel: Acho o artigo 57 da Lei nº 8.666/93 equivocado. Não vejo sentido em atrelar o prazo dos
contratos administrativos ao crédito orçamentário. Contudo, é de mencionar que o Tribunal de
Contas da União já de muito tempo flexionou essa regra. A eventual possibilidade de
prorrogação de contratos de fornecimento pode ser benéfica, mas não considero uma questão
central para a eficiência das licitações e contratos.

O que poderia ser feito para termos compras públicas mais modernas e eficientes no Brasil?
Alguma recomendação especial aos compradores públicos que queiram contribuir com esse
processo?

Joel: Como falei anteriormente, as causas do nosso insucesso são complexas e múltiplas.
Essas causas precisariam ser identificadas e atacadas de forma sistêmica, o que não é simples.
Aqui, para concluir, menciono um aspecto que pode ser levado em consideração pelos agentes
administrativos e que considero nuclear. Esse aspecto diz respeito ao inadimplemento
contumaz da Administração e à falta de segurança jurídica para os contratados. Grita aos olhos
que o inadimplemento retira a credibilidade da Administração Pública. Contratar com ela é
muito arriscado e o risco é precificado pelo mercado. O resultado é que a Administração
Pública, sem querer generalizar, paga mais caro do que a iniciativa privada. Então, fazer com
que a Administração Pública pague em dia é fazer com que ela economize, o que é essencial
em tempos de crise econômica. O inadimplemento da Administração Pública também alimenta
a corrupção, cria o ambiente ideal para que as empresas sejam achacadas pela classe política.
Se a Administração Pública pagar em dia, se o inadimplemento for coibido, os corruptos terão
menos “favores” e “vantagens” a oferecer, o que diminui a corrupção. Então, uma
recomendação relativamente trivial para os compradores públicos que queiram contribuir:
contrate com responsabilidade, pague em dia, cumpra as suas obrigações e respeite os direitos
dos contratados. Quem mais ganha com isso é a própria Administração Pública.

Joel de Menezes Niebuhr, Advogado inscrito na OAB/SC sob o nº 12.639. Doutor em Direito
Administrativo pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFSC. Professor Convidado de cursos de
especialização em Direito Administrativo. Autor dos livros “Princípio da Isonomia na Licitação
Pública” (Florianópolis: Obra Jurídica, 2000); "O Novo Regime Constitucional da Medida
Provisória" (São Paulo: Dialética, 2001); “Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública” (3ª
ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011), “Pregão Presencial e Eletrônico” (7ª ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2015), “Registro de Preços: aspectos práticos e jurídicos” (2ª ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2013, em coautoria com Edgar Guimarães) e “Licitação Pública e Contrato
Administrativo” (4ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015), além de diversos artigos e ensaios
publicados em revistas especializadas.

Davi Lucas Bois possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
(2011) e especialização em Direito Público pela PUC-Minas (2016). Atualmente é Analista
Jurídico do Ministério Público da União. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em
289

Licitações e Contratos Administrativos. Ministra cursos na área de Licitações e Contratos


Administrativos pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).

63. Entrevista sobre licitações internacionais para a Comunidade de Compras Públicas da


ENAP com o professor Rafael Wallbach Schwind, 17/10/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Marcio Motta Lima da Cruz.
Rafael, o que caracteriza propriamente uma licitação internacional? O fato de participarem,
ou poderem participar, empresas estrangeiras nos certames já os caracterizam como licitações
internacionais?

Rafael: A caracterização do que é uma licitação internacional envolve certa complexidade.


Apesar de a legislação utilizar esse termo e outros equivalentes (como “concorrência de âmbito
internacional” – art. 42 da Lei 8.666), em nenhum momento preocupou-se em caracterizá-los ou
defini-los.

Este é, aliás, um dos problemas mais recorrentes na legislação brasileira: utilizam-se termos com
uma conotação específica, mas sem uma técnica legislativa adequada que se preocupe em
defini-los de modo a delimitar o regime jurídico aplicável. Nem mesmo no projeto de nova lei de
licitações se prevê uma definição do que são licitações internacionais.

Outra dificuldade é que um termo jurídico, com frequência, apresenta significados diversos
dependendo do instrumento normativo em que é empregado. Por exemplo, o art. 3º da Lei
11.732 define licitação internacional como sendo “aquela promovida tanto por pessoas jurídicas
de direito público como por pessoas jurídicas de direito privado do setor público e do setor
privado”. Evidentemente, tal definição só é relevante para o regime tributário do drawback que
é endereçado por aquela lei. Para uma delimitação das regras aplicáveis às licitações públicas, a
definição constante da Lei 11.732 é imprestável.

Diante disso, a doutrina se debate sobre quais licitações podem realmente ser caracterizadas
como internacionais. Os critérios mais usualmente apontados são os (1) do local da realização
do certame (no exterior), (2) do local de divulgação (igualmente no exterior), (3) da fonte dos
recursos empregados na contratação (fonte externa ao Brasil), (4) da participação de
estrangeiros (licitações internacionais seriam aquelas que admitem a participação de
estrangeiros) e (5) da desnecessidade de os estrangeiros terem autorização para funcionar no
país (nas licitações internacionais, não haveria essa obrigatoriedade).

Entendo que todos esses possíveis critérios são equivocados. É o que defendo no meu livro
cuja segunda edição foi lançada recentemente (Licitações Internacionais: participação de
estrangeiros e licitações realizadas com financiamento externo. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum,
2017).

É necessário partir do entendimento de que existem três situações básicas: (1) licitações
realizadas com recursos estrangeiros nas quais normalmente (mas nem sempre) há a aplicação
de normas contidas em atos internacionais ou editadas pelo organismo financiador; (2)
licitações nacionais realizadas de acordo com os procedimentos previstos na legislação
brasileira; e (3) licitações internacionais realizadas de acordo com os procedimentos da
legislação nacional.
290

No primeiro caso (licitações realizadas com recursos externos), o organismo internacional


pode condicionar a concessão do financiamento ou doação à aplicação das suas regras. Assim,
poderão ser adotadas soluções praxistas e procedimentais radicalmente distintas daquelas
previstas na legislação brasileira, mas os princípios inerentes à atividade administrativa serão
observados. Os organismos internacionais normalmente impedem que haja uma vedação
genérica à participação de estrangeiros.

No segundo e no terceiro casos (licitações nacionais e licitações internacionais realizadas de


acordo com os procedimentos da legislação brasileira), a participação de estrangeiros será em
regra possível.

A diferença é que, nas licitações nacionais realizadas de acordo com a legislação brasileira, o
licitante estrangeiro, caso seja contratado, receberá seus pagamentos em moeda nacional e,
para que haja a sua qualificação, e dependendo da natureza da prestação a ser executada,
deverá comprovar que possui autorização para funcionamento no Brasil, na forma dos arts.
1.134 a 1.141 do Código Civil. Empresas com sede no exterior, portanto, podem participar de
licitações nacionais, mas devem cumprir esses requisitos de ordem burocrática.

Já nas licitações internacionais realizadas de acordo com os procedimentos da legislação


brasileira, os recursos podem ser de origem doméstica ou estrangeira, mas a licitação é
expressamente aberta a licitantes estrangeiros, inclusive que não estejam em funcionamento no
Brasil. Portanto, como regra geral, nesses casos o licitante estrangeiro não precisa ser
previamente autorizado a operar no Brasil e pode receber pagamentos em moeda estrangeira.
Além disso, o licitante estrangeiro, caso não funcione com regularidade no país (portanto,
dispensada a necessidade de autorização para operação no Brasil), deverá possuir
“representação legal no Brasil com poderes expressos para receber citação e responder
administrativa ou judicialmente” (art. 32, §4º, parte final, da Lei 8.666).

Contudo, mesmo numa licitação internacional, o licitante estrangeiro não terá alternativa
senão constituir-se como empresa estrangeira em funcionamento no Brasil caso o objeto
licitado envolva atividades que exijam esse tipo de autorização governamental. Assim, por
exemplo, se o objeto da contratação configurar continuidade e permanência no Brasil, o
licitante estrangeiro somente poderá ser habilitado se for autorizado a operar no país, conforme
exige o Código Civil.

Toda essa longa explicação é necessária para responder objetivamente à sua pergunta. O que
caracteriza as licitações internacionais é que elas são certames realizados com recursos
nacionais ou estrangeiros, expressamente abertas a licitantes estrangeiros em regra (mas nem
sempre) sem a necessidade de autorização para funcionamento no Brasil, com a possibilidade
de pagamento (ao estrangeiro) em moeda estrangeira.

Além disso, o simples fato de haver a possibilidade de participação de estrangeiros não


caracteriza uma licitação como internacional. Mesmo nas licitações nacionais, em regra a
participação de estrangeiros será possível, ainda que determinadas exigências burocráticas
devam ser cumpridas.
291

Quais são os principais diferenciais das licitações internacionais em relação às licitações


nacionais?

Rafael: Em virtude do que mencionei a propósito da pergunta anterior, as licitações


internacionais e as nacionais não apresentam como diferenciais necessários as questões (1) do
local da realização do certame, (2) do local de divulgação, (3) da fonte dos recursos empregados
na contratação, (4) da participação de estrangeiros ou (5) da (des)necessidade de os
estrangeiros terem autorização para funcionar no país.

Na prática, o que caracteriza as licitações internacionais é que elas são certames realizados
com recursos nacionais ou estrangeiros, expressamente abertas a licitantes estrangeiros em
regra (mas nem sempre) sem a necessidade de autorização para funcionamento no Brasil, com a
possibilidade de pagamento (ao estrangeiro) em moeda estrangeira.

Em termos procedimentais e de requisitos de participação, portanto, licitações internacionais


e licitações nacionais podem ser idênticas.

É possível vedar a participação de licitantes estrangeiros em licitações realizadas no país? Se


positivo, em que casos essa vedação pode ocorrer?

Rafael: Em regra, a participação de estrangeiros em licitações realizadas no país não pode ser
vedada. Qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, que preencha os requisitos estabelecidos
pela lei e pelo edital poderá participar da licitação. Em princípio, seria inconstitucional, por
ofensa à isonomia, vedar a participação de estrangeiros em licitações públicas.

Há, contudo, atividades cujo exercício se restringe aos brasileiros ou a empresas cujo controle
é exercido por brasileiros. Normalmente, trata-se de atividades que tenham algum impacto, por
exemplo, em termos de soberania e segurança nacional. Nesses casos, serão admitidas
restrições e vedações à participação de estrangeiros, desde que essas restrições sejam previstas
em lei e compatíveis com a Constituição.

Em outras palavras, admite-se em tese a constitucionalidade de vedações legais à participação


de estrangeiros em licitações no Brasil, desde que haja uma relação direta entre a vedação e a
proteção do interesse pátrio.

No entanto, é importante fazer duas observações que me parecem essenciais.

A primeira é que a vedação à participação de estrangeiros é a exceção. Tal vedação inclusive


poderá resultar em um dispêndio maior de recursos públicos, uma vez que se restringe a
competitividade do certame. Não se pode vedar indiscriminadamente a participação de
estrangeiros, portanto. Até mesmo políticas econômicas destinadas a incentivar a indústria
nacional devem ser tomadas com cautela, para que não se transformem em simples
justificativas para verdadeiras reservas de mercado.

A segunda observação é que, admitindo-se a participação de estrangeiros, deve haver um


tratamento isonômico entre eles e os licitantes nacionais. O art. 3º, § 1º, inciso II, da Lei 8.666
consagra a regra geral de tratamento isonômico entre licitantes nacionais e estrangeiros ao
vedar o estabelecimento de tratamento diferenciado entre empresas nacionais e não nacionais.
292

Isso significa que, se a Administração Pública estabelecer determinadas exigências, deverá


aplicá-las a todos os licitantes, independentemente de sua nacionalidade. Haverá regras
uniformes a respeito da moeda, modalidade e local de pagamento, nos limites do que dispõe a
própria lei. A regra geral, portanto, é a da uniformidade de tratamento entre nacionais e não
nacionais, sendo vedadas inclusive as discriminações indiretas, que onerem de tal modo os
estrangeiros a ponto de, na prática, inviabilizar a sua participação.

A ressalva, é claro, fica por conta da existência de normas que tenham por objetivo o fomento
à indústria nacional. Essas políticas de “buy national” são frequentes em muitos países e são
plenamente compatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, entendo que elas não
podem servir apenas para criar verdadeiras reservas de mercado às custas dos cofres públicos.
O ideal é que essas políticas tenham um planejamento de começo, meio e fim – afinal, são um
mecanismo de fomento a que a indústria nacional atinja patamares melhores de
competitividade. Em tese, tais políticas não devem ser perpétuas e demandam não apenas
revisões periódicas mas também um controle de resultados.

A lei 8.666 possibilita a utilização das modalidades de concorrência, tomada de preços e


convite para as licitações internacionais. E quanto à utilização do pregão, qual sua opinião
sobre o cabimento desta modalidade nas licitações internacionais, já que nem a Lei 10.520
nem os decretos regulamentadores tratam do assunto?

Rafael: Entendo que o pregão é uma modalidade cabível nas licitações internacionais. Isso
porque, no meu entendimento, as licitações internacionais têm pouquíssimas peculiaridades
naturais que poderiam inviabilizar o emprego dessa modalidade.

A questão essencial me parece a da participação de estrangeiros em pregões no Brasil. De fato,


a lei e os decretos que regulamentam o pregão no Brasil não admitem expressamente a
participação de estrangeiros nesse tipo de modalidade de licitação. No entanto, entendo que
esse silêncio normativo não deve ser interpretado como vedação, e sim como permissão tácita a
que estrangeiros participem de pregões no Brasil.

Aliás, como há uma tendência muito forte no sentido de se ampliar o uso dos pregões, em
virtude da agilidade desse tipo de modalidade licitatória, é importante que se permita a
participação de estrangeiros. Do contrário, o mercado de licitações no Brasil seria ainda mais
fechado à participação de estrangeiros.

Sendo cabível a utilização do pregão eletrônico nas licitações internacionais, como pode se
dar a participação de licitantes estrangeiros, considerando que o cadastro no Sicaf depende da
inscrição do licitante no CNPJ ou CPF, e os licitantes estrangeiros não possuem estes
cadastros?

Rafael: De fato, a grande dificuldade reside na forma de operacionalizar a participação de


estrangeiros nos pregões, em especial nos eletrônicos. A participação de licitantes estrangeiros
sem sede no Brasil sempre foi dificultada nos pregões eletrônicos, uma vez que tais certames
frequentemente utilizam os cadastros no SICAF, que dependem da inscrição do licitante no CNPJ
ou CPF. Como os licitantes estrangeiros não têm CNPJ ou CPF, acabavam tendo sua participação
prejudicada. Com o aumento da utilização do pregão eletrônico, era necessário resolver essa
questão.
293

No âmbito do Comprasnet, a possibilidade de participação de empresas estrangeiras em


pregões eletrônicos vem sendo garantida por uma simples orientação constante das perguntas e
respostas disponíveis no site do Comprasnet. O licitante que não dispuser de CNPJ deve
encaminhar um e-mail ao órgão ou unidade que estiver realizando a licitação, solicitando o
cadastramento (login e senha) no portal Comprasnet e informando os dados básicos da empresa
(denominação, endereço, cidade, país, e-mail, telefone). O órgão ou unidade, então, realizará o
cadastro do interessado. Com isso, o sistema enviará automaticamente um e-mail (em
português e em inglês) à empresa estrangeira informando o seu login e senha para acesso ao
Comprasnet, bem como as orientações para participação em pregão eletrônico.

Com isso, o licitante estrangeiro poderá participar normalmente dos certames, sendo que sua
documentação será verificada pelo pregoeiro na fase de habilitação, conforme dispõe a
legislação.

Assim, por uma solução simples, garantiu-se a participação de empresas estrangeiras sem sede
no país em pregões eletrônicos realizados por meio do Comprasnet.

De todo modo, entendo que a facilitação à participação de estrangeiros deve ser muito mais
aperfeiçoada. Em comparação com outros países, o “mercado” de licitações no Brasil é
extremamente fechado a empresas estrangeiras. Além da barreira linguística, o Brasil não é
muito atuante em blocos econômicos de maior relevância. A exigência de autorização para
funcionamento no país, prevista no Código Civil, é uma barreira marcante. Na prática, empresas
estrangeiras acabam tendo de ingressar no capital de empresas brasileiras para poder participar
de licitações, uma vez que essa hipótese dispensa a necessidade de autorização governamental
para funcionamento no país. Enfim, temos muito a evoluir nesses aspectos.

Como proceder em relação aos documentos de habilitação de empresas estrangeiras? O que


se entende pelo termo “documentos equivalentes”, constante da Lei 8.666?

Rafael: A Lei 8.666 dá uma resposta singela a esse questionamento: os licitantes estrangeiros
devem apresentar documentos de habilitação que sejam “equivalentes” aos que são
apresentados pelos licitantes brasileiros.

A questão essencial reside justamente em saber o que são “documentos equivalentes”. A


legislação brasileira não esclarece exatamente o que é isso. E o pior é que outros países podem
ter uma sistemática de atestação de informações bastante diversa da brasileira.

Para fins de aplicação do §4º do art. 32 da Lei 8.666, entendo que documento equivalente
deve ser compreendido como aquele destinado ao mesmo fim que o documento passível de
apresentação pelo licitante brasileiro, ou que contenha as mesmas informações que constariam
do documento emitido no Brasil. Trata-se, portanto, do documento que mais se aproxima ao
que seria apresentado por um licitante brasileiro para efeitos de habilitação.
Um exemplo esclarece a afirmação. Suponha-se que, em determinado país, não se expeça
certidão negativa de falência, mas que haja algum documento oficial que somente pode ser
expedido se a empresa não apresenta nenhum pedido de falência formulado contra si. Nesse
caso, tal documento poderá ser considerado como “equivalente”, uma vez que se destina à
mesma finalidade da certidão negativa de falência expedida no Brasil.
294

Não é possível ir além e estabelecer requisitos mais objetivos acerca do que seria um
documento equivalente. A formulação de requisitos teóricos mais detalhados acerca do que se
pode considerar como documento equivalente conduziria a generalizações equivocadas. O que
se pode afirmar é que as comissões de licitação devem estar preparadas para eventuais
discussões a respeito da equivalência do documento produzido no exterior. É possível que um
licitante alegue que o documento equivalente deveria ser outro, e não aquele apresentado pelo
estrangeiro. Nesse caso, a comissão de licitação eventualmente terá de realizar diligências
destinadas a verificar se o documento apresentado de fato é equivalente ao produzido no Brasil.

É importante notar que o §4º do art. 32 da Lei 8.666 reconhece as dificuldades em se


apresentar documentos equivalentes produzidos no exterior, ao exigir a sua apresentação
“tanto quanto possível”. Outros países podem inclusive não dispor de documento que seja
equivalente ao apresentado pelo licitante brasileiro.

Portanto, é possível que o licitante estrangeiro não disponha de nenhum documento


equivalente ao que seria apresentado pelos concorrentes brasileiros. Nesse caso, demonstrado
que não existe documento equivalente, o licitante estrangeiro deverá ser classificado mesmo
assim, já que o §4º do art. 32 da Lei 8.666 estabelece a obrigatoriedade de apresentação de
documento equivalente, “tanto quanto possível”. Sendo impossível a sua apresentação, isso não
poderá afastar o licitante estrangeiro do certame.

Novamente, recorra-se ao exemplo da certidão negativa de falência. Suponha-se que no país


de origem do licitante estrangeiro simplesmente não exista a figura da falência. Nessa situação,
o licitante estará dispensado da apresentação de tal documento, já que ele evidentemente não
existirá em um sistema que não contempla o instituto da falência.

O mesmo se aplica a outros documentos de habilitação, como é o caso dos atestados de


qualificação técnica. Embora tradicional no Brasil, a sistemática de atestação técnica e registro
dos atestados no conselho profissional competente não é adotada em todos os países. Isso
significa que um licitante estrangeiro, embora tecnicamente qualificado para o desempenho do
objeto licitado, poderá não contar com nenhum atestado de qualificação técnica. Nesse caso, a
solução mais adequada não será a sua pura e simples inabilitação. Caberá ao licitante
estrangeiro, no momento da entrega de seus documentos de habilitação, a apresentação de
todo e qualquer documento que demonstre a sua qualificação técnica, ainda que não se trate
propriamente de atestados de qualificação técnica. Poderá ser aceita a apresentação de
declarações firmadas por contratantes, prospectos, projetos executados e quaisquer outros
documentos que demonstrem a experiência do licitante estrangeiro, ainda que não sejam
propriamente atestados de qualificação técnica registrados perante um conselho profissional.
Caberá, então, à comissão de licitação o exame da fidedignidade das informações constantes da
documentação, valorando-os de forma razoável e proporcional. Ao mesmo tempo em que se
deverá observar a necessidade de participação do maior número possível de licitantes,
aumentando-se as chances de obtenção de propostas mais vantajosas, não se poderá descuidar
da necessidade de se verificar a efetiva qualificação técnica dos licitantes, inclusive estrangeiros.

Para evitar questionamentos, é recomendável que o licitante estrangeiro que não obtiver
documento equivalente demonstre já com a documentação de habilitação que não se faz
295

possível a obtenção de documento equivalente. Entretanto, essa prova pode ser difícil e,
ademais, tal conduta não é exigida pela legislação. Assim, se houver algum questionamento por
parte de outros licitantes ou até da comissão de licitação, deve-se oportunizar a realização de
diligência para esclarecimento.

O § 4o do art. 42 da Lei 8.666 estabelece que, para fins de julgamento da licitação, as


propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos gravames
consequentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros. Na
sua opinião, esta equalização deve ser sempre realizada? E qual a opinião do TCU sobre isso?

Rafael: Na minha opinião, a questão da equalização das propostas é certamente uma das mais
mal compreendidas e aplicadas no tocante à participação de estrangeiros em licitações no
Brasil.

Parte de doutrina interpreta §4º do art. 42 da Lei 8.666 como sendo uma determinação no
sentido de que a carga tributária incidente sobre os licitantes nacionais deve ser incorporada às
propostas dos licitantes estrangeiros, de modo a se garantir a isonomia na disputa. O dispositivo
seria, portanto, uma regra destinada à proteção dos licitantes nacionais. Supondo que a carga
tributária de outros países é menos impactante do que aquela que incide sobre as empresas
brasileiras – o que poderia tornar a disputa injusta em desfavor dos licitantes nacionais –,
aponta-se que a solução seria aplicar a carga tributária brasileira sobre os preços dos
concorrentes estrangeiros. Assim, aplicando-se a “carga tributária nacional” sobre os preços
ofertados pelos estrangeiros, haveria, segundo esse raciocínio, uma efetiva isonomia entre os
interessados. Isso porque os licitantes estrangeiros não seriam beneficiados em função de a
carga tributária de seus países de origem ser mais amena do que a incidente sobre os licitantes
brasileiros.

Com o máximo respeito, reputo equivocado o entendimento.

Inicialmente, deve ser observado que, sob certo ângulo, o dispositivo mencionado parece ter
mesmo o objetivo de proteger os licitantes brasileiros. Entretanto, mais do que proteger os
licitantes brasileiros, a previsão do §4º do art. 42 da Lei 8.666 é uma regra de isonomia, e não de
proteção aos licitantes. Deve-se ter cautela na interpretação da regra. Sob o pretexto de
proteger os licitantes brasileiros, não é admissível que seja violado o princípio da isonomia. O
dispositivo não pode ser interpretado como se contemplasse uma espécie de “armadilha” aos
licitantes estrangeiros. É preciso observar que a legislação que trata das licitações no Brasil
admite expressamente a participação de estrangeiros nesses certames, inclusive em licitações
nacionais. E mais: o art. 3º, §1º, inciso II, da Lei 8.666 veda como regra geral o estabelecimento
de tratamento diferenciado entre licitantes estrangeiros e nacionais. Assim, ainda que
manifestações nacionalistas tendam a priorizar a contratação restrita às empresas nacionais e
que existam regras destinadas a fomentar a indústria nacional inclusive por meio da realização
de licitações, o fato é que o mercado de contratações públicas no Brasil é formalmente aberto
aos interessados de outros países.

Feita essa ressalva, entendo importante observar também que a afirmação da existência de
uma “carga tributária brasileira”, que seria constatável em tese, representa um grave equívoco
de premissa. Não se pode interpretar o §4º do art. 42 da Lei 8.666 como sendo uma
296

determinação de se acrescer “ficticiamente” valores às propostas de estrangeiros como meio de


“simular” a carga tributária assumida pelos licitantes brasileiros. Relacionar absolutamente
todos os encargos tributários incidentes sobre o licitante brasileiro seria no mínimo uma tarefa
hercúlea. Ainda que o dispositivo se refira apenas aos tributos que onerem os licitantes
brasileiros “quanto à operação final de venda”, o fato é que todos os tributos recolhidos direta
ou indiretamente pelo licitante ao longo de toda a sua cadeia de produção acabam
repercutindo, ainda que de modo colateral, no preço final da sua operação de venda à
Administração Pública. Impostos sobre patrimônio imobiliário, sobre veículos, sobre
movimentação de bens e prestação de serviços, contribuições previdenciárias, tudo isso se
reflete em custos ao particular que, de uma forma ou de outra, repercutem no preço final da
sua proposta. Na realidade, não se pode definir com exatidão o impacto da “carga tributária
brasileira”.

Sendo assim, inexistindo certeza absoluta sobre qual seria a “carga tributária brasileira” e o
seu impacto sobre o preço final ofertado à Administração Pública, torna-se impossível uma
equalização de propostas que consista simplesmente na sua transposição para a proposta dos
licitantes estrangeiros. Qualquer transposição fictícia da “carga tributária brasileira” à proposta
comercial de um licitante estrangeiro seria uma operação dotada de evidente subjetividade.
Resultaria numa grave violação aos princípios da impessoalidade e do julgamento objetivo,
comprometendo todo o resultado do certame.

Outro fator que impede a quantificação de uma “carga tributária brasileira” incidente sobre os
licitantes brasileiros deriva da potencialidade de se empregar mecanismos de elisão fiscal. Os
licitantes, na qualidade de empresas privadas que atuam no mercado, dispõem de liberdade
suficiente para promover arranjos destinados a minorar a carga tributária que incida sobre eles.
Como os licitantes dispõem de liberdade para utilizar diversos mecanismos contemplados pelo
ordenamento jurídico com o objetivo de reduzir os custos representados pelos tributos, torna-se
impossível definir uma carga tributária “em tese”, que incida do mesmo modo sobre todo e
qualquer licitante brasileiro e que supostamente poderia ser acrescentada ficticiamente sobre
os licitantes não nacionais.

Por outro lado, os próprios licitantes estrangeiros já são onerados por determinados tributos
que não incidem sobre os nacionais. Acrescer ficticiamente a suposta “carga tributária
brasileira” às propostas dos licitantes estrangeiros, ainda que com o objetivo de estimular a
indústria nacional, significaria a concessão de um tratamento ofensivo ao princípio da isonomia.
Praticamente inviabilizaria a participação de licitantes estrangeiros, o que frustra todas as
previsões legais que admitem a participação destes.
Aliás, não se pode ter como ponto de partida a suposição de que a carga tributária de outros
países seria necessariamente mais amena do que a tributação incidente sobre as empresas
brasileiras. Em diversos países, verifica-se uma carga tributária bastante pesada, o que não
necessariamente compromete a competitividade de suas empresas no mercado internacional.

Depois, seria muito difícil (ou até mesmo impossível) comparar as “cargas tributárias” de cada
país. Não apenas é um equívoco falar na existência de uma carga tributária “em tese”, inclusive
em função do uso de mecanismos de elisão fiscal, mas também a sistemática de tributação pode
variar muito de um país para outro. Há tributos e outros encargos indiretos, por exemplo, que
podem onerar a atividade da empresa, ainda que não incidam expressamente sobre o bem por
297

ela produzido ou o serviço por ela prestado. Assim, a constatação da carga tributária que onera
a proposta do licitante dependeria de detalhados levantamentos contábeis, e muito
provavelmente não chegaria a resultados satisfatórios e subsumíveis a um juízo objetivo.

A rigor, é muito difícil a comparação de cargas tributárias incidentes até mesmo sobre
licitantes nacionais. Basta considerar que os tributos estaduais e municipais podem ter impactos
diferentes entre os diversos licitantes.
Todas essas dificuldades derivam, em última análise, da má redação do §4º do art. 42 da Lei
8.666. Afinal, impostos sobre a renda, encargos previdenciários, IPTU, IPVA etc., todos são
tributos que oneram exclusivamente os brasileiros e, evidentemente, são considerados na
composição dos preços dos licitantes.
Estabelecido que a equalização de propostas por meio da transposição de carga tributária não
corresponde ao melhor entendimento acerca do tema, resta demonstrar qual a correta
compreensão da questão.
Entendo que a melhor interpretação do §4º do art. 42 da Lei 8.666 é a de que somente se
pode realizar a equalização se a proposta do licitante estrangeiro provocar algum custo adicional
à Administração Pública contratante, que não exista para o caso de se contratar um licitante
brasileiro. O objetivo primordial da regra, portanto, é permitir uma comparação adequada das
propostas, verificando-se qual é aquela que efetivamente proporciona maior vantajosidade à
Administração Pública contratante.

Assim, todos os licitantes, nacionais e estrangeiros, devem arcar com os tributos que incidem
sobre suas atividades, levando tal fator em consideração na elaboração das suas propostas.
Dessa forma, a Administração terá condições de comparar as propostas e identificar aquela que
realmente proporciona maior economia aos cofres públicos.

Em decorrência disso, qualquer modificação simulada nos custos tributários dos licitantes pela
Administração acarretaria distorções desleais e, por isso, inaceitáveis.

Um exemplo me parece esclarecedor. Suponha-se que a proposta do licitante estrangeiro


envolva a importação do produto que será fornecido à Administração. Essa importação envolve
determinados encargos tributários (imposto de importação, IPI, PIS/COFINS, ICMS), que
necessariamente incidirão no custo final do produto. Nesse caso, a Administração não poderá
deixar de considerar a incidência de tais encargos.

Assim, somente se produzirá a equalização quando a proposta do licitante estrangeiro


acarretar algum tipo de despesa para a Administração Pública, despesa essa que não haveria no
tocante à proposta do licitante nacional.

Ou seja, incumbe ao licitante estrangeiro observar as condições do edital e arcar com os


tributos incidentes sobre as suas operações e as suas receitas. Sua proposta deverá ser
observada, não sendo possível fazer complexos cálculos relativos a regimes fiscais. Se ele omitir
determinados custos tributários, ou deverá utilizar sua margem de lucro para fazer frente aos
tributos, ou sua proposta será inexequível.

Há alguns anos, o TCU adotou posicionamento que nos parece o mais correto acerca do tema.
Esse importante precedente (Acórdão nº 2.238/2013-Plenário, rel. Min. José Jorge, j. 21.8.2013),
298

examinou a questão com bastante aprofundamento. O caso julgado pelo TCU dizia respeito a
uma licitação internacional realizada pela Eletrobras, com financiamento do Banco Mundial,
destinada à aquisição de religadores automáticos trifásicos. Um dos licitantes formulou
representação ao TCU em que alegava, dentre outras possíveis irregularidades, que não havia
sido observada a determinação legal de equalização da proposta de um licitante estrangeiro
com sede na Austrália. A representante alegava que, por se tratar de licitação internacional, o
certame demandaria necessariamente a aplicação de critério ou procedimento de equalização
das propostas apresentadas por empresas nacionais com as de empresas estrangeiras, com
vistas a se obter a correta valoração quanto à economicidade das propostas. Segundo a
representante, uma das razões para a necessidade de equalização das propostas derivava da
incidência de custos adicionais de importação e nacionalização dos equipamentos por empresas
estrangeiras – custos que não estariam presentes na eventual contratação de um licitante
nacional.

O TCU examinou a fundo a questão da equalização das propostas.

Segundo o TCU, “o procedimento da equalização de valores de licitantes estrangeiros e


nacionais, previsto no art. 42, §4º, da Lei 8.666/93, tem o objetivo de garantir a observância do
princípio constitucional da isonomia entre os licitantes no seu direito de contratar com a
Administração. Verifica-se que a desconsideração de carga tributária e taxas incidentes sobre o
processo de importação para os produtos estrangeiros (preços na base CIP), ao mesmo tempo
em que se exige do licitante nacional a inclusão de quase todos os custos tributários
(excetuando-se apenas o ICMS – preços na base EXW), conduz necessariamente a um
tratamento desigual dos participantes da licitação, em ofensa ao art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal”.

Assim, o TCU entendeu que as previsões do edital que estabeleciam tratamentos distintos aos
licitantes nacionais e estrangeiros configuram “desobediência aos princípios da isonomia, da
eficiência e do julgamento objetivo da licitação, previstos no art. 37, caput e inciso XXI, da
Constituição Federal, c/c art. 42, §§ 4º e 5º, da Lei 8.666/93”.

Ao final, o voto consignou que “merecem ressalva as disposições do edital, tendo por base as
Diretrizes do BIRD para aquisições no âmbito de empréstimos concedidos pela instituição, que
conferem tratamento diferenciado à apresentação das propostas por licitantes nacionais (preços
na base EXW) e estrangeiras (preços na CIP), cujos bens licitados ainda serão importados,
exigindo das primeiras a inclusão de todos os tributos e outras taxas de importação,
dispensando, porém, as últimas da discriminação desses encargos”.

Note-se que o acórdão do TCU em nenhum momento mencionou a necessidade de se incluir


ficticiamente na proposta dos licitantes estrangeiros a carga tributária incidente sobre os
licitantes nacionais. Apenas houve a preocupação com que as propostas estivessem nas mesmas
bases tributárias, de modo que fosse possível a sua correta comparação.

Entendemos que esta é a compreensão mais correta da previsão de equalização das propostas
estabelecida pelo art. 42, §4º, da Lei 8.666.
299

Segundo o § 5o do art. 42 da Lei 8.666, havendo o emprego de recursos provenientes de


fontes estrangeiras, as licitações poderão ser realizadas de acordo com as regras constantes
de acordos, convenções ou tratados internacionais, ou ainda em conformidade com as normas
editadas pela instituição que realizará o empréstimo ou a doação de recursos. Isto significa o
completo afastamento das regras da Lei 8.666? Quais os limites e pressupostos do
afastamento das regras previstas na Lei de Licitações?

Rafael: Não. O emprego de recursos provenientes de fontes estrangeiras não significa o


completo afastamento das regras da Lei 8.666.

O art. 42, §5º, da Lei nº 8.666, estabelece como condição para aplicação das normas editadas
por organismos internacionais o de que tais regras “não conflitem com o princípio do
julgamento objetivo”. Isso significa que as decisões tomadas no âmbito de uma licitação regida
pelas regras editadas por um organismo internacional devem ser embasadas em regras
objetivas. Não há espaço para decisões de cunho subjetivo ou pessoal por parte da
Administração ou do órgão financiador.

Só que, mais do que isso, não basta que se observe o princípio do julgamento objetivo. As
regras aplicáveis às licitações financiadas por organismos internacionais devem observar todos
os princípios fundamentais das licitações, tais como os da impessoalidade, isonomia,
publicidade, moralidade, probidade administrativa e eficiência. O fato é que todos esses
princípios se relacionam entre si, sendo impossível o isolamento e aplicação dissociada de
apenas um deles em detrimento dos demais.

Assim, quando se refere à necessidade de observância do princípio do julgamento objetivo, o


§5º do art. 42 da Lei 8.666 deve ser interpretado de forma ampliativa, como fazendo referência
a todos os princípios fundamentais das licitações, que, em última análise, são comandos
inafastáveis de natureza constitucional.

Nem poderia ser diferente. O ordenamento jurídico brasileiro não pode compactuar com a
realização de licitações irregulares, nem mesmo se elas forem realizadas com recursos
provenientes de doação. Trata-se de uma questão até mesmo de soberania nacional. Ademais,
no caso de financiamento por organismo internacional, a Administração Pública brasileira
deverá devolver os recursos (afinal, trata-se de mero empréstimo). Contratações ruinosas e
licitações ofensivas aos princípios básicos das licitações no Brasil não são compatíveis com o
direito.

Na prática, portanto, não haverá um afastamento total da Lei 8.666. O que se permite é um
afastamento das soluções procedimentais e praxísticas da Lei 8.666 em favor de um
procedimento que pode ser totalmente diverso. Mas, mesmo assim, os princípios fundamentais
das licitações no Brasil devem ser observados.

Quais as principais semelhanças e diferenças nas regras próprias das licitações financiadas
pelo BID, BIRD e PNUD?

Rafael: As regras próprias das licitações financiadas pelo BID e pelo BIRD são praticamente
idênticas entre si. No entanto, essas regras passam por revisões constantes, é importante que se
diga.
300

Já as regras do PNUD são muito similares às da Lei 8.666, e, portanto, bastante diversas
daquelas previstas nas guidelines do BID e do BIRD.

Por fim, Rafael, na sua opinião, e com base na experiência de outros países, quais os
aprimoramentos necessários na legislação para que o Brasil possa se beneficiar ainda mais da
participação de licitantes estrangeiros nas nossas contratações, contribuindo com nosso
desenvolvimento econômico sustentável?

Rafael: Alguns aprimoramentos me parecem essenciais à legislação de licitações como um


todo – e, “por tabela”, acabariam ampliando a participação de estrangeiros. Como exemplo,
refiro-me à necessidade de menos formalismo. O formalismo exacerbado é danoso às
contratações públicas. Encarece os contratos e é uma das principais fontes de corrupção.

Outra questão que me parece essencial para a melhoria das licitações como um todo é acabar
com as diferentes modalidades de licitação, cada qual com os seus procedimentos rígidos. Nesse
sentido, a sistemática do RDC teve uma contribuição muito importante. Deve haver um
procedimento básico, com a possibilidade de a Administração modulá-lo a cada caso.

Também me parece que a sistemática de verificação de condições de habilitação (em especial


a técnica) precisa de uma ampla revisão. Por que não simplificar os procedimentos e exigir um
seguro dos licitantes, principalmente em certas contratações em que a exigência de um seguro
não seja um custo proibitivo?

De todo modo, especificamente em relação à participação de estrangeiros, a principal


alteração para aprimorar o tema me parece a de acabar com a necessidade de autorização para
funcionamento no Brasil. Entendo a preocupação que o Código Civil tem com o assunto, mas, na
minha visão, há outros meios mais eficientes para garantir segurança ao contratante sem
dificultar em demasia a participação de estrangeiros.

Já participei de congressos sobre licitações na Itália e na Inglaterra. Em todas as


oportunidades, pude verificar que é visível o interesse pelo mercado brasileiro de licitações, mas
que a exigência de autorização para funcionamento no Brasil é a principal barreira de entrada.
Nenhum investidor quer empregar recursos, tempo e energia na obtenção de autorização para
funcionamento no Brasil sem nem mesmo saber se haverá licitações do seu interesse.

Rafael Wallbach Schwind é doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São
Paulo (USP), foi visiting scholar na Universidade de Nottingham, Inglaterra. É autor de diversos
livros e artigos nas áreas de direito administrativo e regulatório, inclusive do livro Licitações
Internacionais, cuja segunda edição foi publicada pela Editora Fórum em 2017. Integra a lista de
árbitros e mediadores de diversas câmaras no Brasil, é Associate do Chartered Institute of
Arbitrators (CIArb), de Londres, e advogado sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira e
Talamini.

Marcio Motta da Cruz tem Especialização em Gestão Pública pela UNED-Espanha, Mestrado
em Fazenda Pública e Administração Financeira pelo IEF-Espanha, é Auditor Federal de Controle
Externo – TCU atuando como Diretor de Centralização e Padronização de Contratações do
Tribunal. É professor da ENAP e da Secretaria de Educação/DF.
301

64. Entrevista com o professor Renato Cader sobre a Gestão Estratégica e Governança nas
Licitações, 20/10/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor Cristiano Rocha Heckert.

Licitações é tradicionalmente visto na Administração Pública como um tema puramente


operacional. Como inseri-lo na gestão estratégica do órgão?

Renato: Se eu fosse responder de forma simplista, eu diria que, para inserir o tema
“Licitações” na gestão estratégica do órgão, é necessário que se inclua no Planejamento
Estratégico Institucional e em seu respectivo desdobramento um conjunto de indicadores,
metas e iniciativas, permeando todos os níveis da organização. Essa resposta pode parecer
óbvia, mas, certamente, é reducionista. A inclusão de indicadores, metas e iniciativas é
fundamental, no entanto, a consecução dos objetivos pode ser frustrada se a Administração
não construir o modelo de governança adequado. Não existe governança sem gestão, o que
exige a adoção de um conjunto de mecanismos e instrumentos que promovam maior
eficiência, eficácia e, acima de tudo, efetividade no universo das contratações.

É importante observar que o tema licitações não deve ser tratado com o foco apenas na
legalidade da instrução processual, nem tampouco se resumir à escolha da proposta mais
vantajosa de uma licitação específica. A gestão estratégica e a governança das aquisições
demandam mais inteligência aos processos decisórios referentes às contratações. É preciso,
sobretudo, saber se aquele produto/serviço atende ao usuário e se o modelo de contratação é
de fato mais vantajoso. Não adianta fazer uma licitação econômica e bem-sucedida, com
excelente instrução processual, se a aquisição poderia ser substituída por outro de modelo de
contratação que atenda à Administração de forma mais vantajosa sob o ponto de vista
econômico, social e ambiental. Por exemplo: nas contratações relacionadas a transporte, deve-
se estudar antes se é válido ampliar a frota de veículos, ora se é melhor utilizar outras
estratégias, como terceirizar os carros com os motoristas, adotar serviços compartilhados com
outros órgãos ou partir para um modelo similar ao TaxiGov. Antes de tomar a decisão sobre
uma contratação, é imprescindível que se tenham estudos técnicos preliminares, a análise e
gerenciamento dos riscos. Tais elementos são peças raramente identificadas nos processos de
licitação das organizações; por outro lado, estão cada vez mais presentes nos ambientes
normativo e jurisprudencial das contratações.

Para que o tema licitações não seja visto como puramente operacional, é importante, de fato,
construir uma boa governança de aquisições, fazendo-se necessária a elaboração de planos de
aquisição naturalmente alinhados ao Planejamento Estratégico Institucional. Não existe
governança sem planejamento! Entendo que o Plano Anual de Aquisições e o Calendário de
Contratações são ferramentas fundamentais na construção dessa boa governança.
Recomendo, também, a elaboração de um Plano de Gestão Estratégica de Compras e/ou um
Plano Diretor de Compras, vislumbrando as perspectivas de médio e longo prazo - o que já foi
mencionado pelo professor Renato Fenili em entrevista aqui na ENAP. Poderia ser feito algo
parecido com os Planos Estratégicos de Tecnologia da Informação (PETI) e os Planos Diretores
de Tecnologia da Informação (PDTI), já que estes já existem na Administração Pública há algum
tempo, tendo experiências consagradas e exitosas. Um Plano de Gestão Estratégica de
Compras é algo muito raro um caminho a ser explorado. Não posso deixar de citar também
outros mecanismos e instrumentos de gestão, tais como Política de Contratações Sustentáveis,
302

Desenho de Processos, Manuais de Contratações com indicadores e Pesquisas de Satisfação


aos Usuários.

Enfim, parece até uma receita de bolo, né? Ocorre que não tão simples assim, Henry
Mintzberg - um dos maiores expoentes da literatura sobre estratégia - argumenta que não
existe uma melhor estratégia e nenhuma receita funciona da mesma forma para todas as
organizações. Para ele, a definição da estratégia demanda a existência de líderes e
profissionais na organização com pensamento analítico e estratégico. Esses profissionais
devem ter capacidade de compreender o contexto organizacional e definir o rumo da
organização. Talvez, essa seja a grande carência na Administração Pública Brasileira.

Na minha opinião, o maior desafio está na governança e na gestão de pessoas. Há na


Administração Pública um desequilíbrio injusto de aporte de recursos humanos entre seus
órgãos e entidades. Muitas administrações sofrem com problemas relacionados à insuficiência
quantitativa e qualitativa de recursos humanos em todos os níveis da organização. Faltam
administradores com habilidades gerenciais e visão estratégica. É preciso, sobretudo, alocar os
perfis adequados na cadeira certa. Não é recomendável, por exemplo, que nas áreas de
compras e contratos tenham apenas profissionais com formação jurídica e vasto
conhecimento da legislação e jurisprudência. É necessária também a existência de servidores
com conhecimento de administração e economia, formando equipes multidisciplinares. A
meritocracia deve estar conjugada com a alocação adequada dos profissionais que fazem a
gestão pública. Sem isso, o tema licitações não entra, de fato, na gestão estratégica. Vejo
muitos gestores fazendo papel de síndico, quando deveriam estar canalizando energia para
construir um modelo de governança que alinhe a gestão das licitações à estratégia, com o foco
no fortalecimento institucional de longo prazo. Devemos agir em curto prazo, mas pensar o
médio e longo prazo. Entendo que essa é a razão pela qual gastamos grande parte do nosso
tempo apagando incêndio, gerando retrabalhos e, muitas vezes, utilizando mal os recursos
públicos - mesmo com processos muito bem instruídos e licitações exemplares.

Como conduzir o processo de desdobramento da estratégia, garantindo que as contratações


reflitam as prioridades definidas no Plano Estratégico Institucional?

Renato: Entendo que uma das principais causas de fracasso na gestão estratégica das
organizações reside na deficiência de ligação entre as metas estratégicas da Alta
Administração com a administração do dia a dia no nível operacional. O desafio está no
desdobramento da estratégia e na sua condução. É fundamental que o Planejamento
Estratégico Institucional seja desdobrado em metas de médio e curto prazo, de modo a deixar
bem claro como a utilização dos mecanismos e ferramentas de relacionados direta ou
indiretamente com a gestão de compras irão colaborar com o cumprimento dos objetivos
estratégicos da instituição. Temos que assegurar, por exemplo, se os instrumentos como
Acordo de Resultados, Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI), Plano Anual de
Aquisições, Plano de Gestão da Logística Sustentável (PLS), e os demais Planos Táticos e
Operacionais estão de fato contribuindo para a consecução dos objetivos institucionais, tendo
seus indicadores, metas e iniciativas de curto, médio e logo prazo com a devida harmonia e
conexão.

A meu ver, para que isso aconteça de forma mais efetiva, é imprescindível a sinergia entre as
áreas meio e fim. Essa sinergia deve ser acompanhada de métodos para efetivar o
303

desdobramento da estratégia. Ao longo da história, foram desenvolvidos alguns destes


métodos. Com exemplo do Japão, onde se pode destacar o Hoshin Kanri, que preconiza o
gerenciamento das estratégias através dos distintos níveis da organização. Eu apontaria no
Hoshin Kanri o desdobramento top-down e bottom-up (de cima para baixo e de baixo para
cima) e a aplicação geral do ciclo de melhoria contínua PDCA (Plan - Planejar Do - Fazer, Check
-Checar, Action- Agir). Como nós sabemos, tem-se observado cada vez mais na Administração
Pública Brasileira o uso do BSC (Balanced ScoreCard), que trouxe avanços significativos para
várias administrações, no que tange à construção de indicadores, metas e iniciativas. Similar ao
Hoshin Kanri, o BSC busca a ligação das atividades de curto prazo com os objetivos de longo
prazo. É nesse sentido que recomendo que na condução do desdobramento da estratégia
sejam utilizados conceitos e métodos como os mencionados acima.

No Brasil, temos vários cases bem-sucedidos de desdobramento da estratégia. Tive a


oportunidade de participar da construção do Acordo de Resultados da Secretaria-Geral do
Ministério Público Federal. O Acordo de Resultados, alinhado ao Planejamento Estratégico
Institucional, conta com o “Painel de Contribuição” de cada Secretaria Nacional, que prevê um
conjunto de indicadores, metas, iniciativas e os respectivos responsáveis. Na Secretaria de
Administração, nós incluímos indicadores e iniciativas voltadas para o fortalecimento da
governança das aquisições. Além do Acordo de Resultados, eram previstos Acordos Setoriais.
Era uma forma de fazer com que as contratações refletissem as prioridades definidas pela
Administração. Nesse contexto, surgiram instrumentos que contribuíam para a qualidade do
planejamento das licitações, como o Calendário de Contratações. A condução do
desdobramento da estratégia na Secretaria-Geral do MPF foi um processo de construção
coletiva, no qual participaram servidores de todos os níveis da organização. Todas as chefias
das áreas assinavam o Acordo, materializando-se o compromisso com as iniciativas e metas
estabelecidas. Eram feitas medições e, também, gerados Relatórios de Execução Semestral
que eram publicados no sítio eletrônico. Já estamos utilizando a mesma metodologia no
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Pondero que o desdobramento exitoso exige
comprometimento, construção coletiva, monitoramento, comunicação, transparência e
prestação de contas, sendo estes elementos fundamentais na condução desse processo.

Em 2014, o TCU realizou o primeiro levantamento de Governança de Aquisições na


Administração Pública Federal, cujos resultados materializaram-se no Acórdão no
2.622/2015-TCU-Plenário. Quais as principais conclusões daquele levantamento? A situação
melhorou de lá para cá?

Renato: O Acórdão nº. 2.622/2015 propôs, de forma contundente, várias medidas visando o
aperfeiçoamento da governança e da gestão das contratações realizadas pela Administração
Pública Federal. As principais conclusões podem ser observadas nas diversas recomendações
relacionadas à governança, integrando a visão de gestão de pessoas, de gestão estratégica, de
gestão de riscos, da construção de políticas, normas, estruturas e processos adequados. Eu
fiquei positivamente impressionado quando observei as recomendações relacionadas à gestão
de pessoas com o foco na meritocracia. O Acórdão recomenda, por exemplo, ao então
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que expeça orientações no sentido de que,
quando pertinente, a escolha dos ocupantes de funções-chave, cargos em comissão na área de
aquisições, seja fundamentada nas competências e pautada pelos princípios da transparência,
da motivação, da eficiência e do interesse público.
304

Ocorre que eu não tenho observado, de uma forma geral, avanços relevantes após essa
recomendação. Por outro lado, as recomendações relacionadas à gestão de riscos e à melhoria
do planejamento das contratações podem ter impulsionado avanços nessas áreas. Merece
destaque a constatação do Acórdão quanto aos problemas que envolvem a contratação de
serviços sob o regime de dedicação exclusiva. Nesse sentido, a IN 05/2017 pode ser
considerada um grande avanço impulsionado pelo Acórdão. Vale ressaltar que antes o foco era
voltado para a Seleção do Fornecedor e Gestão do Contrato. Com a nova IN, a fase de
Planejamento da Contratação passa a ter o valor que merece, com a cobrança dos estudos
preliminares, do gerenciamento de riscos e a necessidade de formação da equipe de
Planejamento da Contratação. Ela, de fato, avança no papel, porém, na prática, levará um
tempo para que as instituições se adequem – principalmente aquelas que têm seus quadros
defasados e com carreiras enfraquecidas. Nesse contexto, é fundamental que os órgãos de
controle tenham sensibilidade para tratar de forma desigual os desiguais, sem prejuízo – óbvio
– de suas atribuições e atuação.

Não podemos negar que houve avanços significativos após esse Acordão, mas ainda há muito
o que fazer. O grande desafio agora é fazer com que os órgãos e entidades da Administração
Pública sigam esses normativos, num ambiente onde residem vários problemas relacionados à
carência de recursos humanos. Em contrapartida, devemos ter cuidado com o argumento
relacionado à falta de pessoal. É um argumento perigoso que pode incitar a chamada “zona de
conforto”, - algo que existe em vários feudos da Administração. É preciso compreender que é
possível fazer mais com menos, o que envolve motivação e comprometimento.

No mês passado, os órgãos e entidades federais responderam ao primeiro levantamento


integrado de governança conduzido pelo TCU, que agrega em um só instrumento questões
afetas a gestão estratégica, tecnologia da informação, gestão de pessoas e gestão de
contratações. Como você enxerga esse movimento?

Renato: É fundamental que os servidores que lidam com o tema “Licitações” tenham um olhar
mais sistêmico sobre a organização. Como diria Peter Senge, uma referência nos estudos de
administração: “Sem o pensamento sistêmico, a semente da visão cai em solo estéril”. O
levantamento integrado de governança dá um recado aos administradores de que não
podemos tratar os temas de gestão desconectados entre si. Por exemplo, para elevar a
qualidade da governança de aquisições, é preciso ter boas ferramentas e soluções de TI e, ao
mesmo tempo, uma boa governança de pessoas.

Vejo isso como um grande avanço do controle externo. As determinações e recomendações


dos órgãos de controle passam cada vez mais a levar em consideração outras variáveis
relacionadas, proporcionando, assim, a atuação de uma auditoria mais sistêmica e estratégica,
que vai à autoridade máxima das organizações, estimulando a adoção de boas práticas de
governança e de gestão.

Espera-se com esse levantamento, que as instituições disponham de informações de maior


qualidade para subsidiar as decisões e a formulação de suas respectivas estratégias de
atuação. Por meio do relatório, as organizações poderão comparar os seus resultados com o
resultado geral da avaliação e também de suas respectivas áreas de atuação. Vejo esse
instrumento como um indutor da boa governança das aquisições, trazendo o tema licitações
para o patamar estratégico que ele deve ter.
305

Observam-se às vezes na Administração Pública contratações conduzidas ao final do ano,


com o intuito de “queimar” o orçamento restante. Quais os riscos desse tipo de
procedimento e como evitá-los?

Renato: Essa é uma herança cultural que carregamos e está relacionada a deficiências de
planejamento e ao processo orçamentário no Brasil. Os melhores gestores são aqueles que
executam o maior percentual do orçamento. Ocorre que a execução pode ter sido excelente,
tendo sido relegada ao segundo plano a qualidade do gasto. É preciso mudar o paradigma.
Entendo que devemos fazer o planejamento orçamentário ser o mais próximo da execução,
mas é preciso ponderar que há diversos fatores que nos levam a não executar aquilo que
planejamos, e, quando isso acontece, deve ser analisado cada caso, utilizando ferramentas
adequadas de controle e accountability. Não acho salutar punir instituições, reduzindo a
dotação orçamentária no ano seguinte porque não houve boa execução no ano anterior, sem
ao menos entender o contexto. Vejo, portanto, que esse ponto é merecedor de mudanças.

No entanto, não podemos colocar a culpa no modelo. O maior problema está na inépcia das
administrações relacionada a planejamento. O risco de fazer uma licitação sem o devido
planejamento pode fazer com que aquilo que será contratado não seja de fato mais vantajoso
para Administração. Isso ocorre muitas vezes quando não fazemos um estudo técnico
preliminar, quando aderimos a alguma ata de registro de preços cujo bem adquirido não era o
que a Administração compraria em condições normais, ou quando temos que fazer uma
licitação rápida e acabamos falhando na instrução. Esse modelo de “queimar” o orçamento
restante no final do ano traz uma série de riscos e malefícios para Administração. Para evita-
los, sugiro que os gestores públicos confiram a devida importância ao planejamento,
elaborando instrumentos como o Plano Anual de Aquisições, o Plano Estratégico de Compras
e/ou o Plano Diretor de Compras. Além disso, é importante que a Administração seja mais
incisiva na cobrança da elaboração de Estudos Técnicos Preliminares nas licitações e também
na construção do Calendário de Contratações, sendo, sobretudo, fiel àquilo que foi planejado.

O que é o Calendário de Contratações e qual a sua importância?

Renato: O Calendário de Contratações é um instrumento que fixa regras e prazos para que as
unidades requisitantes de bens e serviços e as demais unidades envolvidas com o processo de
contratação realizem suas atividades de forma planejada e com a devida antecedência. Sua
importância está no fomento à cultura do planejamento nas organizações, na redução dos
riscos de mau uso dos recursos públicos, no planejamento e alocação adequada dos recursos
humanos nos diferentes projetos institucionais e na redução de custos administrativos
invisíveis. Enfim, são vários os benefícios desse instrumento.

O Calendário de Contratações visa, especialmente, aliar celeridade à qualidade das instruções


processuais. Isso requer o envolvimento considerável de várias unidades e órgãos nas diversas
etapas do processo - no levantamento das necessidades do próximo exercício; na elaboração
do Termo de Referência com a devida antecedência- permitindo-se, assim, reflexão, estudo
detalhado da necessidade e consulta ao mercado. Tais medidas minimizam também o risco de
fracasso e desertificação dos certames licitatórios, promovem melhorias na qualidade das
aquisições e serviços, bem como na gestão e fiscalização dos contratos.

O Ministério Público Federal é um exemplo de boa prática. Eles estabelecem os períodos para
306

o recebimento do Termo de Referência para instrução da contratação ou licitação e, se for o


caso, para o empenho da despesa, assinatura do contrato ou da ata de registro de preço. Eles
consolidam os principais itens de custeio e investimento. O Calendário é publicado por portaria
assinada pela autoridade superior. Nesse sentido, recomendo fortemente o uso desse
instrumento com essa metodologia ou algo similar.

Encontra-se em discussão no Congresso Nacional o projeto da nova lei de licitações. Que


inovações você destacaria nessa proposta? Como ele pode contribuir para a melhoria da
governança nas contratações?

Renato: O projeto da nova lei de licitações traz uma série de avanços e inovações. Ele vem
compilar em uma só lei um conjunto de leis e dispositivos que se encontravam fragmentados,
revogando a Lei do Pregão e do RDC - o que já facilita a vida dos administradores e servidores
que lidam com o tema. Vou elencar aqueles que considero mais relevantes e que, a meu ver,
irão fazer a diferença na qualidade das contratações, junto com a redução dos custos
administrativos. O Projeto de Lei vem reforçar a importância do planejamento. Apesar de o
Decreto-Lei nº 200/67 já considerar o planejamento como um princípio e, mesmo assim, não
termos avançado muito de lá pra cá, as exigências desse projeto já refletem melhorias mais
concretas no planejamento da licitação. Um bom exemplo diz respeito aos serviços e obras de
engenharia, que somente poderão começar quando houver projeto executivo e não mais
apenas o projeto básico, como é atualmente. Não há dúvidas de que esse dispositivo vai
reduzir os custos excessivos decorrentes nos inúmeros aditivos que existem na execução dos
respectivos contratos. Ainda no que tange às obras, merece destaque a modificação do
Pregão, que passa a ser aplicável também para obras consideradas comuns – cujo valor
estimado do contrato seja inferior a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

Outra inovação diz respeito ao chamado “Diálogo Competitivo” – nova modalidade de licitação
em que a administração pública realiza diálogos com licitantes objetivando identificar
alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar
proposta final após o encerramento do diálogo – isso em alguns casos específicos que o
dispositivo prevê.

Na nova lei, os limites de contratação por dispensa deverão ser alterados de forma
significativa: para contratação de obras, será até R$ 60 mil- desde que a realização do convite
não seja possível; para serviços e compras, será até R$ 15 mil – também desde que a
realização do convite não seja possível. Merece ser ressaltado, além disso, o prazo da
contratação emergencial, que passa a ser de - no máximo - 360 dias. Ainda no que toca a prazo
de contratos, eles poderão ser celebrados até 5 anos para fornecimento continuado de bens e
serviços e, na renovação dos contratos de serviços, contínuos poderão ser renovados até 10
anos. Todos esses elementos vão trazer, sem sombra de dúvidas, redução nos custos
administrativos processuais. Por outro lado, os órgãos de controle e os administradores
deverão redobrar a atenção, sendo mais criteriosos e cautelosos, tendo em vista os riscos
relacionados à manutenção da vantajosidade das contratações.

Não poderia deixar de ressaltar que no projeto de lei, a sustentabilidade é considerada um


princípio, o que promove mais força no sentido de sedimentar as licitações sustentáveis. Outro
avanço é referente ao tratamento dos resíduos gerados pelas obras e à necessidade de
previsão de acessibilidade, que tem um efeito pedagógico ao gestor público. No entanto, o PLS
307

não prevê na fase preparatória da licitação a necessidade de mapeamento e identificação pelo


servidor público de critérios de sustentabilidade, o que certamente contribuiria para maior
efetividade das licitações sustentáveis.

Enfim, vejo que, além desses comentários, há muitos outros que certamente dariam outra
entrevista. O que eu posso dizer é que com a nova Lei haverá mudanças de paradigmas
relevantes, mas também muitos desafios pela frente que exigem investimento em capacitação
e mudança de cultura.

Contratações é uma das principais formas pelas quais os recursos públicos são executados.
Como promover ainda mais transparência e controle social nesse processo?

Renato: Uma gestão transparente é fundamental para que exista a capacidade de conhecer e
compreender as informações referentes aos gastos públicos, o que exige a adoção de
ferramentas e canais institucionais eficazes de controle social na gestão governamental. Não
custa lembrar que a transparência é elemento previsto em um conjunto de leis ordinárias e
ações institucionais que tratam da matéria e têm sido crescentes nos últimos anos. Temos
bons exemplos como a Lei Complementar nº 101/2000 - conhecida como Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) - e a Lei nº 12.527/2011 - a tão conhecida “Lei de Acesso à
Informação”, que vem exigir: “informações concernentes a procedimentos licitatórios,
inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados”,
entre outras obrigações que tornam a evidência de que o gestor que não pode deixar de
informar, senão será penalizado.

Nesse contexto, não há dúvidas de que o gestor deve atuar cada vez mais com a ótica da
transparência ativa. Logo, é natural que as administrações desenvolvam várias ferramentas de
controle social. No Brasil, temos vivido um avanço significativo do papel e atuação das
ouvidorias, da formação contínua de conselhos de políticas públicas, e dos, aparentemente,
satisfatórios portais da transparência. A minha maior crítica recai sobre os portais. Essas
ferramentas agregariam grande valor na transparência e no controle social se as instituições
de fato disponibilizassem as informações de modo a facilitar a vida do cidadão. Só que não é o
que tenho visto. Tenho tido muita dificuldade em acessar editais e contratos nos sítios
eletrônicos de diversas instituições, mesmo daquelas que deveriam dar o exemplo.

É óbvio que evoluímos bastante, mas entendo que tal evolução foi decorrente dos avanços
institucional e legislativo da matéria nos últimos anos. A cultura do segredo, da não
transparência é ainda muito presente nas instituições e, muitas vezes, os modelos mentais dos
gestores são atrasados e incompatíveis com o paradigma que se pretende construir. Há casos
em que os dados não são divulgados por medo de dar visibilidade às fragilidades existentes
nas licitações e nos processos decisórios relacionados aos gastos públicos. Vejo situações em
que os dados são até divulgados, mas com dificuldade para o cidadão acessar ou entender. Em
alguns casos, pode ser que haja gestores que nem desejam promover essa transparência e
facilidade de acesso ao cidadão. Ou seja, o cidadão quer busca a informação e não tem.

Uma solução para esse problema é construir uma boa governança. A governança adota
princípios como a transparência e a accountability para propor práticas de controle e
acompanhamento da administração, a fim de evitar os problemas da relação agente e
principal, o que é fundamental para o Estado Democrático de Direito. O filósofo italiano,
308

Norberto Bobbio - em sua publicação “Estado, Governo, Sociedade” - declara que para o
exercício da democracia é essencial que as ações dos governantes sejam divulgadas, e assim,
quando tornadas públicas, possam ser esmiuçadas, julgadas e criticadas. O que tenho visto,
apesar de todos os avanços, é desarmonia entre o agente e principal, causada muitas vezes
pelo baixo nível de governança. O cidadão quer a informação, mas não a encontra na maioria
dos casos e, quando está disponível, não o atende ou ainda não é inteligível. Nesse ponto,
temos um logo caminho a evoluir; uma tarefa hercúlea para gestores e órgãos de controle, no
sentido de fortalecer as estruturas e a governança nas instituições públicas brasileiras.

Como aplicar com eficácia a gestão de riscos em contratações?

Renato: Gestão de riscos é um caminho que não tem volta para aqueles que pretendem
construir um bom modelo de governança nas contratações. Os normativos de TI, a nova IN de
serviços, por exemplo, já trazem a exigência de que nas contratações deve-se prever a análise
e gerenciamento de riscos. Mas a gestão de riscos não deve ser aplicada apenas de forma
pontual nas licitações, atendendo aos documentos exigidos pela normatização.

Gosto muito do trabalho que o TCU tem desenvolvido, utilizando o referencial do COSO, e
entendo que devemos, de forma proativa, utilizar ferramentas de gestão de riscos aplicadas às
contratações. Tais ferramentas visam ao fortalecimento da governança de aquisições e não
apenas ao gerenciamento de riscos de uma ou outra licitação. O Diagrama de Verificação de
Riscos, por exemplo, é um gráfico de probabilidade x impacto, por meio do qual se pode
classificar os diferentes graus de riscos como: baixo, médio e alto. Antes de classificar esses
riscos, a administração precisa definir quais são os riscos e, para tal, sugere-se uma matriz
SWOT como base para essa definição. Eu particularmente gosto muito dessa ferramenta, uma
vez que, a partir dos riscos definidos em graus diferenciados, podemos fazer um plano de
ação, propor ações preventivas e de contingência de forma mais sistemática e ordenada.

Enfim, sugeri algumas possibilidades, mas vale lembrar que existem várias ferramentas
apontadas pela literatura. É fundamental que as instituições escolham as ferramentas mais
adequadas ao seu contexto organizacional.

Renato Cader da Silva é Doutor em Ambiente e Sociedade pela UNICAMP e Mestre em


Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, integrante da carreira de Especialista em
Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão. Atualmente cedido para o Ministério Público do Rio de Janeiro. Foi Secretário de
Administração do Ministério Público Federal. Foi Diretor de Gestão do Instituto de Pesquisas
Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foi também Gerente Executivo e de Recursos Humanos da
ANCINE. Sua experiência profissional inclui ainda o cargo de coordenador no Ministério do
Meio Ambiente. Atuou como gestor na área de gestão ambiental no Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além de ter trabalhado no Banco do
Nordeste. É professor do MBA da Fundação Getulio Vargas. Um dos vencedores do Prêmio
Inovação na Gestão Pública Federal com o projeto: Compras Públicas Sustentáveis: uma
experiência de compra compartilhada. Vencedor também do Prêmio Sustentabilidade na
Administração Pública do Instituto Negócios Públicos. Recebeu também o Prêmio CNMP 2015,
do Conselho Nacional do Ministério Público, com o projeto: "Implantação do Sistema de
Compras Compartilhadas Sustentáveis do Ministério Público Federal"
309

Cristiano Rocha Heckert possui graduação (1999), mestrado (2001) e doutorado (2008) em
Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). É servidor
público federal da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, aprovado em 1º lugar no concurso
2005 – ênfase em regulação. Atualmente exerce a função de Secretário de Modernização e
Gestão Estratégica (CC-6) no Ministério Público Federal. Dentre outros cargos, foi Secretário de
Logística e Tecnologia da Informação no Ministério do Planejamento (2015-2016) e Secretário
de Gestão Estratégica no Conselho Nacional do Ministério Público (2012-2015). É professor de
governança e gestão pública na ABOP, ENAP, ESMPU, FGV e IBGP. É autor do livro
"Contratações de TI: O Jogo", em conjunto com Antonio Fernandes Soares Netto, Ed. Negócios
Públicos, 2017.

65. Entrevista com a professora Lucimar Rizzo sobre boas práticas em fiscalização de
contratos administrativos, 24/10/2017
• As perguntas foram elaboradas pelos professores da ENAP Fabricio Santos e Cecilia
Costa.

No que consiste a gestão e a fiscalização de contratos?

Lucimar: A gestão e a fiscalização dos contratos, causa confusão e interpretação equivocada,


visto que muitos ainda acreditam tratar de sinônimos.

No entanto, a gestão é o ato de gerenciamento dos contratos. Cuida-se, por exemplo, do


reequilíbrio econômico-financeiro, de incidentes relativos a pagamentos, de questões ligadas à
documentação, ao controle dos prazos de vencimento, de prorrogação. É um serviço
administrativo propriamente dito, que pode ser exercido por uma pessoa ou um setor.

Já a fiscalização é exercida de forma pontual, sendo atribuição personalíssima do servidor


designado para fiscal do contrato. É o ato de diligenciar, inquirir, censurar, investigar, verificar
se as etapas planejadas estão sendo cumpridas, se tecnicamente a obra/serviço/produto está
correto e se o dinheiro despendido corresponde ao previsto em contrato. Tem o sentido de
fazer diligências recomendando medidas saneadoras, inclusive, se necessário, comunicar aos
superiores hierárquicos os casos de infração, suscetíveis de aplicação de pena pecuniária ou de
rescisão contratual. A Fiscalização é realizada mensal, diária, procedimental e por amostragem

Qual a importância da fiscalização de contratos?

Lucimar: Esse é um tema instigante e que dá espaço para profundas discussões e reflexões,
além de ser um assunto que merece atenção especial por parte de todos os gestores e
administradores públicos.

Na minha opinião, a função de “fiscalização de contratos” sempre ficou relegada a segundo


plano nos processos administrativos. Eu diria que recentemente é que se tem dado ênfase
para essa atividade, visto que existe um consenso em relação a necessidade de a
Administração Pública melhorar substancialmente o seu gerenciamento.

Os contratos administrativos celebrados pela Administração Pública constituem um ponto


bastante sensível. O acompanhamento e a fiscalização desses contratos são ferramentas
310

imprescindíveis de que o servidor dispõe para a defesa do interesse público e, caso não haja a
necessária e a correta fiscalização, podem ser gerados benefícios para os entes privados em
detrimento do bem comum.

Logo, fiscalizar e acompanhar a execução do contrato não só é de fundamental importância


como é essencial à Administração Pública para que esta possa identificar, tempestivamente, se
os projetos, as especificações e os demais requisitos previstos no contrato estão sendo
cumpridos. Evita-se, com uma fiscalização efetiva, que defeitos ou irregularidades possam ser
ocultados ao longo da execução do contrato, resguardando, assim, o interesse público. Além
de possibilitar a avaliação da eficiência e da eficácia do contrato.

O contrato executado no seu estrito termo evita o desperdício e salvaguarda o interesse


público. Em sendo o processo fiscalizatório falho, todos os objetivos incessantemente
buscados por meio de um processo licitatório correto e competitivo ficam prejudicados.

Um planejamento bem estruturado para qualquer contratação pública e um procedimento


adequado durante o processo licitatório, são indicativos do alcance de bons resultados para a
Administração Pública. No entanto, não garantem, por si só, um resultado satisfatório pois se
não houver uma fiscalização eficaz, eficiente e efetiva, com o devido acompanhamento dos
serviços ou do produto final a ser recebido, os resultados não vão aparecer. Se não houver o
correto acompanhamento da execução do contrato, não se conseguirá identificar em tempo a
necessidade de adoção de medidas corretivas.

Na sua opinião, a fiscalização dos contratos administrativos tem tido sucesso na obtenção de
resultados?

Lucimar: Eu diria que não. Essa minha percepção decorre dos inúmeros relatórios dos órgãos
de controle que apontam para fiscalização incorreta, ausência de fiscalização, desperdício de
recurso público, omissão do fiscal do contrato, dentre outros apontamentos.

Percebe-se que muito está sendo feito e muito ainda precisa ser feito para que a fiscalização
dos contratos administrativos se torne realmente um instrumento na busca da obtenção de
resultados efetivos no serviço público.

O que se observa, na maioria das vezes, é que a “fiscalização dos contratos” passa a ser mais
uma formalidade a ser cumprida durante a execução dos contratos e colocada como uma
atividade acessória que se soma a outras atividades ordinárias do servidor. Não se enfatiza a
importância que deve ser dada, ficando em segundo plano, tão pouco a responsabilidade que
o fiscal do contrato passa a ter, ao desempenhar essa função.

Todos nós sabemos que a realização de uma fiscalização contratual não envolve apenas o
aspecto da legalidade, isto é, se as ações estão de acordo com a lei e os regulamentos
pertinentes. Envolve, também, as dimensões de eficiência, eficácia e efetividade, ou seja,
implica verificar se estão sendo produzidos os resultados esperados, a um custo razoável, se as
metas e objetivos estão sendo alcançados e se os usuários estão satisfeitos com os serviços
que lhes são prestados.
311

Quais os principais empecilhos e dificuldades para uma fiscalização eficaz, efetiva e


eficiente?

Lucimar: As dificuldades e os empecilhos inerentes à fiscalização dos contratos são muito


variados.

A meu ver, os principais empecilhos e dificuldades são a inexperiência dos servidores, a falta
de conhecimento em algumas áreas (como a legislação trabalhista), a carência de treinamento
adequado, a sobrecarga sobre o fiscal de contratos, uma vez que essa atividade é realizada por
um agente da Administração Pública e, ao ser nomeado para tal função, ele não deixa de
exercer as suas atividades anteriores, ao contrário, passa a suportar mais uma. Esse acumulo
de funções muitas vezes impede que o servidor exerça com eficiência a função de fiscal,
mesmo porque existem situações de 1 (um) agente administrativo ser responsável pela
fiscalização de vários contratos ao mesmo tempo. Essa é uma realidade não muito distante, já
que o maior problema enfrentado pelos órgãos públicos, especialmente quando se trata da
área meio, é a carência de servidores para a composição de equipes de trabalho,
principalmente quando se trata de “fiscalização de contratos”.

Acredito, também, que o desconhecimento das leis e dos regulamentos é, em grande parte,
causa de constantes erros dos agentes administrativos investido na função de fiscal de
contrato, causando a ineficiência da fiscalização.

A Lei de Licitações e Contratos prevê em seus artigos 58, III e 67 que os contratos
administrativos devem ser acompanhados e fiscalizados por servidor especialmente
designado, no entanto, ela não define quais são as atividades de acompanhamento e
fiscalização que devem ser executadas. Onde estão estas definições?

Lucimar: De fato, a Lei de Licitações e Contratos não especifica em seus artigos quais seriam as
ocorrências que devem ser registradas pelo fiscal de contrato e também não traz as
respectivas atribuições que estão ligadas ao papel do fiscal. Talvez tenha sido a razão das
dificuldades iniciais para a efetiva realização dessa árdua missão, que é fiscalizar contratos.

Na esfera do Governo Federal há Instrução Normativa editada pelo Ministério do


Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que dispõe sobre as regras e diretrizes do
procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da
Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.

Encontra-se, também manuais e atos normativos disciplinando sobre o acompanhamento e a


fiscalização de contratos públicos, exteriorizando a preocupação dos órgãos públicos em
efetivar o exercício do previsto no art. 67 da Lei 8.666/93.

E, ainda, em entendimentos e recomendações dos órgãos de controle que são resultados das
auditorias realizadas nos processos de contratação. Nesses normativos, fica evidenciada a
responsabilidade do fiscal de se certificar se o serviço ou bem contratado foi realizado ou
entregue de acordo com o determinado no contrato.
312

A IN 05/2017 estabelece as figuras de Gestor, Fiscal técnico, Fiscal Administrativo, fiscal


setorial e fiscal/ público usuário. Quais são as atribuições de cada um? Estes papéis podem
recair sobre uma única pessoa?

Lucimar: É uma pergunta extremamente importante, visto que muitos questionamentos


surgiram quando da edição da IN trazendo, inclusive, inquietudes aos gestores, ao passo que
entenderam que seria obrigatória a indicação de vários fiscais para um único contrato, o que
em consequência, trariam dificuldades inúmeras para os órgãos que contam com uma força de
trabalho reduzida.

Iniciando pela segunda pergunta, que foi a mais polêmica, a fiscalização do contrato pode ser
exercida por servidores, equipe de fiscalização ou único servidor, desde que sejam observados
os aspectos técnicos e administrativos do contrato.

Entendo que permanece as diretrizes já adotadas até o presente momento, não havendo
alteração. A indicação dessas figuras citadas no artigo 40 da IN é apenas uma forma de
demonstrar e reforçar que há uma diversidade de conhecimentos em diferentes campos que
devem ser conduzidos durante a execução contratual, a exemplo: conhecimentos técnicos
sobre o objeto contratado, conhecimentos fiscais, trabalhistas e previdenciários, além de
orçamentários. Assim, o servidor designado para o acompanhamento contratual deverá estar
atento a todas essas particularidades.

As atribuições para cada atividade de fiscalização, de acordo com o artigo 40 da IN 5/2017 é


simples e direta, senão vejamos:

Gestor – é o responsável pela coordenação das atividades voltadas para a fiscalização do


contrato, sendo auxiliado pelos fiscais técnicos, administrativos, setoriais ou pelo público
usuário. É responsável, também, pelos atos preparatórios à instrução processual e ao
encaminhamento da documentação pertinente ao setor de contratos para formalização dos
procedimentos quanto aos aspectos que envolvam a prorrogação, alteração, reequilíbrio,
pagamento, eventual aplicação de sanções, extinção dos contratos, dentre outros

Fiscal Técnico – responsável pela avaliação do objeto (aferição da quantidade, da qualidade, do


tempo e do modo da prestação dos serviços)

Fiscal Administrativo – responsável pelo acompanhamento das obrigações previdenciárias,


fiscais e trabalhistas nos contratos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra

Fiscal Setorial – responsável pelos aspectos técnicos e administrativos, quando a prestação dos
serviços ocorrer concomitantemente em setores distintos ou em unidades desconcentradas de
um mesmo órgão ou entidade; e

Fiscal Público Usuário – realizado por pesquisa de satisfação junto ao usuário, para a avaliação
dos aspectos qualitativos do objeto.

Acrescento que na IN 5/2017 o Gestor ganhou atribuições maiores e de forma mais efetiva, ou
seja, se tornou obrigatória a sua presença nos contratos. Por outro lado, a Fiscalização está em
nível de subordinação do Gestor. E, ainda, entendo, pela leitura do conceito trazido pela IN
313

5/2017, que o fiscal administrativo somente é obrigatório nas contratações que possuam mão
de obra exclusiva. Para os demais contratos, a obrigatoriedade seria do fiscal do técnico e do
gestor.

Lembrando, sempre, que todos os envolvidos, gestor e os fiscais, respondem


ADMINISTRATIVAMENTE, se agirem em desconformidade com seus deveres funcionais,
descumprindo regras e ordens legais. PENAL, quando a falta cometida for capitulada como
crime, entre os quais se incluem os previstos na Seção III - Dos Crimes e das Penas, do Capítulo
IV, da Lei nº 8.666/93. CIVIL, quando, em razão da execução irregular do Contrato, ficar
comprovado danos ao erário. E, ainda, podem responder perante o Tribunal de Contas, que
poderá imputar débito ao responsável, referente ao dano causado, cominar-lhe multa e ainda
inabilitá-lo para exercício de cargo ou função de confiança.

Qual o melhor momento para se fazer a indicação e a designação do gestor e dos fiscais de
contrato?

Lucimar: Do meu ponto de vista, o momento ideal para a escolha do gestor e do fiscal de
contrato é na fase do planejamento da licitação. Embora a gestão do contrato seja a última
etapa, julgo imprescindível que o gestor e o fiscal tenham conhecimentos e que também
possam participar das regras estabelecidas na fase de planejamento. Os estudos preliminares,
o gerenciamento de riscos e a elaboração do Termo de Referência ou Projeto Básico são
instrumentos que nortearão os gestores e os fiscais quando da execução do contrato. Assim,
ao participarem ativamente da fase do planejamento da contratação, terão a segurança e o
conhecimentos necessários para conduzir os trabalhos.

É possível declinar a nomeação para ser fiscal de contrato administrativo, frente à ausência
de conhecimento teórico/prático sobre o objeto a ser fiscalizado? Se sim, há determinado
procedimento e documentação necessária para tal ato?

Lucimar: Essa é uma pergunta que a maioria dos servidores gostaria de ter como resposta que
sim, que pode haver recusa. Os servidores sempre questionam a legitimidade desse encargo e
se são obrigados a desempenhar essas tarefas. Ao longo desses anos à frente das atividades de
logística, sempre me deparei com servidores alegando, como justificativa para a recusa, que
não fizeram concurso público para ser fiscal de contrato.

É natural esses questionamentos. Afinal, esses servidores absorvem uma responsabilidade


imensa, inclusive de ordem pecuniária, na medida que podem ser responsabilizados por danos
ao erário, além de uma carga de trabalho adicional, já que acumulam funções e, não recebem
nenhum complemento salarial.

No entanto, o servidor não pode se recusar a assumir essa atribuição, alegando que não detém
de conhecimento específico seja ele técnico ou administrativo. De acordo com a Lei n°
8.112/90, o exercício da tarefa de fiscalização de contratos consiste em obrigação adicional,
indicada entre os compromissos dos agentes administrativos, portanto, não é considerada
uma ordem ilegal.
314

Entende-se que no caso em questão poderá o servidor expor ao seu superior hierárquico,
conforme bem colocado na IN 5/2017 em seu artigo 43, as suas deficiências e suas limitações
técnicas. Nesse caso, deve realizar o registro formal (por escrito) para que não venha a
responder a posteriori por omissão ou ausência de cautela e de zelo profissional). Esse
também é entendimento do TCU (Acórdão nº 2.917/2010, Plenário).

E nessa situação, quais seriam as opções da Administração? Deve, necessariamente,


providenciar a capacitação do servidor ou designar outro servidor com a qualificação
requerida. Há, também, a opção de contratar terceiros para assistir ou subsidiar as atividades
de fiscalização do representante da Administração, nos termos do art. 67 da Lei nº 8.666/93 e
§ 2º do artigo 42 da IN 5/2017.

Importante acrescentar que o servidor não deve ser designado para a fiscalização de contratos
quando ocorrer as hipóteses referentes aos impedimentos ou às suspeições. Nesses casos, a
imparcialidade estará comprometida.

Considerando a legislação vigente, é obrigatória/essencial a formação técnica para o fiscal de


contrato, assim como acontece com os pregoeiros?

Lucimar: Não tenho dúvida em afirmar que se trata de uma condição obrigatória a formação
do servidor para o exercício da atividade de fiscalização de contratos.

É de primordial importância que os agentes administrativos, envolvidos nessa função, tenham


como requisito a formação/capacitação para o exercício do encargo que lhes é atribuído.

O agente administrativo deve, necessariamente, receber a qualificação adequada e suficiente,


mediante a submissão a curso de treinamento de capacitação especifica, para que se possa
estar preparado para o exercício dessa função e que lhe permita ter domínio sobre os assuntos
e as técnicas com as quais irá lidar no seu dia-a-dia profissional.

No entanto, penso que não é uma obrigação somente do órgão público de proporcionar, de
assegurar e de garantir a capacitação de seus servidores. É uma obrigação igualmente do
servidor em se manter atualizado com as instruções, as normas de serviço e a legislação
pertinentes ao órgão onde exerce suas funções.

Para melhor elucidar essa minha afirmação, lembro que contamos com dois normativos que
são o Decreto 5.707/2006 que trata da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal e o
Decreto 1.171/1994 que aprova o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do
Poder Executivo Federal.

Quando afirmo que o servidor é obrigado a buscar atualização e treinamento, estou me


referindo ao que se é exigido no Código de Ética, que instituir deveres ao servidor público,
dentre os quais

(....)

XIV - São deveres fundamentais do servidor público:


o) participar dos movimentos e estudos que se relacionem com a melhoria do exercício de
suas funções, tendo por escopo a realização do bem comum;
315

q) manter-se atualizado com as instruções, as normas de serviço e a legislação pertinentes ao


órgão onde exerce suas funções;
XV - E vedado ao servidor público;
e) deixar de utilizar os avanços técnicos e científicos ao seu alcance ou do seu conhecimento
para atendimento do seu mister;

Quando me refiro a obrigatoriedade do órgão público, estou me valendo das diretrizes trazidas
pela Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, que são as seguintes:

(...)

Art. 3o São diretrizes da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal:

I - Incentivar e apoiar o servidor público em suas iniciativas de capacitação voltadas para o


desenvolvimento das competências institucionais e individuais;

II - Assegurar o acesso dos servidores a eventos de capacitação interna ou externamente ao


seu local de trabalho;

III - promover a capacitação gerencial do servidor e sua qualificação para o exercício de


atividades de direção e assessoramento;

IV - Incentivar e apoiar as iniciativas de capacitação promovidas pelas próprias instituições,


mediante o aproveitamento de habilidades e conhecimentos de servidores de seu próprio
quadro de pessoal;

V - Estimular a participação do servidor em ações de educação continuada, entendida como a


oferta regular de cursos para o aprimoramento profissional, ao longo de sua vida funcional;

IX - Oferecer e garantir cursos introdutórios ou de formação, respeitadas as normas específicas


aplicáveis a cada carreira ou cargo, aos servidores que ingressarem no setor público, inclusive
àqueles sem vínculo efetivo com a administração pública;

(...)

Não tenho dúvida de que a capacitação deficiente dos agentes públicos e a consequente falha
na observância dos procedimentos legais e técnicos inerentes e necessários a uma boa
fiscalização do objeto contratado podem levar a verdadeiros desastres no gasto dos recursos
públicos, incluindo decisões incorretas, documentos mal elaborados, contratações
desvantajosas e aquisições ineficazes para a Administração, entre outros

10. Como deve ocorrer a fiscalização da regularidade das obrigações previdenciárias, fiscais e
trabalhistas, considerando a IN 05/2017 e o Acórdão 1214/2013 - TCU- Plenário?

Lucimar: O papel do fiscal do contrato se coloca em relevância cada vez mais incontornável, ao
se levar em consideração as questões trabalhistas e previdenciárias quando o objeto do
contrato envolve terceirização de serviços com mão de obra.

A partir de 2008, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão vem


normatizando, no âmbito da Administração Pública, a forma de contratação de serviços com
316

mão de obra exclusiva, exatamente para nortear os fiscais de contrato de como proceder
durante a execução do contrato, para salvaguardar qualquer problema em relação a justiça do
trabalho.

Em 2008 editou a Instrução Normativa/SLTI nº 02 que foi objeto de reformulação ao longos


dos últimos anos, sendo a mesma revogada pela IN/SEGES 05/2017.

Do meu ponto de vista, não houve alteração significativa na forma de fiscalização da


regularidade trabalhista. Alguns colegas que militam na área e também alguns doutrinadores
entendem que houve uma flexibilização na gestão e na fiscalização contratos, em função da
possibilidade de escolha entre a Conta Vinculada e o fato gerador e, ainda, que a Nova IN
implementa regras garantidoras do cumprimento da legislação trabalhista e mitigadoras de
inadimplência por parte da prestadora de serviços. Entretanto, com todo o respeito aos
colegas, penso diferente. Entendo que permanece a necessidade de observância de um rol
extenso de procedimentos de fiscalização da regularidade trabalhista. A IN 5/2017 (anexo VIII-
A), traz uma responsabilidade enorme para o servidor que fiscaliza um contrato de
terceirização de mão de obra. Essa responsabilidade também constava na IN 2/2008 (Guia de
Fiscalização dos Contratos de Terceirização).

Na realidade o servidor acaba por exercer uma função que vai além da fiscalização do
adimplemento das verbas trabalhistas por parte da empresa contratada. O que ocorre é que
na prática, o órgão público passa a ser uma extensão dos Departamentos de Pessoal das
empresas contratadas e também dos órgãos incumbidos constitucionalmente da fiscalização
da legislação do trabalho. A tarefa de fiscalização da regularidade trabalhista requer do
servidor, conhecimentos específicos e diversos da legislação, a exemplo: Direito do Trabalho,
Direito Administrativo, Direito Previdenciário, Direito Constitucional, além de ser conhecedor
da área de recursos humanos e também da área de contabilidade.

As exigências dos documentos elencados no Anexo VIII-B da IN 5/2017, traz para a fiscalização
não somente o dever de controlar, de registrar e de acompanhar, como também o dever de se
ter o domínio de toda a legislação pertinente, já que deverá analisar se o documento
apresentado é válido e se houve efetivamente o cumprimento da legislação. Essa atenção e
expertise no assunto é imprescindível, visto que a Justiça do Trabalho, por tutelar os direitos
do hipossuficiente, continuará, S.M.J, imputando a responsabilidade subsidiária ao Estado,
não obstante o entendimento pacificado pelo STF ser no sentido de que o inadimplemento dos
encargos trabalhistas dos empregados contratados, não transfere automaticamente ao Poder
Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou
subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93,

Diante dessa situação, sempre recomendo aos servidores que estão à frente dos contratos de
terceirização, um rigor no controle do cumprimento dos direitos dos trabalhadores
terceirizados e que façam mediante relatórios, documentos técnicos e todos os meios formais
que dispuser o fiscal. A fiscalização deverá exigir das empresas o cumprimento das obrigações
trabalhistas e sociais em especial realizar as seguintes verificações, que são exemplificativas, já
que há no Anexo VIII-B a descrição de todas as ações que devem ser seguidas pelo fiscal do
contrato.
317

CTPS, observando não só o registro como se o cargo está compatível com o estipulado no
contrato, e ainda, se o salário indicado está em consonância com a CCT. Essa verificação deve
ser realizada no início do contrato e obrigatoriamente sempre que houver acréscimos,
substituições seja por faltas, ausências legais, demissões;

Recolhimentos de FGTS e INSS;

Pagamentos dos salários e dos insumos, dentro do prazo legal;

Concessão de férias e correspondente pagamento do adicional de férias, na forma da Lei

Pagamento do 13º salário

Exames médicos admissionais e demissionais;

Termos de rescisão dos contratos de trabalho dos empregados prestadores de serviço,


devidamente homologados, quando exigível pelo sindicato da categoria;

Guias de recolhimento da contribuição previdenciária e do FGTS, referentes às rescisões


contratuais;

Certificar de que a empresa observa a legislação relativa à concessão de férias e licenças aos
empregados, assim como respeita a estabilidade provisória de seus empregados (cipeiro,
gestante, e estabilidade acidentária)

Cumprimento das obrigações contidas em convenção coletiva, acordo coletivo ou sentença


normativa em dissídio coletivo de trabalho; e

Cumprimento das demais obrigações dispostas na CLT em relação aos empregados vinculados
ao contrato.

Lucimar Rizzo Lopes dos Santos é servidora pública federal - concursada do quadro do
Ministério Público Federal – Brasil. Cedida ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão, desde 2003, onde exerce a função de Coordenação Geral de Administração Predial na
Diretoria de Administração. Doutoranda em Direito e Ciências Sociais pela Universidade
Nacional de Córdoba/Argentina. Graduada em Administração pelo Centro Universitário do
Distrito Federal – UNIDF – Brasília DF - Brasil. Graduada em Direito pelo Centro Universitário
do Distrito Federal – UNIDF – Brasília DF - Brasil. Especialista Docente em Gestão em Logística
na Administração Pública - pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UNIDF - Brasília DF -
Brasil. Especialista em Gestão na Administração Pública pelo Centro Universitário - FAE -
Curitiba - Brasil. Autora do Livro Limites de atuação do agente público prevista no artigo 67 da
lei N. 8.666/93 em face dos princípios administrativos. Editora José Rossini Campos do Couto
Corrêa, Ano de edição: 2012. ISBN 978-85-913143-9-3. Conteudista da Escola Nacional de
Administração Pública - ENAP - Caderno Fiscalização de contratos. _ Brasília: ENAP/DDG, 2013.
82p. (Cadernos ENAP; nº 36) ISSN 0104-7078 – Brasil.
318

Cecilia de Almeida Costa é servidora concursada do Ministério Público da União e chefe da


Divisão de Contratações e Gestão Contratual da Procuradoria da República no Distrito
Federal. É Professora do curso de Gestão e Fiscalização de Contratos na ENAP. Ministra
também cursos na área de planejamento e gestão de riscos nas contratações públicas. Ela é
especialista em Gestão Pública Pela Fundação Getúlio Vargas e em Direito Administrativo pela
Universidade Estácio de Sá.

Fabricio Santos é advogado, matemático e mestre em Direito Público pela Universidade


Federal de Uberlândia. É professor do Colégio Tiradentes da Polícia Militar de Minas Gerais,
atuando também em cursos de graduação e pós-graduação na área do Direito Público, bem
como na Escola Nacional de Administração Pública.

66. Em entrevista para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de


Administração Pública (Enap), o professor Ciro Campos Christo Fernandes, 27/10/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor da Enap Lúcio Frezza.

O regramento legal das compras e contratações públicas pode ser influenciado por fatores
políticos, econômicos e sociais. A Logística Pública no Brasil sofreu influência desses fatores?
Trace um breve resumo da trajetória do arcabouço legal da Logística Pública em nosso País?

Ciro: No Brasil, estas regras sofreram mudanças importantes, quase sempre em momentos de
turbulência política, quando as compras e contratações públicas se tornaram objeto de
atenção.
Esta circunstância também levou a que as mudanças acontecessem de forma parcial, limitada
e focalizando somente as questões que eram percebidas como mais urgentes, em cada
momento de mudança.
Então, na trajetória das compras públicas, há 5 mudanças importantes nas leis e normas,
associadas a momentos de crise política que deram visibilidade a esse tema:
1. A centralização das compras (1931) e a organização dos serviços de material (1940),
nos governos de Getúlio Vargas, no contexto das mudanças políticas desencadeadas
pela Revolução de 1930.
2. A simplificação das regras de licitação durante a reforma administrativa de 1967, no
Decreto-lei 200, aprovado no governo Castelo Branco, também num contexto de
ruptura política resultante do movimento de 1964.
3. A sistematização das normas das licitações e contratos públicos em um estatuto, o
Decreto-lei 2.300, na reforma administrativa do governo José Sarney, em 1986,
durante o período no qual se deu a transição do regime autoritário para a
redemocratização;
4. A aprovação pelo Legislativo, da lei geral de licitações - a Lei 8.666 - em 1993, como
resultado da crise que atingiu o governo de Fernando Collor, a qual tinha como um de
seus ingredientes a corrupção nos contratos públicos, e
5. A criação do pregão como modalidade alternativa de licitação, em 2000, associada a
um momento de crise financeira do estado que levou à aprovação da Lei de
Responsabilidade Fiscal, no mesmo momento.
319

Na trajetória do arcabouço legal da Logística Pública ocorreram duas experiências de


centralização das compras, em 1931 e 1940. A Central de Compras, criada recentemente no
âmbito do Ministério do Planejamento, tem o mesmo escopo que as anteriores? Há
diferença entre essas experiências?

Ciro: Estas duas experiências mencionadas, que ainda são pouco conhecidas, foram parte de
um ciclo de modernização da administração pública brasileira, durante os governos de Getúlio
Vargas.

A Comissão Central de Compras – CCC funcionou entre 1930 e 1938. A Comissão centralizou as
requisições dos órgãos, a negociação com os fornecedores e a contratação e simplificou as
regras e procedimentos.

Mas, a CCC não conseguiu operar como uma central de cotações, baseadas em um catálogo
permanente dos bens padronizados de consumo habitual da administração federal. Esse era o
objetivo a que ela se propunha, naquela época.

A Divisão do Material – DM criada em 1937, dentro do DASP - Departamento Administrativo


do Serviço Público - conduziu o que ficou conhecido, naquele momento como a “Reforma dos
Serviços de Material”.

Essa Reforma manteve a centralização, mas previa a criação de unidades administrativas – os


Serviços de Material – que introduziriam as rotinas da administração de materiais em todos os
órgãos.

A Divisão do Material não obteve sucesso em disseminar estas novas rotinas e enfrentou
resistências quando pretendeu mudar as regras e procedimentos de compra.

Estas experiências da era Vargas são diferentes da atual Central de Compras?

Elas se propunham a uma centralização mais abrangente, assumindo o papel de uma central
de serviços, no caso da CCC ou de um órgão central com projeções em todos os ministérios e
autarquias, no caso da DM.

E é claro que os avanços tecnológicos da compra eletrônica redefiniram, no contexto atual, os


antigos dilemas em torno de centralizar ou descentralizar.

A Central de Compras foi criada para concentrar as licitações nas linhas de produtos ou
serviços nas quais haja vantagens de escala ou complexidade de especificação e negociação.

Além disso, a Central pode se relacionar com os órgãos por meio das rotinas informatizadas do
SIASG e do Comprasnet, o que resulta em um modelo de descentralização supervisionada que
é mais compatível com o aproveitamento dos recursos técnicos hoje disponíveis.

A Lei 8.666/93 é marcada pela inflexibilidade e detalhamento do seu teor normativo com
escopo voltado à prevenção da corrupção e a impedir o direcionamento nas licitações
públicas. Quais os impactos decorrentes dessa rigidez? Quanto à finalidade da norma, é
possível afirmar que a Lei 8.666/93 atingiu seus objetivos?
320

Ciro: A Lei 8.666 incorporou as preocupações das pequenas e médias empresas de engenharia
com a abertura do mercado de licitações e as dos órgãos de controle, com a corrupção.

Por isso, ela resultou em uma lei com regras rígidas e detalhistas que não permitiam distinguir
entre tipos de produtos e serviços e entre compras de maior ou menor complexidade.

Esta rigidez trouxe grandes dificuldades de gestão e, de certa forma, inibiu o desenvolvimento
de inovações e soluções que fossem melhor adaptadas às especificidades de cada setor da
administração pública.

Mas, é importante considerar que a criação do pregão e do registro de preços, nos anos que se
seguiram à aprovação da 8.666 e também os avanços da informatização com o Comprasnet,
atenuaram ou mesmo reverteram muitos dos impactos negativos desta Lei.

A criação do Pregão surgiu como alternativa ao caráter burocrático da Lei 8.666/93 e solução
para a agilização das compras e contratações públicas. Quais os reflexos dessa nova
modalidade de licitação no âmbito da Logística Pública?

Ciro: O pregão é talvez a mais importante inovação na logística da administração pública


brasileira, nos últimos anos. Isso porque ele se disseminou rapidamente ao ser aceito pelos
gerentes e servidores que atuavam nas licitações, porque reduzia prazos e simplificava os
trâmites.

A disseminação ganhou escala nacional, quando o pregão foi adotado pelos estados e
municípios e também pelos outros poderes. Na administração federal ele passou de 3,3% para
72% do valor total das licitações no âmbito do SIASG, entre 2001 e 2014.

O pregão se tornou uma inovação que se desdobrava em várias dimensões das compras
públicas. Era um procedimento que atribuía um papel chave ao pregoeiro na condução da
licitação, o que contribuiu para valorizar os profissionais da área, dando visibilidade e
empoderamento. Isto levou a mudanças culturais, principalmente entre as pessoas que
trabalham diretamente com as licitações.

O pregão teve, desde o início, a sua versão eletrônica, que rapidamente se tornou
predominante e impulsionou um salto da administração pública e da sua cadeia de
fornecedores em direção ao comércio eletrônico.

E a utilização do pregão se associou ao registro de preços possibilitando avançar nos dois


grandes obstáculos à eficiência que afetavam a maioria das licitações, que eram a
desnecessária complexidade procedimental nas compras e contratações de bens e serviços
padronizados e a excessiva descentralização das unidades responsáveis pelas licitações.

Diante da multiplicidade de normas sobre a Logística Pública ainda existem lacunas,


contradições ou ambiguidades a serem sanadas? Em caso afirmativo, poderia citar algumas?
321

Ciro: Analisando a trajetória das mudanças legais e normativas eu diria que as condições sob
as quais ocorreram as principais mudanças prejudicaram a construção de um arcabouço de
normas sistemático, coerente e abrangente.

Então, esta trajetória indica que o regramento e a organização que seriam desejáveis para a
área dependem da nossa disposição para revisitar algumas questões que foram deixadas de
lado, no caminho:

▪ a padronização dos materiais, que é uma agenda dos anos 30, ainda não resolvida;
▪ as experiências frustradas de centralização, que levaram ao abandono das iniciativas
de organização da área, com uma identidade própria;
▪ a sistematização das normas e procedimentos que foi muitas vezes usada como
instrumento de uniformização e controle sobre as entidades descentralizadas, como
autarquias, fundações e empresas estatais. Estas entidades precisam de autonomia e
regras que considerem as suas particularidades, o que não é necessariamente
contraditório com a existência de controles e de sanções contra práticas irregulares;

Finalmente, eu destacaria que a superposição entre regras e procedimentos, em lugar da


revogação de leis e normas consideradas obsoletas, tem sido uma solução de acomodação
muito frequente na trajetória dessa área. O exemplo mais evidente é a criação do pregão por
meio de uma normatização paralela à Lei 8.666.

O momento atual do Brasil (crise político-econômica, PEC da Previdência Social, EC dos


Gastos Públicos) está favorável a uma mudança legislativa no âmbito das Compras Públicas,
notadamente em razão das discussões, no Congresso Nacional, de uma nova Lei Geral de
Licitações e Contratos (PLS nº 559/2013)? Quais as implicações que esse normativo poderá
trazer para o gestor público?

Ciro: Eu diria que temos agora a oportunidade de propor uma Lei Geral que integre em um
mesmo corpo normativo as inovações introduzidas a partir da Lei 8.666.

Há inúmeros aspectos de escopo, estrutura e conteúdo dessa nova Lei que dependem de um
processo de discussão e deliberação que aproveite os avanços que conseguimos no Brasil,
dentre os quais eu destaco a estruturação do que podemos definir como uma comunidade de
política, em torno do tema das compras e contratações.

Assim, podemos contar, atualmente, com a participação muito mais expressiva, tanto em
quantidade como em qualidade técnica, de servidores públicos, dirigentes, juristas e
pesquisadores capazes de contribuir com este processo de revisão do arcabouço legal e
normativo.

Acho que o papel que esta nova Lei Geral poderá desempenhar deveria ser, sobretudo, o de
integrar as inovações já realizadas, e destravar o arcabouço legal e normativo para futuros
desenvolvimentos que atendam às inúmeras particularidades de cada setor, de forma
coerente e sem insegurança jurídica.

No Brasil, atualmente, as compras públicas são consideradas como atividade administrativa


do estado, mas, poderiam ser encaradas como uma política pública também?
322

Ciro: As compras públicas são uma importante atividade administrativa necessária ao


funcionamento do estado, em sua dimensão organizacional. Mas devem ser encaradas
também como uma política pública porque precisam ser orientadas por objetivos de eficiência,
qualidade e resultados que acarretam impactos sobre o desempenho da administração pública
e do governo.

Além disso, as compras e contratações públicas são também transações e relacionamentos


que o estado mantém com o mercado. Os fornecedores governamentais representam um
segmento expressivo e sua relação com o estado deve ser pautada por requisitos e critérios
para assegurar a competição, a impessoalidade, a transparência para a sociedade e o uso do
poder de compra do estado para objetivos de cunho social, econômico ou tecnológico.

No Brasil, ainda não avançamos muito em encarar as compras e contratações públicas em sua
complexidade, como uma função administrativa sistêmica e uma política pública que se
entrelaça com outras políticas e agendas dos governos. Ainda encaramos o assunto somente
pelos aspectos de normatização, circunscritos aos processos de licitação, que geram uma
grande atenção pública porque envolvem os problemas de corrupção e direcionamento dos
contratos.

Quais os principais obstáculos e dificuldades do gestor público na condução das compras


públicas, considerando a trajetória da Logística Pública no País?

Ciro: O que podemos observar analisando esta trajetória é que a sistematização de leis e
normas próprias para a área das compras e contratações públicas foi uma questão persistente,
que aparece nos 5 momentos de mudança mais importantes a que fiz referência.

Mas, não se conseguiram soluções adequadas para atender a necessidades e situações


específicas da administração pública, que se tornava maior e mais complexa, ao longo dessa
trajetória. O que vemos é a oscilação entre uniformização e enrijecimento das normas, de um
lado, e diferenciação e flexibilidade, como soluções que se contrapunham em diferentes
momentos.

Assim, no período dos governos Vargas, na reforma de 1967 - a do Decreto-lei 200 - e na


criação do pregão, prevaleceu a visão flexibilizadora, enquanto no Decreto 2.300 e na Lei 8.666
se impôs a visão uniformizadora e enrijecedora.

A rigidez normativa afetou setores da administração pública com características diferenciadas,


como por exemplo, ciência e tecnologia. Afetou também as entidades descentralizadas, como
autarquias, fundações e empresas estatais, que deveriam desfrutar de mais autonomia. E o
problema da rigidez normativa se agravou devido às circunstâncias do controle fiscal e do
combate à corrupção, desde a edição do Decreto-lei 2.300.

Uma segunda dificuldade é o que eu descreveria como a incompletude das normas e


processos, em relação ao ciclo do suprimento. Os avanços se concentraram na mudança das
regras de negociação de propostas e seleção de fornecedores. Estas circunstâncias enviesaram
o arcabouço legal e normativo em direção à regulação estrita das licitações, em detrimento
das etapas anteriores e posteriores do processo de compra e contratação.
323

Uma terceira dificuldade é a descontinuidade da construção das estruturas organizacionais da


administração de material que é um elo frágil na trajetória que prejudica a institucionalização
da área. Este assunto ganhou centralidade nas propostas da elite técnica do DASP, até os anos
1960, mas deu lugar à ênfase sobre as mudanças de cunho exclusivamente normativo e
procedimental. As divisões dentro da burocracia dificultaram a organização da área, devido a
disputas e resistências de jurisdição e demarcação da área.

A constituição de quadros de servidores profissionalizados, com qualificação e status,


permaneceu como uma questão sem avanços de maior fôlego. A fragilidade institucional da
área se deve em grande medida à ausência de um corpo burocrático dotado de identidade
profissional e corporativa e de uma visão e espaços de atuação na administração pública. Este
assunto esteve ausente na agenda governamental em todos os episódios de mudança, ao
longo da trajetória.

Na sua opinião, quais são as questões primordiais para a estruturação e o fortalecimento


Institucional das Compras Públicas no Brasil?

Ciro: Avaliando de forma crítica a trajetória da área de compras e contratações e as mudanças


pelas quais ela passou a que já me referi, eu chamaria atenção para algumas questões
fundamentais para o fortalecimento técnico e institucional dessa área:

▪ a estruturação de normas, processos, sistemas e rotinas que abranjam todo o ciclo do


suprimento;
▪ a criação de estruturas organizacionais especificamente voltadas para a função
compras e contratações ou logística pública, com competências, jurisdição e
estabilidade, e
▪ a constituição de uma burocracia profissionalizada, que pode assumir diversas
configurações, desde que promova a qualificação técnica, a autonomia e a construção
de uma identidade própria para essa área.

E numa perspectiva de longo prazo, o que no futuro podemos esperar das contratações
públicas no Brasil?

Ciro: Acredito que o fortalecimento institucional da área, a sistematização do arcabouço legal


e normativo e a estruturação do ciclo do suprimento serão os temas da agenda dos próximos
anos, pensando de forma otimista, é claro. Mas, num horizonte temporal mais amplo, eu
chamaria a atenção para três desafios que se apresentam como grandes oportunidades de
transformação das compras e contratações na administração pública.

O primeiro desafio é o da incorporação das mudanças tecnológicas, que ainda deverão gerar
impactos acentuados na gestão das cadeias de suprimento, impulsionados pelas tecnologias
da informação e comunicação. São impactos que poderão levar a uma integração mais
profunda entre o mercado de fornecedores, os órgãos compradores das administrações
públicas e os servidores públicos e cidadãos que sejam demandantes e usuários dos bens e
serviços.
324

Destaco, particularmente, o papel cada vez mais importante que os fornecedores de serviços –
e de bens, se pensarmos as possibilidades de integração de forma ampla – desempenharão na
ponta, em contato direto com o cidadão, provendo bens e serviços. O estado do futuro deverá
se tornar um gestor eficiente, responsivo e transparente, responsável por um imenso portfólio
de contratos, com múltiplos níveis e entrelaçamentos, que terminam no cidadão.

O segundo desafio é o da convergência dos arcabouços legais e normativos entre o setor


público e os mercados e entre os países, acompanhando a integração econômica internacional
e a migração generalizada em todos os segmentos da economia rumo às transações
eletrônicas.

Ou seja, o estado comprador do futuro será também um grande operador de plataformas do


comércio eletrônico e é bom que seja capaz de exercer um impacto positivo sobre a economia,
como já aconteceu com a disseminação do pregão eletrônico, e que cada vez mais se distancie
da situação de nicho segregado, com regras e procedimentos rígidos e complicados, que
afastam os fornecedores.

Este atuação do estado deve se conciliar com o seu papel político, de usar o poder de compra
para alcançar objetivos de cunho econômico e social, como o incentivo aos empreendedores, a
sustentabilidade ambiental e a promoção do bem-estar social. Mas, estas agendas, que tem
muita visibilidade na opinião pública, precisam ser bem calibradas em relação aos seus custos
e benefícios.

O terceiro desafio é o da transparência e do combate à corrupção, que neste momento se


apresenta diante de todos nós como alguma coisa de extrema gravidade. Este desafio envolve
lidar com regras, processos e mecanismos de controle que impeçam a captura dos contratos
de obras e serviços das empresas estatais e dos grandes projetos de infraestrutura, que
movimentam valores gigantescos.

O problema transcende os limites estritos da área de compras e contratações porque diz


respeito também ao desenho das instituições políticas e da administração pública. No Brasil,
teremos de encontrar um equilíbrio entre as autonomias necessárias às empresas estatais para
seus processos de contratação e a flexibilidade e agilidade que são desejáveis na contratação
das obras públicas, com os devidos controles contra o direcionamento e a corrupção.

Não podemos incorrer no risco de repetir as ilusões em torno da Lei 8.666, porque as soluções
não podem ser exclusivamente de cunho normativo, nem o simples enrijecimento de
controles, que termina por inviabilizar a gestão. É necessário pensar desenhos institucionais
que estabeleçam incentivos e contrapesos adequados para que a as contratações públicas
sejam instrumentos do desenvolvimento econômico e social e não da predação do estado.

Ciro Campos Christo Fernandes é Gestor Governamental, pesquisador e professor do


Mestrado em Governança e Desenvolvimento da Escola Nacional de Administração Pública –
ENAP, em Brasília, DF. Doutor em Administração e mestre em gestão pela Escola Brasileira de
Administração Pública e de Empresas – EBAPE, da Fundação Getulio Vargas. Bacharel em
economia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ocupou diversos cargos na
administração federal, dentre os quais os de assessor e diretor na Secretaria de Gestão,
assessor do Secretário de Logística e Tecnologia da Informação, assessor especial no Ministério
da Administração Federal e Reforma do Estado - MARE.
325

Lucio Frezza possui graduação em Direito pelo Centro Universitário do Triângulo (1999). É
professor-tutor da Escola Nacional da Administração Pública (ENAP) em cursos presenciais e
EAD, professor-tutor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), professor da
Escola Nacional de Governo, dentre outras Instituições parceiras. É analista do MPU/Apoio
Jurídico/Direito do Ministério Público do Trabalho com atuação na Coordenação de Recursos
Judiciais na Procuradoria Geral do Trabalho. Tem experiência em docência e na área de Direito,
com ênfase em Direito Público.

67. Entrevista com o professor Paulo Sérgio Ferreira Rago sobre Gestão de Frota de Veículos
na Administração Pública, 31/10/2017
• As perguntas foram elaboradas pelos professores da ENAP Sandro Bernardes e Paulo
Bernardes Honorio de Mendonça.

Existe alguma semelhança entre a contratação de serviços de gerência de fornecimento de


combustíveis e o então modelo de contratação de agências para emissão de passagens
aéreas?

Paulo Sérgio: Uma contratação é sempre uma contratação, independente do tipo de serviço
envolvido, porém, cada uma tem sua característica específica. Logo, elas podem ser
administradas e tratadas de forma semelhante, porém cada uma delas, deve ter seus preceitos
definidos previamente.

O empenho para o pagamento pelo serviço de gerenciamento de frota com fornecimento de


combustíveis como deve ser realizado?

Paulo Sérgio: Atualmente o mercado dispõe de empresas que selecionam e cadastram postos
de gasolina e até mesmo distribuidoras para fornecimento de combustível. Deve ser
contratada uma empresa de controle de frota que disponha do serviço de abastecimento via
cartão de combustível. Desta forma, é comum que haja o empenho de gasto com combustível
pois já é possível fazer um provisionamento de quanto será gasto por veículo e por período,
podendo haver uma pequena variação.

Caso o órgão não tenha empresa de fornecimento via cartão de abastecimento, o processo fica
mais complexo mas, se houver um posto cadastrado, pode-se empenhar o pagamento
controlando todos os abastecimentos efetuados dentro de um período acordado entre as
partes.

No contrato de gerenciamento é possível estabelecer obrigações aos postos de


abastecimento, no caso de combustíveis?

Paulo Sérgio: Perfeitamente possível. Basta apenas que seja feito um contrato entre as partes
com todas as cláusulas de obrigação. Se um determinado posto não concordar, deve-se então
procurar /substituir por outro fornecedor. Isto deve ser colocado no termo de referência de
contratação.

No gerenciamento de combustíveis e no gerenciamento de manutenção preventiva e


corretiva de veículos a taxa de administração repercute sobre os contratos da mesma
maneira?
326

Paulo Sérgio: Teoricamente sim pois trata-se de uma taxa de serviço que deve ser pré-fixada
porém, vale destacar que algumas empresas estão tentando efetuar cobrança pelo número de
eventos realizados, o que ao meu ver, também pode ser negociado.

A despeito dos Acórdãos 2.367/2011 e 1.071/99, a exigência de cartão magnético com chip no
gerenciamento, exclusivamente, representa alguma restrição à competitividade?

Paulo Sérgio: Não, pois trata-se apenas de uma definição de tipo de serviço exigido ou seja,
para qualquer compra/seleção de serviços, é necessário definir os parâmetros do fornecedor e
dentro disso, realizar a escolha. A competitividade tem que ser justa, clara e com fornecedores
dentro do mesmo padrão. Quem não estiver dentro do perfil desejado para prestação de
serviço com todas as exigências técnicas necessárias, não estará apto.

Podemos considerar o Gerenciamento de Frotas uma espécie de “quarteirização”? É possível


admiti-la para a Administração Pública em quaisquer serviços, indistintamente?

Paulo Sérgio: Quarteirização não mas terceirização sim. Vale destacar que qualquer atividade
não precisa ser necessariamente terceirizada. Se o órgão consegue fazer a gestão com boa
efetividade e custo melhor que terceiros, não há motivos para terceirização mas, sabemos que
atualmente na administração pública existe uma carência de profissionais bem preparados
para uma excelente gestão de frota de veículos portanto, é possível sim admiti-la na adm.
Pública em qualquer serviço desde que bem estruturada.

No que diz respeito ao controle, seria desejável que a pesquisa dos orçamentos no caso de
peças e manutenção seja feita exclusivamente pela empresa responsável pelo
gerenciamento?

Paulo Sérgio: Pode-se trabalhar com os dois modelos: com a empresa de gerenciamento
controlando ou não. Sabe-se que se for terceirizada a pesquisa de orçamentos, a empresa que
fará toda pesquisa, cobrará indiretamente por este serviço e desta forma, deve-se sempre
analisar o custo benefício.

O mais importante, é definir os critérios de aquisição de forma bem equalizada e uma


auditoria nos processos realizada regularmente.

Em sua opinião, a regionalização do gerenciamento em detrimento da realização de licitação


de amplitude nacional poderia trazer ganhos significativos de competitividade?

Paulo Sérgio: Em alguns casos sim pois existem algumas empresas que são muito boas em
termos de serviço e preço e que atuam apenas regionalmente. Em caso de amplitude nacional,
corre-se o risco de não aproveitar estas empresas. Em termos de gerenciamento, ganha-se
com a amplitude mas pode haver perdas financeiras pela não regionalização. O ideal é
trabalhar com regionalização em regiões onde há ganhos e amplitude onde houver ganho
maior.

Há como padronizar a atividade de gerenciamento? Essa preocupação é latente, pois há


certa tendência de os órgãos de menor envergadura "copiarem" os mais robustos. Quais
327

preocupações os gestores dos órgãos de menor porte devem ter, ao aproveitarem os


estudos feitos por órgãos maiores?

Paulo Sérgio: A modelo básico deve contemplar quatro tópicos: operação, manutenção, custo
e pessoas independente da estrutura e da envergadura. Se cada administrador procurar criar
uma estrutura de gestão para planejar, operacionalizar e controlar as atividades e envolvidos,
o sucesso é muito próximo. Deve funcionar como um modelo padrão respeitando sempre, as
particularidades de cada órgão e região pois nem sempre o que serve para um, vai ser
totalmente aderente a outro.

Por fim, há razões que justifiquem a manutenção de frota própria por parte das instituições
públicas?

Paulo Sérgio: Existe uma grande tendência para que ocorra a terceirização em
serviços/atividades que não sejam a atividade fim porém, isso não é verdade absoluta.

Uma premissa básica para terceirizar é conseguir um serviço melhor com custo mais baixo. Se
isto não ocorrer, não é necessário e nem viável terceirizar.

Dentro disto, podemos destacar também como pontos de análise para não haver ou haver a
terceirização:

Capacitação dos colaboradores/servidores;

Frota estratégica não deve ser terceirizada devido ao nível de criticidade;

Ferramentas de controle disponíveis;

Controle do imobilizado e renovação da frota em período adequado.

Paulo Sérgio Ferreira Rago é Diretor do Ceteal - Centro de Estudos Técnicos e Avançados em
Logística. Bacharel em Administração de Empresas com ênfase em Comércio Exterior, com
especialização em Logística de Transportes e Empresarial e MBA em Gestão Empresarial pela
FGV. Atuando há mais de 29 anos em Logística com experiências, inclusive internacionais, em
posições executivas, com a criação e desenvolvimento de operações logísticas em empresas
como Souza Cruz S/A e Cia. Ultragaz S/A (Grupo Ultra. Consultor empresarial para diversas
empresas no Brasil em vários segmentos. Criou o 1º treinamento DO BRASIL de " Como vender
fretes no TRC" e “Como vender transporte rodoviário de carga pelo telefone”. Desenvolveu e
ministra diversos programas de treinamento em Logística Integrada, Distribuição, Vendas,
Transportes, Supply Chain, Comércio Exterior e Administração de Tempos. Palestrante e
professor convidado dos temas "Logística", "Transportes", "Supply Chain" e correlatos em
Universidades e instituições como: FGV Brasília, Metodista, UFMG, EDUCC/IPT/USP, FEI, MBA
FIA/FEA - USP, Mackenzie, FIEPE, Setcesp, Supercia, Aduaneiras, CIESP, SETCEMG, ESAF dentre
outras, além de inúmeras atividades "IN COMPANY" para diversas empresas dos ramos de
serviços e indústria. É Ex-Diretor da Associação Brasileira de Logística e autor de vários artigos
para revistas e jornais da área. E-mail para contato: gerencia@ceteal.com

Paulo Bernardes Honorio de Mendonça é mestrando em Direito Tributário. Especialista em


Direito Tributário. Analista em Planejamento, Gestão e Infraestrutura em Ciência e Tecnologia
328

(Carreira de Gestão em C&T). Colaborador/Instrutor da Escola Nacional de Administração


Pública - ENAP. Trabalha atualmente no Ministério da Educação. Atuou na Diretoria de
Administração, como Chefe de Licitações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações desde 04/2013.

Sandro Bernardes é auditor do Tribunal de Contas da União. Professor, tutor e monitor de


diversas escolas públicas de governo, tais como: Escola Nacional de Administração Pública
(Enap), Instituto Plácido Castelo (IPC) do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, Ministério
Público Federal, Escola de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso
do Sul, Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso, Instituto
Serzedello Corrêa do Tribunal de Contas da União, dentre outras instituições.

68. Entrevista sobre Licitações e Contratos com o professor e Subprocurador-Geral do


Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Rocha Furtado, 03/11/2017
• As perguntas foram elaboradas pelos professores da Enap Nilo Cruz Neto e Rafael
Sérgio Lima de Oliveira.

Em matéria de contratação pública parece haver a ideia de que uma maior


discricionariedade do gestor é causa para a corrupção. Na prática, é isso que se constata?

Lucas: A discricionariedade do servidor, quando utilizada para o bem da população ou do


serviço público, é bem-vinda. Mas também pode ser utilizada para fraudar, e, nesse caso,
funciona como convite à corrupção. Se os órgãos de controle são igualmente fortalecidos, por
exemplo, ampliar a liberdade de quem lida com licitações pode ser medida vantajosa. Evitar
que os órgãos responsáveis pelas licitações sejam ocupados por servidores estranhos ao
quadro de pessoal pode ser outra medida boa. Não que o concurso público seja atestado de
idoneidade, mas pessoas estranhas ao quadro muitas vezes são ali lotadas para arrecadar para
aquele que o indicou. Então, simplesmente ampliar a discricionariedade, como medida isolada,
em licitações, pode ser medida contraproducente.

Ainda sobre a discricionariedade do gestor atuante na área de licitação e contrato, há um


senso de que quanto mais liberdade o agente público tiver maiores são as chances de
eficiência da contratação. O senhor tem essa percepção ou constata isso na prática?

Lucas: Repito: se não houver outras medidas, ao invés de ser boa, ampliar a discricionariedade
de quem conduz a licitação pode ser tiro no pé de vários órgãos da Administração Pública

Vários autores do Direito Administrativo brasileiro têm pregado que a adesão do Brasil ao
Acordo sobre Contratos Públicos da Organização Mundial do Comércio ajudaria no combate
à corrupção. O senhor concorda com esse pensamento?

Lucas: Sim. Mas deve essa medida ser vista como o primeiro passo. Ela não basta. É necessário
corrigir várias estruturas, inclusive várias leis brasileiras. Mas de modo isolado, essa medida
não basta se não houver, por exemplo, maior valorização dos servidores responsáveis por
fiscalizar contratos firmados pela Administração Pública.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE divulgou em 2008


uma série de recomendações voltadas para a integridade dos contratos públicos. Uma
dessas orientações aponta para a necessidade da legislação de cada país estabelecer um
329

pequeno rol de hipóteses de contratação direta. Em relação a esse ponto, como o senhor
avalia a situação da legislação brasileira sobre licitação e contrato?

Lucas: A legislação brasileira não é perfeita, mas é uma das melhores do mundo. Os modelos
de licitação eletrônica, no Brasil, são animadores. Deve-se sempre alertar que modernizar a
legislação sobre licitação é medida necessária, mas nunca é suficiente.

É inegável que o Brasil sofre de um problema crônico de corrupção. Em matéria de


contratação pública, o senhor entende que a legislação brasileira contribui para práticas
corruptivas? São necessárias algumas alterações?

Lucas: Vários aspectos precisariam ser modificados para que o Brasil pudesse vencer a
corrupção. A legislação brasileira é apenas um deles. Várias estruturas devem ser modificadas,
mas há medidas boas. Na atual Lei nº 8.666/93, por exemplo, a necessidade de serem
elaborados os projetos básico e executivo é extremamente benéfico. Mas certamente as
licitações constituem o maior ralo para o dinheiro público. Outro aspecto fundamental é ter de
punição. É necessário que corrupto tenha dúvidas quanto às consequências do ato que pratica,
e não tenha a certeza da impunidade.

No seu livro “As raízes da corrupção no Brasil: estudo de casos e lições para o futuro”, são
analisados dez escândalos de danos ao erário que se tornaram célebres, com diferenças
entre si quanto ao modus operandi, mas com desfechos bastante semelhantes quanto à
insignificância ou inexistência da recuperação dos ativos desviados e ao baixo nível de
punição para os corruptos - talvez nesse último aspecto com exceção dos casos Jorgina de
Freitas, da obra do fórum do TRT-SP e do Mensalão. Tendo em vista essa perspectiva
histórica do livro, qual será a contribuição efetiva da Operação Lava Jato no combate ao
fenômeno da corrupção e em que medida ela se destacaria em relação aos casos abordados
na sua obra?

Lucas: Essa operação não deve ser vista como processo judicial. Deve ser vista como um
fenômeno social. Como o despertar da população brasileira para problema gravíssimo: a
necessidade de combater inclementemente a corrupção. Nesse sentido, deve ser tida como
notícia alvissareira. Mas de boas intenções, todos sabemos que há um lugar repleto.

Ainda no contexto do seu livro citado, chama a atenção que a cada caso de corrupção, o Sr.
apontou as falhas estruturais e de legislação que teriam propiciado a ocorrência de fraudes.
Isto posto, qual a sua percepção geral em relação às alterações promovidas em resposta às
falhas identificadas? Teria a legislação administrativa se tornado cada vez mais complexa (a
exemplo da miríade de leis, decretos, instruções normativas e portarias relacionadas a
licitações e contratos) e a máquina pública mais engessada, sem a correspondente redução
nos casos de corrupção no país?

Lucas: O pregão foi considerado medida boa medida para combater cartéis. Rapidamente,
fraudadores aprenderam a burlá-lo. O coelho, por exemplo. Nele, pregão, há a fase de lances.
No coelho, um licitante mergulha no valor – daí o termo coelho – e vem a ser desclassificado,
sendo definido como vencedor aquele que apresentou a proposta subsequente, que não se
submeteu à fase de lances e que, de fato, leva a licitação. Esse licitante é o grande beneficiado.
Perdedores: Administração Pública e povo brasileiro que a sustenta. A corrupção é sem vítima
especifica.
330

O exemplo citado basta para confirmar que as alterações legais são necessárias, mas nunca
suficientes. O mesmo pode ser dito em relação ao registro de preços, que é excelente ideia,
mas em que se tem verificado inúmeras com o chamado carona.

Recentemente, o TCU e o STF decidiram acerca da impossibilidade de pagamento de


honorários advocatícios com recursos do FUNDEF, atual FUNDEB. No caso do processo no
TCU, restou assente a ação preventiva do Ministério Público de Contas junto ao TCE-MA, que
identificou inúmeros contratos irregulares celebrados por prefeituras daquele estado, não
obstante posteriormente se tenha verificado tratar-se de fenômeno também presente em
outras localidades, com grande risco de danos ao erário. No âmbito do próprio TCU, qual
atuação preventiva do Ministério Público de Contas o Sr. destacaria?

Lucas: Mérito para o MP/TCE/MA.Tenho mais de 20 anos no MP/TCU. Quando ingressei,


grande importância era dada a processos de registro de aposentadoria, pensão, admissão e
aos processos de contas, que tratam do passado. É necessário cuidar do passado, mas é
preciso olhar o presente e o futuro. As auditorias fazem parte desse controle concomitante e
do controle preventivo. Cito um exemplo: duplicação da BR 101 – Nordeste. Feita uma
auditoria na licitação, constatou-se superfaturamento mais de R$200 milhões. O auditado, ao
concordar, economizou para o País mais de R$200 milhões, independentemente de qualquer
providência judicial. Sem o apoio do MP/TCU, talvez essa mudança não tivesse ocorrido no
TCU para uma atuação mais preventiva.

Em tempos de acordos de leniência e delações premiadas, como o Sr. vê a legislação posta,


que vincula os benefícios decorrentes desses instrumentos a searas específicas, e a questão
da cooperação institucional entre os órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, o
Ministério Público, a Controladoria-Geral da União, a Polícia Federal, e a Advocacia-Geral da
União? Em outros termos, não lhe soa estranho que uma empresa, mesmo tendo a sua
colaboração premiada homologada pelo judiciário, possa, pelo mesmo fato (fraude em
licitação, por exemplo), estar sujeita a uma sanção de inidoneidade aplicada pelo órgão
contratante, ou mesmo pelo TCU? Ou, de outro modo, não parece desarrazoado supor que
uma empresa, mesmo tendo celebrado acordo de leniência para livrar-se de uma sanção
administrativa, possa eventualmente ser denunciada pelo ministério público por
improbidade pelo mesmo fato? Isso não seria inclusive um fator a desestimular a celebração
de acordos de leniência e delações premiadas? Na atual conjuntura posta de independência
de atuação entre as diversas instâncias de controle, qual seria a solução para superarmos
esse tipo de problema?

Lucas: Estamos aprendendo muito com delações e leniências, às vezes a um preço muito alto.
Alguns acordos causam estranheza. Mas nunca podemos esquecer que a alta corrupção,
normalmente, não deixa rastro. Os acordos firmados, em nome da segurança jurídica, não
podem e não devem ser revistos, após firmados, por qualquer das partes. Ou seja, se não for
alguém de dentro que conte como é feita a fraude, é praticamente impossível prová-la. É
necessário fortalecer esses acordos, e nunca enfraquecê-los quando o objetivo é combater a
corrupção. E concordo com a pergunta, no sentido de que a Administração Pública precisa
melhor se organizar para não enfraquecer esses acordos.

Nos últimos tempos, um maior protagonismo dos órgãos de controle e a descoberta de


esquemas de corrupção parecem ter forjado, no senso comum, a ideia de que o gestor
público é corrupto, o servidor público é preguiçoso e/ou marajá, e o empresário, fornecedor
331

do estado, é malandro. Como superar esse preconceito e fazer com que a administração
pública dê uma resposta à sociedade à altura de nossa elevada carga tributária?

Lucas: Em pesquisa feita na periferia da maior cidade do Brasil, São Paulo, foi dito que o maior
inimigo da população é o Estado. Espero que essa visão mude. Mas ela somente vai mudar, se
alguns (vários) servidores mudarem comportamentos, o que é difícil. É necessário que cada um
faça sua parte. Somente assim, teremos um serviço público melhor, mais eficiente, e que não
seja visto como inimigo da população que o mantem.

Lucas Rocha Furtado possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1990),
mestrado em Direito pela Universidade de Brasília (1994) e doutorado em Aspectos Jurídicos e
Econômicos da Corrupção - Universidad de Salamanca (2012). Atualmente é subprocurador-
geral - Tribunal de Contas da União e professor da Universidade de Brasília. É autor dos
seguintes livros: Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasileiro, Editora Brasília
Jurídica, Brasília, 1996; Curso de Licitações e Contratos Administrativos, Teoria, Prática e
Jurisprudência - Editora Atlas, São Paulo, em 2001; Curso de Direito Administrativo – Editora
Fórum, Belo Horizonte, As Raízes da Corrupção no Brasil – Editora Fórum, Belo Horizonte – 1ª
ed., 2015.

Nilo Cruz Neto: Doutorando em Políticas Públicas pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-
IUL), em Portugal. Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-
graduado em Políticas Públicas pelo ISCTE-IUL (Advanced Postgraduate Diploma in Public
Policy). Pós-graduado em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade
Estácio de Sá. Pós-graduado em Auditoria e Perícia Contábil pela UFMA. Auditor Federal de
Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União. Auditor externo e independente
(QTG/CNAI/CFC). Administrador e Contador. Professor da Escola Nacional de Administração
Pública, do Ministério do Planejamento (ENAP/MPDG). Foi professor da Universidade Estácio
de Sá, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), da Faculdade JK (DF), e professor
substituto da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Atuou como instrutor da Escola de
Administração Fazendária, do Ministério da Fazenda (ESAF/MF), da Escola de Governo do
Maranhão (EGMA) e da Escola de Gestão Municipal da Federação dos Municípios do Estado do
Maranhão (FAMEM). Ministra cursos e profere palestras nas áreas de Auditoria, Controle
Interno Governamental, Compliance, Controle Social, Gestão Municipal, Orçamento Público,
Lei de Responsabilidade Fiscal, Licitações e Contratos Administrativos, tendo formado mais de
4.000 pregoeiros por todo o Brasil.

Rafael Sérgio Lima de Oliveira: Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de


Lisboa e possui Graduação e Mestrado em Direito. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da
União e colaborador do Portal L&C. Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase
em Direito Administrativo, atuando principalmente na área de Licitações e Contratos
Administrativos.

69. Entrevista sobre temas avançados em Pregão Eletrônico com o professor Victor
Amorim,07/11/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Antonio Netto.
332

Em relação ao conhecimento e capacitação do Pregoeiro há alguma distinção relevante entre


o pregão presencial e o pregão eletrônico?

Victor: Para mim, dúvida não há de que o pregão eletrônico proporcionou ganhos
consideráveis para a Administração no tocante à transparência e celeridade dos
procedimentos licitatórios. Contudo, não se pode dizer, categoricamente, que o pregão
eletrônico é melhor, em todos os aspectos, se comparado ao pregão presencial. Há diferenças
práticas relevantes entre as duas formas de realização do pregão. Particularmente, gosto da
seguinte analogia: pense na modalidade pregão como o “futebol” e considere o pregão
presencial como o “futebol de campo” e o pregão eletrônico como o “futebol de salão”. Veja:
tudo é “futebol”, mas a dinâmica do jogo, as regras de condução, os detalhes da disputa são
peculiares e diferentes entre as duas formas de jogar. É o que, na realidade, ocorre entre o
pregão presencial e o eletrônico. Não basta que o Pregoeiro seja um exímio conhecedor de
normas e de jurisprudência, ele deve conhecer a plataforma de realização do pregão. Deve
saber como se portar diante da necessidade de adotar decisões rápidas, mas de forma segura.
Deve saber conduzir uma negociação e conhecer as diferenças da linguagem “olho no olho” do
pregão presencial para a linguagem textual fria do pregão eletrônico. Deve se portar com a
máxima transparência possível no pregão eletrônico, já que os licitantes só sabem do que
ocorre a partir do que o Pregoeiro “diz”. Deve saber que, diante da considerável ampliação do
universo de concorrentes no pregão eletrônico, a heterogeneidade entre os licitantes é maior.
Portanto, para fazer um “bom” pregão eletrônico, o Pregoeiro deve conhecer o sistema
operacional. Deve ter ciência das limitações que a tecnologia apresenta quanto ao fluxo
comunicacional entre Pregoeiro e licitantes e, diante disso, adotar boas práticas, sendo
excessivamente transparente em todas as etapas do certame, motivar suficientemente todas
as decisões, oportunizar aos licitantes o pleno acesso à documentação apresentada, conduzir
um adequado procedimento de admissibilidade da intenção recursal... Enfim, ser proativo ao
longo de todo procedimento e sempre se lembrar que todos os atos praticados ficarão
registrados, para a posterioridade, na ata de realização do pregão eletrônico.

Em relação ao procedimento de admissibilidade da intenção recursal pelo Pregoeiro, quais


seriam as suas sugestões de melhoria operacional?

Victor: Com vistas a evitar o registro de intenções de recurso que tenham deficiência de
fundamentação e que possam se referir a questões passíveis de serem dirimidas no curso do
procedimento, com base em minha experiência prática, venho sugerindo que os Pregoeiros
adotem algumas condutas de boas práticas. Dada a particularidade de no Pregão Eletrônico
somente as empresas vencedores terem a oportunidade de enviar mensagens ao Pregoeiro
pelo chat, institui, no Senado Federal, uma prática de divulgar, de antemão, a possibilidade
dos demais licitantes já anteciparem questionamentos e alegações que poderão ser dirimidas
sem a necessidade de interposição de recursos. Havendo envio de e-mail por parte dos
participantes do certame, impõe-se uma célere e embasada resposta por parte do Pregoeiro,
de modo que o licitante passará a ter fundada confiança na condução e transparência da
licitação. Ademais, a formalização da manifestação e da resposta do Pregoeiro por e-mail,
viabiliza o registro oficial das informações nos autos do procedimento administrativo. É
oportuno mencionar que, sendo o questionamento e a resposta de interesse geral dos
participantes, com vistas a conferir a devida transparência, deverá o Pregoeiro transcrever a
troca de informações no chat e/ou no campo de avisos do sistema. Outra medida de sucesso é
333

a realização de uma espécie de contraditório prévio na fase de admissibilidade da intenção


recursal. Antes de se proceder à aceitação/recusa da intenção recursal registrada no sistema, é
razoável que o Pregoeiro estabeleça, no ambiente do chat, um contraditório com a empresa
recorrente, com vistas a aclarar o motivo da irresignação ou mesmo buscar dirimir o ponto
controvertido. Tal medida adotada no Senado Federal desde 2014 tem-se mostrado bem
sucedida a medida que evita o processamento de recursos desnecessários e protelatórios, vez
que a empresa recorrente tem a oportunidade de dialogar com o Pregoeiro e esclarecer, sem
limitação de caracteres, os motivos de sua irresignação.

E quando o Pregoeiro se deparar com propostas cadastradas com presunção de


inexequibilidade? Como deverá proceder o Pregoeiro?

Victor: Uma das hipóteses de desclassificação de proposta previstas na Lei nº 8.666/1993


refere-se à inexequibilidade dos preços ofertados. De acordo com o art. 48, inciso II,
consideram-se inexequíveis os preços cuja viabilidade não venha a ser demonstrada através de
documentação apta a comprovar que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado
e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato.

O TCU possui entendimento consagrado na Súmula nº 262 no sentido de que a configuração


de uma das hipóteses previstas no art. 48, §1º, da Lei nº 8.666/1993 constitui uma presunção
relativa de inexequibilidade, devendo ser assegurada à licitante a demonstração de sua
viabilidade comercial. Assim sendo, caso a Comissão de Licitação/Pregoeiro constate a
ocorrência de situação de relativa inexequibilidade da proposta, ser-lhe-á vedado
desclassificar, de pronto, a proposta, devendo, necessariamente, conceder à licitante a
oportunidade de afastar tal presunção através da comprovação da exequibilidade dos preços
praticados. Tratando-se de licitações para contratação de serviços, continuados ou não, o item
9.4 do Anexo VII-A da Instrução Normativa SLTI/MPOG nº 05/2017, estabelece procedimentos
e diretrizes para comprovação da exequibilidade das propostas, caso haja dúvida por parte da
Comissão/Pregoeiro ou diante de questionamento de outro licitante. Diante de tal panorama,
no bojo de um pregão eletrônico, verificada a presunção relativa de inexequibilidade de
determinada proposta, o Pregoeiro se vê impossibilitado de realizar a desclassificação
preliminar do licitante antes de oportunizar a comprovação da viabilidade do preço ofertado.
Nesse ponto, de fato é preciso indagar: como o Pregoeiro deve observar a Súmula nº 262 do
TCU se, antes da abertura da fase de lances, ainda persiste o sigilo quanto aos licitantes que
cadastraram propostas? Ora, nesse caso não haveria como assegurar o contraditório prévio...
Como resolução de tal impasse, propõe-se a seguinte conduta ao Pregoeiro: na etapa de
aceitação preliminar das propostas, constatada a existência de proposta com presunção de
inexequibilidade, o Pregoeiro deverá informar no chat tal ocorrência, alertando os licitantes
que, em razão da Súmula nº 262 do TCU seria inviável a desclassificação da proposta em tal
momento, já que seria necessário concluir a fase de lances para identificar o licitante
responsável pela oferta e, assim, oportunizar-lhe a comprovação da viabilidade da proposta.
Feita tal comunicação, o Pregoeiro deverá alertar os licitantes que a existência de proposta
suposta inexequível não afeta a fase de disputa, tendo em vista a possibilidade de lances
intermediários no pregão eletrônico.

Considerando as últimas atualizações do SICAF e COMPRASNET, qual é, na sua opinião,


aquela de maior relevância em termos de segurança e regularidade dos pregões eletrônicos?
334

Victor: Na minha avaliação, a principal inovação é a instituição, no âmbito do SICAF, da


funcionalidade denominada “Ocorrências Impeditivas Indiretas”, que tem por objetivo alertar
os Pregoeiros quanto à existência de membros em comum no quadro societário de empresas
que tenham sido impedidas, suspensas ou declaradas inidôneas, nos termos da Lei nº
8.666/1993 e da Lei nº 10.520/2002. Tal alerta é obtido a partir do cruzamento de informações
existentes no próprio SICAF acerca da composição dos quadros societários de sociedades
empresárias cadastradas no sistema. Ao consultar a situação do fornecedor no SICAF, é
informado ao Pregoeiro se há, a partir do número de CPF, alguma correlação de sócio(s) de
uma sociedade empresária (CNPJ consultado) com o quadro societário de outra empresa
cadastrada no sistema que possua algum tipo de sanção vigente consistente em impedimento
ou suspensão do direito de licitar. Em atenção à recomendação exarada pelo TCU no Acórdão
nº 2.115/2015-Plenário, o alerta é emitido pelo SICAF mesmo que haja eventual alteração na
composição societária posterior à data da aplicação da sanção. Ou seja, a funcionalidade
“Ocorrências Impeditivas Indiretas” contempla todo o histórico de vinculação do CPF ao
quadro societário das sociedades empresárias cadastradas no SICAF.

E constatado o “impedimento indireto”, poderá o Pregoeiro realizar a exclusão da empresa


do certame?

Victor: Cumpre ressaltar que a simples existência de “Ocorrência Impeditiva Indireta” não é,
por si só, fundamento apto a ensejar o afastamento de determinado licitante do certame,
porquanto a sanção de impedimento ou suspensão é aplicada a uma determinada
personalidade jurídica (pessoa jurídica), inconfundível com a pessoa de seus sócios (pessoa
física). A bem da verdade, o alerta do SICAF constitui importante ferramenta para o Pregoeiro
aferir, a partir das circunstâncias e indícios do caso concreto, se a criação da pessoa jurídica
participante da licitação teve por propósito burlar uma sanção administrativa anteriormente
aplicada. Havendo elementos suficientes para configuração da fraude, a Administração Pública
deve desconsiderar a personalidade jurídica e estender a sanção de impedimento de licitar e
contratar à empresa cujo CNPJ consultado no SICAF, a princípio, se mostrava sem a referida
apenação. De acordo com a jurisprudência do TCU e STJ, a intenção de fraudar à licitação é
presumida quando uma empresa impedida de licitar e contratar com a União se reveste de
outra, com a finalidade de retomar contratações com a Administração. Basicamente, de
acordo com o TCU e o STJ, existem quatro características fundamentais permitem configurar a
ocorrência de abuso da personalidade jurídica: a) a completa identidade dos sócios-
proprietários; b) a atuação no mesmo ramo de atividades; c) a transferência integral do acervo
técnico e humano; d) data de constituição da nova empresa posterior à data de aplicação da
sanção de suspensão/impedimento ou declaração de inidoneidade. De todo modo, outras
circunstâncias podem robustecer o conjunto de indícios do abuso de personalidade jurídica,
como: a) identidade (ou proximidade) de endereço dos estabelecimentos; b) identidade de
telefones, e-mails e demais informações de contatos; c) existência de um mesmo
representante/procurador/preposto entre as sociedades. Quanto à possibilidade de realização
da desconsideração da personalidade jurídica e, consequentemente, a exclusão de licitante do
certame, note-se que o TCU possui entendimento consolidado no sentido de que indícios
vários e concordantes são aptos a evidenciar a prática de fraude à licitação, sendo, portanto,
possível caracterizar a burla com base em conjunto de indícios. Destarte, no bojo da realização
do certame, antes mesmo da avaliação da proposta ou documentos de habilitação de empresa
apontada com ocorrência de impedimento indireto no SICAF, deve o Pregoeiro realizar uma
335

análise complexa da composição societária das empresas envolvidas, do objeto social


constante dos contratos sociais e demais informações que possibilitarão uma conclusão sobre
uma eventual tentativa de burla e fraude. Em tal intento, sugere-se que o Pregoeiro, após
apontar objetivamente o conjunto de indícios levantados, conceda à empresa em questão a
oportunidade de se manifestar previamente sobre o assunto de forma a possibilitar a
elucidação dos fatos. Não sendo os esclarecimentos prestados pelo licitante suficientes para
ilidir a presunção de fraude, o Pregoeiro, no seio da própria licitação, excluíra a empresa do
certame, devendo, posteriormente, comunicar o fato à autoridade superior a fim de avaliação
da pertinência de instauração de processo administrativo sancionatório por violação ao art. 7º
da Lei nº 10.520/2002. Com efeito, poder-se-ia advogar que o ideal seria a suspensão do
processo licitatório para a instrução específica de procedimento incidental de apuração da
burla e existência de fraude à licitação. Contudo, tal providencia poderia colocar em risco a
necessidade pública de conclusão do certame e realização da contratação, mostrando-se,
portanto, razoável, o afastamento cautelar do licitante para apuração da conduta em processo
administrativo sancionatório, sem prejuízo à continuidade da licitação. De tal modo, seria
viável a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica durante o certame com
fundamento no poder geral de cautela da Administração que, na Lei nº 9.784/1999, encontra
expressa previsão no art. 45.

Victor Amorim é mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público
(IDP), especialista em Direito Público pela Universidade de Rio Verde (FESURV), especialista
em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), bacharel em
Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG), professor dos cursos de pós-graduação do
ILB e IDP, Ex-Presidente da CPL e Ex-Pregoeiro do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-
2010).Ex-Presidente da CPL do Senado Federal (2014-2015 / 2016-2017), pregoeiro do Senado
Federal (desde 2013), assessor Técnico da Comissão Especial de Modernização da Lei de
Licitações (Lei nº 8.666/1993), constituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº
19/2013. Autor das obras “Curso de Direito Constitucional” (Editora Ferreira), “Direito
Urbanístico” (Editora Baraúna) e “Licitações e Contratos Administrativos” (Senado Federal).

Antônio Netto é mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade de Brasília (UnB), na


temática de Gestão de Riscos nas Contratações Públicas (doutorado em andamento).
Consultor, Palestrante, Parecerista e autor de artigos da temática de Contratações de bens e
serviços e Contratos Administrativos. Autor da obra: Contratações de Tecnologia da
Informação: O Jogo, com o Professor Cristiano Heckert (ed. Negócios Públicos).

Criador do Jogo de Contratações (Instrução Normativa 4 STI/MP e Instrução Normativa 5


SEGES/MP) e da plataforma de capacitação de gestores públicos JOGOGOV (Gestão de
Riscos/Instrução Normativa conjunta 1 CGU/MP, Governança, Liderança, Estratégia, Licitações
e Contratos), juntamente com prof. PhD. Rodrigo Pironti e Dawison Barcelos. Servidor
requisitado na Presidência da República da área de Tecnologia da Informação. Professor na
ENAP, Negócios Públicos, IBGP, ABOP, dentre outras, consultor no Instituto Protege. Coach
pelo Neuroleadership Institute e formação em gamification pela Pennsylvania University
(EUA). Certificações: COBIT 5 e ITILF. Antes de ingressar no serviço público, atuou no mercado
privado pela Xerox e GVT.
336

70. Entrevista sobre as licitações na Itália com o professor Henrique Savonitti, 09/11/2017

• As perguntas foram elaboradas pelo Procurador da Enap, Daniel Picolo Catelli.

Quais as diferenças mais significativas entre o Código de Contratos Públicos italiano e a


nossa Lei de Licitações e Contratos?

Savonitti: Inicialmente, é importante salientar que o Código de Contratos Públicos italiano foi
promulgado no ano passado (2016) e a Lei de Licitações do Brasil é de 1993. Só aí temos um
intervalo de 23 anos entre ambas, o que dificulta muito a análise comparativa, e faz com que a
lei brasileira esteja extremamente defasada em relação ao modelo europeu (que inspira o PLS
nº 559/2013). Apesar das inúmeras atualizações que foram realizadas ao longo dos anos, a Lei
Geral de Licitações brasileira não contempla inúmeros institutos que surgiram neste período
(embora a maioria deles já esteja presente em outras normas brasileiras, como é o caso do
RDC). Do ponto de vista estrutural, creio que a principal diferença seja que a lei brasileira está
muito preocupada com a licitação e pouco atenta ao contrato, ao passo que a norma italiana
se preocupa muito mais com o contrato e menos com a licitação. Nesse sentido, a lei italiana
(Código de Contratos Públicos), como o próprio nome já deixa antever, está realmente focada
na contratação e disciplina a licitação de maneira bem mais flexível (denominada de
“procedimento de escolha do contratado”). A lei brasileira, ao contrário, pormenoriza muito a
licitação e não disciplina questões importantes que envolvem o contrato administrativo, como,
por exemplo, o procedimento de gestão e fiscalização dos contratos, que vem disciplinado de
maneira muito superficial no art. 67 da lei.

Pensando na futura lei de licitações brasileira, creio que seja possível afirmar-se que existe um
certo consenso na doutrina de que o procedimento licitatório precisa ser flexibilizado em
relação ao modelo atual. O curioso é que, ao mesmo tempo em que se defende uma
flexibilização do procedimento de contratação, muitos aplaudem quando é editada uma nova
instrução normativa que pormenoriza ainda mais uma norma anterior, que, por sua vez, já era
extremamente detalhista.

Deixando de lado a flagrante ilegalidade desse tipo de prática (que ultrapassa, em muito, o
exercício regular do poder normativo), o questionamento que se põe é o seguinte: nós
estamos realmente preparados para uma mudança de paradigma?

O PLS nº 559/2013 nos aproxima ou distância das práticas da Itália?

Savonitti: Creio que nos aproxima, mas não por mérito seu e sim porque, conforme já
mencionei, a lei brasileira está extremamente ultrapassada. Porém, de maneira geral, uma
eventual lei que venha da aprovação do PLS nº 559/2013 já nascerá velha. Isto porque, apesar
de contemplar algumas novidades (como, por exemplo, o instituto do diálogo competitivo), a
grande maioria das alterações propostas já vinham sendo incorporadas ao ordenamento
337

jurídico brasileiro desde o advento do pregão (Lei n° 10.520/2002), das parcerias público-
privadas (Lei n° 11.079/2004), do RDC (Lei n° 12.462/2011), entre outros. Talvez o mérito do
projeto seja consolidar tudo isso em uma Lei Geral de Licitações. No entanto, creio que se
perde uma grande oportunidade de ir além. Por exemplo: será que em 2017 ainda faz sentido
se falar em “modalidades de licitação”? O procedimento de contratação precisa ser único, que
pode se desenvolver de forma presencial ou eletrônica. Em plena era da tecnologia digital, faz
sentido se falar em “convite” ao invés de buscar-se aprimorar os mecanismos de cotação
eletrônica? E, como estes, existem vários outros anacronismos no PLS.

No entanto, a minha preocupação maior é que a mudança da lei, por si só, não será capaz de
melhorar o cenário das contratações públicas no Brasil. Como eu mencionei, é claro que a Lei
8.666, de 1993 – elaborada quando praticamente nem existia a internet –, está obsoleta e
reclama profundas reformas. O problema é que temos a tendência a achar que a edição de
uma nova lei ou a introdução de alguns novos institutos jurídicos (que, realmente, podem ser
úteis em algumas situações específicas) resolvem todos os problemas. Insisto que é preciso
uma radical mudança de pensamento!

Veja uma situação interessante: eu pesquiso e escrevo sobre licitações e contratações públicas
há quase 15 anos. Durante os primeiros anos, não se ouvia falar em gestão de riscos nas
contratações públicas. O debate ganhou força a partir de 2011/2012, quando a lei do RDC e a
jurisprudência do Tribunal de Contas da União estabeleceram que o anteprojeto de
engenharia no regime de contratação integrada deve contemplar uma matriz de alocação de
riscos entre a Administração Pública e o contratado. Isso se deveu, fundamentalmente, em
razão das peculiaridades deste regime de execução de obras públicas (que, como se sabe,
pode envolver desde a elaboração do projeto básico de engenharia até a entrega completa da
obra, ficando vedada, inclusive, a celebração de termos aditivos, salvo em situações muito
excepcionais). É neste justificável contexto que aflorou a discussão sobre a gestão dos riscos
nas contratações públicas. Não estou dizendo que esta experiência não possa ser aproveitada
em outras espécies de contratos administrativos. O problema é que, de dois anos para cá, só
se fala em gestão de riscos! Estão elaborando mapa de riscos para a contratação de serviços
comuns. Será que ele realmente é necessário neste tipo de serviço? Algumas pessoas podem
imaginar que estou defendendo uma visão simplista, pois há quem pense que quanto mais
“anexos” tivermos em um edital, maiores serão as chances de se alcançar o resultado desejado
na contratação. E, na maioria das vezes, é exatamente o contrário! Além disso, se esquecem
que no interior do país também existe um órgão público (que, em geral, dispõe de condições
de trabalho bem mais precárias em relação às grandes capitais) que também precisa contratar.
Refletindo sobre isso construí a seguinte provocação: imagine que alguém decida se casar de
improviso, com alguém que acabara de conhecer (o que pode ser interpretado como falta de
planejamento!) e sequer teve tempo de perguntar se os anseios e os objetivos de vida da outra
pessoa são semelhantes aos seus (ou seja, falta de um bom projeto em comum). Para piorar a
situação, ele não tem uma boa reputação na cidade (porque não honra seus compromissos em
dia, modifica unilateralmente o que combina e tem fama de autoritário); ela também não
(porque dizem que só quer se aproveitar dele e não faz as coisas conforme combinado). Os
amigos dele, inclusive, dizem que ela e as amigas são desonestas; as amigas dela pensam o
mesmo em relação a eles. Neste contexto, e preocupado com o futuro casamento, ele decide
338

“gerenciar os riscos” desta futura união: contrata detetives para investigá-la, monitora suas
redes sociais, instala câmeras de segurança, etc. Posso apostar que este casamento não irá dar
certo e que, ao final, ele ainda irá afirmar: “Está vendo!? É por isso que eu tinha todas aquelas
preocupações! Sabia que isso iria acabar acontecendo...”

É por esse motivo que digo que sem uma profunda mudança de postura e de mentalidade os
problemas que envolvem as contratações públicas continuarão acontecendo! Neste sentido,
venho insistindo que a melhor maneira de solucionar os principais problemas em licitações é
investir profundamente nas fases de planejamento e elaboração de projetos o que,
naturalmente, mitigará a possibilidade da ocorrência dos eventos de risco, dando origem a
contratações mais eficientes.

Qual o papel da Autoridade Nacional Anticorrupção (ANAC) nas contratações públicas


realizadas na Itália?

Savonitti: A Autoridade Nacional Anticorrupção (ANAC) surgiu em 2012 a partir da


transformação da então Comissão Independente para a Avaliação, Transparência e Integridade
das Administrações Públicas (CIVIT). Em 2014, a ANAC incorporou a Autoridade de Supervisão
em Contratos de Obras Públicas, Serviços e Suprimentos (AVCP), que foi extinta.

A principal função da ANAC é prevenir a corrupção na Administração Pública italiana, incluindo


as empresas estatais.

Ocorre que o novo Código de Contratos Públicos ampliou consideravelmente a competência


da ANAC em matéria de contratações públicas, conferindo-lhe um papel central na aplicação
da nova legislação.

Isso porque o novo Código abandona a ideia de regulamentação por meio de decretos e
confere à ANAC a prerrogativa de estabelecer um conjunto de orientações normativas
(denominadas “linee guida”) com o objetivo de dar aplicabilidade às disposições do novo
Código.

Estas normas, de caráter geral e abstrato, devem oferecer indicações interpretativas e


operacionais com o objetivo de simplificar e padronizar os procedimentos de contratação,
conferir transparência e eficiência às ações administrativas, ampliar a competitividade,
garantir segurança aos contratados e reduzir os litígios.

A questão que se põe atualmente é que esse sistema de “soft regulation”, praticamente
desconhecido no direito italiano, cria uma série de incertezas quanto à natureza e à própria
força jurídica dos atos emitidos pela ANAC, à legitimidade destas diretrizes no sistema de
fontes do ordenamento jurídico, bem como em relação às regras procedimentais e processuais
a elas aplicáveis.

Além desta peculiar competência normativa, a ANAC também elabora modelos de editais e de
contratos, emite pareceres de caráter vinculante, e dispõe de uma ampla competência
339

disciplinar, que inclui atividades de fiscalização e controle, inclusive com a prerrogativa de


garantir a economicidade das contratações públicas e de apurar eventuais prejuízos ao erário.

É importante salientar que uma entidade como a ANAC não encontra semelhança nos outros
países da União Europeia.

Há semelhança entre as funções desempenhadas pelos órgãos jurídicos na Itália e no Brasil


no processo licitatório, tais como a obrigatoriedade de emissão de parecer?

Savonitti: No direito administrativo italiano não existe a obrigatoriedade de emissão de um


parecer jurídico precedendo a publicação dos editais de licitações.

A única situação de parecer técnico-jurídico que me vem em mente diz respeito à celebração
de acordos entre a Administração Pública e a empresa contratada nos casos de eventuais
violações a direitos subjetivos. Nestas situações, já na fase de execução do contrato, quando o
valor da transação for superior a 100 mil euros (ou 200 mil, no caso de obras públicas), será
necessária a emissão prévia de um parecer do representante legal da entidade ou da
Procuradoria do Estado. É o único caso de parecer jurídico.

Por certo existem inúmeras previsões de pareceres de natureza eminentemente técnica, como
ocorre, por exemplo, no caso de parcerias público-privadas e nas concessões de autoestradas,
situação na qual a Administração pode pedir um parecer para a autoridade de regulação dos
transportes; no caso de reformas em bens culturais ou submetidos à tutela do patrimônio
histórico, artístico, paisagístico ou ambiental, quando é necessário um parecer prévio do
Ministério dos Bens Culturais; ou, ainda, de pareceres do Ministério da Infraestrutura e dos
Transportes nas hipóteses de obras de infraestrutura.

Além disso, o Conselho Superior de Obras públicas emite parecer obrigatório sobre os projetos
definitivos de obras públicas de competência do Estado (ou que tenham ao menos 50% de
participação deste) no caso de obras de valor superior a 50 milhões de euros. Neste caso, a
emissão do parecer precede a publicação do edital da licitação, visto que no direito italiano
não se pode licitar sem a prévia aprovação do projeto definitivo. Na hipótese de obras de valor
inferior a 50 milhões, é possível a solicitação de parecer dos comitês técnico-administrativos
regionais desde que estejam presentes elementos de particular relevância e complexidade. O
prazo para a emissão de parecer do Conselho Superior é de 90 dias sob pena de aceitação
tácita.

Uma outra iniciativa que merece destaque foi a criação do Serviço de Suporte Técnico-Jurídico
no âmbito do Serviço de Contratos Públicos (SCP) do Ministério da Infraestrutura e dos
Transportes com o objetivo de responder dúvidas e emitir pareceres quando provocado pelos
órgãos e entidades administrativas.
340

Da mesma forma, a Autoridade Nacional Anticorrupção (ANAC), conforme já havíamos


mencionado, também edita diretrizes para as contratações públicas, modelos de editais e de
contratos, além de emitir pareceres de caráter vinculante.

Quais os principais mecanismos que asseguram a transparência do processo de contratações


públicas na Itália?

Savonitti: Conforme mencionei na entrevista que concedi à esta Comunidade sobre as


licitações na União Europeia (link para a entrevista), as últimas diretivas da UE apresentaram
uma grande evolução no tema da transparência. Todos os atos de autoridades e entidades
licitantes relacionados à programação de obras, serviços e fornecimentos, bem como os
procedimentos de adjudicação dos contratos administrativos, concursos públicos, concursos
de ideias e concessões, que não sejam classificados como sigilosos, devem ser publicados e
atualizados na seção “Administração Transparente” da entidade licitante. Na Itália, estas
informações também devem ser disponibilizadas no site do Ministério da Infraestrutura e dos
Transportes e na plataforma digital criada pela ANAC. Também são publicadas eventuais
decisões relativas à inabilitação e desclassificação de licitantes, os resultados das avaliações
subjetivas, da qualificação técnica e da qualificação econômico-financeira das empresas, assim
como as modificações contratuais e os relatórios de execução financeira. No direito italiano, as
entidades que pretendam realizar uma licitação, após se qualificarem, deverão se credenciar
perante a ANAC, com base em um critério de “idoneidade/capacidade”, e terão competência
para conduzir os certames que estiverem relacionados à sua capacitação técnica. Além disso,
também devem ser publicados os nomes e currículos profissionais das pessoas que poderão
participar das comissões de licitação em cada área (obras, serviços e fornecimento, por
exemplo). Os membros das comissões de licitação serão sorteados a partir dessas
informações. As entidades também poderão se qualificar para conduzir licitações de órgãos e
entidades que não tenham sido credenciadas.

Quais as principais diferenças entre as hipóteses de contratação direta sem licitação na Itália
e no Brasil?

Savonitti: As hipóteses de contratação direta no direito italiano contemplam duas situações


distintas. A primeira delas, denominada “trattativa privata”, se dá em virtude de uma licitação
anterior deserta. Nesta hipótese, a Administração Pública deverá publicar um edital, consultar
algumas empresas por ela escolhidas e negociar com uma ou várias os termos do contrato. Na
segunda hipótese – que é aquela mais parecida com o que se pratica no direito brasileiro, visto
que não é necessária a publicação de um edital – o Poder Público italiano pode escolher uma
determinada empresa e proceder à adjudicação direta (“procedura negoziata”). Todavia, as
situações nas quais essa forma de contratação se torna possível são bem mais restritas que no
direito brasileiro, limitando-se, nos casos de obras, serviços e fornecimento, às hipóteses de
licitação deserta, inviabilidade de competição (como nos casos de inexigibilidade do direito
brasileiro) e extrema urgência. Além dessas hipóteses, para os contratos de fornecimento, é
possível a contratação direta quando se tratar de produtos destinados a pesquisas científicas,
341

produtos complementares a uma licitação anterior, matérias-primas e aquisições em


condições particularmente vantajosas em virtude da falência de uma empresa. Para os
contratos de serviços, é possível a contratação direta do vencedor de um concurso de
projetação. E, finalmente, nos casos de obras públicas, torna-se possível contratar sem
licitação quando se tratar de contratações semelhantes a um objeto já licitado, dentro do
prazo de três anos. Além disso, os valores dos contratos não podem superar 1 milhão de euros,
na hipótese de obras, e 135.000 ou 209.000 euros, conforme o caso, nas hipóteses de serviços
e fornecimentos.

Veja que as hipóteses de contratação direta no ordenamento jurídico italiano apresentam-se


bem mais restritas em relação ao direito brasileiro. Aqui, no final do mês passado, chegamos
ao trigésimo quinto inciso do art. 24 da Lei de Licitações. É um absurdo! E, conforme dados
oficiais, cerca de sessenta por cento das contratações públicas federais são realizadas sem
licitação. Licitar se tornou a exceção! E, lamentavelmente, o PLS nº 559/2013 não apresenta
uma evolução nesta matéria.

Quais as inovações mais importantes que as regras italianas sobre contratações públicas
promoveram nos últimos tempos e quais aprimoramentos poderíamos discutir com base no
modelo da Itália?

Savonitti: Penso que nas respostas dadas acima já encontramos boas iniciativas que também
poderiam ser adotadas no direito brasileiro (como é o caso, por exemplo, de se refletir sobre a
necessidade de emissão de parecer jurídico em todas as contratações e de um aprimoramento
das normas sobre transparência, inclusive no que diz respeito aos membros das comissões de
licitações).

Além dessas reflexões, vale a pena mencionar que muitos países da União Europeia, inclusive a
Itália, têm adotado normas prevendo uma revisão e simplificação dos ordenamentos
nacionais, a fim de eliminar regras excessivamente restritivas. Conforme também já
mencionamos, penso que esta ideia de simplificação da legislação (denominada proibição de
“gold plating”) mostra-se essencial no atual cenário brasileiro. Neste sentido, estou seguro de
que a redução da corrupção não passa por um aumento da burocracia, mas sim pelo
aprimoramento dos mecanismos de transparência.

Um outro aspecto interessante diz respeito à percepção de que o número excessivo de


hipóteses de contratação direta (incluindo as denominadas contratações “in house”) ofende o
direito à livre circulação e à livre iniciativa. Penso que isso possa servir de inspiração para uma
reflexão sobre a quantidade de hipóteses de contratação direta presentes no direito brasileiro,
bem como para que comecemos a pensar em normas sobre contratações públicas no âmbito
do Mercosul.

Também merece destaque a questão das licitações sustentáveis. Na Itália, a atual normativa
substituiu o critério de “menor preço” pelo critério de “proposta economicamente mais
342

vantajosa”, prevendo uma ponderação entre o preço e os critérios ambientais (semelhante ao


que ocorre na licitação de técnica e preço, do direito brasileiro), fazendo com que a
adjudicação seja realizada com base na melhor equação qualidade/preço, a partir de
parâmetros objetivos e matemáticos de avaliação. É uma forma de se legitimar
definitivamente os critérios de sustentabilidade ambiental e de se oferecer parâmetros
concretos de julgamento.

Isso tudo sem falar em diálogo competitivo, acordos-quadro, critérios de premiação (e não só
de punição) para as empresas contratadas, fundo de incentivos para as atividades de
projetação, e muitas outras questões que precisam urgentemente serem debatidas, antes que
se perca a oportunidade de se realizar uma verdadeira reforma no regime de contratações
públicas brasileiro.

Henrique Savonitti Miranda é Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (desde
1999), na Ordem dos Advogados Portugueses (desde 2016) e na Ordem dos Advogados de
Udine, Itália (desde 2016).Doutorando em Direito Administrativo pela Università di Udine
(Itália) e pela Université de Toulon (França). Mestre em Direito Administrativo (Master di II
Livello in Organizzazione, management, innovazione nelle Pubbliche Amministrazioni) pela
Università La Sapienza, de Roma (Itália), sempre estudando licitações e contratações públicas.
Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Franca. Especialista em Direito Tributário
pelo IBET/PUC-SP e IBDT/USP.Integra o grupo de pesquisadores do Programa Galileu 2016-
2017 (Progetto Galileo/ PHC Galilée) financiado com recursos da Universidade Ítalo-francesa,
que reúne participantes das Universidades de Udine, Trieste, Milão e Toulon, entre outras.
Membro do Centre de Droit et de Politique Comparés Jean-Claude Escarras – CDPC.Professor e
colaborador da Enap desde 2004. Site: www.savonitti.com.br

Daniel Picolo Catelli atualmente é Procurador Federal - AGU/PGF lotado na Escola Nacional de
Administração Pública-Enap, com especialização em Direito Processual. Tem experiência na
área de contencioso (especialmente junto aos Tribunais Superiores e orientação judicial) e em
consultoria (legislação de pessoal, licitações e elaboração de atos de normativos). Foi professor
em cursos de pós-graduação em Brasília, participou como instrutor em cursos de formação de
Procuradores Federais (Escola da AGU e CESPE/Unb), além de integrar a banca examinadora
do concurso de Procurador Federal.

71. Entrevista sobre a Gestão de Riscos no setor público com o professor Rodrigo Pironti,
14/11/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor da Enap Antonio Netto.

Priorização é também, definição de agenda. Uma organização que não programa debates,
capacitações ou estudos internos para uso da Gestão de Riscos, pode estar de fato, correndo
riscos. O que deve ser feito, tanto pela alta administração, quanto por quem está abaixo,
para que o tema seja parte da agenda institucional?
343

Rodrigo: Nos termos da Instrução Normativa Conjunta MP/CGU Nº 01 ao estabelecer as


competências do Comitê de Governança, Riscos e Controles, a alta administração deve
promover práticas e princípios; institucionalizar as estruturas de governança e gestão de
riscos; promover o desenvolvimento contínuo dos agentes; garantir a aderência às
regulamentações, leis, códigos, normas e padrões; promover a adoção de práticas que
institucionalizem a responsabilidade dos agentes; promover a integração entre os agentes
públicos etc. Ou seja são competências estruturantes da gestão de riscos para garantir a sua
efetividade e logo, sua priorização na agenda institucional.

“Uma organização que possui chefias autoritárias... que não tem uma comunicação
orientada a resultados... que não considera o fator humano no trabalho... e que mais busca
procurar culpados do que colaborar e motivar as entregas”. Dado este cenário, como a
Gestão de Riscos pode se posicionar com essa questão? Ela consegue ser implantada neste
caso ou é preciso ir além?

Rodrigo: Este cenário e justamente o que a gestão de riscos pretende mitigar em uma
organização, pois a gestão de riscos considera que o fator humano é uma grande fonte de
causa de riscos e, portanto, busca tratá-los da melhor forma, que certamente não é a busca
por culpados, mas sim a busca por entregas. Uma chefia autoritária e sem apatia em relação
aos recursos humanos representa um alto risco para a organização, uma vez que pode fazer
com que os colaboradores fiquem desmotivados, trabalhem com um volume de demandas
desproporcional à sua capacidade, desempenhem funções para as quais não foi capacitado ou
não tem aptidão etc.

É correto uma área operacional de um órgão público definir uma política de gestão de riscos
para melhorar o negócio, sem o apoio da alta administração? O que pode acontecer neste
caso?

Rodrigo: Não é o ideal. É preciso que seja estabelecida uma estratégia organizacional pela alta
administração pública, ou seja, metas claras e objetivos a serem cumpridos, para que todos os
esforços das diferentes áreas sejam concentrados em prol de um objetivo em comum. Sem a
definição de metas claras, surge a assimetria de informações entre os órgãos ou setores.

Como a administração pública pode implantar Indicadores de Gestão de Riscos (KRIs)? Isso é
necessário para organizações que estão iniciando o processo de GR?

Rodrigo: Através de indicadores chave de risco podemos manejar e eventualmente estruturar


os riscos. Esses indicadores nos permitem mapear os riscos e conduzir a gestão de riscos de
forma mais eficiente, pois fornecem informações objetivas para o futuro da gestão dos
negócios. A administração pública pode implementar um KRI que indique, por exemplo, o
índice de rotatividade de pessoal num setor chave de suas atividades. Isto pode não ser
necessário para organizações que estão ainda iniciando o processo de implantação de gestão
de riscos desde que estejam presentes outras técnicas de identificação de riscos, tais como
registro de riscos, entrevista com especialistas, analogia, bow tie, brainstorming, técnica de
grupo nominal, slip de Crawford etc.
344

Como você observa a Gestão de Riscos na integração com o planejamento estratégico da


organização?

Rodrigo: À gestão de riscos é imprescindível o planejamento estratégico da organização, pois é


necessário estabelecer primeiro quais são os meus objetivos para, então, identificar quais são
os riscos que podem prejudicar o seu atingimento, o que denota a importância da integração
de processos em relação ao desenvolvimento de políticas e ao próprio planejamento
estratégico da gestão de riscos.

Existem ferramentas de gestão de riscos que podem ajudar os gestores?

Rodrigo: Existem diversas técnicas que podem ser utilizadas pelos gestores para a
identificação de riscos, tais como: registro de riscos, entrevista com especialistas, bow tie,
brainstorming, técnica de grupo nominal, slip de Crawford etc. Além das técnicas de
identificação de riscos, há outras ferramentas que podem auxiliar o gestor, tal como a matriz
de risco impacto vs. vulnerabilidade, o que permitirá a elaboração de um diagrama de cálculo
no qual é possível mapear os riscos que merecem tratamento prioritário.

Quem não aceita a perda ou não se da bem com ela, pode ter dificuldade de encarar uma
Gestão de Riscos?

Rodrigo: Sim, pois uma organização está exposta a uma grande quantidade de riscos e, tendo
em vista que nenhuma organização dispõe de recursos infinitos (recursos financeiros,
humanos, tempo etc) para tratar de todas as fontes de riscos, é através da gestão de riscos que
eles serão escolhidos e priorizados, pois é preciso concentrar os recursos para lidarmos com os
riscos que podem impactar mais o objetivo.

Um órgão com muita hierarquia. Muitas camadas de decisão. Vários comitês. Processos não
definidos. Uma implantação da GR neste contexto é positiva?

Rodrigo: A implantação de gestão de riscos neste cenário não só é positiva, mas é necessária.
Em organizações com organogramas muito complexos e com a ausência de fluxogramas que
delimitem bem os processos e as responsabilidades de cada colaborador em cada uma das
etapas pode enfrentar problemas como: falta de clareza quanto às funções e
responsabilidades, deficiência nos fluxos de informação e comunicação, centralização de
responsabilidades, delegações exorbitantes, ausência de segregação de funções etc.
O único cuidado é permitir que a GR não trave o processo e as decisões sejam tomadas, em
tempo, pela alta administração.

Gestão de Riscos deve estar nos processos, ou na forma que as pessoas abordam os
problemas? Ou uma mistura disso?
345

Rodrigo: A gestão de riscos é eminentemente a decisão sobre um evento, pois quanto mais
analítica for a sua decisão, quanto mais pautada em regras de probabilidade e de boa conduta,
menor será o risco de um evento impactar negativamente o meu objetivo. Além de estar
presente no momento da tomada de decisão, a gestão de riscos permeia também os
processos, uma vez que estes devem ser estabelecidos de forma que seja minimizada a
probabilidade de ocorrência de um evento de risco.

É possível fazer gestão pública sem gestão de riscos?

Rodrigo: Não. Gestão de riscos é a atividade de planejamento estratégico das ações do Poder
Público, e há uma estreita relação entre planejamento e Estado Republicano Democrático do
ponto de vista da teoria da legitimação e da responsabilidade. O gestor público que prescinde
do planejamento tende a se tornar arbitrário, pois sua tomada de decisões será sempre
casuística, e ineficiente, porque não será capaz de buscar os objetivos almejados (se eles
tiverem sido definidos) de forma racional e eficaz.

Rodrigo Pironti Pós Doutor em Direito pela U. Complutense de Madrid - Espanha. Doutor em
Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Mestre em Direito
Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito
Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Especialista em Direito
Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Universidade
Positivo - UP. Ex-Procurador Geral do Município de Pinhais. Ex-Presidente da Comissão de
Direito de Infraestrutura e estudo das Concessões Públicas da OAB/PR. Ex-Presidente da
Comissão de Gestão Pública da Ordem dos Advogados do Brasil ? Seção Paraná. Conselheiro
Estadual da OAB-PR Gestão 2010-2012 e Gestão 2013-2015. Membro do Instituto dos
Advogados do Paraná ?IAP, membro fundador do IBEFP - Instituto Brasileiro de Função Pública,
membro fundador do EADA - Instituto de Estudios Avanzados en Derecho Administrativo.
Membro do Instituto de Jovens Juristas Ibero-americanos, membro do Instituto Paranaense de
Direito Administrativo ? IPDA. Membro da Comissão Nacional ? CNAI ? CFOAB Gestão 2007-
2009 e da Comissão Nacional de Direito da Infraestrutura CFOAB - 2013-2015. Vencedor do
Prêmio Iberoamericano de Direito Administrativo/Contratual. Vice-presidente do Foro Mundial
de Jóvenes Administrativistas. Professor convidado da Universidade de La Plata ? ARGENTINA,
professor convidado da Universidade de San Nicolas de Hidalgo e da Universidade Tecnológica
de Monterrey ? MÉXICO. Professor convidado da Escola de Gestão Pública Gallega e da
Universidade Complutense de Madrid ? ESPANHA. Professor convidado do ?Centro Studi
Giuridici Latinoamericani? ? ITÁLIA. Professor de graduação e pós-graduação da Universidade
Positivo. Professor de pós-graduação do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Professor
do MBA em Gestão Pública do Instituto Alleanza. Professor e coordenador do MBA satelital em
Governança e Gestão Administrativa da UNINTER-INFOCO (Licitações e Contratos e Controle
da Administração Pública) Professor da Escola Superior de Advocacia - ESA. Autor das Obras:
?Processo Administrativo e Controle da Atividade Regulatória? (Ed. Fórum) e ?Sistema de
Controle Interno: uma perspectiva do modelo de gestão pública gerencial? (2ª edição. Ed.
Fórum). Coordenador e co-autor de várias obras jurídicas, dentre as quais: ?Direito
346

Administrativo Contemporâneo ? estudos em memória ao professor Manoel de Oliveira Franco


Sobrinho?. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; MOTTA, Paulo Roberto Ferreira; CASTRO, Rodrigo
Pironti Aguirre de. (Coordenadores). Belo Horizonte: Ed. Fórum. 2005; Serviços Públicos ?
estudos dirigidos. CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. Ed Fórum (2007) Lei e Responsabilidade
Fiscal: estudos em comemoração aos 10 anos da LC 101/00. Rodrigo Pironti Aguirre de. Editora
Fórum, 2010. Autor de vários artigos em periódicos legais e conferencista em âmbito nacional
e internacional. Advogado sócio da banca Pironti Advogados.
Antonio Fernandes Soares Netto Mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade de Brasília,
na temática de Gestão de Riscos nas Contratações Públicas (doutorado em andamento).
Consultor, Palestrante, Parecerista e autor de artigos da temática de Contratações de bens e
serviços e Contratos Administrativos. Criador do Jogo de Contratações e da plataforma de
capacitação de gestores públicos JOGOGOV. Autor da obra: Contratações de Tecnologia da
Informação: O Jogo. Atualmente é Coordenador de Planejamento e Gestão Estratégica da
Advocacia-Geral da União, onde atua com os temas de Gestão de Riscos, Planejamento de
Contratações de TIC, Projetos, Processos e Governança. Professor na ENAP, Negócios Públicos,
IBGP, ABOP, dentre outras. Coach pelo Neuroleadership Institute e formação em gamification
pela Pennsylvania University (EUA). Certificações: COBIT 5 e ITILF. Antes de ingressar no
serviço público, atuou no mercado privado pela Xerox e GVT.

72. Entrevista sobre Governança em Compras Públicas com o professor e Ministro do


Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, 17/11/2017
• As perguntas foram elaboradas pelos professores da Enap Nilo Cruz Neto e Rafael
Sérgio Lima de Oliveira.

Muito se reclama do caráter formalístico e burocrático da Lei nº 8.666/1993. O senhor


acredita ser possível implantar um modelo de gestão das contratações públicas que cumpra
os requisitos da governança na vigência da mencionada lei?

Ministro Nardes: Sempre é possível estabelecer bons requisitos de governança em função de


uma situação vigente. Claro que quanto maior for a flexibilização da atuação do gestor no
processo de contratação, maior será a probabilidade da busca de melhores resultados. Porém,
mais aprimorado precisará ser o sistema de governança a fim de evitar casos de desvio de
recursos ou de corrupção.

Tive a oportunidade de relatar o Acórdão 2622/2015 – TCU – Plenário que tratou de


levantamento com o objetivo de sistematizar informações sobre a situação da governança e da
gestão das aquisições em amostra de aproximadamente 400 organizações da Administração
Pública Federal (APF), cujo total das despesas licitáveis à época alcançava R$ 13 bilhões, com o
intuito de identificar os pontos vulneráveis e induzir melhorias na área. E muitas foram as
oportunidades de melhoria identificadas que podem ser implementadas de imediato pelos
responsáveis, sem qualquer alteração da legislação.

Para exemplificar, cito algumas constatações do referido trabalho que ilustram a amplo leque
de oportunidades a serem aproveitadas nos três mecanismos da governança definidos pelo
TCU, mesmo sob a égide da atual lei de licitações.
347

No mecanismo liderança, 75% das organizações encontram-se em estágio de capacidade


inicial. Em 80% delas, o principal dirigente responsável pelas aquisições não foi selecionado
por meio de processo transparente e formalizado que teve como base a avaliação de
competências e 40% não participaram de qualquer ação para desenvolvimento de
competências na área nos últimos dois anos.

Em relação à estratégia, apenas 46% das organizações executavam processo de planejamento


das aquisições, aprovando um plano para o exercício; 50% não estabeleciam objetivos para a
gestão das aquisições; 70% não possuíam pelo menos um indicador para cada objetivo e 78%
não definiam mecanismos de controle do cumprimento das metas da gestão das aquisições.

Por fim, no mecanismo controle, 58% não aprovavam plano de auditoria contemplando
trabalhos de avaliação de controles internos na área de aquisições e 90% não estabeleciam
mecanismos de gestão dos riscos relacionados aos objetivos afetos a aquisições.

Esse conjunto de fragilidades demonstra, inequivocamente, que há muito espaço para


avançarmos no aperfeiçoamento das contratações públicas, mesmo em um ambiente formal e
burocrático. É evidente que a legislação pode ser aprimorada e os passos dados com o pregão
eletrônico e o RDC dão mostras disso, mas melhorar a liderança, a estratégia e o controle é
fundamental para que essas melhorias sejam aproveitadas, de fato, em prol da melhoria do
desempenho governamental.

A Lei do Regime Diferenciado de Contratação Pública – RDC, a Lei nº 12.462/2011, já está em


vigor há pouco mais de seis anos. Sob o prisma da governança, qual a avaliação dos
contratos regidos pelo referido diploma?

Ministro Nardes: O RDC inegavelmente forneceu maior discricionariedade aos gestores, uma
vez que disponibilizou novos caminhos para a contratação pública. Destaco a aprovação da
contratação integrada, na qual foi rompido o paradigma anterior de que uma licitação
somente poderia ser iniciada por meio de projeto básico.

Com esse novo regime, em situações específicas definidas na lei, será possível o início do
processo com o anteprojeto, o que dará maior flexibilidade aos licitantes na apresentação de
soluções para atender a necessidade da Administração e, com isso, trará maior
competitividade na apresentação das propostas.

Como ressaltei, se essa liberdade não vier acompanhada de um aprimoramento no sistema de


governança das aquisições, existe alta probabilidade de forte conflito de agência, no qual o
agente poderá desviar seus padrões de conduta na busca de benefícios pessoais.

As decisões do Tribunal de Contas da União demonstram sempre uma forte preocupação


com a competitividade nos procedimentos de adjudicação de contratos. Qual a relação entre
a ampla concorrência nos procedimentos de licitação e a governança?

Ministro Nardes: Um dos objetivos da licitação, definidos no art. 3º da Lei 8.666, é a garantia
da observância do princípio constitucional da isonomia a fim de que seja selecionada a
proposta mais vantajosa para a administração. Com base nessa diretriz, o TCU tem especial
cuidado ao avaliar as especificações do edital para evitar restrição à competição dos licitantes.
348

Na medida em que os certames permitirem a ampla participação de empresas capacitadas


para entregar o objeto pretendido, a Administração receberá produtos com melhor qualidade
e preço. Com isso, há maiores chances de o interesse do principal, no caso a sociedade, ser
preservado.

Há uma tendência de se utilizar os contratos públicos para a consagração de atividades do


Estado ligadas apenas de forma indireta ao objeto do contrato. Essa função secundária da
contratação pública é condizente com a boa governança?

Ministro Nardes: As compras públicas possuem significativo impacto na economia. Segundo


estimativas, o valor corresponde a aproximadamente 20% do Produto Interno Bruto (PIB).
Considerando as diversas funções do Estado, a materialidade dos valores exige uma decisão
política em relação à melhor forma de alocação dos recursos envolvidos.

Nessa linha, o Congresso Nacional estabeleceu uma linha importante ao inserir, no art. 3º da
Lei 8.666, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como um dos objetivos da
licitação. Diante disso, permitiu até mesmo o estabelecimento de margem de preferência para
produtos manufaturados e para serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras.

Embora não concorde exatamente com algumas das diretrizes traçadas, parece-me clara a
linha escolhida, por meio dos representantes da sociedade no sentido de que as compras
públicas devem atender também a outros objetivos, como geração de emprego e renda; efeito
na arrecadação de tributos; e desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no Brasil.

Não devemos esquecer que a boa governança deve atender, antes de mais nada, aos objetivos
do “principal”, que em toda democracia é legitimado pelos representantes eleitos para o
Congresso Nacional.

Cada vez mais a governança tem sido apontada como um dos requisitos da boa contratação.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE divulgou algumas
medidas nesse sentido e uma delas é a simplificação da legislação de contratação pública. Na
visão do senhor, o Brasil atende a esse requisito?

Ministro Nardes: Apesar da necessidade de atualização da Lei 8.666, próxima de completar 25


anos, o Brasil tem apresentado enormes avanços em matéria de legislação voltada a
contratações, a exemplo do pregão que viabilizou intenso uso de tecnologia e também do RDC
que flexibilizou a necessidade do projeto básico.

De qualquer modo, é necessária a atualização da nossa lei geral de licitações. Lembro que os
valores limites definidos para as modalidades licitatórias foram definidos em 1998, sem
qualquer atualização monetária nestas duas últimas décadas. Além disso, a velocidade das
inovações tecnológicas exige um novo regramento mais ágil e flexível.

A respeito da OCDE, destaco que tem sido uma excelente parceira do TCU em estudos que
viabilizem o aprimoramento da governança. Em 2013, quando ocupei a Presidência do
Tribunal, visitei o Comitê de Governança daquela organização para firmar acordos para dois
projetos importantes: o de fortalecimento da auditoria financeira para elaboração do parecer
das contas de governo e o de levantamento de boas práticas de governança pública.
349

Os trabalhos geraram diversos frutos, a exemplo de referenciais de governança cujos conceitos


têm sido aplicados nas fiscalizações do Tribunal e disseminados em toda a Administração
Pública.

Considerando os problemas de representatividade na relação principal-agente, seria possível


afirmar que a atual crise política é sobretudo uma crise de governança?

Ministro Nardes: Eu sempre digo que a crise pela qual o Brasil passa, não apenas a política,
mas também a econômica e social, tem origem em problemas de governança. A minha
convicção é tamanha a esse respeito que entendi importante publicar em coautoria com
profissionais estudiosos do tema o livro “Governança Pública: o Desafio do Brasil”.

Nesse trabalho, estão relacionados problemas comuns afetos à governança nas mais diversas
políticas públicas do Brasil que foram identificados em trabalhos do TCU, como ausência de
estratégia e planejamento adequado, falta de atuação coordenada entre órgãos responsáveis,
problemas de liderança e fragilidade na gestão de riscos e na instituição de mecanismos de
controle.

O nosso país é muito rico. Com a correção desses problemas, será possível alcançar em futuro
próximo um patamar sócio-econômico mais confortável.

Na administração pública, muitas vezes, medidas de governança parecem ser


implementadas apenas formalmente, não tendo o condão de efetivamente mitigar a
ocorrência de atos ilícitos, principalmente quando perpetrados no âmbito das estruturas de
cúpula e centro de poder. Até que ponto isso, na sua opinião, seria uma verdade?

Ministro Nardes: Em muitos casos, isso realmente acontece. A preocupação em formalizar as


diretrizes de governança não é acompanhada de uma implementação adequada. Mas a minha
preocupação é maior em função do cenário que vivemos.

Ainda temos muitas organizações em estágio inicial de governança que sequer formalizaram
regras básicas de governança. Tive a oportunidade de relatar o acórdão 1.273/2015- Plenário
que tratou de levantamento realizado pelo TCU, em conjunto com diversos Tribunais de
Contas do país, com o objetivo de sistematizar informações sobre a situação da governança
pública em âmbito nacional - esferas federal, estadual, distrital e municipal. Foram avaliadas
mais de 6.000 órgãos e entidades públicos.

O resultado mostrou que aproximadamente 50% das organizações encontravam-se em estágio


inicial de governança, enquanto apenas 15% situavam-se em grau aprimorado.

Isso significa que existem dois grandes desafios para que alcancemos um patamar confortável
a respeito do tema: o primeiro, fazer com que a maior parte dessas organizações possua regras
de governança; e, o segundo, ter estrutura adequada que garanta o compliance.
350

Nesse sentido, ganha importância a proposta que formulamos para a edição de um normativo
nacional de governança. A ausência de uma fonte única que trate das boas práticas de
liderança, estratégia e controle dificulta o entendimento dos bons gestores sobre a
importância de sua implementação. Isso estimula que os diversos normativos sejam cumpridos
apenas com a visão burocrática.

O governo atual já tem pronto um texto de um decreto da governança e de um projeto de lei


que será submetido ao Congresso. Ao unificar essas regras e estabelecer que seu cumprimento
será avaliado anualmente no processo de prestação de contas dos ministérios e do próprio
Presidente da República, temos uma chance maior de termos uma melhoria de desempenho
generalizada da Administração Pública.

É claro que apenas isso não é necessário. Como sempre tenho insistido em minhas palestras, é
necessário um grande pacto nacional pela boa governança, com a participação das lideranças
políticas, gestores e servidores públicos, e da sociedade como um todo.

A Lei 13.303/2016 trouxe uma série de mecanismos relacionados à governança nas estatais.
Dentre eles, destaca-se a exigência de requisitos para a indicação dos membros do Conselho
de Administração e para os cargos de diretor-geral e diretor-presidente. Até que ponto há
efetividade nesse tipo de previsão, quando consideramos, por exemplo, que vários ex-
diretores da Petrobrás envolvidos na Operação Lava Jato eram funcionários de carreira da
estatal e cumpririam facilmente esses requisitos legais?

Ministro Nardes: A exigência de requisitos para a indicação dos membros do Conselho de


Administração e dos cargos de diretoria é uma condição necessária, aliás imprescindível, mas
não suficiente.

Essa regra deve ser acompanhada de outra que garanta que os membros da diretoria não
sejam a maioria na composição dos Conselhos. E foi esse um dos grandes problemas
enfrentados nas estatais. É fundamental que exista independência nas decisões do Conselho
de Administração, afinal esta é a instância legítima para representar o principal no conflito de
agência.

A Lei 13.303 trouxe importantes comandos para garantir a atuação do Conselho, como um
melhor equilíbrio na composição de sua estrutura, com a necessidade de indicação de 25% de
membros independentes; a vedação de participação remunerada de membros da
administração pública, direta ou indireta, em mais de 2 (dois) conselhos; e a necessidade de a
auditoria interna estar vinculada ao Conselho de Administração.

Aliás, foi sábio o legislador ao inserir na mesma lei regras de governança em um título e de
contratação em outro. Os dois conceitos estão umbilicalmente ligados, afinal a contratação
eficiente e efetiva somente estará garantida com dispositivos que induzam a boa governança
nas organizações públicas.

A efetividade da boa governança está no conjunto de boas práticas, e não no cumprimento de


uma ou outra regra estabelecida. É como uma casa rica, construída em um ambiente de alto
risco. Se o ladrão entra, mesmo que haja trancas nas portas e nas janelas, não se pode concluir
351

que essas trancas sejam desnecessárias. É preciso avaliar com isenção o conjunto das boas
práticas e avaliar quais delas não estão sendo cumpridas ou precisam ser aprimoradas.

Na sua opinião, qual a medida adequada para a concepção de distintas instâncias de


governança nas estruturas governamentais? Na saúde, por exemplo, convivemos com o
Conselho Nacional e os inúmeros Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, as Comissões
Intergestores Bipartite e Tripartite, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), e
o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). Nas estatais, temos,
além do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, o Comitê de Auditoria Estatutário,
a Auditoria Interna, além de eventuais outras instâncias internas responsáveis pela
atualização e aplicação do Código de Conduta e Integridade. Ou seja, a partir de que
momento interagir com tantas instâncias deixa de ser útil e passa a representar um entrave
à gestão pública eficiente?

Ministro Nardes: Essa questão passa pela reflexão que lancei há pouco sobre a ausência de um
normativo único de governança que alcance os órgãos e entidades governamentais. O Brasil é
uma federação, plantada em um vasto território. Muitas de nossas políticas públicas, como as
de saúde e de educação, dependem da atuação concomitante da União, estados e municípios,
e temos diagnosticado em vários de nossas fiscalizações que não há coordenação e integração
entre esses intervenientes.

É necessário, antes de mais nada, que todos falemos a mesma linguagem, que entendamos o
papel de cada uma dessas instâncias, seja na formulação das políticas, no seu monitoramento
e controle e na coordenação das ações.

O decreto de governança que será assinado em breve, assim como o projeto de lei que será
remetido ao Congresso, deverá colaborar em muito para que haja uma compreensão dos
próprios gestores e da sociedade sobre o papel dos Conselhos, Comitês, da auditoria interna e
de outras instâncias de governança.

Aristóteles dizia que a virtude consiste em saber encontrar o meio-termo entre dois extremos.
E esse meio-termo é o segredo para que a boa governança funcione.

A governança existe para que a organizações produzam resultados alinhados ao interesse do


“principal”. Portanto, é fundamental o equilíbrio na regulamentação do tema que contemple
uma administração ágil combinada com um conjunto de regras que minimize o conflito de
agência.

No setor público, quais órgãos, na sua visão de estudioso da área, se destacariam por terem
implementado um bom sistema de governança?

Ministro Nardes: No levantamento de governança realizado pelos Tribunais de Contas que


mencionei nesta entrevista foi avaliado um grande número de organizações públicas
pertencentes aos diversos entes federados. Com base no resultado desse levantamento, o TCU
criou o Prêmio Mérito Brasil de Governança e Gestão Públicas para reconhecer aquelas que
obtiveram os melhores resultados nos mecanismos de Liderança, Estratégia e Controle.
352

Foram premiadas as seguintes instituições em âmbito federal: Departamento de Engenharia e


Construção (DEC) do Exército - Administração direta; Hospital de Clínicas de Porto Alegre;
Banco Central (Bacen); Banco do Nordeste (BNB); Ministério da Educação (MEC); e Caixa
Econômica Federal (CEF) - Administração indireta. Há que se alertar, no entanto, que o prêmio
não confere a nenhum desses órgãos um selo de boa governança, mas indica que eles
encontram-se em estágio avançado na utilização de boas práticas em relação aos demais.

Como já disse, para termos um bom sistema de governança, é imprescindível que todo o
conjunto de boas práticas identificado, a exemplo dos referenciais do TCU sejam
continuamente cumpridos e monitorados.

João Augusto Ribeiro Nardes: Ministro do Tribunal de Contas da União desde 2005. Presidente
do Tribunal de Contas da União no biênio 2013-2014. Presidente da OLACEFS – Organização
Latino-americana e do Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (2013-2014). Secretário
Executivo da EFSUL – Organização das Entidades Fiscalizadoras Superiores dos Países do
Mercosul, Bolívia e Chile (2009-2012).

Autor do livro “Ribeiro Nardes: uma família do Brasil” (AGE, 2013) e Coautor do livro
“Governança Pública: o desafio do Brasil” (Editora Fórum, 2015, 2ª edição).

Deputado Federal eleito pelo Rio Grande do Sul em 1994 e reeleito em 1998 e 2002. Deputado
Estadual no período de 1986 a 1994, quando foi Vice-Presidente e Presidente interino da
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Vereador em Santo Ângelo entre 1973 e 1977.
Assessor nas Secretarias de Trabalho e Ação Social e de Coordenação e Planejamento do
Estado do Rio Grande do Sul (1982-1984). Secretário-Executivo do Fundo do Desenvolvimento
Urbano do Rio Grande do Sul no governo de Jair Soares. Mestre em Estudos de
Desenvolvimento e Pós-graduado em Política do Desenvolvimento pelo Instituto Altos Estudos
Internacionais em Genebra, na Suíça. Graduado em Administração de Empresas.

Nilo Cruz Neto Doutorando em Políticas Públicas pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-
IUL), em Portugal. Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão. Pós-
graduado em Políticas Públicas pelo ISCTE-IUL (Advanced Postgraduate Diploma in Public
Policy). Pós-graduado em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade
Estácio de Sá. Pós-graduado em Auditoria e Perícia Contábil pela UFMA. Auditor Federal de
Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União. Auditor externo e independente
(QTG/CNAI/CFC). Administrador e Contador. Professor da Escola Nacional de Administração
Pública, do Ministério do Planejamento (ENAP/MPDG). Foi professor da Universidade Estácio
de Sá, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), da Faculdade JK (DF), e professor
substituto da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Atuou como instrutor da Escola de
Administração Fazendária, do Ministério da Fazenda (ESAF/MF), da Escola de Governo do
Maranhão (EGMA) e da Escola de Gestão Municipal da Federação dos Municípios do Estado do
Maranhão (FAMEM). Ministra cursos e profere palestras nas áreas de Auditoria, Controle
Interno Governamental, Compliance, Controle Social, Gestão Municipal, Orçamento Público,
Lei de Responsabilidade Fiscal, Licitações e Contratos Administrativos, tendo formado mais de
4.000 pregoeiros por todo o Brasil.
353

Rafael Sérgio Lima de Oliveira Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de


Lisboa e possui Graduação e Mestrado em Direito. É Procurador Federal da Advocacia-Geral da
União e colaborador do Portal L&C. Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase
em Direito Administrativo, atuando principalmente na área de Licitações e Contratos
Administrativos.

73. Entrevista sobre o almoxarifado virtual no setor público com o professor Marcelo
Moreira Prado, 21/11/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor da Enap Vandeir Luiz da Silva e pela
equipe de alunos do Programa Lideranças em Logística Pública.

Como surgiu a ideia do almoxarifado virtual e como funciona o modelo?

Marcelo: A ideia do almoxarifado virtual surgiu da necessidade de garantir um abastecimento


constante de insumos para o ICMBio, principalmente em decorrência de sua missão
institucional. Hoje somos responsáveis por mais de 10% do território nacional, com nossas
diversas unidades de conservação, centros de pesquisa, coordenações regionais e as unidades
avançadas de administração e finanças.

A necessidade é a mãe de todas as boas ideias. É na crise que mostramos muitas vezes nossas
melhores descobertas. Esse é um dos grandes problemas no formato dos negócios jurídicos da
Administração Pública que, felizmente, vem sendo revisto. O gestor conta com o apoio de
instituições como a ENAP, que tem procurado valorizar a inovação dos agentes públicos que
buscam a melhoria da qualidade dos serviços públicos. E foi com esse espírito que a equipe foi
imbuída.

O modelo do almoxarifado virtual é algo bem simples. Surge da necessidade de economia com
espaços públicos -e almoxarifados físicos faz parte desse problema – com a racionalização da
aquisição. Há tempos que a iniciativa privada se adianta ao setor público e propõe novas
medidas. Uma delas, surgida no Japão pós-guerra, foi a da aquisição somente no momento em
que ela seria necessária na produção. O conceito just-in-time trazia consigo um
monitoramento do ciclo produtivo e a inserção do componente somente na iminência de sua
montagem. Com isso o desperdício é praticamente eliminado. E é assim que o almoxarifado
virtual funciona. Como uma prestação de serviços que analisa o ciclo produtivo da entidade de
política pública ambiental e entra com seus insumos no momento em que a autarquia precisa.

Como isso é feito: através de uma plataforma online, o agente, em qualquer parte do país
realiza a escolha dos insumos que necessitará para o seu trabalho. Esses insumos são
disponibilizados conforme o estudo feito de seu perfil profissional. Tal como num portal de
compras virtuais. Em alguns dias, o insumo é entregue no seu local de trabalho e o outsourcer
registra aquela operação para “observar” o comportamento e a necessidade do trabalho, bem
como também “observa” o que fica obsoleto e realiza a retirada da plataforma de insumos. E
isso é um ciclo constante de operação. Com isso, itens comumente adquiridos em compras
meramente pelo hábito já são imediatamente substituídos e, com isso, o governo gasta
menos.
354

Qual o principal argumento utilizado para justificar a necessidade da contratação com base
no modelo do almoxarifado virtual?

Marcelo: O principal argumento para buscar essa solução foi da própria necessidade de o
ICMBio conhecer sua dimensão. Com uma capilaridade tão grande, compras realizadas de
diversas formas, inclusive via Cartão de Pagamentos do Governo Federal, a oportunidade de
aquisições de escala sempre era perdida porque o órgão não conhecia seu próprio
comportamento e nem mesmo o que ele precisava. Modelos de termos de referência
desatualizados eram constantemente repetidos porque a escassez de servidores da área meio,
a criação recente do Instituto e hábitos equivocados de planejamento retiravam da máquina
pública a possibilidade de servir melhor à sociedade. Veja bem: num acidente como o da
Mineradora Samarco, num incêndio de grandes proporções como no Parque Nacional da
Chapada dos Veadeiros, é fundamental que o planejamento logístico seja eficiente para
garantir que tudo chegue no menor tempo possível e eficaz para que o que chegar possa de
fato ser utilizado. A falha de um insumo inadequado pode fazer com que várias espécies
acabem perecendo por causa dessa falha. Isso pode significar também vida e morte para o
colega na ponta. Essa é a inspiração! Fazer com que efetivamente consigamos garantir os
meios para um Brasil mais sustentável, para que a política pública ambiental avance e,
principalmente, para que os talentos existentes no ICMBio possam ser, de fato, utilizados para
o progresso dessa política ambiental. Parar todo um processo de análise de manejo de uma
espécie porque não há papel, toner, caneta, pen-drives é algo que deveria ser impensável na
Administração Pública, mas que acaba ainda vitimando muitos órgãos públicos. Essa foi a
nossa contribuição para que isso começasse a ser apenas uma lembrança de dias mais difíceis.

Porque a contratação do almoxarifado virtual não foi realizada por SRP?

Marcelo: No começo havia ainda uma discussão muito forte na doutrina e no próprio TCU
sobre a possibilidade de se utilizar o SRP para serviços continuados. O próprio ICMBio através
da nossa unidade foi o protagonista em enfrentar esse tema, e acabou culminando numa
melhor interpretação dessa possibilidade no Acórdão nº. 1737/2012-Plenário, TC-
016.762/2009-6, rel. Min. Ana Arraes, julgado em 4.7.2011. Assim, o primeiro certame não
tinha sido para SRP. Mas o segundo, em 2013, foi. E fizemos novo certame para justamente
propiciar aos demais órgãos e entidades públicas que pudessem aderir e também participar do
certame. Inovações contam muito ainda com a coragem dos agentes públicos nas pontas, visto
que esse acaba sendo um processo lento de aceitação na Administração. Essa talvez ainda seja
a maior barreira que devemos enfrentar.

Quando do planejamento da contratação, quais os principais riscos que devemos identificar


na implementação da solução, tomando por base o modelo do almoxarifado virtual?

Marcelo: O principal risco de qualquer contratação no setor público são os desvios.


Igualmente, as interpretações sob um princípio obtuso de legalidade. Uma legalidade ilegítima,
diga-se de passagem. A inovação tem como missão quebrar barreiras e mitos. Os mitos dos
estoques desesperados dos recursos que só chegam no final do ano – pois é mitológica a
crença de que isso irá resolver alguma coisa -, o mito de que meu recurso (se sou uma unidade
355

descentralizada ou desconcentrada mais distante) será utilizado por outra unidade – esse é um
processo muito transparente -, etc. Contratações de almoxarifados virtuais tem tudo para dar
certo se algumas práticas forem integradas ao local: a primeira delas, acreditar na ferramenta.
A segunda, fiscalizar. Parece óbvio, mas um dos grandes problemas no setor público é a
deficiência de fiscalização. Cabe ao fiscal procurar se inteirar do objeto e do órgão promover a
capacitação. Seja através de oficinas, seminários, boletins de informação, help-desk. Essas
práticas nos auxiliaram bastante e podemos falar com experiência disso. Uma outra questão
que é um risco muito grande é permitir que a ferramenta seja deturpada, que passe a servir
aquilo para a qual não foi contratada. E isso pode ocorrer através de pedidos feitos, por
exemplo, apenas por pedir, sem necessidade legítima. Essa é uma ferramenta coletiva.
Quando a utilizo, impacto no todo de todos. Se eu a utilizar de maneira errada, irá faltar para
alguém (até porque nenhum orçamento é infinito). Com controles adequados, com utilização
racional e devidamente motivada, com a cabeça aberta a entender a ferramenta como uma
aliada, os riscos diminuem. Uma das consequências é o aquecimento e a confiança do
mercado. E com isso os preços tendem a reduzir, porque há a certeza de um fornecimento
constante.

O modelo do almoxarifado virtual, funciona com uma demanda delimitada por órgãos e com
um conjunto determinado de itens? Quais as garantias para uma eventual descontinuidade
das entregas? Existe Plano de Contingência para os itens estratégicos? Como são avaliados os
preços?

Marcelo: Os itens não são a ferramenta principal, mas um meio para chegar até ela. Esse é um
dos primeiros paradigmas a ser quebrado. Por melhor que seja o seu planejamento, vários são
os fatores que o podem modificar ao longo do exercício. Situações pontuais, sazonais ou
mesmo modificações sensíveis podem colocar por terra o melhor planejamento. Determinar
uma quantidade e viver a licitação em função dela, torna o meio mais importante do que o
fim. Num estado gerencial isso é um passo em direção ao fracasso. Um acordo de performance
garante, pelo estudo do comportamento das unidades, qual é a curva de demanda de um
determinado insumo. E aí o outsourcer também se planeja. Com isso, cria-se uma gama de
periodicidades. O just-in-time visa exatamente antever isso. Num paralelo com o Scrum, que é
uma grande inspiração para isso, trazemos uma constante de reavaliação dos resultados que o
contrato traz. Certo é que há pedidos constantes de inclusão de itens que por muitas vezes
servem a um determinado propósito e depois deixam de ser tão relevantes. Outros
“ressuscitam” de uma hora para outra. Isso não apaga os padrões, até porque há uma análise
de longo prazo. Com isso, os itens com maior demanda estão sempre lastreados por um
estoque do próprio operador para garantir o atendimento e apenas em casos escassos de itens
muito específicos a espera foi um pouco maior.

Os preços seguem, desde o início do contrato, a base de cálculo dos itens no SISPP. Assim,
estão afinadíssimos com a IN 05/2014. São os negócios com a Administração Pública que
determinam o preço de custo do almoxarifado do contratado. E como são realizados milhares
356

de negócios todos os dias por toda o governo, dá para monitorar constantemente o


comportamento do mercado e determinar a redução dos preços de custos, bem como a
redução de um insumo que passou a ficar mais oneroso. Explico: quando encarece um
determinado insumo no mercado, trocamos por outro mais barato.

A iniciativa inovadora do Almoxarifado Virtual apresentada pelo Instituto Chico Mendes de


Conservação e da Biodiversidade – ICMBIO, no 17º Concurso de Inovação na Gestão Pública
Federal organizado pela Escola Nacional de Administração Pública – ENAP, e pelo então
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, ano de 2013, conferiu o prêmio
ao ICMBIO, como surgiu a ideia do modelo? Foi de alguma necessidade específica do Órgão?
Havia algo parecido na iniciativa privada?

Marcelo: Sim, as operações in company já existem no mercado privado há bastante tempo.


Integrados, contratos de MRO – Manutenção, Reparo e Operações -, são bem parecidos com a
operação de almoxarifado virtual, mas concentram-se apenas nas operações de Manutenção
Preditiva Total. O próprio conceito de just-in-time, do qual deriva a qualidade total, é voltado
para o MPT em sua concepção nas empresas do grupo Toyota. A Denso Co. é uma empresa do
grupo e dela derivam vários conceitos da qualidade total. O vocábulo toiotismo surgiu por
causa das práticas da companhia que, por sua vez, se inspirou no fordismo. O que nós fizemos,
ao inovar, foi expandir essa operação para o mercado público e também agregar operações de
grandes atacadistas do ramo para dentro das instituições públicas. Com isso, conseguimos
também estimular a iniciativa local, especialmente na produção do primeiro setor, que é um
dos facilities previsto no contrato. Alguns autores de políticas públicas, tais como o Professor
Leonardo Secchi, da UDESC, apresentam conceitos extremamente importantes para o
desenvolvimento de uma agenda de soluções. Um deles é o de soluções que buscam
problemas. Logo, uma solução do mercado privado passou a investigar um problema na
Administração Pública. Identificou, catalogou, interviu e procurou apresentar melhorias nessa
rotina. Um trabalho bottom-up, isto é, com participação mais horizontal do organograma. Tal
como a recomendação em muitos casos de qualidade total. E deu certo. Especialmente numa
entidade pública como o ICMBio, com suas mais de 380 unidades descentralizadas.

A inovação no serviço público não é, em grande medida, fomentada pelos dirigentes,


normalmente carece de patrocínio da alta administração do órgão, além de muitas vezes ser
mal interpretada, tendo em vista que tradicionalmente tanto órgãos de controle quanto
órgãos jurídicos de pareceres opinativos se manifestam contrários ao que é novo e tendem a
fortalecer o status quo das coisas. Nesse contexto, por se tratar de uma inovação de
proporções que abrange todos os órgãos descentralizados do ICMBIO, quais foram os
principais desafios enfrentados desde a concepção do modelo até a efetiva implantação?

Marcelo: Todas as que você citou (risos). Brincadeira! Algumas delas, felizmente, não
ocorreram. Todos os dirigentes da área de Planejamento e da Presidência do ICMBio sempre
deram muito apoio. Vários dirigentes das áreas demandantes também. Milhares de colegas
nas pontas deram depoimentos para a comissão, seja através de vídeos, seja por mensagens
eletrônicas. Que vivíamos com a Espada de Dâmocles a nos cutucar o pescoço, com medo,
357

preocupados com a repercussão, não há dúvidas! Mas quem quer inovar sabe que o caminho é
difícil. Fazendo um paralelo com a Sociologia, Bourdieu nos fala dos campos de dominação e é
claro que manter as coisas como estão são muito mais cômodas. Grande parte de processos
administrativos disciplinares são feitos em face de inovadores, mas são iniciativas como a da
ENAP que estão começando a mudar isso. O reconhecimento da iniciativa sem dúvida
nenhuma sensibilizou o TCU. Ser premiado ajudou o ICMBio nesse e em outros processos. No
final, valeu a pena. Já é nosso terceiro prêmio, exatamente porque inspirou e tem inspirado
outros colegas a quebrar esses velhos paradigmas. Mas nossa turma é valente. Queimam
nossas lanchas, nossos escritórios, nossos carros, mas nós prevalecemos. Perseverar é uma
missão cotidiana do servidor público e na área ambiental isso se agiganta. No caso da área
meio, costumo trazer nas minhas palestras o exemplo da música “Tributo a Martin Luther
King” de Wilson Simonal e Ronaldo Bôscoli que em algum momento diz que “com uma canção
também se luta, irmão!”. E é com essa arma que a área meio luta: soluções melhores, mais
econômicas e mais eficientes. Os órgãos de controle tem sido até bem parceiros, eu tenho me
surpreendido positivamente com o TCU. Torço para que os demais sigam essa linha e me
entristeço bastante quando algumas iniciativas são minadas por outros lados. Mas isso faz
parte do processo democrático. O que não dá é para desistir.

Levando em conta a inovação do modelo no serviço público, principalmente a primeira


contratação de empresa para operacionaliza-lo, houve alguma dificuldade para o mercado
entender o novo modelo de prestação de serviço que o Órgão pretendia?

Marcelo: A dificuldade sentida foi no mercado interno. E ela existe até hoje. O mercado
privado conhece o modus operandi. Talvez tivesse havido um conflito maior se a operação
tivesse sido realizada em Brasília, porque o Distrito Federal é ainda de um comportamento
weberiano muito arraigado. Há uma constante de se preocupar muito com o meio e não com o
fim público a que os negócios se destinam. Isso é natural considerando que o terceiro setor
que se formou no DF tem como missão esses fornecimentos setorizados. Logo, numa
contratação desse tipo há alguma letargia de alguns segmentos do mercado, mas não do
grande mercado. Esse é muito mais ágil. Quer um exemplo? Estamos cada dia mais vendo o
crescimento de start ups, de co-working, de operações pay-per-use e ainda o Estado quer
compreender o que é isso. Cloud computing está começando a dar seus passos no serviço
público e o próprio Processo Eletrônico Nacional é ainda um neófito nos procedimentos. Ainda
e mais ligado ao nosso caso aqui discutido são os Market places, aquelas operações onde eu
uso um grande operador para que ele me empreste sua plataforma para que eu venda. É um
almoxarifado virtual até bem mais evoluído, visto que esse megadeal dá lugar a inúmeros
outsourcers operando numa mesma plataforma.

Nesse sentido, não é o mercado que terá dúvidas. O mercado tem uma larga capacidade de
transformação. Talvez o Estado demore um pouco mais para se atualizar. Se depender do
ICMBio, pelo menos, vamos tentar acompanhar isso. A pouco tempo conseguimos uma vitória
em pay-per-use. Agora, vamos começar com Market-place e coworking. E vamos ver no que
vai dar. Quem sabe outro prêmio?
358

Desconsiderando demais custos e economias, Ceteris paribus, considerando que o


Almoxarifado Virtual funciona de certa forma como o sistema just in time, ou seja, estoque
nulo, o Órgão mensurou em seus estudos eventual economia gerada pela otimização de seus
espaços físicos?

Marcelo: Sim. Primeiro porque quase não existam espaços físicos para almoxarifados. Tais
espaços foram dando lugar a novas salas nos locais onde eles se situavam. Essa economia foi
refletida na redução de custos com alugueres, com perda de materiais, com redução de custos
processuais. No primeiro ano, a economia com a projeção dos gastos anteriores chegou a
quase 90%. E até hoje nunca alcançou a previsão inicial, tanto que a própria estimativa do
contrato foi reduzida. Para essa natureza de despesa, antes em consumo, i.e., na conta 339030
e agora na 339039, ao longo dos 06 anos de execução, alcança uma média de 2 a 3 milhões de
reais por ano. Uma conta boa, um resultado bem empolgante.

O Almoxarifado Virtual trouxe maior otimização dos espaços físicos das instalações do
Órgão. Quais os materiais que são atendidos pelo Almoxarifado Virtual e como funciona o
ressuprimento e os prazos para o reabastecimento?

Marcelo: Sim. Não há almoxarifados físicos em quase todas as unidades do ICMBio,


exatamente por causa da confiança que a ferramenta trouxe. Atualmente, o ICMBio opera com
insumos de escritório, informática, livros, uniformes, alimentos (inclusive as refeições prontas
para nossos brigadistas), EPIs e parte da demanda de MRO. Já estamos desenvolvendo novos
estudos para outras soluções do mercado e queremos aproveitar o desenvolvimento de
Market places para ampliar esses horizontes.

No caso do nosso contrato o ressuprimento é feito conforme o comportamento da unidade.


Uma parte da política é top-down, desenvolvida pelo contrato. A outra pelo próprio Chefe
local. Ele sabe que fazemos controle amostral dos pedidos e que há interpelações sobre
eventuais pedidos fora da curva de demanda, então pede apenas quando necessita. Com isso
temos unidades que realizam pedidos semestrais, trimestrais ou bimestrais, muito embora o
contrato tenha o comportamento ordinário da mecânica pensada na operação mensal. Mas se
o colega não precisa disso, o próprio contrato já prevê que ele possui a faculdade de não
realizar o pedido, até porque não há acumulação de saldo. Se ele não precisa, o saldo vai para
quem precisa. E com isso, há um maior senso comunitário de operação. Assim, não falta nada
para ninguém.

O nível de serviço, indicador de desempenho muito utilizado em almoxarifados das


organizações, responsável por aferir o percentual de requisições dos demais setores da
organização que são atendidas com relação ao total de requisições, com a implantação do
Almoxarifado Virtual no ICMBIO houve aumento desse percentual?

Marcelo: Sim. Nas primeiras avaliações o score foi bem positivo e aliou maior satisfação do
usuário no atendimento e menor custo. Além disso, o aumento do percentual veio também
com a redução dos meios alternativos de oferta, tais como o suprimento de fundos. A
instituição passou a concentrar melhor os seus recursos e tomar partido da economia de
359

escala. Assim, o score de pedidos aumentou, sem que isso refletisse num aumento de custos,
mas sim de confiança na ferramenta e maior eficácia dela.

Em complementação à pergunta anterior, ocorreu alguma melhora no que tange à ruptura


de estoque – cuja definição é aquela que cria uma situação na qual incorre-se em custos pela
falta de material capazes de trazer fortes impactos negativos à organização – quando
comparado o fornecimento de materiais entre o antes e o depois da implantação do
modelo?

Marcelo: Basicamente não há ruptura. Isso porque o próprio costume profissional trazido pelo
aumento do grau de confiança passou a também disciplinar o melhor controle de
necessidades. Ou seja, adquiriu-se um melhor ponto de confiança com a harmonização das
curvas de oferta e de demanda, uma vez que os estoques dos insumos mais comumente
demandados passou a ser constantemente reposto no centro de distribuição do outsourcer.
Além disso, uma prática rudimentar de Market Place começou a ser trabalhada desde o
começo da operação, especialmente com alimentos, o que permitiu evitar que algumas
demandas de insumos não tivessem condições de ser atendidas. Apenas, como disse antes,
somente em casos extremos como, por exemplo, a conservação de equipamentos de caráter
histórico, onde alguns insumos exigem uma manufatura específica, passariam a ter uma
dificuldade maior. Mas como se buscou padronizar, por exemplo, o parque de TI – e é uma das
vantagens de práticas como essa passarem a ser associadas a outros planejamentos de
contratação – entre outras coisas, o comportamento de contratos gerais estruturantes tais
como o almoxarifado virtual foi capaz de evitar rupturas.

Antes da entrada do modelo no âmbito do ICMBIO, as aquisições ocorriam de forma


centralizadas ou descentralizadas? As dificuldades encontradas no antigo modelo foram
totalmente superadas?

Marcelo: Sim, as contratações eram descentralizadas. Tanto em um modelo, quanto no outro,


o problema era constante. Temos dados aferidos no serviço público de quanto custa um
pregão deserto, um pregão fracassado. Imagine isso para 380 unidades, distribuídas em seis
unidades gestoras. Um caos! Superamos a questão de regionalização e passamos a atuar com
especializações. Dessa forma, no quesito de abastecimento de demandas nas áreas de office,
info, MRO, alimentos, EPIs, uniformes e os demais temas do contrato há sim superação das
dificuldades anteriores. Outros contratos que seguiram a mesma dinâmica tais como
Manutenção Predial, Gestão de Frota e Transportes, os resultados também têm se mostrado
bem consistentes. Nas contratações centralizadas de alocação de mão-de-obra, estamos
avaliando, mas os primeiros resultados têm sido bem animadores.

Considerando que o sistema foi uma inovação no serviço público e tendo em vista que a
implantação do modelo ocorreu em 2013, que ganhos podem ser elencados desde sua
implantação no ICMBIO?
360

Marcelo: Vários são os ganhos que podem ser observados na modelagem. Além da autonomia
operativa, que é um dos melhores resultados, eliminando por completo a quebra da cadeia de
suprimento, os ganhos econômicos são muito interessantes. A expressividade desses
conseguiu trazer uma nova dinâmica aos gastos do ICMBio e hoje esse contrato, que já
absorveu outros tem procurado auxiliar na redução de despesas sensíveis como as de limpeza
e conservação, por exemplo. O nível de produção intelectual, a quantidade de planos de
manejo e atividades de pesquisa também podem ter parte da atribuição de seu sucesso ao
fato de que muitos colegas puderam se dedicar à atividade finalística sem ter que se preocupar
se teriam meios e insumos para desenvolver suas respectivas atividades. O combate aos
desastres ambientais tem sido mais efetivo à medida em que não há riscos de haver
desabastecimento de meios para os guerreiros do fogo, uma vez que os próprios operadores
desse Market Place se fidelizam ao outsourcer. É uma lista imensa de benefícios que podem
ser elencados ao longo da implementação da iniciativa.

Por fim, considerando a nova modelagem de aquisições de bens e serviços que está sendo
desenvolvida pela Central de Compras capitaneada pelo Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão – MPDG, o modelo do Almoxarifado Virtual poderia ser utilizado
nesse contexto? Haveria algum ganho não só em termos de eficiência e celeridade na
prestação dos serviços, mas também econômicos com a eventual implementação do modelo
na Esplanada dos Ministérios?

Marcelo: Sem dúvida nenhuma e já estivemos lá para tentar contribuir com isso. Embora
tenha inicialmente sido concebido para órgãos com maior capilaridade, o próprio mercado
privado já tem tratado de ratificar isso. As compras virtuais dos Market places já demonstram
isso. Daqui a pouco, contratar um operador que realize o e-procurement apenas pela abertura
de sua plataforma, realizar junção de players buscando inovações de negócios com riscos
compartilhados e partilhados será uma dinâmica do serviço público. O taxigov é um reflexo
disso, um novo pensar para os gastos públicos. O velho e arcaico modelo de extensos editais
com milhares de itens em licitações que se arrastam por meses deve ser superado. O mercado
dos pequenos e médios empresários ganha força com as plataformas coletivas de negócios.
Isso vem acontecendo na nossa frente e sem dúvida nenhuma que plataformas que
evidenciem isso tem a oferecer ao MPDG uma contribuição muito significativa nesse sentido.
Pessoas dedicadas como o Wolmar e a sua equipe, que tem praticado uma gestão mais
horizontal, estão atrás desse resultado e o ICMBio quer ser uma parceria para que isso dê
certo. Esperamos que isso seja um ponto de efetiva contribuição para bons resultados na
Administração Pública. O Brasil merece!

Marcelo Moreira Prado possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Serra dos
Órgãos (2012) e graduação em Artes Plásticas pela Universidade do Estado de Minas Gerais
(1998) e pós-graduação em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho. Atualmente
é analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e Chefe da
Unidade Avançada de Administração e Finanças do ICMBio na 3ª Região. Tem experiência na
área de Administração e Economia, com ênfase em Administração Pública, Contabilidade e
Finanças Públicas, Bancos e Instituições Financeiras, Educação e Cultura.
361

Vandeir Luiz da Silva é graduado em Matemática e especialista em Gestão Pública. É servidor


público federal, ocupa atualmente o cargo de Coordenador-Geral de Licitações, Contratos e
Recursos Logísticos do Ministério da Cultura. Vandeir é o atual docente de referência do curso
Gestão de Materiais e em 2017 foi um dos docentes da primeira edição do Programa
Lideranças em Logística Pública da Enap.

José Lopes de Sousa é servidor público da carreira Finanças e Controle, lotado na Secretaria
do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, na Diretoria de Riscos e Conformidade –
DIRCO/STN/MF. Tem graduação em Ciências Econômicas, Especialização em Gestão Pública e
em 2017 fez a primeira edição do Programa Lideranças em Logística Pública da Enap.

Adriano Portella de Amorim, Diretor de Administração Interna do Ministério da Defesa. Tem


graduação em Direito. Em 2017 fez a primeira edição do Programa Lideranças em Logística
Pública da Enap.

José Manoel Gomes, Assessor do Diretor do Departamento de Administração do Ministério de


Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA. Tem graduação em Administração, Pós-
graduação em Planejamento e Orçamento Público. Em 2017 fez a primeira edição do Programa
Lideranças em Logística Pública da Enap.

74. Entrevista sobre boas práticas em compras públicas sustentáveis com o professor
Alessandro Quintanilha, 24/11/2017
• As perguntas foram elaboradas pela professora da ENAP Jhessica Ribeiro Cardoso.

A promoção das contratações sustentáveis na Administração Pública inicia principalmente


com o apoio político da alta gestão. Como isso pode acontecer?

Alessandro: O acolhimento da causa pela alta gestão é fundamental para a promoção das
contratações sustentáveis. Por alta gestão, entende-se, inclusive, aquelas autoridades que
possuem competência para a produção de normas. Assim, tanto a alta gestão dos órgãos e
entidades da Administração Pública, de todos os âmbitos (federal, estadual, distrital e
municipal), de todos os poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário e Funções Essenciais à
Justiça), quanto aquelas autoridades que possuem competência para a produção de normas
devem chancelar as medidas possíveis para a promoção das contratações sustentáveis. Por
óbvio, que as iniciativas para a promoção das contratações sustentáveis não precisam,
necessariamente, partir da alta gestão. Foi dessa forma que as contratações públicas
sustentáveis evoluíram no Brasil. Começou com medidas pontuais de práticas sustentáveis nas
repartições públicas, como a Agenda A3P (que sempre funcionou com voluntários), até o atual
arcabouço normativo hoje existente. Diversas normas atualmente existentes partiram de
iniciativas daqueles que não fazem parte da alta gestão. No entanto, se não tivesse havido o
acolhimento dessas iniciativas pela alta gestão, não teríamos evoluído tanto. A cooperação
entre área técnica e jurídica dos órgãos e entidades da Administração Pública é uma boa forma
de fazer com que a demanda chegue à alta gestão, para que esta dê o apoio político necessário
para a efetivação das medidas indispensáveis ao suprimento das necessidades identificadas. A
área técnica indica suas necessidades e a área jurídica oferece segurança jurídica. Não
havendo segurança jurídica para a atuação da área técnica, surge a necessidade de sugerir a
elaboração de uma norma que dê sustentação jurídica para aquela necessidade. Dessa forma
362

foram editadas a Instrução Normativa nº 1, de 2010 da então SLTI/MPOG (Dispõe sobre os


critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras
pela Administração Pública Federal), a alteração do art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, pela Lei nº
12.349, de 2010, com a inclusão do desenvolvimento nacional sustentável como uma das
finalidades da licitação, e o Decreto nº 7.746, de 2012 (Regulamenta o art. 3º da Lei nº 8.666,
de 1993), entre diversas outras normas, cuja iniciativa partiu da base e contou com o apoio
político da alta gestão. Em um plano local, também podemos dizer que cabe também à alta
gestão apoiar iniciativas nessa área, constituindo as comissões que tratam do tema,
chancelando o Plano de Gestão de Logística Sustentável, inclusive incentivando suas equipes a
se capacitar para enfrentar os desafios da promoção das contratações sustentáveis.

Ao quebrar paradigmas culturais e gerenciais sobre a interface contratações-


sustentabilidade, a lei de licitações favorece a superação do trinômio preço, prazo e
qualidade?

Alessandro: Na realidade, esses paradigmas culturais e gerenciais ainda estão sendo


quebrados. Muitos gestores ainda se deparam com dificuldades de superar esse trinômio
preço prazo e qualidade. Muitos gestores sequer superaram o estigma do pregão eletrônico.
Ainda se escuta a reclamação de que o pregão induz a Administração Pública a comprar
“porcaria” e a contratar serviços ruins. De fato, a lei de licitações não favorece muito a
superação desse trinômio. Muitas das exigências que os gestores gostariam de fazer para
garantir tal trinômio não são permitidas pela legislação. Quando são permitidas, muitas vezes
falta conhecimento e capacitação das equipes que trabalham na instrução de processos de
licitação em relação à forma de fazer tais exigências. Quando tudo isso é superado, ainda se
esbarra na questão do preço. Há muito receio ainda nos gestores para a aquisição de produtos
e serviços com preços superiores a outros similares existentes no mercado, mas de qualidade
inferior. Mas ainda há dificuldades em se estabelecer até onde se pode ir na questão do preço.
Não há parâmetros objetivos para balizamento dos gestores. No campo das contratações
sustentáveis não é diferente. Inclusive, não se questiona mais que critérios de sustentabilidade
são de fato requisitos de qualidade de bens e serviços. Entretanto, ainda não se tem segurança
jurídica para pedir produtos/serviços certificados/rotulados, por exemplo, porque a legislação
dificulta tal exigência. Daí exige-se como especificação técnica do objeto aqueles requisitos
que seriam necessários para a certificação/rótulo. Ocorre que, na maioria das vezes, os
servidores não possuem conhecimento para aferir se tais requisitos estão de fato presentes
naquele produto/serviço sem certificação entregue pelo fornecedor. Isso interfere na
qualidade dos produtos e serviços entregues para a Administração. Consoante dito linhas
acima, quando essa questão da qualidade é superada, esbarra-se, por vezes, na questão do
preço. A inclusão no art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, da promoção do desenvolvimento
nacional sustentável como uma das finalidades das licitações gera uma segurança maior para o
Gestor para promover contratações sustentáveis, ainda que tais contratações sejam, em
princípio, mais onerosas. Fala-se “em princípio”, pois tal contratação inicialmente mais
onerosa pode se demonstrar com o tempo bem mais econômica em relação a outras
inicialmente menos onerosas. A alteração do art. 2º do Decreto nº 7.746, de 2012, pelo
Decreto nº 9.178, de 2017 vem para reforçar essa possibilidade/dever do gestor. Com efeito, o
art. 2º do decreto foi alterado para prever que a administração pública “adotará” critérios e
práticas sustentáveis nos instrumentos convocatórios nas contratações públicas, em
363

substituição à expressão anterior “poderão adotar”. Ocorre que essa alteração específica ainda
não está em vigor. Nos termos do art. 3º, I do Decreto nº 9.178, de 2017, essa alteração
entrará em vigor somente em cento e oitenta dias após a data de sua publicação. Como já dito,
penso que os paradigmas culturais e gerenciais sobre a interface contratações-
sustentabilidade ainda estão sendo quebrados gradativamente. Ainda estamos em evolução;
positiva, diria eu.

Qual seria o passo a passo ideal para a realização de uma compra sustentável na
administração pública? O que deve ser levado em conta na hora de decidir? Quais as boas
práticas a serem adotadas neste processo?

Alessandro: O Guia Nacional de Licitações Sustentáveis da Advocacia-Geral da União dá essa


orientação. De acordo com o Guia, são três passos a serem seguidos para a contratação
pública sustentável. O 1º passo a ser dado em uma contratação sustentável é a verificação da
real necessidade de contratar ou adquirir. De acordo com o Guia, o gestor público deve ser
bastante criterioso e cauteloso acerca da necessidade de contratação ou aquisição de novos
bens ou serviços. É preciso também verificar a possibilidade de reutilização do bem ou
redimensionamento do serviço já existente. Aqui o Guia faz uma interface com a questão da
gestão e gerenciamento de resíduos sólidos. Com efeito, o art. 9º da Lei nº 12.305, de 2010
(institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos), dispõe que, na gestão e gerenciamento de
resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução,
reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente
adequada dos rejeitos. Além disso, existe a possibilidade de adquirir bens provenientes de
outro órgão público pelo processo de desfazimento, em conformidade especialmente com o
Decreto nº 99.658, de 1990 e a Lei 12.305/2010. Todas essas condutas podem reduzir a
pressão sobre o uso dos recursos naturais, que são finitos, não custa lembrar. O 2º passo a ser
dado, de acordo com o Guia, é o planejamento da contratação para escolha de bem ou serviço
com parâmetros de sustentabilidade. Nesse passo, deve-se escolher e inserir critérios, práticas
e diretrizes de sustentabilidade com objetividade e clareza. Mas, para tanto, é preciso verificar
a possibilidade de comprovação desses parâmetros de sustentabilidade e a sua disponibilidade
no mercado. Ou seja, a inclusão de critérios de sustentabilidade deve ser feita de modo claro e
objetivo, observando-se o que o mercado pode ofertar e as possibilidades de comprovação e
verificação dos critérios inseridos pelo órgão público, através de certificações, documentos
comprobatórios, amostra, declaração sob as penas da lei, entre outras formas de
comprovação. Em licitações com critério de julgamento do tipo melhor técnica ou técnica e
preço, os critérios de sustentabilidade poderão ser considerados na avaliação e classificação
das propostas técnicas. Ainda de acordo com o Guia, é neste 2º passo que se insere a análise
do ciclo de vida, em aquisições de bens e produtos. Por meio da análise do ciclo de vida,
verifica-se a inserção de critérios de sustentabilidade nos vários momentos do ciclo. Desde os
materiais utilizados e o modo de produção, passando pelo modo de distribuição, embalagem e
transporte, até chegar no uso e por fim na disposição final. O 3º passo a ser dado em uma
contratação pública sustentável é a análise do equilíbrio entre os princípios licitatórios. De
acordo com o Guia, o gestor público deve buscar o equilíbrio entre os três princípios
norteadores da licitação pública: sustentabilidade, economicidade e competitividade. É o que
se chama de “melhor preço”, que será a proposta de menor preço que atende as
especificações com critérios de sustentabilidade (conforme o 2º passo). Tem-se então o
364

equilíbrio entre a economicidade e a redução do impacto ambiental. Quanto ao equilíbrio


entre a competitividade e a redução do impacto ambiental, de maneira geral é reconhecido
que, caso existam três fornecedores diferentes, a competitividade estará preservada.
Entretanto, a sustentabilidade pode, de modo justificado, se sobrepor aos outros princípios,
tanto a economicidade, quanto a competitividade. Ressalte-se que nesses casos a justificativa
do gestor é necessária, onde ele pode, por exemplo, optar por um produto mais caro do que o
similar e isto fazendo parte de uma medida de gestão mais ampla, que no final reduz o custo
em outros produtos ou no mesmo em razão da economia gerada, ou mesmo relacionados com
o objetivo de fomento a novos mercados para produtos sustentáveis, que sejam necessários à
Administração em ações ligadas à sustentabilidade ou a outras áreas. A alteração do art. 2º do
Decreto nº 7.746, de 2012, pelo Decreto nº 9.178, de 2017 deixa clara a necessidade de
justificativa por parte do gestor quanto à adequação das especificações do objeto da
contratação e das obrigações da contratada aos critérios e às práticas de sustentabilidade
exigidos no instrumento convocatório. Ao mesmo tempo em que determina a adoção de
critérios e práticas sustentáveis nos instrumentos convocatórios, exige também a justificativa
quanto à adequação da especificação do objeto da contratação e das obrigações da contratada
aos critérios e às práticas de sustentabilidade, exigindo, por fim, que seja sempre resguardado
o caráter competitivo do certame.

De que forma o gestor público pode aproximar-se do mercado para consultar e verificar a
existência de fornecedores ou mesmo de critérios que atendam às necessidades
estabelecidas da contratação?

Alessandro: A pesquisa de mercado e de preços é uma das tarefas mais árduas em um


certame licitatório. A busca pela melhor solução e pelo preço que é cobrado por essa solução
tem dificultado muito a realização de contratações públicas. No entanto, entende-se ser essa
pesquisa a melhor forma de o gestor público aproximar-se do mercado para consultar e
verificar a existência de fornecedores e de critérios que atendam às necessidades da
contratação a ser feita. Atualmente existem dados consolidados em bancos de dados que
facilitam essa pesquisa. O Painel de Preços do Ministério do Planejamento é um exemplo. A
Instrução Normativa nº 5, de 2014 da então SLTI/MPOG traz ainda outros parâmetros de
pesquisa de preços, quais sejam contratações similares de outros entes públicos, pesquisa
publicada em mídia especializada, sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo e
pesquisa com os fornecedores. A pesquisa por tais parâmetros possibilita não somente a
pesquisa de preços em si, mas também a pesquisa de boas práticas na especificação técnica de
bens e serviços. Outra possibilidade também é a consulta aos Cadernos de Logística, Catálogo
de Materiais e de Serviços dos Sistemas de Compras dos Governos. Em âmbito Federal existe o
CATMAT e o CATSER. A utilização da ferramenta benchmarking também pode ser usada para
tanto. Na observação de práticas feitas por outros órgãos e entidades, pode o gestor encontrar
uma boa solução para as suas necessidades. Tudo o que foi dito acima aplica-se às
contratações públicas sustentáveis. O Manual Implementando Licitações e Contratos. PARTE I,
Teresa Villac. Cadernos da Consultoria-Geral da União. Disponível em <
http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/327966>, destaca a existência de
catálogos oficiais de produtos sustentáveis em diferentes esferas governamentais, como o
Catálogo de Materiais do Sistema de Compras do Governo Federal (CATMAT SUSTENTÁVEL), o
Catálogo Socioambiental do Estado de São Paulo e a inclusão de itens com critérios
365

sustentáveis no Catálogo de Materiais e Serviços (CATMAS) do Estado de Minas Gerais. Antes


mesmo de conhecer fornecedores, é possível também consultar e verificar a existência de
critérios que atendam às necessidades estabelecidas da contratação por meio de consulta a
Guias, Cartilhas e Manuais de Contratações Sustentáveis. Em relação ao CATMAT
SUSTENTÁVEL, gostaria de aproveitar o ensejo para fazer uma colocação específica. Em reação
ao Acórdão 1056/2017 do Plenário do TCU, -- que, entre diversas outras determinações, está a
de retomar o funcionamento efetivo da Comissão Interministerial de Sustentabilidade na
Administração Pública – CISAP, instituída pelo Decreto nº 7.746, de 2012, -- houve uma
reunião da CISAP, em 25 de agosto de 2017, cuja pauta era, entre outros temas, os Impactos
do Acórdão TCU nº 1.056/2017. Nessa reunião, foi feito o encaminhamento de Formação de
Grupo Técnico, no âmbito da CISAP, objetivando o aprimoramento do Catálogo de Bens e
Serviços (CATMAT e CATSER) do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais –
SIASG do Governo Federal. Se essa medida for de fato adotada, facilitará muito o trabalho das
equipes que atuam na formalização de processos de contratações públicas sustentáveis. Não
podemos deixar de mencionar também que uma das competências da CISAP, entre outras
também relevantes, é exatamente a incumbência de propor à Secretaria de Gestão do
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão ações para divulgação das práticas de
sustentabilidade. Neste ponto vale uma consulta na página Contratações Públicas
Sustentáveis, do Ministério do Planejamento, disponível em
<http://cpsustentaveis.planejamento.gov.br/>. Existe um conteúdo interessante ali sobre o
tema. Inclusive os fóruns colaborativos que precisam ser reativados.

As compras sustentáveis empresariais incrementam o progresso das ações de


sustentabilidade no setor privado buscando atender demandas ambientais e sociais. Você
acredita que elas podem catalisar o surgimento de normas ou instrumentos de regulação de
cunho obrigatório?

Alessandro: Acredito que sim. Mas acredito que tal questão é uma via de mão dupla. Tanto as
compras sustentáveis empresariais podem catalisar o surgimento de normas ou instrumentos
de regulação de cunho obrigatório, quanto as compras públicas sustentáveis podem estimular
o surgimento de um mercado preparado para atender tais normas ou instrumentos de
regulação de cunho obrigatório. Já existem diversas normas cogentes emanadas de entidades
como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA, Conselho Nacional do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis – CONAMA, Ministério do Meio Ambiente, INMETRO,
Ministério do Planejamento, entre outras, que tratam da segurança para o usuário de
produtos e serviços; de exigência de critérios de sustentabilidade na aquisição de bens, na
prestação de serviços e na execução de obras. A utilização das licitações como instrumento de
viabilização de políticas públicas, como o desenvolvimento nacional sustentável, por exemplo,
já é um fato, diante do enorme poder de compra do Estado. Este tem condições de interferir
na produção e no consumo. Assim, uma coisa alimenta a outra. O Estado consumidor, por
meio das contratações públicas sustentáveis, estimula o fortalecimento do mercado de bens,
serviços e obras sustentáveis, o que ajuda, de certa forma, a superar a crítica da reserva de
mercado nessa temática. O Estado consumidor quando promove contratações sustentáveis
fomenta ainda a inovação, ou seja, a criação de produtos com menor impacto ambiental. O
uso racional desses produtos minimiza a poluição e a pressão sobre os recursos naturais. Por
isso digo que se trata de uma via de não dupla e que uma coisa alimenta a outra. O Estado
366

fomenta o mercado e o mercado catalisa o surgimento de normas ou instrumentos de


regulação de cunho obrigatório. Mas não podemos deixar de pontuar que a legislação precisa
avançar para permitir, com a cautela necessária, a exigência de certificações e rótulos privados
ou voluntários como critérios de sustentabilidade nas contratações públicas. Se não chegar ao
ponto de torná-los obrigatórios, que, pelo menos, permita que eles sejam exigidos nas
contratações públicas, caso não haja outro meio menos oneroso de aferir os requisitos que
geram a certificação/rótulo do produto ou serviço.

Como utilizar instrumentos de autorregulação certificáveis, tais como ISO 14000 ou Forest
Stewardiship Council – FSC nas licitações públicas? É possível e indicado? Como a
certificação ou rótulo pode ser considerando condição da compra pública?

Alessandro: Essa é uma questão extremamente delicada ainda. Quando estamos diante de
uma etiqueta obrigatória, como, por exemplo, a ENCE, do Programa Brasileiro de Etiquetagem
(PBE), decorrente da Lei nº 10.295, de 2001, temos firme convicção de que podemos exigir o
fornecimento do produto com essa etiqueta. O produto que for comercializado sem a etiqueta
é considerado um produto irregular, que deve ser recolhido do mercado e o seu fornecedor
deve ser multado pelo INMETRO. A mesma coisa pode ser dita em relação ao Selo Ruído,
também do INMETRO, cuja iniciativa é coordenada em parceria com o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, que informa aos consumidores o
nível de ruído gerado pelo funcionamento de aparelhos como secadores de cabelo,
liquidificadores e aspiradores de pó, permitindo diferenciar aqueles mais silenciosos. Pneus de
carro também possuem etiquetagem compulsória com três critérios estabelecidos pelo
INMETRO: Resistência ao rolamento, que influencia a eficiência no consumo de combustível
(Eficiência Energética); Aderência no molhado, em virtude da aderência no piso molhado
(Segurança) e Ruído externo, relacionado à emissão de ruídos (Meio Ambiente). Portanto, a
Administração, quando for adquirir pneus, deve exigir que os produtos devem ser fornecidos
com a referida etiqueta. A instrução Normativa nº 2 de 2014, da então SLTI/MPOG, determina,
em seu art. 3º, que, nas aquisições ou locações de máquinas e aparelhos consumidores de
energia, que estejam regulamentados no âmbito do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE),
conforme publicação no sítio eletrônico www.inmetro.gov.br/consumidor/tabelas.asp, deverá
ser exigido, nos instrumentos convocatórios, que os modelos dos bens fornecidos estejam
classificados com classe de eficiência "A" na Etiqueta Nacional de Conservação de Energia
(ENCE) vigente no período da aquisição. Somente quando não existir, no período de aquisição,
um mínimo de três fornecedores com modelos etiquetados com a ENCE classe "A" para a sua
categoria, devem ser admitidos produtos etiquetados com as ENCEs nas duas classes mais
eficientes que possuam um mínimo de três fornecedores com modelos etiquetados, admitida
a complementação de números de fornecedores de uma classe com a de outra. O mesmo
raciocínio deve ser feito para as demais etiquetas, como, por exemplo, a de ruídos. Entendo
que a Administração deve especificar no Termo de Referência o produto que gera menos
ruído.

Agora, em relação a instrumentos de autorregulação certificáveis, tais como ISO 14000 ou


Forest Stewardiship Council – FSC, não há segurança jurídica para exigir tais instrumentos, pois
não são compulsórios. Trata-se de certificações privadas e voluntárias, que, em geral,
demandam um custo financeiro significativo para serem obtidas e mantidas.
367

As etiquetas voluntárias, mesmo as do INMETRO/IBAMA, como, por exemplo a ENCE do


Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular ou a Etiqueta de Desempenho e Segurança para
Equipamentos de TI (Portaria nº 170, de 2012 do INMETRO, que regulamenta o Decreto nº
7.174, de 12 de maio de 2010, que por sua vez regulamenta a contratação de bens e serviços
de informática e automação pela administração pública federal), passam por problemas
semelhantes. Por não serem compulsórias não podem ser exigidas. O TCU, depois de vacilar
sobre essa questão, decidiu que “É lícito a Administração exigir, como critério de aceitação das
propostas, que os produtos de informática ofertados pelos licitantes cumpram os requisitos
técnicos previstos na Portaria Inmetro 170/2012. Todavia, não pode ser exigida a certificação
correspondente, pois constitui modalidade voluntária de certificação, cuja emissão depende
de requerimento do fabricante dos produtos, o qual não tem obrigação legal de fazê-lo.”
(Acórdão 445/2016 Plenário).

A Orientação Normativa nº 1, de 2015, da SLTI/MPOG já havia dado essa solução, dizendo que
as certificações previstas no inciso II do art. 3º do Decreto nº 7.174, de 12 de maio de 2010,
deveriam ser exigidas como requisito de qualificação dos bens a serem adquiridos.

De tudo que se viu, para esses casos de instrumentos de autorregulação certificáveis e para
etiquetagem voluntária, a orientação é fazer as exigências como requisito de qualificação dos
bens ou serviços a serem adquiridos. Ou seja, como especificação técnica do objeto (requisito
de aceitação da proposta) ou como obrigações da contratada, a depender do objeto: bem,
serviço ou obra.

A forma de comprovação desses requisitos deve ser feita de acordo com o que dispõe a
Instrução Normativa nº 1, de 2010 da SLTI/MPOG. A comprovação poderá ser feita mediante
apresentação de certificação emitida por instituição pública oficial ou instituição credenciada,
ou por qualquer outro meio de prova que ateste que o bem fornecido cumpre com as
exigências do edital. O edital poderá estabelecer que, selecionada a proposta, antes da
assinatura do contrato, em caso de inexistência de certificação que ateste a adequação, o
órgão ou entidade contratante poderá realizar diligências para verificar a adequação do
produto às exigências do ato convocatório, correndo as despesas por conta da licitante
selecionada. O edital ainda deve prever que, caso não se confirme a adequação do produto, a
proposta selecionada será desclassificada.

O Decreto nº 7.746, de 2012, vem na mesma toada, dispondo, em seu art. 8º, que a
comprovação das exigências apresentadas no instrumento convocatório poderá ser feita por
meio de certificação emitida ou reconhecida por instituição pública oficial ou instituição
credenciada ou por outro meio definido no instrumento convocatório. Em caso de inexistência
da certificação, o instrumento convocatório estabelecerá que, após a seleção da proposta e
antes da adjudicação do objeto, o contratante poderá realizar diligências para verificar a
adequação do bem ou serviço às exigências do instrumento convocatório. Caso o bem ou
serviço seja considerado inadequado em relação às exigências do instrumento convocatório, o
contratante deverá apresentar razões técnicas, assegurado o direito de manifestação do
licitante vencedor.

Consoante já dito linhas acima, particularmente penso que a legislação deve evoluir para
permitir, na ausência de outra forma menos onerosa de atestação do cumprimento dos
368

requisitos de sustentabilidade especificados no instrumento convocatório, a exigência de


instrumentos de autorregulação certificáveis e de etiquetagem voluntária. Com relação à
instrumentos de autorregulação certificáveis, penso que pelo menos os Rótulos Ambientais
Tipo 1 devem ter sua exigência autorizados pela legislação, já que esses possuem como
características serem multicriteriosos, consideram o Ciclo de Vida do produto ou serviço e são
certificados por entidades independentes. Quem quiser fornecer para o Estado que se adeque
e esses novos paradigmas.

Mas há casos em que a verificação do cumprimento dos requisitos de sustentabilidade


especificados no instrumento convocatório pode ser obtida por meio de laudo a ser
apresentado pela licitante provisoriamente declarada vencedora, sem ônus para a
Administração, na forma indicada pela Instrução Normativa nº 1, de 2010 da SLTI/MPOG e
pelo Decreto nº 7.746, de 2012. Se essa for a forma eficaz e menos onerosa para a licitante de
verificar o cumprimento dos requisitos de sustentabilidade especificados no instrumento
convocatório, penso que pode ser aceita em substituição à exigência de determinados
instrumentos de autorregulação certificáveis e de etiquetas voluntária.

Por fim, especificamente em relação à ISO 14000, vários dos requisitos para se obter essa
certificação podem ser usados como boas práticas, como especificação técnica do objeto ou
como obrigações da contratada na prestação de serviços para a Administração. O que entendo
ser descabido é exigir que o fornecedor tenha a certificação ISO 14000 e fazer diligências na
sede da empresa contratada para verificar se ela cumpre a ISO 14000.

Hoje, quais seriam os principais critérios ou práticas de sustentabilidade a serem adotados


em licitações públicas para aquisição de bens, contratação de obras e serviços? Quais seriam
as formas de especificar de forma objetiva o objeto da contratação utilizando os critérios?
Quais casos de sucesso podemos utilizar?

Alessandro: Acredito que os principais critérios ou práticas de sustentabilidade a serem


adotados em contratações públicas são aqueles discriminados nas normas legais e infralegais
que tratam sobre o tema (Leis, Decretos, Instrução Normativa, entre outras), conjuntamente
com normas técnicas de saúde e de segurança do trabalho, normas da ABNT, Cadernos de
Logística, Catálogo de Materiais e de Serviços dos Sistemas de Compras dos Governos, assim
como Guias, Cartilhas e Manuais de Contratações Sustentáveis, que consolidam essas normas
e boas práticas. Consoante já dito, além de leis e decretos, existem diversas normas cogentes
emanadas de entidades como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA, Conselho
Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – CONAMA, Ministério do
Meio Ambiente, INMETRO, Ministério do Planejamento, entre outras, que tratam da
segurança para o usuário de produtos e serviços; de exigência de critérios de sustentabilidade
na aquisição de bens, na prestação de serviços e na execução de obras. O problema é a
consolidação dessas normas. Isso já vem sendo feito por meio da elaboração de Guias,
Cartilhas e Manuais de Contratações Sustentáveis.

As formas de especificar de forma objetiva o objeto da contratação utilizando os critérios


existentes são basicamente três: especificação técnica do objeto (critério de aceitabilidade da
proposta); obrigações da contratada e requisitos de habilitação.
369

Algumas normas e decisões de órgãos de controle apenas citam especificação técnica do


objeto e obrigações da contratada como forma de cobrança de critérios de sustentabilidade
nas contratações públicas. No entanto, é preciso superar o mito de que critérios de
sustentabilidade não podem ser exigidos como requisitos de habilitação. A afirmação de que
os artigos 27 a 31 da Lei Geral de Licitações e Contratos enumeram um rol exaustivo de
documentos que poderão ser exigidos na etapa de habilitação das candidatas à contratação
não é de todo correta. Pelo menos dois dos dispositivos citados dão abertura para inclusão de
diversos documentos e comprovações, desde que essas exigências sejam previstas em lei
especial, tenham pertinência com a contratação a ser realizada e não frustrem desarrazoada
mente a isonomia e o caráter competitivo do certame. Os dispositivos são o art. 30, IV e o art.
28, V, da Lei nº 8.666, de 1993. Temos aí o que eu chamo de “soldados de reserva”.

Com fundamento no art. 28, inciso V da LLCA, que trata da habilitação jurídica, é possível exigir
das licitantes ato de registro ou autorização para funcionamento expedido pelo órgão
competente, quando a atividade assim o exigir. Podemos citar como exemplo de critério de
sustentabilidade a ser demandado como requisito de habilitação a exigência legal de registro
da empresa de desinfestação ou desratização no órgão competente. Aqui no Rio de Janeiro, o
órgão que autoriza o funcionamento regular dessas empresas é o Instituto Estadual do
Ambiente (INEA). Da mesma forma, o licitante que desempenha diretamente as atividades
poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais, deverá obrigatoriamente estar registrado
no Cadastro Técnico Federal – CTF do IBAMA. Assim, o registro no CTF deve ser exigido como
requisito de habilitação jurídica do licitante, conforme art. 28, V, da Lei n° 8.666/93.

O outro soldado de reserva é o art. 30, inciso IV da LLCA, que trata da documentação relativa à
qualificação técnica das licitantes. Esse dispositivo legal autoriza que se exija prova de
atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso. Podemos citar como
exemplo de critério de sustentabilidade a ser demandado como requisito de qualificação
técnica das licitantes a exigência de assistência e responsabilidade de um técnico legalmente
habilitado para executar a aplicação de agrotóxicos e afins, o que se aplica na contratação de
empresas que prestam serviços de desinfestação ou desratização, ou de manutenção de áreas
verdes.

Nessa esteira, foi muito bem-vinda a alteração do art. 3º do Decreto nº 7.746, de 2012, pelo
Decreto nº 9.178, de 2017. Esse dispositivo passou a prever que os critérios e as práticas de
sustentabilidade de que trata o art. 2º serão publicados como especificação técnica do objeto,
obrigação da contratada ou requisito previsto em lei especial, de acordo com o disposto no
inciso IV do caput do art. 30 da Lei nº 8.666, de 1993. Infelizmente o referido decreto deixou
de citar também o art. 28, inciso V da LLCA, que trata da habilitação jurídica. De qualquer
sorte, a ausência de citação pelo decreto não traz prejuízo, já que a lei vale mais que o
decreto, e pode e deve ser aplicada independentemente da alteração do decreto.

A Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB) tem feito a inclusão de critérios de sustentabilidade
em seus editais, na forma citada acima, e tem tido sucesso em seus certames, em especial no
que diz respeito às exigências de critérios de sustentabilidade como requisitos de habilitação.
Outra experiência de sucesso nessa seara tem sido a exigência de inscrição no Cadastro
Técnico Federal do Ibama de fabricantes de determinados produtos a serem adquiridos ou que
serão usados em prestação de serviços para a Administração. As pessoas físicas e jurídicas que
370

desenvolvem atividades listadas no Anexo I da Instrução Normativa IBAMA n° 06/2013, são


obrigadas ao registro no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou
Utilizadoras de Recursos Ambientais, instituído pelo art. 17, inciso II, da Lei n° 6.938, de 1981.
Diferentemente de exigir a inscrição do licitante no CTF-Ibama, essa exigência se dá em relação
ao produto. Tal exigência é descrita como especificação técnica do objeto (critério de
aceitabilidade da proposta). O registro do fabricante de determinados produtos no Cadastro
Técnico Federal – CTF assegura que o processo de fabricação ou industrialização de um
produto, em razão de seu impacto ambiental (atividade potencialmente poluidora ou
utilizadora de recursos ambientais), está sendo acompanhado e fiscalizado pelo órgão
competente. Todavia, normalmente quem participa da licitação não é o fabricante em si, mas
sim revendedores, distribuidores ou comerciantes em geral – os quais, por não
desempenharem diretamente atividades poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais,
não são obrigados a registrar-se no Cadastro Técnico Federal – CTF do IBAMA. Portanto, a fim
de não introduzir distinções entre os licitantes, entendemos que a forma mais adequada de
dar cumprimento à determinação legal é inseri-la na especificação do produto a ser adquirido.
Nessa hipótese, o licitante deverá comprovar, como requisito de aceitação de sua proposta,
que o fabricante do produto por ele ofertado está devidamente registrado junto ao CTF. Esse
critério de sustentabilidade está previsto com detalhes no Guia Nacional de Licitações
Sustentáveis da Advocacia-Geral da União e tem sido cobrado com sucesso pela FCRB.

De acordo com o Projeto SPPEL (Projeto Sustainable Public Procurement and Ecolabelling), o
Brasil ainda enfrentará dificuldades para incluir ecorrotulagem em seus processos de
compras. O que você acha que pode ser um facilitador para esta situação se tornar uma boa
prática nos órgãos públicos?

Alessandro: Esses dias recebi um convite do Escritório do Brasil da ONU Meio Ambiente
(Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) para participação na Oficina “Análise
SWOT da Rotulagem Ambiental no Brasil”. O convite dizia que a rotulagem e os certificados
ambientais são importantes ferramentas para apoiar o processo de compras das organizações,
ao simplificar e desonerar o processo de verificação da conformidade aos requisitos de
compra. No Brasil, a utilização dessas ferramentas pode apoiar o fortalecimento das Compras
Públicas Sustentáveis, o que requer que se aprofunde o conhecimento e acesso a esses
instrumentos, bem como seus potenciais custos em face dos benefícios. Nesse contexto, o
Projeto “Compras Públicas Sustentáveis e Rotulagem Ambiental” (SPPEL – na sigla em inglês)
tem por objetivo estimular novos padrões de produção e consumo sustentáveis e possui o
Brasil como um dos core countries para a sua implementação. O projeto é implementado pelo
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente) juntamente com os
órgãos integrantes do Comitê Diretivo do Projeto SPPEL, Ministério do Meio Ambiente (MMA),
do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MPDG) e da Indústria, Comércio Exterior e
Serviços (MDIC) e, busca apoiar o entendimento sobre os benefícios e barreiras do uso de
certificações ou rótulos ambientais e outras ferramentas voluntárias de mercado, em
consonância com a legislação federal de Compras Públicas Sustentáveis, como um dos
caminhos para o incremento das ações de sustentabilidade na Administração Pública Federal.
Sendo assim, podemos afirmar que esse tema está na pauta do dia. Muito bem, a pergunta é o
que eu acho que pode ser um facilitador para esta situação se tornar uma boa prática nos
órgãos públicos. A resposta é, como já disse linhas acima, a necessidade de alteração
371

legislativa para permitir que a ecorrotulagem possa ser exigida como especificação técnica do
objeto ou até mesmo, em determinadas situações excepcionais, como requisito de habilitação
das pretendidas contratadas. Sem alteração legislativa, todas as dificuldades já mapeadas para
a aplicação da ecorrotulagem permanecerão como estão. Os estudos e discussões que estão
sendo feitos devem embasar uma proposição de alteração legislativa que atenda aos preceitos
constitucionais tanto da isonomia quanto da proteção do meio ambiente. É como voto.

De que forma pode-se incrementar a aplicação dos critérios, práticas ou diretrizes de


sustentabilidade nas contratações do Setor Público? Você acredita que iniciativas como os
Planos de Gestão de Logística Sustentável – PLS as Compras Compartilhadas podem induzir e
acelerar este processo?

Alessandro: Acredito que iniciativas como os Planos de Gestão de Logística Sustentável – PLS e
Compras Compartilhadas são de fundamental importância para as contratações públicas
sustentáveis. A ferramenta do benchmarking também. O PLS tem diretrizes importantes para
uma organização incrementar a aplicação dos critérios, práticas ou diretrizes de
sustentabilidade não só nas suas contratações, mas também no seu próprio funcionamento.
Trata-se de importante ferramenta de gestão, com potencial imenso para apontar indicadores
que auxiliarão na redução de custos da operação do ente público. Recentemente o art. 16 do
Decreto nº 7.746, de 2012, pelo Decreto nº 9.178, de 2017 foi alterado para incumbir a
Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão a editar um
ato para orientar a administração pública federal a elaborar e implementar seus PLSs. As
diretrizes mínimas para elaboração do PLS são as mesmas (atualização do inventário de bens e
materiais do órgão e identificação de similares de menor impacto ambiental para substituição;
práticas de sustentabilidade e de racionalização do uso de materiais e serviços;
responsabilidades, metodologia de implementação e avaliação do plano; e ações de
divulgação, conscientização e capacitação). O que se alterou foi a incumbência de a
SEGES/MPDG editar um ato para orientar a elaboração de PLS pela administração pública
federal. Geralmente quando isso ocorre, vem em seguida uma cobrança específica do MPDG.
Observe-se, ainda, que uma das diretrizes do PLS é prever ações de divulgação,
conscientização e capacitação. Penso que essas ações são de fundamental importância
também para incrementar a aplicação dos critérios, práticas ou diretrizes de sustentabilidade
nas contratações do Setor Público. Sem conhecimento não há como cobrar critérios de
sustentabilidade nas contratações públicas.

As compras compartilhadas são ainda melhores do que a ferramenta do benchmarking.


Promovendo-se compras compartilhadas, além de poder aproveitar a expertise de órgãos ou
entidades que se encontram mais avançados em termos de contratações públicas
sustentáveis, ganha-se em escala, reduzindo o preço dos bens e serviços com critérios de
sustentabilidade. A expertise de uma entidade passa para a outra e assim por diante. Sem
dúvida que isso acelera o processo de incremento da aplicação dos critérios, práticas ou
diretrizes de sustentabilidade nas contratações do Setor Público.

Não custa repetir que a elaboração de Cadernos de Logística, Catálogo de Materiais e de


Serviços dos Sistemas de Compras dos Governos, assim como Guias, Cartilhas e Manuais de
Contratações Sustentáveis, que consolidam normas e boas práticas de sustentabilidade,
372

também devem ser utilizados para incrementar a aplicação dos critérios, práticas ou diretrizes
de sustentabilidade nas contratações do Setor Público.

Alessandro Quintanilha Machado é formado em Direito pela Faculdade de Direito Cândido


Mendes - Centro. Especialista em Advocacia Púbica, pela Universidade Estadual do Rio de
Janeiro-UERJ em parceria com a Escola da AGU. Procurador Federal, Procurador-Chefe da
Procuradoria Federal junto à Fundação Casa de Rui Barbosa. Participa do GT-Minutas da PFE-
INSS, como membro convidado. Participa da Câmara Permanente de Licitações e Contratos, do
DEPCONSU/PGF/AGU, como membro titular. Participa da Comissão Permanente de
Sustentabilidade da CGU/AGU, como membro convidado. Participa do GT minutas da
PGF/AGU. Participa do Fórum de Procuradores-Chefes da Temática Cultura da PGF. Participa
do Colégio de Procuradores da PGF da 2ª Região. Coordenador-Regional da Agenda A3P da
AGU.

Jhéssica Ribeiro Cardoso é Engenheira Ambiental, especialista em Saneamento Ambiental,


Construções Sustentáveis, Licitações e Contratos e Engenharia Clínica (em andamento). Atuou
em diversas funções em órgãos públicos como o CREA-DF, CONAM/SEMARH-DF e Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) na área de Estratégias de Contratações do
Governo Federal com ênfase em Contratações Públicas Sustentáveis. Professora da Escola de
Administração Fazendária (ESAF) e da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP)
ministrando aulas sobre Sustentabilidade, Uso do Poder de Compras e Compras Sustentáveis.
Atualmente trabalha com gestão de acordos de projetos internacionais e de cooperação
técnica além de licitações e contratos com organismos internacionais no Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS).

75. Entrevista exclusiva para a Comunidade de Compras Públicas da Escola Nacional de


Administração Pública com o professor Cláudio Sarian Altounian sobre contratos “built to
suit” ou “locação sob medida”, 28/11/2017
• As perguntas foram elaboradas pelo professor da Enap Antônio Jorge Leitão.

Professor Cláudio Sarian, o que nos traz de novo o contrato “built to suit”? Em que consiste
este sistema contratual?

Sarian: O contrato “built to suit”, também conhecido como “locação sob medida”, tem por
objeto a locação de imóvel, com fins não residenciais, construído pelo locador de acordo com
as especificações definidas pelo futuro locatário. Em resumo, o investidor constrói edificação
ou procede à significativa reforma, para atender às necessidades deste, em prazo previamente
estabelecido em contrato, que costuma variar entre 10 a 20 anos. Existe a possibilidade de que
o empreendimento seja realizado no terreno do locatário ou do locador.

Esse tipo de operação é utilizado há muitos anos no mercado imobiliário, na área comercial e
industrial, com destaque para o setor bancário, e traz deveres e vantagens para as duas partes
contratantes.

O locador tem a responsabilidade de adquirir o terreno, promover a elaboração dos projetos e


a execução da obra de modo a entregar o imóvel pronto para receber mensalmente
remuneração pelo uso do imóvel que permita o retorno dos investimentos realizados.
373

Por sua vez, o locatário define o local da obra e estabelece as especificações das instalações
necessárias, aprova os projetos e acompanha execução da obra até o recebimento do imóvel
concluído.

Na atual situação política e econômica do Brasil, e com a aprovação da EC 95/16, também


chamada de teto dos gastos, os gestores públicos terão que inovar, portanto, para suprir a
necessidade pública quanto à infraestrutura, qual a importância do “built to suit”? Quais as
dificuldades trazidas por esta emenda à execução de obras pelo sistema tradicional?

Sarian: É de conhecimento de todos a grave crise fiscal e a recessão por que passa o Brasil
neste passado recente. Foi esse cenário que levou o legislador a aprovar a Emenda
Constitucional 95, em dezembro de 2016, que instituiu um novo regime fiscal em relação aos
Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União pelos próximos vinte anos. De modo
simples, essa emenda estabeleceu limites individualizados para as despesas primárias, fixando
teto de gastos para cada órgão ou Poder calculado anualmente por meio da correção do
exercício imediatamente anterior pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo – IPCA.

Na prática, isso significa que as organizações públicas terão enorme desafio a partir de agora
para manter a qualidade dos serviços prestados à sociedade, em primeiro lugar, pelo fato de
que os servidores que se aposentarão não serão repostos na mesma velocidade do passado e,
em segundo, pela redução de recursos orçamentários para novos investimentos e para início
de construção de novas obras públicas. A locação sob medida é uma das opções que o gestor
passará a ter para contornar esse cenário, tanto de baixos recursos para o investimento,
quanto de pessoal limitado para efetuar os procedimentos de licitação e fiscalização de
contratos das obras.

Este tipo de contratação já é há bastante tempo utilizado pelo ramo empresarial, quando foi
possível o poder público viabilizar este sistema? Quais as legislações e as jurisprudências em
que o gestor público pode se apoiar?

Sarian: Como disse, no setor privado, a utilização desse contrato vem de longa data. Na área
pública, o “built to suit” ainda é utilizado de modo cauteloso pelos gestores, talvez pela
novidade ou pelo receio de adotar esse procedimento sem o adequado conhecimento técnico
e jurídico de sua equipe.

Até 2012, esse tipo de contrato era atípico no Brasil, em face da inexistência de lei que tratasse
da matéria. Apenas com a aprovação da Lei 12.774/12, esse instituto foi incorporado à Lei do
Inquilinato, trazendo maior segurança jurídica para o mercado. Em resumo, foi inserido o art.
54-A na Lei nº 8.245/1991 que estabeleceu que “na locação não residencial de imóvel urbano
na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo
ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a
este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no
contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei”.

No ano seguinte, o Tribunal de Contas da União, em atendimento à consulta formulada pelo


Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT, aprovou o Acórdão 1301/2013-Plenário, por
meio do qual estabeleceu uma série de orientações técnicas e jurídicas para a Administração
observar quando for firmar um contrato de locação sob medida.
374

Por fim, em 2015, o Congresso Nacional aprovou a inserção do art. 47-A no Regime
Diferenciado de Contratação – RDC que autoriza esse tipo de locação para os objetos previstos
naquela lei. Acrescentou, ainda, a possibilidade de reversão dos bens à administração pública
ao final da locação, desde que estabelecida no contrato, e o valor limite da locação mensal,
que não poderá exceder 1% do valor do bem locado.

Este tipo de contratação pode ser realizado em terreno de terceiros ou somente de


propriedade do poder público?

Sarian: Pode ser realizado nas duas situações, mas com cuidados distintos.

Quando a Administração é proprietária do terreno no qual será construído o imóvel a ser


locado, necessariamente deverá ser prevista cláusula para que ao final do prazo de locação, as
obras realizadas passem a integrar o patrimônio público. Neste caso, é relevante a concessão
do direito de superfície pela Administração para que o locador possa utilizar o terreno durante
determinado intervalo de tempo.

Na outra opção, quando a edificação do imóvel for realizada em terreno de propriedade de


terceiros, a Administração poderá definir em contrato a solução da propriedade ao término da
vigência pactuada.

Naturalmente, essas escolhas terão influência direta no preço do valor do aluguel. Se o locador
detém a propriedade do terreno e, ao final do prazo, a obra será incorporada ao patrimônio
público, teremos valor maior do que na situação em que esse terreno for inicialmente do
Poder Público.

Quais as modelagens possíveis em que o gestor público pode optar em relação às suas
possibilidades orçamentárias? Como definir o valor a ser pago na contratação built to suit?

Sarian: Essa pergunta é extremamente importante. Quais são as opções atuais à disposição do
gestor e qual o melhor caminho a ser escolhido quando a organização que dirige precisar de
novas instalações?

A legislação tem sido flexibilizada para criar um leque de alternativas para situações específicas
de cada organização em relação a obras públicas, em função da necessidade e dos valores
orçamentários disponíveis. Antes disso, ressalto a absoluta relevância da elaboração de um
Plano de Necessidades adequado que contemple os objetivos estratégicos do órgão ou
entidade e a análise de cenários futuros. Apenas com essa definição é que deve ser dado o
próximo passo que é a busca da melhor modelagem da contratação.

Posso elencar aqui algumas opções disponíveis, todas com vantagens comparativas em relação
às demais: licitação de obra pública; locação convencional; locação sob medida com terreno de
propriedade da Administração Pública; locação sob medida com terreno de propriedade de
terceiros; parceria público-privada; parceria público-privada com “facilities”; e até mesmo, em
algumas situações, concessões. É a combinação das vantagens de cada opção com a
necessidade definida pela Administração que acarretará a escolha da melhor solução.

Em relação ao valor da locação sob medida, ele será superior ao de uma locação convencional
na maioria das situações, uma vez que a contraprestação paga pela Administração Pública
deverá remunerar o uso do bem e, ainda, viabilizar a amortização dos investimentos feitos
375

pelo locador. Por esse motivo, o prazo de locação deve ser longo para garantir ao locador o
retorno do investimento realizado.

Existem metodologias próprias para a definição desses preços, mas é necessário um


treinamento adequado dos profissionais que conduzirão o processo, uma vez que envolvem
matemática financeira e cálculos de viabilidade do projeto.

Quais as vantagens da utilização da contratação “built to suit”?

Sarian: A contratação “built to suit” permite ao locatário a redução de aporte de recursos


financeiros e de pessoal para a execução de obras e, consequentemente, maior
disponibilidade de caixa e de recursos humanos para direcionamento às atividades finalísticas
da organização, além de possíveis vantagens financeiras e tributárias em função do regime de
tributação adotado pela pessoa jurídica. Em um cenário de restrição e contingenciamento de
gastos orçamentários será um caminho muito interessante para o gestor público.

Por outro lado, o locador poderá receber uma taxa de remuneração sobre o capital investido
superior àquela obtida nas aplicações bancárias e com a segurança de um contrato assinado
com pessoas jurídicas confiáveis.

Quais as situações em que poderá ser dispensada a licitação e quais as situações em que
deverá ser precedida de licitação?

Sarian: Em regra, quando o terreno que receberá a construção do imóvel for de propriedade
do locador, a licitação será dispensada em face da impossibilidade de competição desde que,
segundo o TCU, seja demonstrado que as necessidades de instalação e de localização
condicionam a escolha de determinado imóvel e que o preço da locação se mostra compatível
com o valor de mercado, segundo avaliação prévia, bem assim que a junção do serviço de
locação (parte principal) com o de execução indireta de obra (parte acessória) apresenta
economia de escala e que não há ofensa ao princípio do parcelamento do objeto.

Em situação na qual o terreno pertencer à Administração, a licitação é o caminho


recomendado, visto ser plenamente viável uma competição entre os eventuais interessados na
construção do imóvel.

Quais os cuidados que o gestor público deve ter antes da opção pelo “built to suit”? Ou seja,
quais as condicionantes para a justificar esta opção?

Sarian: Existem algumas condicionantes prévias estabelecidas pelo TCU no acordão que
mencionei no início desta entrevista a serem observados pelo gestor quando da opção de
contrato “built to suit”.

Em primeiro lugar, é necessária a perfeita definição da necessidade a ser atendida e a


conclusão de que a locação sob medida é a alternativa mais vantajosa. Caso a organização
pública já possua imóvel, deverá demonstrar que ele é insuficiente ou inadequado e que a
reforma não se mostra viável.
376

Passo seguinte, será a justificativa de que essas necessidades condicionam a escolha de imóvel
em determinado local e que não existe prédio público disponível que atenda às necessidades
da organização. Posteriormente, será necessária a demonstração de que o preço exigido é
compatível com o mercado, sendo parâmetro confiável o valor obtido em laudo de avaliação
emitido pela Caixa Econômica Federal.

Por fim, deve ser realizado estudo da relação custo-benefício da “locação sob medida”
comparativamente à locação tradicional associada à reforma do imóvel.

Quais as diferenças da Parceria Público Privada (PPP) em relação ao contrato “built to suit”?
Quais os limites para sua utilização? Há possibilidade de contratação de facilities?

Sarian: A PPP, definida pela Lei 11.079/2004, representa uma espécie de contrato de
concessão, que pode ser realizada na modalidade patrocinada ou administrativa.

Nesta última modalidade, é o contrato de prestação de serviços de que a Administração


Pública seja a usuária direta ou indireta, mesmo que englobe execução de obra ou
fornecimento e instalação de bens, ou seja, é possível avaliar a viabilidade desse instrumento
quando a Administração estiver interessada em utilizar determinada obra por meio de
pagamentos mensais. Mas existem alguns requisitos para sua escolha, em especial a
necessidade de o valor da parceria não ser inferior a R$ 20 milhões de reais.

A propósito, existem diversos exemplos de uso da PPP, dos quais destaco a celebrada pelo
Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal para construção do centro de informática das
duas instituições que terá vigência de 15 anos.

Como vantagens da PPP, menciono a possibilidade da inclusão de “facilities” no escopo


contratual, como a prestação de serviços de manutenção, limpeza e segurança; vinculação dos
pagamentos ao alcance de metas de qualidade dos serviços prestados; marco legal definido e
atual; e previsão de reversão do imóvel para o parceiro público no final do contrato.

Para finalizar, pela sua experiência na área de contratação de obras públicas e de


governança, inclusive com a publicação de dois livros de referência no mercado editorial, o
sr. poderia elencar três sugestões para que as organizações públicas aprimorassem a
aplicação de recursos na utilização de obras públicas, em especial com a definição e
utilização da contratação “built to suit”?

Sarian: Acredito que a resposta para essa difícil pergunta é simples. Como a aprovação do
arcabouço legal, que precisa ser repensado no Brasil, não é de competência das organizações
que contratam e sim do Congresso Nacional, sugiro na atual conjuntura, em primeiro lugar, o
treinamento de todos os servidores envolvidos na contratação; em segundo, a melhoria da
governança das aquisições; e, em terceiro, a definição de um Plano Estratégico consistente de
longo prazo para o país.

Coloquei o treinamento de servidores em primeiro lugar por uma razão muito simples. Quem
faz a qualidade da contratação são pessoas, que na absoluta maioria das vezes desejam
acertar. Mas a legislação traz diversas sutilezas que exigem o preparo adequado desses
profissionais. Temos mais de 50 leis que impactam direta ou indiretamente no processo de
contratação. E, convenhamos, não é tarefa fácil para um servidor estar atualizado com todos
377

os comandos sem que tenha treinamento constante. Nesse particular, destaco a relevância da
missão das escolas de governo para a qualificação do gasto público, em especial da ENAP.

Tom Peters tem uma frase muito interessante a respeito das premissas que devem nortear a
atuação de uma organização em busca de resultados efetivos: “O cliente vem em segundo
lugar. Se você quiser realmente colocar os clientes em primeiro lugar, coloque os funcionários
mais acima.”

Sem dúvida, as organizações precisam enxergar treinamento como investimento e nunca


como custo.

Cláudio Sarian Altounian é Engenheiro e Advogado. Pós Graduado em Administração de


Empresas. Dirigente do Tribunal de Contas da União – TCU por mais de quinze anos, tendo
ocupado a titularidade da Secretaria de Fiscalização de Obras e Patrimônio da União - Secob e
da Secretaria de Planejamento, Gestão e Governança - Seplan. Atuou, por mais de dez anos,
como engenheiro responsável pela execução, planejamento e orçamento de prédios
residenciais, shopping centers, obras industriais e rodoviárias. Autor do Livro “Obras Públicas:
Licitação, Contratação, Fiscalização e Utilização” (Editora Fórum, 2016 – 5ª edição); e coautor
dos livros “Governança Pública: o desafio do Brasil” (Editora Fórum, 2015 – 2ª edição) e “RDC e
a Contratação Integrada na Prática” (Editora Fórum, 2015 – 2ª edição). Coautor do livro
“Gestão e governança pública para resultados – uma visão prática” (Editora Fórum, 2017 – 1ª
edição). Professor e palestrante de cursos na área de Contratação de Obras Públicas e de
Governança e Gestão Pública.

Antônio Jorge Leitão possui graduação em engenharia civil pela Universidade de Uberaba
(1983), Especialização em Administração Financeira pela AEUDF (1999), Especialização em
Matemática pela UNB (2004), e Mestrado em Economia de Empresa pela Universidade
Católica de Brasília (2001). Professor de Graduação do IESB (2002/2006) e do CECAP
(2000/2002) em Brasília. Integrante da Comitiva Brasileira junto à ONU quando da Consulta
Popular efetivada no Timor Leste no período de ago/99 a out/99.

76. Entrevista com o professor da ENAP Paulo Bernardes Honorio de Mendonça sobre boas
práticas em pregão eletrônico e registro de preços, 22/09/2017

• As perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Rodolfo Modrigais Strauss


Nunes.

O Decreto nº 5.450/2005 prevê em seu artigo 4º, que nas licitações para aquisição de bens e
serviços comuns será obrigatória a utilização da modalidade pregão, sendo preferencial a
utilização da sua forma eletrônica. Sendo assim, quais situações justificariam a realização de
um pregão presencial nos dias de hoje?

Paulo: A utilização do Pregão Eletrônico representa quase a totalidade dos Processos de


compra que utilizaram o Pregão15 como modalidade, chegando a 99,52%.

15
Fonte: painel de compras. Disponível em http://paineldecompras.planejamento.gov.br. Acessado em
18/09/2017.
378

Dentre as razões para utilização do Pregão Presencial que são trazidas à baila pelos gestores,
podemos elencar:
a) Inibe a participação “aventureira” nos certames, o que é comum nessa modalidade;
b) O contato presencial facilita esclarecimentos imediatos sobre os procedimentos
adotados;
c) A negociação se tornaria mais producente, proporcionando a redução dos preços
estimados;
d) O envio de documentos que não são passíveis de digitalização, como croquis, plantas,
etc.
Todavia, o TCU tem rechaçado tais alegações16.
O que podemos dizer é que apenas diante da impossibilidade do uso do Pregão Eletrônico ou
mesmo o comprovado prejuízo decorrente do uso da Tecnologia é justificante da adoção do
Pregão Presencial.
Inclusive, o TCU também se pronunciou no sentido de que “fomentar a economia local e
promover políticas públicas não é função da licitação, que tem na busca da proposta mais
vantajosa para a administração o seu fundamento maior.17”

A aquisição de um objeto que presumivelmente envolve certa tecnologia, como um


helicóptero, por exemplo, pode se dar pela modalidade pregão?

Paulo: Sim, o tema foi enfrentado pelo TCU no Acórdão 3.062/2012 e 1.396/2013 – Plenário.
Respectivamente:
“É lícita a utilização de pregão para a aquisição de helicópteros, visto tratar-se de bem cujos
padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos.”
“Estando o objeto descrito em padrões objetivos de qualidade e desempenho, com base em
especificações usuais de mercado, não é indevida a utilização da modalidade pregão para
a aquisição de aeronave.”

É possível licitar serviços de engenharia pela modalidade pregão? O que podemos entender
como serviços de engenharia à luz da legislação e da doutrina?

Paulo: É permitido adotar o Pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia. O


TCU também já se posicionou no sentido de que supervisão de obras, serviços técnicos de
apoio à fiscalização de projetos executivos e execução de obras de engenharia, conservação de
rodovias, devem ser, em regra, licitado na modalidade Pregão.
Em síntese podemos dizer que são serviços comuns de engenharia aqueles que possam ser
objetivamente definidos em edital.

Um pregoeiro pode atuar como gestor de contratos ou em alguma outra função dentro do
mesmo processo de licitação?

Paulo: A Doutrina e a Jurisprudência convergem quanto à segregação de funções. Ela deve ser
priorizada sempre que possível. O pregoeiro exerce funções que seriam incompatíveis com a
gestão ou fiscalização do contrato oriundo do Certame que conduziu. Nesse sentido, temos o
Acórdão 1.404/2011 – Primeira Câmara.

Quais são os atos que devem ser obrigatoriamente publicados em uma licitação na
modalidade pregão eletrônico e os meios adequados para publicá-los?

16
Acórdãos: 2.368/2010 – Plenário e 1.099/2010 – Plenário.
17
Acórdão 7.697/2010 – 1ª Câmara
379

Paulo: No Pregão Eletrônico deverão ser publicados:

a) Aviso do Edital;
b) Nova data para realização do certame caso seja acolhida impugnação ao Edital;
c) Resultado da licitação;
d) Extrato do contrato; e

Deverá ser disponibilizada a Ata na internet para acesso livre, imediatamente após o
encerramento da sessão pública.

Para o Aviso do Edital e, se for o caso, para o Aviso da nova data do Certame, deverá ser
observado o Art. 17, do Decreto nº 5.450/05. Para os demais, apenas o Diário Oficial ou a
Internet, respectivamente.

Existe alguma diferença em relação à obrigatoriedade de publicação do aviso da licitação


entre um pregão eletrônico e um pregão eletrônico pelo Sistema de Registro de Preços?

Paulo: O Art. 17, § 6, destaca a diferença na publicidade, senão vejamos:

Na divulgação de pregão realizado para o sistema de registro de preços, independentemente


do valor estimado, será adotado o disposto no inciso III.

“a) Diário Oficial da União;


b) meio eletrônico, na internet; e
c) jornal de grande circulação regional ou nacional.”

Em que situações um pregoeiro deve rejeitar uma intenção de recurso apresentada em um


pregão eletrônico?

Paulo: A análise da Intenção de recursos pelo Pregoeiro deve se ater apenas aos pressupostos
recursais da sucumbência, tempestividade, legitimidade, interesse e motivação, sendo
incabível análise do mérito do recurso neste momento.

Destaco, todavia, a leitura dos Acórdãos 1741-08/15-1 e 2143/2009 – Plenário que trazem
casos concretos importantes sobre o tema.

Caso um licitante tenha uma intenção de recurso aceita pelo pregoeiro, no recurso
propriamente dito, tal licitante poderia se valer de uma motivação totalmente distinta da
que foi registrada na intenção de recurso? Caso isso ocorra, como deve proceder o
pregoeiro?

Paulo: Neste caso, entendo que se a manifestação de intenção recursal contém motivação
suficiente para identificar a irresignação do licitante recorrente e a motivação constante da sua
razão recursal repousa em outra motivação ou acampa mais motivos, a Administração
contratante deve conhecer do recurso e examiná-lo (fundado na autotutela administrativa) em
sua totalidade.

O procedimento de Intenção de Registro de Preços, previsto no artigo 4º do Decreto nº


7.892/2013, pode ser dispensado em alguma situação?
380

Paulo: Sim. Nem sempre a Administração precisa se valer da Intenção de Registro de Preços –
IRP, embora seja a regra. A alteração da Redação do § 1º, “A divulgação da intenção de
registro de preços poderá ser dispensada, de forma justificada pelo órgão gerenciador”, pelo
Decreto 8.250/14 deixou isso claro.
Uma hipótese de dispensa da IRP é no caso do órgão gerenciador não integrar o Sistema de
Serviços Gerais – SISG. Outros motivos, todavia, podem ser alegados, como: necessidade de
conclusão célere do procedimento; especificidade da contratação; dificuldades operacionais;
experiências anteriores negativas com o uso do IRP, entre outros.

Seria possível realizar acréscimos, na forma do disposto no § 1º do artigo 65 da Lei nº


8.666/1993, em um contrato oriundo de um pregão pelo Sistema de Registro de Preços, caso
ainda tenha saldo para aquisição na respectiva Ata de Registro de Preços?

Paulo: A doutrina traz posicionamentos diversos quanto ao tema. A possibilidade de


acréscimos está prevista no Decreto em vigor, especialmente quando a Ata tem fundamento
no art. 3º, IV do mesmo documento:

O artigo 12, do Decreto 7.892/2013 dispõe:

“Art. 12. O prazo de validade da ata de registro de preços não será superior a doze
meses, incluídas eventuais prorrogações, conforme o inciso III do § 3º do art. 15 da Lei
nº 8.666, de 1993.

§ 1º É vedado efetuar acréscimos nos quantitativos fixados pela ata de registro de


preços, inclusive o acréscimo de que trata o § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.

§ 2º A vigência dos contratos decorrentes do Sistema de Registro de Preços será


definida nos instrumentos convocatórios, observado o disposto no art. 57 da Lei nº 8.666, de
1993.

§ 3º Os contratos decorrentes do Sistema de Registro de Preços poderão ser alterados,


observado o disposto no art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.

§ 4º O contrato decorrente do Sistema de Registro de Preços deverá ser assinado no


prazo de validade da ata de registro de preços.”

O artigo 3º do Decreto 7.892/2013 dispõe:

Art. 3º O Sistema de Registro de Preços poderá ser adotado nas seguintes hipóteses:

I - quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações


frequentes;

II - quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou


contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;

III - quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para


atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou
381

IV - quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo
a ser demandado pela Administração.

A ministra Ana Arraes, no Acórdão 1391/2014 entendeu que caso reste comprovada a
compatibilidade do preço registrado com valores efetivamente praticados em ajustes
assemelhados, o contrato poderá ser firmado com base nos quantitativos estimados,
admitidas apenas alterações contratuais previstas no §1º do art. 65 de Lei 8.666/1993 e no §3º
do art. 12 do Decreto 7.892/2013.
Paulo Bernardes Honorio de Mendonça é Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia
Universidade Católica da Argentina - Buenos Aires. Especialista em Direito Tributário.
Aprovado no concurso de Analista Pleno em Ciência e Tecnologia (Carreira de Gestão em C&T)
e também aprovado e classificado em 3º lugar para o cargo de Tecnologista Pleno (Carreira de
Desenvolvimento Tecnológico) - Tema IV: Projetos de Tecnologia de Informação e
Comunicação, do concurso do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em 2013, optando
pela carreira de Gestão em C&T. Colaborador/Instrutor da Escola Nacional de Administração
Pública - ENAP. Atua na Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração, como
Chefe de Licitações do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação a partir de 04/2013. Ex-
Chefe Substituto da Divisão de Administração, do Instituto Nacional de Tecnologia. Foi
pregoeiro e Presidente da Comissão Permanente de Licitações do Instituto Nacional de
Tecnologia até 2013. Desde 04/2013, chefe das Licitações do Ministério da Ciência, Tecnologia
e Inovação - MCTI.

Rodolfo M. Strauss Nunes é Analista em Ciência e Tecnologia do Centro Nacional de


Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN/MCTIC), atuando na área de
licitações e compras. Possui mais de dez anos de experiência na área de Logística Pública na
Administração Federal. Possui quatro anos de experiência na docência do ensino superior em
disciplinas de administração, logística e suprimentos. É professor da ENAP nos cursos de
Gestão de Materiais, Elaboração de Editais e Elaboração de Termos de Referência. É Bacharel
em Administração, Tecnólogo em Logística, Especialista em Gestão de Material e Patrimônio
no Setor Público e Mestre em Engenharia de Produção.

77. Entrevista sobre o TáxiGOV com a equipe da Central de Compras com Wolmar Aguiar,
Isabela Gebrim, Juliano Flávio Rezende e Fábio Ribeiro, 20/03/2018

• Perguntas foram elaboradas pelo professor da ENAP Renato Cader

O que é e quais os principais benefícios e limitações do TáxiGov?

Para atendimento da necessidade de deslocamento de servidores para atividades


administrativas não existia um padrão de serviço entre os órgãos da administração pública
federal (APF). Se por um lado havia órgãos que adquiriam veículos para prover essa atividade,
arcando com custos de aquisição, manutenção, seguro e abastecimento, havia outros que
contratam serviço de locação de veículos com franquia mínima de utilização mensal ou sem
franquia. Em relação aos motoristas, havia órgãos que possuíam contratos de terceirização
para essa função, enquanto em outros haviam servidores efetivos ocupando o cargo de
motorista.
382

Buscando trazer, como benefícios, maior eficiência do gasto, melhoria dos serviços prestados
aos usuários, eliminação de ociosidade, maior controle e transparência no serviço de
transporte, foi desenvolvido, pela Central de Compras, da Secretaria de Gestão do Ministério
do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, o TáxiGov, modelo que substituiu os carros
alugados e próprios da administração pública federal por táxis, com adoção de soluções de
tecnologia de informação e comunicação para os usuários e para gestão dos serviços,
pagando-se apenas pela efetiva utilização, com economia estimada de R$ 20 milhões/ano,
equivalente a cerca de 60% a menos do que os custos anteriores.

O modelo já foi implantado em 24 ministérios e órgãos da administração direta, sendo que até
14 de maio de 2018 todos os ministérios já estarão utilizando o TáxiGov, além do ICMBio,
SUSEP, IBRAM e ENAP.

Outros benefícios com a utilização do TáxiGov são:

• redução do gasto com transporte de servidores, por meio da adoção de nova estratégia de
contratação do serviço e pelo ganho de escala de uma licitação centralizada;

• incorporação de tecnologia na prestação do serviço, com automação de processos,


informação em tempo real e aumento de transparência e controle da utilização e do gasto;

• pagamento pelo uso efetivo do serviço;

• redução do volume de procedimentos licitatórios e de contratos, bem como centralização de


procedimentos de gestão contratual e de pagamento em uma única unidade, trazendo
economia de recursos e de esforço de pessoal;

• desoneração de servidores para atuação em outras atividades.

As limitações para sua utilização estão relacionadas aos deslocamentos que estejam fora do
Distrito Federal e Entorno e à utilização em atividades finalísticas que requeiram veículos com
características diferentes daquelas que os táxis possuem. Tal atendimento deve ser
implantado pelos órgãos utilizando-se alternativas mais adequadas, sempre observando os
princípios da economicidade.

Você entende que os órgãos de controle interno e externo devam participar de forma mais
consultiva em projetos de grande abrangência nacional como o TáxiGov, desde a fase de
planejamento, minimizando eventuais prejuízos e custos administrativos adicionais no
decorrer da execução do contrato?

A Central de Compras tem dialogado com os órgãos de controle interno e externo para
explicitar as características, objetivos e resultados esperados com a adoção de novos modelos,
durante sua construção e antes da implantação, o que tem se mostrado extremamente
produtivo por possibilitar que eventuais dúvidas sejam previamente esclarecidas e que
contribuições importantes dos órgãos de controle sejam consideradas. Vale ressaltar que a
Instrução Normativa nº 3, de 09 de junho de 2017, do Ministério da Transparência e
Controladoria Geral da União prevê que as Unidades de Auditoria Interna Governamental
podem realizar serviços de consultoria (atividades de assessoria e aconselhamento) a partir da
383

solicitação específica dos gestores públicos, abordando assuntos estratégicos da gestão, como
os processos de governança, de gerenciamento de riscos e de controles internos.

Há previsão de ações preventivas e de contingência relacionadas aos riscos decorrentes da


centralização dos serviços em um único fornecedor?

Toda iniciativa da Central de Compras de proposição de um novo modelo de fornecimento


passa por um processo de construção no qual os riscos são analisados e medidas são sugeridas
para mitigá-los. A centralização dos serviços, ao mesmo tempo que traz riscos (sendo o mais
importante deles a indisponibilidade de fornecimento), evidencia algumas vantagens, tais
como o ganho em escala, a padronização de sistemas e de serviços e a redução de esforços de
gestão de contrato. Caso haja alguma indisponibilidade do serviço, há a possibilidade do
servidor realizar o seu deslocamento por outros meios, solicitando eventual ressarcimento de
despesas, nos termos dos normativos vigentes.

Haverá novas licitações com a abertura da possibilidade de chegada de novos fornecedores


(Uber, Cabify, etc)? Isso pode impactar na sustentabilidade desse novo modelo de serviços
compartilhados?

A Central de Compras, uma vez responsável por prover bens e serviços aos órgãos, tem a
função de continuamente analisar o mercado a fim de identificar a possibilidade de
aprimoramento de soluções, tecnologias e novas composições de atores e normatizações.
Nesse sentido, foi recentemente colocado em consulta pública Termo de Referência que prevê
que outros players (não apenas táxis) possam vir a prestar o serviço, sem prejuízo da
continuidade do modelo de serviços compartilhados, uma vez que se prevê a continuidade da
gestão centralizada para os órgãos da administração pública federal direta.

O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão - MPDG publicou recentemente


portaria que define que Autarquias e Fundações passarão a utilizar o sistema implantado em
2017. Há uma perspectiva de migração total das instituições da Administração Direta Federal
e Indireta para o novo modelo? Como seria a implantação em órgãos com unidades
localizadas em municípios pequenos e distantes?

A Portaria n° 6, de 15 de janeiro de 2018, atribuiu exclusividade à Central de Compras de


realizar procedimentos para contratação de sistema de transporte de servidores, empregados
e colaboradores a serviço dos órgãos da administração pública federal direta no Distrito
Federal (DF) e Entorno. Referida Portaria visou manter a estratégia de centralização de
contratações, consolidando a melhoria da gestão e reduzindo os custos da frota, além de
estender o modelo para as autarquias e fundações localizadas no DF e Entorno.

Há perspectiva de expansão do modelo atual utilizado no DF para os estados do Rio de Janeiro


e São Paulo. Contudo, por se tratarem de estados com distâncias maiores do que as do Distrito
Federal, deve ser utilizada estratégia de atendimento diferenciada, ainda em estudo pela
Central de Compras, em conjunto com os órgãos e entidades que possuem representações ou
sedes naqueles estados. Escolheu-se a expansão para tais estados considerando a relevante
lotação de servidores públicos federais. Em outros municípios, deve-se avaliar a
disponibilidade de serviços de táxi ou de outras alternativas, em cada caso específico.
384

Os órgãos e entidades deverão providenciar a transição dos contratos vigentes para os novos
procedimentos adotados pelo MPDG. Tal transição vai exigir dessas instituições
planejamento, capacitação, ações para reduzir a frota de veículos, entre outras medidas.
Como será essa transição? Há um plano com metodologia definida?

Até 14 de maio de 2018, será finalizada a implantação do TáxiGov em todos os órgãos da


administração pública federal direta localizados no Distrito Federal, conforme cronograma a
seguir:

A transição dos modelos é conduzida pela Central de Compras, conforme cronograma acima,
definido de acordo com o vencimento dos contratos de locação de veículos e/ou motoristas
terceirizados. São realizadas reuniões com os órgãos, com antecedência de, no mínimo, 2
(dois) meses à data prevista de entrada no Sistema, com o intuito de apresentar o modelo,
dirimir dúvidas e entregar portfólio contendo as atividades prévias necessárias à implantação
do TáxiGov. Referidas atividades vão desde o levantamento de dados e informações (tais como
número atual de veículos, motoristas, pessoal, espaço físico, contratos), até a realização de
ações de capacitação e comunicação, conforme fluxo constante da figura abaixo:
385

No caso da administração indireta, como não seguirá a lógica de Centro de Serviços


Compartilhados, devendo cada entidade firmar e gerir seu próprio contrato, caberá aos seus
gestores definirem a melhor estratégia de implantação do serviço, cabendo à Central de
Compras a gestão do sistema contratado e o compartilhamento das melhores práticas, bem
como orientações e apoio na capacitação dos servidores e gestores.

Fala-se muito na economia gerada com o novo modelo. Há algum estudo que demonstre
claramente a melhoria da qualidade do novo serviço ofertado aos usuários? Por exemplo,
existe algum mecanismo de avaliação relacionado à qualidade do motorista, do veículo e do
trajeto, que contribua para uma fiscalização mais efetiva do contrato?

A economia gerada com o modelo é, seguramente, um fator importante para sua adoção e
manutenção, além dos outros benefícios já citados. Após o novo modelo, alguns aspectos
melhoraram sensivelmente, como por exemplo, o tempo de espera (que era muito maior do
que o atual quando o servidor solicitava um veículo e estava longe da base na qual ele se
encontrava). Embora o tempo de espera previsto em contrato seja de no máximo 15 minutos
(com aplicação de glosa a partir desse prazo), atualmente ele é, em média, de 7 minutos e 40
segundos.

Além disso, ao final de cada corrida, veículo e motorista são avaliados, obrigatoriamente,
levando-se em conta quesitos como cortesia do motorista com o passageiro ou com o público
em geral e condições de segurança, conforto e higiene do veículo. A avaliação é feita pelo
usuário com base em uma escala que varia de 1 a 5, sendo 1 péssimo e 5 excelente. Notas
abaixo de 3 também acarretam glosas ao pagamento devido à empresa. Atualmente, a média
386

das avaliações é de 4,97, o que demonstra que o usuário está satisfeito com o serviço que está
sendo prestado.

Essa inclusão do usuário como avaliador dos serviços prestados contribui para melhorar a
fiscalização do contrato, com maior possibilidade de controle da qualidade, realizado de forma
contínua, pelos usuários do serviço.

Você entende que o TáxiGov tem potencial para ser implantado em órgãos do Judiciário e
Ministério Público, em que o serviço de transporte deve ser ofertado com a devida
segurança de magistrados e membros, bem como de seus processos que envolvem matérias
com elevado grau de sigilo?

O escopo do TáxiGov é o transporte administrativo de pessoas a serviço e materiais ou


documentos. Situações e necessidades específicas, como essas apontadas, além de transportes
especiais não foram tratados nesse escopo, posto que possuem características próprias das
atividades das instituições acima. Porém, não impede que o modelo seja adaptado por órgãos
de outros poderes, para atendimento a diferentes tipos de situações.

O Ministério do Planejamento pretende explorar novos modelos de serviços


compartilhados? Há estudos em desenvolvimento?

Sim. Todos os projetos de proposição de novos modelos de fornecimento pela Central terão,
enquanto estiverem sendo estudados, análise específica quanto à possibilidade de serem
prestados de forma compartilhada, uma vez que tal compartilhamento permite a redução da
multiplicidade de esforços de gestão, além de propiciar a padronização e possibilitar que os
órgãos, gradativamente, possam se concentrar em suas atividades finalísticas.

Há casos de instituições em que o TáxiGov possa não ser um bom negócio para
Administração? Por exemplo, quando as distâncias médias de trajeto por veículo forem
maiores, não seria antieconômico?

Desde que seja utilizado dentro da abrangência geográfica prevista em contrato, o custo do
quilômetro rodado com o uso do TáxiGov é significativamente menor que o custo dos
quilômetros rodados praticados nos contratos anteriores, mesmo que a distância média de
trajeto por veículo seja maior. Isso porque não se paga o eventual percurso do veículo sem
passageiro (como acontecia nos modelos anteriores). Além disso, no trajeto maior o custo da
bandeirada (cobrada no início da corrida) acaba sendo diluído em uma distância maior,
reduzindo o custo final/km.

Quais os maiores desafios do TáxiGov no Brasil?

O maior desafio para o TáxiGov no Brasil é o enfrentamento da cultura patrimonialista do


serviço público brasileiro, onde constantemente há situações em que se coloca a necessidade
de se possuir o “carro oficial” sem uma justificativa racional que o corrobore, considerando a
necessidade tradicional desse modal de transporte. Nesse particular, os estudos que
culminaram no TáxiGov tiveram seu foco na necessidade real da administração, que é deslocar
seus servidores para desempenhar suas funções administrativas. A premissa foi o atendimento
da necessidade de deslocamento, sem focar, inicialmente, no meio pelo qual essa necessidade
seria suprida. Ou seja, concentrou-se em buscar a alternativa que melhor atendesse essa
387

necessidade, considerando qualidade, menor gasto, sustentabilidade, tempestividade,


controle e transparência. Além disso, os modelos utilizados pelas pessoas para se
transportarem nos centros urbanos atravessam um momento de diversas e significativas
mudanças, principalmente em decorrência da entrada em operação das empresas de serviço
de transporte privado de passageiros, situação que está se estendendo para os segmentos
corporativo e da administração pública. Tal serviço vem sofrendo frequentes conflitos entre
seus motoristas e taxistas; inúmeras discussões sobre regulamentação, nos âmbitos municipal,
distrital e federal, com diversos instrumentos legais municipais editados, sendo alguns
favoráveis e outros impedindo a exploração do serviço privado; e judicialização, especialmente
quanto à possibilidade de exploração do serviço privado.

Wolmar Vieira de Aguiar ocupa atualmente o cargo de Coordenador-Geral de Estratégias e


Aquisições da Central de Compras, cedido ao Ministério do Planejamento pela Caixa
Econômica Federal. Possui graduação em Engenharia Agronômica, com pós graduação em
Ciências da Computação, mestrado em Gestão Empresarial Pública (FGV) e Privada e mestrado
executivo em Publicidade e Propaganda (ESPM). Tem experiência nas áreas de Tecnologia,
Logística, Compras e Contratações e Marketing.

Isabela Gomes Gebrim ocupa atualmente o cargo de Coordenadora-Geral de Serviços


Compartilhados da Central de Compras do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão. Possui graduação em Administração (UnB), com pós graduação em Gestão Pública.
Tem experiência nas áreas de Recursos Logísticos, Compras Públicas e Fiscalização e Gestão de
contratos. Atuou como Professora Colaboradora na Universidade de Brasília e como membro
titular na Comissão de Ética do Ministério da Integração Nacional.

Juliano Flávio dos Reis Rezende possui graduação em Administração Pública pela Fundação
João Pinheiro e especialização de Geoprocessamento. É atualmente Coordenador de Projetos
Estratégicos da Central de Compras; atuou como Diretor de Administração e Gestão do INCRA,
Gerente no Setor de Contratos no CENSIPAM –e na Imprensa Nacional . Foi Administrador
Público do Governo do Estado de Minas Gerais e tem experiência nas áreas de Gestão de
Projetos, Compras Públicas, Orçamento Público, Gestão de Pessoas, Gestão de Contratos
Administrativos, Projetos de Desenvolvimento Regional e Planejamento de Instituições
Públicas e Planejamento Geoespacial.

Fábio Vieira Ribeiro é graduado em Administração de Empresas, é empregado da Caixa


Econômica Federal, cedido ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão desde
06/FEV/2014, com exercício na Central de Compras da Secretaria de Gestão – SEGES.

Renato Cader da Silva Doutor em Ambiente e Sociedade pela UNICAMP e Mestre em


Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, integrante da carreira de especialista em
políticas públicas e gestão governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão. Atualmente ocupa o cargo de Subsecretário-Geral do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro. Foi Secretário de Administração do Ministério Público Federal. Foi Diretor de
Gestão do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foi também Gerente
Executivo e de Recursos Humanos da ANCINE. Sua experiência profissional inclui ainda o cargo
de coordenador no Ministério do Meio Ambiente. Atuou como gestor na área de gestão
ambiental no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, além de ter
trabalhado no Banco do Nordeste. É professor do MBA da Fundação Getulio Vargas de
388

Políticas Públicas para a Sustentabilidade e de Gestão de Compras Governamentais. Um dos


vencedores do Prêmio Inovação na Gestão Pública Federal com o projeto: Compras Públicas
Sustentáveis: uma experiência de compra compartilhada. Vencedor também do Prêmio
Sustentabilidade na Administração Pública do Instituto Negócios Públicos. Recebeu também o
Prêmio CNMP 2015, do Conselho Nacional do Ministério Público, com o projeto: "Implantação
do Sistema de Compras Compartilhadas Sustentáveis do Ministério Público Federal". Em 2016,
foi vencedor do Prêmio Ministro Gama Filho com o concurso sob o tema: "A Gestão Pública e o
Meio ambiente".

78. Entrevista com o Professor Edgar Guimarães sobre a Lei das Estatais, 02/03/2018
• Perguntas foram elaboradas pelo Professor Guilherme Carvalho e Sousa.

A Lei de Estatais veio a regulamentar o estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades
de economia mista, mas cuidou, quase que na totalidade, de contratação pública. Na sua
concepção, a lei poderia ter se estendido com mais profundidade sobre outros assuntos
além da matéria afeta à licitação e contratos?

Edgar: Acredito que não. É verdade que a Lei 13.303/2016 dispensa 62 artigos à temática das
licitações e contratos. Todavia, o diploma traz importantes inovações também no campo da
governança corporativa, do controle da atividade empresarial e no plano da moralidade e
impessoalidade da gestão. Pode-se, inclusive, visualizar dois grandes eixos normativos na Lei
das Estatais, um primeiro voltado para normas de governança corporativa, transparência de
gestão e controle (arts. 1º a 27), e um segundo focado em normas sobre licitação e contratos
(arts. 28 a 90).

No plano da moralidade e da impessoalidade, a Lei das Estatais instituiu vedações e


impedimentos para a escolha de membros para integrar o Conselho de Administração e cargos
de diretorias das estatais. Isso incentiva o gestor público a privilegiar a indicação de nomes
com experiência e formação técnica em detrimento da nomeação de cunho político-partidário.

Já no tocante ao controle, a lei criou um verdadeiro sistema de controle interno para as


estatais, composto por órgãos e unidades dotados de certa autonomia como o Comitê de
Auditoria Estatutário, o Conselho Fiscal e Auditoria Interna. Além disso, também abriu espaço
para que a própria sociedade fiscalize as ações e decisões adotadas pelas empresas públicas e
sociedades de economia mista.

No campo da governança corporativa, passou-se a exigir dos componentes da estrutura


organizacional das estatais a elaboração de inúmeros documentos e relatórios, além da
adoção de certas condutas visando ampliar o acesso à informação sobre a atividade exercida
pelas empresas. Exemplo claro dessa mudança é a Carta Anual, documento subscrito pelos
membros do Conselho de Administração com a explicitação dos compromissos de consecução
de objetivos de políticas públicas pela empresa.

Em síntese, parece-me que a Lei das Estatais não se limitou à matéria de licitações de
contratos, haja vista a ênfase que foi dada a assuntos como governança corporativa e controle.
389

Diz-se isso porque a lei, em seus quase cem artigos, dispensa a quase totalidade para
abordar licitações e contratos. Tendo em vista que trata do estatuto das empresas estatais,
não poderia ter se dedicado mais a outros pontos?

Edgar: Conforme a resposta anterior, entendo que a Lei das Estatais dá a devida ênfase a
outros assuntos que vão além da temática das licitações e contratos, como é o caso das
inovações trazidas no campo da governança corporativa e no controle interno e externo das
estatais.

Tais inovações nesses temas são importantes, pois visam fortalecer a independência funcional
das estatais, afastando a possibilidade do Estado acionista exercer o seu poder de controlador
e se valer da estrutura das empresas para atender unicamente conveniências políticas
momentâneas. Portanto, na minha visão, o novo diploma deu a devida atenção a outros temas
que vão além daqueles relacionados às licitações e aos contratos.

A lei trata genericamente sociedades de economia mista e empresas públicas que prestam
serviços públicos de igual modo as que exploram atividade econômica. Em sua concepção,
trata-se de uma boa medida ou um problema a ser enfrentado?

Edgar: Trata-se, sem sombra de dúvida, de um problema a ser enfrentado. Como se sabe, o
regime jurídico incidente sobre as Estatais que exploram atividade econômica em sentido
estrito tem como base o disposto no artigo 173 da Constituição Federal, ao passo que o regime
jurídico das estatais que prestam serviço público deriva-se do disposto no artigo 175 do texto
constitucional.

Dessa forma, não há como conceber uma equiparação entre os dois regimes jurídicos, haja
vista que o próprio constituinte optou por distingui-los com base na atividade finalística.

Além disso, a previsão da necessidade de edição de um Estatuto Jurídico próprio para as


Estatais está localizado na redação do artigo 173 da Constituição. Portanto, em teoria, o
Estatuto deveria ser instituído visando apenas as estatais que exploram atividade econômica
em sentido estrito. A Lei nº 13.303/2016 transcendeu a determinação constitucional ao incluir
na incidência do diploma as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam
serviços públicos.

Na minha visão, não há inconstitucionalidade nesta inclusão no que tange ao regime de


licitações e contratos das estatais. Isso se deve a duas razões. Primeiro, a disposição
constitucional cristalizada no artigo 173 da Constituição não exige que o estatuto jurídico das
estatais que exploram atividade econômica seja versado em lei específica e exclusiva.

Em segundo, entendo que as normas contidas na Lei 13.303/2016 que versam sobre licitações
e contratos administrativos incidem sobre as empresas estatais prestadoras dos serviços
públicos foram editadas pela União no exercício da sua competência privativa prevista no
artigo 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, e não sob o fundamento do disposto no artigo
173 da Constituição Federal, como se dá no caso das estatais exploradoras de atividade
econômica.
390

Contudo, tal raciocínio não se aplica aos demais temas tratados na Lei nº 13.303/2016. Há
certas disposições de constitucionalidade duvidosa no que tange à aplicação sobre as
empresas prestadoras de serviço público, especialmente sob o prisma do vício de competência
legislativa e do princípio federativo. Nesses casos, caberá ao Judiciário se pronunciar sobre a
constitucionalidade da incidência destes dispositivos sobre as empresas públicas e sociedades
de economia mista prestadoras de serviço público.

Indaga-se sobre essa indistinção pelo fato de a jurisprudência, desde há muito, já tratar da
diferenciação entre as estatais que prestam serviços públicos das que exploram atividade
econômica. Não teria sido interessante a lei haver procedido às distinções necessárias?

Edgar: Acredito que não haveria a necessidade de se fazer tal distinção, haja vista que o
próprio texto constitucional cuida em distinguir empresa pública e sociedade de economia
mista exploradora de atividade econômica em sentido estrito e empresa estatal prestadora de
serviço público. É importante destacar que a Lei das Estatais não promove uma equiparação
entre o regime jurídico das exploradoras de atividade econômica e o regime jurídico das
prestadoras de serviço público.

O diploma apenas define regras que se aplicam a ambas as espécies de estatais, sem operar,
com isso, uma equiparação dos regimes jurídicos. O problema da Lei não está na falta de
diferenciação entre as estatais, isso o texto constitucional e a doutrina administrativa fazem. O
problema está na aplicação de normas relativas à governança corporativa, controle,
transparência de gestão sobre as empresas prestadoras de serviço público, sem que haja na
Constituição Federal um dispositivo que conceda à União competência legislativa para tanto.

Por essa razão, como já apontado anteriormente, vejo a incidência de certas disposições da
Lei, sobre as estatais que prestam serviço público, de constitucionalidade duvidosa,
especialmente sob o prisma do vício da competência legislativa e do princípio federativo.

A Lei 13.303/16 aborda apenas um artigo (o art. 27) sobre a função social da empresa
pública e da sociedade de economia mista. Essa função social já não se encontra delimitada
na Constituição Federal?

Edgar: Sim, a função social das empresas prevista no artigo 27 da Lei 13.303/2016 não é uma
novidade no sistema jurídico, haja vista que a Constituição Federal já consagra, em seu artigo
5º, inciso XXIII, a função social da propriedade, matriz constitucional da função social da
empresa. De todo modo, isso não retira o mérito da iniciativa legislativa. A assertiva legal tem
por finalidade estabelecer uma diretriz objetiva a ser seguida pelos administradores na
definição das condutas de gestão administrativa ou mesmo na elaboração do planejamento
estratégico da companhia.

Por força da função social da empresa, as atividades empresariais não podem ser dirigidas
apenas para satisfazer interesses econômicos ou particulares dos dirigentes e sócios. Elas
devem observar também os valores sociais constitucionalmente consagrados como a
existência digna, a valorização do trabalho e a justiça social.

No caso das empresas estatais, esta obrigação de buscar a realização de interesses coletivos é
ainda mais intensa e já se mostrava presente antes da promulgação da Lei nº 13.303/2016, em
391

decorrência do princípio da finalidade, mandamento nuclear que incide sobre toda a


Administração Pública e obriga que os seus entes atuem de forma a sempre visar a
concretização de uma necessidade ou utilidade de interesse público. Não era concebível,
mesmo antes do Estatuto das Estatais, que uma empresa pública ou sociedade de economia
mista atuasse visando apenas o interesse particular dos seus dirigentes ou que a sua atividade
gerasse uma degradação no meio ambiente.

O mérito da disposição legal está em especificar de forma mais concreta de que modo as
estatais devem agir para atender mandamento constitucional. O diploma legal define algumas
metas a serem observadas pelas estatais para que as suas atividades estejam em sintonia com
a função social da empresa. É o caso das disposições dos incisos do § 1º do artigo 27, os quais
determinam que a atuação das estatais deva ser orientada para permitir a ampliação
economicamente sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços da empresa,
e para o desenvolvimento ou emprego de tecnologia na produção e oferta de produtos e
serviços das estatais.

Portanto, entendo que a função social da empresa já se encontrava delimitada na Constituição


Federal, todavia isso não tira o mérito da disposição legal do artigo 27 da Lei nº 13.303/2016
que deu maior concretude ao mandamento constitucional.

0No tocante à licitação, a lei inaugura a Secção com o art. 28, que trata da obrigatoriedade
de licitar para qualquer empresa pública ou sociedade de economia mista. Trata-se, em sua
concepção, de uma evolução, ou se pode entender como um retrocesso, em especial para as
exploradoras de atividade econômica? Há uma diminuição da margem de discricionariedade
das estatais que lidam com a exploração de atividade econômica?

Edgar: Nem avanço e nem retrocesso, pois a obrigatoriedade de licitar para qualquer empresa
pública ou sociedade de economia mista decorre do comando disposto no artigo 37, inciso XXI,
da Constituição Federal. Não poderia o diploma infraconstitucional tornar a contratação direta
regra geral e a licitação exceção, mesmo no caso das empresas exploradoras de atividade
econômica.

Porém, a Lei tomou o cuidado em trazer exceções à regra de licitar para que as empresas que
exploram a atividade econômica não fiquem submetidas a regras excessivamente engessadas.
As contratações realizadas pelas estatais podem ser divididas em duas espécies: (i) as
contratações necessárias de bens, obras ou serviços que se destinam à obtenção, em caráter
instrumental, de elementos materiais, técnicos e jurídicos; e (ii) as contratações que são
inerentes ou intrínsecas à atividade para a qual foram criadas e constituem a própria razão de
existir da empresa estatal.

O legislador levou essa distinção em consideração e dispensou as estatais do dever de realizar


um processo licitatório prévio quando a contratação visar a comercialização, prestação ou
execução, de forma direta, de produtos, serviços e obras relacionados com os objetivos sociais
da empresa, e nos casos em que a escolha de um potencial parceiro privado esteja associada a
suas características particulares, visando a concretização de oportunidades de negócio
definidas e específicas.
392

Assim, compreendo que a Lei 13.303/2016 não deixou margem de discricionariedade para que
as empresas estatais definissem as hipóteses em que a contratação se ou não se submeterá ao
regime licitatório, até porque a obrigação de licitar advém da própria Constituição Federal.
Todavia, o diploma legal caminhou bem ao garantir a possibilidade das empresas realizarem
contratações diretas quando o objeto a ser contratado estiver intimamente vinculado com a
sua atividade-fim.

A lei trata da contratação direta em hipóteses bem parecidas com as da Lei Geral de
Licitações, mas procede a algumas significantes diferenciações, em especial nos valores para
a contratação direta por dispensa, que, via de regra, são mais de seis vezes superiores aos
contidos na Lei nº. 8.666/93. Em sua opinião, isso é um bom sinal ou há uma abertura
excessiva?

Edgar: Sim, é um bom sinal. Os valores para a dispensa previstos na Lei nº 8.666/93 não
sofrem atualização há décadas, o que os tornou defasados frente à atualização monetária do
real e incompatíveis com os custos envolvidos na realização do certame licitatório.

A dispensa em razão do valor visa evitar que a Administração Pública seja obrigada a realizar
um processo licitatório por demais dispendioso para contratar objetos de baixo valor.
Contudo, sem a atualização dos valores-referência da Lei nº 8.666/93, os entes da
Administração Pública Direta e Indireta se vêm na difícil situação de ter de que instaurar
competições para contratar objetos que, muitas vezes, são pouco superiores aos valores-
referência, mas menos custosos que a realização de todo o processo licitatório.

Portanto, a atualização dos valores-referência pela Lei das Estatais é medida extremamente
salutar, especialmente em virtude desta situação de defasagem dos limites da Lei nº 8.666/93.

Ainda no que pertine à contratação direta, a lei fala em hipóteses em que o valor da
contratação pode ser modificado, ficando a cargo de deliberação de cada Conselho de
Administração de cada estatal. Não se trata de uma amplitude extremamente larga? Qual
sua opinião sobre a poder regulamentar previsto na Lei nº. 13.303/16?

Edgar: Creio que a possibilidade do valor-referência da contratação por dispensa de licitação


ser modificado por deliberação do Conselho de Administração de cada Estatal é ótima medida.
Com essa autorização legislativa cristalizada no § 3º do artigo 29, o Conselho de Administração
poderá, de modo justificado, elevar nominalmente os valores/limites de contratação direta
para ajustá-los no tempo e ao mercado em que se operam as contratações das empresas
públicas e sociedades de economia mista.

Não se trata de medida de amplitude extremamente larga porque os Conselhos de


Administração não deterão carta branca para produzir qualquer tipo de atualização de valores,
mas tão somente as que reflitam variações de custo em face de um processo inflacionário.
Portanto, para que se proceda a atualização de tais valores, o Conselho de Administração
deverá respaldar a sua decisão nas variações inflacionárias verificadas no âmbito nacional,
regional ou mesmo local, a depender da área da empresa estatal.

Quanto ao poder regulamentar previsto na Lei nº 13.303/2016, entendo que consiste em uma
novidade de extrema importância. O universo das estatais é bastante amplo, diverso e
multifacetado. Com o poder regulamentar, cada empresa pública e sociedade de economia
393

mista poderá promover os devidos ajustes para adequar as disposições da Lei à sua realidade
fática e jurídica.

Registro, como exemplo, a atribuição de elaboração de um Regulamento de Licitações e


Contratos próprio para cada estatal. Por meio destes regulamentos, a Estatal pode moldar as
normas de licitações e contratos às suas particularidades e peculiaridades jurídicas e materiais.
Portanto, o poder regulamentar conferido pela Lei nº 13.303/2016 é uma importante inovação
promovida pela lei.

A lei abandona o termo “contrato administrativo”, tratando tão somente de “contrato”. Em


sua opinião, trata-se de uma boa medida?

Edgar: Acredito que sim. Ao utilizar o vocábulo “contrato” em substituição ao termo “contrato
administrativo”, o diploma legal quis deixar claro que o regime jurídico aplicável às
contratações das empresas públicas e sociedades de economia mista é de direito privado. Os
contratos das estatais não estão mais sujeitos à aplicação do regime jurídico de direito público
caracterizado pela assimetria entre as partes e pela previsão de cláusulas exorbitantes
outorgadas à Administração Pública.

Ao afastar as contratações das empresas estatais do regime jurídico de direito público, o


legislador optou por fazer com que as relações contratuais travadas entre as estatais e os
particulares contratados fossem disciplinas pelas mesmas regras e princípios incidentes sobre
os contratos de direito privado, situação que afasta qualquer possibilidade de uma das partes
ocupar uma posição superior em relação a outra. Isso é positivo, pois dá maior segurança aos
particulares contratados de que as condições fixadas no contrato serão cumpridas pela estatal
contratante, o que os incentivam a celebrar contratos com as estatais e atuar como
verdadeiros parceiros destas empresas.

Além disso, pelo fato de ser uma relação contratual simétrica, nos casos de controvérsias
envolvendo a execução dos contratos, nenhuma das partes poderá se valer de prerrogativas
como a suspensão da execução ou a alteração unilateral dos contratos. As controvérsias
contratuais deverão ser resolvidas através do consenso com a construção de soluções
negociadas.

Diante disso, compreendo que a incidência do regime jurídico de direito privado sobre os
contratos envolvendo as empresas estatais é uma boa medida, pois simplificará a relação
contratual e, por consequência, fomentará os particulares a atuarem como parceiros das
estatais.

A consensualidade prevista na lei e a imposição de que os contratos reger-se-ão por suas


cláusulas e por normas de Direito Privado afasta a exorbitância destes contratos,
considerando a presença, de um lado, da Administração Pública, ainda que Indireta?

Edgar: Sim. Como exposto na resposta anterior, com a Lei nº 13.303/2016, os contratos
celebrados pelas empresas estatais passam a ser regidos unicamente pelo direito privado, não
comportando a incidência de cláusulas exorbitantes. Portanto, as relações contratuais
firmadas pelas empresas estatais, mesmo estas compondo a Administração Pública Indireta,
terão como característica a simetria entre as partes e o consensualismo, não sendo mais
compatíveis com as cláusulas exorbitantes dos contratos presentes na Lei nº 8.666/93.
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As sanções administrativas previstas na lei poderiam ser menos rigorosas, tendo em vista
que se trata de um contrato de natureza privada?

Edgar: Penso que as sanções contratuais previstas na Lei nº 13.303/2016 não são
excessivamente rigorosas. As estatais, assim como qualquer contratante, devem se precaver
de eventual inexecução contratual por parte do contratado, dispondo de meios para penalizá-
los pela falha contratual injustificada.

O fato de os contratos firmados pelas empresas estatais se submeterem ao regime jurídico de


direito privado não afasta a necessidade da previsão de multas contratuais em face da falha na
execução do objeto contratual pelo particular contratado. E o próprio diploma legal traz uma
gradação entre as penalizações (advertência, multa e suspensão temporária de participação
em licitação), cabendo às estatais penalizarem o contratado de acordo com a gravidade da sua
falta.

Ademais, fazendo o devido cotejo entre as sanções previstas na Lei nº 13.303/2016 com as
sanções administrativas dispostas na Lei nº 8.666/93, verifica-se que estas são mais gravosas
que aquelas. Por essa razão, compreendo que as sanções administrativas da Lei das Estatais
não excessivas ou por demais rigorosas.

Os mecanismos de controle previstos na Lei nº. 13.303/16, sobretudo o controle social,


contemplam um moderno padrão de controle, na busca de resultados mais efetivos?

Edgar: Creio que sim. As disposições da Lei nº 13.303/2016 relativas ao controle da atividade
das estatais impõem que os órgãos diretivos disponibilizem às entidades de controle externo e
à sociedade o acesso a várias informações e documentos sobre as atividades das empresas.
Com isso, não só os órgãos de controle, mas também a própria sociedade pode fiscalizar as
estatais de modo a verificar se as suas atividades estão em sintonia com a lei e com as
diretrizes da própria empresa.

A divulgação de informações referentes a demonstrações contábeis, atos, expedientes e


reuniões dos Conselhos de Administração, bem como de despesas contratuais e de certames
licitatórios permitirá que os cidadãos avaliem o andamento das atividades das estatais,
identificando se estas estão observando os ditames legais e as suas respectivas finalidades.

Nesse contexto, a sociedade funciona como verdadeira parceira dos órgãos de controle,
atuando como fiscal da Lei e denunciando a estes órgãos eventuais irregularidades cometidas
no âmbito das estatais. Essas medidas de transparência e acesso à informação tendem a trazer
melhores resultados, pois dificultará que atos ilegais praticados no âmbito das estatais passem
despercebidos aos olhos dos órgãos de controle.

Assim, entendo que a Lei nº 13.303/2016 prevê mecanismos de controle eficientes que tem
tudo para tornar as empresas estatais mais imunes a desvios e à influência de interesses
particulares obscuros.

Edgar Guimarães é advogado; Pós-Doutor em Direito pela Università del Salento (Itália).
Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP; Professor de Licitação nos cursos de
Pós-graduação do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar, da Universidade Positivo, da
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UNIBRASIL e da PUC/PR; Consultor Jurídico (aposentado) do Tribunal de Contas do Estado do


Paraná; Presidente do Instituto Paranaense de Direito Administrativo; Membro dos Institutos
Brasileiro de Direito Administrativo, do Instituto dos Advogados do Paraná e do Conselho
Científico do Instituto Romeu Felipe Bacellar. Árbitro da Câmara de Arbitragem e Mediação da
FIEP/PR. Autor dos livros Controle das Licitações Públicas, Contratação Direta: comentários às
hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação; Responsabilidade da Administração
Pública pelo desfazimento da licitação. Coautor dos livros Cenários do Direito Administrativo;
Concurso Público e Constituição; Pregão Presencial e Eletrônico; Licitações e o estatuto da
pequena e microempresa: reflexos práticos da LC nº 123/06; Registro de preços: aspectos
práticos e jurídicos; Comentários ao Sistema Legal Brasileiro de Licitações e Contratos
Administrativos. Lei das Estatais – comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei
nº13.303/2016.

Guilherme Carvalho e Sousa é Doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade


Católica de São Paulo. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Uniceub. Especialista em
Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Especialista
em Direito Público pela Universidade Anhanguera. Ex-Procurador do Estado do Amapá - Classe
Especial, com atuação na área consultiva e nos tribunais superiores em Brasilia (DF). Professor
do curso de Direito e pós-graduação em Direito em Brasília. Palestrante e professor de pós-
graduação em várias faculdades. Advogado militante, com atuação prioritária nos tribunais
superiores e na área de licitações e contratos. Bacharel em Administração de Empresas. Sócio
fundador do Escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados, Autor do livro "A
Responsabilidade do Estado e o Princípio da Confiança Legítima: a experiência para o direito
brasileiro".
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