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Silo - Tips Dialogos Psicanaliticos Sobre Familia e Casal
Silo - Tips Dialogos Psicanaliticos Sobre Familia e Casal
Silo - Tips Dialogos Psicanaliticos Sobre Familia e Casal
2
V O L U M E
As Vicissitudes da Família Atual
Diálogos Psicanalíticos
sobre Família e Casal
2
V O L U M E
As Vicissitudes da Família Atual
Apoio:
z Zagodoni
Editora
Conselho Editorial
Christian I. L. Dunker – Universidade de São Paulo
Pierre Benghozi – Universidade de Paris XIII
Sobre os Autores
Renato Mezan – PUC-SP
Teresa Cristina Carreteiro – Universidade Federal Fluminense
Terezinha Féres-Carneiro – PUC-RJ
O r g a n i z a d o r a s
Diagramação: Givaldo Fernandes Associação Brasileira de Terapia Familiar.
Imagem da capa: Nancy A. Brown
Isabel Cristina Gomes
Livre-Docente e Professora Titular do Departamento de Psicologia Clínica do
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Orientadora de
CIP-Brasil. Catalogação na Publicação Mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
do IP-USP. Coordenadora do Laboratório de Casal e Família: Clínica e Estudos
D527 Psicossociais do IP-USP. Coordenadora da Série Prática Clínica.
Diálogos psicanalíticos sobre família e casal. As vicissitudes da família atual.
Vol. 2 / Ruth Blay Levisky, Isabel Cristina Gomes, Maria Inês Assumpção
Fernandes (organizadoras) ; [tradução do texto em espanhol de Marta D. Clau- Maria Inês Assumpção Fernandes
dino]. - São Paulo : Zagodoni Editora, 2014. Professora Titular do Instituto de Psicologia da USP. Livre-docente pela
200p. : il.; 23 cm Universidade de São Paulo. Mestre e Doutora pela Universidade de São
Inclui bibliografia Paulo. Graduação em Psicologia pela Universidade de São Paulo (IP-USP).
ISBN 978-85-64250-89-5
Coordenadora do LAPSO (Laboratório de Estudos em Psicanálise e Psico-
1. Família - Aspectos psicológicos. 2. Psicoterapia conjugal. 3. Psicoterapia logia Social do IPUSP).
familiar. 4. Psicanálise. 5. Vínculos. I. Levisky, Ruth Blay. II. Gomes, Isabel
Cristina. III. Fernandes, Maria Inês Assumpção
12-1728. CDD: 616.89156
CDU: 615.851-055.5/.7
Alberto Eiguer
Psiquiatra e psicanalista (IPA, Sociedade Psicanalítica de Paris e Associação Psi-
canalítica de Buenos Aires). Diretor de pesquisa do Laboratório LPCP EA 4056
do Instituto de Psicologia da Université Paris 5 René Descartes, Sorbonne. Pre-
sidente da Associação Internacional de Psicanálise de Casal e Família. Diretor
[2014]
da revista Le Divan Familial.
Zagodoni Editora Ltda.
Rua Brigadeiro Jordão, 848 Ana Rosa Chait Trachtenberg
04210-000 – São Paulo – SP
Médica e psicanalista. Membro titular com função didática da Sociedade Brasi-
Tel.: (11) 2334-6327
contato@zagodoni.com.br leira de Psicanálise de Porto Alegre – IPA. Membro do AIPPF. Coautora do livro
www.zagodoni.com.br Transgeracionalidade: de escravo a herdeiro, um destino entre gerações.
6 Diálogos Psicanalíticos sobre Família e Casal – Vol. 2 S o b r e o s Au t o r e s 7
Sonia Thorstensen
Magdalena Ramos
Doutoranda pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica
Psicanalista, Terapeuta de Casal e Família. Membro da Associação Internacio- pela PUC-SP. Mestre pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia
nal de Psicanálise de Casal e Família. Professora há 25 anos do Núcleo de Ca- Clínica pela PUC-SP. Mestre em Educação pela Universidade de Stanford-EUA.
sal e Família, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é Psicóloga e psicanalista.
Supervisora de família na Clínica de Anorexia e Bulimia, no Sedes Sapientiae.
Autora dos livros: Introdução à terapia familiar e organizadora dos livros Casal e
família como paciente e Terapia de casal e família.
Sumário
Apresentação. ........................................................................................................... 15
Ruth Blay Levisky / Isabel Cristina Gomes / Maria Inês Assumpção Fernandes
3 Os Avatares da Parentalidade........................................................................ 41
Olga B. Ruiz Correa
11
E
A Indisponibilidade Sexual da Mulher como Queixa Conjugal............. 155 m nossa “cyber-sociedade”, a temporalidade e a espacialidade psíquicas
Sonia Thorstensen / Rosely Pennacchi estão mudando. A aceleração da globalização, homogeneizando as dife-
renças, coexiste com a manifestação das diversidades de identidades. A
12
O Corpo Familiar como Obra Musical................................................. 169 organização de famílias conhece convulsões sem precedentes, recomposições,
Isabel Cristina Lopes / Júlio César Giúdice Maluf / questionando as referências de vínculo de filiação, em particular graças aos no-
Maria Inês Assumpção Fernandes vos métodos, da Medicina, em relação à procriação assistida. A organização das
famílias se estrutura sobre um modo afiliativo com uma indiferenciação das
13 Alguns Apontamentos sobre a Formação do Profissional em fronteiras intergeracionais. Isto é o que chamo de sociedade incestuosa; desta
Psicologia diante da Perspectiva de Atendimento de Famílias decorrem novos campos clínicos. Ao contrário do nascimento da psicanálise à
nas Instituições Públicas de Saúde e Assistência Social........................... 181 época de Freud, os novos paradigmas da clínica dizem respeito, atualmente,
Robson Colosio / Maria Inês Assumpção Fernandes menos à neurose que à psicose; e a clínica do traumatismo, menos à repressão
que à clivagem.
A realidade do Brasil é marcada desde a sua fundação pela violência da es-
cravidão e, mais recentemente, pelo trauma da ditadura e a desestruturação do
vínculo social e das metagarantias. Somos confrontados a uma clínica do Real,
do impensável, do indizível, do inominável e do inconfessável. Isso interpela
a capacidade dos aparelhos psíquicos (individuais, familiares, institucionais e
comunitários) de transformação, de elaboração, de simbolização e de metaboli-
zação da transmissão genealógica intergeracional e transgeracional, intersubje-
tiva e transpsíquica. A psicanálise individual é interpelada e confrontada com
seus limites.
Para alguns, ela não estaria mais na moda! Paradigmas cognitivos e com-
portamentais tranquilizam seus apoiadores, tentados por uma redução instru-
mental dos problemas. Tratar-se-ia de corrigir os “dis”, as “dis-funcões” de
linguagem, de escrita, de leitura, de fala, de comportamento, tais como objetos
parciais do corpo. O corpo do sujeito é fragmentado. Terapias sistêmicas fami-
liares ajudam a começar a pensar o lugar e a função dos sintomas no equilíbrio
de todo o sistema familiar. Mas o interesse trazido pela regulação sistêmica dos
distúrbios da comunicação é repleto de problemas que envolvem basicamente
12 Diálogos Psicanalíticos sobre Família e Casal – Vol. 2 Pierre Benghozi 13
a metagarantia e a continência do aparelho psíquico familiar e do casal. Mais po do adolescente, em transformação. O espaçograma da casa e do quarto do
do que dis-communication, não seria uma problemática de transmissão psíquica adolescente também nos permite figurar a enigmática imagem inconsciente do
e da capacidade de transformação? adolescente “em crise” manifestado, por exemplo, nos sintomas de anorexia
Há vários anos tenho tido o prazer de intervir no Brasil em algumas uni- mental. O corpo psíquico individual do adolescente com anorexia articula-se
versidades de Fortaleza, Belo Horizonte e Rio de Janeiro e, agora, regularmen- em uma figura de caleidoscópio, com o corpo psíquico de sua família adolescen-
te, como professor convidado, na Universidade de São Paulo, pelo LAPSO – te. As modalidades de organização familiar e as do contexto cultural de perten-
IPUSP (Laboratório de Estudos em Psicanálise e Psicologia Social), para um cimento também são destacadas, em situações de anorexia, na apresentação de
ensino sobre a abordagem psicanalítica da malhagem dos vínculos familiares, Magdalena Ramos; ou, a propósito da separação teatralizada no corpo de uma
institucionais e sociais. Compartilhei o estabelecimento e o desenvolvimento criança, por Celia Blini Lima.
da terapia psicanalítica familiar e de casal, no Brasil. Ela aqui se estabeleceu, de O corpo está em questão em todas as idades da vida: dos avatares do nas-
um modo original; num país que tem uma rica tradição psicanalítica, com en- cimento com Isabel Cristina Gomes / Lidia Levy / Andrea Seixas Magalhães; à
tusiasmo crescente nos últimos anos. Isso testemunha a necessidade de acolher parentalidade, com Olga. B. Ruiz Correa; na adoção por Gina Khafif Levinzon
e tratar o sofrimento psíquico, ao mesmo tempo por um dispositivo grupal e até a senescência, com Maria Aparecida Quesado Nicoletti.
numa abordagem psicanalítica. A questão da transmissão e, particularmente, do não dito nas famílias, como
A terapia psicanalítica familiar é, também, alimentada pelos trabalhos afirma Ana Rosa Chait Trachtenberg, continua central.
latino-americanos, especialmente argentinos, depois de Pichon Rivière, e por Em nossa “cyber-sociedade”, o que se pode dizer do nascimento do corpo
aqueles desenvolvidos na Europa. Basicamente, duas correntes são expressas, casal? Ruth Blay Levisky nos interroga: amores reais e virtuais: será que estamos
especialmente: por um lado, a psicanálise de grupo, com Wilfried Bion, Didier falando da mesma coisa?
Anzieu, René Kaës; e, por outro, na continuidade de Melanie Klein, aqueles Sonia Thorstensen parece lhe responder, invocando a indisponibilidade se-
trabalhos referidos à relação de objeto e às identificações projetivas, a maioria xual da mulher como expressão de uma queixa no casal.
produzida no mundo anglo-saxão. A especificidade dos trabalhos brasileiros O corpo psíquico é, também, aquele das instituições como lugar de ensino e
em terapia familiar psicanalítica parece-me traduzir a criatividade da diver- transmissão, discutido por Robson Colosio e Maria Inês Assumpção Fernandes,
sidade das comunidades e das culturas que formam a malhagem do país. À que dão prosseguimento aos trabalhos de Kaës sobre a psicanálise do vínculo e
imagem desse mosaico emerge uma malhagem conceitual e clínica mestiça: a a transmissão do negativo.
malhagem mestiça. O corpo é, certamente, também o corpo social e a questão de seus limites,
Na continuidade do primeiro congresso realizado em São Paulo em 2011, o como analisam David Leo Levisky e Ruth Blay Levisky sobre a gestão da vio-
segundo Congresso de 2013 foi construído sobre o tema “Corpo” antecipando lência.
o Congresso Internacional da IAPCF 2014. O essencial dos trabalhos apresenta- O encontro terapêutico não seria, em analogia ao trabalho sobre a dança e a
dos neste livro é a prova. Isso foi possível graças ao diálogo psicanalítico que música, apresentado por Cristina Lopes e Julio Maluf, e ao trabalho sobre os rit-
se empenhou em todo o país, especialmente entre os colegas do Rio e de São mos do corpo, de acordo com Maria Inês Assumpção Fernandes, uma coreogra-
Paulo, como pude compartilhar pelo diálogo científico sustentado, permitindo fia onírica, na qual ao ritmo do ballet transferência-contratransferência e, graças
fazer convergir, em grande convívio, iniciativas e pesquisas acadêmicas e as de a essa “pulsionalidade de interligação”, como diria Ophelia Avron, emerge esta
profissionais que atuam na clínica institucional e liberal. Este tema do corpo maravilhosa e surpreendente criatividade, alternativa ao sofrimento?
psíquico familiar é polissêmico. Ele interroga as diferentes abordagens do cor- Este conjunto de textos e trabalhos reunidos por Ruth Blay Levisky, Isa-
po grupal, seja ele decorrente de uma efração, difração ou mestiçagem. bel Cristina Gomes e Maria Inês Assumpção Fernandes é particularmente rico.
Este corpo familiar e de casal é, como Anzieu enfatizou, aquele do Eu -Pele. Parece-me não somente interessante descobri-los por uma leitura cuidadosa,
Alberto Eiguer distingue as duas peles da casa como reveladoras de nós mes- mas também recebê-los como suporte para um devaneio que nos acompanha e
mos. Eu defini e apresentei o espaçograma da casa e do quarto do adolescente nos sustenta na clínica psicanalítica desses casais, dessas famílias, dessas insti-
como uma representação do espaço vivido, no sentido de Gisela Pankow. Ele tuições, cujo corpo psíquico perdeu a continência.
permite, ao lado do genograma, dar acesso a uma figuração da espacialidade
e da temporalidade da imagem inconsciente do corpo psíquico individual do
adolescente e do corpo grupal familiar.
O desenho representando, por exemplo, a desordem do quarto de muitos
adolescentes, em que as roupas e objetos são espalhados por todo canto para
o desespero dos pais, indica não uma patologia, mas a atualização de meca-
nismos de defesa envolvidos na construção da imagem inconsciente do cor-
Apresentação
Ruth Blay Levisky / Isabel Cristina Gomes /
Maria Inês Assumpção Fernandes
E
ste segundo volume do Diálogos Psicanalíticos sobre Família e Casal:
As Vicissitudes da Família Atual é composto por trabalhos apresenta-
dos no II Encontro de Psicanálise de Casal e Família, dando continui-
dade à iniciativa de transformar em escrita as profícuas discussões e reflexões
que surgem no interior de eventos acadêmicos. O II Encontro de Psicanálise
de Casal e Família foi realizado no Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo, em agosto de 2013, cuja temática “Corpo e Contemporaneidade em
Psicanálise de Casal e Família” expressa inquietações atuais e retoma preocu-
pações sobre as novas modalidades de configurações vinculares e os novos territórios
sociais e psíquicos que envolvem a subjetividade.
Esse Encontro recebeu mais de 400 profissionais de todo o Brasil e contou
com a colaboração de conferencistas brasileiros e estrangeiros, que intercam-
biaram experiências nas conferências e nas discussões sobre diversos temas re-
lacionados com a clínica psicanalítica de casal e família. Esses dois encontros, o
primeiro realizado em 2011, foram pré-congressos preparatórios para os Con-
gressos da Associação Internacional de Psicanálise de Casal e Família, nos quais
abrimos a oportunidade para refletir e trocar ideias sobre temas de interesse na
área.
Os autores analisaram facetas das mais diversas subjetividades com as
quais a família se depara na atualidade, perpassando por temas que vão des-
de a concepção, com as inquietações sobre possíveis reflexos dos processos de
fertilização assisitida nos casais e nas crianças, os avatares da parentalidade, o
simbolismo da casa como espaço familiar, a discussão sobre novas formas de
comunicação, fruto das inovações tecnológicas e prováveis impactos nos víncu-
los, a dança e outros tipos de arte como instrumentos clínicos para o tratamento
de doenças mentais, aspectos da gênese das diversas formas de violências que
convivemos no mundo atual, a força das heranças transgeracionais, a discussão
sobre doenças psicossomáticas, como a anorexia, as questões referentes a se
xualidade, a adoção, as separações e suas repercussões emocionais nas famílias,
16 Diálogos Psicanalíticos sobre Família e Casal – Vol. 2
parte I
Família Atual
1
As Duas Peles da Casa
Alberto Eiguer
E
ste capítulo está baseado em uma pesquisa recente sobre o conceito de
eu-pele (ou pele psíquica, de D. Anzieu, 1985) aplicado à psicologia da
casa. Em princípio vou discutir o campo teórico da imagem do corpo e
seu benefício na configuração de nosso vínculo com o habitat e, depois, como
são identificadas as duas capas do eu-pele nesse vínculo.
O lugar onde moramos é muito mais que um teto para nos proteger da
chuva e do frio. Refúgio de amor e da família, personifica o passado e contém
a memória, às vezes, de muitas gerações. É também o lugar onde vivemos os
momentos mais íntimos – ali se come, se descansa, se faz amor, os rebentos são
concebidos; antigamente ali nasciam. É ali que repousamos quando adoecemos.
Em casa, celebram-se as reuniões e festas de família, os almoços de domingo, os
aniversários (Eiguer, 2004).
A casa atravessa o tempo da mesma maneira que o nosso corpo: como ele,
envelhece; a consertamos, transforma-se. Os muros simbolizam uma pele que
envolve a família; e cada cômodo desempenha uma função vital (reproduzir-
se, alimentar-se, tomar banho, divertir-se, etc.). A casa nos representa, o que
fica evidente nos sonhos em que o corpo simboliza o corpo daquele que sonha
e seus membros. Nas imagens oníricas, o teto e o sótão em geral significam a
cabeça, o pensamento ou a aspiração de um ideal. O desvão (o sótão) evoca o
passado e nossos impulsos subterrâneos. Janelas, portas, chaminés, corredores,
caminhos de acesso, e o que ocorre ao seu redor, refletem a qualidade da rela-
ção entre o sujeito e os demais.
Por outro lado, nosso inconsciente se expressa na forma como desenhamos
nosso lar, decoramos e mobiliamos e nos instalamos em seu interior. Estas for-
ças inconscientes, que se reagrupam no que chamo de habitat interior, são de
dois tipos (Eiguer, 2013): uma é, dentro de cada um de nós, a projeção da ima-
gem que temos de nosso corpo. A outra reflete nosso apego aos entes queridos
com quem compartilhamos nossa casa na infância; um apego que nos inspira
sempre, mesmo àqueles que moram sozinhos. Vamos analisar isso mais de
perto.