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COMO FAZER DA REGULAÇÃO CONTÍNUA DAS


APRENDIZAGENS A LÓGICA PRIORITÁRIA DA ESCOLA?

Adelina de Oliveira Novaes

HOW TO MAKE CONTINUOUS REGULATION OF ABILITIES


THE PRIORITY OF SCHOOLS RATIONALE?

RESENHA
PERRENOUD, PHILIPPE. AVALIAÇÃO: DA EXCELÊNCIA À REGULA-
ÇÃO DAS APRENDIZAGENS – ENTRE DUAS LÓGICAS . TRAD. PATRÍCIA
CHITTONI RAMOS – PORTO ALEGRE: ARTES MÉDICAS SUL, 1999.

S omente a análise significativa do sis-


tema educativo permite que com-
preendamos a avaliação como for-
mativa. O termo avaliação, quando evo-
cado nos mais variados contextos (a avali-
O autor de Avaliação: da excelência
à regulação das aprendizagens, nos esti-
mula o enfrentamento à avaliação.
Doutor em Sociologia e Antropologia,
e professor nas áreas de Currículo e
ação de conteúdo, a avaliação institu- Práticas Pedagógicas nas faculdades de
cional, ou a avaliação médica), remete- Psicologia e de Ciências da Educação da
nos a imagens e emoções freqüentemente Universidade de Genebra, Perrenoud
desagradáveis. Pode-se dizer que há tem o compromisso com as pedagogias
comumente uma resistência à avaliação: diferenciadas. Esta sua orientação aca-
paralisamos-nos frente ao tema, impedi- dêmica é a responsável pela abordagem
mos a análise do sistema e reproduzimos sociológica com que trata a complexi-
modelos que, segundo Perrenoud dade da avaliação das aprendizagens
(1999), oscilam entre duas lógicas – a da neste livro.
avaliação a serviço da seleção e a da avali- Composto de textos já publicados e
ação a serviço das aprendizagens. outros preparados especialmente para
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esta obra, o livro é estruturado por capí- balanço, freqüentemente em vista de uma
tulos que podem ser lidos independen- decisão de seleção ou de certificação”
temente. Esta divisão por temas, porém, (Perrenoud, 1999, p. 35).
não torna a obra fragmentada, pois, de Em busca da excelência, construí-
maneira consonante, Perrenoud apre- mos instrumentos para julgar qual
senta reflexões que têm como eixo a seria o ponto de ruptura entre o êxito
compreensão da avaliação como orienta- e o fracasso. Desta escolha, que legiti-
dora da ação. mamos muitas vezes por matrizes for-
Ao pensar como nossas práticas são mais de avaliação e pelo rigor metodo-
definidas pela nossa possibilidade de lógico, construímos as imagens do
compreender o real, Perrenoud nos bom aluno, do bom professor, da boa
questiona quanto aos nossos objetivos escola. E nem sempre, ao fazermos
avaliativos. Estamos a serviço da seleção isso, estamos conscientemente a servi-
ou a serviço das aprendizagens? ço da lógica da seleção.
Oscilando entre narrativas descriti- Os instrumentos avaliativos tam-
vas e textos mais comprometidos, o bém são usados para a regulação contí-
autor nos evidencia como a lógica tradi- nua das aprendizagens. No caso especí-
cional do sistema avaliativo é comu- fico da avaliação discente, podemos
mente associada à criação de hierarquias considerar que uma avaliação formativa
de excelência. Desta maneira, são elas é aquela que visa contribuir para a regu-
que nos orientam a agir com um grupo lação das aprendizagens. Construir uma
ou em um grupo de análise. Ou seja, imagem do bom aluno permitiria deli-
são as hierarquias de excelência cons- mitar o objetivo pedagógico do docen-
truídas no sistema de ensino que toma- te, evidenciando suas intenções e possi-
mos como indicadores de êxito ou fra- bilitando a construção do projeto que
casso escolares, sejamos nós docentes guiará sua prática. Assim, para fugir dos
ou discentes. Essas hierarquias podem equívocos dos instrumentos, teríamos
ser construídas por nós de maneiras dis- que construir procedimentos que fos-
tintas, podemos fazer uso da intuição ou sem legitimados não somente por seu
da formalização racional, mas as hierar- rigor, mas pela negociação entre avalia-
quias nunca deixarão de ser uma repre- dor e avaliado.
sentação do real. Ao discutir a avaliação com os alu-
Seguindo este caminho, somos nos, temos a possibilidade de compreen-
convidados a concordar que o êxito der como eles significam o processo,
está intimamente relacionado à exce- quais são os pontos que eles consideram
lência, sendo dependente das repre- relevantes, para construímos junto com
sentações que fazemos dos desempe- eles os indicadores da avaliação. Desta
nhos: “[...] os julgamentos de êxito depen- maneira, envolvendo os alunos na cons-
dem, em geral, da síntese de várias hierar- trução do instrumento, e fazendo a
quias de excelência, operadas para fins de regulação contínua da aprendizagem,
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poderíamos abandonar a lógica da sele- permitiriam a apreensão da noção de


ção por uma lógica da formação. aprendizagem no que diz respeito aos
A avaliação formativa é considerada processos de raciocínio e de memori-
uma idéia nova e aparece normalmente zação, a partir dos comportamentos
nos projetos inovadores de ensino. A dos alunos. Mesmo quando os profes-
preocupação com as aprendizagens, sores têm este contato seus conheci-
porém, não deixa de existir nas escolas mentos teóricos permanecem muito
tradicionais e nem por isso poderíamos abstratos para que possam compreen-
afirmar que nelas não se faz avaliação der o que se passa na aprendizagem,
formativa, ainda que intuitivamente. O dificultando a regulação contínua para
que parece ser a questão de Perrenoud a avaliação formativa.
são as preocupações que devemos ter O terceiro obstáculo a ser ultrapas-
em mente ao construirmos um instru- sado é a falta de tempo e a dispersão que
mento de avaliação que vise a regulação ele acarreta. O professor depara-se com
das aprendizagens. diversos problemas durante o seu traba-
Vale a pena fazer um recorte de um lho com a turma, exigindo dele a toma-
aspecto presente no capítulo quinto de da de variadas decisões no decorrer de
seu livro (Perrenoud, 1999, p. 77), que sua aula, fazendo com que seu tempo se
diz respeito à avaliação formativa espe- fragmente, ocasionando a sua dispersão.
cificamente. O autor apresenta quatro Isto tem efeitos na regulação das apren-
obstáculos não tão triviais que dificul- dizagens, fazendo com que os momentos
tam a construção de um projeto de ava- propícios não sejam identificados, ou
liação desta ordem. O primeiro deles suficientemente explorados.
se relaciona ao currículo. É comum O quarto impeditivo para uma regu-
enfatizarmos mais os conteúdos a ensi- lação adequada da aprendizagem é a
nar do que o conhecimento propria- importância atribuída pelos professores
mente dito. Para este problema, à regulação das tarefas e ao controle do
Perrenoud sugere que: “[...] uma formu- trabalho. Deveríamos priorizar o pro-
lação dos planos de estudos em termos de cesso e não o produto, atentar à pro-
objetivos e a lembrança sistemática das gressão dos alunos nas tarefas, com-
aprendizagens almejadas por determinada preender a dificuldade no momento em
tarefa poderiam modificar a representação que ocorre.
dos elos entre atividades constitutivas do Estas seriam ‘dicas’ para integrar-
currículo real e aprendizagens almejadas” mos a avaliação à prática educativa. A
(1999, p. 83). uma primeira leitura, podemos conside-
O segundo obstáculo está na pouca rar tais aspectos evidentes, e avaliar nos-
familiaridade dos professores com os sa própria atuação positivamente. Mas
processos de aprendizagem. Raramente está justamente aí a contribuição deste
os professores estudam, durante sua livro de Perrenoud. Comumente agimos
formação, as teorias psicológicas que com a lógica tradicional, acreditando
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fazer uma avaliação formativa, quando que a avaliação está no centro do siste-
estamos a serviço da seleção. ma didático e do sistema de ensino, e
A dificuldade de mudança está em não somente na escola. Da mesma
nossas crenças e representações, pois as maneira, não podemos centralizar a
contradições que construímos em nos- responsabilidade no professor pela
sos projetos avaliativos decorrem das mudança, pois temos que ter em conta
contradições do próprio sistema educa- que a avaliação contínua das aprendiza-
tivo. Somos obrigados constantemente gens não substitui o ensino, o que seria
articular seleção e da formação, numa uma supervalorização da prática avalia-
exigência que está para além dos domí- tiva. Assim, é de uma forma indireta
nios de nossas instituições de ensino. que Perrenoud, depois de uma aborda-
Com os sistemas diferenciados, como o gem exaustiva sobre o tema, na conclu-
sistema de ciclos, descobrimos que a são de seu livro, responde a questão da
ausência da reprovação não suprime a mudança das lógicas:
existência de desigualdades. Essas con-
tradições permanecem em nossas [...] seria bom que ao
representações da avaliação e orientam agrupamento daqueles que
nossos atos. trabalham sobre as diversas
Nos vemos encurralados por nossas facetas e funções da avaliação,
próprias práticas. Vivemos na contradi- façam o contrapeso das
ção do reconhecimento e da negação das associações, departamentos
desigualdades, num conflito entre a universitários, programas e
lógica formativa e a lógica seletiva. projetos de pesquisa ou de
Desta maneira, como poderíamos fazer desenvolvimento que reúnam
da regulação contínua das aprendizagens abordagens transversais e
a lógica prioritária de nossas escolas? abordagens didáticas do ensino
Apesar de trabalhar os temas no e da aprendizagem, em torno
plano da teoria, sem tomar como base do tema da diferenciação,
exemplos concretos, o livro nos aponta da regulação, da individuação
para a necessidade de uma abordagem dos percursos.
sistêmica da mudança das lógicas, já (Perrenoud, 1999, p. 168).

Adelina de Oliveira Novaes


M ESTRE E D OUTORANDA EM E DUCAÇÃO PELA PUC-SP
D ESENVOLVE PROJETOS DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
JUNTO A D IREITO GV

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