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UNIFEMM

Centro Universitário de Sete Lagoas


Pós-Graduação em Psicanálise: Teoria, Clínica e Extensão

Sidney Stefani Ramos Souza

A clínica do Real

Sete Lagoas
2021
Sidney Stefani Ramos Souza

A clínica do Real

Breve recorte de Pós-Graduação apresentado à


Pós-Graduação em Psicanálise: Teoria, Clínica e
Extensão, como parte dos requisitos necessários
à obtenção de avaliação da disciplina “A Clínica
do Real”.

Orientador: Profa. Ernesto Anzalone

Sete Lagoas
2021
O que é o Real? Como Lacan identificou nas leituras
de Freud esse conceito?

Freud para acertar teve que errar por diversas vezes. Não é somente de sucesso
que a psicanálise foi construída. Avaliando os casos clínicos tem mais casos que deram
errados do que casos que deram certo. Esse percursso foi feito de várias maneiras, entre
elas, técnicas hiponóticas em que ficava uma lacuna: O que fazer depois que o paciente
sai do procedimento hipnótico e não lembra mais do que foi falado? Sem essa resposta,
começou o processo de associação livre, talking cure, onde o paciente falava de tudo que
via a mente. Nesse método é demonstrando que o inconsciente pode ser expressado
através das palavras. Em seu trajeto de erros e acertos, Freud irá conhecer mais uma
verdade: existe mentiras nas palavras dos sujeitos e que a coisa é mais complexa do que
ele imaginava. As pessoas inventam uma realidade que não é. Pensando em desistir ele
descobre uma verdade: A realidade inventada traz à tona a fantasia que para o ser falante
é tão real como a realidade. Essa verdade sobre a mentira trará o termo realidade
psíquica. Tem algo que se passa na mente da pessoa, outra coisa que realmente
aconteceu e a expressão falada do que aconteceu. Pensar em A, falar que de B e agir
como se fosse C. A partir da fala é que irá descobrir o saber não sabido do inconsciente.
Lacan faz um retorno à Freud porque os pós-freudianos imaginalizaram a coisa
demais. Como exempleo, podemos citar Melanie Klain, no caso Richard, em que na 2ª
guerra mundial, (Richard) abre a porta do consultório de Melanie Klain e diz que tem um
soldado morto lá fora. A interpretação imaginalizada pela Melanie é que o soldado morto
lá fora é o desejo do paciente de ver seu pai morto. Em outra cena, o pequeno Richard
está balançando o pé em baixo da mesa e Melanie Klain diz que essa reação significa
que é o pênis do papai na vagina da mamãe. Lacan vai dizer: tem algo que se passa na
experiência de abrir a porta, ver o soldado morto. Tem algo nessa experiência de Richard
que precisa ser ouvido. O que Melanie Klain imaginou e disse foi relacionado à leitura e
aprendizado do complexo de Édipo. O tratamento do real “tem um soldado morto lá fora”
pelo simbólico : “estou triste”, “estou com medo”, “a vida tá uma porcaria”, “tenho
síndrome do pânico”. É esse dizer não dito que precisa ser investigado. O que realmente
está querendo ser ou não ser dito.
No texto de Freud de 1924 sobre a perda da realidade na neurose e na psicose,
apesar de ser muito didático, é necessário uma redução nos termos de id, ego, superego,
consciente, pré-consciente e inconsciente para compreensão do assunto. Por incrível que
pareça, Lacan, simplifica usando o Real da experiência psicanálitica. Mesmo assim, nos
últimos escritos de Lacan fica muito claro que tem o indizível, não é possível dizer tudo,
não é possível abordar tudo, a verdade não toda dita. A psicanálise se sustenta no
fracasso de tudo dizer. Não é um fracasso generalizado mas sem a ilusão e cobrança
super egoica de si mesmo.
Freud maravilhou o mundo ao mostrar que psicanálise é construída em cada
análise. Casa novo caso é uma nova descoberta. Não há receita de bolo. A proposta é
uma subversão ao discurso do médico onde o sintoma é devolvido para o paciente. Quem
irá escutar o indizível? Essa indigressão é muito importante para que seja
introduzido o real, simbólico e imaginário.
Quando uma pessoa fala: “Eu sou burro”: Segundo Lacan tem três dimensões:
1- Eu sou burro: Simbólico que representa a presença de algo ausente.
2- Eu sou burro: Imaginário que pode representar ser feito, ignorante,
excluído.É a dimensão do eu ideal do ideal do eu. Regulados por ideal.
Mas burro que quem? Mas pobre que quem? Mais bonito que quem?
Não se analisa pelo imaginário.
3- Eu sou burro: Toda vez que vou falar ouço minha mãe dizendo essa
palavra.
O real é o mais ligado ao indizível. Por exemplo, quando se vai numa casa onde
tem um doente existe um cheiro que marca o lugar. Esse algo que não tem muito a dizer.
Esse real que nos interessa somente na psicanálise. Esse real da psicanálise não é o
real da ciência, biologia e da física. Esse real do jogo da morte é indizível. O sujeito não
consegue falar dele. Freud chamará esse real de pulsão de morte.
Voltando nos pós-freudianos, muitas das interpretações são frutos de experiências
pessoais com o imaginário para dar conta do real. No ano de 2021, em meio à pandemia
do Covid-19, a sociedade brasileira é levada à alienação de não usar máscara ou não ter
muita preocupação por causa de um discursso imaginário. Na religião, frases como, foi
Deus que mandou, você é culpado, você vai para o inferno apreende a dimensão do real.
Tem certas coisas que não são dizíveis. Tratar pelo diálogo usando as três dimensões do
real, simbólico e imaginário. A interpretação está no corte e não na palavra. O corte
possibilitará a redução do imaginário/simbólico e aumento do real.
A linguagem é desprovida de significação, o símbolo nasce com a linguagem, o
que Lacan exemplifica com a “senha” e “a linguagem estúpida do amor”. No entanto o
falante tem a ilusão da existência de um vínculo natural entre significante e significado,
de que o significado já está dado e não depende dele, o que de certa forma é verdade,
mas não toda, como sempre – numa análise o trabalho maior é desapegar significante e
significado.
A fala desempenha papel essencial na mediação entre dois humanos, ao introduzir
o registro Simbólico, além de permitir que se transcenda a relação agressiva fundamental
apresentada pela miragem do semelhante, pois ela constitui esta mediação, dirá Lacan.
Vemos aqui o recurso a Hegel e à ‘Dialética do Senhor e do Escravo’, momento em que
uma ‘consciência-de-si’ se depara com outra ‘consciência-de-si’, gerando uma luta por
puro prestígio – caso não haja recuo de uma delas, o confronto acabará em luta de morte.
Uma das duas submete-se – torna-se escravo – e reconhece a outra como senhor.
No SIR, Lacan pouco fala do Real, provocando a questão de Serge Leclaire: “O
senhor falou do Simbólico, do Imaginário, mas havia o Real sobre o qual não falou”. Lacan
responde que “mesmo assim, falei um pouco. O Real é ou a totalidade ou o instante
esvanecido. Na experiência analítica, para o sujeito, é sempre o choque com alguma
coisa, por exemplo, o silêncio do analista”.[1] O Real aparece jungido ao Simbólico e ao
Imaginário, parte do “nó borromeano”, onde os três registros se sustentam mutuamente.
Não se confunda o registro psíquico do Real com a noção corrente de realidade:
o Real é aquilo que sobra, o resto do Imaginário a que o Simbólico é incapaz de capturar
– é o impossível. No seminário RSI[3], vê-se inversão e aprofundamento da temática que
privilegia o Real, meio esquecido em SIR. O Real aparece como o primeiro termo e Lacan
trabalha com “rodelas de barbante” para teorizá-lo, pois, por não ser simbolizável, seria
estritamente impensável.
Como responder “o que é o Real?” Parece uma questão indevida visto que falada,
pois o Real é mudo, impossível de ser captado pelo Simbólico ou pelo Imaginário. Mas
por não ser falado, o Real não engana: falta na ordem simbólica, são os restos não
elimináveis pela articulação significante – só pode ser aproximado, jamais capturado.
Referências

HEGEL, G.W.F. Dominação e Escravidão. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Ed. Vozes,


1992.

LACAN, Jacques. O Simbólico, o Imaginário e o Real, p 45. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Ed., 2005.

LACAN, Jacques. R.S.I. Le Seminaire. (texto do seminário não estabelecido), 1974-1975.

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