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Entrevista sobre a psicanálise

Considerações sobre a histeria


A estrutura côisica
a
ISSN 15 19-3128

Brasil: Rua Albuquerque Lins 9021212 01230-000 São Paulo SP Fax: (5511) 3826 9731

Opçáo Lacaniana é uma revista psicanaiítica brasileira internacional


Editada por Edições Eolia
Colaboraçáo: Fundação do Campo Freudiano e Associação Mundial de Psicanálise
Acordos com "La Letbe MensueUe" da École de Ia Cause freudienne

I n t q a a rede Scilicet üi que reúne ao lado de Ornicar? as seguintes publicações:

- Clique, Belo Horizonte -Cuadernos de Psicoanálisis, Bilbao - E1 Psicoanálisis, Madrid


- Freudiana, Barcelona - La Cause Freudiene, Paris - La Psicoanalisi, Roma - La Psychanalyse,
Atenas -Mental, Paris-Bmelas - Opçáo Lacaniana, São Paulo - Quarto, Bruxelas

FUNDADORES Antonio Beneti, Angelina Harari, B e m d o Horne, Luiz Henrique Kdi'idigal

DIRETOR Jacques-Alain Miller

REDAÇÃO Angelina Hami


ASSISTENTES DARJDA~ÁOMônica Bueno de Camargo e Cynthia N. de Freitas
COLABORAÇÃO Heloisa Caldas (Tradução), Jovita Cameim Lima, Rosa Maria Rodrigues dos Santos,
Sivia Pessoa, M m s André Vieira (Clássicos) e Teresinha N. Meirelles do Prado (Distribuição)
EDITORA^ Teresinha N. Meuelles do Prado
PRODUGO G R ~ C AProdutores Associados (São Paulo)

Os colegas que desejarem receber Opção Lacaniana por correio ou desejarem difundi-la,
podem dirigir-se à Redaçáo (oplawrniaM@gmaiI.mm).

Capa: Thoneteando - Paris, 2007


Pablo Reinos0 (artisia plariico)
OPÇÃO LACANIANA

EDITORIAIS
7 Ricardo Seldes, No encontro com o (a)
10 Angelina Harari, Edição Especial: 50

I1 Jacques Lacan, Entrevista sobre a psicanálise


Considerações sobre a histeria

ORIENTAÇÁO LACANIANA

23 Jaups-Alain M&y A estrutura côisica

TESTEMUNHO DO PASSE

32 Ana Lucia Lutterbach Hokk, Relato


40 Marie-Hélène Brousse, Comentário do Testemunho do Passe de Ana
Lúcia Lutterbach Holck

SCILICET DOS NOMES DO PAI


A
43 Adoções, Gustavo Stglitz
Amor, Alexandre Steuem
Angústia, angústia de castração, François Leguil
Anorexia-bulimia,Maria de Las Nieues Soria Dafuncbio
Assassinato do pai, liicente Palomera
Ateísmo, Marco Foccbi
Ato,Jorge Chamorro
Autismo, liirginio Baio
Autoridade, Leonardo Gorostiza
Avaliaçáo, Carmelo Licitra-Rosa
B
Burocracia,Jean-François Cottes
C
Ciência, Pbilippe La Sagna
Complexo de Edipo, Silvia Tendlarz
Contingência,Rwsell Grigg
Crença, Françoise Fonteneau
Cristianismo, Carmen Gonzales Taboas
Culpa, liilma Coccoz
D
Democracia,Ricardo Nepomiachi
Desejo do analista, Domenico Cosenza
Deus, Antonio Di Ciaccia
Direção do tratamento, Dominique Laurent
E
Escola, Bernardino Horne
Estatísticas, Patricia Tagle Barton
Ética, Rose-Paule Vinciguerra
Extimidade, Ricardo Carrabino
F
Falo, Miriam Cborne
Família, Miquel Bassols
Feminismo,Marie-Hélène Brousse
Fobia 1, Célio Garcia
Fobia 2, Mario Goldenberg
Foraclusão,Jean-Claude Maleual
Fraternidade, Oscar Sawicke
Fratria, Enric Berenguer
Frustração, privação, castração, Gustavo Dessa1
Função,Juan Carlos Indart
G
Gozo, Estela Solano Suarez
Guerra, Guy Briole
H
Hamlet, Guillermo Bustamante
Há o Um, Armand Zaloszyc
Histeria, Lucia D'Angelo
Homossexualidade feminina, Alicia Arenas
Homossexualidade masculina, Adriana Rubistein
I
Identifica 50, Ricardo Seldes
$
Igreja, Al edo Zenoni
Impostura, Marcelo Barros
Inconsciente, Manuel Fernández Bhnco
Interpretação,Hebe Tizio
Invenção, Dominique Miller

J
Joyce, Anne Lysy
K
Karamazoq Anne Szulzynger-Bernok
L
Lei, Fernando Vitale
Luto, Pierre-Gilles Guéguen
M
Mentira, Sérgio Laia
Mestre, Ronald Portillo
Metáfora paterna, Juan Fernando Perez
Mito. Antoni Vicens
Neurose, Luis Erneta
Nó, Pierre Skriabine
Nomes do Pai, Roberto Mazzuca
Nominaçáo, Samuel Basz
Norma, normalidade,Maurizio Mazzotti
Nostalgia, Manuel Zlotnik
o
Objeto, objeto a, Marcus André Pieira
Obsessão, Serge Cottet
Ódio, PhilZppe Lacadée
Outro, Pierre Naveau
P
Pai, não vês....?,Marie-Hélène Roch
Passe 1, GuillermoBelaga
Passe 2 , Moniqu Kusneriek
Passe 3, Patrick Monribot
Passe 4, Celso Rennó Lima
Pior,Jean-Pierre Klotz
Père-version, Osvaldo Delgado
Perversão, Alain Merlet
Poesia,Jo Attié
Política,Jorge Yunis
Ponto de basta 1, ChristianiAlberti
Ponto de basta 2, Yves Depelsennaire
Procriação, François Ansermet
Psicose, Roger Wartel
Psicoterapias,PhilZppe Hellebois

Q
Quantum, Gerardo Arenas
R
Real, Ernesto Sinatra
Realidade, Massimo Recalcati
Recalque, Carlo Vtganò
Religião, Aníbal Leserre
S
Seitas, Romildo do Rego Barros
Semblante, Mónica Torres
Sexuação, Fabian Schejtman
Sintoma, Mauricio Tarrab
Sublimação, Hervé Castanet
Superstição,Jésus Santiago
Suplência 1,Jean-Pierre Defiem
Suplência 2 , Carole Dewambrechies La Sagna
Toxicomanias, Gerardo Requiz
Traço unário, Frida Nemiroskji
Tradição, Angelina Harari
Transferência 1,Flory Kruger
Transferência 2, Rosa Elena Manzetti
Trauma 1, Gabriela Dargenton
Trauma 2. Ernesto Piechotka
u
Universal, particular, Sophie Marret
v
Verdade, Marie-Hélène Briole
Virilidade, Oscar Zack
X
X: a incógnita da equação, Nathalie Charraud
W
W'eltanschauung, Herbert Wachsberger
Witz, Germán Garcia
Y
Yahvé, Marco Mauas
z
Zazie, Catharine Lazarus Matet
Zen,Jean-Louis Gault
OPÇAO LACANIANA

EDITORIAIS

No ENCONTRO MARCADO COM O (a)"


Se tiocé conhecesse o Tempo como e11 co?zheço,
disse o chul)eleiro, nüo/uluriu aísinl.
Nüo é uma coisa que se possa guFra1; é alguém.
letriis Cariol
Alice no país clcis viaravilhas
CUm chá muito louco']

O próximo Congresso daAi\IP se dedicará a refletir sobre a experiéncia analítica a panir da


iniençáo de Jacques Lacan, "o objetou". tanto na persl~ectivado passe como na da psicanálise
aplicada ê terapêutica. &@ornar a prática
Analítica implica explorar o que se abriu para a conringência, para o encontro, os encontros,
o que implica uma exigência maior a respeito do que se considerou como necessário. Ou seja:
o estmtural.
Na aula 'K primazia da prática" do cuiso de Jacques-Alain Miller em 1999-2000,encontramos
a substituição que implica a pragmática sobre o "transcendental", unia vez que ela "significa o
que condiciona a experiéncia, o que a delimita"'.
Quando ingressamos no terreno da pragmática, tornamo-nos mais exigentes quanto ao
que é necessário e quanro ao que não é.
Este é o grande desafio que iniplica a aceitaçáo clos CPCli (PAUSA, CWSI, PASOS, aTEMPO,
entre outros), os centros de atenção psicaiialítica que apontam a produc;ão de efeitos terapêuticas
rápidos naqueles que sofrem, de forma aguda, com seu corpo e coiii seu pensamenro, Nos

Opçáo lacaniana nu 50 7 Dezembro 2007


tempos da (a)modernidade. Trata-se aí da realização de que há psicanálise onde um psicana-
lista se oferece para escutar um sujeito e fundamentalmente quando se trata do tratamento
do gozo conio dimensão essencial do corpo próprio.
Por isso em nossa intervenção em Belo Horizont? evocamos a afirmação de Miller de que:
se vamos falar dos objetos a na experiência analítica, tentaremos dar conta da presença do
corpo no discurso analisante3
Isto envolve diferentes antecedentes clínicos, uma vez que o parceiro radical do sujeito é
o objeto a, algo de seu próprio gozo: o mais de gozar. A conseqüência lógica da invenção
deste objeto é a implicação de que não há relação sexual, uma vez que não se pode escrevê-la.
Dizer que além da estrutura existem encontros e contingências, implica interrogar os modos
de gozo de cada um.
A partir dessa premissa iacan se interrogou como pode existir o amor pelo outro. O que
permite revestir o mais de gozar de cada um? liata-se de uma linha que vai além do narcisismo
e supõe a existência do inconsciente. Dar conta da presença do corpo no discurso analisante
implica que só há psicanálise de um corpo vivo que fala.
O Congresso da Associação Mundial de Psicanálise reúne seus membros a cada dois anos.
É uma oportunidade para colocar em discussão os avanços e tropeços que o discurso analítico
encontra na clínica e na teoria, que se renova com os desafios de nossa época.
É também a ocasião para participar do debate sobre os ataques sofridos pela psicanálise e,
na medida do possível: nos anteciparmos ao que virá.
No encontro de 5 dias (que incluirá a Assembléia Geral da AMP) teremos uma presença que,
por niais que misteriosa,nãosesá menos insistente:o objetou de nossa Associação,o Fator pulsional,
nossaaffectiosocieiatis.Aquela que nos dá a possibilidade de nos entendermos em nossas reunióes
translinguísticas, de nos emocionarmos ante um testemunho que mostra, por exemplo, a "humil-
dade face ao inconsciente" de aplaudir como prova de um certo prazer porque algo se transmitiu.
Ou, conforme assinala iUiller: "o objeto a se localiza talvez em um vínculo ou em uma
relação de cumplicidade, na qual pelo menos compartilhamos uma certa significaçáo além do
sentido"'. Um certo gozo que precisa também dos corpos dos membros da AMP
A preparação para o VI Congresso em Buenos Aires começa a agitar-se. Notam-se, já, os
primeiros signos cle um enganche reuelador da presença do objeto quando o tempo de com-
preender se esgota. É a presença do mais estranho que acaba representando o sujeito, o
conjunto dos membros que se reúnem por algo mais... Sempre por algo mais. Como nos
lembra Claudia Caruncho, responsável pela Secretaria de turismo e alojamento da Comissão
Organizadora (nww.amo2008.com),Borges dizia sem pudor: "Para mim é invenção que Buenos
Aires tenha começado; julgo-a tão eterna como a água e o arni.
Bueiios Aires encarnará uma consistência particular para oferecer aos amigos que conipoem
a AMP um buliçoso e sério sentimento de que por cinco dias será a sede da conversação sobre o
mais de gozar "(...) não posso dever nada senáo isorte, dito de outro modo, a fortuna (...)".6
Um tempo e um lugar para conjugar a tradição e as surpresas: um amente espaço de
trabalho pela causa e pelo porvir.
Talo traduzido por Tercsitiha N. Meirelles do Prado.

Dezembro 2007 8 Op<;ãoLacaniana n<'50


* A eupressão "No encontro marcado com o (a)": é uma anotação na margem da resposta de lacan, em Teleuisio, a
pergunta sobre o que ele faia com o afeto, com a pulsão, quando a objeção ao inconsciente era de que tratava apenas de
palavras. 111ldcan, J. (197311993). Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar: p.45.

'Milier 1-A. (2003). elaerpenencia de lo wl cn Ia cura pricoaoalílim. Biicnoi Aiies: Editorial Paidói, p27j~6.
'-~acialacanvcnación clinicaen el YI'Congmode l a h ~ .
'bliller,J-A. .tos objelasn en Ia experienuaanalítim. In u w . a m p ? ~ . c o m .
'Miile~J-A. (1997) dff~liosocielalisx.Inlacan Elucidodo. Rio de Janciro:Jorge Zahar, pp.551-558.
'Borgcs. J. L., -tiundadón mítta de Buenai Airm
6Lacan,J. (197311993) OPCIL, idem.

Lacaniana n" 50
Op~ão Dezembro 2007
Chegamos ao qüinquagésimo número de Opção lacaniana. Por esse marco, homenageamos
nossos leitores com esta edição especial. Embora não se trate, longe tlisso, de uni culto imhecil
ao número, denúncia feita por J-A Miller a respeito do estado atual das políticas de saúde
pública, em especial na França.
Alcançar a marca dos 50, para uma revista de psicaiiálise, significa bem mais que um núniero:é o
reconhecimentodo trabalho efetuado porumacomunidadeconstituídaem tomode umaepisteme.
A comunidade da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) sustenta esse trabalho, mas tam-
bém os colegas membros da Associação Mundial de Psicanálise que contribuem com a sua
produção. O Campo Freudiano, por sua vez: com suas redes de pesquisa, representa uma
fonte de suma importância neste periódico.
Esta edisão especial está conternplacla por dois textos tle Jacques Lacan, ambos inéditos
eni português, o suficiente para assinalar a irnponância coni que este número se reveste.
A escolha do texto da rubrica Orientação Lacaniana também teni sua razão de ser, uni
comentário do ultimissimo lacan, feito por ]-A Miller, em uma aula especial do seu curso, pós-
março de 2007. Essa rubrica se faz presente no suniáno desde agosto de 1996.
A contingéncia, que sempre acompanhou a confec~ãodos sumários não faltou nesta edi-
ção especial: desta vez publicamos o texto do primeiro testemunho da Analista da Escola
da Anl. a primeira nomeada por um cartel do passe brasileiro, Ana Lucia Lutterl~ach-Holck.O
texto vem acompanhado do comentário de Marie-Hélène Brousse, feito durante as jornadas
da EBP-Rio, em noveiiibro!07.
E, para completar tão interessante sumário, reeditamos um livro, que se tormou uma refe-
rénci;i da AMP: "Scilicet dos Nomes do Pai", um dicionário a maneira filosófica de Voltaire. São
100 entradas ordenadas alfabeticamente, distribuídas entre diversos colegas da AMP E cada
autor procurou toniar um aspecto do tema e problematizá-10, sem pretender um percurso
exaustivo. A idéia do dicionário Scilicet, segundo seus idealizadores (Graciela Brodsb, Éric
Laurent e Antonio Di Ciaccia), se fundanienta na Enciclopétlia chinesa que Borges imagina em
E1 idioma analítico deJohn W/kinsL.
Resta agradecer ao diretor do periódico, Jacques-Alain Miller, que com sua experiência, dedi-
cac;ão incansável e amor, faz com que esta publicação sempre se mantenha à altura dos tempos,
ou seja, nas palavras cle Lacan: que ela alcance em seu horizonte a subjetividade de sua época.2
1 Rorg~r,J. L. (1999). "0 Idioma Analitiro delohn Wlkini". In Oóras Cmnpblas.Vol li - 1952-1972. São Paulo Editora Giobo.
2 lacan.J. (1998). "Função e Campo da Fdae da Linguagem". In: Fmilos. Rio de Janeiro: Jorge Zahai p.322.

Dezembro 2007 10 Opcáo I~canianano 50


Épossíuel dizer que a psicanálise izao existefora da instituição psicanalítica. Dito de
outro modo, que essa ciência não pode ser considerada fora da obra de Freud, que a insti-
tuiu, e de setu sucescores.Jacques lacan, qual é sua posição por um lado, com relaçao a
Freud e. por ourro. com relação a Sociedade Fi-a?zcesa de Psicanulise?

O que penso das relações da psicanálise com a instituição? É uma questão que acho muito
pertinente. Para que a gente saiba da grave degradação ceórica que marca o conjunto do
niovimento psicanalítico, a instituição é muito útil. Trata-se aí de sua função de expressão.
Sem os meios dos quais a instituição dispõe, não pocleríamos saber até onde isso vai. kço-
Ihes que leiam os relatórios dos congressos internacionais de psicanálise e vocês perceberão
o que ali se comunica sobre Freud; por exemplo: é o que chamo de annafreudismo, ou
freudismo pelo uso de una. Vocês sabem o que são una: pequenas histórias agrupadas em
corno de um nome próprio'. Para o leigo, é o que indicará mais ou menos o nível em que a
prática também é apreendida. Digamos que ela náo manifesta na instituiçáo nenhum sinal
inquietante de progresso. Meus alunos são muito gentis, riem disso as esi:oiitlitlas, mas estão
sempre a vont:ide para testemunhar o caráter bastante aberto da entrevista que tiveram com
sicrano ou beltrano, entrevistas privadas, naturalmente. Engendro espíritos benevolentes.
Mas é evidente que você sabe disto o bastante para que não seja neste ponto que sua ques-
cão se detém. Se a Associação Internacional tivesse apenas o sentido de agrupar tanto
gastroenterologistas quanto psicólogos, vocé nem faria a pergunta. A questão da instituição
psicanalítica se coloca em outra escala, diferente daquela da confusão de uma feira, muito mais
próxima daquela de uma ámore genealógica. E aí, isso não aparece na cena do mundo, mas no
seio de grupinhos feitos de nós eni que se entrecruzam os ramos dessa árvore. Trata-se da
transmissão da própria psicanálise, de um psicanalista que é psicanalista para outro que se toma
psicanalista ou que começa a d-lo. Estes grupos, chamados ainda de sociedades, que pululam
no mundo? tem este caráter comum de pretender assegurar essa transmissão e de mostrar a
carência mais patente para definir essa psicanálise, dita didática, quanto ao remanejamento do
que se espera dela para o sujeito. Sabe-se que Freud situou esta psicanálise como necessária,
mas, para dizer o resultado dela: patina-se. Para o psicanalista didata, tomaclo no sentido daquele
que é autorizado a fazer análises didáticas, é inútil até esperar saber o que a qualifica.
Digo essas coisas em alto e bom som agora que trouxe soluções prestes a começar a tarefa
para que elas mudem. Foi por respeitar esta miséria escondida que me obstinei tanto em

Opção Lacaniana no 50 11 Dezenlbro 2007


retai-dar a publicação de meus tratdhos até que sua reuniáo fosse sufiuente. 'Eilvez,seja ainda espe-
rar demais do que de meu ensino passou para o domínio comum. Qual o quê! bi pata que ele não
se perdesse nisso que consagrei toda a minha paciênna. k z em quando, preciso fazer tal esforço.
Um grupo experiente, é essa a palavra, me assiste agora. O preço que paguei para isto não
me pesa, o que náo quer dizer que o tenha tomado levianamente. Simplesmente, paguei as
notas mais extravagantes para não me deixar distrair pelas peripécias que quiseram, proposi-
talmente, me fazer viver, digamos, no caminho do annafreudismo. Estas peripécias, deixo-as
para aqueles que se distraem com elas - tome essa palavra em seu sentido fone, o que signi-
fica que eles tinhani necessidade de se distrair com isso, distrair-secom o que forani convoca-
dos a fazer por mim. Talvez, um dia, eu dê o meu testemunho a esse respeito, nào tanto pela
história, na qual me fio: para seu passado, mas pelo que a historieta, como diz Spinma, tem
de instrutivo sobre a trama na qual ela pôde ser bordada, sobre os tipos de furos aos quais esta
ação entre todas que se chama de psicanálise predestina aqueles que a praticam, jogo de casas
a serem percorridas2,por assim dizer, em que se apóia uma espécie de exploração que, por
ser comum a todos os grupos, ganha aqui uma regra particular Percebo, é curioso, ao falar-lhe
disso, que come~areipelo que farejo, pelo que escapa a análise, veja você ... Pois é claro que
isso existe, as saias do annakeudisrno. A não ser que eu escreva sobre o homem que tinha um
rato no lugar da cabeça - pois vi isto, e não fui o Único, em Estocolmo.
Falta alguma coisa à cidade analítica: ela não reconstituiu a ordem das virtudes necessária
ao est:ituto do sujeito que ela instala em sua base. Freud quis fazê-la a partir do modelo da
Igreja, mas o resultado é que cada um se manteve ai no estado em que a escultura cristá nos
apresenta a Sinagoga: uma venda nos olhos, o que é claramente ainda uma perspectiva eclesi-
ástica. Náo se pode visar a que a estrutura seja refeita sem nisso ficar embaraçado, por fundar
nela um coletivo, uma vez que é isto que a esconde do comum dos monais.

Enl suma, épreciso ler Freud. Afas como, segundo Freud e segundo o senhol: é preciso
conceber o inconsciente?Como situú-102Como defini-lo?

Sim: a estrutura da qual a psicanálise impõe o reconhecimento é o inconsciente. h d e


parecer besta lembrar, mas é bem menos besta quando se nota que ninguém sabe o que é
isto. Isso não é para nos deter. Tarnpouco sabemos o que é a natureza, o que não nos impede
de ter uma física: e de um alcance sem precedentes, pois ela é chamada de a ciência. Uma
sorte, entretanto, que se oferece a nós quanto ao que diz respeito ao inconsciente, é que a
ciência da qual ele provém é certamente a lingüística. Primeiro fato de esuutura. Digamos,
antes, que ele é estruturado porque é feito como uma linguagem, desdobra-se nos efeitos da
linguagem. Inútil lhe perguntar por que, pois ele vai lhe responder: e para fazer você falar Tal
como acontece ao se usar isto com crianças que estão às voltas com os niesmos embaraços?
mas sem saber até onde vai o alcance do que se crê ser apenas uma volta, boa o suficiente para
se livrar da questão, pois se esquece de que a fala não é a linguagem, e que a linguagem faz o
ser falar tanto que: desde então, ele se especifica por esse palavrório.

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É evidente que niinha cadela pode falar: e mesmo que, fazendo isto, ela se enderece a
mim, mas, por lhe faltar a linguagem, isto muda tudo. Dito de outro modo, a linguageni não é
redutível à comunicação.Pode-se,sem dúvida, partir da idéia de que é preciso ser um sujeito para
fazer uso da linguagem, mas o que complica a coisa de início é ultrapa~sar.a saber, que apesar de
Descanes o sujeito não pode ser pensado, a não ser como estruturado pela linguageni.
Descartes deduz justamente que o sujeito é, pelo simples fato de que pensa, mai omite que
pensar é uma operação lógica, da qual náo consegue de modo algum purificar os termos apenas
para retirar dai toda idéia de saber Descartes elide que o que pensa é que é como sujeito: abram
aspas -Logo, eu sou. Mas acontece que isso &a) pensa ai onde é impossível que o sujeito
articule este "logo eu sou", porque é aí que está estruturalmenteexcluído que ele aceda ao que,
desde Descartes, ganhou seu estatuto sob o termo "consciência de si". Qual é o estatuto do
sujeito, aí onde isso Iça) pensa sem saber?Não apenas que isso Iça) pensa, mas inclusive que
isso &a) pensa, escutem: sem jamais poder sabê-lo. O que isto sugere a todo mundo é que aí,
isso (ça) é aind:i mais fonemente, com a condição de que outro alguém possa saber alguma
coisa sobre isto. E como é isto que se faz desde Freudl uma vez que é isso Iça) o inconsciente,
todo mundo fica muito contente com isto. Há apenas uma coisa que manca: isso &a)náo pode
dizer de maneira alguma "lngo eu sou", isto é, nomear-se como sendo o que fala.
Um apaixonado com o retomo da filosofia, pelo nienos é assini que ele se anuncia, leva-nos a
intuição do ser sem encontrar nada melhor agora do que atribuí-10 a Bergson, que teria se engana-
do de ensino e não de porta, tal como o mesmo, entretanto,lhe havia significado outrora. Não nos
fiemos até o fim na intuição do ser. isto jamais é sua última fíía. Apenas indicamos aqui, com um
tom que não é o nosso, mas daquele que evoca um doutor F'antalon na transformação que nos
detém, todo o coitejo de irnpasses manifestos que se desenvolvem a este respeito com uma coe-
rência, é preciso dizer, conservada; seri feito dito o balanço ao qual se deve reportar. Esta dissi-
mulaçáo para nós recobre simplesmente a ausência, ainda na lógica, de uma negação adequada.
Escuto daquela que seria própria para ordenar um "uel" - escolhi "lief'e não "auf',em latim3- um
"vef',para colocar a estrutura nestes termos: ou eu náo sou, ou eu não penso - dos quais o cogito
cartesiano seria a intenecção. Penso que os lógicos nie ouvem, e o equívoco da palavra "ou" em
francês4é o único propício para enganchar a estmtura nesta indicaçáo topológica: penso onde -
aí onde- não posso dizer que sou, onde- aí onde - preciso colocar no seu enunciado o sujeito da
enunciação como separado do ser por uma barra. Mais do que nuncal evidentemente, surge de
novo aí não a intuiçáo; mas a exigência do ser E é com isto que se contentam aqueles que não
vêem além do próprio nariz. O inconsciente permanece no ámago do ser, para alguns, e outros
vão crer que me seguem fazendo dele o "outro" da realidade. A única maneira de sair disto é situar
que ele é real, o que não designa realidade alguma.

Logo, apsicanálise seria a ciência do impossível?

O real como impossível de dizer, isto é, como o real, é o impossível. Tudo isso tem o
mesmo valot Mas impossível se enganar ainda com o que digo aqui. Pode-se constituir, na

Lacaniana no 50
Op~ão 13 Dezembro 2007
psicanálise, a ciência do impossível como tal? - é nesses temos que é &do colocar a questão, uma
vez que desde a origeni da psicanálise Freud não a definiu de modo diferente. É também por isto
que, depois de quinze anos para adaptar esta questão a uma audiência certamente ingrata, mas
por isso mesmo bem merecedora, chego a articulá-la pela Função do significante no inconsciente.
É claro que o método que proponho para isto resolve completamente as objeções que, nas
mesmas águas em que navego, incidem contra o método de Claude Lévi-Strauss.De resto, isso
não interessa a ninguém além daqueles que, diante da imensa eficácia de seu trabalho, não
gostam de ser questionados quanto a sua legitimidade. O próprio Claude Ik\~iStraussaparente-
mente prescindiu muito bem destes escrúpulos; ele seguiu seu caminho como fez Freud em
seu tempo. O que faço tem, entretanto, a pretensão de opor uma barragem, não contra o Pací-
fico, mas contra o guano que não pode deixar de recobrir em um futuro próximo, tal como
sempre se fez, a escrita fulgurante na qual a verdade se origina em sua estrutura de ficção.
Digo que ao ser (I'être), sucede a letra (lettre), que nos explica muito mais coisas, mas que
não durará tanto tempo se não cuidarmos dela. Abrevio niuito com tais palavras, tal como se
pode perceber.

O senhor é eshzturalista? De que maneira? AiiLq, há vái-iasmnar~eirasde ser estruturalista?

Minhas últimas palavras me servir20 de curto-circuito para centrar minha resposta na critica
literária que se habilita a partir deste termo: estruturalista. Pois ele motiva que, como tal, esta
critica esteja interessada na promoção da estrutura da linguagem tal como ela se dá então na
ciência. Mas náo há chance alguma de ela tirar proveito disto, caso não patticipe da escola desta
lógica elástica que tento fundar, unia lógica que possa envolver este sujeito novo a ser produzi-
do, não na medida em que ele seria desdobrado como ente - um duplo sujeito não vale mais do
que o sujeito que se crê um por poder responder por todos, é tão besta e tão enganador! -, mas
como sujeito dividido em seu ser. É o mesmo ponto que deve nos impelir. após só ter consegui-
do dizer novaniente que nos qualificavam como estmturalista, nós que l~rocedeniosda estrutu-
ra, para apresentar agora nossas reservas quanto a isto. A crítica, tanto quanto a literatura que é
aparelhada pelo estruturalismo, encontrará a ocasião de esbarrar na própria estrutura.
Para mostrar como, direi, guardem isto bem, basta que a crítica psicanalítica a faça urrar -

naturalmente, é fácil em alguns casos - todo o mundo fala de outra coisa, se vocês notarem
que, em Les Tenzps modernes, um psicanalista pretende esquadrinhar a obra de Robbe-Grillet
aplicando-lhes as grelhas krilles) da neurose obsessiva. Esta impudência náo desonra sequer
aquele que a comete, tendo em vista o curiosíssimo estatuto de louco - não é Foucault! -que
os psicanalistas conquistaram. Mas a tentação de uni deslize mais radical, ao ser totalmente
intrínseco, se apresenta a todo instante aos críticos estmturalistas, caso não se assegure, diria,
de uma psicanálise que os interdite passar a fazer, eles mesmos, psicanálise sem saber que
estão fazendo, tal como o Sr.Jourdain fazia prosa. Porque o inconsciente necessita da prirna-
zia de uma escrita: eles acabario por tratar a obra escrita como se trata o inconsciente. E
impossível que a obra escrita não ofereça a todo instante algo a ser interpretado no sentido

Dezenibro 2007 14 O p ~ ã hcaniana


o no 50
psicanalítico, mas se prestar a isto. por pouco que seja, é supô-la como o ato de um falsário,
uma vez que, coino escrita, ela não imita o efeito do inconsciente, ela faz o equivalente disso,
nÃo menos real clo que ele ao for$-lo em sua cuna. E, para a obra, é também falsário aquele
que a fabrica pelo ato mesmo de compreendê-laem vias de se fazer, tal como Valéry, dirigindo-se
as pessoas cultas tlo entre-guerras.
Tratar o sintoma como palimpsesto é, na psicanálise, uma condição de eficácia. Mas isto
não diz que o significante que falta para dar o traço de verdade tenha sido apagado, uma vez
que partimos, quando sabemos o que diz Freud, do que foi recalcado, e é aí que está o ponto
de apelo do fluxo inesgotável de significações precipitado no furo que ele produz. Interpretar
implica certamente este furo, ao fechá-lo,mas a interpretação nào tem que ser mais verdadeira
do que falsa: ela tem de ser certeiro (juste), o que, no final: vai calar este apelo de sentido
contra a aparência na qual ele parece animado pelo contráiio.
Disse há pouco que a obra literária tem êxiro ou fracassa, mas não é para imitar os efeitos
da esuutura. Ela só existe na curva que é aquela mesma tla estniriira. Não é uma analogia: a
cunfa em questão não é mais uma metáfora da estrutura do que a estrutura é a metáfora cla
realidade do inconsciente. Ela é seu real, e é neste sentido que a obra não imita nada. Ela é,
como fiqão, estrutura verídica. I.eiam o que coloco no inicio de meu irolume, sobre a cana
roubada de Edgar Allan Poe, e que isto possa ser comparado aos dois volumes, felizmente
conhecidos, que representarão quanto a este conto o papel de emético.
Esclare~amoso que articulo a este respeito pelo efeito que uma carta-letra5deve a seu
único trajeto de transformar em sua sombra a figura mesma de seus detentores. Isto sem que
ninguém, pode-se dizer, tenha a idéia do que ela envolve de sentido, unia vez que ninguém se
preocupou coni isto - a própria pessoa de queni ela foi roubada sequer teve tempo de lê-la,
tal como se indicou como provável. O que acrescentaria ao conto imaginar-lheo conteúdo?
Lembre-se, também, a maneira como designei em minha análise da priineira cena deAtália
o que acahou sendo creditado eni niinha escola com o termo de "ponto de basta". Minlia
análise náo se pautava por buscar os recónditos do coração de Abner ou de Joad, tampouco
de Racine, mas por demonstrar os efeitos de discurso pelos quais um resistente que conhece
sua política consegue fisgar um colaborador inclinado a se desembaraçar do fardo para con-
duzir tal política até fazer sua grande patronesse cair na armadilha - eni suma, com o mesmo
efeito sobre a assistência sem dúvida que a peça na qual Sanre fazia salpicar o retrato de
Pétain com os insultos de seus próprios milicianos diante de uma assistência que bendizia o
supracitado aincla em seu poder, por tê-la poupado do espetáculo clessas coisas quando elas
ocorreram. Trata-se aí, certamente, da tragédia moderna, que representa o mesmo expurgo
do horror da piedade que a antiga, mas para desviá-lo da vítima para o algoz ou ,3eja, para
-

assegurar o sono dos justos.


Isto para dizer que Racine, assim como Sarrre, foi sem dúvida ultrapassado em suai inten-
ções. Mas, eles não têm que responder pelo que ultrapassa a intenção e, sim, por este gênero
chamado teatro, esforço vendico por demonstrar a assistència: e de um modo muito cru,
como representá-la. Também sou ultrapassado por minha intenção quando escrevo, mas,
quando se está em análise coniigo, é legítimo interrogar-me como analista sobre meu esforço

Opçao I~canianano 50 15 Dezembro 2007


de ensino, em relação ao qual todos, sem exce~ão,arrancam os cabelos, não é para nenhum
crítico, para nenhum modo inicialmente legítimo de meus enunciados, nem de meu estilo,
exceto para situar que eles são do gênero do qual sáo provenientes. É tudo o que há de mais
regular na didática!
Para os estruturalistas: que se mantêm à distancia disto, uma distância excessivamente
respeitosa, me parece, talvez, ao me escutarem, ganhariam com isto algum rigor, com mi-
nha consideração.
*A pvaçáo desia enlrevista, dada por J. lacan no dia 14 de dezembro de 1966 na Radio-Téiévision belga (RTB 111) foi
daiilografadapor Ph. deYillers; ela foi relida e ligeiramente corrigida por mim. O estilo dessas proposições indica, a meu ver,
que lacan lia um texto redigido anteriormente -Jacques-.Uain Miller, 11 de julho de 2007.
Texto traduzido por Sérgio laia

'N.T.:Assim. em (r%&. ntm designa o que chamamos de "a", "anedmi'. "pequena hiitó~ia'contadas sobte alguém. Tendo em vista o j u g dr
palavw que Lacan f a romdnm Freud, o temo francés foi mantido.
'K.7:no original, oquf foi iraduzido por 'logode cara aseiem perco%daf éjnrde Iaie- lileralmenk. i q o do ganso. sendoque'ganso" alude, aqui: a
forma do pescop desta ave e que é encontrada n e t a tabuleina de jogos forniados por casas pelas quais so acinça, páia, ou retrocede. em fungáo, por
exemplo, de resultados obtidos em lances & dadoi.
'N.T.: Em latim, celdaigoaapena acolhaou preferéncia semafetar a m r g á o pitucipd, enguantoaui implica uma oporigão absolutaou essencial. uma
mlusáo mútua Em prluguU, tanto uel quanto ou1 podem ser traduzidos por 'ou" e este termo pode ser empregado nos dois sentidos relaiivm a e m
duas palrvrar Iatioas.
'N.T.: ale e q u í ~ t~a om b h se dá em porluguis roofome foi expiici@dono h a l da nota anterior
'RT: no original lellre. traduzido q u i por carta~leua.tendo em vista os dois sentida poisiveis, em porhiguk. para era termo fianch.

Opção lacaniana n" 50


CONSIDERAÇ~ES
SOBRE A HISTERIA

Consideração introdutória
Por onde andarão as histéricas de outroral essas mulheres maravilhosas, as Anna O , as
Emmy von N.?
Elas representavam não apenas um ceno papel, mas um papel social certo. Quando Freud
se põs a escutá-las, foram elas que permitiram o nascimento da psicanálise. Foi a partir de sua
escuta que Freud inaugurou um modo inteiramente novo da relação humana.
O que substitui hoje estes sintomas histéricos de outrora?A histeria não se deslocou, no
campo social?.4 maluquice psicanalítica não a teria substituído?
Que Freud foi afetado pelo que as histéricas lhe contavam parece-nos agora ceno. O incons-
ciente se origina no fato de que a histérica não sabe o que diz: quando de qualquer maneira ela
diz alguma coisa com as palavras que lhe faltam. O inconsciente é um sedimento de linguagem.
O real está no extremo oposto de nossa prática. É uma idéia-limite,a idéia tlo que não tem
sentido. O sentido é aquilo pelo qual operamos na nossa prática, a saber, a interpretação. O
real é este ponto de fuga como o objeto da ciência - e não do conhecimento, que é mais do
que criticável. O real é o objeto da ciência.
Pelo menos quando a consideramos a partir deste ponto de fuga, nossa prática é uma
escroqueria: blefar, fazer as pessoas pestanejarem, ofuscá-las com palavras. Esras palavras são
afetadas, o que chamamos habitualmente afetações. É o que Joyce designava com estas pala-
vras, mais ou menos empoladas, donde nos vem todo o mal.
O que digo neste ponto está no coração do problema do que levamos no tecido social. Foi
por isto que sugeri que halria alguma coisa que substituía esta falha que é o sintoma histérico.
Um sintoma histérico é curioso. Isto resolve a questão a partir do momento em que a
pessoa, que verdadeiramente não sabe o que diz, começa seu blá-blá-blá.
E o histérico macho? Não se encontra um que não seja uma fêmea...
Este inconsciente, do qual não compreendia estritamente nada, Freud Fez dele representa-
ções inconscientes. O que é que podem ser representações inconscientes. Unbewusste
Vorstellungen, existe aí uma contradição em termos. Tentei explicar isto, fomentar isto para
instituí-10 ao nível do simbólico. Isso nada tem a ver com representações, este simbólico, são
palavras. E, no limite, sim, podemos conceber que palavras são inconscientes. Não se fala,
aliás, senão disso. No conjunto, eles falam sem absolutamente saber o que dizem. É de fato no
que o inconsciente só possui um corpo de palavras.

Opção lacaniana n" 50 17 Dezembro 2007


Estou embaraçado, por me atribuir agora um papel, mas para ousar dizê-lo, eu coloquei
um pavimento no campo de Freud. Não estou tão orgulhoso disso. Direi mesmo mais: não
estou tão orgulhoso de ter sido aspirado nesta prática que prossegui como pude, e da qual,
por fim, não é certo que eu a mantenha até expirar Mas está claro que Fui o único a dar o
devido peso aquilo pelo que Freud era aspirado, por esta noção de inconsciente.
Tudo isto comporta certas conseqüências. Que a psicanálise não seja uma ciência, isto é
evidente. É mesmo exatamente o contrário. Isto 6 evitlente se pensamos que uma ciência só
se desenvolve com pequenas mecânicas, que são os mecanismos reais, e é necessário de
qualquer forma saber construí-Ias. É nisto que a ciência possui todo um lado anístico. É um
fruto da indústria humana: é necessário saber haver-se com isso. Mas este saber haver-se com
isso desemboca no plano da afetação.
A afetação é o que habitualmente chamamos de belo.

Diz-se: bela demonstração!


A geometria que elucubro, e que chamo de geometria de sacos e cle cordas, geometria de
tessitura, nada tem a ver com a geometria grega, que é feita apenas de abstrações. O que eu
tento articular, e uma geometria que resista.
Ela está ao alcance do que eu poderia chamar todas as mulheres, se as mulheres não se
caracterizassem exatamente por não serem todas. É por isso que as mulheres não consegui-
ram fazer esta geometria a qual eu me apego, quando tinham os materiais, os fios.
Talvez a ciência desse uma outra virada se dela fizéssemos uma trama, quer dizer alguma
coisa que se resolva em fios. Por fim, não sabemos se isto terá alguma fecundidade.
Se é certo que uma demonsuação possa ser chamada de bela, ~perde-setotalmente as estribeiras
no momento em que se trata, não de uma demonsmção, mas de alguma coita que é muito. muitís-
simo paradoxal, e que eu tento chamar como posso, uma nwnstraçao. É curioso perceber que há
neste entrecrmunento de fios, algo que se impóe como sendo do real, como outro núcleo do real.
Tenho disso a experiência. Não se pode imaginar como isso me balança, essas histórias do que eu
chamei nummomento, rotlinhasdebahante. Nãoénadachd-Iasaisim. Esm histórias de rodinhas
de barbante me dão muita chateação quando estou sozinho. Eu Ihes peço que experimentem tam-
bém, vococêj verão conio é iirepresentável,a gente se perde rapidamente. O nó bommeano, chega-
mos ainda a representá-lo para nós, mas é necessádo exercitar-se.Pode-se também claramente dar-
lhe representaçóe5no plano nas quais não nos reenconuamos mais. Não o reconhecemos.isto é um
nó borromeano, pois se rompemos uma destas iodinhas, as duas oums se liberam.

Opç2o Lacaniana nl' 50


Não é um acaso se acabei por me sufocar com estas representações nodais. São exatamente
estas que me atormentam. Conduzido, guiado como que por uma rampa, eu continuei a prá-
tica, este blá-blá-blá que é a psicanálise, e é de qualquer maneira marcante que isso tenha me
levado a isto, pois não há em Freud nenhum rastro do nó borromeano. Considero, no entan-
to, que, de maneira totalmente precisal fui guiado pelas histéricas. Eu não deixava de me ater
a histérica, ao que ainda temos ao alcance das niãos como histérica.
Estou aborrecido por empregar o eu (je), porque dizer o mim (moi), confundir a consciên-
cia com o ego, não é sério. No entanto, é fácil desli7ar de um ao outro. É espantoso pensar que
empregamos também a palavra caráter a torto e a direito. O que é um caráter, e também uma
análise de caráter, como se exprime Reich? É, de qualquer maneira, bizarro que deslizemos
táo facilmente.
O que nos interessa são os sintomas, e saber coiiio, com o blá-blá-blá,com nosso próprio
bla-blá-blá,quer dizer, com o uso de certas palavras, chegamos a dissolvê-los.O que chama a
atenção nos Studien uber Hj~sterieé que Freud chega quase, e mesmo inteiramente a
desembuchar que é com palavras que isso se resolve, que é com as próprias palavras da paci-
ente que o afeto se evapora.
A questão é saber, se, sini ou não, o afeto se areja com palavras. Alguma coisa sopra com
estas palavras, que torna o afeto inofensivo, quer dizer, náo engendrando sintoma. O afeto
não engendra mais sintoma quando a histérica começa a narrar esta coisa em relaçáo à qual
ela se assustou.
Dizer ela se assustou tem todo o seu peso. Se é necessário um temio pensado para dizê-
lo é que causamos medo a nós mesmos. Estamos ai no circuito do que é deliberado, do que
é consciente.

O que é ensinar?
Tentamos provocar nos outros o saber haver-se aí, quer dizer, saber se virar neste mundo
que absolutamente não é um mundo de representagões, mas um mundo da escroqueria.

Lacan é freudiano,
Mas Freud náo é lacaniano.
É absolutamente verdade. Freud nào tinlia a menor idéia do que ocorreu a Lacan de
papaguear em torno desta coisa de que temos a idéia, e que é o real. Posso falar de mim na
terceira pessoa. A idéia de representação inconsciente é uma idéia totalmente vazia. Freud
escorregava inteiramente ao lado do inconsciente. Primeiramente, é uma abstração. Não se
pode sugerir de representação senão retirando do real todo o seu peso concreto. A idéia de
representação inconsciente é uma coisa louca. Ora: é assim que Freud a aborda. Dela existem
marcas bem tardias nos seus escritos.
O inconsciente, eu proponho dar-lhe outro corpo, porque é pensável que se pense as coisas
sem pesá-las, bastam aí as palavras. Ar palavras fazem corpo. Isto não quer dizer absolutamente

Opção iacaniana no 50 19 Dezenibro 2007


que se compreenda seja lá o que for. É isto o inconsciente: somos guiados por palavras, das
quais nada compreendemos.
Tem-se o esboço disso quando as pessoas falam a torto e a direito. É claro que elas não dão
is palavras seu peso de sentido. Entre o uso de significantese o peso de significação! a maneira
pela qual opera um significante, há um mundo. É ai que está nossa prática: é abordar como as
palavras operam.
O essencial do que disse Freud é que existe a maior relação entre o uso das palavras em uma
espécie que tem as palavras a sua disposição e a sexualidade que reina nesta espécie. A sexuali-
dade está inteiramente tomada nessas palavras. Eis o passo essencial que ele deu. É bem mais
importante do que saber o que quer ou não quer dizer o inconsciente. Freud ressaltou isso.
Tudo isso, é a própria histeria. Não é um mau uso tomar a histeria em um emprego
metafisico. A metafísica é a histeria.

Escroqueria e prôton pseudos


Escroqueria e prôton pseudos são a mesma coisa. Freud diz a mesma coisa que isto que
chamo com um nome francês. De qualquer maneira, ele não podia dizer que educava um
certo número de escroques. Pelo ponto de vista ético, nossa profissão é insustentável. É, aliás,
por isso! que estou doente dela - porque tenho um superego, como todo mundo.
Não sabemos como os outros animais gozam, mas sabemos que, para nós, o gozo é a castra-
ção. Todo mundo sabe isto, porque é absolutamente evidente. Depois do que chamamos,
impropriamente, o ato sexual, como se houvesse um ato, não nos excitamos mais. Empreguei
o termo "a" castração como se fosse unívoco, mar existem incontestavelmente vários tipos de
castração. Nem todas as castrações são automotfas.
O auto-morfismo, contrariamente ao que se pode crer inorphé, forma - não é absoluta-
mente uma questão de forma; conforme destaquei na minha pairação seminarista. Forma e
estrutura não são a mesma coisa. Tentei fornecer delas representações palpáveis. Não são
representações, mas "mostrações". Quando reviramos um toro; isto produz algo completa-
mente diferente do ponto de vista da forma. É preciso diferenciar forma e estrutura.

A escroqueria com a forma ou com a estrutura?


Só mantenho a noção de estrutura com a esperança de escapar a escroquena. Quando
teço esta noção de estrutura, que de qualquer forma tem um corpo dos mais evidentes em
matemática, façon com a esperança de atingir o real. Em psicologia, coloca-se a estrutura do
lado da Gestalt. Mas se dizemos que existe um inconsciente, a psicologia é uma futilidade.
A Gestalt, dela temos o modelo, é evidentemente a bolha. Ora, o que é próprio da bolha é
desvanecer É porque cada um de nós está encrencado como uma bolha que não pode suspeitar
que haja algo além da bolha.
Trata-se de saber se Freud é ou não um acontecimento histórico. Freud não é um aconte-
cimento histórico. Creio que ele errou no tiro, assim como eu. Em pouco tempo, todo o

Dezembro 2007 20 Opção Lacaniana no 50


mundo estará se lixando para a psicanálise. Algo, apenas aí se demonstrou: está claro que o
homem passa seu teinpo a sonhar, que ele jamais desperta. Sabemos disso, nós psicanalistas,
a ver o que nos fornecem os pacientes, e somos tão pacientes quanto eles nesta ocasião: eles
só nos fornecem seus sonhos.

A dificuldade em falar do real


É totalmente verdadeiro que não é fácil falar dele. Foi ai que meu discurso começou. É
uma noção bem comum, e que implica a evacuação completa tlo sentido e, portanto, de nós
coiiio interpretante.

As castrações
A castração não é únjca. O uso do artigo definido não é sadio, ou então é necessário empregá-
10 no plural. Há sempre castrações. Para que o artigo definido se aplique, é necessário que se
trate de uma função, não automorfa, mas autoistruturada, quero dizer, que tenha a mesma
estrutura Auto, nada mais quer dizer do que estruturado por si, arruinado da mesma forma,
amarrado da mesma forma - existem exemplos aos montes na topologia.
O emprego de "o", "a": "os" é sempre suspeiro, pois existem coisas que são de estnitura
completamente diferente, e que não se pode designar pelo anigo definido, porque não se viu
como foi arruinado (conio foi feito).
Foi por esta razáo que elucubrei a noção de objeto a. O objeto a não é automorfo. O
sujeito nno se deixa penetrar sempre pelo mesnio objeto, ocorre a ele de se eiigaiiar ocasio-
nalmenre. É isto que quer dizer a noção dc objeto a: que nos enganamos de objeto a.
Enganamo-nossempre às suas expensas. Para que isro semiria se não fosse incômodo?Foi por
isso que se construiu a noção de falo. O falo nada mais quer dizer do que isto, um objeto
privilegiado sobre o qual não nos enganamos.
Só se pode dizer "a" castração quando há identidade de estrutura, enquanto existem trinta
e seis estruturas diferentes, não automoifas. Seiá o que chaniamos o gozo do Outro, uni
encontro de identidade de estrutura? O que quero dizer, é que o gozo do Outro não existe,
porque não se pode clesigná-lo por "o". O gozo do Outro é diverso, não é automorfo.

Por que os nós?


Meus nós me servem como o que encontrei de mais próximo da categoria de estmtura.
Tive uin pouco de dificuldade para Fazer passar pelo crivo o que deles poderia abordar o real.
A anatomia, no animal ou na planta - é do mesmo tipo - são pontos triplos, coisas que se
dividem. O y, que é um ípsilon, serviu desde sempre para suportar formas, a saber, algo que
tem sentido. Exisre algo de que se pane, e que se divide. A direita o bem, a esquerda o mal.
O que existia antes da distinção bem/mal, antes da divisão entre a verdade e a escroqueria?
Havia ali já alguma coisa antes que Hércules oscilasse na encmzilhada dos caminhos entre

O p g o Iacaniana no 50 21 Dezembro 2007


bem e mal. Ele já seguia um caminho. O que se passa quando se muda de sentido, quando se
orienta as coisas de outro modo?Tem-se,a partir do bem, uma bifurcaçãoentre o mal e o neutro.
O que é a neutralidade do analista, senão justamente esta subversão do sentido? A saber,
esta espécie de aspiração, não "em direção ao" real, mas "pelo" real.

A psicose escapa a escroqueria?

A psicose é penosa para o psicótico, porque, enfim, não é o que se pode desejar de mais
normal. No entanto, sabemos dos esforçosdos psicanalista para assemelhar-se a eles.JáFreud
falava de paranóia bem sucedida.

More geometrico
Por causa da forma, o indivíduo se apresentada como ele é arruinado, como um corpo.
Um corpo, isto se reproduz por uma forma. Um corpo falante só pode conseguir se reprodu-
zir por um rateio, quer dizer, graças a um mal-entendido de seu gozo.

A estrutura
Quando seguimos a estrutura, nos persuadimos quanto ao efeito da linguagem. O afeto é
feito do efeito da estrutura, do que é dito em algum lugar.

O amor
O que nossa prática nos revela, é que o saber, saber inconsciente, tem uma relação com
O amor.

Bruxelas) 26 de févereiro de 1977

Teno esrrbelecido por Jacqucs-hlain Miller


Testo traduzido por Manoel Barros da hlota.

*Este iexto foi esmhelccido apriirdc umapnnieiratransiri$áo publicad~comminhautori2a~áono seguiido iiúmerodepi<arlo ein 1981: cita Wmcrição
utilizai3 iioias manurcrimde hl. Cornel e Gilson- IAM.

Opçáo lsicaniana n" 50


Acredito ter concluído a redação do que eu chamei de "ultimíssimo" ensino de iacan.
Devo dizer que isto me tira um peso das costas. Eu estava atrapalhado com isso. E agora:
estou aturdido. Mas não com as voltas e reviravoltas desses ditos, não mais, justamente por tê-
los seguido até fazer deles isto com que sonho as vezes, uma via romana. A via romana é a
metáfora com a qual Iacan ornamentava o Nome-do-Pai em seu terceiro Seminário, uma via
transcendente, transcendendo os divertículos, as atribuiçóes, os atalhos.
Evidentemente, e.xagero ao dizer que cheguei a uma via romana, mesmo assim: procuran-
do um título para a primeira lição do último dosSeniiná?io de iacan, tive o sentimento fugidio
de que eu reconstituía a via romana desse "ultimíssimo"ensino. Uma via romana entre todos
esses meandros.
Mas a metáfora da via romana não convém de modo algum aos nós bonomeanos, nem ao
que chamamos o toro, a câmara de ar, os dois objetos matemáticos associados por iacan em
seu "ultimíssimo" ensino. São bússolas das quais ele se seme: embora não indiquem exata-
mente pontos cardeais, esses pontos em cruz que nos permitem orientar-nos a partir de sua
posição. A bússola tornou-se mais complexa e mais precisa com o desenvolvimento que lhe
foi dado pelo GPS. Elas são instmmentos para dar a direção, para indicar aonde ir. metáfora
que sempre me foi cara, já que intitulei este curso: "Orientação Lacaniana."
Contudo, no "ultimíssimo" ensino de iacan a dire@o é o giro em círculos e até mesmo o
repisamento, um registro de metáforas completamente diferente. Esse último ensino explora
o que esse giro em círculos tem de estrutura, para empregar um termo que aqui é cuidadosa-
mente evitado por razões que recomponho e que exporei adiante.
O giro em círculos tem uma estrutura, vemos isso no nó borromeano, que associa vários
giros em círculo segundo uma disposição a primeira vista surpreendente, e que mostra que o
giro em círculo é susceti\~elde uma coniplexidade da qual nao suspeitávamos.
Quanto ao toro) ele associa giro em círculo e furo. E, eventualmente, podemos nos servir
tantos de aros de barbante quanto de toros. Os toros são suscetíveis de se associar a moda
borromeana. Há algumas dificuldades para reconstituir e simplificar os desenhos de iacan. To-
davia, contrariamente ao que se pensa! a principal dificuldade não é essa, mas redigir o que resta
de fala. Se nos deixamos levar .
pelo giro
- em circulo, sem dúvida ficamos aturdidos com isso. Em
contrapartida, a estrutura é o que permite sair do aturdimento, e acredito tê-lo conseguido.
Sair desse diálogo com iacan, que me havia aspirado, no qual me fechei muito a vontade,
sair desse confinamento para fazer seu relato: me aturdiu. O que tenho a dizer no relatório?

O p ~ ã Lacaniana
o no 50 23 Dezembro 2007
Quatro Seminários de Lacan estão concluídos, o editor deverá publicá-los em seu ritmo.
Acrescento, inclusive para me encorajar, que no próxinio mês de setembro serão seis, assim
espero. E se for preciso tranqüilizar os que se inquietam com a conclusão dessa tarefa antes
do meu desaparecimento, e que já me achavam um tanto adoentado, direi que terei ainda seis
deles para redigir antes de passar para outra coisa.
O "ultimíssimo" ensino de Lacan constitui-se exatamente de doisSeminários. O 24, que
segue o do Si?zthoma, e o 23. Eu os publicarei em um único volume, o que então somará,
quando o conjunto estiver disponível, 25 Seminários em 24 volumes.
Depois disso, Lacan não se calou, ele continuou a tomar a palavra, me enviou dossiês e o
que ele disse em 1980 já foi publicado na época. Mas, informo-lhes, não se trata mais do
Seminário de Jacques Lacan. Considero que Lacan fixou os limites do seu Seminário propri-
amente dito ao dar ao Seminário 2 2,de 1977-78,o título: momento de concluir. E tudo indica
que isso deve ser tomado ao pé da letra.
Esse título é certamente uma referência i sua lógica temporal, desenvolvida, publicada no
fim da Segunda Guerra Mundial, sob o título .Tempo lógico.. E podemos esperar da explora-
ção desse Momento de concluir algumas luzes sobre o que o antecedeu. Ele não será publica-
do no final da publicação do Seminário delacques Lacan, mas durante o seu curso.
O tempo era certamente uma preocupação de Lacan, no momento de parar, mas não só
isso. No passado, em seu escrito "Radiofonia",ele já havia destacado esse principio segundo o
qual "é preciso tempo" para a análise. Eni seguida, iacan quis falar sobre 'A topologia e o
teml~o"o que! aliás, figura erroneamente como titulo nas orelhas das capas dos Seminários.
Não fui eu quem inscreveu isso, mas alguém que queria se assegurar de que as ediçóes Seuil
publicariam todos os textos de iacan, e a cada ano acrescentava ali esse título. Deixei isso
como estava, mas náo haverá os Livros 26, 27, ou 28 doSeminário.
Essa é uma indicação de que iacan se preocupava com a relação entre a topologia e o
tempo. Vemos essa preocupação apontar desde o Seminário sobre o sinthoim, e compreen-
demos que não se trata do tempo linear, do tempo necessário para ir de A até B - que é a via
romana -, o tempo da trajetória quando se espera que depois haja outra coisa. O tempo
associado a topologia é, em primeiro lugar, um tempo circular. É o tempo do giro em círculo.
Não é ausência de tempo. A ausência de tempo é a eternidade da qual iacan diz, precisamen-
te em O momento de concluir, que é uma coisa com a qual sonhamos. Acrescentemos que o
fato de ser algo com o qual sonhamos não toma a eternidade especial.
No "ultimissimo" ensino de Iacan, vemos desfilar muitas coisas com as quais acreditáva-
mos não sonhar, mas descobrimos ter havido ao menos um que pensou tratar-se de sonhos
ou - o que é ligeiramente deslocado - de fantasias.
O sonho da eternidade censurado por iacan já no seu Seminário do sin/homa é aquele
que consiste em imaginar, diz ele, que despertamos. E, de acordo com o que aparece no
escrito que coloca um ponto final nesse Seminário, de acordo com o "Esp d'um laps", o
"ultimissimo" ensino de iacan comporta, se desdobra eni um espaço em que não há desper-
tar, no qual o despertar, eu o cito: "é impensável", no qual o próprio despertar é um sonho.
Devemos reconhecer que isso é realista, realista no sentido do real. Alguma vez se viu o

Dezembro 2007 24 O p ~ ã olacaniana no 50


passe constituir um despertar para alguém? O fato de não haver despertar significa que, por
todo um aspecto, não saímos do sonho. Não sainios e talvez seja precisamente isso o risível. O
novo tom que iacan põe sobre a vida é cômico. Ele já havia dito que, na verdade, a comédia
era superior a tragédia. E ele o disse em nome do falo, em nome do valor sexual sempre
escondido, inclusive no fundo da lamentação. Escondido no fundo do impasse, na hiância da
relação com o outro. Mas, aqui, a comédia se sustenta nos simples giros em círculo. E o pró-
priosinthoma recebe o valor de ser o inconsciente, porquanto não saímos dele.
Por essa razão, eventualmente iacan formula, no seu "ultimíssimo" ensino, que não há
liberação do sinthoma, não há dissolução do sinthonia. Em outros momentos, ele pôde falar
de desfazer o sinthoma. Aqui, poréni, digamos que ele visa apenas, creio eu, os divenículos
do sinthoma e nâo o sinthoma como via romana. Isto é, o sinthoma como esta nova via roma-
na que é o girar em círculo. Nada de liberação do sinthoma, trata-se apenas, diz ele, de saber
a m ã o de estar atrapalhado com ele. Essa proposta é cenamente problemática, pois estabele-
ce uma ligação entre a análise e o saber; ligação duvidosa, suspeita, adjetivo utiliiado por
iacan no seu "ultimissimo" ensino, agitador de fantasias.
Pode-se falar de uma ligação da análise com o saber na qual imaginamos progredir, pois
esclareceríamos o que é a análise pelo que acreditamos saber. Mas a questão aberta no
"ultimíssimo"ensino de Lacan é: o que é o saber?Nesse nível, o saber não é um despertar e, se
fosse preciso escolher,ele seria: antesl um sonho. É aqui que Lacan trilha seu giro ein círculos.
O ser humano - les ttrumains', como ele o escreve na época -está condenado ao sonho.
Há algo a dizer sobre o ser humano em relação ao que Lacan chamava falasser!
A diferença é inicialmente ter escolhido, privilegiado o plural. h r a mim, é o que se destaca
na leitura e na redação. iacan enfatiza isso: que o humano é essencialmente social.
A topologia, tão aparente nos seus fastos borromeano e tórico, é incessantemente forrada
com uma sociologia. Aliás, lacan encontra aí seus amores da juventude, pois ele só havia
abordado o tema da faniília mobilizando referências a sociologia e a etnologia que continua-
ram a fazer-lhe cortejo. Aqui, a sociologia de Lacan colabora com o desarranjo, com a suspeita
dirigida a fantasia onipresente.
Vejam, por exemplo, esta observação na penúltima lição de iacan, que até se poderia des-
prezar: "por que o desejo passa ao amor?Os fatos não permitem dizê-lo". Noto sua referência
ao factual, que sustenta que é preciso falar claro, distinguir os níveis. Iacan náo erra ao opor
os fatos ifantasia. Ainda que, em outro nível: a atribuição aos fatos possa ser, é claro, igual-
mente suspeita.
Sim, ele diz "os fatos", da mesma forma que, nesse último ensino, o que é falado utiliza, na
maior pane do tempo, os vocábulos mais correntes da iíngua. Há um contraste constante
com o despojamento da língua, devido a essa evisceração das fantasiac. Tudo é da ordem do:
"o que chamamos isto': Aliás, ao redigir, é preciso que eu suprima essas aspas, caso contrário
não seria mais legível. Enfim, deko algumas, o suficiente para percebermos que os termos
técnicos, em particular da psicanálise, são apreendidos com muito cuidado, colocados a dis-
tância. Há um contraste consrante entre o uso da língua mais familiar e o hiper-tecnicismo
aparente, bastante evidente, das figuras topológicas.

Opçáo iacaniana no 50 25 Dezembro 2007


Então: "Por que o desejo passa ao amor? Os fatos não permiteni dizê-lo. Há, sem dúvidal
efeitos de prestígio". Dificilmente se pode ir mais longe na degradação discreta da vida amo-
rosa. E, ao incluir assim a operação do semblante no amor, Lacan verte essa noção no registro
da sociologia. Em minha opinião, o mesmo ocoire quando ele ousa dizer sohre a interpretaçáo,
nossa saiita interpretação, que é tudo o que temos para operar. em nossa tradiçào lexical, pelo
menos semântica, quando ousa dizer que a interpretaçáo depende tlo peso do analista. Ou
seja, aqui também, efeito de prestígio. E, e\~eritualmente,esse movimento chega a rebaixá-la a
sugestáo, horresco reerens.
O jogo de latas' - o "ultimíssimo" ensino de iacan é um jogo tle latas é, contrariamente
-

às aparências, divertido, cle longe melhor que qualquer Livro Negro da Psicanálise. iacan
continua até chegar a dizer que a análise é magia, Claro! E que nela nos esforçamos com os
meios de borcld. E a bordo temos essencialmente a Fala apoiada nos efeitos de prestígio.
Fsforçanio-nos para comover uma coisa velada e imaginamos que conseguimos. Então, quando
somos dois a imaginá-lo,:i coisa já melhora! mas nem por isso dá provas contra a redução da
psicanálise a magia. Eu acrescentarei ainda uma proposifão a qual um Bourdieu náo objetaria.
Cito Lacan: "a análise é um fato social". Não se deve acreditar que isto queria dizer que "ela é
um fato social entre outros".
As evocações que acabo de fazer bastam para escorar a tese constituída pelo "ultimíssimo"
ensino de Lican: ao mesmo tempo em que ele se esforça pela psicanálise até quase o seu
último suspiro, testemunhando assim ser unia espécie de mánir da psicanálise, pois bem, ao
mesmo tempo, ele constitui também uma deflação da análise. %ata-se de saber se ela é salu-
tar. Uma deflação da análise e: é obvio, dos psicanalistas. Mas Lacan já o havia começado bem
mais cedo. Uma deflação, digamos, uni esvaziamento.
Posso Ihes dizer, agora, qual foi o verso que me veio a cabeça ao redigir esse mo~nenlode
concluir, quaiido eu fazia os últimos retoques. Trata-se de um verso de TS. Eliot que foi uma
leitura de Lacan encontrada em seuSelninário. Foi tamhéni com T.S. Eliot que iacan escolheu
concluir seu discuso de Roma: "Função e campo tla fala e cla linguageni", unia passagem sobre
o que clizia o trovão: "Bang, bang!" No caso, isso vinlia dos Upanixades: "Dadadá! diz o trovão".
É unia passagem do grande poema de TS. Eliot chaniado "Tlie Wate l a n d - 'ATeria gasta".
O verso que me veio a cabeça foi, sem dúvida, o verso de Eliot mais citado no domínio
anglo-aniericano, é o último verso do poenia intitulado "The hollow men" - "Os homens
ocos". Ele se presta a niuitas interpretações que náo caem nial com o homem tórico -
tambéni oco - proposto por L:ican.
Em TS. Elior há várias teses sobre a proveniência da expressão hollotu 771en.Eliot dizia ter
tomado enipi-esratlohollo~ode um lugar e Inen, alhures. De todo niodo, encontramos em
Julio Cesar, cle Shakespeaie, na boca CIO conspirador Cassius, a expressáo hollow men, Em
%S. Eliot a ex[)ressão teni, sem tliiv-ida: um valor niais pascaliano: o coraçáo do hoinem é oco
e pleno de torpezas.
No iiiício do poema, a expressào é plena de rcssoninci;cs quanto a descrição dos últimos
homens, da última das ci\~ilizações.Tianscrevo-o na tradução de Pierre Leyris4.O verso que
nie veio à cabeça foi o último.

Dezemhi-o 2007 26 Opção Iacaniana n" 50


A'ós somos os hon~ezsocos
Os homens estofados
Um aos ourros apoiados
Crânio recheado de palha.[Headpiece,~lledwith straw]Ai de nós1
Em muilos cochichos
Nossa.$ vozes secas
Frouxas sem sentido
[Are quiet and meuningless]
Süo vento em capim seco
Pés de ralo pisando
[Or rats'feet ouer broken filass]
Em ?zossaadega seca

Figura semfornza - é uma Ibtda traduçaopara Sbape wirboutfomt -, sombra sem cor
[shade uiithoui colour]
Força entolpecida, gesto sem mpres~üo:
[Paralysedforce.gesture without motio~z]

Esse poema que comeca assim, temiina coin dois versos. O primeiro é repetido trés vezes:

(Auim é que o mundo acaba)


This is the wav lhe world ends
This is the way the world em's
This is the way the world mds

Em seguida vem o verso que me veio a memória:

hrüo com estrondo; com lamúria.


[No/ with a hang h111a whi~nper].

Eassim acaba o mundo. ,760 com u m Bang! -não com um Bum!, mas com um whimper
Não se conclui com o trovão, tal como no "Discurso de Roina". Conclui-se coni o que Pierre
I.eyris traduz por u m murmúrio. Um murmúrio é também um gemido e; para mim, e o bani-
lho da câmara-de-ar se esvaziando.
iacan escolheu - assim penso - terminar seu Seminário não com alguma coisa que Falasse
do trovão: o cúmulo da fantasia, que se reporta a voz humana. Ele o termina com o esvazia-
mento do toro psicanalítico. Termina com passinlios miúdos e apressados, com o trote dos
ratos. Mas, por isso mesmo, é algo que diz muito. Há gmpos de rap que se chamam assim,
filmes, artigos científicos que o têm como título ou como exergo, está por toda pane na
culcura anglo-americana.Isso me parece traduzir o valor a ser dado à deflaçào da psicanálise à
qual Lacan escolheu proceder.

Opçáo Lacaniana no 50 27 Dezembro 2007


Sua sociologia, como eu a chamei - obseivem que eu também sou forçado a tomar o estilo
"usar as palavras com cuidado" -, tanto noSenzindrio 24, quanto noSemi71drio 22, se deve à
aprendizagem da língua. E vemos claramente a distância tomacla por Lacan em relação à fanta-
sia da estrutura. Esta implica, explicitamente, que a linguagem já esteja lá, mas não há ênfase
sobre a aprendizagem. Aqui, ao contrário: a ênfase é colocada na tecedura do aprendiz, se
assim posso dizer. E deve ser entendido o mais simplesmente possível: aprendemos a falar,
diz Iacan, isso deka marcas, tem conseqüências. Aliás, é a essas consequências que chama-
mos sinthoma.
Aprendemos a falar e isso vem dos parentes próximos. Essa é a face do grande Outro na
aprendizagem cla língua. Razão pela qual há uma sociologia imediata do falasser, ou seja, o
falasser é les trumains É neles que se parafusa a sociologia de Lacan. Por isso ele pôde dizer,
a um só tempo: não há relação sexual, tudo o que for relação sexual é um conjunto vazio. E
tambéni: há relação sexual entre os pais e os filhos ou, há relação sexual entre três gerações,
o que se deve entender, sem dúvida, como aqueles que nos ensinaram a língua, a partir dos
quais aprendemos a língua, mais o supereu que, por meio dela, eles nos veicularam, isto é, o
depósito cultural, o caldo de cultura que nos fizeram beber Com efeito, de um lado, não há
relação sexual, mas, do outro, há o Édipo, ou seja, há, mesmo assim, uni objeto sexual com o
qual há relação sexual, a mãe, e há alguém ou alguma coisa que o obstaculiza.
Então, eu perguntava ainda há pouco: qual é o saber que estaria profundamente associado
à psicanálise?A resposta que se pode manter do que diz Lacan em O momento de concluir é
a definigo segundo a qual o saber consiste no legível, seja qual for a suspeita lançada por ele
sobre a interpretação dos sonhos, da qual diz, em certo momento, que é impossí\~elcompre-
ender o que Freud quis dizer. Com isso, Lacan quis dizer que se tratava de um delírio e não
vemos por que ele se privaria de clizê-10, uma vez que, em certa ocasião, ele próprio se acusou
de haver delirado em seu Seminário. Contudo, podemos admitir que o sonho, o lapso, o
chiste, são lidos, e o que chamamos interpretar é ler de outro modo. Assim, quando ele for-
mulou uma vez mais a questão "o sujeito suposto saber o quê?", sua resposta foi: "o sujeito
sul)osto saber ler de outro niodo", com a condição de ligar esse "outro modo" a sigla S(h).
Isto quer dizer que não se pode desentortar esse "outro modo" para ninguém. Ler de
outro modo não é ler o Grande Livro da Criação, a criação do inconsciente, por exemplo. Isso
implica alguma coisa de arbitrário.
Digamos, empregando a palavra entre aspas, já que também perdemos a confiança neste
saber: não é "científico". Ler de outro modo não é automático. làmpouco é a verdade, mesmo
que possamos adorná-lo com seu nome. Fazer acreditar por prestígio. Isso tem algo de aleató-
rio. Simplesmente, tudo o que se pode dizer é que a interpretaçáo como "ler de outro modo"
demanda o apoio da escrita, isto é, a referência feita para que os sons emitidos possam ser
escritos de outro modo, distinto daquele como se quis.
Por isso: Iacan diz, mas de um moclo que vemos o caractere esboçado: "Certamente há
escrita no inconsciente". Sim, a outra leitura de que se trata apóia-se na intenção de dizer
alguma coisa. A outra leitura, que é a do analista, se apóia na intenção do analisante de dizer
alguma coisa. É essa intenção que atribuímos a consciéncia, ao eu. brtanto: é a partir dessa

Dezembro 2007 28 Op@o iacaniana no 50


intenção que definimos a consciência. Disso decorre o valor concedido por Lacan ao equivoco,
quando as palavras não servem a nossa intenção.
Em suma, o que Lacan chama de simbólico revela-se essencialmente inadequado. E o
seu "ultimissimo" ensino está às voltas com a inadequação do simbólico. Não poderia ser de
outro modo.
O simbólico, no fundo, é um fator de confusão. O significante faz com que não nos ache-
mos. O significante é particularmente responsável pela não-relaçáo sexual entre os seres hu-
manos. Diria inclusive que em O mommro de concluir o que se destaca é que dizer não há
relação sexual é demasiado: trata-se de uma relaçáo sexual confusa.
O amor é confusão. Sabemos muito bem que ele é feito de bdcabraque, de partes e de
peclaços e que, em certo momento, produz-se a passagem do desejo ao amor. O amor é
confusão, nele entra prestígio, semblante, erro de pessoa. Então, no "ultimissimo"ensino de
Iacan, é preciso se acostumar com a degradação do simbólico.
Evidentemente, antes não era assim, quando o próprio Iacan se estigmatizava dizendo: "eu
delirei com a linguistica". Em que ele teria delirado com a linguistica?Seu delirio foi precisamen-
te enfatizar a primazia da palavra sobre as coisas, atribuir As palavras o poder de fazer as coisas
para nós. E foi assim que ele deu conta da Coisa freudiana, dizendo que isso significavaa molclagem
das coisas pelas palavras. Por essa razão, de acordo com o desenvolvimento dado por ele, a
psicanálise inclui o fato de que, em todos os casos, a estrutura linguistica prevalece. Aqui, a
palavra estrutura estava em seu lugar e colocada em primeiro plano.
Em todo o seu "ultimissimo"ensino, sem dizer a palavra, opera uma definição de estrutura
completamente diferente. Leio a primeira frase da sua última lição, do dia 8 cle maio de 1978:
"As coisas podem legitimamente ser ditas saber se comportar".
"Legitimamente", esse advérbio é engraçado; ele vem no lugar de "veridicamente". Não
esramos no verdadeiro: temos o direito. "Lc~ítimo"é um termo que decorre, se assim posso
dizer, da sociologia. % coisas podeni ser ditas saber se coniportar". Aqui, caso haja estrutura,
não é de estrutura linguistica que se trata, mas sim de estiuturacóisica, se me permitem dizê-
10. Isto supóe um "saber se comportar" melhor do que nós mesmos podemos sabê-lo: como
demonstram as surpresas produzidas pelos objetos matemáticos, as coisas matemáticas, coi-
sas que Lacan manuseia. Retiro "matemáticas": visto que ele faz delas objetos, eventualmente
manipuláveis com as mãos: por meio de preensão. Em termos precisos, são as coisas que
sabem se comportar, diferentemente dos les trunzains, que não o sabem, devido - entre
aspas "a estrutura simbólica", a escola de confusão, a escola de perdição constituída pela
-

língua. É justamente porque les tmmains não sabem se comportar, que se inventaram, em
seu benefício, técnicas para ensinar-lhes.
É sobre a confusão do simbólico que repousa a emergência e a floração de nossas TCC, ao
passo que as coisas prescindem delas. E há a análise para tentar fazer com que um trumain
saiba como se comportar com o "sinthoma". Em outras palavras, o problema, que não podia
ser formulado no clelirio linguistico lacaniano é a inadequação das palavras às coisas, o que
quer dizer, por abstração, a inadequação do simbólico ao real.
Vemos assim, na sua última lição, I.acan figurar o que seria adequaçáo pelo enlaçamento

Opção lacaniana no 50 29 Dezembro 2007


de dois aros, o do simbólico e o do real. Esse enlaçamento quereria dizer: "taí, eles se niantêni
juntos e o imaginário está alhures". O que não está longe de sua formulação no início de seu
escrito: 'A carta roubada."
Em contrapartida, é o que o ulti??zíssimoensino de Lacan recusa, afirmando, eu o cito: "a
adequação do simbólico ao real só faz as coisas fantasmaticamente. É uma fantasia acreditar
que o simbólico seja adequado ao real". Quando diz fantasia, uma palavra chave em O mo-
mento de concluir, Lacan não quer dizer exatamente um sonho, a fantasia se distingue de
uma aspira@, Por isso, ele pode falar de uma sugestão do imaginário pelo simbólico. É bem
isso que põe em questão a definição da análise pelo saber. É que o saber é apenas fantasia, ou
seja: é uma aspiração do simbólico sugerindo o imaginário.
Por isso, desde a primeira licão de O mome>?tode concluir, lacan pôde dizer que a geo-
metria euclidiana tem todas as características da fantasia, paiticularmente a idéia da linha reta.
Como já assinalei, sabemos que em seu Seminát<o: o sinthoma lacan põe em destaque toda
uma crítica a linha reta. Sabemos o que ele tenta fazer com a topologia: sair da fantasia geomé-
trica. Só encontrei uma boa referência a essa tentativa pescando na última lição d e 0 motnerz-
to de concluir a expressão que figura, de passagem, na frase: "Náo há nada mais difícil do que
imaginar o real". No fim das contas, ela se tomou para mim o título da última lição de Lacan e
também a palavra de ordem de O momento de concluir, desse esforço que: na época, deixou
perplexos todos os que não eram operários ajudando iacan nessa tarefa: a tentativa d e imagi-
nar o real. Precisamente porque o simbólico não é adequado ao real, porque o simbólico só se
associa ao real pela fantasia como sugestso do imaginário, tentemos então associar o real ao
imaginário, tentemos imaginar o real.
Essa, me parece, é a chave de rodas as manipulações de lacan no seu "ultimíssimo" ensi-
no. Imaginar o real passa pela estranha mate~alizaçãoconstituída por essas figuras de obje-
tos, materialização, diz ele em ceno momento, do fio do pensamento. Eu o relaciono com o
que ele diz em outro lugar: 'A análise é um fato social que se fundamenta no pensamento".
Parece-me que, aqui, iacan tenta uma certa materialização do pensamento. O que tam-
bém é imaginar o saber das coisas com precausões oratórias, como ele dizl ou seja, falar. E
esse é o ritmo desse Setni7zán'o: com precauções oratórias a fini de mostrar que há coisas que
sabem se comportar e que estamos interessados nelas, na maneira como elas se voltam, se
revertem, se atam etc.
Essa materialização é perceptível, sobretudo quando procedemos ao que é o ato maior no
último ensino de iacan, a saber, o ato de cortar, que torna perceptível o fato de termos de nos
haver com o tecido. Ele pretende que isso remeta ao que a psicanálise tem de tecido. Sem
dúvida, começa seu Seminário: o nzomento de conclzrir dizendo que é uma prática de tagare-
lice, o que constitui um rebaixamento da fala. Mas é precisamente por ser unia prática de
tagarelice que tudo se assenta no seguinte: será que o analista sabe como se componar? Disso
decorre a oposição, nessa tagarelice, entre o analisante que fala, do qual Lacan diz - é preciso
surpreender-se com isto - que ele faz poesia. Em O mome??lode concluir isto quer dizer: não
é a interpretação que é poesia, é um passo a frente. O analisante fala, ao passo que o analista
corra. Podemos dizer que o que os ensaios topológicos de Lacan multiplicam são justamente

Dezembro 2007 30 Opção iacaniana n" 50


figurações do fato de o analista cortar, figuraçóes por meio do cone, uma vez que este tem o
poder de mudar a estrutura das coisas.
Aqui, não é a palavra que faz a coisa, é precisaniente o coiie que muda a estrutura dos
objetos representados. A dificuldade maior é que, se o simbólico é inadequado ao real: tam-
bém nâo há o que Lacan chama de hiância entre o imaginário e o real, uma hiância na qual se
aloje nossa inibição para imaginar como se comportam as coisas de que se trata. No fundo, ele
dá o exemplo da necessitlade de repisamento a fim de superar essa inibiçáo.
Isto não retira, de modo algum, a seriedade da psicanálise. As palavras não têm o poder
que se acreditava quando delirava, o que não inipede que elas tenham conseqüências e que se
trate de perceber e avaliar essas conseqüências. Trata-se,diz Lacan, do analista se dar conta da
importância das palavras para seu analisante.
O modelo do ato analítico no "ultiiníssimo"ensino de Lacan e em sua 'cultimissima"prática
é o corte. Diz ele: "agir por interniédio do pensamento confina à debilidade mental". Por isso,
tenta elaborar um ato que náo seria débil: diz ele: "um ato que não seja débil mentaln.
Esse ato, tal como aparece no que nos resta do Mometito de concluir, o ato que não seria
débil mental e que não passaria pelo pensamento, é o cone.
Por isso mesmo, levo a séiio a aspira@o testemunhada por Lacan em certo momento e sob
uma forma que merece ser mantida: elevar a psicanálise à dignidade da cirurgia. Essa é a mesma
forma sintática que ele utilizara a respeito da sublitiiação: "elevar o objeto a dignidade da coisa".
Com efeito, é a fantasia de Incan que se exprime nessa aspiração. ?atar-se-ia da sublima-
ção. Elevar a debilidade psicanalítica a segurança soberana do gesto cirúrgico, de cortar, esta
seria a salvaguarda da psicanálise.
(Aplausos.)
Lição de 02 de maio de 2007
Texto traduzido porRraAb7ellarRibeiro: confornie l a t o estdhclecido por Gisèle Cliaboudez e rebisio porJ-A Miller(airanscriçáo
desta liçáo teve uma primeira tradugáo de Maria Cristina Maia Fcriiandcs).

'N.T.Lcs lru,tiains. or honiens-furo (cin Ihomofonia apiorim;~iivacom trou): jogo de palavras, cin fianc6, com " Y B h hiimain'
(ser humano).
'NTEm fruicés jni de mossane. E o nome gue se dá ao jogo de Iam oa Fran~ae, no leato, lamhém faz iim jogo com o ge Miller dauca acerca do
"ultimísimo" ensino, que desairutuia o que o antecede.
'NT Em francés: Ia mojim du bord:os meios que ariiuqão oferece.
'NT A tradução abaixo foi leia pla pwtisa Idelma Ribeiro de Faria. ln: TS.Eliol -ponn<)si 1910-1930.(1985) São Paulo: Camata Rracileira do Liv~o.
pp. 6567.

Opyáo Lacaniana no 50 Dezembro 2007


"I3creiierNão posso. Ning~érnpode.
Épreciso dizer nüo sepode.
I! se escreve':
iM Di~ras&rire, 1993p. 63)

Existem dois temos em latim para designar testemunho: o primeiro (Testis) significa na ori-
gem aquele que se coloca como terceiro entre duas panes eni uni litigio,e o segundo (Supstes)'
designa aquele que viveu algo, atravessou de ponta a ponta um acontecimento e pode, pomnto,
testemunhá-lo.No entanto, Agamben, onde encontrei essa indicação,ao referir-se ao testemunho
dos sobreviventes dos campos de concentração, ressalta que "o verdadeiro testemunho vale es-
sencialmente por aquilo que lhe falta; ele pona em seu coração um "intestemunhável.'. Os verda-
deiros "testemunhos", os "testemunhos integrais", seriam os que não existem, pois viriam daque-
les que Locaram o fundo, não sobreviveram:os chamados "engolidos".
O relato do passe aproxima-se da segunda concepção, pois tenta transmitir algo do impos-
sivel de uma experiência atravessada de ponta a ponta. No entanto, nào é sem relação com a
primeira significação, na medida em que é necessária cena posição terceira, pois não se trata
de um diário, nem de uma confissão, e apesar da presença do sujeito, aproxima-se mais de
uma escrita poética.
A experiência de análise realizou-se como escolha forçada, isto é, não havia o que fazer a
não ser fazendo análise. Fazer o testeniunho é também uma escolha, mas de outra orclem. Fui
instigada pelo desejo tle fazer do que restara uma outra escrita, menos íntima, voltada para o
trabalho comum da Escola.
Para relatar uma análise que durou muitos anos, dado que um de seus efeitos foi o esque-
cimento, só pude contar com as sobras, vestigios que restaram de um desapareciniento. É
uma outra história, escl-ever com o material restante.
A psicanálise funda-se a partir da auto-análise de Freud, e sua obra é toda periiieada por
sonhos, recordações, lapsos etc. É desta despensa que ele retira a provisáo para as suas primei-
ras invenções. Em Freud, alguns casos tornaram-se paradigmáticos para a prática psicanalítica.
No ensino de Iacan, ao contrário, não encontramos nem uma linha sobre sua análise e são
raros os comentários pessoais; ele parte da clínica da psicose e busca na obra de Freud os indí-
cios do fazer analítico. Mas, ao fundar sua F~cola,institui o passe como dispositivo funclamental,
esperando que os analistas se responsabilizem pelo avanço da psicanálise e pela fomialização da

Dezembro 2007 32 Opção Lacaniana n" 50


clínica a partir de sua experiência como analisantes, indicando que uma Escola é o que se faz, a
cada vez, presente em ato quando se enlaça análisel teoria e clínica.
Não existe, portanto, uma fórmulaaprioripara tornar-se analista, mas cada um, ao tentar
dizer do que se serviu para fazer a própria análise, pode forniular um modo singular de se
apropriar dos conceitos em sua prática clínica.

Escritas. mulheres e matemas


"Sedesejarem saber mais a respeito da feminilidade,
indaguem da própnu experiência de vida dos senhores,
ou consultem ospoetas, ou aguardem alé que a ciência possa
dar-lhes irlfonnações mais profundas e mais coerentes"?

Dado que os fios são tênues, para dar textura foi preciso um certo forcamento. Para isso,
estabeleci diferentes tempos da análise e um nome para cada um deles. No entanto, este
artifício pode imprimir certa lineandade ao relato, o que não corresponde a experiência pau-
tada por idas e vindas, e momentos de desamoramento quando as posições alcançadas j i
pareciam irreversíveis.
O primeiro tempo, biografia ou vida descrita, orieniou-se pelo imediato, tanto em relação
aos acontecimentos presentes como aos passados. A fala era sobre o que, supostamente, já
estava lá: saber pré-escrito.
O esfoqo empenhado nessa narrativa colocou-me na via da crença no inconsciente como
algo guardado, a ser reconquistado. A partir deste engodo, aos poucos o passado foi se cons-
tituindo como vei-dade.
Depois de um certo esgotriiiieiito dessa lilimeira etapa, abriuae uma brecha no sentido, dei-
m d o prevalecer traços, marcas esparsas de gozo que me pemiitirain constmir a fantasia, ou seja,
dar-me conta dos meios que havia utilizado para me haver com o real. A essa invenção da história
como ficção, tentativa de escrever o que não está lá, chamei de biogdagem: vida de escrita.
A travessia da fantasia levou a localização de minha posição ein relaçáo às diferentes for-
mas do objeto, precipitando um terceiro momento, em descontinuidade coni o anterior, algo
destacado do saber articulado; um certo apagamento do significante como mensagem e a
emergênciada palavra em sua materialidade de letra. Aessa última etapa, chamei de biografema:
escrita vida, uma escrita contando com o real, mais próxima da escrita poética, último véu que
deixa entrever um fragmento do objeto real.
Vida descrita, vida de escrita e escrita vida: em cada um desses momentos prevaleceu um
dos registros, respectivamente, imaginário, simbólico e real, não exclusivo a nenhum deles,
nem progressivo, permitindo diferentes laços, de acordo com o registro privilegiado. A cada
escrita associei um matema e um nome de mulher, retirado do ensino de lacan, e que marcou
minha análise: Justine, Antígona e Lol.
Já havia começado minha formação, a leitura de Freud e Lacan, quando comecei a ler o
seminário da ética. Apesar das dificuldades do texto e da língua, encontrei ali os pontos de

Opçáo Iacaniana no 50 33 Dezembro 2007


partida que orientaram a via para tomar-me analista: o idealismo aristotélico me indicava a
ética do bem pela qual procurava pautar minha vida; em "Kant com Sade" encontrava a função
da voz do supereu, que me atormentava em sua vertente de gozo; e em Antígona a pureza
trágica da pulsão de morte, que se apresentava nos momentos de falência da ordenação fálica.
Foi a partir dessa orientação dada pelos dois primeiros tempos de análise e pelo estudo de
iacan, que escrevi a dissertação de mestrado em Filosofia. Alguns anos depois, e coincidindo
coni a última etapa da análise, às voltas com a não-relação, avancei um pouco e, com Mais
ainda, Seminário 20 de Lacan, tentei formalizar algo sobre a erótica e o feminino, no douto-
rado em teoria psicanalítica. Nessa investigação, o paradigma foi a escrita de Duras em
O Arrebatunrazto de Lol i! Stein, em contraponto coni Tolstoi em A??iaaKarenina. No Pós-
doutorado em Letras, com o conceito de "transposição" na obra de hlalkinné, procuro pensar
a experiência do real na psicanálise e na literatura.
Apesar de se tratar de textos acadêmicos, tanto a dissenação quanto a tese portavam algo
da experiência com a psicanálise.

Biografia: vida descrita ou Justine e seus infortúnios


S,a

Algum tempo depois do término de uma análise realizada quando muito jovem, e que não
deixou poucos efeitos terapêuticos, estava mais unia vez devastada pelo amor quando achou
seu segundo analista. Encontrou-o em outra cidade, em outro lugar. Não era familiar nem
mestre, onde ela sempre acabava caindo, mas um 'estranlio', signific;inte qualquer que marca
a entrada na transferência, indispensável condição para começar a aiiálise.
No início, era a angústia. Não havia verbo, nem sujeito, nem prediçado. Só a angústia e o
corpo que a habitava, angústia que lentamente foi cedendo lugar a fala, na associação livre.
Nessa primeira etapa da análise, tratava-se de uma narrativa verossímil, prosaica, na qual
acontecimentos patéticos eram relarados, repetidas vezes, com uma conotaçào épica, grandiosa
e heróica. Tudo tomava sentido, e muitos.
Nesse roteiro o pai era o herói, um ideal constmído a partir da fala materna, apoiada em
dados factuais que muito contribuíram para a fantasia de heroísmo. De uma família de pequenos
proprietários rurais no interior de Minas, mas seni saúde para cultivar a t e m , ainda jovem
migrou para o Rio. para estudar Depois de muitos percalços para se fonnar, voltou para o
interior para exercer a medicina, mas logo se mudou para outra cidade, em busca de um clima
fa\rorável para curar a tuberculose, tal como recomendava a medicina da época.
De um mundo em que só os Iiomens sentavam-se a mesa, o pai passou a cabeceira de uma
mesa só de meninas, onde era semido,'entre encantado e constrangido, pelo universo femini-
no. Não tinha um filho para partilhar as conversas e responsabilidades masculinas; seu desejo,
e temor, era mantê-las para sempre.
A mãe, de uma faniília da aristocracia rural decadente? até perder o único filho que não
teve, fazia existir a relação, inspirando-se nos filmes de Holl!wood. Assim, dia-adia produzia,
com papai-sabe-tudo, a família feliz, vestindo e desinvestindo as meninas.

Dezembro 2007 34 Opção Lacaniana no 50


Uma lembrança infantil: aos 10 anos, sentada horas a fio, sem uma palavra, deixava-se cair
sem rede em um abismo infinito e sem sentido, ao lado da cama da mãe dilacerada pela perda,
no parto, de seu quinto filho, aquele que seria seu único menino.
Em torno de um pai ideal, e portanto não talhado para a função de interdição do gozo
materno, havia um movimento de intermitência entre o agir e o abismar Entre a bela e o bebê
morto, ela caia, des-emendada, em um desejo de desaparecer. Afobia e as brincadeiras infan-
tis não bastavam para emendá-la.
O primo-amor portava o sobrenome do pai, amor conês em que ela ocupava a posiçáo de
objeto supewaiorizado. Identificada ao objeto ideal, mas não sem prescindir da carne e do
osso, sustentava a bela imagem falicizada que encobria um corpo todo erotizado, por onde a
pulsão escorria sem limite e sem destino, produzindo um excesso de sexualização.
Em um corpo assim, em que as zonas erógenas eram desenhadas em linhas frágeis e inde-
finidas, lugares surpreendentes tomavam-se excitáveis, e nada acontecia onde deveria. Os
prazeres preliminares funcionavam conio uma espécie de sublimação, uma fonna precária de
proteçãoou mediação do gozo genital, vivido como ameaça a integridade do corpo.
O segundo casamento foi com alguém que, apesar de desconhecido, era "coincidente-
mente" da mesma distante cidade de seu pai, e portava, mais uma vez, o mesmo sobrenome.
Não eram só os significantes que se repeuam. Depois de escapar da devastação, ao en-
contrar um novo parceiro, transmitia-lhe, tal como Justine, as coordenadas de seu gozo
masoquista, concedendo, assim, a cada vez: o modo de reproduzi-lo. Agora, não mais
identificada ao ideal, mas ao objeto da fantasia perversa, a sexualidade encontra no órgão
seu destino fálico.
Mas, a identificação petrificante ao objeto dejeto da fantasia masculina e o gozo fálico deixa-
vam um resto que produzia dor e humilhagão; gozo masoquista mortífero. Uma identificação
que não bastava para recobrir o gozo feminino, que mais uma vez transformava-se em angústia.
Quando a demanda em relaçáo ao pai subsiste e persiste, endereçada aos seus substitutos,
acarreta o que Freud chamou de rigidez - do caráter feminino, inibicão e uma certa dificuldade
para a sublimação. Como o supereu é resultante da dissolução do complexo de Édipo, quando
ocorre essa hidez, não há também a formação dessa instância que proíbe e instaura o desejo. A
persistência da demanda deixa a mulher submetida às exigências sem liniites de um outro real,
que vem ocupar o lugar do supereu. O supereu mostra, então, sua face de imperativo de gozo e
apresenta-se como Outro tirânico, que obriga a gozar (<comose fosse. uma voz vinda do real.
Nesta primeira volta, destaca-se um significante, um S,: "bela", significante de uma iden-
tificação fálica que dará contorno ao sem fronteiras do feminino. Bela diante do olhar ma-
terno que a vestia, essa identificação tornou-se o eixo da vida amorosa, tomando sentidos
diferentes segundo a prevalência do gozo em questáo. Se o significante 'bela' tomou força e
importância, foi justamente porque vinha recobrir o que feio lhe parecia. Se: por um lado,
recobria o real da carne e sob o significante fazia erigir '# mulher" que se alojava toda no
furo do Outro para garantir sua existência, resultando em erotomania histérica e seduçáo;
por outro, ao cair, produzia masoquisnio e devastação, deixando descoberto o puro nada
ao qual se identificava.

Opção iacaniana no 50 35 Dezembro 2007


O significante qualquer, 'estranho', ao indicar a busca de novas coordenadas, aponta a
alienação a uma posição de gozo, daquilo que lhe era tão familiar e próprio, o material, prm
priamente dito, para o trabalho de análise.
Nesta primeira etapa, o significante "esforço" surgia como indício da posição masoquista
tle sacrificada e a interpretação do analista pontuou um certo deslocamento de esforçada para
ex-forçada, marcando a entrada em um segundo tempo.

Biografagem: vida de escrita ou Antígona e o espaço trágico


$<>a

A biografagem ou vida de escrita é a escrita ficcional, fantasia criada para velar o real, tanto
no sentido de esconder como de cuidar, propiciar sua função sem causar horror.
Ao comentar uni parágrafo do texto de Lacan - "De um desígnio'" - Miller4observa que: "a
partir do fato de que a criação tem seu princípio no significante há a abenura do possívell que
se pode calcular, combinar, supor. A verdade surge de umfiat. Ela não é comparação, nem
adequação - pertence ao ato".
A separação entre SI e a, alcançada na etapa anterior. além dos efeitos terapêuticos criou,
meios para a construção da fantasia e uma nova experiência libidinal, um novo amor. O trabalho
na clínica, depois de passar por um período de questionamento que abalou cenezas e convic-
çóes: e uma desidentificação com o objeto da fantasia, encontrou no desejo de analista seu lugar
frente ao analisante. O terceiro casamento escreveu outro nome e outro lugar, o de causa.
Na Ética, Antigona é o paradigma para iacan pensar o desejo puro. O lugar da tragédia nesse
seminário foi, durante algum tempo, um enigma, primeiro porque a descrição, ali, da angústia
no final de análise: correspondia inteiramente à minha experiência de entrada em análise, e
depois, porque compreendia que Lacan estava identificando o final de análise com a tragédia.
Os efeitos de identificação com a heroína trágica só resultarani emacting-outs clesastrosos. Por
outro lado, o puro do desejo me interessava, pois fornecia os indícios necessários para pensar o
objeto desvinculado de qualquer
. ~
interesse sensível, sem abiir mão da paixão.
Por que a tragédia?Como seria uma paixão desinteressada? O trágico eni análise é pontual,
efeito da travessia e da constatação da solidão de que somos feitos. Para o final: é preciso um
passo a mais.
Depois de uma proliferação de sonhos de angústia cheios de detalhes e de sentidos, surge um
sonho simples - é uma cena: um cachorro defecando um patê é olhado por um jovem. Estão no
sonho as diversas versoes do objetou: objeto mal, objeto olhar, o falo e o objeto da fobia infanul.
A interpretação seni sentido do analista, "esse patê é você: e o corte da sessão teve como
efeito um deslizamento de sentido: fazer-se cão, posição niasoquista, como observa iacan no
Seminário 10,fazer-se "patê (para ser tida), fazer-se "pavê @ara ser vista), fazer-se "pá c u m ê
@ara ser coniida), fazer-se "pra tudo", e finalmente 'pastout". Da série de sentidos surge um
sem-sentido, 'pastoui", um significante da falta no Outro S(li).
A identificação ao objeto anal indica, na vertente de gozo, a posição em relação ao Outro:
tanto de retida, objeto fálico precioso, quanto caída, objeto dejeto, e, na vertente significante,

Dezembro 2007 36 Opçáo LÍicaniana nu 50


dá um sentido cômico ao 'bela', ou seja, 'bela como uma bela merda'. "Pastout". Do 'patê' ao
pastout que revela o real da estrutura feminina; de Mangue a língua da psicanálise, conclui-se
que só há relação contingente.
Em Freud, o Édipo feminino exige duas tarefas, a transferência tle objeto, da mãe para o
pai, e de zona erógena, do clitóris para a vagina. Em Lacan, trata-se de dois gozos, o fálico e o
feminino. O gozo fálico, ao encontrar apoio no nome-do-pai, vem também limitar o gozo ao
órgão, propiciando um circuito pulsional restrito as zonas erógenas eleitas. Uma mulhe. como
o homem, pode encontrar aí o seu destino, como o próprio Freud já havia observado, e pode
ser uma saída digna, mas como a mulher encontra no corpo um precário apoio imaginário
para essa função e no simbólico nenhuma especificiclade "d'A mulher', sobra um resto não
simbolizado, que retorna sob a forma de angústia.
Identificada ao objeto idealizado ou ao objeto perverso, a mulher se satisfaz no gozo fálico.
A vagina não é uma zona erotizada na relação primordial com o outro, como ocorre nas zonas
oral, anal e fálica; ela permanece desconhecida e sua descoberta exige outra tarefa. É conce-
dendo em ocupar o lugar do objeto causa de desejo para um homem que a mulher encontra
destino para a Feminilidade. Trata-se, portanto, de uma dedução Iógic;~decorrente da dissolu-
ção do Édipo, isto é, é preciso a extração do objeto e o confronto com o furo no Outro para
que a sexualidade se solte das zonas erógenas previstas na organização infantil peiversa
polimorfa e encontre no furo o seu destino.
Wvez seja por isso que o amor toma tanta imporrância para uma mulher, principalmente se for
uma histérica, pois é através dele que ela procura realizar algo do sexual. Uma mulhei: quando
devastada em sua relaçáo com a mãe: elege para amar uni Iiomem que cumpre a função na fanmia
de tal forma que ela possa ocupar o lugar do objeto masquista. O amor pode, assim, tomar ai
formas mais loucas e vaadas nessa busca pai2 dar lugar ao real que resta no exercíciotlogom fáiicn.
A mulher não existe e nem é possível tomar-se mulher de uma vez por todas, o impossível
não é eliminável, todavia, uma vez que cerro cálculo foi realizado ela pode encontrar. a cada
vez, um saber-fazer com isso (sauoirjifaire).
Um homem também deve encontrar lugar para a experiência com o feminino, mas suas
estratégias seguirão outra trajetória.
Depois da constmção da fantasia, submeti-me ao passe de entrada e me tomei membro da
Escola. Se, anteriormente, já havia se delineado o desejo de analista na clínica, essa passagem
foi um momento importante para deduzir a funçio da Escola, pois não escá dada de antemão,
é preciso que cada um encontre uma forma própria de depositar sua experiência e de reco-
lher desse lugar comum algo que possa fazer continuar a existir a psicanálise.

Biografema: escrita vida ou Lol e o não-todo


S(A)

Biografema ou escrita vida é a escrira que se aproxima da poética, em que há uma primazia
da letra sobre o significante. Se na biografia foi a proliferação de sentido e na biografagem a
ficção, no terceiro momento o privilégio é dado à letra. Avida toma o lugar de um adjetivo e

Opçio Lacaniana no 50 37 Dezembro 2007


deixa de ser substantiva como nos dois primeiros momentos. Substância da escrita, mas: no
que a escrita tem de corpo, dando-se a ver na sua dimensão materialmente sexual, "sexo de
ler", como propõe Llansol.
Na passagem cla impotência para o impossível, ocorreram mudanças marcantes que resul-
taram em des-inibição; uma participação mais efetiva na Escola e uma surpreendente alegria
com as coisas simples do cotidiano. A angústia cedera lugar ao desejo.
Dezessete anos de análise e mais três depois de concluir minhas sessões, sofri uma dura
perda e voltei a procurar o analista. Nessa volta, foi constatado que o trabalho em análise havia
se concluído. Foi com os recursos resultantes dessa experiência que o luto foi tecido.
Recolhido o material escrito na solidão daquele período: anotaçóes esparsas, breves
memoriais, pedaços de poemas escolhidos, passagens rabiscadas nos livros, sonhos, papéis
avulsos repletos de impressões rasuradai, dirigi-me ao cartel do passe.
Depois que fiz o pedido de entrada no dispositivo, tive dois sonhos:
O primeiro: "em uma maternidade ou num cemitério, minha mãe, com a idade que mor-
reu, dá a luz um bebê mono, e para aplacar seu desespero, dou um nome ao bebê: Toba".
Maternidade ou cemitério, vida e morte: 'A única função pela qual a vida pode definir-se,
isto é, a reprodução de um corpo, não pode ela própria intitular-se nem como vida nem como
morte, pois enquanto sexual ela porta as duasni.
Toba, um nome de gozo que reúne a identificaçáo ao objeto anal, o bebê mono e a posição
de gozo masoquista. Com esse nome foi dada sepultura a devastação materna.
O segundo sonho: estou dentro de meu corpo, me mexendo entre as entranhas, carnes,
sangue, bílis, excremento. Esse corpo em p e d a ~;s é servido cru em uma bandeja. Sou o corpo
e estou dentro CIO corpo, sou despertada por um gozo indescritível, pura pulsão sem sentido.
Apesar de indicar uma ruptura do semblante e uni encontro com o real da Coisa, trata-se
de um sonho e , como tal, é um artifício. Como disse no início, não é possível o encontro com
o objeto real sem sucumbir. A crueza do sonho, no entanto, deixa entrever uma ponta cle real
e a impossibilidade de uma simbolização integral. Isso que resta de uma análise, exige um
trabalho sem fim até o fim, mas contanclo com o já realizado.
Nesta última etapa, mais que o personagem de OAvrebatamento deLol VStein: teni lugar a
escritura de Duras, pois trata-se de "dar existência de discurso a uma criatura'" uma mulher
devastacla pela mãe, que ao ser desinvestida pelo amante cai arrebatada, a deriva, noizao-rodo.
No Semizario Z07,Lacan observa que no discurso analítico trata-se de uma leitura, trata-se
do que se lê além daquilo que o analista incitou o sujeito a dizer. E mais adiante, no mesmo
capítulo: "no discurso analítico, o sujeito do inconsciente, é suposto saber ler e suposto po-
der aprender a ler O inconsciente é isso. [...I Só que o que se aprende a ler não tem nada a ver
coni o que se possa escrever sobre isso".
Neste mesmo capitulo, lacan afirma que o significado não tem nenhuma relação com os
ouviclos, mas somente com a leitura do que se escuta do significante. O significado é efeito do
significante conio efeito de interpretação. A leitura feita pelo analista propicia uma pontuação,
de tal maneira que a fala. na associação livre, passa a ser uma escrita diante da impossibilidade
de escrever a relação sexual.

Dezembro 2007 38 Opç'io Lacaniana no 50


O que lacan sugere é que não é só o sonho que deve ser tratado como um escrito, como
ensina Freud, mas o relato em análise deve ser tomado por seu valor significan~e.
O passe seria uma tentativa de escrever, não o que se leu durante uma análise, mas sobre
"o que não cessa de não se escrever". O passe é um escrito que deve portar em seu cerne um
"intestemunhável".
Rio,05 de outubro de 2007

'Agamben,C.(2003) Ccgui rcsle d'Auschu,ilz Pans: Ed. Rivages pocheE'ttite Bibliothèque, p.17.
'Freud, S. (1933/i976) 'Noizconlerênd~intod~lÓrias: A Fe~iioiiidade'. i" O W F Ihl .UlI,pl6F.
'lacan. J. (1965A998). hrilosOS p.367.
'Milleg ] - A (2W2). Cursa de Orienlagáo Lamniana: Um e@rg d e p i a : aula2, de 20 de nowmhro de?W?. (Inédito)
'lacan. J. (19B11972-731). OSminÚrio, itumZO:Mais, sinda. p.43.
'Idem. (1965RW31. Oiilros Escritas, 9.203.
'Idem. (1982 (1972-731). O Seminúrio, /imo 20: ma& nindn, p.39.

Opção Iacaniana no 50 Dezembro 2007


Creio que, assim como eu, vocês perceberam a extrema simplicidade do texto que acaba
de nos ser lido. Nada de incompreensível; nenhuma obscuridade inútil. É um texto que deve,
sem dúvida, sua legibilidade a sua precisão. Um texto muito preciso e igualmente denso, sem
que essa densidade, que lhe confere profundidade, prejudique eni nada sua legibilidade. Isto
porque, afinal tle contas, trata-se de uma redução.
Recordo-me deJ.-A Miller que, ao e v m o uaMho de esaita, o@ a orientação redutora à orien-
tação metafórica, sem que h o m a e julgamento de valor quanto a nenhuma deias, uma vez que do
lado da metáfora,do aumento, ele punha Bossuet, que é um dos grandes autores da língua francesa.
Aqui, contudo, estamos lidando com um teste~riunhomarcado pela redução. Cada testemunho
de paise tem o seu esub e creio que a redução é um elemento imponante do estilo de Ana Lúcia.
Um segundo ponto que, assim como a mim, certamente impressionou vocês, é que não
há no texto absolutamente nenhum pateticismo. É, portanto, um trabalho que colocou o
patbos no seu lugar, pois podemos supor que houvepat/~osna análise de Ana Lúcia, assim
como há na análise de cada um de nós. Podemos imaginar que existiu dor. angustia, assom-
bro... Enfim, sangue e lágrimas, assim como para cada um de nós.
Mas isso não está em seu testemunho, donde concluímos que opatbos foi colocado em seu
lugar pelo mbalho analítico e que nisso se funda o texto, a escrita que ela nos oferece hoje.
Terceiro ponto. O texto é assim tão preciso porque enlaça três aspectos: (1) os significan-
tes-mestres do sujeito, em sua cadeia, (2) a posição e o modo de satisfação sexual, articulada
à identificação sexual e (3) o movimento de constituição do saber.
Este último, aliás, é uma particularidade desse testemunho, pois nele o saber se apresenta
sob três faces. Há o saber no fio dos significantes - podemos retomar o texto começando pelo
estrangeiro (estranho) e seguindo os significantes que pouco a pouco aparecem -; há o saber
sobre a satisfaçáo sexual - e ai a coisa é igualmente precisa, pois aparece, por fim, qual tipo de
satisfaçáo existe para um sujeito feminino -; e há, enfim, o encadeamento do saber, que pro-
duz algo em um contexto particular, que é o da universidade.
Estão articuladas nesse texto, portanto, as três categorias de saber que eu acabo de mencionar
Em nossa linguagem,em nossa escrita de maternas, temos o S, -5,a reldçãoal-je, por fim, o saber
exposto, que, de certa forma, micuia os dois pares precedentes coni o discurso do mestre.

Dezembro 2007 4n Opção lacaniana no 50


Farei agora algumas observações. Primeiro, sobre os tempos dos quais nos fala Ana Lúcia e
que de certa forma valem para todos os AE.
Há o tempo da análise -que por vezes é plural - e , depois, há o tempo do testemunho,
bem majs conciso. Ao conversar coni Ana Lúcia, eu lembrava o inten,alo que houve para ela
entre o tempo da análise e o do testemunho. Fui bastante atenta a isso, porque esse é também
o meu caso. Houve igualmente, para mim, um grande intervalo, de muitos anos, entre o fim
da análise e o testemunho do passe.
Ao conversar, portanto, com Ana Lúcia, nós observávamos que isso levava a ter de enfren-
tar as categorias do esquecimento - que tem suas virtudes - e do resto, o que, aliás, ela assina-
la em seu texto: "um testemunho feito de restos"; restos tanto mais evidentes pelo fato de que
tenha havido esquecimento. Podemos, portanto, dizer que esses restos são marcas, uma vez
que resistiram a prova do tempo.
Outra obsen~açãoque pode ser feita sobre a duração do intervalo entre o tempo 1, da
análise, e o tempo 2, do testemunho, é que ele produz um cone que tem por conseqüência a
distinçáo radical entre a fala analisante e a fala passante.
Por fim, há o tempo 3, aquele que Ana Lúcia aborda hoje e que já foi mesmo chamado de
pusse três. É o tempo do trabalho na Escola e na comunidade analítica a qual pertencemos.
Esse trabalho, ponanto, do qual esse texto é um cios primeiros elementos, é uiii trabalho
de ensino, no sentido exigente que lhe dava iacan, que não esperava dele nada nienos do que
o avanço do saber analítico.
Investiguei hoje, portanto, modestamente, o que nos ensina sobre psicanálise esse traba-
lho de Ana Lúcia.
Ele nos ensina, de modo bastante clínico, a distinguir linguagem, fala analisantelfala passante
- fala essa que podemos qualificar de diz-mensão - e escrita.
Temos, portanto, a linguagem, a fala como diz-mensão e a escrita.
Em psicanálise, não podemos constituir e transmitir saber sem passar pela fala, ou seja,
pela diz-mensão. Essa é a singularidade da psicanálise e vocês têm aqui a manifestação disso
no texto que acaba de Ihes ser lido. Refiro-me precisamente à equivocidade que marca o
surgimento dos significantes-mestres do sujeito, desde "esforçada" até "patê. A constituição
do saber não pode dispensar, inclusive no que diz respeito ao testemunho escrito, a diz-
mensão. Não há saber analitico seni diz-mensão; não há escrita analítica sem diz-mensão.
Segundo aprendizado. A escrita, que é a preocupação principal de Ana Lúcia, retoma so-
bre cada tempo da experikncia analítica, seja o tempo l, do discurso analisante, seja o tempo
2, do testemunho, ou o rempo 3, da escrita desse texto.
Digo isso porque Ana Lúcia intitulou os três tempos que ela mesma destacou a
partir da grafia: biografia, biografagem e biografema. A escrita retoma sobre cada um
desses tempos.
Encarei isso com base na versão mais simples do grafo de iacan e pensei que a escrita
cumpria função de ponto-de-basta retroativo, fazendo, portanto, Função de nomeação. Se o
Nome-do-Paié escrita, então o sinthoma, constmído em análise e no sentido que lhe dá Iacan
no Semidrio 23, é a escrita. É aquilo que faz função de ponto-de-basta.

Opçáo Iacaniana no 50 41 Dezembro 2007


Gnstaria ainda de acrescentar duas coisas.
Proponho a Ana I.úcia dialetizar o termo "escrita" com um outro, que já mencionei abun-
dantemente, o termo texto.
O texto da análise: isso se diz, isso se torna texto e isso se lê.
Esse é o movimento que lacan descreve como sendo o movimento freudiano. iacan diz: "ao
escutar, ele se descobria lendo". É o saber suposto, o texto do saber suposto, o inconsciente
com estrutura de linguagem.
Agora, o texto dos escritos universitários: isso se escreve e e\rentualmente isso se lê, mas
náo muito frequentemente. A maior parte dos escritos universitários não é feita para ser lida.
Ali se lê tudo, menos o discurso universitário. Jamais um texto universitário tomou-se um
best-seller. Exceto, talvez, O Capital, que de todo modo não é um texto universitário.
Entáo, isso se escreve, isso se lè eventualmente,mas não obrigatoriamente e: de todo modo,
isso não se diz. Sobretudo, isso não se escuta, no sentido duplo que essa palavra tem em fraii-
cês, pois escutar é também obedecer. Quando dizemos a uma criança "Me escute!", estamos
ordenando algo a ela: "Você fará o que eu ordenar que você faça". O texto universitário não
funciona absolutamente dessa maneira e por isso não se confunde com o discurso do mestre.
Agora: o texto do testemunho. Isso se escreve, isso se lê e isso se diz. Disso deduzo, ou
pelo menos proponho, que ao fim de todo esse percurso o herói é o texto. É uma frase de
Lacan. O herói é o texto; não é mais o pai, como no tempo 1; não é mais a analisante, a
heroína, como no tempo 2; e certamente não é o analista. É o texto.
A segunda obsen~açãoque eu gostaria de fazer é que, a panir do que Ana I.úcia nos propòe, a
escrita cinde-seem três: a escrita do mito, a escrita da inven6o trágica e aquilo que ela evoca como
escrita-vida, que é dar existência de discurso a vida, o que considero como sendo o sinthoma.
Creio que ela traz um mo\~imentoque abole o símbolo, o que é próprio da escrita. 'Wolir
o símbolo" é uma expressão de Lacan noSen~inlirio23 e por ela entendo tanto abolir o senti-
do, quanto abolir o gozo que nele está enganchado, aí incluso o gozo da equivocidade.
Um último ponto, sobre mulher. Perguntei-me,e pergunto também a Ana Lúcia, qual é o
ponto comum entre Jusrine, Antígona e 1.01. Deve haver um? pois elas habitam esse mesmo
herói que é o texto.
Proponho o seguinte.
Justine é o gozo no Outro. É: graças aos significantes do Outro familiar, a promoção do
gozo masoquista como gozo feminino.
Antígona não é de modo algum a mesma coisa. Antigona é o desejo. o desejo puro, desejo
do corte, do ato. Perguntei-me, inclusive, se o passe de Ana Lúcia, no sentido depassagem a
analista, não teria relação justamente coni isso.
E Lol é o laço; a escrita como laço, afinal. O que me faz dizer isto é que se trata de uma
subliniação. Uma sublimação através do sinthoma e eu, daqui a pouco! tentarei demonstrar
que o sinthoma ê o laço.
Traducáo consecutiva Marcus h d r é \Pieira e transcriçáo de Rodrigo lyra Carvaiho

*Comeniário íeilo após o depoimenio de Ana Liicia Lulteibach-Holck na Xilll Jornadas Winica da Se@o Kio deJan.cn em 03 de nos,embro de2007.

Dezembro 2007 42 Opçáo Lacaniana no 50


"Se ITeud coioca no centro de sua doutrina o mil0 do pai,
é claro que é em virtude da ineuilabilidade da questão':
J Lacan

A primazia do simbólico no primeiro ensino de Lacan facilita um certo deslizamento: dei-


xar de lado a biologia para centrar-se na Função simbólica do pai mono. Tratamos aqui de
cingir a complexidade da questão.
Em seu romance Atnpliaci~nde1 campo de batullu, hl. Houellebecq cita o capítulo V do
Dhammp&: " 'Estes filhos são meus, estas riquezas são minhas'. Assim fala o insensato e se
atormenta. Averdade é que ninguém pertence asi mesmo. O que dizer dos filhos?E das riquezas?
O protagonista do romance conta sua versão sobre o momento de sua concepção: um
coito tão frio quanto o frango que comeram logo depois. "O coito se deu num salão, sobre um
falso tapete paquistanês (. ..) ele ejaculou. Ela sentiu prazer, mas não um vertladeiro orgasmo.
Pouco depois jantaram frango frio...".
A biologia, somente, não faz kaço. Este sujeito separado do Outro, testcmunha que, para
que cada um se ligue ao mundo, algo a mais se impõe, um ato verdadeii-ode palavra: adotá-lo,
no sentido de que um desejo recaia sobre ele.
A função paterna sempre operaad-hoc, segundo a jurisprudência de cada época'e depen-
de da vontade de um homem. Salvo atualmente nas novas formas de família possibilitadas
pelas técnicas de inseminação (famílias monoparentais, casais homossexuais), onde não se
trata justamente da paternidade ligada a um homem. Ou nas famílias judicialiiadas quando se
trata de ratificar a paternidade contra a vontade de um homem.
Por outro lado, a clínica mostra que os soúimentos que chegam aos consultórios e às institui-
ções não fazem diferenfa entre os fdhos próprios e os adotivos. k t o para um como para outro a
transmissão necessária para lidar com a vida funcionou melhor ou pior Aí não há diferença.
Adotar, inclusive os próprios filhos, implica em velar pela via dos cuidados elou do amor, o
fato de que a criança chega como resto de outra coisa: da relaçáo com umparceiro. Inclusive
nas famílias monoparentais.
Na adoção, no sentido legal, pelo fato de apresentar a hiância entre biologia e semblante,
o véu se adelgaça e deixa transparecer algo desse ser de resto. Aparecem diferentes modalida-
des sintomática?bem ou mal alcangadas que engancham ou desengancham o sujeito do Outro.

Opção Lawniana no 46 43 Outubro 2006


Como não há um efeito constante para cada falha do Édipo, Iacan fará daatipia unia cons-
tante em si mesma. É o ponto de impossibilidade, de desfalecimento do pai.
Trata-se aqui de dissolver um prejuízo alimentado pelo social e pela psicanálise mesma: de
acordo com a primeira abordagem do Nome-do-hi por iacan, se o pai é simbólico, se é uma
função mais além de quem a encama, um pai ou uma mãe adotivos podem funcionar tão
igualmente bem ou mal quanto os biológicos. Definitivamente, todos os pais são adotivos.
Ora, se há algo que nos permite perguntar se há uma clínica da adoção, é justamente o
retorno do que escapa à função de nominação na figura dos pais biológicos. Destes, em geral,
nada se sabe. Não há nada a dizer. Adquirem os atributos da Coisa: inominável, e causa de
toda elucubração sobre a origem.
Também levamos em consideração na clínica da adoção o fato de que a criança está mais
diretamente tomada como objeto do desejo de um ou de ambos os pais. Eles procuram, até
mesmo compram, de acordo com algumas versões fantasísticas, que podem ou não ter a ver
com a realidade.
"Eu acreditava que me haviam comprado. Eles queriam uma filha, mas não sabiam que
essa seria eu". Diz uma jovem analisante. Se o neurótico não quer saber de ser o resto do
desejo do par parenta1 revestindo-se com as versões do anior ou da rejeição, tampouco pare-
ce ajustar-se, posicionar-se facilmente sem esta opacidade conio referência. hlas na adoção. a
dita opacidade está deslocalizada, deslocada.
Se concordamos com Iacan que "nenhuma atipia do Complexo de Édipo pode definir-se
auavés de efeitos constantes", consideramos que a hiância aberta entre o biológico e o social
é impossível de se apagar, como testemunham as confusões de nomes, de datas de nascimen-
to e de chegada ao lar; equívocos que se manifestam através de segredos que gritam, mais
tarde, sob a forma da conduta e do sintoma. Estas confusões se tomam o envelope formal do
desfalecimento do pai.
Como não ver nessa duplicidade - pais bioli>gicos/pais adotivos - um possível atentado
contra a autoridade na família paternalista?
iacan ressaltasque o interessante da forma reduzida da família moderna é a intimidade
que o filho tem com a autoridade. Isso lhe oferece a possibilidade de enfrentá-la e até mesmo
de subvertê-la, promovendo efeitos de criação. Diferentemente das formas mais tradicionais
de família, nas quais a autoridade estava mais distante (por exemplo, um membro &i linha-
gem, mas não o pai, o totem, Deus), e da família pós-modema, tocada pelo declínio do sem-
blante do pai e pela multiplicação clos lugares desde os quais se profere o ideal.
Neste seritido, a adoção está bastante em sintonia com a época em que se constata uma
espécie de desorientação dos sujeitos como efeito da multiplicação dos semblantes do mes-
tre. Uma desorientação limitada.

A titulo de exemplo, o Cenet de Sartre.


"Semacreditar-me nascido n~agnificanzente,
a indecisa0 de ininhn origem me permitia interpretá-lo"
J. Genet

Opçáo Iacaniana no 46 45
Sartre retoma os versos nos quais Genet se refere ao instante em que, aos 10 anos, fica
petrificado pela sentença "és um ladrão": "Uma palavra vertiginosa, vinda do fim do mundo,
aboliu a boa ~ r d e m 'E~disse":
. "Se ao menos a palavra vertiginosa tivesse sido pronunciada
por seu próprio pai (...) se, as vezes, o afeto de seus pais adotivos puderam dar a Genet a
ilusâo de ser seu filho, esta ilusão se dissipa no momento em que se convenem em seus
juizes. Porque o consideram ladrão ele se converte em filho de pai e mãe desconhecidos".
Esta sentença é fixada, tendo o peso de ser a única, justamente porque traz consigo a
incerteza, em particular, sobre a origem daquele sujeito. Não há possibilidade de dialetizá-la.
Não há uma autoridade próxima para subvertê-la, para transformar essa maldição ontológica
que prove idenúficaçóes ao eu: em um efeito subjetivo de criação.

"Edipianizar" a adoção poderia ser o nome da resposta sintomática a hiância entre a


biologia e o semblante, como no caso de uma jovem mulher que procura análise por uma
séria dificuldade quanto ao laço. Nada sabe sobre seus pais biológicos e sempre soube que
fora adotada.
Desde pequena, uma pergunta a atormentava: "Como é que cheguei aqui?"
Freud isolou a fantasia infantil na qual o sujeito constrói uma origem mais nobre que a que
lhe foi destinada para recobrir a falta estrutural do pai: "Sou filho de outros pais mais dignos
que, por acidente, não puderam ter-me". O que se pretende tratar assim é o ponto em que um
paipére-versamente orientado, falta para nomear todo o gozo. Nossa analisante fica presa às
marcas do pai que prioriza tomá-la como objeto, mais do que fazer de uma mulher causa de
seu desejo. Desta forma, restaura a imagem ideal de seu pai, uma vez que goza nostalgicamen-
te do rechaço deste.
Desde menina, buscou na semelhança com alguns traços físicos de seu pai e num objeto
da família deste, que recebeu como presente, a prova de que, por suas veias "coma o sangue
desta família".
Esta elaboração acalmava o vazio frente i pergunta: "Como é que cheguei aqui?"
A lembrança de histórias sobre crianças adotadas que liam para ela em sua infância lhe
gerava a idéia, naquela época, de que: "essa não é minha história, é de outros". Uma vez, sob
transferência, disse: "escrever minha própria história seria fazer a minha. Fazê-la minha!"
Escrever sua própria história, incluindo este resto inominável seria não fazer da
"edipinizaçào" de sua adoção um sintoma em sua vertente autista - versão que estaria fechada
em si mesma, e que a deixaria cativa, em posição de estrangeira em sua própria história.
Incluir este resto implicaria em estar aberta a contingência do encontro.
Numa análise nos defrontamos com a inevitabilidade da questão sobre o pai. Trata-se d e
"edipianizar" a história da adoção, construir o Complexo de Édipo, para poder ir mais além
dele. Para isso, é necessário um giro do Édipo dos pais adotivos para constmir um saber sobre
o lugar de um pai e de um filho na linhagem. E preciso que o sujeito se sirva do pai como
aquele que aponta que a causa vem de fora, para que ele se desate da hiáncia "pais biológicos-

Outubro 2006 46 Opçáo Lacaniana no 46


pais adotivos", liberando-se para habitar sua história de filho marcado por um desejo incluin-
do este resto inassimilável.
Tesro tradurido p o r Bai-tyra Ribeiro de Castro.

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'Sanrc, 1.-P (2003).San Gene: c o m e d i a ~ imi ~i r~i i r . Buenos Aires: Ed. h a d a

Opção Lacaniana no 46
"Amor omnibus idem". É assim que se inicia o verbete "amor" CIO Dictionnaire
philosophique de Voltaire, na sua edição de 1769, La raisotz par l'alphahet. A tendência do
amor é de ir em direção ao mesmo, é o que sublinha Mltaire. O mesmo na repetição de sua
procura de eficácia biológica, orientacla por uma tensáo psíquica em direçáo ao parceiro que
a espécie lhe designa - "vocé qucr ter uma idéia do amor?Veja os pardais do seu jardim, veja
os pombos, contemple o toro..."- sem que isso presuma necessariamente um gozo. O mes-
mo também no amor próprio: 'Aqueles que disseram que o amor por nós mesmos é a base de
todos os nossos sentimentos e de toclas as nossas ações tiveram, portanto, razão ..."
Eis então o que se traduz um século e meio mais tarde, em termos freudianos: o amor é
sempre narcísico. No seu texto de 1914, "Narcisismo: uma introdução", Freutl é especialmente
claro sobre esse aspecto da vida amorosa. Que a escolha de objeto se faça por apoio ou que
ela seja narcisica, está sempre fundada sobre o narcisismo originário. Isso é ainda mais verda-
deiro quando se trata do "tipo feminino mais frequente (...)o mais puro e o mais autêntico.
(...)Tais mulheres náo amam: estritamente falando, serião elas mesmas com uma intensidade
comparável a do amor do homem por elas".
Mesmo quando o amor se sustenta no outro (como um apoio), para a escolha de objeto,
ele não é menos narcisico, uma vez que o que ele procura aí é o retomo do amor Como
comenta Lacan no Seminário I : "o amor daquele que deseja ser amado é, essencialmente,
uma tentativa de capturar o outro em si mesmo". Esse caráter narcísico de todo amor ou,
ainda, esse fundamento que todo amor encontra no espelho de Narciso, foi percebido bem
antes de Freud e cle Voltaire. Alguns poemas do amor cortés testemunhani isso.
O amor tampouco prescinde da cultura. Os homens têni, portanto, "aperfeiçoado o amoi'"
voltaire) e, "se não houvesse cultura, não haveria a questáo do amor"'. lembremos, aqui,
apenas as múltiplas referências que Lacan faz ao amor cortês como um momento de invenção
de um novo laço, de um além do erótico, até chegar a fornular: tzo seminário "Les non-dupes
errent"', que "o amor é o amor cortês" na medida em que representa o impossível do laço
sexual com o objeto, a relação sexual que não existe.
Pelo fato mesmo da inexistência dessa relação, "O gozo do Outro (...), do corpo do Outro,
(...) não é signo de amor"3.Com efeito, o gozo em questão só é atingido ai, onde existe rela-
ção, náo sendo o amor, desde então, mais necessário para supri-la. É o caso da psicose de
Schreber,tal como foi desenvolvida porJacques-AlainMillefl. O homem, assim, só encontra 'A
niulher" na psicose.

Dezenibro 2007 48 Opção Lacaniana no 50


Portanto, o amor não é somente narcisico. Ele tem uma função de suplência. Na falta da
existência da relação sexual, é o amor que vem eni suplência, certamente na ilusão. Ilusão de
que essa famosa relação existe, que nGs fornianios um e que nos compreendemos aquém das
palavras, mas não somente na ilusão. O amor pretende também ser signo, gozo e compromis-
so, isto é, sintoma para suprir efetivamente a relação que falta entre os sexos.
Que o signo de amor seja esperado pelo parceiro, além de suas declarações de intenção
amorosa, é um fato clínico patente. O signo não é o sentido e o dom não é o amor. O Único
signo de amor que efetivamente vale é dar o que não se rem, tal como precisa Iacan: "não
existe maior dom possível, maior signo de amor, que o dom do que náo se temn5.Ou, ainda:
"ar é dar a alguém que, por sua vez tem ou não tem o que está em causa, mas é seguramen-
te dar o que não se temn6,Que o homem apressado ofereça seu tempo; a mulher pobre, sua
falta a ser; a infiel, sua fidelidade; a inconstante, sua constância... Mas esse signo envolve um
paradoxo, pois, ao dar o que não se tem, pode-se perceber o que não se tem. Lac,in evoca
assim "o valor de dependência representado, para a criança, no amor excessivo do pai pela
mãe. (...) Na medida em que o pai se mostra verdadeiramente amante diante da máe, ele é
suspeito de não ter"'.
O aforismo de Lacan, "só o amor permite ao gozo condescender ao desejo'" é de uma
ordeni completamente diferente daquela do signo de anior. Ele introduz o amor na sua fun-
ção de véu em relação ao real, quer dizer, em relação ao gozo. Jacques-Alain Miller faz o se-
guinre comentário: "na vertente do amor, o objeto real é elevado à dignidade de objeto sim-
bólico", é o que permite passar da satisfação da necessidade à metonímia do desejd. O anior
e a angústia estão ambos entre o gozo e o deseio. O amor como véu, a angústia como o que
náo se engana.
No Seminário 20, Jacan deixa explícito o laço entre amor e gozo. Não se trata do mito de
Aristófaiies, mas antes da disiunção dos dois lados do drama sexual.
O lado macho, "o que ele aborda é a causa de seu desejo (...),o objetoa. Eis ai o ato de
amor. Fazer amor. como o nome indica, é poesia. Mas existe um mundo entre a poesia e o ato.
O ato de amor é a perversão polimorfa do macho O ato de amor do macho é o gozo
fálico, na medida em que é autístico, seni Outro, sem a inclusão do amor e passando apenas
pela causa do desejo. Trata-se, no máximo, do amor da lâmina, com o qual Lacan responde a
Aristófidnes no Seminário 11.Um amor sem amor, que prescinde do Outro, é o gozo do idio-
ta; o lado homo sendo aquele que se contenta com o silêncio. Lacan vai além da posição de
Freud na mais comum das degradações do amor.
Do lado feminino, o amor está incluído no gozo. Em outros termos: ele não pode ser sem
palavras, pois, com efeito, "falar de amor é em si mesmo um gozov". E inclusive: "é falando
que se faz amor"". Falar implica o Outro, o hé~ero.É o que permite a Lacan escrever: "chama-
mos heterossexual por definição aquele que ama as mulheres, seja qual for seu próprio ~exo"'~.
O amor, para Lacan, está forçosamente do lado feminino, com o que ele contém de obra
ci\,iliz;itória. Aqui náo há silêncio possível, mas, antes, um gozo que pode chegar à mística. O
gozo feminino, o Outro gozo do qual Lacan nos fala noSemi~zário20 é suplementar ao gozo
fálico que igualmente não escapa às mulheres. Suplementar se opõe aqui a complementar O

Opçáo lacaniana nu 50 49 Dezembro 2007


complemento asseguraria uma relação (proporção matemática) entre os sexos. O suplemento
não assegura nada disso. Ele é uma bricolagem de sobras.
O comentário de Jacques-Alain Miller sobre esse gozo suplementar, no texto "Un
répartitoire semel?' é especialmente esclarecedor sobre esse lugar do amor: "esse gozo
suplementar, que aqui escrevemos A, de fato, tem duas faces. De um lado, é o gozo do corpo,
no que ele não está limitado ao Órgão fálico. (...) Mas, de outro (...) é o gozo da fala".
Pode-se extrair daí a erotomania, como o faz, aliás, Jacques-Alain Miller: "Trata-se exata-
mente do gozo erotômano, no sentido em que é um gozo que necessita que seu objeto fale".
É o que acontece em relação as posições de amor na psicose, que vão da erotomania à ideali-
zação delirante do objeto de amor Assim, em Nerval, é o ideal da Dama que provoca o
desencadeamento quando esse ideal é degradado ao nível de uma mulher qualquer O amor
como deslumbramento apresenta: então, sua face de devastação. Essa devastação não está
presente somente na psicose. Ela é simplesmente uma face de amor. Se uma mulher pode ser
um sintoma para um homem, um homem pode ser uma devastação para uma mulher.
Dessimetria do amor. Mas essa dessimetria não impede que o amor possa ser levado ao com-
promisso. Nos diferentes momentos do ensino de iacan, o amor não existe sem a palavra que
engaja o ser: da fala plena ao sujeito da enunciação e ao valor de exceção do dizer.
Desta forma, no Seminário 1, iacan afirma: "O dom ativo do amor visa o outro, não na sua
especificidade [narcisica], mas em seu sei'. Conhecemos a Fórmula testemunho da fala plena
em seu valor de reconhecimento, ao mesmo tempo em que ela incide sobre o ser do sujeito:
"tu és minha mulher". O dom ativo que evoca Lacan situa-se, em relação ao plano simbólico,
em seu valor de fala plena. Isso, nosenziná?io 'Xes non-dupes elrent" torna-se: "o casamento
é o amor... como enganação reciproca". Trata-se de poder aceitar ser tolo, sobretudo de uma
mulher, pois os não-tolos (...), aqueles que conservam toda liberdade de ação (estão necessa-
riamente no) erro, ou seja, eles erram. É a maneira com que Iacan precisa que a mulher é um
dos Nomes (-do-Pai) do qual é necessário aceitar ser tolo.
Mas o amor é também um dos Nomes-do-&, é o último capitulo do seminário 20. O
impossível da relação sexual encontra seu limite e sua resposta na ilusão de que essa relação
existe pelo encontro amoroso, "o encontro no parceiro dos sintomas, dos afetos; de tudo que
em cada um marca o traço de seu exílio (...) da relação ~exual"'~. Entretanto, todo amor con-
sagra-se a transformar essa contingência em necessidade, em um "não cessa". "%I é o substi-
tuto que (...) faz o destino e também o drama do amor". É o amor como sintoma, substituin-
do?tal como um dos Nomes-do-Pai, o real do "não existe".
Na "Nota Italiana", ainda em 1973, Lacan propóe tentar "aumentar os recursos graças aos
quais poder-se-ia prescindir dessa relação desgastante para tomar o amor mais digno que o
amontoado de bobagens que o constitui atualmente". Podemos reconhecer ai, uma evocação
de um novo amor: aquele do poema de Rimbaud ' Xuma razão"'j:

Um roque de teu dedo no tambor desencadeia todos ossons e dá início a tima now
harmonia.
Um passo teu recruta os novos homem, e os põe em marcha.

Dezembro 2007 50 Opcão Lacaniana no 50


Tua cabeça avança: o notio amor! Tua cabeça recua, - o novo amor!
"Muda nossos destinos, passa ao criuo as calainidade.%,a conzeçarpelo teinpo: cantain
estas crianças diante de ti. 'Xemeia nâo importa onde a substância de nossasfortunas
e desejos')pedent-te.
Chegada de sempre, que irás por toda parte
Texto traduzido por Simone Souto.

'Lacan,J. (?W5[1962-631) OsminUrio. I i ~ n o l 0 : a a t i g ~ t KiodeJaneir0:JorgeZahar


i~.
?Lacan,J. [19i3-741 ,'L6 non~dupeeirenl'. (Seminário inédito).
?Ideni. (1985[1972~731).OsminUrio, Iic'ro20: I M ~ ainda., Rio de Janeiro: Jorge Zahar
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'Idem. lbidem.
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9MillesJ~A.(2009. Cousc Freudinzne (58).
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"Lacan, J. (1985[1972-731). Op. cii.
"Lam, J.[1971-721. Seminário 19: ''Ou pire" Aula de 041j/72. (Inédito).
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Opção lacaniana no 50 Dezembro 2007


O sofrimento e a incompreensão que caracterizam a angústia não permitem aqueles que
dela padecem dar-lhe o lugar de um sintoma. Sua repetição acentua a ameaça que veicula, e
sua opacidade não oferece a esperança de uma significação que começaria a orientar em dire-
ção a procura de sua origem. O desencadeamento de um estado angustiante, como a chegada
de uma crise mais abrupta ainda, parece separar o sujeito de sua história. Esta opacidade imedi-
ata e a solução de continuidade que instala com a realidade ambiente servem de pretexto para
aqueles que querem apenas encontrar sua conseqüência na biologia.
A mesma opacidade e a intensidade do desprazer que a angústia induz, conduzem os
defensores da psicologia a pensar que sua diferença com relação ao medo reside na ausência
de objeto, ou na alegação irrisória de um motivo inverossímil, como as seqüelas de uma fobia
infantil. Ao lado da medicina organicista e da psicologia, existe uma terceira via de pesquisa.
Mais reflexiva, ela considera que essa opacidade interroga a pessoa na sua existência, questio-
na-a sobre os mistérios de seu lugar no mundo. Considera ainda que a angústi;~pode se tomar
tanto a ocasião de uma reconstituição das fontes do ser, quanto a prova - e a sanção - de que
o sujeito não a enfrenta como poderia fazê-lo, de acordo com seus meios.
A história efetiva da clínica da angústia que, como a da dor, não tem muito mais que dois
séculos, é dividida por estas três tradições: a médica, que de início sustenta que a angústia é
física; a psicológica, que avança dizendo que a angústia é anomalia do julgamento, do conheci-
mento, do comportamento, ou seja, do desenvolviniento da adaptação a realidade; a filosófica
ou existencial (~~isfentiule), ontológica, que afirma que a angústia não é indigna das ex-
perièncias de porte metafísico.
Unia quarta, a freudiana, rompe com as três primeiras, que a ignoram, celebrando aparen-
temente o criador, para nele reconhecer o pai da modernidade daverdadeira história da clíni-
ca da angústia. Mas, uma vez que ela só se concebe na niptura coni as três outras, nossas
facilidades de pensamento a niisturam, com bastante freqüência, às conceituações emprestadas
das outras três. É útil assinalar essas niisturas por unia dissecação intelectual rigorosa, a fim de
reencontrar o sentido verídico deste afeto que permanece o rei dos afetos; deste desprazer
que se desdobra até o cume do desprazer Não é questão aqui de pureza teórica, mas de
eficácia prática: dizer que a angústia, sua essência (das Wesen der Atigst), não é nem Física,
nem psicológica, nem metafísica, é lançar as razões que explicam por que nossa clínica não
pode fazer a economia de uma metapsicologia.
Repetimos, frequentemente de forma justa e legítima, que a angústia "toca o ser". Mas, a

Dezembro 2007 52 Opçio Iacaniana no 50


certeza do momento em que é experimentada deixa incerteza, pois esta náo dá acesso à reve-
lação d e uma verdade subjetiva determinante. Portanto, segundo Freud, a angústia não é um
conceito, mas alguma coisa de experinientado (etwas Eempfundetm"). Ela é um fenômeno
fundamental, que coloca um problema cmcial (Grundphat-nome>?u77d Hauptproblenz).
O que a angústia ensina mais frequentemente ao angustiado é a urgência de tomar os
atalhos que o afastam da zona ativa. Ao fim de seu seminário consagrado à ética da psicanálise',
iacan lembra que ela é um obstáculo, e não o resultado, depois da passagem.
O mais perto possível da angústia, ou seja, o horror. é infecundo se não se pode ir além.
Diferente do sintoma, necessário; a questão para a angústia não é a de sua utilidade ou inuti-
lidade. Isto provém de uma confusão entre sua função de sinal, descobeita por Freud, e o
próprio fenômeno, que não deve ser desenvolvido, se quisemos que a função seja tão
simplesmente pensável.
O médico não faz, com a essência da angústia, melhor do que o sábio, do que o fabricante
de W/eltanschaunget7.Mais seriamente confrontado com as reivindicaçóes reais da época ou
com a legitima demanda de apaziguamento, o médico a confunde com a dor que ele suprime.
Ao suprir o fenômeno, amputa o sujeito da referência essencial que a função cle sinal lhe
oferecia para seu desejo. Desde 1926, Freud mostrava o desafio que a ciência médica contem-
porânea negligencia: acalmar o fenômeno, (dieAngstentuiicklun@,evila-lo,"erradicá-lo", por
que não? Porém, sem privar o sujeito desta função de sinal.
Essa descoberta de Freud é acompanhada de uma advenência: a angústia é universal, mas
não é geral. Nem todos são angustiados. E a luz - Freud o espera - que mostrará o que é a
essência da angústia, pode vir igualmente do estudo daqueles que não a experimentam, como
daqueles em quem o fenômeno daA?7gstentwicklu?7g,da angústia desenvolvida, não oprime a
função de sinal. O psicólogo se arremessa nessa brecha. O sinal ele conhece. é o famoso par
estimul~resposta,ou qualquer coisa equivalente.Sua operação apóia-se na descoben;ide Freud
para fazblo dizer seu contrário, apresentando a angústia como a disfunção de um dispositivo de
alerta subjetivo, a disfunção das Funções defensivas do medo e da fuga. A angústia seria um
medo exagerado, desmedido, errôneo, uma reação que excede as normas estabelecidas.
No seu ensino sobre a angústia, em 1963,Jacques iacan relembra que a distinção freudiana
é muitodiferente e muito mais decisiva. No medo, o perigo é externo; interno?na angústia; na
realidade ai, com o real, aqui. A concepção desenvolvida por lacan coloca a função da angús-
tia entre a função opaca do real e, em oposição, a do significante. Essa concepção dá seu valor
verdadeiro à noção freudiana de sinal. Desde 1916, Freud mostrava que a angústia não é um
medo anormal ou desmedido, uma vez que ela o precede logicamente. Lacan o relembra
quando sublinha; no seu comentário do "pequeno Hans", que o medo "trata" a angústia.
Uma seqüência inassimilável de paradoxos é constitutiva da clínica freudiana da angústia;
iacan mostra que isso é conseqüência do caráter inalcançável do sujeito do inconsciente. Esses
paradoxos conduziram Freud a traçar os meandros de uma difícil metapsicologia. Essa
metapsicologia não pode ser resumida pela tomada acadêmica de duas teorias suce~si!~aspelas
quais a angústia seria o efeito do recalcamento, depois sua causa. Isto é esquemático demais.
Desde a metade dos anos 1900, Freud hesita, não tanto entre duas teorizaçòes da angústia, mas

Opçáo Lacaniana no 50 53 Dezembro 2007


entre a abordagem dessa questão pelo ponto de vista da verdade e do real. Ao final, longe de
desafiar e provocar, ele dá suas razões por não escolher uma constmção teórica que refutaria
a outra.
Assim, pela insatisfaçáo que lhe proporcionam os tropeços de seu pensamento sobre a
angústia, Freud prova que sua ine~apsicologiaé u signo que faz desse afeto maior uma causa
de sua vontade de náo ceder sobre seu desejo, um desejo que podemos designar graças ao
autor dos Escritos: não abandonar a causalidade psíquica.
Na última página de sua lição de 3 de julho de 1963,Jacques iacan evoca o que é "confrontar-
se com a angústia", o que é seu "atravessamento": e o "traço dessa alguma coisa que vai da
existência d o a a sua passagem na história". Nós náo lemos nem Freud nem lacan como tesre-
munhas de suas épocas, mais como os anunciadores de uma exigência ética da clínica. Como
"desangustiar" no e pelo ato analítico?Ou seja: como fazer empalidecer a angústia?Como esgo-
tar o seu fenômeno em um sujeito, para que ele saiba, enfim, o valor de sua funçáo?
Texio traduzido por Soiiia\kente

Dezembro 2007 O p ~ ã olacaniana no 50


Um objeto duro
O objeto alimentar não parece prestar-se a ser incluído na serie dos objetos n conceituados
por J. Iacan, na medida em que neles a consistência lógica provém de unia topologia comum à
sua estrutura de falta simbólica e sua presença de buraco real - caracteiizando assim o objeto
oral, por exemplo, como o peito do desmame, quer dizer, perdido, ou a voz como áfona etc.
Este objeto apresenta uma consistência material inevitável e, no que diz respeito ao corpo
vivente, no âmbito alimentar, a despeito de todos os véus com que se apresenta, no fini das
conta?, trata-se de engoli-lo. Poderíamos dizer, parodiando o famoso aforismo lacaniano em
.
1LGtourditn:
8' 2
"Que comamos fica esquecido por trás do que comemos, no que nos apetecenios."
Efetivamente, para o ser falante, este objeto toma-se apetitoso, velando-se a ponto de quase
esvaecer na poética do cardápio, nos levando a crer que somente comemos significantes, como
costuma acontecer na alimentação da criança: "Este pedaço para papai ... este para mamãe."
O fato de existirem seres falantes aos quais isto não se aplica, obcecados com a materialidade
do objeto alimentar, dificultando sua incorporaçiáo a ponto de tornar-se impossível, nos casos
extremos, leva-nos a perguntar sobre as condições em que opera essa transmutação do obje-
to, que alcança o estatuto de mistério na religiáo cristã ao fazer-se presente no sacramento da
comunhão, em que se trata da transubstanciaçáo do corpo de Cristo em hóstia.

O pai como aperitivo


A clínica da anorexia verifica não ser casual que o mito cristão, que intensifica a estnitura
do mito de "Totem e Tabu", como assinala Freud, indique ser o corpo de Deus o que se trata
de comer, pois permite comprovar regularmente que, cada vez que o objeto alimentar se
torna embaraçoso, é a Função paterna que está em questão.
Nas anorexias, em maior ou menor escala, o alimento se apresenta com toda a sua cruelda-
de real, particularmente quando toma a consistência da carne, tornando-se persecutório. Se o
mito freudiano dá conta da passagem do pai vivo, real, de carne, ao pai morto, significante,
essa presença real do alimento nas anorexias é um indicador de que o pai ainda não foi total-
mente significantizado;certa dimensão de cadáver permanece, deixando o sujeito, por assim
dizer, engasgado.
A clínica da melancolia, com a frequente rejeição do alimento, nos mostra como a impos-

Opção Lacaniana no 50 55 Dezembro 2007


sibilidade de perder o objeto nessa estrutura clínica é subsidiária da impossibilidade de per-
der o pai como corpo, para incorporá-lo como significante. Nestes casos! não se produz o
incorpóreo termo que Lacan utiliza em "Radiofonia" para dar conta do momento posterior a
incorporaçáo, no qual o simbólico é uma função que aspira ao corpo, negativizando de algum
modo a carne, operação possibilitada pelo Menos-um, função paterna da exceção1.
E o mito freudiano, desta vez na versão da "Sinopse das neuroses de transferência", vem
novamente situar o momento preciso em que o ser falante fica preso na melancolia. Trata-se
da eternização do luto pela morte do pai. Mesmo que as anorexias se apresentem em outras
estruturas clínicas: trata-se sempre dessa dimensão melancólica que Iacan aponta em Hamlet,
desconcertado pela presença desse pai espectral, quando enfatiza que as mesmas provisões
do velório do pai serviram para o casamento da mãe.
É por isso que a clínica das anorexias, inclusive as neuróticas, sempre apresenta uma série de
fenômenos,na maioria dos caios no campo da percepção (defoma@o da imagem especular, por
exemplo),ainda que náo somente nela (a impulsão bulimica é também frequente); que são outros
tantos modos de mtar o gozo que náo se conseguiu extrair completamente do corpo. Neste
sentido, poder-se-ia dizer que nas anorexias o objetoa ainda náo adquiriu sua consistência lógica.
Se considerarmos, tal como assinala Lacan em "RSI",que o mais-de-gozarprovém clapère-
versiou, da versão a-peritiva do goza?, deduz-se disso que quando o sujeito não aceita o pai
como aperitivo (cuja função consiste justamente em excitar o apetite), é a constituição mes-
ma do gozo, sob a forma de mais-de-gozar,que está em questão; o que torna o anoréxico um
sujeito em estado de defesa constante diante de um gozo que o invade corporalmente.
Se na Fantasia se trata precisamente cla localização do gozo como objetoa no marco de
uma versão do pai, na anorexia sua constituição é o que encontra dificuldade. É o que desen-
\.olve Lacan em Os quatro conceitosfundamentais, quando situa a anorexia como correlativa
cla fantasia da própria desapariçãd, fantasia universal constitutiva do sujeito, esqueleto do
que será sua fantasia fundamental. Na anorexia neurótica: o sujeito se encontra suspenso na
pergunta sobre se pode alojar-se como falta no Outro; a + A (faço falta ao Outro?), sem
chegar a apropriar-sedesse lugar vazio, para pocler logo extrair o objetoa: o que dana a forma
definitiva e singular da fantasia: $ < > a . É o que tanibém localiza o "conier nada" anoréxico,
índice de um nada que tem de ser introduzido a cada vez no objeto.

O apetite, entre a identificação e o amor


De certa forma! o apetite é o primeiro nome do desejo. Significa também abrir. dar, despertar
A clínica das anorexias permite precisar que é a função de incorporaçio do pai o que possibilita o
despertar do desejo e a abertura ao Outro que implica o dom no amor, que permitiria diagnosticá-
Ias como patologias do amor Nas anorexias psicóticas, o sujeito parece encontrar-se preso no
vazio que perfura no vivente a identificação primária, com o conseqüente efeito de moirificaçáo
extrema. Nelas, o pai traumático, real, se apresenta sem o véu do amor no objeto alimentar
Esse é o caso de Soledad, que praticamente deixa de se alimentar aos 14 anos, ao engasgar
com uma batata frita por ocasião do Dia dos Pais, olhando Frankenstein na televisão. Seu pai,

Dezembro 2007 56 Opyão iacaniana no 50


desaparecido pelo Processo iMilitar quando ela tinha três anos, também estava desaparecido
do discurso materno e familiar. "Nunca se falou dele em casa", diz Soledad. Este caso demons-
tra que nesse momento de confrontação com o buraco foraclusivo, determinado pela conflu-
ência do chamado no simbólico p i a dos Pais) e o encontro no imaginário com um morto-
vivo (Frankenstein, mas também o pai desaparecido), não há distância entre a batata-alimento
e o pai, ficando o sujeito preso no ato mesmo da incorporação.
A anorexia psicótica ressalta, em seu ponto de impasse, que na identificação primária tra-
ta-se da produção do Nome-do-Pai via a incorporaçâo. Isso é o que assinala Lacan em "RSI",
quando diz: "Sou o que eu sou: isto é, um buraco. Um buraco é algoque engole, e depois tem
momentos eni que cospe de volta. O que? O nome, o pai como nomel*.
Nas anorexias neuróticas, é mais precisamente essa segunda volta sobre a identificação,
que implica uma regressão desde o amor objeta1 ao pai como soluçáo na histeria (por exemplo,
a tosse de Dora é uma forma de gozar de um vazio no nível oral, sem recorrer a recusa do
alimento), que náo termina de encontrar seu caminho. Efetivamente, nestes casos o amor ao
pai parece não alcançar a consistência de armadura que Lacan lhe atribui na histeriaí, apresen-
tando-se na maioria dos casos sob a forma de um chamado?repetido noacting-out, indicando
que a função do vazio, estrutural no amor, não está garantida.
É o caso de Hilda, que começou um jejum depois do nascimento de sua filha. A gravidez
foi o resultado de sua urgência para sair da casa materna, pois a partir da adolescència seu
padrasto, de quem recebeu o sobrenome, dirigia-lhe um olhar obsceno e até tirou fotografias
dela nua quando tomava banho. Hilda não conliece o pai, nem as circunstâncias em que ela
nasceu; só sabe o nome dele. Na adolescência, tentou encontrar-se com ele, porém ele se
recusou a vê-la e inclusive a negou como filha.
O jejum de Hilda continuou até ela se apaixonar. Quando come com o namorado ela o faz
com prazer; porém, quando fica sozinha, provoca o vômito.
Hilda está presa entre o olhar incestuoso do padrasto, que a chama de filha, e o não-olhar
do pai biológico, que não a reconhece como tal. Entre uma presença gozadora e uma ausên-
cia que não pode ser dialetizada, ela toma a via da recusa como forma de fazer existir a lei.
Emagrecendo, ela subtrai seu corpo do olhar do padrasto, instalando um N ~ ancorado
O na
recusa do alimento. Isto permite que ela ame um homem. No entanto, a incorporação está
condicionada por sua presença; devolvendo o objeto no espaço de sua ausência, como uni
chamado a uma função pacificadora do gozo que não terminou de instalar-se.

Duas indicações
As dificuldades com o objeto alimentar são muito frequentes na clínica das mulheres. Des-
de o nojo histérico de determinados alimentos - geralmente aqueles que não mascaram o
suficiente sua origem corporal, como a carne e particularmente órgãos e vísceras, os "bichos"
eni geral, os alimentos insuficientemente cozidos etc. -até a recusa anoréxica: sitiiam uma
relaçáo específica entre feminilidade e função paterna.
Com efeito, a clínica das anorexias femininas coloca em discussão unia conseqüência da

Opçáo lacaniana no 50 57 1)ezernbro 2007


recusa do a-peritivo: a dificuldade para a fetichização do próprio corpo, operação (que talvez
pudéssemos chamar de incorporação) propriamente feminina com respeito ao falo. É o que
explica a frequente obsessão com a imagem especular nas anoréxicas. De fato, o corpo não se
tornou equivalente ao falo, fracassando a constituição da mascarada feminina.
Por outro lado, a extensão das anorexias na atualidade obriga a considerar, igualmente, a
dificuldade própria da época para a incorporação do pai; e poderíamos dizer que constitui,
pela negativa, uma das provas irrefutáveis do real da função paterna, para além da declinação
do semblante do pai. Isto nos leva a fomiular a hipótese de que essa extensão ta11.a obedeça
a uma melancolização generalizada, associada a um retomo mortífero do não-incorporado; o
que verificaria a afirmativa de Lacan, em sua "Conferência na Columbia University" (1975): "O
pai é uma função que se refere ao real, e não é necessariamente a verdade do real. O que não
~ ~

impede que o real do pai seja absolutamente fundamental na analise. O modo de existência do
pai se mantém no real. É o único caso em que o real é mais fone que a verdade. Digamos que o
real, ele também, pode ser mítico... É muito inquietante que haja um real que seja mitico, e e
justamente por isso que Freud manteve tão fortemente a função do pai em sua doutrina".
Tewto mdiizido por Fátima Sarmento

'"Del Uno-eii-menos, ei lecho está hecho para ia intrusión que a v m a dsde Ia ãiriuión; os el rignificante mismo Así no todo es u n e . [.as únicas que
imprnnm e1 signoquelasn~ativiu.mienden, de loque . cuerposesepaiaii,
. . l a s n u k , aguassuperiores,desugoce, cargadasde ra\rmaredisinbuir cuerpo
a r, Ic , IJTi P-imii~nl~,:r Hnd,; rii I. I>.-.:.h Rni r l i r i t I r iI;iarnl nlrwiona p 1 s
:Larui.l :T9'i1 K<I +ni i s i iicl,i 1 3 % I? i : e m d: li-5,
. , l i l i: r I I . I I ! K ! e I ~ ? e r r lir*7a c ,?Oj
. a..I . . . RII ~ . l n l n ? - iiihiii. ai i a c 1: I inn. I< I < - <
'Lamn, J. 11976-771. "Gim qui saitdeI'iinebéwe ...o Seminário inédito. (kllade 14 de dezeinbro de 1976).

Opçáo Lacaniana no 50
"Os irmãos expulsos se reuniram um dia, mataram o pai e devoraram seu cadáver, colocando
assim um fim à existência cla horda primitiva". O que levou Freud, em "Totem e tabun,7 inven-
tar este mito: o único verdadeiramenre moderno, como lembra Lacan? Este mito original, esta
epopéia sem palavras - Lacan chega a qualificá-lo de "drama afásico" -, requerendo que Freud
nele colocasse palavras, contando-o uma vez e outra mais, sempre para responder a pergunta:
o que é um pai? Como conseqüência, as versões freudianas do pai que orientam a teoria
psicanalítica - os mitos de Édipo, Totem e tabu e de Moisés - partem do dito mito do assassi-
nato do pai, como uma resposta a essa pergunta, dizendo que um pai é aquele cuja morte os
filhos provocam ou, o que é a mesma coisa, o assassinato do pai é o que funda o pai.
Mas por que Freud teve a necessidade de fazer da morte do pai o assassinato do pai? lacan
pergunta isso a propósito de Moisés: "O cúmulo dos cúmulos é o Moisés. Para que foi necessá-
no que Moisés tivesse sido assassinado? Freud nos explica e isso é o que tem mais força: para
que Moisés retornasse através: dos profetas -sem dúvida pela via da repressão, da transmissão
mnêmica através dos cromossomos, temos que admitir isso"!
Apesar dos fatos narrados por Freud se apresentarem apoiados em dados etnológicos
CTotem e Tabu") ou históricos ("Moisés e o mono~eísmo"),ele os situa sempre como uma
história romanceada. Os dois anos que Freud consagrou a escrever "Totem e rabu", as múlti-
plas leituras que o levaram dos desenos da Austrália aos ritos dos antigos semitas, tinham um
único objetivo: demonstrar que o assassinato do pai da horcla constituía a origem real, uma
espécie de Big bang das instituições humanas. Sobre este ponto, Maurice Godelier escreveu
recentemente que "Freud não podia fazer outra coisa a não ser bricolar uma estória imaginá-
ria que não é apenas uma história falsa, mas uma história falseada.'" Contudo, esta conclusão
não é nova e caberia recordar as palavras de Kroeber em "Tótem ancl Bhoo in retrospect":
"Senti-me mal quando escutei um estudante no seminário de Sapir, em Chicago, fazendo sua
exposição sobre "Totem e rabu" e que, como eu mesmo fiz, desenvolveu a trama do texto e
em seguida laboriosamente o fez em pedacinhos. É um procedimento demasiado sugestivo,
despedaçar uma mariposa. Uma fantasia cintilante merece uma habilidade mais delicada, até
mesmo no ato de demonstrar sua irrealidade"?
"Estórias" há muitas, e também muitas ruins, mas o que Freud nos apresenta em "Totem e
tabu", entre várias outras coisas, é uma versão acerca de como se narra uma estória. Aquela
diferença aristotélica entre uma história que conta as coisas como são ou foram, e uma poesia
que as conta como poderiam ter sido, aqui se esfuma e se perde. Não é porque Freud proclame

Opção Iacaniana n" 50 59 Dezembro 2007


a superioridade da imaginação sobre a realidade, mas porque se mostra convencido de que
recuperar os contextos passados é tarefa destinada ao fracasso, então a hipótese poética é
uma ferramenta necessária para recuperar esses lugares já desaparecidos. A frase com a qual
Freud decide terminar "Totem e tabu': é tomada do Fausto de Goethe que, longe de repetir
"No começo era oVerbon,havia escrito "No começo era o ato" rimAnfang wardie Tat'?. No
mito freudiano, esse primeiro ato se converte em um assassinato e a questão que surge é se é
possível falar de um ato justo antes do advento da humanidade.
Esta estória, qualificada por Freud como aJust So s t o ~ ~é 'comparável
, aos relatos de Kipling
ou de Andersen, e evoca estórias como a que o diretor de cinema Francis F. Coppola colocou
em imagens em Apocalypse Now, em que, partindo do grande romance de Joseph Conrad,
The Ifeart of darkness, teve a necessidade de incorporar a canção e a letra do Tbe Doors, na
qual se escuta o cantor Jim Morrison dizer: "Father!, yes sou, I zuan? to kill you.. . Mother I
ziiant to f..,vou", justo no instante em que vemos W~llardbrandindo o sabre para executar
Kurtz, entre cujos livros de cabeceira vemos The Golden Bough, de James Frazer (uma das
referências de "Totem e tabu"). Tudo acontece enquanto se cruzam imagens da matança ritual
do animal sagrado. Coppola falseia os fatos históricos da guerra do Vietnam?Que sentido tem
semelhante bricolagem, senão mostrar o gesto que, no último ato: Willard realiza ao jogar sua
arma no chão e que, rompendo a cadeia do mito de "o ramo dourado", indica que o lugar da
vítima ficará, como o do pai da horda, vazio para sempre?
Por outro lado, por que Freud teve que "visualizar" o assassinato desse liruater?Recorde-
mos que, uma vez que Freud se deu conta de que a cena de sedução era uma fantasia histéri-
ca, descobriu, ao mesmo tempo, a estmtura do desejo: a cena de sedução tomava evidente a
fórmula de Lacan segundo a qual "o desejo é o desejo do Outro": ou seja, que o sujeito susten-
ta e enuncia seu próprio desejo em uma encenação na qual é o Outro que carrega esta
enunciação. Neste sentido, a substituição da cena de sedução pela fantasia havia modificado a
função paterna. Freud se encontrou, portanto, com o fato de que não se podia conceber mais
o pai como o elemento traumático e causal do desejo. O pai se convertia em partenaire da
dialética do desejo. Assim, então, o abandono da teoria da sedução fazia do pai a formação
essencial do inconsciente.
Em "Totem e tabu", Freud confrontou a aplicação do Édipo com os dados etnográficos,
ou seja, com a colocação em jogo da rede simbólica que "demonstra que a atribuição da
procriação ao pai não pode ser efeito senão de um puro significante, de um reconhecimen-
to não do pai real, mas do que a religião nos ensinou a invocar como o Nome-do-&i".>
"Tocem e tabu" supõe, assini, uma interrogação da rede significante. O pai da horda só é
introduzido no final, e não seni precauções. Em resumo, Freud acreditou ter encontrado o
ancestral do pai edipico, o primeiro pai do neurótico.
O mito freudiano nos apresenta a castraçáo dos filhos efetuada pelo simbólico e esta, mais
do que um acontecimento "antes" da história, seria um acontecimento que evoca um passado
abolido e que se projeta em uma dimensão permanente.
Mas Lacan foi o primeiro a desmantelar este mito freudiano do Édil)o, ao perguntar "o que
Moisés tem a ver com Éclil)o e com o pai da horda primitiva?Há aqui algo que tem que vir do

Dezenibro 2007 60 Opcáo Lacaniana n" 50


conteúdo manifesto e do conteúdo latente"5,e observa que "o complexo de Édipo deve ser
analisado como um sonho de Freud.? Se o complexo de Édipo é o sonho de Freud, este,
como qualquer sonho, requer ser interpretado.
Quando Lacan observa que a fantasia de que o castrador é o pai da horda não aparece em
nenhuma das formas do mito às quais Freud se dedicou, é para indicar que a castração, como
enunciado de uma proibição, só poderia se fundar em um segundo tempo. O paradoxo está,
pois, no fato de que, segundo o mito freudiano, esta proibiçio provém unicamente de um
comum acordo, "singular initium que ... tem um caráter problemático"?
"Singular initium". Aqui, Lacan recalca o termo ato inicial, precisando que não se pode
falar de ato se não há uma rede simbólica prévia: "só poderia haver ato no contexto já
ocupado por tudo o que é a incidência significante ... não poderia haver nenhum ato a
principio, em todo caso nenhum ato que possa qualificar-se de assassinato: o mito não
poderia ter aqui outro sentido que aquele ao qual eu o reduzi, o de um enunciado impossí-
~ e l . Em
" ~ outras palavras, a castraçáo, operação real da linguagem, surgida do simbólico,
nunca pode ser um ato. O ato implica sempre "um antes e um depois". O que está no
começo é o gozo, a linguagem. Então, se o ato exige um contexto significante prévio, isto
implica que o ato não pode ser senão uma conseqüência - real - do que náo se pode dizer
no sin~bólico,do que não se pode articular na linguagem.
Ao não poder conceber nenhum ato originário, o suposto assassinato do pai não poderia
ser nem acontecimento histórico, nem ato. Dizer que o assassinato do pai é um "enunciado
do impossívell aponta essa Função de mi-dire - do "meio dizer" - do mito, como saber no
lugar da verdade.
O mais surpreendente da operação de Lacan sobre o niito de "Totem e tabu" é que
acaba, just~mente,sobre o amor ao pai, fundamento da religião monoteísta. lacan chega a
reprovar Freud que, na articulação do mito, longe de combater a religião, finda-a: mais do
que fundar o ateísmo sobre o assassinato do pai, salva o pai e funda a religião do pai, para-
doxo que Jacques-Alain Irliller destrinchou em seu Curso de Orientação lacaniana de 2003,
"Um esforço de poesia':: "há em Freud uma recusa de interpretar o pai, isto o conduz aquilo
que Lacan chamava de bufonismo darwiniano do pai onipotentel assim como ao aconteci-
mento de seu assas~inato".'~
Se o mito do assassinato do pai é impossível, isto é devido ao fato de que supõe um gozo
primeiro atribuído ao pai primordial. O que Freud situa como Urvater supõe "pelo menos
um" que - coisa impossível - "goza de todas as mulheres". Eliminando o pai mono, a única
coisa que sobra do mito freudiano é a função que ele ocupa, função que não é senão a de
recobrir a castração. O que nos diz o "conteúdo latente" do sonho freudiano do Édipo é que
a sucessáo do pai ao filho procede da castração do filho. hrtanto, o "assassinato do pai"
mascara a "castração do filho". Esta não é um mito! mas uma operação real, efeito da lingua-
gem e, neste sentido, não tem nada a ver com o pai.
Texio iraduzido por Cristina Drummond e revisado por Elisa Man(eiro

'L3Cdn:J (1991[1969-701). O seniirldno, livro 17: o alresso dupsirnnólise.Rio dc Janeiro: Jorge Zahs, p i a 9

Opção Iacaniana no 50 61 Dezembro 2007


'Cadelier, M. (20~).Mélumorpbosesdelapar& Paris: Fayard, p. 428.
J I I / O U n d m y s e I / m ~ h ~con,rcience-slrickm
I u?bm Iiislcnedlo a slt~denlin Snpirk s n i n o r iti Chicago making bis repor1 on Totem and Taboo:
~ i b oiike myse$jrsl spreud oul ilrgossumer 1e.rIure a n d h iubmiowiy /ore i1 10shreds. 11is o p r m d u r e loo sugesiive (hreaking a bullefly
on fbe w h l . h irida(et~l/I~nIag desen.ps u more deIi(a!c louih eicn in Ibe aci ofdo,~onrlralion ofils u,rrealr)~':
'Kmeber A. (1939) "Tólem md Taboo in retrospar, American]otrn~alofSocioh~~, KL\! pp. 446~451.
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Opçáo lacaniana no 50
Deus é o único ser que, para reinar nno precisou nem mesmo existir
Charles Baudelaire

Houve um momento em que o Deus do monoteismo era sozinho, ciumento, colérico e


Senhor dos exércitos. Depois, Deus era uno e trino, e os teólogos discutiram, até acontecer o
cisma do Oriente, se o Espírito Santo procedera do Pai e do Filho, ou apenas do Pai. Em
seguida, veio a luz a distinção entre o Deus dos rilósofos - um ser infinito, eterno, perfeito,
espécie de princípio objetivo externo ao universo e as suas leis - e o Deus vivo que fala com
seu povo, que exige sacrifício, a quem se pede graças, a quem nos submetemos. Por fim,
chegaram os espíritos livres clo Iluminisrno, e Deus pareceu não ser mais necessário: tanto
que Laplache pôde dizer, respondendo a Napoleão, nao ter necessitado de tal hipótese para
formulara sua mecânica celeste. Por certo, para desembaraçar-seda hipótese de Deus, Liplache
teve de Formular um posrulado, o do determinismo universal, que delineia em seu próprio
fundamento uma presenca igualmente embaraçadora. Trata-se de imaginar uma inteligência
ideal que, conhecendo em um determinado instante todas as forps que animam a natureza,
e sendo bastante ampla para poder analisar os dados dos quais dispõe, esteja em condiçóes
de b a r em uma só fórmula os movimentos de todos os corpos do universo: para essa inteli-
gentia não havia nenhuma incerteza, diante de seus olhos estavam todo o passado e todo o
futuro. Essa inteligência é o famoso demònio de Laplache que, se não é o Deus dos filósofos,
é, pelo menos, o Deus dos cientistas.
kvando em conta as consideraçóes feitas por Lacan sobre esse tema no Semindrio:A
ética, os atributos de Deus sáo os de "um pensamento que regula a ordem do real".@. 212) A
icléia de um Deus ordenador se desenvolve na perspectiva aberta pelo primeiro monoteismo
egípcio que, centralizado no unirarisnio energético de um princípio solar, funda uma visão
racionalista do mundo.
Ao retomar esse tema nas últimas lições do Sernináno: A anpútia, as prerrogativas de
Deus valorizadas por Iacaii sáo a onipotência e a onividéncia. Onde se trata de recobrir a
angústia "o ideal do eu toma a Forma do Onipotenten@.357). Desse ponto de vista: o verda-
deiro ateu é aquele que consegue eliminar a fantasia do onipotente. Nesse sentido estrito,
Laplache certamente náo é ateu, uma vez que deve conceber uma inteligência onisciente em
relação aos dados e onipotente quanto à capacidade de cálculo. Por outro lado, não são ateus
os iluministas, para os quais sempre se falou de uma Deusa razáo. E, se obsen:arrnos bem,

Opçáo iacaniana no 50 63 Dezeml,ro 2007


tampouco são ateus o Capaneu dantesco que desafia Deus com sua soberba, e Cecco Angiolieri
que eleva as mulheres, a taverna e os dados pata blasfemar contra Deus. Mas, no fundo, ele o
faz a fim de voltar-se para ele, mesmo que não seja pela oração. Para Lacan, a posiçào atéia não
t. fácil de realizar e só é concebível "no limite de uma ascese", que só poderia ser, parece,
"unia ascese psicanalítica". O ponto chave do ateísmo não é a negação da existência de Deus,
mas "a negação da dimensão da presença de uma onipotência no topo do mundo" (p. 358).
A morte de Deus, em si, não diz nada do ateísmo: reencontramo-lo, tal como com o pai
totêmico, sob o jugo ainda mais vinculador da lei e do significante-mestre. De fato, as diversas
formas de onipotência, a saber, o ordenamento planificaclor, a ação e o cálculo são recuperados
nos herdeiros modernos de Deus, ou seja, respectivamente:a utopia, a revolução, ocientificismo.
A utopia existiu desde sempre e a República platônica é a sua primeira forma. Sua onipo-
tência planificadora, porém, começa com os utopistas, como Saint-Simon,convictos de que a
superação de uma época fundamentada no saber teológico adviria através de uma reorganiza-
ção da sociedade que poria a ciência no lugar da fé. A sociedade do passado tinha sua própria
legitimação eni um sistema de crenças teológicas. Asociedade moderna tem em seu centro a
indústria nascida do progresso científico e das suas aplicações técnicas.
Os sonhos dos utopistas não permaneceram apenas quimeras irrealizadas.A fundação dos
kzbbutzim, por exemplo, na época da primeira alya, era amplamente motivada pelas idéias
de Fourier, que, para renovar completamente o homem, pressupunhani o crescimento e a
educação dos filhos como não pertencendo a família, mas à comunidade. Eni sua realização
prática, isso levou a uma quase total absorção da existência individual na esfera comunitária: e
a uma forte restrição dos espaços privados, o que é sentido com intolerância pelos filhos
nascidos nos kibbutzim.
Robert Owen, por outro lado, havia criado um Instituto para a Formação do Caráter, pois,
também para ele, o problema era rehndar o homem ah i?nis. Com efeito, a onipotência da
utopia visa penetrar na intimidade da existência para transformá-la, pretende que a reorgani-
zação da vida social se dê através de uma reflexão planificada do homem e em condições de
regenerá-lo sem os seus defeitos: trata-se de uma vontade de anulação da pulsão de morte. É
o que vemos também, muitas vezes, na clínica da neurose, naquelas aparentemente radicais
mudanças de cena, em que o sujeito recomeça da tábula rasa com a ilusão de eliminar todos
os obstáculos, para recair rapidamente na repetição.
O pesadelo de uma deriva eugênica tornada possível pelos progressos da moderna biolo-
gia tem a mesma matriz daquele anseio de fazer tábula rasa, tal como o ímpeto exportador de
democracia de unia fortaleza sitiada, cujo comandante divide, com um gesto não afeito a
dúvidas, o império do bem e o do mal.
A onipotência da açào revolucionária se expressa através de um Partido de dez testasde-
ferro. Isso incorpora os princípios tavloristas da organização científica do trabalho que se
manifestam como eficiência, precisão, disciplina, divisão das tarefas. Esta é a concepção de
partido tanto de I ~ n i n quantode
e Gramsci. O Partido é a máquina que, em umavisão marcada
pelo cientificismo sociológico, serve para elevar o curso da História. Em Buio a mezzogorno,
Koestler faz Rubasciov - alter ego literário de Bucharin - dizer, do fundo de sua cela: '74História

Dezembro 2007 64 Opçáo lacaniana no 50


não conhece nem escrúpulos nem hesitações. Corre, inerte e infalível, em direção à sua
própria meta. Em cada curva de seu curso deixa a lama que leva os cadáveres dos afogatlos. A
Históna sabe aonde vai. Não comete erros". A onipoténcia da acão revolucionária é comparada
a uma Históna escrita com niaiúscula, acompanhada de uma teodicéia voltada para legitimar
;i presença da razão contida nela, apesar dos aspectos de destniição: morte e miséria que os
acontecimentos apresentam.
A onipotência do cálculo não se manifesta na ciência enquanto tal, que limita a aplicação
da matemática aos fenônienos naturais, mas sim no cientificismo que força os confins da
objetividade a fim de subordinar à soberania do número os fenômenos subjetivos.
A onipotência do cálculo começa depois da estação iluminista, quando se busca preencher o
espaço deixado vazio pelo vendaval do pensamento antiteológico. Ela dá seus primeiros passos
com Augusto Comte, avança com Rudolf Carnap e chega à apoteose contemporânea com Nancy
Andieasen e Philip Johnson-Laircl, ou seja, com a biopsiquiatria do DSM e com a aliança entre
cognitivismo e neurociências, dando lugar a um híbrido desviante.
A partir do momento em que a ciência se toma idealizada, cria-se um ponto infinitamente
distante em direção ao qual dirigimo-nos progressivamente, de modo indefinido.
Quando Andreasen, em um texto intitulado "Projeto de uma Ricopatologia Científica" -
titulo decalcado do texto freudianose dá um long ternzgoonl,um objetivo a longo prazo para
a realização de seu programa, dá a si mesmo uma garantia de irrehtabilidade: não existem
tnarkers diagnósticos conhecidos para cada doença mental, com exceção das demências, mas
as "lesões a serem descobertas" definem as doenças mentais restantes. Com esse loop lógico,
que põe no mesmo plano Alzheinier e esquizofrenia, nada niais é impossível, sendo então
garantido pelos progressos futuros da nosologia psiquiátrica.
A ascese do ateísmo, no sentido de Lacan, é a negação da onipotência e, com ela, o
redimensionamento de qualquer pretensão pedagógica. Além disso, é a recusa de toda
teodicéia, porque não há justificativa do mal que não seja o preço de um fim superior, é
impossível dar-lhe um sentido. Assim, por mais que seja inegável a grandeza da ciência moder-
na, sua própria força impõe que se interrogue, de modo cada vez mais urgente, os limites cle
sua açáo e as fronteiras de sua capacidade teórica. De fato, por um lado, o seu saber não pode
ser usado para destruir o ecossistema, por outro, não poder ser posto visando fechar a falha
devido à ausência da relacão sexual.
Embora a utopia abra o caminho do futuro, ela não pode violar a singularidade da existência
sem transformar-se no horror onvrelliano. Por mais que a ação. .política mova o dinamismo no
espaço público, sua submissão a uma astúcia da razão totali7adora da História encontra sua
própria expressão fenomênica nos processos de Moscou. Apesar de a ciência ser um niotor
da civilização, a ideologia científica que toma como modelo seus processos revela-se, em última
instância, uma técnica de controle social.
O Nome-do-Pai,na perspectiva teológica, é o representante da normalidade identificada
como um bem a ser alcançado, e o que impõe a supressão do sintoma é aquilo através do qual
se justifica o mal atual como sendo necessário, tendo em vista sua eliminaçáo futura. A pers-
pectiva ateológica, pelo contrário, equivale ao sintoma, é uni arrificio, entre muitos outros

Opyáo Iacaniana no 50 65 Dezembro 2007


possíveis, que não apela para o mistério subjetivo da fé: é um indício desvelado que nem por
isso cessa de funcionar. Ele cobre e designa, ao mesmo tempo, o Furo do saber que, na ciên-
cia, apesar da sexologia, continua sendo a não relação sexual; delimita a utopia clilacerada,
indicando o real; traduz em ato aquilo que, de outro modo, seria o reenvio infinito de um bem
sempre por vir perseguido pela açáo revolucionária.
No ateísmo, o Nome-do-Paié um modo de Funcionamento, depois da implosáo das totali-
dades. Não é preciso acreditar nele para que tenha efeitos, já que não se projeta para o cum-
primento, para o dia do juizo, no qual todos estaremos curados. Não apela para a esperança,
para a promessa de gozo: atualmente, opera nomeando o gozo e seu ato não é normativo,
mas imediatamente executivo, aquele que a tradição lingüística indicou com o verbo, rico de
significantes, toperform.
Texto traduzido por Vera A\'elldr Ribeiro

Lacaii, J. (198811959-601) Osmitufrio~lii'm íoétiurddopsiur~idlise.Rio delaneiro: JorgeZ~iiar.


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Dezembro 2007 Opção Lacaniana no j 0


com o objeto, é por intermédio do que Freud chama de idealizaçãd, e logo vai acrescentar
que a sublimação deve ser interrogada em sua relação com o objetou4.É o que Jacques-Alain
Miller tem chamado de "nadinhas". Agora, não se trata do significante que negativiza a Coisa,
mas dos objetos sublimatórios. Asublimação então é esse lucro de gozo, os nadinhas ofereci-
dos pela cultura.
Isso implica um tipo de sublimação sem o Outro, sem o significante como tal e sem inclu-
são do reconhecimento do Outro. iacan dirá: "quando o deixam só, o corpo falante sublima o
tempo todo". Essa afirmação só pode ser entendida no campo do objeto e de suas diferentes
substituições no corpo erógeno - "tudo o que diz respeito as pulsões no corpo, centradas em
torno da passagem de um orifício a outroz5.Se o efeito de significação era o ato do Nome-do-
Pai, o Ato daquilo que pluraliza os Nomes do Pai será a norneaçào.
A nomeação e: em particular. o nome próprio constituem, então, o Ato do Pai. Esse Ato
carece de efeitos genericamente chamados de sublimatórios - "Nomear, nomear que vocés
também poderiam escrever WHOMEAR, nomea. dizer é um aton6.
Assistimos ao deslocamento da chamada "resistência do sujeito que se converte, nesse
momento, em repetição em ato"i: ao desabonado do inconsciente que dá lugar ao sintoma.
Não deixamos, ao mesmo tempo, de sublinhar que a escrita do sintoma não tem nada de
sublimatório, exceto quando produz um objeto para o gozo dos outros.

Opai e o ato
Quem sustenta o Ato? É aquele que funciona como modelo da exceção, dirá Lacan. Fbrém,
também se pode dizer que, em algumas circunstâncias, diante da carência do pai, é o filho que
constitui a função com seus próprios instmmentos.
O pai é reformulado com seus próprios atos. Ainda que iacan fale em metáfora paterna,
não devemos nos esquecer de que o próprio pai é o metaforizado. Fazer-se um pai, filho
necessário da própria obra, com a condição de seivir-se dele, ou ir além do pai, parece aludir
não ao ato do Pai, mas ao Ato do filho. Percorremos, assim, o caminho que ia desde a ameaça
como exercício indubitável do pai até o Ato do filho. É certo também que tal ato orienta o filho
até o lugar do homem e, além dele, ao lugar do pai. Por principio, sabemos que na verdade
trata-se do sujeito e de seus semblantes, que sucessivamente encontrarão a aniculação neces-
sária com o real, permitindo-lhe sustentar-se com suas respectivas funções.
Quando iacan divide o Ato analítico entre o fazer (do analisante) e o que autoriza o Ato
(do analista), a pergunta é: o ato autorizado é de quem? E a resposta não descattada é que o
ato que se autoriza é o do analisando.

Conclusão
A sublimação, então, foi reformulada: de uma satisfação deslocada da pulsão sem
recalcamento a substituição da Coisa por um significante, para encontrar na Linguagem sua
formulação final. A pulsâo, a Coisa, a resistência do sujeito e lalíngua serãio os diferentes pon-

Opção lacaniana n" 50 69 Dezembro 2007


tos de apoio da sublimação. Seu limite deixará o sintoma no lugar do resto não sublimável de
tal operação. Nesse movimento, vemos produzir-se a equivalência entre sintoma e nomeação
como Ato do pai.
Texto traduzido por Sérgio Laia

h!llt, , 4 l91> .I<p l ? r z w w ' ( '11e A IOC I4ue u lotlr I,> >?KII[U.O~d..o
I I . I I I I \:C i:<:>. e I I . . i I?;
'1acan.j. (2~611965~691)~c~éminain: liim A?) dim Auheàlbuln. ~aris:keuil.~uladeI?de hlarçode 1969.
'Idem ibidm. Aula de 26 de Marpde 1969.
'Lai;m.J. 11974~7jI.hinário: "R.S.Y. Aulade 13 delandro de I 9 i j (In9dito).
61dem.ibidm. Aula de 18 de Marp de 1975.
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'lacan,!. (198i[1963-@I). Ohimirio, Iino 11: Osqrlnlm comilul/undamenfaisdapsrpsrcaná1ise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Capítulo IY

O p ~ Lacaniana
k n" j 0
Do Nome-do-Pai "se pode prescindir, sob a condição de servir-se dele", diz Jacques Iacan'.
Isto vale também para um menino autista? Caso valha, como ele limita e domestica o gozo?
Como recorta para si um lugar subjetivo no laço social? Em quais condições pode prescindir
do Nome-do-Pai?

Tano e sua invenção


O pai de Tano, um menino de j anos de idade, me chama com urgência porque há quinze
dias, quando retorna do instituto, Tano chora desesperado por horas a fio no hall de entrada.
Proponho ao pai nos encontrarmos. De pé no centro do hall, encontro ?àno chorando muito;
anda pra frente e pra rrás.

Um sinthoma singular
Mudam os lugarcs, o tempo, mas iião muda a pantomima realizada por lino, a fim de
enodar2, escrever sua língua sinthomática, sua lingua privada3, língua mínima que ele tenta
elevar a dignidade de uma cadeia significanre, de u m enodaniento singular.
Mas, em um primeiro tempo, sua invenção não encontra um ponto de basta, repetindo-se
incessantemente em um "eterno presente"".

O Nome-do-Pai, no autismo?
Se nos referirmos à formalização estruturalista tla clínica do prinieiro Lacan, no autismo
não há o Nomedo-Pai porque, no autismo, que "convém não separar da esquizofrenia'" falta
o traço distintivo do Nome-do-Pai como garantia interna do lugar tio Outro6.
Se, em vez disso, nos referimios à formalização borrorneana da clínica do segundo Lacan,
podemos dizer que há o equivalente clo Nome-do-Paisob a forma de um sinthoma, de alguma
coisa que "enoda" não mais elementos standa~.d,mas elenlentos não standard, elementos
raros, elementos que pertencem apenas ao sujeito7.No caso de Tano, a madeira, os pedaci-
nhos de argamassa, elementos presentes na profissão do pai que é construtor.
Se, na primeira formalizaçào esrruturalista da clínica, é o Nome-do-Pai que "põe ordem no
mundo, que faz com que nossos pensamentos estejam eni nossa cabeça e não alhures, que faz

Opção lacaniana no 50 71 Dezembro 2007


1.Tano já inventara alguma coisa que, todavia, não se enoda;
2. Ele associa o operador que, ao se prestar ele próprio à operação para sua inven@o,
"aprende" a língua privada de Tano";
3. Tano, no encontro com o operador como parceiro-sintoma e não corno parceiro-sa-
ber", abre-se ao Outro em busca de uma incorporação;
4. A invencão de seu sinthoma implica uma dupla operação: a de descompletar o Outro (a
madeira, os pedacinhos de argamassa, o onibro do operador) e a da incorporação no real de
um "traço" do Outro;
5 . A articulação mínima entre o batuque, (Si), e o acorde de guitarra, (Sù, propicia, como
efeito de après-coup, o surgimento de um sujeito que se volta e olha, (S), balizável no intewa-
lo da série significante, na suspensão do batuque;
6. Seu sinthoma é um saber mínimo. é o enodamento de uma língua atravessada por uma
significação particular, ligada, forçosamente, à profissão do pai.

Prescindir. Servir-se dele


"Não há sujeito sem sintoma"", dizJ.-A.Miller.J. lacan, ao passar da formalização estrutu-
ralista da clínica para a formalização borromeana, opera uma virada total na relação entre o
significante e o gozo. Se, na primeira formalização, a questão decisiva é saber se a função do
Nome-do-Pai "é operante ou não", na segunda formalização a questão é saber se "há ou não"
o que dá consistência, quer ele seja constituído de um sinthoma, como um enodamento inter-
mediário entre elementos não-standard, ou do Nome-do-Pai, como metáfora paterna.
Até o ponto de passar do Nome-do-Pai - "o significante paterno náo é significaiite porque
é paterno, mas é paterno porque é significante"16-a virada eni que o sinthoma é a condição
para que o significante seja operante: " . o significante, também ele, é da ordem do sinthoma,
e é exatamente por isso que o significante opera. É exatamente por isso que supomos a nia-
neira com a qual se pode operar: por intermédio do ~inthoma"'~.
Se, em um primeiro tempo, o Nome-do-Paié osignificante, o pai do homem, o instrumen-
to para pôr ordem no mundo; em um segundo tempo o sinthoma é a própria condição da
operatividade do significante.
De "criaturas do significante", somos "fillios do próprio sinthorna".
Tano também não é sem sinthoma. Sinthoma, ainda que sempre mínimo, que lhe dá um lugar,
que domestica o gozo em um enodaniento singular feito de imaginário e presença real. Sinthoma
que: se for lesado (o desaparecimento da pia), deixa0 à mercê da invasão do gozo. O sinthoma no
autismo, signo da singularidade do sujeito, é o seu modo de saber fazer com o real do gozo.
Podemos concluir que no autismo, se náo há sintoma nos termos do sintoma freudiano;
há, porém, sinthoma, como sinthoma joyceano". O significante não é o pai de Brio, ele é
filho de seu sinthoma, desde que encontre alguém que se preste a encamar para ele um
ponto de basta ao enodar seu sinthoma.
Disso resulta o sorriso de Tano, signo de sua humanização, que diz sim ao Outro.
Tevto rradozido por Vera Ai~eilarRibeiro

O p ~ ã iacaniana
o no 50 73 Dezembro 2007
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Dezembro 2007 Opção lacaniana no 50


satisfação. Sem esses pontos de apoio e regulação, fonte de produção de sentido, o sujeito cai
-literalmente - a deriva.
Precisamente, essa função de regulação é o que as tradições - discursos relativamente
inertes e feitos de sabedoria sedimentada -antigamente garanriam.
Mas o discurso da tradição, ao qual pode ser reconduzida a autoridade do pai, é o que a
ciência moderna dehilitou progsessivamente.
Mediante sua intervenção com letras sem sentido e números no real, a ciência - faz emu-
decer o universo - começou não só a transformar o real senão a produzir uma profunda
subversão da ordem social sustentado na tradição. Por definição, a perspectiva universalizante
da ciência se opõe ao particularismo das comunidades tradicionais. Uma fórmula científica
não poderia ter validez se variasse segundo a comunidatle.
Constata-se assim um paradoxo: a ciéncia e o "progresso" tecnológico, ao mesnio tempo
em que produzem benefícios para a humanidade, conduzem o sujeito inexoravelniente para
o desamparo e a solidão.
Por um lado, porque a tecnologia não deixa de produzir novos objetos e transformações
do real, fontes de novos perigos. Por outro, porque a diluição da tradição deixa os sujeitos
sem o apoio e a regulação (Ia autoridade tradicional. Mas quais sào as características essenciais
da autoridade?
Alexander Kojève distinguiu quatro tipos elementares (irredutiveis) de autoridatle: a auto-
ridade do Pai, a do Mestre, a do Chefe e a do Juiz. Assim mesmo, as aiiiculou respectivamente
a quatro estruturas temporais: o passado, o presente, o Futuro e a eternidade. Disso surge
uma caracterização da autoridade paterna em estrita sintonia coni a concepção freudiana.
A autoridade do Pai se revela homogênea a autoridade da tradição. Enquanto tal, é unia
manifestação do passado que se transmite por via hereditária e constitui a presença CIO passa-
do no presente. Tal como assinalara Freud, o supereu - herdeiro do complexo de Édipo - é "o
portador da tradição" transmitida a través das gerações. Assim, este tipo de autoridade garan-
te a "permanéncia" e a "identidade", possibilitando a coesão do gmpo social referido a ela. É
aqui onde a autoridade do Pai se liga a de Deus dos ancestrais e deixa transluzir o caráter divino
e sagrado de toda tradição. É a autoridade que lacan fonnalizou destacando a função eminente
do significante do Nome-do-Pai: o Pai simbólico que - enquanto significante - introduz no
Outro do significante a autoridade da Lei.
Ademais, na meclida eni que a autoridade tradicional vale só em uma comunidade deter-
minada, pode afirmar-se que a autoridade do Pai jamais poderia ser universalmente válida.
Mas ao contrário, seu caráter sempre relativo - vale soniente para quem selou una aliança
-

com ele. É, por exemplo, "o Deus de Isaac, de Abraham e de Jacob. Este traço separa nitida-
mente a autoridade do Pai da uni\wsalização própria do saber científico.
Por outro lado, o laço entre a autoridade do Pai e o passado permite constatar desde outro
angulo sua decadência quando o automatismo do novo! o privilégio dos corpos jovens anôni-
mos e o desprezo crescente pela sabedoria dos velhos, expressam a tendência dominante em
nossas sociedades.
Pois bem, ante esta subjetividade pós-modema, feita de vazio de identidade e de errância

Dezembro 2007 76 Opção lacaniana no 50


nos modos de gozar. cabe perguntar-se quais são as formas de autoridade que se insinuam no
horizonte e de que maneira dita subjetividade buscará nelas modos de ancoragem.
Poderá tentar conformar seus modos de gozar segundo as o f e m do mercado. A esse
vazio de identidade, lhe responderá então o excesso dos objetos tecnológicos. Chuva de
objetos precários e comuns, dispostos para iixar seu gozo ao preço de sacrificar sua singulari-
dade e os layos de amor.
Mas não será nesses objetos que a forma de autoridade congruente com o discurso capita-
lista encontrará seu fundamento. Será no que se anuncia, segundo uma expressão de Jacques-
Alain Miller, como a bioteologia. Uma concepção compatível com "o Deus - universal e
impessoal - dos fdósofos", que aspira fazer da vida enquanto tal, de uma vida propriamente
impessoal, um iralor absoluto, propiciando um laço possível entre a religião católica e a ciência.
A autoridade que assini se esboqa não é senão uma nova forma de autoridade bu~ocrúti-
ca (Weber), uma autoridade que obedece a uma ordem impessoal, administrativa e foimalista
que faz do saber especializado sua verdadeira fonte d e legitimação.
É a autoridade dae.xpepertise,que, por si mesma, desarraiga por estar baseada em princípios
impessoais que podem implementar-se em qualquer contexto. As atuais práticas de avaliaçio
e seus questionários invocam este tiDo de autoridade.
Mas a subjetividade enante de n m a época pderd tamhém se lançar a busca de sentido, e encon-
uar no caniinho - cal como fota Vati~ad0por iacan - a ascensào dos funhentalismos relimasos.
Trata-se, neste caso, de um retorno a autoridade tradicional do Pai, mas em sua conexão
com a cara obscura de Deus. Porque ai, onde o pai já não acode ao chamado, o sujeito pode
chegar a oferecer sacrifícios - o de si mesmo e o dos outros - como agônico e desesperado
intento de fazer existir sua autoridade.
Deste modo, o retorno da religião e seus sacilficios é a resposta dialética ao esvaziamento
e à acelerada declinação da autoridade do pai; é a aspiraçáo do retomo - na época da inexis-
tência do Outro - de um Outro que náo seja só semblante.
Finalmente, a subjetividade desarraigada de nossa época poderá tentar esclarecer o senti-
do de seus sintomas acudindo a um psicanalista. k ~ i mse lhe abrirá a chance d e esclarecer
suas escolhas singulares de gozo -, a despeito dos gozos quantificáveis e impessoais propos-
tos pelo mercado - e aceder ao saber inconsciente que o determina.
Neste contexto, a humilde prática da psicanilise, longe de prometer ou promover um
rejuvenescimento da autoridade tradicional do Pai, deverá preservar em cada experiência o
horror e a responsabilidade do sujeito, quer dizer, permitir-lhe elucidar as respostas sintomi-
ticas que inventou, ali onde no lugar do Pai responde só o silêncio.
O sujeito poderá fazer então a experiência de outro tipo de autoridade, uma autoridade
que não surge da tradição senão da enunciação e de seu laço com o real.
É a autoridade que surge do Pai-sintoma e não do Nome-do-Pai como Outro do Outro. É a
autoridade de um pai que - entre outros - transmite, a partir da enunciação pessoal e pela via
do amor, como soube fazer com o impossível da relação sexual. Uma nova forma de autorida-
de que náo recusa - como o discurso capitalista - o impossível e que não busca, nem no
passado da tradisão nem no todo saber daeupertise, proteção alguma frente à contingência.

Opção lacaniana no 50 77 Dezembro 2007


Pelo contrário, trata-se de uma nova autoridade aberta ao futuro e que aponta, por meio de
umpragrnatismo do sintowur, a extrair de cada encontro com a contingência uma garantia real.
Ta30 traduzido por Cristiana Pittella de Mattos

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OpGo iacaniana no 50
prepotencia os seus direitos, como aquilo que permanece, apesar de todos os esforços, tenaz-
mente refratário a presteza de um domínio sem escape do "tudo avaliável".
Da comparação entre a concepçáo galileana da ciência acima esboçada e a psicanálise,
surge uma analogia inédita e uma nítida diferença.
A analogia. Na ótica lacaniana, considera-se que a prática psicanalítica, semelhantemente ao
procedimento científico, é regida por uma articulação simbólica, portanto, por um discurso, em
condições de extrair pedaços do real implicado no sintoma, do real que se manifesta como
sofrimento, reconando-o e nianipulando-o. Então, o postulado da presença de um saber no
real, Fundamento da função dosuposto sabet; tao essencial para a psicanálise, vale tanto para a
ciência quanto para a psicanálise. Essa perspectiva é a única que pode reinsetir a psicanálise na
órbita da ciência,com a especificidade de ser umaprática indissociável do insuuniento operativo
da fala, e poder resgatá-la da condiçáo de minoria i qual a concepção baconiana acaba inevita-
velmente por relegá-la.
Agora a diferença. O que caracteriza a cadeia simbólica que se deslinda na prática psicana-
lítica, em relação aquela que se desenrola na pesquisa científica, é uma espécie de solução de
continuidade, a falta de cena malha, de um elo. É exatamente isso que, impedindo o discurso
psicanalítico de elevar-se ao nível de plena cientificidade, por uni lado, torna necessária, por
outro, a inscrição de um elemento especial no seio da cadeia: o significante do Nome-do-Pdi -
em termos exatos, ou seus equivalentes -, em condições de assegurar a apreensão sobre
aquele real ao qual ela deve referir-se. Todavia, não é necessário precipitar-se em considerar
essa malha faltante como um estigma de perfectibilidade, concluindo apressadamente que
ela poderia finalmente se tornar disponível, caso a psicanálise resolvesse adotar, sem vacila-
ção, o modelo científico em sua integridade. Deve-se antes tomá-la como a condição mesma
para que o discurso psicanalítico possa efetivamente aventurar-se, sem abdicar dos requisitos
de cientificidade incluídos nas próprias premissas de seu estatuto, com aquele sujeito que se
encontra expelido, de modo não contingente, do universo da ciência.
Essa relação analogia-diferençaentre a psicanálise e a ciência corrobora a tese de sua ori-
gem comum, ;i ser localizada, seguindo as pegadas luminosas de Alexandre Koyré, na einer-
gência histórica do cogilo, uma vez que ele assinala como uma ruptura o início da parábola
científica na ci\.ilização ocidental: o sujeito da ciência - Lacan o fonnula, para o desconcerto
de toda uma tradição de pensamento - é o mesmo sujeito do inconsciente.
Mas a inscrição do cogito na cultura ocidental, enquanto impulsiona uni discurso novo e
fecundo, está, ao mesmo tempo, na otigem da configuração de um binomio: a clicotomia
entre res cogiluns e res ei'tensa. Se a física galileana encarna a instauração da climensáo cien-
tífica no âmbito da res extensa, em contraliartida, para que uma autêntica ciência chegue - a
implantar-se na res cogitans será preciso - e esta é a tese avançada por lacan em "Questão
preliminar"' - esperar o nascimento da psicanálise freudiana.
Se isso é verdade, depois de Cartesio e Galileo, qualquer outro modo de fazer ciència do
sujeito, da res cogilans, que não seja o psicanalítico, constitui um engano, ou melhor, um
arbítrio e uma mistificação: aludo tanto à tentativa de aplicar i r e s cogitans @sique) procedi-
mentos extrapolados dares estewa (cérebro) - aqueles nos quais é reconhecível o programa

Dezembro 2007 80 Opyão Lacaniana no 50


neurocientifico -, quanto a patética obstinação e o esforço de perpetuar o horizonte do
liumanismo, inevitavelmente no ocaso, que recobre a ampla esfera da psicologia relacional,
familiar, holista etc.
Além disso, à luz do que se disse até agora, a psicanálise se impõe não mais como uma
teoria, mas, de modo semelhante à física, como uma verdadeira e própria dimensão do discur-
so, tornando vá a refutação popperiana desde seu nascimento.
Nesse dualismo senipre mais proferido, a psicologia se prestou a fazer do discurso cientí-
fico o cavalo de Tróia, em seu intento não muito dissimulado de insinuar-se no âmbito
humanistico e desconjuntá-lo. Se a ciência suprime a Função do sujeito em conseqüência de
uma lógica que lhe é imanente, a psicologia, em contrapanida, vê-se dele amputada, por
entrincheirar-se de modo contumaz em torno da instância do eu. Foi exatamente essa caracte-
rística comum (a elisão da função do sujeito) que predispôs a psicologia a deslizar em direção
a ciência e a se justapor a ela de niodo inábil. Como nesse ínterim a ciência absoweu o preju-
izo da avaliação- tornou-se corrompida pela distorção do paradigmagalileanoque é a ocultação
do real, referência do discurso científico -, analogamente a psicologia, agregada a ela como ao
último de seus satélites, só poderá ser escrava do ideal da avaliação e, na contemporaneidade,
completamente cega diante da irrupção do real como o "niais além" freudiano do princípio
de prazer. Uma confirmação pontual de tudo isso é o cuidadoso esvaziamento das noções de
"sujeito do inconsciente" e de "gozo" por parte das doutrinas cognitivistas.
Se, por um lado, a ciência se sustenta em um substancial não querer "saber da verdade
como causa", por outro, "se reconhece que a psicanálise é essencialmente o que reintroduz,
na consideração científica, o Nome-d~-Pai"~. Deduz-se, então, que uma clínica do Nome-do-
Pai (ou dos seus equivalentes) represente, uma vez que esse fator é solidário com o binômio
tla cadeia simbólica e com o anel faltante - por sua vez, franca emanaçáo do discurso científico
na pureza de suas origens -: o reverso epistemológico da avaliação, que, pelo contrário, provém
da degeneração pseudocientífica ligada i escotomizayão do real. Tudo isso porque a ancorageni
no Nome-depai se qualifica como a garantia única em condições de esconjurar, em nonie da
ciência, o retomo obscurantista do humanismo em sua abordagem veleidosa do sujeito.
Em suma, o ausliício de avaliar estatisticamente os resultados das psicoterapias é recusa-
do, apriori. como um abuso impróprio e enganoso, e tambémaposteriori, a partir da fenda
aberta na real eficácia dos sistemas de avaliaçáo pelo alena lançado recentemente na América,
baseado nos balanços do consumo relativo aos dez anos de emprego . - da fluoxetina na terapia
da depressão. Todavia, as avaliaçóes, por sua parte, sempre foram positivas, quando não dire-
tamente entusiastas, sobre os benéficos efeitos no humor induzidos por essa prodigiosa mo-
lécula. Pena que o aumento da ta*a de suicídio na população daqueles que a tomaram (espe-
cialmente crianças e adolescentes) seja preocupante.
Teao traduzido par VeraAi;ellar Ribeiro

'LacanJ.(i99811Y181)."Umaqiiatiopreliminaalodo iraumenlopikei da psicose". In bcritlos. Rinde)aieiro:J. Z a h a Ed., p. 537.


ildam.(19Y811Y651).'Rcihciaea verdade". Op cil.. p. 869.

O p ~ á Lacaniana
o no 50 81 Dezembro 2007
Responder a um questionário faz parte do mesmo processo. Trata-se, sempre, de reduzir
não somente a enunciação, o estilo - o estilo jamais aparece em um questionário, nem em um
formulário -, mas de reduzir o enunciado.
Sabemos que Max Weber, quem primeiro conceituou a burocracia, descrevia três modelos
de poder: o poder carismático, no qual a pessoa do líder - seus talentos, suas virtudes - está
no centro da organização, é a ele que se obedece; o modelo tradicional, no qual se crê na
legitimidade daqueles que ocupam o poder segundo a tradição; o poder legal ou legal-racio-
nal, que se declina em duas modalidades: legislativa (democrática) e burocrática. Esse último
tende a produzir um exercício do poder o mais impessoal possível; se a dimensão do ato é
central no modelo carismático,se ela é preservada no modelo tradicional, se ela resulta possí-
vel no regime legislativo, ela é excluída na burocracia. A burocracia é o grau zero do ato.
Este progresso da burocracia acompanha o que Weber denominou "desencantamento do
mundo". Eles tentam suprir o declínio do Nome-do-Pai. Este deciínio é patente, e se formula
de diversas maneiras: declínio da autoridade, pluralização do Nome-do-Pai,desenvolvimento
de identificaçõeshorizontais - identificação à "comnzunity".
Este declínio, sabemos, começou já há muito tempo. É o declínio do Nome-do-Pai, que
deixa o sujeito desamparado. Em que estaria ele desamparado?
Ele o esrá, certamente, no registro da identificação.Sua identidade vacila cada vez mais. O
progresso da ciência, o desenvolvimento da engenharia biogenética, a intervenção desta en-
genharia nas pesquisas sobre paternidade, a evolução das leis e dos costumes fazem voar em
pedaços a identificação vertical - a filiação - que assegurava o reinado do Nomedo-Pai. É o
nome, ele mesmo, que foi atingido. É a função da nomeação que foi atingida. Este é um
fenonieno que podemos observar muito bem na Internet, onde a multiplicação dos pseudô.
nimos é um signo desse declínio do nome.
De forma corolária a esta vacilação subjetiva da identificação, vemos desenvolver-se uma
tentativa burocrática buscando assegurar a identidade das pessoas pela colocação em cena de
dispositivos supostamente mais confiáveis que o nome. Na Europa, foi na Idade Media,
aparentemente sob a pressào demográfica e do nascimento das grandes cidades, que se esta-
beleceu o hábito de adicionar ao nome de batismo, o nome de família. Hoje em dia, esse
dispositivo, nome e sobrenome', revela-se insuficiente para assegurar uma identidade fxa e
estável. E por isso, sem dúvida, o sistema burocrático busca um modo mais seguro de identi-
ficar cada ser humano. É isto que se visa ao tentar dar a cada cidadão um número único de
identificação que lhe possa servir em todar as situações com as quais ele vai se deparar ao
longo de sua vida, e que substituiria o nome próprio. Este número seria duplicado por uma
ficha bio~~étrica, estabelecida a partir de dados físicos, corporais, assegurando a correspon-
dência biunívoca entre um número e um corpo. Uma questão a mais, seria inscrever esses
dados no corpo propriamente dito, por exemplo, implantando no corpo, pequenos cbips
capazes de memorizar os dados médicos. Com esse número, poder-se-iamudar de nome, isso
se tornaria secundário. Estes dispositivos contribuem para por em questão a identificação
pelo nome, eles abalam o crédito que se dá ao nome.
Mas se o sujeito esta desaniparado pela vacilação contemporânea da identificação que

Opção Lacaniana no 50 83 Dezeiiibro 2007


provoca o declinio do Nome-do-Pai, isso se deve também - sobretudo?- ao desarranjo que
esse declínio provoca em sua relação com o gozo. Sem o recurso ao Nomedo-hi, o sujeito
não tem mais a bússola para se orientar no campo do gozo. Nada mais lhe diz o que deve fazer
do gozo, como tratá-lo.
Certamente,o declinio do pai simbólico, do Nome-do-Pai,não significa sua desaparição coni-
pleta. Eestem os restos que o sujeito pode mobilizar Mas por quanto tempo serão eles operantes?
A este respeito, é necessário considerar que o sistema burocrático, em sua generalização
avaliadora, é uma tentativa de constituir um saber, Sz, que diga como fazer com o gozo. Ten-
tam tratá-lo incluindo-o,normalizantlo-o, ou descrevendo-o pelo saber aniculado, Sz.É uma
tentativa condenada ao fracasso, pois ela se funda sobre o desconhecimento da natureza do
gozo. A burocracia não pode descrever e normalizar o gozo mais do que se deixar conduzir
pela oposição Principio do Prazer e Princípio da Realidade. Ora, existe uma parte do gozo que
excede esse aparelho, que não se deixa significantizar, que transborda a moldura mesma da
fantasia. É esta parte que, no mundo contemporâneo, retorna sob as formas subjetivas e soci-
ais do que chamamos os novos sintomas.
Ao lado da tentativa burocrática - que peca por sua austeridade e Falta de atrativos - assis-
timos a um apelo a imagem do pai. A colocação em cena da agonia de João Paulo 11participou
"magnificamente" deste esforço: de um lado a burocracia, do outro o espetáculo. A imagem
do pai ocupa miseravelmente o lugar do pai simbólico.
Lacan sublinhou diversas vezes que a psicanálise não surgiu por acaso: mas no momento
mesmo desse declínio. Ela introduziu uma solução nova para o problema do gozo. A solução
analítica para esse declínio é o sintonia, não o saber burocrático, nem o apelo a imagem do
pai. Uma cura psicanalítica permite a um sujeito- por puracontingência - constituir-se,inven-
tar um nome. Estes são Nomes-de-Sintoma.É isso que se libera no decorrer de um tratamento
e que é colocado em função no final. É isso que lhe permite encontrar uma solução própria
para o problema do gozo.
O declinio do Nonie-do-Pai é um signo do declínio geral da função da nomeação. A solu-
ção psicanalítica é a colocação em função do sintoma como suplência ao declínio da nomea-
ção. Trata-se da invenção do sintoma como nome próprio.
Teao traduzido por Henri Kaufmanner

Dezembro 2007 Opção 1.acaniana no 50


O pai não é uma questão de sentimentos, mas de um fato lógico, ainda que tudo tenha
sido feito na modernidade para tornar sua figura amável. Não se deduz a existência de um pai
a partir da experiência sensí\ie13nem do amor. mas de uma econclusão lógica. que era para
Freud um grande passo para a civilização. Desenvolvendo essa capacidade lógica que lhe per-
mitiu nomear o pai, o homem acabou inventando uma ciência.
Uma ciência curiosamente susceptível de silenciar o burburinho das histórias e lendas
genealógicas nas quais Fundou sua existência durante muito tempo. Com passar do tempo, a
ciência fez surgir um novo sujeito, separado de suas raizes, universal, aliviado da tradição e de
sua autorickide, e também capaz de perceber seu vazio e sua perda de identidade. A psicaná-
lise incide sobre esse ponto para responder a questio do que pode ser o desejo, a parentalidade>
a morte e o corpo para tal sujeito da ciência.
Do lado do @, a verdade da conclusão lógica repousa sobre a palavrd de uma mulhei; a mãe. Os
progressos da Uêiiua permitiram hoje Fundar a paternidade na natureza, natudizando o pai por
meio da biologia e da genética. Mas isto ainda não apagou o poder de nomeação que se resume na
fórmula .religiosa. do *Nomedo-Pai.. Este moma, indica que se unm; na questáo do pai, da origem
de um sujeito e não da simples reproduGo cios corpos ou do ADN. Esse dizer matemo, desde
sempre foi capaz de enlaçar a questáo do pai à da verdade. Se o pai é um nome, sua .verdade) é que
ele é rambéin uma metáfora. Esta verdade do pai e do Édipo pode aparentar ser a boa nova da
psicanálise. Ela permitiu até que se acreditasse que o receptáculo,o recalque desta verdade, poderia
ser a causa de nossos sintomas, uma \-e2que a t e s cessavam com sua descobem.
A ciência se recusa a acreditar na potência causal de uma verdade escondida, pois ela só crê
no que é exposto a céu aberto e susceptível de um cálculo.Nisto, o rigor da ciência se aproxima
da incredulidade própria a psicose. Portanto, não pode aceitar a determinação causal de uma
verdade oculta. Para a religião, o amor a verdade e o amor ao pai caminham juntos e esta pers-
pectiva pôde, paradoxalmente, como pesquisa, alimentar a ciência com seu elã . Mas a ciência
rapidamente deixou ao Deus-pai o fardo da verdade que a embaraçava nos seus cálculos. Ela
substituiu o verdadeiro e o falso por suas fórmulas, que têm lugar reseivado no real. As fórmulas
da ciência são tão reais quanto os planetas cuja marcha elas escrevem. As conseqüências efetivas
destas fórmulas na realidade aparecem, a cada dia, um pouco mais .reais., impossíveis de pen-
sar e de suportar... Pensemos, por exemplo, no famoso aquecimento global. contrariamente a
uma idéia difundida, a ciência não transforma o real em símbolos, reduzindo-o, nias produz
com seus símbolos um novo real, que vai crescendo e reduz nosso espap.

Opção Iacdniana no 50 85 Dezembro 2007


Afastandwse do seu rigor, por pragmatismo, a ciência contribuiu para a existência de uma religião
leiga: empunhando a -verdade cientifica~~: o cienuficismo. Na perspectiva cientificista, a natureza
toma exatamente olugarqueantes era dedicado ao pai. Assim, em nome da natureza,ocientificismo
pretende restaurar os imperativos, uma m o d , um modo de se sustentar no mundo, que provinha,
anteriomente, do domínio da tradição e do .paipai.Os cientistas se tomaram entao os ministros da
natureza. os únicos habilitados a saber ler seus mandamentos. A ~mtênciado cientikismo repousa
na confusão da ciência com seus métodos. Ao mesmo tempo, a werdadeira. ciênciasitua-se no
ponto em que o valor de seu método desaparece sob o resultado obtido, que escreve a fórmula.
No comeco, a ciên0a tinha uma consistência semântica,ela descrevia, e até escrevia a realidade.
Depois, sua consistência semântica apareceu como uma sintaxe ligada ao rigor lógico de suas fómu-
I a , às leis de combinação de suas pequenas leoas. Hoje: este modelo está em crise. O desenvolv-
~ ~

mento de ciências periféricas,como a biologia, opera um retomo a exigência semântica. Avontade


de natural'i o humano tende a apagar o rigor da ciência.A nasemântica natudista hoje conside-
ra científico o que é recebido como tal pela comunidade dita científica. Esta comunidade fictícia,
composta de instâncizz anônimas, de comitês de especialistas nos quais reina antes a mediocridade
conveniente do que a exceção, pretende-se depositária das a o m a s cientificas~.
Esta situação permite à ciência apropriar-se dos domínios que antes negligenciava, para
permanecer consistente. O projeto de naturalização do espírito das ciências cognitivas é um
bom exemplo desta neo-semântica que chega a confundir com a ciência o que antigamente
alguns chamavam de metaf física^. Os novos objetos da ciência tomaram-se questões: o que é
pens. querer, decidir, estar consciente. Sob a aparência de visar reduzir o espírito a uma
=construção lógica., para incluí-10 na perspectiva materialista da ciência, se restabelece uma
metafísica. Esta neo-metafísicase apresenta como um saber cognitivo que restaura um sujeito
mais escolástico do que canesiano, essencialmente devocado ao aprendizado e aos exercícios
espirituais cientificistas que constituem as terapias cognitivas do mental. A hiphtese louca é,
então, querer constituir a ciência do espírito como a ciência da ciência!
A história da ciência encama uma recusa da origem, quem sabe até, de toda realidade
determinante e verificável pela tradição. Nessa perspectiva, a ciência ignora o que designa o
Nome-do-Pai,se o entendemos aqui no sentido da origem, do princípio, da ordeni. O pai é,
pelo contrário, o nome da impossibilidade desse empreendimento. Ele representa, com efeito,
esta ignorância necessária da origem que permite que o saber apareça. Criador, no sentido de
procriador, ele não sabe nada sobre o ato que o constitui.
Freucl, que se orientava pelo ideal da ciência, soube, contra o bom senso, manter na origem
da psicologia uma pane de história, de ?7tj~thos que não se dissipa pelo logos. Ele escreveu seu
<<mitocientífico. do *Totem e Tabu" para manter a figura do pai real, assassinado por seus
filhos. Mito científico significa, aqui, mytho produzido depois da idade da ciência. O pai origi-
nal freudiano constitui a origem mesmo do pai, aquilo que ele tem de mais real. A realidade é
possível, a verdade surpreende, mas o real se apresenta como impossível. Se Freud se ateve a
esse impossível e o tomou inclusive como verdadeiro, foi porque não quis renunciar a um fato
da experiência: a castração. Este termo implica que: para o ser falante, a realidade da sexuali-
dade se apresenta sob o signo de um incontorná\rel defeito no saber

Dezembro 2007 86 Opção lacaniana no 50


Não podendo ser sabido, esse defeito pode encontrar sua causa ou, melhor ainda, seu
agente na figura forjada do pai real, como agente da castração. É para rejeitar a realidade
efetiva da castração que o sujeito a desloca, e a cobre com votos de morte do pai e com seu
temor de retaliação. Assim, a figura que permitiu que o saber se desenvolvesse torna-se o seu
representante e a tela de seu limite. Nessa perspectiva, o pai e seu nome designam um furo
em tudo o que se pode escrever. Furo na origem, não das palavras, mas sim dos nomes.
A ciência pode parecer não levar em consideração este nome, mas talvez ela só faça repetir
a escrita, na ordem mesmo de suas fórmulas e de sua busca infinita por unidade, que seria
idêntica à do mundo. A psicanálise náo opõe a ciência à religião, ela as aproxima na leitura. Ler
o livro, ler o mundo, repousa sobre uma idéia pouco razoável e fmtifera: que esta leitura é
infinita, que o saber e o real estão essencialmente em relação. A ciência consiste as vezes em
acreditar que se o real se escreve, enráo pode ser lido, e nisto ela reencontra a religião. hluito
embora existam na ciência fórmulas e escritos que não comportam necessariainente um sen-
tido e que são; neste aspecto, ilegíveis.
O delírio científico se inicia nesse ponto, quando passamos da escrita a leitura. No antigo
testamento está escrito que o caráter galopante da infinidade da criafáo acabou arrancando um
grito de Deus. Por esse grito ele manifeitava a necessidade de frear a criação. Este cone marca um
dos nomes de Deus: o nome deE1Sbddai. Atualmente, o saher da ciência encarna esta potência
infinita de criação.Aquestão que se coloca não é tanto de como parar, mas de como introduzir um
corte susceptível de arejá-la um pouco e, com isto, oferecer um pouco de novidade.
A psicanálise pane do ilegível para um sujeito, que ela descobre no sintoma. O sintoma
enigmático se mostra legível, decifrável, pela via do princípio de leitura que é o Nome-do-Pai.
Freutl o coloca\a como equivalente da hipótese do Édipo Mas, o Nome-do-Pai, se podia
escrever e permitia sua leitura, agora tomou-se ilegível. Portanto, ele só pode ser o objeto de
uma recusa, esta é a posi@o da ciência, ou de um culto e de um mistério, caso ela religião. Para
evitar esse obstáculo a psicanálise, com Lacan, sustenta que o sintoma analisado mantém uma
parte de ilegibilidade. Há um limite real a leitura, que não é necessariamente o da castração.
Este limite, que não é mais aquele elo pai castrador freudiano, nos indica um novo real, que
aparece agora sem lei. Este real, sem lei, coloca em causa a identidade e ;I unidade elo mundo
suposto pelas leis da ciência.
Para enfrentar esse real sem lei, pretende-se, hoje, substitui-lo pela negociação generaliza-
da cujo modelo é o cientificismo, no lugar das regras da razão e da lei, as normas frouxas do
comércio. Em um tempo em que o ADN pode servir para momear- o pai, o direito prefere,
por exemplo, considerar um pai designado pela negociação familiar e social, ou por suas
capacidades devidamente avaliadas, de assumir o papel.
O sintoma, graças à psicanálise, aparece como a pane do ser humano que pode e deve
permanecer não negociável, na idade da ciência galopante e da ~mundialização~. Ele é isto
que introduz um corte novo no saber, que permite escapar aos diversos projetos da pós-
humanidade, que se supõe que vão substituir o homem universal do século passado. O pai
freudiano não é senão uma forma datada incontornável desse sintoma.
Talo traduzido por Tania Coelho dos Saiitos

Opção iacaniana na 50 87 Dezembro 2007


O complexo de Édipo situa-se no âmago tla experiência analítica, junto ao lugar central
que Freud atribui ao pai. O recurso freudiano ao mito grego de Édipo e sua aplicação no mito
da horda primitiva dá conta da dupla orientaçáo no psiquismo - gozo da mãe e assassinato do
pai -, com os quais se tenta criar uma novela sobre a perda de gozo.
Ao longo do seu ensino, lacan examina de distintos modos a relação entre o Édipo e o
Nome-do-Pai. Em um primeiro tempo, articula a castração com o Édipo e outorga ao signifi-
cante Nome-do-Pai um lugar prevalente; em um segundo tempo, no "mais-além do Édipo",
este enlace é romoido e o Nome-do-Pai se torna relativo.

1. Em 1738, iacan começa situando a ação da inzago paterna (niisto entre o imaginário e o
simbólico) no interior do complexo de Édipo. A inzago do pai concentra a funçáo da repressão
com a da sublimação,na medida em que detemina o ideal do eu: enquanto a castra@o se toma
fantasmática (em relação ao despedaçamento do corpo e ao dano narcisista). De entrada, esta
imago perde o prestígio que Freud atribui ao pai edípico: o pai humilhado - a maneira de
Claudel: ou ausente, expressa o declínio da h~urgo,com o que se desenha o "pecado do pai".

2. Lacan introduz o termo "nonie-do-pai" com n~inúsculas,conservando assim, de algum


modo, sua conotação religiosa (1953). Apresenta-o como a sustentaçáo da função simbólica
que articula a lei ao desejo. A funçáo paterna concentra em si relações imaginárias e reais,
sempre inadequadas a relaçáo simbólica que a constitui.
O Édipo regula as alianças das estruturas elementares de parentesco e seu valor de mito
dá forma discursiva a uma relação intersubjetiva. Não obstante, iacan afirma que este esque-
ma deve ser criticado. Existe sempre uma discordância entre o percebido no real e sua funçáo
simbólica, o que se demonstra novamente na figura do pai humilhado (1736).

3. Na seqüência, postula a equivalência entre o pai morto e o simbólico. A primazia do


significante faz com que a atribuição da paternidade se torne o efeito do significante do Nome-
doPai, desta vez escrito coni maiúsculas. Esta afimaçáo tem um duplo matiz: por um lado,
Iacan acentua que o pai não é o genitor, mas um significante, pelo que se deve considerar a
relação do pai com a lei e como ele encama essa função e, por outro ladol qual o lugar que a
mãe confere i palavra do pai, não à sua pessoa, mas ao Nome-do-Pai na promoçáo da lei.

Dezembro 2007 88 Opção Lacaniana no j 0


Como conseqüência desta nova perspectiva, o Édipo é formalizado através da metáfora
paterna. Na "Questão preliminar...",Lacan a escreve da seguinte maneira:

Nome-do-Pai Desejo da mãe - Nome-do-Pai A


-
Desejo da mãe Significadodo Falo
sujeito

O desejo se sustenta pela ação do Nome-do-Pai na medida em que introduz um limite entre
a mãe e a criança, demarcando a ação fora da lei do Desejo Matemo. A escritura DMh indica que
não existe uma relação direta entre a criança e o pai, nias que está metaforizada pelo desejo da
mãe que nomeia um gozo sem lei. A criança responde ao enigma do significado do sujeito
através da incidência do pai. O Nome-do-Pai inscreve no Outro a significação fálica como resul-
tado desta metáfora. Do resto desta operação emerge o enigma do desejo do Outro.
Simultaneamente, em 'Ã significação do Falo", lacan estabelece a primazia do falo sem a
referência ao Édipo. O falo, e náo mais o Nome-do-Pai,fica assim coordenado ao significante.
Desta maneira, no centro do pai-metáfora já encontramos uma antecipação do que se tomará
o além do Édipo.

4. No Seminário 5, iacan constrói a seqüência dos três tempos lógicos do Édipo. No pri-
meiro tempo, a criança se identifica especularmente com o falo imaginário, objeto do desejo
materno. Ao mesmo tempo, a mãe se toma o objeto primordial, das Ding, o gozo perdido
pela ação do simbólico. Mas a lei que ela transmite é incontrolada, onipotente, responde à sua
própria vo~itade.O ternário imaginário se estabelece entre a mãe, a criança e o falo, nias o pai
está presente de fonna velada tio mundo simbólico.
No segundo tempo, inaugura-se a simbolização primordial que caracteriza oFort-Da. Aqui
se introduz um terceiro elemento: a lei do pai intervém, proferindo a proibição do incesto,
que funciona tanto para a criança quanto para sua niãe. O pai intervém imaginariamente para
a criança, privando a mãe do seu objeto.
O terceiro tempo corresponde ao declinio do Édipo, junto à problemática de ter o falo. O
pai real aparece como o suporte das identificações do Ideal do eu, que permitem a nomeação
do desejo. A diferença do tempo anterior, aqui o pai é quem tem e dá provas de sua potência.
O segundo tempo privativo permite passar a este fecundo terceiro tempo, no qual o pai se
torna novamente real. Do lado masculino, possibilita a identificação ao pai; do lado feminino,
inscreve o lugar onde a mulher sabe que pode ir a busca do falo saída feminina que se
-

diferencia da maternidade.

5. Lacan examina, noSemi?1á7io6: o drama de Hamlet, no qual diferentemente da tragé-


dia do Édipo, o pai sabia e, por sua vez, tambéni Hamlet: ao revelar-lhe a verdade de sua
morte, também lhe disse que niorreu na flor dos seus pecados. Trata-se da falta do pai e não
mais do pai ideal. A "verdade sem esperança" de Hamlet, a traição do amor, conduz Lacan ao
confronto com a falta de um Outro do Outro e ao enigma do próprio desejo.
Opção Iacaniana no 50 89 Dezembro 2007
Se incorporar o pai implica tornar-se tão mal consigo mesmo, acrescenta noSetnit7drio 7,
é porque se tem muitas reprouações a fazer-lhe. Daí que o duelo do Édipo esteja na origem do
supereu. A morte do pai não abre a \ia do gozo, mas reforça sua interdição, aumentando a
severidade do supereu. Traça-se assim a relação entre o pai e o gozo.
A falta do pai questiona o pai ideal edípico, por isso iacan, no Setninário 11: utiliza o
exemplo do sonho do pai que vela seu filho morro para indicar que, apesar de o Nome-do-Pai
sustentar a estrutura do desejo e da lei, a herança do pai é seu pecado ("Pai, não vês...").
Paulatinamente, o pai mono freudiano e o Nome-do-Pai introduzido por Iacan, começam
a se distinguir. O pai ideal, a queni o sujeito dirige seu amor, é uma fantasia do neurótico. Por
outro lado, o Nome-do-Pai segue a vertente da lei e da castração como regulação do desejo. O
Édipo perde, assim, seu estrelismo. A castração não é um mito nem uma fantasia, nias está
articulada ao gozo.

6. Na única aula do Semindrio dos "Nomes do Pai", iacan pluraliza esse significante e
coloca a necessidade de ir além cle Freud em sua reflexão relativa ao pai. Esta pluralização faz
com que o Nome-do-Pai se confunda com outros significantes mestres capazes de cumprir a
sua função, posto que o significante mestre "induz e determina a castração". O Nome-do-Pai
se torna assim uni SI.
O mito de Édipo mostra que o assassinato do pai é condição de gozo - indica lacan no
Seminário 17. Estabelece-se, assim, uma equivalência entre o pai morto e o gozo. O pai se
torna um operador estrutural, agente da castração. Mas a castrziçao procede da linguagem e
não mais do pai, de modo que traduz a perda de gozo que afeta o sujeito quando este se
introduz na linguagem. A~sim,a castração se separa do Édipo: não provém do pai, mas cla
linguagem.
Opóe entáo o mito de Édipo e o de "Toteni e tabu". No Édipo, primeiro está o assassinato
do pai, coni a proibição e a lei que lhe antecedem e, em seguida, o gozar da mãe. b r outro
lado, em "Totem e tabu", o gozo está na origem -daí o enlace entre o pai moao e o gozo - e,
eni seguida, vem a lei: a proibição não da mãe, mas de todas as mulheres, questão que intro-
duz as fórmulas da sexuação.
"O percurso de I ~ c a nem direção ao além do Édipo é uma destruição sistemática do pai
como ideal ou como universal", disse Éric Laurent. Não se trata mais da mãe proibida, univer-
sal, mas que o pai se reconhece por poder confrontar-se com o gozo de uma mullie. no
singular, com aquela que se toma sua causa.
O respeito e o amor ao pai invocado por iacan permitem fazer um uso do pai, prescindin-
do do ideal. Trata-se da constm~ãode uma versãodo .pai que
. ameniza a ferocidade do supereu
e se encaminha em direção a uma decisão quanto ao próprio desejo.
Tato traduzido por Saniyra ksad e revisado por Maria Josefiiia Sota Fuenles

Lacan,J.(i9.%~0031. "Os conipleros familiara na formação do indiiiduo". li1 Oulmshnilar. Rio de Janeiro: Jorge Xahar
I.acan.J.(l998!.ErcriIos. RiodeJaneiro:JorgeLdhar: "Fiiii~ãoecampodafalaeda linguagem napicanilire" (19511; "Situaçãodapricrnálisee iormação
do psiwnalisla em 1956 (1956); 'De uma questáoprelirninar a todo tralamenlo possível d a psicoses'' (19%); ilsignifica~ãndo fala' (1958); "Subversão
do sujeito e diaiétira do desejo no inconscienk ireudiano' (1960).

Ilezernbro 2007 90 Opção Lacatiiana no 50


Ih:m ) i I F -0 mi i i i l ~ i i o.A 11iicJrn:i ,953 irii.nmcio!, i , Irriar h.enor $ r i ; hlanan: 2
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lotm i;.;<hrr~hr, ndi .e1 113 Frei i.r:i, 6 (19;: z frcla iil' IIW!
.~ :95li c0 O !mri.liriirio L!,n ' (iA i a i., Dnõ.nilirt hio le linr m ..v,r
I > ai ..I ,iliS ~~ ~ " m a:
Lacan,J. (199211960-611). O ~ m i w i n o , ~ i m 8 : A~ l i n s f i i i o R i o d e ~ a e i r o j ~ oZahx
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Opção Lacaniana nu 50
Como o pode o Nome-do-Pai ser contingente? O edifício freudiano inteiro foi constniído
sobre o complexo de Édipo do qual o Nome-do-Paié a viga niestra. Além disso, o complexo de
Édipo desempenha um papel central para Lacan; enquanto Freud o chamou de "núcleo das
neuroses", Lacan declara que ele cobre todo o campo da experiéncia analítica, marcanclo o
limite que nossa disciplina atribui à subjetividade'.
No entanto, noSeminano 17,iacan dispensa o complexo de Édipo como inútil e irrelevante,
passível de direcionar erros de julgamento clínico. Ele considera agora que o complexo de
Édipo é o "sonho de Freud". Longe tle ser o alicerce da psicanálise, é uma formação do
inconsciente e, portanto, convoca a interpretação2.
Enquanto o Nome-do-Pai no complexo de Édipo ocupa mais de um lugar na obra
de Freud, todas as versões do mito recobrem a mesma forma do real como impossível:
a ausência da relaçáo sexual. Uni elemento a mais, que para Freud é essencial ao papel
do pai no complexo de Édipo, mas ausente do mito original de Édipo, é o complexo
de castração.
Não há nenhuma razão real para invocar especificamente a castração no caso do pai da
horda primitiva. E: no mito edipico, a castraçâo não recebe um lugar particularmente proenii-
nente; não há conexão inerenre entre a castraçáo e a montagem mítica ou freudiana. iacan
percebe esse ponto e começa a tratá-las como separadas e distintas, noSe~ninário17. Portan-
to, por um lado ele explora a questão do compleuo de castração independentemente do con-
texto eclípico. É essa linha de abordagem que finalmente leva-o às fórmulas da sexuação. Por
outro lado, ele investiga as razóes pelas quais Freud sustentou com tanta força o próprio
complexo de Édipo.
Para Lacan, a castração não é uma fantasia, mas uma operação real decorrente da lin-
guagem. Ela é determinada pelo significante mestre, S , ; e surge de um confronto entre o
significante e o gozo. Os quatro discursos d e Lacan são uma tentativa de formalizar a
estrutura da relação entre o significante, na forma de semblante, e o gozo. Todos os qua-
tro discursos, e particularmente o cliscurso do mestre, compartilham de um objetivo co-
mum com o mito da horda primitiva, na tentativa de dar conta do laço social, o qual, em
Freud, está construído sobre as bases do assassinato do pai. A lenda da horda primitiva
toma o lugar de um mito e conseqüentemente levanta a questão de qual papel o assassi-
nato do pai desempenha para Freud.
Lacan considera que o assassinato do pai é posto em cena como um mito, a fim de recobrir

Dezembro 2007 92 Opção Licaniana n" 50


a castração que institui tanto a lei como a fantasia, como uma conseqüência da lei. Aqui, há
uma fantasia fundamental do pai que goza - e , em particular, que goza de todas as mulheres.
Essa fantasia, que denota uma impossibilidade, é também um efeito retrospectivo da institui-
çáo da proibicão do gozo.
Lacan não abandona completamente toda referência ao pai do complexo de Édipo ou o
pai da horda primitiva. Enquanto ele separa o complexo de castração do pai mono, ele retém
a função que o pai morto tem tanto como gozador como proibidor do gozo. Pergunta: se a
castração é uma função da linguagem, por que Lacan, então, retém esse vestígio do pai, a
quem ele se refere, de forma um tanto obscura, como a afirmativa do impossível? Possivel-
mente por essa razão. Se a castraçáo é uma função universal da linguagem, o que dizemos
sobre a clínica da psicanálise, que inclui a descobena da foraclusão da significação Fálica na
psicose e as implicações que isso tem na maneira como o psicótico goza? Ou sobre todas as
vicissitudes possíveis da sexuação neurótica e sua psicopatologia?Se a castração é uma opera-
ção automática da linguagem, deve também haver elementos contingentes.
O que Lacan chama de pai real é invocado como o agente necessário para explicar a con-
tingência do encontro com a castração; o pai real é urri agente contingente da operação uni-
versal. Esse pai real é incognoscível, além disso, há algo que não entra na operação universal
da castração, mas que permanecerá como um operador desconhecido pelo sujeito. Ele é o
agente mestre e guardião do gozd. E aquilo a que o sujeito tem acesso na análise toma a
forma das figuras do pai imaginário em suas múltiplas representações: pai castrador, tirânico,
fraco, ausente, faltante, muito poderoso etc.
Enquanto ambas as formas do mito do pai em Freud lidam com o Nome-do-Pai, um signi-
ficante estreitamente ligado ao gozo e sua regula@o pela lei, há algumas profundas diferenças
entre os dois - conio Lacan comenta, há "uma ruptura separando o mito de Édipo de "Totem
e Tab~''~.

1.A relação entre lei e gozo é invertida. No mito edípico a lei precede o gozo, que daí
por diante toma a forma de unia transgressão; em "Totem e Tabu" é o gozo que está
presente de saída, a lei vem depois.
2. Enquanto o pai docomplexo de Édipo ésujeito a lei que ele transmite, o pai primevo
é uma exceção: 3x Qx.
3. Há um desenvolvimento surpreendente do complexo de Édipo ao mito do pai de
"Totem e làbu". Afunçáo do pai é inicialmente a de pacificar. regular e sublimar a figura
materna onipotente. Ao final, o pai assume o poder, obscuridade e crueldade da oni-
potência que sua função pretendia dissipar inicialmente.

Na abordagem de Freud ao Nome-do-Pai, muitas dessas questões permanecem em aberto.


iacan conclui que o complexo de Édipo é "estritamente inútil" na situaçáo clínica, acrescen-
tando: "é estranhoque isso não tenha ficado mais claro mais rapidamente". Essa é umaobser-
vação que iacan está dirigindo, talvez, para ele mesmo. Os novos pontos de referência que se
desdobram no Seminário 17 tomam o lugar do complexo de Édipo: a introdução de um novo

Opção Lacaniand no 50 93 Dezembro 2007


conceito de saber. S2: a cisão entre saber e verdade e, principalmente, o conceito de mestre
que tem "apenas a mais distante das relaçóes" com o conceito de pai
Texto traduzido por Heloisa Caldas

'Lacan, J. (19fdI1998) "Fuqáo e campa da laia e da linguagem". ln &milos.Rio de Janeiro: Jorge Zahu, p.278
?Lacdn,l. (19)1(1969-70l). Osminário,iiim 17: o alxsso duprisiiarialise. Rio deJaneiro:lorge Zahai, 0.128.
'%ir i a x m i o < bn i ;ei'e iii ^i? i. ,h Jn .,!n,mino i'
. I :I 9 k7 , I 'iii i m s . dh i I i i I c n n t I: ')'I)

Dezenibro 2007 Opção Lacaniana no 50


Crença - do latim credere; no francês arcaico: créance ou crédence. Ação, fato de crer
numa coisa verdadeira ou possível. No inglês: belief; alemão: Glauhe; espanhol: creancia;
grego: d0.w; hebreu: émét; italiano: credenza; português: crença. O termo é suscetível de
reunir noções diferentes: uma próxima da lógica e do assentimento, outra da conotação reli-
giosa de fé, ligada ao latim/ides. As línguas latinas diferenciam crença e fé. O inglês teni belief
e faitb. Em compensação, o alemão tem somente um termo, der Glauher, a fé, o que coloca
frequentemente um problema para os rradutores; das Glauben, infinitivo substantivado: o
"crer", é frequentemente utilizado pelos filósofos, mas a diferença é tênue entre fé e crença.
Freud iitiliza as duas [expressões] em seu trabalho de investigação das diversas formas de
crença, desde "Tratamento psíquico" (1890) até "Moisés e o Monoteísmo" (1939). Ele distingue
a crença da ilusão "que renuncia a ser confirmada pelo real". Se às vezes ele a aproxima da
Scbtu&nerei, também a distingue do Glaub07 e do Unglauben, que não é "não crer nisso",
mas "a ausência de um dos termos da crença, do termo em que se designa a divisão do sujeito."'

Crenp e saber
"Nada é mais ambíguo do que a crença", dizia lacan, lembrando os analistas do interesse
de examinar o funcionaniento da fé na experiência religiosa. 'Aquilo em que crêem, seja que
crêem crer ou náo crêem, unia coisa é certa, é que eles crêem sabê-lo." Esse saber merece ser
examinado, pois, como Freud já havia muitas vezes colocado em evidência, Lacan pensa que
não há saber algum "que não se erga sobre um fundo de ignorância.'"

Salvo pela fé ou pelas obras?


O analisante deposita sua confiança no analista, tem fé nele. Se o analista não é um tleus
para seu paciente, "em torno de que essa confiança giraP Ela repousa sobre uma crença em
uni sujeito-suposto-saber Essa crença coloca o analista em uma posição difícil tle sustentar
(de ser sustentatla), "pois ele sabe, por sua vez, que se trata, pela existência do inconsciente,
de riscar do mapa essa fun~ão."~ O analista está no não-saber, mas ele rem também uma fé,
inicialmente, na produção do inconsciente. Ele não é o sujeito-suposto-saber, ele opera como
objetou. Entretanto, lhe é necessário implicar o analisante em uma tarefa na qual ele faz fé em
algo que, em seguida, será colocado em quesráo. Lacan fará o ato do analista equivaler a um

Opçáo Lacaniana nu 50 95 Dezembro 2007


ato de fé. Alias, todo ato que merece esse nome! não é um ato, disse ele algumas vezes.' Em
1968, questionando-se sobre o ato do analista, ele evocou Lutero e a questao de saber se o
homem é salvo pela fé ou pelas obras. Ele nos fez então apreender que os dois se unem nesse
caminho "da obra psicanalisante a fé p~icanalitica.'~ Mas, então, não se pode "avançar em
direção a conquista do verdadeiro senáo pela via do logro?".'

A crença e o verdadeiro
O analisante diz o que crê ser verdadeiro. O que diz não tem a ver com a verdatle, mas,
sobretudo, com a crença. Iacan define, então, "crer" como "pensar alguma coisa que existc".
O verdadeiro - o analisante o ignora - % o que ele crê como tal. 'A fé, mesmo a fé religiosa, eis
o verdadeiro, que nada tem a ver com o real."RÉ por isso que Lacan pode fazer equivaler a
psicanálise com uma forma moderna da fé. A psicanálise é o que "faz" verdadeiro. É nesse
sentido que ele pode dizer que "o analista é um retóiico (réiheur)",que ele "retifica (rhftifi)".
Mas seria uni poder, fazer o verdadeiro fazer o falso? Para ser "um retórico conveniente", "é
preciso que ele opere por alguma coisa que não se funde sobre a contradição"! Pois o incons-
ciente não a conhece.

Crença e sintoma
"Quem quer que venha me apresentar um sintoma, crê, crê que se possa decifrá-lo." O
analisante crê em um querer-dizer,em um sentido (Sinn) do sintoma. O sintoma está situado
entre angústia e mentira. O sintoma mente, a angústia náo.'O Não haveria sentido que não
fosse senáo enganador?A própria psicanálise escapa do sintoma?Ela é mentira, impostura,
escroqueria?É no âmago da questão sobre a impostura que Lacan aponta um de seus paralelos
entre religião e psicanálise. Esse ponto é o do esquecimento. A religião é marcada pelo esque-
cimento." Donde a Função do sacramento, que é a renovação de um pacto esquecido.
'A verdzide, pelo decreto dos deuses, se esquece". Para iacan, a análise é marcada por um
esqueciniento semelhante. Mas, o esquecimento tem ali também uma dimensão operatória?
Esse lugar do esquecimento pode ser encontrado, em Lacan, associado ao dizer. "Que se diga
fica esquecido por trás do que se diz no que se o u ~ e . "É' ~na relação do dizer com o dito que
será preciso procurar esta dimensão operatória. "O dizer ultrapassa o d i t ~ . " ' ~

A crença e o Pai, crença e Nome-do-Pai

Por um lado: Lacan segue Freud em sua reflexáo sobre a crença no Pai e sua crítica da
religião, por outro, ele aproxima crenp e tomar-como-verdadeiro, em uma lógica do Nome-
do-Pai. Ora, a psicanálise tem necessidade de um ato de fé, Glaube, ora é o crer, Glauben,
/ii~wahr-halter, tomariomo-verdadeiro que funciona. Lacan se inrerroga sobre a Função do
pai em Freud. O que é um pai?"Um Nome que implica a fé." O pai náo é senão um sintoma, ou
um "sinthoma". A hipótese do inconsciente não consiste senão em supor o Nome-do-Pai, o

Dezembro 2007 96 Opçáo Lacaniana no 50


que significa dizer supor Deus. Supõe-se um grande Outro não somente para promulgar a lei,
mas para garantir o sentido. Se estamos na impossibilidade de um dizer verdadeiro sobre o
real, pois este último faz barra sobre o dizer. para que seja pensável que haja saber no real,
Iacan apresenta um nó borromeano de quatro, aquele que acrescenta ao Simbólico, ao Imagi-
nário e ao Real: o Nome-do-Pai.Esse nó, o sujeito crê nele." Ele ex-siste.Aliás, o corpo só tem
estatuto respeitável a partir desse nó de quatro.15Mas, a apreensão desse nó, esse método,
iacan o vê como "negativo da religião", pois "não cremos no objeto como tal, mas constatamos
o de~ejo."'~ O Nome-do-Pai será, portanto, um utensílio. Pois "onde melhor terei eu feito
compreender que pelo impossível de dizer se mede o real - na prática?""
As últimas interrogaçóes de lacan sobre a impostura, o logro, a escroqueria, a canalhice,
põem em evidência a dificuldadee até mesmo "o horror ao ato psicanalítico."Este, não supor-
ta o semblante.No entanto, todos os discursos não são do semblante?

Crença e semblante
'A crença é sempre o semblante em ato."" Se todos os discursos são do semblante, o
discurso analítico, por suavez: está à escuta do discurso "que não seria do semblante." b i s o
inconsciente não faz semblante. iacan atribui ao semblante no discurso analítico um valor
positivo, ~peratório.'~Na análise, é preciso usar o seniblante, servir-se dele, como do Nome-
do-Pai, como de um utensílio; enquanto a impostura deverá ser desvelada, expulsa. E:para
ela, lacan retomava, em 1958, contra "as mistificações de certas psicoterapias", o slogan de
Voltaire "Esmaguemos a infame!".2o
Ora do lado da fé, ora do lado do tomar-como-xrerdadeiro,associada indubitavelmente ao
saber, assim como ao não-saber, ao ato psicanalítico e à implicaçào do analisante na cura, a
crença está no âmago da psicanálise. Ela está presente em todo sujeito neurótico e! de forma
invertida, na descrença no psicótico. O ato psicanalitico faz fé no funcionamento de uma
lógica operatória do Nome-do-Pai em que o semblante representa um papel ativo. Então, se a
psicanálise "é o que faz verdadeiro", como é preciso escutar isso? É um golpe de sentido. "É
um sentido puro (sem-blant)""que nunca está imune a um esquecimento do dizer. Pois, se
"a verdade pelo decreto dos deuses se esquece", "que se diga fica esquecido por trás do que
se diz no que se ouve''.
Texto traduzido por Francisco Pau Barreto e revisado por i'olanda Rlela.

'laca", 1.(1981[1963~641).O Semi~!Ario.iifro 11:osqualm cmueilm~undunmlaisdapsiuzndlise. Rio deJaneir0,Jorge Zahar, p.225. cf. LUt~glauóni
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l i ? " I i!, i ..i[. 1 . i i n 3 0 < i 11. J J I ' I I ! I1i2. I'm~idr,-P.k.'l'eh i ?:i)
I I : .I iini " .
Iioa .R, iir : im r rn riran'e l i . Ovji LuJniatLi 21 u 15 !i In I? 'I I: 19-6 : rrni n i i i ned :. . . n.. .L< ..L, ir
I'une-Mwer'aileà mourre.).
'Idem. inOmiurr 19, %uil 1979,Séminairedu 15.11.11

Opçáo Lacaniana no 50 97 Dezembro 2007


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"tacui J. (198511961-611). Optd., p.239.
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. Aulres Enils. Paris: Seuil. p@9
'Fl. L'Elorirdil p. 482 e "é neste relitido que o dizer da análise rfaiiza o aplâniiw". In Ar~lresÉuils,p. 490.
tC
' fLacan. J. (2Wjll975-761). S h i ~ i r e X x I ILI e s i n f h m ~Paris:
. Seuil, p.42143.
"Cf. as inierrnpqões de Lacan sobre o qne é "um corpo vivo" em "Rumo a um rignilicanle now" OW-o Lnoniona (22): 6-15.
16Lacan,J. (200511975-761) Op cil., p.36.
"Lacan. 1. (2001). 'CElourdil". Opcil. p.495.
I8Laran,J. (2031). ~IlisconaàI'E.EP du 6dkembre 1967.. Op. 611. p.281.
'W analista a l i e m lugar de semblante dea seniblante dedejeto.Cl. ~Conférencedu 212.75 au hlassachuseitsInstituto o l Technologi". IitSciliu!l(6~: 62/63.
IOLacan, J. (2001) ala psychanalp <,raie,e1 Ia hussen. Opcil.. p.174. Nós poderíamos relomí-10 para a lula contra as TCC.
"Ver p e s t e parágrafo asessão de 10 maio de 7i do "Semiiiáiio 24'. intitulada: "Rumo a um significante novo.. OppioLaraniann (22): 18.

Opção lacaniana no 50
Cristianismos
Existem diferentes credos religiosos, sob o nome de cristianismo, que acreditam em Jesus,
o Cristo, o Filho de Deus. Tém sua origem na Judéia, amparada nas sinagogas, nas comunida-
des de judeus piedosos, para quem a boa notícia do Reino de Deus que fora anunciada por
Jesus - morto e ressuscitado - cumpriam as profecias de Isaías sobre Cristo.
Eram tempos propícios para uma religião do amor do Pai e pelo Pai, pois nem os antigos
Mistérios, nem o judaismo e helenismo tardios, nem as deidades romanas, nem os tardios
sofistas light, nem as correntes salvifico-filosóficas (epicureus, estóicos, cínicos), ninguém
havia conseguido fazer arder nos corações o que fez o amor cristão, que logo cativou também
os gentios incircuncisos, através da pregacão de Paulo, fariseu convertido, de língua grega,
primeiro a conceber uma teologia do corpo mistico de Cristo, cuja cabeça visível eram os
Apóstolos. Paulo escreve: "toda autoridade é um dom de Deus'' (Rom. 151-2). As ambiguida-
des dos relatos sagrados, rapidamente propagados no vasto Império Romano, propiciaram as
doutrinas e suas práticas; enfrentaram-seortodoxia e heterodoxia.
O heteros era a heresia - do grego haireifz, escolher, preferir -, esta escolha rompia a
unidade da fé e desgarrava a comunidade.
Nos primeiros séculos se construiu a Verdade dogmática que definiu certas questóes:
Deus era um e Cristo era Deus? Se Cristo era Deus, Ele sofreu? Era honiem ou só aparén-
cia? Teria duas naturezas? Ele foi feito, criado ou engendrado? O Espírito Santo, também era
Deus? Etc. Isto não se deu sem a participação dos cultíssimos padres gregos.
Os pragmáticos padres latinos produziram regras, direito canônico, organizaçâo... e
inquisição, dispositivos de segregaçio, exigidos pela Verdade Uma.
Ao esforço patrístico somaram-se as bizarras regras da sexualidade; leia-seJerÓnimoe Agos-
tinho. A Igreja, Imperial desde o século ii! teve sua floração de mánires, místicos e santos,
avançou com seu voraz impulso civilizador até chegar a universidade como flor rara. O papado
e sua corte imperial, envaidecida, rica e dissoluta, não evitaram as densas nuvens das convul-
soes sociais e políticas que o cisnia protestante gerava.
Será que com Lutero -"esse louco excitado de X'ittenberg", como o denomina Lacan no
Seminário: a ética -surge uni cristianismo diferente?Os textos que frequenta - a epístola de
São Paulo aos romanos, o platônico obscuro Agostinho na Cidade de Deus, Guilhecme de
Occam e sua idéia sobre a arbitrariedade da Vontade divina - conduzem-no pela nialfadada

Opçáo lacaniana no 50 99 Dezetiibro 2007


seres criados. Paulo ensina aos romanos que, "se cada dia morrermos com Cristo, viveremos
por ele?ressuscitado entre os monos" (6:5-11). Eis ai aquela "levitação" que se eleva em direção
ao amor divino, aspiração na qual naufragam o sujeito e sua pergunta sobre o sexo.

O que produziu o calvinismo


As confissões protestantes não evitaram os desfiladeiros da segregação, do assassinato
perpetrado em nome de Deus. Lutero enfrentou o pontificado romano, mas ficou definitiva-
mente prisioneiro dos príncipes seculares, os quais - os bispos temitoriais graças aos naciona-
lismos - tiveram enorme ingerência na hora da explosão de doutrinas, seitas e Igrejas evangé-
licas provocada pela excomunhão de Lutero. A Igreja de Henrique VIII, da Inglaterra, assumiu
a confissão cismática. Na Igreja de Calvino se originaram as "Igrejas reformadas". A mística
luterana ficou para trás.
Para o calvinismo, "as obras do eleito" é que valem, na medida em que é Deus mesmo
quem as realiza nele. Quais são os eleitos? Por acaso alguém pode assegurar-se na cmitudo
salulis?O pânico pela salvação não era novo, tanipouco se iniciou com Lutero. Mas o calvinismo
e suas seqüelas puritanas e metodistas impulsionaram,segundo os tons, ânimos e idiossincrasias
nacionais de pregadores e fiéis, a racionaliraçüo sislen7ática e extreina da vida n7ora1,
para o bem do capitalismo, que também nüo era nouo. O homem, servo da Bíblia (lei e
evangelho) é apenas o administrador de sua vida e de seus bens, prestará contas de cada
momento e de cada centavo, é no mínimo amscado gastá-los com algo cuja finalidade não é a
glória de Deus e sim o próprio gozo (Bater citado por M a Weber)
A América do Sul nasceu católica apostólica romana clas mãos dos descobridores, e fez do
seu catolicismo a repressão e também ofolklore. Na América do Norte, o cal\inismo não
evitou o puzzle das religiões nem o cocolichezda new age. Ambas as Américas se coloriram
segundo seus credos, mas foram fiéis a religião verdadeira, a do Nome-do-Pai, que proverá
sentido para o bem do sintoma que se alimenta dele.

Dois aspectos que mostram dois semblantes do cristianismo


contemporâneo.
O primeiro aspecto: 'X Igreja Episcopal dos USA (membro da comunhão anglicana) consa-
grou Gene Robinson, sabendo que muitíssimas pessoas da congregação não aceitariam o
ministério de um Bispo cuja união com outra pessoa do mesmo gênero era abertamente
conhecida". Em um documento recente -Reparar a ruptura - as autoridades da Igreja
anglicana expõeni sem rodeios este caso e o da benção da união entre homossexuais, para
julgar severamente o fato de que "alguns, decididos a andar só" romperam a comunhão com
seu ato, exatamente "no meio das sacudidas sísmicas das últimas décadas, no que diz respeito
a natureza do cristianismo".
Estes casos exigem "avaliaçóes canõnicas e teológicas", prossegue o documento, tanto
quanto o urgente discernimento dos fiéis, "partindo das fontes de autoridade nas quais nós os

Opção lacaniana no 50 101 Dezembro 2007


anglicanos nos apoiamos": as Escrituras, a tradição, a razão. Outros evangélicos europeus
apresentam diferentes considerações: qualquer sexualidade fora da esfera heterossexual "é
contrária ao esboço de Deus, criador da sexualidade". Pelo menos, estes sabem que suas
fontes de autoridade não admitem outra interpretaGo. Aqueles que abençoaram, por seu
próprio risco, as uniões questionadas, sabiam o que faziam.
O segundo aspecto: O jornal "Clarín" (Buenos Aires, 18/2/05) infomia que a Igreja Católica
dará titulo de exorcistas a 120 sacerdotes e estudantes de teologia da Universidade bntifícia
"Regi?zaApostoloru~n".Um curso, sob a responsabilidade do Movimento mexicano da Legião
de Cristo, deve ensinar a diagnosticar as genuínas possessões demoníacas. "No mundo oci-
dental cresce de maneira alarmante a prática do satanismo e o pedido de rituais de liberario"
que contam com o texto atualizado por João Paulo 11: em 1999. Para a Igreja de Roma, "o mal
não é uma abstração, mas designa uma pessoa, Satanás, o anjo que se opõe a Deus'*. Qual é o
satanismo que preocupa a Igreja? O satanisnio das temíveis juventudes neonazistas? Será ou-
tro, do qual este faz parte?
Penso nos demônios que a falsa ciência deixa soltos quando pratica as cerimônias em
nome do saber e aí tenta suprimir o sujeito e sua angústia. A Igreja Católica oferece seus
exorcistnos dos quais preserva uma experiência secula?

Algumas palavras sobre a moral sexual cristã


O cristianismo ligado à tradição apostólica preserva uma moral sexual que responde a
referências biblicas e teológicas precisas apoiadas na graça divinas. O cristianismo não pode
prescindir da crença do Pai, ainda que o evangélico "Faça tua vontade" tenha diversos intér-
pretes. A Igreja Católica, mesmo que reduza o número de fiéis, não cederá eiii nada que
implique sua abdicação da fé dogmática "na qual a Igreja consiste': Não se abrirá as novidades
de qualquer jeito, nem a um colegiado de bispos que afete o pontificado. Com Paulo VI se
apresentou como substrato ao Concílio Vaticano I1 a discussáo do celibato eclesiástico e do
aborto: temas que reteve o pontificado. Isso basta como exemplo.
Em 1967, em Tuhinga, o jovem sacerdote Ratzinger - hoje Bento XVI - dizia a seus alunos
de teologia: "De antemão somos propensos a aceitar conio autenticamente real o compreen-
sível, o "demonstrável". Não devemos estudar mais cuidadosamente o que é na realidade o
real"?. A partir de 2005, eleito pontífice, enfrentará a "ditadura do relativismo moral".
Tradução: Sandra Grosteiii

'As ieferEnçiasexplícitas de Lacan iemekm ao Seminário inédito: "1.e oon diipes errtnt" I i g k de 11 e 18flZfl3.
'hT : imiichs, modo de falar misturado palavras em ~ p a n h oel italiano.
'CBienwio riela Iglesia CoIáIim. (1992). hloniwideo: Ed. Lúmeii, p. 628.
0
' prinieiro dos exorcisaosé o balismo sacramenial. o htirado "renuncid a Satanat, a suas pompas e obras'
'A p s a g r ó l i s d a l a - é o aiixilio gratuito de Bus para rapiidcr ma chama&.
iRailinger j. (1995). I>riroduc~ió,ialcrisliflnistno. Bmcclona: Planeta D' Agrntini, p3i

Dezemtiro 2007 102 Opção Lacaniana no 50


A heranp simbólica

O vínculo entre os termos acima provém da doutrina do pecado, enfermidade mortal e


nioral que rege os destinos da carne e a desobediência à lei divina. A psicanálise herda essa
problemática, embora ambos os termos, culpabilidade e Nonie-do-Pai,ao se alojarem eni um
novo discurso, entrem em outro tipo de conexão: sendo a clínica psicanalítica o terreno no
qual poderá ser verificada, mas também colocada em questão, a aparente evidência de uma
indestrutível relação entre os dois. O complexo de Édipo será a resposta freudiana aos tor-
mentos morais: os desejos criniinosos e incestuosos, que habitam o inconsciente, serão des-
velados pela interpretação analítica, tomando possível o percláo da palavra. Freud, advertido
da repressão, não desculpabiliza o neurótico, certo de que as auto-recriminações possuem
sólidas razões inconscientes: a culpa é o signo da verdade repriniida que, por ser panicular,
distingue-seda verdade religiosa, válida para todos.
No lugar da redenção, da absolvição ou da condenação e do castigo surge uni novo discurso
no qual a culpa, ao transformar-se eni responsabilidade subjetiva como condição da experiência,
reconcilia o neurótico com seu desejo. Contudo, a persistència do sentimento de culpa, sua difi-
culdade clínica e o enigma de sua causa são uma constante na reflexão de Freutl, que encontra ai
algo opaco, irreduúvel,desconcertante. O caso mais extremo é sem dúvida o do nielancólico que,
com suas desapiedadas auto-injúrias, demonsua que a culpa nem sempre se enlaça ao Nomedo-
Pai, podendo atingir um caráter delirante precisamente quando esta Função não se inscreve.
O estudo da fantasia de espancamento constitui um marco fundamental na elucidaçáo do
nó formado pela culpa, o amor ao pai e o masoquismo. Este nó é subjacente a foimação do
supereu, instância obscena eferoz, herdeira do complexo de Édipo que, em estreita conexão
com o Isso, nutre osenlimento inconsciente de culpa.
Eni seu legado, Freud faz constar os paradoxos que escapam à interpretação edipica da
culpa. A ausência de subjetivaçáo da pane de sujeitos que, na reação terapêutica negativa,
afirmavam náo se sentirem culpados, mas doentes, impele Freud a buscar outro nome, a
necessidade de castigo. Poréni, a dificuldade persiste, o gozo é sempre concebido como cul-
pável e se perpetua junto com seu par dialético, a proibiçáo.
Em uma nota de "O eu e o isso" adjudica a ausência total de representações de enlace! a uma
zona pura da pulsá0 de morte, a causa real desse fenôineno. E em "O malestar na úvili7açáo" realiza
uma importante constata@o:a culpa é, tu twdade: u m variante topograJi~da angkfia.

Opçio Lacaniana no 50 103 Dezenibro 2007


A herança freudiana
Estas observações indicani que a culpa pode surgir precisamente onde a proibição tlesfale-
ce, no lugar onde falta a mediação da lei. Guiado por esta idéia, Lacan, em "Subversão do
sujeito", dará um certeiro golpe de misericórdia no mito do Édipo como razão do gozo culpá-
vel, menos imbecilizante do que o mito da maçã maldita, porém imbecilizante, no fim das
contas:

O Gozo, ... cuja falta torna inconsistenteo Outro (..I me está ordinariamer1teproibido
[.../porculpa do Oulro. se e~istisse:como o Outro não existe, nüo resta outro remédio
semiofazer recair a culpa em mim ue), quer dize< criar aquilopara o que a expen-
&ncianos a17astaa todos, e a Freudpnmeiramozte: o pecado original.

Para resolver esta aporia, Lacan leva a cabo uma desconstnição dos mitos freudianos do
pai, em um contraponto minucioso com a religião católica, a única que "instala a verdade em
um estatuto de culpa? A dit-mension da verdade que o cristianismo elabora como Revelação,
consistiu em transformaro gozo em imundície, delegando a Deus-pai a causa da proibição. O
amor a Deus se converte na via pela qual o sujeito sacrifica o gozo, instituindo um Outro ao
qual seduzir com pnvações, mas simultaneamente,selando o vinculo entre o desejo e a lei, na
figura da tentaçáo.
Contudo, com o advento da ciência moderna no século XVI! inicia-se "a morte de Deus':
que muda o estatuto da verdade (que passa aos requerimentos dademonstraçáo) e presentifica
o desfalecimento da lei, que Lacan escreve: S(d(). Na mesma época, a Igreja põe em marcha a
Contra Reforma, com um programa iconográfico cuja consigna, delectare et mouere, tem
como meta a interiorização do sentimento religioso. As imagens barrocas da Paixão e dos
mártires inundaram a Europa Católica.

As dit-mensions (dito-menções) do corpo


No Seminário 20, iacan distingue três modos de tentar lidar com o corpo como corpo de
gozo: o da ciência tradicional, o da religião e o da psicanálise. A ciência tradicional, opensa-
menio do relho (mango), remonta a Anstóteles e reduz-se à idéia de que pensamento domina
o corpo. Nessa filiação situa-se o condutismo. Na d i t - m e W n (dito-f7zenções)religiosa, o
mistério da Encarnação cle Deus no corpo de um homem demonstra ter-se originado da
impossível cópula entre o pensamento e o gozo. O barroco representa a paixão, a bistoriela
de Cristo, como a história de um corpo martirizado, ao mesmo tempo em que sua exibição
obscena evoca outros gozos: rivais daquele que não existe. kc representações barrocas são
elas mesmas mártires, diz iacan, "testemunhos de um sofrimento mais ou menos puro".
Irvando em conta a demonstração feita por Gerard Wacjman, de que "o quadro é a janela da
fantasia", não reproduz a realidade mas a cria, a que ponto incidiu o barroco, que Lacan define
como "regulação da alma pela escopia corporal': na subjetiviclade e no corpo doparlêtre?

Dezembro 2007 104 Opyáo Lacaniana no 50


Se estabelecermos uma conexão com os desenvolvimentos do Seminhio 7 a respeito da vlorte
de Dew, encruzilhada a partir da qual o único mandamento é amar o próximo como a si mesmo,
não seriam as imagens da P a i o de Cristo a encarnação da morte de Deus, o apoio da identifica-
ção com o homem que entregou sua vida para salvar não os homens, mas o Outro desfalecente?
"Por minha culpa, por minha máxima culpa", recita a prece. Culpado pela morre de Deus,
culpado pela falta do Outro, pela hiância própria do gozo, talvez assim se poderia explicar a extra-
ordinária eficácia do mito religioso sobre a subjetividade: "Meu Pdi: por que me abandonaste''
evoca o "pai,não vês que estou queimando':? do sonho freudiano. lacan conclui com Kierkegad:
a hetança do pai é seu pecado, o de ser castrado,o de não poder dar conta do gozo.
lacques-Alain Miller demonstra que a proibição é uma racionalização da hiância estrutural
do gozo e que o sacrifício e a castração são nonies da perda de gozo inerente à linguagem.
A religião, surgida do furo do gozo, náo oferece nenhuma figuração da "alma da cópula';
contenta-se com o gozo oral que garante a identificação com Cristo no momento da Eucaristia.
O amor a Deus elude a diferença sexual e condena o corpo ao masoquismo. Seria demonstrada
assim a raiz pulsionai da culpa, como sentido gozado da falta de gozo que o sujeito carrega
sobre seus ombros.
O que dizer de nossa época, cailicterizada pela pemissividade, pela lassidáo das normas?
Ela eliminou a culpa?
Parece, antes, ter-se alojado na confrontação do eu e seu cortejo de impotências e inibi-
ções com os ideais liberais e consumistas, discursos quel tendo foracluído a relação com a
verdade) deixam o sujeito desamparado, sem remissão, a ponto de coiifessar-se anulado,
fracassado, inútil, despojado de todo desejo.
Se compararmos nossa época com o barroco, surgem curiosas coincidências: uma profun-
da mudança na ci\ilização que abala os semblantes e sua incidência se faz sentir nos ditos
sobre o corpo. O movimento chamado bo<v-art denuncia na apresentação dos corpos o esta-
do atual da civilização. Gina Pane assume a dor de existir, promove o artista-mártir. Incisões,
cortes, manipulações a distância demonstrariam, segundo alguns destes artistas, não só que a
subjetividade morreu, mas que o próprio corpo é obsoleto. Não estaríamos, diante de uma
mostração extrema da dor, signo do desvario do gozo, carregando novamente sobre o sujeito
a culpa por seus desarranjos: embora desta vez sem adit-mension (ditomençóes) da verdade?
Mas, assim como a confronta@o com a inconsistência do Outro produziu na época barroca
um extraordinário impulso da subjetividade criadora, em nossa época existem anistas que,
como Bill Viola, se sewem das novas tecnologias para agarrar a realidade doparlêtre, recupe-
rando o humus depositado na língua que devolve ao corpo a sua humanidade. Através de seus
quadros viventes explora, para além do visível, as paixões que se sucedem no percurso de
uma vida, tecida entre os momentos decisivos da vida e a morte.

A via psicanalítica
Ao propor o equívoco entre coupabilité e culpabilité, lacan arranca o caráter patético ao
real da estrutura, o furo do gozo, ao mesmo tempo ein que propõe a via particular. o meio-dizer

Opção lacaniana no 50 105 Dezembro 2007


da verdade, para atingir o real sem lei: "Para minorar a verdade como se merece é preciso ter
entrado no discurso analítico, que consegue pór a verdade em seu lugar, não a enlouquece. É
pouca, mas indispensável". Aqui se joga o destino da psicanálise, como outra dit-nzension
(ditomenções) do corpo que, pela via do sintoma, oferece aoparlêtre uma tentativa de lidar
com o gozo a partir de sua impossibilidade estrutural.
Testo traduzido por Elisa hlonteiro

Freud. S. (19731 ObrosComplrtar, tomos I: il e lll. hladrid: Ed. BibiioiecaNueva


Lacan,]. (1998). "Subiersão dosujeito e dialética do desejo". in: Ercrilos. Rio de Janeiro:Jorge Zahar
Lacan, J. (198811959-60)). O smntário. liwo 7:a élira d a ~ s i u ~ n i lRio ~ cde. Janeiro:Jorge Zahar
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hliller,J.~A.12003-011.
ikciman.C. (2004). Fedlre. Paris: Ed \'erdier.

Opção Lacaniana no 50
Título de glória dos homens do "Século de Péricles" e que inventaram o termo democracia
como regime de governo fundado em uma transferência: para o povo, do poder soberano.
Definida em Atenas como o governo da maioria, diferentemente do go\remoconcentrado
em poucos (aristocracia) ou em um só (despotismo), a democracia, nessa perspectiva, se
reduz a resolver a questáo da limita~.ãodo poder Propõe-se como garantia contra o poder
exercido de modo autoritário e a responder as supostas demandas das "maiorias".
Seu sentido antigo de governo de "todos para todos" foi, ao longo da história, redefinido,
reinventado em sucessivas articulações que, ao modo de uni significante, foi adquirindo
novas e contraditórias significações, novos sentidos, muitas vezes de confrontação, como por
exemplo: democracia popular vmus democracia burguesa, democracia real uersus democracia
formal etc.
Significante de conquista e do qual se faz uso para conquista na civilização de nossa época;
verifica-se sua expansão, já que tem conseguido impor-se, no século XX, como ideal em um
número de países que abarcam quase a metade da populaçáo munclial. Proposta como alter-
nativa ao poder autoritário, nunca deixou nem deixará de ser problemática. Reconheçamos
como um problema a vida em democracia,já que conta, em sua essência, com uma instabili-
dade estrutural que adquire formas sintomáticas e críticas do regime, reveladoras de seus
"impossí\~eis" vividos "sob tensão" em uma experiência que se quer "social".
A democracia se propõe como um regime segundo o qual os cidadãos devem possuir
iguais e efetivas oportunidades de participar da tomada de decisões, mediante um peso igua-
litário do voto. Igualdade que, para Tocqueville, é a que desperta a paixão que impulsiona as
épocas democráticas e que Lefort formulou como "que não haja trono" e que impere a Lei
para todos iguais como estado de direito.
Historicamente, colocou-se o problema de como alcançar uma decisão coletiva, de quem
decide, quando o princípio fundamental da realização democrática é que a deliberaçáo seja
constituinte da fonte última da autoridade. A pmicipação teve que ser limitada e teve de
confiar na "Representação", que foi a grande invenção democrática do século XVIII. O "governo
do povo" adquiriu formas políticas sustentadas na idéia de representação para configurar
suas instituições.
Trata-se de selecionar alguns para que governem "em nome de todos". O povo nem deli-
bera, nem governa, excero por meio de seus representantes, autoridades, e a concorrência
através da existência de partidos polí~icosé essencial.

Opção Lacaniana no 50 107 Dezembro 2007


Dessa forma, institui-se que uma "minoria", a classe política, detenha o poder efetivo e
cuja legitimidade se sustenta em que os eleitores sintam-se representados por seus represen-
tantes e que estes, por sua vez, os representem.
Essa é a legitimidade na qual os politólogos assinalam o núcleo da crise contemporânea da
democracia: sociedades dificilmente representáveis, fracasso das organizações panidárias,
ruptura da ilusão moderna da representação política.
Núcleo de verdade da democracia em crise, na medida em que o social não consegue ser
representado com seus fenômenos conseqüentes: desencanto, apatia, retomo sobre si mes-
mo, promoção do estilo de vida individual como saída etc.
Como não reconhecer nesses fenômenos sociais os efeitos do discurso da civilização
hipermoderna, que tem produzido uma profunda mutação critica da economia do gozo: pro-
moção dos objetos (a)sociais que se impõem ao sujeito como produto do discurso capitalista
e sua conseqüente queda da lógica identificatóna,na qual o sujeito da tradição se reconhecia?
Essa queda das representações impele o sujeito a tomar distância do Outro, do Outro da
cidade na qual a cidadania é fundada.
Saldo cínico posto no lugar do representávell
É esse "impossível de ser representado" que estrutura pelo menos um ponto essencial de
tensão em nosso mundo político.
Questáo que se revela particularmente nos momentos de crise, em que o real da econo-
mia, da guerra produziu um transtorno que G . Agamben assinala ao constatar que "o estado
de exceção tende cada vez mais a apresentar-secomo o paradigma de governo dominante na
política contemporânea"; o que verifica a afcmação de W Benjamin em 1942: "o estado de
exceção tornou-se a regra"'.
Esse problema foi abordado por Jacques-Alain Miller3,demonstrando a lógica rigorosa
da in~plicaçãono regime do "todos iguaisx, o inevitável surgimento do Um que ocupa o
lugar da exceçáo.
Trata-se da lógica do Édipo, em que Iacan demonstrou de que modo o "para todos" se
impõe para atuar em nome do Um, ainda que não exista o Um para ocupar o "trono", uma vez
que seu lugar e sua função permanecem. O regime do "todos iguais" o constitui, toma inevi-
tável o surgimento tlo Um como lógica que opera no reino da exce@o. Regime que constitui
o chamado ao reino do Pai soberano e sua conseqüente deriva totalitária. Considerando que
o totalitarismo é o exercício de um poder que se lança inteiramente na coesão do Todo, dese-
ja-se o Todo identificatório- um Povo, um Líder - a história tem clemonstrado suas conse-
qüências: o crime, assassinatos em massa,...
Que saída os regimes democráticos têm encontrado?
Instaurar uma racionalidade na qual o "trono vazio" é substituído por uma burocracia
que administra por meio de especialistas-técnicos,ou seja, em que se administre e não se
governe. É o que se destaca no mundo chamado desenvolvido: no lugar do mestre, o poder
de avaliação das comissões de especialistas no "bem comum", claro fenômeno de
despolitização que situa o Saber (burocracia) no posto de comando, tal como Lacan escre-
veu no discurso universitário.

Dezembro 2007 108 Opçáo Lacaniana no 50


Signo de debilitamento da idéia democrática que se apresenta sob a forma de entregar a con-
ducão
. . política aos comitês de especialistas tecnocratas, ou ainda às supostas leis do mercado.
Deslocamento da soberania aos especialistas ou à ditadura do mercado, nas quais se reve-
la a verdade da soberania colocada nas mãos do capital.
Tato traduzido por Sérgio laia

Coi.f:ri .r:apii.n : . 1~~ po:].1:1 i i rlxii V I t r n r i Cm,?n,~. reli&< ..r.in.~iic.6nidcPi1~.11i11~~~


il:lnidi ;iii r : d a i ~ r i<"i ~ o I ! (Jt IW
iii. jiii) h T h? ka i m r o n f < i : r 2 foi i . i .xla r i Cip<"o L.itruiw .i<$ R ro.!í'> 11 '-IR
'Agai::i G ,!>\ t.<Lii!. .I, ?*rrp.i ?i h.wn <iishd.iai i!l.daI<
'\I!c? J -, I W ) I k ~ t i a r u r i h : rdiw;-8rhlan, c?p IY <.?r n 4.rc h i i !

Opção Lacaniana no 50
Lacan introduz a noção de 'desejo do analista' alguns anos depois de ter formulado
sua teoria c10 Nome-do-Pai. Se esta última, de fato: aparece em seu ensino desde oSemi-
nário 2 (aula de 08/06/1955), vindo a ser formalizada no ano seguinte, no Seminúrio3: as
psicoses, - a primeira inicia sua presença efetiva na obra de Lacan no escrito de 1958: 'A
direção do tratamento e os princípios de seu poder". Nesse texto capital sobre a orienta-
ção da prática analítica lacaniana, o desejo do analista se apresenta como um 'significante
novo', que Lacan introduz de forma ainda problemática, como "questào", para tentar indi-
car e interrogar, d o lado do analista, a relação entre trabalho analítico e dimensão ética,
que implica a ambos estruturalmente'.
Porém, istoque será anunciadosomente como um tema de trabalho a ser desenvolvido no
futuro, encontrará a mais articulada formalização nos Seminários dos anos 1960, a partir de: A
ética da psicanálise (Sem.7, 195911960) e, particularmente, A transferência (Sem.8, 19601
1961), passando pelos seminários: A angústia (Sem.l0,196211963),Os quatro conceitosfun-
damentais da psicanálise (Sem.11, 1964) e "Os problemas cniciais da psicanálise" (Sem.12,
1965; inédito), chegando até os escritos "Proposi@o de 9 de outubro de 1967 sobre o psica-
nalista da Escola" e "Nota Italianas, de 1973.
A defasagem temporal que separa o anúncio do desejo do analista como questão e sua
efetiva articulação já é indicativa, em minha opinião, de que alguma coisa de essencial se
introduz no ensino de Lacan através da fomiulação dessa noção. De fato, é a partir do mo-
mento em que, no ensino de lacan, opera a reviravolta que leva a colocar o registro do real no
coração da experiência analitica - isto é, a panir do Seminário 7 -, que a noção de desejo do
analista pôde passar do estatuto de questão iquele de conceito elaborado.
No dispositivo conceitual de '8 direção do tratamento", estmturado em torno do conjun-
to de elementos do simbólico, operando o que Miller definiu como a "significantização do
gozo"2,a noção de desejo do analista apresenta-se como 'alienígena' e não reintegrável plena-
mente ao binarismo clássico dos registros simbólico e imaginário. Que o desejo do analista
nào se deixe reabsoiver no campo do imaginário já é, no Fundo, a grande tese que Lacan
articula implicitamente em 1direç2o do tratamento", distinguindo de maneira sensível o
desejo do analista e a contratransferência. Se a contratransferência é aqui reconduzida por
iacan - polemizando com os defensores de seu emprego ativo no tratamento - ao registro
imaginário
- das paixões, do vivido e dos preconceitos da pessoa concreta do analista, o desejo
do analista situa-se em outro plano da experiência analítica.

Dezembro 2007 110 Opçáo Lacaniana no 50


produção de algo novo em seu estofo desejante. Neste sentido, Iacan define no desejo do
analista um "desejo inéditov6.Isto se produz no percurso da análise, no qual o analisante que
se tornará analista "(...) experimenta uma mutação na economia de seu próprio desejo'". O
que significa que o desejo do analista é constituído por um caroço de real pulsional- especí-
fico - a serviço do exercício da função simbólica em ação no trabalho analítico.
Neste sentido, se "o desejo do analista é sua enunciaçã~'~, como escreve iacan na "Propo-
sição" de 1967, o lugar desta enunciação é habitado justamente por este desejo inédito, que
impulsiona o analisante, no tratamento, a dizer o indizível, o fora de sentido que está na raiz
do próprio desejo. O desejo do analista, de fato, se apresenta no tratamento como uma de-
manda vazia, porém viva, como um "Che vuoz? que interpela a enunciayáo do analisante a fim
de lhe permitir produzir sua resposta singular.
A introdução da noção de desejo do analista acompanha a redefinição da função do analis-
ta no tratamento, que íacan não mais reduzirá ao representante do Outro, mas irá configurar-
se, com o passar do tempo, como simulacro do objetou, causa de desejo, em uma progressão
que sempre fará prev:ilecer esta segunda definição à primeira.
Esta passagem implicou, para Iacan, em um dramático confronto com o desejo de Freud,
por ele entendido, durante alguns anos, como sin0nimo do desejo do analista. Não por acaso
dire~ãodo tratamento" conclui-se com um célebre elogio ao desejo de Freud, pai fundador
da psicanálise. O que, entretanto! irá, progressivamente, tomar-se mais claro para Lacan, é
que a doutrina de Freud é habitada por uma religião do Pai9- um "mito do Pai", dirá já critica-
mente no Seminário interrompido '2es Noms du Pèren"-, por uma idealização do simbólico
tomado como horizonte último do tratamento analítico, efeito de Freud não ter sido analisa-
do, que funciona como obstáculo interno ao próprio exercício da psicanálise e a formação do
psicanalista. Isto conduzirá iacan a distinguir, como observado no Seminário 17: O uuesso da
psicanálise. a noção de desejo do analista e sua equivalência com o desejo de Freud, e a situar
o desejo do analistaalém do mito do Pai freudiano, além do Édipo e, no tratamento, a encamá-
lo na fün~ãodo analista simulacro do objeto a.
Juntar-se-á,aí: uma tomada de distância do cientificismo de Freud, que levará lacan a distinguir
discurso do analista e discurso da ciéncia"~e a não reconhecer neste último a garantia do primei-
ro. Se, por um lado, esta operação permitiu a lacan libertar a função do desejo do analista de uma
ancoragem "religiosa" ao pai freudiano, protegendo-a da idealiiação; por outro mostrou clam-
mente que a psicawUise tem diante de si, no mundo contemporâneo, um problema de sol~revi-
vêncial2,que o próprio Lacan destaca, a respeito do qual não existe Outro que possa dar garantia.
Na época da inexisténcia do Outro e da pluraliza$ão dos Nomes do Pai, época do máwimo
desenrolar do discurso capitalista e, como bem vemos atualmente, da ideologia da avaliaçio - a
existência do desejo do analista se apresenta, tanto quanto às auroras, como uma questão a
respeito da qual cada psicanalista é colocadoem causa diretamente, no mais íntimo de seu ser.
Texto traduzido por Maria do Carmo Dias Balista

'Lacan,J. (19181196611998) '> direiio do tralamenio e os princípios de seu pods". InEscrilm. Rio dcJineiro Jorge Zahar, pp. 591652
'hliller, J-A. (2001). Ipar~digmidellgodimIo. Roma: .btrolabio, pp. 13-16,

Dezembro 2007 112 Opqáo Lacaniana no j 0


'Lacan, J. (199211960-19611) Oseminário. liino8:aIransJu&cin . RiodeJaneiro:JoigeZdhar p.130.
'Ver, sob a rapnsabilidade de]-A. Miller ie desmchontemprrl dehp~ubana[,.r~, curso ocorrido no Ueparkmenio de Psicanáliseda Univeoidade de
ParisVIII,ano letivo 2000,QOOI. Inédilo.
'Lacan. J. (I*). "Del Pieb di t'reud e de1 deriderio dello picoanalista'. I n Snilti.cil.,volII. p. 858.
&Laca,J. (197312003) 'Nok idiana". li1 Oulmsesnilon Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p3W.
'Ibidem, p. 312.
'Lacan, J. (2003). "Propori(ào de 9 de outubro de I967 robr~o picanalista da F~cala"In OutmsEsniios. Rio deJaneiro:Jorge Zahar, p. 246.
' Coilel S. (1982). .bvdet ie ddsirdr<pqdn'c6ann~vsle. Parir: Nai8arin,p. IV
"lacan,J. (2005).1\~omsdopai (08'il/1963). Rio deJaneiro:Jor~ekhar, 85.

Opçáo Lacaniana no 50
Lacam Com Deus, em todos os casos, quer se creia ou não, é preciso contar É absoluta-
mente ine~itável~~. É um Deus que não se pode desarraigar,que só tem como Fundamento ser
a Fé que se tem neste universo do discurso. Devo lembrar-lhes que nunca se está sozinho
quando se tem consigo o universo da linguagem, como bem sabe Baltasar Gracian em seu
Criticon, a respeito da ilha d e ~ e n a ?O~ modo
' do pensamento, uma vez que ele é, se aisim
posso dizer, subvertido pela falta da relação sexual, pensa e só pensa mediante o Um3?.Disso
decorre o universal. Mas, mesmo assim, de onde devemos dizer que a psicanálise surgiu?Da
tradição judaica, como pude enunciá-lo no ano em que não quis dar meu "Seminário sobre os
Nomes do Pai", embora tenha tido tempo de enfatizá-10. Na tradição judaica, o que no sacrifício
de Abraão é sacrificado,é efetivamente o pai, que não é outro senão o cordeiro. A seqüência
disso, precisamente, é que todos os homens, a universalidade dos homens está suieita a cas-
Mas este Um suposto do pensamento tem uma essência, ou seja, determinar o pró-
prio pensamento como sendo o efeito; tem como essência a função do objetou, o que merece,
aqui, ser chamado de causa, especificada em sua essência como uma causa privilegiadd'.

Filósofo: Então, Deus é a linguagem?

Lacam Deus não é a linguagem, mas é propriamente o lugar onde, se você me permitir o
jogo de palavras, se produz o d e u - o deuser - o dizer Por quase nada, o dizer faz Deus. E
enquanto se disser alguma coisa, a hipótese de Deus estará ali. Na realidade, é impossível
dizer qualquer coisa sem logo Fzé-Lo subsistir sob a forma do Outro3'.

Teólogo: Com todo esse seu raciocínio, não chego a compreender se, para você, Deus
existe ou não.

Lacan: Passa-se o tempo perguntando se Deus existe, como se isso fosse uma questão.
Deus é, isso não deixa nenhum tipo de dúvida e não prova absolutamente que ele existei6.
Mas sim, sim, ele existe, existe este bom velho Deus. O modo sob o qual ele existe não agrada4
talvez, a todo mundo, principalmente aos teólogos que são, eu o disse há muito tempo, aque-
les que sabem prescindir de sua existência, muito mais do que eu. Infelizmente, não estou
inteiramente na mesma posição porque tenho de me haver com o Outro. Esse Outro, se há
apenas um sozinho: forçosamente deve ter alguma relação com o que aparece do outro sexd7.
E por que não interpretar uma face do Outro, a face de Deus, como suponada pelo gozo
feminino? Como tudo isso se produz graças ao ser da significância, e como esse ser não tem
outro lugar senão o lugar do Outro que designo com oA maiúsculo, vemos a vesguice do que
acontece. E como é também ali que se inscreve a função do pai, uma vez que a ela se refere a
castraçáo, vemos que isso não faz dois Deuses, mas tampouco Faz um s@'. NO fim das con-
tas, a única chance de existência de Deus é que Ele - com E maiúsculo - goze, que Ele seja
o
Nota do autor: todos os passos podem ser encontrados nos textos dos autores citados.
Texto traduzido por Vera Psellar Ribeiro

Opção Lacaniana no 50 117


'Freud. S. (1980). .Umaneiirmedemonológicadoskulo~ll~.inBOPC.,vol XIX. RiodeJaneiro: imago Ed.. p.91,
'Freud, S. (1980). e0 futurodeumailusão. 0p.ci1,i;oI.m. p.15.
'Aleng": W - s e da repelicão de "0 fuluro & uma iusào., de prcud.
'Freud, S. (1980). "0 futuro de umk iusáo.. o p ~ i t . .
'id, ibid..
'Freud, S. *Prefácio a .Ritual: atudor picanalilicor', de Theodoi Reiks. Opcil., voiX1'11, p.323.
'Freud, S (1980) O . futuro de uma ilusão.. Opcil.
. deJaneiio: Jorge Zahq p.81.
'l,acan,J. (199111%9~701). O m i n á n o , l i r m 17: o a w n d a p i c n ~ u i i i s eRio
91d., ibid, p. IM
"Id; ibid.. p. 105.
"ld., ibid., p. 106
"ld, ibid., p. 102.
"id., ibid.. p i03 e 102.
"Lacan, j. (1988Ii959-601). Oseminário lium 7. o U l i u dupsicnnálise. Rio de Janeim: JoigeZ;ihar, p 356.
"Lacan, J. (i99511956-511). O setninúrio, lifim 4: o rekzgo deo5jelo. Rio deJaneim: Jorge Zahar, p 210.
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.. . . ODciI..
. .~ 7 5 .
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I I l l 7 2 l , s ~ w r i c~~>crr,a.i!ia' Strnixir .rio'" ..l~i<<.Jl Ot. l i !
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nLacan,J. (198811959-601). Opcil.. p.74~75

Opçáo lacaniana no 50
'% direção do tratamento"! quero dizer, o texto de 192.8,constitui uma superação da pers-
pectiva freudiana do manejo do tratamento pelo analista situado no lugar do pai. Colocando
em questão a identificaçáo fálica, Lacan situa as balizas necessárias a seus desenvolvimentos
ulteriores: sobre o além do Édipo.
'X direção do tratamento" define um novo estatuto do sujeito, sujeito barrado, apreen-
dido a partir da articulação significante, e não mais a partir da significação. A partir dai,
Lacan o faz Funcionar como falta a ser. Este abre, assim, o espaço "para receber seu comple-
mento do Outro", que se tornará o objeto a. A falta-a-ser do sujeito, situada no cerne da
"experiência analítica, no campo mesmo em que se exibe a paixáo do neurótico"', define de
maneira central a hn@o do desejo na direção do tratamento. A definiçáo do binário de-
manda-desejo é estabelecida desde '% instância da letran2,a partir do significante e do signi-
ficado. O Outro do significante colocado em função na experiência analítica é apreendido a
partir da demanda. A regressá0 nào deve ser situada como um retomo ao passado, mas
como o retorno ao presente de significantes utilizados nas demandas para as quais há pres-
crição. A pulsão é situada no intervalo dos significantes da demanda e não a partir do obje-
to. Lacan a escreve $<>D, S emfadivg no corte da demanda. Ele identifica o desejo a uma
metonímia na qual o significado escorrega de significante em significante. O desejo é aque-
le de um sujeito entre dois significantes, sujeito barrado. A interpretação analítica, que vem
do Outrol identifica o desejo naquilo que se diz. Ligando o desejo do sujeito ao desejo do
Outro, Lacan precisa que "é enquanto Outro que ele deseja", mas o sujeito não o sabe. Esse
"o que quero?" do sujeito é substituído por um "o que você quer?" endereçado ao Outro, do
qual o sujeito espera, no entanto, um oráculo sobre seu desejd. Ele se formulará ai para o
analisante, no sentido de um "o que ele quer de mim?". O desejo do analista como desejo
do Outro é o que sustenta e permite o discurso do inconsciente, ele é o operador da dire-
çio do tratamento pelo viés da interpretaGo. Essa perspectiva se afasta da consistência do
Outro da transferência freudiano. Ela se afasta também daquela formalizada na "Questão
preliminar", na qual o Outro é concebido como o conjunto da cadeia significante, que vale
um, e cuja consistência é assegurada pelo Nome-do-Pai.
Esse texto coloca um fim na problemática do desejo de reconhecimento em beneficio do

O p ~ ã Lacanidna
o no 50 119 Dezembro 2007
reconhecimento do desejo'. O desejo fundamental do sujeito, para Freud, é de ser o para
O Outro. Conforme indicava J:A. Miller5,'X direção do tratamento" clesloca o fim da análise
freudiano. Ela procede pelo isolamento da identificação do sujeito ao significante fálico, para
além da significação imaginária. O obstáculo que constitui o complexo de castração, sob os
auspícios do Penisneid. na mulher, e da recusa da castração, no homem, se revela como um
efeito da posição de analista ocupada por Freud como pai. Se o Outro encarnado na transfe-
rência é um pai, ele assegura a consistência do Outro. O pai freudiano tenta nonnatizar o gozo
de cada um. Ele sabe o que cada um precisa fazer. Casar-se, amar, trabalhar são os seus
paradigmas. 'X força da identificaçãofálica do sujeito vem do fato que ela responde ao desejo
do Outron6.Quando esse Outro na análise tem a consistência do Nome-do-Pai,náo há nenhu-
ma razão para que a identificação fálica seja posta em questão.
Ora, iacan distingue o significante do desejo e o objeto do desejo. O significante do dese-
)o é o falo. O objeto do desejo se separa dele, ou mesmo se opõe a ele. O caso do homem da
rodada de bonneteau vem ilustrá-lo de maneira magistral. O sonho da mulher responde a
demanda de seu amante. Ela não crê na f~uidezde sua fantasia, ela a desloca por seu sonho e
a interpreta. Ver-se dotada, no sonho, de um órgão masculino, não a impede de desejar. Ela
está sujeita a falta-a-ser.O fato de d-lo lhe deixa um desejo. A demanda doPenisneid, aparen-
temente satisfeita (ter o falo), deixa, no entanto, espaço para uma insatisfação funclamental.A
insatisfação da demanda aparece aí como constitutiva do objeto do desejo. O objetou tem
uma relação com a insatisfação da demanda e também com a insatisfação da necessidade
enquanto articulada a demanda. A aniculação do desejo a demanda, isto é, com um significan-
te, tem como efeito fazer surgir um objeto que está ligado a insatisfação7.A noção de fantasma
apresentada aqui aponta o objeto do desejo (e o gozo) qualificado a pairir da demanda, do
significante. Ele é colocado em função no simbólico, no campo do Outro, e não mais somente
a partir do imaginário.
Todo o problema para Lacan será então anicular o desejo como falta-a-serdo sujeito, dese-
jo de nada, e o estatuto dos objetos concernidos. E o que o levará a considerar o objeto
aquém do desejo. Na sua elaboração ulterior, iacan dirá que não é somente a insatisfação da
demanda que está ern jogo, mas a insatisfação da pulsão. O objetoa como niais-de-gozo será
articulado a partir da "insatisfação da pulsão", a panir de uma falta-a-gozar
A direção do tratamento abre o registro do Outro (barrado) pelo desejo do Outro, formu-
lado por: "o que ele quer de mim?"de "Subversão do sujeito" e mostra a incompatibilidade,
para o sujeito, entre o desejo e a faia. A formalização, progressiva, da fantasia e do objeto a
nos anos 60, descobre para o sujeito neurótico a posiçiio de gozo que ele ocupa, para além da
identificação fálica a qual ele permanecia fixado com Freud. Trazer a luz a fantasia, segundo
Lacan, implica sua travessia e revela a disjunção do Outro e do gozo. Situando O lugar do
analista a panir do desejo do Outro, de umoutro que se revelará sempre mais inconsistente,
iacan desloca a saída do tratamento freudiana, feita em Nome-do-Pai,trazendo a luz as parti-
cularidades do gozo próprio a cada um.
Tradução: Elisa Alvarenga

Dezembro 2007 Opsão lacaniana no 50


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Opção Lacaniana no 50 Dezembro 2007


Introdução
Tanto a Escola quanto o Nome-do-Pai fazem parte de uma reflexão de Lacan que se man-
tém ao longo de seu ensino. Nesse percurso, eles se relacionam de maneiras diversas, sofrem
as conseqüências e são agentes nas mudanças de perspectiva de sua obra. Na experiéncia
clínica, entrecruzam-se com dois elementos sempre presentes: saber e desejo.
A clínica psicanalítica permite uma teoria da clínica que incide na estrutura da instituição,
assini como sobre a própria clínica.
Tratarei de articular, &cola, Nome-do-Pai,saber e desejo na clínica, privilegiando a entrada
e o final da análise.

A entrada em análise
O Sujeito Suposto Saber - SsS.

A instalação da transferência implica a experiência nova de um noiro amor: ainor ao saber


Esse amor tem suas raizes no amor e na crença outorgados ao Nome-do-Pai: o pai admirado,
todo sabei; nào castrado. O Nome-do-Pai sustenta o SsS, pivô da transferência, elemento de
veia na estrutura'. O sintoma, a princípio, não quer dizer nada. É pela introdução do SsS que
ele deixa de ser gozo puro de uma letra e se presta a interpretaçáo do inconsciente.
Dialeticamente, embaixo da barra do NP está o lugar do saber verdadeiro, grafado por
Lacan como S(A): significante do Outro barrado2. A relação entre ambos permite escrever
este matema da transferência no início da análise:

amor
desejo de]
saber
sL%
Xl',
S I horror
desejo d o analista

Trata-se de uma dialética do saber interno ao matema da transferência.


A transferência articula duai dimensões heterogêneas, tal como o são o saber e o amor. Essa

Dezembro 2007 122 Opçáo Lacaniana no 50


dupla face da transferência se revela também na forma como o sujeito consegue afastar-se do
saber verdadeiro e, ao mesmo tempo, fazer nele unia incursão, a fim de saber, apesar do horror.
A Escola, por suavez, aloja em seu coração o não-saber, o resto de real. Ali se inscreve o S(h).
Na entrada em análise, o saber se organiza a partir da crença no saber O sujeito suposto é
um Nome-do-Pai. Em nosso mundo atual, onde a função NP é pouco firme, o SsS não tem
uma inserção segura, dando lugar a patologias próprias. Sobre essas questóes, a Escola, seus
membros, trabalham como analistas, fora da análise, em uma clínica nãostandard A clinica
do século YXI, segundo
- Éric laurent3.
Hoje, as patologias do objeto são debatidas na teoria da clínica nas Escolai da AMP e nos
Institutos do Campo Freudiano. Como efeito da teoria da clinica, as Escolas também sofrem
mudanças. Pensamos em estruturas mais fluidas para que os psicanalistas membros da MfP
possam melhor estar presentes no mundo.

O desejo
Falar de transferência é falar de desejo de saber. o desejo do analisante que se instala,
como sujeito do inconsciente, no exato momento em que o enigma o interroga. É falar de
desejo do analista que tem em seu horizonte a diferença absoluta, que é sua causa.
O analista não responde do lugar do Nome-do-Pai, não se identifica com SsS, deixa-se cair
no lugar do produto do discurso, onde reinam suas opacidacles.
Sem a Escola, dificilmente se poderia sustentar uma direção do tratamento desse tipo. A
política do tratamento define o lugar e a posição do analista na entrada.

O final da análise
Na raiz dos diferentes grupos analíticos encontram-se sempre diferentes concepções do
final da análise.
iacan propõe o passe. O passe constitui a política &i Escola, que deve montar o dispositi-
vo e fazer teoria cla clínica dos finais verificados pelo passe.
Na direção do tratamento, a política também é o passe. O passe clíico tomou diversas for-
mas no ensino de iacan. Desde a travessia da fantasia a identificação com o sintoma. E não podia
ser de outro modo, pois a teoria da clínica produz mudanças na clínica e na teoria. "Ordenar um
real fora de sentido conduziu Iacan a uma nova fenomenologia (...). É um real em relação ao
qual a estrutura aparece não apenas como uma const~ção,mas como uma elu~ubração:~.
O passe, por não ser mais do que uni relato de um analista sobre sua aproximação do Real,
não deixa de ser uma elucubração de saber.
Podemos grafar essa relação da seguinte maneira:

Escola t
dispositivo / teoria da clínica
---,Poiítica + o passe
direyão do tratamento t passc clinico

Opção Lacaniana no 50 123 Dezeilibro 2007


No final da análise, há uma última reordenaçào nas posições subjetivas e na economia de
gozo do Sujeito.
Na perspectiva borromeana, essa reordenação se dá de fato. O nó perde sua consistência
e a solidez de suas hações, reordenando-se de outra fonna. Assim, o ser falante, sem deixar
de o ser, é outro. Em outra perspectiva, trata-se da identificação ao sinthoma. Depois do passe
clínico, se o analista desejar ser Analista da Escola, ele deverá implicar seu sintoma na Escola.
Ele o faz mediante a transferência de trabalho, colocando a Escola no mesmo lugar topológico
que, através do trabalho da transferência, foi ocupado por seu analista.
Em seu último ensino, quando Lacan passa do nó de três, em "RSI": para o quarto nó': ele
o relaciona com o sintoma e com o pai. Sua função radical é nomear, dar nome. Trata-se de um
ato6.Dar um significante a barradura do Outro: o passe.

A transferência

Na perspectiva da IPA, no final de analise se produz uma extinção da transferência. Na


orientação de Lacan, há uma mutagào de sua forma e de sua economia. Ela passa de saber
suposto para saber exposto.
De trabalho da transferência do analisante ela muda para transferência de trabalho do
analista, que anicula os Membros da Escola a uma mesma causa. J.-AMillerdiz que se trata da
"passagem de um estado de suposigáo para um estado de exposiçáo do saber"'
Na vertente do amor, a reordenaçáo da transferência no final da análise se resolve pelo
entusiasmo e pela identificação com o sinthoma. Na vertente do saber, ela se resolve por um
saber fazer com o impossível do resto de gozo. Por uin saber fazer uso sexual da fantasia e pela
revelaqáo de um novo saber sobre o ato, em ato.

A transferência de trabalho
A transferência de trabalho é herdeira da transferência suposição de saber. Inscreve-se,
como na análise, um por um. Diz Lacan: "O ensino da psicanálise náo pode ser transmitido de
um sujeito a outro, a não ser pelos caminhos de uma transferência de trabalho1*.
A transferência de trabalho se dirige ao não saber da Escola, o real da instituição analítica. Ali,
podemos escrever novamente S(A). Ela convoca ao trabalho clínico e epistêmico na Escola.

Desejo-saber do ato
No passe clínico, o sujeito do inconsciente chega a destituição subjetiva. Em seu lugar
advém o analista. Lacan o diz: "iremos supor o ato analítico a partir do momento seletivo no
qual o psicanalisante passa a psicanalista'*. O ato ilumina esse momento, pondo em evidência
um saber novo e um novo desejo.
Um saber fazer ato. No ato, mais do que nunca, "saber" e "fazer" não podem ser separados.
Saber-fazeré uma coisa só. O entusiasmo dá asas ao ato.

Dezembro 2007 124 Opção Lacaniana no 50


O analista, resultado do ato, se vê causado por dois desejos. Como analisante na Escola,
pelo desejo de saber náo de seu enigma pessoal, mas sim do real que há na fomaçáo de todo
analista. Nisso se articula a transferência de trabalho. Como analista, pelo desejo de orientar-
se no verdadeiramente real da experiência, desejo de estabelecer - a palavra "estabelece?
implica um ato-a diferença absoluta no discurso do qual é agente (SI, a).
Tato Iradurido por Vera Aveliar Ribeiro

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'Idem. "O ato psicmalitito". Ibidem.

Op@a Iacaniana no 50
Introduyáo: 'Em honra a Voltaire"
Poderia ser interessante e ilustrativo fazer um percurso prévio pela história do desenvol\ri-
mento da Estatistica, dado que a arte de contar e o emprego das cifras obtidas em proveito
dos impérios remontam a antiguidade. É garantido também que nesse percurso poderíamos
precisar o momento em que -a partir de sua junção com o cálculo probabilístico e o empirismo
-esta disciplina encontra a via para a sua sisteniatização. Caberia assinalar, inclusive, a impor-
tância que adquire quando, no século XVIII, se toma possível a sua aplicação a inumeráveis
campos a partir das contribuições de Quetelet e Cournot, até conseguir ocupar o lugar
preponderante que tem na atualidade. Contudo, o interesse e a urgência que nos movem e
apressam como psicanalistas afastam-nos, neste momento, da tentação enciclopédica, e nos
convidam a nos restringirmos - como diria Voltaire - "à marcha ordinária das coisas hunia-
nasx.Vamos, pois, ao cerne da questão que nos ocupa, que não é senáo a dasestatísticus - no
plural - e o espirito que anima seu emprego atual.

Amostragem
- "Em todo o mundo, os transtornos da saúde mental representam quatro das 10 causas
principais de incapacitação nas economias de mercado estabelecidas, como a dos Estados
Unidos, e são as seguintes: a depressão grave (também chamada de depressáo clínica), o
transtorno maníaco depressivo (também chamado transtorno bipolar), a esquizofrenia e o
transtorno obsessivo compulsivo."
- 'Aproxiniad;irnente 19,l milhões de estadunidenses adultos de 18 a 54 anos de idade,
quer dizer, 13,3 por cento dos indivíduos destas idades, padecem a cada ano de algum trans-
torno de ansiedade. Entre os diversos transtornos de ansiedade podemos citar o pânico! o
transtorno obsessivo compulsi\~o(TOC), o transtoino de stress pós-traumático, o transtorno
de ansiedade generalizada (GAD) e as fobias (fobia social, agorafohia e fobias específicas)".'
-"Criar um Sistema devigilância de Transtornos Mentais, que inclua perfis epltlemiológicos,
protocolos e forniatos que permitam estudos comparativos assim como uma análise cle cus-
tos; tanto do própiio atendimento - incluindo tratamento fannacológico e reabilitação psico-
social -como dos custos gerados pela incapacitação por doença mental.'*

Dezenibro 2007 126 Opção Iacaniana no 50


Análise qualitativa da amostra
As amostras selecionadas não sáo aleatórias: elas dão conta do estado da ciuilizaçào con-
temporânea, regida pelo mercado e pela economia global. São testemunhos também do
reducionismo que supóe rebaixar o sofrimento humano a uma cifra contável, pretensamente
"objetiva", e demasiadamente utilizável para fins estratégicos ou de planejamento das polí-
ticas de saúde dos Estados modernos e de suas respectivas agências. Nelas predomina a
preocupação com os fatores econômicos em jogo, sejam os que correspondem a perda tle
produtividade dos pacientes, sejam os que competem aos fundos destinados ao tratamento
de sua doença. Pelo contrário, elas náo levam em conta outros fatores de suma importância,
como, por exemplo, o sofrimento subjetivo que estes padecimentos comportam ou a con-
seqüente perda da qualidade de vida dos afetados.
Como bem indica Jacques-Alain Miller, o utilitarismo e a rentabilidade aparecem como as
figuras dominantes da racionalidade contemporânea3;e: como tais, animam o afã avaliador e
o cálculo estatístico que serveni de suporte a lógica capitalista. Unicamente a partir desta
Iógica, nossas amostras se tomam significativas e resultam paradigmáticas, inclusive úteis. De
outro modo, elas não trazem grande coisa a necessária compreensão das causas da pi-olifera-
ção atual de sintomas que suas cifras reportam.
Elas nos mostram, além disso, certa arbitrariedade, na medida em que privilegiam o contável
e o mensurável, em que só reconhecem como sofrimento aquilo que se encaixe perfeitamen-
te nos termos de seus questionários e protocolos, em que conduzem a conclusóes tendenci-
osas e submetidas aos interesses variáveis do mestre moderno.
Porém, o que é mais alarmante em nossas amostrai, nós náo o encontramos em seus enun-
ciados, m a em sua enunciacão. O que fala nelas é a voz teli-ível do supereu contemporâneo,
encarnado nos ideais profiláucos e higienistas que hoje em dia monopolizam o incei-essesocial.

O empuxo higienista e a obscenidade contemporânea


Hannah Arendt' assinalou o transtorno das esferas pública e privada, e sua conseqüente
dissolução no espaço social, como uma das conseqüências da vida moderna. Aquilo que habi-
tualmente pertencia a esfera pública, ou se dilui na categoria do social, ou entáo fica liberado
aos interesses particulares, a passo que muitas atividades tradicionalmente ligadas a esfera do
oikos - corno são a produção, a reprodução, a criança e o tratamento dos laços familiares -
passam a ser de interesse público e político, em detrimento da intimidade. Este transtorno
das mencionadas esferas náo só produz a perda - através da homogeneização socializante -
dos referentes simbólicos comuns, ;I cultura do diálogo e o exercício da singularidade, mas
traz consigo uma obscenidade, na medida em que o íntimo fica exposto ao olhar público.
Unia vez perdidos os referentes próprios de cada esfera: perdem-se também os elenientos
reguladores que lhe são inerentes? e isso torna necessária a iniplementação de um Outro
regulador, artificialmente constituído, que se sustent;i em uma Iógica alheia a das formas tra-
dicionais de laço social, mas subsidiária da sociedade de mercado.

0pç" lacaniana no 50 127 Dezembro 2007


O empuxo higienista próprio dos Estados contemporâneos seria uma das fomas desta
nova estrutura de poder que exerce um controle sobre a privacidade em todos os seus aspec-
tos: o nascimento, a doença, a sexualidade, o sofrimento, a morte. Este controle, camuflado
muitas vezes sob o afã humanitário ou o desejo tle bem-estar social, inclusive sob a bandeira
dos "diretos humanos", encobre, todavia, o afã de fazer entrar o privado na via do mercado,
para produzir dinheiro, e/ou na via política, para fins de vigilâricia.

Estatísticas e psicanálise
No informe apresentado nahsembléia Geral da A.M.P de 1994', Éric Laurent caracterizava
a cultura contemporânea por unia "[.. . ] chamada à ordem mundial que futaria a distribuição
do sujeito da ciência nos espaços regidos pelo mercado i...]", pondo em destaque a figura da
Saúde Pública como a da "mão visível que duplica a mão invisii~eldo mercado". A partir desta
figura, nos diz: "O lugar da psicanálise, tomada em suavenente terapêutica, é assim interroga-
do de uma forma nova.. .''6.
Esta realidade situa a psicanálise ein uma encmzilhada distinta daquela em que se
encontrava quando Freud teve que responder por ela diante da comunidade cientifica e da
sociedade de seu tempo. O assédio atual sob o qual se encontra a psicanálise obedece a razões
outras que não a exigência cientifica ou o escrúpulo social. Como efeito da subordinação atual
da ciência aos interesses do mercado, a .perspectiva
. tecnológica substitui a epistemologia, e o
critério utilicirista se sobrepõe a racionalidade científica. A isto se somani a intromissão da
epidemiologia, com seu fundamento estatístico no campo da medicina, e a inclusão da clínica
psiquiátrica na nova categoria de saúde mental - de claro talhe psicologista -, tudo isso provo-
cando uma série de deformações as quais con\rém analisaii A niais significativa delas é relativa
ao estatuto do sintoma e seu tratamento. Os manuais do DSM evidenciam uma clara tendên-
cia nominalista que trata o sintoma pelavia de nomeá-lo eestanda~dizá-10,ao mesmo tempo
em que lhe designa um objeto de consumo, por meio do qual se produz a medicalização do
sofrinlento. Conseqüentemente, pratica-se uma clinica baseada na fannacopéia, porém divor-
ciada da coisa. Subsidiariamente, todo "a\~ançonno "campo psi" é determinado em função de
"result:idosn~o que confunde o critério de eficiência com o de eficácia. Cabe assinalar. além
disso, que a eficiência é um critério de administração, enquanto a eficácia só é aplicável ao
exercicio de uma prática. A critica que atualmente é feita a psicanálise provém, indiscutivel-
mente, da indistinção e da descontextualização de ambos os critérios. Cenamente, a eficiên-
cia pode ser quantificável, mas não a eficácia, que só pode ser demonstrada no caso a caso.
Para nós: a colocação à prova da dimensão terapêutica da psicanálise só pode ter lugar no
terreno de sua eficácia: é eficaz uma clínica que, levando em conta a realidade subjetiva e a
particularidade do sujeito, atende a dinâmica do sintoma e opera sobre o real do gozo.
Por outro lado, o afã regulador que busca a tradução, em nosso campo, de toda prática
clínica nos termos mercantis da rentabilidade e da eficiência, encobre novas fonnas virulentas
de segregação. Aquilo que aninia a demanda pragmática de avaliação de resultados e a exigên-
cia de um credenciamento conveniente ao suposto exercício da profissão não é, nem de lon-

Dezembro 2007 128 Opçáo Iacaniana no 50


ge, a pretendida salvaguarda do interesse público, mas o insuportável de um real que a ciência
não consegue recobrir e que permanece reftatário i lógica do mercado. Efetivamente, o que
se pretende segregar não são as supostas "práticas obscurantistas", que resistem à avaliação.
Trata-se:em última instáncia, de uma segregação que recai sobre a opacidade do gozo aderido
a face "luminosa" dos corpos expostos ao olhar intmsivo do interesse sanitário.

Conclusáo: 'EmNome-do-Pai"
Diagnosticar. curar, aualiar, erradicar, vigiar, garantir ... Eis a série dos ideais em jogo, eis a
série dos artifícios com os quais se pretende regular o irregulável. Isto é precisamente o que a
psicanálise desmascara,fazendo ver que . . por detrás do ideal higienista
. se esconde um impos-
sivel de estrutura: o real em jogo, o gozo, o impossível de designar; aquilo que de cada sujeito
permanece como resto da operação simbólica que o constituiu, e que não faz l a ~ oO. Nome-
do-Pai é o que enlaça um sujeito ao simbólico, constituindo por sua vez seu modo panicular
de se virar com o gozo. Nesse sentido, o Nome-dc+Pai é também um artifício, porém um
artifício disposto para poder fazer algo com o resto. O mercado pretende, ao contrádo, obtu-
rar este real pela via de proporcionar diferentes objetos de consumo, constituindo uma falsa
solução, na medida em que os sujeitos ficam coagulados a uma modalidade de gozo, porém
sem a possibilidade de encontrar a dimensáo da responsabilidade subjetiva que Ihes permita
assumir o mesmo. Na esfera simbólica em que a alceridade tem lugar e, portanto, na qual se
pode inscrever a singularidade, encontra-se a boa diferen~;~. Alas esta esfera fica eclipsada
pelo mercado e o que retoma como efeito é a Fragmentação dos sujeitos e a segregação tlm-
lenta de tudo aquilo que resiste a se encaixar no modelo, nostandard, em suma, o que per-
manece heterogêneo e é considerado dismpção. Isto porque o ideal higienista está ai para
desconhecer que exista um resto. Não obstante, isso está aí para desmentir a cada passo as
bondades do progresso e as distintas versóes da hapiness. Como diria Heidegger, "é o sinal de
que os deuses F~giram"~. É daí que não rerrocedemos. Pelo contráriol fazemos desse real a
bússola que nos orienta.
Tato traduzido por Elisa Monteiro

.'Estatisticas
. fornecida, oeloNaciomllnsiilule ofMenlalHeallh -NBIH. US.A
,:.ernod<. Ilni hlii.i.itr >da li,~..arn,~v~,i,rpiri
$&>li L ~ n r ; i o ~ i < n ~ d l ~ , o >Lnii.
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'rand. r1:iniilh (19jj 1.0 mnJi.:in hum?,s hrrcelrn, R.POO; 4 \ I c ~ c eI'a~!m
'a.r:ni fiic :B%)Eii-j * x r d I\imn~.,i! InLrapirD>io i r ?o l i o i i Je 199:
'Laurent, Éric. Op cil: p. 35.
'Ileidegeer, Marlin. "iPara qilé ser poeta?. Em: &zdasPerdidiis. Buenos Aircs, Losadc 1960.

0pc;ão Lacaniana no 50
Esse .ser nomeado para>,- no qual, hoje em dia, o sujeito se confunde coni uma especiali-
zação, se torna seu servidor - é indicado, traçado, projetado unicamente pela mãe. Onde se
pede ao sujeito que se reduza ao lugar que lhe é atribuído em uma ordem do mundo sem
transcendência, o .ser nomeado para. vem antes do que conceme ao Nome-do-Pai. Em lugar
do meio-dizer,da [(falhano discur~o))'~, o â e r nomeado para>vem fazer signo, como o indica
Lacan, de uma ordem de ferroI6.
Então, o que vem habitar o buraco do real poderá se encontrar em uma comunidade cle
valores~que faça laço, como propóe Régis Debray", e que viria ocupar o lugar do religioso
propriamente dito? Esse ~invarianteda aptidão simbólica* pode constituir-se no ponto de
ancoragem ético que autorizaria uma nova forma do Nome-do-Pai?
É preciso, antes, apostar naquilo que confirma esse real como buraco.. e que . reside na
própria nomeação que o simbólico efetua. Dessa formal pode-se prescindir do Nome-do-Pai
como real, com a condição de seivir-se dele como semblante, como um simbólico que se faz
passar por real. O que pode entáo .garantir. a função deste ponto de irredutível, senão o que
se mostra igualmente irredutivel, a saber, o sintoma, ele próprio efeito do simbólico no cam-
po do real? É por isso que o sintoma é o que pode esclarecer uma ética orientada a partir do
real. Assim, escamoteando-o ou tentando <limá-lo)>, como é o caso atualmente em uma utopia
de tipo uniformizante, aniquilam-se as condições de toda ação moral, se é verdade que nin-
guém pode se considerar quites em relação à crença no sintoma que habita em cada um. No
entanto, para uma ética, nisso reside a única chance de ser tanto de elucidação quanto de ato.
Texto tradu~idopor Romildo do Rêgo Barros

Ilacan,]. (1985 11959-601) O SnnIário. Iiuro 7: a élica dapriçandiise. Rio delaneim: Jorge Zahar p. 373.
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Opção Lacaniana no 50
O termo extimidade' foi introduzido por Lacan na lição de 1010211960 doSeminário, livro
7: a ética dapsicanálise2, quando diz: ". .. este lugar central, esta exterioridade íntima, esta
extimidade, que é a Coisa". B i termo poucas vezes retoma, quer em sua forma substantiva,
quer em sua forma adjetiva - &timo -: na série dos seminários. O escasso número de sua
ocorrência, todavia, não deve acarretar engano. De fato, a extimidade deve ser posta em rela-
çáo com duas propriedades topológicas especificas e muito relevantes n6 uso lacaniano da
topologia, a saber, a bidimensionalickide e a unilateralidade. A primeira se refere ao fato de
que para o sujeito - e , portanto, para o discurso - não é necessária uma tridimensionalidadS;
a segunda é uma característica estmrural de três das quatro superfícies nsféricas utilizadas
por Lacan para a construção da sua topologia: a banda de Mcebius, a garrafa de Klein e o plano
projetivo. Aquarta superfície asfénca, o toro, se diferencia das outras porque não é unilateral,
mas sim aquela que, comoveremos, apresenta, de maneira mais inruitiva, a colocação topológica
da extimidade.
Enfatizemos de saída que a dimensão èxrirna foi evidenciada e nomeada por Lacan, mas já
estava presente em Freud: cle fato, podemos apreender essa problemática em suas obras?
além da sua descoberta. Limiteme aevocar apenas dois textos freudianos nos quais aextirnidade
está mais imediatamente implicada: "O significado antitético das palawas primitivas" (Über den
Gegensinn der Urworte, 1910) e "O estranho" (Das Unheimliche, 1919).
A função estrutural da extimidade foi desenvolvida e exposta por Jacques-Alain Miller
precisamente em seu Seminário de 1985.86 - htimité4, depois retomada de modo muito
conciso, mas igualmente claro e articulado, em uma contribuição intituladahtimité, publicada
no volume Lacanian theotli of discourse5.
O ponto newálgico do desenvolvimento de J.-A. Miller concerne a relação entre Real e
Simbólico e, em particular, a presenqa do Real no Simbólico, uma vez que, como ele escreve,
"extimidade é um termo usado por Lacan para indicar de um modo problemático o Real no
Simbólico'". Em seu texto, isso se articula em vários pontos nos quais se apresenta a relação
d e extimidade entre R e S, a e A! A e $, i(a)e a, a e p, A e -v.
A composição formal do termo extimidade provém da fusão entre externo e intimidade
Nesse sentido, devemos manter presente o fato de que o adjetivo "inrimo'; relativo a intimi-
dade, é o superlativo de "interno".
Êxtimo indica, então, um externo que é ao mesmo tempo o "mais interno': Contudo,
quanto a externo e intimo, o èxtimo lacaniano não indica uma fusão das duas dimensões, mas,
Opção Lacaniana no 50 133 Dezembro 2007
antes, uma dimensáo nova, terceira em relação às duas indicadas pelos atljetivos originais.
Para apreender a autonomia de "êxtimo" em relação a "externo" e a "íntimo", é muito útil,
senão indispensável, referi~seà topologia da esfera e das superfícies agéricas.
Do ponto de vista topológico, a esfera se caracteriza como uma superfície fechada que
divide o espaço em duas panes: uma interna e uma externa cujo ponto central - e também
seu ponto de origem -está no próprio interno.
O toro é topologicamente idêntico à esfera, uma vez que concerne a separaçáo entre espaço
interno c espaço externo. Mas, diferencia-se dela estruturalmente porque tem seu ponto
central - aquele através do qual passa seu eixo de origem -no espaço externo. Este ponto,
embora externo, difere estruturalmente de todos os outros pontos externos ao toro, uma vez
que, sendo seu ponto de origem, torna possivel a própria existência do toro. Do ponto de
vista topológico, localizamos nessa característica o que, para o toro, se pode chamar de
extirnidade de seu ponto central: trata-se,de fato, de um ponto externo em relaçáo à superfície,
mas que está implicado nela.
Essa implicação é intensa em sua acepção mais rigorosa, já que se trata de implicação
lógica e, portanto, do tipo: "se p, entáo q". A referência a essa implicaçio fundamenta e exprime
a asfer-icidade do toro.
Na sua construção da topologia como topologia do sujeito - introduzida formalmente na
lição de 07/03/1962 do seminário 'A identificaçãoni iacan utiliza quatro superfícies para as
-!

quais encontra um ponto comum na possibilidade de serem elas geradas a partir de um furo
sobre uma esfera. Trat:i-se, em particular, das superfícies já citadas: a banda de Mcebius, a
garrafa tle Klein e o plano projetivo (impropriamente chamado, por vezes, crosscap), além
do toro. Com relação a essa niodalidade de origem, é útil ler "O aturclito" (1972)', texto no
qual iacan dedica amplo espaço precisamente a agera.
A figura a seguir apresenta a via privilegiada por Lacan para criar as quatro supeificies
supracitadas. Dada uma esfera, coloca-se sobre ela um furo que, para facilidade puramente
gráfica e representativa, admitiremos quadrado, o qual se reporta a cada um dos quadrados
sob a esfera. Se, em cada quadrado, unimos entre si os lados contrapostos com a ponta da
flecha, respeitando a direção assinalada pelas flechas, obteremos as quatro superfícies indica-
das, respectivamente, sob cada um dos quadrados.

Dezembro 2007 134 Opçáo Lacaniana na 50


No que concerne a origem dessas quatro superfícies, evidenciam-se dois momentos
essenciais: no primeiro, a esfera é tornada asfaca através do furo colocado nela; depois, traba-
lha-se na borda do Furo para produzir as quatro superfícies asjéricas da topologia do sujeito.

Banda de Moebius Toro


Garrafa de Klein Plano projetivo ou Cross-cap

O furo tem uma função essencial na topologia lacaniana e é o elemento que permite apre-
ender a peculiaridade estrutural da extimidade. De fato, ele é o que se contrapõe à superfície,
indicando o lugar do objeto a, ou seja, o de uma falta estrutural. Somente a partir de tal falta
é possível construir a superfície. Isso equivale a dizer que não há articulação significance sem
o objeto a ou que não há posição do sujeito sem falta e, portanto, sem desejo.
Neste ponto, poden~oscompreender como, na topologia lacaniana, as supeifícies
topológicas não são importantes por si, mas, antes, pelo modo como representam a organização
do significante em tomo do furo, organização da qual depende, por sua vez, a posi~ãorecí-
proca do sujeito, do Outro, do objeto e do gozo. Na consuução de uma figura topológica o
p"num lógico nunca é a superfície, tampouco a borda, mas o vazio em tomo do qual, traba-
Ihanclo sobre a borda, se organiza e se constrói a própria figura. Para a topologia psicanalítica
essa intuição é, junto aquelas relativas a função da operação de corte em cada uma das quatro
superficies topológicas e ao número de voltas necessárias para o corte (um ou dois), fundadora.
O furo é o lugar do objeto, mas tanibém da ação do R sobre o S, uma vez que o R fura o S. Disso
decorre a Função da série de extimidade, tal como pensei representá-la graficamente na rede
abaixo, onde cada veror entre os quatro vértices do retângulo indica uma relação de extimidade:

Opção Lacaniana no 50
O FALO E OS NOMES-DO-PAI
Existem, na teoria psicanalítica, distintos modos de conceber o falo. Assim, iacan constituiu
no começo de seu ensino o "significante do desejo", sendo toda a dialetica edípica concebida
como a alternativa entre ser ou não ser, ter ou não ter o falo. Em outros momentos, definiu-o
como um significado, uma significação,e inclusive como um objeto. Nesta breve comunicação:
não poderemos nos referir a rodas as maneiras com que foi considerado, e nos limitaremos
a indicar a mudança do conceito de falo correlativa a transforrna@o da concepçáo da função patema.
Esta transformação é paralela a da relação entre os três registros "inventados" por Lacan,
desde a primazia atribuída originalmente a ordem simbólica, até a concepçáo dos nós, na qual
nenhum dos diferentes registros possui privilégio sobre os outros'.
Em 1957.58, no Seminário 52,e depois no escrito que lhe é quase contemporâneo "De
uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose'", iacan introduz o conceito de
metáfora patema. Construido a partir da teoria lingüística de Jakobson, trouxe à psicanálise
sua concepçáo da metáfora. A idéia dominante nesse conceito é que a função patema consiste
em metaforizar o desejo da mãe, sendo o próprio desejo do pai uma metáfora de sua presença
Toda a operação é, pois, significante e dela depende a condição da estnitura neurótica. O
efeito da mesma é uma significação fáiica à qual iacan outorga numerosas conseqüências.
Destacaremos a que permite ao sujeito "identificar-se com o tipo ideal de seu sexo", assim
também como "responder as necessidades de seu parceiro na relação sexual, e inclusive
acolher com justeza as da criança que é procriada nelas.'*
Com estes instrumentos poderosos Lacan pôde ordenar a clínica, nossa clínica, ao mesmo
tempo em que realizava a critica sistemática dos desvios na direção do tratamento dos
pós-freudianos. Em particular, sublinhou o esquecimento desses autores da centralidade da
castração - a que concebiam só, ou quase exclusivamente, de maneira imaginária - em favor
de um privilégio do corpo da mãe.
No mesmo parágrafo, onde Lacan introduz pela primeira vez a expressão Nome-do-Pai,
sublinha que distinguir o pai simbólico, o pai imaginário e o pai real implica conseqüências
importantes na direção do tratamento. .4crescenta: "temos tido frequentemente a oponuni-
dade, nas supenisões ou nos casos comunicados: de destacar as confusões nocivas que en-
gendra seu de~conhecimento'~.
Nesta perspectiva clínica, extraordinariamente fecunda: a clínica diferencial do sintoma
entre neurose e psicose aparece, por um lado, com uma distinção precisa: no primeiro caso a
metáfora paterna é operante e: de forma correlativa: o efeito de sua operação é a significação

Dezembro 2007 136 Opcáo Lacaniana no 50


se durante considerou-se que a significação fálica era um efeito solidário da função patema;
levar em conta os recursos utilizados para conseguir, apesar dos defeitos da estruturação
subjetiva, a estabilização durável, os fez pensar que era possível a disjunção, ou talvez mais de
uma disjunção, certa margem entre o destino do Nome-do-Pai, por um lado, e da significação
fálica, por outro.
Em um seminário de Jacques-Alain Miller'2,de 1987188, dedicado a clínica diferencial das
psicoses, o estudo d o "Homem dos lobos" teve um lugar central. Na busca de referências
teóricas que permitiram fazer justiça à complexidade do caso; surgiu a interrogação: poder-
se-ia considerar que Nome-do-Pai e significação fálica são dissociá\~eis?Não se tratava de ques-
tionar a solidariedade estmtural dos termos, mas de introduzir a idéia de que pode haver um
efeito diferencial, uma distancia entre ambos
Na releitura precisa, durante esse Sernit7ári0, de um parágrafo da página 571 dos Escritos,
referente a causa estrutural de um fenômeno da psicose relatado por Schreber - o assassinato de
almas -, lacan parece referir-se a possibilidade de que a causa desse fenômeno se encontre na
"resolução da hiância simbólica", em um efeito de segundo grau, quer dizel: onde a elisão do falo
provocana como resolução uma regressão ao estádio do espelho. A fomação de um abismo ima-
ginário (o assassinato de almas como "uma desordem provoada na juntura mais íntima do senti-
mento da vida") é um efeito simples, no imaginário, do chamado \:ão feito no simbólico, da metá-
fora patema, ou é um efeito de segundo grau?Primeiro;havia a elisão do falo e, em um momento
logicamente posterior. sua resolução mediante a hiância modera do estádio do espelho.
Mais recentemente, na Conversaçao de Arc~chon'~, mtou-se de ajustar nossa clínica a par-
tir dos últimos desenvolvimentos de iacan, referidos aos nós. A oposição estruturalista - há ou
não foraclusão do Nome-do-Pai?- contrapôs-se uma modalidade continuísta, gradual, que a
clínica dos nós permite, para afinar mais nossos diagnósticos no interior da categoria da psicose.
Esta clínica estabelece diferença? cujo fundamento se encontra nas distinta5 maneiras
pelas quais se enodam os três registros. Um exemplo do tipo de trabalho que é possível com
estes instrumentos proporciona o próprio Lacan em seu estudo sobre Joyce. Ao analisar o
valor do "fazer-se um nome" por parte d o autor de tilisses, Lacan considerou que seu ego lhe
permitiu tornar a juntar, corrigir a falha do nó, no mesmo lugar em que se havia produzido.
Assim, o efeito de desprendiniento da relação ao próprio corpo que parte a deriva, esse deixar
cair que iacan nos convida a reconhecer como o deslizamento do imaginário que não se
sustenta pelo defeito do nó, é reparado mediante o ego que funciona como sinthoma. I.acan
funda esse ego sobre uma "idéia". O que indica que esra fomação encontra uma sustentação
privilegiada não na imagem especular, como ocorre na neurose: mas em um sentido produzi-
do na articulação do imaginário e do simbólico.
"Pensei - disse Lacan - que por querer dar-se um nome; Joyce conseguiu a compensação da
carência paterna"".
Desse modo: essa nova perspectiva clínica toma possível que se produza uma estabiliza-
ção duradoura, não só através da pluralização dos Nomes do Pai, mas pela correção das diver-
sas falhas ou lapsos d o nó no lugar em que foram produzidos, incluída a da significação fálica.
Texto traduzido por Mônica Bueno de Camargo

Dezembro 2007 138 Opção Lacaniana no 50


'Laca, J. [1974-751. 'R.S.Y. Seminário inédilo. Em RSI. Laca sededica a homogeneimos ir& registra. a buscar acomum medida. Op&seassim aque
seconsidereaconsisiiociaimaginaiia como de menoivaior que as outras duas. Por qileoEria?: pequull-se. Responde categórico: é o quesedevecorrigir.
'Lacrn. J. (1999[19ji~58].Osetnim'rio, livro 5:osJum~õesdo inmcienle. Rio deJmeiro: Jorge Zahar
'Laun, J. (196611998). "De iimaquestio preliminar a iodo tratamento
possível da psicose''. inFsuiIos. Rio ie janeiro: Jorge Zahu.
'Idem. I significigáo do falo". i b i d m .
'Idem. citado por].-A. Miller (1992) no Comnlflrio delSeminurio
Inerislnile. Buenoi Aiia: Edicioner Mmantial S.R.L..
61acan,J. I.acan,J. [1974-75l.Op.c~.
'I.acan. 1. (200711975~761).Osminário. -
iii!m23:osinlbom~. Riode laoeiro:.lorue Zahar
ablillei, J-A. ( I W ) Prefácio deJ o p n ~ w Inran. W:Naixln 6diteur
'lacan. 1. 11974-751. . "RSI'. Aulade I 8 de levwirode 1975.
"Miller,J.-A. (1992). Comentario d d h i t i a r i o inexisrorie. Bueum Airm: Ediciones Manmlid S.R.L..
"ld, ibid.
'!Miller,J.-A. (1991[1987-881).Smimrioder~i11icldrfdmciflldeInspsirosis. Buenos Aira: edición mtellanadaSociedad RicoanditicaSiniposio de1
campo ireudiano.
"Idem. (199i). Casosrams: Os indassI;cBtms do ciiniro. C o n w s q Z o ddeArclc6otz. Paris: iigaima~%uil.
"Lacan, J (2001 13975~761).opcil.

Opqáo Lacaniana no 50 Dezembro 2007


Os estudos de história e antropologia da família têm mostrado, há algum tempo, que sua
estrutura não pode ser definida como uma unidade natural baseada na finalidade da reprodu-
ção. A família humana é uma instituição com mudanças ao longo da história, é uma estrutura
de relações simbólicas que nem sempre se sobrepõem nem coincidem com as da família
biológica. E quando o fazem, estas relações que regem o parentesco e a descendência modi-
ficam de forma tão radical a suposta unidade natural da família que podemos muito bem dizer
que a estrutura simbólica desnaturalizou-a completamente. Não há: de fato, nada natural na
família. A semelhança que se obsen~avaentre seus membros habituais no Ocidente - o pai, a
mãe e os filhos - com a família biológica é, como bem sinalizou Jacques Lacan (1938, p. 17),
uma semelhança absolutamente contingente que o pensamento se vê tentado a considerar
como uma comunidade de estrutura baseada diretamente na constância dos instintos.
O grupo familiar totêmico - o totemismo foi precisamente uma das formas que Freud
estudou para elaborar sua teoria do Édipo - nada tem a ver com a suposta unidade familiar
natural. O ato da adoção, sob as diferentes formas que pode tomar nas distintas sociedades,
mostra também como uma estrutura simbólica de relaçóes não fundadas na natureza demonstra
a condição profundamente desnaturalizada das estmturas familiares. A aparição atual das
novas formas de familia, cada vez mais diversas, desde as definidas como "famílias
monopaternais" (nas quais um só pai ou mãe convi\~ecom os filhos), até as "homopatemais"
(nas quais o casal é do mesmo sexo biológico), não fazem senão confirmar este fato: a familia
é uma estrutura simbólica que, embora possa apoiar-se nos vínculos biológicos, se distingue
deles para impor suas próprias leis.
Assinalemos, por outro lado, a necessidade de distinguir a instituição familiar da instituição
do casamento para entender estas leis. A existência de várias culturas de casamentos poligamos
nos indica esta diferença e nos mostra que a familia e seus vínculos não podem ser explicados
pelo vínculo do casamento. O casamento é; de fato, uma tentativa de dar forma simbólica a uma
relação entre os sexos que nunca é ób\la e que, vista a partir de uma análise histórica e antropo-
lógica, dificulta ainda mais a estabilidade e a permanência dos vínculos familiares.
Dito isso, é preciso distinguir as funções simbólicas do complexo de Édipo das funções
familiares designadas nas estmturas de parentesco. Isto quer dizer que a hinçáo simbólica do
pai, tal como Freudasitua no complexo de Édipo, pode ser sustentada por alguém distinto do
pai da família em questão, assim como a figura que encama o desejo da mãe pode ser susten-
tada por alguém diferente da mãe biológica ou daquela designada pelo parentesco.

Dezembro 2007 140 Opçáo Lacaniana no 50


Convém, então, distinguir claramente a função do genitor e a função simbólica do pai. De
fato, foi o direito romano que distinguiu, de maneira clara, a figura do "genitor" e a figura do
'pater'i A parernidade era entendida como um ato voluntário e não como uma atribuiçáo
natural, enquanto o dever do genitor era puramente material, o de dar alimentos, sem outra
responsabilidade sobre os filhos. Introduz-se, então, uma questão que será fundamental em
relação à função do pai: não há atribuiçáo automática da função às pessoas, mas é preciso um
ato de vontade, um consentimento do sujeito, para que esta função se sustente e se transmita
como tal. O genitor nunca é pai automaticamente, é preciso uma atribuição simbólica que
deve acontecer tanto do lado do pai como do lado do sujeito, para que a função do pai se
sustente no genitor. Por outro lado, devemos assinalar que é graças a essa atribuiGo sinibólica
que ao pai podemos supor o genitor. Não devem«s subestimai; nesse ponto, a função funda-
mental que teve a Igreja no Ocidente, ao f m r a forma canônica do pai na figura do genitor,
fixação que acompanhara a confusão imposta entre sexualidade e procriação no casamento.
Por outro lado, observa-secom freqüência, que sempre há certeza sobre a mãe, mas nunca
sobre o pai. @atersemper incertus est., enquanto a mãe é artíssima., dizia o adágio romano
citado por Freud. No entanto, assinalemos que atualmente - com a incidência cadavez maior
de técnicas de reprodução assistida ou das formas chamadas de "mães de aluguel- a separação
entre a função biológica materna e a atribuição simbólica de sua função tende também a
generalizar-se. Cada vez mais a mãe é incem.
Assim, será mais claro dizer finalmente que tanto a função da mãe como a função do pai
devem ser "adotadas", em rodos os sentidos do termo, por cada um dos sujeitos em jogo. E é
nas formas desta adoção simbólica, ou também em sua impossibilidade, que encontraremos
as coordenadas que determinam o lugar e a significação dos sintomas do sujeito.
A falta de um signficante da feminilidade,para além da iclentifiqio com o falo iriiaginárioou
com a figura da maternidade, foi sem dúvida o limite da análise que Reud pode inaugurar com o
complexo de Édipo, e propõe a necessidade lógica de estudar a diferença das posições sexuadas,
para além do Édipo e de suas significações.Este além do Édipo irá supor para Lacan uma critica da
"ideologia edípica" @can 1967, p. 21) que a própria psicanálise havia promovido. Uma critica
também do lugar que a figura imaginária do pai mantinha para os próprios analistas pós-freudia-
nos, muitos dos quais - na nostalgia do pai - haviam feito do analista e do final de anil'.i\e unia
espécie de pai ideal; uma tentativa, sempre hacassada, de voltar ao seu estrelato perdido.
Assim, em 1967, Iacan dará duas referências muito precisas, a panir desta perspectiva,
nada contraditórias enrre si, para iniciar esta crítica:
1."Esclareci minhas intenções simplesmente com o seguinte: retirem o Édipo e a psicaná-
lise em extensão, direi, e volta inteiramente a jurisdição do delírio do presidente Schreber". O
caso da psicose paranóica de D. P Schreber foi, de fato, o que indicou a Freud os efeitos
psicotizantes da Verwefung (Foraclusão) da função simbólica do pai no sujeito.
2. "Observemos o lugar que ocupa a ideologia edipica para dispensa. de algum modo, a
sociologia de tomar partido, já faz um século, como deveria tê-lo feito antes, sobre o valor da
família, da famíiia existente, da faniília pequena burguesa na civilização, isto é, na sociedade
veiculada pela ciência. Beneficia-nos ou não encobri-la sem sabê-lo neste ponto?.

Opçâo Lacaniana no 50 141 Dezembro 2007


Nenhuma possibilidade, portanto, para a psicanálise fazer a defesa de uma família que se
mostra devedora do ideal pequeno burguês e que aumenta seus efeitos devastadores na
medida eni que se aferra cada vez mais a nostalgia do pai morto, nostalgia sempre religiosa.
Em vez de encobrir a ideologia edípica, a psicanálise lacaniana se propõe a analisá-la como um
efeito de sentido, não o menos patológico, do sujeito da modemidade e de seu mal-estar,
O problema da relação estmtural da família com os Nomes do Pai será, então, como ir
além desse pai edípico sem apagá-lo do mapa, como - segundo dirá Jacques Lacan anos de-
pois, na formula que nos convoca neste Congresso - "prescindir do pai, para servir-se dele".
Texto traduzido por lordan Curgel e re~isadopor Elisa Monteiro

Opçáo Lacaniana no 50
A psicanálise nasce no fim do século XM: que vé as primeiras manifestações públicas do
feminismo se perfilar em uma Inglaterra ainda vitoriana. Mas é outra manifestação do femini-
no, a neurose histérica, que lhe abre a via real do inconsciente. No século XX, lacan muda o
rumo freudiano, batendo sobre o impasse da inveja do pênis e elabora as fórmulas da sesuação:
Ainda ... o feminino. <<Amulher não existe.. Conseqüência: exit - "o continente negro': da
psicanálise. Isso não foi sem mido para o feminismo. Eram os anos 70. Hoje, em 2005, em que
ponto estamos com rela~ãoa isso?

Alguns pontos de referência


Após a segunda guerra mundial e o voto das mulheres, adquirido em numerosos países
ocidentais, o feminismo, sem cessar de ser um movimento de reivindicaçòes sociais e políticas,
se desenvolveu em outros campos: do corpo, da escritura, dos saberes. As reivindicações no
domínio da família e da sexualidade desembocaram nas lutas pelo planejamento familiar, pela
contracepção. pelo aboito, por uma i-edeiiriiçiodos direitos tio casaiiiento?pela rransmissão
do nome etc. O feminismo contribuiu para politizar o corpo. As universidades criaram centros
de estudos femininos ou de 'estudos de gênero'.
Vê-se nas diferentes disciplinas universitárias: arte, história, literatura e antropologia
essencialmente, aparecerem pesquisas centradas sobre as mulheres como uma categoria.
Nos anos 70, essas novas categorias (as mulheres, as 'jovens') cobiçam concorrer as
noções de classe social e de categorias sócio-profissionais no contexto das lutas políticas e
ideológicas da época. Se em certos países, e particularmente na França, cerras tendências do
feminismose inspiraram na psicanálise a sua maneira (gmpo Psy e Po), noconjunto a psicaná-
lise freudiana ficou a parte desse movimento. Ela havia transformado a doutrina freudiana em
uma corrente profundaniente conservadora quanto i família e a sexualidade feminina. Aliás,
Freud resta: até hoje, com essa conotação nos EUA e Canadá.
A redução do falo ao pênis, até mesmo o termo falo, só, perniite ainda ver na psicanálise
uma doutrina machista.
Nos últimos anos do século XX,o feminismo como movimento político e corrente de
pensamento recuou. O que se passou? De um lado, apareceu claramente que as mulheres náo
constituíam no real uma categoria consistente: o estudo do voto feminino é uma demonstração
disso. Certas mulheres são homens. Mas, em outros campos além do político, o mesmo efeito

Opção lacaniana n" 50 143 Dezembro 2007


foi patente. De outro lado, o que Lacan havia antecipado, a ascensão de uma lógica mais e
mais segregacionista do laço social e o avanço dos integralismos mudou a distribuiçáo das
cartas. O movimento feminista se confundiu coni os diferentes movimentos das minorias
sexuais e o desenvolviniento religioso nas numerosas minorias colocou em dia o lugar tradi-
cional das mulheres.
Essas duas correntes muito diferentesconcorreram,entretanto,para um mesmo efeito:a ori-
entação reivindicativa feminina para uma igualdade com uma pretensão universaiiivel caiu, em
proveito de uma assunção da diferençaconcebida como natural. O feniinismo como reivindia-
ção fálica, resposta a posição das mulheres como objeto de troca na ordem simbólica tal como
Claude Gvi-Strausso destacou, posição à qual Iacan se refere na primeira parte de seu ensino, se
cala e dá lugar a uma afir mação do 'entre si'. Entramos nós em uni período reacionário?

Iluminação lacaniana
Pode-se hoje afirmar que a luz aportatla por Lacan a questáo clo feminino e do
feniinismo, sua evolução e sua niutação per mirem responder a esta questão.

Lacan feminista
Muitos pontos desenvolvidos por lacan o separam definitiuamente cla perspectiva pós-
freudiana tradicionalista sobre a questão feminina. O primeiro é adquirido no curso dos
primeiros seminários e culmina nos Escritos desde o fim dos anos j0. É a diferençaintroduzida
entre o pênis e o falo, seja concebido como significação,ou, mais tarde, como significante do
desejo. Este afastamentopermite a Lacan destacar o complexo dito de castração do heteróclito
que o cailicteriza em Freud, que deu lugar, nos seus discípulos, a escolha tradicionalista que
separou a psicanálise dos movimentos de pensamento inovadores da última metade do século
XX.Se o falo não é o pênis, os dois sexos se caracterizam por uma relação ao falo que cena-
mente pode diferi. mas ambos o abordam a partir de uma primeira substituição sinibólica, e
então, não é pelo órgão, neni pela imagem.
O segundo ponto conceme ao acento colocado por Lacan sobre o pai na psicanálise,
contra a deriva materna e maternal clos pós-freudianos.
Elemento paradoxal, pois a figura paterna, 'a autoridade patriarcal', era o inimigo das femi-
nistas. Transformaro pai em uma função simbólica, efetuar o cone entre Nomedo- Pai, funçáo
simbólica, pai imaginário e pai real, constitui um tratamento tlo pai que implica um afasta-
mento em relação a crença na qual as femiiiistas se encontraram e da qual elas têni sido, nào
obstante, as últimas defensoras.
Definir o pai pela nomeaçáo é, no fiml dessacralizar a autoridade e reduzir com esse
instrumento o que se apresentava como pedra principal da ordem familiar.
O passo seguinte efetuadopor Lacan nos anos 70 foi a multiplicação dos 'nomes do pai'. A
plurali7ação do elemento que até aí figurava o Um, sobre o qual repousava o sistema simbóli-
co, constitui a resposta de iacan a isso que se obseivava como declínio do pai nas novas

Dezembro 2007 144 O p ~ ã oLacaniana no j 0


formas do laço social, qualificado por ele de 'fragmentação'. Propor como nomes do pai a
inibição, a angústia ou o sintoma, aos quais se pode juntar A Mulher, completa a redução
começada pela interpretação do Édipo freudiano como Nome do Pai. 'A mulher", como uni-
versal, funciona como um dos nomes do pai. Está aí uma interpretação de iacan para as
feministas. Ela esclarece a função que Xmulher", como uma, tivera para o movimento femi-
nista: sustentar a função Nome-do-Pai em uma época na qual ele já vacilava.

A psicanálise mais-além do feminismo ou Lacan bem na frente.


Esse passo faz par com a Formalização Iógica pela qual Lacan,neste mesmo período procede:
uma nova aproximação da sexualidade feminina, no 'Rturdito" e no Seminário: mais, ainda,
tomando as mulheres urna por unia, fora do conjunto, fora do universal. Resposta lacaniana
tanto ao 'enigma do continente negro' freudiano, como também as errâncias do feminismo,
que não consegue precisar a diferença entre sesualidade feminina e masculina de forma dis-
tinta da apologia da homossexualidade ou sublimação pela escritura, - a definição do feminino
em termos do 'não todo', a partir da inconsistência e incompletude Iógica antecede a época.
Aliás, ela não foi compreendida, e as feministas protestaram a aparição do famoso A mulher
não existe'.
Portanto, esta saida do feminino da tomada da Iógica aristotélica só fazia anunciar: pelo 'ou-
tro gozo' que ela indicava, as niutaçóes das modalidades de gozo que seriam depois afirmadas.
Já no Seminário: A ungzistia, Lacan afirma que a uma mulher não falta nada, em
contraponto com a falta de pênis e com a teoria pós-freudiana da relação dai mulheres com a
falta. Esta via leva-o a diferenciar, desde esse Senzindrio, os objetos presentes na realidade e
os objetos a. O objeto a náo pertence à troca regrada peki concorrência e a circulação do
valor fdico. Esta atenção aos objetos o conduz a afirmar 'a subida ao Zenith social do objeto',
rraço pelo qual ele caracteriza a modernidade no Serniná??~: O aves0 da psicanálise. É: a
partir de então, no seio desse novo discurso do mestre que se reorgani~ao feminino. A recusa
feminista da 'mulher objeto' nào tem mais sentido em um período no qual tudo é susceptível
de vir no lugar do objeto e este é triunfante do simbólico. Quando iacan diz que uma mulher
é o sintoma de um homem, desloca o acento levistraussiano colocado sobre as mulheres
como circulando na troca, em direção a um lugar vazio que pode vir a ocupar uma mulher
para um homem.
Assim, vê-se que o último Lacan tinha ultrapassado os pontos sobre os quais tomavam
ainda apoio as feministas dos G o s 70: 80.
Jacques-Alain Miller, na sua alocução no último Congresso da AMe "Uma fantasia", nos
permite também um tempo de avanço sobre nossa época.
O feminismo cessou de ser um sintoma. O feminino, enquanto modo de gozo, encontrará.
sem dúvida?outros sintomas para insistir.
Texto traduzido por Nora Conçal\'es

Opção Lacaniana no 50
Todos nós estamos expostos ao medo. O niedo pode ser reação a efeito proveniente de
ameaca ou objeto externo. Pode ter sido sinal de alarme diante do pânico, perigo iminente.
É verdade que o medo nos faz perder a tranqüilidade, ficamos desassossegados, sem
paz (effrayé, dizemos em francês; o termo vem de ex-fndare ou seja, tirar o sossego, ou a
paz). Dizem os estudiosos de língua francesa que os romanos nos afrescos de Pompéia
expressavam "e1froi"diante do sexo (Quignard: 1994) fascinados diante dofasci?zus (falo),
eles haviam perdido a expressão de candura do gozo ainda dada a admirar no rosto de
algumas mulheres. Desde essa época o medo freqüentaria as paragens do sexo e suas
respectivas figuraçóes, quer seja em cortejo de sua exuberância priápica, quer seja em seu
desarranjo constrangedor.
Hoje, o medo de que tratamos tem seu objeto, só que não se trata de objeto en~pirico.
Vamos chamá-lo fobia, o medo de que vamos tratar A fobia será para nós como uma tentativa
de nomeacão.para um medo. Freud pode ser consideraclo (Leguil, 1979) como ponto de
partida de nossa compreensão do que seria fobia. Antes de Freud houve tentativas na aproxi-
maçáo da questão por parte da Psiquiatria, mas vamos admitir o relato de Freud sobre o que
ouviu do menino Hans acompanhado de seu pai como ponto de paitida.
O pai falava a Freud que falava a Hans que falava para si mesmo, com o intuito de acalmar
sua angústia, de dar nome ao seu medo. ;\s vezes, ele se dirigia diretamente ao pai, tal era a
certeza cle que o que ele sentia tinha a ver com o pai dele. "Desenha um fz-pipi, Pai: dese-
nha!' E o pai nada. O pai não se autorizava a arriscar dar uma resposta, e no dia seguinte lá ia
perguntar ao professor (Freud). O verdadeiro pai não se autorizava a dar uma resposta ao
filho: preferindoque o professor o legitimasse com sua intervençáo. Faltou uma palavrinha
do pai que viesse aplacar o medo do filho.
Como Hans crescia e não podia ficar esperando, no intuito de suprir a carência do pai, ele
fez um sintoma fóbico (niedo de cavalos). Freud aproximou a palavra Pferd (cavalo) de outros
termos também familiares a Hans, no afã de entender o que era a fobia. Vater (pai em ale-
mão), até o nome Freud poderia ser lembrado já que a pronúncia em alemão o permitia. Fato
é que Freud um dia, teria indagado "o cavalo de que você tanto fala usava óculos?" Hans não
esperava a pergunta; o que mais o intrigou foi o somso de Freud e do pai de Hans diante do
chiste de Freud. Logo tuclo fica claro quando Freud volta a carga e diz: "Como seu papai?"
Freud tinha formulado a hipótese de que o cavalo equivalia ao pai de Hans.

Dezembro 2007 146 Opção iacaniana no 50


tratando-se das Famílias recompostas, os novos figurantes presentes no cenário são estra-
nhos a criança.
Finalmente, o termo homoparenralidade tem levado juristas e antropólogos a registrarem
uma situação inusitada, já que ora não há filiação passível de ser registrada numa linhagem,
ora não há aliança. Tudo isso faz pensar numa verdadeira "metamorfose cla parentalidade"
(Godelier. M. 2004). A Antropologia nos ensina que existem formas diversas de se distribui-
rem as funções quando se trata de parentalidade.
Tais situações se ampliam, passando a ser consideradas como montagens (o termo é de
origem jurídica) a serem acompanhados por estudiosos na matéria. Atualmente, haveria nos
Estados Unidos 14 milhões de crianças vivendo em lares de casais parceiros do mesmo sexo;
na França seriam 50.000meninos e meninas a viverem em lares de casais do mesmo sexo; 50%
de homosseiuais estariam dispostos e desejosos de adotar uma criança; 10% dizem já ter
adotado uma criança.

"Novos pais"
O título da tese chamaatenção "Lalibéntion des pères: modemité, égalité, patemité" (Gratton,
2003). O termo "novos pais" aponta para eventual figura parenta1 que estaria surgindo nesses
lares onde encontramos famílias constituídas segundo as diversas foimas que descrevemos.
Algumas conclusões sugeridas pela tese:
-busca de uma nova complementariedade entre homens e mulheres menos marcada pela
diferenciação herdada pelos papéis e funções sexuadas;
- a parentaliade estaria definida mais em termo de responsabilidacle do que em termos de
autoridade;
- a linhagem passaria a contar nienos que o contrato;
- será na articulação do social e do psíquico que os "novos pais" encontrarão forma de
expressão;
- a liberacão dos pais já começou!

Fobia e Nome-do-Pai
Como ficam a fobia e seu significante como tentativa, constatada no modelo antigo, de
suprir a carência de um pai?
Um pai "liberado" terá mais condições de liberar por sua vez o filho do peso de sua função
na ordem simbólica?
A função paterna assumida plenamente na sua dimensio social poderá criar condições
para que a fobia não seja o destino do medo que experimentanios?
Em padelo com a expressão bem conhecida de que o pai é inceno, ("Pater semper incertus
est') vamos elaborar algo na vertente do filho. Poderia o filho igualmente assumir essa incerteza!
A categoria iundica "pai", assim como a incerteza do filho, serão elaboradas a partir do
estatuto fornecido pela "ficção".

Dezembro 2007 148 Opção Lacaniana n" 50


O conceito de pai em nossa conterriporaneidade acabou liberado da carga de poder evi-
denciada como caduca; o espaço está livre para elaboração: onde certamente a psicanálise
tem uma palavra a dizer, em Função da longa experiència clínica acumulada. De fato, os luga-
res de pai e mãe são operantes e efetivos na medida em que se referem a uma relação lógica,
a uma terceira instância; isto é>o espaço de representa~ãoonde se monta o conceito de pai,
montagem como se fosse num teatro; numa apresentaçáo de personagens.
Talvez pudéssemos lembrar a inscrição grega encimando um túmulo, comentada por
Legendre; "Filoclés filho de Dikaios. Dikaios filho de Filoclés". Um ao lado do outro, o neto e
avô tiveram o mesmo nome que os consagraram indivíduos enquanto viveram; o pai foi tão
somente um elo.
A experiéncia clínica, e nossa experiéncia quotidiana, nos dizem que o filho terá que aban-
donar seu estatuto de filho se quiser tomar-se um adulto.
Sendo o pai real incerto, assumo, eu filho, o sinal da paternidade ao acreditar nesse sinal,
já que para saber tenho que acreditar Mas, o pai aqui não terá sido patriarca, nem gozador
único; terá sido alguém que propiciou a retirada da figura onipotente e ameaçadora do pai.
Um programa da TV francesa (Bébés sur commande, canal Arte, 1 de Fevereiro 2005) fazia um
relato das primeiras experiências nos anos 50 com Reprodução Assistida. É possível que a Dra.
Barton, em seu consultório em Londres: tenha feito apelo ao seu marido como fornecedor
principal graças ao qual foram inseminadas suas pacientes. Um dos filhos dessa fecundação
artificial, atualmente vivendo nos Estados Unidos, empreendeu pesquisa para saber da ori-
gem do seu pai biológico. Chegou a conclusão de que tinha numerosos irmáos, chegou a
visitá-los, empreendendo verdadeira viagem coletiva ao passado comum a todos aqueles cujas
mães haviam sido atendidas no consultório da Dra. Banon. Um dos personagens encontrado
no inquérito empreendido havia conhecido o marido da Dra. Banon. Cabelos embranquecidos
pela idade, voz pausada pelo cansaço natural da vida, o antigo colaborador do casal Banon fez
uma advertência (em forma de conselho) a quem procurava saber de sua origem biológica
paterna: "não insista tanto nessa procura, você já sabe o que tinha que saber. Você foi adotado
pelos pais que o criaram, é uma pessoa realizada, na idade adulta. ibcé não precisa saber mais".
O término da presente nota traz a nossa atencão sentenca de Lacan em 1960:
Faudra-t-i1que nous soyons rejoints par ia pratique quiprendra peut-être en un temps
force d'usage. d'inséminer an~ficiellemenet&fenzmes en apture du banplallique, ... pour
tzrer de nous sur lu fonction pale?7zelle un verdict?

Referências bibliográficas
Ouianard. E (1994). Le sexcel I'eflmi. Par& Caalimard Folio.

-. . .
Cadoret200012.hl~
Codelier, hl. (2004). Méla~nomhosesde in Carmlé. Psis Fawid.

Opçáo lacaniana no 50 149 Dezembro 2007


Introdução a psicanálise" (1916/7), e não antes. Não se encontra na obra de Freud nenhuma
referência ;i esse termo antes dessas conferências.
Freud refere-se a um sentido dos sintomas: essa é sua diferenciação da clínica médica, que
conhece e descreve os sintomas, mas não adjudica um sentido a eles. Para Freud, o sentidodos
sintomas é sexual: ligado às "vivências sexuais infantis". Nessas conferências; introduz um acrés-
cimo a sua concepção do sintoma neurótico, que é a do sintoma como satisfação substitutiva.
Há um aspecto semântico e uma modalidade de gozo: sentido e satisfação substituta.
Na mencionada conferéncia'sobre o sintoma: iacan situa,a fobia de Hans como uma
resposta sintomática ante a angústia que'ãuas primeiras eretões lhe provocam.
Lacan é muito preciso a respeito do sentidoda fobia. Diz que Hans está amedrontadorpor
esse gozo alheio, hétero, que irrompe em seu corpo e quebra o "jogo de enganos" com sua
mãe. "Seu sintoma (diz lacan), é,a expressão, a significação desse rechaço".
A "Análise da fobia de um menino de cinco anos" é um histórico que contrasta com a
concepqão de criança dos "Três ensaios", no qual a define como um "pewerso poliniorfo".
Contudo, o pequeno Hans não é de nenhum modo um perverso polimoifo; é um menino
com seu sintoma, seu medo clos cavalos que mordem e caem.
Lacan define o pai de Hans.como o mais amável, o mais presente, o mais amigável, que
tinha levado seu filho a Freud, e,'noSe»zi&?io705. diz que o pai'de Hans é totalmente inoperante.
Tanto no Seminário 4: k'relações deobjelo, comono Seminário 5: As fornmções do
inconsciente lacan situa o caso Hans em uma carência patema que.a'fobia vernsup~tr '.
Lacan diz que o cavalo, no sentido totêmico, vem "suprir o signiftcante do pai simbólico".
Que estatuto tem estacarência que, evidentemente, náo implica uma foraclusão?. '

-
A fobia aparece como metáfora do pai ali onde este é inoperante em relação ao desejo cla
mãe. O cavalo é a figura amearadora ante um pai carente? ou é o rechaço matemoa,seu
caráter de portador que pegou Haiis em's& "jogo de enganos".
Engano que se quebra; filtranclo-sea'angústia ante a iirupção tle um gozo hétero em seu
corpo, que não pode simbolizar. Hans responde com seu sintoma, com sua neurose infantil,
sua fobia, como uma tentativa de domesticar, natrama simbolica seu corcel.
Do iacan do Nome-do-Pai ao Iacan dos Nonies do Pai há umadiferença: em um primeiro
período, a função do pai é fundamentalmente metafórica, a metáfora patema é a interpreta-
ção que outorga significação fálica ao deselo marerno.
A operação nietafórica segue o traço freudiano do recalque como substituição, ainda que
saibamos que em Freud há uma reformulação da teoria do recalque, que sustenta o tronco de
sua teoria na primeira tópicacom o recalque primordial, o recalque como um modo de defesa a
mais em "lnibição, sintoma e angústia". A fungo da defesa não é só substituição, é também ligar
Ele diz, em "Mais além do Princí'pio do Prazer" que o primordial é a compulsão à repetição
como "tentativa de ligar o quantuni traumático da pulsão de morte".
Em outras palavras, a fobia é metáfora da falha patema ou é, por sua vez: um Nome-do-Pai?
A função do pai é metafóricado desejo materno, deBasDing, ou: seguindo o Lacan de "RSI",
o moclelo da função do pai éaquele de um desejo per-versamente orientado, aquele que
merece o amor e o respeito, aquele que faz de uma mulher a causa de seu desejo.

O p ~ ã Lacaniana
o no 50 151 Dezembro 2007
A fobia de Hans, por um lado, funciona como resposta sintomática a angústia que lhe é
provocada no encontro com suas primeiras ereções, que encadeia sua neurose infantil ante o
gozo indomesticável que o acossa. Por outro lado, o pouco recurso que lhe fornecem um
"certo tipo de máe c um certo tipo de pai", para simbolizar esse gozo.
Nesse sentido, a fobia, talvez mais que substituto do pai, é um modo de enganche ao gozo,
um falso enlace, como mencionava o primeiro Freud, do qual podemos senlir-nos para dizer
que o sintoma como suplência sempre é falso enlace, já que supre a relação sexual que falta,
que não há.
Vale a pena interrogar: por que iacan toma como exemplar o sintoma do pequeno Hans,
em sua "Conferência sobre o sintoma", de 1975?
- É uma fobia infantil, na qual, todavia, não está assentada, se podemos dizer assim, a
estrutura.
-Depois de tomar Hans e a função paterna em inumeráveis referéncias, náo faz ali referência
ao Nome-do-Pai.
-Afobia de Hans pode ser tomada como um sintoma propriamente dito ou é o sintoma do
par parental?
Assim como lacan no Setnináno 24 diz de modo contundente que "Freud teve o mérito de
dar-se conta de que a neurose não era estmturalmente obsessiva, que, no Fundo, era histérica,
quer dizer: ligada ao fato de que não há relação sexual; de que há pessoas para as quais isso dá
asco, que assim é um signo, um signo positivo, que Ihes faz vomitd, podemos dizer da fobia
que ela assinala o modo como a emergência do gozo hétero confronta o sujeito com a venigem
diante o abismo da falta de saber sobre o sexo, sendo a fobia, como diz Lacan, uma prevenção.
Tmo traduzido por Cristiana Pittella de Mattos e revisado por Maria Angela Maia

Ilacan,]. 0975/19ôS).inlnvencionesyTciios2. Buenos Mre: Mamlial.

Dezembro 2007 Opçio Lacaniana no 50


JEAN-CLAUDE
MALEVAL
( ~ N E S @arn-claude.maleual@uhb
) frj

Todos constatamos que a subida ao Zenith do objeto a é acompanhada de modificações


da clínica contemporânea. A mais recente e a mais surpreendente delas reside no aumento
considerável das demandas feitas aos psicanalistas por sujeitos cujo modo de funcionamento
conduz a considerá-los como psicóticos ordinários. Desde então, uma questão insiste: como
dar conta desse fenómeno?
Lima primeira resposta enfatiza as mutações do próprio analista: seu melhor conhecimento
do último ensino Lacan e das formas discretas da clínica da foraclusão do Nome-do-Pai, e a
construção recente (1998) do conceito de psicose ordinária. As modificações da prática
psiquiátrica participam também do fenómeno: sempre mais centrada sobre a prescrição de
tratamentos rápidos e sintomáticos, ela não somente não deixa mais o sintoma seguir seu
curso, como deixa para outros a prática da palavra.
Resta uma interrogação crucial: as tr:insformações sociais induzem as mutações subje-
tivas? A psicose ordinária é suscitada pela emergência de um Outro que não existe? Nin-
guém duvida que este último é contemporâneo de uma reconfiguração da freqüência clas
sintomatologias, mas a própria subjetividade está modificada em sua estruturação? O
declínio da autoridade, o desencantamento do mundo, o aumento do individualismo aba-
lam o Nome-do-Pai? Um número crescente de sujeitos é obrigado a se estruturar sob o
regime dessa foraclusão?
Alguns afirmam que não há necessidade alguma de recorrer a hipóteses tão audacio-
sas: uma referência a clínica continuísta dos nós seria suficiente. O último ensinamento
d e Lacan daria lugar a progressivos e sutis entrançamentos dos elementos d o nó
borromeano para se passar sub-repticiamente de uma estrutura subjetiva a outra: um
momento dessas modificações corresponderia à psicose ordinária. Admitir essa tese que
leva a conceber que o funcionamento de um sujeito possa participar de várias estruturas,
equivale a dar uma consistência estrutural ao conceito de borderline. Lacan nunca mu-
dou quanto à rejeição dessa hipótese. A recusa em considerar um salto entre as estruturas
é uma constante em seu ensinamento. Corno conceber o advento ou o desaparecimento
da função paterna passando, em um mesmo sujeito, a um novo laço da estrutura que
ganharia ou perderia a propriedade borromeana? De fato, como sublinha Jacques-Alain
Miller durante a "Conversação d'Arcachon", a clínica continuista designa essencialmente
"uma gradação no interior do grande capitulo psicose", a não ser confundida com uma
gradação entre neurose e psicose'.

Opção Lacaniana no 50 153 Dezembro 2007


Entretanto, a psicose ordinária não seria uma potencialidade subjetiva, em razão da fora-
clusão generalizada? Lacan não fez uma utilização extensiva do conceito de delírio nos seus
últimos seminários?Jacques-Alain Miller não sustenta que "todo o mundo delira"? De fato, se
toda referência ao delírio ou à foraclusão está cegamente relacionada a psicose, a hraclusão
generalizada tornarse a introdução, na orientação lacaniana, da tese kleiniana do núcleo
psicótico inerente a todos; o que ela não é. A foraclusão se refere a psicose tão somente se ela
incidir sobre o Nome-do-Pai. A foraclusão generalizada, introduzida em 1987 por Jacques-
Alain Millei", constitui outro ângulo de abordagem da tese lacaniana segundo a qual "tudo o
que se diz é uma trapaça". Desde então, convém distinguir claramente o delirio conium do
delírio psicótico. Somente o segundo deve ser referido à foraclusáo do Nome-do-Pai. Esta se
escreve PO: carência do pai - ela está relacionada a uma falha do nó bomorneano -, enquanto
a foraclusão generalizada se escreve A-ela sublinha o vazio do Outro, ela é ti.ansesrrutural. O
impossível inerente a causa, o vazio da referência, a ausência de metalinguagem fundam a
possibilidade do "delirio" criador de cada um; eni compensação, o psicótico se esforça para
suturar a incompletude do Outro com a ajuda de uma constmção delirante coni relação à
qual o sujeito cessa de estar emfading. Do efeito de aniquilamento da coisa própria à lingua-
gem resulta a universalidade do "clelírio". Esse delírio se d e h e como "unia montagem de
linguagem" construída sobre um vazio, que não tem um correlato na realidade, a qual nada
corresponde na intuição. A partir daí, precisa Miller: "o segredo da clínica universal do delírio,
é que a referência é sempre vazia"5 A foraclusão restrita do Nome-do-Pai acentua dolorosa-
niente o vazio do Outro para o sujeito psicótico.
Se os avanços fazem objeção a generalização da psicose ordinária, é preciso voltar as
mutações sociais para apreender o seu auniento. Alguns se apóiam, então, sobre a indicação de
Jacan: "o inconsciente é o social;'. Do declinio social da autoridade, induzem que a sociedacle se
apresenta "como incestuosa, renegando o exercício da função paterna e colaborando, ao mes-
mo tempo, com o declinio do pai'". Se a função do pai não é ratificada pelo social, sustentada
por um meio ambiente, ela autoriza o sujeito modemo, segundo eles, "a transgredir as leis da
palavra que nos especificam como hunianos". A partir daí: de um "mundo seni limite", anunci-
am o advento de um "homem sem gravidade", sujeito maleável, não dividido, que hesitam em
situar entre psicose e perversãos. Tais abordagens deliberadamente não levam em consideração
o últiino ensinode Iacan, quando parte não mais do Outro da linguagem, mas de uma axiomática
do gozo. Para fazê-lo, ele reduz o Nomedo-Pai à sua função radical, que é "dar uni nome is
coisas com todas as conseqüências que isso implica, ate niesmo gozar parricularmente"'. O Si
do sintoma, que fim um gozo sem Outro, aparece conferindo uma apreensão mais apurada da
função paternalo. iacan formaliza, assim, mais precisamente suas intuições anteriores segundo
as quais o Nome-do-Pai constitui uma a-sistência a ser situada no canipo do Outro. Ele o anco-
ra, não no social, nias no efeito primeiro da linguagem sobre o sei: Certamente que o inconsci-
ente é o social, mas é também uma construção de saber elaborado sobre os Si da Ialíngua; a
partir de então, quando iacan parte do "isso goza", do Um do gozo, ele afirma claramente
introduzir "alguma coisa que \ai além do inconsciente"" - um além do sentido. A lei do sujeito
encontra-se em seu sinthoma.

Dezembro 2007 154 Opção lacaniana n" 50


O Nome-do-Pai sustenta do exterior a consistência do campo do Outro. No seio deste, os
ideais do eu contribuem com a contenção do gozo. A subida ao Zenith do ol~jeto'ha", nos
tempos do Outro que não existe, induz uma mutação dos ideais: ela promove uma ideologia
consumista, preconiza um modelo de gozo celibatário, gera uma desagregação da lei social.
Entretanto, o declínio da autoridade não é declinio do Nome-do-Pai: as modificações da lei
social não têm efeito sobre a lei do significante.
Ancorados no discurso religioso, na autoridade da tratlição ou em poderosas ideologias,
os ideais de outrora extraiam seu poder de atração de uma hrte adesão coletiva. Isso não
acontece mais. A ciência, o capitalismo e a psicanálise os danificaram. Os ideais antigos subsis-
tem, mas minados, enquanto novos ideais se erguem, suscitados por um mais-de-gozar co-
mum. O sujeito moderno não está confrontado com uma ausência de ideais, mas com uma
explosão destes, com suas multiplicações; e uma conseqü6ncia maior disso é o fato de eles se
imporem menos ao sujeito. É por isso que seu modo de gozo se caracteriza não por um
franqueamento dos limites, mas, segundo tacan, pela "errância" e pela "precariedade"". A
diversidade dos ideais é própria ao extravio; além do niais, sua multiplicidade os marca com a
precariedade, revelando que eles repousam sobre escolhas reversíveis. Ninguém experimen-
ta mais vivamente isso do que o psicótico ordinário. Para quem não dispõe da bússola da
fantasia fundamental, não resta quase nada além dos ideais para se orientar na existência.
Quando são precários, diversos, incertos, eles não oferecem ao sujeito psicótico nada mais
que um modo de estabilizaçãoprêt-a-porter.
Os tipos clínicos são incontestavelniente mais sensíveis as mudanças sociais que as esttu-
turas subjetivas: a história da histeria, da anorexia ou da "melancolia" basta para atestar isso. É
preciso, portanto, supor que uma auténtica modificação das esrnitiir:is subjetivas deveria ser
anunciada pela emergência dos novos tipos clínicos. Ora: entre as patologias que estão hoje
em evidencia (drogadição, anorexia, autismo, depressáo etc.), não se encontra nenhum tipo
clínico \~erdadeiramentenovo. Mesmo o transexualismo, supostamente gerado pelos progressos
da cirurgia, já fora descrito por Iilontaigne. Para essa sindrome, como para a psicose ordinária,
certas configurações do Outro sufocam sua emergência, enquanto que outras configurações a
b e m incantlescer. Mutações dos sintonias, conseqüentemente, e não das estruturas subjetivas.
Se a foraclusão pode ainda servir, é com a condição de não fazer o Nome-do-Pai de-
pender da lei social, mas com a condição de lembrar que ela se ancora na função conec-
tadora do Si.
Texto traduzido por Chafia Américo Farah e revisado por Yolanda Vilela

'Mille1.J-A (1997). Intervwilion lon de Lawnwrsation, i n i a ~ O # ~ W l i O n 8 A ~ c bC


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freudien. (I4):ó.
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Opção lacaniana no 50 155


'hliller, J-h. (1993). Op.cil., p.21.
'nConvém.desde já. distinguir 1Ía categorias de S,: o S,signifimle. àespora de ouiio signiiicante, pomdot de incompleiude, esse do suieilo dividido; o S,
likral, pleno, suficiente, m e que hindao fenômeno elemeniar; eo S, nem Sa, nem literal, massigno, 'coisilicado7: presentifirado,encarnado em um objeto
porto por um outro, e s do i t i s l a O primeiro traz a hinjão do NU! de um enodamenta regulado; os ouiros d o i tostemunham sua forclusão. os nós da
estrutura subjetiva qia eles permitem não So borromemos, eles podem até mosmo d e i m o sujeito às voltar com umr lalíngua daenfreada.
"laca", J (üécembro, 1977). "l'iosu que sai1de rue-béwe r'aile à mourre". Séminaire du 16 Noi-embre. 1976. in Omiwr?, bulleiin périodiquedu champ
íreudien. (12113):j.
'~iacan,].(1973). Til&inm.Parir: Seiiil, pp.52-53.

Dezembro 2007 Opção iacaniana no 50


O termo fraternidade assinala um traço de identidade no sujeito que tem a mesma origem
que outro. Recebe o sentido do termo irmandade - irmão de pai e mãe? de uso geral como
verdadeiro, natural, autêntico.
A igualdade dos pais define e estalielece unia coniunidade de iguais que culmina em um
empuxo a um processo de regulação do gozo que determina sua articulação discursiva.
A constituiç20 familiar fortalece esta identidade ao redor da figura paterna e sustenta o
amor ao próximo2ao semelhante. A igualdade
.- se instala como um ideal universal, redobrado
por um sistema jurídico, político ou religioso: apoiado nos desenvolvimentos tla ciência que
oferece fundamentos condizentes para ordenar as relacões entre os homens em termos de
fraternidade e de igualdade, a partir de uma ordem natural e objetiva.
Freud, reconhecendo esta origem comum, demonstra para os irmãos uma ordem similar
de privação do primeiro objeto de amor, primeira privação, que deixa um só elemento para
estabelecer uma identidade entre eles, paradoxalmente, um vazio. Mostra, desta foima, que a
fraternidade tem outras raizes além da objetiva e natural - fortemente questionada desde Freud.
Licsn avança ncsre questionamento "... o quc tcmos visto até suas últimas consequênciac e
que se enraíza no corpo, na fraternidade do corpo, é o racismo do qual nem sequer terminamos
de ouvir falar"', que nos oiienta a definir a fraternidade em outros termos que não o corpo,
entendido como imaginário e especular, a partir do qual só se reconhece a igualdade como
principio, com seus efeitos segregativos.
Lacan também sustenta que ... somos filhos do discurso, interrogar-se como tal sobre o
"

que é, desde sempre, a estrutura dos saberes, desde o saber-fazer até os saberes da ciência"'.
Isto quer dizer que ser da mesma origem, como fraternidade, não sustenta o principio de
identidade, mas o principio de relação como discurso. O 'somos filhos do discurso' quer dizer
que somos filhos da relação que o sujeito estabelece com sua não identidade de origem.
O homem, sujeito pelo ato de falar, não faz mais que suprir este vazio criando a trama de
sua vida, estabelecendo sua natureza singular O mundo simbólico, o ato de falar, é o cenário
no qual se apresenta e se mostra o sujeito. O ato falho, o chiste como criação subjetiva, mos-
tram isso ao romper com uma ordem pré-estabelecida para o sujeito.
O ato de falar não procura ser compreendidd "(...) náo se trata de compreender, de
mordiscar no sentido, mas de raspá-lo (...)", desconhece toda identidade pré-estabelecida
representada pelo sujeito, e nos orienta até a espera de um elemento singular, mais do que o
encontro com traço igualitário e identificatório.

Opção lacaniana n" 50 157 Dezembro 2007


Então, o chamado 'homem da cultura' é o que dele se espeta, não há naturalidade em
termos de igualdade na relação entre os sujeitos.
é o exemplo por onde se pode constataradeniandadosujeito
O chiste, como formação sinsinibólica,
ao outro para seu consentimento e constituir-secomo tal. No chiste, o sujeito recorre ao outro e impõe
um tiabalho cle aceiraçáo ou recusa que sele a relação em termos de relação encenada, atuada e, como
tal?singular e subjetiva,que encem o aivento de qualquer genedição e objetivação igualitá~d.
O chiste, como formação discursiva, implica o sujeito em sua responsabilidade e abre a
brecha necessária para admitir o trabalho inconsciente, sempre singular.
A fraternidade, na qualidade de identificação igualitária, captura e desloca o processo de
singularização, sua inauguração, enodando-a, dando origem ao começo da massificação cuja
garantia é o amor ao pai. É a perda do sujeito, daquilo que é seu parrimônio, sua irredutível
diferença para com o outro e que a fratemidade diz de sua exclusão.
A experiência analítica demonstra que a fratemidade se desloca da busca de um termo
identificável, passível de ser objetivado a fim de poder transformar-se em um universal, para
uma responsabilidadede cada sujeito e seu consentimento pelas conseqüências de sua escolha.
O sujeito- uma vez que a fraternidade sustenta o sentido de semelhança, de igualdade, de
identificação -, se orienta para a ausência de todo critério igualitário em sua relação com o
outro, ao qual se demanda um espaço aberto, não identificável,por onde vagueia o desejo e
naufraga a virtualidade da igualdade e da semelhança.
É a partir de então que se pode estabelecer outra estrutura da fraternidade, da filiação e do
amor, porquanto mostra que o sujeito é determinante no estilo de relação com o outro.
Com o reconhecimento de sua responsabilidade, o sujeito consente nas conseqüências cle sua
a@o e dilui o Nome-do-Pai como princípio de identidade determinante das relações do sujeito.
O Nomedo-Pai, desvalorizado por este movimento, produz a queda das identificaçóes ideais,
sustento da fratemidade, abrindo para o sujeito um lugar opornino para a consrnição da relaç3o
com o outro em termas de um amor nãosustentado pela igualdade, ma? um amor em que o sujeito
sempre procura a Kância oportuna que cause seu desejo, regulação de seu gozo na singul~zaçáo
de seu discurso,caminho necessário para unia organvaçãossocial diferente cla massificação Iiumana.
O termo 'fraternidade' diz, então, de um movimento, cle um trabalho do sujeito que dife-
rencia o outro de sua imagem e de sua origem, promovendo a relação necessária para que
esse outro, sendo o mesmo, seja diferente
É neste movimento em que o outro não autentica a diferença4que se encontra a opção de
outra forma de regulação de gozo, a panir da qual o sujeito advém no lugar da diferença
ineludível, irredutível, impossível de nomear na relação com o outro, pela qual se poderá
construir unia relação fraterna em que o amor troca de signo, porquanto é pela diferença e
não por uma igualdade, causa de outra regulação de gozo.
Tato traduzido por Bartyra Ribeiro de Castro e revisado por Rachel Amin de Freitas

'Laian,J.(1971-721,Final doSemindrio 19: ''Oupird'. inédito.


!Idem, i b i d q aula 12.
'ldcu, J. (1980) Radigionh 6 7bicuirih. Barcdona: Editorial Anagrama. pirte4.
'hliller,J.-A. (1998). Larsignudclgorc. Buenos Aira: Paidór, p.100.
Conio todos os significantes que apóiam sua \~erossimilhançaem uma suposta realidade
familiar, a noção defratna e seu valor semântico sáo menos estáveis do que a princípio possa
parecer. A família é uma realidade complexa, eutremaniente dependente do contexto cultura
social e económico em que se insere. Assim, o uso contemporâneo defratnu, principalmente
como termo sociológico, psicológico, jurídico ou técnico (como nos estudos médicos e gené-
ticos, por exemplo) é identificado com o gmpo constituído pelos irmãos de uma famíiia
bioló~ica,
- incluindo os meio-irmãos, de acordo com o obietivo que está sendo utilizado.
É importante lembrar que sua origem distante se situa em um contexto no qual a definicão
de faniília se baseava muito pouco na unidade doméstica e não havia tanta ênfase na patemi-
dade biológica, seques exclusivamente na consanguinidade. De fato, inicialmente o p h ~ a t e r
grego não se referia a um vínculo sanguíneo, nem a unidade familiar como tal. A palavra era
usada na Grécia antiga, por exemplo, para referir-se a um grupo de aniigos que se reuniam
para fazer sacrifícios aos deuses e banquetes. Já na sociedade ateniense, a mesma palavra,
cujo significado específico era "a terceira parte da tribo" era usada, por extensão, para tlesig-
nas a tribo ou também uma categoria ou classe de ciclacláos.
A no@io de fraternidade tem, pois, de início, uma carga metafórica bastante considerável
e, na história dos usos em que esteve envolvida, foi recolhendo os significados mais diversos.
grande parte deles está relacion;ida com a introdução, pelo cristianismo, da noção de um
parentesco espiritual que compete de maneira ativa (e bastante agressiva em seus primórclios)
com o parentesco biológico e com as realidades jurídicas da família romana. Assim, a noção
cristã de irmandade dos fiéis constitui um ataque certeiro contra a família romana e, mais
especificamente, contra a autoridade do Pater.
Como se sabe, a idéia da fraternidade cristà tomou um grande impulso como projeto
social alternativo a partir do século iVe mais ainda no século VI, por conta do crescimento das
ordens monásticas.
Em seu uso mais generalizado, a noção de fratemidade é aplicada nos mais diferentes
contextos quanclo se quer destacar a idéia de um laço entre iguais. Sua intensificação ocorre a
partir da induçáo de um sentimento de amor, supondo-se um vinculo cujo conteúdo de libido
pode assumir diversas formas, mas que estará senipre envolvido.
Quanto a modalidade dovínculoamoroso em questáo,trata-se obiianiente do amor entre iguais,
do qual a reaiiição sexual está em princípio excluída,coni as ressalvas mais ou menos sintoniáticas
que conhecemos, mai que ao modo de um tabu não desmentem a exclusão de base do ato seuual.

Opção Lacaniana no 50 159 Dezembro 2007


A lógica implícita é a seguinte: supõe-se que os irmãos se amem mais do que duas pessoas
quaisquer, para dar corpo a idéia de que se chamam irmãos a um certo núniero de pessoas
(tomadas de dois em dois ou coletivamente) que se consideram iguais e estão unidas por um
amor particularmente intenso.
lago, a consignação da fraternidade é empregada mais ou mcnos ativamente para sustentar
as premissas de amor e de igualdade, que frequentemente se convertem em um imperativo e
excluem a diferença ou a desigualdade.
Mas o ideal de fraternidade tem tambéni expressões políticas. Fxiste um caso histórico
que é singulai: no qual a fratemidade se converteu em um significante niestre particularmente
poderoso, carregado de conseqüéncias de toclos os tipos. Estamos nos referindo, obvianiente, a
Revolução Francesa. Naquela ocasião tratava-se do projeto explicito de criar uma nova socie-
dade, sustentada em vínculos que já não eram os do amor desigual entre o monarca e seus
súditos, mas sim o amor entre iguais. A mesma dirisa era usada para sustentar a idéia de uma
inditisibilidade da nação revolucionária e cerramente para combater forremente, até mesmo com
a morte, qualquer intenção de separação ou de retomo de qualquer vislumbre de desigualdade.
Porém, toniemos o caso revolucionário francês, não em si mesmo, mas como exemplo dos
paradoxos da fraternidade e dos limites do suposto amor entre iguais. Paradoxos esses que
são acentuados quando se trata de um projeto político ou religioso de grande alcance.
Para começa< a origem da fratemidade revolucionária em que o assassinato dos representan-
tes do Antigo Regime cumpriu um papel simbólico fundamental, e também como intervenção
sobre o real do gozo, não deve ser considerada somente como contingência histórica, mas como
manifestação de uma tensão estrutulal. De fato, não se mta somente do poder transformador e
fundador de um kuiatã hobbesiano, mas, em boa parte, do assassinato seletivo de figura.. clota-
das de uma função precisa e que implica\:am de algum modo os semblantes paternos.
Pois bem, para além de sua significação mais estritamente política, a natureza do ódio que
se desencadeia, dirigido especialmente contra figuras como a do rei e a de seus próximos, é
inexplicável sem um discurso em que ressoem as denúncias contra um pai gozador. Trata-se,
nem mais nem menos, do paradoxo de que o máuimo representante da lei se constitua para o
povo na figura máxima de sua mais arbitrária transgressão.
Assim, a constituição da fraternidade republicana replica curiosamente a constituição da
socieclade de iguais do mito freudiano de "Totem e tabu". A contemporaneidade do apelo
sadiano a uma república alternativa baseada no direito ao gozo, destacada por Iacan em "Kant
com Sade", revela, entre outras coisas, que a questão do gozo é ali fundamental. E que a
exclusão do gozo, que é uma das chaves do uso e do abuso do teimo fraternidade, encontra-
se na base do furor intolerante que acabaria em uma epidemia incontrolável de assassinatos.
Se a Revolução Francesa tem algo do mito realizado, mostra mais até que ponto é precisa-
mente um mito, e que toda tentativa de realização, efetiva ou simbólica, da eliminação do pai
gozador tem conseqüências muito diferentes da estabilização de um laço de cumplicidade
silenciosa, baseado, segundo Freud, na generalização da culpa. O ataque contra os semblantes
paternos, quaisquer que sejam, gera seus próprios paradoxos. Isto não é estranho, dado que
a soluçào pelo pai consiste, afinal tle contas, em um dispositivo para estabilizar esses mesmos

Dezeriibro 2007 160 Opção Lacaniana no 50


paradoxos em algum ponto, o qual se pode considerar pela perspectiva do ponto de basta ou
pela perspectiva do nó (neste último se acentua a variedade de soluções possíveis e a equiva-
lência com outras que não passam necessariamente pelos significantes paternos).
Seja como for, o problema que o semblante paterno procura de algum modo resolver é
como pode o vínculo do desejo com a lei incluir alguma forma de enodamento com o gozo
que permita uma regulação. A solução para o semblante paterno implica o reconhecimento
de alguma forma de exceção (esta diniensão é a que Lacan acentua em sua análise lógica do
mito freudiano com as fórmulas da sexuação). Ou seja, trata-se de uma regulação do go;..o que
aponta, certamente, sua moderação repressiva e seu encaminhamento através do ideal, mas
que ao mesmo tempo permite uma margem para que o gozo como tal seja reconhecido,
tolerado! inclusive respeitado, sem que isso necessariamente condene a impostura o
enunciador da lei da castração.
Para iacan, o reconhecimento do gozo na figura paterna não é motivo de escândalo. Pelo
contrário, supõe inclusive um elemento de possível orientação para o filho (Père-iiersion).
Nos últimos anos, a expressãofrahia retorna com força no campo da psicologia, da sociolo-
gia' nos textos juridicos. Podemos considerá-lacorrelata da perda de importância dos semblantes
paternos. Assim se constata que nos textos jurídicos ou psicológicos se fala d a f r a t ~ ucomo uma
unidade a preservar acima das cisões familiares e de suas descontinuidades. Ante as ligas às
quais a figura paterna se vê submetida, que no discurso contemporâneo tende a valer somente
como figura presente: mas que, paradoxalmente, se ausenta frequentemente nos processos de
separação, a unidade daJrat~ia,entendida como grupo de identidade e comunidacle amorosa,
tende a se reforçar como ponto de referência funclamental na educação da criança.
Finalmente, cabe perguntar pelos efeitos sintomáticos que terá a recente introduçâo da
igualdade de sexos em um horizonte parenta1 até agora dominado pela diferença dos sexos e
desigualdade entre gerações. A adoção ou a geração de crianças por diversos meios no seio de
famílias homossexuais supõe um ataque, sutil, mas não menos frontal, contra uma das
premissas do dispositivo concreto que até agora veiculava a transmissáo do Nome-do-Pai. A
diferença e a desigualdade implícim na perspectiva da paternidade agora competem com o
amor entre iguais. Ao mesmo tempo, as tensões que se espera da reintrodução de alguma
diferença ou desigualdade nesse âmbito redefinido começam a gerar situações novas e ainda
pouco estudadas. O problema é que a diferença e a desigualdade eram veículos para que a
lógica da exceção se instalasse de alguma forma, favorecendo algum tipo de enodamento. As
conseqüências que isso terá na regulaç50 do gozo vão aparecer no plano sintomático, está
claro, mas, obviamente, ainda não se sabe como.
Talo traduzido por hlirta Zbrun c revisado por Maria Angela Maid

Opção lacaniana no 50
GUSTAVO
DESSAL
RI) (gdess.esp@rorreo.copP
es)

A originalidade de Lacan no seu tratamento da noção de objeto na psicanálise constituiu


em realizar uma primeira operação de esvaziamento, uma desconstnição análoga i que tinha
sido produzida a respeito do sujeito inconsciente. Toda discussão do papel do objeto na
economia psíquica deve partir de uma premissa definitiva: a noção de uma falta. A falta do
objeto, como condição para a re-construção do conceito de objeto, prefigura nos primeiros
anos de seu ensino o que quase duas décadas mais tarde se condensará na tese definitiva da
inexisténcia da relação sexual.
A falta de objeto, como noção geral que Iacan considerou necessária para "desrealiiiai' o
objeto: sofre ao mesnio tempo uma complexização quando é articulada aos très registros com
os quais a experiência analítica deve ser estudada: o simbólico, o imaginário e o real. Desde
um ponto de vista muito amplo, e seguindo a primeira orientação hegeliana de Iacan, pode-
mos dizer que o simbólico, conio assassinato da coisal nos abre a dimensão da falta. Esta é
uma afirmação válida para o ser falante em geral, mas insuficiente para compreender como a
falta opera na subjetividade e nos fenômenos clínicos. Dai que a noção de falta se declina em
três modalidades, que permitem compreender a função do objeto na sexualidade humana: a
frustraçãola privação e a castração.Ao mesmo tempo, como veremos, estes termos apresentam
conexòes precisas com o conceito do Nome-do-Pai, e com as variantes simbólica, imaginária e
real da função paterna.
Das trés modalidades da falta, a frustração corresponde às relações mais primitivas da
criança com a mãe. Não obstante, e apesar de o próprio Lacan assim o estabelecer, esta consi-
deração evolutiva não pode deixar de assinalar dois fatos fundamentais: por um lado, que as
três faltas estão articuladas entre si, de tal modo que, ao estilo do nó borromeano, nenhuma
delas pode ser concebida isoladamente; por outro lado, a lógica que pemite compreender o
mecanismo da frustração (como o da privação e o da castração) foi postulada por Lacan em
um momento de seu ensino no qual outorgava uma função determinante a sincronia da estni-
tura e a ordem simbólica. hlas, em todo caso, o objeto implicado na frustração, o seio, pode
servir como razão para fakir da frustração em prinieiro lugar
Ainda quando, em um plano originário da relação entre a criança e a mie, podemos
reconliecer a incidência do objeto como real, é evidente que dito objeto se transforma rapida-
mente sob ;i ação de uma dialética, na qual a ordem simbólica se presentifica e mostra sua
eficácia na constituição da subjetividade. 'iãl dialética, a da demanda, associa a relação real
com o objetou uma relação simbólica.Eni outros termos, o objeto da necessidade se transmuta

Dezembro 2007 162 Opçáo Lacaniana no 50


em um signo de amor, um dom que faz da mãe um ser onipotente, que pode recusar o objeto.
A frustração é uma experiência que se vincula ao amor e também a ordem simbólica em um
duplo sentido. Por um lado, devido ao fato de que na fmstração o sujeito se vê afetado por uma
falta que só existe na medida em que cobra seu valor sobre o fundo simbólico,e, por outro lado,
porquanto a ordem simbólica é, em si mesma, frustrante, por supor a barra do objeto real.
Mas é fundamental não perder cle vista que a frustração supõe que o desejo se mantenha
e que o pai está destinado a ser quem proporciona simbolicamente o objeto faltante, o qual é
especialmente visível no Édipo feminino. Se na experiência da frustração a mãe possui a
potência real de dar ou negar o objeto que simboliza seu amor, o pai será, em uni tempo
ulterior, a potência simbólica capaz de remediar essa ftustração, mediante um dom que
negativiza definitivamente o objeto: o dom do que não tem'. O pai como doador simbólico
"descansa" sobre a experiência primitiva da frustração.
A privaçáo é 11111 teriiio que se inscreve necessariamente no contexto do Complexo de
Édipo e seu fundamento, o Complexo de Castração. Em princípio, o conceito de privação
remete à ausência de pênis na mulher, mas a originalidade na análise de Lacan consistiu em
demonstrar que essa falta (como Freud já havia reparado) não é captada como uma mera
experiência perceptiva, uma apreensão empirica de uma suposta carência real. Uma vez mais,
como víamos ao referirmos a frustração, a noção de Nome-do-Pai subjaz a esta segunda moda-
lidade da falta, dado que esta somente pode ingressar na subjetividade a partir de uma
simbolização do real. Quer dizer que, seni a intervenção c10 significante fálico na economia
mental do menino e da menina, a noção de privação carece de todo sentido. O falo é o objeto
simbólico que pode introduzir um buraco no real do corpo feminino. Entendida desse modo,
a privação é considerada por Iacan uma noção central e decisiva para o "progresso da integração
do homem e a mulher em seu ~irópiii,sexo'". Apanir desta noção de privafio: Lacan reelabora
a importância decisiva da captação da diferença sexual que Freud descohriu em seus escudos
sobre o Complexo de Édipo: o descobrimento de dita privação na menina por pane do menino,
:I assunção dessa falta por parte dela.
A privação, assim como a castração, é uni conceito que deve ser abordado mediante uma
dupla entrada. Uma é a que se refere a elaboração, normativa ou patológica, que o sujeito
infantil realiza das encruzilhadas decisivas entre o sexo e a linguagem. A outra é quando se
toma como ponto de partida a incidência da privação na mulher situada em posição cle mãe.
Unindo ambas as entradas, pode-se ver com clareza a maneira como privação, fmstração e
castração se enlaçam e convergem na forma especifica pela qual a falta tem lugar na vida
psíquica feminina. A privação orientará a demanda de falo da menina para a mãe, e a fnistração
resultante desta demanda a reconduzirá para o pai. Dirigida agora para ele, a clemanda será
elaborada como castração, o que entre outras coisas permitirá que a frustração se torne
admissivel, graças ao estabelecimento no inconsciente da equação simbólica, falo = menino.
Não obstante, o desejo que Freud descobriu sob o termo de Petzisleid subsiste, o qual
abre a possibilidade de acesso da mulher ao homem e eventualmente a maternidade. É a
partir desta conservação da inveja fálica na mãe que o menino pode captar o que ele é para
ela, e experimentar o falo como aquilo que ocupa o centro do desejo do Outro. Isto introduz

Opção lacaniana no 50 163 Dezembro 2007


toda uma variedade de capturas imaginárias e imposturas de distinta índole, destinadas a que
o menino se ofereça como similar desse objeto que falta a mãe. No caso do menino, dita
situação será suportada até quando faça a sua entrada o pênis real do menino, que o confronta
com a castração no sentido de sua insuficiência para responder ao desejo materno. Neste
ponto, a função do pai é determinariie, e Lacari a denomina real, pois se trata du pai que deve
aportar seu próprio desejo genital para satisfazer a mãe e revelar ao menino sua insustentável
impostura. Por que denominar caitração a este modo de intetvenção paterna? Porque consiste
em uma anulação temporária do pênis do menino que lhe permitirá, em um tempo ulterior,
aceder a uma "função paterna plena'', ou seja, ser alguém que se sinta "legitimamente em
posse de sua virilidade"'. Esta legimitidade supõe a articulação do desejo à lei, o que distingue
a função paterna "plena" da mera procriação.
A subordinaçáo do funcionamento da frustração, da privação e da castração 2 inscrição cio
significante primordial do Nome-do-Pai, demonstra-se de maneira muito direta quando afora-
clusão impede a operatiuidade de dito significante. Ao não dispor do complexo de Édipo
como marco da subjetividade, as três modalidades da falta se manifestam profundamente
alteradas, seja pelas severas dificuldades de simbolização que têm lugar, seja pelas graves
conseqüências sintomáticas que se apreciam na posição sexuada do sujeito, inclusive nos
casos em que existe um acesso ao objeto sexual e a procriação.
Texto traduzido por lordrn Gurgel

'A título de e~eniplo,dado que a barreira que sopara o não ler do 1sé muito atraia, e que a reporitii.a(áo do objeto se produz em certos uua com muita
facilidade, podeintrodu7ir-w na rdaçãopai~filhaumamodaiidadeperversa dodomquedálugaraquadrorhisléricosdesumagravidade.Eseé particiilar-
mente noiavel quando falha a repiasáo do pai doador.
'Lacan, J. (IW) Seminário. lii'm li!A rek@o de objeto, p.375. Paidós.
'Idem, ibidem, p.366.

Dezenibro 2007 Opçáo lacaniana nl' 50


Deixemos de lado a funçáo dos átomos e das célula$,em todas as suas organbações, porque
nunca se viu nesses domínios a "função simbólica"de que aqui tratamos, a que predica sobre o que
faz funcionar um vinculo de convivência suficiente entre homens, entre homens e mulheres, entre
mulheres, entre crianças, e entre as crianças e os adultos. Desde que se nasce até que se niorre.
Os sábios de toda época e região perceberam que o predicado "costume': ou "lei", ou
"mandamento", designava tal Função, de um modo suficientemente generalizável para esses
animais que falam entre si de maneira tal que resultam humanos. Resultam humanos, precisa-
mente .porque
. se reconhecem mesmo quando há entre eles uma distância, ou ainda quando
se separam "para sempre", eni uni "seiiipre"limitado à curta finitude da vida, pois a transmissão
da Função simbólica que suportam segue seus próprios caminhos, indiferente a esses desgostos,e
sempre aberta ao que nela se inscreva.
Por isso, ponhamos decididamente de lado as funções maquinais, as Funções automáticas,
as funções dos computadores, as funções dos dispositivos de avaliação e voltemos ao nosso
larim, língua jurídica por excelência, e ao,T cargos e a "seos hincionários".
Existem os cargos, assim chamados porque aquele que se inscreve riclrsl o funcionário,
recebe uma carga a qual Iacan chamou de "dívida simbólica", e, se ele é realmente funcionário,
e faz funcionar a tal função, então "Funçáo" diz o que quer dizer, que funcionar é liberar-se da
obrigação contraída, cumprindo-a functionem, defungor).
Como simples exemplo e para ilustrar ao leitor: se, em um Estado, com seus múltiplos cargos
hierarquizados, seus 'funcionários' não funcionassem, não se liberassem das sua5 obrigações cum-
prindo-as, seriam impostores, dedicados, para começar, a mentir e a roubar É um exemplo, e o
leitor não deve ver nele alusão alguma ao pe& dos funcionários políticos dos últimos tempos,
cuja abnegada tarefa é cada vez mais reconhecida pela crescente alegria dos povos.
Mas o que não é um exemplo é o que mostra a psicanálise, a saber: 1) que um pai o é
somente se este se faz funcionário do cargo "paternidade", e se libera de suas obrigações
enquanto as cumpre; 2) que se esse cargo está ocupado por uma impostura, retomam, nesse
fracasso da descendência simbólica, as "doenças mentais" que saem a luz com a ruptura dos
vínculos sociais: solidão depressiva, pânico, ira, perda da atenção, anorexias, bulimias,
compulsões, adições, posições perversas, psicoses, fenômenos psicossomáticos ... e, para
generalizar, o aurncnto da debilidade mental e da miséria social; 3) que a lógica I) e 2) seja a
mesma em todos os cargos, seja o de presidente, rei, imperador, representante do povo ou de
um deus na terra.

O p ~ ã oLacaniana no 50 165 Dezembro 2007


Os sábios também se derdm conta de que há um problema a partir do fato de que o funcioná-
rio reflete a imagem de si mesmo no cargo que assume, e que a muito provável enfatuação
subseqüente sempre o faz errar no cumprimento de sua função, a qual exige, como sempre se
disse, um maior desprendimento de si, a medida que se avança no seu exercício. É o que a
psicanálise tem precisado ao assinalar a substância narcisica dessa crença imaginária no cargo,
que sempre resulta a de se crer Eu.
Por isso, a elaboração matemática e a lógica da noção de função é crucial para a psicanálise
e não deve ser entregue a nenhum emprego monopólico maquinal. É que permite
desimaginarizaros cargos, escrevendoi>s como o "f" da função simbólica, para qualquer valor
que venha a se inscrever em uma variável (x).
Desse modo: a função, como suposição, é anterior ao seu argumento, e se trata de vet:
segundo o que neste último se inscreve, a possível realização eficaz das suas aplicaçóes. As
aplicaçòes são múltiplas nos seus alcances e provêm de um domínio abeno, mas o constante
da função simbólica se pode precisar no caminho da sua definição. Com efeito, o que a função
simbólica sempre diz (nunca se o que se inscreve no seu argumento é um número ou uma
porcentagem) é que, de tudo o que ande por aí: se e somente se o que se inscreve no seu
argumento é um suposto sujeito falante, há uma aplicação do seu 'domínio' ao 'co-domínio'
de pelo nienos outro sujeito suposto falante, chamada de "vinculo social", e fundada, porque
em algum ponto da mesma existe o valor que a limita, em um dizer que "não".
Pode-se chamá-la de função das tradições, ou das leis, ou dos Nomes do Pdi, ou das móes, ou
dos Deuses, ou dos sujeitos do inconsciente: pois é um fato que suas aplicações,ao dependerda
inscrição de cada singularidade subjetiva, dão lugar a uma multiplicidade di~rersa,apesar de
que os inscritos em cada uma imaginem que a sua, sendo a melhor por ser única, deveria ser
a única para todos, primeiro pelas boas... e logo, não se sabe como, como se tudo continuasse
igual, pelas más.
É difícil denominar a função sem que se precipitem crenps imaginárias que não são as de
todos. Por isso, a nossaLo (x): digamos que a lemos como "fun~ãosimbólica", ou "o simbólico
como função", e assim qualquer um pode colaborar no seu desdobramento seivindo-se dela,
de um modo que jamais poderia ser o de uma burocracia automática.
Observe-seque, independentemente dos enunciados diversos da lei, que nunca foram iguais
para todos, e deixando de lado as querelas das suas interpretaçóes,dado um qualquer no qual se
enuncie um "não", pelo menos dois podem fazer um pacto com essa "terceiridade",o que supõe,
para colocá-loem marcha, um ato de boa fé, cego, com a conseqüência de uma confianp recipro-
ca, no sentido em que os dois se admitem nos seus imaginirios, ampliando-os realmente.
Sobre isso, a psicanálise tem trazido algo para os sábios:
1) que o ato de boa fé, cego, não é uma crença imaginária, e sim o enodamento do sujeito
do argumento a função simbólica no inconsciente;
2) que como apenas se indaga tal questão em um sujeito, ela veio lembrar a estes sábios,
fossem eles profetas, teólogos, filósofos ou cientistas, que a cria humana real vem ao mundo
sem lei, e que a cria da tecnologis científica virá ao mundo igualmente sem lei, e ambas sem
vínculo social pré-estabelecido;

Dezembro 2007 i 66 Opç2o Iacaniana nu 50


Gozo E NOME-DO-PAI
E S ~ E LSOMO-SUAREZ
A (PARIS) (solano-suarer@wanadoo.fr)

A relação fundamental entre gozo e Nome-do-Pai se resume na fórmula segundo a qual o


Nome-do-Pai, na psicanálise, *é instrumento para resolver o gozo pelo sentido.'.
Em d laturdito>b2Lacan diz ter introduzido o Nome-do-Pai em seu escrito %Deuma questão
preliminam, onde ele colhe sua releitura do Édipo freudiano sob a fórmula da Metáfora pater-
na. Aqui, o Nome-do-Pai,no singular. é o significante que metafonza o significante do Desejo
da Mãe, substituindc-o. O Nome-do-Pai opera, assim, um apagamento do gozo pelo signifi-
cante, para engendrar sua restituição regulada, sob a forma da significação do desejo. Ora,
este significante maior é também, acima de tudo, metáfora da presença do pai, tomada aqui
em sua função discursiva, através da palavra da mãe. Nestas condições ele é: -enquanto tal,
morto, mortificado pelo discurso^^.
Assim, a metáfora paterna reúne em si mesma três vertentes da teoria freudiana: o mito de
"Totem e Tabu" e o pai morto, o Édipo, e o complexo de castraçào. O Nome-do-Pai, como
instrumento metafórico, é o significante que no Outro, como lugar da linguagem, tem a fun-
ção de um ponto de basta que liga o significante e o significado, o simbólico e o imaginário.
Desta concepção estrutural se destacam duas conseqüências. A primeira implica que o
significante do Nome-do-Pai torna o Outro consistente. Ele é o 6ignificante que, no Outro
como lugar do significante, é o significante do Outro como lugar da lein4.A segunda consiste
no poder do simbólico, que, ao mortificar o gozo, o faz passar ao significante', sem resto.
Mais tarde, iacan introduz S(A)6 a ser iido como o 6ignificante de uma falta no Outro),,
responsável tanto pela incompletude quanto pela inconsistência do Outro. Conforme J:A.
Miller evidenciou, o Nomedo-Pai não é mais o significante da lei no lugar da linguagem, mas
se reduz a não ser mais do que um nome entre outros pelos quais ele substitui, tal como uma
tampa. Isso abre a via à pluralização dos Nomes do Pai. Os nomes próprios vêm ocupar o lugar
deixado vazio por S(A). Entretanto, o nome próprio toma o ser do sujeito como já morto, já
que é o nome que estará sobre o túmulo. Como designar o ser do sujeito, não como sujeito
morto, mas por meio daquilo que, nele, permanece vivo? Para responder a esta questão, iacan
introduz o conceito de gozo, vindo no lugar de um ser que aparece como que faltando no
mar dos nomes próprios ,,i. Neste lugar vem o objeto a como nome de gozo do sujeito, um
nome que não seria uma metáfora. É o nome no qual o Pai e o gozo estão incluídos juntos nS.
No Seminário: A aizgústia, Lacan ultrapassa a escolha que deriva do tratamento do gozo
pela via metafórica e opera uma primeira disjunção entre Édipo e castraçàd. A angústia de
castração no homem não é mais correlativa a anieaca proveniente do pai, mas tem relaçào

Dezembro 2007 168 Opção iacaniana no 50


com a detumescência do órgão. O objeto não será mais, a partir de então, correlato a lei e ao
desejo, mas um objeto cujo estatuto é anterior à lei, e a sua significantização fálica.J:A. Miller
formula isto nos seguintes termos: .Diante deste objeto que é aquele do desejo lei, o objeto
órgão, digamos o pequeno a, ele não é determinado pela interdição (.. .) mas pela pura e
simples separação>~l0. Assim, pela via da angústia Iacan elabora a função do objetou, e cerne
o gozo singular ao sujeito, que escapa à operação universalizante do pai.
Lacan dará um passo a mais no ano seguinte, pulverizantlo o Nome-do-Pai único para
introduzir a pluralidade dos Nomes do Pai. Esta passagem comporta uma relativização do
Nome-do-Pai, mas toca também em seu estatuto de função. Se o Nome-do-Pai se escreve
como uma funqáo NP(x), está em questão, em cada caso, saber aquilo que vem para o sujeito,
no lugar da variável, para completar a função. Daí a multiplicidade. No prolongamento desta
elaboração lacan inventará a categoria do significante-mestre como Si que pode suportar a
função. Esta função do significante-mestre permite-lhe fazer, definitivamente, uma disjunção
entre o mito de Édipo e a castração.
Eni O auesso da psicanálise. o "Édipo" e "Totem e Tabu" são concebidos como mitos que
tentam dar conta da perda do gozo. Esta perda, introduzida naturalmente pela repetição do
SI, produz o a, objeto mais-de-gozar, como pura entropia. O gozo não é mais uma zona
interdita a qual não se acede a não ser pela transgressão, mas uma perda que resulta da ope-
ração do significante sobre o corpo. Só se pode gozar dos restinhos de gozo recuperados sob
as formas do objeto a.
O pai do Édipo não é mais o agente dacastração, mas o véu que fz crer no gozo interdito.
O assassinato do pai de "Totem e Tabu" recobre o gozo como impossível. Separada do mito, a
castração se torna <(aoperação real introduzida pela incidência do sigiiificante, seja ele qual
for: na relação do sexo. E é óbvio que ela determina o pai como sendo esse real impossivel
que dissemos^^".
Lacan escolherá em seguida a via da Iógica para dar conta do real do sexual no "falasse?. A
Iógica permite a demonstração do ponto de impossivel como real. O real em jogo na pdcaná-
lise se especifica como escritura impossível da relação sexual. O falo, como grande E toma
aqui o valor da *funçãoque supre a relação sexual>,l2.Lacan constrói assim a Iógica da sexuação,
segundo o modo de inscrição dos seres sexuados, no lugar do argumento da função.
Ele reparte de um lado, do lado masculino, o Um que fa7. exceção à função através de um
"dizer não" à função fálica. É na existência do Um que nega a funGo que lacan identifica a
função do pai". Por meio deste limite da função, pode então aparecer o possível da operação
da castração que domina o conjunto de Todos aqueles que se inscrevem como todo-homem.
O gozo se inscreve aqui na função fálica. Nesta Iógica do Um e do Todo N se resume tudo o
que acontece com o complexo de Édipo ,,I'. Em compensação, do lado feminino, não todo o
gozo é assujeitado à função da castração. Por este fato; não há limite dado pela exceção, o que
abre uma série ilimitada, não permitindo nenhuma universalidade. O gozo feminino se inscre-
ve, portanto, em uma Iógica além do Édipo. As mulheres têm uma relação com o Falo, mas
também com S(Á) como Outro radicalmente Outroli. Por se reportar ao buraco no simbólico,
o gozo das mulheres encontra uma suplência no amor.

Opção lacaniana no 50 I69 Dezembro 2007


"Lacan. J. (1985[1972-731). OSemini"o, litrm20:.4foir,.ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., pio7
"Lacan, J. (2003). O. afuidii@. Opcil, p.458.
"1acan.J. (198511972-731).Opcil., p.75.
IbMiller,I.-.h. (2003). .Nolice de fil en aiguillw.~). cil., p. MO.
"Lacan,J. (1975). aRSIs.Omiwr? (5). aulade I1 de marpde 1975. p.17.
%id..aulade I5 deabrilde 1975, p.54.
"lbid,aulade 13de maiode 1975, p6l.
Y b i d , aula& IIdemarçode l97j.p.21.
"ibid., p.19.
nhliller,J.-A. 120011. Piècerdétachóa,cour du 17no$,embrc2004, inédiio.

01,~ãolacaniana no 50
"Como fazer para que as massas humanas dedicadas ao mesnio espaço, não somente
geográfico, mas em ocasião familiar, permaneçam separadas?"' Toda guerra - das nações, dos
grupos, das famlias - ressalta essa questão colocada porJacques lacan. Mas eis que se nota uma
diferença. As guerras dos pais seriam de conquista para a sobrevivência, para a segurança e para
a honra dos seus. As guerras dos filhos seriam por vingança, em nome de restabelecer ou sus-
tentar um ideal do pai, onde também se tenta desfazer dele, tanto que isto pode ser uni estorvo.
Os filhos le\wiam as guenas aonde os pais as teriam deixado. A história contempoinnea mostra
como os filhos podem levar o castigo além das leis que os pais tinham tomado como limite. O
pretexto: os pais não tinhani sanado o mal. deixando-o em uni lugar ameaçador para todos.
O declinio dos ideais é frequentemente colocado antes do discurso contemporâneo para
explicar esse desencadeamento desordenado e multifocal da guerra. e também para justificar
a elevação do racismo e da segregação. Somos afetados pela surpresa e por subestimar o que
Freud havia demonstrado, notavelmente em seu "Mal-estar na civilização": por detrás da tela
da civilização,que participa da pacificação da relação dos homens, nada muda nas suas pulsóes
fundamentais. Os constrangimentos sociais, o sistema educativo, ou até mesmo o exército,
participam de uma tentativa de canalizar essas forças pulsionais, encontrando resoluçòes acei-
táveis e administrando, da melhor forma possível, o "resto" inerente a todo grupo social. Alas,
o desregramento dos laços sociais, assim como o fato de se por novamente o pai em questão
quanto à sua idéia de Nação, reavivam as tensòes entre os gnipos de um mesmo Estado,
fazendo ressurgir os rancores e os ódios, colocando ao alcance de todos as promessas de
vinganças. Eis, de novo e inexoravelmente, os homens prontos para se engajar no pior,
enquanto sentem as malhas da guerra se apertando ao redor deles.

No espelho, o ricochete:
Entre as virtudes que Sun Tse distingue no guerreiro, ele mantém o amor pelos compa-
nheiros de armas, poréni, niais amplamente, "o amor pelos homens'". Não é o mininio dos
paradoxos dizer que para lutar bem na guerra é necessário amar os homens. Lacan, após
Freucl, sublinhou que a ferocidade está contida neste mandamento: 'Amarás o teu próximo
como a ti mesmo!'".
Freud não deixa outra alternativa a não ser a de levar a sério que "a essência mais profunda
do homem"4 o conduz ao egoísmo, a crueldade, à destmição. Essas moçóes persistem no

Dezenibro 2007 172 Opyáo Lacaniana no j 0


mesmos momentos, o exército de soldadinhos era o objeto de um desafeto total quando o
interesse da criança estava em outro lugar. Hoje, o jogo é intersideral e a criança de ontem
encontra uma renovação do interesse, porquanto a realidade da guerra parece confundir-se
com as ficções de seus videogames. O imagináno se desencadeia, o ataque equivale à declaração
de guerra, a crueldade infantil transposta aí se desenvolve sem limites. As guerras não têm
mais nonie. Riscamos seus nomes em proveito das operações que não visam mais restabelecer
a paz ou cogitá-la em um quadro de direito renovado, mas sim a destruição total do inimigo
designado a panir das "pequenas diferenças". Então, tudo se desenvolve segundo uma lógica
genocida: segregação a partir do traço diferencial, designação e reagrupamento. Depois,
eliminação sistemática. Operamos com pequenos
. . trabalhos. Uma vez temninado um deles,
levamos sua moral purificada para outro lugar. O mundo está cheio de gente má, a tarefa é
infinita! Nada mais limita o imaginário cuja ultrapassagem se agrava com a potência unilateral
dos armamentos e com a referência a consciência moral.

Retorno do mesmo:
Hoje em dia, cenamos novos deuses - no mundo da ciência, do consumo, dos ideais huma-
nitários, no cybermundo etc. - ou laços renovados com deuses já conhecidos, com uma
recrudescência das religiões e um reforço das seitas. Haveria uma esperança por pane dos deu-
ses e dos seus discípulos para fazer suplência aos pais em desgraça, ou até mesmo eliminados.
A sociedade moderna encontra-se sob a influência da "ascensão do discurso da ciência"
correlativa à queda dos ideais, assim como da fungo do pai e, conseqüentemente, das religiões.
É isto o que constatamos ou é, antes, uma elevaçáo da violência, uma tomada em massa do
religioso naquilo que pode haver de extremista?Continuamos a matar, dizimamos, eliminamos,
com uma temível sistematização a partir de uma segregação que sempre se faz em Nome-do-Pai.
Tedo traduzido por Sérgio de Campos

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'Ibid....oV.
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e . Seuil, v219
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'°Fteud, S. (1984). Opcii., p 3 .

O p g o Lacaniana n<'50
O pai foi para a humanidade como uma verdade sagrada, invocada pelos ritos dos disposi-
tivos religiosos. Ao buscar proteção mediante uma "bem dicção"', invoca-se, primeiramente,
o Nome-do-Pai. Ou seja, não fica aí o pai, mas o nome. E o nome significa uma ausência. Sua
eficácia parece estar aí.
Antes dos acontecimentos que dão origem ao drama de Shakespeare, o príncipe Hamlet
funciona bem. Em algum momento o Nome-do-Pai submeteu o desejo materno a sua lei e o
pequeno Hamlet pôde colocar-se em regra com seu desejo. Agora estuda na universidade -
fora de seu país natal - está cheio de referências simbólicas, ama Ofélia.
Quando o rei morre, Hamlet regressa desolado à Dinamarca. "Quão antigas, quão tristes,
sem proveito e enfadonhas acho as coisas todas deste mundo." Pard ele não há significante
capaz de tapar o buraco aberto por esta morte. Por isso, as múltiplas referências de seus
solilóquios evocam todo o sistema simbólico. Está em luto. IVão é um melancólico, e pouco a
pouco poderemos vê-lo regressar a uma valorização do mundo, querer regressar a Witemberg.
Mas ele tinha outro destino... llestino é o Nome-do-Pai quando Édipo se submete passo a
passo, "sem saber", ao enunciado como sua derrota inevitável, à maneira de "resl~osta"-
assim o dicionário registra "oráculon-"sem saber". Este é o estatuto que marca sua natureza
inconsciente, na qual se trata justamente de um saber não sabido.
Mas ao rei mono não foram feitos os ritos suficientes:o que sobrou da comida do velório foi
usado na celebração das segunda?núpcias de sua viúva. Então, retoma em forma de espectro.
Assim, Hamlet se encontra, de um momento a outro, com algo detestável: o espectro de seu
pai que volta da tumba e que "sabe" (como foi assassinado e traído), saber que, sob a lógica
dos acontecimentos, ele foi apenas um "espectador". Surpreendentemente, o véu cai e este
jovem enlouquece um pouco. Na representação teatral que, por sua conta, é levada a cabo no
palácio, a relação do personagem-assassino com o personagem-vítima é a de sobrinholtio,
como se Hamlet se fizesse representar consumando o crime. O pai está mono porque o sujeito
desejou que assim fosse: o príncipe não disse que matará a quem o impeça de ir até o espec-
tro, e sim que fará um espectro - que é o estado no qual está neste momento seu pai -
de quem o estorve. Para que o sujeito esteja protegido, o desejo de morte contra o pai deveria
estar ali por suas ramificações, por seus fmtos, não em todas as suas letras: "não te quero
ai senão como recordaçáo"; o que Hamlet chama "sua consigna" não é "marar Cláudio, mas:
adeus, não me esqueças", frase que lhe dirige o espectro antes de desaparecer com as luzes
da aurora.

Opção lacaniana no 50 175 Dezembro 2007


O espectro explica que está temporariamente no purgatório, por ter sido surpreentlitlo
"na flor de seus pecados". Mas, na revelação que faz, pode-se inferir que seu pecado é não
mais interessar a esposa: na representação teatral dentro da obra, uni rei sente que o peso dos
anos aniquila suas forças e seu vigor, que sabe que sua mulher o substituirá ao morrer, que "o
natural do desejo se iiiiporá'?. O espectro, por sua vez, relata ter sido assassinado enquanto
dormia, de onde "a flor de seus pecados" é ter a posição menos ativa possível diante de sua
niulher. Quando Hamlet dialoga com a mãe, o espectro se mostra, mas, -diferentemente de
suas aparições anteriores?nas quais os que estão presentes percebem sua presença - agora ele
não é visível nem audível para ela. Diante de sua esposa, sente-se em pecado. Não pode contro-
lar o desejo dela, que vai além dele: "rendeu a seu torpe e sensual desejo o gosto e o capricho':
Já estava morto desde que ela o trocou por Cláudio: "no leito celestial sentindo fastio':
Lança ao filho a idéia de que há algo desbocado na mãe e que ele não pode colocar uma
escora na boca de semelhante crocodilo Faminto. Este pai, que aos olhos do fdho até então
"nunca consentiu que a face de sua mulher roçasse o áspero sopro dos céus': retorna das
profundezas para fazer saber :to filho que já não pode satisfazer sua mãe. Diz-lhe que todo
assassinato é covarde e vil: mas que este é contra a natureza.
As re\:elações do espectro levantam o véu da articulação inconsciente que protege a todo ser
falante, e d e s e s t a b i i i Hamlet.Já não se trata de luto: todos os seus recursos fraquejam, parece
um desvario - ainda que haja algo de niétodo em sua loucura. Para Hamlet: não haverá beleza
nem verdade. Expulso da significação, encontra-se onde não há resposta possível à sua pergunta
sobre o que é ele como sujeito. Por isso, quando faia com a mãe, em que pese "fazê-la voltar a
vista para a consciência': torna a cair nesse Outro (;'não faças o que te digo, deise-a fazer e tudo
terminará na cama e então te contará tudo':), pois vai armado da vontade do pai e não encontra
seu próprio desejo. Ao desfalecer este Nome-do- Pai! Hamlet inicia um desdobramento sinte
mático notável no feito mais sublinhado no drama shakespeariano, ainda que nào seja o único:
a "procrascinaçáo': Também apaga Ofélia como objeto de amor, não se reconhece frente a elal
trata-a de forma sarcástica e agressiva.
Quando Hamlet tem Cláudio à sua disposiçáo, indefeso, não o mata: o usurpador está no
oratório, depois que a peça de teatro que organiza, Hamlet o inquietou ... mas o príncipe se
abstém uma vez mais, com o pretexto de não enviar seu tio ao céu; de náo dar-lhe um 10 be
eterno, enquanto seu pai padece em um purgatório que condena Hamlet anot to be. Consi-
dera que "ainda não é a hora" de atuar, porque está suspenso no tempo do Outro. Mas, como
o significante não garante a dimensão de verdade que ele mesmo instaura - razão pela qual
Hamlet necessita de uma peça de teatro para fazer falar a verdade -, só existe o tempo do
príncipe, a hora de sua perdigo (como em iodo destino humano), em direçáo a qual se dirige
de forma inexorável.
Enquanto Hamlet está viajando, Ofélia morre. Quando regressa, encontra o enterro: "ritos
sumários", ordenados pelo rei contra a vontade do padre. laerte se queixa agudamente e pula
no meio da cova para abraçar sua irmã. Hamlet não suporta ver representada no outro a
relaçáo apaixonada de um sujeito com um objeto. Brigam dentro da tumba e, em um grito
dilacerante, o príncipe diz ser "Hamlet, da Dinamarca': Mas, por acaso, já não tinha esse nome,

Dezembro 2007 i 176 Opcão Lacaniana nl' 50


(que é o mesmo do pai)? Acaso já não tinha essa linhagem, que lhe dá um pertencimento a
essa família?Riu-se de um ato: é Hamlet mesmo quem se dá um nome, uma linhagem, já não
oscila entre ser e não ser. Considere-se que sobre os dinamarqueses, até então, só dizia que
eram alcoólatras, e agora se diz dinamarquês.
Depois dessa correção da Função do Nome-do-Pai, não haverá retorno: está habilitado
para saber-se de novo homem e recuperar o objeto de desejo (amou Ofelia), que alcançou
uma e~istênciaabsoluta, pois Ofélia já não corresponde a nada, se faz impossível.
Hamlet se seme do Nome-do-Pai.O espectro não aparecerá mais. Agora se pode rerminar a
obra: o príncipe é capaz de matar Mas, ao menos momentaneamente, vai além do Nomedo-Pai?
Em todo caso, aceita uni duelo com espadas contra Laertes, em nome de Cláudio! Mas seu
compromisso ali parece formal: não lhe seduzem os objetos preciosos que estão em jogo; o
que lhe concerne é ter deixado de considerar que todos são sombras vãs, pois pelo menos um
é um rival de seu talhe, um igual a quem elogia e diz sempre ter querido. O combate só se
produz para permitir que se identifique com o significante fatal ("são todos iguais?", referin-
do-se aos floretes entre os quais há um envenenado). Além do alarde em tomo do torneio,
além da rivalidade com o semelhante, se joga o drama da realização do desejo de Hamlet.
Independentemente de que mais uma vez "fuja em presença de", o ato foi realizado. b d e
receber o "instrumento da morte das mãos de outro (minha ignorância fará com que brilhe
ardente sua destreza, qual viva estrela em tenebrosa noite)". Sem saber, fez-se um verdadeiro
matador (iaertes não chega a tocá-lo durante a justa), sai ao encontro de seu ato e de sua
morte. O desejo se encontra no curso de uma ação letal.
Texto traduzido por Sérgio de Castro.

'Oaubr jogaaqui com a verbo beiizer e com knidber (K.T.).

Opção Lacaniana no 50
h h f t W ZALOSZYC
~ ( S ~ B O U R G(a.zaloszyc@wanadoo
) fr)

A fórmula Há o Um, que surge no último ensino de Lacan, é uma tradução da primeira
hipótese do Parmênides de Platão, tal como ela foi acentuada pelos neoplatônicos, onde Lacan
vê uma "curiosa vanguarda'' de seu próprio percurso.
1. A demonstração da primeira hipótese do Par~nênidesnos conduz a conclusão de que
é impossível que o Um exista. De fato, o Um desta primeira hipótese, por definição sendo um,
não saberia nem ter panes, nem ser um todo. Não terá, consequentemente, nem fim, nem
limite. Pela mesma razão, não saberia panicipar do tempo. Não terá, consequentemente, nem
um ser, pois ser implica participação em um tempo. E?se assim é, ele pode então ter alguma
coisa que seja para ele ou dele?Cemmente não. Ele não tem nenhum nome, não tem nenhuma
definição, nenhuma sensação: nenhum saber. É possível que ele seja assim do Um? Não.
Dessa demonstração de impossibilidade, pode-se com certeza e legitimamente concluir que:
"já que o Um não participa de nenhuma forma do ser", ele não existe; que não há nada que seja
além do ser; que o ser é, portanto, tudo. Os neoplatônicos escolheram ler diferentemente a
demonsmção de impossibilidade de Parmênides Eles acordaram que há unia incoinpatibilidade
do Um ao ser, mas em vez de deduzirem que o Um não existe, eles concluíram que, sem dúvida,
o Um não existe no sentido do ser, mas além do ser. há o Um, que o Um ex-siste ao ser,
Assim, "Há o Um" vem constituir uma fórmula que se opõe a ontologia, e conduz a noção do
não-todo de um Outro radical, no sentido do heterogenismo através do qual não há relação,
onde desemboca a lógica da demonstração de Parmênides.
De um lado o ser, do outro lado o "há", incompatíveis: de um lado o ser, do outro lado o
real. Percebe-se imediatamente que esta oposição é aquela que está nas teologias negativas,
na busca de um não saber que se iguala a douta ignorância, nos relatos feitos pelos grandes
místicos cristãos acerca de sua experiência, com a ajuda dos oxímoros colocados naTeologia
?níst<cado Pseudo-Detzj~sIXréopagite. Toda uma parte da experiência analítica e da formação
do psicanalista é suscetível de uma descrição semelhante, à qual Lacan não se furta.
!

2 . O Um que há é aquele do gozo Um,isto é, o gozo que nos designam os termos do Um


da primeira hipótese de Parmênides. É por isso que ele se caracterizará por estar "envelopado
em sua própria contigüidade". Ela se opõe, por isso, a um gozo desenvolvidopartes extra
partes, que é por conseqüência contável e numerável, segundo a medida do significante. O
ser ele próprio, se nós refletirmos, só é determinado pela sua significância, ao passo que nós
ligaremos o gozo Um ao real - ao real como impossível, vimos o porquê mais acima.
1
I
Dezembro 2007 i 178 Opçáo Lacaniana no 50
Há, portanto, um gozo que não é sem relação com o Outro do significante (que é alienado
ao significante), e há um gozo autista, separado do significante e separado do Outro, cujo
paradigma é a não-relação - é o gozo Um. Duas vias se abrem a panir daí: seja, afirmar que não
há outro ser que o ser - é querer foracluir o gozo Um; seja, sustentar que há o Um que ex-siste
ao ser - então, a demonstração de impossibilidade dá conta do traço que este Um deixa no
Outro sob as espécies do "Não há relação sexual".
Vê-se a semelhança desta última bipartição com a biface de Deus, tal como Lacan retira de
Pascd: Deus dos Hósofos, sujeito suposto saber; Deus de Abraham, de Isaac e de Jacob, enigma
de seu desejo, isto é, deste traço, no Outro, do real como impossível.

3. O real é impasse inscrito pela fomalização matemática da significância. Lacan nos pro-
põe, sobre isso, duas abordagens. Está claro, na primeira dessas duas abordagens, que o Um
não comporta nenhum objeto. Ele chega, então, a análise em que Frege "engendra o Um do
conjunto vazio", e pela qual contando, assim, o zero como um, ele segue a progressão da se-
qüência dos números inteiros. Jacques-Alain irliller mostrou no seu curso "O que faz insígnia",
que este Um designa o sujeito como falta a ser e se correlaciona ao Um unário que vem: de um
traço sem nenhuma qualidade, marcar a falta que é esta falta a ser (reportamo-nos, sobre esse
ponto, ao parágrafo 7 da "Notice de fil en aiguille" de Jacques-AlainMiller, anexa aoSemi?~ário
O Si?zrhoma.Paris: ~ e u i l2005).
,

4. A segunda abordagem do real que iacan nos propõe com a fomalização matemática
liga o Um ao infinito não numerável que é o infinito dos números reais. Ele se refere, por isso,
a Cantor, que mostrou que a potência desse infinito é superior àquela do infinito numerável e
inventou uma nova variedade de números, os números transfinitos, grafados Aleph, para
designar a cardinalidade desses conjuntos infinitos. O conjunto dos números reais pode ser
colocado em correspondência biunivoca com o conjunto dos pontos de um segmento retilíneo
de comprimento unitário ou com aqueles de uma reta infinita. É por isso que se diz que tal
conjunto infinito tem a potência do contínuo, e o contínuo apresenta as características que
convêm a situação do gozo Um, que descrevemos acima.
Partindo do gozo Um que implica a não-relação, é sob as condições de rebaixamento do
grau de infinito do gozo que se estabelecerão as relações da sexuação masculina e aquelas da
sexuação feminina. Na sexuação masculina, ao gozo indexado pelo significante fálico respon-
derá a condição somente potencial do infinito numerável, ao passo que uma relação ligará
conjuntamente o sujeito ao objeto a, em que se reconhecerá uma constante com valor
transfinito, conforme mostrou Jacques-Alain Miller no seu curso "O banquete dos analistas".
Essa relação é a da fantasia. O lado mulher da sexuação se apresentará, não sem ligação com o
significante fálico, mas também não sem uma relação com o gozo Um - ainda que indizível,
pelas melhores razões lógicas da primeira hipótese de hrmênides. É isto que dá seu caráter
de infinito não localizável com relação a qualquer todo que seja.
Compreende-se, na perspectiva da lógica intuicionista, que só se saberia dar existência
determinada a este não-todo no um por um. É sobre isso que faz signo o famosomepantes de

Opção Lacaniana no 50 179 Dezembro 2007


Aristóteles (sobre esse ponlol novamente, ver "Notice de fil en aiguille", de Jacques-Alain
Miller no Se~ninárioO Si?zthota,parágrafo 4).

5. Qual será a relação do "Há o Um" e o Nome-do-Pai?É Fácil deduzir suas linhas mestras
a partir do precedente. Passar do gozo Um ao Norne-do-Pai será passar do não-todo para um
todo, por meio do traço que aí deixará o gozo Um, sob as espécies do miro do pai da horda clo
"Totern e Tabu", que goza de todas as mulheres: impossível! É esse impossível: traço fóssil do
gozo Um, uma vez o pai morto, que repercutirá, no ser que fala, sob a forma freudiana do
interdito edipiano.
Tato traduzido por Maria Cecflia Galleiii Ferrelli

Opção Lacaniana nC'50


Neste sentido, se aceitamos os novos paradigmas do gozo na última parte do ensino de
Lacan, o sintoma histérico é uma modalidade particular do mesmo, quer dizer, a encarnação
dos acontecimentos do corpo traumatizado pela palavra.
De um lado, para o neurótico, o parceiro do sujeito é o real como o impossível de suportar
e, no caso da histeria, se presentifica essencialmente no corpo, como demonstra a chamada
histeria de conversão, menos habitual em nossa época, mas transformada nas novas figuras
que oferecem a ciência, a biologia e a estética.
Por outro lado, na histeria o parceiro fundamental é o Pai. O parceiro-sintoma do sujeito é
um emaranhado destas duas questóes, tal como demonstra a experiência.
Abordamos o sintoma histérico a partir dessas novas figuras, mas sempre o fazemos quando
o outro que é o parceiro fundamental não reconhece o desejo.
Na vertente do fantasma histérico, o parceiro é o objeto a, um objeto prevalente do corpo
que faz sintoma e leva ao gozo do sujeito.A não proporção sexual se traduz ali onde o parceiro
essencial do sujeito que é o objeto a, é mais-de-gozar.

3. Lacan segue à sua maneira o itinerário de Freud, ao mesmo tempo em que vai renovando
a experiência clínica da histeria. Muito cedo em seu ensino, sublinhou a pobreza da interpreta-
ção edipica em relação à histeria. Nos anos 50, a introdução da mptura mortal do narcisismo na
relação edipica desconstrói a triangulação freudiana e acrescenta uni quarto termo.
Contudo, é no final dos anos sessenta que Lacan polemiza com a interpretação freudiana
da histeria e sublinha "o caráter estritamente inútil do complexo de Édipon?1acan enfatiia
que a experiência da histérica deve ter sido, para Freud, melhor guia do que o Complexo de
Édipo e reconsiderar, no nível da própria análise, qual é o saber que faz falta, "para que este
saber possa ser posto em questão no lugar da verdade"?
Com efeito, a invenção do significante Mestre (SI) permite separar o significante mestre e
o lugar do Pai. Reexamina a dialética do senhor e do escravo como separação do significanre
Mestre, do corpo e do Outro. A partir daí, fará entre o vivente e o corpo uma clivagem. Com
isso, hcan rende homenagem à histérica, por sustentar um discurso no qual coloca em jogo
suas relaçóes com o mestre náo em termos de dialética, mas de permutação de lugares. O
discurso da histérica interroga o discurso do mestre do pai idealizado como mestre castrado?
A exploração atualizada da histeria faz aparecer outras figuras e outras funções que ficam
longe da interpretação freudiana. Desta forma, a histérica revela que em sua relação com o
mestre para além do pai, este está castrado e se faz amar a partir desse lugar O amor se
transforma em uma função do gozo paterno fora de toda legalidade, que não legitima o gozo
como um. Para o sujeito histérico, o pai não é mais que um titulo, e todo esse amor que o
sujeito tem por ele, dirige-se a um nome e não a um homem. A histérica já não faz o homem,
mas o empurra para suas fonificações: empurra-o a fazer o homem, "empurra-o para o crime'I0.
Esta renovação epistêmica implica uma renovação no nível da prática analítica, na medida
em que abre a possibilidade para a histérica ter acesso ao gozo conio tal. O discurso da histé-
rica é a resposta da histérica, é sua posição moral com relação ao gozo. Ela encama o gozo do
mestre, por este gozo de ser privada."

Dezembro 2007 182 Opçáo lacaniana no 50


Pode-se dizer que o trabalho de Lacan sobre o Nome-do-Pai é especialmente indicativo
quando se trata de pensar a homossexualidade feminina, na qual a relação com o pai ocupa
um lugar central.
Na referência simbólica dada por iacan nos anos 56-57], a assunção subjetiva do biológico
implica, para ambos os sexos, situar-se em relação ao atributo fálico, o que introduz uma
lógica de mais ou de menos, do ter ou não ter. A posição sexual a que o sujeito se identifica
tem, nesse momento do ensino, uma relação direta com o significante do Nome-do-hi, como
referência do Desejo da mãe, e a implicação de que ambos os sexos têm que passar pela via da
virilidade e suas equivalências.
A partir dessa perspectiva, o caso princeps da Jovem Homossexual2é pensado por Lacan3
como uma identificação imaginária ao pai pela decepção que este lhe causa ao "falta? à pro-
messa simbólica de lhe dar um filholfalo. Isto faz surgir a frustração na jovem, o que significa
que dá um passo atrás no caminho da simbolização, e desencadeia um desafio imaginário
dirigido ao pai, expressado por uma eleic;ão homossexual.
Com o desenvolvimento do conceito de objetoa, iacan introduz o campo do heterogêneo
no gozo sexual e um tipo de ausência, decorrente da dialécica fálica, que é preciso situar no
'
real. A partir disso, Lacan sublinha no Seminário I0 a dimensão de acting out e de "passagem
ao ato" na cena do encontro da Jovem Homossexual e sua dama com o olhar irritado do pai.
Esse aspecto da dinâmica mostra que nessa eleição sexual, além da pura identificação fálica,
pode-se ver. na demonsmção dirigida ao pai, que uma mulher assinala ao homem o lugar de
objeto causa de desejo que queria ocupar, o que implica a presença de uma demanda de amor.
Há que sublinhar aqui a indicação que iacan nos dá em rela~ãoa ausência de fetichismo
no que diz respeito ao órgão fálicoi na homossexualidade feminina, o que se apresenta na
homossexualitlade masculina. Para Lacan6, a mulher homossexual não renuncia de todo ao
seu sexo, pois é ao feminino que se dirige, inclusive quando renuncia ao objeto incestuoso e,
identificando-se a ele, elege alguém de seu:próprio sexo como parceiro.
A forrnalização posterior de Lacan das f"rmulas da sexuação7estabelece a posição femini-
na como além do falo. Uma mulher podeocupar o lugar de objeto da fantasia masculina,
porém quando se trata de sua própria subjetividade, h Mulher terá a alternativa de se identi-
ficar ao falo, ocultando sua privação para se situar do lado do ter, ou então assumi-la como
furo no campo do real, o que estaria do lado do ser, do "fazer-se um ser com o natla", via a
relaçáo ao S(4). Que estas posições possam conviver permite a aproximação do que Iacan

Dezembro 2007 184 Opçáo Lacaniana no 50


situa como esse "dirigir-se ao feminino" nas distintas formas com que se apresenta a homos-
sexualidade feminina.
Com a noc;áo de pluraliza~ãodos nomes tlo pai, em 19639,Lacan formaliza que outros
significantes possam vir em seu lugar, de forma equivalente. Nos Sernit?á?YosKSI (1974-75) e
Jojce, o Sintoma (1975.76); essa mesma perspectiva permite pensar a idéia de suplência do
Nome-do-Pai, quer dizer, modos sintomáticos resolutivos singulares que cada um pode
encontrar para estar no mundo, sem ser destmído pelo seu gozo, e que implicam a noção de
uma foraclusão generalizada do Nome-do-Pai.
Nesse momento do ensino, foi preciso pensar que o lado feminino das fómulas da sexuação
fica de algum modo generalizado ao ser que fala, já que o Outro só se faria presente como A.
Essa é a perspectiva que assinala a fórmula "Não há relação sexual" entre o sujeito e o Outro,
apontando precisamente o que "há': o gozo do sintoma.
Essa afirmação sublinha, além dissol a não relação encadeada entre SI e S2, que deixa sol-
tos os Si, sem o Outro, como gozos uns que não estão organizados no discurso, mas que, sem
dúvida, podem estabelecer laços através das clistintas formas de suplência.
Como pensar, segundo esse ponto de vista, os enganos dos movimentos políticos a favor
de que as eleicões sexuais permitam estabelecer estilos de vida a partir da inclusáo nas leis de
direitos minoritários?
Nos EUA, por exemplo, a comunidade homossexual organizada como minoria política con-
seguiu?em 1973, que a Associação Americana de Psiquiatria retirasse a homossexualidade do
DSM e que a Associação Psicológica Americana declarasse, em 1975, que a homossexualidade
não é um transtorno. Em 1994, esta mesma associação estabelece que a homossexualidade
não é uma eleição e que não se trata de enfermidade mental nem de depravação social, mas
da forma de expressão de amor e sexualidade de uma minoria. Dai por diante, a tentativa de
um psicoterapeuta de mudar a orientação sexual de um paciente ou de referir um paciente a
uma instituição que se ocupe dessas práticas é considerada fora dos princípios éticos que se
exigem dos membros da associação.
O que o conceito de foraclusão generalizada do NP oferece é precisamente a possibilidade
de que cada um possa se instalar no mundo a partir da perspectiva de um "fazer com" seu
gozo e de "se fabricar um ser" ali onde não há nada. É um modo de entender a idéia de Lacan
de prescindir do pai e ao mesmo tempo usá-lo como instmmento.
As novas formas de família constituídas por parcerias estáveis de lésbicas que decidem
adotar crianças ou ter Filhos por inseminação, natural ou artificial, mostram um tipo de laço e
de organização familiar na qual se exclui a noção de paternidade, desde a certidão oficial de
nascimento. Quando se trata de parcerias nas quais há duas mães declaradas e, portanto,
nenhuma pode ocupar legalmente o espaço vazio designado ao nome do pai, este fica sim-
plesmente vazio. Essa é uma forma de prescindir do pai e ao mesmo tempo se sewir dele uma
vez que há uma passagem pela inscrição no Outro social?
Se o que Lacan coloca é que a maneira de cada um encontrar seu modo de fazer laço passa
por algo que é inclassificável, então nem sempre será possível que isso coincida com as inscri-
ções que o Outro oferece. Cenamente é insuficiente tomar os significantes do Outro para se

Opção Lacaniana no 50 IR5 Dezembro 2007


dar um ser, no máxiino podem ser usados para se instalar oficialmente na \:ertente do ter Por
meio da maternidade, por exemplo.
Que os problemas que preocupam hoje aos homossexuais não sejam os mesmos de
ontem e que o político e o jurídico terminem sendo o que define seus modos de vida, não
implica que do Outro venha garantia alguma com relação ao ser de gozo. Cada sujeito conti-
nuará carregando sua responsabilidade de tratar aquilo que não lhe seja possível manejar
A homossexualidade feminina, assim como outras formas de gozo, pode tomar hoje
formas diferentes de expressão. Não parece ser possível pensá-las sem o falo, ou sem a Fantasia,
ou sem a suplência sintomática, nem fora da civilização a que pertencem, a qual desenvolve
suas formas próprias de organizar o real com maior ou menor êxito. Um real que, por um
lado, empurra a organização de discursos, quer dizer, de semblantes, ma5 que, ao mesmo
tempo, termina deixando o mais vivo do gozo fora da lei.
Pois bem, arranjar-se com a singularidade de forma original é, em cada caso, algo que não
vai de braços dados com as bandeiras políticas, pois exige apontar o "não todo x". Edzer existir
o pai,leva, inexoravelmente, a fazer existir o falo e não a colocar nada a trabalhar Eleger a
homossexualidade feminina hoje, como um modo de se representar dianre do mundo, não
exclui que cada caso particular tenha que se dar ao trabalho de constniir o campo de sua ex-
sistência com relação ao Outro.
Texto traduzido por Heloisa Caldas.

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Opçáo lacaniana no 50
Nos fragmentos de sua autobiografia, publicada por KraM Ebing em 1924, o Dr X, médico
homossexual, que havia sido descoberto enquanto praticava a masturbação orai em um lavrador
rústico no campo, relata.sua decisão de abandonar a Alemanha para "encontrar um novo lugar
onde nem a lei nem a opinião pública se opusessem a este impulso que ... não pode ser
superado pela vontade". Suas intenções de dominá-los haviam sido infmtiferas e somente
haviam conseguido torná-los mais fortes. Conclui, então, que "nossa única esperança reside
na possibilidade de que mudem as leis que a tipificam, de modo que somente a violação ou o
acometimento de uma ofensa pública, quando cheguem a ser provados, sejam punidos".
Seu testemunho, como o de tantos outros ao longo dos séculos, dá conta da presença de
um gozo que não cede diante das sanções da lei nem diante do esforço da vontade, um gozo
que não se elimina, que se impõe ao sujeito além dos ideais e que apela para seu reconheci-
mento social, distinguindo os atos passíveis de punição e os atos privados não puníveis.
Sem dúvida, produziram-se mudanças desde aquela época em que o Nome-do-Pai,susten-
tado em firmes ideais sociais penalizava e segregava, por sua condição de gozo, quem se
distanciava do ideal. Os desejos do Dr X têm produzido fmtos. Os homossexuais conseguiram,
hoje, a legalização de sua prática sexual: a união civil já está vigente em vários países e os
homossexuais lutam, hoje, pelo reconhecimento de sua idoneidade para a ado@o e a patemi-
dade. A sociedade atual, marcada pela queda de uma referência universal e pela pluralização
dos NI: parece aceitar, hoje, diversos modos de gozar.

Alguns antecedentes sobre a homossexualidade masculina e o pai


em psicanálise
Pode-se dizer que a psicanálise tem contribuído para estas mudanças no discurso social
sobre a homossexualidade e para que se a reconheça como uma prática sexual entre outras,
não sujeita a penas.
A partir de Freud, a homossexualiclade deixa de ser considerada uma degeneração para
constituir uma eleição sexual, produto das contingências das fixações e identificações que
marcam um sujeito desde seus primeiros anos de vida. Já não se considera a sexualidade

Opção Lacaniana no 50 187 Dezembro 2007


como uma determinação biológica ligada a um objeto predeterminado. Ela é, para o sujeito,
uma pergunta. Freud toma posição contra os preconceitos morais da época e rompe coni a dife-
rença entre sadios e doentes, reconhecendo o caráter penTersopolimorfo da sexualidade. Assim,
em 1935, diante da preocupação de uma mãe americana com a homossexualidade de seu filho,
Freud recupera sua dignidade como modalidade de gozo: "... a homossexualidade náo é, imedia-
tamente, uma vantagem, porém não há nela nada do que se envergonhar: não é um vício nem um
aviltamento e não se poderia qualificá-la de doença; nós a consideramos como uma variação da
função sexual provocada por uma interrupção do desenvolvimento sexual. Muitos indivíduos bas-
tante respeitáveis de tempos passados e modemos foram homossexuais e entre eles encontramos
alguns dos maiores homens (Platão, Michelangelo, Leonardo da Vinci etc.) krseguir a homosse-
xualidade como um crime é uma grande injustiça, e também uma crueldade... "
iacan, por sua vez, acentuou que as diferentes repostas subjetivas doparlétre constituem
modos de desconhecer a castra@o do Outro e de evitar o encontro com a ca~traçàoreal. Hete-
rossexual, lesbiana, homossexual são sempre respostas sintomáticas à impossibilidade de escre-
ver a relação sexual, um modo de suplência. Existem modalidades singulares de se haver com o
real da castração e com as condiçóes de gozo. Desde esta perspectiva, qualquer tentativa de
hierarquizar uma sobre outra é uma operação que fica inscrita no discurso do Mestre.
E o pai? Tanto Freud quanto Iacan se perguntaram, em diversos textos, sobre a incidência
do pai na etiologia da homossexualidade masculina.
Em seu texto sobre Itonardo daVinci,Freud apresenta a constaraçáo clínica de que todos os
homens homossexuais de sua experiéncia mantiveram, em sua primeira infincia, uma ligação
erótica muito intensa com a mãe "sustentada, além disso, por um afastamento do pai na vida
infantil." Iacan também, em sua primeira clínica, acentuou a ligação do menino com sua mãe
e náo o fracasso do NP para fazer operar a lei: sendo a mãe a que dita a lei ao pai, evitando a
castraçáo. O homossexual masculino, identificado com o falo matemo, evitaria, então, tanto a
castração marerna como a lei do pai.
No entanto, o Nomedo-Pai como regulador do gozo pela via da interdição, não foi suficiente,
para iacan, como operador teórico. Se a função do pai procura barrar no desejo da mãe a
presença de um gozo, a metáfora do Nome-dopai não consegue anulá-lo,permanece um resto.
iacan passa, em seu ensino: da função de interdiçáo do pai como regulador do gozo, a
funçáo do pai como duplicaçáo da castração real, operada pelo efeito mesmo da linguagem. O
Édipo freudiano é, entáo, um mito que elide o conhecimento da castração real e do desarranjo
estrutural do gozo que encontra sempre seu próprio limite. A permissão de gozar náo muda
nada quanto a estrutura do gozo que, em mesmo: comporta uma abertura, uma perda da
qual o pai freudiano nada mais é do que revestimento.
Para qualquer sujeito, homossexual oulnão, se coloca, entáo, a tarefa de encontrar uma
solução do encontro com o real da castraçáo e com o desarranjo do gozo. E isso tem variaçóes
que dão lugar a distintas respostas subjetivas.
Quem pode duvidar que o homossexual masculino trouxe a psicanálise a constatação de
que a metáfora paterna, o Édipo, é apenas u~mmodo, entre outros, de saber fazer com o gozo?
Porém, a permissáo para esse gozo não resblve o problema do sujeito.

Dezembro 2007 188 Op@o Lacaniana no 50


A identidadegay, os estudos queer e a oferta psicanalítica
A questão homossexual converteu-se: hoje, em uma questão social, e isto não é sem
conseqüências para a clínica psicanalítica. As novas condições criam intemogações para a
psicanálise, interpelada pelas uniões do mesmo sexo e pelas possibilidades da paternidade
gay. A psicanálise tem a exigência de estar a altura de sua época. Quais desafios ela enfrenta?
Em seu caminho contra a segregaeo e a discriminação, os homossexuais deram lugar a
diferentes respostas e tentativas de soluçião para que se reconheça a homossexualidade como
um estilo de vida e fizeram de sua prática sexual um nome que os identifica:"sougay." Porém,
qual estatuto dar a essa identidadegay a partir da psicanálise?
Sem dúvida se trata de uni nome que surge como uma invenção da própria comunidade
gay e que os nomeia. Como tal, funciona como um Nome-do-Pai,um significantemestre que
produz efeitos de identificaçãoe de honiogeneização, dando lugar a um "para todos". Sua
aparição sustenta uma função e verifica a pluralização dos Nomes do Pai antecipada por Lacan.
Miller propõe que essa nomeação funciona como "uma elucubração de saber sobre o fato
homossexual".
Será possível compatibilizar essa procura de identidade com a política da psicanálise que
vai contra fomentar identificaçõescomo solução para o desarranjo com o gozo?
Sabemos que a procura da identidade, levada ao extremo, pode constituir um modo de
desconhecer a fenda constitutiva do falante.O regime do "todos iguais" não escapa ao regime
edípico que funciona com a lógica do Um-Todo,unificante,que atrapalha a surpresa e que, em
seu normativismo, não dá lugar à diferença Paradoxo que faz com que o movimento homos-
sexual, em sua luta contra a segregação, possa se ver pego em um novo modo de segregação.
Hoje, um homossexual poderia sentir culpa por não pcnencer à cumunidadegay.
Nos aproximamos, talvez, do ponto em que iacan, em "O saber do psicanalista", dizia que a
homossexualidade vai cair sob a égide do normal "a tal ponto que teremos novos clientes em
psicanálise que virão nos dizer: "Venhovê-lo porque não sei se minha bichisse' está normal!".
Vai haver um engarrafament~!~ Porque sabemos que o gozo vem perturbar essas nornias.
E osgays chegam ao consultório.Às vezes pela emergência da angústia que objeta o "para
todos" da resposta da identidade, outras pela reaparição da divisão subjetiva não eliminada
pela identificaçáo,outras pelo encontro com o impossível de uma harmonia sexual com seu
parceiro, ou pela aparição de um gozo que se toma compulsivo e mortífero.
O que o psicanalista pode oferecer?Não se trata, sem dúvida, de atuar como um Nomedo
Pai, mas sim de acompanhar o sujeito no caminho de um melhor amnjo com seu gozo e com :
castração, no caminho de uma solução sempre singular e sintomática na qual cada sujeito possa
encontrarseu melhor impasse, seu modo de saber fazer com o sintoma, semstandards. Talvez
o psicanalista possa contribuir para um além do N e no ponto em que, do nome coletivo que os
identifica,possa dar lugar a singularidade do nome próprio e tomar possível reconhecer um
gozo não normalizado.
É certo que, dentro do próprio movimentogay, há vozes que questionam a nomialização
e a homogeneiza<;ão,pronunciando-se a favor da constniçáo histórica da sul~jetividadegay.

Opção Lacaniana no 50 189 Dezembro 2007


Os estudos queer, O construcionismo de Foucault vão nessa direçáo. Mas, paradoxalmente,
criticam a psicanálise como pane dostablishment e a consideram uma teoria heterossexual e
homofóbica.Temos de "expulsar a polícia psicanalítica de nossos dormitórios", diz D. Halperin
em uma de suas conferências.
Trata-se, sem dúvida, de um novo desafio para a psicanálise, que terá de tomara seu cargo os
efeitos clínicos dos movimentos sociais, enfrentar a exigência de estudar a singularidade dos
novos laços homossexuais, na época em que a verdade do gozo como impossível jj náo se
abriga por trás da proibicão do pai e, ao mesmo tempo, pondo em jogo sua "paixão pelo novo",
responder aos questionamentos fazendo valer os princípios da psicanálise na nova conjuntura.
Teao traduzido por Celso Rennó lima

'NT -Optei por utilizar =ia lotmapara traduzir: "iVengo avedo porque no mariconeo aormalmenld?
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Opção Iacaniaiia no 50
O gozo e as identificações
Aidentificação na psicanálise remete necessziamente a questão dos atributos. O sujeito do
inconscienteé o sujeito do significante e náo conta com um ser que lhe outorgue uma identidade.
As identificações são Funções que, a partir de Freud, respondem a lógica de que no inconsciente
não existe o significante que possa dizer "homem" ou "mulher". O sujeito implica a inscrição de
um vazio e é o resultado no qual se conjuga a heterogeneidade do sexo e do gozo.
O pai é a figura que se institui para dramatizar a utopia da apropriação do gozo. O pai
freudiano é concebido pela iniagem do proprietário, aquele que tem todas as mulheres, aquele
a quem se pode pedir algo, a quem se pode dirigir as queixas. O pai como Função é uma forma
do universal, mas, visto a partir da exceção, é a lógica edipiana do todo e da falta. Enquanto o
pai é este elemento suplementar que limita o todo, que permite armar uma estrutura estável
e organizada, as identificações ordenam a relação do sujeito com o saber e tentam encontrar
o gozo em um objeto "apetecível".
A raiz da identificação é o riso, diz Iscan nnSenzinario V. O riso comunica algo do gozo
e o faz de maneira direta, dirigindo-se àquele que, "muito além da presença sig~iilicada:é a
fonte, o recurso do prazer". A identificação aparece como seu oposto, pois quando há identi-
ficação, termina o riso. Um riso edipiano, pode-se dizer, visto que Freud destaca as satisfações
a que o sujeito deve renunciar. "Os investimentos libidinosos são resignados e substituídos
pela identificação~'.
A identificação é o ponto que articula o gozo com o significante do Ideal vinculado a máscara
que sempre leva consigo a marca de um significante especial -"um significante escolhid~'~. As
máscaras resultam na insatisfação: ou seja, na dimensão do desejo, e sua função domina as
identficações. A pluralidade das relações do sujeito com o outro desembocam na pluralidade
de insatisFações que fariam de "toda personalidade uni mosaico movecliço de identificaçóes".'
As identificações, relacionadas ao fracasso ou a rejeiçáo da demanda, constituem o caráter
cômico da relação entre os sexos. Diferentemente do estabelecido por Freud, Lacan destaca
que as formas do Ideal do Eu não são efeito de uma sublimação, mas que sua fonnação é
acompanhada de uma "erotização da relação ~imbólica'~
A identificação está relacionada ao ser - ser este ou o outro. Parece-nos mais próprio
relacioná-la aos semblantes. O melhor exemplo disso foi dado por Iacan noSe??zinárioV, ao
analisar O Aalcão, de Jean Genet, do qual se pode captar como a comédia é a do falo, é a

Opçáo Iacaniana no 50 191 Dezembro 2007


comédia dos sexos, onde ninguém quer acreditar no que de fato é: o importante é o que se
goza das funçòes que cada um assume. Podemos assim concluir que as identificações vêm do
gozo e permanecem do lado do gozar do sentido.

Atravessar o plano das identificações


A pessoa em análise produz uma demanda que é estnitural: demanda um "serv. Ou,
melhor dizendo: na medida em que a falta-a-ser é a exaltação da diferença - o sujeito neurótico
pede para "ser como os outros". A posição do neurótico seria le\:ada a glória se pudesse trans-
formar sua falta-a-serem um significante mestre, como preconiza J.-A. Miller, "caso conseguis-
se ser justificado como injustificá~eI.~Abusca d e um significante mestre que preencha a falta-
a-ser é um vetor que o analisando resiste em abandonar E justamente o que consiste no
motor central do desejo do analista é conseguir que o sujeito abandone o que para ele faz as
vezes de SI.
A identificação em sua forma primordial, constitutiva: não implica uma função de repre-
sentação perante o Outro. Para-se de uma função significante fora do sistema significante. É o
traço unário, que tem o valor de "insígnia". Conhecemos o paradoxo do significante mestre:
ao mesmo tempo em que cria o sujeito, ele o apagai. Esta subjetivação de Si tomará logo o
valor de representação significante. É a operação de alienação que permite a instalação do Si.
Por outro lado, as identificações secundárias implicam na representação subjetiva, se
expressam nesse mosaico variável e dependem da acolhida que têm perante o Outro do signi-
ficante. Com a separação, o sujeito se localiza por sua falta e deixa captar, para além da identi-
ficação significante, a parte do organismo que não se transforma em corpo, os lugares onde a
pulsão se aloja: as zonas erógenas. A subjetivação, neste caso, se realiza pela fantasia.
O arravessamento da fantasia é correlato a uma dessubjetivação do significante. A pergunta
que Lacan faz é: "Como pode um sujeito que tenha atravessado a fantasia radical viver a pulsão?
Qual é seu efeito!" Resposta: surge um novo amor. "a significação de um amor sem limites...'"

Finalmente, o pai
Em "Psicologia das massas", Freud relaciona ao pai a identificação primária. O pai exerce
esta função pelo fato de ser. com predilecão, merecedor do amor - "um pai todo amor"9
Trata-se do mascaramento da verdade do mestre tal como o demonstra a análise das histéricas:
o pai está castrado. O Nome-ddai é um npme de substituição que, ao mesmo tempo, designa
e reabsorve o gozo inominá\~el:"a fim de fazer crer que está confiscado pelo pai"lO.Ao mesmo
tempo em que lacan anunciava esta interpretação do Édipo freudiano, descrevia a época
como "mania da fraternidade", a que esconde a segregação que supõe. Na época do Outro
que não existe, cristaliam-se cenas identificações a um significante mestre para que os sujei-
tos que os usam se aliviem do sofrimento que Ihes impõe a angústia da castração. Fica com-
provada a fragilidade da proposta identficatória destas supostas comunidades de gozo ígays,
alcoólatras, anorhicas, sobreviventes de alguma coisa...) que exigem de todos uma confissio

Dezembro 2007 192 Opção Lacaniana no 50


generalizada do gozo- questão impossível, já que o gozo é particular e rebelde à universalização
paterna. O resultado: a proliferação de deprimidos".

A identificayáo e o desejo do analista

Uma análise trabalha no sentido de que o analisando se desembarace das identificações que
o prendem (e das que goza), produzindo como resultado da experiência uma modificação no
tratamento do gozo. O insuumento de demolição das identificaçóes é o equívoco da linguagem.
Atravessar o plano das identificações por meio de uma psicanálise implica na possibilidade de
uma modificação dos ideais: o que passa para o primeiro plano é o amor e o respeito funda-
mentado no discurso do analista. É um laço social entre homens e mulheres constmitlo além
do ideal, sustentado a partir do desejo e de sua causa. Atravessar o plano das identificações é
entrar em uma dimensão que se situa além do Éclipo, - o grande passo dado por Lacan ao
destruir o pai como ideal ou como universal. Poder usar o Nome-do-Pai nestas condições
indica que esse novo amor, esse novo laço social se sustenta porque o pai é reconhecido não
como emblema de quem detém o gozo, mas sim porque seu respeito surge pelo fato de ter se
confrontado com a questão do gozo de uma mulher.
O desejo do analista é uma posição alcançada, a de um santo, como Lacan esclarece em
Elevisáo, ou a de um bufão, como o indica em X Terceira". Duas figurações, para assinalar
um estilo de vida particular - a de alguém capaz de se situar em um lugar conveniente para
fazer uma leitura do gozo de Um sem atribui-lo ao Outro.
Uma andise pode funcionar somente se o analista puder ocupar o lugar do "sem qualidadeni2,
ou seja, se em sua a análise conseguiu se desvincular de ceno número de identificações e,
além disso, tenha uma relação especial com a identificação que lhe dá sua pairiculai-itlade.Tal
particularidade é o resultado do tratamento dos sintomas sob transferência que, em seus
volteios, produz uma purificação do núcleo de gozo que define o sintoma como singular
Como foi proposto por Samuel Basz, isto tem um estatuto ético próprio, já que não pani-
cipa da crença como o sintoma em transferência, que está abeno à significação que espera do
Outro''. O que o final da análise propõe, então, é uma posição subjetiva de certeza que advém
do lugar da crença no sintoma. A esta nova posição subjetiva Lacan chamou de "identificação
com o sintoma".

Modos de gozar
Uma questão interessante com relação ao problema das identificações é a que tem fonnula-
do o estudo de casos que apresentam o dispositivo do passe na escola. Leonardo Gorostiza, no
~ ~

informe de um dos cartéis do passe, trouxe o problema nos seguintes termos: "O cartel consta-
tou como alguns passantes pretendem ter atravessado ou constmído a fantasia quando o que se
transmite não passa da queda de uma identificação com o correlato efeito de entusiasmo"" ...
Se o sintoma é um modo de gozar do inconsciente, uma vez que este determina o sujeito,
então podemos definir a identificação como um modo de gozar do significante niestre que a

Opção Lacaniana no 50 193 Dezembro 2007


constitui. O sintoma supõe que o significante não apenas está coordenado como também
identificado e confundido com o gozo. O entusiasmo descrito por Gorostiza talvez seja o
equivalente do riso ao qual nos referimos no inicio.
O que haveda além? "Com o que se identifica alguém ao final da análise?"Pergunta Lacan.
"Identifica-se com seu inconsciente?Isto é o que não acredito, porque o inconsciente resta -
não digo eternamente, pois não existe nenhuma eternidade - resta o Outro'i.
A identificação com o sintoma implica uma nova subjetivação, o reconhecimento, por
parte do sujeito, de sua condição de gozo, para poder conviver melhor com ele. Pata-se de
suhjetivar o que resta de substancial do inconsciente, para além da morrificação significante.
Para que o sintoma seja analisável, é preciso passar pelo efeito de significado que se chama
sujeito suposto saber. Quando, finalmente, já não há a quem se queixar, produz-se a queda do
sujeito suposto saber ou clesvanecimento do semblante do pai.
Em todo caso, no passe, este lugar especial que se oferece a um analisado para que relate
de que modo aceitou a pulsão, tratar-se-á nào tanto de contar as identificações das quais se
libertou, nem de relatar como se resolveram os seus sintomas, mas sim: para além disso, da
forma de felicidade que alcançou. Definitivamente: a analise existe como tal, não como um
modo de um progresso, mas como um viés prático para se sentir melhor
Texto traduzido por Mirta Zbrun e rekisado por Vera Avellellar Ribeiro

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Opyão Iacaniana no 50
Lacan nunca deixou de lembrar que o lugar designado como o do Nome-do-Pai na psicaná-
lise é idêntico ao ocupado pelo Deus-Pai em uma tradição determinada, aquela na qual, dife-
rentemente de outras, o lugar do Outro, o ~ a l é m toma
~ ~a~forma do Um que existe. Por trás do
pai do complexo que Freud chama de p paterno^', apresenu-se o Deus da religião monoteísta,
da tradição judaica e de sua herdeira, a tradição cristã. Entretanto, Iacan tomou o cuidado,
igualmente, de assinalar as transformações e os acréscimos que fazem com que seja proble-
mático considerar essa tradição como homogênea. O Deus que falou a Moisés na sarça ardente
não é um Deus universal, não é a Onipotência Divina, seu poder cessa no limite do território de
seu povo. Quando um outro Eloim do lado de Moab revela a seus súditos o tmque para repelir
os invasores, isso funciona. e oElSSadduí levanta acamoamento com as tribos aue o levaram a
i n v a ~ ã oO~Deus
~ ~ . que tem opovo hebreu como esposa, segundo uma imagem do profeta Oséias3,
é o único senhor e mestre no lugar
- onde reina, ao lado de outros eventuais monoteísmos. É um
Deus *tão tribal quanto os outros, mas talvez utilizado com meios mais puros~t.
O relançamento da mensagem de Cristo feira por São Paulo, conforme ressaltado por
exegetas e histo1iado1-es,consistiu, todavia, em dar ao monoteismo de origem judaica o alcance
de uma verdade universal. Ao mesmo tempo, a noção do Deus único, longe de pemanecer
ligada a uma enunciaçáo singular e ao irnpronunciável de seu nome próprio, foi presa em um
jogo de representações e conceitos que é somente a conseqüência dessa vocação para tomar-se
uma verdade para o conjunto da humanidade. Desde os primeiros séculos do cristianismo, o
Deus da Revelação foi assim pensado, nos termos tomados de empréstimo à filosofia grega.
Deus-Pai foi identificado notadamente ao Derniurgo platônicd, autor e criador do mundo.
Foram numerosos os <pais. que se referiram ao Timeu entre 150 e 250 depois de J.C.: Justino,
Minucius Félix, Atenágora, Tertuliano, Clemente de Alexandria e Ongênio. E: para terminar, a
noçáo de um Deus universal vai encontrar seu estatuto definitivo ao convergir com a idéia
que o espírito humano náo pode deixar de alcançar, dirão os teólogos medievais, de um ~prin-
cípio sem principio., de uma =causasem causa., e de <<umtermo além do qual é inipossí\,el im,
formulações que nada mais são do que o avesso de uma pretensa impossibilidade, a do infinito
em ato! mantida como uma x evidência ,, até o século XIX. Ora, a extensão da soberania do
Deus único ao conjunto da humanidade criou, ao mesmo tempo, a necessidade de unia
comuniclade de linguagem e acentuou a exigência de um princípio de unidade entre os cren-
tes. Esse Deus que, através da pregação do Cristo retomada por São Paulo, tornoti-se o Deus
de todos; só é possível alcançá-lo pela via dos testemunhos orais e escritos. Eles devem,

Opção Iacaniana no 50 195 Dezenibro 2007


então, ser interpretados, posto que seu sentido divino precisa ser decifrado sob a forma
humana de sua linguagem. O problema da compatibilidade entre esses diversos testemu-
nhos: assim como o da articulação entre o dito antigo testamento e o dito novo testamento,
sem mencionar todo o debate em tomo do *insustentável da forniulação de um Deus Trino e
Uno,)6,esses problemas praticamente não puderam ser resolvidos para além da colocação de
uma direção central da interpretação, sob pena de ver explodir uma unidade que é feita a
imagem da unicidade mesma do Deus de todos. Quanto mais o Deus cristão se toma o Deus
universal, mais se faz necessário instalar uma instância magistral, garantia da fé comum.
A universalidade do Deus cristão vai, assim, de par com o reforço da autoridade de um só
enquanto princípio de unidade de toda a comunidade. O .Santo Pai,, torna-se assim a fonte de
um poder que se exerce sem o recurso a força (ainda que ele não se tenha privado dela ao
longo de sua história...),cuja efetividatle sustenta-se inteiramente na perenidade de sua trans-
missão, sobre a base do crédito feito, geração após geração, aos herdeiros de uma enunciação
carismática originária. A noção e a prática daauctontus romana, enquanto fundada na tradição,
encontraram assim na Igreja uma espécie de prolongamento'.
Pode-se dizer, desde então, que a Igreja constituiu, por sua própria estmtura, a mais emi-
nente forma de religião <paterna., na medida em que ela soube juntar, da melhor maneira, a
transcendência do Um fundador e a unidade da instituição fundada. A singularidade da causa
do desejo de cada um é assim sacrificada em Função de uma verdade para todos. Só que essa
verdade Una é *remetida a fins que chamamos de escatológicos, quer dizer, ela só aparece
como causa final no sentido em que é remetida a um julgamento de fim do mundo.,? É na
medida em que ela se vale de uma verdade como tal, ainda por cima universal, diferentemente
de outras religiões, e notadamente da judaica, que se vale da lei, que a religião católica pôde
ser designada por iacan como a .verdadeira
O advento do discurso da ciência marcou, certamente, o inicio do fim de uma civilização
que encontrava suas referências tanto na imutabilidacle do cosmos quanto na hierarquia das
autoridades apensaa um hlestre último. A partir do momento em que o discurso da ciência se
desfez das evidências que sustentavam essa ordem do mundo para substitui-las por constm-
ções, pode-se considerar que o Um da teologia cessou de existir. O Pai da religião, pensado
como Ser supremo, Motor imóvel etc., não poderia escapar do destino que todos os .primeiros
princípios), e outros fundamentos teriam sem tardar, o de tornar-se um postulado ou uma
hipótese cuja necessidade para fundar um todo não trairia ao mesmo tempo o caráter
intercambiável e múltiplo. Os efeitos do discurso da ciência vinham assim juntar-se à pluralização
introduzida na Igreja do Ocidente com a Reforma, colocando definitivamente eni questão
uma unidade que a separação dos patriarcas do Oriente já havia comprometido.
Entretanto, é precisamente no fato de ter sido obrigada a cessar de rivalizar com a ciência
em matéria de real que a verdadeira religião, profetizada por iacan em 1974,vai encontrar sua
nova chance. Desembaraçada, desde então, da preocupação de ter que colocar seus próprios
enunciados a prova dos enunciados da ciência, a verdade da Igreja encontrará no caráter
hipotético, construido, arbitrário dos Fundamentos da ciência, justamente a falha para fazer
valer uma verdade disjunta da pressão do saberlO.Por aí mesmo, a existência de diversos

Dezembro 2007 196 Opçáo Lacaniana no 50


monoteísmos, como múltiplas confissóes cristãs, torna-se menos embaraçadora para ela. Pois,
tratar-se-á menos da dimensão universal de sua verdade e mais de sua dimensão... terapêuti-
ca. O importante é, desde então, dar um sentido a tudo o que na vida de cada um o real da
ciência vem transtornar. .A religião é feita para isso, para curar os homens, quer dizer, para
que eles não percebam o que não está bem?'^ 6, então, menos como criador e mestre do
universo do que como Pai que responde com o amor ao sacrifício que Deus será mais facil-
mente anunciado na Igreja.
Diante desse retomo ao Pai, resta para a psicanálise a responsabilidade de operar em diregão
ao que não cessa de náo funcionar no saber que funciona, o da ciência. Para a psicanálise, a
questão não é dar sentido ao que não funciona, mas sublinhar ai a natureza do sintoma. A
impossibilidade de escrever, de qualquer maneira que seja, a fórmula da relação sexual é o
que, marcando a especificidade do que chamamos de ser humano! limita a onipotência do
saber científico.A necessidade do sintoma, enquanto ele procede dessa impossibilidade, pode
ser o princípio de uma prática que rompe com o que há de religioso no tratamento do real
pelo sentido e que se mantém, ela mesma como sintoma, na civilização moldada pela ciência.
Texto traduzido por \'era Bessei

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*Laan, J. (1966). Opcil., p.873.
'Miiler,J-4 12002~20031.s Untfiorldepoeie~.le(on du 14fliEWi. iddii.
'Old., ibid.
"Lacaii. J. (2005) Lelriompbede h religimt. Paris:%u~l:p87.

Opção iacaniana no 50
A operação do Nome-do-Pai é o que permite sustentar esta inipostura essencial frente a
bocarra da mãe "inacabada". O falo e a palavra são recursos cenamente irrisórios ein certo
sentido, mas podem ser, entretanto, suficientes. Isto é o que mostra Borges em "El impostor
inverossimil, Tom Castro", quando o inspirado Ebenezer Bogle devolve a uma mãe desconso-
lada o filho que havia perdido na Figura de um impostor cujo semblante é inequivocamente
diferente do original que pretende suplantar. O autor cleste artigo viu um rabino acalmar a
crise de excitasão psicomotora de uma mãe frente ao caixáo de seu filho apenas com o recur-
so do kadish'.
A função paterna está afetada pela impostura no que se refere ao pai como nome e ao pai
como nomeador. Há apenas uma impostura maior do que a de afirmar "eu sou seu pai", a do
nome outorgado ao filho. Fausto disse que ninguém pode vangloriar-se de haver dado a uma
criança o nome justo - Wer darfdas Kind beim rechten A'amen nenne>z?Opróprio nome é
algo que só se sustenta de um ato de fé, assini como a lei paterna não tem mais Fundamento
do que o de sua própria enunciaçâo.
Em sua primeira acepção, a impostura é o testemunho falso. Mas todo testemunho só
pode ter lugar em um contexto no qual se ponha em jogo a fé, boa ou niá. A ordem das
imposturas supõe a fé e exclui radicalmente a certeza. Náo é outra a condição da transferéncia.
Só Iiá fé onde falta a evidência, onde o saber não está exposto. É no que se apóia a diferença
entre a invocação do "tu és aquele que me seguirás" e a constatasão cerreira do "tu és aquele
que me seguirá". Como disse Freud, o pai é objeto de fé, enquanto a certeza é materna.
Aquém do Nome-do-Pai, a certeza faz com que o desencadeamento psicótico se apresente
muitas vezes como um desmoronamento que expõe o sujeito eni sua condição de impostor
fracassado, quer dizer, sem fé, já que o real de seu ser fica sem véii Rorges manifestou, cena
vez, seu temor de que toclos se dessem conta de que era um impostor Por isso niesino não
estava louco. A loucura é "crer no próprio nome": disse Lacan, mas isto ocorre sobre um
fundo de recliaço da dimensão de impostura que implica toda a representaçâo do sujeito.
Se Lacan disse que a psicanálise é uma Fraude, é porque conduz à verdade pelo caminho da
impostura. Isto põe, manifestamente, a proxiniidade do Nome-do-Pai e o sujeito suposto saber. A
posição do analista dá conta de um uso muito patticular da impostura terapéutica. Concluíiiios
este artigo com uma passagem das memórkas de Bioy Casares, na qual o médico-pai-mestre
terapêutica sustenta uma vez mais a impostui-n frente a fatalidade da mãe desenganada:

Contam-me que uma senhora - inglesa, 78 ou 80 anos, paralítica - outro dia


suicitlou-se. Afilha, que é muito religiosa. interrompeu as orações ao ver que a
mãe voltava a si e com a voz sófrega pela do. Ilie perguntou: "Por que fizestes
isso, mamãe? N6s te queremos tanto! Por que o fizestes?A senhora respondeu:
"I can' t screw"'. O médico, que estava com elas, não percleu a serenidade. Gra-
vemenre responcleu: "Nunca se pode dizer isso. Há muitas nianeiras de fazê-lo."
Tato traduzido por Kómulo Ferreira da Silira
'NT Fsse armo é uiilixado p m se referir à e r q b do órgão sexual mwuliiio. Quer dizer, a u r parado. aiar dc pé. Decidi nianlei a palivra porque em
prtuguês podemor tamhém fazer ie(erêncir i parada como uma aprcrenuçãa ou um d ~ f i l cpor, erempln, a p a r ~ dmiliui.
r

Opçáo Lacariiana no 50 i99 Dezenibro 2007


'Oraçáo que se reza pela morlos nauadiçáo iiidaica.
posso icder".

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L&;aii J 1)9'111,~-$d]) I.;,?»uionr ..!niKii ltl1i.eiri ' rpe7A?r
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Dezembro 2007 Opção lacaniand no 50


A "época freudiana" era um tempo enfermo do pai, enfermo do semblante por excelência.
O recalque tinha lugar no Nome-do-Pai e, no Nome-do-Pai, o inconsciente se constituía: o
sintoma era um modo de fazer com ele.
Mas o Nome-do-Pai, determinando o sintoma, não tinha a potência suficiente para ser o
nome d o sintoma: seu nome não nomeava, não nomeava o ser de gozo do sintoma, apenas
permitia as tramas de seu envelope formal. Ou seja, o Nonie-do-Pai denionstrava sua inipo-
tência na hora de nomear o núcleo de gozo sintomático, como também falha na hora de dizer
o desejo do sujeito: porque a causa não tem pai. Digamos isto, ainda, de uma terceira foma:
o sintoma era "paterno" em seu sentido, mas não em seu gozo. Contudo, era articulação de
ambos que permitia, que possibilitava não ser um psicótico, pois o pai, ou seja, o campo do
sentido edípico - o que do real do pai se escreve como sem sentido, é outra coisa -, nos
defende desse ponto de sem sentido que o sintoma aloja em seu coração. O que demonstra a
impotência do Nome-do-Pai é o coração de sem sentido do sintoma, mas o Nome-do-Pai,
apesar de não ser todo, era e é muito, pois, coordenando o objeto a castração, evica o pior.
Qual é a importância de tudo isso, da funçào de ponto de basta do Nome-do-Pai?Sem dúvi-
da, isso não aguenta ou aguentará muito - seu declinio é palpável. Isso supõe que a psicose será
o futuro? Acreditamos que não, e acreditamos nisso porque entre esse Nome-do-pai, como
nome do que ordena, do que faz a Lei no Outro, e sua fonclusão, resta uma terceira posição: a
amarração dos registros pelo quarto anel do sintoma - e é isso que permite entender que o
Nome-do-Pai é um sintoma, entre outros, do sujeito: mas também da civilização. E é o que
permite entender que não é necessário o pai, nem seu nome, para que haja castração. É mais do
que isso. Não é o Nome-do-Pai que efetua a castração, mas a castração que habilitou o Nome-do-
Pai a dar corpo ao verdadeiro agente da mesma: a linguagem.
Mas, o sintoma não é, por acaso, o signo do que não funciona no real? Com efeito, mas o
sintoma como sinthoma, talvez seja a única amarração do real e do sentido. É por isso que a
pergunta em cada caso clínico não é somente se houve ou não Nome-do-hi, mas também se
há ou não outra amarração que supre sua possível ausência, sua foraclusão, pois sua presença
pode reparar essa foraclusão - o que é o caso Joyce, senão, o que dizemos?
Mas, antes de chegar a este sintoma, ao sintoma como amarração, é necessário passar pelo
sintoma, o outro, o freudiano, o sintoma como metáfora- e este assunto é de crença para sua
constituição como mensagem, como significação a descobrir, como verdade oculta. E ai, jus-

Opção Lacaniana no 50 201 Dezembro 2007


aparece de modo fugaz, o analista assinalará sua necessidade e não permitirá que o real como
acontecimento seja igualado a um infonúnio, como querem os outros discursos.
A civilização terapeutiza esse real. Nada contra isso, porque nós, analistas lacanianos, náo
temos as terapias como rivais - inclusive a grande terapia que é a própria ci\4lização -, mas o
real como aliado. Com efeito, mentir sobre o real não é privilégio do inconsciente, já que é a
missão, a função do mestre, função mais mentirosa hoje em dia porque o mestre se tomou
"científico" em seu empuxo avaliador. Não é que o real escape na medida certa, mas, com os
dados na mão, com suas enquetes para tudo, o niestre mente, como o inconsciente, na inter-
pretação que faz dos dados - como o inconsciente, o mestre é um intérprete "interessado".
Por isso? afirmamos que o real é a máxima condição de possibilidade para a psicanálise: em
cada ocasião, em cada lugar, em cada caso, se há um analista que aponta a presença do real, a
psicanálise não será questionada - por ser um fato empirico, fazemos ata disso.
Em sua prática e em sua vida, o analista lacaniano é chamado a fazer-se sinthoma, preseivar o
sem sentido em um mundo aue tenta tamwnar o real com um mais de sentido. fazendo de sua
palavra letra! e de sua posição litoral, litoral entre simbólico e real. Em tennos freudianos,diríamos
assim: o analista lacaniano é chamado a ficar no im~ssívellitoral entre a natureza e a cultut-a.
Por isso, no lugar de "Inconsciente e Nonie-do-Pai",a díade lacaniana é "inconsciente e real';.
E se a orientacão Iacaniana é a orientação para o real, precisemos que não é porque o real se
oculta, mas porque o ocultam. Ele é ocultado pelo inconsciente em sua venente de repetição, e
também pelo social, com a polifonia discursiva. Mas há uma grande diferença entre ambas as
ocultaç6es porque pelo menos o inconsciente mente, mas "sobre" o real -a fantasianão é outra
coisa -, enquanto os outros discursos mentem "o" real, ou seja, desconhecem o real com suas
verdades. Em um, o real é "êxtimo", nos outros, exterior.
Em primeiro lugar estaria curar-se dos sintomas e, em seguida, curar-se do inconsciente -
e é por isso que Lacan falava do duplo cone necessário para obter o pedaço de real. Curar-se
do inconsciente é curar-se do sentido e de sua mentira sobre o real -sua repetição. Por isso,
o saldo de uma análise pode ser medido em termos de saber, mas passado um tempo esse
ganho de saber é deixado cair: Sicutpuleu. O que não admite que se o deixe cair é o real, pois
permanentemente golpeia para fazer-se ouvir E se dizíamos que no real o analista lacaniano
tem seu melhor aliado, agora podemos acrescentar: para o analista lacaniano, menos amor ao
sentido e mais "olfato e visão'' para o real, pois é chamado a ser, náo tanto a voz que clama
pela verdade -que se tornou uma quesráo cínica separada de todo sujeito concreto -,mas a
encarnação do real, ou seja: disso que não vai bem e que não cessa, porque é letra que encama
o sem sentido de uma vida, até que seja lida por um analista, um analista leitor do real.
Tato traduzido por Cristina Drummond

Opçic Iacaniana no 50
apela para a interpretação8.Opecl-se assini a passagem do inconsciente freudiano que se decifra
para o núcleo de gozo autista que o sintoma encerra.
Este momento é posterior a formulação da segunda metáfora paterna, na qual o A teste-
munha a perda da função de garantia que tinha o &i e introduz a questão do objeto. Isso
torna patente que a interpretação náo é uma metalinguagem.
O objeto a, como construção lógica sob transferência, dá uma perspectiva sobre o gozo.
Sem dúvida, com o objeto a tampouco se sai do registro do Pai dado que é o resto de gozo
que deixa a operação significante e só pode ser pensado como real a partir da perspectiva do
simbólico. O objeto a é diferente do que Freud chamou de pulsão, que é um gozo que não
tem perda. Por isso Lacan atsinalou que o sujeito é seiiipre feliz porque, nesse nível, o Pai não
apaga o gozo.
A questão é como ir além dessa perspectiva e é isso que Lacan tenta faier co60 nó. por
isso falará do sinthoma como modalidade de gozo que enlaça os três registros. Isso possibilita
abordar o final de análise como um uso ético do gozo.
Aquestão que se coloca com a interpretação clássica é como fazer com a-subjetividadede
quem interpreta. Cabe recordar que isso foi o que levou a religiãoa-situar a igreja como
custódia do dogma. Na psicanálise, o tema da contratransferência ilustra essa dificuldade. b r
isso Lacan elaborou a passagem do analista em posição de sujeito ao analista em posição de
objeto, o que implica a redução de sua subjetividade. Na prática, trata-se do tlesejo do analista
que oferece um vazio de modalização ao analisando para acolher a de seus ditos. Por isso
Lacan fala da interpretação apofântica.
iacan deixa localizada a equivalência inconsciente-interpretação, que é ourra fomia de situar a
interpretação analítica.A interpretação é primordialmente a do inconsciente, a interpretaçáo ana-
lítica é secundária, funda-se no inconsciente intérprete9. Dai poder distinguir a intei-pretação
associauva da dissociativalO.A primeira supóe que o analista tm. o sigiiificante em relação ao qual
o sujeito se representa e etemiza a cadeia significante. A segunda, não acrescenta significantes
novos, mas dissocia, produz uma ruptura na cadeia. Pois só é possível restabelecer a conexio e a
divisão entre o sujeito e o gozo atravessando a tela das representações, o imaginário do sentido.
A interpretação na orientação lacaniana segue de maneira discreta as mudanças na foma-
Iização do Nome-do-Pai. Se Freud acreditava no pai, o ensino de iacan vai de sua hierarquização
a um rebaixamento, acabando por pluralizá-lo.
Lacan introduz, em "O despertar da prima~era"'~, três versões do pai como Nome. Elas
póem em jogo o A e mostram que se trata de um Pai na lógica do não-todo. Fazem pensar na
necessidade do sintoma para fixar algo pela falta do ponto de amarração. Elas são: Nome do
Nome do Nome, Nome conio a-sistência e semblante".
Como Nome do Nome do Nome se infinitiza, pois não há Um que lhe convenha. O Nome
como ex-sistência coloca que existe o nome mesmo porque não é Nome Próprio e o semblante
é um nome vazio que assinala tanto a falta no Outro como a falta do Outro.
Nesse momento, trata-se das ressonâncias da interpretação que opera pelo equivoco, e da
re-introdução do gozo pelo lado da pulsão definida como o eco no corpo pelo fato de que há
um dizeri3.A questão é, então, como operar com um real fora do sentido ...

Opção Lacaniana no 50 205 Dezembro 2007


O Pai e a invenção. Existe um par mais bem emparelhado do que este? Os crentes pensam
que não há nenhum melhor. Eles acreditam que Deus-Pai é o maior inventor cle todos os
tempos. A harmonia e a complexidade da Natureza e do Homem seriam devidas a ele. Segun-
do a moral judaico-cristá que estruturou nosso ocidente, é graças a esse Pai que os homens
podem viver juntos. Não apenas porque eles esperam merecer o paraíso, mas, sobretudo,
porque este Pai regula o gozo, elevando-o à dignidade do amor A fé de Um único recai sobre
o amor do próximo. O Pai teria inventado o amor e o reconhecimento, estabelecendo
normas, uni conformismo, que basta respeitar para estar bem junto ... e atingir o Nirvana. No
céu, não na terra. Assim, o Pai, funclando uma utopia, teria protegido o gozo contra seus
derivados odiemos e destruidores. A civilização não deixou de encostar-se na religião por
acreditar, também ela, em um Pai fundador do laço social pacificado e adaptado.
Mas, desde que a física, a genética ou a biologia demonstraram que em breve náo se atri-
buirá a Deus mais do que a invenção da alma, o Pai foi perdendo o seu poder Suas fundaçóes
foram feridas.
Sobretudo porque a ciência teve um aliado de peso. Freud e sua invenção do inconsciente
abriram definitivamente uma brecha. Neuroses, psicoses e peiversões fizeram, a panir de
então, parte da humanidade. O desejo sexual fazia sua entrada, demonstrando sua exigência e
capacidade de se impor onde ele não estava autorizado. Foi preciso concluir que, ao lado da
alma, se impunha no Iiomem um ser fora da lei, irreprimivel, insensato e indizível. Houve
muito ressentimento contra Freud por ter feito, dessa maneira, o Pai cair de seu pedestal. Não
gostaram de sua tese do conflito entre desejo e dever Ele persistiu e denunciou o mal estar na
civilização. Chegou a interrogar o Futuro da ilusão que a religião revelava ser, a partir de então.
Entretanto, os detratores de Freud, os defensores da existência do Pai =uniano., não viram o
quanto Freud estava agarrado a esse Pai. Foi ele quem convocou o mito de Édipo para demons-
trar que, mesmo se o assassinato do Pai estivesse inscrito no homem, o Pai mantinha as rédeas,
impondo-se como uma identificação fundamental, e alimentando a culpabilidade do filho e a
angústia de sua revanche. Ele não insistiu em definir a lei do Pai e suas normas como a única
regulação viável do desejo para o sujeito? Em suma, o Pai Freudiano não era parecido com o Pai
de um crente? Quem está alojado mais no interior do psiquismo dos homens! Freud fezdo Pai
uma necessidade da estrutura psíquica. O Pai fundador do inconsciente: o que mais demandar!
Não são as mães que teriam insurgido contra tais conclusóes. b i s elas também se agarraram
ao Pai. Hoje um pouco menos. Elas teriam, sobretudo, preferido - algumas vezes a contragosto

Opção Lacaniana no 50 207 Dezembro 2007


-designar algum, sabendo que o laço da criança com o pai requer um mediador, tribal, siiiilx5-
lico e agora científico. De fato, nesta reflexão sobre o Pai e a invenção, o verdadeiro inventor
parece ter sido a própria mãe. São as mães que fazem os pais. E elas fazem apelo ao Pai pelas
mesmas razões que os crentes: para que uma lei superior regule o gozo delas. Inventaram o Pai
para que a mãe e o filho fossem separados, para que os gozos deles fossem desamarrados e
divergissem. De uma só vez, vemos o quanto, apesar de a paternidade ter sido considerada
como um dado incontornável, ela é um dispositivo anificial.
A surpresa não foi das menores: entre o Pai e a invenção, onde está a invenção?A invenção
é o Pai. É exatamente isso que se encubava sob essas crenças, e que as invenções científicas
colocaram as claras: não foi Deus que inventou a religião, foi a religião que inventou Deus! Os
homens inventaram o Pai porque precisavam ser fundados. fundar sua existência e sua rniAo
de ser. Era necessário aos Filhos um nome. e foi aquele do pai. O Pai é um semblante. essa
mistura de ficção e de símbolo. Precisou-se deste semblante para garantir um assentamento,
um pilar e mais ainda, uma direção, a orientação dos desejos. Até que ele apareça tal como
era: uma crença.
Outro psicanalista, Jacques Lacan, definitivamente concluiu que o Pai é uma invenção: os
seres chegam a um equilíbrio com o Pai ou sem o Pai. Seja que os sujeitos se tornem filhos de
um Pai, seja que eles inventem para si uma outra causalidade. Estes últimos se inscrevem do
lado da psicose. Isso fez lacan dizer que os neuróticos são crentes. Os neuróticos crêem, os
~~sicóticos deliram. A revelação da invenção do Pai reduzia a distância entre os loucos e os
normais. Para realizar um equilíbrio entre seu gozo e a linguagem, não há mais do que o
sacrossanto Nome-do-Pai. Outros Nomes do Pai podem fazer esse papel. O que conta, é não
errar. Cada um tem que se fazer tolo de um pai de sua invenção. A cada um: porranto, sua
invenção, acada um seu sintoma. Rimbaud, Cantor,James Joyce, Rousseau, Pollock, Van Gogh:
Lacan não se privou de multiplicar exemplos ilustres para convencer sobre a força da invenção
subjetiva. Ele próprio se tornou inventor nessa ocasião, designando esses sintomas fora do
Nome-do-Pai como uinthomas..
Mas o que fazer quando se tem um pai inventor que não reconhece você? É bastante
frequente que os pais artistas, pesquisadores ou inventores resen7em toda a sua libido para
sua obra, e ofereçam pouco interesse e amor à sua progenitura. Nathaniel Kahn é uma dessas
crianças. Ele sofreu disso. Sua solução é rara? Ele teve que passar por um filme sobre seu pai,
Louis Kahn, para se fazer reconhecerpost mortem como seu filho. Portanto, por unia obra
sobre seu pai inventor que não o reconheceu, a ele, como sua invenção. Esse Nathaniel Kahn
tlemonstra a necessidade de achar um pai para existir Para achá-lo, ele inventa para si esse
monumento que construiu: "meu" pai, ~ 8 u i sKahn. Ele se torna o arquiteto do arquiteto.
Assim, o filme de Nathaniel Kahn, " Mf'ar~hitect:a son's Joumey (sou eu que sublinho), está
aí para representar a ele, o filho. Ele parece dizer a esse pai mono: .pai, não vês a obra que eu
sou?. Ele substitui seu pai cego por um público mundial de espectadores, a quem mostra a
obra arquitetônica do pai, e, em filigrana, suas outras criaçóes, sua filha legítima e seus dois
outros filhos ilegitimos, entre os quais ele próprio. Ele espera, assim, legitiinar-se, outorgan-
do-se definitivamente o nome de seu pai. Esta obra, ele a vê grandiosa, e ele a mostra como

Dezembro 2007 i ZOR O p ~ ã oLacaniana no 50


tal, multiplicando as tomadas sobre os edifícios do pai, escolhendo os ângulos nos quais a
perspectiva é a mais impressionante, nos quais a altura aproxima o topo de seus monumentos
do céu, nos quais as aberturas cegam o espectador com a luz que penetra nelas. Esse filho
levanta uma estátua divina a este pai que o ignorou. Ele queria fazer dele um mito para se
assegurar de sua eternidade e, enfim, possui-lo. Fazer de seu pai uma lenda é o nieio mais
seguro de reduzir sua facticidade.
Bela ilustração do fato de que o pai é em si uma invenção necessária a edificação da exis-
tência do filho. Ele pensou que o único meio de ser seu filho era dar provas de sua identidade
artística. 1à1 pai, tal filho, dir-se-ia dele. Eis ai um modo de demonstrar que o Fundamento
paterno é um fundamento sintomático. Pois o filho reencontra a via paterna onde o pai o
deixou cair, abandonou-o à posição de rebotalho. Filho ilegítimo, filho que ele ia visitar tarde
da noite em segredo. Filho cuja *vida devia se desenrolar em um espaço recluso^, Nathaniel
Kahn fez sua revanche, colocando bem às claras a falta do pai. Mas, ele o fez tomando o desvio
da criação muito mais do que o denunciando publicamente, tal como se faz muitas vezes em
nossos dias. Esse recurso a invenção sela um acordo CIO sujeito com sua condição de rebotalho.
Ele se vale disso para servir a grandeza e a paixão desse pai pela arte arquitetônica. Wathaniel
Kahn fez do dejeto que ele foi, dejeto do gozo do pai anioroso e criativo, sua causa do desejo.
Criando este filme, ele se reabilita como Filho e reabilita seu pai como pai.
Se, portanto, nós nos agarramos tanto no fato de nos inventamos um pai, o nosso ou um
outro, e porque ele deve nos livrar de nossa condição de rebotalho, nossa condição de ~ a h n o ~ ,
como nos dizia íacan. Não larguemos muito rápido este semblante,pois ele nos perniite revirar
como uma luva esse destino funesto e fazer desse dejeto que queremos esquecer a causa de
nosso desejo.
Texto traduzido por Cristina Drummand

Opçáo lacaniana no 50
James Joyce poderia ter encontrado Jacques Lacan? Poderia ele ter desviado, um instante,
sua atenção de sua própria singularidade para descobrir esses Escritos que reivindicam para si
mesmos a qualidade de ([nãopara lem? Poderia ele ter superado sua aversão pela psicanálise e
ouvir aquele que o lê e o consagra como a encarnação do sinthoma, como #indo diretamente
ao melhor do que se pode esperar do Final de uma psicanálise* e isso sem recorrer a uma
análise? Podemos duvidar disso e nunca o saberemos.
Lacan, por sua vez, se encontra com Joyce inpraesentia e através de seus textos. Durante
sua juventude ele frequenta o círculo de Adrienne hfonier e, em 1921, assiste a uma leitura do
UIisses, antes de sua publicação, muito controvertida. Joyce está presente nessa leitura. Ele
saiu de Dublin em 1904, e depois de um péi~plotumultuoso através da Europa e uma sucessão
de mudanças digna das peripécias de sua infância, conseqüências de dividas e dissabores de
seu pai, aterrissa em Paris em 1920: onde residirá até 1939, dois anos antes de sua morte em
Zurique. Ele já escreveu muito? mas publicou pouco, sempre com muitas dificuldades -

Dublzners, Aportrait of the artist as a young man -ele tem poucos amigos e raros mecenas.
lacan o reenconua cinquentaanos depois, em um 16 de junho-data simbólica desdeoUlisses!
-: a convite de Jacques Aubert, ele abre o simpósio internacional 'Joyce", de 1975, pronunciando
diante d e uma platéia estupefata d e especialistas sua conferência qoyce o
sintoma.. Todo um programa! Na falta de agraclar a esse auditório, a conferência desvia o curso de
seu próprioktninário: emvez de fazerseguir~RS6por *4,5,6*ele o intitula *O sinthoma.. Ele faz
uma interpretação inédita de Joyce e também lhe dirige uma interpretação póstuma: %Eudou a
Joyce, formulando esse título, Joyce o sintoma, nada menos que seu nome próprio, o nome no
qual eu acredito que ele se reconheceria na dimensão da nominação,>.Essa interpretação é de um
filão distinto daquela volumosa que invade, desde a sua morte, ai bibliotecas universitánas e os
sites na intemet -diferente, aliás,claquela queJoyce desejava,segundo seu biógrafo Richad Ellmann,
quando respondia a quem lhe demandava poi que escrevia de forma tão obscura: %paraocupar os
críticos durante trezentos anos*, *único meio'de assegurar a imortalidade>.
íacan dá outro destino ao ilegível. Ele não visa a explicitação e ao comentário infinito dos
enigmas, mas designa sua função, levando a sério o fato de que Joyce queria ser alguém cujo
nome, precisamente o nome, sobreviveria para sempre.. Trata-se aqui de simples busca de
renome? Uma anedota sugere que outra dimensão está em jogo: a um jovem pintor que quer
fazer seu retrato, Joyce pergunta: -você quer um retrato de mim ou de meu nome?. Ceno,
Joyce quis, de início, ser célebre; antes de ter publicado uma obra ele pedia a seu irmão

Dezembro 2007 210 Opção lacaniana no 50


Stanislaus para enviar suas ~epifanias~ às bibliotecas do mundo inteiro caso ele desaparecesse.
Esses pequenos textos de algumas linhas, textos triviais, ele os recolhia como o produto de
uma revelação, matriz d e sua missão artística. Ele queria ser o artista - lhe arlist - e seu
primeiro romance terminado, o Retrato do artista quando jovem, coloca em cinco atos o
nascimento dessa vocação. Pala\~rastão simples que, por isso mesmo, soam de forma tão
estranha (kiss,s u d . ..),letras que o olham, nomes próprios que traçam o limite além do qual
não há nada: experiências do jovem Stephen Dedalus que testemunham a interrogação que
Joyce não cessará de prosseguir, ao ponto de triturar, trucidar, transformar a própria língua:
<<Whati- in a nawie'. (Ulisses)).Stephen terniina por realizar seu destino, escrito em seu nome:
6eu nome estranho lhe parecia uma profecia (...)a profecia do fim que ele havia nascido para
seMr, (...) o símbolo do artista fabricando novanlente em sua oficina, com a inerte matéria
terrestre, um ser novo, impalpável! imperecível, secante,,. Ele responde ao apelo, à vocação e
abandona seu país para *conformar na forja de sua alma a consciência não-criada de sua raça..
Nós conhecemos as últimas pala\~rasdo livro, uma oração ao pai - não a John Joyce, mas ao
artesão que era Dédalo: .Antigo pai, antigo anesão, assista-me agora e para sempre),.
Lacan deu a essa frase um alcance panicular. Trata-se de um apelo vão: pois seu pai era
carente; ([seu pai nunca foi para ele um pai,,, diz lacan. Ele evoca uma *demissão paterna. e
fala mesmo de ~VerwerJungde fato.. E avança que *é desse querer um nome que Joyce fez a
compensação da carência paterna..
Esses termos só podem retinir em nossos ouvidos habituados a doutrina lacaniana clássica da
forclusão do Nomedo-Pai.iacan &.então daquilo que ele chama, às vezes, em seu Seminário, %o
caso Joycet um caso de psicose?Sendo assim, teria ele cedido à banal c~plicaçãopsicobiográfica
que sempre denunciou como -patifaria? Entrar em uma discussão sem fim .Joyce, psicótico ou
não?. me parece não somente estéril, ma. erfflneo. Seria não somente violentar a delicadeza com
a qual Iacan levanta, passo a passo, a questão qoyce seria louco?., mas, sobretudo, apagaria a
subversão que ele opera ao mesmo tempo em que a coloca. Coin efeito, .A partir de quando
somos loucos?~~ Se o homem é um composto trinitirio de dimensões R, S, I cujo enlace é sempre
um artifício, dito de outra forma, se o nó sóvale porque supóe o desenlace inicial, então mão é um
privilégio ser louco,,. iacan lê o caso Joyce como *uma forma de suprir o desenlace do n-5). Onde
o nó se desfaz, algo permite que ele continue a se manter ou restitui o laço. Essa é a fun@o do
sinthomna, nova forma de chamar aquilo que se refere ao Nome-do-Pai, a função do Pai que
nomeia - ou seja; que coloca uma ponte entre simbólico e real.
Em seu próprio Senzitzhrio, Iacan avança por toques sucessivos nessa construção, toda
feita de apalpadelas e de desvios, esclarecendo-se com Joyce e o esclarecendo ao mesmo
tempo. Trata-se de um empreendimento árduo, ele fracassa, se embrulha nos nós. E afloram
diferentes aspectos da escrita de Joyce como conseqüência do fracasso do nó - as epifanias e
o grande número de enigmas - e inventa a f u n ~ ã odo ego de sua escrita que repara o deixar-
cair do corpo próprio, localizável principalmente no episódio que se tomou famoso, graças a
ele: da surra no Retrato do artista.
Joyce, então, segundo Lacan, queria um nome como escritor e constniia um corpo através
de sua escrita. Resta dizer em que se caracteriza sua ane, qual foi seu trabalho de artesão.

Opçáo Iacaniana no 50 211 Dezembro 2007


O privilégio de Joyce, que Lacan lhe concede, não é o de ser louco. O privilégio é de
mostrar o que faz a relação de cada um com a linguagem, e elevá-lo a dignidade de uma obra
que muda a literatura. Para Lacan, em 1973, a linguagem não é de uma abordagem apazigua-
dora. Ela é devastadora. O ser falante é traumatizado com a linguagem. A linguagem parasita o
ser falante e,'muito frequentemente, não se dá conta, sobretudo se está protegido pela operação
do Nomedo-Pai, de que tempera os efeitos da linguagem. Joyce, ele, nos <<dauma pequena
suspeita., diz Lacan. #Algo,com relação i palavra, lhe é cada vez mais imposto,,, como no caso
do paciente de Lacan que sofre de [(palavrasimpostas. e se dizd e p a t a emissom, como no caso
de Lúcia, de quem oescritor admira o dom de .segundavista,, que ele reencontra, aliás, em suas
próprias obras. Algo se acentua .no progresso contínuo que constituiu sua ane. e culmina em
Finnegans Wake, onde <<eletermina por dissolver a própria linguagem., como notou acenada-
mente Philippe Sollers. É através da escrita que a palavra se decompõe, mas: diz iacan q u a s e a
passant, trata-se de uma ndeformação que permanece ambígua com relação a saber se se trata
de se liberar do parasita da linguagem, (...)ou ao contrário de se deixar invadir pelas proprieda-
des de ordem essencialmente hnemáticas da palavra, pela polifonia da palavra),.
Depok de Ulims, o l i ~ de ~ oum dia, conta EIlmann, Joyce quer escrwer sobre a noite. É assim
que ele justifica às vezes o fato de que não pode utilizar as palavras em suas relações e conatões
comuns. Ele inventa uma técnica, aabalhar por fatias., que produz infinitamente jogos de palavras
multiiíngües e faz do teno um tecido de umdjihos. Iniciado em 1923, o livro, de início Work in
pogres, o absorve totalmente durante dezesseis anos. SegundoJoyce, ele é euma realidade maior
do que a própria realidade,. O livro é rapidamente desaprovado, por seu caráter obscuro e ilegível.
Joyce fica profundamente magoado por essas criticas: mas persiste, segundo a idéia de Blak: *e o
louco persistiaem sua loucuta,ele se tomana um sábio*.Ele &]em que <sealguém não compreende
uma passagem,só precisa ler em voz alta.; que +se trata de música pura. ou ainda que aó visa fazer
vocês rirem.. Portanto,é um trabalho tirânico, um dispêndio sobre-humanode ene@ que ele reivin-
dica como tal: quando conta que as vinte p á w do capítulo Anna litia Pluiabelle, com seus 330
nomes de nos incoprados ao texto; lhe custaram 1200 horas de trdbalho!
Iacan retém, sobretudo, o trabalho da letra. Ao mesmo tempo em que multiplica as resso-
nincias &upalavras, Finneganr Wake corta os efeitos de sentido e de verdade e escapa a deci-
fração do inconsciente. Joyce é -desabonado do inconsciente., diz Lacan. Seus equívocos não
revelam seu inconsciente nem movimentam o inconsciente do leitor A única coisa que pode-
mos capturar é o gozo daquele que escreveu isso. É nesse ponto precisamente que Joyce toca
no sintoma e mesmo d á a essència do sintoma., se o sintoma é esse efeito no corpo do parasita
da linguagem, <<gozoopaco de excluir o sentido., nao analisável. lacan \>ai ainda mais longe,
reconhecendo por uma nominaqáo o extremo e o grau de exceção em que Joyce levou as coisas
com Finneganr Wake, sua empreitada de expansão e de explosão da língua:Joyce não se limita
a xilustrav: a mostrar essa relaçáo de pulveflzaçáo gozoza da língua que marca o corpo, ele
~encarna.o sinthoma, ele é o sinthoma. Que bcan lhe dê seu nome próprio, .Joyce o Sintoma>>,
diz não somente que ele é sua obra, que sua escrita o forjou, mas implica também, pela introdução
desse vocibulo caracterizado que é o 6intoma., que Lacan faz pane do artifício.
Teso traduzido por Maria de Souza

Dezembro 2007 212 Opçáo Lacaniana no 50


"O amor, enuncia iacan em "Os-não-tolos-erram",tem a ver com o que eu isolei do título
de Nome-do-Pai".' Tentaremos ver como esses dois conceitos estão interligados na última
obra de Dostoievski, Os irmáosí6zú.rranzazov Com efeito, minha hipótese será de que esse
romance policial construido ao redor do parricídio, crime que Freud colocava na origem da
civilização, é antes de qualquer coisa o relato de unia busca de amor,
Entretanto, pode-se amar o pai? Na medida eni que ele se apresenta sob os traços de um
velho avarento e gozador. como Fédor Pavlovitch Karamazov, que abandonou seus trés filhos
desde a morte de suas respectivas mães, entregando o mais velho aos cuidados de um doméstico
e confiando os outros dois a parentes distantes, isso parece impossível. Aliás, é isso que os
três irmãos não cessam de repetir ao longo do romance. Assim, diante do tribunal que julga
Dimitri, Ivan grita como se tratando de uma evidência: "Quem não deseja a morte do seu pai?"
Outra nota de iacan nos permitirá, talvez, melhor compreender porque: o Nome-depai, enun-
cia ele, "se foj a pela voz da mãe"?.Ora, como nós acabamos de indica. a mãe está totalmente
ausence do romance. As duas esposas de Fédor Pavlovitch morreram uma depois da outra,
ambas pouco tempo clepois de terem dado a luz os seus filhos. Somente Aliocha, o caçula dos
irmãos, guarda da sua mãe uma lembrança, melhor dizendo, uma imagem: um belo rosto
atormentado, em uma tarde em que, apertando-o em seus braços e de joelhos diante dos
ícones, ela implora a Virgem que protegesse o seu filhinho de quatro anos. A ausência da mãe
teria tornado ainda mais difícil a relação entre o velho Karamazov e seus filhos?
Outro elemento ainda notado por iacan parece também importante: "o amor se dirige ao
pai, ao nome dele, que é portador da ~astração"~ Tal não é evidentemente o caso do velho
depravado que ocupa o lugar de pai para os trés irmãos. Cada um vai então tentar "improvisar"
(bricolw) sua solução para compensar essa caréncia.
O mais velho, Dimitn, tentará se estruturar por uma identifiação ao pai gozador Tornado por
demais senielhante a ele, não poderá mais suportar a presença desse duplo. Matar o pai será, em
seguida, para ele, a única maneira de continuar a viver. ainda mais que, não satisfeito em recusar-
lhe o dinheiro de sua heranp matema, o pai pretende também tirar-lhe a mulher amada.
O segundo filho, Ivan: é o único que consegue viver na casa paterna. Ele serve, inclusive,
durante um tempo. de proteção contra os furores panicidas de Dimitri. Se: em vez de herói
de romance, se tratasse de um verdadeiro sujeito, nós não hesitanamos, sem dúvida, a falar de
foraclusão. Ele tenta fazer-lhe suplência com uma construçáo filosófica exposta na "Lenda do
Grande Inquisidor", "poema" sonhado por ele e contado ao seu irmão Aliocha. Ele encena

Opqáo Lacaniana no 50 213 Dezembro 2007


No seu discursode encerramento das~1IJoomadasdaE:CFJ.-kMillercomenta a"boutaden
de Lacan que constitui o subtítulo do futuro Congresso da AMP: "Prescindir, senir-se dele",
enuncia que se trata de "dispensar acreditar nele, servindo-se dele como instrumento." Concluirei
esse breve estudo dos Karamazov tentando ver como Dostoievski fez para dispensá-lo.
Sabemos que o seu próprio pai serviu de modelo para o personagem de Fédor Pavlo\~itch.
A vida dissoluta levada por ele depois da mone de sua mulher e os maus tratos que infligia aos
seus senros, levaram ao seu assassinato por esses últimos! quando Dostoievski tinha dezoito
anos. O jovem adota então a atitucle que emprestará a seus heróis: náo tendo o amor do pai,
ele se refugia no amor da humanidade, e adere a um dos movimentos revolucionários clan-
clestinos que floresciam na Rússia tzarista do seu tempo. Ele pensou mesmo, seriamente, em
cometer um atentado contra o tzar, passando assim de um parricídio náo realiiado a um
regicídio sonhado. Sabemos o que veio depois: preso, viu-se condenado a mone, e se subme-
teu a um simulacro de execução antes de ser enviado aos trabalhos forçados. Essa terfiel
experiência fará dele o autor tle inúmeras obras primas, nas quais não cessará de explorar as
vias do amor lutando contra o ódio. Alas, apens em seu último romance chegará a abordar a
tragédia que marcou sua juventude: o assassinato do pai indigno de cujo nome é portador.
Teria sido um acaso dar seu próprio prenome, Fédor. ao sinistro pai Karamazov? Isso leva à
angélica figura que Aliocha encarna a chamar-se Aiéxis Fedorovitch, isto é! o prenome e o
patronímico do último filho cle Dostoievski, mono precocemente, e cujo luto foi tão doloroso
ao seu pai.
&sim, ainda que lhe tenha custado caro ao longo de sua vida difícil, Dostoievski, se não
conseguiu dispensá-lo, soube fazer do Nome-do-Pai o instrumento que lhe permitiu criar a
obra que nós conhecemos. A psicanálise lhe teria oferecido outra possibilidade?
Um AE é, por hipótese, aquele que levou sua análise tão longe quanto possível, até a "últi-
ma boa história" que se possa contar O que é que se torna o Nonie-do-Pai nesta história final?
Um significante qualquer, um Si clesprovido de sentido para náo se encadear a nenhum Si.
"Ser nomeado a alguma coisa, eis o que desponta em uma ordem que pode efetivamente
substituir o Nome-do-PaP6,enuncia ainda iacan. "Ser nomeado a", é a isso que são confronta-
dos certos passantes. Analista da Fscola seria nosso novo Nome-do-Pai?Não?porque nenhum
AE poderia acreditar em sua nomeaçáo. hlas todo AJ! se esforçará, segundo seu estilo próprio,
para fazer disso um instrumento, na via do amor que nos indicava iacan, convocando ao seio
de sua última Escola "aqueles que o ama\;am, ainda"...
Tato traduzido por Fernando Coutinho

'Lacan,1. (1974). "Lcs-noo~dupes-errent".Séminaire iiiédii, sPance du 19 man 1974


IIbid.
'Law,]. (2005).LeSémk~1ire, L IYUII.Paris: Seuil, p.150.
Paris: k liire de pche, p. 125.
'llasioievlki. F.M. [2WI).Ler/rèr~sKarorn~ior~.
'Ihid., p. 26'3.
LLacaii,J. (1974). O# 01.

Opção Iacaniana no j0
Nossa aposta em comum é a de saber instmmentar as ações necessárias para que essa
prática original, a qual Freud chamou psicanálise, continue vigente no século XXI, que acaba
de começar e não parece tão disposto para com os psicanalistas como no passado.
Mas, como ganhar esse jogo se, como esclareceu J.-A.Miller em nosso último Congresso,
"a prática lacaniana exclui a noção de êxito"?
Sustentar essa posição hoje nos confronta com a necessidade de responder aqueles que
não deixarão de vociferar: Isto não tem valor!
Jacques Lacan não retrocedeu, mas, duplicando a aposta-a lógica obriga a isso -, chegou
a sugerir aos bons entendedores que se tratava exatamente disso.
Não nos esqueçamos que, se ele admirava a antiga prática dopotlatch, era porque, naquilo
que se apresentava aparentemente gratuito, poderia estar escondido outro tipo de valor
Não seria precisamente por essa razão que o sujeito da civilização hipermoderna poderia
continuar amando a psicanálise?
Escolhi, como contribuição ao presente volume, abordar o tema da articulação entre
lei e Nome-do-Pai, como um possível exemplo paradigmático para pensar as condiçòes
lógicas pelas quais seria possível articular e, portanto, tornar exercitável, esse algo chama-
do amor.
Considero este tema atual por várias raz6es. R7r um lado, aqueles que incentivam demandas
cada vez mais ferozes e obscenas com respeito a suposta necessidade de uma lei cada vezmais
dura como Único recurso para solucionar tudo, escamoteiam, obstinadamente, uma questão
sobre a qual a psicanálise tem algo a dizer.
Por outro lado, se acompanhamos os últimos acontecimentos na França sob a orientação
de J.-A.Miller, podemos verificar que a operakão de traduzir o nome da psicanálise em uma série
de atos sustentados por um diier "não", deujugar a certos efeitos transferenciais completamen-
te inéditos dos quais somos testemunhas gdças às notícias que nos chegam pela k L . P
O que é a transferência senão o amor? !
Se concordarmos que o chamado capitalismo é algo que não pode senão deixar de lado as
chamadas "coisas do amor", não nos surpreenderemos que o próprio Lacan tenha dito que a
única coisa que fazemos neste novo laço social chamado por ele de discurso analítico é justa-

Dezembro 2007 1216 Opçáo Lacaniana no 50


mente nos ocuparmos das "coisas do amor". Sua conjectura é que talvez seja esta a razão
mesma de sua emergência em um momento dado do discurso da ciência.
A posição de Lacan, desde o início de seu ensino, foi sustentar que o movimento de elabo-
ração tanto do sentido como dos Fundamentos da prática analítica não poderiam ser elucidados
se não fossem remetidos aos impasses da civiiiiação, nos quais essa prática efetiva tem lugar
Como Éric Iaurent tem desenvolvido em diversas oportunidades, a última etapa das
elaboraçòes de lacan sobre o Nome-do-Pai tem como pivô sua abordagem em uma perspectiva
pragmática. Nesta perspectiva, o que chamamos de pluralização dos Nomes do Pai implica a
operação pela qual o que era "o Nome-do-Pai" pode ser decomposto na multiplicidade de
Funções a ele atribuídas, consideradas como ferramentas das quais é possível servir-se, de
modo que se trata, então, de realçar tanto a sua operatividade, como as condições lógicas que
a possibilitam.
Esta perspectiva permite, sobretudo, estudar esta pluralidade de funções fora do laço soci-
al em que ela permaneceu alojada desde os tempos históricos: isto é, o discurso do mestre.
Já no texto que marca a própria entrada de lacan na psicanálise, podemos encontrar as
raizes do problema que quero destacar. O famoso "Estágio do espelho" termina deste modo:

"Aresseponto dejunção da natureza com a cultura, que a antropologia de nossa


época perscruta obstinadamente, apenas a psicatiúlise reconhece esre 126 de seruidão
imagigi,7úriaque o amor deve sempl-e voltar a defazer ou deslindar Para tal tarefa,
não hú no sentinzento altruísta nerzhuma promessa para nós..."

Que o sentimento altruísta seja sem promessas para nós, é algo que aprendemos graças a
Lacan; mas o que é esse enigmático amor ao qual Lacan atribui semelhante eficácia?
Deixemos isso de lado por hora, não sem antes apontar que esse nó de servidão imaginá-
ria, a loucura humana como tal, é a impossibilidade subjetiva de situar em nosso semelhante
alguma coisa diferente do outro que, "imaginariamente", nos priva do gozo, ao qual não te-
mos "realmente" acesso.
Ao seguirmos os passos posteriores de sua elaboraçio, onde se encontrava essa enigmática
referência ao amor, começam a se desdobrar os desenvolvimentos que, tendo como ponto de
mira estabelecer os modos pelos quais a dimensão simbólica da lei permitiria incidir nessa
dita loucura, abrem as portas para ir estabelecendo, passo a passo e durante anos, as coorcle-
nadas estruturais do que Freud tornou célebre sob o nome de complexo de Édipo. É neste
contexto de elaboração que aparece, pela primeira vez, a expressão Nonie-do-Pai definida
como a função simbólica e que, desde o início dos tempos históricos: identificou a sua pessoa
com a figura da lei.
Pois bem, a referência à lei faz desaparecer essa primeira referência ao amor, ou exige
pensar de que modo eles se articulam?
Tomemos, por exemplo, o Seminário:&formaçcies do inconsciente,célebre por ser o ano em
que lacan desenvolve o que chama de 'os tempos do Édipo'; ou seja: os passos lógicos de sua
efetuago no sujeito. Encontramos ali o seguinte: "0 coniponente do amor pelo pai não pode ser

Opção Lacaniana no 50 217 Dezembro 2007


elidido. É ele que produz o fim do complexo de Edipo,seu declínio, em umadialética que p e m -
nece muito ambígua entre o amor e a identificação, a identificação toniando sua raiz no amor"
Essa ambigüidade resulta do seguinte: qual é a lógica pela qual, do tomar efetiva uma opera-
ção de interdição, resulta um amor por aquele em nome do qual essa operac;ão se realiza?
Ficar apenas coni o que esse "não" opera sobre a identificação, pela qual o menino crê ser
o falo faltante da niãe, não e totalmente convincente. Se pensarmos: por que se deveria amar
aquele que se reduz a ser apenas o que desalenta uma expectativa no sujeito?
Lacan continua a se colocar estas perguntas ao longo de seu ensino.
Bem mais tardiamente, justamente no Seminário que se intitula "Os não tolos erram",
iacan diz uma vez mais que "o amor tem a ver coni o que eu isolei sob o título do Nome-do-
Pai". Nessa ocasião, afirma que, embora seja certo, como vimos, que isso se encontra articula-
do na obra de Freud, no seu entender. ele não teve o menor utito em encontrar os modos de
transmiti-lo de um modo aceitável. Sua posição é a de que o que ensina o chamado Édipo é
que a operação pela qual a mãe traduz esse nome por um "Não" é o desfiladeiro lógico através
do qual o amor pode começar a ser algo exercitável.
Por que traduzir esse Nome-do-Pai por um "Não" criaria as condições lógicas para possibi-
litar que o amor seja exercitável?
Devemos entender a expressão "exercitável" como articulável de alguin modo no laço
social. Isto nos lembra tambeni que, se Lacan afirmou certa vez que o anior erotomaníaco é
um amor moi-to, é porque ele não consegue passar ao exercício sem o risco de terminar na
seqüência assassinato-suicídio.
O inipactante, contudo, é o que elucubra a seguir Ele alerta que se o moniento em que
vivemos corre o iisco de transformar-se no que denomina uma ordem de Ferro, é porque a
operação anteriormente citada está sendo substituída por outra, que ele vê como signo de
unia degeneração catastrófica. Para ele; a nova operação de nonieação posta em marcha leva-
ria a nada mais nacla menos que a perda daquilo em que se sustenta a dimensão do amor.
Ainda que não o percebamos a primeira vista: em nossas sociedades peimissivas, cada vez
mais uma quantidade crescente de "Nãos" invade a nossa vida cotidiana. Diante disso, devemos
nos perguntar: mas que tradução e de que nome?
Conio tem esclarecido ].-A. Miller, este nome é o nome dessa falsa ciência que hoje se
denomiiia a disciplina da avaliação. A prática sinistra do questionário generalizado e
estandardizado converteu-se no instrument'o com o qual se pretende veicular um novo projeto
de sociedade, qualquer que seja o nível considerado.
A vel-são teum do novo estágio do espelho consiste em propor a máquina como imagem
antecipada de nossa conil~letudefaltante. :
Se aceitarmos o convite, serenios avaliados: detect;irão nossos transtornos bio-psico-soci-
ais e assim, mediante as novas técnicas de reprogramação e de recondicionaniento, poclere-
mos entrar no paraíso da auto-valorizaçãoindefinida. Em síntese: poderemos ser nomeados
!
para. .. servir melhor.
Volteinos então ao piincipio de nossa interrogação: por que esse nome que a mãe traduzia
por um "Não" podeiia ser causa de amor? :

Dezenibro 2007 218 Opçáo lacaniana n" 50


É evidente, caros amigos: esse amor não passava, no fim das contas, do nome daquele que
permitiu que o corpo da criança N;\O fosse reduzido i condição de objeto condensador do
gozo do Outro.
A pragmática dessa operação esclarecida pela psicanálise tem um valor intrínseco para além
de qu;ilquer "ideologia" edípica; é preciso poder semir-se dela a cada vez que for necessário.
Na época do "todos, unidades de valor" e da queda das ideologias, seu estudo se impõe.
Mas em nome cle quê?
Texto traduzido por lilany \?eira Pacheco e revisado por Elisa Monteiro

'Lacan,J. (1985). "El estadio de1 espeio como iormador de Ia funcián de1 jo (je) tal como se nos milaen Ia expiienciaanalítica".Biienos hiies: SiglohXI
Editores.
'Laran,J. (1988)LeSéminaire.Lim \':L es~nnaliomdei7ri~)tmiml. Paris: EdilionsduSeuii.
'Lacan,J. [1973-741. * Les non-dupesemnt n. Seminário inédito.

Opçáo lacaniana n<'j O Dezembro 2007


deva ser concebido, bem como os fenômenos depressivos que o acompanham, como uma
deficiência da simbol'ição do Ideal do eu, de I(A), cuja conduçilo ao seu temo é considerada
como o resultado da análise. Não basta que o pai esteja morto, como Lacan observa em
.Subversão do sujeito., é preciso ainda que seu túmulo esteja vazio, ou seja, que o gozo do luto,
como identificação imaginária ao defunto, tenha sido esgotado para que ele reserve o lugar a
Identificaçáo pura, ao traço unário. O lugar do pai, na medida em que conduz ao desejo além do
gozo materno, é sempre um lugar vazio, e a falta da qual se trata aqui é a abertura à realização do
desejo que, no Lacan anterior aos anos sessenta, é a finalidade da análise. Nessa per~pectiva~ o
luto é, antes de tudo, um processo no qual o esmiuçamento dos traços do objeto perdido per-
mite situar o lugar da falta: falta esta que o objeto perdido fez surgir, para então simbolizá-la.
Logo depois, com o Seminá~io:A Angústia e a virada que o acompanha, a função do
Nome-do-Pai é colocada em questão: doravante o pai é um semblante, ou seja, um misto de
imaginário e simbólico. Certo: é preciso saber servir-se dele na análise para poder dele pres-
cindir, mas ele não pode mais sustentar sozinho a função de capitonar o sujeito moderno
assediado por todos os lados pelas solicitaçóes de gozo. O luto não é uma doença da idealidade:
lacan indica que há uma versão do pai própria a cada um, o que dá conta da impossibilidade
clínica de apoiar-se em uma Função paterna universal.
Em sua introdução à publicaçào da edição francesa do Semi?7ário:A Angzístia, Jacques-
Alain Miller coloca em valor a importância dessa virada: <<dizer que o objeto a não é nomeável,
nada mais é que repetir de outra forma a razáo pela qual Lacan o traz nesse Seminário,ou seja,
que o objeto a é irredutivel a simbolização. Dito de outra forma, o objeto a vale como fracasso
do Nome-do-Pai, na medida em que o Nome-do-Paié o operador principal da simbolizaçãon
(reilstah Causef.eudienne:dntroduction a Ia lecruredu Séminaire I'Angoissen,no 58:p. 89).
Até então, Lacan parecia relacionar. como o próprio Freud, os fenômenos de luto a perda
de uin objeto de amor, de cuja perda o pai fornecia a metáfora no simbólico. Ou seja: como
uma perda de amor que seria puramente significante.Aconceituação clo objeto a como objeto
causa do gozo nos conduz a unia concepção mais sutil do luto. A m ã o não deve ser procura-
da, como nos kleinianos, do lado da perda de gozo. Não é o gozo que falta, pelo contrário, é
que há sempre objeto demais. Se é \rerclade que é o amor que veni fazer falta ao sujeito, no
que do amor se nutre sempre da demanda - aquela da enganaçáo narcisista - a de ser amado.
Mas se é verdade que o luto, com seu cortejo depressivo, está ligado à perda do amor. então
o objeto perdido - aquele que produz as perturbações no registro signiticante como na eco-
nomia do gozo, provocando a tristeza, o abatimento, o sofrimento do luto - é também a
versão nietonímica do objeto causa. É por essa via que se renova a constnição lacaniana que
dá o verdadeiro sentido de "Totem e Tabu", essa intuição genial cle Freud. Com efeito, no
últinio capítulo do Sernirrário: A Aizgtísiia, Lacan mostra como o jogo do Fort-da não é
somente significante, mas que é preciso incluir nele o aparecimento e o desaparecimento da
própria bobina. O luto aparece, assim, constniído mais sob o modelo do trauma que toca o
laço sempre precário entre $ e a, esse laço que designa a punção do fantasma. Com efeito: a
perda que inaugura o luto toca a janela do sujeito que dá para a realidade. A horneostase,
normalmente assegurada pelo laço entre o significante e o gozo, é abalada.

Opçio Lacaniana no j 0 221 Dezembro 2007


Certo, o lugar do pai é um lugar vazio, claro, é um lugar de semblante, a perda de um
defunto Lhe dá um excesso de peso real. Da mesma foma é preciso compreender que a perda
que acontece na ocasião de uma morte faz surgir no lugar do vazio do obieto um excesso de
presença gozoza, enquanto normalmente esse lugar só é ocupado por uma substância
episódica., como Lacan a qualifica. Assim, para Lacan, o luto se dissipa através de um novo
trabalho de "significantização" que permite ao sujeito reconstruir a punção do fantasma. A
perda que ocasiona o luto produz um efeito comparável ao efeito do trauma. Para sair do luto
é preciso proceder a uma nova aparelhagem do objeto a pelo significante e a elaboração de
uma nova forma de extração corporal, ou seja, uma nova operação de separação alienação
que Lacan descreve como anterior ao ato. O trabalho do luto não é nada mais do que isso.
A identificaçáo ao pai morto, ao pai simbólico, n5o é o único suporte identificatorio
susceptível de permitir a reconstituição do nó entre simbólico, real e imaginário. Lacan indica
isso com relação ao filme Hi~oshimameu 'amor,quando assinala que o luto de um soldado
alenião pode encontrar seu fim através do encontro com o primeiro japonês que apareceu,
em uma nova forma de sintomatizaçào.Mas ele havia mostrado também no exemplo de Hamlet,
no qual o luto verdadeiro de Laerte oferece a Hamlet a oportunidade de contrair novas
núpcias com o ato. Era, então, através de uma identificação ao semelhante que, já neste casol
o pretendente ao trono conseguia superar a tristeza sem fim à qual a ausência de luto na
rainha Gertrud o condenava. Não é assim o Nomedo-Pai, no sentido clássico e universal que
lhe dá Lacan no início de seu ensino, que está em jogo no luto, mas uma de suas múltiplas
formas - particulares para cada sujeito - que são susceptíveis de operar como ponto de basta,
restaurando a trama do fantasma: ou seja, a captura do objeto a sob a sua vertente de vazio
no aparelho dos semblantes.
Texto traduzido por Maria de Souza e rwisado por Cesw Skaí

Opção lacaniana no 50
No Brasil, há um ditado popular que, por encontrar-se entre os ditos impostos a partir do
campo d o Outro, toma a forma de um imperativo do supereu: "a mentira tem pema curta",
ou seja, não vai muito longe. Menos do que na força desveladora da verdade, esse ditado
aposta nos volteios do significante sobre os seres arrebatados pelas elucubrações da linguagem:
quem mente acabará se enrolando no que diz e, então, a verdade irá aparecer. A qualificação
de "curta", confenda a "perna da mentira", pode ser lida também como uma transposição
metonímica da castração: o corpo do mentiroso e preseivado e o corte incide sobre o "corpo"
ou, de modo mais específico, sobre a "pema da mentira". Ainda assim uma castração ameaça
o nientiroso, tendo em vista a angústia e o medo que tal ditado visa provocar em quem mente
ou parece decidido a perseverar em uma mentira.
Os efeitos de angústia e medo sobre o falante, tanto quanto o funcionaniento linguístico
desse provérbio popular são tributários da crença nesse significante fundamental localizado
por Jacan como "o Nome-do-Pai". Se o mentiroso pode se trair re\lelando-nos algo da verdade,
se a "perna curta da mentira" escamoteia a castração de quem mente, o ocultamente de uma
tal fragilidade é uma ação do que Lacan chamou de "amor a verdade"'. Ora, em ?4 dissolução
tlo Complexo d c Édipo", Freud já afirinairi, particularmente com relação aos meninos, que a
preservação narcísica tle um corpo intacto, ou seja, o adiamento da efetivação real da ameaça
de castração e a consolidação do falo como um símliolo associam-seà aceitaçào da autoridade
paterna e à identificação com o pai'. Por sua vez, para Lacan, o Outro conio "lugar do signifi-
cante" e: no contexto aqui zipresentado, como lugar de possível articulação dos chamados
"ditados populares", é garantido pelo "Nome-do-Pai", por esse "significante do Outro como
lugar da leix3.A paixão pela verdade, portanto, pode ser considerada um outro nome do amor
ao pai, na medida em que só o Nome-do-Pai- significante fundamental da ordem simbólica -
pode garantir-nos que, mesnio ao jogar dados, Deus não é enganador. Por isso: haverá tran-
qüilidade para se fazer a aposta de que o mentiroso acabará por se trair e assim reiterar. não
sem alguni sacrifício,o ditado do Outro sobre "a perna curta da nientira" e o funcio~ianiento
do Nome-do-Pai conio ordenador de uma tradição associada a significação fálica veiculacki,
por exemplo; por provérbios populares. Jngo! há uma ordem que escapa ao falante, mas que
é por ele sustentada e o faz dizer sempre mais do que a principio ele supõe e, nesse viés,
mesmo a niais banal das mentiras não deixa d e dar lugar i dimensão da verdade.
Uma outra face desse lastro da verdade no corpo mesmo da mentira poderá ser vislumbra-
da a partir da formulação lacaniana que atribui i verdade uma esuutura tle ficção. Porém,

Opção Lacaniana no 50 223 Dezeiiiùro 2007


diferente do ditado popular sobre a "perna curta da mentira", é muito mais a verdade que
parece, por sua estrutura de ficção: senão ameaçada, certamente tomada pela presença insi-
nuante da nientira. Uma das referências para Iacan evidenciar a estrutura de ficção própria a
verdade foi Jeremy Bentham: umafictitiow entity ("entidade fictícia") não é uma "entidade
imaginária e enganosa"". Sua existência se deve apenas a linguageni, e por isso, quando
confrontada com a realidade, parece-nos ser impossivel, mas, desde que colocada em palavras,
impõe-se como indispensávels.
A efetiva existência da ficção, ensina-nos Bentham, independe da realidade, mas é
inseparável da potência criacionista própria à linguagem: o fictício "é sem dúvida um arrifício:
ou um fingimento, .. . mas é inerente a linguagem e de natureza con~cncional'~. Não se trata,
portanto, de uma não-entidade ou de algo simplesmente inexistente e que necessita da
persuasão dos falantes para fazê-lo existir: se os seres humanos utilizani a linguagem, as "enti-
dades fictícias" lhe são imposta5 sem qualquer esforço da parte de qualquer um deles porque,
permitindo aos homens "atingir fins essencialmente práticos", é a linguagem mesma que as
faz existir sem qualquer necessidade de persuasáo.
Para Bentham, mesmo designado realisticamente como um ser que niora eni uma casa de
númerox, localizada na rua de nome y e ao mesmo tempo descrito de modo mais ficcional
como aquele que "tem a cabeça?o corpo e os membros como os de um homem, chifres como
o de um bode, asas de morcego e um rabo de macaco"', o Diabo é uina "não-entidade" e,
portanto, diferente de uma ficção, porque será necessário um grande esforço persuasivo para
faze-lo efetivamente existir. A paternidade, ao contrário, é uma "entidade fictícia" porque, por
um lado,patersemper inceflus: mas, por outro, sem muito esforço persuasivo, a incerteza
que recai sobre a paternidade não a torna uma falácia, na medida em que sua "natureza con-
vencional" exime os falantes do mínimo esforço para serem persuadidos de que ela existe
conio uma criação simbólica. Nos nossos dias, o recurso ao "exame de DN#', ao contrário do
que faz pensar uma leitura mais rápida, não abole a dimensão incerta e ficcional da paternida-
de: justamente porque o pai é incerto, tal exame torna-se determinante e tenta apagar a incer-
teza reduzindo a paternidade a um "real genético" que, nos casos jurídicos mais polêmicos,
mesmo considerado como uma prova irrevogável, poderá, ainda assim, aparecer como tão
irreal quanto o Diabo citado por Bentham.
A crença, portanto, na potência criacionista da linguagem libera, em circunstâncias
convencionais, a afirmação da paternidade como resultado de todo um processo de persuasão:
'?certeza que recai sobre um pai não abala a existência da paternidade como "entidade
<ia".Porém: se a paternidade é apresenqda em situações não convencionais, sua incerteza
lerá provocar dificuldades para o consentimento quanto a sua efetiva existência como uma
Go: será motivo de disputas nos Tribunais ou poderá ser considerada como um enigma
capaz de enibaraçar e de deixar perplexos aqueles que nela estáo en\rolvidos.
Um exemplo de uma tal perplexidade, &de encontrar em uma entrevista com os pais de
uma criança psicótica de 7 anos. h b u i a m ainsistente e agravante recusa de falar apresentada
pelo nienino ao fato de ele não saber que fo+ adotado quando ainda estava no ventre da mãe
que, por sua vez, trabalha para o casal. Indago-lhes por que insistiam, até então, em não lhe

Dezembro 2007 224 Opçio lacaniana n" 50


contar a verdade. O pai responde-me: "jamais tivemos outros filhos e, por isso, não sabemos
como fazer para relatar-lhe averdadeira origem". Essa justificativa paterna, por um lado, reitera
a concepção psicanalítica de que os filhos, mesmo quando não adotivos, são metaforicamente
adotados na dimensão simbólica da paternidade, mas, por outro lado, essa reiteração não
consegue fazer frente a um furo quanto à transmissão simbólica do Nome-do-%i.O fato desse
pai não ter constituído uma prole é vivido como um impedimento real de transmitir, para o
filho adotado, que a paternidade - convencional ou adotiva - tem estrutura de ficção.
Uma mentira sobre a origem do filho é a resposta de um pai frente ao real da paternidade,
evidenciado pela adoção, é uma outra forma da mentira tomar corpo. Ela já não é mais, por
sua "perna curta", uma metonímia da impotência da verdade em se manifestar por uma via
diversa daquela da equivocação. Ela também tampouco é o que, como uma espécie de parasita,
pode se alimentar da estmtura de ficção própria a verdade. Trata-se, agora, da mentira como
"simbólico incluído no real'": a justificativa de mentir para o filho adotivo mostra o modo de
um pai, ao não se sentir concernido pela dimensão simbólico-fictícia da paternidade, fazer
com que o Nome-do-Pai persevere no real e seja imune às errâncias entre verdade e mentira.
Nesse viés, o silêncio nientiroso do pai, ou seja: o sintoma paterno e que Lacan ensinou-nos
a ler como uma pai-venão (père-uer~ion)~ - é prolongado no rigoroso negativismo do filho
quanto a falar com outros além do pai, da mulher do pai e da mãe biológica.
A psicose, portanto, resulta da heresia - nome teológico da mentira - de se tocar no Nome-
dc-Pai, evidenciando o buraco onde se imiscui o gozo "cuja falha tomaria vão O uni\~erso"e "cuja
falta torna o Outro incon~istente"'~. A recusa do filho de falar para aléni de seu circuito familiar
mais intimo é um prolongamento da consistência de um pai que não se permite a transmissão
do engano próprio a paternidade. Lacan, por sua vez, conforme argumenta Jacques-Alain Mille.
também cometeu a heresia de tocar no Nomedo-Pai quando nos propõe uma plura1izar;âo que
acaba por relativizar e uivilializai-o que antes era designado como "O significante Fundamental'"'.
Por essa heresia, Lacan foi "excomungado" pela Associação Internacional de Psicanálise (IPA),
instituiçào Fundada pelo próprio "pai da psicanálise", ou seja, por Freud.
Diante clo buraco evidenciado por sua heresia e após sua "excomunhão" da tradição
freudiana, a saída de Lacan foi silenciar-mas de um modo parcial - com relação a pluralização
que pretendia evidenciar: interrompe o Semidrio sobre os Nomes do Pai, substituindo-o
por um outro intitulado Os quatro conceitos Jundameniais da psica7zálice; prefere não
publicar, durante sua vida, a Única lição consagrada aos Nomes do Pai; discretamente evoca o
"Seminário Ineristente" e, leitor da teoria das ficcões. faz esse Seminário literalmente
a-sistir". Entretanto, parece-me possível ainda afirmar que, a partir do furo evidenciado por
sua heresia, lacan cria ainda, com o passe", a possibilidade dos analistas tocarem no Nome-
do-Pai sem terem de pagar com a excomunhão, ou com o silenciamento, como a criança
psicótica que citei anteriormente. Nesse viés, o dispositivo do passe pluraliza as heresias e
convoca, a cada um que se torna Analista da Escola (A.E.), a relatar o que lhe terá aconrecido
quando uma análise lhe permitiu tocar no Nome-do-Pai e testemunhar a presença do gozo
que esse significante fundamental, tomando muitas vezes vão o universo, insistia em ocultar
como uma mentira inconfessável.

Opção Lacaniana no 50 225 Dezembro 2007


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Dezembro 2007 Opyão lacaniana n<'50


A origem, nos diz f i d da man~iramaisf m ~ a l -ao erquecé-iatoda a cadeia se desJaz,e épor
não ter 7.eafirnudomeponto depunida da cadeia que a u>lális<tanto nu twria corno nu páti@
parece sofrer estuJonnade disppmsão 1.....I ;do nato do pai e huio o qtre ele comanda"'
Jacques iacan
Seminário: A Angústia

Lacan não cessou de insistir sobre o lugar eminente designado por Freud ao assassinato
do pai, tal como é apresentado em "Totem e Tabu". A negligência ou esquecimento da função
que ocupa o pai morto na psicanálise conduz a um extravio em relação ao que ela ordena ou
determina: a economia do desejo.
Contudo, a partir do Seminário: AAnghtia, a função do pai seri deslocada da categoria
de fundamental que até então lhe havia sido atribuída. É o objeto essencial, o objeto a, que
virá desvelar a impotência do Pai, expondo o limite do registro simbólico, na medida em que
o Nomedo-Pai constitui o operador por excelência da simbolização.
l a a n demonstra que o pai todo poderoso que podia se havcr com o gozo do sujeito não
era outra coisa que um sonho de Freud, que aspirava, a todo custo, a salvar o pai. Assim, a
metáfora paterna, formalizada por Lacan a partir do mito edipico introduzido por Freud,
enquanto traduz o fracasso do Nome-do-Pai frente ao ohjeto a, expõe sua face de semblante.
O pai é um seniblante, um aitificio significante que não pode dar conta por completo desse
elemento opaco e mítico chamado gozo.
Esta insuficiência do Nome-do-Pai,apresentada no último capítulo doSeminurio 10, como
uma "contradição" entre o mito e a evidência que brinda a experiência clínica, conduz iacan a
prosseguir sua elaboração do ano seguinte em tomo de um Semi?zário sobre "Os Nomes do
Pai:'. Relativiza-se o pai como um nome entre outros, o pai deixa de ser único para ser plural.
Por causa da excomunhão de Iacan da IPA, tal Seminário nunca se realizou, só se conhece a
lição inaugural na qual é possível apreciar claramente a intenção de ir além do mito freudiano
do pai. Esta é a resposta que Lacan oferece frente ao esquecimento e a negligência psicanalí-
tica quanto a função do pai: levá-lo em conta e atrever-sea franquear o umbral do pai freudianoz.

Os dois sentidos do Nome-do-Pai


Para Lacan, a questão do Nome-do-Pai foi, antes de tudo, um assunto inscrito no registro

Opção lacaniana no 50 227 Dezemhro 2007


da experiência clínica, um Fator decisivo na condução da cura, sustenta Jacques-Aiain Miller'.
O Nome-do-Pai é susceptível de ter dois sentidos ou leituras possíveis, uma relativa a função
Iógica da variável sujeito: I\'P(x), introduzindo em cada caso clínico o que funcionou para cada
sujeito como Nome-do-Pai. O outro sen'tido do Nome-do-Pai está referido ao conceito do
nome próprio, uma espécie de "clesignador ngido" de Kripke4e que Iacan define em "Subve~ão
do sujeito" como um enunciado equivalente a sua própria significaçãoí. iacan confere ao
nome próprio a func;áo de não ser susceptível de tradução em outras línguas, o que o aproxima
do matema e facilita, portanto! sua transmissão.
O Nome-do-Pai, designando o nome próprio de um sujeito, introduz a dimensão da
mortificação significante, no entanto deixa fora o registro do ser, a parte viva ou de gozo do
falasser. É a partir desse ponto que Lacan considerou que a pergunta pelo ser: "Quem sou
euoe)?: não pode ser respondida a partir do nome próprio6.O nome do ser de gozo é o
objeto a, o que Miller considera um Q a s e nome próprio'" e que Éric iaurent faz equivaler ao
sintoma na medida em que este "acolhe os interesses do gozo do sujeito'".
A existência de a além do Nome-do-Paievidenciaque a Iógica da funçáo de uma variável se
revela como inconsistente. O particular do gozo não é alcançado pela função pretensamente
universalizante do Nome-do-Pai. O Nome-do-Pai náo dá conta da particularidade do gozo,
nem como função, nem como nome.
Tal impossibilidade do NP metaforizar o gozo traduz a castraçáo do pai e, consequente-
mente, o Complexo de Édipo freudiano constitui um mito para tentar explicar a evacuaçjo de
gozo do corpo. Miller, no seminário sobre 'A natureza dos semblantes" afirma que: "Neste
sentido, todos os nomes do pai sáo mitos da perda de gozo".
O pai morto, pai simbólico ou Nome-do-Pai que opera no Édipo, se apresenta como equiva-
lente de uma elucubração mítica sobre o objeto real pulsional. iacan coloca sob interdição a
designação freudiana do pai morto como a instância que proíbe o gozo. O Nome-dopai tenta
lançar um véu sobre a castração, sobre a perda de gozo causada pelo significante. Deste modo,
o pai desempenha uma funçáo de semblante, uma função de maquiagem que oculta a perda.

Castração e significante-mestre
O Seminário 17: O avesso &psicanálise nos conduz ao enunciado radical de que a perda
de gozo não tem tanto a ver com o Nome-do-Pai, mas com o significante. A perda de gozo
como efeito da castração é resultante da operação do significante, do significante-mestre,
sobre o corpo. I

Certamente a conclusão anterior é um desdobramento de uma série de elaborações con-


seqüentes do capítulo "Do mito à estrutura':, do mencionadoSeminário e que têm seu ponto
de partida no enunciado do mito "Totem e'~abu"sobre a equivalência entre o pai morto e o
gozo. %I equivalência, ao apresentar-se como signo do impossível, encontra lugar na catego-
ria do real. É a partir daqui que Lacan situa:um operador estrutural: o pai Real, para além do
Édipo, na dimensáo da castração.
I;ican10indica que "O pai real é o agente da castração", para precisar o ato que o pai real

Dezembro 2007 1228 Op<;ãolacaniana no 50


realiza, ou seja, o trabalho do agente-mestre". O pai como SIopera na castração para extrair o
gozo do corpo.
Uma pergunta se coloca neste momento para Lacan: É da natureza do ato que procede a
função do pai real no que se refere à castraçjo?,, Sua resposta não dá lugar a dúvidas: não
existe ato, incluído certamente o analítico, que não esteja precedido da incidência significante.
A operação cla castração exercida pelo SI precede toda a dimensão do ato. Destaca-se desta
consideração a préexistência lógica do discurso do mestre - em que se inscreve o inconsciente -
ao discurso do analista.
No discurso do mestre assistimos, portanto, a uma dupla operação agenciada pelo signifi-
cante-mestre: por um lado, efeito de castração ou perda de gozo do corpo, S e, por outro, a
produção de gozo, a. O S, introduz um menos no efeito perda de gozo e um acréscimo na
produção de um "a mais" de gozo.
Com a assunção da castração por pane do S,, a questáo da lei exercida pelo Nome-do-Pai
e a conseqüente instalação da dialética "proibição-transgressão'' deixam de estar corelacionadas
a ela. A problemática da castração ligada ao SI vem agora a ser estabelecida pelo par "perda-
recuperação" de gozo, elementos incluídos no matema do fantasma
Poder-se-ia dizer que um dos aspectos fundamentalmenteesclarecidos por Lacan noSemi-
nário 17 sobre o agente tia castração, já introduzido no Seminário 4. se refere a disjunção
realizada entre o significante-mestre e o Nome-do-Pai. O SI é responsável pela castração, en-
quanto a função do pai fica reduzida ao semblante, ao velamenco da castração. Como função
de linguagem, a função de semblante se situa na impossibilidade de escrever o real".
Se a formulacão do discurso do inconsciente ou discurso do mestre introduz na psicanáli-
se, através do significante-mestre, o campo de um além do Nome-do-Fai, a instauração do
discurso psicanalítico conduz a um além do mestre, um além do inconsciente. O discurso do
analista se constitui no avesso do discurso do mestre, na medida em que, no lugar do agente,
não opera o pai real como SI,mas a como semblante do objeto causa de desejo para tratar, no
ato sustentado pelo analista, de incidir sobre o real do gozo.
T a l o traduzido por Rachel Amin

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Opção lacaniana no 50 Dezembro 2007


O que se mantém em pé hoje da metáfora patema após diversas transformações às quais iacm
submeteu seus conceitos, quando "o além do pai" é assunto inquestioná\~el,quando os acentos
sobre o pai se deslocaram?O que é possível sustentar sobre essa formidá\~elconstrução dos anos 50
e para a qual, de qudquer forma, ele designará, anos mais tarde, um lugar em suas elaboraçóes,
um lugar inclusive quando as mutações na orientaçlo para o real são um fato consumado?
Para examinar o assinalado, considero conveniente destacar em primeiro lugar, que há um
aparente, mas banal e recorrido paradoxo com relação a noção, que merece ser examinado.
Por um lado, geralmente se reconheceu a capacidade que tem tal noção para mostrar a
função teórica e clínica que cumprem conceitos maiores da psicanálise, tais como os de pai
morto, castração, NP, falo, lei, além de outros. De fato, o mínimo que se poderia dizer a esse
respeito é que quando Lacan a produziu fez progredir a psicanálise em não pouca coisa,
fazendo assim também uma esplêndida homenagem a Freud e ao mesmo tempo a Jakobson:
e que a explicação lacaniana da psicose em especial será impossível sem saber o que significa
o fracasso da metáfora paterna, a qual contém, por sua vez, o fundamento mesmo do
enodamento, base da últimaclínica lacaniana. Mas, por outro lado, trata-se de uma noção que
é objeto de críticas e, finalmente, de certo esquecimento. É como se assim se castigasse com
o abandono a ambição indiscutível que ela contém.
Para esclarecer o que foi dito, é útil recordar pelo menos algumas de suas potências mais
específicas e as fragilidades que foram estabelecidas com relação a elas.
Acerca de sua potência, é possível indicar que trabalhos clínicos fundamentais, tais como
diversos desen\~olvimentosde iacan, especialmente em tomo de Schreber, ou outros, de
diversos momentos, ou a elaboração de Miller sobre Gide, ou a metáfora do gozo etc., são
construções que adquirem seu fundamento e capacidade explicativa devido a noção de metá-
ford paterna. Neste mesmo sentido também se reconheceu a admirável arquitetura e a beleza
formal que este conceito encerra, as quaiskpercutem em todo o percurso de iacan. Outros
fatos notáveis poderiam ser destacados. !
Acerca das W & d e s teóricas que este )Lonceito encem, foram assinaladas, por exemplo, as
seguintes, em que pese ser o c ~ n c e i t o ~ n c epara
p s promover a primazia do simbólico e do pai na
ordem humana: a impossibilidadede reconhdcer halmente que seja esta o p e q ã o a que permitina
ao sujeito ingresjar na função metafórica, no >ibólico (ao realizar a metáfora do DM). Isto foi de-
monscrado por h4dler. [~:er,por exemplo, Miller, 1991, pp. 21-22], na medida em que o NP "já" é
metáfora da ausénóa do pai e, portanto, a mehora patema não pode ser a operação que introduz o
I
Dezembro 2007 1 230 Opçáo Lacaniana no 50
sujeito na ordem simbólica.?àmbéni foim assinalados por Miller os inconvenientes que apresenta
a própria escrita do desejo da mãe como "DW, o que introduz confusão entre desejo e demanda,
com importantes conseqüências teóricas e clínicas [C£Miller, 1988,79301.E ainda outros.
Que balanço é possível estabelecer hoje sobre este conceito? Antes de qualquer coisa,
convém recordar que noções essenciais dos últimos desenvolvimentos de Lacan em tomo da
primazia do real não poderiam atingir sua fundamentação seni dar um lugar claro àquilo que
os possibilita e os determina (noções prévias às correções que sejam necessárias). Com rela-
ção a metáfora paterna, é o caso das pluralizações da foraclusão, do Nome-do-Pai e dos S,, da
funçâo do Si: da arquitetura dos discursos e também do nó.
Inipõe-se, assim, dizer o seguinte: trata-se de saber que nesta perspectiva, conio em outras
semelhantes, existe uma tese maior que consiste no reconhecimento de que na abordagem
das transformações que sofre um conjunto teórico complexo, rege um principio, proposto
por Lacan e assim apresentado por Miller: "o que [iacan] chamou história - isto é, a sucessão
totalizada, a totalização, a unificaçâo - em seu primeiro ensino, tomar-se 'varidade" no Final.
(...) o que foi pensado até então como estádio de desenvolvimento toma-se período da histó-
ria, fase significativa". [hliller, 1998-1999,p. 1591
De acordo com isto, é necessário entáo pelo menos recordar que na história não se pro-
duz nenhuma ascensão linear e gloriosa à verdade, como a supõem aqueles que operam coni
relação a certos conceitos de Lacan conio se estivessem frente a estátuas em seu imaginário
museu psicanalítico das idéias. Fica excluído, portanto, todo o espírito hegeliano para encarar
a história. Em seu lugar impõe-se a varidade. Isto não implica de forma alguma que se trate
assim de desconhecer a superação de impasses ignorados ou mal estabelecidos em um
momento ou outro. Não se trata, por conseguinte, de nenhuma denegaçio daAufhebung na
obra de Lacan, mas, a saber, que a verdade é poliédrica e que todo o acento no real não
significa a dessuposição, de fato e de direito, do nó, onde o simbólico e o imaginário nào
achariam lugai- ou talvez apenas um lugar circunstancial, mas sim de uma reordenação
conceitual (também clínica) na qual certamente algumas peças não se encaixam, mas onde
outras exigirão achar um lugar, e não serem abolidas, em função da nova clisposiçào. Quais se
sustentani?Antes de tudo a estrutura formal. Bmbém o próprio conceito de metáfora pater-
na submetido as modificações indicadas, como se vé em hcan até o final (ver, por exeniplo, sua
aula de 8 de maio de 1979),quando continua fazendo uso dele e sua fenilidade é demonstrada.
Mas convém ao menos reconhecer um pouco melhor uma dessas peças centrais com
algum detalhe.
Dizer "Nome-do-pai"já comporta a idéia de que não se trata apenas do "pai", mas também
de seu "Nome"; que essa categoria se refere a um significante que, como tal, nomeia, é
"nomeante", diz I.acan, é "o pai clo nome" que, se existe para o sujeito como significante, é
aquele que cumpre a Função,... e não "o pobre marido da mie".
Neste sentido, e para destacar a abordagem de Lacan, no que Miller designa como "o
último ensino de Lacan", a respeito da função do pai, é oportuno citar uma passagem do
Seminário "RSI" (1974-7j), que abreviará diversos comentários: "Um pai só tem direito ao
respeito, mas também ao amor, se o dito amor, o dito respeito está - náo creiam em seus

Opçáo iacaniana no 50 231 Dezembro 2007


ouvidos -père-versement orientado, quer dizer, se faz de uma mulher o objetoa que causa
seu desejo. Mas o que esta mulher (com minúscula) a-colhe dele, se posso me expressar
assim, nada tem a ver com a questão. Ela se ocupa de outros objetosa! que são seus filhos,
junto aos quais o pai todavia intervém, excepcionalmente no melhor dos casos - para manter
na repressão (repression), no justo meio-deus (mi-dieu), se me permitem, a versão (vwsion)
que Ihes é própria por sua pai-versão père-version), a única garantia de sua função de pai."
[Lacan, 1974-ij.Aula de 21 de janeiro de 19751.
Podemos observar no dito acima que, em 1975,iacan sustenta o ordenamento e a função
da metáfora paterna, esta agora enriquecida com a proposição do pai não apenas como Nome,
mas também como versão (do pai), pai-versão, "única garantia de sua função de pail. Trata-se
assim de mostrar a necessidade da substituição do gozo por um prazer (metáfora do gozo),
para que a metáfora paterna se realize. Para isso, ele põe em tensão categorias que foram
usadas tradicionalmente ao definir o pai, o amor e o respeito; estas ficam assim condicionadas
a uma perspectiva específica exigida daquele que, para ser dito pai, precisa permitir algum
modo de gozo em quem opera como mãe, sendo isto agora o fundamento da operação.
O Nome-dopai requer, sem dúvida, outras precisões. D. iaurent destacou que foi o trabalho
paciente de Miller que possibilitou reconhecer as diferentes funções que se achavam ocultas sob a
designação global de "pai" ("pai", Ne pai imaginário, pai real, a p l u d i ç ã o dos NP até a metáfora
do gozo - ou "redução do infinito do gozo a finitude do prazei', segundo fórmula de Miller-, para
finalmente chegar a fazer do pai apenas um Si,destacando que esta redugo não implica nenhuma
impostura, mas uma função necessária']. [D. iaurent, pp. 39-40].D. Iaurent adverte, assim, sobre
a superposição destas categorias que é possí~~el achar nos enunciados de Lacan. E também que é
preciso sublinhar que esta elaboração de hfiller produz uma redução, da função do pai a ser s o
mente um SI, o que abre múltiplas opções. Poder-se-á,taivez, supor as implicações desta redução.
Não seria conveniente esquecer neste contexto o que hNer mostrou sobre o trabalho de
Lacan com os mitos freudianos,istoé, como Édipo, c o m ' ~ o t e netabu"
~ e "Moisése o monoteísmo".
Ao tratá-los;como mitos! sublinha Mder I a m instaura a exigência de neles estabelecer algo que
deve ser interpretado. Portanto, de "extrair a estrutura, cujo revestimento são os mitos", para
despojá-los de suas capas, o um com o outro, e finalmente conseguir aproximar da proibição
freudiana o impossível. [Miller, 2003, pp. 29-30]. Nesta leitura dos mitos freudianos se observa
bem a direção geral que orienta Iacan relativamente a Freud: extrair de seus mitos fundadores o
real da estrutura, que é finalmente aquilo que determina a metáfora paterna.
Talo traduzido por Elisa Monfeim

'Nmlogismo proposto por Lacan. que mndensa iorieié (variedade) e imilé (verdade).
Lacan,J. (198911952-561).Sminariol larpsir&. Pdidós: Buenor Aira.
Idem. ilWW002). "ln!mduction tua Rom~du~Pèie''. De~Nom~du~Pèw. Paris: Seuil. D D ~ I ~ I M

41.1 I 3 !I%<. 13',9 1'. ,.yn?r,m!u J; 10 r,w. ,*i~ d ~ ~ r d u t ~ > b. : kl , nx 4~ l'ul '!I\
I .I 3 h , . i : r I : : 0 1 t I ; W

Dezembro 2007 232 Opçáo Lacaniana no 50


O mito se distingue da religião revelada pelo fato de que esta tem como suporte uma
escrita, enquanto aquele subsiste a partir de um relato oral. Os modos como esse relato é
continuamente contado - até que o etnólogo o recolha -, fomecem a própria forma da repe-
tição mítica: uma reiteração com leves variações. Finalmente, a teoria acaba por reconhecer.
como diz Lévi-Strauss, que o mito é próprio sistema das variações em que subsiste.
Existem sociedades constimídas a partir da função discursiva garantida pelo mito, mas a
religião revelada, ainda que abra o caminho para a ciéncia, não o faz desaparer completamente.
Podemos ler o livro de Freud, "Moisés e a religião monoteísta", como uma tentativa de definição
da travessia que leva do mito ao Livro. Nesse sentido, o homem Moisés aparece como aquele
que se empenhou para garantir que todos os traços nos quais uma determinada sociedade de
gozo se sustentava, o Povo, fossem ditados por Um pai, por um ímpar. Referimo-nos aqui ao
rastro deixado ao andar pelo deserto, enquanto o Povo se constituía como tal, assim como a
marca d e identidade pela circuncisão e , obviamente! a escrita do 1,ivro. Isso tudo implica a
passagem do relato à história, da fábula a invenção, do b v o i lei, submetido sempre a garantia
de Um-pai. Mas Freud encontra um obstáculo no momento de construir essa trama. Ocorre
que, ao explicá-la, parecemos ser capazes apenas de dar-lhe novamente a forma do relato
mítico. Lacan parte disso no seu Seminário O avesso da psicadlise, para tentar passar do
mitema ao matema. A matriz primeira, ele a encontra na articulaçáo dos quatros discursos.
Mas, voltemos a essência do mito. O mito demonstra àqueles que o escutam que tudo já
foi dito anteriormente e que, por isso, é inútil escrevê-lo, pois uma escrita nunca o tomaria
original. Seguindo Lévi-Strauss,podemos dizer que, eni relação ao seu conteúdo, o mito sem-
pre apresenta a resolução de uma contradiGo, que pode ser a da impossível inscrição lógica
da cópula entre o homem e a mulher; ou o paradoxo da natureza entendida comophysis, isto
é, como uma cópula concebida como geração não discursiva de tudo o que existe. Se, na
origem, colocam-se o "pai" e a "mãe", então dar nome a estas entidades significa explicar a
orizem de todas as coisas. É a matriz da forma mítica na qual uma comunidade encontra a
possibilidade de apoiar-se em oposições cosmológicas consitleradas como originárias. Trata-
se de oposições do tipo lu7Jescuridã0, bemlmal, concórdia/discórdia, senhor/cscravo, vida/
~ -

morte etc., graças às quais se encerra o campo das questões que podem se estabelecer dentro
dessa comunidade.
Em outros tempos, em um tempo irrecuperável e irreproduzível: o her0i teve a solução para
algumas das contradiçbes fundamentais. O herói se define por um tipo de ato que elimina todos

Opção Lacaniana no 50 233 Dezembro 2007


os demais; seu ato heróico, único, e no qual se forçam os limites da natureza e do discurso,
torna impossível sua repetição. Podemos dizer que, se esse ato existisse: "foracluiria" o in-
consciente. Antes que o sujeito possa chegar a inquietar-se com a questão a qual nos referi-
mos anteriormente, ele deve identificar-secom a culpa que o herói suportou. Mas essa culpa
foi incomensurável; e então, a culpa se desdobra no vínculo social: o que se estabelece entre
aqueles que são culpáveis por não serem suficientemente heróis, quer dizer. por não serem
suficientementeculpáveis. Por isso, jamais chega o momento em que a questáo é posta.
O mito é popular: todos o conhecem, qualquer um pode relatá-lo. O mito se transmite
integralmente, realiza perfeitamente o princípio da ignornntia jurzs: ninguém pode alegar a
ignorância da lei que, com ele, está estabelecida. Em resumo: a medida que define uma comu-
nidade de gozo: o mito e o Povo. A filosofia se coloca perfeitamente a serviço da religião
revelada; assim foi conhecida como a ancilla da teologia, sua escrava de nobre estirpe. O
mito: por sua vez: não necessita em absoluto da filosofia, tal como sabia muito bem Platão,
que pretendeu fazer uma cidade matemática, somente com a verdade. Em uma cidade assim,
sem mito, cada significante representaria a si próprio - esta é a definição lacaniana da letra
matemática: mas também configura o ideai do cidadão e ficdam desenterradas as contradições
da verdade. A lei ficaria separada do gozo e coincidiria plenamente com o bem.
Mas, se falamos de cidade, é preciso retroceder alguns passos. Primeiramente, temos a
cidade pré-edipiana, Tebas, que sacrifica seus melhores cidadãos na ara da verdade, isto é:
frente a um ser composto de duas metades distintas, tal como é a esfinge. Lacan ensinava de
que maneira, então, um dos seus filhos mais esclarecidos, Édipo, filho de iaio, neto de iábdaco,
regressa a Tebas inconsciente de tudo o que é; resolve heroicamente o enigma das patas e
libera o Povo da imposição da angústia que a verdade impunha. Mas isso se sustenta politica-
mente somente até que sobrevém o sactificio generalizado: a peste. Uma segunda vez; Édipo
faz-se herói da verdadel mas desta vez para ser ele mesmo o objeto do sacrifício. A partir dai,
resta-lhe apenas vagar, maldito, até sua desapariçao, até seu U n t q a n g . De sua submersão,
de seu sepultamento sem nome, surge: em seguida, a gloria de Atenas, a cidade onde se torna
possível colocar a questao que a esfinge podia apresentar apenas como algo cifrado: "o que é
um homem?".
No Avesso dapsicanálise, iacan situa o mito de Édipo como o conteúdo manifesto de um
sonho de Freud. Tal como vimos anteriormente>no mito se lê a origem das coisas; o mito nos
faz assistir ao ato supremo em que o mundo surge do caos, em que a nova lei supera a trans-
gressão primitiva, em que a luz se cria da escuridão, em que a primeira palavra se Faz ouvir
desde o profundo silêncio que a precede.
Mas essa narrativa da origem é um relaro de um sonho.
O conteúdo latente ao qual esse conteudo remete é alcançáuel somente se levarmos em
consideração tal gênese numa ordem inversa: é o mundo que dá lugar ao caos, é a transgres-
são que cria a lei, e a luz e a palavra fazem existir retroativamente uma escuridão e um silêncio
míticos, bastante míticos. A criação, a origem, não procede como relata o mito, mas tal como
o ato da escrica ensina. Enquanto o mitema descreve de que modo o Uno surge do caos, o
matema escreve o Uno que faz surgir o sonho da origem, ao qual chamamos de nada.

Dezembro 2007 234 Opçáo Lacaniana no 50


Um dos personagens de Oscar Wilde em "Uma mulher sem importância" diz: 'A história das
mulheres é a história da pior forma de tirania que o mundo já conheceu. A tirania do fraco sobre o
mais forte. É a única tirania que perdura". A ação da obra demonstm esta afirmação, porém não
restam dúvidas de que esta não é a posição que adotaram os feminismos ao longo de sua história
de reivindicaçoes. Interessa-nos,particularmente, a da cientista politimaustraiiana Carole Pateman:
em seu livro O contrato sexual, com sua tese de que o contrato social originado na ilustração
sustenta-sepor uma cena primána; contrato sexual no qual as mulheres aceitam submeter-se aos
homens de forma tal que a vida pública pode sustentar-se graças a vida privada. E! por que as
mulheres aceitaram isso?Pergunta a própria Pateman, e responde utilizando a seu próprio modo
o mito freudiano de "Totem e'iãbu", o qual considera a base do contrato social ilustrado. Não deixa
de citar a ambígua frase de Freud que diz que os irmãos "cometem o que havia sido impossível
para um s o (é impossível para um só matar o pai ou gozar de todas ai, mulheres?), porém, sua
resposta se liga à violência do pai primitivo, que parece estar provada, para Paceman, no testemu-
nho do Homem dos Lobos criança que, ao espiar a cena do coito de seus pais, interpreta-a como
uma cena de violência exercida pelo pái sobre a mulher Isto é suficiente para nossa autora: se as
mulheres aceitam submeter-seao contrato social é por medo da violência do homem.
Lacan se coloca a mesma pergunta noSe~ninário17e localiza o problema no mesmo mito:
"o velho tinha todas as mulheres para ele, por que as teria se havia outros rapazes e elas
poderiam ter tido alguma coisa a dizer? Cenamente aceita que os irmãos são irmãos em
nome de uma segregação, já que e notório que as mulheres não paniciparam do assassinato
que dá origem à cultura, ultrapassando a importância da premiaçao. Iacan, aproximando-se
sugestivamente de Wlde, dá sua resposta: talvez a invenção do mestre provenha do desejo da
histérica de ter um, para reinar sobre ele.'
Em um certo sentido, não se distancia de Freud quando, em seu "Mal-estar", afirma que
"as mulheres fomentaram a cultura pelasexigências de seu amor" É que, de alguma forma,
em Freud se misturava o lugar das mulhedes, ao conceber seu mito, porém não parecia poder
precisá-lo mais do que com a resposta d+ sujeito que, no começo de seu escrito considera'
que "o trabalho do 'Totem' é uma (...).Às vezes, tenho a impressão de ter querido
4
travar apenas um namorico e descobrir, esta altura da vida, que tenho que me casar com
outra mulher". Porém, ao concluir seu trabalho, está cheio de "segurança e entusiasmo" pelo
impacto e escândalo que suscitara e: porque "Quem quiser beijar a princesa adormecida ali
dentro, contudo terá que atravessar algu+as sarças espinhosas de literatura e ditames".

Dezembro 2007 i 236 0pc;áo Lacaniana no 50


1952, quando iacan estava retomando ao pai Freud, como decisão estratégica (recordemos
que as letras S(A) são de 1958) podia-se dizer: "O nominalismo, antes a novidade de uns
poucos, hoje abarca todo mundo; sua vitaria é tão vasta e Fundamental que seu nome é inútil.
Ninguém se declara nominalista porque não há quem seja outra coisa". Éque, "Desde a perspec-
tiva da retirada das grandes expectativas" (Hans Blumenberg), constata-se que as complexas
organizações significantes dos "tempos modernos" caducaram, efeito do pós-modeinismo.
Resta, portanto, a série infinita, pois o nominalismo indica que o Outro não existe como um
da classe. Nào existe um que diga nào, que se faça existir como limite. Em outras palavras, a
cultura caminha para a operatividade da lógica do não-todo com seu chamado, desesperado,
ao retorno de uma ordem qualquer.
Contudo, o império nominalista é uma questão de existência. De existência de um gozo que,
por escapar ao que se conta, empurra sempre para além de onde o sujeito nào se encontra. É
um principio de enlouquecimento próprio da posição feminina, que somente pode deter,
não o nome do pai como lei, mas a função sintoma como pai do nome que enoda algo desse
real. Enquanto isso, as próprias mulheres se veráo confrontadas a se situar entre a presença
desse real do enlouquecimento (Encore) e seu uso do significante mestre, uma vez que agora
elas têm importância, graças ao 'empowermet'feminino. É "o que vira. Por sorte, algumas
lúcidas teóricas dos feminismos se distanciam cada vez mais de posições como as de Carole
Pateman, próprias de um modernismo, apesar d e si mesmas. Alguém como Rosi Braidott'i
reformula certas afirmações de uma das primeiras teóricas, Teresa de Laurentis, e permite
fazer aparecer alguma localização desse real quando se pergunta "por que nem todas as mu-
lheres desejam ou sentem falta da liberdade e da autonomia? Por que não desejam ser livres?"
Sua resposta, marcada por suas leituras de psicanálise, ressalta que as mulheres devem ter
clara sua cumplicidade e/ou sua implicação naquilo contra o que lutam e é necessário, ponan-
to, não somente diferenciar homem de mulher e mulheres uma por uma do ideal cultural de
'Xmulher", como também considerar a divisão d e cada uma. Mas o nomadismo propõe sus-
tentar o sintoma que acaba de verificar! E qual a razão pela qual são elas as que - é um dito de
Lacan - criaram a linguagem?
Teso traduzido por B w r a Ribeiro de Castro e revisado por Rachel.4min de Freitas

'Fieud, S. e Ferenai, S (2001). Currespondmciarompkla. Vd. 1.i. y 1.2, mia! 255 y 395 Madri: Editorial Sintesis.
'Dhloatti~Com~t FFim
citada par Maro Focchi. (2000). "Una cualguiera". Buenos Aim: Paidoi EOL.
'Seminario ".ou p i r e " ~"El saber del analisa". inéditos. C l m 3.3.72,1.6.72 y 106.72.
%UM i996-97 diciado con Eric Laurent. Intdito.
lorge Luis Borgm. (1996). Olrarinquisinones.Em& editora. BrAs i
6Sujel~ nóds(2000).Paidos BsAr. y ''Diferencia remai; incardinimiento y devenii'. (1999). Rwisia.Mwa (i). Bs.4~:FfylNBA.

Opção Iacaniana no 50
Teoricamente, não é impossível conceher um idioma em que o nome de cada
ser indicasse rodos os pormenores de seu destino,passado efitturo.
J L. Bo~orges

Promessa
O termo Versagung foi tracluzido por Jacques lacan, entre outras formas, como promessa
não cumprida, decepção. Não é incongruente aplicá-lo ao conceito Nome-do-Pai formalizado
em "Uma questão [>reliminar...",se considerarmos as expectativas que se abriam a partir desta
época para situar a nosologia psicanalítica sustentada no tripé clássico: neurose: peiversão,
psicose. A metáfora paterna, em sua clara escritura! fazia equivalentes a produção da metáfora
paterna e o campo da neurose. Quanto à perversão, ela ficava quase resumida em uma frase:
"Todo o problema das perversões consiste em conceber como a criança, em sua relação com
a mãe ... identifica-secom o objeto imaginário desse desejo, na medida em que a própria mãe
o simboliza no falo".
Com relação a metáfora paterna, sua operação substitutiva (significante) tem como condição ne-
cessária o lugar primeiramente simbolimdo pela operação da ausência da mãe; de maneira que a
inscrição do Nome-do-Pai fica subordinada a essa simholização primeira ou primordial que opera
na mãe. Em uma versão estreita, pode-se dizer que a chave da metáfora está na mãe, mais do que
no pai. Ordem luminosa, que parecia clarear o caminho para que o analista se guiasse um pouco
melhor nas sombtx geradas nessa "insondável decisão do sei'. A conseqüência era também a
distribuição e diferença entre significação e sentido, este último presente, sobretudo, no campo
da psicose, a falta de significação fáiica para demarcá-lo. Uma nota de rodapé, datada de julho de 66,
vem escurecer um pouco essas águas c l m ao introduzir o objeto a, ausente da fónnula, porém
presente na estrutura, e que irá tomando cada vez mais o lugar de resto pulsional impossível de
simbolizar pela operação significante.Isco vem estragar um pouco a promessa clo Nome-do-Pai e
acaba levando à conclusão de que toda metáfora paterna fracassa. Daí que a neurose mesma ofe-
rece certo remédio a essa falha; a falha não se cura, mas pode terceiro remédio. O remédio nem
sempre é suficiente e trata-se então de oferecer algum remédio à neurose. A psicanálise que ofere-
cemos aspira a isto, e o notável é que consegue bons resultados. É por isso que se pode concordar
com Iacan que, na aula de 14/12/76, afirma que "a psicanálise é um desvio prático para sentir-se
melhor". Não deixa de ser um exercício de moclátia.

Opção Lacaniana no 50 239 Dezembro 2007


O Nome-do-Pai como "não"
Um texto de Jacques-Alain Miller' publicado em 1992 comenta o seguinte: 'Ã orientação
lacaniana é uma série de 'sim' e de 'não'; o que se chama de uma vida pode resumir-se nessa
sériex.Jacyues Lacan diz que o que constitui o texto corrente de uma vida humana é "uma
cadeia bastarda de destino e inércia, de lances de dados e estupor, de falsos êxitos e encon-
tros desconhecidos..."'. O oximoro "barra de nobre bastardia" é aplicado, também por ele, a
divisão que afeta o sujeito surgido da articulação significante; indicações claras, nos parece,
de uma paternidade sempre incerta, e que a decifração tlo genoma não resolve.J.A. Miller diz
também que entre um 'sim' e um 'não' há uma dissimetria; sini e não parecem ser um o
contrário do outro, porém há um sim fundamental, que não teni oposto. Ibr isso falar já é
dizer sim, já é consentir.
"O inconsciente Freudiano está no plano do 'sim' fundamental, que não tem contrário". Wr
isso iacan pode identificar o inconsciente a uma linguagem ... a uma escritura.Apesar da dimen-
são enganosa da palavra, um escrito se conserva... Isto nos ajuda a definir a interpretação. Ela
conduz o 'dizer não', "nóduloda neurose", ao 'dizer sim', que está escrito. Este 'não' da neurose
é a Vemeitzung. que reenvia ao 'sim' mais fundamental da escritura inconsciente. Se seguimos
iacan, o 'sim' fundamental está designado,em Freud, pelo termo Bejubung: afirmação primor-
dial. O 'não', ou recusa primordial, em Freud, está designado pelo termo Austossung.
Na psicose, trata-se também de um 'não' fundamental, porém situado no plano da escritura;
isto é, que atua no nível tlo 'sim' fundamental, da Bejuhung, impeclindo sua inscrição. É,
sobretudo, Ausrosszing.
X Verwe.erfungserá tida por nós como foraclusão do significante.'" A Verwerfung, portanto,
não é patrimônio do significante Nome-do-hi. Porém, se recai sobre este significante, deter-
mina uma psicose; quer dizer, gera uma contliçáo de possibilidade.
Produz-se assim certo paradoxo: esse 'não' que ataca ou impossibilita a Rejuhung, o sim
fundamental, abre ao mesmo tempo uma espécie de sim para formas de gozo que não podem
localizar-se e delimitar-se,'como acontece habitualmente nas neuroses. Radicaliiando um pouco
este paradoxo, parece que aAuslossungdo significante paterno abre espaço para umaBejahung
destes gozos. O significante Nome-depai atua, dessa forma, por poder dizer 'não' a esse gozo, e
fundamentalmente ao gozo da Mãe, que na fórmula da metáfora se escreve DM. Na língua fran-
cesa existe a possibilidade do equívoco: foneticamente, 'nome' (No~n)é também 'não' (Aron).
Nas neuroses, o 'não' veiculado pela metáfora nunca é tão radical: não é tão taxativo como
se fosse: 'ou sim', 'ou não', de uma vez e Rara sempre. Daí o lugar táo particular que ocupa a
fobia, que parece ser um lugar de passageJ obrigatória e anterior, logicamente, à constituição
de uma neurose propriamente dita. Em um canel do passe, aprendemos a reconhecer o que
naquele momento se identificou como cicdtriz de uma fobia infantil em um sujeito claramente
neurótico. A fobia testemunha, justamentA, um certo fracasso da metáfora paterna, o que se
chama de foraclusão generalizada, chnio a designou J.A. Mille. que acompanha
conceitualmente a falha estrutural menciolnada acima. J.A. Miller também chamou a fobia de
"minimetáfora delirante", em uni texto quL não conseguimos localizar. e que citamos de me-
l
Dezembro 2007 1 240 Opção Lacaniana no 50
mória. No mesmo texto citado, Miller localiza um paradoxo. Ao enfatizar a distinção entre
Verneinung e Defesa, apela para o falo simbólico, impossível de negativizar, dizendo que
ainda que este nào entre sem a Ve?xeinu?zg,isto náo impede, entretanto, que, como signifi-
cante, implique a anulaçáo de gozo. Ele situa o falo simbólico, em iacan, como recurso que
opera no registro daBejahung, do 'sim Fundamental'; o que o aproxima do registro do signifi-
cante paterno. E acrescenta que iacan se utiliza dele para colocá-lo em conexão com a pulsão
freudiana, também impossível de negativizar. O falo simbólico, por ser um termo recusado da
palavra, porém compatível com a escritura, toma-se um significante indizível ou sem nome?
ou de presença real. Seni nonie é um modo utilizado porLacan para carzcterizar o neurótico.
A escritura do falo simbólico, uma vez que contém um 'não ao gozo', parece assegurar a
condição determinante da neurose.

A passagem de uma fobia a neurose


Um sujeito relata uma fobia infantil que o atormentava: o objeto era um vizinho, gordo,
acerca do qual os pais lhe disseram que comia as crianças que se compoitavam mal. A resposta
imediata foi a impossibilidade de sair a tua quando este vizinho estava nas imediaçóes. Esta
fobia se deslocou para outro vizinho, sem motivos evidentes. Um [raso é isolado em ambos:
sobrancelhas pretas e muito grossas. E a partícula "no" está presente nos sobrenomes deles.
Depois ele lembra de uma cena de um filme: um homem gordo, de expressao benévola, come
com prazer umas panquecas com mel. Destaca-se o traço das sobrancelhas pretas e grossas. A
criança é tomada por uma avidez por comer panquecas, e esse gosto se mantém; inclusive
aprende a prepará-las mais tarde. Entre a fobia e o filme, passaram-se alguns anos. Produz-se
unia associação que opera como interpretaçáo: lembra que o nome do filme era "O diabo
disse náo''. Da figura do diabo destacam-se também as sobrancelhas grossas e uma expressáo
um tanto benévola.Ainda que possa parecer um sacrilégio, o diabo pode ser uma representaçáo
do pai. Todavia, o essencial neste caso náo é essa representação; o essencial é dizer 'não' a
"ser comido". Um 'não' contingente, que se inscreveu e deu lugar i saída neurótica.
'A castração significa que é preciso que o gozo seja recusado para que possa ser atingido
na escala invertida da Lei do desejo"; assim conclui Lacan em "Subversão do sujeito...". Esse
trecho parece ser de certa atualidade.
A pluralidade do Nome-do-Pai permite que, diabo ou não) algo seja portador dessa recusa,
na forma do 'náo'. Dai que a fórmula de Antonio Di Ciaccia, em sua apresentação do Congresso
de Roma-2006, nos parece relevante: "No Fundo, se esta pluralização nos libera do pai, nos
encadeia a linguagem. O significante paterno não é significante porque é paterno; é paterno
porque é significante".
Tato traduzido por Fárimd Sarrnento

Miiler,J.-A. (lewroiro,l$92). "introduction à i'imposrible~à~supponei'.1ellredfm~eikE.CF (1%)


Lacan,J. (1981). "Acerca de Ia causalidad psíquica". In5mcni<uI . México: SigloUl Editores, p. 150.
Lam,]. (1984). *l)e una cuestiin pielisinna todo tratamiento posibie de Ia pricoris". InEscrilar 11.México: Si& UIEditores, p. j29

Opçso Lacaniana no 50 241 Dezembro 2007


SOBRE A ESTRUTURA
PIERRE
S ~ I N (PARIS)
E (skriab@iuanudoo.frj

A experiência humana se estrutura em relação a três categorias, que são aquelas da expe-
riência analítica, destacadas porJacques Lacan, sob os nomes de Real, Simbólico e Imaginário.
Esses três registros são, fundamentalmente, heterogêneos.
Para se sustentar na "realidade humana", a dos discursos, para fazê-la consistir em suas
três dimensões, para criar e manter um laço social com seus congéneres, o sujeito precisa
manter juntos esses três registros, deve encontrar, para eles: uma medida comum.
Fazer assim consistir uma "realidade" que não tem nenhuma existência intrínseca, pois ela
é somente um véu tecido de imaginário e simbólico que serve para recobrir o real, é: no
entanto, necessário para o ser falante, para o sujeito, para se proteger desse real que escapa
ao signiiicante e a imagem, e que é, como tal, insuportável.
Essa proteção, que permite a um discurso se desenvolver e fazer laço; implica uma
contrapartida, que é liniitaçáo do gozo, senão sem limites, da Coisa primordial, dito de outra
maneira, da mãe. Esta limitacio procede da implantação da função do pai: interposição, inter-
dição do incesto, estabelecimento da lei simbólica são o fato dessa função.
O papel da metáfora paterna, substituindo o Desejo da Mãe pelo Nome-do-Pai, é, assim, o
tle permitir uni acesso aos discursos, mediante uma perda de gozo. Não se trata aí, em termos
lacanianos, d e nada diferente daquilo que a castração, em termos freudianos, opera.
O Nome-do-Pai realiza, assim, como Bejabung (dizer que sim) da realidade da castração, o
acesso do ser falante ao universo dos discursos e a proteção contra o Real que permite a
instauração do laço social.
Em outros termos, a função do ~omejdo-&ié de manter junto, para cada sujeito, um a
um: Real, Simbólico e Imaginário; e de peimitir fazer consistir uma realidade sem existência,
b
na qual pode, no entanto, se desenvolver laço social no campo dos cliscursos.
O Outro é fraco, tanto quanto osujeito.Não há Outro que seja ao mesmo tempo conlpleto
e consistente. Isto diz respeito i estrutura mesma do significante, que é diferencial, excluindo
por isso a referência absoluta. I

Dezembro 2007 242 O p ~ ã Lacaniana


o n" 50
!
O Outro não existindo, não há garantia última: o significante que garantiria o Outro falta
ao Outro. Deus não poderia garantir o Pai. Não há Nome-do-Pai, a menos que cada sujeito
invente e ponha em jogo aquilo que ai caberia para ele. Dito de outra maneira: não se tem
outra escolha senão a de prescindir dele (do Nome-do-hi como garantia que não existe),
com a condição de servir-se dele (de colocar em jogo sua função)
Primeira conclusão: há, esuutudmente, foraclusáo do NomedoPai no sentido de uma medida
comum "inata", "normalidade" m'tica que manteria Real, Simbólico e Imaginário juntos pela graça
de uni enlace borromeano de três bem sucedido. Nada os liga apriori. Foraclusão generalizada:
"Todos débeis", dirá iacan, indo além da referência reasseguradora do mito freudiano do pai,
inventado para atenuar a dissociação fundamental, para cada sujeito, dos três registros: R S e I.
Segunda conclusão: a estrutura da experiência humana, e não somente analítica, deve ser
pensada fora de uma referência ao Outro; deve ser pensada a partir das três únicas categorias
da experiência: Real, Simbólico e Imaginário. Lacan, continuando seu avanço, mostra que esta
estrutura que se funda sobre uma falta, sobre uma falha original, é topológica, é a estrutura
mesma dos nós. Para além da metáfora, o real dessa estrutura é o real topológico dos nós.
O nó borromeano de três representa a falta, aquilo que não há: seria o Nome-do-Pai,se ele
existisse. O nó borromeano de três: soluçáo perfeita, ê sempre fracassado. Ha foraclusáo do
nó borromeano como Nome do Pai. É por isso queele nos interessa. Sáo necessários três
elementos R, S e 1, disjuntos dois a dois, topologicamente equivalentes, para fazer o nó
borromeano. No entanto, eles são quatro, pois há o nó borromeano, ele mesino. ~aciaum dos
três - R, S ou I-enlaça os outros dois e faz consistir o nó: cada um, como quarto implícito, porta
a eficiência da amarração borromeana. A rupturd de qualquer um deiamana o conjunto.

Há muitas maneiras de fazer fracassar a amarração, como também de fazer suplência a


esse fracasso, para manter juntos, ainda assim, R, S e I.Há,pois, muitos Nomes do Pai. Iacan
demonstra, com a topologia, a necessária pluralização do Nome-do-Pai:se o Nome-do-Pai
fracassa sempre, os Nomes do Pai, ])ara fazer-lhe suplência, são numerosos.
É necessário, p o m t o , pelo menos um quarto elemento para fazer suplência a foraclusão origi-
nal. Em seu Seminário "RSI",iacan daenvol\~eas suplências, os nonia do pai, que restituem uma
amanação bonnmeana de quatro: mês tipos priviiegiados de suplência, começando pelo sintoma.

O p ~ ã oLacaniana no50 243 Dezembro 2007


Eis aqui, acima a direita, uma nova representação que mostra como o quarto elemento,
aqui adicionado ao simbólico, traduz uma substituição do próprio simbólico: face ao nó
borromeano de três: o simbólico é aí substituído por um binário, desdobrado em (simbólico
+ sintoma), substituição que Lacan designará, mais tarde) como (inconsciente isinthoma).
Esse binário é enlaçado borromeanamente a R e a I.
O sintoma, e mais radicalmente o sinthoma, são Nomes do Pai.
Encontramos, nessa representação,acoplados: a cadeia significante (inconsciente
interpretável) e o sinthoma (inconsciente:inanalisável, gozo opaco).
O Nome-do-Pai, redutível ao sinthoma inanalisável, puro nome, é o lugar onde se refugia o
gozo que escapa ao deslizamento do significante. Tem exatamente a mesma função que a
metáfora delirante na psicose, tentativa de cura, diz Freud, pois condensa o gozo para o qual
o simbólico não faz mais barragem. contingente, certamente, ametáfora delirante é um Nome-
do-Pai, como sublinhava Jacques-Aain Miller. desde 1979; a metáfora paterna não é senão
uma metáfora delirante entre outras; mas ela é socialmente partilliada.
O quarto elemento não é outro aqui senão o que suplementa o simbólico em sua função
I . .
primeira, a nomeação - que nomeia o real indizível, suplementando a queda do Outro. A
nomeação do simbólico na condisão de sidtoma se acrescentam, assim, a nomeação do imagi-
nário como inibição e a nomeação do real como angústia. São três Nomes do ihi primeiros
que iacan nos oferece no final de "RSI". E, a primeira representação do nó de quatro que
lacan nos dá em sua aula de 14 de Janeiro &e197j,em "RSY, é, precisaniente, aquela em que
o real é suplementado por sua nomeação:o Édipo.
Dezembro 2007 244 Opção Lacaniana no 50
Um modo de reparação completamente diferente, aquele de Joyce, é desenvolvido por
Lacan em seu Seminário: O Sinthorna.

O ego, a escrita, a obra de Joyce é o Nome-do-Pai pelo qual ele se sustenta para existir e se
fazer um nome. Restauração artesanal que deixa enlaçados Real e Simbólico,sendo as epifanias
o que constitui o t r q o desse resíduo da reparação.
Suplênciareud]~-made,comoo Édipo, ou bricolageartesanal e na medida como em Joyce,
o I\'ome-do-Pai, assim revisto por Lacan no final de seu ensino e articulado na topologia dos
nós, abre para uma reformulaçao de toda a nossa clínica diferencial. Brefa que nos cabe,
w o ~ ki11 progress ...
Texto traduzido por Cássia Maria Rumenos Guardado

lacaniana
Op~ão n" 50
0 PAI FREUDIANO E O NOSSO
A Função paterna, questão fundamental na teoria e na prática psicanalíticas de Freud e íacan,
apresenta,entre um e outro, discrepânciasque merecem destacar-se.Esta mudança de perspecti-
va com respeito à concepçáofreudiana do pai se produz desde oconieço das elaborações lacanianas.
Para Freud, o pai é o representante e agente da renúncia pulsional que a cultura exige.
Como con~equéncia~ concebeu a função paterna de uni modo homogêneo, univalente, no
eiuo da proibição do incesto e do auto-erotismo. Deste niodo, ;i figura paterna assumiu em
sua teoria um caráter predominantemente hostil. Por sua vez, ao exercer sua função por meio
da anieaça de castrago, desperta o ódio especialmente no filho homem. Para um leitor de
Lacan, constitui uma surpresa encontrar no texto freudiano, desde o início, uma abordagem
táo unilateral da figura do pai pela perspectiva da restriçáo e da hostilidade.
Mais tarde (em suas historizações, em sua reflexão sobre a origem da cultura e a religião, e
a constru~ãoda segunda tópica) assiste-se à transmutaçáo do ódio em amor Mas, torna-se
claro. não só que este não reduz o ódio (daí o conceito de ambivaléncia), mas que assume um
caráter derivado e reativo que dissimula a rendéncia oposta. O amor intenso do Honiem dos
ratos não é senão a condição da aversão inextinguível contra o pai conio penurbador do gozo
sexual. O fantasma que sustenta a constituicão libidinal das massas: um chefe que ama a todos
igualmente, é um espelhismo: a transposição idealista da horda primordial em que os filhos
se sabiam igualmente perseguidos pelo pai.
Além disso, a figura de um pai do anior coloca-se em continuidade com a função de proi-
bição: dá continuidade a ela e a consolida, exercendo-se a seiviço da obediência que conduz
ao sacrifício da satisfação pulsional. Sela, na culpabilidade que engendra, a obediência
retrospectiva do pacto fraterno pelo qual se instaura a lei, seja na identificação (que reproduz
aquele estado cultural) que dá origem ao supereu: "Freud havia permanecido suspenso em
uma idealização do pai, o pai que diz 'não' ao gozo do filho, e que é o Fundamento inesquecí-
vel da renúncia às pulsões como o preço a pagar para ganhar o amor [...I"'. Em contraposição
a este pai que diz 'não', Jacques-Alain ~ i d e havia
r destacado, na ocasião da publicação do
I . . .
Setnitzúrioj,2 que o pai lacaniano, além de 'nao! diz 'sim': "Este seminário poderia servir para
nos darnios conta de que o pai diz 'sini': qle o pai lacaniano, ao contrário do que se cré, é o
pai que diz que sim. E seu sim é muito mais inipoiiante, mais prometedor que seu não".
Esse 'sim' tem no Setn.inárioj duas riferéncias. Uma explícita: a função do pai real no
terceiro tempo do Édipo, uni pai doador qbe se opõe ao pai proibidor e privador do segundo
tempo e que condiciona a instalação do id+l do eu. Outra deduzida (já que não é explícita no

Dezenibro 2007 1 246 0pc;áo Lacaniana no 50


seminário): a função do nome do pai no tuitz, aprovar a mensagem que transgride o código,
admitir o neologismo constmído fora da regra. A lei do pai não é a regra automática e cega,
mas admite exceções e tem em conta o caso particular?
Generalizando, se vê que o pai lacaniano não é tão homogêneo e unilateral; tem muitas
faces e é plural: suas funções são heterogêneas e ainda antinômicas. Blvez convenha dizer
que a funçáo paterna consiste no exercício dessas antinomias.
Neste sentido, o artigo Los con~plejosfamilial-esé exemplar. Nele. iacan opõe as socieda-
des patriarcais à?matriarcais descritas por Malinowsky Estas, ao separar as funções paternas
entre o tio (autoridade, proibição) e o pai (mestre, transmissor de ideais), dão lugar a uma
subjetitickide mais equilibrada e harmoniosa, mas correlativa da estereotipia e estancamento
dessas culturas nas quais a repressão predomin:~sobre a sublimação. O dinamismo e a mobi-
lidade das sociedades patriarcais, pelo contrário, provém da reunião dessas funções antinôniicas
na única figura do pai, dando lugar a uma subjetividade constmida ao redor do conflito,
qualificado por Lacan como "conflito funcional fecundo". O pai é obstáculo e frustração da
sexualidade da criança e, ao mesmo tempo, o moclelo de sua realização. É simultaneamente
agente da proibição e exemplo de sua transgressão. Assim, a originalidade da identificação
etlípica reside na "antinomia das funções que desempenha no sujeiro a imago parentaln.
Édipo, resolventlo o enigma da esfinge, represenra a emancipação das tiranias niatriarcais.
Duas décadas antes da teoria da metáfora paterna, Iacan concebe a história da humanidade
como uma metáfora no real da organização social: quando o matriarcado, mais estável e tam-
bém mais consengador, é substituído pelo patriarcado, surge outra ordem da subjetividade,
conflitiva, mas fecunda e liberadora, na medida em que desestabiliza a repressão social. Mais
tarde: lacan destacará a posição de súdito em que a criança se encontra na relação coni o
desejo da mãe, até que a operação da metáfora paterna o comove desse lugar.
Vemos que já em seus antecedentes o pai lacaniano não está na origem da restrição e da
repressão, que se sustenta muito bem sem sua presença. A incidência da lei que representa é
exercida mais no sentido de abrir a via da satisfação sublimatória para as pulsões recalcadas.
No momento estmturalista que marca o começo de seu ensino, Lacan introduz a distinção
dos três registros, os quais aportam uma via quase natural para a distribuição das funções
paternas heterogêneas. Os três tempos do Édipo do Seminá~io5 constituem outro dos
momentos exemplares das antinomias paternas, no que, como tem destacado JAM, o terceiro
tempo se opõe ao segundo, assim como este se opõe ao primeird.
Os matizes diferenciais elucidados por Iacan exigiriam um desenvolvimento maior3. Em
síntese, algo grosseiro, mas correto no essenciall as funções de proibição são assumidas pelo
pai simbólico. Na função de privação predomina o pai imaginário. A transmissão do ideal que
estabiliza a posição sexual se cumpre por meio do pai real: vivente, pai doador, para a niãe e
para a criança. É essencial: além disso, que este pai real mantenha uma disrância com o signi-
ficante do nome do pai e: em especial, que não se identifique com ele. Os dois primeiros: o
pai simbólico, por meio da operação do nome do pai na metáfora paterna, e o pai imaginário
constituem sobretudo uma leitura do Édipo freudiano. O pai real, em troca, é lacaniano, não
deriva de antecedentes freudianos e constitui uni desenvolvimento de sua conce[)ção inicial.

0pc;áo Iacaniana no 50 247 Dezembro 2007


Ornicar.7Digital publicou um trabalho em que se coloca em série o pai doador do terceiro
tempo do Édipo noSemináno5 e o pai-sintoma do Semi7zárco 22, o qual, articulando g0zo.e
desejo, faz de uma mulher a causa de seu desejo. Há que concordar com essa proposta. Co<rt---
rinuando-a,se esboça uma série: pai transmissor de ideais (CF), pai doador (S5), pai desejante' '
(SlO), operador real ($10, ex-sistente modelo da exceção (vários), pai sintoma (S22), pai
~nthome(S23).A série não é completa, admite outros encadeamentos. h r exemplo?a distinção
entre o pai como nome e o pai que nomeia.
Lacan introduz na psicanálise um pai antinômico, diferente do pai freudiano que restringe
o gozo. Ao longo de sua elaboraçáo, como um sintoma, é despojado de suas Funções signifi-
cantes até cair reduzido a um resto real que carece do brilho do pai simbólico, mas segue
merecendo o respeito, já que não o amor.
Texto traduzido por Sérgio de Mattos

'hliller, J-A. (2003). Curso de Ia oncntarión Iamiana, aula df 11~06~03.Inédito.


'hlillu, J-.4 (1998). Seminario d e l d w a de1 liho V Barelona: ECíU, p.42.
'Mazzuca, R (2004) 'ta antinomis de Ia hioaón paterna". En Cimllo del~verpoydelalmo. BngflsIe(19).

Opção Lacaniana no 50
A generalização do Nonie-do-Pai,o lugar do falasser predominando sobre o do sujeito do
significante e o acento colocado na densidade pré-estmtural da lalíngua, em detrimento da
eficácia simbólica própria da estnitura li~güística,articulam Nome-do-Pai e nomeação. Esta
articukição produz uma mudançadecisivi na concepção da psicose, abre o caminho para uma
clínica borromeana e reestrutura os fundamentos para uma teoria do final de análise. Embém
renova a perspectiva psicanalítica sobre a política.
A necessidade lógica e clínica de vincular o Nome-do-Pai com a nomeação se desenvolve
no ensino de lacan nos Seminários "RSI;' e Le sit~rhome:o estatuto que convém ao Nome-do-
Pai é o do pai do nome. A ponto de mostrar, em Joyce, a função compensatória do nome
próprio, como fez apelo "a valorizar o nome que lhe é próprio as expensas do pai" e como "o
nome próprio faz aqui todo o possí\:el para se fazer mais do que o significante mestre"! Ao
mesmo tempo, I.acan sublinha que Joyce entrelaça sua vida coni a sua obra, e que a maneira)
pela qual se faz personagem de sua escrita, nomeando-se com outros nomes, "indica unica-
niente uma coisa: a tentativa de fazer entrar o nome próprio lia categoria do nome comum"!
Essa tlimensão ceextensiva do nome próprio e do nome comum em relação as vicissitudes
do Nome-do-Pai coloca em evidência um \4nculo entre um significante e uma operação, a
nomeaçào, que, como ato, vai além daquela do nome próprio, e tem conio conseqüência
fazer aparecer um vazio de descrição que esburaca o conjunto do sistema da linguagem. mr
esse buraco necessariamente escapa o sentido, mas tanibém, graças a ele, e sempre
assintoticamente, essa fuga pode ser detida.
Na perspectiva de sua generalização, os Nomes do Pai sáo as formas plurais da eficácia do
significante - como semblante - em sua função de sanção de significação.
A função de sanção (consentimento ou rejeição, adrnixsio ou expulsão, ~xnnissividadeou pioibi-
$0) se estatxlece em dois planos. Fbr um lado, na seleção de elenientos que se reconam da lalíngua,
com o que se determina seu caráter discreti e as implica eni uni discurso e, p r outro, no plano da
nomeação propriamente dita, incluindo a reblação dos efeitos de gom que esta opera@ provoca.
No prinieiro caso, a função de valoraç@ significativa remete a experiência do uso do sem-
blante, é o fundamento do amor ao pai (o amor ao pai é, envio, o amor ao sujeito suposto
saber nomear). É o fundamento da transferência que elucitia a experiência analítica e gera um
tipo particular cle autoridade cuja inciddncia é decisiva na constituição e na orientação de
coniunidades, lias quais o saber e o sujeito co-existem. É a autoridade cliamada epistêmica
pelo lógico e matemático polonês ~ochenslo:em seu texto "O que é a autoridade".
I
Dezemhro 2007 250 Opçáo Iacaniana no 50
função que tem, em seu próprio ensino, o Nome-do-Pai,ao articular o significante e o signifi-
cado como ponto de basta. Isto se articula a clássica função cle nomeação (dizer o que é, dizer
o que há), que está perfeitamente situada na língua.
Mas,quando se trata da nomeação como ato: Lacan já se refere ao conceito de "lalíngua",
que "coloca em questão a evidência da comunicação"', pois o que Lacan traz com a "lalíngua"
é que o que se diz serve ao gozo, que é esta a sua função própria e "não a comunicação".l No
ato da nomeaçáo se enxerta ou, pelo menos, se superpõe algo que faz sentido no real. No
último ensino de iacan, o Nome-do-Pai "associa o simbólico e o reaP.6 O Nome-do-Pai "desig-
na exatamente o efeito do simbólico enquanto ele aparece, enquanto apareceria no real'".
O Nome-do-Paié um operador político por excelência. precisamente pela sua icliossincrasia
de agente da nomeação.
Sabemos que a disputa do poder político é também uma disputa pelas significações dos
significantes de domínio social?

Nome-do-Pai, nomeayão e violência


A nomeação, tomada neste sentido, é a condição necessária para operar não somente no
sistema mais ou menos abstrato das significações - direito, humano, justiça, liberdade etc. -

mas muito diretamente na instalação de ficções jurídicas e ideológicas que são instmmentos
de manipulação dos significantes mestres "com os quais se tenta pegar o sujeito"?
Uma das mais nefastas realizações desta operatória nominalista ocorreu na Argentina
durante a última ditadura militar, com a montagem de um sistema de apropriação de crianças
como parte do exercício do poder político que contava, no próprio sistema administrativo,
com discursos consagrados
- a fundamentar em um cinismo "altniísta" o exercício da violência
para a apropriação de crianças". A induçâo identificatória, que foi sua conseqüência imediata,
constituiu-se na tentativa nominalista misiva mais tonuosa da nossa história recente, com o Dro-
pósito de enxertar, começando por novos nomes próprios, significantes com os quais desviar a
causa e o percurso do desejo progenitor, querendo tomar anónimo um desejo que não o era.
Para isso foi necessário subsumir a vontade dos apropriadores ao desígnio de um mestre
covarde. Covardia que implicou em manter em um âmbito fechado suas obscuras vontades, e
que os incluiu de fato em uma comunidade de gozo anônimo."
A violência é a realizacio, no laço social, do Nome-do-Paicomo pai do nome, entendendo-
se por realização o uso do Nome-(10-Pai além da sua condição de semblante, o que pressupõe
dele anular essa condição. Trata-se de uma substituição desviada de sua função de semblante
por sua reali7ação efetiva. Com esses mesmos recursos podemos tentar uma aproximação do
que entendemos como democracia. ~ s d ma, democracia consiste na consuução das ficções
jundicas que assegurem o trabalho de r9stituiçáo permanente do uso social do Nome-do-Pai
como semblante, perseverando em recuperá-lo das realizações às quais o submete a insistên-
cia da pulsão de morte. I
O roubo de bebês na última ditaduh militar foi uma forma particular de extermínio, ao
decidir eliminar a dimensão subjetiva daI descendência como tal. Urna resposta singular cons-
I
Dezembro 2007 i 252 Opção Lacaniana no 50
A prova de DNA, capaz de constatar a filiação comando por base o real definido a partir da
ciência como herança genética, mesmo que possa trazer certeza em relação a identidade civil,
estabelece -se o próprio sujeito não for imputado por nenhum delito e rejeita esse meio -
uma via d e nomeação que merece algumas considerações criticas.
A dimensáo ética que supõe 'Avós" como ato é mais compatível com a proposta aos jovens
de uma escolha forçada na ética do desejo do que com um forçamento no real do organismo.
Forçamento pelo qual se obtém uma verificação técnicocientífica que não deve ser confundida
com a verdade adequada aquilo que um sujeito -que não é acusado de nenhum crime -está
em condiçóes de admitir como saber.
A evidência psicanalítica autoriza a deter-se onde não é possível calcular os efeitos de uma
nomeação que resulte da injeção de um saber do real da ciência em uma trama subjetiva que
não quer saber
Violentar esse 'não querer saber' pode provocar desde uma irrupção de angústia maciça,
até fenômenos de despersonaliza~ãomuito profundos e irreversiveis, se esta rejeicão. . ao sa-
ber é um modo de suplência de uma falha simbólica, suplência cuja comoção pode desenca-
dear uma catástrofe subjetiva.
Texto traduzido por Stella Jimenez e revisado por Elisa Monteiro

'Lacan, J. (2W5). LeSéminaire. Iir~rcXYll:Lesinlhomi'. Pans: Spuil, aulade IOde lweieiro de l9i6.
'Idem, i h i h i .
'I.atan. J. 11$t&671. 'a lógica da ianaia". aula de 10105167. h i n á r i o inédito.
%hliller~J.-A.[ZWI].Aulade 15112104 (inédito).
'Idem, Ibidm.
61dem,l b i d m .
'Idem: lhi<lem.
?ler '"La tragedia de1 linguage", p. 95 e "Poliiica r [iragedia", livros de Eduaado W n a i (2003). Buenos A i m edit. @lihue.
yMiller,J.~A.(2003). ln Cil& (16). Pans: PUE
%r o iniorme"Laapropriacióndenienoies:entre hechm erccpcional~ynormalidadesadmilids"daanuopóloga Carls Nilalba lido nar jornadas 2004 do
Oepariamcnto de Filosofia e Psicanálise (ICBA).
"Ver em Ornirnri Digilal, (263), o teno de Samuel k' t a etooquisla de Ias maras de honor".
%'As"Avkda Prata de Maio" ~onstiliiemum iniportaote gmpo de màa de filhos desaparetidos,cuim nela peoueom e principalinenle hbk nascidos em

Dezembro 2007 Opção hcaniana no 50


A questão da normalidade em psicanálise pode hoje parecer em desuso. Facilmente.
Quem pode pensar, de forma verossimil, que possamos nos dizer normais? Que se possa
fazer apelo à normalidade a partir da psicanálise?
Para Freud, a psicanálise testemunhava que o ser humano é doente, não porque perde a
saúde: mas porque, sendo saudável, pode adquirir, não obstante, sua doença, a neurose, da
qual todos somos doentes. Da mesma forma Lacan, em 1974', declarava publicamente que,
como seres humanos, somos marcados pelo sintoma, somos doentes, o ser falante é um
animal doente. Pelo próprio fato de que o Verbo encarna, afirmava iacan', as coisas começam
a ir mal c o ser falante vive a relação com o corpo, isto é! coni a pulsão, eiii uma climeiisão
fundaiiienralniente sintomática.
A psicanálise reforça, então, o quanto é problemático o recurso à idéia de normalidade, se
a normalidade for concebida como condiçáo assintomática, de ausência de doença, como
condiçãoapriori ideal e, mais ainda, como condição ideal aposteriori, depois dos parêntesis
da doença. Para a psicanálise, a doença não é um parêntese no estado fundamental de norma-
lidade; pelo contrário: a 'normalidade': cada um a encontra conio parEiitesis pessoal, como
ajust;imento particular em sua relação de base com a doença. Esta
condição é o que, para a psicanálise, relega qualquer recurso à idéia de normalidade a lista
da utopia. Além disso, a psicanálise sugere que a con\~icçãode noirnalidade, a
ausência declarada de sintomas seja ela mesma uni sintoma, uma condição problemática,
sinal de um conformismo identificatório que nos interroga seriamente sobre seu estatuto
defensivo ou de desconhecimento sobre o real da relaçáo do sujeito com a pulsão.
iacan retomou a diinensão da "ormalidade como sintoma" do discurso comum jogando
com o equívoco proporcionado pela língua francesa, e falou de 'normalidade' como '~zorme
mâle', 'norma-macho', banalizando em grau máximo a idéia de normalidade, pois, com este
equivoco, sublinhava o quanto a idéia de normalidade era atravessada pela lógica do 'todo',
que rege a norma masculina, a norma universal por exceléncia, onde cada um se inscreve
como 'todo' homem ou todo um, definido pela significação fálica. Além de um estado de
saúde, de uma condição definida pela auséncia de sintomas, a normalidade definida como
"norma-mâle", seria, portanto, o resultado de uma lógica do 'todo', de um universal que gene-
raliza, que tende a incluir qualquer posiçjo subjetiva, com a condição de que responda do
todo ao próprio universo de discurso. Hoje podemos verificar esse fato, na medida em que a
referência à normalidade convence menos, justamente porque existe cada vez menos laço, o

Opcão Lacaniana no 50 255 Dezembro 2001


universal perdeu para o um a um, o 'não - todo', não integrá\,el a significantização do um
fálico, à norma fálica.

Metáfora paterna e normatizagão significante do gozo


Desde quando Freud centrou o discurso do inconsciente na função do pai no complexo de
castração, inscreveu-se na psicanálise a "distinção fundamental entre nomalidade e norma",
que demonstra que a psicanálise está longe de náo se ter ocupado com a dimensão nonnativa,
ainda que relegando a normalidade ao lugar de sintoma de um discurso.
De toda maneira, tivemos de esperar que Iacan elaborasse a teoria da metáfora paterna,
no final dos anos cinqüenta, para percebermos exatamente que o normativo da metáfora
paterna implicava necessariamente sua não assimilação a qualquer referência de normalidade
ambienta] ou particular. Na elaboração da metáfora paterna como principio regulador da
função do pai no complexo de castração inconsciente e: conseqüentemente: como "colocação
em ato de uma normativização significante do gozo", reencontramos também, filtrada na
formalização lacaniana?a lição epistemológica de Georges Canguilhem sobre a distinção en-
tre norma e normalidade, entre saúde e normalidade?.
Assim conio Canguilhem havia circunscrito a distinção entre norma, sempre individual, e
normaii&dde - ele indicava - que se pode definir somente como renúncia às próprias capaci-
dades normativas individuais, ponanto como minus de capacidade norniativa por parte do
sujeito, no momento em que a próprianoção de saúde implica que o sujeito se sinta "mais"
que normal, isto é, capaz de dar seguimento a novas normas eni novas situaçóes, portanto, de
exprimir umplus de normalidade vital. Fxistem, no Seminário 5, referéncias absolutamente
explícitas e niúltiplas de Lacan", que aplicam estas posições epistemológicas decisivas de
Canguilhem. Estas referéncias de Lacan são de uma importância clínica considerável, têm o
tom de verdadeiras tomadas de posiçào sobre a distinção necessária entre o normativo e o
normal, especialmente entre o pai 'normal' e o pai nomiativo, entre o que ele é como pessoa
e conio opera sua funçáo normativa no complexo de castraçáo e, conseqüentemente, de como
os psicanalistas não devem confundir a metáfora patema, que age no inconsciente, com a
cena sobre a qual se movem os personagens da família edipiana, de como sáo eles na condição
de pessoas em suas recíprocas relaçóei intersubjetivas, etc ...
Existe, portanto, todo um campo de refei-ências de lacan em tomo da epistemologia da
norma e da capacidade nomiativa da funçáo do pai no inconsciente, que servem para pôr no
I
justo contexto a "estrita Função significante do pai" na normatizaçáo do gozo subjetivo, e,
tambéni, como a nietáfora paterna é, de fato, a nianifestaçáo da potência normativa do pai
como nomeação, significantização do '070 subjetivo.
? *
O pai lacaniano da metáfora patema como potência de nomeação do gozo coloca-se além
do pai da proibiçào, da interdição, da potência negativa do símbolo, isto e, do pai que o
pós-freudismo e a sua bíblia fixaram indeieveiniente no agente imaginário da castraçào, sobre
o qual se focaliza não só o temor e o meho, mas também a angústia da Fantasia neurótica. Como
nos explicou Jacques-Alain Millef': o pai!lacaniano: aqui, desenvolve seu efeito regulador sobre
!
Dezembro 2007 1 256 Opçáo lacaniana no 50
o gozo?isto é, a castração; é muito mais o pai do 'sim', o pai que consente, dolicet hahere, o
pai que, de acordo com o que ocorre na metáfora do Witq acolhe, dá lugar à particulariclade
do desejo do sujeito, colocando-o de acordo com a lei do simbólico, e não em conflito. A
potência normativa da função paterna, sua capacidade de significantização do gozo ao redor
da significação do falo, ao se realizar criativamente na metáfora, abre à particularidade, cria o
"novo ~ujeito"~ de desejo em sua relação com a lei.
Ora, a nonieação que se realiza com a metáfora paterna é uma nomeação do gozo sem
restos, que por princípio não deixa nada fora de seu laço significante Deste ponto de vista, se
deduz que se na prática clinica não fazemos outra coisa que registrar suas falências, é porque,
em algum lugar, alguma coisa no sujeito lhe fez obstáculo, impedindo o aperfeiçoamento
desta normatização significante do pai. A metáfora paterna representa o término mais articu-
lado e eficaz da questão da normatização edipiana e da função reguladora do gozo no incons-
ciente, por obra do Nome-do-Pai.Jacques-Alain Miller notava recenteniente7 que estivemos
por um longuissimo período sob a influência deste grande artifício significante do Nome-do-
Pai, a ponto de muitos psicanalistas, saudosos desse momento, desejarem diretamente sua
restauração. Estivemos sob esse 'encantaniento' e talvez estivéssemos ainda, se o próprio
Lacan não houvesse imprimido a mudança decisiva deste ponto a partir do Setninário:
A angústia, que antecede aquele que deveria ter feito sobre os 'Nomes do Pai'.

O insucesso do Pai e as normas do gozo


No Seminário I$ lacan fez cair o Nome-do-Pai de sua função de potência significante, de
nomeação significante do gozo. É o novo estatuto do objeto a. objeto da angústia e objeto
causa, faz empecilho à máquina significante da metáfora paterna em seu processo de
significantização do gozo. A partir desse resto absoluto da significantização, desse não-
significantizável, a faléncia da metáfora paterna r i o é mais somente uma questão de obstáculo
colocado ao sujeito e às seqüelas imaginárias de suas f ~ a ç õ e saos objetos edipianos que
atrapalham sua eficácia, mas é um fato de estrutura: é "o pai, a sua potência (significante), que
obstaculiza o objetoa"'. O objetoa, objeto absoluto da simbolização do Outro, condensa em
si o gozo que a metáfora paterna não consegue nomear nem traduzir na normatividade fálica.
Enquanto a metáfora paterna, próprio principio da 'norme-male', nomeava o gozo do 'todo',
sem nada descartar: agora, na relaçAo com o objeto a, esta mesma metáfora falha e não como
contingência subjetiva.
A mudança abre um horizonte de interrogações acerca da norma e do gozo, não mais
sustentadas a partir do "operador maior da simbolizaçã~"'~, que é o Nome-do-Pai. Deste
ponto de vista, o Semimido 10 e a introdução do objetou, representam a retomada efetiva do
que iacan havia antecipado, com grande premonição, desde o fim dos anos trinta, anunciando,
então, o declínio do pai e de sua função em um futuro próximo.
Do momento em que iacan destaca o gozo que escapa à nomeação do significante do pai
e faz desse gozo o núdeo mais profundo do sintoma do sujeito-núcleo inamovível e inuluapaisável
- também a problemática da normatização da posição subjetiva, à qual a metáfora paterna havia

Opqão Lacaniana no 50 257 Dezembro 2007


dado seu máxin~oefeito significante, sofre, necessariamente, um remanejamento. bdemos
ainda colocar o problema? Em que termos?
Sem dúvida, abre-se aqui toda uma perspectiva que nos levaria a aproximar a questão da
norma à própria dimensão do sintoma, que progressivamente tenderá a tornar-se cada vez
mais central para Lacan. O caminho nesta direçáo é abeiro pela sucessiva equiparação de
Iacan entre sintoma e Nonie-do-Pai, que, como sabemos, faz do Nome-do-Pai algo de instru-
mental, abreviando-lhe a parábola de seudeclinio. Sobre esta nova base, acredito ser possível
interrogar a problemática da nomla individual - que a metáfora paterna focalizava na posição
central do falo no desejo subjetivo - em torno da função do sintoma, pois é com o sintoma
que o sujeito 'regulariza' o quanto lhe é possível sua relação com um gozo que o significante
do pai falha em nomear 'todo'. Nesse sentido, e por mais paradoxal que possa parecer aos
olhos de um pensamento prevenido do ponto de vista epistemológico, podemos nos perguntar
se o sintoiria é aquilo através do qual se coloca, de um novo modo, o problema da norma do
gozo, individualizada, como havia dito Canguilhem, produto sem dúvida singular.
A psicanálise lacaniana abre esta perspectiva, que é também aquela na qual se desenha o
. lacques-Alain
que - . Miller" definiu como a função de um novo pai, que sabe que existe um
gozo irredutivel ao significante e que não mais acredita que a metáfora paterna possa efetuar
uma nomeação integral do gozo: o pai que é o analista. Analista cuja função orienta-se pelo
real do sintoma e, mesmo com uma nuance aporética, interroga se o gozo de cada um deve
ser necessariamente nomeado pelo significante.
Texto traduzido por Maria do Carmo Dias Ratista

'LairnJ. (2001). Le IriotwpbedeI alaeligim. Panr: Spuil, p93.


'Ibideiii, p. 90.
'Cf Canguilhem. C (19931 k narmnlel l~plhologiqr,e Parir. PUF c (20021. icrilss,nir 10 in4deitre Pms SRiiil
'Lacaii, J. (20041. L~Jimwiioni deliinuimio. Seir~inorioIibro V,Tonno: Eina~idi.Em particular os capilulor: li. Y, XI.
'Miller, J-A. (20W). Ou tiol,wali. 1nlrd1,cIion ou Séminnire I'de LouInncollection édirée pm I'ECI
b m ,J. @d/., p. 297.
'Miller J ~ A (féirier
. 2001). 'Inlraducüon à Ia lenure du Séminaue CangoiE", in Lo Cousc/reudimne, (591, Namrin, p. 89
8Lacan, J. (2004). liingoisso. le $&minaireIi~jreX.Par& Seuil.
ohlillqJ-i\. @til., p.85
'albidn~; p.89.
"lbidon, p . 9 .

Dezembro 2007 Opção I~canianano 50


Da ambivalência a nostalgia
O termo nostalgia (uatemzsucht) é encontrado como anoranra' na ediçáo Amorrortu
das Obras Con~pletasde Sigmund Freud, traduzidas porJosé L. Etcheverry Temos três traba-
lhos de Freud nos quais encontramos esse conceito: 1) "Uma neurose demoníaca no século
XVII" (1923), 2) "O Futuro de uma ilusão" (1927): 3) "O mal-estar na civiliza~áo"(1930).
A primeira referência é de um caso particular, pois nesse texto Freud está interpretando o
pintor Cristoph Haizmann e seu delírio do pacto com o diabo. As outras referências tocam em
um tema geral: a necessidade religiosa.
Vamos então ao primeiro texto2, no qual Freud investiga e interpreta o que ocorreu a
Haizmann quel em cinco de setembro de 1677, foi conduzido à capela cle Mariazell em repe-
tidas ocasiões, acometido por terríveis con\ulsões. Examinado pelo pároco, confessa ter feito
um trato ilícito com o espírito maligno: nove anos antes, em uma época de clesalento em
relação a sua arte e de incerteza sobre a possibilidade de sustentar-se, havia cedido ao deniônio
com um pacto no qual aceitava ser seu filho carnal por nove anos e, portanto, pertencer-lhe
de corpo e alma.
Os padres da capela de Mariazell praticaram em Haizmann um exorcismo com êxito parcial,
já que a cura não foi duradoura. Passado um més e meio, começaram novamente os ataques:
eram visões, ausências, estados convulsivos. Neste caso, porém, não o atormentava o cliabo,
mas figuras sagradas como Cristo, a virgem Maria, aparições que não o faziam sofrer nienos
que as visitas anteriores do demônio.
Teve que regressar a Mariazell e, nesta ocasião: com êxito, pôde liberar-se de sua possessào.
Freud, a partir dos dados de que dispõe, não tem dúvida de diagnosticar o quadro de Haizinann
como uma depressão melancólica, com inibição no trabalho e preocupação com o fucuro. A
causa deste padecimento tem a ver com a morte do pai do pintor. Assim, vende sua alma ao diabo
para libem-se de sua depressão. Freud coloca então o diabo como substituto do pai; o que parece
estranho a Freud é que alguém amado como seu pai mereça um substituto semelhante.
A psicanálise nos tem demonstrado que o vínculo com o pai é sempre ambivalente: sub-
missào terna e desafio hostil. Freud sustenta que esta ambivalência será a que governará o

Opçãio Iacaniana n" 50 259 Dezembro 2007


já que quem a exerce é o tio materno. Pelo contrário, na cultura patriarcal, coni o coniplexo de
Édipo, no lugar do pai há uma conjunção de supereu e Ideal do eu: conjunção de proibição ou
repressão, e de identificação,sublimação ou transgressão. lacan designa isto como conilito fecun-
do, já que há uma passagem da repressão a sublimação, uma espécie de superação.Desta maneira,
no complexo de Édip, pode-se sublimar o pai à condição de haver passado por sua repress2o.
Poderíamos arriscar que se o conflito náo logra ser fecundo, dá-se lugar ao coniplexo
paterno e, portanto, não há superação. A nostalgia parece estar ligada ao complexo paterno,
não houve passagem de um pai a outro, o que é signo, então: do fracasso da superação.

Do singular ao plural
A época atual, hipermoderna, tecniciiada e globalizada, dá conta de que o pai de então
não é o de agora. Se antes o pai podia ser situadomelhor: hoje a coisaé distinta, o mundo está
unificado, globalizado mas não através do Nome-do-Pai,que fornece uma identificação Única,
mas se trata de um mundo mais individualizado, em que cada um tem suas próprias e peque-
nas identificações.
A situação atual é aquela que, de algum modo, iacan antecipava com o capitalisnio a que fazia
referência por volta de 1973? um círculo sem fim; nesse sentido o capitalismo anda como sobre
rodas, muito rápido, não pode andar melhor, e assim se consome6.k b é m iacan, de alguma
forma, nos dá uma antecipação desta época quando propõe a pluralização dos Nomes do Fdi.
O importante é precisar a passagem do um ao múltiplo, do singular ao plural, é a passagem
do religioso a ciência (ou a técnica). O Nome-do-Pai alude a Deus, ao pai freudiano, ao pai
morto; pelo contrário, a pluralizaçáo dos Nomes do Pai, não é mais que uma pluralidade que
rodeia uma funçãoi. "É preciso que qualquer um possa fazer exceção para que a função da
exceção se converta em mode10"~.
Um sujeito qualquer pode fazer exceçao,basta uma contingência que se inscreva em alguém
como um sintoma e que faça letra. Qualquer um pode fazer de uma mulher o objetou, causa de
seu desejo, que ela o consinta e que, por sua vez, se ocupe de outros objetosu: seus filhos!
A realização biológica e sua inscrição legal não são suficientes para dar conta da paremidade,
é necessário que um gozo se inscre\:al0.Qualquer um pode fazer modelo da Função sintoma,
mas para que isto ocorra, um goza deve ter se inserido nesse sujeito com relação a uma mulher,
um gozo que o excetue dopara todos da função fálica.
Isto é apère-uersión do pai: que a causa do desejo seja uma mulher, quer dizer, seu sintoma.
Nós nos damos conta de que é um gozo por inteiro,diferente do gozo do pai vivo que gozava de
todas. Aqui se trata de um pai que está vivo por um gozo que o conduz ao outro lado das
fórmulas da sexuacão, onde o espera uma mulher que será seu sintoma.
Deve-se insistir na noção de modelo que iacan eqtá utilvando aqui. Em fisica, o niodelo é um
modo cle especificar uma teoria científica de tal forma que permita a descrição de uma zona resuita
e concreta do campo dessa teoria. Nesse sentido, o modelo implica um sauificio do detalhe e emti-
cião. Se o modelo 6 bom, será compensado por um ganho de simplicidade ou intuição. O modelo
Funciona como intermediio entre a teoria e a experiência. Aplicado a psicanálise, lacan está nos

Opção Lacaniana no 50 261 Dezembro 2007


Interrogar a função paterna implica admitir mudanças na configuração do Outro. E o que este
novo par indica quanto a uma mudança no estatuto de nosso parceiro fundamental.Um dito é uni
parmento de significantes, uma cadeia mínima. h k c a do estmturalismo lacmimo, exige uma
Ianina essencial entre seus elementos, Si-SZ,onde se aninha o sujeito e seu dizer. O Outro do dito é!
assim, acompanhado por sua falta.Já o Outro "do ouvido", por sua vez, inscreve-se,antes de qual-
quer coisa, como presença opaca. A experiência pmdigmática da injúria, ou mesmo da alucinação
imperativa, nos da uma idéia aproximada do que seria esta presença maciça do significante no real?
6 com este Outro que lida o final de uma análise, demonstra o testemunho de passe de leonor
Ferfer Uma vez o quadro da fantasia depurado, ela se vê como presa de um Outro cuja presença é
a de "uma boca colada no ouvido". A interpretação situa um "você escuta muito! há
muita acumulação e pouco resto". Delineia-se uma lâmina-litoralentre a boca no ouvido e a ore-
lha do analisante, de onde a extraçáo de um resto levará a possibilidade de "desescutai' o O u t r ~ . ~
Algo deve interpor-se entre o ouvido e o que virá a ser um dito, algo que cone o fluxo
continuo de sons e permita recortá-lo em ditos diversos. É o que experimenta uni personagem
de Btldapesle, de Chico Buarque, ao ouvir o jornal na TV húngara: "Eu náo tinha como saber
onde cada palavra começava ou até onde ia, era impossível destacar uma palavra da outra,
seria como pretender cortar um rio com uma faca (...). Vinha eu escutando aqueles sons
amalgamados quando de repente escutei a palavra clandestina: Lufthansa. Sim, era a brecha
que me permitiria destrincliar todo o vocabulárion.5
Ein ambos os casos, porém, não foi uma Falta que agiu. Memos - aproveitando a homofonia que
o português permite - dizr que em vez de um "olvido" (o esquecimento fundamental do recalque)
entre ouvido e dito, enconuamos um resto, "única prova e garantia da alteridade do Outro2'P
Este Outro é curiosamente próximo do parceiro maior do homem contemporâneo.
Descrito por ].-A. Miller como não-toao, ele é uma forma social distinta do coletivo dos
irmãos, em que a limitação pela exceção paterna é regra.' Não se organiza em torno de um
furo central. Por faltar-lhe a falta, é essencialmente sem forma. Para que possamos imaginá-lo,
basta tomar o que chamamos habitualmente de "mercado", como uma bem acabada fotma de
\,ida "não-todista".É caprichoso, sem fronteiras precisas. Nenhum objeto, porém, funa-se a
ele. Os índios?Já têm celular. Os monges tibetanos?Lançam best-sellers.
As mães o conhecem bem. Elas, mesmo sabendo muito, submetiam-se,até há pouco tem-
po, a um Outro hierarqui7ado e transmitiam a eficácia da falta ao consentir com uni saber
maior, fora de alcance. Hoje sabem pouco, mas têm como parceiro prevalente um Outro que
dispõe virtualmente de todas as respostas em pequenos saberes, à distância de um clique. A
primeira dificuldade com a criança convoca-se um grande número de especialistas, chega-se
rapidamente a uma objetivação diagn&tica - hiperativa -e a um comprimido de ritalina.
Em vez da falta no Outro como elehento de constituiçáo de um sujeito: vemos em ação
1 - .
um Outro virtualmente sem falta, que nao lida com sujeitos, mas com objetos. O Outro não-
todo é correlativo do que J. A. Miller designou "chuva de objetos". São os "futilitários" @em
humorada traduçáo para osgadgets), due se precipitam a partir da "ascensão ao zênite social
do objeto a3'.BComo: nestas circunstâncias, manter nossa concepção clínica do objeto como
essencialmente inacessível? 1
Dezembro 2007 i 264 Opção iacaniana no 50
!
Mais do que nunca, temos a impressáo de que a intermediação entre "ouvido" e "escutado"
se eshmaça. Não faltam exemplos de sujeitos que passam ao ato criminoso sem que nada
aparentemente pudesse ser convocado para explicar o que ocorreu, a náo ser a simples exor-
tação a ação, por parte de amigos: por exemplo. Adesproporção entre o ato e sua subjetivação
parece ressaltar o esvaziamento da funçáo do olvido paterno e a necessidade premente de
que algo venha se interpor entre o que diz um pai hoje e o que dali escuta um filho.
Em um mundo no qual o silêncio não é mais o padrão+uro do dizer, onde "o que não
aparece, desaparece", o analista tem sido levado a dar corpo a seu desejo, apresentando-se na
cidade - em hospitais, cárceres, favelas etc. - para materializar o inconsciente. Não raro o vemos
estabelecendo a distância entre ouvido e ditolescutado com seu próprio corpo, como se a psica-
nálise aplicada se confundisse com a linha de frente de uma guerra sem fronteiras. Que seja,
mas, ali, o analista deve lutar com seu objeto próprio, que é tudo menos unidade corpórea.
Nestas delicadas situações, talvez ainda tenhamos a aprender com a funçáo-resto do objetoa.
Quando a castração e o Pai fraquejam, quando a perda abandona os objetos, como parece
ocorrer com relação ao Outro contemporâneo, talvez ainda se possa apoiar em sua funçáo de
"condensaclor de gozo". Sua face de "pura consistência lógica" náo nos deve fazer esquecer
seu poder de ruptura como presença de deje~áo,absolutamente parcial e sem panicipaçáo
nas formas imaginarias do corpo. Dessa forma, em um mundo em que tudo se vende, temos
a aprender com os destinos do Iixo?
Onde há Iixo, diz Lacan, há homens. O liuo localiza o tão humano ponto de encontro entre
o significante e o real à maneira do sintoma: mais excesso que falta. É o fracasso da civilimção
e, exatamente por isso, o coração da cultura. Realiza o paradoxo do objetou, resto irredutível
à simbolização, sem lugar no Outro, ao mesmo tempo dele depen~lente.'~
O lixo delimita, sobretudo, um real ativo, ingrediente essencial n;i dança das vont;ides que
agita os homens por acrescentar-lhe o lastro do impossí\~el.Afinal, nem tudo o que faz o
homem será humano se tudo o que diz o Outro for diretamente a b s o ~ d oO. real com que
lida o analista é próximo deste lixo essencialmente náo-reciclável: que resiste não somente às
determinações do Outro paterno, como também as exigências de reciclagem e reincorporação
de nosso Outro empresarial.
De fato, toda uma indústria do resto exibe hoje a impressionante capacidade de
reapropriação dos objetos pelo capital. Todos? Basta contemplar a massa de detritos que
se acumulam nas periferias das grandes cidades para se convencer do quanto o utópico
horizonte d e reciclagem integral do Iixo depende de quantos andares se subiu na escala
da riqueza (o "liuão" do Rio de Janeiro já está com 30 metros de altura em uma área de
mais de 1.300.000 n12).
"Nada mais fascinante do que estes seres noturnos que agarram na lixeira não sei o quê, de
utilidade impossivel de compreender", diz lacan." Talvez o analista seja, a seu modo, um
catador de lixo, sobretudo o não-reciclável, para com ele dar lugar a uma construção com a
definitiva marca do singular. Em tempos de pai daudicante, ele talvez busque menos destacá-lo
em um tratamento, como resto absoluto, do que favorecer sua entrada: como escória, em
arranjos originais. Que o espírito da bricolagem psicanalítica permita ao analista prosseguir,

Opção iacaniana no 50 265 Dezembro 2007


fazendo-se destinatário do bordado de ~ s t o que
s desenha o lugar do objeto para, com um
pouco de sorte, dar a uni estilo, m~radia.'~

'Tuto redigido p o volume preparatóriodo bcigresso da&oyio~!d<al de~sira>iilise. Roma, 2 a .


'i o que talvezseposa deduzir do que propie L a i a em x u Seminário 17 (c1 Lac;in.J. 0oi;csso dapsirandlise, Rio de Janeiro, JZE. pp. i10).
W.kliller. I. A. 12004-051:~~ièmde~chés".Cunode orientacão lacaniana(in4dilo).Li@ de 171iiBW. Oponto de partida6 a assei$io'quesediga fica

. .
e P~ ;N sentido. cl. tb.'~ermken:C. (1990. "Lavo&. le;ilence, l~musique".pliarlo(54): 90. Hruxelles.
aquecido ( ~ s l ouhlie).
jI;<ian diz o mesmoquandosituaaiinguacomoi~maelucuhr@oesaherapadrd? lalingua Ci Laca;J. (197j).b@~ninuirql i u r e u . Paris: Seuil; p l ? h
'Fcrfer, L. (2001). -Ino que para.. Oppo Inraniono 00). (agradqo a hlaria Novas a Iembranja daia pasagem).
'Huarquc, C. (2W3).B~tda@x!e. São Paulo: Cia. das km.
61.acan. I. (2004).LeSltninnire, lr!m.eX Paris: Seuil. p.37.

. .
designo; J. i\.hliller ein hmandaiuha (h~~:!!w~<~wa~olorg0, i a a "miquina do oãotodo", que tudo torna objeto. não (c; Miiler, J. A 'Intuiiioiis
.
. . 11.. Paris). Ouanto aos "futilitános".. oermito-me remeter o leitor à akrtiiradoXIV Braileiro do Camw Freudiano. CI Weira. M.
milanaisa". Mental (I?]:
i\.(2M). "Fzei Análise: do fútil ao lato". Op@o hraniri>~ (40): ?l.?6.
9cl hlillezl. .h "lntioduclinn à Ir leclure do Séininaireliin~oIssee'.10 uruse/re~tdiennc. (59!:88 e Zenoni, A. 'Lecorps de Ia phénoménologie'La cause
fieudinn~e, ((59!:106.

néanmoins de I'Autre". Lesérninaire, 1 i m X Paris: Seuil. p.80.,


. .
"Lacan,] OSe>nináno lium I3 (O objelo dapsiranálise). inédito, li(ão de 15/12/1965 tdprddgo a Elisa gPrlaiig a lembraii(a desta passagem). Nesta
niesma li@o se ié mhéin: ':h coniun6ão 1ortuil;i de um escrito. que temi rela@s estreib com o ohieto o, d6 a ioda coiiiunsáa náo ordenada de escrito o
aspecto da lixeira" Claro esta que o lixo guarda relaçLs íntimas com a letra e com o sintoma. que não piideram aqui x r descnrol<'ida\.
'9l i a o do Kiosuskniaaproumadamente IiWOpasoasquetrahalham durante odiaiem se livrar damarcadaescuridáodescrita por Lacan.Conhecenios
. ~LPIUIIII
i r i v ~ p r . 3, h r l c a l !.~niomrnt t :,m.ii i i ~ ; c n r ? ~ ~ < e s ~ . i n t i . . ? n o I . xt i r, m1:":iaanr ,: y i c i c ~ n i * r a ohi,ioieni.ao
l o n a n an I I A re : I . np'n..o i i o . r $:o hl,ii .i, 'ai! ,:I,,.?,I . ,.,
c r 1 r r I e I I I V J ~ 11. duc111(~. . I W T . 1 :.,lln! petl, \;I R1.c . r < ~ 6$ t i ?lirr.o -;c . i i . ~ h t i ~ o , ~
r..-.rdesei.,~~~.naii/.iiil.b~:o I k t r -oljg:in íi Irao !! (?O:< !irlimi,rit>i~.no n d, Iin<.i +-~~.~~.:r.

Dezembro 2007 O p ~ á olacaniana no 50


A clínica freudiana implicou o pai de uma forma particular na compreensão do sintoma
obsessivo. O mito do pai morro, neste sintoma, constitui uma referência clínica clássica na
construção da teoria freudiana sobre o Édipo. Aculpa, as auto-recriminações,os rituais conci-
liatórios, tudo faz ressaltar a ambivalência para coni o pai na sintomatologia obsessiva.
Claro - o pai é amado, mas é a inibição deste amor pelo ódio que constitui o conflito do
obsessivo. Um ódio mortificado que se introduz na infância, estorvando os sentimentos mais
autênticos do amor filial. Reconhecenamos o sintoma do homem dos ratos que, quando
criança: fustigava seu pai com todas as palavras de insulto. Mais tarde, em análise, seus pensa-
mentos não são mais amenos em relação a Freud, que autenticamente tomou o lugar daquele
(Vatervertrdter)na transferência. Aí se verifica a agressividade edípica do sujeito.

Do pai morto a mortifiração do desejo


Todavia, esse esquema exige algumas retificações: haja vista que as relaçóes amorosas são
tomadas pela inesma ambivalência, ou seja, que o sujeito já não pode amar sem destmir,
somos levados a nos perguntarmos se os paradoxos do desejo extraem sua de ser tão
somente do ódio ao pai. É o deslocamento efetuado por Lacan que localiza a afetividade do
obsessivo na prevalência imaginária do eu. O Esquema "C' permite distinguir o lugar do pai
morto no eixo simbólico, enquanto a mortificação do eu ocupa o eixo imaginário.
Deixando de lado <<Totem e Tabu. de Freud, os analistas dos anos 50 fizeram da agressividade
préedipiana o centro da neurose obsessiva. A influência de Melanie Klein deu maior ênfase às
pulsões de destruição. E as confusões geradas pelo kieinismo criaram a tese de uma continuidade
entre neurose obsessiva e paranóia. Não é nada disso. Lacan reconduziu ai pulsões agressivas à
autodestmição, e a autodestruiçãoà dilaceração subjetiva própria da inflação do narcisismo, gera-
da na tensáo com o Outro simbólico.
Na França, o mesmo sincretismo teórico caracteriza a obra de Maurice Bouvet', oponente
de Lacan naquela época. Houve um debate doutrina1 em tomo da neurose obsessiva: ora
centrando o sintoma sobre a regressão, ora sustentando o seu eixo nas relações com o Nome-
dopai e com o desejo.
O Édipo é pouco utilizável. Desde o Seminurio I, observa-se que Lacan recorre a um
esquema hegeliano: a relação do senhor com o escravo. O obsessivo espera a mone do
senhor para então desfruta?. A função do Outro morto contribui para a desconstrução do

Opçáo Lacaniana no 50 267 Dezembro 2007


Na seqüência, Lacan procurará articular, sob novos termos, a relação da demanda de amor
endereçada ao pai com a culpa. O Semit?ário XXfII: Le Sinthome [1975-1976]>desmonta o
niito keudiano relativo ao amor do pai. Unia vez que a culpa não pode existir antes da lei e
que os filhos não se permitem nada depois da morte do pai, é porque o único erro a expiar é
de haver fracassado no amor9Portanto: existe uma outra versão do Nome-do-Pai na neurose
obsessiva, em outra vertente do freudismo. Não se trata do pai simbólico, mas do pai real. O
pai legal mascara um pai ilegal. Notoriamente, a releirura do homem dos ratos faz surgir dois
pais: o pai do mito familiar e a Função do capitão cmel; este último colocando em evidência,
na fantasia, a função do Senhor do gozo em oposição ao pai m o r t ~ . ' ~
Esta outra versão do pai permite anicular o imperativo de gozo dos obsessivos com a clegrada-
ção do Nome-depai: esta correlação se confirma ainda com mais evidência em um caso em que o
pai, ele mesmo, em análise se vê atormentado por uma obsessão sádica diante de sua prole.

Um caso de per(pai)-versão
Um paciente de idade madura revela uma obsessão em relação ao seu filho primogênito.
Pai de família, divorciado, durante seus longos anos de análise ele desdobrou um cortejo de
lamuriosas reivindicaçóes a respeito do pai; uni patriarca autoritário, do qual ele não conse-
guia livrar-se: era um Anquises suportando o peso da vontade paterna, seguindo sua niesma
carreira profissional, e assegurando o renonie de uma dinastia financeira. Ele mesmo organiza
a dependência de seus filhos, mantendo-os financeiramente por tempo indeterminado. O
sujeito se autorizava pouquíssimo a gozar desta vantagem.
Nele, a abnegação se conjuga com uma prática de ascese rigorosa, baseada em um niodelo
do pai pelo lado de suas necessidades, enquanto clc joga seu dinheiro pela janela,
depauperando seus bens com suas aiiianLes.
No curso de sua análise, o nosso homem elabora a lógica que amarrava o fracasso de sua
vida amorosa ao mito de um todo-poder financeiro estéril. Então ele renuncia ao seuporlacb
(ritual de revanche), e se autoriza a romper com o que lhe destinava sua história familiar. Ele,
que vivia até este momento sem ambiçóes, contentando-se em ser um administrador leal da
fortuna do seu pai, lança-se em uma carreira d e homem de negócios, decidido e agressivo Ele
muda de vida, volta a se casar. Resumindo: constrói seu nome.
E no contexto dessa separação que surge sua obsessão: ele humilha seu filho em uma
paródia de sodomização. O ensejo sublimatório custa-lhe um saldo cínico; a nova ambição se
conjuga com o imperativo insuportável: e aqui se evoca o sacrifício de Abrão.
A culpa do pai é o seu gozo, para além da dívida imaginária. Constmindo um nome, o
sujeito rompe uma cadeia de geraçóes submissas. E agora ele faz seu filho pagar, sem que ele
mesmo tenha elucidado antes o preço que pagou pela sua própria submissão ao gozo avaren-
to do pai. Ele haverá de descobrir as benesses desta nova nominação.
Texto traduzido por Ccsar Skaf e revisado por Maria de Souza

'burei. M. (1953). e1.e inai dans Ia iié\rme obsesionnelle.Ra'uefia~içairedeph?cbamI.v,Se.

Opyáo Iacaniana n" 50 269 Dezembro 2007


'Lacan, JSÉn~inaireI.p.315.
31bl~Iem.p.221-222.
'Idem Sénnrwire VII, p.290.
'Idem. Sémi>w>reYIII, p.303.
"dem ~Dlreciionde Ia cuie-, p.630.
'Lacan, J. (?WI). Des h'oms-du-@e. Paris: Seuil, p.88-89.
9demSéminaireh?lIl, p.143.
'I.aian ,J. (2001).bsinlbome. Paris: Seuil, p.150.
'Osobre o pairiarca obsceno (Valerorscb), ver tanibém: P arallèles m~hologiquerà une reprkntauon obsesslonnelle plasiiques. F reud, S. (1916).
hsolrdepg,d,onal~se appliquée. Paris: Gallimard

Dezembro 2007 Opcão iacaniana no 50


Fstranho ódio, aquele que Alceste confessa a Filinto ter concebido para a natureza humana,
ódio pavoroso que conduz o Misantropo de Moliére' a se retirar do mundo, "a fugir para um
deserto i aproximação dos humanos". Qual é? então, esse ódio que não visa ninguém em
particular, mas parece dirigir-se ao gênero humano inteiro?Alceste visa aí o princípio do que
ruirda o Iiuiiiaiio, o u seja, o enlace de seu ser a esse lugar do Outro, o da linguagem, que lhe
é pré-existente. É, para ele, insuportável que o ser falante se sirva desse lugar do Outro para
outro uso que não o do amor a verdade; que ele faça disso o lugar do gozo dos semblantes,
manipul;indo a mentira e a hipocrisia. "Quero que sejamos homem, e que, em todo encontro,
demonstremos o fundo de nosso coração em nossos discursos; que seja ele queni fale e que
nossos sentimentos jamais se mascarem sob vãos cumprimentos"
Para Alceste, a palavra seria tão mais verdadeira quanto mais dissesse o indizível da coisa e
permitisse gozá-la em seu absoluto. Que garantisse a confissão ou o "dizer tudo" sem que
nenhuma presença subjetiva lhe desnaturasse o teor Ora: se a palavra exprime, ela também
vela o real que: por ser indizível, é a causa do ódio - ódio dessa palavra que é só um semblante,
mas taiiibém ódio mais lúcido aiiida deste indizível que visa o sei'. O significanie 6 incerto3e
o misantropo obriga a vagar à procur:i do lugar mítico de antes da origem da linguagem que
desnatura o homem: "Procurar, sobre o rema, um lugar afastado onde, por ser honiem honrado,
se tenha a liberdade". Denunciando a hipocrisia de todos aqueles que usam belas palavras:
guardando disso total silèncio, Alceste não faz outra vítima senão a si mesmo4.Seu ódio visa
então, ao mesmo tempo, aquilo que, no verbo, revela a face criativa, pois significante, do
Nome-do-Pai, e o que do verbo escapa a essa revelação, por visar, no ser, a parte que a fantasia
encarna e que faz o gozo particular do sujeito, parte da qual Lacan fará o objeto a. O mundo
dos semblantes que Alceste denuncia é aquele que Lacan designa pluralizando os IVomes do
Pai, e fazendo o equívoco com les non-dupese?ren15.Por falta de ter consentido em se s e ~ r
do significante do Nome-do-Pai, por falta d e se fazer tolo em face dele, Alceste se dedica a
encarnar, em sua bela alma6,a lucidez em impasse; a denunciar esse significante que não cessa
de arranhá-lo. iacan elevou a categoria de paradigma esse ódio de Alceste, para esclarecer "a
agressão suicida do narcisismo"' que, denunciando o outro, golpeia a si próprioR,por contra-
golpe imaginário.
Por que apunhalar seu próximo?Porque não se consegue mais referir-se a ele. Não podendo
atingi-lo pela linguagem, se o visa na realidade pela injúria, pelos golpes, pela passagem ao ato
homicida. A partir do caso Aimée e dos trabalhos dos psiquiatras Cuiraud e Cailleux sobre os

Opçáo Iucaniana no j 0 271 Dezembro 2007


crimes imotivados, Lacan demonstrou, em Março de 1931,que aquilo que O criminoso e 0 que
odeia t~uscavamatingir no objeto golpeado não era senão o kakon9, o nódulo de seu próprio
ser, seu gozo mais intimo. Esse ódio de si, que está no principio da agressão ao outro, pode
muito bem levar à agressão contra si mesmo. O óclio de si sendo, em última instância, uma
vergonha d e viver capw. de inipelir o sujeito ao suicídio. O amor a mãe esta no fundamento
desse duplo sentido da agressãolO.
O pequeno submetido ao seu capricho, a reversibilidade de sua presença-ausência, expe-
rimenta então a reversibilidade de seu amor em ódio, por sua presença". Quando separada à
força do objeto de seu aiiior, a criança, para velar esse momento depressivo no qual vem se
alojar seu sentimento de ódio, adquire uma imagem de si eni espelho. Fsta imagem, verdadeiro
suporte de uma identificação, constmção imaginária da identidade do eu: é, no entanto, frágil
e ameaçada de desmoronar. É, também, portadora de agressii~idacleno que antecipa precoce-
mente uma imagem enganadora e alienante - o que, em seu âmago, permanece como caos,
desacordo. seu próprio ser. O ódio de sla própria imagem, como semblante de ser - tempo
lógico indispensável a cada um na criação de seu estatuto de sujeito - é a fonte do ódio ao
outro: "ódio enciumado que jorra do ciúmelgozo ~ ~ l o u i s s a n c edesse
) ' ~ semelhante que
ameaça a unidade do sujeito, sua integridade, sua imageni.
A questão do ódio se coloca: desde que o huniano se vê confrontado coin seu
semelhante, com o que de sua imagem lhe é, ao mesmo tempo, tão semelhante e tão desse-
melhante (dissemblable).
A psicanálise nos revela que o estrangeiro não está fora, mas no coração do ser: no mais
intimo do sujeito há, segundo a feliz expressão de lacan, o êstimoU.Do semelhante ao tlito-
semelhante (dit-sembluble), abre-se a diniensão clo dito e do nome. Com a aposta do bem-
dizer, o sujeito tem a chance de fazer uma aposta ética com aquilo que do outro lhe restará
sempre estrangeiro e que Freud chamava de "o narcisismo das pequenas diferenças"'! Para
Freud", O Ódio é primário em relação aoamor. Origina-se ela recusa priniordial que o lust-lch
impõe ao mundo exterior As posições de amor e de ódio se constroem em um tempo de
constituição original no decurso do qual o sujeito expulsa de seu campo de intimidade o que,
no encontro com o objeto ela pulsão, não satisfaz ao princípio do prazer Esse tempo é
também aquele em que o sujeito, pela ekigência da civilização,renuncia a uma parte de satis-
fação e, por isso mesmo, amputa uma parte de sua intimidade, Freud designa essa renúncia
como ruptura, clivagem. Lacan emprega,^ termo divisão. Para Freud, essa "ruptura jamais se
cura e cresce com o tempo"I6.É afecção.pela linguagem, devida i paixão do significante que
assinala, para todo yurlêlre, uma perdalinaugural, uma renúncia de gozo. O amor desvia o
que reativa essa falta original, essa perba. O amor: diz Freud, vela o nascimento do ódio
contemporâneo dessa perda original. lacan coloca o ódio entre as três paixões fundamentais
do ser1', na mesma categoria que o aniorI e a ignorância. Faz dele uma das três formas funda-
d
mentais do laço do sujeito ao Outro e situa no coração da diniensão tla linguagem. Lacan
formula um paradoxo estranho, enlaçando essas três paixões no lugar do Outro, lugar no qual
todo sujeito deve articular sua demanda! Por isso, todo sujeito que é um sujeito falante, todo
purlêtre, não pode aringir o Outro sem' atingir a si mesmo. Lacan comenta o mandamento
I
Dezembro 2007 1 272 0pc;áo Lacaniana no 50
cristão "amarás teu próximo como a ti mesmo" nos seguintes termos: "como ti mesnio, tu
estás no nível da palavra, aquele que tu odeias na demanda de morte, porque tu o ignora^"'^.
O ódio toca o coração do sujeito neste ponto em que ele não está munido do significante
que lhe permitiria simbolizar o buraco em sua palavra que toda demanda ao Outro implica.
Com efeito, o mecanismo doódio como ódio de si visa o ser. aquilo que de si escapa a palavra,
esse gozo intimo e arruinante.
Muito anterior ao laço de amor que o vela, o ódio visa o que funda o paradoxo da linguagem.
Se para Freud'q o ponto essencial não é a reversão amor-ódio, nem a ambivaléncia, mas a
troca de um dentro do outro, Lacan sublinha a primazia do ódio inventando o neologismo
I-lai~zamorationZo. O ódio de Alceste o leva a otliar, além de seu semelhante, o Outro em
geral, pois este Outro lhe parece gozar daquilo que lhe falta, parece receptar o gozo que a
palavra lhe furta.
É a isso que Freud se refere com a questão do Pai e que o conduz a descrevê-lo como
tirano da hortla contra o qual o crime priniitivo se dirigiu. É mesmo por essa via que ele
introduziu a ordem, a essência e o fundamento do domínio da Iei.
O ódio de si pode levar até a recusa do Nome - "Família: eu te odeio" - a recusa do Nome-
do-Pai e ao amor do "Todo3- "aquele de antes do nascimento ou de após a vida"!- pode levar
também a recusa da mínima diferença. O ódio que visa o .4bsoluto denuncia, com efeito, a
incompletude que se refere ;io sujeito.Visa o que do Outro goza e faz o sujeito se confrontar
com sua falta, com sua própria ruptura. Dai se origina, de uma só vez: a reprovação dirigida ao
Pai e a figura paradoxal de um Deus detentor do gozo, exigindo a morte ou o sacrifício do bem
mais precioso e, no entanto, o único capaz de garantir ao sujeito, em um além, a integridade
que lhe faz falta.
Nesse poiilo? Lacaii cririai Freurl pirr irr ;imari-:idoar] iricidelo religioso a prime ir:^ itlentifi-
cação sO no lugar do pai todo amor Para Lacan, efetivamente a primeira identificação pode se
efetuar cle duas maneiras: "Ou se pensa a primeira identificação pelo amor a partir do pai, ou
se a pensa a partir do pior, da rejeição da parte perdida, não reconhecível do gozo"22.
O ódio situado no coração do sujeito, para além de toda identificação com o ideal, para
além CIO laço de amor ao pai, para além do Nome-do-Pai, toca o primeiro lafo com o niundo
exterior tal como abortlado anteriormente e, para Lacan, esse Deus que os cristãos transfor-
maram em dilúvio de amor é o mais ignorante dos homens, por desconhecer o sentimento
que Funda o humano, pois, por não conhecer o óclio, não pode conhecer o amor.
Como Freud, Lacan faz, nesse ponto, referéncia a Empédocles: "Deus deve ser o mais
ignorante de todos os seres, por não conhecer o ódio"".
Se, desta forma, Deus sabe menos que os mortais, é porque os seres vivos, por terem um
corpo, experimentam a vergonha de viver que toca o encontro com um real vivo que escapa
ao Nome-do-Paiz4.
Talo traduzido por Cássia Maria R. Guardado

v01 11.Cal. Ln plèiade. P a h Gallimard. "Mirantrop" vem etimologicam~nt~


'hlolière, J B P De. (1971). sLe hlisanthrop conddia. In E~~mcaniplèles,
dogregonristin -odiar,enrilbmpa~,homem.

Op@o Lacaiiiaiia 11" 50 273 Dezembro 2007


'lacan,]. (1975). Le S è n i i ~ i r e m% .e,ra Paris: Seuil; p.91 "pue O ser como tal prorcque o ódio não se exclui... Soma, quaiito ao lema do ódio. ião
sufocados. que ninguém que um ódio solido se dinge ao ser, @ser mesmo de alguém que não é forçosamente Deu$'
'Ewaid Franjois. íJuilleVAout, 1994). '.ta mimilhropie selo" Alceste". In La bninc, Le~fuguzinclilléruirc, (3231.
'Lacan, J (1966). "FTopos sur Ia rausalité psychique". lnErrils. Paris: Seuil, p.l71.
ilacan.J. 11976~NI."Losnoo-dupserent". Seminário indito.
"acaan. J. (1966). "Propasss lacausalitéprjchique".Opril.. p 174.
'Ibid. p.171. I
'lhid. "Os pmpÓ5iiG5 f u r i a a que eie sustenta traem, manileslamenlp, que ele busca golpear a si-próprio"
'Ibid, pi75.
'"Cerimia, h!. (1992).1Pcoilogrie des d i m . Pans: Aubier, p.99: " q u e o mal fuer e o mal diz[ nos iem de Adio e Eva, por heranp. e a chupada com o
Ieita Isso se vê claramente no lactanle que, mil ürou seli brajo de entre as roupas. lelmta a m i o parecendo querer se nngar daqueie pelo qual a crt
ofendido, e a primeira palavra que eie articula ou quae, é pararhamar de pua sua ama ou sua mão'.
"Graciaii, H. (2W6). El:~ilirm. kumentos da bibliotecada ECF, p.39: 'Cada um é lilho de sua map e de seu humor, caado com seu capricho, cada um
tem suacarrancaesuas maneira, de ial formaque sáa iodos diferente; . Encontramos sempre aqueiaque guardam ati Ódio durantetoda arida: e comem
suavingança fria e amanhecida, como os escorpiões que golpeiam com a cauda."
"lacan, J.&,wre. opcil.. p.91 lacan dirá "...daqueia que se imrpina o olha[ em Santo Agostinho qiie o observa. o garotinho. Em pmijio de lerceiro, ele
obaivs Ele observa o garotinho e,jmlliüus, enfraquwe por otsewar, supenso a iiiama ocoalaclrl~ievrnn u m '
"lacan. J. (1986). S h i i l a i r e VI/. l é l b i p ~ e .Paris: Seuil. p.i6i. CI também o cuno de Jacques-Alaiii Hiiier, L'exlitnilé 11985-19861: licães de 27 de
novembroe4 de dezembro. em queJl. ~ i i l esuítenhatf% r de &e o ódio é oódio imaneira particular pela y a i o ~ i i t r opon. ódio quensa, assim, o real
no Outro. "O que é a coistanie nessa quesião é que o Outro lhos suhlrai uma par@indeiida de gozoele é aquele que nie iurta a ininha".
"Freud. S. (1971). Malaise d a n s h ci~~ilisulio?is. Paris: PUF p.68.
"Freud. S. (1940) "Fulsionsel destin der pulsioni'. InMclap~rhologic.Paris: Gallimardidées, p.39-40: "Quando oobjetoé lonie dennsa@odedesprarci,
sentimos repulsa e o odiamm:
"~reud.S. (1981)h d i w e du tnoidam I c ~ m r e s m d ed é h e , H&uIls, id&, broblé,nes. Vol. II.Paris: PUF 0.284,
I3:m 1 11971 ,:'»~..nu!r?ll. . ~ n i : ~ ~ : : h n t q ~ . i . ~ ~ / ?k.~,, f r a $dL I r 2 r . l A 5 L : é ~ ~ t bi\
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' I M I IiJ. 1P *7811>~,1reL.. h m ~ i ~ o ~ . : i l , ~ i ~Iri ~~n , ~i ~..n,i ..il;m l ~
~

"Freud, S. (1923119Sl). "te Moi e! le $a". In ~ Q ~ d e p ~ d u n aParis: ~ s ePUF, . p.256: '.o ódio náa é somente, com uma regularidade inesperada, o
companheiro do amor (ambii;llência). ~iiosnmenteseu precumr frequente n a relagóes hiimanas. como tainMm, sob todasorte de condições; o ódiox
transfoma em amor e o amor em ódio:
Tacan, J. Encare, op.ril., pS4.
"Clémenl, C. I'A haine de soi, ili 1.a Haine'. hfogalirg<i;inrLilléroire, op. cil, p j l .
"l.aurent, É. Uuin 2002). ' t a honlp d Ia hrne de roi". In Elticidnlion: 0.29.
"Lacan J. (197i)Le Shiimire, L i i r e m , Enco. Paris: Seuil. p.82.
"lbid, p 9 t '' Não se pode mais odiar Deus, se ele mamo, notadunente, náa sabe nada do que sp p a ~ a " .

Dezembro 2007 O p ~ ã oLacaniana no 50


'Xinda que nos pese. é preciso confessar que a religiüo
crisra tem algum coisa de surpreendetlte"'.

O significante e seu lugar


De qual ordem é a relação entre o Nomedo-Pai como signflcu7zte e o Outro enquanto
lugar do significante?Desde que o Nomedo-Pai é concebido como um significante, a questão,
de fato: se coloca: ele está ou não está "no" Outro, aqui considerado como lugar do significante?
0purudo.xo de Russell - No final de "Uma questão preliminar a todo tratamento possível
da psicose", a definigáo por Lacan do significante do Nome-do-Pai introduz uma nuance entre
um no e um de: "O Nome-do-Pai é o significante que, "no" Outro, como lugar do significante,
é o significante "do" Outro, como lugar da lei"2.

Tal definição implica que: NP $ e que NP = S (A, ei.).


Se o Outro é abordado como um conjunto, esta definição náo tem por conseqüência que
o Nome-do-Pai é, ao mesmo tempo, um elemento do conjunto e o seu nome? Mas, o elemen-
to de um conjunto pode ser ao mesmo tempo um conjunto e um elemento dele próprio?
Encontramo-nos,entáo! sob o paradoxo de Russell. O Nome-do-Pai não constitui, na condi-
cão de significante do Outro, um tipo de Outro do Outro? Deparamo-nos,assim, com o que
Jacques-Alain Miller denomina "a maldiçáo russeliana'".
A introdugâo, por Lacan, do S(A) em "Subversão do sujeito e dialética do desejo" traz
uma ruptura.
O significante S(A) quer dizer que não há Outro do Outro. O significante do Outro S(A),
conseqüentemente, náo existe. O Nomedo-Pai cessa de ser um significanteeleito e privilegiado
e torna-se um significante entre outros. Um Nome-do-Pai deve ser situado no seio de uma
multiplicidade de Nomes do Pai. A definição: por Lacan, do significante S(A) acarreta que a
cadeia significante se articula, não ao Nome-do-Pai, mas ao significanteS(A). "O significante
S(A) é o significante para o qual todos os outros significantes representam alguma coisa
(o sujeito). Na falta desse significante S(A), todos os outros significantes náo representam
nadan4.Uma ruptura, portanto, se produz. Faz-se assim um salto que vai do significante do
Nome-do-Pai, como significante de uma "não-falta'' no Outro, ao significante S(A), como

Opção lacaniana no 50 275 Dezembro 2007


significante de uma "falta" no Outro. A consequência de tal salto é, em particular. esta: não há
garantia. Um enunciado não tem outra causa que aquela de sua enunciação. Essa conseqüência
valoriza a importância do salto que o ato da enunciação completa.

O pai é uma metáfora


A metáfora do Pai é, diz iacan, "um princípio de ~ e p m @ o Uma
' ~ . metáfora substitui um signifi-
cante por um outro. Ela substitui, aqui, o i\romednt% por esse significante que iacan chama de "o
lugar que é simbolizado pela ausência da Mãe'" que ele designa como sendo "o Desejo da Mãe'". A
substituição em questão significa que a liga@o com o pai entra no lugar da ligação com a mãe.
Em seu "Discurso aos católicos", Lacan propõe unia formulação dessa metáfora do Pai
opondo, de um lado, o invisível ao visível, e, de outro lado, a fé e a lei à came: 'kprimazia do
invisível, uma vez que ela caracteriza a promoção da ligação paterna, fundada sobre a fé e a lei,
recai sobre a ligação materna, que é fundada em uma 'carnalidacle' manife~ta"~.

O combate da fé contra a carne


Santo Agostinho evoca a ferida que'abre, no corpo do pecaclor, o combate da fé contra "a
concupiscência da carne". A alma, escreve Santo Agostinho, aspira a "ser liberada do visgo da
concupis~ência"~. A ligação de Santo Agostinho a Deus articula-se, no décimo livro de suas
ConJisões, a privação a qual ele decide se submeter: 'Você me pede a castidade"'",ele escreve.
De fato, ele precisa, a castidade se clá em face dessa tripla concupiscência, - a da came, a da
curiosidade e a do orgulho, clo amor qról~rio,da ambição". "Concupiscência, curiosidade e
orgulho" são o que Pascal denomina "nbssas impotência^"'^. É o que ele bem poderia chamar
de "nossos gozos". No próprio coração da metáfora do Pai, trava-se, conseqüentemente, o
combate entre o significante e a carne, isto é, a pulsão. Nesse sentido, a condição humana é
"miséria" para Santo Agostinho e "indignidade" para Pascal. Soniente o pensamento: isto é,
poder-se-ia dizer, o significante, permite ao homem, afirnia Pascal, escapar de sua condição.
Nós nos lembramos, com efeito, dessa pequena hesitação que evoca o sopro da Frase pasçaliana:
"O homem é (face ao vento, poder-se-ia acrescentar) um graveto, o mais frágil da natureza,
mas é um graveto pensante"". Esse graveto que verga, mas não quebra. Porque nós nos lem-
bramos taml~éni,certamente, da humildade do graveto confrontada ao orgulho da árvore: 'A
Árvore pernianece; o Graveto verga. Mas o vento faz cão bem, que (...) etc. etc."14.
I

O Nome-do-Pai enquanto significante


Se, guiado pela mio de Laan, segimos Santo Agostinho e hd. o Nome-dsPai aparece
agora como tendo sido inventado afim dk que seja colocada em causa, através dele: precisamente,
I
a dignidade c10 significante. Quando hcan, por exemplo, fala desta coisa estranha que é o
"significável"enquanto eleé elevado à ~u~çãodosignificante, isto não quer dizer queo "significável"
eni questão é agora elevado a dignidade,1 do significante?Função e clignidade convergem.

Dezembro 2007 1 276 Opção 1;icaniana no 50


E exatamente esta convergência que está presente no ato I1 desse drama de Clautlel que
tem por título O &i humilhado e cuja heroína tem o doce nome de Pensametzto. Esse signi-
ficante cai: "o Pai humilhado", é um modo de apontar o dedo para o corte, a falha, a ferida,
através da qual o Nomedo-Pai é alcançado em sua posição de significante.
Porque não há Pai sem significante. É o que sublinha Lacan no texto "O simbólico, o imagi-
nário e o real": " O Nome-do-Pai cria a função do Pai"'j e no Sefninário 111:'Antes que tenha
havido o Nome-do-Pai,não tinha o Pai"I6.Assim, uma mudança se produziu na abordagem de
Lacan, em relação ao Nome-do-Pai.Quando ele era um, tratava-se de algo pesado. O Nome-
do-pai se tornou leve a partir do momento em que se multiplicou. "O Nome-do-Pai, no final
das contas, é alguma coisa leve", diz Lacan em seu Senzind~-iosobre o sinthoma ".

O caso Stephen De&lus

Quando Lacan evoca o buraco que provoca, no Outro, essa exclusáo do Nome-do-Fai que
provoca sua "fora~lusão"~ a rejeiçáo assim operada náo atinge a pessoa do pai, mas o significante
do Nome-do-Pai.lacan articula o sintoma deloyce -Joyce o Anista - nos seguintes termos: "Ele
permanece enraizado em seu pai renegantlo-o"'! 0 termo "renegação" é um termo forte. A
rejeição da qual se trata visa a ligação de pertencimento do elemento ao conjunto: NP//A.
Quando a ligação é rompida entre o Nome-do-Pai como significante e o Outro enquanto
lugar do significante, o sintoma, do qual fala Lacaii a propósito de Joyce) escreve o paradoxo
que consiste no fato de "estar ligado a qualquer coisa com a qual se rompeu a ligaçáo".
iacan indica que, em Ulisses: há: para Stephen Dedalus, "um pai em alguma pane': Esse
pai não é seu pai, Siinon Declalus, iiias Leopold Bloom.Jdcques Aubert chamou a atenção para
um tipo de encontro faltoso a mostrar que, no caso de Stephen Dedalus, o significante do Pai
falha em satisfazer a sua função de significante. Bloom convida Stephen, que não sabe onde
dormir, para ir a sua casa. Stephen recusa esse convite: '#proposta de asilo foi aceita? Pronta
e inexplicavelmente com amabilidade, com reconliecimento, ela foi re~usada."'~ Essa evocação
de um desvio tal, de uma evitação tal, de um retomo tal, tem uma ressonância heckettiana.
Lacan comenta assim essa recusa: 'A Bloom, um pai que procura um filho, Stephen opõe um
'muito pouco para mim' depois do pai que eu tive, "j'en ai soupe. Mais pai'"O. O significante
Pai, Stephen não o quer mais.
A conseqüência é que, lá onde Santo Agostinho, em sua relação com a metáfora do Fai,
"encontra" a fé, Stephen Dedalus a "perde'! Agora que Stephen tem dezesseis anos, seu amigo
Cranly o pressiona ate suas últimas defesas. Se ele perdeu o amor de Deus, pelo menos pode se
aproximar do amor da mãe! Porque é o argumento de Cranly, "o que a mãe 'sente' quando
carrega a criança em seu corpo, isto ao menos é 'real""'. É a carne desua carne. Reencontramos
aqui o que funda a ligação à mãe: isto é) o que iacan denomina, em seu "Discurso aos católicos",
"uma carnalidade nianifestax. Os demônios da carne atormentam Ste~hen.-loyce. . sobre esse
,

ponto, se refere precisamente a Santo Agostinho e a Fascal. Stephen esrá envolvido na concupis-
cência da carne. Eis aí seu inferno: "Estava lá a obra dos demônios: dispersar seus pensamentos,
obnubilar sua consciência, deixando a carne covartle e corrompida.""

Opçáo Iacaniana no 50 277 Dezembro 2007


Ao final do Retrato do artista quuai7dojouemnJ Cranly incita Stephen a renegar sua fé e,
sendo católico, tornar-se protestante. Philippe Sollers gosta muito de citar o que Stephen lhe
contrapõe: "Que tipo de libertaçáo o levaria a repudiar um absurdo lógico e coerente para
aceitar outro, ilógico e in~oerente?'"~ Em suma, para Stephen, a religião do Nome-do-Pai é um
absurdo. Não lhe resta, portanto, mais, Fomo ele diz a Cranl}: que este desejo, -"exprimir-se
livremente a w é s de sua arte"". Suas 'armas, Lacan sublinha, são: "o silêncio, o exílio e a
a~túcia"'~. Trata-se, desde agora, para Stephen Dedalus, de fazer com que o buraco no Outro
se faca sintoma sob a forma da carne sonora e equívoca do significante. Isso conduz Joyce a
um uso particular do significante em ~lissssese e m ~ i n n e ~ a\iake. n s A arriculação entre o laço
- torna-se o alvo de sua revolta e de sua ironia. A arte desse artista que é Joyce é, por
e o lugar ~ ~

conseqüência, um modo de fazer suplência a falta de ligação que há entre o Nome-do-Pai


como significante e o Outro como luga' do significante.
Texto traduzido por Mana Cecflia Callerti Ferreni

'Pascd. (2003). Pnisées. idition étaMiepar Philippe Sellier. Pa?: hckel.


~
.
'Lacan, .1. (1966). -D$neQuation ~réliminaireitoutlrailement oossihlede laonchosb. , Iii &ils Paris: Spuil...o FRI.
.~.
'MilierJ.-A, ,Noticede 61 en aiguillem, in laranJ.,LeSé>nin~reLivleXYIII~sir~Ihome, Seuil, P d , 2005, p. 211 à2i5.
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'Lacan.J. ~Poiitiande I'incowiaia. &ils,op. cil., p. 849.
%an, J. ~D'unequmion pióliminaire atou1 Lraiteiiienf p i h l e de Ia psychosb. l b i l s , op. cil.. p.557.
'Ibid., p.557.
'Lacan J. (2005). ~Discauisaurcdholiqu~n.Poradoxesdelaton. Paris: Seuil, p.38.
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'oibid., p.1008.
"lbid., p 1008.
"Parcal. Pe,!.sées, op. Cil.. p. I@.
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"lacan J. QOM) ~1.eqmbolique, Vimaginaire et L réel.. Poradoxesdelamn. Paris: Seiiil, p.55.
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"Lacan J. Le Sémi~ireLiireXYlllLesinlbom, opcil., p l 2 I
'Ybid., p.70.

'OLacanJ. Le Sbninaire Li~7eiXIIIksinlbome.op.ci1. póg.


"
~
IqJoyceJ. (2004). U!~,sse, Nonc,eile iiaduciion sous Ia dimtion de jacques Auben. Paris: Gallimad, p 862.

J o p J (1992). h r l r o i l delarlisleenjeune bomme. Paris: Galliniard. Cal. Folio no2432, p. 347.


nlbid., p.210.
'$Ibid., p.349.
"lbid., p.353.
"lbid.. p.353. i

Dezembro 2007 O p ~ ã oIacaniana no 50


"Nós temos os cegos, os de um olho só, os caolhos, os estrábicos, os que vêem a distância,
os que não vêem, os que vêem pouco, de maneira clara ou confusa: os que são ágeis, os
incansáveis. Tudo isto é uma imagem que retrata bem algo do nosso entendimento, mas, não
conhecemos muito as vistas falsas'". Voltaire é um homem espirituoso. Se raramente existem
as vistas falsas, é que: na realidade, o homem toma gatos por lebres durante toda a sua vida, o
que vem a fazer parte do seu esrado natural.
Outro ponto de vista, é aquele do escritor Imre Kertéz, que toma como exemplo os diri-
gentes d o partido coniunista húngaro, chamando-os de "os aleijões da língua", por terem
feito "um mau uso da linguagem"', seja pela sua utilização em lugares comuns não acompa-
nhando os fatos reais, seja por sua promoção ao nível do consenso.
É claro que temos olhos para não ver, ouvidos para não escutar, uma consciência para
nos equivocar.
A responsabilidade no uso da fala conduz o analista a se interessar pelo que há de
inassimilável na linguagem, a se interessar por uin pouco de real. A impossível assimilação é a
prova, a única, sem nenhuma dúvida, de que o inconsciente não é totalizável pelo sentido. Do
lado do sujeito há uma extração do objeto e, do lado do Outro, uma barra. O analisante faz a
experiência de que o inconsciente não é domesticado; trata-se, antes, de um "não-sabido"
que se inventa a cada passo, sem que ele venha a ser cadenciado em marcha; hiância entre
percepção e consciência; saber que não é a prfori, instante de uma abertura que se fecha
rapidamente e que é necessário apreender em tempo.
Qual a diferença que existe entre o resto e o dejeto? Jacan respondeu em 1964: "o resto é
fecundo, o dejeto é um resto deteriorado'". O dejeto: para Lacan, nesses anos, eram os
próprios analistas, os desprovidos do inconsciente, que tinham feito da descobena de Freud
um mau uso: já que "eles procuraram garantias nas teorias que se exercem no sentido de uma
terapêutica ortopédica, conformista, a serviço de uma happines"', dizia ele. É um erro que
toma o fenômeno da consciência como unitário. A objetividade psicológica repousa sobre
este pensamento comum. A partir de um passo em falso, pode-se especular por toda a vida.
A psicanálise é invenção e subversão do sujeito. Por exemplo, estamos de acordo para
afirmar que um homem que tem o sentimento de ter um corpo não se toma por um cavalo;
trata-se de uma percepção que procede de um espírito razoável. No entanto, recebi alguém
durante muito tempo, que estava tão livre e desatado de laços quanto um cavalo sem dono,
sem rédeas. Ele concluiu sua análise, depois de ter encontrado em sua língua fluente o que se

Opqão Lacaniana no 50 279 Dezembro 2007


fabdca como a um grampo, na falta doiestofo da metáfora, aquele do Nome-do-Pai. Ele se
tatuou inscrevendoMauerick I'bypoman, "o homem cavalo", era um nome próprio para seu
uso. Ele fez de um "sem marca", a marca própria sobre o corpo; ele fez de uma familia ausente.
uma história que pôde agrupar, ordenar:Eis que ele reconstruiu a dignidade arruinada do seu
pai, elaborando um adereço, uma insígnia de sua invençâo: o homem cavalo. Esta foi sua
maneira de rearranjar o Nome-do-Pai e de recolocar no lugar esta peça essencial, que estava
fora do jogo diante da ascendência nobre de sua mãe; um moclo de advertir o destino de que
ainda nem tudo estava perdido. A? cartas podem ser redistnbuídas, di7ia ele. É preciso considerar
o que ele chamava de fala supérflua.Ele &abalha como vigia em um estabelecimento público de
ensino. Ele se serviu da psicanálise como um par de óculos, ela retifica sua vista, e o faz tanto
melhor quando ele tem acesso ao real em que ela lhe favorece um laço não segregativo.
A psicanálise responde aos paradoxds, ou a um problema como este, precisamente: como
um espírito lúcido pode raciocinar de maneira falsa sobre coisas imponantes? Por qual estra-
nha razão este homem que recebo recentemente, concluiu, na idade de sete anos, que a
felicicladenão era para ele?Ele estava certo disso. É bem isso, podemos ter um espírito lúcido,
mas falso. Ele compreende que só há felicidade do falo e dele se desviou, fechando o acesso
possível a realização dos seus sonhos. :Desde então, é um gênio cujo poder reside em ver
gigantes onde os outros vêem moinhos. A psicanálise admite que os gênios podem se enganar
I
ao admitir um princípio que adotaram sem interrogar.
O analista não vai perder tempo pretendendo persuadi-lo para que venha a examinar um
novo uso do princípio de organii-ação fálica do mito de Édipo. O que é certeza Ilermanece
foracluído.Aquilo que é desfeito não pdde ser refeito pela operação de castraçáo.A chave náo
está em procurar o modo de emprego do Édipo, mas sim, neste canal que Iacan forneceu
pluralizando os Nomes do Pai. Um apertb de mão náo é promessa fálica, mas um encorajamento
para arranjar um princípio organizador Gróprio a cada um. Esse aperto de mão se dirige aquele
que não tem o Édipo à mão, conio também àqueles que acabaram sabendo que o Édipo é um
sonho de Freud, o sonho de salvar o pai.
"Pai, não vés que estou q~eimando?'~ Quando, na hora do perigo pulsional, o Pai (Deus)
I '
é invocado pelo sujeito da experiência analitica, assini como o grito faz surgir o silêncio na
faia, a invocação revela não somente a falha da metáfora paterna, mas também a hiância causa
do vivente. O sujeito se faz responsável por aquilo que ele consente em falar, se calando. A
funçâo limite clo Nome-do-Pai é :i expeliência de uma orientação em direção ao real.
Freutl narrou este sonho chocante Qe um pai infeliz que foi cochilar um pouco, no quarto
ao lado daquele onde repousa seu filhh mono; lá ele foi atingido, alertado por alguma coisa,
ou seja, a queda de uma vela a ponto cllepor fogo no leito em que se estende o corpo de sua
criança. Antes de se precipitar ao quartd em chamas, o pai sonha que seu filho lhe dizcom um
tom de reprovação: "Pai, não vês que dstou queimando? Em se tratando do princípio deste
sonho, de todo sonho, está o desejo dd dormir. O sonho me assegura na consciência que, no
fundo, tudo vai se arranjar, que isto nao passa de um sonho. Freud não interpreta de outra
fornia este sonho acabado, fechado, não analisado.
O que ele evoca?Uma outra realidade1 deiwada na sombra, responde íacan em seu c~rnentário.~

Dezembro 2007 280 Opção l~icanianan" 50


Ela se situa no pequeno ruído, o knock out, instante trazido pelo real, ponto de irradiação,
fogo, calor. que instaura uma fratura, uma cisão entre aquilo que se mostra (o remorso que
sempre fica depois da morte de um ente querido, o sofriniento de uma perda fáljca, uma falta
simbólica, arrependimento por um encontro que não houve) e aquilo que é inassimilável, a
hiância da causa, a Causa da febre, propõe Iacan.
A função da tiquê, do real como encontro faltoso, é, de início, apresentada soh a forma do
traumatismo. Seu aspecto de forçamento se mostra, nos dias de hoje, nos canais televisivos e
adquire, para os telespectadores, um valor de sedução, de supetficialidade, de rapto, ou de
recrutamento. Sob essa força que violenta, sob um manto de engajamento voluntário, o
espectador é recmtado por Forp ou por sugestão, como se fosse um soldado recruta. Lacan
exprimia sua opinião em 1974' sobre todas estas coisas horripilantes e devoradoras, dizendo
que nisso não havia do que fazer drama; que a televisão, todas estas coisas que nos ocupam,
não era mais que uma revivescência da religião, e que não havia um monstro devorador
melhor do que este. Minha resposta a tudo isto, dizia ele, é que o homem sempre soube se
adaptar ao mal e a fazer disso uma razão.
"Quem cavalga tão tarde na noite e pelo vento? É o pai com sua criança." (...) No poema de
Goethe, vemos um pai correndo a cavalo na planície, segurando sua criança sob seu casaco: a
qual o Rci dos Álamos se esforça por seduzir e, finalmente, arranca de seu pai. Michel Tournier
toma emprestado de Goethe o títulol,eRoidesAulnese faz do herói de seu romance, Tiffauges,
anarquista preso na emboscada do fascismo, o monstro de Kaltenbom, nome de um antigo
forte teutônico8, oncle eram selecionados e preparados os alunos, osjungmnnen, convoca-
dos a se tornar a fina flor do I11 Reich. Ele escreveu sua versão do traumatismo da guerra como
um novo modelo da sexualidade não genital e mostra a afinidade profunda, escandalosa, que
une a guerra e a criança, a perturbação que ele chama de "a alegria da inversão maligna": os
jovens alemães, soldados destinados ao fuzilamento.
O pai não é mais invocado em uma perspectiva ética. Que pai poderia ainda fazer este
sonho chocante? O pai, hoje em dia, é réu; a própria criança nos levou a entender, nos tribunais,
que a metáfora paterna não absorvia totalmente o mal.
A psicanálise se ocupa da causa do pai, na medida em que existem efeitos reais da linguagem
que entravam a fungo do sujeito. Isto exige de uma análise que ela seja invenção e não repe-
t i @ ~de uma decepção, só assim ela servirá para que um sujeito fabrique este ponto de
encontro entre a linguagem e o real, quer dizer. (inventar) um bom uso do sintoma. Não
existe outra via para manter seu espírito em alerta.
Jacques-Alain Miller, em suas lições sobreA Angu\~liu,mostrava que iacan, nas últimas obser-
vações de seu Senzináeo, desenhava uma nova figura do pai. "Um pai que soubesse que O
objeto a é irredutível ao símbolo, que não se d e h s e enganar pela metáfora paterna, que não
acreditasse que ela pudesse realizar uma simbolização integral, e que soubesse, pelo contrário,
remeter o desejo ao objetou como a sua causa. Este poderia bem ser o anali~ta"'~, ele propunha.
Talo traduzido por Samyra Assad e revisado por Célio Garcia

'Volbiaire (1~).DiclionairepbilompDip.Edigão Alain Pons Paris Callima4 p.248

Opção Lacaniana no 50 281 Dezembro 2007


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'%hliileg]~A.-LaGuueFrnidi~nne,69): 90.Navarin ed.

Opção lacaniana no j0
A teoria do passe formulada por J. Lacan parte de um questionamento do Édipo, do
obscurecimento e da coagulação que produz na prática da psicanálise adefesa do Pai ideal, do
Pai morto1.
Desde esta perspectiva, esse é um novo procedimento para avaliar a formação dos analis-
tas, da passagem do analisante a analista e a conformação do desejo do analista.
Para conseguir isto, é indicado ao jurado do passe'avaliar a ideologia edípica presente no
fim da análise, a partir de:
1 - No simbólico: a crítica do mito edípico.
2 - No imaginário: retificar a forma@o dos analistas nas sociedades psicanalíticas, pela
função que elas atribuem ao pai ideal, por se constituírem conforme este ideal do pai.
3 - No real: a ascensão de "m mundo organizatlo sobre todas as formas de segregação,
correlato a universalização do sujeito procedente da ciência.
Esta formulação sobre o passe acarretará muitas controvérsias, entre outras coisas, porque
se diferencia do desejo de S. FI-eudcomo analista, o qual se direcionava para a sustentação do
pai ideal através do Édipo. Perante isto, iacan formaliza o mito sob o significantedo Nomedo-
Pai, e responde com um desejo do analista que estaria inscrito na frase barroca: "o pai, é
possível prescindir dele com a condição de se seMr dele".
Atualmente, a incidência do ensino de J. Lacan conduz também a pergunta: qual é a pre-
sença do "desejo de Lacan" na prova do passs.
Neste sentido, noSeminárioX7lele reconhece a pertinência daqueles que diziam que seu
discurso "participa do barroco"". A partir disto, F Regnault qualifica tal desejo como elíptico,
sublinhando que sua escolha advém da metáfora kepleriana: da elipse, na qual eni um ponto
está o foco e no simétrico não há nada, como uma escolha ética, uma marca de estilos.
A propósito disto, J.-A. Miller falando desse tema, afirma que se deve introduzir a expres-
são e a pergunta do "desejo de iacan", a partir do próprio Lacan, para que o uso dos seus
significantes não tenha como resultado uma cena identificação com ele, e que isto constitua
um obstáculo
Desta forma, pensando que o desejo de iacan pode ocupar um dos focos da elipse, não
resultará na mesma coisa caso ele ocupe o foco solar ou o foco vazio, sendo o motor da nossa
errância, ou o Nome-do-Pai como buraco. Então, ampliando esta fórmula: a estrutura do dese-
jo do analista se faz algo opaco, um por um, o que ilustra como se tem franqueado a neurose

O p ~ i lacaniana
o no 50 283 Dezembro 2007
particular a posição do analista. Na sua configuração participam, por um laclo, as razóes que
cada sujeito mantém na sua tlecisão pela psicanálise e a incidência do desejo de Lacan nesta
decisão, e, por outro lado, localiza em cada analista o preço que pagou para conformar seu
desejo ao desejo tlo analista, e qual s e d o grau de divergência com o desejo de Lacan.
Mais ainda, isto reafumaria que no final se estabelece uma relação panicular à psicanálise,
organizada desde um modo-de-gozar e de um estilo de vida.
De maneira geral, a referência ao barroco será fundamental no ensino de Iacan para pen-
sar oparlêtre e a sexualidade,a relação entre o Nome-do-Pai e o gozo feminino, e para localizar
a psicanálise em relação a ciência e a religião. Neste sentido, pela vertente religiosa, a arte
barroca tem sua raiz na doutrina católica do pecado original. Surge com a Contra-Reforma,
em resposta aos questionamentos luteranos, e revela o "saber-fazer"que a igreja tem, adverti-
da do fator deterniinante do escópico sobre o sujeito, em relação ao fato de que, por um lado,
está a ordem do gozo e: por outro, a ordem da verdade, e que ambos podem e devem conv-
ver, mas não devem estar misturados. Numa operação onde a verdade de~uao gozo tranqüilo5.
Por isso, depois de confirmar o "obsceno" dessa arte da exibição de corpos nas igrejas de
Roma, hcan o define como "uma regulação da alma pelo escópico corporal". Acrescentando
que isto é uma paródia do cristianismo:que inscreve, por um lado, a paixão de um corpo que
sofre e, por outro lado, inventa um Deus que é aquele quem goza; para traçar um binário no
qual, de um lado, está a lei da linguagem, a função do Pai que proíbe, outorgando a ele a perda
de gozo, a função de guardião do sentido sexual e do gozo fálico; e por outro lado, uni "mais
além" do gozo, um gozo suplementar, feminino.
Do que se deduz que, enquanto Freud se detém no Nome-do-Pai, retido numa lógica que
preserva um universal no qual vale o "para todo x'': para Lacan, o fim da analise é um percurso
que perfura a metáfora paterna até o desejo da mãe, incidindo no gozo suplementar da mu-
lher que excede todas as meclidas, e que pertence a um conjunto logicamente inconsistente,
denominado "não-todo".
Pelo lado da ciéncia, o barroco mostra como o sujeito foi afetado em toda sua representação
imaginária, a partir do niomento em que uma posição simbólica mudou para ele. A propósito
disto, É. Laurent comenta que no momento em que apareceu o sujeito da ciência, a ane com a
anamorfose, através dos efeitos ópticos, produziu uma reinscrição do corpo sobre as paisagens
imaginárias, reinstalando "as novas bodas do corpo e do espaço" que a ciência tinha rompido7.
Neste sentido, o quadro de Holbein, "Os embaixadores", é uma metáfora do tratamento
analítico e do passe, na medida em que mostra como o neurótico escolhe seu próprio ponto
de vista para que não lhe apareça a cavjira mortuária da anamorfose. Questão à qual se chega
na saíd:~,e que pode ser teorizada de diferentes modos, conforme seja foi-mulado o fim em
relação à morte: à verdade: c/ou ao goz ! , porém, em qualquer caso, a invenção do final - e/ou
'P
a criação ex-nihilo que Lacan propóe - nao - se sustenta exatamente no Nome-do-Pai , mas se
situa mais do lado dos filósofos taoistas!, que declaravam que "o vazio está no i n í c i ~ ' ~ .
8
Desde o ponto de vista da retórica, barroco produz tropos de oposição: ironia, antífrase,
sarcasmos, etc.: se diz com o tom o opdsto do que se diz com as palavras. O mesmo funciona
como oxímoro, como corte assemânjico, que produz e mantêm todo tipo de discursos
I
Dezembro 2007
I 284
Opção lacaniana n" j O
semânticos, como a variável introduzida no discurso da suposta identidade. Isto é a contin-
gência que retorna ao necessário9.
Desse modo, pode ser concebida uma matriz de uma linguagem passional entre a pulsão e a
definição do eu como aparato ret~rico'~, seguindo a homologia que faz Lacan, no texto 'A ins-
tância da letra...":entre os mecanismos de defesa do Eu, os tropos, e ai figuras de retórica, onde
menciona entre elas a perífrase, a elipse, a suspensão, a antecipação, a digressão e a ironia".
No meu caso particular, nos testemunhos como AE, seguindo estes aspectos, pude descre-
ver um arco temporal do sujeito que ia da perífrase a ironia. Das proibiçóes, convençóes e usos
da linguagem da neurose - ordenada desde os Nomes do Pai frenre a um real sem l e i , até
alcançar, através do bem-dizer, outros modos discursivos para as combinatórias fantasmáticas.
Especificamente, a perífrase, que consiste em utilizar unia frase para dizer o que poderia
se expressar com uma palavra, ilustrava deste modo as "muitas voltas" do sujeito, "as palavras
demais", para amortecer a relação do enunciado com a enunciação, como tentativa de
complerude do sentido.
A outra figura, a ironia, sem sair dos efeitos da linguagem, denota um vetor cujo horizonte
é o Outro barrado: o S(d). Ela, longe da zombaria, nos interessa enquanto uma enunciação
irônica que diz o que quer dizer, porém não se tem com isso a relaçáo que têm os demais.
Isro pode ser vinculado com a mençao que faz Freud da perífrase, em "Totem e Tabu", para
descrever o fenômeno no qual algumas culturas usam esta Figura no lugar de pronunciar o
nome próprio, como parte dos tabus nominais ligados à tragédia mítica".
Desde então, se paitinios da mesma como um meio de designar socialmente uma pessoa,
ou um objeto, por uma "outra coisa" que não o seu nome - como era o caso do sujeito que só
se reconhecia num pseudônimo - se chegaria à ironia como o modo que permite a aproxima-
ç2o a uma comunidade, ainda que sempre persista a inadequaçáo do sujeito a dita comunida-
de lingüística. Deste modo; se faz efetiva uma inscriçao no ponto no qual alguém se identifica
ao grupo, o Si que permite ter um pé no Outro, mas que, também, tem um pé na fantasia.
Ainda assim, se o mito freudiano do pai se inscreve no traumatismo e na repetição", e
segundo as fórmulas da sexuação garante o "Todo", a perífrase seria um modo retónco de se
localizar do lado masculino, com a crença tola de que as mulheres constituem uma classe, ao
modo dos homens.
A propósito disso, o tratamenro do nome próprio tem no tratamento analítico um valor
Fundamental, onde o nome -que marca e enoda o corpo - era o signo das imposições, dos
desafios, do "sem limites" da mãe, e signo de como se encarnava em sua pessoa o luto da mãe
por um "grande amor" do passado. Eram formas onde se estabelecia a conexáo entre a iden-
tificação fálica com o Nome-do-Pai e o desejo do Outro materno, cuja castração era tamponada
por este circuito, o qual, na experiência analítica, será conduzido a sua inconsistência: abrindo
a possibilidade de autorizar-se no discurso do analista.
Para esta questão, foi necessário saber que o supereu não é fruto da interdição do Pai, mas
que se trata da voz da sunnaitié - forma em que Lacan descreve o supereu feminino para o
homem e para a m u l h e r : o imperativo mortífero, que é mortífero para quem rejeita enfren-
tar a originalidade da p o s i ~ feminina,
o para aquele que negaria a origeni de um dizer feminino

Opçáo Lacaniana no 50 285 Dezembro 2007


especifico, onde há incidência direta db Outro. E que pode finalmente fazer-se incompleta,
inconsistente, indemonstrável, indecidí~el'~.
Desse modo, se chega a formatar e corrigir o desejo do analista desde a via dos modos de
resposta ao "canto das sereias", encontrando como responder sem tentar completar, sem
procurar uma satisfaçáo, elou ao modo de Ulisses "atado" ao semblante fáiico, chegando a
posição de um desejo de não-ação oposro ao mundo do útil: o que possibilita a manobra de
empurrar o Outro a decidir por si mesmo.
Para concluir, a proibição de Freud é uma figura trágica: substituída por Iacan pelo real
como impossível, com o qual o passe só tem o caráter do possível e contingente.
Neste sentido, a neurose como faltade ironia consistiria em acreditar excessivamente no
que alastra o significante, tomando-o a sério no lugar de brincar com ele". Desde então,
"prescindir com a condição de se servi$ corre~ponderia~ neste caso, a como se pode chegar
a ser sério e cômico, irônico e radical, desde o tratamento do real.
Desta maneira, o estilo do final se adroximatia ao "moque-héroique"ou "moque-épique"!
que consistiria em fazer uma banalizacio da epopéia, uma banalizaçáo do heróico, já que o
herói que suporta a epopéia analítica sd evacua ao final como o dejeto de um ato.
É assim que o objeto a tem este carater, caráter de revelação de tudo o que mobiliza uma
vida, pulsões: emoções, sentimentos, q"e: ao término do percurso, seguindo este estilo, se
expressa como: "só é isto": ou "tudo gira ao redor de nada mais que isto".
Traduzido por Marta Inès Restrêpo e re\'isado por h?$ Guirnaráes

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Opção Iacaniana nl' 50


Tratarei deste binário em quatro poiitos:

1. O passe designa o niomento de passagem do analisante ao analista que se produz ao


final da experiência analitica. O analista é desde então apreendido, não mais a panir de sua
prática e de um certo número de critérios que a garantiriam, mas como o produto de seu
tratamento: é um analisado. O procedimento do passe faz desse analisado o objeto de sua
pesquisa, ele é animado pela questão de saber o que é um analista.
E isso, como assinala Éric Iaurent no comentário que faz do teso da "Proposição de outu-
bro ..."- diferentemente do modelo institucional, que deixava de lado ess:i questáo, evitando-a.
A essa quesráo, esse modelo propunha uma resposta: "Freud o sabia (o que é um analista) e isso
foi transmitido. Ele o sabia enquanto fundador e depois como pai mono, do qual se origina a
identificação dos filhos da horda"'.
E, com efeito, quando o saber se toma aquele do pai morto, ele mesmo é sepultado, ele
não se interroga mais. No lugar da experiência que era viva, vêm entáo as normas, osslandardr,
os critérios de habilitação supostos prestar contas da conformidade da cópia com o modelo
embalsamado.
É nesse ponto, prossegue Éric Laurent, que iacan instala uma interrogação. "Ele esvazia o
túmulo e considera que é vão procurar a definição do psicanalista a panir do procedimento
institucional e de suas prescrições diversas...", ele recentra a questão na análise de formação
em toda a sua diversidade e heterogeneidade e "instala, no lugar do traço identificatório, o
vazio da definição do analista. O procedimento do passe pane dai: o Analista não existe, há
apenas a existência, uma por uma, dos analistas"'.
No entanto, é ainda necessário que a instituiçio que acolhe esta singularidade, a admite,
responda por "uma prática viva da psicanálise".

2. Na sua Teoria de Turim3,Jacques-Alain Miller propõe o que ele chama sua teoria da
Fscola. Em uma hcola, ele diz, tudo é de ordem analítica e é com essa condição que ela é
interessante. Ele apresenta esta proposição como um axioma e também como uma verdade
de experiência.
Se tudo na Escola é de ordem analítica, é porque ela procede do desejo do analista,que é "o
desejo de separar o sujeito dos significantes mestres que o coletivizam, de isolar sua diferença

Opção Lacaniana no 50 287 Dezembro 2007


absolutalde cernir sua solidão subjetiva! e também o objeto maisde-gozarque se sustenta deste
vazio e o preenche ao mesmo tempo'".
Porque ela procede do desejo do &alista, a Escola então descoletiviza. Resta no entanto
que ela é, enquanto comunidade, uma'formaçãocoletiva. É um paradoxo.
Se solidáo subjedva e coletividade podem se enlaçat; e elas só podem fazê-lo desse modo
paradoxal, é em função do modo de Iógica coletiva a trabalho na Escola. Para permitir esse
enlaçamento e dar lugar no coletivo a enunciações diferentes, essa Iógica não pode proceder
do universal, do que vale "para todo x".,Ela deve, ao contrário, funcionar para além do Étlipo,
no modelo do conjunto logicamente inconsistente "que se apresenta sob a fonna de uma
série à qual faz falta uma lei de formadão;'j- ou seja, conio uma somação de solidões, cada
uma excepcional e incomparável às outras. Assim, "o único enunciado capaz de coletivizar a
Escola" é: paradoxalmente,"aquele que a afrmia ser não-todan6.

3. Pelo contrário, se o coletivo provem da Iógica do universal, ele pode se soldar>de uma
maneira quase religiosa, em torno de uma Iógica que eu diria do anonimato - não se fala mais
em seu nome, mas em nome do coletivo. Pode mesmo acontecer, nessa Iógica, que se faça
equivaler este apagamento ao cúmulo da desidentificação, aquela que permitiria enfim de se
juntar em comunidade. Aquele que faz exceção é então chamado à ordem, porque ele coloca
em perigo a comunidade.
O apaganiento do que seria uma enunciação pessoal, em rela@o ao discurso admitido e
autorizado,náo é no entanto sinal de umadesidentificação, mas marcapelo contrário a peninência
à comunidade na qual cacla um se veste como com um uniforme. Cada um se coloca então na
classe dos apagados, de todos igualmente apagados que sustentam o mesmo discurso, diante, é
claro, do pai morto encontrado no seu lugar e do qual se transmite a herança.
Essa pertinência implica sem dúvida algumas vantagens não negligenciáveis: faz-se então
parte da família, não se fica só e, se se é bom aluno, colhe-se amor. Mas, a que preço?
Eu diria que esse apagamento é apedas um dos nomes do culto que se pode votar à castra-
ção. E que aquele que avança sob a máskara da castração se expõe ao retomo do gozo sob as
espécies do sacrifício e da mortificação. O que tem como efeito, por outro lado, de colocar o
saber na prateleira do museu, porque nada, nesse caso, deve se mexer. O pai ele mesmo não
pode acordar.
A experiência de uma Escola, no sentido de Lacan, é diferente. Ela náo é mais fácil. Não é
:estão, aqui, de se confundir no coletivo ou no anonimato. Age-se em seu próprio nome,
i por um, o que comporta evidentemente maior número de riscos.
!

4. "O analista só se sua "Nota italiana", Lacan faz


desse aforismo o esse aforismo condensa o
postulado segundo o qual o analítica levada ao seu temios. O
que supõe o túmulo do pai esvaziado e r a questão de saber o que é um analista.
A Escola procede dessa questão. É me parece, que Jacques-Alain Miller desen-
volve, na Teoria de Turim, a tese ela procede do conjunto logicamente

Dezembro 2007 1 288 Op<;ãoiacaniana n" 50


inconsistente, a Escola nada mais é do que um sujeito, um sujeito barrado, um novo sujeito
suposto sabe. um efeito de significação produzido pelas determinações simbólicas que proce-
dem de seu ato de fundação. Mas, a exemplo da operação de Lacan sobre Freud -que introdu-
ziu um "intervalo entre a causa do desejo de Freud e a causa freudiana, que logificou o desejo de
Freud para separá-lo de sua particularidade, desenraizá-lo da fantasia paterna e retirar dela a
forma dita do desejo do analistaxq-,essa Escola-sujeito deve ser interpretada.
E oanalista, quanto a ele, aquele que sose autoriza por si mesmo, ele não é sem fé nem lei,
na medida em que ele escolhe fazer pane da Escola, a subjetiva e a adota como um significan-
te ideal -com a condição porém de repetir, para ele mesmo e a sua maneira, a interpretação
de Lacanlo,sob pena de se dedicar, de maneira sacrificial, a perenizar um saber que já está lá.
O que faz, como assinala J.-A. Miller, ao mesmo tempo "o paradoxo da Escola e sua aposta
- que supõe que uma comunidade é possível entre os sujeitos que sabem da natureza dos
semblantes, e cujo ideal, o mesmo para todos, náo é outra coisa senão ums causa por cada um
experimentada ao nível de sua solidão subjetiva, como uma escolha subjetiva própria, uma
escolha alienante, ou seja, forçada, implicando uma perda"".
T a t o iraduzido p o r Elisa Avarenga.

Ilaurenl 6. (2072). ta formation du pqdiacia>ie et I'élhique de iapsyhanaiyie. InQuisoni t o x p q ~ c b ~ ~ (p.


~ i 448).
~ s l Parir:
~ ~ ?Seuil
'Idem, ióid. (pp. 448-4491,
'Miller, J.-A. (2071). Théorie de nirin sur lesujet de I'École. l o @ ~ ~ ~ s dCmt
d u,@s de i'AMPR BumosAir~.Coiiediot~rue llupmans.
'1acan.J. (2071) Note llalienne. I n ~ u i r c s ~b.307).
is Pdns:Seuil.
'hliller, J - A . (ZWl).lbid. (p. 61).
61dem,ibid (p. 69).
'Lacan,J. (2001)ibid. (p. 307).
Taureni i.,op. cil., p. 449.
'hliller, J:A. op. cil., p. 66.
loldem, ióid (p. 69).
"Idem, ibid (p. 61).

Opção lacaniana no 50 Dezembro 2007


Pai e passe podem se articulare se desarticular a partir da transferência. No passe, está em
jogo o devir da função paterna.
'Prescindir do pai com a condi(2ode "servir-se dele" sáo dois princípios trazidos por
iacan em 1976'; o primeiro condiciona o segundo. O binário "prescindii', "servir-se dele" se
inscreve na temporalidade de um tratardento verificado pelo passe. A este titulo, ele participa
da formação do analista. Com efeito, e&es dois princípios coincidem com dois momentos
conclusivos de uma análise, dois momentos distintos, separados por um intenralo temporal.
Esses limites são, por um lado, a supreSsão da equivocacão do Sujeito suposto Saber, e por
outro, a extração do objetou: objeto caido fora d o campo do Outro. O futuro do pai está em
jogo neste espaço de tempo lógico. ~
Liquidar a liquidaeo ~
I
Qual é entào este lapso, senão o te&o requerido para elucidar a transferência? O remo
resolução, aqui escolhido, toma obsoleta toda esperança de liquidação, táo cara aos pós-freu-
dianos. Em matemática, resolver é encontrar uma solução e é o conrrário de uma dissolução.
Em Osquatro conceitosjundumetzraisdapsicanális2, Lacan contesta o termo impreciso
de liquidação: "Se a transferência é a arualizaçào do inconsciente, será que isso quer dizer que
a transferência poderia ser liquidada do i(consciente? Será que nós não temos ma& inconsciente
depois de uma análise? Ou será que é osujeito suposto saber (...) que deveria ser liquidado
I
como tal?.
É certo que iacan evoca o termo "liquidação-para", no "Prefácio à edição inglesa d o Semi-
nário Xí'", mas é preciso entendê-lo de um modo muito restrito: tal como é apresentado no
Setniná~fo11': "Só se pode tratar, se o termo liquidaçào tem sentido, da liquidação perma-
nente dessa tapeação pela qual a transf~rénciatende a se exercer no sentido do fechamento
do inconsciente."
14
Trata-se, portanto, de liquidar a "tr nsferência fechamento':, avatar du Sujeito suposto
Saber que, por sua vez, não se destina uma liquidação no sentido de uma erradicação sem
resto. Em "O ato psicanalítico': na aula do dia 24 de ianeiro de 1968, Lacan especifica que a
ilusão da equivocação aparece quando o ato analítico reduz, enfim, o Sujeito suposto Saber "à
função de objeton". Assim, nada de liqii\dação do Sujeito suposto Saber, mas uma redução ao
resto que ele mascarava, pequenoa: imdossível de liquidar O objeto caído é a sobra de comida

Dezembro 2007 1 290 Opção Lacaniana no 50


indigesta do banquete transferencial, no curso do qual o analisante comeu seu dasein. Alas,
onde está a refeição totêmiça?

A equivoca@o do Sujeito suposto Saber


O tempo da dessuposição não anula o saber suposto. É o sujeito contíguo a suposição de
que é destituído. A suposição de saber perdura, verdadeiro convite ao saber. Ela se desloca:
então, em direçáo a outros lugares de elaboraçáo: Escolas, instâncias, passe. Mas a suposi(;áo
em relaçáo ao saber funciona como um "empuxo a invenção" e não mais como um "empuxo
à decifraçáo".O famoso scilicet de iacan significa o seguinte: o desejo de saber d e um saber
a ser inventado pelo analisado depois do passe - passa à frente do amor ao saber que visa um
saber já aí, à espera, bem abrigado no Outro, e motor de um amor de transferência no qual se
verifica sobretudo um mão quero saber nada disso. próprio à resistência transferencial. Há
ultrapassagem do "horror de saber" que mascarava o amor ao saber. Tal é o franqueamento
obtido a partir de um ganho de saber sobre o limite do saber. Neste instante, cessa a aposta no
Nome-do-Pai como garantia de um saber universal sobre o gozo. E o inconsciente não é mais
uma cadeia significante, uma usina cle fazer sentido; é um buraco no sentido, a pamir do qual
se interroga um Outro gozo, dito feminino.
O clesejo do analista permite, no anaiisante, a dessuposição,produzindo um disranciamento
máximo entre o grande I do Ideal e o a da causa, de tal sorte que os ideais identificatórios: dos
quais Freud soube mostrar o laço com o pai, cessam de recobrir o real que causa o desejo. Assim,
podemos dizer que a transferência não é sem resto. Quando o analista cai da idealização,quando
se esfuma a equiiwação, quando emerge uni além do Édipo e dos limites da função patema, a
tnnsferência iiio desaparece. Ela é simplesmente esv:v.iacla da miragem do Sujeito suposto Saber.
subtraída do império dos sentidos, da influência tlo pai, da medida da metáfora paterna.
A equivocaçào revelada implicou a supressão da miragem ligada ao Nome-do-&i,mas esta
operaçáo, no entanto, náo permite prescindir radicalmente deste último. Não se trata de se
declarar não-tolo para pôr um fim nisso. O resto da transferência, por mais incurável que ela
seja, deve ser tratado pelo fim da análise, sem o que ela não tardaria em ressuscitar o pai que
não está tão morto quanto se diz.

O desprendimento do objeto
Esse segundo tempo do desprendimento do obieto do campo do Outro toma efetivo o
primeiro, da equivocação, em um efeito aposteriori. Este desprendiniento permite uma relação
nova ao saber, ao gozo e ao pai. Os AE daAi\IP mostraram a que ponto o ato náo visa tanto, in
fine> se opor a uansferência pela dessuposição, mas fazer cair o maisde-gozar fora do lugar
do Outro no qual o sujeito o havia alojado.
Desde então, como o mostra iacan em "O ato psicanalitico, resumo'" é a partir do objeto
desprendido e enfim reduzido à uma consistência de pura lógica, que o ato se toma possível
para aquele que cessa de ser analisante. Este pode se autonzar a se tomar o semblante deste

Opçáo iacaniana no 50 291 Dezembro 2007


objeto para um outro. No momento de lhe dar um golpe final, ele não se autoriza mais do pai,
mas de si mesmo e "de alguns outros". Esses alguns outrosomaterializados pelo júri do passe,
são tanto mais necessários a garantia porque não há mais pai para julgar a respeito disso. Os
'alguns outros' não saberiam funcionar como pares sobre um fundo de pai morto. No dispo-
sitivo do passe, eles estão mais próximos do comité de ética sobre o fundo da inexistência do
Outro. Eles devem julgar o efeito do ato analítico no passante e apostar na sua capacidade de
endossar a responsabilidade de tal tipo de ato.
O ato analítico não é muito mais uma solução ao incurável da transferência, do que uma
dissolução total da transferência? Esse tempo é verificado pelo passe e o objeto a é seu
"gonzo", termo preciso de lacan eni referência a pona, ao umbral e ao franqueamento. Mas
pequeno a não é uma dobradiça, a não ser com a condição de lhe provocar uma extração,
graças a qual percebe-se a inconsistência do Outro. Sua extração do Outro é obtida cemindo-
se bem de peno a cadeia significante, até o ponto de emergência do significante sozinho (SI).
Esse termo conclusivo indica em último lugar o gozo traumático do significante sobre o corpo
e a ausência de articulação possível a qualquer outro significante. Isto interrompe o efeito de
cadeia que fazia consistir o Outro simbólico (SI-Sz).Por esta razão, o significante ar sozinho., SI
designa o ponto em que o Outro não responde mais. Esse ponto de falência equivale aquilo
que Iacan charna de signscante da falta no Outro S(&. Esses dois restos inapagáveis (Si, a )
são os verdadeiros estigmas da inexistência do Outro. Eles fazem a alquimia de uma tinta com
a qual devem se escrever as letras de gozo, permitindo ao falasser saber como fazer com o
incurável. Essas letras designam o sintoma conclusivo, ou sinthoma, como a saída da análise.
O sinthoma é assim concebido como traçado de uma escrita necessária para bordejar o gozo
naquilo que ele tem de mais real.
O sintoma tem, portanto, um duplo valor: literal e *litoral.. Aléni disso, em 1975-76,lacan
mostra que o sintoma também tem a função de amarracão do Nome-do-Pai ou do édipo.
Ambos amarram real, simbólico e imaginário da mesma forma. Apartir daí, o sintoma pode se
dizer 6inthoma.. Esta equação borromeana entre sinthoma e Nome-do-Pai leva lacan a dizer
que .o pai é um sintomaw6. Esta equivalência topológica do pai e do sintoma, ou sinthoma,
tem outra conseqüência: a mesma de sua possível substituição por uma variedade infinita de
sinthomas. Com efeito, o Nomedo-Pai, que não é mais apenas um significante,cessa portanto
de ter um valor Uni. É por isso que Lacan pode, então, propor uma versão pluralizada <<dos
nomes do pai),. Coni efeito, a função do pai sofre uma mutação: o Nome-do-Pai como signifi-
cante condensava e reunia sob a bandeira do Um, enquanto o sinthoma, equivalendo ao pai,
amarra o que faz irredutivelrnente três) R-S-I, e até quatro, se acrescentarmos o próprio
sinthoma à série. O pai não reúne mais, 4a condisão de significante e agente da metáfora; ele
amarra como sinthoma.
I

Conclusão
Graças ao sintoma que se tornou sinhoma: um ser falante se sen1edo pai como de uma
amarraao topológica. No fim de uma analise: o analisante se identifica com o sinthoma, com
I
Dezenihro 2007 i 292 Opção lacaniana nC'50
No discurso do Analista "é o próprio objeto que vem no lugar do mantlamento. É como
idêntico ao objeto a, quer dizer. a isso que se apresenta ao sujeito como a causa clo desejo,
que o analista se oferece como ponto de mira para essa opera@o insensata, uma psicanálise,
na medida em que ela envereda pelos rastros do desejo de saber"'.
Fazer semblante do ol~jetoa cria a possibilidade de fazer surgir o desejo cle saber a panir
da colocação em ato do que Freud denominou associação livre e, assim, fazer valer a transfe-
rência como possibilidade de construir um saber no lugar da verdade para um sujeito. É uma
verdatle que difere da que é protluzida pelo Discurso do Mestre. Ao abrir mão do seu gozo e
ao privar o escravo da possibilidade de dispor de seu corpo, o mestre acaba deixando-lhe o
gozo. É este gozo que o mestre exige de volta pelo viés do mais de gozar que nunca poderá vir
a ser causa de desejo, pois, para o mestrel a verdade está interditada. Interditada pelo gozo
produzido e por nada se querer saber das "fantasias mortíferas"' que se sustentam sob esta
barreira do gozo: aqui a articulação tla Fantasia é impossibilitada. Em outras palavras, nada se
pode saber da divisão do sujeito, pois "odiscurso do mestre exclui a fantasia'".
Enquanto para o mestre o saber está excluído, pois só interessa que "isso caminhe", no
Discurso do Analista verifica-se que o satier se escreve no lugar da verdade, dizendo da pre-
sença em ato de um deseio de saber
Esta reviravolta do discurso tem como sustentacão o que pode ser escrito do Nome-do-
~ ~

Pai, estabelecendo um campo de saber que pocle ser interrogado em função de verdade. Esta
possibilidade decorre do fato de que só há um sentido se o Nome-do-Pai foi inscrito, produ-
zindo o que chamamos de: significação fálica.'
Esta inscrição é a possibilidade de fazer do objeto "a':causa de desejo.
Será importante relembrar aqui o trajeto do conceito de Nomedo-Pai no ensino de Lacan.
Na metáfora paterna, primeira tentativa de lacan cle formalizar o Éclipo, é possível acom-
panhar seu esforço em fazer passar o pai do mito i estrutura. Para isto, ele constrói, a panir
clos complexos familiares, uma estrutura que coloc:i pai e mãe como significantes:o pai é um
nome e a mãe, o desejo. O Nome-do-Pai é aquele que articula a interdição do incesto com a
castração, propondo o falo conio respostaao desejo da mãe. Em outras palavras. na metáfora
paterna estão enlaçados o desejo e a lei. ,
No entanto, essa operasão não trata os tlestinos do gozo que está incluído rio desejo da
niãe. Apenas demarca a função paterna emisua vertente de dar um sentido ao gozo que para-
sita o sujeito. A metáfora deixa de fora o re&o irredutível à simbolizaçãodo Nome-do-Pai.Este

Dezembro 2007 294 Opção Lacaniana no 50


resto que permanece, Lacan vai chamar. mais tarde, de ohjeto a. Objeto a que vai questionar
a eficácia do Nome-do-Pai em nomear, pois ele resiste a toda nomeação. Constata-se, entao,
que o Nome-do-Pai,como metáfora, não localiza o desejo do sujeito.
Este limite inaugura um segundo momento do ensino de Iacan no que conceme ao Nonie-
dopai. É o niomento em que o Grafo do Desejo está sendo constmído e esta falha do Nomedo-
Pai em nomear o objetoa aparece designada pelo matema S(h):falta o significante que poderia
nomear o desejo do sujeito.
A operação desenhada como S(h) limita-se, no entanto, a dizer que o Pai se faz suporte da
barra no Outro e aponta a brecha em que habita o gozo, este resto que é o objetoa. A libido
tem aí, então, um ponto não representável, um ponto que o Pai nunca poderá nomear.
Mais um limite e, por isso, um passo a mais: além do Pai, além tlo Édipo. Mas, atençáo, este
passo não implica que a psicanálise possa dispensar o Nome-do-Pai. Sem esta referência, a
psicanálise seria um delírio.
Este passo a mais, além do Édipo, vai tratar de um pai que, mesmo que não consiga simboli-
zar todo o gozo, merece este nome quando for capaz de dar uma versão do objetoa. Eni outras
palavra., trata-se de um pai capaz de orientar seu desejo em direção a um objetoa como causa.
Um pai que não se identifica a uma causa, isso é importante, mas sim que se estabelece no
encontro com o que o causa. Trata-se de um pai "perversamente" orientado. Um pai que faz de
uma mulher objeto a, causa de seu desejo, quer dizer>um pai que não recua frente ao impossí-
vel do gozo. Lacan assim o define: um pai que é capaz de "afrontar o gozo de uma mulhei'.
Diante deste gozo impossível, mítico, global, a versão do Pai é aquela que orienta o sujeito a
recortar o objeto a , no campo do Outro, pa1.a fazer dele causa de seu desejo.
Fabián Naspartek, em seu testemunho 2' ewplicita esta passagem:

'ii versuo do pai - dfererlte eni cada caso - é o quepossibilita pôr em relação o
airtístico do si?ztoina com urnparceiro singi~larJá nüo se trata da crença de que
qualquer coisa épossiiiel e iampouco seu oposto, onde tudo seria i?lacessi~'elTrata-se
de un!a uersrío uiua de como se harier c0711 o Outro smo. \'&-seque aqui tenlos uinrr
referência a um gozo linzitado. Como disse/ Lacan, Q opai do aperitivo (a-pere;o
objeto a e opai). de u>ngozoajustado a irm peqireno 'p1u.í"'

Esta última elaboração de lacan abriu a possibilidade de se falar em pluralização dos


Nomes do Pai. O Nome-do-Pai passa a ser um significante mestre, um Si, uma formzi de
enlaçamento, um quarto nó que sustenta a articulação do Real, Simbólico e Imaginário. O
universal do pai, o pai da horda, da tradição, pemlanece do lado da religião, enquanto o
significante do Nome-do-Pai é o que vem dar conta da inscriçao singular do sujeito no Outro,
tanto no que diz respeito ao significante, como em relação ao gozo.
O Discurso do Analista demonstra isto. O objeto a como semblante só funciona se um
sujeito foi marcado pela inscrição tlo Noniedo-Pai. Somente assim ele se coloca eni condi-
sóes de prodwir um Nome que, herdado do pai, ele tem que conquistar para fazê-lo seu
nome próprio. É este nome-próprio que vai nos dizer algo sobre o modo de gozar de um

Opçáo Lacaniana no 50 295 Dezembro 2007


sujeito,assinalando a singularidade de sua relação com o objetou e possibilitando a construção
de um saber que pode ser interrogado como função de verdade. Um nome, enfim, que diz
como a inscrição do Nonie-do-Pai aconteceu para "um" sujeito. É assim que se pode ler, no
matema do Discurso do Analista, a seta que, partindo do S,, aponta o objeto, reafirmanclo-o
como causa de desejo e abrindo um espaço para que se possa ai saber fazer com o seu sintoma.
O que o dispositivo do Passe busca verificar é como esta inscrição aconteceu para cada
um. A constmçáo da fantasia não basta, mas sua travessia pode produzir consequéncias: um
ponto, uma marca que, a partir da re-inscriçãodo Nome-do-Pai,pode sustentar a lógica de um
trajeto constituído pela articulação significante que sustenta a cena da fantasia fundamental,
esta matriz elementar, nó de ficção a paitir do qual todo o imaginário do sujeito se desenrola.
Um ponto de báscula decorrente da revitalização do Nome Próprio que funciona, a panir de
então?como uma marca6que pode sustentar em operação o desejo do analista.
Em outras palavras, a travessia só será'possível se o que permaneceu todo o tempo obstmin-
clo o caminho, ou seja, um i(a), que, paradoxalmente se constitui a partir da mesma matéria do
que vai ser o ponto de báscula, pode se modificar em suas funções. Ali, onde o sujeito se seivia
de um trajeto marcado pela5 identificaçws que o constituíam como "sei' no mundo ("eu sou
assim!") vamos ver acontecer uma passagem que o leva para além do plano das identificações.
Momento fundamental em que as nalavras não dão conta do que se passa e que abre,
definitivamente, um novo espaço onde a regência se dá a partir de uma nova topologia: o
objeco a não é mais simples produto damortificação significante, mas sim presença do gozo
vivoí; causa de desejo. E náo mais alimenta o núcleo do sintoma com a proliferação de signi-
ficações,permitindo que se leve o sintoma ao limite a partir do qual ele retorna em efeitos de
criaçãos,liberando o que pode ser chamado, com Lacan, de um gozo possível, um gozo orien-
tado pela versáo do Pai.
O último ensino de Lacan, ao sustentar esta passagem para além do Édipo afirmando a
pluralizaçáo dos Nomes do Pai, reforça a orientação de que um final de análise tem suas vicis-
situdes e suas singularidades que podem ser transmitidas, mas nunca estandardizadas sob a
égide de uma tradição.

'l.aca,J. (1992) 0srmird"q. l i m 7: o ovmdapriunúiise. Rio dejaneiro: Jorge Zahar Editor, p.99.
'Idem, ibidem, p.101.
'Idem. ibide~n. I
'MiileS ]-A. (2001):'la Nom~du-Père,c'kstceS, qui murpeimetde~abriqucrduse~s, avec de Ia j o u i w c e (.) h Nom-du~Père,enefiet.c'ksf un S,, c'fst~
à-diie cequi aideànndre lirible lks afiaire, paide àrendrelisible Ia jouissancet Pièces détachk ; sepiièmeséanceduCaurs (mscredi 19 iamim ZWI).
Warpuiek E Siie da AMI': Biblioteca do F'arse: ~~.wapal.orglmierpb~m!umariosiiemplak~.arp
<'O nome mmum parece mncerniraoobjeto na medidaem que, com/ele, h i umrentido. Se algoé um nomeprópno. é na medidaem quenáoé o sentidodo
objeto o que lew consigo. mar algo da ordem de uma mara aplicada. de alguma forma, sobre o objeto, suprposia a ele...(...I Colao que náo pode liaum
d c f i n i @ o d o n o m e p d p r i o x n i o n a m e d i d a e m q ~ áodaemissáooominantccomaIg0q~e,emsuanatu~~ara~d,édaa~demdale1~
( ) O que fica (d1 imagem) é algo da ordem daie L ~ u &
T unánooa:medida em que funciona mmo dktintivo e pode, para a ocasiáo, exercer o papo1 &
marca" Lam,J. "Seminário C( - A Identificrgo', Cuno de 20/12/61, inédito.
'hliller,]. A. (2001). Silel. RiodeJaneiro: Jorge Zahar Ed., p.261. 1
pLacui,J. ($966). "&nmanlhdenls: lu &riir.Pans: h i l . p.6.

Dezembro 2007 , 296 Opção Lacaniana no 50


JEAN-PIERRE
&OTZ (BoRD~ox)~pklof&gmail com)

Pior é: em francês - assim como em português - um comparativo ou um superlativo (o


pior) que evoca, com unia discreta fascinação, o que não deveria ser. Imaginá-lo, espei-a-10,
dirigir-se ao pior, é tomar uma perspectiva sobre o in-mundo, mas a panir do mundo. É pôr
em jogo uma orientacão negativa, acentuada a panir do "mal" ao qual se é infalivelmente
remetido, mesmo sem mencioná-lo. O pior remete àquilo que assim suplemenra e àqiiilo que
romperia ao piorá-lo. Este império induzido pode também ser consonante com o <<pai>,.
Houve, uma vez! o Pai Pior, dominicano belga, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 1958,
por sua ação em favor dos xreFugiados>~. Pai e império, pior e refúgio', eis os termos cuja
quadrilha, aqui lançada: não seria mim para unia introduçáo.
No Seminário X I X de Lacan (1971-1972), ainda inédito, estranhamente intitulado *...Ou
pio^,, do pior emerge o "há Um" (Y a cl'l'Un) na medida em que ele é distinto do Um que " e ,
no qual os analistas podem se embaraçar. confundir-se com ele. eS'uspioran do Um os faz crer
que eles o são (do Um), erro fatal para a referência de seu lugar. A seguir, vêm duas citaçóes as
mais conhecidas, datadas de 1973 (em Teleui.~ao,publicado em 1974). Primeiro, falando da
psicoterapia que qualquer que seja ela, produz uma mudanp, não que ela não exerça algum
bein, mas leva ao pior,>2.Depois, na bela e célebre conclusão em foma de dedicatória em que,
depois de colocar que -a interpretação deve estar pronta para satisfazer o entrepréstimo
(enlreprêt), é posro em relevo, por I.acan, o movimento *do que perdura de perda pura ao
que só aposta do pai ao piord. Este deslocamento opera aí a partir do pai, seja o Nome-do-Pai,
seja aquele do qual será dito que 6 e pode também dispensar com a condição de dele se
servim4 (13 de abril de 1976). E bem isso que é feito. A ênfase é posta sobre o pior, mas
servindo-se do pai, para lançar o foguete de uma apostal mantendo-o ligado a sua base de
lançamento. Em direção ao pior. portanto, com um laço no pé, presente no próprio nome-do-
pior, e isso, sobre o fundo de perda pura e dura.
O pior, é preciso, porianto, nem esquecê~lonem omiti-lo em seus planos, senão ele se
lembra cle você, às vezes intempestivo, niesmo assustador, conio algo para se fugir ou para se
ter respeito para nele não se afogar, às vezes elemento de aposta em que se testemunha a
orientação em direção a um real além do pai, mas sem ele.
Em ....Ou pior., Lacan brinca bastante com a alternativa estilo Charybde e Sc~lla,a outra
escolha sendo a relação sexual que não existe, o real com o qual o sujeito tem que lidar. A
escolha é proposta entre dois males, onde um é pior que o outro. b r sua honra em não
ss' ...uspiorar~~,
como ele diz daquilo que tenta fazer, no salto do (na virada da página) fim da

Opçáo Iacaniana no 50 297 Dezeiiibro 2007


O sintoma náo é senão o que o trata, supera, lhe dá um lugar, ou mesmo o substitui, mas sem
acarretar uma mutação tlo real conio tal. Há lugar para acostumar-se a não mais se queixar, sem
que seja para a maior glória de Deus, de seu <<passadofunesto., como de seu futuro pouco
promissor: ou mesmo de retorno ao pioP. Este retorno é o do real, que foi deixado a porta e que
entra .ela .ianela. Tal é o pior ao qual é incessantemente levado quem quer 4erapeutizar o
psíquico^', omitindo que ele nào é (do psíquico) senão sintomaticamente transmitido e assim
abordável. Na experiência analítica há não somente o tratamento, mas tanibém o analista, que
não tem que evitar o pior, mas tomar seu lugar para dali exercer o manejo.

I3m considerações sobre opai, opior e o sitzio~~la


esclarecenz em que este último é a
única via de uma roluçüo. Épossível condtm'r a polilica do pior com a psicanálise:
sob a condiçüo de que esta política passe pela via do sintoma, e que apsical2alise não
se ignore, idealizando-se (despolitizandc-se). Na abertura do Seminário XMais,
aindaJLacan d e i ~ aaparecer que o wocêpriw~eiroufie v o u enprle) dafórmula de
cortesia é o avesso de uni *ijocêpior>oe uotis enpire), menos afuvel Quando se elaia
a oraçüo, a denlanda se apraentando co?~iode puro awlot; o pior não se e.xclui nem
se conjura, se a verlente pacijicante do sinlorna Deum-pai éterea oblitera mirito o
bafio dofindo das caves. hfe5mo que sejam as caves do Vaticano!
Teso traduzido por Ana lucia lutterbdch Holck e revisado por Marcus André Vieira

'Nesia frase o lermo déploretne~zfe uma relerènua à frase an1enor:pcrionnrndtplacées.literaimente cpmruas derlaaiiaie, lraduzido por *refugiados..
Por iso a decisão de sutaiiiuir ~déplacemenrapor refúgio e ã o pela lradujãa literal. -dalocamenio~.
'Laran J. (2003). ''Telwi& In O u l r n ~ ~ ~ i Riol o rde. janeiro: JZE, p.513.
'Idem, ibidem. p.543.
'Lacan J. (2Wi). Le S6zimire Limre.i7lll, /8Sit!Jbome. Paris: Édiiionr du Swil, p.136.
'LacanJ. (2003). ' . o u pior'.Op.cil, ~ ~ 5 1 4 .
L l . m J . (2W1). "Télivirioo". InAulrer&iIS. M: Éditioirrdu~euil,~.jqi.LacanJ. (auril 1977). "CIi~que~chanal)tique".D m i W (91, Lp,
Pans.p.14.
'Laca" J. (avril 1977) Opcil. pl4.

Opyio Iacaniana no 50 Dezembro 2007


DNo capítulo VI1 de 'hálise Terminável e Interminável';, Freud se interroga pelo advento
de novos analistas.
A primeira resposta é que a aptidão de analista,que se adquire na própria análise, é condição
necessária, mas não suficiente.
Essa aptidão só se alcança em um tempo posterior a análise. Pode ter havido análise. No
entanto, isso não implica que alguém adquira essa aptidão.
"Desde esse momento, sabe ser um desperdício. É o que a análise deve ao menos faz&-lo
sentir Se isso não leva ao entusiasnio, bem que pode ter havido análise, mas analista, de
modo algum", nos diz lacani.
Esse tempo posterior, que é quando se decide, com efeito, o advento ou não de um novo
analista, implica a "recomposição" espontânea das alterações do Eu: que só é possível por
uma afetação dos "mecanismos de defesa", porquanto cria um estado inédito na economia
libidinal. Esta "criação original", efeito da análise, não se refere a nenhuma dimensão terapêu-
tica, como o próprio Freud se encarrega de esclarecer.
Os mecanismos de defesa são respostas estereotipadas pela FixaGo no núcleo clo Eu.
Repostas ante o perigo do encontro com a castração e quel por sua vez; constituem uma
modalidade de satisfação.
J.-A.Miller. em seu Curso "Sintoma e Fantasia'' e em "Marginalia de Milão", fundamenta-os
como fantasia.
Sua não afetação tem por conseqüência que alguém ocupando "profissionalmente" o
lugar de analista diiija os tratamentos fazendo um exercício de poder a partir de seus mecanismos
de defesa, e tenha uma posição de "hostilidade e parridarismo" na comunidade analítica: se-
gundo Freud.
Por esre motivo, a "habilitaçáo" estatal do título de psicanalista é aiiti-freudiana.
Devemos, pois, diferenciar os mecanis~osde defesa como fantasia, de métodos de defesa
que dão conta do tipo clínico, da defesa tai como é forrnulacla no último parágrafo do ponto
"C" do Adendo de "Inibição, Sintoma e ~nkústia".Essa é anterior e Fundadora clas instâncias
psíquicas, por isso só pode ser afetada a partir dos objetos voz e olhar.
I
Por outro lado, nas diferentes traduções da obra de Freud nomeia-se a palavra "aptidão"
tanto para a pergunta que Freud formula, &mo para a resposta que dá. "De onde adquiriria
a aptidão ideal...?",o período posterior à análise pode (ou não) outorgar "o analisado apto
a analista".

Dezembi-o 2007 , 300 Opcão Iacaniana no 50


Sem dúvida, no original alemão, Freud utiliza duas palavras distintas.
A primeira palavra é "eignung",substantivo, que se traduz como idoneidade, talento,
dotes; a segunda, "taugIich",adjetivo, que se traduz como capaz, hábil, remete ao que fazer,
a pragmática.
A "aptidãotalento"se aclquire na própria análise; a "aptidácapacidade", no penodo posterioi:
Essa diferença dá todo seu lugar ao problema da fixação e o lugar do analista, no texto
"Conselhos ao Médico sobre o Tratamento Psicanalítico". Estas fixações são o suporte das
respostas estereotipadas chamadas "mecanismo de defesa".
O pai morto desvela a iiiipotência. O proto-pai toma presente o pai gozador.
As duas vertentes de "Torem e Tabu". No primeiro, os meninos se afastam das mulheres
graças ao sentimento inconsciente de culpa, no segundo são expulsos ou "feminizados".
Sabenios que Freud confessa a Kardiner: "Tenho muitas coisas que me desqualificam como
grande analista. Uma delas é que sou muito pai"'.
Este pai não é com o que se encontra em 1904, Frente a Acrópole, com a chamada "cisão da
personalidade", ainda que tente explicar o ir além do pai na linha dos que fracassam ao triun-
far. "Ir além do pai é sua ousada intromissão com a criação da Ricanálise, tal como se revela
nessa carta-presente de aniversário-testemunho, a Roniain Rolland.
Esta experiência de "caráter alucinatório" comove a Realidade Ríquica como aquilo que
enlaça, "só que se estes tlois (simbólico e imaginário) se enlaçam a três com o real, o Norne-
do-Pai não é mais do que um semblante. Pelo contrário, se sem ele tudo se desfaz, é o sintoma
do nó falhon3.
Essa experiência em Atenas implica, além disso, uma desestabilização da resposta estereoti-
pada dos mecanismos de defesa, e de conio se restitui o sentido sob a modalidade tla "argumen-
taçáo teórica" da rivalidade de acordo com os "coinple~os",como diria Freud em "Conselhos ao
Médicos...". Sacrificando a verdade a seMço do princípio do prazer Restitui o pai interditur.
Trata-se aqui de restituir o sentido mediante o que J.A. hliller tem denominado o religioso na
Psicanálise, o "Deus do significante"'.
A argumentação do episódio em Atenas é: talvez, o momento mais patético de salvar o pai
da religiáo como significante mestre, pois revela como esse S, é um produto, e não fundado-
ra. Foi o que Lacan soube ler Por isso chama a Realidade Psíquica de o enlaçamento freudiano.
Sacrifício em oposição ao Tao do Psicanalista que, a partir do "Vazio-intermédio"3permite
que alguém possa circular no que retornou para elei.
A contingência que implica o modelo da função articula, como sublinhava Iaurent, a p k e -
umion (pai-versão) e a variação da verdade, e em seu uso de gozo "conjuga o significante em seu
aspecto de lem e de gozo'". Fsse vazio-médio é o que considero que se presenufica na obra "Seis
personagens em busca de um autoi', não só entre os atores e o público, senão mais radicalmentel
no fundamento mesmo da obra de Pirandello. W-io entre personagens e autor, e entre atores e
personagens.J.-C. Milner descobre uma tese de E Regnault a respeito desta obra: chamando-a de
"personagens de uma obra que não pode existir mais", modo do impossível do teatroí.
Tanto que o filho diz "náo" ao sacrifício, não há tragédia, tal como no Édipo de Sófocles.
Por outro lado, devemos lenibrar a diferença com a versão homérica, que não é sacrificial.

Opção Lacaniana n" 50 301 Dezembro 2007


hiovimento que marca a passagem na antiga Grécia de uma cultura da vergonha a uma cultura
da culpa, a herança clas dívidas comerciais e morais que passam de pai para filho, até que se
estabelece o direito Profano.
O Freud que toma a última versão deÉdipo é o que inventa a Psicanálise na mesma época
em que surge a arquitetura moderna, a música atonal, a pintura não figurativa e o positivismo
lógico, como também o que é confrontado por Otto Weininger, a partir de seu texto "Sexo e
caráter". Texto anti-feminista e anti semita que é tomado pelo fascisnio italiano como modelo
para combater o "judeu-degenerado-feminizante';."Enquanto a Bicanálise não se distancia
seriamente do modo de pensar patriarcal;Weininger parte para a comprovação angustiada de
que na época moderna a feminizaçáo da cultura triunfa e mina os valores masc~linos'~, o que
o fascismo vai se ocupar em re-estabelecer.
Temos em Iacan duas modalidades do iechaGoà cast~açãona civilização. Uma?coricemente
a formulação do discurso capitalista, com0 desmedida. A outra, posterior, correspondente ao
seu últirno ensino, como foraclusão do Nome-do-Pai e seu retorno, no real, como lei de ferro.
Este Nomedo-Pai nãose refere ao Interditor freudiano de sua primeira época. Não é o atinente
i formulação obsessiva da religiáo do Pai. Como disse J:C. Maleval, talvez poderíamos dispor
aqui do conceito de falta de um enlaçamehto borromeano, mas fazendo este esclarecimento:
"não se encontrará nenhum obstáculo para manter a foraclusão do Nome-do-Pai conio estru-
tura da psicose. ainda que sua concepção seja renovadax9.
Trata.se do Pai-Sintoma, o que faz de uma mulher a causa de seu desejoI0. Este Pai está
desencadeado da versão freudiana. Pke-version que articula gozo e desejo. 6 o pai como
aquele que nomeia, conio existência e suas conseqüências. Marca a diferença "entre crer em"
e "crer ai - crer ali". Homeni desejante, sem rodeios, incauto do enigma.
O Pai modelo da função, desejante, nomeando, toma possível um gozo demarcado (aperitivo)
e uma versão de como se arranjar com o Ouro sexo, "faz funcionar a Funçáo abrindo ao Outro"".
É necesshio que qualquer um possa fazer exceção para que a Função de exceção se converta em
modelo. Abrir ao Outro, é o oposto de pretender noniear o ser como ideologia tot;!iitária.
É necessário que os personagens de Pirandello não encontrem autor e que não se feche a
hiância entre personagem e ator. Do contrário, produz-se o triunfo absoluto cla religião dos
filhos sacrificados sob uma norma: Tragédia.
Onde se revela precisamente nesse ponto o "impasse"de Freud, apesarde suas adverténcias
a respeito do advento de novos analistas em 'hálise terminável s interminável"?Em seu texto
posterior, "Esboço da Psicanálise", chamará0 analista de "novo supereu". Do pai ao pior
Diferentemente disto,J.-A.~ i l l e propõ4,
r no que chania de "era pós-paternal", como a via
de sua escapada", o 'cada um' panicularizak pela via própria.
O Passe, segundo Miller em "Marginalia de Milão", implica verificar esse estado original do
sujeito, o que chamarei de ~~tidãc-~apacidLde, A f u n ~ á odos analistas implica sustentar essa
dimensão incauta do querer dizer do sintoda, do crer nele, como "fun@o social da e~cuta"'~,
em um mundo orientado pela religião de feira dos objetos mais-de-gozar e seus complemen-
tos "religiões suavemente terapêuticas". 1
Estas últimas podem apresentar-se de acordo com a transparéncia-avaliadora do Ideal dos
I
Dezembro 2007 i302 Opção Lacaniana no 50
direitos humanos, quando, na verdade, buscam transformar a psicanálise em umgadget do
Panoptico Universal. Não são incautos. Colaboram com as novas tragédias.
Texto traduzido p o r Cristiana Cardoso Pitella de Mallos

'N.7: Tuugliõí:npz,háhil.
'Lacao 1. "Nota Italiana". Oulros Erm'ihl.
IFreud S. ' Cncisejm al médicosobre el iraiamienio picoandiiico". AE TomoXIl
'handiner A.híianuli~isronPmd, Ed. Cuademos de J Morie.
'Miiler].d Conferincia inédiia.
'Millcr].A. Ret:isiri Fnudianu (40). Ed. E ~ u e l aEuropa de Pricoanálisis.
bl.auront É. Sinlomay ivominoción. Ed. Oix
'Idem.
Bhlilner].C.EImUCIdulio>i. Ed. Aluel-Anafora.
9Cari~lloN.ki Rmoción de 10M~)dmo. Yiena de1 900. Ed. Nueva Visión.
'Ylacan]. "KSI". Inédiio.
"MalwalJC. Luhi~tsiondel,Vmhde/Pi?d~c. Ed. Paidm
A m b u r u J. Eldesm de1 mulish. Ed. Hacha.
"hlillerJ-h. Rn~isloFrcudiatrn 41, Ed. h u e l a Euiopeade Pricoanálisis.
"hliller J-.I.Canferencia. Inédiia

Opçáo Lacaniand no 50 Dezembro 2007


Correlacionar perversão e Nome-do-Pai intima a psicanálise a se privar tanto da religião
dominada pelo significante do Nomedo-Pai quanto da penrersão marcada pela infâmia.
Por que Lacan, em seu último ensino, forjou esse termo pai-uwsao decompondo o de
pen~ersão? A esta questão, ele dá muitas respostas em seu Seminário : O sitzthonza, e entre
elas: três chamaram nossa atenção.
- De inicio "perversão não quer dizer uwsüo a o pai - que, em suma, o pai é um sintonia,
ou um sinthoma, como quiserem"'.
- Em seguida: "a pai-versão é a sanção do fato de que Freud fez tudo para ter sobre a
função do pai (...)o amor que se pode qualificar de eterno, dirigir-se ao pai, em nome de que
ele é o encarregado da castração"'.
- Enfim: "... toda sexualidade humana é perversa, se seguimos bem o que Freud disse. Ele
nunca conseguiu conceber a tal sexualidade de outra forma que não fosse perversa ..."'.
Em seu Seminário R.S.I.', Iacan faz do nó borromeo a mostração da pluralidade dos No-
mes do Pai que são o simbólico, o imaginário e o real. Esses Nomes do Pai senrem para nome-
ar qualquer coisa e "é porque se trata do gozar que nós acreditamos nisso", acrescenta Lacan,
precisando que, mais ou menos, o gozar conceme ao falo. Breve, coni essas respostas, pode-
se já entrever as coordenadas do problema.
Inventar com o sinihoma um tipo de s?ntoma que resista tle tal forma que tlo pai, assim
também como da perversão, se possa "prescindir a condição se seMr dele". Com osi,zlhoma,
trata-se de obter de uma análise um resultado diferente de uma imitação religiosa d o incons-
ciente sustentada por uma crença perversade sua fantasia.
Como, no término de um tratamento analítico, chegar a um sintoma tal que ele não seja
desmentido pelo real ou nutrido eternamente pelo simbólico ou velado pelo imaginário?
É uma questão cmcial para a psicanálise, e a qual Lacan responde, entào, coni isto que ele
chama osinthoma. Para destacar a dimensãb do real dosinlhoma - o real de seu gozo - Lacan
situa seu questionamento no próprio nívelido que se nomeia: o inominável. Ele recorre, en-
tão, ao Nome-do-Pai como nomeando um Aro, um Noniedo-Pai que, se ele se refere a Deus,
é um Deus que não tem ser, mas que ex-sisie a um furo e não a uma falta.
Fornecer o ser ao pai, é o que a invenCãddosimhomcr evita, para não cair nem no culto do
pai, nem na idolatria da perversão. O perverko, como o disse Lacan eni seuSeminário "De um
Outro ao outro", é um seividor de Deus, ele dá a César o que é tle César. Por isto, o perverso
I
Dezembro 2007 304 Opção Lacaniana no 50
referencia o instante em que se separa o corpo de seu gozo, a fim de enviar ao Outro o que ele
cré que ele perdeu. Este tipo de devoção ao Outro, querer, ao mesmo tempo, apoderar-se do
que ele perdeu para restituir-lhe, consagra o perverso a uma atividade incansável, pois ele
quer completar o Outro não se dando conta de sua inconsistência estrutural, o objeto a que
acossa o perverso como a alma de seu parceiro, não sendo elemento mas parte do Outro. O
perverso "falha, portanto, em sua tarefa"; como precisa lacan.
É necessário, portanto, que o sinthoma como resto de uma análise ex-sista, senão: a que
se identificaria?Correlacionar perversão e Nomedo-Pai, destacando a perversão da vontade
de gozo que a anima, é designar a perversão como comum ou generalizada tal como ela se
exercita pela pulsão parcial constante, acéfala e sempre eni operação nosinthonza, no qual
ela é acontecimento do corpo.
Por que Lacan pôde sustentar que Freud não pode conceber a sexualidade de outra
forma que não fosse perversa? A maneira com a qual Lacan situa A mulher e Deus no regis-
tro da inconsistência do Outro e de um amor que se endereça ao real traz, parece, um
semblante de resposta.
Face ao horror da castração feminina, Freud soube referenciar a clivagem do eu ligada ao
desmentido da castração, tanto no penrerso como no neurótico, mas ele náo foi além, daí a
obstinaçáo sobre o osso da castraçáo da qual ele faz bandeira eni 'hálise finita e infinita".
O sinthoma, que é aquele dofalasser, ou seja, de um sujeito que goza de um corpo com a
obstinação da não relação sexual, propõe uma realidade psíquica diferente da religiosa ou
perversa, uma realidade inédita que não provéni nem do ideal nem da obscenidade, mas que
permite um gozo compatível com o vivente.
Para apreender o cacife tlo sin/homa do ponto de vista da pai-versáo, pode-se colocar em
perspectiva o que o sinthoma traz de esclarecimento no que diz respeito a perversão tal
como a concebe a teologia ou a literatura que do mal faz, frequenteniente, seu pasto.
Deve-se a Santo Agostinho ter inventado a noçáo deperuersio6para designar, na criatura,
a imitação perversa de Deus, ou seja, o pecado original que empurra a vontade má a girar
sobre ela mesma em lugar de virar em direçio a Deus. Esta vontacle de gozo desvia-sede Deus
para se transpor em direção às coisas sensíveis, e Santo Agostinho já a batizou com o nome de
libido, pois ela se exercita na obra da carne. Aqui, escreve o bispo de Hippone, "a alma escor-
rega em direção ao menos que ela toma por mais"'.
Para sair deste inferno e para ser salvo, a alma náo tem outro recurso a esperar senão a
graça que só depende da boa vontade de Deus. Quanro a literatura, ela compairilha tanto a
euploração privilegiada das possibilidades existenciais, que é a experiência perversa, quanto
não se choca, pelo menos frontalmente, com o limite corporal da dor e do prazer. O que a
leva, algumas vezes a bordejar o abismo dos escritos místicos. A este respeito, escritores tais
como G. Baraille, P Klossowski, Al. Jouhandeau, nos deixaram documentos tanto mais precio-
sos quanto sáo raros os perversos que se arriscam a empreender uma psicanálise. Quanto a
literatura psicanalítica que conceme a perversão, pode-se resumi-la assim: Se um perverso
vem ver um analista: é porque ele se enganou de porta, se ele volta é porque ele não era
perverso, se ele persiste a vir é para perverter o analista.

Opçio iacaniana no 50 305 Dezembro 2007


Na perspectiva do sinthoma, a não ser que ele tenha feito "perversão de sua religião e
religião de sua perversão", fazendo dele uni "per verso perfeito'' como se vangloriava
Jouhandeau, pode ser que um sujeito pe,wersoencontre seu lugar defalasser sobre um divá.
Terlo traduzido por Celso Rennó Lima.

'Lacan J. (2001). &%ninoire, iirireZ3, Icsinlborne (p. 19). Par&: Seuil.


'Idem, ibid (p. 1%).
!Idem, ibid. (p. 1531,
L
' am ].ieSéminaire:liure22, R.SI inédito. ligãnde li demarpde 1975.
'Idcni, ibid
<SaintAiigu%lin.(1994). la CilédeDeri. Xli: 13.2, Paris: Seuil, cnll. Sagms. (Tradugin de L. hloreau)
Saint Augustin. I r Trinilé, X, 5.7, tmd. P A g a b .

Dezembro 2007 Opção lacaniana no50


JO ATIZÉ (PARIS) ~uttieQwanudoofr)
O prudo: esse diuã que a natureul nos prepara.
Francis Ponge

Éna medida e171 que o discum do mm.e einu que o Sz se divide.A diuixic da qualse nutu e ayirela
do símbolo e do si>~tomaEM diiiisüo é, scpxhna~dizerm'm, reJetidapela d i m o do sujeifoifo2
Jucques k c a n

Deixando de lado a questão de saber como o analisando lida com sua divisão, essa herança
do Nomedo-Pai, voltaremos nossa atenção para a maneira como o poeta lida com esse símbolo
e esse sintoma.
Tal é efetivamente a interrogaçáo de Lacan: "em que o artifício pode visar expressamente o
que se apresenta de início como sintoma? Em que aarte, o arcesanaro,pode driblar (déjouer),
se podemos dizer assim, o que se inipóe do sintoma? A saber, a verdadeY4 (grifo meu).
Em que, então, a arte dribla a \:erdade do sintoma? Notemos que déjouer (driblar) é um
deri\:ado de jouer (jogar). Ele vem do latim jocus: jeu (logo) que, no francês arcaico, deu
origem ajongler (jogar)' ejongleur (saltimbanco), assim comojo~~au (ióia), que reencontra-
mos em inglês e em alemão íjewel,juwel). Pode-se dizer jogar com sua jóia? Com seu falo?
Aliás, a etimologia sublinha se dejuer: se réjouir (regozijar-se),se distraire (distrair-se).""
Dizer "gozar de seu sintoma" iá decorre de nossa d a w psicanalítica. Mas dizer s'en réjouir
(regozijar-se com), s'en di.~traire(distrair-se com),joua avec (jogar com), le déjouer (dribrá-lo),
abre uma perspectiva completamente diferente. Com uma única palavra, "déjouei' (driblar);
Lacan nos instala em uma lógica compleramence diferente daquela do analisando.
Vamos ver então como o poeta sabe jogar e driblar o sintoma a partir da questso do Nome-do-
Pai, nos apoiando, para tanto, em Francis Ponge: antes de estender a problemática a outros poetas.

O poeta e seu pai

Francis Ponge (1899-1988) tinha vinte e quatro anos quando perdeu seu pai eni 1973. A
figura do pai dominará por muito tempo sua obra. No mês seguinte a esse faleciniento, ele
escreve um poema, Lu fatnille du sage, que constitui um Túmulo para seu pai.

O p ~ ã oIacaniana no 50 307 Dezembro 2007


Ao barulho de u m Jonte de noite 6 . ) -Pai - u m dia tr~apresença nosfoi UzrQ.'

Ele considera esse poema unia dedicatória de toda a sua obra a seu pai8que foi entáo fonte
e tronco. Somos, assim, de entrada instalados em uma metáfora paterna.
Eni 1929, escreve dois outros "Túmulos" para ele. Le Monument inicialmente e , depois,
uma versão mais primitiva desse mesniopoema, A mon père déchamé9, de sessenta e três
versos. Esse titulo merece por si só toda a nossa atenção. Não são mais "a fonte", "o troncox
ou "o nionumento" que fazem metáfora do pai morro, mas a descrição do cadáver transforma-
do em esqueleto:

o corpo
Conrioca os verinespam a sua arrumação
Miirctrlo por nr.úsculo. tudo cede se difunde em lanua
C..]
Os o m s de.va1iado.v se instalam em sua cai.u."
I
Essa descrição, que teria podido provocar horror, faz o filho dizer:

Poso reahrir os olhos diante de tua transJormaçüo


Que não me choca em nada -por mais completa que st$~"

Esse Túmulo leva o poeta a descobrir sua própria arte poética, e faz o pai dizer:

Meti filho:
Épreciso vingar as palavras de ilegitimo abuso.
iMtrda a vorltade o nome de tudo o que te irrita
Aceila a 7zutureza, - ou melhor a yecite ..."

O filho permanecerá fiel a esse conselho. Ele tomará "o partido das coisas", "esse mundo
mudo" ao qual dará a palavra, "levando em conta as palavras". Ele falará "do cascalho", "do
camario", "do sabão", "do figo seco", "do brado", "do sol" etc.
Entre todos os seus poemas, destaca-se "Pour un Malherbe': escrito entre 1951.1957, no
qual esse último" a5sume a verdadeira figura do pai mono.
I
O que se deve dizer que Q qtrase o escritor mais eminente de nossa Literatura. Que dela
l
ele é o Pui, o tronco." i
I

Assini, nesse escritor quase esquecido, !ele encontra o modelo por excelencia, quite para
fazer dele um objeto desse mundo mudo. IMalherbe toma-se de fato uni dicionário: "6 uma
máquina. É o dicionário francês em condiçóes de funci~namento"'~. Um Nome-do-Pai pronto
para Funcionar. I
II
Dezembi-o 2007 Opção lacaniana n" 50
i 308
A fúria da expressão visa esvaziar todo objeto para nomear uma falta que está no ceme
desse turbilhão linguageiro.
1linguagem não passa de um "ornixo" (or17ure)~"',nos diz lacan. Um ornamento deste
objeto lixo. É o que melhor resume "prescindir" e "servir-se" do Nome-do-Pai. De fato: saber
servir-se dele, quer dizer literalniente prescindir dele.
"O poeta é corroído por versosz2",nota Lacan. Não se pode falar melhor de Ponge e de
sua Fábrica.
"O objogo", "O objóia", "Isso que funciona sozinho", é uma estrutura, um conjunto
métaforo-metonímico, uma fábrica de objetos a . E, uma vez que se acede a ele, produz-se
então "uma espécie de tra~mutação.'~"É um gozo possível e permitido, um mais-de-gozar.

Há ali uina espécie de inoral que co~rsisteem declarar que é preciso que um orgasmo
seproduza e que este orgasmo só se produzpela espécie de coiifisao e deproclamação
de que eu não sou o que sou, que há uma espécie de tarrtologia."

O orgasmo ocorre entre as palavras das qudis se encontrou os nomes.

Poética
Cingir e girar em torno do ponto que não cessa é o fato de toda poética.
Para Mallarmé, uata-se de nomear, de remunerar a falta que existe na língua?"dando um senti-
do mais puro & palavras da t n b ~ "Pelo
~ ~ viés
. da fonia. Trata-se, em suma, de sair do utilitário e do
jornalístico da linguagem para aceder a um gozo gratuito 'Abolido bibelô de inanidade sonon".
Já Yves Bonnefoy marc:! o limite que ele não poderia ultrapassar. É Le Leuwc du seuiP6, do
qual se faz tolo para aceder a esteilm'èrepa~~?'em que encontra o repouso da e\:iclência.
A poesia cortês tenta dizer este inacessível, que é a Dama do amor.
Há, a cada vez, a busca de fazer cessar essa falta que não cessa de não se escrever É o que
fundamenta em Francis Ponge esta "fúria da expressão" que passa de um objeto a outro.

O analista - o poeWR.
O analisando se inscreve, a partir de um Si que o divide, no discurso analítico: (a- $)
em nome do amor que o leva ao saber.
Já o poeta é levado pelo "amor das palavras". Através do qual vela "a não relação sexual".
Pelo uso das palavras, ele não cessa de querer conjugar Si e S2 para produzir um pequenoa. O
materna de seu discurso poderia ser então: (S -a). Ele se encontra dividido pelo objeto
que produziu e não pelo significante. "Um ouro agoniza", nos diz hfallarmé para falar do pór-
do-sol. "O olho da grama", anota Ponge, para nomear o orvalho e nos fazer lembrar "essa
tempestade inicial" pela qual tudo começou.
Disso decorre o peso, a lentidão, a estagnação do discurso do primeiro e a leveza daquele
do segundo, que pode prescindir do Nome-do-Pai para servir-se dele.

Opyão Lacaniana no 50 311 Dezenibro 2007


É possível falar de uma poétics do anaiista?Ade Lacan, em todo caso, é fundatlientada em
sua invenção do objeto pequenoa.
Há, evidentemente, um cruzamento :entre essas duas práticas, uma vez que ambas são
práticas da letra. Tudo isso opera em nome de uma libido tomada objeto que interroga, traça,
caminha e perpetua.
TaTo traduzido por Elisa Monteiro e rwisado p~r\~eiera~vellar
Ribeiro

'A fórmula é de C. Hraque. Citado por hoge. E Obrnsrnnpklas, Bibliothèqiiede Ia Pléiade, tomo 2; p. 657.
'NT No original:pré Cf LeRober1,préé tanto um subrtaniivo,prairie irado, campo). como o preko latinopré, que marca aaurmoridade no tempo
Optamos porprodt já que aqui o po& faz referència a natureza
.
zLacan. I.(20M).Lcséminaire, liim,l?iil L#siiIborr~e.Puis: Seuil. Tato estabeleudn nor .1.9. hliller 023. .
N
' T No original: déjmm. Segiindo Ia Roberl d@irer tem o senlido deJmsirn: defumfrnrussar (por exemplo, um camplô), deron/undir (p. e., os
planos de um adversário). Ci o Lurorsse: significa Iiidibriar, engpar, desconcertar, driblar Oplamos pordriblor.
'lbidem. p 22.
'NT. Ci Lc Hobn1,jon~ksigniiirrvano franck arcaico jogar ou seli. i a n w no ar váriasbolas ou outros objetos que se raehia e se lanjar-a alternaliua~
meuk, cruwdo sue\ lrajetáriai. asrim a m o o ciou'ti que rdizava esse malabaAmo.
6Dicionárioliésor de 10 lon,y,e/ron$aise.
'NT No orig:Au 5 w i I dúnesoiirce de n u i l U - Pbe- unjour la,préseircenousfil.
Cabe dimque lut (hi), pretérito perleito doarbo gire (se0.é homófonode 1Ut (fuste), tronco sem ramas, possibilitando um iogodepaiai,ras i m p i k e l de
reproduzir em porluguk. usado pelo peta e apontado por Attié em seguida.
bEntrevistasde Francis hnge com Philippe SoUen, Ed. Gallimard-Seuil, 1970, p. 66.
'Publicado na revistaia Licom, no número sobre Le ionrb~aupoéliqueera Frnnce 1994-91, UFR Langua LiUératurer Poilien.
'VT.LeiorpsiConque k s ~inspoursono v n , i ~ e e i s c k Ukuscle lo~iicèdedser4urideir boue
( . . . ) i LB os dkalliés s'&i el nl a ieur boite.
"NTJepei~z mr<i.~irler yeur sur 10 IronsfonnnlionlQrri ne me choqirepoinl s i an@l@lesoil-elie.
' hT Monfii,c:i l i / m t ~mgm
% des mols iilligi!inrc abus.. . I Cbong~à piaisir le aonr de !ou/ ce q u i l i r r i l e l Appmur.~in ,ialiire, ou plulól Ia
récite.. .
"Ponge lez aiis estudos secundários no liceu Maiherk de Caen.
"Pouge. E (1956) Porir rin Aíolberbe PPans: Callimard, p. 87Qu'ul-ceò dire. guec>~Isinpnrprés~écri~ioin bpl~~simidiru5ledenolreLillPra/ure.
Que c'mesl iePère. leirma
'515idem, p.164.
'"C, Ponge, E (2002). Eut.ve Cmrplèle,tomo2. Bibliothèque de IaPléiade.p.309. Lu i ~ ~ l O ? / c t i e m m p i ~ / s p aLus .beuulélje rieco~nprmdsps... (.i
<iu/ndw donlje m 'ompe, re a 'esi q u de h tnori
"lbidem, tomo I,pp. 337-445.
"Milner, J-C.(1978). L 'ornourde h hzgue. Paris: ILd du Seuil, p.38.
"Ponge, Francis. O C., tomo 1, p.488.
nPa~ge,F O C, tomo2, p. 460. En somme. pour pmxnirà tine pariaiti (5 lu pius palaire horizontalilel rous y arrioz debout. puis voiis y croisez Ia é$a
obliqua pour p m i r - enfio - à Ia pliu parfaite horizonlalité (dessus d'abord par Ia soins de vote ennemi) puir (par Ia soins de vos amis) dasous ".
"Lacan, J. Lekminaire, I i i r e n I I : K S I.Inédito. Cf Oniiur?(3), p.IW.
nNT.!'de lembm aqui a homoloni~entre vers (venies) e r w s (vem).
"Enirelimu, o/,. Gil, p.190.
"lbid. 0.190. I
'rlliunie i i e p r t i r li. Hin. : . c . ~ ra I, i., .de Tr,: eiab i 1,pni H \'.r:iai :or I li?.
:-I,,O:I!~,, \ t ~ q - i MPKL,, .!rru~e
" ~ o n n e l o i(1972).
~ Alberl Skirad. Colegãoksanticn dela créltiod.
"Di Claaia, A (laneiro de 2004). *PEychanalp et poésib. ReiislaQu+io (M-81)

Opção Iacaniana no 50
JORGE YUNIS
(SANTAFÉ) (~rgqyunisQarnet.corn.ar)

Parece óbvio que a pós-modernidade suceda a modernidade, porém não é bem assim.
Como Silvio Maresca desenvolve muito bem em um excelente trahalho', tomar as coisas
deste modo é permanecer "(...) presos no horizonte da modernidade".
Esta diferenciação, ponanto, se recusa a uma delimitação clara e taxativa. Há inúmeras
rupturas, contrarnarchas, avanços que, precisamente, só podem ser delineados colocando
uma em correlato com a outra.
O corte produzido pela ciência moderna: com todas as conseqüências que dai advêm, que
tem como parâmetros fundamentais a homogeneização do espaço do universo - já que náo
há hierarquias: ontológicas - , sua infinitude, a mathesis utziversalis, o cogito e>go sunz carte-
siano e o nihit est sine ratione de Leihniz podem nos servir esquematicamente para situar os
passos inaugurais do que hoje chamamos de modernidade.
O mesmo não acontece com relação a pós-modemidade, já que, como dizíamos antes, é
impossível situar com nitidez o contorno do seu surgimento.
Ainda assim: o próprio titulo deste trabalho delimita o alcance deste tema: de que maneira
correlacionar a pós-modemidade as vicissirudes ocorrida? ao Nome-do-Pai?
Tomarei em consideraçáo, então! alguns aspectos que permitam colocar em conjunção os
dois termos que assim figuram no titulo.
Sabemos que a partir daquele momento inaugural, os enormes ganhos da ciência e da técnica
têm tido como corolário, algumas vezes, ou vêm acompanhando, em outros momentos,
profundas modificações nas relações econômicas; sociais, políticas, de poder etc.
Isto tem propiciado certos paradoxos que nos permitem pensar que já não estamos den-
tro do mesmo território daquela modernidade; o que Jacques Lacan soube formular na trans-
formação do Discurso do Mestre para o Discurso Capitalista.
Quais são esses paradoxos, contradições, mudanças de paradigmas que permitem falar de
pós-modernidade?
Abordarei só um pequeno número deles, com a Finalidade de tomar este trabalho mais
compreensível.
a) A modernidade se caracteriza por um humanismo declarado, explícito.
Hoje, depois da superaçáo da modernidade, esse humanismo alardeado - e apostenon'
estéril, como foi demonstrado pelas duas grandes guerras, os holocaustos e os inumeráveis
acontecimentos da época - tem perdido o seu estrelado: - agora a humanidade é a protegida
- todos -com o correlato efeito de dessubjetivação dos indjvíduos q u e a iompóem.

Opção Lacaniana no 50 313 Dezembro 2007


A quantificação, também alardeada e puramente estéril, não deixa de exercer sua nefasta
tarefa: -a defesa de todos tem apagado o, âmbito do que compete ao singular.
b) O princípio da igualdade, o "todosliguais" da democracia é outro parâmetro que rem
sido exacerbado. Isto é solidário com desvalorização da autoridade, que veni sendo substitu-
ída pelo uso da força ou de sua ameaça.
c) O declinio dos valores tradicionais da modemidade, a queda dos ideais, o desapareci-
mento das grandes histórias de vida, não têm se produzido sem as devidas conseqüências nos
indivíduos que compõem o todo: -uma instalação cada vez maior das identificações imaginá-
rias, que sabemos que estio sustentadas pela exigência das pulsões, isto é, o gozo. Há ainda
algo mais, mencionado porJacques lacan desde seus primeiros trabalhos: -os concomitantes
fenômenos segregativos.
d) Embém se verifica uma desvalorização dos chamados sujeitos sociais históricos, o que
deve ser agregado à crise nas formas da política e do político relativos a socieckide do traba-
lho, a educação, à saúde pública e a um amplo etc referido ao cultural: estilos de vida, formas
de consumo, laços sociais, estética, arquitetura...
e) Por fim, um breve comentário, atualmente evidente, acerca da verdade científica e seu
legado: - o imperativo de saber sempre mais, por um lado, e, por outro lado, a supressão do
sujeito, e além disso, a aniquilação dos semblantes.
Não é difícil extrair de tudo isso que foi dito as repercussões acerca do que tem advindo
como ocaso do Nome-do-Pai,o semblante por excelência constituinte do sujeito.
Podemos considerar. então, a partir de uma perspectiva psicanalítica, que este ocaso ou
declínio é um cios nomes da pós-niodernidade.
Tomando em perspectiva o que foi desen\~olvidono percurso do seu ensino, poderianios
dizer que Jacques Lacan concebeu o Nome-do-Pai como o operador que permite inscrever o
ser falante nos discursos. Isto já foi esbdçado em uni dos seus primeiros escritos: "(...) o
significante que no Outro, como lugar do Lignificanre, é o significante do Outro na condição
de lugar da lei"'. Isto é, a lei do discurso, (Irecisamente o oposto ao discurso sem lei, que é o
Discurso Capitalista. ;
Assim, esse declínio do qual falamos, é um desaparecimento? Unia omissão, ou uma
negativização?
A hipótese central deste trabalho é que se trata de unia negativização, mais precisamente,
conforme o modo das magnitudes negativas da reflexáo kantiana, no sentido do que Kant
denomina real contraposi@o, isto é' não q mero desaparecimento, mas uma função que per-
siste, operando como algo que em si mesmo é realmente positivo.
I
Para dar conta disto, bastaria fazermos uso das fórmulas da sexuaçào apresentadas por
Lacan em Mais,ainda e eni "L'Étourdit", ohde poderia ser demonstrado que negativiando o
I ..
que representa a Função paterna, isto é, negativizando o "há pelo menos um que não se ins-
I
creve na função fálica", tenamos uma mudança substancial do que está inscrito em ambos os
lados das fórmulas.
Sem entrar em detalhes, posso mencionar algumas destas conseqüências **:
. - O ,tende a desaparecer; de qualquer dodo, é um sujeito amarrado a um autismo de gozo.
I
Dezembro 2007 1 314 Opção Iacaniana no 50
-O coletivo se dispersa em um "todos iguais desvinculados".
.O 6, separado da referência fálica, como também da fórmula da fantasia, faz cotii que o
a como imposição de gozo assuma o comando.
- Do lado masculino há um crescente grau de desvirilização e, correlato a este, há uma
tendència a fazer consistir .4 Mulher como universal.
-Do lado feminino, partindo da hipótese da suspensão do 8,já não haverá a sustentaçào
que a fantasia masculina promove para ela, ficando o a do seu lado como uma pura
inércia de gozo e; no má..imo, localizando este a na maternidade.

Em síntese: se levamos em conta a desagregação dos laços sociais e o que foi colocado por
Jacques Lacan no Seminário: "O saber do psicanalista" - inédito - de que todo discurso que
tem aproximações com o capitalismo deixa de lado as coisas do amor; e se consideramos
também o exposto no Seminário: Os quatro conceitosfu?zdumentais dup.ecu?uílise, no qual
ele diz que "(...) todo refúgio onde possa se instituir uma relação vivível, temperada de um
sexo com o outro, requer a intervenção dessa mediação que é a metáfora paterna(...)'", então
não é demasiado considerar que estamos atravessando uni momento muito particular da civi-
lização, em que o imperativo de gozo brilha em seu esplendor.
Diante desta perspectiva e seni a firme7a do Discurso do Mestre como avesso - onde a
regulamentação advém das leis do mercado - defrontamo-nos com o desafio de situar a psica-
nálise a altura da sua época.
Há um resto de voz que não consente com as armadilhas do mal-estar atual e que deve
tomar a palavra para tentar encontrar o que fazer com esse irredutivel próprio da época. Esta
é a política da psicanálise, indicar, marcar o real em jogo e operar sobre as sementias CIO gozo.
Entao, o que se espera da psicanálise? Nem a reivindicação infecunda do já perdido, nem a
posição de manter-se acima das circunstâncias, como tantas vezes é proferido como critica
desde outras orientações, mas, no melhor dos casos, poder estar por cima de si mesma.
Teno traduzido por Marta Inês Restrepo e revisado por lêda Guiniaries

. .
31acan.J. (1986). h CURI~U ionce~/us/undo~netrlu~esdel~si&tió~isis. ~ u i n o sAim: Edilorial Paidh. p. 283/284.
(**) Estas conclusóa, extraídas de outro trabalho, são impossíveis de daenvolrer aqui; mas. pndcmm dizer que há nestas lormulas da sexuagao umd
aniecipaFo que permiierislumbrar a rcahsorçioe o dalcana dat prolundat miidanp ssucitadas iiadécadas posterioros i sua formulagáa. mudanças que
hoje ultrapassam em muito as coiiseqüCncia que poderiamser previstas há al~unsanos. mis que. efeiirameiite, iá eslão ali presenta.
Lacan não fez lingüística e sim dingü,isteria.', segundo ele mesmo confessou. Cabe ao
psicanalista, quando faz uso da linguística, interrogar-se sobre o .que é que da fundação do
sujeito, deriva da definiqão de linguagem.?. Entre os obstáculos a este uso encontrados na
lingüística puramente saussureana, lacanressalta o esquema do duplo fluxd, cujo princípio
de segmentação continua fluido e , sobretudo, não resolve a questão da relação do significado
com o significante, que parece #sempre fluida, sempre pronta a se desfazer.. iacan elabora
uma resposta original com base na psicanálise: o ponto de basta, ou seja, o nó que detém o
deslizamento do significado sob o signific'ante.
Servindo-se desse termo de estofador,que designa o enodamento do fio que - passando
através do estofado - nos indica que em um ponto (um significante) do sistema da linguagem
outros significantes convergem e se entrecruzam, constituindo o grampo no qual *vêm enla-
çar-se o significante e o significado*.Ele designa assim o elemento a partir do qual se organiza
o discurso, <oponto de convergência que permite situar retroativamente e prospectivamente
tudo que se passa no discurso,,?
O grafo do desejo, na sua forma mais elementar5,pode ser tomado como uma representaç2o
do ponto de basta. A noção aparece ai solidária do movimento de retroação significante, se-
gundo o qual a significaçao só se produz no só-depois do fechamento da frase. O esquema
atesta que o ponto de basta se realiza intei,ramente na ordem significante6.
A convergência dos significantes em um de seus pontos supóe a estmtura sincrónica da
linguagemi. A invenção do ponto de basta, por Lacan, deduz-se: portanto, das exigências
inerentes ao sistema de linguagem que r4clama (diferentemente da língua) uma função de
auto-fechamento. Estas são, então, necessidades puramente formais que conduzirão Lacan a
fazer do Nome-do-Pai o ponto de basta maior da ordem simbólica. Nenhuma dimensão
ontológica prevalece na defini~ãoda função do pai: o Nome-do-Pai é um instrumento. Este
será a main streattt da clínica forjada por iacan e inaugurada no seu Seminário: As Psicoses.
Esse Seminário tem um objetivo preciso: cdnstruir um conceito de psicose (no singular) a fim
de ordenar a multiplicidade de formas clínicasI das psicoses, tio bem repenoriadas no campo
da psiquiatria. A psicose no singular é a pSicose lacaniana, cuja fonnaprhceps é, através da
construção sistematizada de uma metáfora delirante, a paranóia do presidente Schreber Para
estabelecer isso, Lacan extrai da foraclusào do significante da Lei (o Nome- do
Pai) no Outro do significante Ólica). Aquilo que se apresenta no discurso como
massa flutuante de a partir do ponto de basta. Este é definido como

Dezembro 2007 ( 316 Opção lacaniana no 50


um operador lógico de enodamento: que inscreve o efeito do Nome-do-Pai na organização
àgnificante do sujeito - ele sustenta a ordem significante, ele inscreve o significante da Lei na
linguagem. A distinção: psicose, de um lado, e neurose-pewersão, de outro, se constrói a partir
da presença ou da ausência desse significante da Lei. O Nome-do-Pai está, seja presente, seja
ausente. Entre os dois, nada de terceiro t e m o - não há border-line. Essa conscmçáo esuutud
da clínica constitui a base da doxa lacaniana. Ela se funda sobre uma lógica das classes e da
descontinuidade -não há passagem, nem gradação entre as classes, somente ruptura.
Entretanto, ao final do seu ensino, a partir dos anos 70, Lacan introduz outras referências.
A esse respeito, a Conuersation d'ArcachonRsobre os inclassificáveis da clínica, que aconteceu
em 1997, é uma ferramenta preciosa elaborada no âmbito de uma con\~ersaçãoclínica das
Seções Clínicas do Campo Freudiano. Segundo a Iógica descontinuísta que preside a clínica
do Serninario 3, o princípio de uma clínica diferencial das neuroses e das psicoses pode se
formular como <<pontode basta, sim ou não*.
O ensino de Lacan, no entantol não se limita a essa consideração. Ele diz mais, como
Jacques-Alain Miller o sublinha: +<Domesmo modo que nós generalizamos a foraclusão, é
preciso generalizar o Nome-do-Pai. Este movimento está presente no ensino de Iacan. %I
como eu o insiro aqui, o ponto de basta generaliza o Nome-do-Pai. Mas é uma abreviação: o
ponto de basta do qual se trata é menos um elemento do que um sistema, um enodamento,
um aparelho fazendo ponto de basta, Se o ponto de basta é um sistema, a oposição
pertinente não é mais .ponto de basta, sim ou não..
Tal obsen~açãoé possível se, e somente se acionamos uma Iógica da continuidade - quer
dizer, uma formalização da clínica estensii~ele modificável, sem ruptura, onde não é mais a
classe que prima. Trata-se de uma Iógica do mais ou menos - da gradação. Entre o ponto de
basta que concebe a realidade do sujeito enodando os significantes e os significados, e sua
ausência que produz os efeitos de neblina, de indistinção, de defeito de conceituação, há
justamente uma continuidade, passagens, uma gradação - em todo caso - a estudar Esta
clínica, que convoca o nó borromeano dos registros real, simbólico e imaginário, coloca de
outro modo o estatuto do sintoma. Se o enodamento de três registros que assegura a estabi-
lidade da base subjetiva pode sustentar-se sem o apoio do Nome-do-Pai, então é preciso
deduzir disso, nos diz Jacques-Alain Miller: uma equivaléncia2 = NP: ,<Estafórmula é um prin-
cípio cardinal da clínica borrorneana. Que o nó seja de três ou de quatro aros, estes não
passam d e maneiras d e aparelhar a equivalência sintoma-Nome-do-Pai. Digamos que um
sintoma tem função de Nome-do-Pai..''
A clínica dos nós ultrapassa a oposição presença-auséncia para estudar a multiplicidade de
nós. Como então conceber o ponto de basta? Ele se apresenta sob duas formas principais: o
Nome-do-Pai para a Iógica descontinuísta, o sintoma na abordagem continuísta. No primeiro
caso, o ponto de basta é um traço dbtintivo pertinente, PDB, sim ou nào, no segundo ele é
aparelho. Isto supõe definir esta aparelhagem:

Eu d@oaparelho. Nóspodenlosfazer dele um conceito capital. O aparelho do sintoma


assegura a articulação entre u n u operação signzficante e suas conseqüências sobre o

Opção Lacaniana no 50 317 Dezembro 2007


gozo do sujeito. 6.)Penso que épreciso, obrigatonamazte, recuperar a conezcio
significante-gozo. e é o que o conceito de aparelho do sintoma permite."

Essas observações de Jacques-Alain Miller são congmentes com a dupla articulação entre
significante e gozo da qual iacan fala no início de seu Seminário:Encore. O significante diz: alto
lá! ao gozo, ele o delimita, ele o exclui e o l o p h como interdito. É a tese explícita doSeninúno3.
Pela construção de sua metáfora delirante, logo, pelos jogos ordenados do significante, ogozo
que invadia o pensamento e o corpo de Schereberse pacifica. Mas, significante, igualmente, causa
o gozo. Essa tese: impensável nos desenvolvimentos do Seminário 3, interroga os efeitos do
significante sobre e no corpo - efeitos de gozo, justamente.
Essa mudança de perspectiva não invalida, entretanto?a descontinuidade estmtural neu-
rose-psicose, mas, impõe uma consideração sobre a diversidade de enodamentos no inrerior
do campo das psicoses. Se o ponto de basta está presente nas neuroses, bem como nas psicoses,
sua estrutura, sob o modo de *não-NDP,, é, sem dúvida, muito ~omplexa'~,e foi disso que
Jacques Lacan tentou dar conta pela referência ao nó borromeano. No Seminário:LeSinthomeL3,
ele desenvolve esta questão clínica a propósito do caso de Joyce. Ele se coloca a questáo:
Joyce era louco? E examina comoJoyce pôde manter-se ao abrigo de uma psicose desencadeada
sem a tutela da metáfora paterna. Com efeito, Joyce lidava especialmente com o que iacan
chamava de *carência paterna.. Ele precisava compensar um erro Jacan o nomeia *faltas - -

de enodamento das três consisrências: real, simbólico e imaginário. Nesse nó, o imaginário
não se encontra ligado aos dois outros registros, real e simbólico, que se encontram, aí, soli-
dários um do outro.
Lacan identifica precisamente esse ponto na relação muito estranha de Jopce com a ima-
gem do corpo, quando ele narra a experiência de uma espécie de deixar cair do corpo após a
famosa cena da surra relatada em ORetrato: o círculo do imaginário desliza,Joyce experimenta
a fuga de seu corpo como uma pelagem. Lacan faz a hipótese de que a começão desse e n o de
enodamento se efetua por meio do ego como corretor da relação faltante, ou seja, o que:
no caso de Joyce, não enlaça borromeanamente o imaginário coni o que, do real e do incons-
ciente, faz cadeia1%.
iacan ressalta, assim, em Joyce, uma forte Urbild do eu, de que a vontade de tomar célebre
seu nome próprio é testemunha, a ser distinguida da imagem do corpo. O fato de que, em
Jopce, a idéia de si não seja suportada pelo corpo como imagem, assinala que existe nele uma
função muito particular, reparadora desse ego.
A inversão de perspectiva operada por iacan no que conceme a articulação ponto de
bastarnome-do-Pai conduz a repensar a clínica a partir da psicose como matriz de otienraçáo.
Aqui, o Nome-do-Pai é remetido ao seu stdtus de capitonagem singular, nada mais do que um
semblante, ,<sintomado nó fracassado~~I5.
TaTo traduzido por Tania Coelho dos Santos
~
~
Ilacan, J. (i9i5). Le Sémindra, Lima E n m . Paris: Seuil. p.22 e1 p.9?: *Ceqnj#,kir ici c'esl~ò-diredela linguisteriex
'Ibid.,p.20.

Dezembro 2007 ( 318 Op@o lacaniana no 50


'Lacin, J. (I981). LeSérni~ire:Lime 111, ks psrchoscr. Paris, p 2 S et sq.

-
'Ib~ti,p.303-304.
'Laan j. (1966). Subversion du suje1e i dialeclique dii dkir S. ln M l s . Paris: Seuil: p.805.
"C. gralo p. 819 dosfi~~ilos. (1998). Rio de Janeiro:J. Zaho Ed.
'A CPI e?iclmiih Iinguisliquede R. Jobobm apporiera à l a m r da 4 h m k IbÉoriquesdécisi/sni reummissn~iidnm (eplan du rigniljonl irs
dexr ares de h çornbinaism~P/ de lu sdlrriion.
*(1997). Lu Cw>twsalimd'Arwibor1, Cus rnrer Irs incI?sub(es de h cliniqiie. I'aris: Agalma i'diieur
?hiiIle~,
. 11997).
. .. . loLaCon~s~lio~rd'Ar01(bo1l, . 00.
. Gil.. .pl14-151.
lo/bid., p.156.
"ibid, p.176.
'%i Miller,J.-h. (1997). Op cil.p.257.
IiLacaii , . ~.Le Sitninaire Livremli/, le Sinlbome Pas:Éditions du Seuil.
I. (2M0
"Ibtd, p.152.
"Shnh/OnnubpmpaécparJargt~c~-A(oin Mil/@data Ir role de qualrième de wu~ierlumde I.acan,J. (2001). Des t\'o~ns-dri-@n.Paris: Seuii.

Opqão Lacaniana no 50 Dezembro 2007


O significante não se limita a fornecer o envelope, o recipiente da comunicação, ele a
polariza, estrutura, instala na existência1.Na 5:igésima primeira lição do Seminário:AsPsicoses,
Lacan, para ilustrar essa afirmação, remete-nos ao primeiro verso daA thalie de Jean Racine:
"Sim, venho ao seu templo adorar o Eteno".
Por serem inauguradas por um 'sim',;.4ndromaque e Iphigénie têm o mesmo início, esta
frase já mostra toda a sua complexidade. kim, pode ter o papel de simples shifter, mas pode,
eventualmente, significar 'não' ou ainda 'talvez'. Um 'sim' encabeçando a frase sempre sugere
algum, mas, na continuação.
E se nos detivermos na segunda palavra, 'eu', ou na terceira, 'venho', a cada vez aparece
uma orientacio, uma promessa de sentido diferente. Não ser isolável é um caráter essencial
do significante. Para que a significação se complete, é preciso que tenhamos chegado ao
término do enunciado, para que ela se revele por um efeito retroativo. Nas frases interrompidas,
que cercam alucinatoriamente o Presidente Schreber, percebe-se de maneira dramática a
suspensão de toda significação estabelecida e o seu caráter enlouquecedor.
O primeiro verso de A thalie oferece?assim, para Lacan, o paradigma dessa retroação. É
preciso que tenhamos chegado ao término do enunciado - o Eterno -para que se saiba de
que se trata. Mas a análise que Lacan faz da peça se estende ao conjunto de sua primeira
cena. Abner, um dos principais oficiais dos reis de Judá, entra no templo de Jemsalém: onde
se encontra Joad, o grande sacerdote. ~ l e p atilha
r com este seus temores em ver este último
reFúgio da lei mosaica prestes a ser varrido por Athalie. Joad lhe agradece, ao mesmo tempo
em que estigmatiza a sua passividade. Abner expressa, então, seu desânimo, os hebreus se
'csesperaram de Deus: após os assassinatos perpetrados por A thalie sobre a sua própria
;teridade, dando fim a linhagem de David. Nada poderia devolver-lhes a esperança, exceto
.~m milagre. Joad, enigmático, enunciailhe então um sinal próximo de Deus.
Seguindo linha a linha o trajeto do sign\ficante,Lacan mostra como, logo nestacena, o dito
mer, embora nenhuma revelação lhe teAha sido feita, foi de tal forma fisgado porJoad que,
no fim do diálogo, sua situação subjeti&a foi completamente invertida, tornando-se ele
mesmo "a isca pela qual A thalie irá ser pdga". Ele deixa o zelo ambíguo que professava para
juntar-se à tropa dos Fiéis, ao conjunto do1 que eram reconhecíveis pelo traço inequívoco da
fidelidade, que é uma insígnia do própriol~eus.Este "Deus fiel em todas as suas ameaças",
Deus sinistro e vingativo, mas cujo temor livra de todos os outros temores: Eu temo a Deus,
caro Abner, e não tenho outro temor. O tehior a Deus é, nesta cena; o pontoihave eni torno

Dezembro 2007 1 320 Opção Lacaniana no 50


que era uma excelente metáfora. Enfim, era este S ,:o significante-mestre. (...) Era uni modo
de pedir para eles se darem conta de como algo que se propaga na linguagem como um rastro
de pólvora, é legível, ou seja, que isso se agarra, faz discurso(. ..).No que diz respeito à psico-
logia, é nurcante que não se tenha nem sombra dele na ordeni das coisas que clareiaml como
o avesso da vida contemporânea (...). É uma pequena montagem que vale inteiramente por
seus significantes-mestres3.A outra alusão vai no mesmo sentido: Lembremo-nos da maneira
pela qual designei na minha análise da primeira cena de A thalie, aquilo que se h o u na minha
escola sob o termo ponto de basta. A linha da minha análise não ia no sentido de procurar os
recantos do coração de Abner ou de Joad, nem de Racine, mas sim de demonstrar os efeitos
de discurso pelos quais uni resistente, que conhece a sua política, consegue fisgar um colabo-
rador disposto a se reabilitar, ao ponto de levá-lo a fazer, ele mesmo, cair sua patroa no alça-
pão, produzindo, em suma, o mesmo efeito sobre a platéia do que a peça em que Saitre fazia
jorrar até o retrato de Pétain os insultos dòs seus próprios milicianos, frente a uma platéia que
abençoava o acima citado ainda diante de si, de lhe ter poupado do espetáculo dessas coisas
enquanto aconteciam4.Mais uma tarefa a Ser feita, por tanto, a partir de Mortos sem sepultura,
peça de Sartre criada dois anos após a Liberação.
Nada do que é da ordem da intersubjetividade,das relações eventuais de amor ou ódio enrre
Abner e Joad é decisivo no que Racine nos apresenta. Tudo decorre de que Joad, o grande
Sacerdote, tira o trunfo na hora certa, conforme a fórmula enipregada por iacan desde 1956,
isto é, o significante-mestredo temor a Deus, pelo qual o cliscurso flutuante de Abner passa a
ser imanizado, orientado, 'capitonado' de tal modo que se opera nele uma completa
reviravolta. hsistimos a um processo semelhante eni O auesso da história contemporánea
com a imitas20 do jovem Godefroid na Congregação de Maclanie de Ia Chanterie. Quanto a
~Mortossenzsepultura: a peça nos apresenta, pelo contrário, a debandada de abjetos milicianos
vichystas, quando vacila a imagem do mestre fantoche, desgastado garante da covardia.
A metáfora do ponto de basta condensa de fato duas operaçóes cuja distinção, ou
mesmo disjunção,lacan empreende aos poucos: oefeito de significação e o efeito de enlaçamento.
E a redução do ponto de basta, náo é uma excelente metáfora, ao significante-mestre é
muito significativa de uina mudança de perspectiva no ensino de I.acan: em se tratando do
Nome-do-Pai.Dado que qualquer significante pode ser chamado i posi@o de significante-
mestre, a ênfase colocada na amar ração em torno de uni significante primordial se esvaece.
O significante-mestre, nesse sentido, é o mito ultra-reduzidoi. Não há, desde então, razão de
identificar ao Eterno, o pai sobre o que, na religião, se amarra à significação. Quanto ao
enodamento, o sinthoma será suficiente.!
Teao traduzido por Nora Con$alvcs

'Lacan:J. (1966). LraIlos. Paris: Scuil. p.801.


Ilbidem.
'Lacan,J. (1991).Sémimire l í L.eni;ersdeiafl&yd>lrna&se.IR&: Luil. p.219.
'iacan.J. (19l7Ii91) Catàlmredc Fieud., in II.Gmrgi~(lam. p. ?7.Pclil-Kar,úr,CisQ I9Ti Kmliladoemii4lRiturinelkde1ECF, (102)..vpVoct 191.
'Ibidern. pIO2.
i
Dezembro 2007 1 322 Opçáo Lacaniana no 50
.4 iriterrogaçãoo que é opai? está formulada no centro da
e~penênciaanalítica como etenzanter~tenão re.~oluida':
Jacques khcan'

De duas, uma: a menos que passe pela clorngem, na qual uma mulher pode potencialmente
se reproduzir a partir dela mesma, é preciso efetivamente dois para fazer uma criança. Mas com
quem cada um a faz?A mulher que carrega a criança e vai colocá-la no mundo fez a criança com
o homem com o qual a concebeu, ou se trata de um outro, inconscientemente, de seu próprio
pai, do primeiro homem amado, ou de um amor impossível?De todo modo, poderia ter sido
um outro. Em alguns casos, deveria sê-lo. Por que com aquele homem? Quando se pensa no
número de circunstâncias necessárias para que seja aquele, até mesmo, por vezes, nas procria-
ções assistidas com esse ginecologista que deixa às vezes o pai em segundo plano.
Por que, então, fazer uma criança, às vezes a todo custo, como nas procriações niedica-
mente assistidas? Conhecemos a função de suplência que a criança assume diante cla náo-
relação imposta pelo encontro sexual. No relacionamento entre um hoinein e unia iiiiillier, ;I
partir do niomento eni que ele se consagra, resta sempre abem uma hiáncia? Essa hiinua é
encontrada ao longo da série que vai da procriação ao nascimento. Entre sexualiclacle e procriação,
assim como entre procriação e gestação, não há continuidade. A origem, a sexualidade, a
procriação, a gestação e o nascimento mobilizam universos subjetivos radicalmente heterogê-
neos. Náo se tem representação da procriação, a ponto de tudo ser tragado por isso, as vezes
até o delírio. Este é o problema de toda procriação: "o sujeito pode muito bem saber que
copular está realmente na origem de procriar, mas a função de procnação enquanto signifi-
cante é outra coisa"?
A procriação visa à parte imortal no vivente mortal'. Pensar a procriação exige pensar a nior-
te na vida, seja aquela que carrega ou aquela que põe um termo: "para que procriar tenha seu
sentido pleno, é preciso ainda, nos dois sexos, que haja apreensão, relaçáo com a experiência da
morte"'. Na procnação, a rejeição da morte é o leito de todos os delírios de conteúclo procriativo,
tal como Schreber o demonstra, ele a quem falta "esse significante fundamental que se chama
ser pain6.Fssa afirniaç2o não implica que se possa verdadeiramente saber o que quer dizer ser
pai no sentido de procria. questão sem resposta: "a soma desses fatos - copular com uma
mulher, que ela traga em seguida alguma coisa durante um certo tempo em seu ventre, que esse
produto acabe por ser ejetado - jamais chegará a constituir a noção do que é ser pai'".

Op<;Ão Lacaniana no 50 323 Dezembro 2007


A sexualidade e a morte são consideradas pela biologia como tendo aparecido juntas na
evolução8.A morte poderia assim ser vista ao mesmo tempo como uma condição e como uma
conseqüência da sexualidade, que leva a poder procriar e se reproduzir de forma desseme-
Ihante e inovadora9,permanecendo preso a uma condição de mortal. .4 procriação implica o
outro. Mesmo que seja possivel supor i a origem dos tempos uma preponderância de uma
ordem matriarcal'", a descoberta do papel da sexualidade na procriação estaria na origem da
instituição do patriarcado, colocando em primeiro plano uma filiação paterna, simbólica,
dissociada do enraizamento natural da maternidade na gravidez e no parto".
As biotecnologias contemporâneas de reprodução vêm paradoxalmente reforçar essa
tendência, permitindo ir além do que a biologia impõe na fabricação de crianças, dissociando
totalmente a sexualidade da procriação, assim como a procriação da gestação, deixando
unicamente às balizas simbólicas a construção possível de uma fliação, e remetendo, do mesmo
golpe, de maneira inesperada, as teses da psicanálise ao proscénio da cena.
Poderíamos tomar o exemplo de uma tecnologia de procriação medicamente assistida, a
injeção intracitoplasmática de espermatozóides (iCSI), que visa em particular remediar as
esterilidades masculinas, com um espermatozóide diretamente extraído do canal deferente
ou de um fragmento do testículo. Eis uma técnica em que o pai pode ser enfim considerado
como certo. Curiosamente, o que a clínica ensina é que este não se trata disso. O sujeito se
vira para restabelecer um pai incerto, deslocando a dúvida sobre a paternidade para a dúvida
sobre a escolha do espermatozóide. Um pai imagina que teria sido possível escolher o milio-
nésimo que teria originado uma doença genética. O que é o cúmulo para alguém que sofre de
oligoazoospermia. Outro permanece perplexo diante da idéia da pessoa que escolheu o
espermatozóide, imaginando uma laboratorista apressada, tomada pela perspectiva de um
encontro amoroso, que, com uma pipeta mantida distraidamente em seus dedos de unhas
pintadas, com o barulho de braceletes que se agitam em seu punho, decide sobre a criança a
vir: pegando este e não aquele. Certos pais falam também da ICSI, que é uma procriação
autóloga, ou seja, que respeita a fiiiação biológica, como se se tratasse de uma inseminação
por doador, heteróloga, vivendo essa técnica como se o espermatozóide implicado não fosse
o deles. Outros imaginam ainda um erro sempre possível da equipe médica de reprodução,
que teria cruzado duas coletas. Tudo se passa então como se eles tivessem necessidade de
restabelecer o pai como incerto, como se apenas pudesse haver ali função paterna, operação
do Nome-do-Pai, sobre um fundo de incerteza biológica.
Esses elementos clinicos são ricos de ensiriamentos. Eles mostram a que ponto nenhuma
resposta feita. inclusive surgida da realidade, pode dar solução a questão de saber o que é um
pai. Essa questão permanece hndamendmente não resolvida. Poder-se-ia mesmo deduzir dis-
so que é na medida em que essa questão Permanece sem resposta que a função paterna pode se
desenvolver e operar. É isso que esses dais inventam sem saber nessas situações, como se a
certeza biológica de sua paternidade lhed barrasse a via de uma efetivação da função patema.
O papel do pai na procriação parece dever permanecer enigmático. Poderíamos ver
nisso uma sobrevivência da denegasãoda sexualidade de seus próprios pais que cada um
opera1*O único casal no inconsciente é o do pai e da mãe: não aquele do homem e da

Dezembro 2007 1 324 Opção Lacaniana no 50


mulher. A ligação entre sexualidade e procriação permanece um mistério, que envolve as
teorias sexuais infantis produzidas pela insaciável atividade de pesquisa da criança quanto a
sua impensá\rel origem sexual, que sistematicamente, aliás, envolvem o sexo. A idéia de ter
nascido de tal prática permanece impensável para o sujeito, que prefere imaginar qualquer
coisa em vez de pensar ser um produto da sexualidade que \:em ao mundo inter feces et
urinas.Subjetivamente, ele não pode se pensar f ~ t da o sexualidade entre um homem e uma
mulher, que, além disso, fazem outra coisa ao fazê-lo". Ele inventa todas as ficções possíveis,
em vez de uma explicação sexual.
Assim, seria possível dizer que, no plano subjetivo,todos nascemos, de fato, fantasmaticamente
de procriação medicamente assistida! É o que também explicaria a tendência a rejeitar esse tipo
de técnica que, paradoxalmente, desvela, ao contorná-lo, o papel da sexualidade na procriação.
É o que faz também com que as teorias sexuais infantis inconscientes marquem de maneira
preponderante os efeitos subjeti\zos acarretados pelas tecnologias artificiais de reprodução, tor-
nando-se a causa material do que o sujeito manifesta, que se tende demasiadamente a remeter
a realidade da técnica utilizada. Para cada sujeito, um a um: as coisas são enrão determinadas
bem além do laboratódo.
Podemos fazer a mesma constataçào a respeiro do pai. Este, como vimos a propósito da
ICSI, restaura a dúvida sobre sua própria paternidade, como se apenas houvesse função
paterna possível em um além da realidade biológica da procriação, baseado em uma inceireza.
Trata-se de encontrar as dimensões de um desejo enigmático que ultrapasse a vontade de ter
uma criança a qualquer preço: o que faz com que, às vezes, o desejo não esteja mais nisso. A
dúvida do pai sobre a procriação é, portanto, uma dúvida libertadora que cria um vazio, um
espaço para inventar-se como pai face ao surgimento de uma criança que não realiza somente
o laca entre um homem e uma mulher, mas também entre as geracões. - .
A ICSI e a certeza biológica que ela implica quanto à procriaçáo constitui, na verdade, uma
falsa resposta a uma questáo verdadeira que persiste e insiste, a de saber: o que é um pai? Esse
fato clínico, revelado de maneira surpreendente pelas procriações medicamente assistidas
autólogas, mostra a que ponto a questão do pai, de sua função, deve ser situada em um além
do horizonte da procriação." Ela deve permanecer irresoluta para que a função do pai possa
operar, não apenas para se interpor e fazer barragem ao gozo contido na relação entre a mãe
e a criança':, mas também para abrir um espaço para a criança, a fim de lhe indicar uma saída
po~sivel'~, uma via além dos determinantes aos quais está submetida, inclusive aqueles das
condições de sua concepção.
Teno traduzido por Elisa Monteiro e Revisão: \'era Besset

'kcan,].(1994[1956-571)la rekliondebjeileSnni~ir~, liureN, P z i s Seuil.p.372. NE reguinaepigrdeafradqáo parao panuguês deOseminá~


rio 4:A rek@o de ohjelo. (1995). Mo deJaneira:Jorge Zahu Edilor, p.383.
'Ibid, p. 374.
'Iam,).Lesp-choses (1955~56).LeSém~naire, Lic~ell!: Seuil, M, 1981,p. 329.
"Eis cprtamenle em que no ser riwnle moriai mik a imortalidade: na granda e na pro«la@o' Platáo. Le Banquef Lradugáo de Luc Brison, Paris,
Garnier-Flammaion. 2000, p. 149.
laques Lacanhp-chses: ap. ciL, p. 330.
Tbib ~ 3 3 0 .

O p ~ ã oLacaniana no 50 325 Dezembro 2007


'Ihid. p.329.
vcoh, E (1970). Lo logiqiiedrr i!itilnl. Paris: Gallimard.
'I.aiiganq (1979) Lesex8 elI'intiot~n/io?i.Paris: Spuil. a 28. :

, . ,. .., -
universalmentepmeniereaeaenrasohrerivênciade iimaesrruturamauiarcal da familia' I..]"aordem da familia humana na iuodamentmque esckpam
à forçado macho", 1hid.p. 55.
"Plan. tlenri. L 'ulénis orl$ciel Seuit, la Lihrairie do W ème Sikle. Wis, 2005, p. 128.
"i'reud. S.: . *lar ihéoria auuelies infantiles~(1W)Etn: Lo uie Se.iupIIe, Paris. PUF, 1969.
"Para Qanfrasear Pasd Qui~nard.te ~ i o nau hout de Ia lanxue, Cailimard. Paris. 1993.~.69.

.. . ,
'!Ou seja, Fuer com que a mãe permanqa uma mulher, "o ohjeioa que causa seu deajo". o que Lacan derigndcomo o ''cuidado paterno". Jacgues Lamn,
' R S r (1974.75) Aulade21 de janeirode 1972. Em: Omiiar?n",$ 197j.pp. 107-Ia.
'$Vera este RSpPiIO odaeniohimalo de Lacan sohreo terceiro tempo do Édipo, em que ele coloca o aanto em um pai que "ioteném nesse nível paradai
6.)"que aparece efetivamente no ato de dom', que "permite e autoriza'. Jacque! Lacan.Lrs/orntnlionsdci'inw~~scicni, op. dt., p. 205.

Dezembro 2007 Opçao Lacaniana no j 0


lacan considerou a clínica das psicoses como essencial a psicanálise, sem a qual esta, reduzida
a clínica das neuroses, não responderia nem ao seu alcance, nem ao seu objeto próprio. Só pode-
mos falar do NomedoPai se fizermos o primeiro passo em direção à psicanálise e isto não permite
tratá-lo como um tema escolar.
O Nome-do-Pai diz da filiação sinibólica: com isso aprendemos a contar, na medida em
que as cifras e os números participam de uma cadeia significante. Isso diz a esquerda, a direita,
não segundo um código, mas segundo um endereço e uma implicação do corpo. Isso evita
ainda confundir uma luva e um sapato. E isso diz também do que é válido: do que garante,
como se diria, a validade de um passaporte. Ao nos servirmos dele, podemos rapidamente
enunciar e Fazer chegar ao próximo distinções Fundamentais, sem o que teríamos conseqüências
insustentáveis para a humanidade, com o desaparecimento do laço social e permanência fora
do cliscurso.
Com a psicanálise, o trajeto inaugurado por Freud foi niarcatlo por um choque, uni cone
com relação a manifestações até então incompreensíveis que não se coadunavam com ;i
cartografia neul-ológica. Elas se revelam singulares, impossíveis de ser colocadas em série
segundo a pretensão entusiasta do neurólogo do século XK. Estamos falando da singularidade,
noção chave que marca o sentido e as lialavras - elas niesmas encarregadas dessa tarefa.
Ficamos maravilhados com os efeitos criativos do sintoma, quando uma satisfação enraizada
se tlissimula tão sutilmente que a decifração deixaria de fora um "eu bem que sei, mas, mesmo
assini...". Naquela quadra freudiana inaugural, o Nome-do-Pai não aparece no título, nias, nas
funçoes, nas leis que ele promulga, daquilo que falar quer dizer Graças a ele, a tarefa é
cumprida, que ele dê conta da operação e que torções e acrobacias sejam pemitidas. Seu seivic;o
seci algo como o do falo, que, seni concatenaçio direta, seni encadeamento, permite, no entanto,
que se instaure a cadeia significante; seu serviço é o lugar de uni Outro que dá acesso, autoriza
e até niesmo impõe o jogo dos significantes, a tal ponto que se faz necessário um ponto de
ancoragem sem sair dos limites do traçado. Freud antecipa, com esta invenção, os trabalhos cle
Jakobson, pois ele lê em coordenada e abscissa: passo a passo, as criações e o enigma clínico.
6, portanto, uma pista. Ela esbarra em dois obstáculos, pelo menos. Primeiro obstaculo
Iiistórico, o avanço e o rigor freudiano da clinica das neuroses não chegam a conquist;ir o
mundo da medicina. O mundo da medicina, em nome das ciênciai exata, recusa uma abordagem
marcada de inteligibilidade. O segiinclo obstáculo é para nós, mais decisivo: que fazer dessas
pessoas loucas que entram nas categorias clássicas das psicoses?

Opção lucaniana no 50 32i Dezembro 2007


designava tanto o disparate quanto a anedota que davani forma literária a redaçáo de argu-
mentos e motivos em belas descrições, quando o psiquiatra, leitor de Flauben e de Maupassant,
ensaiava registrar com engenho e arte o certificado de internação.
Este avanço teórico, trazido por convocação da prática, modificará radicalmente a maneira de
se considerar o sujeito psicótico e evitará, ainda hoje, ai catástrofes. Digamos que aprendemos a
ser prudentes, e com isso nos foi ensinado que não se comge o mestre da interpretação: jogar
com o significante nessas circunstâncias seria brincar com o paciente atravessado por um
gozo que lhe vem de todos e de toda parte, que ele experimenta como uma possessão impos-
ta ao seu corpo, em posição de portador ein que ele se encontra.
Um Nome-do-Pai de suplência poderia focalizar e temperar, num feixe suportável, este
gozo arrebatador?
De outra parte, lembramos o titulo do artigo de lacan, "... de um tratamento possível...". A
partir dele, será elaborada uma clínica verdadeiramente nova, pois ela náo visará extinguir o
delírio, mas, seu respeito, seu estabelecimento, seu conforto como criaçáo de um mundo
onde o sujeito possa viver, um Nome-do-Pai de substituição, um significante que não obtura
nem anula a foraclusão, mas que a tampon:! ou a mascara até a consideração de uma evoluçáo
segundo o modo parafrênico.
Esta nova clínica revolucionou as hospitalizações, as clínicas de longa duração associadas
aos tratamentos medicamentosos coerentes e eficazes. Foi o olhar sobre a loucura que se
encontrou assini sob a ótica do esclarecimento, cleslocado, movido segundo um outro ângu-
lo. Os clínicos foram tomados de entusiasmo, acorriam e colocavam questões por ocasião de
entrevistas clínicas. O fenômeno era novo e foi se disseminando para que logo fosse assinala-
do. Talvez ele merecesse ser retomado! Isto seria uma reconquista!
Ousemos uma filrmula: enraizar eni vm de ei-~adic;ir,eni iioiiie do respeito que se deve ao
sintoma, do trabalho do delirante em seu delírio, de uma restituição ao paciente de sua ope-
ração vital. Esta foi unia tomada de posi~áorevolucionária, eni seu tempo. Acrescentemos
que o sucesso da psicanálise em nossa sociedade, sucesso de nioda, de curiosidade e de
cultura, trouxe para o consultório dos psicanalistas um fluxo de psicóticos delirantes, ou de
osicóticos não desencadeados, náo desconectados se dirá. onde antes náo eram atendidos,
por dez ou vinte anos. Às vezes, nós os dissuadiamos em nome da medicação generalizada e
da inacessibilidade da psicose à cura pela via d o trabalho analítico. Tudo e ao mesmo tempo,
graças a esta abertura sobre o mundo, a lâmina que separava as psicoses das neuroses se
revelou menos afiada. O ensino de Lacan se apoiava então sobre o nó borromeano do Real, do
Simbólico e do Imaginário. Ora, a psicose pode se apreender como :i falha (leste nó, a dispersáo
dos seus anéis; seu relaxamento que cleixa flutuante, evanescente seu ponto virtual, essencial,
de imbricação: dito pequeno a. O imaginário toma asas, a cadeia significante enfraquece, se
fragmenta, a metáfora se coagula. Quanto ao Real, ele se impõe até ocupar todo o terreno: ele
vocifera aos ouvidos e tortura o corpo. O Nome-do-Pai iria desaparecer, não mais foracluido,
mas, caduco e inútil? Náo totalmente: a suplfncia bem sucedida "de uma tentativa de cura"
(1911) é atualmente o que vai impedir a clesordem, e também o que vai religar, reter os
elementos em seu movimento de dispersão.

Opção Lacaniana no 50 329 Dezenibro 2007


D e ~ ~ e m o sartista escrever sua partitura. Sobretudo não estejamos muito longe dele. Pois
é um equilibrista sobre sua corda infinita. Ele coloca aíseus passos, ele coloca sua nota. Ele se
sustenta na corda que, como quarta (corda), vai aproximar e conter as três outras. Ele possui
tantos recursos na língua que ele enconrrará aí aquilo que lhe é indispensável para se expandir
a favor de sua singularidade.
Com Lacan, em 11 de junho de 1975, "aquilo que é do Nome-do-Pai, eu o recubro hoje
com o que convém chamar o sinthoma". Estamos nós incluídos por tal proposição? Sim, pois,
em 13 d e abril de 1976, Lacan avançou, já que "o psicanalisra nào pode se conceber senão
como um sinthoma".
Texto traduzido por Samyra hsad e revisado por Célio Garcia

'N.T.: "raptus": impulsáoviolentae frequente podendo wnduzirum sujeitodelirante a cometer um atogia~e(homiçidio, suicidio, mutilaçáo). Notaeairaida
do diciooáiio Petit Rokfl.

Opçio Lacaniana no 50
AS PSICOTERAPIAS E O CAMPO FREUDIANO

As psicoterapias fazeni pane do que, agola, se designa como o campo "psi". Sua unidade,
ainda que disparatada, é manifest:~e explícita. Encontra-se, nesta, psiquiatras e psicólogos que
receberam esse título por meio da Universidade, bem como psicoterapeutas ou psicanalistas mias
f o r m a m ocasionam a convergência entre o mtaniento pessoal e o estudo teórico.Assinala-se ainda
que esses últinios provêm de um quadro associativo instituido por eles próprios. O que os une
não é, portanto, o percurso, mas sim uma mesma idéia da psique que, no mínimo, é concebida
como :&o para-além do reflexo do organismo. A partir daí, os caminhos divergem, ainda que
provavelmente niuitos, sem sahê-lo,se orientem pelo que Freud denominou inconsciente!
As psicoterapias ditas relacionais sáo as disciplinas do campo "psi" que mais se aproximam
da psicanálise, engendrando malentendido e confusão. Dentre elas, inúmeras foram toniadas,
por muito tempo, como ~~sicanaliticas, visto que os próprios psicanalistas não sabiam aiticular,
de modo claro, o que as distinguia. Ainda que, grosso modo, cenas referências fundamentais
como a fala, a escuta, o inconsciente, a transferência ou o Édipo fossem conipanilhadas, é fato
que a psicanálise não faz o mesmo uso delas. Pode-se apenas contentar que se uma visa, em
primeiro lugar, a cura, a outra a elucidaçáo.A psicanálise aplicada almeja, por sua vez, a terapêu-
tica que, como se sabe, no último ensino de lacan, esta mostra-se cada vez menos distinta da
psicanálise pura.
Não seria necessário postular que a palavra terapêutica pode-se dizer com mais de um
sentido. Cuidar ou curar? O fato de que a segunda acepção preceda a primeira, não quer dizer
que elas sejam equivalentes. Ao contrário, elas testemunham unia outraabordagem do real. A
cura é uma idéia relevante para a medicina, porém, não o é para a nossa concepção clínica.
Para a medicina, ela repousa sobre uma noção do psiquismo que, no fundo, é um prolonga-
mento do organismo, ou seja, reporta-se ao cérebro, e não ao inconsciente. As práticas que se
inspiram nisto são forçosamente limitadas, na medida em que são o feito de alguém que
pretende saber, e! desse modo procedem do discurso do mestre. Em matéria de saúde, o
médico é, com efeito, mais competente que o doente, que, por sua vez, deve se contentar
com o seu sofrimento. Aquele que quer curar o outro, mostra-se persuadido, não sem razão,
de que sabe o que é, para ele, o bem ou o mal.
O discurso analítico se inicia pela rejeição de toda pretensão em querer saber, antecipada-
mente, o que é o bem para o outro. Contenta-se em toniar posição quanto ao nial pelo qual o
sujeito padece em função de um sintoma devastador. Quanto ao seu bem, esse discurso
deixa-o ao encargo do sujeito a decisão do que o próprio tratamento pôde ensinar-lhe. Esta

Opçáo lacaniana no 50 331 Dezembro 2007


No âmbito desta lamentável e delirante conjuntura adaptativa, Lacan reconhece em quê o
rato representa o fucuro do género humano, que, no fundo, é nada mais e nada menos que a
marca do American wav of life. Não via ele neste modo de vida caracterizado pelo culto força-
do do novo, que ele próprio qualificava de anti-historicismo, o meio mais favorável ao confor-
mismo e ao behaviorismo de massa?>
Texio Iraduzido por Jésus Santiago

. . . . ~
'lacan J., aTéIPiision~,indulres éniis, Pais, Souil, 2001: p. 514.
'Miller ] . - A , -Psychothérapie e1 pychanal\xs, i n h Gzrcrc/reudinme. n/?; octobre 192.pp. i - I ? , et ~P~chanalysc
puw, psychanalyre appliquée et
nchothérrpia. in Iri Couse/rcudienne. ""48. pp. IIetsuivantes.
'lacaii J., -Fonciion e1 champ de Ia parole e1 du lan&a&een psychanalysen. inÉcnisSParis, Seiiil. 1966. p. 245.

Opção lacaniana n" 50


Em particular, lacan comenta em "Radiofonia" que o quantum tem efeito de ato "que se
produz como resíduo de uma siniholizagáo correta". Para essa orientação, podemos mostrar
uma relação entre o quantum (residual do ato de simbolização) e o Nome do Pdi (o agente
desta simbolização).
k
Uvez a melhor ilusmção dessa ligação a relaçào entre o significante patemo e o sintoma no
caso do Homem dos Ratos. Em seus delinos obsessivos!esse sujeito tinha instituído uma "moeda
corrente de ratos" - tantos florins: tantos ratos -,e "para esse idioma, pouco a pouco foi transposto
todo o complexo dos interesses monetários que foram enodados até à herança do pai". b r essa
via, o "rato" signficante entrou nas séria das equivalências fálicas (dinheiro, pênis, o filho).
Esta análise pandigmática nos ensina que o gozo, como experiência do corpo, cai sob efeito
de uma quantificação por meio da colocação em marcha de um aparelho simbólico que, ao fazer
elo significante mestre (rato) um "um" do gozo (mal, neste caso), é capaz de introduzir dentro
deste uma contabilidade. Aquele aparelho simbólico é o sintoma. Fbr essa via se consuma a
transposição (Entstellung) do gozo para o jnconsciente (pode-se comparar esse fato com o que
lacan afirma em "Radiofonia"). O significante paterno - neste caso, Spielratte (rato de jogo, o
jogador contumaz) - é o eixo ao redor do qual gira o aparelho do sintoma.
Deve-se notar que a quantificação intioduzida clesse modo não envolve uma medida de
gozo, e nem mesmo remete a uma supotta mensunbilidacle do mesmo, dado que o ato de
contar não supõe necessariamente colo'car em jogo o núniero - da mesma maneira que
exemplificam os números transfinitos de Canto. que 1.acan compara justamente com o
quantum em seu Seminário: A identificação. Realmente, o desejo de Cantor deu consistência
a uma invenção: um certo modo de contar os elementos de um conjunto infinito sem a
exigência do número (ler os comentários correspondentes de iacan na Proposição de 9 ele
outubro de 1967). Contar, então, não significa medir a quantidade de elementos de um
conjunto, senão apenas a possibilielade de estabelecer uma correspondência "um a um" entre
dois conjuntos. E é isso niesmo o que o aparato elo sintoma leva a cabo no caso do Homem
dos Ratos: "tantos florins, tantos ratos'' designa a criação tlesta correspondência "uni a um",
quer dizer, um modo de quantificar o que não supõe uma medida do mesmo.
Com isto nós achamos a segunda clifere& entre os usos do termo quantum por pane de Firutl
edeiacan: o quantum Freudianodesignaaquantidadede uma niagnitudequeésupostamensurável
por princípio, enquanto que o quantum laciniano não supõe a mensurabilidade da magnitude coil
rcspondente (o gozo), senão apenas a possibilidade de introduzir nela uma quantificação.
Em conclusão, Lacan usa o termo quantum para designar o fato que o significante paterno
realiza, por meio do aparelho do sintomal a transposição elo gozo para o inconsciente e, por
este mecanismo, introduz uma quantificação do gozo que enoda a experiència do corpo com
I
a economia fálica.
Em compensa~ão,pode-se afirmar q j e a ausência no Outro do sgnikante do Nome-clo-
Pai, ou seja, a foraclusão do significante ~ome-do-Pdi,impede nas psicoses que o aparato do
sintoma realize tal transposição do gozopara o inconsciente, e isto impossibilita, por conse-
guinte, a quantificaçào do gozo e a signihcação fálica do mesmo.
Texto traduzido por Sérgio de Campos e revisado por 4elldJimener

Dezembro 2007 1 336 Opção Iacaniaiia no 50


'Reside tzo níuel do pai real cotno conswtrçüo de linguagem, como alilir Fretidsen~preassina-
1011.O pai real nada mais é do que u n eJeiro
~ da lincyuagem;e não rerrr outro 1za1.
Nao digo outra ?-eulidadepois a realidade é u?nuoutra coisa...Atépodet?~ir
I L I pouquinho
~ mais longe. fazettdo uocês repararem que a t~oçüodo pai real
é ciettt~fiarnenreit~sustentúuelSó há tini pai real. é o espermatoróide e, até segutidn
ordem: ninguémjamnais pensou etn dizer que é/ilho de tal esperntatozóide':'
Jacques h c a n

O nome do pai e suas variaçóes

O Nome-do-Paié um conceito privilegiado no ensino de Jacques iacan; o real -junto com


o simbólico e o imaginário - é um dos nornes coiii os quais ele designou os três registros que
estruturam a subjetividade. Ambos os conceitos sofreram variações ao longo de seu ensino;
ambos têm um lugar de destaque em sua teorização.Precisaremos as articulações entre Nome-
do-Pai e real.
Lemos na epígrafe que Lacan toniou o pai r;ío a sério em sua conceituação que até se
permitiu fazer um \Y4tz2 com ele, em comemoração aos mitos e ritos que em seu nome se
haviam erigido. A confusão de um filho que chama de pai ao suposto espematozóide que lhe
teria dado o ser. redobra-se na confusáo eni torno do registro que dá ao pai a teoria [)sicana-
litica. O Dr. iacan operou uma redução sobre o conceito de pai para precisar sua função
simbólica, para desbastar da doutrina os efeitos imaginários: primeiro como imago patema;
começou por considerá-la em seu declínio; depois, como metifora patema, reduziu o Etlipo
freudiano a unia operação de substituição, de cone sobre o desejo da mãe e sobre o seu
produto, transformando-oem unia funçáo significante que se fixou em sua teoria como Nome-
do-Pai;depois teorizou o pai como um sonho de Freud e o Édipo como um mito freudiano -
do que se chegou a dizer que se constituiu como o último mito moderno - i em seguida
destacou que não se tratava tanto do Nonie-do-Pai mas do pai do nome, sublinhando assim
sua função de noniinação, até que finalmente iacan pluralizou o Um do Deus-Pai - referindo-
se aos Nomes do Pai - para precisar uma Função de enodamento que determina o laço social
ao se suplementar aos outros três registros (imaginário - simbólico - real) que, dizíamos,
estruturam a subjetividade.

Opção lacanidna ri" 50 337 Dezembro 2007


O real da psicanálise
lacan situou a psicanálise em consonância com a ciência para demonstrar que a manipulação
do semblante operado pela clínica psicanalítica, oferece um protocolo que dá acesso a um real.
Ainda que na primeira parte de ensino lacan tenha teorizado o real psicanalítico em ter-
mos significantes (acesso ao sentido último, ou a verdade aniculada como o ol~jetivodo final
da análise), em sua última parte radicalizou a oposição entre o que pode produzir sentido e
articular-se como significante, e o real. Por essa operação, sentido e verdade correspondem
ao registro do semblante, ficando o real do outro lado da barra3: R//semblante. Porém, não
menos decisivo, foi deslindar o real psicanalítico - que determina a orientação de cada análise
- do real da ciência; especificamente,a clinica lacaniana se orienta no tratamento do real do
gozo pulsional do sujeito analisante, para!além dos semblantes que o recobrem. Trata-se, na
psicanálise, de que por meio de um dispositivo de linguagem, o analisante possa incidir sobre
o seu modo de gozar para curar-se de suas inibições, sintomas e angústias.

O mito do Édipo mostra que o real é impossível


Desde a tragédia de kdipo, o drama panicular da espécie humana se designa com o nome
do filho: ele não sabe o que faz; o que fa-7se , desprender um paradoxo, já que apesar de não
sabê-lo,ele é responsável. A hipótese do inconsciente produz conseqüências indubitáveis nos
seres humanos; acertar as coritas com o gozo tem um preço - que teoria designa como castra-
çáo - e que cada sujeito saldará a sua maneira.
Na novela de Sófocles o drama do fildo parece desencadear-se a partir de um encontro
com uni homem - precisamente, seu pai ignorado -, mas é preciso situar que antes desse
encontro houve um outro, no qual o oráculo de Delfos o antecipava ao protagonista - ou seja,
ao filho-, o que já estava escrito. A temática do irremediável fascina; o inevitável configura uma
raiz do trágico. Em Édipo Rei o gozo do filho adquire sua forma real marcada pelo impossível:
parricidio e depois, incesto. I

Desde a tragédia de Édipolo destino do filho é delido a um encontro acidental com o pai - ou
seja, com o gozo em sua Fdce real, impossível -, mas devemos sublinhar que esse encontro havia
sido precedido por um outro anterior com a linguagem. O É d i p não só mostra o traço inlpossível
do real dogozo, mas, sobretudo,dácontado equívoco em tomodo agente: e a linguagem "quem"
informava previamente, através do oráculo,jsobreo destino impossível do gozo.

Os paradoxos do Pai real


O lugar que o pai ocupa em cada análise é essenciall não só por ser o homem "filho" da
linguagem. A questão do pai se introduz no dispositivo analírico para além de sua Função de
representante da lei em nome da tradiGão(assim como de semblanre privilegiado do simbóli-
co. O neurótico atribui ao pai - quer dizer,io filho - satisfações mirabolantes e gozos excêntri-
cos; é neste ponto que pai e real (ou seja pai e gozo) parecem recobrir-se.
1
Dezembro 2007 1 338 Opc;áo Iacaniana no j O
Qual é o gozo do pai? Qual seria o gozo real do pai como tal? Fxistiria um Pai real, o que se
encarregaria não só de proibir o gozo ao filho e de separar a mãe de seu gozo como td, mas;
sobretudo um pai que gozaria de um modo excepcional de todas as mulheres que quisesse?
Esta pergunta insiste com suas múltiplas variações nos divãs analíticos e as fantasias neuróti-
cas se encarregam de respondê-la.
A esse respeito, depois tle se divertir com o pai da horda primitiva - o pretenso pai origi-
nal, dono e senhor dos mitos de Danvin e de Robert Smith, aos que acudiu Freud em seu
ensaio "Totem e Tabu" -> Lacan formulou outro delicioso \V~tz:
"Não há nenhuma psicologia concebi\.el desse pai original. Rsrém, a apresentação que lhe
é dada convida a derrisáo, ... aquele que goza de todas as mulheresl iniaginaqáo inconcebível3
posto que é bem percepti\~elque já E muito dar conta de uma."
Com o ensino de lacan podemos extrair os paradoxos do mito freudiano do Iài real:

Para priiiar osfilhos do gozo... introduziu-se um pai-sirposlogozar de rodas as


mulheres (o Pai real conzo a p z l e da castração)
Um.pai teria sido eficaz...depois de ser assusinadopor seusfilhos (qirer dize? post-
morreni)
Os,fil/~os
só smüofilhoi.. depois de rerein r~urradoo {pai @ela co?~s~ilz~i'çao
da
sociedadejraterna, em nonie dopai)
O pai só será paidepois de seu assassinato pela ohediácia regulada e retroatiua
que lhe dedicarüo seu~filhos@aderíamos até dizer que, antes disso, era um orango-
tango, um priinalaj.

O riso de Iucan evidencia os enredos freudianos a q u i , neuróticos -com o pai, e situa o


impossi\~elda apresentação do Pai real.
Imaginar o real, tal é o labirinto neurótico. Só a ficqáo que segrega a fantasia e os semblan-
tes que a vestem permitem imaginar que o pai é real e que gozaria a partir da exceção na qual
a fantasia o situa.
Mas, embora o Pai real só exista nas cogitações neuróticas, isto náo indica que não exista
o real de um pai, já que ninguém poderia ser analisado como "pai" ou "mãe"; um sujeito em
análise poderá se confrontar, sim, com o uso - quer dizer, com o gozo - que o semblante
paterno lhe conferiu. Só dai poderá ser isolado o real de "seu" Nome-do-Pai.
Texto traduzido por luiz Fcmando Carnjo da Cunha

lLacan,J., OSeMnáno, iiwo li: Oavprrodapsicanáliie, WodeJaneiro, Ed. JorgeZahar, pág.120


'Chisie, agudeza nlórica
'MillerJaiqus-.Uain, Laerpriêniia de lo real en Ia cura prico;uiaiilica. Ed. Paidáo, pág.35
'ihid. cilasão (i); pág 116.

Opyão Lacaniana no 50
Aidéia cle que a função paterna constitui Lma "primeira sublimação cla realidade" será retoma-

na seção intitulada por Jacques-Alain Mlller "


da porbcan em uma torção critica particulai ao longo do Semináno,livro 7: a ética da psicanálise,
f
e sublimação" (li@o X í ) Nesse contexto, Jacan
retoma a tese de uin recurso estmturante da potência paterna corno uma sublinia@d.
A sublimação se opõe à tendência a monl. É o seu corretivo cultural simbólico. Todavia,já nos
Complexos familiares..., lacan recordava que, por mais que funcione o dispositivo edipico e a
sublima~ãosinibólica da realidade, a imago matema como "fator de morte" continua a desenipe-
nhar um papel fundamental no sujeito. ~ e s d modo,
e íacan isola um resto de gozoque nenhuma
operaçáo simbólica estadem condiçóes de rdsomer integralmente. A relação com a realidade não
pode ser garantida pela ação do Nome-doPai: Por isso, em seu ensino,Iacan não cessa de recordar
que "o psíquico não é regulado para operar, de modo eficaz, sobre a realidade",e que a noção de
realidade tm, consigo um peso, uma inérci! sólida jamais redutivel por qualquer sublimação. O
sujeito não é feito pard concordar com a realidade, coni sua i;idical impermeabilidadei0.
No Semináno 7, lacan retoma a conexão pai e realidade, mas com uma ênfase diiereii te posta,
agora, na diniensão "sólida do resto de implicado na sublimação da realidade. Mais precisa-
mente, ele mostra que tai resíduo náo deeljende tanto de uma carência simbólica do Pai, mas
entalha, segundo uma imanéncia escabrosa, 'o mesmo lugar simbólico do Pdi. Em outras palavras,
no Senunáiio 7 o pai é um pai que não mais coincide com o Nomedo-hi como agente da primeira
sublimação da realidade. Não é mais o Pai como protótipo da sublimação simbólica. Ele é, antes, o
pai como Eitor de uma anti-sublimação paradoxal. É o pai-gozo,o pai mindade, o pai maligno. É o
pai, como evoca íacan através da teologia de Lutero, que odeia radicalmente as suas criaturas.
Nesse sentido, o paradoxo do pai muda de kinal no que diz respeito is teses de 1938. Enquanto
naquela época ele consistia em um declínio social da sua potência sirnb5lica que, todavia, o com-
plexo edípico consentia em reabiiitar, agora o paradoxo do pai se manifesta no fato de que sua
funçio não se limita a representara sublimaçãosimbólicada realidade, mas presentifica-se também
como "ódio de Deus", como vontade de g l o do Outro, como gozo do pai da horda.
Portanto, a subliniação no Seminário 7 não é mais a sublimação dos Complexos familia-
res ..., mas se torna a suplência subjetiva de uma Foraclusão generalizada da sublimaçáo simbó-
lica. Nesse sentido, ela teni seu eixo no \&o central da Coisa S(A) e não no Nome-do-Pai.
Talo traduzido por Vera Avevelar Ribeiro
I
'Larzn,! - I w m p l ~ ~ ~ i / o r n ne1lofnmrn;im
ilia~ dellintlioiduo, Einaudi, Torino 2001, p. 43 e p. 44
!Cir.So~~versim~er(cisogellu e diakliirn de1 deziderio, em Xrrlli, aos cuibdns de GCantri, Einaudi,Tinino 1976.p. S28
'Ideni. p. 20
'Clr. Jlacan. O>M q~te~lio~iepTelimil~ireodo~r~ipossibile
i
l r a l t o ~ l udellep'msi,em Scrilli, cii.. Einaiidi, Torino 1976, p. 110
'Cir "Icomplersi", cil. p. I 8
61dem.,p.43
'Idem, p.j9
?dom., p.31
I
9 ] . L a ~1, Smitulrio Libm V I 1 teIic4 d c l h p s i ~ ~ m l i rEinaiidi.
i, Tnrino 1091, p.182
l"'Le psychique n'ml nullemeni réglé pour npérm, dde lago" eliicace. sul la realité.. I1 dai nullemenl iail daccord avec une réalitéqui ert dure; à Ia quelle
iln'yaderapprl ques'yiornei: une réalitédoni lesolidesi Ia nieiileuk niélaphore. .4 enlendie ausens de I'impineirable, ei non de lagéoméirie" ,!.Lacan,
D m IBpqcbon<ilyse darrs ses rapporisaiin In rédilé. emduire 91. k u i l , Paris2001,p 354)

Dezembro 2007 i 342 Opçao Iacaniaiia no 50


.Há o recalcado. Sempre. É irredutível. Elaborar o inconsciente, tal como se faz na análise,
não é outra coisa senão produzir ali esse furo....'. Menos de um ano antes de sua morte, Lacan
assim escreve a Causa Freudiana, fazendo uma explícita referência a mone: "não se pode olhá-
Ia de frente", como o sol. iacan reafirma, assim, que inconsciente e recalque não coincidem:
este último é sempre um furo do real que se enquista no inconsciente.
"Há o recalcado" soa como "Há o Um" do significante que opera sozinho; é um daclo
comum da experiência analítica. O unário, (Si). do recém-nascido, entra em relação com a
linguagem que já está ali, (Sz), e a repetição desse laço (pensamento) o toma sujeito S2. O
sujeito encontra um lugar no laço social e, ao mesmo tempo, produz-se o furo do recalque. O
recalcado é uma dobra do real, uma deformação da vicla cotidiana3 que Freud situou na base
da neurose de transferência.
Aconstrução freudiana é simples: a pulsão encontra um obstáculo no caminho de sua satis-
fação e, portanto, do agir consciente. Unia instância pondera que "tal satisfaçáo seria inconciliá-
vel coni ai outras exigências e propósitos'", corrigindo, assim, o Principio do Prazer. O interes-
sante é que essa instância da"censura" sedirige ao representante da representaçáo (o elemento
significanteda pulsão) e não à representação pulsional. O significante,cuja significaçioé recalcada,
passa o investimento para um outro significante produzindo, então, o sintoma.
Freud tambéni toma a natureza fundadora, originária, desse mecanismo para a realidade
psíquica. Resistência e focação do investimento fazem do recalque o operador do Processo
Primário que caracteriza o inconsciente, com todo o paradoxo temporal desse primário que
se encontra dependendo da fronteira que o mantém separado da consciência. Como em
outras ocasiões, ele resolve a questáo supondo um tempo mitico que serve de pré-história
para o mecanisnio, vindo o Édipo no lugar do pai originário da identificação por incorporação.
Freud fala de um núcleo originário do recalque que seria, em relação ao recalque atual (secun-
dário), o que atrai, e liga esse "recalque originário" ao fator quantitativoi.

2.
iacan encontra, nas diversas formulações do próprio Freud, a via para sair do impasse do
recurso ao mito. a fim de dar uma lógica
- ao recalque. I\'o Seminário. livro 1:os escritos técnicos
de Freud, afirma que o núcleo do recalque (titulo dado por Miller à lição de 19/05/1954) é uno.
Portanto, recalque e retorno do recalcado são a mesma coisa e contêm o efeito de significacão
après-coup do trauma. iacan acrescenta que esse tempo é reencontrado na experiência analítica

Opção Lacaniana nl' 50 343 Dezembro 2007


como momento fecundo pan a interpretação,"momento no qual o imaginário e o real da situação
analítica se confundemv6.Aqui, começamos,a ver a outra face do recalque: o instante em que o
4
significante age sozinho, como puro cone cadeia. Isso não produz significado, é uma letra de
gozo que se inscreve no corpo (inconsciente-tiquê, fora da repetição). Nesse momento, recalque
e interpretação podem coincidir
No Seminário, livro 7: a ética da psicanálise, esse ponto inatingível do significante é
construído como o vazio da Coisa, das D~A~, encontrada por Lacan no "Projeto", ou seja, a
topologia do significante que tenta dar um lugar ao processo primário. Lacan liga esse lugar à
denegaçãoi (Verneinung) e: precisamente,as duas funções que Freud lhe dá em seu escrito,
além daquela clássica do recalque como defesa do sujeito.
A primeira é o efeito do significante na sincronia: o juízo ele atribuição, uma pura afirmação
(Bejahung). Podemos dizer que ela faz com que o gozo seja atribuído a um objeto central que
permanece inacessível. Ela coincide com o esvaziamento do gozo do corpo, com a produção do
vazio infinito, das Ding, que, contuclo, não é igual a nada, uniavezque qualquer coisa podevir
conio suporte dessa inacessibilidade.
A segunda é o juízo de existência, pelo qual é negado o dado ela percepção, porquanto este
náo corresponde ao da lembrança. Para Freud, esse é o molor do pensamento inconsciente: a
busca metonímica do desejo o faz dizer um perpétuo "não é isso", alguma coisa se manifesta
sem que, por isso, venha a ser reconhecida pelo sujeito..
Essa equivalência entre negação e afirmação leva Iacan a dar mais um passo e dizer que a
negação permite ao sujeito afirmar a si próprio em um lugar que permanece vazio de signifi-
cantes8.É o vazio escavado pela defesa, lugar preservado vazio de significante no qual o sujei-
to poderá repousar sobre os significantes do Outro. Recordenios a fase do não pela qual toda
criança passa quando começa a falar, ;

3.
Essa perspectiva estrutural permite des;nganchar a clínica e a formação dos sintomas do
recalquel entendido como um reservatório do passado, ligado à história do sujeito, quando
não à sua ré-história. De modo articular, dever-se-á rever a relacão entre inconsciente e
recalque em uma direção oposta aquela seguida, hoje, quando se faz o acoplamento psicaná-
lise-cognitivismo,
- tal como ocorrendo na IPA9.Com Lacan, abre-se a via de um recalque . que
.
opera mais além das fronteiras do inconsciente-automaton, daqueles significantes (de núniero
definido: Si...S,) que Lacan escreve sob a barra do algoritmo da transferência como cadeia.
Já no Seminário: A ética ..., quando intrdduz a Coisa inacessível, Lacan foimula a fronteira
I
que a delimita como redobrada. Entre o niqndo dos bens, finito e definido da repetição signi-
ficante e o limite finito da Coisa, há uma zbna do desejo que é a que interessa a psicanálise,
além do herói da tragédia grega. Nessa zona, I Lacan situa o freudiano "Para aléni do Princípio
do Prazer" e é aqui, me parece, que o analisk pode e deve elaborar o inconsciente, produzinclo
o Furo do recalque.
Para tanto, deverá colocar-se na perspeLtii:a aberta pelo Seminário, livro 10: a angústia, a
1
qual lacan não liga mais apenas ao complexo de castra~ão:a angústia como sinal do encontro
I
Dezembro 2007 1 344 Opçáo iacaniana no 50
com o desejo do Outro é apreendida ao nível do corpo e do cone do objeto a. Perda de um
órgáo que, no Seminário, livro 11:os quatro conceitos funclamentais tla psicanálise, tomar-se-á
lamela, órgão incorporal. Como já dissemos acima: podenios pensar esse cone como correlativo
ao tenia do recalque, mas desenganchado &I lei edípica o recalque como ato.

4.
Nos anos 20, a clínica começou a desmentir a teoria da angústia como transformação da
libido recalcada, a p a i r da moral civil, objeção reichiana, o que levou a substituição da ameaça
de castração pela repressão social. Freud, porém, se dedica a manter a castração simbólica e,
para tanto, deve admitir uma angústia primária, ligada ao trauma de nascimento, que sustenta
o recalque de modo endógeno, faz tramitar a repetiçáo da angústia como sinal.
lacan, prosseguindo nessa via, pode manter a castração para além do Édipo. Para tanto,
elabora uma teoria do corpo libido: no Seminário, livro 11 propõe a libido como o órgão que
falta ao corpo do ser falante, e, assim, revira a relação entre neuroses de transferência e neu-
roses atuais. Estas últimas se tornam o caso geral, o protótipo; o recalque, em vez de concemir
ao sentido gerado por um significante (o falo), se toma o limite estrutural do significante em
sua capacidade de produzir sentido: a apalavra como aparato do recalque. 'A parte de real não
simbolizável que comporta o gozo genital, calcanhar de Aquiles cla interpretação, impeliu
Reich a privilegiar uma série de fenômen~s'~" em busca de uma competência somática. Lacan
segue uma via mais ligada a clinica e retoma a intuição freudiana de que nem todos os sintomas
encontram no recalque seu " mecanismo de fomação", como por exemplo a regressão ohses-
siva". A defesa do sujeito se realiza então como prótese: um significante fma o gozo realizan-
do um sinthoma, um quarto aro que salvaguarda o nó Liorronieano composto dos outros três.
Não se trata, portanto, de um outro inconsciente, não recalcado, mas de uma renovaçáo do
simbólico, recalcado gi-atas i funçáo de "suplência"do sinthoma. A clínica contemporânea
deve conseguir pòr o sinthoma em cadeia com o inconsciente da repetição e, assim, servir-se
do pai para além do complexo de castração.
Texto traduzido por Vera Avellar Ribeiro

. - -
'Ao fazer o Discurso do hlesm, Laen se impirou oo titulo do ramancede E. Zola, L'mwrsdeirr ~reqmlidionie.
'S. Freud - Opere. ibl. 8, Boringhie". Torino 1976. p. 37.
5. Freiid - Opere. ibl. 10, Boringhieri, Torino 1978: p. 244.
7. Lacan - hSemioim LiireIk iCcnlsI&niqites de Freud, Seuil. Paris 1972, p. 212.
1.L a m - remarque sur le mppart de Uaniel Lagachb. InEmlr, Senil, Paris 1966,p p 647-84.
BIbidnn- p. 666.
91. Mancia - ImpiicilMe1~1o~andUnrepres~edUnm~cious TheirRoie i11 CmliuiIyn~rdPamJermre~
Israel P.ychoaiia1. J.,vol. I, 2003, pp. 331-49.
"S. Coliet - 'Refoulemeni. versus. Népmsion", in Omiur ? n. 35, p. 135.
"S. k u d - D F . liol 10. Boringlieri, Torino 1978, p. 309.

Opção Iacdniana no 50
A REALIDADE RELIGIOSA E O

O tema nos remete à seguinte antecipação de Iacan: "O pungente de tudo isso, é que nos
próximos anos o discurso do analista dependerá CIO real e não o contrário." (1974). São pun-
gentes as relações entre o discurso analítico e a religiáo, porquanto é "ou um ou outra", e o
triunfo da religião seria o signo do fracasso da psicanálise. Todavia, a posição de fracasso
implica a sobrevivência da psicanálise, dado que o real insiste. A verdadeira religião triunfará;
em primeiro lugar, por algo compartiihadb conio traço comum a todas as religiões. Trata-se
de algo que, para aléni de toda sublimação, o sujeito terá de pagá-lo coni algunia coisa, coni o
gozo, e a religião faz do sofrimento seu oficio além de uma recuperação permanente. Ofício
religioso que se propõe como um saber sobre o gozo e, assim, não apenas lida muito bem
com as transgressões como, inclusive, as alnieja, visto que estas a consolidam. Feita esta intro-
dução, situenios a pergunta: conio servir-nos dos Nonies do Pai nessa tensao com a religião?
Como servir-nosdo imaginário, do simbólic'oe do real, uma vez que operam na palavra, quando
nos situamos no discurso analítico?

Todos os caminhos levam a Roma


Os Nomes do Pai não são uma exceção h esse provérbio popular, mas esse tampouco é seu
único destino, já que nosso segredo público é que não há O Nome-do-Pai como singular. A
religião católica fala de Deus como um pai, do Pai por exceléncia. A função religiosa por exce-
lência é ligar o simbólico e o imaginário que, enodados ao real, nos mostram sua função de
semblante; e também, "[ ...I a funçho radical do Nome-do-Pai é a de dar um nome as coisas, em
particular, a de gozar, com todas as suas cbnseqüências:' 0. iacan 1975).
E, como se trata de conseqüências, uma "pequena modificação" em nosso titulo.
Assim, deixamos religião no singular e pusenios os Nomes do Pai no plural. Mas, Iioje eni dia,
como falar, escrever sobre religião, no sinbu~ar.sem remeter a um discurso sobre a salva~ão,
sobre o santo e o sagrado, sobre o consistente, enfim, sobre a pluralidade de sentido?
Siml)lesmente seguindo a pista assinalada I or Lacan. ou seja, a avaliação permanente do peso
P.. ..
e da atualidade da religião, dado que a mesma nao implica apenas um modo de evitar o vazio, nias
também e fundamentalmente de respeita-lo. I Portanto, questionemos a crença na alternativa que
I
Dezembro 2007 1 346 Opfão lacaniana no 50
situa a religião, por um lado, e, por outro, a razão: as luzes, a própria psicanálise. Questione-
mos a validade das oposições da tradição ilustrada tais como Ciência ou Religião, Mito ou
I ~ g o sRazão
, ou Revelação, as mesmas que alimentam o duplo sentido kantiano da religião: o
mero culto e a moral que se interessa pela boa conduta na vida (recordemos que o cristianis-
mo une a moral à religião). Então, como podemos, hoje em dia, escrever, falar de religiáo, de
uma "ilusão" que não foi dissipada pelo progresso científico, como acreditava Freud; pela
civilização, mas, ao contrário, quando nos encontixmos com um discurso atuando sobre o
real insuportável que devemos a ciência, vertendo torrentes de sentido? Senciclo monoteista,
isto é, a crença no Uno, em um Deus único. Sentido místico chamado por Pascal e Montaigne
cle "fundamento místico da autoriclade", ligando o secreto aos fundamentos do saber. Autori-
dade que toma distintas formas a fim de restaurar a tradição do Pai, entre elas a de situar o
"consolo" na crescente ruptura dos laços sociais.
Em síntese, a primeira questão é que, para falar de religião, seria ingênuo de nossa pane
tomá-la como um acidente. Devemos situar seus efeitos de consistência e de verdade. En-
quanto se situa no lugar dA Resposta, mantém e se mantém na permanente promessa de
dizerA verdade, uma palavra que implica o futuro no presente. Um fazer consistir o Outro do
Outro, uma verdade sobre a verdade, promessa institucionalizada e identificável, professada
pela arce retórica de persuadir sob formas excepcionalmente minuciosai. Campo da verdade
que compartilhamos; no entanto, a interpretaçáo do discurso analítico não pode ser mistura-
da com a religiosa. A interpretação analítica não implica em cavar essa questão, mas simples-
mente em situar os desencadeantes da verdade. Situar o momento em que a verdade como
causa é trasladada :i um juizo sobre o fim e a finalidade do mundo, remetendo, então, a fins
escatológicos. Assim, nós nos permitimos situar a caracterização daépoca atual sobo que J.-A.
Miller designa coiiio um retorno a uni Outro, um retorno da verdade da revelação. Interpre-
ração que não é apenas decifração: uma vez que esta não escapa ao religarl.
Desse modo, podemos articular que a análise sustentada por Lacaii prova ser possível
prescindir do Nome-do-Pai na medida em que ela desemboca em uma redução ao que não
tem sentido, ao que não se religa a nacla. Em suma, enquanto o discurso analítico verificar que
podemos prescindir do Nomedo-Pai -desde que dele nos sitvamos -> ele poderá continuar
existindo em tenção com a verdadeira Religião. Via que a psicanálise oferece e mantém para
que o sujeito situe na via do sentido uma resolução sobre o gozo doloroso. Portanto, associ-
emos a psicanálise a falha, ao fracasso, esse não é um mau lugar Ele lhe convém enquanto a
religião continuar em sua via de triunfo e os logros da ciência angustiarem,

Algumas perspectivas
Nos dias de hoje, não é excessivo situar a importância do pensamento de William James,
fundamentalmente a atualidade de uni texto: 'As varieclades da experiência religiosa". livro
contemporâneo a "Interpretação dos sonhos", considerado como um ponto de inflexão para
a história da psicologia. Nele, James sustenta a "religião pessoal", experifncia suscetível de
estudo científico. Uma religião embasada no entusiasmo como dom, que toma as formas de

Opção Lacaniana ri1' j0 347 Dezembro 2007


"encantamento lírico, honradez e heroismo", e que propõe, em relação aos outros, uma pre-
ponderância cle sentimentos aniorosos. Um pensamento - o de James -que sustenta uma
orientação disposta a questionar a revelação, mediada pela tradição, eni nome da própria
inspiração interior. Sim, não é excessivo bituar nos dias de hoje sua importância, já que o
pensamento de WJames e suas concepções sobre as emoções fundamentam as atuais clínicas
comportamentais. Eficiência, regulação; temos aqui uma ativa colaboração das ciências
cognitivas, tanto sociais quanto terapêuticas, dando fundamento à "vontade de ignora?. Nesse
sentido, a verdadeira religião e seu uso do ~omedo-Paialimentam com recursos insuspeitados e
inesgotáveis a via do sentido para reprimir o sintoma: recursos terapêuticos, canto clas sereia?para
"curar" os honiens da "manifestação do real em nosso nível de seres viventes" (J.íacan 1974).
Por outro lado, mas em íntima relação com a perspectiva assinalada, obsewamos que a
religião, a fim de cobrir o real com o sentiao e dissimular os efeitos perturbadores da ciência
sobre o sujeito, constrói seu discurso. &mos, como exeniplo, os desenvolvimentos e a
posição do George Ellis2,ao afirmar que a ciência não pode decidir sobre temas éticos, susten-
tando que a religiosidade é essencial para assentar as baies de uma moral não superficial,
mediante a proposta de uma ética do sacrifício útil ele o diz explicitamente - baseada em
-

uma posição religiosa que dê sentido. Uma ética do auto-sacrifício encontrada nas tradições
espirituais mais profundas de todos os credos religiosos. Sua proposta e sua militância para
introduzir essa ética nas relações entre religião e ciência o tomam um claro exemplo dos
alcances da religião, frente a realização do discurso da ciência como produtora de angústia.
Diante disso, propõe que, embora não sepossa modificar os fatos passados, pode-se mudar
seu significado mudando sua interpretação, alterando o contexto no qual são entendidos.
Mudança de significado enfatizando A vida como valor máximo e sustentando o futuro da
religião como produtora de sentido.
Por último, recordemos que, segundo Lacan, a natureza provou a existência de Deus, todo
mundo crê nele, Deus existe na língua e, como tal, produz o efeito de um nome próprio, ou
seja: quer a entidade chamada Deus exista,ou não fora de sua natureza, ela existe como signi-
ficante chave em um sistema de termos e h um discurso que se atualiza permanentemente.
Santo Agostinho, depois chegar à sua idkia da trindade de Deus, via manifestações desse
princípio sobrenatural em todo fenõmeno natural. Cada tríade, por mais secular que fosse,
era para ele outro signo da Trindade. ~oderíamosafirmar que se Sto Agostinho tivesse lido
Lacan e seus Nomes do Pai, Imaginário, Silbólico e Real, ele diria que são mais uma prova da
existência de Deus. lacan não o negaria, diria simplesmente: sim, Deus ex-siste.
Lacan finalizou seu "Discurso de ~ o m $(1953) evocando o trovão, e não por acaso. Ele o
afirma 18 anos depois dizendo: "Não há Nome-do-Pai que possa sustentar-se sem o trovão,
i.
figura mesma da aparência" (1971). Se, e um certo tempo, a psicanálise esca?7llalizou as
. .
pessoaspiedosns, nos dias de hoje, poderia a experiência analítca produzir um ateu: uma vez
que: e enquanto, os efeitos dos Nomes dd Pai são de crença?

i
Anstóteles oferece este assindeto:Falei, ouviste, sabes, decide. Àreligião o queé da religião:
Falei, ouviste; e à psicanálise, o que é da p icanálise, o servir-sedo Nome-do-Pai: Sabes, decide.
Talo traduzido por Vera Avellar Ribeiro

Dezembro 2007 1 348 Opção lacaniana no 50


'Heiigrlre "religar", 'rincular", "aw.Elimologia que Berivenisle relere como inveitladaplos crislãme queunea religiãocomovínculo, com aobiigafàa,
comodevereadi~idaentremhomensoucntreo homem Deu.EoUeusüisBo Iuinne uno) é aanicula$ão radicai doparentescn, amenos nuud.amais
sinibólica. a relação; oiinculo e n b pai e lilho.
'George Ellis, espialirado em msmologia e Eistemu rompkxor, inwsrigador dc lama mundial.

Lacan. 1.. Seminario XIII. El objeto de1 picadnÁliiis, inÉdilo.


L a m , I., "ta lèrcera", en Aclas de Ia Exuela Freudiana de Paris. i9i4. Ediciona Perrel, Barcelona 1980
lacan, J., Idem, "Conleréncia à imprensa''. 29 de outubro de 1974.
Lacan, I., Semindrio \'II. Laética de1 picoanáiisis, Paidós. Buenoi Aira 1958
Lacan. I., Seminario Nil,De iin discumi que no seria de Ia apariencia, inédito.
Lam,j., Seminario)NIII, ".. 011Pie", inédiio.
Lacan, J., SeminarioXill, HSI, inédito.
Alenián, I.. "Europa inacabada: retorno de Ia rligión'', eii Revisia El Caldiro Número 18 Buenos Aire 1998.
hlilbrJA, . Orienlación Lacananiana, Cuno 2W~2001 , de repiiesto"
''Piaas
]ame,U1 Lu variedads de Ia ehperiencia religiosa, Edicionrs Planeta-l)e Agoslini, Barcelona 1994.
Tayior, 01..Lu wiedade de Ia religión hoy Paidós, Buenos Aires 7W.

Lacaniana no 50
Op~áo
"012 /e dom,nagepourtani?quandpasplus Ioin ne lia-t-i1que n'en jou8re lepersonriage
ilaporeur de I%istoire. qui your auoir, des barreau.~d'une grille tâtéspas a pus,
retroub,é1'tm marqub d'abord, concluait:.Les salauds: ils m'onr enfenné~.
C'était Ia grille de I'Obélisqire, et i1 auait a lui Ia place de Ia Concorde"'.

Há, como se sabe, uma divergência quanto à etimologia da palavra "seita". Uns afirmam
que a sua origem remonta ao verbo latino'secare, cortar. e outros contrapõem o verbo sequi,
seguir Na primeira explicação dá-se énfade i separação de um todo do qual a seita teria sido
uma parte, e na segunda ê a própria relação do sectário com o líder e com sua doutrina que
está em questão.
Imaginemos, apenas como ficção, que não se trata de uma disputa de emditos, a ser resol-
vida quando um deles produzir uma prova cabal em favor de um dos dois verbos. Imagine-
mos, mesmo se parecer absurdo, que a dupla etimologia se deve ao fato de que a própria
significação do termoé vacilante, tornando necessária mais de uma fonte latina para dar conta
do seu sentido; que nunca será unânime. Secure e sequi serão, portanro, necessários um ao
outro, e a escolha por um deles deixará de lado uma parte do sentido.
!
Secare
Vista deste lado, a definição de "seita" obedece ao padrão das relaçòes entre o todo e a
parte. Ou seja, seita e igreja se implicam mutuamente, a tal ponto que o surgimento da pri-
meira é com freqüência o indício de alguma crise de legitimidade ou de funcionamento no
seio da última. As seitas mantêm uma referência a ortodoxia da qual se separaram, muitas
vezes em nome de uma fidelidade aos objetivos originários da doutrina.
Vai nesse sentido a definição pelo teólogo Emst Troeltschl amigo e colaborador
de Max Weber, que condenso
A igreja é unia e bem adaptada à estmtura
do poder secular, e laicismo;
a vida sobrenatural,
da vida. Se
o trabalho da igreja no mundo é o de prt&arar os seus membros para a eternidade, a seita
pretende antecipá-la. 1
Dezembro 2007 Opção Iacaniana no 50
Max Weber2 acrescentou às obsen~açõesde Troeltsch uma outra, que, considerada do nos-
so ponto de vista de hoje, quando as denúncias rle opressão psíquica por parte de certos
dirigentes de seitas mobili7am governos, famílias e educadores, pode parecer surpreendente:
a adesão à seita se dá como livre escolha de cada candidato, assim como a aceitação das regras
e normas.
Certamente, a liberdade de que trata W e b e r ele, aliás, se referia a movimentos religiosos
em boa parte diferentes das atuais seitas - diz resl~eitoa ausência de estruturas complexas d e
poder, cujo exemplo mais acabado se acha na Igreja Católica; e, sobretudo, ao fato de que,
para Weber - num acordo antecipado coni o que vão apontar Jacques-Alain Miller e Jean-
Claucle Milner, segundo os quais o contrato é uma alternativa contemporânea a lei3 -, a comu-
nidade sectária é fruto de um compromisso voluntário de tipo contratual. A adesão à seita se
dá como um ato individual, ao contrário do que ocorre nas igrejas, cuja transmissão se dá de
geração em geração, pela via da tradição, e em sintonia coni a cultura local.
Essas definições, como se pode ver, exigem que se mantenha uma relação entre o todo e
a parte: só há seita em relação a uma igreja. Para usar o exemplo da talvez mais célebre heresia
do ocjdente medieval cristão, há senipre um católico (zmiuersal, em grego), como pano de
fundo do qual se destaca um cátaro (puro, também em grego). Aseita é seita se considerada
como uma extração da igreja, mesmo quando pretende ser a realização mais rigorosa e inte-
gral dos objetivos originários.
A seita, entendida como separação, pretende em muitos casos representar em ato o mais
íntimo e essencial da mensagem originária do fundador. E uma parte que justifica a sua cwjs-
tência presente com a esperança, em alguns casos, de que no futuro será ela o todo: um dia,
seremos o gênero Iiumano. O que constitui hoje uma heresia, será amanhá a ortodoxia, com
a diferença de que: quando isto ocorrer, se manterá a pureza da doutrina: cuja literalidade não
será perdida ao se exprimir através de dispositivos.
Temos aqui montada uma máquina infalível: o funcionaniento eclesiástico ou político,
-

ou intelectual -, que é uma síntese entre a mensagem do fundador e o inevitávelautonzaton


dos dispositivos institucionais, é visto pelos sectários como traição, enquanto estes são consi-
derados pelo aparato da igreja como lieréticos. Esta rejeiçáo mútua é provavelmente o que dá
consisténci;~a relação entre as duas.
Mas, onde se encontra a fronteird?Como saber quando, em que ponto, uma seita se toma
igreja, ou! pelo contrário, renuncia a ser a expressão do todo e se mantém conio um gmpo singu-
lar?Ou, no outro extremo, como distinguir a particularizaqAo sectária da tendência comunitaflsta,
igualmente ligada a crise da lei?São talvez fronteiras nióveis, impossíveis de precisar.

Segui

Entendida como uma derivação do verbo segui, a definição de seita é menos simples. Já
não se sabe muito bem a que grupo se atribuir o adjetivo "sectário". Adériuesectaire" consi-
derada com ra?ão como um grave problema da nossa época, indica igualmente uma dispersão
de sentido.

Opcáo Lacaniana no 50 351 Dezenibin 2007


As seitas contemporâneas parecem ser marcadas bem mais pela adesão a um guia do que
pela oposição a um universal do qual se teriam separado. Isto se deve em parte ao fato de que
algumas delas não reivindicam nenhum flndamento propriamente religioso. Algumas sequer
se reclamam de alguma cisão fundadora, mas simplesmente de uma nova doutrina ou uma
nova iluminação, encarnada em um chefe ou profeta, cuja legitimidade Max Weber chamaria
de "carismática", uma vez que não provém nem da tradição e nem das prerrogativas da fun-
ção. É normal, portanto, que a discussáoatual se dê mais em tomo do risco de uma entrega
irrestrita aos caprichos do líder, do que em torno da verdade ou falsidade doutrinária inclu-
-

sive por não se saber de onde viria a decisão sobre a ortodoxiai. A brutal conclusão Roma
locuta, cuusufinitu, que, sob a hegemo~iacatólica, calava as divergências ao fixar a fonte da
autoridade, parece, pelo menos por um tempo, ter-se pulverizado nas vozes de múltiplas
agências anònimas, localizaçòes fragmentárias do poder burocrático. A discussão teológica -
que, naturalmente, não precisa mplicitar nenhum deus como objeto de estudo, mas exige de
qualquer forma um Um consistente - enFontra nesse ponto um obstáculo.
Temos aqui que considerar dois aspectos em aparência contraditórios: por um lado, as seitas
servem como tentativas de recuperação do Um, no sentido de que a adesáo irrestrita dos seus
membros circunscreve um espaço coletiJo, e fornece, a cada um e a todos, um significante-
mestre no qual se reconhecem: a si próprios, aos companheiros de seita e aos estranhos.
Por outro, não podemos ignorar que as seitas, tal como se apresentam atualmente, são uma
expressão da fragmentação do Um, e?neste sentido, são a própria dispersão, e não uma reaçáo
contra ela. Podem até dispensar qualquei; intenção ou "estratégia de salvação", a exemplo da-
quelas que se instituem como simples práticas de convivência, terapéuticas, sexuais, alimenta-
res: etc. Ou seja, na falta de uma resposta universal, os sujeitos se representam em traços parti-
culares (ou "paroquiais", segundo a acep@o dada c e m vez por Jacques-Alain Miller a este ter-
mo): ou através de acordos parcelares, e não em alguma grande comunhão universal.
I

I, e depois a
Secure e sequi marcam, neste texto: dois momentos dialéticos imporrances.
A constituição de uma seita como separação representa um atentado ao Um, em geral
contrabalançado, à maneira histérica, pelb exigência de que este resista, pois é a permanência
do Um que dá sentido ao atentado.
Vista como adesão - ou como alienação -, a seita é um retomo do Um, sob a forma de uma
mestria - uma lei, um regulamento. Talvez a separação conduza inevitavelmente a adesão,
mas não se deve esquecer que, entre unha e outra, há uma passagem pelo objeto, no ponto
A.
limite em que os ideais coletivos se esgotam
É precisamente este ponto que é h ,]e em dia' .
motivo de inquietação e de discussáo :
nestes tempos de crise dos universais, d auto-suficiência das seitas, que parecem se bastar.
I
quer como explicação do mundo, quer como modo de vida, tem chegado em alguns casos a
extremos, como foi o caso, em abril 1991 nos Estados Unidos, da célebre chacina dos mem-
bros da seita dos davidianos, liderada pori David Koresh.
I

Dezembro 2 O O i
I 352
Opçáo Lacaniana n" 50
Poderão os psicanalistas, a panir do que aprendem nas suas práticas, clernonstm que é
possível a produção de novos significantes-mestres ou de novos contratos , após a dura -

experiência de falência dos ideais? Esta seria uma alternativa ao pior.

'Lacan. J. Diswun à EFP Sciliel 213.9-29.


%ekr M. (i996).S~olo~iedcsHeli~im1s (v. 318). Parir: Édiiions Gdlirnnrd.
. - ".
pmjeession. A auto&a publicou, em colaboqáo com Michel hlo"roy, um liim com o memo titulo. Paris: PUF, 1999.
'Como exemplo de= andéncia, cito uma lista divulgada recentemente por uma orginiqão católica poruan- alertando o leitor para os perigos grave: e
diversos das sei&, niasspm se referir aerros de doutrina: "abuso sexual e comip$ão de menors, obrigzgáo à piosiitui$áo, privaçáo da liberdade e seqiia-
m.tortum, aulomutila$Ls,lniicae consumodeenlorppceniea,suicídios, homicídios porencnrpo, uálicodearwasde guerra" i~CI~digiln1,órgão da ACI
Iniprensa).

Opção lacaniana n" j0 Dezembro 2007


'Entro noperisan2et~iodo herói, mos niio no de Abruão: ulcat~$adoo cimo
iiolto u cair porque aquilo que me é oferecido é um parado.^^."
Sorerl Kierkegaard

Sabemos, a partir da única aula do ~ e h i n á r i oinexistente sobre "Os Nomes do Pai", que o
Nome-do-Pai é um semblante. O próprio título desse Semindrio, que consta apenas de uma
aula, nos mostra que o Nome-do-Pai já ná6 existe. Ou dito de outro niodo, que o Nome-do-Pai
não é mais do que um semblante. Este cbmentário poderia terminar aqui. Há uni antes e um
depois no ensino de lacan, a partir dessa única aula doSemii?árioque Lacan nunca terminou.
A pluralização dos Nomes do Pai questiona d e maneira radical a primazia do Nome-do-Pai.
Contudo, Lacan nos deixou uma lição d g s e Seminário que poderíamos chamar de Seminá-
rio "10 e meio", a manera 8 e meio de Fellini. Porque o que se esboça ali determina a lógica
dos Seminários anteriores e ilumina as versões do pai em seus Senzinários posteriores.
De fato, esta operação questiona o ponto d e partida de I.acan, ou seja: que o seniblante
domina o real. Isto é o que lacan explicitaI nos cennos: "há significante no real". Náo obstante,
na significantização do real que predoniina nesta altura de seu ensino, encontramos algumas
discoriâiicias. Lacan sublinha de uma maneira muito paiticularalgo que já estava em Freud: o
objeto encontrado nunca é o procuratlo]entre ambos há senipre discordância, o que niarcará
toda a vida amorosa do suieito. Esse "algo horroroso" na vida dos seres falantes, que Freud já
tinha visto em suas "Contribuições para a psicologia da vida erótica ou amorosa". Espírito
Santo é o nonie que lacan dá a esta diskordância, a esta mptura de uma suposta harmonía,
I
em Oseminário4, tal comoJ.-A.Miller o:sublinha em seu Seminirio: 'Aexperiênciado real...".
O falo é o símbolo de que o senibldnte domina o real, contudo, já no próprio Freud há
uma antecipação de que há uma falha do saber no real. E isso está no fato de que este saber
não facilita de modo algum o acesso ao 1outro sexo. A sexualidade, então, fura o real. No final
I.
do ensino de lacan, e isto aparece naqliilo que hliller elucidou como o sexto paradigma do
I
gozo: este furo que a sexualidade produz no real vai ser chamado de "náo lia relação sexual".
Já eni Ose~ninário4, o Espírito Santo I havia feito sua entrada e podemos ler ali a antecipa-
ção de que há um real que escapa à sighificantização e que a Aufhebung fálica de& de lado.

Dezembro 2007 1 354 Opçio Iacaniaiia n<'50


Quer dizer que o lacan deste Seminário ia tinha anunciado o que atravessaria todo o seu
ensino, e que é o fato de que significante e gozo: ou semblante e real, se excluem. É o que
nesse Seminário vai ser atribuído a dimensão imaginária, primeiro nome tlo gozo que escapa
ao significante.
O pail que a partir desteSenzinário "10 e meio ", uma vez que se situa, e não de maneira
contingente?entre o Seminário 10 e o 11: o Nome-do-Paipassa a ser um entre outros. Inclu-
sive passa a ser o Nonie de uma fungão que pode ser escrita como NP (x), porque interroga para
cada um a fun@o do Nome-do-Pai. Maio conceito de Nonie-do-Paijá havia furado, mediante a
metáfora paterna, a figura do Pai, figura que Freud herdou da religião. A operação do Nome-
do-Pai é a metáfora da presenga do pai. A metáfora toma ausente o próprio pai. É o que divide
o Nome-do-Pai em uma teoria sobre o pai e uma teoria sobre o nome. Quer dizer que Lacan já
havia acertado um golpe na figura do pai em Freud tornando-o verbo, ti;<nsforinando-oem
significante. Ao mesmo tempo, o conceito de Nome-do-Pai está advertitlo da discordância
que chamamos aqui de Espírito Santo, tal como aparece no Capitulo 3 de O Seminário 4.
Lacan, na única aula do Srnninário inexistente sobre os "Nomes do Pai", faz objeção a
Hegel a partir de Kierkegaard e nos fala do "temor e tremor" com relação ao sacrifício de
Abraão. Temor e tremor que faz objeção ao universal do semblante e introduz o gozo por
meio da figura da sarça ardente. A foraclusão do Nome-do-Pai,na psicose, é a prova do fracasso
do semblante. O Nonie-do-Pai, então, é um artifício.
Mais adiante, em O Seminário 17, lacan falará da inconsistência do pai em Freud. Já que
em Freud aparecem três figuras do pai: o bom pai do Édipo, o pai feroz cle "hfoisés e o
monoteísmo" e o pai daminiano de "Totem e tabu".
O questionamento do Nome-do-Pai implica que, de algum modo; nós todos fazemos um
nome próprio mais além do Nome-do-Pai,ainda que o Noine-do-Pai seja unia tle suas possí-
veis suplências. O pai não é uma figura, é uma função. Eni algum sentido ele cumpre uma
funçáo religiosa, a cle amarrar o simbólico e o imaginário. E por isso que tenios que relativizar
o "todos joyceanos". O Nome-do-Pai não é mais do que um semblante, só quando o simbólico
e o imaginário se enlaçam com o real. Do contrário, será o sintoma, conio no caso de Joyce:
que amarra.
Por isso, a Única aula do SenzipWrio inexistente sobre os "Nomes do Pai", explica retroati-
vaniente a funçáo do pai e antecipa o que será, no último ensino de Lacan, o pai-sintoma.
lacan, ao considerar o Nome-do-Pai como uma função, nos dá a possibilidade de pensar a
distância que há entre o pai como fungão simbólica e o pai como existente. 7àmhém por esta
razão, a partir desta única aula, o pai morto não será para Lacan um bom moclelo para a
exceção. Náo se trata do pai terrível que diz tudo, nem do pai morto que se cala para sempre.
O último iacaii vai nos propor em "R.S.1"e em O sitzthoma, pensar no pai enquanto pai
desejante, e não como pai terrível, nem como pai morto. Tampouco é o pai da histédca, ral
como é apresentado em O senzindrio 17, portador de um título, antigo coinbatente que é
desejante enquanto impotente. Ele vai tratar do pai como exceção sintomática.É um pai que
tem como sintoma uma mulher, variante do sintoma, que faz de uma mulher o objeto causa
de seu desejo. Mas aqui estaríamos já no último niovimento do ensino de Lacan.

Opção Lacaniana n" 50 355 Dezembro 2007


Contudo; o "Seminário Inexistente" antecipa esta lógica, já que situa o nome de gozo mais
além do Nome-do-Pai. É por isso que aparece depois doSerninário: A angústia. O Seminário
10 introduz o objeto a: iacan conclui q(e se falamos de objeto a , já não podemos falar de
Nome-do-Pai,se tratará dos Nomes do Pai! pluralizados. iacan introduz aqui, então, a exceção
necessária ao universal para se poder chegar ao existencial.
O Deus do sacrificio de Abmão não é o Deus dos filósofos, nem o dos sábios, mas o Deus de
Isaac: Abraão e Jacó, não é um Deus Sujeit&suposteSakr, quer dizer um Deus da religião do pai
mono, mas um Deus com um desejo.~ánãoh~Outrodosignificante,é um Deus que tem oesratuto
de um real sem conceito, em tomo do qual giram os Nomes do Pai. O Deus que diz "Sou o que sou"
já nãoé o Grande Outro, está mais perto doa. Mas ele não é, entretanto, o pai-sintoma do M.
Com o Seminário dos "Nomes do Pac; a metonímia do gozo se opõe a metáfora paterna.
O bináno gozo e sentido que atravessa todo o ensino de Lacan se manifesta aqui de uma
maneira privilegiada. A partir deste Seminti~io,trata-se do desejo do pai e não mais do Nome-
do-Pai que metaforiza o desejo da mãe. ~ u a n d oiacan vai mais além do Nome-do-Pai, ele
começa a se ocupar do desejo do pai e da ;causa de seu desejo. Até então, ele ha\:ia se ocupado
do desejo da mãe e da operação que o Nome-doPai realiza sobre esse desejo
No último ensino de Lacan se coloca(n como semblantes os conceitos de linguagem, de
Outro, de Nome-do-Pai e o próprio símbolo fálico, o que coloca em questão a possibilidade de
operar sobre o gozo por meio da palavra. iacan começou por uma definição do real segundo
a qual o real é o sentido, mas ao final de sru ensino chegará à ideia de um real fora de sentido.
Tal como nos diz J.-A. Miller emA e~ppaênciado real.. .: o inconsciente faz seu solilóquio no
semblante para defender-se do real.
O primeiro Lacan, ao dar proeminência ao Outro, se ocupava da comunicação. Todo o
grafo do desejo é organizado sobre esta base. Mas o último iacan põe em questão a relação
com o Outro. E, no lugar da comunicação, ele situa a nomeação. A nomeação se opõe de
algum modo à comunicação. Trata-se do bai que nomeia.
O Nome-do-Pai, na última pane de seu ensino, designa o efeito de simbólico na medida
em que este aparecena no real. Mas temos que situar esta parte do ensino de iacan a partir do
Serninák: Mais, ainda. O aqui chamado "Lacan 10 e meio", antecipa a escansão que se
produzirá emMais, ainda. E é por isto que esteSeminario ficou inconcluso, um furo em seu
ensino. Esse furo nos diz que o ~ome-d&i estava ali para cobrir um vazio.
Sendo assim, se o Nome-do-Pai é um Semblanre, podemos pensar um mundo sem Nome-
do-Pai?Para Lacan não é possível manteruma comunidade de vida humana sem o recurso à
ferramenta do pai.
I
iacan, lendo Freud, situou o lugar vazib do pai morto. Aias o culto da tumba vazia pode dar
lugar à destruição do desejo. É por isto quk, na aula de 21 de janeiro de 1975 de seuSen~imi?+o
"R.S.Y., iacan introduz de outro modo as funções de exceção: "Um pai náo tem direito ao
respeito, nem ao amor. senão se o dito Lespeito e o dito amor estiverem "pewersamente"
orientados, quer dizer, se ele faz de uma hiulher, objeto a que causa seu desejo."
Trata-se de um caso especial da fun@&sintoma. Ou seja, é preciso um "vivente". É neces-
sáno que alguém faça na vida a prova dk que um desejo, um desejo vivo, pode verificar a

Dezembro 2007 1 356 Opçáo Lacan~anano 50


funcão. O pai que nomeia, o que merece o amor e o respeito, não é nem o tirano nem o pai
morto. É o pai-sintoma e tem referência naquilo que o sintoma tem de exceção. Sua nianeira
de nomear é falida e, portanto, deixa senipre um resto, algo sem nomear Ou seja, no final de
seu ensino, o Nome-do-Paié levado à sua utilidade. É um modo, no dizer de Éric Laurent, de
recompor os Nomes do Pai.
Concluo com uma citação de J.-A. Miller: "Não solicitamos nenhum privilégio para o Nome-
do-Pai. O Nome-do-Pai é um sintoma. É muito mais banal do que os outros. É um sintoma
abretudo, um capacho, não refinado, não tem o estilo delicioso ou delicado de alguns sinto-
mas ... Somente que, como instrumento é, mesmo assim, o mais eficaz".'
Trata-se, entáo, de ir mais além do semblante do Pai, com a condição de servir-se dele.
Texto traduzido por Cristiiia Drummond

Opçáo iacaniana no 50
Para além do Édipo
O mais além do complexo de Édipo, e$ germe desde cedo no ensino de iacan, anunciado
no O Semh7ário 17, se formaliza nas fórmulas da sexuação com a consideração do Outro -
feminino - e a ex-sistência do pai real -como exceção.
-

O primeiro termo, tão bem considerado em alguns parágrafos de "Diretrizes para um Con-
gresso sobre a sexualidade feminina"(8,p.714): ou em algumas lições do O Semindrio 10 (3,
13-3-63,20-3-63e 29-5-63)., o feminino [)&deser abordado logicamente - como convém, se-
gundo iacan (cE5,p.91) -, a partir da torção da lógica que este imprinie quando negativiza o
quantificador universal e coloca o feminino em relação com onüo-todo.
Por outro lado, o pai real, ainda que já Abordado desde osSeminános4e5, chega a encon-
trar uma localização precisa em suas fóidulas colocando-se no nível da exceção que permite
a constituição do todo.

Outro ...entrevisto por Freud


Se partirmos do fato de associar a lógica do lado-homem das fórmulas da sexuaçio - ali
onde a existência de uma exceção ( I r i.)dá lugar ao "todos regidos pela Função fálica"
(VI QI)- com o Édipo -: observo, todavia, que o matizaremos em seguida -, toma-se de
imediato evidente que o Outro - outro qke o fálico - se coordena mais além.
Com efeito, se o complexo de Édipo pode conceber-se em última instância como uma rnaqui-
nana que normaliza -nomzucbiza o no ser falante, ordenando* todo sob o império da funç2o
fáiica, a abertura de um campo em que a in
to se feche (E Q,) toma o nio-todo, e
Mas, na verdade, Freud já não havia
para as mulheres, a formação do
gue, ou é inacabada, justamente
senão lentamente ou de maneira inconip etal
paradoxo^
A aguda formulação de seu

Dezembro 2007
r qYando nio se II em clave feminista - nos indica

Opçao Lacaniana no 50
i
que, quanto ao feminino, Freud não nos havia deixado tão abandonados (ct4,p.E): para estar
tomado do lodo pelo Édipo é preciso ter saído dele como faz o menino, sepultamento que
permite, pela incidência de seu herdeiro - o supereu regulador -, que ose normachize.
Em contrapartida, para a mulher- tomadanão-toda pelas redes do Édipo- restariani aber-
tas as vias para o encontro, sempre contingente, com um Outro que não o fálico: feminind
Razão suficiente para entender até que ponto Freud não ficou satisfeito com a resposta
fálica construída por ele para uma interrogação que não deixou de inquietá-lo nunca: "o que
quer a mulher?

Disjunção do Édipo e a castração: a ex-sistência do pai


Mas, do lado-homen? das fórmulas da sexuação, é preciso situar um mais além do Édipo. E
isso porque mais além do Édipo...estão a castração e o pai real.
Em primeiro lugar, já antes destas fórmulas, o Édipo e a castração se encontram eni
disjunção. Nem mito, nem fantasma, nem sonho de Freud - modos com que Lacan as vezes
aborda o kdipo-, a castração é "operação real" (4, p.136).

-
Que se entenda, certamente, que se pode fantasiar a castração e que esta castraçãodu farit;i-
sia -genitivo subjetivo - vem a escrever-se então na zona inferior das fórmulas da sexuação, eni
$ u: em castração imaginário simbólicd que sustenta a perversão polimorfa do macho.
Mas a castração como operaçâo real, se localiza em 4r G :"algo que diz não à fuiiyáo
fáliczi" (5, p.88). E comporta, entre outras coisas, a abertura, para um homem, da "possibilida-
de cle do corpo da mulher, em outras palavras, de que faça o anior" (5, ibid.). Castração da
fantaiia - agora, genitivo objetivo, que conduz mais além...da fantasia e do Édipo.
Em ix se escreve, com efeito, uma castração4 operada pela ex-sistência -real- de
utna exceção que, pondo em suspenso a função fálica (k), dá lugar a uma vertente do anioi-
que não excluiria - como o faz,sim, aquela da fantasia- a possibilidade do do corpo do Outro
sexo: um amor que - apesar de partir do lado-homem das fórmulas- pode não ser
homosse.~~.udo (5, p.103), que consente em não ficarfora-do-se.xo (5, ibid.).
Bem, essa ex-sitência, essa exceção, é a do pai: "ao-menos-um que diz que não". De que
pai se trata? Que pai é aquele que dispomos no nível desta fecunda exceção nas fórmulas da
sexuação? Não o significante do Nome-do-Pai - pai morto, piv6 do kdipo senão o pai real -
-!

agente da castração-j. O impacto deste pai é o de um pai vivo6

O desvario de nosso gozo: sem-exceção e paratodismo

Mas ate aqui os pais da atuaiidacle não parecem produzir esse impacto. Não causam impacto,
não assombram, não surpreendem. Em geral, os pais de hoje ido chegam aépater (cf9,l-672).
O "declinio da imago paterna" - antecipadamente proposto por Lacan (cf.7) - deve ser
aborclado, a partir das fórmulas da sexuação, em termos de queda -quando não de fragmento
- tla Função de exceção do pai e, certamente, posta na conta dos efeitos dos "discursos" da
ciência e do capiralismo globalizado, ou hiper moderno.

Opção 1.acaniana no 50 359 Dezenil~i-o2007


Entre Lacan e a época ~ I
O Siiitonia e o Nome-do-Pai sáo conceit$s fundamentais que estão profundamente marcados
pelo percurso do ensino de Lacan, por suas idas e vindas, por suas mudanças de paratligma,
por suas referências múltiplas e sempre mhtantes. Mas, anibos os conceitos, Sintoma e Nome-
do-Pai, estão também prohntlamente niaicados por seu tempo.
O ensino de Lacan e permeável ao cruzamento entre conceitos e épocas, a época infiltra
os conceitos, e Iacan se dobra a suas inflhências quantlo estas são capitais, mas também as
antecipa, as interpreta e aspira a que a Psicanálise incida na époc:i. É ademais a sensatez que
ele apregoa quando, em um de seus últimos seminários disse que há que ser sensato e
"

dar-se conta de que m' neuroses se sustentam nas velações sociai.~"'


Muito cedo iacan anunciou que a debilidade da imago paterna2,seria um fator decisivo na
subjetividade por vir Quarenta anos mais tarde, em uma antecipação impactante que nos
concerne, Lacan destaca o valor predominante no social' clo Nome-do-Pai em declínio; n:i
producão da trama mesma da subjetividade "hiper-moderna".
O sintoma, por sua vez, se constituiu como conceito "freucli;inonaferrado ao Pai, tomaclo do
I
reino do Pai que é o reino do sentido. Foi desvelado como mensagem cifrada, articulada, dirigida
ao lugar desde onde o Nome-do-Pai sustenja a articulação, inipossível, do desejo e da lei.
O sintoma freudiano é o primeiro a fazer furo com sua excitação- pelo que tem tle sexual
- na tranqüilidade do Pai vitoriano: cujo tempo já nào era o de um Pai vitorioso. Freutl o
anunciava e iacan em seu relevo faz avançar o sintoma niuito iiiais longe do que Freutl o
previu. O faz avançar até o "fora de discurso", até fazê-lo uma suplência no lugar do vazio de
uma "foraclusão generalizada". O sintoma-utensílio que não diz nada a ninguém e nienos
ainda ao Pai, mas mantém juntos os registros que sustentam o niundo do sujeito.

A reduçáo do Sintoma e do Nome do Pai.


!

O ensino de Lacan, a respeito do Sintoma e do Nome-do-Rii,não constitui uma euoluçüo


destes conceitos. Sintoma e Nome-do-Pai hais que evoluir, são "reduzidos" pelo ensino de
iacan. Esta redução torna o Sintoma um $ço com uma hnçào: a do Nome-do-Pai. Por sua
parte, essa redução, no caso do Nome-do-/i, rorna-se sintoma.
A época enuecniza estes conceitos fundamentais, as mudanças na clínica demonstram sua
I
Dezembro 2007 1 362 Opçao Lacdniana no 50
correlação com as mudanças na subjetividade. Fstas mutlanças se verificam na apresentação e
no estatuto do que chamamos "sintomas contem[~orâneos".Os "novos sintonias" são
paradigmáticos de uma época que rechaça o saber. uma época de decadência das referências
ligadas ao ideal, de vacilação clos semblantes na cultura. Estes "novos sintomas" estio muito
próximos CIO que Lacan chamava a operação seluagem do sinto~za~ e vão na contra-mio da
vertente simbólica do sintoma como mensagem. É o sintoma que não pede nada, que é futação
de gozo, sua opacidade rechaça o Pai e se desliza como a libido, para fora do tonel, em uma
sintonia completamente distinta daquela dos sintomas freudianos.

Metáforas
Sintoma e Nome-do-Pai são em primeiro lugar, metafooras.
Coni a aplicação dos conceitos linguisticos a psicanálise freudiana, se propõe uma
reformulação do Complexo de Édipo e do Sintoma.
A Metáfora Paterna apresenta na operação edipica um operador privilegiado: o significante
do Noine-do-Pai que metaforiza a arbitrariedade do Desejo da Mãe fundando a lei.
Trata-se de uma re-escritura do Édipo, em ternios de estrutura, que põe o Nome-do-Pai no
centro da reflexão lacaniana como uma questão preliminar a toda psicopatologia possível.
Começa por elucidar o mecanismo fundamental das psicoses. A \.inculaçáo entre foraclusão
do Nome-do-Pai e Sintoma mostra o caminho para desenvol\lmentos muito posteriores do
último ensino de Lacan.
! I também uma reformulação dos sintomas, uma reformulação que o define como signifi-
cante metaf<jrico,hieróglzfo: fo~ra.são,lahi~i?zto,hmelirnw. que requer uma liberaao do
seii~idoapiisionado e que, alino tal, faz emergir a verdade, ali onde o saber falha.
O sintoma-significante que se resolvia por inteiro em uni exercicio de linguagem, é
correlativo do Nome-do-Pai que metaforiza o Desejo Materno.
Poderia se dizer então que já estava aí a associação do Sintoma e do Nomedo-M, nias somen-
te à condição de ressaltar que, tanto uni como outro, se sustentavam dessa operação metafórica.

Nome-do-Pai SII\'TOMA
DESEJO DA iMÃE A

Mythiquement
Se a psicanálise teve no centro de sua doutrina o mito tlo Pai: lacan não só paisa do mito -
~n)~thiquMnent-' a estrutura, senão que ousa ir mais longe que Freud abrindo um camlm mais aléni
do Édilm: o campo do gozo. Reserva para o Pai a essência dassificatória do Totem e se destaca, ao
nível do Pai, a função do nome que perfila o que será mais adiante a reduc;ào à sua Função rdtlicaF .
O sintoma, com seu teciclo de sentido, que teve como correlato a castraçáo, agora sofrerá
também esta operação que cometa a desligá-lo do Outro. Para o Sintoma que já "não quer

Opção lacaniana no 50 363 Dezembro 2007


dizer nada", seu correlato é o gozo, ainda que mantendo seu laço com o inconsciente. O
sintoma como modo de gozar do inconsciente é o complemento do Sintoma (histérico) que
aponta para a verdade, aquela que diz que "o mestre está castrado". Desta articulação entre
Nome-do-Pai e Sintoma se sustentou nossa clínica lacaniana "clássica".

A redução do Nomedo-Pdi se reforça quando ogozo e alíngw estão no ponto de partida e o


Outro é um vazio. O Nomedo-ILii vem em suplência a essa inexistência.Isso mesmo conduz a sua
prolifemção: operatonaniente, o Nomedo-Pai não é o único que pode cumprir sua função.
A época incide e lacan o sublinha: é o uiésde utiz momento que uivemosda história.. .6 na
qual substitui-se o Nome-do-Pai por uma função: nomear-para. Aquela -a Mãe- que devera
traduzir o nome (do Pai) por um nãol pode bastar-se agora, por si só, para exercer essa função
de noniinação. É bem estranho - reflete iacan -ver como o social tomapredoininio de nó.. .i
Definidas assim as coisas, não se priva de antecipar nissoo signo de uma degezeraçao catas-
trojca. Assim estão as coisas: os "sintomas contemporâneos" nos ensinam.

Os verdadeiros Nomes do Pai e o Sintoma.


Os Nomes do Pai é isto: o Real, o Simbólico, o Imaginá?ío[.. .]
São os nomespnmeirosporquanto ?zo?neiamalyo"

A redução a função está completada. Entretanto, ainda resta uma operação fundamental
sobre o Nomedo-Pai e sobre o Sintoma, ~ já que para
. iacan
. esses verdadeiros ainda estão
disjuntos e não asseguram o enodamento dos três. Faz falta o que Freud chamou "a realidade
psíquica'' ("realidade religiosa" para iacan) para mantê-los juntos. O que os mantém juntos, o
quarto, é o Sintoma.
Aqui, Sintoma e Nome-do-Pai confluem de um modo completamente novo, já que o quaito
nó é o Sintoma e e também o Pai. Ele o é porquanto assegura apere-uersiói? e porquanto é
também o que nomeia.
Quando só nos resta do Pai e do Sintoma seu uso, é porque perderam sua essência, ou
porque sua falta de essência ficou demonstrada pelo uso e pela época.
Afetados pela queda dos semblantes, tatito na época como na psicanálise, o Nome-do-hi
e o Sintoma são conceitos insuumentais: utensílios "necessários" para que se sustente um nó
de gozo e sentido que suporte para um sujeito I
seu mundo.
Sintoma e Nome-do-Pai não são conceitos transcendentais, mas continuani sustentando
os Fundamentos da subjetividade. II
O Nome-do-Pai, como um aro de barbajte, seni sentido?Útil para o enodamento, já não é
aquele significante metafórico que com seu mais de significação dá resposta a arbitrariedade
d o Desejo Materno. Mais além do Édipo, $?ta-se de "manter junto", não se trata da essência
do Nome-do-Pai,senão de seu artifício. i
I
Dezembro 2007 1 364 Opçáo Lacaniana no 50
Faz-se lhe de correlato um Sintoma cuja sede! essa sede de sentido que leva a demanda ao
Outro! só é apaziguada pela redução que, em uma psicanálise, o toma instrumento signo.
Finalmente, a potência do significante do Nome-do-Pai,Si privilegiado é reduzido ao nó,
quer dizer. a seu negativo.
É o que indica Lacan em sua afirmação ''Nossaapreensüo analitica do nó é o negativo da
reli&?iã~'~. É o que me permite parafraseá-lo: mio cremos 7 7 0 Noine-do-Pai,mas isso náo nos
impede de utilizá-lo como o que ele é: unz Sintoma.
Talo traduzido por Ròmulo Ferreira da Silm

'lacan,].. Seminado 24, Inédito Wase de1 l i l i f l 7


.
'Lacan i.,"tos Compieios familiares''

'lacan, j..I J nom-dujèn


~ Éditioni du Senil2005
6Lacin,J., %minarioeKSl" .inédito llAfl5
"3.acan: J., Seminacio "te:non dupeserrenr, inédito dasedei 19/FBI
qLaca~~,J.,Seminaio "KSI-. inédito Clae de1 lli?íii
'OLacan,J.,Seminario 'El Sintoma", inédito. Clase de1 9112il5

Opção lacaniana no 50 Dezembro 2007


prazer O real. é o choque, é ofato de que isso não seawanja hnediata~nente,conzo quer a müo
que se estendepara os objetos e~teriores"Em suma, a pulsão não encontra seu objeto, ela o
contorna, ela o rateia e o escamoteia. É na qualidade de radicalmente perdido que ele entra em
função abrindo o campo de sua busca - ou seja, a repetição.
É neste trajeto (no giro pulsional) que a satisfação se aloja; nias no sentido em que o
objeto visado escapa, a pulsão toca portanto o real - "(...)o na1 como o impossível~- e não
pode se reduzir somente aos significantes ou aos envisgamentos imaginários. Dizer que ela
toca o real, é afirmar - a partir do Seminário de 1964 com as aquisições dos seminários
seguintes, notadamente o Senzináric: Mais, ainda. de 1972-1973-que o impossível da rela-
çáo sexual se inscreve em seu âniago. O paradoxo da satisfação pulsional, enquadrado pelo
impossível, é o que iacan articula como "o gozo que não convém". Esse paradoxo, essa lógica
do impossível que fazem o contorno disso, concernem -eis o p:tsso a ser dado - ao objeto e
a seu rateio pelo falasser: "Fsa rala. d i z h c a n em Mais, ainda, é a única fornza de realiza-
ção dessa relação se, como coloco, mio há relação sez-ual (.)Isso rateia (.)k t a - s e de
distingui,; a mnuis não p o d e porque isso rateia. Isso raleia. i? objetivo...Já insi.~tinisto. É
memzo de tal modo contundente, que é objetiuo que é nisso mes~rzoque se tenz que centrar;
no discurso analítico, o de que se trata quanto ao objeto. A rata, ela é o objeto. O objero, é
um rateado. A essência do objeto, é o rateio. '"
Esse rateio quanto ao objeto situa a satisfação pulsional articulada a categoria do impossi-
vel. Dito de outra maneira, enquanto gozo, "ela não convém": gozar do rateio. Objeto a ,
pulsão e sublimação tornam-se trés termos inseparáveis. O resultado: a sublimação é gozo, ou
seja, a junção da satisfa~ãoe do real (= impossível).
Essas observações, principalmente as de 1964, enquanto leitura minuciosa da
Metapsicologia freudiana, são balizas que restituem a sublimação um lugar vivo, bem distante
da afetação trazida pela palavra no léxico banal.
Elas permitem, por exemplo, reler os capítulos \rIl a X11 que Iacan Ihes consagra noSenziná-
r-io: A ética dapsicanálise (1959-1960).Esse ~ n i n á r i ofaz ruptura com uma série que clesdo-
bre o inconsciente trabalhador cujas formações têm um estilo barroco. NoSenzinárfo: A ética, é
das Ding (a Coisa) que prima - ela não faia,faz pausa, chega até a lógica significante:"a realidade
muda que é das Ding". Ela é o "fora-do-significado"e sempre além (do principio do prazer).
Iacan situará a Coisa em posição de causa: o sujeito "pode genieq explcdir, maldizer, ele náo
compreende, mesmo por metáfora". Assim, o bem, o bom, o mal são metáforas (mentiras).IVo
âmago do mundo subjetivo onde se ordenam os significantes do desejo, hádasBing- ela está
no centro como excluída: ela é "o estrangeiro em mim estando totalmente no âmago desse
eu ..."Das Ding determina um lugar (topológico) onde iacan ulteriormente situará o real e o
paradoxo do impossível que faz a sublimação. É a partir dessa nova topologia que iacan intro-
duz a sublimação, notadaniente em seu laço com o pai simbólico. O pai simbólico procede, na
ficc;ãofreudiana de "Toteni e tabu", do assassinato do pai - esse assassinato sendo a condição da
cultura, da lei e do retomo do amor do qual o cristianismo fez sua mola propulsora e que o amor
cortês valorizou em sua poesia. Esse assassinato não abre a via do gozo. Rlo contrario, ele
reforça o obstáculo ao gozo que permanece interdito de maneira duplicada.

Opção Lacaniana no j0 367 Dezernbro 2007


A tese de "Mal estar na civilização" e de "Totem e tabu" é que o beni supremo, que é a mãe
I
(no lugar de Ding) é interditado. "C..) o asso dado por Freud, no níuel do Principio do
j
P r a z e ~é o de detnostra-nos que 1760 há R nl Strpremo que o Bem Suprenz, que é das Ding,
-

que é a mie, o objeto do incesto, é um bem proibido, e que não há outm bem'? A lei moral
se situa neste ponto: ela presentifica, em nonie do pai simbólico, esse não ao bem supremo.
O nome do pai é a operação da sublimação. Iacan não diz outra coisa quando ele fala da
"sublimaçáo do Pai". Não é tampouco por acaso que iacan, para definir a lei moral, faz apelo,
na 12tica, aos niandamentos tirados de Deuteronômio. Deus é aí apreendido pelo viés da lei
que faz sublimação.
O amor cortês, na Idade Média, coloco" a Dama justamente nesse lugar da Coisa. Esse é
um dos paradigmas históricos do amor sutilimado. "O objeto, nomeudamente aqui o objeto
feminiuo se introduz pela porta muito singular da priuação, da h~acessibilid~de.. Qual-
quer que seja a posição social dqitele qdefunciona nesse rqtisilv C..), a inacessihilidade
do objeto é ai colocada desde o início". Quer dizer que "mio hápos.~ihilidadede cantar a
Dama, e7n sua posição poética, sem o pressuposto de uma b u ~ ~ e nque z i a cerque e a isole".
Isso é o "~acúolo".
Essas balizas permitem, a partir clo binômio inicial freudiano pulsão-sublimação, apreender
as conseqtiências clínicas que Iacan extrai disso. Por detrás do véu da heleza que recobre a
inacessibilidade do objeto, se demonstra, de forma radical, que o objeto da pulsão é sempre
perdido, que o trajeto pulsional é satisfação beio seu próprio rateio, quedas Diug é a realidade
mu&i que faz falar, que a rela~ãosexual rido
pode se escrever liberando o impossível. Essas
diferentes expressões de Lacan, seguintlo ai escansões de seu ensino, desnudam em todos os
casos a mesma lógica: a sublimaçio é, ao mksmo, uma modalidade de recobrir e fazer surgir o
real com o qual o sujeito se confronta (tique).
Tesio traduzido por Chafiahérico Farah

'A fera sai de reu biinco e busca o que devorar..


?Laca,J. OSnnNiório: Iium liIOs grwim ronieilmr/imdi?niml1~i8d<1p~i~1nÚIi~e.
iüo de Janeiro: Jorge Zahar Editor 1985 (Z8di~ão),p. 157
'lbid, o. 157-158 !
i.
'Ibid., 158.
'Ibid.. o. 159.

. "
alrcan,J. O Serrtin(irio, livra i:aélicn dopri~núl!se,Rio delaneiio. Jorge Zahar Editar, 19.. , p. I85
'Ibid.. p.185.

Dezembro 2007 O ~ i ~ lacaniana


ão no 50
~ É S U SS ~ G(BELO
O HORZZONE)
( s m t i ~ ~ g ~ . b b ~ @ t m abr)
.~om.

Reconhece-se que o sentido mais geral que a época das I.uzes conferiu ao termo superstiçáo
- o de culto de um falso Deus - tem um passado que é objeto de inúmeras interpretações
filológicas. É por meio da palavra latina sz~perstitioe do adjetivo derivado superstitiosus que
os modernos fmram o sentido mais usual da noção de superstição. Do ponto de vista da
estrutura formal, superstitio deveria ser o termo abstrato correspondente ao termo de base
super~les~ a saber, 'sobrevive7zte: A questão de fundo que anima essas várias interpretações
diz respeito a relação que esses dois termos mantêm entre si, tendo-se em vista quesuperstes
não concerne apenas ao que 'sobrevive', 'subsiste', 'resta: mas associa-se, também, a idéia de
'testeinunho: A mesma tlificuldade enfrenta-se para esclarecimento da relação entresupersfitio
e ruperstitiosus Ao admitir-se que o termo latino superstilio levou, de alguma maneira, a
significaçào de 'superstiçáo: como se conceber que acperstitiosus tenha assumido, na Anti-
guidade, o sentido de 'divino: profético', e não de 'supersticioso"?
Para os fins aqui pretendidos, basta salientar o aspecto culminante dessa interpreração em
que o superstes>'sobrevivmzte: se mescla a superslitio, atribuindo-lhe o sentido de 'sobreui-
oêilcia: Segundo Benveniste, o termo superstitio indicaria a existência do remanescente de
uma velha crença que, em tempos remotos, ji parecia ser algo supérfluo. É visível que tal
explicação repousa, de acordo coni ele, sobre um contra-senso histórico: ". .. seria etnprestar
aos a7ztigos, e antes mesmo da trudiçüo histórica, a atitude de espirito e o senso crítico do
século XiX ou de nossos etnólogos nwdeinos que viabilizaranz o discenziniento na religião
de 'sobreuivências'de uma época mais antiga... ">. Por outro lado, ele acrescenta ainda que,
dessa visão antecipatória, inscrita na expressàosuperstitiosus, os modernos preferiram lprivi-
legiar a oposição entre os falsos cultos da superstição e os &I religião verdadeira, às expensas
clo feiiomeno singular das "sobreviuêncius')que, já naquela época, não se harmoniza\~am
coni o sistema d e crença instituído.
Não se deve esquecer que Freud se inclui na lista desses niodernos que reafirmavam a
distinção entre as diversas modalidades de crenças, sobretudo entre as crenças supersticiosas
e a religião judaico-cristã. Se há uni aspecto que se impõe ao se considerar a concepção
freudiana da civilização, é o de que houve uma época seni religião e: portanto, seni a crença
no Deus único e absoluto. Com base em estudos de história das civilizações,Freud demonstra
que, apesar de serem um fator inerente a condição humana, as manifestações da crença pas-
sam, ao longo da história, por transformações significativas.Sob a ótica destas manifestações,
é preciso levar em conta a importância de um período histórico, que antecedeu o surgimento

Opçáo lacaniana no 50 369 Dezembro 2007


da religiáo
- monoteísta, que a etnologia- da época denominou de fase aniniista. Assinala-se,
ainda, que: para Freutl, muito das expressões do animismo sol>revivem,até hoje, por meio do
que se chama superstição: paralelamente,le por trás da religiãd. Argumenta ele que ninguém
deve se surpreender, mesmo após a emekgência do monoteísmo judaico-cristão, com o fato
de que as práticas religiosas podem consdrvar aspectos essenciais do niodo animista de pen-
samento: asupencilor%ação da magia das'palavra; nos rituais da prece e a crença de que:Com
auxílio tlas Forças divinas, acontecimentosreais do mundo tomam o nimo que o pensamento
do homem deieja impor-lhes.Vê-se, portalnto, que a superstição é concehitla, nesse contexto,
como um "animismo sem atos ma,@cos" -
4. A maneira como se apreende o fenômeno é uma
evidência de que a acusaçáo de evolucionlsmo em matéria da história da civilização, que pesa
sob Freud, se niostra insuficiente, pois aborda a dificuldade em fazer desaparecer algo que, no
âmbito das crenças, demonstra fone exprtssão psíquica.
Por outro lado, a hipótese de que essa sobrevivéncia da razáo supersticiosa no discurso
religioso se exprime, também, com a mesma forca, no funcionamento da neurose teve lugar,
desde muito ceclo, no trajeto da elaboração freudiana. Charna a atenção o fato de que ele
tenha escolhido, como desfecho de 'kpsi~opatologiada vida cotidiana", :i discussão sobre o
quanto a crença supersticiosa é uma demonstração da inte~ferênciado saber inconsciente
nos atos fortuitos e falhos do sujeito. Após o relato de um acontecimento que, supostamente,
poderia provocar-lhe um raciocínio supersticioso, nos moldes de um presságio ou de uma
advertência do destino, Freud indaga sobre a causalidade de tal modalitkide de crença. Diante
desse episódio, cuja origem pode ser considerada acidental, ele interroga-se sobre as distinções
que envolvem a inciclência da crença no hjmem supersticioso e no psicanalista, cujo exemplo
é ele próprio.
Interrogar a causalidacle da crença supersticiosa supóe admitir que :i certeza que o analista
obtém do real está sempre condicionada pela contingência, pelo que se apresenta como
inessencial e definitivamente variável. Com isso, Freud recusa todo psicologismo, que desco-
nhece que "um evento, em cuja ocowência minha vida ,no~talnão pariicipou. pode ins-
truir algo sobre a coiflguração furum da realid~de'~. iUém de náo corisentir com o fator
causal envolvido em seus atos fortuitos e em seus atos falhos, o supersticioso mostra-se, ao
contrário, fortemente inclinado a atribuir sentido aos acontecimentos imprevistos do real.
Nào crê que a contingência, no sentido do que se apresenta como podendoser ou nüo-ser;
possa constituir-se conio a ~.propriedade mesma das coisas. Enfini, para o supersticioso, não há
sujeito do inconsciente, há um determin$mo psicologizante, que anibiciona tomar o real
como possível e marcadamente redutíve! ao sentido. Essa recusa da contingência como
I
demonstraçáo clo real como impossível é o que marca o cerne da razão supersticiosa. Ao
contrário, tal como o cientista, o psicanalista acede ao real por nieio do impossível, mas de
I
um impossível muito singular porque se epraíza na contingência, e não no necessário.

Dezembro 2007 1 370 O p ~ ã oLacaniana no 50


legado que opta pela ruptura com épocas passadas e, portanto, inaugura a modernidade. Não
é sem fundamento a consideração de que a filosofia das Luzes, a esse respeito, não foi tão
inovadora como se poderia pensar: pois a Igreja Católica já havia, no passado, se comproinetido
amplamente com essa mesnia frente de combate contra a superstição6.Nesse contexto histó-
rico, esta deixa de ser concebida como um elemento estrangeiro ao próprio Cristianismo. Ela
ameaça-o de seu interior Torna-se, assim, uma espécie de "religião dos outros'; visto que se
confunde com as forças impuras que contaminam o culto do verdadeiro Deus.
É sob esse prisma que se compreendem as razões que levam Iacan a sugerir, a propósito
de se definir a superstição, a leitura deDe natura deorum de Cícero, e não, por exemplo, a
filosofia de Voltaire'. Para este último, a superstição é "tudo que se acrescenta a religião
natura1"sob a forma dos mais diversos excessos e desvarios, expressos em fanatismos:adora-
ções e crenças suscetíveis de afetar o comportamento propriamente religioso8. A noção
voltairiana de "distância por excesso" (écart par escès), que se afirma nessas utilizações
profanas das qualificações teológicas, indica o quanto, para ele, a idéia de excesso supõe, na
mesma proporçaol a de norma.
Opondo-se a essa orientação propriamente prescritiva, Iacan aprecia, com acuidade, o
exemplo longínquo do texto de Cícero, que se ocupa da questão concemente à natureza dos
deuses, a medida que reconhece o impacto que tal questão causa na vida social e política,
bem como: na prática das \,irrudes éticas. Interessa-lhedestacar, nesse texto da Antiguidade, o
aspecto genealógico, uma \?ezque, por meio dele, se estabelece a distinção, assinalada anterior-
niente, entre o sentido mais geral e o sentido literal fornecido pelo termo superstitiosus.
Iacan enuncia que "os superstitiosw eram pessom que oravam efaziam sacnificios, durante
todo o dia, para que seus descendentes Ihes sobrevivessem".Nessa apropriação da devofio
por pessoas visando a uin fini que Ihes parece essencial,é nítida a ênfase conferida a idéia cle
sobrevivência. F~saformulação esclarece muito mais sobre a concepção que tinham os Antigos
-concepção tão importante em todas as sociedades antigas -da 'kontiauidade da linhagem"
do que sobre a oposição entre o culto supersticioso e o culto do verdadeiro Deus. O próprio
I.acaii questiona se não é por meio dessa referência genealógica aosuperstitio que se chega a
apreensão da verdadeira definição a ser dada da superstição, ou seja, "extrair umaparte do
texto de um comnpo?-tamento em detrimento dos outros'! Evidentemente, essa extração de
parte do texto é o que sobrevive, o que resta conio oformçãopurcelur" e, mesmo, como
testemunho do "deslocamento tnetÓdico"do que é essencial no mecanismo da neurose9.
Alguns anos mais tarde, em Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, hcan
retorna a essa mesma elaboração sobre a superstição, desta vez, niovido pelo problema cla
ordem de verdade que a prática analítica engendra. É certo: no entanto, que aquilo que a
psicanálise engendra como prática teni o direito de se distinguir pelas necessidades do que
ela implica e, sobretudo, pelo modo como trata a questão da verdade. Segundo hcan: a niesrna
questâo pode ser colocada mediante essa fórmula esotérica: Conzogamntir que não estamos
na impostura? Esclarece, aincla, que sua elaboraçao exige o uso do termo impostura porque
tal uso é o meio mais seguro ]para tratar a relação da psicanálise com a religião e: por esse
mesmo viés. com a ciéncialO.

Opção iacaniana no 50 371 Dezembro 2007


Como se viu antes, trata-se do niesmo problema com que o honiem das Luzes se defronta,
durante o século XVIII, quando põe em questão a presença de uma impostura no seio do
tliscurso religioso por meio da contaminação das impurezas prbpnas às crenças supersticiosas.
No Fundo, o essencial da discussão sobre a ordem de verdade engendrada pela prdtica analítica
decide-se pelo questionamento sobre o destino da crença, que, sob o prisma do ensino de
Lacan, se sustenta pela interposição de uma alienação fundamental. É apenas quando a signi-
ficaçào da crença parece desvanecer-se qu,e o ser do sujeito vem à luz para atingir o que era,
propnainente falando, a realidade última bessa crenca.
Esse é o mesmo problema do desvaneiimento da crença que J:A. Miller aponta ao incitar
I
o psicanalista a dar uma resposta sobre o que restaria da psicanálise no momento em que se
cessou de acreditar nela, de acreditar o bastante para dedicar-se a ela. Finalmente, o que
restaria da psicanálise, daquilo que ela fezperceber, daquilo a que ela fez aceder, quando ela
não fosse mais que superstição." Toma-se, &sim, a superstição niais elo viés da sobrevivência
do que pelas impurezas de uma crença. hrece claro que a resposta que Lacan confere ao
problema lança mão da superstição como~uperstitio,pois, segundo diz explicitamente, "nüo
basta vencê-la [a superstição]p a r a que i e w efeito$ sobre o sujeito, sejam apazig~ados'~'.
Alerta ele, ainda, que a psicanálise suspeita de todo discurso que se arvora na apologia da
descrença ou, também, do que se afigura como "unz triunfo completo da desilusáo"l', princi-
palmente porque esta última, em algumapane, conserva algum resto de superstição. Aliás,
ele mesmo conjectura, em De um Outro a o outro. que essa discussão sobre a genealogia da
superstição pode configurar-se como um capítulo de seu seminário inexistente -Os Nonzes
do PaitY.k bem provável que, nesse cal~ítulo\~erossimil,a superstição se faça presente para
mostrar o que sobrevive, o que subsiste e continua a existir quando o pai não mais existe, para
mostrar aquilo que qualifica esse so1)revivente.
I
lknaiiisle, i.POULC
I t ~ s , hlinuit, 1%. 12, p. 273.
droil religim V m b u h i r e d i~n~~ l i l ~ i i o ~ ~ i n d o - e u r o p &Paris:
'Idem, p. 274.
jFrcud, S. (832). "bnferênci~XWr:Aquestiode u m a ~ o ~ ~ ~ n s b o u OP, u ! t.,~ ~ Y, ~ Ip. Zül.
,
'Idem.
'Freud, S. A psicopatolop,iadavida cotidiana (1901).op. cil.. v.\'I, 8.308.
I

b~oliaire~. . Paiilo: A& Ediiora, 1956. p. 316j


~ i c i o > w r i o j i l o s ú ~São
'Lacan. 1. (19563. O k~nitujrio.Lilm lil.oo.Ot., P 135.. I
- -
'~1acan.j.(1961). O Seminário, Livro XI. Or conceilai fiindamebtab à1 kicanáuse.
op. cil.. p. 250.
"l.acan. J. (1969). O Seminátio. úir~l"~l.
"Idem.
I
I
d?
Wiin AUIX à I.aulre. Icçon 4 decembre196P. Inidilo.

Opção lacaniana no 50
Os anos 50
"Não há dúvida de que a figura do Prof. Flechsig, em sua gravidade de pesquisador (...)não
ter conseguidosuprir o vazio subitamente vislumbrado da Vertuerfung inaugural.'"
Encontra-se o verbo suprir, pela primeira vez em Lann, neste texto dos Escritos, articulado
foraclusão do significante do Nome-do-Pai. Lacan escolhe a forma da negação para introduzir
uma possível compensação do vazio da foraclusão paterna na psicose e em Shreber.
Isto responde a um niomento em que a psicanálise se refere exclusivamente a uma clínica
edipiana, repartida entre neurose e psicose, seguindo o "ou uma coisa, ou outra "da opei;ição da
metáfora paterna.
A linguagem é submetida ao aparelho regulador do Nome-do-Pdi do Édipo. O significante
do Nome-do-Pai coloca ordem na linguagem, inscreve o sujeito na lei simbólica e nomeia o
desejo da mÃe fornecendo-lhe a significação fálica.
A psicose pode então ser unicamente considerada como um déficit que pede unia com-
pensação. Suplência e déficit são, portanto, aqui, indissociáveis.Como a neurose Figura como
privilegiada, náo referida a uni déficit, não pede suplência.
Adianta&em 1958, que é possível suprir a vencier/Üng inaugud é um avanço mcante. Ifirinite
que se deixe de superpor a estrutura psicódca e a loucura. É também destacar a noção de
desencadeamento como algo quevem &%inalaro momento em que a suplência não é mais operatória.
I.er o Lacan destes anos leva a reter duas modalidades: "a compensação imaginária do
Édipo ausente"? (identificação imaginária ideal que vem por um tempo suprir a foraclusáo) e
a metáfora delirante (ordenacão sinibólica que não passa pelo nome do pai do Édipo.

Os anos 70
Vinte anos se passaram e a sociedade modificou-se notavelmente. Lacan percebeu isso
antes de qualquer um. Ele escreve em 1960 o declinio por vir da sociedade paternalista: "O
Édipo não teria como manter-se indefinidamente em cartaz nas formas da sociedade em que
se perde cada vez mais o sentido da tragédia"?
Com esta frase, ecoa outra citação bem mais antiga, de 1938: "O complexo de Édipo não se
funda fora da relatividade sociológica e a função do pai é vinculada a prevalência de uma
determinação social, a da faniília paternalista"?

Opyáo iacaniana no 50 373 Dezembro 2007


Nos anos setenta, lacan tira as con~d~üências para a psicanálise, para sua clínica e sua
prática, de profundas mudanças sociológ!cas.
A clínica borronie;ina, a nova clínica herdeira dos dez últimos anos do ensino de Lacan
I
sobre os nós, visa, senão descanar completamente a referência paterna na ~jsicanálise,ao
menos reduzi-l:i a seu caroço [trognon].
O termo ~supléncia),vinculado ao Nome-do-Pai do Édipo, torna-se um termo datado: que
remete a uma clínica que não é mais aqudla em que nos encontramos hoje.
No entanto, este termo ganha nova vida, em panicuiar no Setninário Liv~oN111 eni que é
por Lacan referido ao sinthonia como enlace, como aquilo que vem reparar o ratear [raruge]
I
do nó de três aros: "O que proponho aqui é que se considere o caso de Joyce como respon-
dendo a uma nianeira desuprir um desenlace do nó."r O sinthomaloyce vem supi-iro Fracas-
so do nó reforçando o aro do simbólico ereparando a cadeia borroriieana.
A suplência não é niais o que responde'ao déficit do Nome-do-Pai do Édipo. Asuplência se
generaliza tio sentido eni que todo hunilno nada mais é que um falasser em potencial. É
preciso partir então da disjunção que funda o nó e considerar os 3 aros do real, do simbólico
e do imaginário como cavaleiros solitários'- a suplência vem manter os três aros juntos graças
a um quarto. Jacques-Alain Miller em seu 'curso de 2004-2005,Lespiices détuchée.$, destaca
que o honiem é uni coniposto: feito de !três elementos disparares, dos quais só o enlace
;
simtoniático lhe confere substância. I
Para que o homeni encontre sua substância de falasser, é necessária uma suplência
I
sinthomática que niantenha juntos os três aros. O nome do pai do Édipo, que ê sintoma, cons-
I
titui uma suplência, mas ele é apenas um entre muitos outros. Joyce nos fomece o exemplo de
um modo de suplênci:i sintlioniática pela ehcnta que não passa pelo nome do pai do Édipo.
Todo humano tem que afrontar o tralmatismo de lalingua - e tem que se fazer falasser
grampeando sentido no real de lalingua. É este grampo que supre o parasitismo incessante de
Ialíngua, que se constata c0111clareza nos fenômenos psicóticos patentes.

Sinthoma e suplência
Pode-se chegar a dissociar suplência de Nome-do-Pai?É a questão que coloca lacan em
seu Semilzário &SI,, em 1975: "Para que se,enlacem estes três: é necessariamente preciso um
a mais - a consistência deste, deveríamos referi-la a função do pai? O nó bor ronieano tle-
monstra o contrário (...). Esta funqão sudlementar do pai, seria indispensável? Estou Ihes
mostrando que isso poderia ser artificiosol[~otztrouvé]".~
No entanto, algumas linhas adiante, 1ackn acrescenta que não se trata de imaginar que ele
i
profetizaria que poderíamos dispensar do Nome-do-Pai, cada um dos 3 aros iria para o seu
lado. O Nome-do-Pai ainda é necessário para Ihes enlaçar.
Seguindo Lacan nestes últimos anos de,I seu ensino, é difícil não manter um laço mínimo
I outro lado dissociar o Nome-do-Pai da Funçio
entre supléncia e Wome-do-Pai.É preciso, por
paterna para só lhe manter unicamente a flinção de nomeação.
Os Seminários (,RSIn e O sinthom perhtem aproximar suplência e nonieação.

Dezembro 2007 1 374 Opção 1;icatiiana no 50


que faz suplência aquela que não se instalou. O defeito se situa no simbólico, a solução
também: seja pela metáfora, seja pela metonímia. A suplência é significantização.
A oposição neurose/psicose, que faz a neurose parecer melhor é, contudo, atenuada pelo
fato de que, mesmo no caso da neurose, o NDP não subsume inteiramente o gozo e que o
sintoma neurótico desempenha tanibém um papel de suplência.
Suppléer, que inicialmente foi um verbo transitivo em francês e tomou-se intransitivo,
refere-se sempre a suprir alguma falta; um suplente é alguém que ocupa o lugar deixado
vazio. De maneira divertida, parece que o termo, em sua formação, cruzou com o de suplicar.
Se Deus é a instância que se esconde detrás do Nome-do-Pai,a etimologia é bem vinda para
sublinhar desta vez que suplências e NDP estão, por estrutura, ligados. É isso que o último
ensino de Lacan, tal como ele se desenvolve a partir do Semi7zLri0, livro 20: mais, aindu,
coloca em evidência.Jacques-Alain Miller tinha destacado, em seu curso, como era impoltante o
esquema da página 121 desse Seminário que inscreve os três vértices d e um triângulo, imagi-
nário: real e simbólico.
Desta vez, o real, simbólico e imaginário são apreendidos como trés dimensões heterogé-
neas, mas sem hierarquia entre elas e de igual consisténcia. A clínica dos nós, a clínica
borromeana, vai poder se desenvolver Em-se trés aros de barbante enlaçados de tal maneira
que ao se cortar um, liberam-se os três. Estes aros de barbante são chamados real, simbólico
e imaginhio. Estuda-se as diferentes modalidades de enlayamento destes aros, os emos também e
o que um quarto aro pode fazer para remediar um enlaçamento deficiente. Iacan ressalta que
é possível que este quarto aro seja a regra, chamada de NDP ou de sintoma. A obra de Joyce é
convocada para destacar conio a sua escrita e a sua obra funcionam a esse propósito, e ele o
faz comparando sua prática de escrita com o que seu pai foi para Joyce. Seu pai não foi de
nianeira alguma um pai. Ele foi tleficienttl em todos os registros e de todos os modos. O NDP
não funcionou. Joyce encontrou outras soluções: notadamente a de .se fazer um nome*, a
partir de uma obra que os universitários estudariam durante séculos. XÉ de se querer um
nome, que Joyce fez a conipensação da carência paterna.. A escrita de Joyce é singular e
enigmática: iacan faz a hipótese de que ela leva a marca da falha do nó e que é o ego de Joyce
que faz a função do quarto círculo. Com efeito, a relação que Joyce mantém com seu corpo -
que é, de preferência, sobre o modo da não relação ou do nojo - leva a pensar que o aro do
imaginário não se encontra enlaçado aos outros dois: ele desliza e Joyce é indiferente ao que
lhe sobrevém nas circunstâncias em que é maltratado. lacan vê nisso um fenômeno especial
que, neste caso, chama de ego, ou seja: a idéia de si como um corpo. O desistir do corpo
conduz a pensar que, para ele: o ego tem uma função bem panicular, que é a de operar o
enlaçamento que não se produziu.
O ego de Joyce apóia-se sobre a escrita, uma escrita que Iacan d i d ser de outra ordem,
sinthomática, utilizando uma antiga grafia da palavra sintoma, ou seja, um misto de sintoma e
de gozo. O que Lacan propóe é "considerar o caso de Joyce como resposta a uma maneira de
fazer suplência a um desenlaçamento do nó)>.
O trabalho efetuado por Lacan é extremamente precioso para a clínica: com efeito, as
formas de psicose mudam e se a psicose schrebiana ainda existe, mais numerosos sáo os

Opcão Lacaniana no 50 377 Dezembro 2007


sujeitos que se apresentam como joycianos e, mesmo, que alternam, segundo o momento em
que os encontramos, uma e outra vertenti. Uma clínica das suplências conheceu o tempo em
que se estuda como, sem o recurso do ND~!um sujeito pode manter juntos, imaginário, real e
I
'
simbólico. As suplências não são mais resenradai ao simbólico, mas também podem perfeita-
mente ser da ordem do imaginário e, mesmo, do real, o que a transferência como real
demonstra com freqüência. I
No mesmo movimento, apreende-se que a questão das suplências é mais vasta e conceme,
para além das estmturas clínicas tornadasium pouco imprecisa, a todo ser falante. O buraco
no simbólico está para todos: não existe no inconsciente o significante da mulher que permitiria
que a relação sexual pudesse se escrever. o bue Lacan resume em mão há relação sexual^^. Este
anão há. determina um lugar vazio que convoca sempre uma suplência. A função do pai e
suplente da castração da selacão sexual, vidto que esta não é de foma algum inscritível. O pai
freudiano não existe mais e a ciência do te41 aberta por Lacan faz suplência, por sua vez: a esta
versão do pai. O dizer verdadeiro, necesiário na experiência analítica, tem que fazer uma
articulação com esta ciência do real. i
Texto traduzido por Ana Lydia Santiago

Opçáo Lacaniana nU 50
Na orientação lacaniana a toxicomania é um termo que indica a relação de um sujeito com
uma substância química natural ou sintética como objeto de gozo privilegiado. A toxicomania
não é uma entidade clínica que se possa precisar com os referentes freudianos. Encontra-se
em qualquer estrutura. O problema aparece porque! o toxicômano com seu ato, encobre os
sintomas que revelam sua estrutura de acordo coni as categorias freudianas d e neurose, per-
versão e psicose.
As drogas têm servido ao homem, através do tempo, para lidar com as forças da natureza,
com os enigmas do corpo, com os temores pelo mais-além, etc. Tudo isto no marco e um
Outro sempre presente. Contudo, estes usos contr:istam, de maneira notávei, com os que
mantêm o adito de hoje.
O movimento atual dos gozos participa de maneira particular no aumento das toxicomanias:
pois produz um empuxo ao consumo de objetos de toclo tipo, incluindo as drogas, legalizadas
ou não. Inúmeros trabalhos de analistas do Campo freudiano concordam em que ao homem
de nosso tempo se lhe pede atuar conforme seu gozo e, de acordo com uni mandamento de
consurriiJ que o deixa a niercí. dos objetos de gozo oferecidos pelo mel-cado.Por tudo isto, a
psicanálise de orientaçáo lacaniana incorpora em sua investigação os elementos do estado
atual da civilização que facilitam e até induzem o consumo maciço de drogas e a toxicomania.
Os tempos atuais vivem unia acelerada emancipação dos gozos. '!lata-se funclanientalmente
de uma reivindicação social que busca reconhecimento legal. Tudo isto tem enormes conse-
qüências sobre o coletivo. Produz impacto na estrutura da família tradicional, nas instituições
educativas, na religiáo, na governabilidade, afeta o sujeito em sua vida cotidiana e favorece as
adições de toda espécie.
Deve se tomar igualmente em conta, a histórica tensão entre ordeni e subjeti\idade social
que causa crise na contemporaneidade desde que ai formas tradicionais de regulação prove-
nientes do Ouri-ojá não são niais eficazes. O saldo clínico de toda esta situaçáo é a persistência
de sintomas conio a toxicomania, a anorexia, a bulimia, as ludopatias e as pandemias inodemas
que conhecemos como o stress e a depressão
Para Freud a droga seive de lenitivo para enfrentar o mundo. A respeito clisto: dá algumas
indicações em "O mal-estar na civilização". Freud 0bSeiva ainda que aqueles que vêem nas
drogas um refúgio desembocando na toxicomania, começam buscando equilhrio e até prazer,
mas acabam encontrando outra coisa que os introduz na dimensáo do mais-além d. <I h omeostase
e do prael-. A clínica mostra que o prazer dura apenas o instante em que se torna ou que se

Opção Iacaniaria n" j O 379 Dezembro 2007


injeta a dose requencla. Com o tempo o que se põe em evidência, é um mais-além radical que
a psicanilise lacaniana distingue sob a noção de gozo enquanto distinto do prazer Esta noção
implica na diminuição progressiva ela funbão fálica como ordenadora de gozo.
iacan retoma a tese freudiana e situa oeixo das adições eni tomo da dinâmica do falo, nias
enquanto ruptura com ele. Segundo iacan, o êxito da droga está no fato em que permite "o
rompimento do sujeito com o pequeno pipin'. Desta forma, o sujeito evita colocar-se "o
problema sexual"' segundo a expressão usada por Jacques-Alain Miller
Mediante um artifício com a droga o sdjeito evita os efeitos da castração. A ruptura com o
falo, que não deve ser entendida no sentidb da psicose, gera uma série de conseqüência5como
o rechaço do inconsciente e da diferença skxuai, a substituição do parceiro amoroso pela droga
e a possibilidade de um retorno dogozosolre o corposem o limite do Falo. Estegozo autoerótico
acrescido da anulação do Outro são os elementos centrais que distinguem a toxicomania e
outras formas de aproxima@o às drogas. h vida do toxicômano está a serviço de um gozo
repetitivo que não o d e h pensar nem fazer mais nada, mas que lhe seme para desconectar-se
do mundo e o encerra numa sorte de enq"istamento comum objeto que organiza sua vida.
Em geral a droga proporciona um gozo!sobre o qual o Nome-do-Pai não é eficaz. Mediante
sua ação o toxicómano tenta prescindir do @i, no entanto sem senir-se dele. Com esta manobra
fica exposto a um gozo infinito. Infinitudelque devemos situar do lado do gozo pulsional. Os
toxicómanos não podem dizer o que é ainba que; frequentemente, refiram-se a uma vivência
de encontrarem-se frente a um abismo injondável.
As drogas favorecem as patologias da ktuação, acting-out e passagem no aro, em detri-
mento da elaboração pela palavra e da resdonsabilidade sobre as conseqüências do consumo.
A droga entra no circuito da repetição/tal como qualquer objeto da pulsão evidenciando
tratar-se de um objeto pulsional: contudo, agarrado no imediatismo. Entre um uso e outro se
desenvolve a vida do adito decidido e a dinâmica de sua repetição. Uma repetição que náo
introduz ficções nem fantasias como as que geram o imaginário fantasmático. Este ponto abre
a pergunta sobre a relação entre o objeto-droga e o fantasma.
Desde uma perspectiva freudiana,a pul~ãoe o desejo não se educam, sendo por esta razáo
que a prevenção não clemonstra a eficácia esperada, apesar dos esforços e da enorme quantia
em dinheiro investida em escala mundial. A prevenção, tão pouco, pode ser considerada como
um dos Nomes do Pai. É por isso que a propedéutica e a moral preventivas fracassam quando se
trata de dizer não ao gozo. Não podemos de,ixarde considerar, quando aborclamos a prevenção
desde a perspectiva analítica, a préçxisténkia de uma estrutura clínica à entrada da droga na
vida pulsional. Não há maneira
truímos como estrutura clínica; de objeto. Disso
sabe a psicanálise que encontra de tal prevenção.
O tratamento psicanalítico das dificuldades particulares, sobretudo
em seu inicio. Nas entrevistas a impressão de estarmos frente a um ser
sem história cuja vida se desenvolve no do consumo, empobrecido no seu uso
da linguagem que só fala de seus rituais, dh droga de sua preferência, dos problemas com a
justiça e manifestando um franco desinterksse para com tudo e com todos. Neste período

Dezembro 2007 1 380 Opção 1.acanian:i no j0


estamos forçados a escutar intermináveis relatos do imediato da relação com um objeto e
com o que o rodeia, até que a palavra revele mais c10 que diz aparecendo algum esl~oçode
divisão que poderia conduzir a uma análise. O toxicômano não pede análise, quando o faz,
temos a indicação de uma possível virada subjetiva que vai no sentido contrário ao seu isola-
mento autista com o gozo. A análise reinrrodiiz a alteridade com o Outro que o toxicômano
evita com a adicão. Nesta experiência o sujeito muda o gozo, do objeto para a palavra. Nisso
não se diferencia de uma análise que tenha sido empreendida por qualquer outro motivo.
Nas psicoterapias de um moclo geral, a suspensão do consumo é índice do êxito terapêutico,
mas a psicanálise reconhece que tal suspensão pode se dar sem que tenha modificado a cau-
salidade inconsciente que sustenta a adição. Dai que o trabalho analítico possa resgarar a
rela$ão entre o consumo e a realidade inconsciente; para isto se requer a transferência e, esta
não se estabelece facilmente. A transferência útil à análise se constitui como uma pergunta
pelo saber e este, eles o tém, ou seja, o saber do gozo.
Por outro lado, a droga não é um sintoma em si mesmo apesar do que dizem as campa-
nhas de prevenção quanto a isto. O sintoma para a psicanálise é o resultado da colocação da
queixa, o sofrimento, e nestes casos a função da droga é um enigma a decifrar O trabalho do
analista requer que se abra uma brecha na relação com um objeto que é bastante efetivo para
evitar saber sobre aquilo que sustenta a adição. "Não se trata - diz Maurício Brrab - de fazer
um discurso sobre as drogas, trata-se de dar à toxicomania um tratamento discursivo que a
psicanálise pode muito bem resumir em uma fórmula que indica a direção do tratamento : "ir
do fazer ao dizer"'. Dessa maneira, mediante o tratamento analítico,abre-se o caminho para a
modificação da relação do sujeito com seu gozo.
Texio iradurido por Luiz Fernando Carrijo da Cunha

'I.acan.Jacques. 'Interiongão nx jornada de ariCis da EFP. 197iPublicado em Lottre de I'EFP n.18


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Bibliografia recomendada
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2WO
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Ililgo Freda o Bernard lecouer, "Le lodcomane e1 s& ésfrapeuta': Aoahiia 57, Kavarllr d., Paris 1959.
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Kéquiz, Geratdo.Lasodiccionesy e1 m~lulurro~rlemporóneo.Publicado por GEPG. Cuatemala. 2003.

Opçáo Lacaniana n" 50


Introdução
i
Tratar estes dois termos implica, a pridcipio, um rrajeto na obra de Iacan cujas primeiras
mai-cas são seu retorno a Freud. Dez anosde seu ensino, de 1953 até 1964, remetem o texto
lacaniano a sua leitura de Freud. Pataremos de demonstrar como esses dois termos : o Nonie-
doPai e o traço unário, são; no inicio de siu ensino, solitlários de uma leitura freudiana e se
reportam a ela. Mais adiante lacan irá fazendo seus próprios apones, a principio a partir da
invenção do objeto a , e voltando sobre si mesmo, reconceitualizará e enriquecerá estes teF
mos, que, em alguns momentos podem s/ reunidos, e em outros parecem disjuntos.

Como figura não é um conceito nascido na psicanálise, mas sim uma figura que provém da
religião e &i tradição, sobretudo, ainda que não inteiramente, judaico-crista. brtanto é unia
elaboração de Freud, mas que o próprio Freud em "Psicologia (Ias massas e análise do eu:',
tenta clescolar da dimensão religiosa. ,
Esta primeira identificação cla origem aD complexo de Édipo normal é uma identificação
ambi\:alente.
Em primeira instância Lacan o trata como operador sinibólico, cuja funqão essencial é
metaforizar o gozo da mãe na metáfora pa{erna; com isso não resolve o problema do gozo;
apelzindo a "Totem e tabu" trata de situar de que gozo pode encarregar-se o Nome-do-Pai.
Demonstrará que o grafo do desejo se tornará imporente com relaçáo ao gozo pulsional.
A medida que se avança nas elaboraçòes be Lacan, desde o imaginário-simbólico,vai sendo
observada a relatividade da opeiação do ~o$e-do-Pai.Freud e lacan recorrem a meiaforiz;ição
do Nome-do-Pai juscamente para impedir quk a psicanálise se desviasse para a psicose.
d
lacan nunca se contentou com o Éclipo sempre pensou em seu mais além, quiçá porque
supunha que esse operador fechasse o caminho, uma vez que remetia ao Deus da religião.
Somente propondo a operação uniuersaiizahte do Nome-do-Pai e a inclusão do objeto a em
sua teoria?irá traçando o caminho para descolar o pai desta condiqão.
Nessa elaboração é fundamental que, para ocupar o lugar do pai, ninguém se confunda
com o Nome-do-Pai, uma vez que isso produz 1 a psicose. Há que se cuidar muito bem de clar
lugar a père-version, que é para Lacan a única garantia da função do pai, que não consiste
I
Dezeiiibro 2007 Opção Lacaniana nu 50
somente em elaborar o gozo dando-lhe um significante. Trata-se do objeto a como causa de
sue desejo, para o qual é preciso que haja uma mulher que seja causa deste desejo, o que o
distinguirá d o Norne-dopai, "...que não deseja nada absolutamente. Assim a função do pai
será preservada de modo homogêneo e mesmo idêntico à Função do sintoma.'

Traço unário
Retomando o que fora assinalado anteriormente, Freud define a segunda identificação como
uma identificação parcial, que captura um único traço da pessoa amada, 'kin einrrgaZug".
iacan lê a primeira identificação h-eudiana a panir da segunda, e nesta o Outro se reduz a
um traço. A intervenção de iacan é substituir ao pai da primeira identificação, com um Nome-
do-Pai, um traço. A identificação ao sintoma se reduz a um traço. Lacan fez com que o pai, em
sua massa pouco manejável, dificilmente situável: sofresse uma redução ao traço: a esse traço
unário do pai, que é o nome2. Trata-se de um esforço de subtrair ao pai todo registro de
imagem e situá-lo como traço escrito, que como o nome, não se presta a tradução ou à signi-
ficação. Na aula seis do Senzinário: 'A, identificação", iacan diz: "...o que veiiios sempre, cada
vez que fazemos intervir esta etiqueta de ideograma, é algo que se apresenta, com efeito.
como muito próximo a uma imagem, porém que se toma ideograma à medida que perde,
apaga, cada vez mais esse caráter cle imagem. Pois que são traços que saem de algo que é, em
sua essência, figurativo, e é por isso que se crê que é uni ideograma. liata-se todavia um
figurativo apagado, reprimido, inclusi\le rechaçado. O que resta é algo da ordem desse traço
uiiário enquanto funciona como distintii~oe pode, segundo a ocasião, fazer o papel de marca".
Quando hliller, no Curso "Os signos do gozo", no capítulo 9: introduz a questão da identi-
ficação primordial, já destacou nos capítulos anteriores a trajetória d e Lacan nos diferentes
niomentos de seu ensiiio. O que interessa sublinhar é que a identificação primordial, essa que
i.acan tenta abordar a partir da insígnia, não é uma representação. Para sepiicir a identificação
e a representação iião basta indicar o lugar o lugar de onde o sujeito se olha - o Ideal do Eu -,
diferente do lugar de onde se vê - Estádio do espelho. Na relação com a insígnia trata-se de
captar a identificação ali onde o sujeito se toma por Um sozinho. A insígnia iniplica um para-
doxo sem par: destaca duas identickides do S I ; sua identidade como insígnia sozinha, em que
o sujeito se toma esse significante, e também sua identidade conio aniculação.
Na página 237 do mesmo Curso afirma que a função da insígnia deve ser circunscrita por
dois termos: em primeiro lugar o 1,o S I , inclusive o I, inicial do Ideal do Eu, a marca do traço
unário, escrita mais antiga e específica. Em segundo lugar temos o u : quer dizer que a insígnia
não é somente o traço unário; para proporcionar uma definição mais adequada, dirá que é o
traço unário mais o objeto a.

Nome-do-Pai e traço unário


A ênfase colocada na identificaçio primordial permite contrapor o Nome-do-Pai e o traço
uriario. Dizíamos no inicio deste anigo, partindo de Freud e da captação freudiana de que

Opção Lacaniana no 50 383 Dezembro 2007


essa identificação era anterior a toda ele'ição de objeto. Esta condição permite situar tudo o
que é primordial em Freud como honióiogo ao real de Lacan. O último ensino de Lacan e a
recolocação ou inclusão da primazia do leal, desarticula notoriamente o viés religioso que o
significante Nome-do-Pai poderia tomar &aprimeira época de seu ensino, quando a primazia
do simbólico colocava a paixão mortificahte no centro da questão
A partir do Seminário 20: mais; aindu, lacan supõe outro tipo de relação, diferente do
império da estrutura, relação que merede ser generalizada e que fará vacilar tudo o que se
supunha admitido sob o estandarte da articulaçáo Si-Sie seus efeitos de significado. O Ourro
que prescrevia as condições de toda a experiência -a metáfora paterna, articulaçáo do Édipo
freudiano - é da ordem da estrutura, ou seja, da relação impensada,da relação dada comonão
cessando de escrever-se, da ordem da neckssidade. Tudo isso como resultado da introdução da
não-relação sexual. Este Senzinário é o Seminário das não-relaqóes, e faz cair os termos que
asseguravam a conjunção: o Outro, o Nome-do-Pai em sua vertente metafbrica, o falo, que
apareciam como primordiais3.
No último ensino de Lacan, nos Serni~zários"R.S.I."e O Sinlborna, a mudança de perspec-
tiva e de axiomática permitem deduzir que é o sintoma o único a fazer exceção ao Real como
outro do Sentido; o sintoma é a exceçãoa disjunção entre simbólico e real, e pottanto é o
único capaz de fazer laço; é então uma suplência da relação sexuiil que não existe. E o Nome-
do-Pai,enquanto sintoma: sendo uma sup'lénciaentre outras, é a mais bem sucedida frente ao
real da iião-relacão sexual. Este ~ome-do-dai como sintoma deixa um resto de sentido gozado,
I
já que este náo se extingue totalmente; este resto irredutível é o sintonia e é também o resto
irredutivel do qual há que se servir4.
d
No Seminário "R.S.I;'- na aula de 1813/75 - o traço unário é caracterizado deste modo:
"Se ha um Outro real, não está de outro lado' senão no próprio nó...a identificação ao Simbólico
deste Outro real é o que especifiquei no 'kinziger Zug", o traço unário"
Curiosamente este simbólico do Outro!real se aproxima ao que foi chamado pelo próprio
iacan de "a mentira". O traço unário, em nossa trajetória, tem sua origem com marca no corpo,
como marca do encontro com o gozo, e p6rtanto pode adquirir o valor de letra: tipográfica.
Texío traduzido por lucíola Freiias de Macedo. I
i
I
'Millei J-A. 1.m signos dei goce, p. 361 - Ed.Paidáa- Buenor em. 1
'Laurenf, E. Sintoma y iiominación, a. 10? Ed. Diva, Buena &[e. !
' M l l e r - A Laeipcr<nr.aaeIc adm i a < i r l u . a ~ i , c p~ 25: i.a Rdm i~,nnshim>
'rsguP b .Q~eriiiLtn:i1p n e I hnllkhm- I<-I'I~IPl l ~ ad 5 C o r ~ . I e d ? A a ih'°
~~

Dezembro 2007 Opçio iacaniana n" 50


Pode-se então seguir a idéia, que prodóe um cronista, em fevereiro de 2005, de o carnaval
ser uma festa feminina. Por um lado ~radiçãoe, por outro, o feminino do carnaval como um
Nome-do-Pai entre outros6.Vejamos como o cronista expõe a lógica argumentativa em tomo
do feminino. Começa comentando a tradicional presença no desfile de mulheres provocantes
e cita o exemplo, de uma vedete, Elvira Pagã (nome, segundo ele, anticristáo e nu), em 1950,
desfilando completamente nua na proa deI um imenso carro alegórico pela Avenida Rio Bran-
co, precursora corajosa de todas as mu~hdresnuas. NO camavai vemos o inconsciente cultural
(será que esta expressão é justa? ~ ã ser4
o melhor pôr simplesmente o inconsciente?) à flor da
carne, o que levou o cronista a concluir,que quanto mais civilizado o país, mais fundo é o
recalque. As surubas calvinistas de Nova York, onde inventaram o sexo torturado nas boates
doentias e acabaram no cultivo da AIDS, são diferentes da sacanagem brasileira que é do
fundo das matas, sem culpa, indígena e africana. Prossegue sua idéia do feminino afirmando:

Comparando com a alegria do mundo rico, o nos0 carnaval éfeminino, enquanto o


m k d de homem. O rock égtierra; o canuaual é luxo e uolúpia. No carnaval, os
homens querem virar mulheres. Todos querem ser tudo; os homens querem ter seios e
fecundidade e ar mulheres quer& ser sedutoras máquinas de excitar pênis dançantes.
I
(. j agrande tradição do carnaual está mais presente nos blocos dosfoliões anôni-
I
mos. Nas ruas os blocos dos anjos de cara suja, os blocos das escmtas, dos vagabundos,
dos hêbados ornamentais, da cri(w1adupobre. Podemos ver nas ruas a preciosa
origem do carnaual profundo. I estão osfamintos de amo5 os nialucos, os excIuídos
dafesta oficial. Só os sujos são santos7.

Um Nomedo-Pai entre outros é o resultado do furo da metáfora paterna que iacan efetua.
J-A Miller localiza esta noção no prefácio escrito para "O Despettar da Primavera"d e Wedekind:
"...é possível que o pai seja tão somente um dos nomes da deusa matema, a Deusa Branca,
que permanece outra em seu gozon8.Lacan fura a metáfora paterna para chegar ao desejo da
mãe e ao gozo suplementar da mulher9.A noção do carnaval como festa feminina pareceu-nos
exemplar para designar que, na data anual programada pelo calendário e anexada ao calendá-
rio religioso (o carnaval antecede a ~uarksma),um furo acontece no programa cultural do
machismo, um furo tradicional. Afixação do período momescogira em tomo de datas prede-
terminadas pela própria Igreja, festa de características paga que termina em penitência, na
dor de Quarta-feira de cinza^'^.
Na segunda metáfora paterna, nos diz Éric Laurent, o Outro da linguagem encarrega-se do
enlaçamento com a pluralização dos Nomes I do Pai. O paganismo contemporâneo busca a
prova da existência de Deus na overdose. (Com a presença do êxtase nele, o sujeito modemo
comprova a presença do Outro, passa entko a acreditar".
A topologia do nó borromeano que dacan introduziu em Muis, ainda (1970) serve-lhe
para reformular o conceito de estmtura através das categorias real, simbólico e imaginário,
únicas categorias da experiência analítica! Estmtura reformulada em cujo centro localiza o
objetou, referência de um novo tipo, nascida da própria aiticulação. Náo se trata mais da idéia
I
Dezembro 2007 1 386 Opção Lacaniana no 50
de referência negativa, a qual iacan leva em conta, a panir da estrutura de linguagem, a im-
portância pivô da castração freudiana". Como conseqüência, o stutus do Outro sofre desloca-
mento. Não se trata mais da dialética sujeito/outro, toma-se um conceito organizado em tor-
no de um núcleo, um vacúolo de gozo. O que fundamenta sua alteridade é o objetou, resto
não simbolimdo da Coisa. O objeto a não se constitui em elemento do Outro, aloja-se nele
em um ponto de extimidade: porquanto íntimo não lhe é menos heterogêneo. A esta falta
estrutural do Outro, corresponde a pluralização dos Nomes do Pai como suplências, não há
uma única forma de tapar a falta".
Lacan avança ainda mais postulando o conceito de lulíngua, como um simbólico desliga-
do do Outro e tendo o Um como referência.
A psicose fornece o modelo do núcleo real de todo sintoma: como função da letra que fixa
o gozo, sem Outro.
E quanto a conclusão da crônica do carnaval: "i, nas ruas sujas estão as três raças brasilei-
ras entrelaçadas na esperança de um casamento gmpal doido: negros, brancos e índios dando
a luz um grande bebê mestiço e gargalhante,ensinando que a vida é uma aire e a lógica careta
é a morte"".

' L i i i o e h (IY V m ~iireTrcnnijirtiiji'ijirdrlaír >$,phic ?li li10 1 i a r r PI F


'Laiai ] i19,) I e r'taqresik~Preliii. ,.ai li.t2?81or .p 56: K~oCt]b?c~rl lnai
'Idcni m i l F ~ n + i ie i m p a a ida? da I..ii:uqe~eii. I1 fJmia [ ! 7 9 h
'si Iler I 1 1191 ronunluriii ,I, h t n i n o Im~tri,na(D 21 B ieiica .%i o 5lanviiia
'~alande,A. ibid.
6]abor, A In O Estado de Sáo Paulo, 8 de imreiro d e 2 W
'Idem. ibid
6Lacan. 1. (2003). " k f á r i o a ' o Deroprtar daPnmaveia'de Wcdekind'. In OulrarB~ilns (n. 119). Riodelaneira: Zahar
'Millei, j . Religi30,
~ ~Pnanáiise 0pr"o Lnmniona, 39, 24 loriginalmenle publicada r m L n ~otrrefmkimne,i1 .Ttrlor e notas esfa6eiecidos par
Cuherine Bnnninauel
'71e urn nup W\RAX.I sconi/ao<n ai.nilril',ir i i i i a n a h.ii riadeaiirid hmi
' L a ~ r tii C 17W1 i x n m a a :i. riiiioii,a Idrri»!a>!o 1 RLP -R h ~ r ò\ w 'III
'!Miller, ).-A (194). Motemar (p. 195). Rio de Janeim: Zahac
"Sknabi~e,P La clinicadel nudo borromemo. Inlonira Cliniroy SuplenUu (p. 86). Madrid: Eolia Doi S.L
qlahr, A. ibid.

O p ç h iacaniana no 50
0 QUE CORRESPONDE AO

Introdução
A íntima relaçáo de Freud com o pai é herdeira de seu compromisso com a neurose. O pai
freudiano, o amor ao pai, articulador essencial de sua obra, provocará conseqüências signifi-
cativas na clínica psicanalitica.A transferência, pois, está implicada com a funçáo do pai. Lacan
situará o lugar do pai como função, no registro simbólico como lugar do Outro e o elevará ao
estatuto de significante primordial: o ~ode-do-Pai.
A questão central que se propõe é uma interrogação a respeito de como tratar a neurose
levando em conta que ela é produtora de pai. A ilusão neurótica é encontrar no analista um
pai que detém o saber, e que, via transferência, lhe revele a razão daquilo que resulta enigmá-
tico de seu sintoma. O neurótico sustentas I
esperança de saber sobre a causa e o sentido do
que lhe passa, apoiado no Nome-do-Pai. :
A questáo é encontrar a resposta analítica adequada que não cumpra a limitada função de
estabilizar a neurose. O analista no lugar do pai só pode aspirar a um equilibrio que náo faz
mais que deixar o sujeito imerso na m-quinaria destinada a articulação do desejo, mas
também a seus estragos. !
Segundo J:A. ~ i l i e ro, pai freudiano n i o conhece a castração, ele é seu agente, é a função
I
da ameaça a que encontrará na angústia de,castração seu complemento. b r outro lado, Lacan,
na lógica d o s e m i d r i o "Os Nomes do pai", desenhou o Pai q"e sabe da castraçáo e o chamou
"Psicanalista"' .
Isto nos coloca diante de uma pergunta fundamental: se a neurose convoca o analista a
ocupar o lugar do pai, como terá que resp,ondero analista?
Proporei três alternativas:
1 - O tratamento do pai pelo pai: &antlo ao invés do desejo do analista responder,
responde o Nome-do-Pai.Se a resposta que se produz a panir do encon-
tro do sujeito com o desejo do analista, o desejo do analista com o desejo reduzido
à sustentação do desejo do pai no nivel ideal, conduziria a análise pelos caminhos das
identificações surgidas a panir do
2 - O trutumento do pai pelo p a i no Seminário: A élica lacan nos fala do

Dezembro 2007

i 3m
Opyâo Lacaniana no50
desejo do analista como um desejo advertido ligando essa advertência a um saber sobre O
impossível. A função desejo do analista, que lacan trabalha noSeminário 11, distingue com
precisão suas diferenças em relação ao desejo neurótico. Não se trata de um desejo sustenta-
do no Ideal, no narcisismo, no princípio do prazer, trata-se de um desejo que, diferentemente
da transferência que isola a demanda da pulsão, volta a conectar pulsão e demanda. Se a
demanda tem o valor de representar uma demanda narcisista, identificatória, tem ademais a
possibilidade de ligar-se à pulsão, o que a levará mais além das identificações narcisistas. A
resposta do analista a partir de sua função como desejo do analista será a orientação necessá-
ria para sua obtenção.
3 - Nuo há pai: a função paterna encontrará no ensino de Lacan 2 herdeiros. Nenhum
deles encarnará o herdeiro freudiano do pai: o supereu. Para Lacan, tendo-se atravessado a
figura imaginária do pai, seus herdeiros, em diversos momentos de seu ensino, serão a lingua-
gem, por um lado, e o sintoma, por outro. Quando a transferència sustenta-se nos afetos: não
há escapatória, a função paterna é ratificada na transferência. Se pensarmos a transferência no
plano simbólico, o que Iacan chamou de Sujeito suposto Saber, esta função também se orien-
ta na direção de uma restituição da função paterna, no saber, com a articulação significante e
com seu produto: os efeitos de sentido. É justamente no limite que escapa a significantização
herdeira do Nome-do-Pai, onde lacan no lugar do pai, encontrará o sintoma. O trabalho do
analista, valendo-se da dimensão real da transferência, será mostrar que não há pai, ou me-
Ihor, que há que se atravessar a figura do pai para poder dele seivir-se.

O sujeito suposto Saber


É a dimensão simbólica da rraiisferéncia que permite evitar os efeitos imaginários ligados aos
afetos. O SsS é um efeito de significaçãoproduzido pela associaçãolivre. Longe de ser um artificio,
trata-se de um fenômeno natural da experiência analítica. O SsS C um semblante. "O semblante
6 operativo, é uma categoria que nos pennite reunir ao real, o simbólico e o imaginário'"
Este efeito de significação produzido pela associaçáo livre produz um delírio analítico ao
estilo do delírio de interpretação na psicose. O Nome-do-Pai é o semblante que o analista
freudiano utiliza para deter o desencadeamento delirante do SsS.
O que corresponde ao analista lacaniano?Trata-se de reintroduzir na experiência analítica
um não sentido que ponha um limite ao todo sentido. Ele sabe que não deve confundir sua
posição com a do Nome-do-Pai. Mas a teoria do SsS tampouco é suficiente, pois esta equivoca
o melhor dito, escapa a todo esforço de captura. b i s que o analista estádeterminado por algo
que escapa, esse é seu problema.
Cito Iacan: "a posição do ;inalista está suspensa por uma relação muito hianre. brém não só
a ela, pois requer que constnia a teoria da equivocação essencial do sujeito na teoria: o que chama-
mos SsS. Uma teoria que inclui uma falta que se deve voltar a encontrar em todos os níveis; inscre-
ver-se aqui como indeterminação,ali como certeza, e formar o nó do inin~erpretái~el"~
A posição do analista está suspensa por uni vazio, por uma hiância, por uma impossibilidacle
de captura de um saber. Esta é a própria definiçao do inconsciente, incapturável, o que por

Opção Lacaniaiia no 50 389 Dezembro 2007


I
estrutura, escapa. Por isso, em psicanálise, ;trata-se de um saber que somente se pode acedê-10
enganando-se, somente se pode capturá-lo no momento de uma falha. Por isso, para capturar
esse saber o analista deve ser enganado, há que se deixar enganar para obter esse saber. É por
isso que os desenganados são incapazes de ser surpreendidos por um saber que equivoca, por
isso erram.
O que qualifica o analista lacaniano é sua ignorincia, que consiste em saber presemar no
centro do saber o lugar do não saber ~stali~norância é um certo saber sobre a hiância, não é
saber nada senão saber que há uma falta.

i
O SsS como semblante é a equivocação que encobre a hiância estmtural, fazendo crer que
há um sujeito que saiba acerca do saber inconsciente quando, a definição mesma deste saber,
supõe que nenhum sujeito o saiba, já que há um buraco no saber
O que acontece quando o analista crê 4ue sabe acerca deste saber?

A enfatuafão do analista i
Sócrates recebeu como uma calúnia a4 palavras ditas pela pitonisa do oráculo de Delfos
acerca de que ele era o mais sábio de todÒs os homens. Para descobrir o significado deste
enigma, dedicou-se a decifrá-lo conversajdo com os homens que acreditavam ser os mais
sábios de todos. Sua observação o levou a descobrir que tanto uns, quanto os outros,
manifestavam uma exagerada pretensão de sabedoria, porém sem elementos fidedignos
que a demonstrassem. Isto lhe permitiu concluir que se o oráculo o havia nomeado como
tal, era para apresentá-lo como exemplo. "é como se dissesse: homens, aquele de voz
que, conio Sócrates, tiver se dado conta que nada vale em verdade no tocante a sabedoria,
é o mais sábio''4
i
Este exemplo nos conduz a relação entre o analista e o saber Quando íacan, citando a
Baltasar Gracián, compara o analista ao sanio, sustenta a posição do analista do lado do não se
deslumbrar, "de não fazer estardalhaço"'. Aão é o que se sabe como saber acumulado o que
importa, senão sua posição particular com Ilação a esse saber
Quando o analista crê que nada vai surpreendê-lo, quando crê que tudo o que o analisante
pode produzir, já sabe de antemão, perde sba posição de analista, não opera com o SsS como
semblante natural da experiência. O saber bbsoluto engendra a suficiência e impede de sus-
tentar a hiância que contribui à produção de um saber: o resultado é a enfatuação.
Aenfatuação é o desconhecimento do d.!?sconhecimento, é antinómica ao desejo de saber.
'iA enfatuação designa uma enfermidade p/.ofissional do analista, enquanto se identifica ao
sujeito suposto saber. toma-se por ele. É o Semblante próprio do psicanalista fazer semblante
de já conhecern6 I ~
Isto não é sem relação com o Nome-do-Pai.Na medida em que o analista veste-se com essa
roupageni, constrói tal ilusão com o Nome-do-Pai. Se a equivocação é a forma própria do
saber inconsciente, e se o SsS se forma 'através da experiência analítica sustentada na
1
equivocaçáo, o SsS é uma formação "de vem",própria de sua homologação ao inconsciente
como tal. Por este caminho, o analista; sustentado no Nome-cio-Pai, como formação artificial,
I
Dezembro 2007 / 390 Opcáo iacaniana no 50
constrói a ilusáo de saber tudo. Assim, a dialética do SsS é substituída pelo Nome-do-hi. O
enfatuado é o sujeito que acredita que maneja seu ato, enquanto o verdadeiro analista é supe-
rado por seu ato.
Texio traduzido por lucfola Macedo

'Miller, IA "De un slueno do m i a ' ' . Seminario inédito

. .
' P l d n "Deleusade Skraw",en'0bri ~ornpl~iar, I&
pág.205, editorial Aguilar, alo
'hcan.J"TelaWÓn",
. enPsiwanáIisis RadioJÓr~iagTek,isión,pág.98, editorial Anagrama. ano 1977.
6MillerJ.A. idem I, pagina22

Op@a Lacaniana no 50 Dezembro 2007


A transferência, como sabemos desde Freud, é a própria fonte da psicanálise, da qual
depende seu poMr. Ela existe sem a psicanálise e mesmo antes dela - de fato, basta que duas
pessoas se falem entre si e há transferênch A experiência analitica, ao contrário: não existe
sem transferência. Porém, é necessirio coletar o específico da transferéncia analítica: o que a
diferenciaria de qualquer transferência enlre dois seres falantes x e z ?
Freud deu-se conta bem cedo que sep transferéncia não há experiência analitica, mas
que, por outro lado, é com a própria trankferência que a experiência analitica encontra seus
obstáculos. Tem efeitos no tratamento a parbr da presença real do analista, tanto para diferenciar
a experiência da transferência tal como se coloca em ato na sessáo e seus efeitos, das reflexóes
e pensamentos aos quais nos abandonamos fora da sessão.
Sabemos que Freud, à diferença de Breuer, recusa-se a tornar assêptica a presença real do
I
analista para não apagar os efeitos da transferência. Inclusive, inventa um dispositivo para
tratar, pelo menos em parte, a vertente dasugestão dentro da transferência que havia desco-
berto na hipnose.
Freud também percebe, em alguma midida que se, por definição, a transferéncia é a atri-
...
buição ao analista daquilo que o analisant dirigia a seus primeiros objetos, tratá-la somente
como uma repetição limita grandemente d dispositivo analítico porque reduz a presença do
analista a uma ilusão. O analisante, seguramente, usa a transferéncia para manter essa posição,
mas é função do analista que dirige um tratamento não se deixar arrastar para o desvio, servin-
do-se da transferência para fazer objeção a' seus efeitos.
Freud, descobrindo a transferência: identificou-aimediataniente ao estado amoroso1,cujo
I
modelo seria a hipnose, o que equivaleria ao retomo dos amores infantis e, portanto, a uma
reedição do amor pelo pai. I

Em "Psicologia das Massas e análise d i eun2,a igualdade entre amor de rransferència e


estado amoroso é reforpda por colocar na/mesma série a relação com o chefe -que ocupa o
lugar de pai -, a relação com o hipnotizadbr e a relação amorosa. Ihrtanto, a própria noçáo
freudiana de neurose de transferência valbriza a transferência analitica como repetição da
relação amorosa na qual o parceiro está sempre no lugar do ideal.
I
Em seu artigo "Intervenção sobre a Tran~ferència"~ (1931), Lacan retoma a idéia freudiana
I
considerando a transferència "nada de real no sujeito senão o aparecimento, em dado mo-
mento de estagnação da dialética analítica, dos modos permanentes segundo os quais ele
constitui os próprios objetos".
i
Dezembro 2007 1 392 Opç.50 Iacaniana no 50
Alguns anos depois, iacan dedica o tercei-o capítulo de 'XDireção do Tratamento e os Princípios
de seu Podef4 (1958) a exploiar. como indica o titulo, 'Xque ponto nós estamos com a uansferên-
cia?:' No decorrer desse capítulo ele tem como colocar em destaque o fato: se a uansferência em
análise fosse somente uma repetição do que acontece nas relaçk amomas, não se poderia conceber
nenhuma via de saída, nenhum momento de conduir e nenhuma produção de um desejo inédito.
De 1967 em diante sua tese é clara. A transferência em análise é amor, não um amor qualquer,
mas um amor que vai além do pai.
Como podemos ler na "Introduction a I'edition allemande d'un premiervolume des Éuits'''
"a transferência é amor, sentimento que assume aí umas formas tão novas, que esta introduz
a subversão, não porque seja menos ilusória: mas porque dá a si um parceiro que tem a chance
de responder, o que não acontece nas outras formas. (....) Ela é amor que se dirige ao saber".
O seu parceiro é o sujeito suposto saber.
O amor de transferência difere do amor pelo pai e, ao mesmo tempo, o pai se sobrepõe ao
significado do sujeito suposto saber.
A partida é jogada na subversão que Lacan articula, entre outros! em "ia Mépnse du sujet
supposé savoirD6,texto preparado para uma conferência em Nápoles, substituído depois por
uma improvisação.O Deus da transferência não é o Deus dos crentes. O Deus da transferência,
o sujeito suposto saber, é, sem dúvida, o próprio Deus, mas puramente o Deus significante,
aquele dos filósofos, latente em qualquer teoria, elaborado em particular pela teologia: nada
mais que o lugar do Outro em Lacan. O deus dos crentes é um 'deus obscuro', diz Lacan, menos
um sujeito suposto saber e mais um deus que empurra ao sacritício. Encontramos aqui a oposi-
ção entre o Deus do sujeito suposto saber e o Deus do objetouí.
Onde existe uni buraco no saber vem situar-se, na experiência analítica. o sujeito suposto
saber. O Nome-do-Pai,ao contrário, é uma formação de artifício: solução tradicional, que se
substitui a dialética do sujeito suposto saber e do inconscientes. Mais tarde, o Nome-do-Pai,
pluralizado, virá a ser equivalente ao sintoma, que inclui a dimensão do fantasma e da pulsão.
A teoria d o sujeiro suposro saber não é suficiente para indicar a posição d o psicanalista em
uma análise: além dela faz-se necessária uma teoria do ato.
A transferéncia se sustenta como 'amor de saber' somente se encontra comopartner aquele
que responde com o desejo, o analista, coni sua posição de ignorância que não obstaculiza o
sujeito suposto saber Quando o amor de transferência não encontra o analista no lugar de
semblante do objeto a onde se sustenta o saber suposto, volta-se, aquém do saber, para o
ideal. Distinguir e separar a posição do analista da posição do mestre permitiu a Lacan
reformular a transferência eni análise como um novo amor. um amor que se dirige ao saber:
para além da sugestão em causa na hipnose e no enamoramento.
O matema da transferência, encontrado naProposiçáo de9 de outubro de 1967, S

s (S', S':. .. S")


- Sq

mostra que o sujeito que se apresenra ao psicanalista porta o signibcante de sua demanda,
seja ela qual for.

Opyáo lacaniana n" 50 393 Dezembro 2007


Para o significante da demanda tornai;!se significante da transferência é necessário haver
um significado especifico (s, sob a barra). h o sujeito afetado por um sintoma, esse significado
é uma incógnita, ele não sabe o que quer dizer, porém tem certeza que significa alguma coisa.
O significante da demanda toma-se sigdficaAe da transferência no momento em que se
subjetiva a certeza que o vazio de significado do sintoma significa que: em algum lugar. existe
um significado, mesmo que ainda não se saiba qual. Quando na cadeia de significação, na qual
se busca e se representa, o sujeito encontrL um m i o de significado e tem ceneza que significa
algo a ele relacionado, mesmo que não saiba o quê, encontramo-nos na condição de estabele-
cimento do sujeito suposto saber.
A entrada em andise, com a instauraçãd da tr~nsferênciacompreendida como amor voltado
ao saber, requer que o sofrimento do sujkito seja percebido ao mesmo tempo como algo de
estranho que a ele se impóe e como algo que lhe diz respeito, mesmo que ignore por qual via.
Aí está uma suposição quc implica tornar!se provedor da ignorância que incita a sujeitar-se à
articula@.o significante como caminho p a h uma eventual saída.
A suposi<;ãoda transferência é o que :Lacan,no matema, escreve entre paréntesis sob a
barra: supõe-se que exista no Outro uma série de significantes que possam responder ao
vazio de significado. Esta mesma suposiçãb é, às vezes, suficiente para temperar a angústia na
entrada em análise.
No final da análise a destituição do suje?tosuposto saber será, antes de tudo, a subjetivaçáo
do fato que há um \mio que o Outro não bode significar. A psicanálise, através da implicação
do analista na transferência eni posição dk causa, permite ao sujeito - representado por sua
palavra - percorrer o trajeto até identificar Sua equivalência com o objeto êxtimo ao simbólico,
I
que o especifica em sua singularidade.
A mudança de perspectiva sobre a tratjsferência em análise, com a implicação na paiiida
do desejo do analista, permitiu a Lacan formalizar sua conclusão. O desejo do psicanalista
como operador de uma análise foi indicadb por Lacan em 1964" como aquilo que direciona a
demanda do sujeito para sua venente pulsihnal. Enquanto a transferência conio amor mascaraa
realidade sexual do inconsciente ao submkter o objetoa ao Ideal do eu, onde o sujeito situa
o analista como Outro, o desejo do psicarialista opóe-se à ilusão da transferência. O analista,
recusando-se a reciprocidade do amor, dá lugar ao vazio onde o sujeito situa sua própria
repetição; na qual reanima-se aquilo que não cessa de se escrever. o gozo que faz objeção ao
amor e permite interrogar o luto primárid.
h duas vertentes da transferência, - a d o sujeito suposto saber que implica no sintoma
enquanto mensagem e a da "colocação em ato da realidade sexual do inconsciente", que
implica no sintoma enquanto modo de go o , e.tão articuladas enrre si na análise por obra do
7::
analista, orientado a promover que o amor sirva para produzir um avanço de saber.
I
A transferência ali está desde o inicio, por obra do analisante; retifica-se em amor ao saber
gratas à implica@o do analista, que ocupa posição de semblante de objetoa; e: consumadas
as condiçóes repetitix~asdo amor, resta o hiais real do amor e que opera a panir da pulsão.
Quando a análise revelal além das faltas e 40s sofrimentos, o sujeito feliz" este pode assumir
a diferença absoluta, renunciando ao iamdnto sobre a falta.

Dezembro 2007 1 394 0pc;ao Lacaniana no50


A retificação impressa por Lacan a concepção da transferência em análise produz uma
subversão que, com a condição de servir-se do sintoma do Nome-do-Pai, abre sobre um além
do pai, no qual o sujeito se reduz à singularidade de um modo de gozar.
A transferência como amor ao saber é a única a conduzir o sujeito em direçáo ao que há de
mais real.
Texto traduzido por Maria do Carmo Dias Batista

. . . , . .
3. Lacan, inlpnnnlo sul fralli/crl, in Scrilli. Einaudi, Torino 1974, pag. 128
'J. Lacan, lanireiinnedeKacuni eii>~~~~ideisuop3l~e(I9I$,, inSmili; Einatli. lbrino 1974,Qag.597 sg.
9. Lam,inlrdlicllon 4 i'édllinn ulle>nnndc diinpremiw r~olronedesEnils (19731, in Aliires h i l s . k ERuil, Paris 2001. pag. j58
9, Lacan, la rnéprisedj~~~<jelsuppa~ésu<ri:oir
(ig6i). indrdlrrs é~rils,Le Seuil, Paris 2001, pas. 337 ig.
1.A. Miller~Deila?znluradeisnnbienii, in L n p A ' i [ ~ ~ 11.13,
i i ~ i Ashlabio. Roma 193. pag, 65
'Ib., pag. 173
'J. Lacan, Pmposla de19oilobre I%imIovtn allopsiuxlmlisiu delia kuolaain Scilicr/, Feltnnelli. Milano 1977. pa~.24
'1.Lacan, l i m i n u r i o iIbmR1, I q ~ ~ a l ~~ceIlifandnmel~/uiidelL?psi~~utin/isi
lm (1W), Einaudi, Torino 1979, pag. 277
'g. Lacan, ~misiiota.inRadioJonia TeIPuisior8e.Einaiidi,Totino 1987, pag. 83

Opção Lacaniana no 50 Dezenibro 2007


Muitas vezes, constatamos na clínica da posição feminina como é complexo poder aceder
a este momento onde se revela que o pai não é a causa primeira e nem última razão de todos
4
os males das ditas reviravoltas e de todas desgraças, como tampouco seu reverso: o amor
que o sustenta tem como "incubo ideal"'. É um momento fecundo na experiência analítica
que alivia, que tem sido possível também pelo divorcio com a verdade na palavra. Isto permite
um giro na via da análise na dimensão do èai como instnimento, como enlapmento de um
gozo íntimo e singular que conduz a experiencia de ir além do pai, sob condiçüo de servir-se
dele. Trabalhar na variedade inscrita nos testemunhos dos A.E. é de grande ensinamentd . Até
este momento, a frondosidade da fantasia tampa o buraco pelo qual é possível que esse "dis-
co-urso" (disco-urso) desamarre seu sentido, para amarrar-se a um novo. Caso o consiga,
I
deverá provar, a cada vez, sua eficácia: o saber-fazeraí com o sintoma. A condição é poder ter
estreitado o sentido até uma dupla consedüência. Por um lado, esvaziar o "apalavramento"
infernal que nós somos, tomando a medidaido que o causa; por outro, saber que esse litoral a
que se chegou na experiência de decidir, confrontou o analisante a junção do corpo com as
palavras, que se retorceram como contoicionistas de uma "hystoria" sempre meio-dita.
Desde esse momento, somos responsáveis de uma inserção no gozo, com o que se consentiu,
e que se encontra mais além do inconsciente, mais além do pai, encamando um estilo de vida.
É o ateísmo da nossa prática, que não produz cinicos, senão analisantes adveiridos do que o
real produz: o sistemático de seu próprio desconhecimento.
Sem esta passagem, a religião do Pai toma o laço analitico e a análise infinita, saúda o fim
de cada sessão, quando o paciente responde: amém.

I1
Desde o pai como a cruz da histeria até o ponto em que este se reduz a uma reta, o
vai do pai, garante da lei do desejo
que pode ter, para alguém, o sintoma.
tom (da produção e regulação do sentido
à inserção do gozo), temos, como um denominador comum: o pai sempre
foi uma função que o distingue do - podendo ou não coincidir, não é essencial.
Assinalo um aspecto da e trauma, justamente sua não-relação, sua
na pratica são profundas se pensamos que
sempre estamos ato: entre psicanálise e religião, do mesmo

Dezembro 2007 Opção iacaniana no 50

)I
modo que entre psicanálise e psicoterapia, ainda quando "não o sabemos". Para tanto, basta
decidir-se pelo caminho equivocado. Por isso, Lacan nos adverte com insistência em seus
Seminários de 75-76: "...há que sustentar bem a corda, quero dizer que se não se tem a idéia
de onde termina a corda - no nó da não-relação sexual - o risco é tagarelar.." '.
Do pai freudiano (mítico, ideal, privador e com um referente no relato trágico: "idipo":
"Totem e Tabu", "Moisés") ao pai lacaniano, ou seja, aquele que se define por ser uma função,
um nome - um entre outros -, conio também ao que nomeia, encontramos o pai vinculado a
uma Função de ligação, de enlace, de estofo de um hipotético acordo entre campos dispares.
O ato que engendra a nomeação põe em evidência uma antinomia que se supera pelo próprio
enlace: a coisa a nomear e o nome que nomeia se encontram separados e , ao mesmo tempo,
ligados pelo laço que assim se estabelece.Jacques -Alain Miller desenvolveu em seu Curso40
modo pelo qual o nó entre o Simbólico e o Real pode permanecer disjunto e inseparável.
Vale dizer que nenhum nonie nem nenhuma nomeação podeni nomear todo o Real,
sempre haverá fuga, sempre haverá uma exterioridade, com a qual é preciso orientar-se a
partir de ser seus incautos: saber-fazer ali, a cada vez, é a única opção.

111
Então, enquanto o pai liga - eni termos de função, de instrumento -, o traunia é Furo.
Lacan faz uso da língua francesa, para alojar nela o trou (furo) que se escreve na palavra
troumatistne - traumatismo. O trauma entrou cedo na reflexão psicanalirica. Freud pensava
que uma lembrança traumática não era assimilável as associações e tinha o status de um corpo
estranho. Também soube fazer notar o caráter sexual ligado ao sobressalto que constituía o
componente não-metaboliiai~ela palavra. Esse trauma sexual, para Freud, era eficaz na formaçjo
dus sintomas e em sua repetição; ele caía detrás da repressão. É na virada de 1920 que Freud
constata, nos doentes de guerra, que a repetição nos sonhos da cena traumática se localiza
além do Principio do Prazer Esta é a mola de sua tese da pulsão de morte.
Quando Lacan toma em seu Setninário Xi a questáo do trauma, não é ligado ao pai como
o trata, senáo "ao encontro enquanto que pode ser falho9'j.É a repetição como tiquê: o real
como encontro. Comenta Freud, num sentido, quando definindo o trauma como "algo que
há de ser tapado pela homeostase subjetivante que orienta todo o Funcionamento definido
pelo Principio do P r ~ e r "localiza
~: seu lugar no processo primário, a Outra cena freudiana: o
inconsciente. Este que, definido como estmturado como uma linguagem, é aqui tratado como
tropeço, falha. Vale dizer. homólogo a tiquê e em urna topologia de abertura e fechamento.
Vejamos como o "cenário" da linguagem que entranha sua própria impossibilidade, dito de
outra maneira, o inconsciente - seu saber - sepai-a o falante da idéia de natureza, harmonia e
instinto. Freud assinala com a repressão primordial (u~t.wdrar?gt)o irredutível do inconsciente,
aquilo que nunca terá sentido e, com isso, o estatuto de invenção, de construção do dizer que
tém para cada um seu Outro, ao qual não pode ser dito tudo. 'A linguagem não é uma simples
tampa é aquilo no que se inscreve a não-relação e isso é tudo o que podemos dizer dele'?, nos
diz iacan separando o que é puramente o hahitat dos corpos a respeito do que são seus
efeitos: Deus e os efeitos psicanalíticos.

Opção lacaniana no 50 397 Dezenibro 2007


Finalmente, então: o que é um eFeito traumático? Que dimensão, que lugar tem o trauma
para nós? Hoje, quando o traumatismo é protagonista principal cla cena pública, e conse-
qüentemente das terapias alternativas para &atá-lo, assim como do niercado dos medicamentos,
como responderemos a estas pergunm com uma psicanálise à altura da época?
Lacan nos deu pistas para orientar-nos na época: é o ensino sobre aquele que se desabonou
do inconsciente (do freudiano e do nosso), assim como tratou de mododireto o único trauma-
tismo do que somos verdadeiramente tributários, ou seja, o traumatismo da relaçáo singular
com a língua. É ~ o ~ ocdesabotiado
e ~ do inconsciente.
O assinalado antes demonstra que não faz falta ser totalniente louco para encontrar as
chaves, as torções, que, tal como pedras, depositou a linguagem na língua singular e privada
de cada um. Faz falta, sim, uma psicanálise) que hça ressoar outra coisa que mio o sentido.
Faz falta também aceitar que os efeitos traumáticos atuais tomam, antes, a forma do curto-
circuito do saber (como saber inconsciente), para se localizar mais como fenómeiios do
tlesregulado do corpo: dispnéias, enxaquecas, arritmias, fatiga, hiper-atividade nas crianps,
etc. Por essa razão, a elaboração de Jacques:Alain Miller em seu curso sobre biologia lacaniana
tem roda sua vigência. Sabemos que o corpo faz signo de real para cada falante e é preciso
encontrar uma resposta a altura do real eni jogo.
"Ter um trauma" - como se escuta dizer com muita freqüência- não é se relacionar mal coni
o pai e a mãe; ter um trauma é pariicipar de nossa condiyáo de ser falantes: seres que falamos
parasitados pela língua. Se a invençio não funciona ou se afrouxa, então uma psicanálise pode
ser o caminho para encontrar a causa para viver, porque, como diz iacan, "todos sabemos,
porque todos inventamos um truque para preencher o furo no real. Aí onde não há relação
sexual isso produz traumatismo. Alguém inventa, alguém inventa o que pode, é claro'*
Tato traduzido por hlirta Zbrun

lLncan, Jacpies. " l d e a s d i r ~ ~ s pun r acongreso sn6reh senial/dad/eminaaaaem Escrilnr 2. Huciios Aira, SigloXXl. 1987,
iCfr Ilhéiel. Jacqueline; " U n p s o rnis': em Mediodicho ii028, novZ004 EOL Córdoba Vbe:Koch. hlaiie liélène, '"Guiiio"em E1 mldemde h Er~,,cli
78. julio 1998, EOI., Ruenor Yns.
'Laca. jacques, Semimi-io/m.re elsin~mw,aula de 13-01-76.Inódiip
'hliller, Jacqua-Alain, "El11igi1ryellazo', cursodel 17-01-01. In6dito;
'lacan,Jacque.USmt~i-io Libro I 1 Buenos Aira. Paidh, 1987. pp 63
ILaran, Jaique, "RSI~,W Semimrio Libro22, Aiila de 17-12-74. VeMo inédilx
'Ibidem.
8Laca,Jacqua. 'Loi no i ~ ~ u i u I n s ? m nSeminarin
'. 22. Aula de 19-02~74.i'ersio inédita.

Opção Lacaniana n" 50


Um.
O discurso hipermoderno, como o denominara J.-A.Miller, criou um novo fenômeno social:
a "vitimologia". No chamadoRecovery Hill of RighisJor Trnz~inaSuniiuors lemos: 3-v ziirtue
ofyourpersonal authori@you haue the vight to... choose to accept or declinefeedhack ... to
hold your thwapi.~t'sundiuided loaloi in relation to a11 abusws. .." A lista delineia as coor-
denadas de uma nova identificação, a do objeto vítima. Esses tempos do sujeito carente da
bússola da moral paterna impelem a uma prática generalizada da reivindicação, como uma
tentativa de recriar um Outro reparador da falta de sentido. Ao mito paterno, que o neurótico
elucubra para regular o sem sentido traumático d o encontro sexual, sucede uma
homogeneização radical do trauma, extirpado de toda subjetivação e reduzido à objetividade
do fato. São confundidos historização e relato do acontecimento, eliminando-se assim o in-
consciente. O corolário: um crescente al~agamentoda responsabilidade subjetiva no altar do
gozo
- universalisante da vítima inocente.
A vitimologia marca o trabalho clínico. Por exemplo, no A m e r i c a ~ ~ J o u m
o flP g ~ c h i a t ~ ,
tle maio 2000, Nada L. Stotland relara um caso de doinesric abuse para demonstrar que os
conflitos não sáo apenas internos e que, se as respostas razoáveis ou inevitáveis a um abuso
prolongado são atribuídas à personalidade - e não a ameaças externas -, o erro de diagnósti-
co é inevitável. "Por que não recorrer a um diagnóstico de Post Traumatic Stress Disorder
(PTSD), menos estigmatizante do que o de personalidade horder-line?' - pergunta Stotland,
unindo-se ao advogado em defesa dos direitos de seu paciente.
"Era como se seu irmão e seu pai tivessem abusado sexualmente dela - diz a paciente, para
quem foi escolhido o sugestivo
- nonie de Violet. "Eolet reported - continua o texto - that it was
when Lukefirst beut her that sbefel1 co?nfol~able because this was the t)pe of rehtionship shefelt
she was nzeant to haver: Porém, no lugar da pergunta acerca da necessidade do "feelirig" e do
gozo que este acarreta, o terapeuta se lança em uma resposta empátia ':.. she had izo choice".
O trauma abre a pergunta sobre a causa dos sintomas e a escolha da neurose. Estamos
distantes de 21 de setembro de 1897, quando Freud escrevera "Não creio mais em minha
neurótica", quando a busca de um evento causal conduzira finalmente Freud à realidade da
fantasia edipica e a eficácia traumática après coz~p.O caso mencionado ilustra como a forma
de responder à pergunta sobre a causa do trauma dita o destino do paciente como sujeito
responsável ou como objeto vítima inocente. Pensemos aqui na retificação subjetiva
reiteradamente intlicada por Lacan como marco do começo de uma análise.

Opção Lacaniana 11" 50 399 Dezembro 2007


Freud avança entáo do evento traumáfico a fantasia e depois até a pulsão. Seguindo seus
passos: porém além doÉdipo como significação do trauma, iacan responde à questão da ~iulsão
indicando outra forma de tratar esse gozo inassimilável: osintho~nucomo solugão. Isso requer
renunciar a idéia de que o trauma tem um igente e que o sujeito é vítima do gozo do Pai.

Dois.
Se nossa época assiste à recorrência de traumas, excessos, horrores e violência, é porque
o discurso oscila quando já não está regulado pelo mestre, nias sim pela aliança da ciência
com o mercado. 1
'X ciência induz uma causalidade prog(amada que, à medida que é recebida, faz surgir o
escândalo do trauma que escapa a roda prògramaçio: todo o programável toma-se trauma.. .
Para alguns, a melhor maneira de desfazer ohue: em psicanálise, cheira ao séculoXK é transfor-
niar sua retórica e seu vocabulário, apoiando-se nas neurociências". Assim resume Éric Taurent;
uma trend (tendência, moda) que se propaga: o analista progressista busca o futuro da psicaná-
lise na associação com a ciência, unindo-se às forças que aprofundam a foraclusão do sujeito.
Vamos escolher um dos artigos do IntemationalJournal oJPsychoanal)q~isde 2004, um
da série com a qual a IPA se prepara para seu congresso no Rio de Janeiro, precisamente
centrado no traunia. Juan Carlos Tutte, bubcando um diálogo interdisciplinar entre psiquia-
tria, neurociência, biologia e psicanálise, rekorre ao conceito de trauma e b investigações clas
neurociências sobre a memória. 'kpos~íveiperda de rigor nosográfico - assinala - é mais do
que compensada pela maior compreensão~daspossibilidades terapêuticas".
Trara-se- nem mais, neni menos -do hiiuro da psicanálise: "O avanço da psicanálise deverá
se produzir em suas fronteiras e para isso, é preciso confrontar a teorização analítica sobre o
trauma psíquico com o PTSD. Nesse contesto, lùtte menciona um binário que pode interessar
ao analista lacaniano. liata-se da descrição da memória, separada em múltiplos sistemas. "Decla-
rativas" sáo aquelas formas de memória qud corresporidem a um sistema que pheiramente
processa ou codifica os registros, depois os armazena de maneira accessível para seu uso futuro
e, finalmente, os expressa verbalmente. Em tontraste! ac formas de memória "não declarativas"
não podem ser expressas verbalmente. Ou sija, há uma diferença entre o que se pensa e pode
ser representado, e o que somente pode correspondera procedimentos carregados afetivamente
ou a esquemas afetivc-motores que não podem ser verbaliidos no mramento e que se expressam
nas formas de acting-out. Os traumas que desempenham um papel predominante no PTSD são
precoces e não acessíveis a memória verbal.,
cP.situação traumática pode ser a partir de um ponto de vista puramente ecorió-
I
mito?“, pergunta Tutte, buscando um lugar para a pulsão. Responde encomendandeo i
neurologia e situando o econômico memlórias não declarativas nos circuitos fisiológicos
- -

perturbados por uma lesão do hipocampd. Desse modo, se o declarativo corresponde ao


registro d o sentido, o não declarativo corrbsponderá ao real do cérebro.
'X psicanálise é ainda relevante hoje e 4 clia!" É a pergunta crucial que Turte se formula.
Sua resposta consiste em unia prática da Psicanálise baseada exclusivamente no sentido.
Trata-se de uma prática no Nonie-do-hi, acdjo uso, não obstante, ele renuncia diantedo gozo

Dezembro 2007 4"" Opçáo Iacaniana n" 50


resistente ao sentido. Seme-se então do neurologista para colocar um suposto ponto de basta
"real-biológico"ao trauma.

Três.
O caso de Nada I.. Stotland, anteriormente citado, é uni bom exemplo de um retomo a
moral como recurso contra o gozo desenfreado da época. "Os loucos de Deus", assim se
refere Miller a essa prática, que define como fundamentalista.
A culpa da paciente -ao ter que escolher entre Deus e o terapeuta - levou-o a consultar
uma organização cristã que lhe deu dois videos, que ele viu junto com ela em sessáo:
I E g s like a dove: chealingfor tbe abused christian women e Hroken tiows: religion
perpectives in dornetic violence. O analista faz uso então da religião e aos efeitos de dissimular
a culpa de sua devota paciente lhe dá sua absolvição: "God and I are on tbe saine side",
declara. O autor Faz menção a Christian Therap-v: segundo a qual se estimulam as tentativas
do paciente para pensar, atuar e viver de acordo com os preceitos da religião, incorporando
preces ao tratamento ". . . pois as vezes a culpa é a resposta apropriada a um compommento".
O analista lacaniano tampouco está isento de adormecer na prática do sentido em Nome
de Deus Pai. O analista, entre ciência e religiáo, apontará para a homeostase do sentido,
suturando SIM2 em relação sexual, ou apostará no efeiro traumático de seu ato na cadeia
significante?Tomará, como aliada, a crença culpabilizante e religiosa no Pdi para dissiniular o
desenfreio ou consentirá em um usosinthomático do Nome-do-Pai,que o despertará para o
uso da desarmonia cle lalangue?
A pergunta concerne a própria possibilidade de existência da psicanálise nestes tempos do
Outro que não existe.J.-A. Miller procura responder a ela ao ler, no SmNuirio: Osintboma, um
convite para pensar a psicanálise além da velha caixa de ferramentas, além do inconsciente, já que
"a hipótese do inconsciente não pode se sustentar senão na condição de supor o Nome-dnPdi".
Isso implica unia prática que tem em seu horizonte um uso do Nome-do-Pdi que consente,
precisamente,em traumatizar a homeostase,dando um passoalém do sonho da ". . .reconstituição
do inconsciente de papai.. .".
Texto traduzido por Maria hgela Maia.

Opção Lacaniana no 50
Foi a partir da tomada do objeto como "anterior à lei e ao desejo"' que se operou um
questionamento do pai sobre o qual desen?bocou o Semitzáj-io:A Angústia. Jacques-Alain Miller
v,
sublinha que "quando se afirma este tudo sknificante [que culmina no Sen~i?záiio quando [o
[..I
significante] torna-se totalitário, então, orrelativamente, afirma-se o que não é significante".
Ele dá a fórmula: $ xS x, pela qual ele representa o objetou2."E é justamente porque [...I (o objeto
pequeno a) náo tem nome que ele se em questão o Nomedo-h?'; correlativamente esseSemi-
17Úriosobre a angústia mostra que a potência do pai "esbarra no objeto a"'.
Assim, apropriado pela Iógica, o ~on14-do-paidesliza, ao mesmo tempo, da categoria da
universal para a do particular. I

No Seminário: As fornzações do incoksciente, do tempo do tudo simbólico, o Nome-tlo-


Pai é, coni efeito, compreendido conio: "o significante que, no lugar do Outro, põe e autoriza
o jogo dos ~ignificantes"~, como o "suporte da ordem instaurada pela cadeia significanteXí.Ele
funda a ordem simbólica. É desse estatuto que deriva sua funçáo universal. lacan nota no
Semi?idrio: "De um Outro ao outro" que no ser falante a linguagem leva o vivo ao universap.
É a ordem do significante que aí é entendida como dependendo do universal.
No Semhzário: ';A identificação", lacani assegura o ancoraniento do Nome-do-Pai na cate-
goria Iógica do universal, a partir de um \exame da especificidacle da proposição universal
diante da existência Esta particulaiidadel da qual encontramos o traço em Mstóteles, só
alcança sua plena expressão com John I n n na metade do século XIX, nos começos da
matematização da Iógica, quando ele considerou a universal como uma hipotética: "se há
homens, então eles são mortais". Venn Faiia caducar uma das regras fundamentais da Iógica
clássica, pela qual a importincia existencial da universal levava a pôr a existência de sujeitos
verificando-a.A Iógica clássica permitia, segundo a lei da subalternação, que se infira, a partir
da verdade da universal, a verdade da paniFular. Iacan nào cessou de insistir sobre o fato que
a universal em nada engaja a afirmaçáo dk existência. "O verbo existe, mas não o Deus de
De~cartes"~, indica ele para introduzir seu bropósito noSenrinário sobre 'A identificação". Ele
sublinha que a particular e a universal não têm mesmo "nível de existência" e situa a oposiçáo
entre universal e particular na ordem da klexis", quer dizer, a escolha significante, que ele
distingue da "phasis": "algo que aqui se propóe como uma palavra por onde sim ou não eu me
engajo quanto à existsncia dessa alguma c isa que é posta em causa pelalexis rime ira"^. "Se
9
eu digo: todo traço é vertical, isso quer dizer que quando não há vertical não há traços", indica
ele à guisa de ilustração, marcando à marleira de Venn, a universal por um compartimento
I
Dezembro 2007 / 402 Opçáo iacaniana no j O
A função do pai encontra posteriormente sua expressão pelo viés da particular: $ x F x
Não se trata para Lacan de amarrar outra vez o ser à existência. Ao contrário, ele sublinha,
no seminário ...Oupior, o sentido precário desse "existe": '' $ x , quer dizer "existe". Existe o
que? Um significante"". "Você existe, seguramente, acrescenta ele, mas isso não vai mais longe.
Você existe enquanto significante". E mais longe: "É evidente que Deus existe mais não mais
quevocê!". Enquanto que o universal é remetido ao nível do possível, conforme a interpretação
da uni\!ersal em hipotética feita porJohn Vknn, Lacan insiste desde então em marcar a disjunção
do Ser e do Um. Ele lembra como Frege flnda o 1sobre o O. Tomando em seguida a questão
do Uni por meio da teoria dos conjuntos, die indica que o Um do conjunto pode ser o conjunto
vazio, enquanto que todo conjunto inclui o conjunto vazio como elemento fundamental. Do
lado do unário, como do uniano, Lacan separa o ser e o Um. "Há um não quer dizer que há
indivíduo mas que não há outra existência Ido Um a não ser a existência matemática". Remetido
ao particular. único a lhe dar existência de significante, e à afirniação de que há um, o pai é
reduzido ao significante-mestre, ao SI. I
A passagem do universal ao particular tem ainda como conseqüência não mais tomar o Pai
unicamente a partir do Simbólico mas igjalmente a partir do Real. "Eu falo do um como de
um real", afirma iacanI8, enquanto rnostrajque a proposição $ x faz a junta entre esse "há Um"
e o "ao nienos um"19."0número faz parteido real" , lembra-nos ainda. Afunçãodo pai é enfim
destacada do todo da castração. iacan critica Aristóteles por náo ter considerado o "não-todo"
. Ele introduz, por sua vez, ao lado da negação da universal "nenhum ou ninguém x é y",a
afirmativa particular não-todo x é y, da qual a proposição: % x F x é a expressão. A exceção
paterna é situada assim do lado clo não-todo que limita o conjunto dos "para-todo" (" x -x) ,
que lhe confere um limite situando-se no exterior do conjuntdO.O Pai "une"". Mas a seme-
lhança tlo objeto a que faz aparecer que não-todo é significante, a exceção paterna não é
somente construção do mito: "existe um que não é castrado". iacan mostra que a particular
I
põe o "existe" do "não é verdadeiro" da castração?'. Ele prossegue: "Não é verdadeiro que a

simbólico e a do Nome-do-Pai.. 1
castração domine tudo"23.A passagem do universal ao particular atinge ainda a potência do

No Setninário ...Oupio>;iacan ohse&a a utilidade da função da letra, do SI conio letra,


"isso serve para explicar a vocês por uma outra via o que eu renunciei completamente a abordar
pela via dos Nomes do Pai"?'. Já se esboçam os contornos de uma nova abordagem do Nonie-
do-Pai que tomará corpo no sinthoma. Aletra se substitui ao Nonie-do-Pai, Lacan explorará
quanto a isso, posteriorniente, a função hteral, elaborada ao mesmo tempo do Seminário:
"...Ou pior". Uma volta a mais será dada, hom efeito, quando iacan trocará o modelo lógico
I
pelo da to[~ologia.No Senziná?-io: O siizthoma, é a função de nomeação do pai que está na
1
frente. Jacques-Alain Miller indica que no ulumo ensino de iacan o Nome-do-Pai náo associa
mais o significante e o significado mas o Simbólico e o realz5.O sinthoma, ele avança, é "da
ordem cla letra"'6, "o Nome-do-Pai é este Si:queIhes permite fabricar sentido com o gozo'"'. O
abandono do modelo lógico consagra o t e m o da potência c10 Pai, "o Nome-do-Pai,obsenra
Lacan no sinthoma, é, no final das contas, )algo de leve"'8.
Texto ttr;idurido por Carlos Augusto Nicéas

Dezeml~ro2007 1 404 Opção Lacaniana no 50


'hlillcrJ.-A,. "lntroduaion à Ia lkciure du Séminaire FAngoisre dejacques lacan" in La Caiise Frcudiena. o. 58, Paris, Navarin, diilusion Seuil, p. 94.
?Ihid., p. 78.
'Miller ]-A, "lntroduction a Ia lociurc du Séminaire I'Angoim dejacques Lacan" in l a Cause Freiidiennc, n. 59, Paris, Naiilriii. diilusion Seuil. p. 89
'Lacui, J., LeSémi~iairc.l i i r e S LPs/onnalionr de l'i~iconscieitl(1957-58),texto estaklccido por Jacque~i\lainMiller, Psris, Seuil. 1998, p. 317.
'Ibid., p. A90.
6i.acan, J., "D'uo Aum à rauire" (1968.69). seminário inédito, c u m de 14 de maio de 1969
'Lacan, J., "Cidentiíiicaiion" (1961.62). seminário inédito, curso de I 7 de janeiro de 1962.
Ilhid.
'Ibid.
"lhid
"Yvaii Beiaval (dir.1, Hisioire de Ia pbilmoplue, wl2. Paris, Gallimsd. col. Encyclopodie dc Ia I'léinde. p. 859
"Lacui,J., "lntroductionauNo1iis-du-Pè~",20deoowmhrodc1963. io DBNoms-du-Pèn, textocsiabclecido porjacgues-,\Iair hlille~Paris;Seuil,col.
"Champ freiidien'. 2005, p.78.
"Ihid.. p. 83.
"Ihid.. p. I03
"lhid., p.84.
"Ihid, p 92
"Lacm,J., " O u p i r e (l9il.72), xmináriouiédito. ciirsode I j d c dezcmhrodc i 9 i l .
"lhid., ciirso de 9 de abril de 1972
I9lbid
'CfLacan.1 ,LeSé>niiuire liireX\: E>~mre(1972-73). icxio aiabPlccidopor Jacgues-dai11hliller, Paris, Seuil. 1975, p. 74.
:'Lacan, I., " O u pire", curso de 14 de iunho de i972.
W d . , c"mde 1; dedenmbrodc i9í1
!'ihid.
!'lbid., cursa de 14 de junhode 1972
"hlillc~j.~A,"Piècesdélachées", seminário inédiio. curso u. i, 15/12RW4. p. 40.
I6lhid., cuno n 6 1210IflW5, p.48
"lhid., curso n. 7,19MlBWj, p. 67.
"I;ican. 1.. hséminoire iinre.R/i(. Lesi,i>,iborne (1975~761,tcrlo eslabelendopor Jacquer-Alainhlilier, Paris, Seiiii. 2005. p. 121

Opçáo Lacaniana no 50 Dezembro 2007


Que o sujeito do inconsciente seja o mesmo da ciência acentua a divisão entre saber e verda-
de: e sublinha a função da verdade como causa. O discurso do analista faz valer que o gozo tem
uma verdade, e que essa verdade é um saber que se pode ler. decifrá\gel:afiz. O analista inter-
preta o gozo em termos de significante, mas a interpretaçáo incide sobre a causa do desejo. O
sintoma é a, definido como efeito de verdade. Onde estava o gozo, deve advir o significante.
O complexo de Édipo, que Lacan faz equivaler à metáfora paterna e ao Nome-do-Pai em
seu Seininário: "RSI.", será, desde então: considerado como "o sonho de Freud". Freud inter-
preta o sintoma em nome do pai, em termos de verdade, enquanto o significante é causa de
gozo. iacan estabelece, como mostrou Jacques-Alain Miller em seus "Pdradigmas do gozo",
uma circularidacle entre o significante e o gozo. Um passo a mais e o significante equivalerá ao
gozo. O gozo se infiltra por toda pane.
Isto quer dizer que o sintoma, a partir do Seminário: Mais, ainda, não poderá niais ser
pensado da mesma forma: o conceito de falasser, como também o de lalingua, testemunham
isso. hcan chama de lalingua a fala disjunta da estmtura da linguagem e separada da comuni-
caçào. O grande Outro, o Nonie-do-Pai e o símbolo fálico são aqui reduzidos a uma função de
puro semblante, de "grampo" entre elementos disjuntos, peças avulsas. No que diz respeito a
não relação sexual, o gozo se refere a um "existe" fundamental: o corpo falante se liga apenas
a seu próprio gozo. Essa não relação entre o gozo do Um e o Outro do significante aparece
como o que faz objeção à psicanálise. Como, a panir dai, pensar a direqão do tratamento, a
interpretaçáo e o fim da análise?
O conceito autista do sintoma se opõe a sua decifração em termos de verdade. O sintoma
é então definido como aconteciniento de corpo: ali onde estava o acontecimento de corpo,
deve advir o efeito de verdade. Se o fundamental não é mais a ordem simbólica, mas a con-
sisténcia do corpo, não se trata mais de revelação, mas somente de redução - iecluç.io do sintoma
ao que não tem sentido. É o que avança iacan com Jogce e, pode-se dizer, contra Freud.
O sintoma, a partir de 1975 com o Seminário: "R.S.I", 6 retomado por iacan como equiva-
lente ao Nome-do-pai. Um sintoma, vindo nesse lugar de semblante no Discurso do mestre
(o inconsciente), pode funcionar como Nome-do-Pai. O Nome-do-Pai não terá assim mais
valor do que um semblante. A partir do enxame dos significantes-mestres, se chega a
pluralização dos Nonies do Pai que marca o ultimo ensino de Lacan.
A hipótese do inconsciente só pode se sustentar a panir do Nome-do-Pai. É preciso, de
início, supor que há um saber no real e que esse real é estruturado como uma linguagem. Em
um tratamento. cada um se compromete a dar sentido ao real, mesmo que o real não tenha
sentido e que seia sem lei. Mas o pensamento rateia, como também a sexualidade, devido ao
gozo do corpo. O corpo é o que faz objeção ao sujeito barrado pelo significante, que se refere
ao universal e que se revela, no final, ser apenas um mito. É a ra7.ão pela qual iacan preferirá
utilizar o termo de falasser em vez de inconsciente.
Como fuer com o que afeta o corpo de maneira irredutivel?A psicanálise permite, no final
das contas, a um sujeito encontrar sua felicidade no sintoma? Cenamente, ela permite apren-
der a ler o acontecimento de corpo, o que alivia até cena ponto, no qual se esbarra forçosa-
mente com o que não pode ser lido. Lacan nos ensina com Jogce que é preciso levar a leitura

Opçáo Lacaniana no 50 407 Dezeml~ro2007


do sintoma até suas últimas trincheiras para chegar a fazer do sintoma, uma obra. É precis;i-
mente o que está em jogo no passe, ainda~mais que os furos abertos na estrutura pelo últiiiio
Lacan deixam lugar para a invenção. hlas isso supõe, como sublinhou Jacques-Alain Miller eni
seu Curso do ano 2004-2005, intitulado "Peças avulsas", se ter despojado da verdade e da
ilusão de que a decifração do inconsciente poderia fornecer uma verdade última.
Que não haja verdade última acentua a ~ponsahilitladede cada analista em relação à teoria
que orienta nossa prática. Articular a teoriaido engano do sujeito suposto saher, a partir do real
I
do gozo, se torna uma exigência ética, uma vez que o psicanalista deve ser ateu. O que Lacan
chama sinthoma toma seu valor, ao situar psicanálise como algo que visa um além do sentido
que é um além do Pai. Interpretar, e mesmo I nomear as coisas, supõe ceita harmonia entre
simbólico e real, supõe o Nome-do-Pdi, sulpòe crer em Deus. Foi por isso que iacan chamou
nossa atencão sobre o nome próprio tomado como designador rígido, quer dizer, como o vazio
de descrição3não reenviando a nada mais que ao S(li_). No fim de seu ensino,Lacan se separa do
Outro do sentido e de seus efeitos de verdade, para se centrar no real e se orientar na direção de
uma teoria do sinthoma que reenvia ao nome próprio. O sujeito que está ai concemido náo é
mais o clo significante, mas o que se combleta de seu gozo, o sujeito como resposta do real,
afetado de um corpo que goza. O acento éiposto sobre a letra, a sonoridade, o niído da língua.
Se o sintoma, no final, se toma nomel éjpor levar em conta os interesses do gozo do sujeito.
Em seu ensino publicado na Revista Lu Cause Freudienne (n.39 e n. 49, precisamente), Éric
Laurent indicava que o sujeito, face ao enigma de seu gozo, se esforça por nomeá-lo e se con-
fronta inevitavelmente com o fracasso da referência, declinando seu nome de sintoma e em
seguida seu nome de fantasia, antes de chegar, no passe, a seu nome de sinthoma. Isto nos
conduz a dicotomia que existe entre dois modos de escrita que são o significante e a letra. %de-se,
então, pensar o percurso de um tratamentd como algo que se efetua do sintoma ao sinthoma,
quer dizer dos efeitos de verdade ao aconiecimento de corpo, do sentido ao não-sentido, do
tlecifrável ao indecifrável, do significante à letra - para chegar à reali7ação do sujeito.
Enquanto o sintoma freudiano reenvia ab S i que está em posição de agente no Discumo do
Mesue, o sinthoma lacaniano reenMa ao S1 Je se acha no lugar da produ@o no Discurso dokalis-
ta. É a panirdaíque se impòe a ditin@oque sp deve fazer entre o ~ o m e d o - ~edoiPai quen'homeia2,
como também à disiunao que se deve op&u entre o simbólico e o real, além do sentido e da
significação.A impossível relação enue verdale e saber é comlatim da ausência de garantia na qual
se sustenta o ato anaiítico.Ali onde estava o maisde-go~x, a, deve advir o sujeiro realizado.
A orientacão em direção ao real implika em deixar vago o lugar de Deus-o-Pai, a fim de

1
poder operar sobre o gozo e transmitir a psicanálise. Se Lacan nos convida a fazer, com o
passe, a teoria do engano, no qual se sust nta a transferência, é porque o lugar que convém
b
ao ato é aquele no qual se escava o objeto ulsional reduzido à sua consistência lógica. É isto
que nos reúne em Roma: o Nome-do-Pai,trata-se de prescindir, para poder servir-se dele.
Texio traduzido por Maria do Rosário Collier do Rego Ba#os

'Méprirc no ooripinil fmcès.


'Em franck:18 Pkequi n homme

Dezenibro 2007 / 408 Opçáo Iacaniana ri<' 50


Em nossa prática, não é incomum escutar da boca de algumas analisantes mulheres, quiçá
com um tom de resignação, uma sentença lapidar: 'Já não restam homens!" É obvio que a
mesma não se refere a uma descrição fenomênica do fato, mas alude, assinala: faz constatar
que assim se tenta definir uma suposta posição dos homens, a saber, a de elidir, não querer,
resistir - e até mesmo rejeitar - tudo o que Ihes conceme para assumir a responsabilidade de
parceiros estáveis, de sustentáculo da farníiia e, certamente, de pais. Cabe dizer que essa quei-
xa se escuta independentemente do estado civil de quem a profere.
Este grito que se escuta na privacidade do consultório não é outra coisa senão a expressão
de certa declinação dos homens, na hipermodernidade, de desejar sustentar - e inclusive
ocupar - a função paterna.
Sem dúvida, este fenômeno não é mais do que o efeito de "uma declinação social da
imago paterna"'.
Esta introdução que marca o declinio do pai, arrastando em sua queda a virilidade, atraiu
nosso interesse por inscrever-se nos debates atuais: tanto teóricos como clínicos, a respeito
da subjetivação que se produz nos sujeitos masculinos em tomo da semação, na época da
queda dos semblantes do pai.
Esse fenômeno, conseqüência da subjetividade da época, produziu uma desordem na tra-
dição que marcava o laço entre os sexos.
Nos tempos do reinado do Nomedo-Pai, as diferenças estavam claramente delimitadas e
as fronteiras que separavam as distintas identificações e os distintos semblantes portados por
homens e mulheres se faziam notar com força. Era possível saber e distinguir qual homem era
viril e qual não o era.
Pela perspectiva psicanalítica, sabemos que as posiçòes sexuais se sustentam na função de
nó que o "complexo de castração inconsciente" adquire e "numa regulação do desenvolvi-
mento que dá a esse primeiro papel sua ratio, ou seja, a instalação no sujeito de uma posição
inconsciente, sem a qual ele não poderia identificar-se com o tipo ideal de seu sexo, tampouco
responder sem graves incidentes às necessidades de seu parceiro na relação sexual, ou até
mesmo acolher com justeza as da criança daí procriada"?.
Neste viés e localizados na perspectiva da sexuação masculina, cabe assinalar que é a panir
dos efeitos da castração que põe fim ao Édipo e privilegia: a partir da renúncia a ser o falo, a
escolha por tè-lo, que o menino encontra o sustento para sua identificação viril.
Pois bem, qual é para o homem o tipo ideal de seu sexo nos tempos da hipemodernidade?

Opção iacaniana no j0 409 Dezembro 2007


Como pensar, nos tempos atuais, ostatus d,a virilidade quando o laço entre homens e mulheres
sofreu tantas transformaçóes?
J:A. Miller3apresenta e observa, a palir de um texto de A. Kojève4:que a idéia do declive
vid e inclusive seu desaparecimento no mdndo contemporâneo é impensável sem considerara
declinio do pai. Essa afirmação encontra &as raizes no desenvolvimento e interpretação que
realiza Lacan no Seminário 4, ao comentar as vicissitudes na sexuação do pequeno Hans. Ali
se sustentam a náo-complementaridade e"me a escolha do objeto heterossexual e a virilidade:
de tal forma "que o sujeito se mantém em certa posiçáo de passividade pelo ponto de vista
sexual. Há legalidade heterossexual, pelo l j e t o ao qual se liga, a sabe. o objeto feminino. Por
certo que a legitimidade dessa escoiha é duvidosa". Temos, então?uma oposição entre legali-
dade e legitimidade. "O pequeno Hans kstá em conformidade com a ordem estabelecida,
visto que, como menino, se interessa pela! meninas e, com cerreza, continuará nessavia pelo
resto de sua vida. Contudo, não parece okupar essa posição de um modo que, aos olhos de
iacan, seja viril; ele a ocupa de forma passiva"j.
Sem dar margem à dúvida, a uirilidade fica identificada com a posição ativa.
E o que nos assinala a leitura do texto Ide Kojève? Ela nos transmite que nos encontramos
"em um mundo que é novo por estar colnpleta e definitivamente pci\:ado de homens". Um
mundo que difere daquele de antigamehte, no qual se distinguiam os homens viris, pois
praticamente a única coisa que u ~ a \ ~ ahma m Calças de flanelas O filósofo nos relata, com
certa humilhação viril, que já no começo de 1950, os assim chamados homens foram adquirindo
certa inclinação feminina, que é a de se ofuecer ao olhar, quer seja nus - mas com os corpos
trabalhados e musculosos - ou de robe. kmbra-nos também (agora com orgulho viril) que,
em outras épocas, a nudez estava resemada às jovens mulheres e que, em outros tempos, não
era fácil desnudar os homens viris. "Eram necessários quatro ou cinco para tirar de um garbo-
so cavalheiro sua luminosa annadura e: mdis recentemente, era preciso a ajuda de um I'I'goro-
so rapaz para tirar as finas botas lustradasde um militar ilu~tre'~.
Quase chegando ao final do trabalho, hão sem um tom de nostalgia e ironia: o autor nos
confronta com uma cma reflexão quando, ao aceitar forcosamente a existência de moças normais
que se comportem como verdadeiras mulheres, se pergunta: por acaso elas enconuaiáo os verda-
deiros homens que necessitariam, em um mundo no qual a potência do macho foi posta na ativi-
dade pacífica e labotiosa (embora devidamknte motosizida) de um esposo fecundo?
Saudemos essa novidade com um BOWIdia tristeza!, mas não sem Um certo sorriso' resig-
nado: o homem viril se extinguiu. Em seu lugar, encontramos sua metamorfose, a saber: um
esposo fecundo.
Essa irônica figura constitui um ideal de pai na família moderna, que náo deixa de propor
"todos, todos juntos, o todos niesmo da democracia. É o dano causado à função paterna que
explica o sentimento de desapzecimentd do viril".
Esta lógica, base de apoio de certa culttra unissew, pretende escavar o Édipo, que é o que

i.
possibilita ao sujeito a assunção de seu pr prio sexo, ou seja, que a mulher assuma certo tipo
feminino reconhecendo-se como mulher, que o homem assuma o tipo viril. A feminização e a
virilidade?enráo, "são os dois termos que trAduzem o que é essencialmente a função do É d i p ~ ' ~ .

Dezembro 2007 1 410 Opcáo Lacaniana nU50


Um &ipo questionado em sua estnitura e em sua fungo estmturante tem como conseqüên-
cia não apenas o declínio do significante Nome-do-hi, mas também o declínio da virilidade.
Os efeitos da hipermodernidade produziram uma nova figura que se assoma como o tipo
ideal para o sexo masculino: o metrossexual.
Em 1994, um escritor inglês chamado Mark Simpson introduziu esse novo significante ao
analisar os efeitos do consumismo na identidade masculina. O novo homem do século XXI é
um suieito muito interessado em sua imagem - e é vítima fácil da ~ublicidade.
O protótipo do mevossexual é um jovem com muito dinheiro que vive nas grandes metrópoles
(daísuadenomina@oj, onde se encontram as lojas de marcas, os clubes, os ginásios,os importantes
cabeleireiros. Gosta de se vestir com roupas de gnfe, *tosas: eventualmente pinta as unhas, usa
cremes para manter o cuidado com a pele e não vacila em pintar os cabelos. M e ser gav. heterosse-
xual ou bissexual, já que esses uaços não são os mais relevantes. O que definitivamente o caractetiza
é que costuma tomar a si mesmo como objeto de amor Esse novo homem é decididamente um
sujeito narcisista, que se oferece como objeto a pulsáo escópica. É opartmire ideal em um mundo
ua~eunsta.Nós os distinguimos- não por sua inclinaao sexual. mas fundamentalmente w r desen-
volverem um estilo devidaque pridegia o cuidado com sua imagem.Quiçá o cogito do metrossexual
seja: "Sou olhado...logo existo". Sua forma de gozo fica assim condicionada sob essas coordenadas.
Cabe formular e sustentar a pergunta sobre o efeito que, na época da hipemodernidade,
caracterizada pela "ascensão ao Zênite social do objeto a",se produziu na subjetividade do
homem atual. Uma época na qual o que se oferece como modelo identlficatóno aos sujeitos
masculinos é que privilegiem ser o falo mais do que tê-lo, com as conseqüências de uma
feminização que não será pelo efeito do discurso analítico sobre a subjetividade masculina.
Assim, o metrossexual se oferece para seroobjetoa,umavezque ocupa urna posição feminizada.
Frente a oferta do mercado: todos feminizados!, o desafio atual para os psicanalistas será o
de evitar que a hipermodernidade se cure da psicanálise, que esta não se transforme em um
sintoma de museu.
A psicanálise deve alojar-se em seu tempo não para ser o sustento da tradição, mas para
ser seu sintoma, ou seja, ser o discurso que não comunga com os ideais da época.
Se "não se recruta o psicanalista entre aqueles que se entregam por inteiro às flutuações
da moda em matéria psicossexual"lO,tampouco se o recmtará entre os nostálgicos do pai. A
aposta é outra: deveremos beber na tradição para nos articularmos ao novo, a fim de poder,
assim, "inventar a prática lacaniana".
Teso traduzido por Mirta Zbrun e revisado por \'era Avellar Ribeiro

'Lacan. I. (19E).LaFomilia. Argeolina: Homo Saoieos. D I I ?

'Kojè<.e;~.. li.hálora,~\rgen!in~199i.pág.124-I29
"F. Sagan: El ~ltimohlundo~ueva",en&swrles~"
5hlillu,].-A. 0D.cil.
~KQ~ÈW;A.~ pii~.
Títulos de Ias novela de E Smn
- que
. comenta k Koiève en d artículo citado
shlille~,].-A. Opni.
'Laran. j. (1999). EiSminano,L i h \I, "tasFormaciona de1 Inconscieote'. Buaor ins- Barcelona: Paidór, p.170
'Lacan, J. (1994). EISemimrio L i h ly "tasRelaciones de Objeto". Buenos Aire- Barcelona: Paidór, p.421.

Opcão Lacaniana no 50 411 Dezembro 2007


Que o Nome-do-Pai possa ser o opeddor que coloca uma incógnita na equaçáo, não terá
nada de surpreendente, se desejamos lera metáfora paterna, ela mesmal como uma equaqão
que permite resultar o X do desejo da ~ i eme termos significantes.
A dualidade entre conhecido e desconhecido: que Descartes coloca em evidência desde a
introdução da geometria algébrica, nos ghará sobre a via das equaçóes, e nos incita a precisar
a homologia entre as teorias dos núme+s e aquelas do desejo. No percurso do ensino de
Lacan, o desejo é, de início, definido como deslizando sobre a metonímia, na qual a estrutura
é a da seqüência indefinida dos "números inteiros", para, em seguida, encontrar lugar na
partição dos "números reais", quando d c a n o articula a questão do gozo. Temos o hábito,
desde o Smi~~ário 20, de associar a seqükncia discreta dos números inteiros aos significantes,
até mesmo a seqüência indiscreta dos números racionais, reseivando os irracionais, inacessi-
veis de maneira simples pelos inteiros, pais serem articulados ao registro do real. O título que
me foi proposto para este artigo reenvia a outra partição dos números reais, em vez daquela
entre racionais e irracionais, e abre um no+o acesso matemático a questão do desejo e do gozo.

Uma letra para uma incógnita


!I
E podemos sempre reduzir assim, todak as quantidades desconhecidas a uma só, desde que o
Prohlenza se posa construirpor cí&ulos e linhas relas, ou também por seçcies cônicai, ou
ainda por alguma outra linha que seja composfa de u m ou dois graus.
~
É no texto A Geometria (1637) que Descartes introduz seu método das equaqões e das
incógnitas para resolver os problemas clássicos da geometria.
Por que a incógnita é, desde entáo, dila no feminino?
É que ela remete a uma "quantidade" lou a uma "linha", e náo a um número. Os números
ditos reais não existiam ainda. A misteriosa incógnita de Descartes não se mede, ela se deduz,
se calcula em função de outras
O geômetra francês o inicio do alfabeto, a?b: c, ... re-
mete as constantes, às o fim do alfabeto, z, y, x:
para as (dimensões) desconhecidas. Um luidado especial do tipógrafo deu finalmente a pre-
ferência ao x: a língua francesa, utilizando mais frequentemente o y e o z, o x estava mais
disponível, e assim prevaleceu para marcar a quantidade desconhecida.

Dezembro 2007 1 412 Opçáo Lacaniana no 50


A incógnita se escreveu preferencialmente x: no estabelecimento das equações'.
"Mas se eu não paro de explicar isto em detalhe, eu Ihes tiraria o prazer de aprendê-lo por
conta próprizd, e a utilidade de cultivar seus espíritos ao exercitá-los para este fim é, a meu ver:
a principal (utilidade) que se possa extrair desta ciência".
Aquele que escreveu em sua introdução (oDiscuno do método) "Eu tinha sempre um extre-
mo desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso: para ver claramente em
minhas açks, e caminhar com seguranp nesta via", cuida assim, do prazer do seu leitor. que será
maior se ele (re)encontrar por si mesmo o desenvolvimento da demonsmção; em vez de lê-la
passivamente, isto é, distraidamente.Nesse século de ouro, o momento de nascimento desta nova
geometria é, assim, acompanhado da profunda satishqão do autor. Nada é pedido senão acredita.
quando acrescenta: "É por isso que eu me contento aqui em preveni-los: com a condição de
resolver t c h essas equações, sem deixar de lado nenhuma das divisões que serão possíveis -
teremos, infalivelniente, os mais simples remos aos quais a questão possa ser reduzida".
Assim, Lacan, clássico, escreveu no tempo em que fez "jardim a francesa'' em se tratando
de Psicanálise: "Isso nada quer dizer em particular. mas se articula em cadeia de letras tão
rigorosas que, sob a condição de não se deixar nenhuma de lado, o não sabido se ordena
como o quadro do saberEz.
O não-sabido, um x (incógnita, ou seja, não-conhecida) se ordena como intricado as
conhecidas a, b, c, como na equação ax t b = c, por exemplo.
Mas a letra feminiza onde quer que ela esteja inserida: " b i s este signo é bem o da mulher,
ao fazer ela ai valer seu ser, fundando-o fora da lei, que sempre a contém já pelo efeito de suas
origens, na posição de significante, ou de fetiche"?
E, de fato, as resoluções das equações de grau superior vão se defrontar com questões
cada vez mais problemáticas, só encontrando esclarecimento com as raizes trazidas pela
teoria de Galois, na medida em que a equação X2 t 1 = O permitiu definir o corpo dos
complexos introduzindo 4-1 (raiz de -1).
Sabemos que o trabalho, imaginário, e potente ao nível simbólico, que precisou da incógnita
do X2 + 1 = 0: trabalho que conduz a extensão do número, inspirou Lacan em sua aborda-
gem do sujeito. O sujeito do inconsciente tem implicação com o cogito, mas não se reduz a
ele (essa é a liçáo da passagem desta equaçào para 4-1 (raiz de -1):
"Eis o que faltaria ao sujeito que pretendesse completamente explicado pelo seu cogito, a
saber, ele é impensável'". A transposição matemática aqui é clara: o sujeito não é completa-
mente explicado pelos racionais (a terminologia da escolha dos matemáticos e, ainda por
cima, eloqüente!), ele se liga com o que representam outros números, estes introduzidos por
equações não resolúveis ao nível do "corpo" dos racionais, chamados números algébricos.

A metáfora paterna, a significação do Falo e isto que os transcende.


Resolver uma equação permite passar da introdução de uma incógnita a um número, ou a
uma letra: é ainda o caso, por exemplo, do número de ouro, b, utilizado, aliás, por Lacan, que
é raiz da equação X2 + X - 1 = O e que verifica Ib = 1 + b.

Opçáo Lacaniana no 50 413 Dezembro 2007


e!>& o![?>loò opes-a1 a pesy e~.iwes ò
~ o op!znpe,i ouaL
isaiuapuassueri a sos!~q?ale'so~!aiu! soiauinu 4op oe~e~isour eisau 'oíasap op eJninsisa e
'asse[a~(sap) e anb =a odusai ouisaui oe 'tu!sse',cefnq[eas,, oeu s!eaJ soJauinu sop e"oai v
.,,aiuapuassueii,,aiuawes!d!i a(a 'sol uq?Sle soiausnu sop esoj oeiua aio3 ',;e3
- u p n u , ,e!suassa euin urai ala as ' u e s q ap a ou nbad O .saoSenba se epu!e !nbe 'eioj~iaui
e IaAFssase anb ois! e opesy!iuap! o,![oqtu!s ou ,,soseinq,, so eu8!sap 'oeS!ugap sod 'anb
1"
'uasq ap ,,w,, o :eJia[enno saq[-Jauassalsesotuadw -onu!iuo3 op e!suaiod e s!eaJ sonuinu
soe oep anb sala 08s 'soiino sun8[ea 'U'saiuapuassmn solatunu sosnod souiasaquo3
.e=!l?joeSe~y!u8!s e a !=-op-awoN o 'aiuauies!Jaid'opuapa~saouios ,,v q ~ a dolad , uesq
~ o eprugap
d opuas asa 'olasap o esnes e ouios so~e~ap!suos~as 'ezaisnl uios 'uiapod 'sun8,e
onles 'e~niussaep eloj 'o~jenbaep e ~ o ;soiauin"j sop esoj 'saiuapuassueri soiauinu s o
.olino ozo8 $n no 'opezp!lqozo8 uin 'opeznuesy!u8!s
ozo8 uin ap s!ah!u sai1 so esoAa o~S!uedaieida 'ozo8 oe oi!adSa~z!p anb o~ .(os![ej
oeu anb oiino la~!u)saiuapuassuen so a (os![?j[+~!u) sospqa8le so '(aiuer>r~ru8!s l a ~ ~s!eu
u)
-opei a soi!aiu! so :s!eaJ solatunu sop eug s!ew ÒeSr~iedaseisa ieio[dxa souiapod 'w!aueui
I-
eisaa .auiou oiusaui op sosauinu sop ejniruisa elad ope8aues ' s o g i s ! ~sop ,,aiuapuassueii,,
~
ozo8 ' 0 oppu,twafop imuauialdns 07.08 o 'ozo8 diino op soloqui!s so salap zaj u e s q 'os![?j
laqiauinua op !es anb ,,ai!ui!loe uiazesçed,,euin ab ei!ssasau lenb o 'oi!ugu!oe ai!ui!l uin iod
s!a,\\epJoqe oes 9s anb sosauinu so :ogSenba euin z~ei'oeiua oeu [eaJ wauinu o p o ~
.s!euope~so~auinuap aiuaâsa.\uos a"?s euin ap ai!ui![
IeaJ oJauinuopoi :as!l?ueep seui '(saoSenbaap q e ~ n ~ o serqa~ly a ~ ) ep opel op yisa oeu s!eal
sosauinu so esy!un anb O .,[a+rauinuaoiunluos b n uieuisoj sw!awpd so oiuenbua 'onu!i
!
-uo2 op epuaiod ep oes sala 'aiuaues!said syui a fsoso~atunusyui aiuauim!ugu!opuas soui
-!i111 salsa 'saiuapuas~ue~l oes anb sa~anbea 'so.~!&~!saiuapgaos a p oeSenba eurn ap saz!ei
oes anb sa~anbealiua 'oeiua uiaiiedai as 'onu!iu;s o uiani!isuos anb 's!eassoiauinu sg
,wu~oyju~s o uia esom uesq ouros '(o@enbaeuin aui"dxa anb o[ad [aA!ssaseu! ala)
paj o a ( e ~ a jeu s a o[nss!sou ejuny anb oiaurnuj o!~y@eui!o anua s!a~!ssodsojel so maq
eiisnD anb 'salapurn a (!d) u oiauinu o .o!d!suud assa e Jlenqns as ~ o duiauyap as ,,siuapuas
-sueri:,soup solausnu so 'oe5enbaetun ap ei!u8?su{ e ope!sosse visa oeu osalunu opoi SEJAJ
x e s q opun8as 'e~ia[ ep soud
-9.d oeSez!u!uiajap soi~ajasnas uios sepe~adsau!'kranpma seld!i~?urias uiapod uiapa2oid
i '
!ep anb sa@esg!u8!s se 'ep~znpo~d zah euin ( ~ a zre~)p 1.) ouros opnJ .sepenxas sua8eui! sep
I '
epeJesseui e a aiuelquras o znponu! 'olduraxa ~ o d:,,oled op oeSesy!u81~,; eu 'anb '!yd apue18
ura anuisueli as euiaied oejenba ep ei!u8osu1v .os![oqui!sop a o!~t.u!8eui!op odure~ou
souasaueuiiad sou '!qop opel op visa oe3enba e y n ap ei!u8yu! e 'aiuauiesuaua8 STEJAJ
op auio,y olad epvnposd ouios
epruyap ( q d ) uia[asau :<o~Sn[os,,
i
ens enuosua aew ep olasap op opesy!u8!sop ,:r,:o .ozo8
op ope~\!i!sod aiuesg!u8!s '4 o i q olad zj as oonrbsaJeisa 'euiaied elojviaui e epes!1dv
.,s oeSesy!u8!seuin znpoid anb e1ojeiaui ep oi!aja olad oeSn[os
eurn eliuosua opes[esas aiuesg!u8!s op opesy!u8! o x o apuo 'oejenba euin ouros oeiua
S p
eiuasa~di!as 'c,.nx!ur!~asd o-isanb,, eu a11aJssae u p q ouios lei 'e~oj?iaurep elnuisqj v
'Fnngois\%Ie uiiliinu l e m nas equaçóes algehricac, a! vogais designando as inçógniias e as conroanb designando a\ consl;anler.
'I.acanJ.: Aulres &i&, p. 249.
J L a c a n , ~ . , h l sp.. 31.
'Lacan.1, @ls. p. 819.
'I.acan.J., Euils. p. 557.
LLacan.J..O s i ~ ~ l h o t np.21.
u
'Ma disiribui$ão enire números algébricos e núme~osiransceiidenler e geralmente definida pelos números complam, ma podemos iiansportá-Ia aos
números reais. hlesmo que eles xjam infinitaaente mais numerosos. conhecemrs muito pouco os números Ir~nscendentes

O p ~ ã olacaniana nl' 50
sob os auspícios do Deus de um monoteiimo (do qual Freud retraçará as etapas históricas em
"Moisés e o monoteísmo"), que teria iristaurado uma autoridade do pai enquadrada de forma
diferente claquela do pai primordial. O significante do Nome-do-&i, garantia do Outro, perde-
rá o que havia guardado de soberania, cluando lacan chegar ao ponto de afirmar que nào há
Outro do Outro, que o significante do 0?tro falta. Seu Nome-do-Pai será, entáo, pluralizado
em funções significantes laicizadar, contudo aptas a arrimar ou a limitar o gozo.

Ética versus Weltanschauung


I
Se cabe à fantasia a ilustre funqão de obturar a falta do Outro, de sustentar toda nossa
realidade, "quase os cinco sentidos", é: no entanto, aventurando-se para além dela, que um
analisando pode ser destituído da "segurdnça (que ele tira) dessa fantasia, na qual se constitui
para cada um sua janela sobre o rear. 1std porque ele terá preferido o "ponto de real que foi,
para ele, a origem de seu desacordo coA o Outro" - segundo a via mostrada por Ucan na
Eticu da psicunálise.
Tal sujeito, advindo "em um desvio no que concerne à norma", ao relatar a incidência do
ato analítico sobre os momentos marcanies do percurso conclusivo de sua experiência, não
cleixa de testemunhar, de algunia forma. "4ue o túmulo do pai estava vazio". Face ao "discurso
da civilização hipermoderna", que o impele seja a restaurar a ideologia edipiana, seja a subnieter
a psicanálise aos ideais dozeilgeit, apostemos que esse sujeito saberá encontrar o meio de
'
fazer existir a via traçada por lacan.
Tato traduzido por Tania Abre" e revisado por Elisa hfpnteiro

Dezembro 2007 Opçáo iaçaniana no 50


Lapsus calculado
QuandoJacques lacan chama wib de "lapsus calculado", define-o por exceder o inconsciente.
É verdade que isso pode ser lido em Sigmund Freud no capítulo i?"Os motivos dos chistes -
cliistes como um processo social". É um cálculo que não está à disposição de qualquer pessoa
e "apenas alguns dispõem dele consideravelmente; estes últimos são distinguidos como
tendo 'espírito' [Wf/z]"'.
A terceira pessoa, a que deixa passar o efeito do wirz: também nào é qualquer: Ilguin
grau cle benevolência ou uma espécie de neutralidade, uma ausência de qualquer fator que
pudesse provocar sentimentos opostos ao propósito do chiste, constituem a condição
indispensável para que uma terceira pessoa colabore na completação do processo de reali-
zação do chiste."'
Por outro lado, é necessário um backgroud, uma afinidade comum, já que é imj~rescindível
que a terceira pessoa "esteja em suficieiite acordo psiquico coin a primeira pessoa quanto a
possuir as mesmas inibições internas, superadas nesta última [pela elabora~ãodo chiste."'
Cada wirzreqiier seu público, pois para produzir seu efeito pleno sobre o ouvinte: ele tem
que "ser novo".
O Semidrio 5 de Jacques Lacan [ 1957-19581 desenvolve o que depois será conhecido
como "o grafo do desejo", medianre o iuirz criado por Heine com a palavra "familionário" e o
exemplo cio esquecimento do nome próprio "Signorelli" analisado por Freud em sua
Psicopalologia da vida cotidiana (1901). Jacques lacan explica a "criação metafórica" no
sonho, o Iapsus, o witz. No entanto, o produto não está colocado da niesma forma nos três
casos: "Fat~zilionárioé uma produção positiva, porém o ponto a panir do qual se produz é o
mesmo buraco manifestado pelo fenômeno do lapm."'
A topologia do grafo já situa esse buraco entre enunciado e enunciação; entre o código
universal e a mensagem particular. Enigma da mensagem do sonho, surpresa do lapsu, cál-
culo do witz, colocam o sujeito em diferentes posições em relação ao gozo que distribui o
desejo de um corpo.
A complexa "rede de empregos" que Jacques Lacan propóe, na medida em que exl~licaas
possibilidades do grafo, é tão rica em seus detalhes que não poderia ser substituída por ne-
nhuma exposição sumária. Propomos, então, sua leitura.

Opção Lacaniana no 50 419 Dezembro 2007


Escapar I
Em um momento de seu estudo, ~ r e h dfala do witz como uma "dúvida da razâov, uma
i n c o n p i g (incongruência), palavra que toma de H. Spencer.
Jacques-Alain Miller, em seu comentário sobre o Seminário 5, chama essa incongruência
de "escândalo da enunciação". Arespeito desse escândalo, Jacques lacan recorda o maneirismo,
I
termo derivado de nmniera @ala\rra empregada por Vasari em 1550 para falar da arquitetura,
da pintura e da escola italiana). O maneiriSmo baseia-se mais em conceitos do que em percep-
çóes e, da mesnia forma que o ternio b a 9 , aplica-se a singularidades de estilo: a sintaxe
latina de Milton, as cadências balanceada e antitéticas de Gibbon, os ritmos pseudobhlicos
f
de Hemingwav são exemplos usados porj.A. Cuddon.
Para Freud, o u:itz "desconcerta ou ildmina", "conduz a atenção do ouvinte" e ganha seu
assentimento. O ouvinte, como o pai, deixa passar o desejo quando olapsus foi calculado de
maneira adequada.
O nianeirismo, assim como as vangua/das, trabalha em tensão com as regras da tradição.
No Setninurio 5 de Jacques Iacan, a tiadição é o código e o lapsirs calculado é a mensa-
gem, enquanto o witz é cálculo sobre o desejo do ouvinte.
O estudo sobre o witz possui muitas referências ao Genuss (gozo): "O sonho serve predo-
minantemente à economia do desprazer, witz ao ganho de prazer, isto suposto, nestas duas
metas coincidem todas as nossas atividades animicas."
Não esqueçamos que Der Witz und seine Beziehung zum Unhewussten, publicado por
Sigmund Freud em 1905, é um tratado sobre a inibição implícita na constituição da vida social
e sobre os recursos engenhosos de que linguagem dispòe para ir além.
Friedrich Schlegel (177211829) define Ò witz como uma "sociabilitlade lógica'? Novalis diz
que "o insignificante, vulgar, tosco, feio, grosseiro: se faz sociável por meio do witz". Por trás
desta enumeração está a Critica do juizo de Kant, com as antinomias do gosto e o "gênio"
que produz, sem saber de inicio, as regris da ane.
Para Sigmund Freud, trata-se do gênid do inconsciente, que se vale da sociabilidade Iógica
do witz para i r além das inibições, sem transgredir as regras do jogo. Como escreve em 'A
repressão" (191j):
i
"Desenvolveram-setécnicas espeiiais, com opropósiro deprooocar tais nzuda?z~asno
jogo dasjor~armentais, que na&ilo que de outraforma daria lugar ao desprazet;
pudesse, n e m ocasiao, resulrar enzprazer; e. sempre que um dispositirio técnzco des.se
I
tipo entra emji~?~cionamento, eíiniina-sea repressüo de um representante i?uli?ltual
que, de outro modo, seria repud/ado.Até agora: apenas no que se refere aos cbistes>
essas técnicasforcam estudadas dom algur11detalhe. \'ia de regra, a represxio só é
I
removida ten~porariammzte,reinstando.se imediatamente.'"
I
A últinia frase mostra que acontece a "sociabilidade lógica", que o iuitz consegue transfoi.
I
mar o desprazer em prazer, ir aléni do "dyvido respeito" sem subvener o gosto social coni seu

Dezembro 2007
i 4m
Opçáo Lacdniana no 50
juízo adverso. Não vai contra a autoridade, se faz por ela escutar além do que disse. Rir isso,
Novalis escreve: "Em alma5 serenas nào existe o witz. O witz manifesta um equilibno pertur-
bado; é a conseqüência do transtorno e o mediador de sua aparição. A paixão possui o witz
mais agudo."'
Não é diferente do que disse Freud quando conjeturou que

"comonrédico, tetn-sea ocasiüo de travar cor~hecimen~o cont ut>~a


dessaspessoas que,
mio sendo notáveis sob outros mpecios, süo bem conhecidas em seri nleio conro
piadistas o11 int:entores de muitos chistes viáveis. pode ser surpreendente descobíir que
opiadisia é uma personalidade dividida,propensa a doe~zçasnervosas"?

O wi/z é um modo de escapar a neurose.


Quando a divindade deixou de ditar suas ocorrências,quando no século XViII as Musas se
refugiaram no silêncio dos museus, o "génio" ditou suas regras até que a psicanálise propôs
outra coisa: "Decidamo-nos,entáo, a adotar a hipótese de que é dessa forma que os chistes
sáo formados na primeira pessoa: um pensamento pré-conscienre é abandonado por um
momento a revisáo do inconsciente e o resultado disso é imediatamente capturado pela
percepção consciente.". Desde eiit:ío, a inspiração fez seu trabalho, pani tlizer com as palavras
de Graham Greene, "enquanto dormia ou comprava ou falava coni os amig~s"'~. Nada divino,
no final das contas.

Mot d'esprit
No conientário que Jacques-Alain Miller faz doSenrilzálioj de Jacques lacan! leio: "Em certo
sentido, tamùém o Nome-depai é um W&."li. Depois da suillresa desta afirrnaçáo, recordei-nie
da versão de Freud em iMoisés sobre o que chama de "progresso da espiritualidade".É uma subs-
tituição - que Jacques iacan disse náo poder ser confuntlida com uma nietáfora - que tem, no
entanto, efeitos metafóricos. O esprit, como veremos, muda "algo" por "nada" e, sem saber como,
encontra com o pai. Não há como voltar atrás, mesmo que isso conduza ao absurdo.
Depois de afirmar que existe um "orgulho da humanidade pelo desenvolvimento da
linguagem",Sigmund Freud disse que a paternidade é a conclusão de uma premissa que eleva
o processo de pensar acima da percepção sensível. Em particular, prescinde da visão e faz do
ar o modelo da espiritualidade.A linguagem,o sopro do vento (animus, espiritus) e a proibição
de venerar a Deus numa figura visível, se instauram na religião monoteista. A premissa é uma
decisão insondável, já que não se pode rastrear que autoridade haveria comunicado o critério
segundo o qual algo deveria ser considerado superior O sensual é avassalado pelo espiritual.
"E depois sucede que, além disso, a espiritualidade mesma é avassalada pelo fenômeno emo-
cional, de qualquer modo enigmático, da crença"12.Credo quia absurdutn.
Acaso, disse Freud, se declare superior, o que é dificil e que por isso mesmo acrescenta o
"orgulho", ao preço da renúncia pulsional e da evidência dos sentidos: "O progresso tla
espiritualidade consiste em decidir-se contra a percepção sensorial direta a favor dos processos

Opção Lacaniana no j0 421 Dezembro 2007


I : . . I I1B9 J i,*mia.Jr.: Lirv j .t/Om>~..:bdo~>i:~ulvii:? ..P :e]%: r i J,rqe I i u Ld
i t 0 , : o I : I I Iii ' L , ~ m n t .'ri>,- r ~ a ? / ,r.
i ;idlnrit 11~d.ld :r:".>
rmrnv~,,. i .u~Ia
i r ~ ls ei !rnu.:o

lFrereud, Sigmund. "Os chisies e rua relacão com o inconscienk". Opcil., p.165.
'Ibidm, p.190.
lEGroene. G. (2Wl). TheEndo/lhehfair. Londres: Anow.
"hliUer,].-A. (1999). Persp~1ii:usd o S m i i d r i u í d c I a m asJun~~o@sduinmcienle. Rio deJaneiro:Jorge Zahar Ed.. p.38.
"Freud, S. 'Moisés e o muiiotenmo'. flp G i l , Vol. E I I I .
"Fred S. "Os chisia csua relago com o ~ocoo;.cienie.flpdl.. p.lZj.
"hliüer,J.-A. (1999). f l p w i , p.40.
"1acan.J. (1999). Opcil, ~ 2 0 0 .

Opção Lacdniana no 50 Dezembro 2007


Na origem', portanto, o nome seria impronunciável devido a um equivoco: ou o nome de
Deus. ou uma calamidade.

Se fosse pronunciado...

. ..mulchick! Goih~orodfathergodom,followayromolloiu rhe (]ames Joyce, Fininlzegans


Wake, 565.)

Por outro lado, se o nome fosse pronunciado, isso ainda não seria uma heresia (eôégü-
kefirá). "No judaísmo é muito fácil ser pecador, mas é muito difícil ser um herege (edô0-
kofer)" - começou a dizer o nosso interlocutor...
Se esse nome - conhecido comoshem humefurush, ou seja, o nome explícito, e também
como retmgrunzatón, ou de quatro letras -fosse pronunciado, isso não levaria a uma heresia
como a de Spinoza, mas a criação de umgolem? Esse tema foi tratado por Gershom Scliolem
em seu artigo princep.5 "A idéia do Golem em suas relações telúricas e mágicasx6,que serviu
de inspiraçáo a Borges em seu maravilhoso poema "O Golem". Ali relata como a pronúncia
desse nome cria um ser que, no entanto, não fala - quer dizer. que não se sabe nada de seu
gozo - e de seus passos que faziam o gato do rabino se esconder atemorizado. Gershom
Scholem, ein sua investigação sobre este nome de quatro lerrns elnnentares no livro niedie-
vai (S-111-VI)letzirá, ou da Criação, vincula essas letrm elementares ao stoicheotz - esse que
Jacques Lacan localiza na lalíngua como o elemento, "o significante Um, que não é um quai-
quer. uma vez que dali toda a cadeia subsiste'".

Para ser herege, por sua vez...

"Para ser herege no judaísmo, rem que ser um Spinoza'*. Qual foi a razão dolfernn dado a
Spinoza?"Se Spinoza foi expulso, é porque ele disse ser possível para a criatura, para o homem,
alcançar um pensar-se sobre si mesmo conio Deus pensa a criação. Ele suprimiu o incomensu-
rivel da posição do pai e da humanickide." Tornou* "liberto da metáfora e do niito":

"Liberto da metáfora e do mito


lavra um cristal difícil: o infinito
mapa d'Aquele que é Suas estrela^'"^.

Lavra de saber textual - e foi assim que "fez frente a Revelaçáo"". Já havia um sinal claro em
seu texto sobre as Sagradas Escrituras, o "%;itado Teológico-Político",quando escreve que
"não há impiedade" sustentar que os profetas não haviam compreendido bem a Escrit~ra'~.

O desejo de Yahvé. Spinoza, redutor


O desejo beni marcado de Yahvé é o que fez do povo judeu um povo com um clestino

Opção lacanidna no 50 425 Dezembro 2007


marcado". Freud sustenta que esta marca é, em certo sentido, indelével, pois este povo náo
reconheceu o crime original do parricidi<,a diferença do povo cristãof4.Spinoza, por sua vez,
sustenta que está disposto a aceitar o [d&stino]do "povo escolhido", sob a condição de que
seja restrito a duas referências: o estadb e as comodidades do corpo. Afora isto: nenhuma
nação é preferida em relação à outra'j. I
I
Duas metáforas paternas -i uma, impron~nciável'~
I
I
Em seu curso "E~timidade"",Jacquep-Alain Miller distinguiu duas metáforas paternas no
ensino de Lacan. A primeira, que substitui o significante do desejo tla mãe pelo Nome-do-Pai.
A segunda, substitui o gozo do desejo damãe pela impossível consistência do Outro. Enquanto
a primeira é perfeitamente compreensí~el,Miller obsenra que a segunda já está presente no
texto "Subversão do sujeito", e que isolá-la como tal provocou uma grande surpresa. 'iãlvez
essa surpresa possa ser decifrada a t r a l s da pergunta: o que é que permanece do Pai na
seguiida iriedfora paterna? Por que ainda chamá-la de "paterna"? Acrescentaremos ainda que
nâo é por acaso, mas fruto de unia articdlação, o fato de que nesse mesmo cursoJacques-Alain
i
Miller faça uma localização do que denomina "a posição judia" - de separação -: a "metáfora
impronunciável" é uma espécie de chave para decifrar a posição daqueles que têm de se haver
com o desejo do Deus do nome impronunciável.
Ainda que o Pai não seja aí recon$ecido! ele está presente por sua funçáo. A segunda
metáfora é paterna pois consenra a hdção paterna, e mais, é uma redução: um concentrado
dessa função. Qual seria a essência da hnção ali concentrada? A extração de um gozo.

Um Yahvé redundante e Outro


I
menos redundante
I
O matemático Gregory Chaitin esclarece do que se trata quando se diz "extrair"IR."Extra-
I
ir" significa "comprimir", quer dizer. ':extrair redundância". A primeira metáfora paterna é a
mais redundante. A segunda é menos;. Como sabemos que a primeira é a mais redundante?
Porque em sua operação reduz o Outio ao Um. A redução do Outro ao Um é a redundância
máxima. A redução mínima é o ciicdê, isto é: a redundância generalizada. A reclução do
Outro ao Um, como observa J.-A. Milieri9,se evita se for considerado que o conjunto vazio
está sempre presente no lugar do Outro. Coisa que os cabalistas souberam intuir quando
chamaram Deus de é menos redundante que Deus-Um. Concentra
mais adequadamente a sua lugar para o nó do real. Diminuição da redundância
que permitiu equivaler a verdadeira teologia sem onodoxia. h c vezes a mística
corta o caminho lá redundância. O problema é, então, o de como
falar de Yahvé o outros) e conio náo-Um. Freud tentou isto
com seu com certa ironia, "um trabalho de crítica
infere dois: "duas massas de povo,
religião, dois fundadores da reli-
gião, chamados com o mesmo nomk de Moisés ...".
I

Dezembro 2007 I
I
426 Opção Lacaniana no 50
É desde aí que Lacan poderá dizer '(~utresécrits, p.588), assombrosan~ente,que a
existência~'dosjudeus constitui o ponto 'de intersecçáo das três funções maiores, a função
dada por Freud as Çocietlades, a dialética edipiana e o real do campo de concentração.
Ponto de intersecçáo "existencial': outro retorno da geometria spinozista? O nó
borromeano, dirá Iacan, é um novo mosgeoii~etricus2~.
T w l o traduzido p o r Ham Mandil.
I
I
'Lacan:J (1975). Seniinóno de i3 de maio de 1975, publicado em Omirar?. p. 57.
?Miller,I-h. (2001). Le tremnu deL7uiii (p. 212). Paris: Verdier
'~liret,É (1978). % iiebrnic 7ongue ~ i o r e (p. d 69). New hrk:Samuel Weiser (1815).
'Na realidade. o nome oue Ileus d4asi mesmo 'ého~eurhcrchn.e'atdnaori~em. lacan o traduziu romo"sou ooue sou. Ci. Borees: cf'Hisióriados ccos
de um nome.'.a coisa &e sou' O nome YHYH é, segundo ~aimónida(6uiados Porpleros, 61) 0 nome que ~ o i i deu k a ~eiis.u~nome"improvi~ado"-
hncolado; no? soprou Rrla hliglio.
I
"'Sem forma", (equivalente X O H Ydo~ grego) ,matéria hruia. U. Salmo 139,6. cit. por Scholem.
'Schdem, G. (1966). Eidée du Golem ùans ses rapporfs teliiriques et m h q u a , ~a Kaòbale et sa symboliqtie. ?as: Ryot.
'Lacan,J. (1975). LeSéminnire. iIi're20, 8ncore (cap 11). Paris: Seull.
44Uim noscomunicou lorcfl)an ~iumdiaenique fomosvê-lo na UniversidadedeJewaléni. dppais de haver recebido o Prêmio Israel por seusetiidossobre
a mística iudaica. 1
e E niimi. !9.: ir>irnir!. abe ' k i i.aqieiUlpre.i r,r JC a r i o l a r c r fi~,*?a~.i:,. i Tel r '. !.)<)I,
'r~reo1 L lyini:, , í m i n numo I.'r;1l4lil' ..!%od.i .an~oKn; ooaC % a n Smi iaf.l.gi.i/:;a. K. i ' m e r i<'i:raiiaIrr.
109.l
"Lacan.]. (2~11).diilres&ilr, g ? 5 0 Pais: Souil Éric laureiiinos indijou em 1993queJacquesdl~nhlikreiisinou enconhr Spinowneb irasede L a m .
""Saiva pieiale'- Spinoa capll. 37.
"Lacan, J. 'i\lógicada fantasia"; classe de 25 de ianeiro de 1967, inédito.
"Freud, S. "Moisés e a religião monoteísia" (1939). fim. Buenw hires.biorrortu. t XXIII. 9.131.
"Spinoza - iTe cap 111. "l)c hehraeum vocalione".
161acan,J. (1966). &irs (p. 819). Paris: Seuil: "Ila 1 cornine lel imp!onoaGable, mais non pas son o p r a i i o n C f J ~ Ahliller, curso 2711111991 ( "h
naturalezade Imseniblanles", Paidos.?W!): "O nome próprio é um sighificantedo hiio barrado IS(6)I que só po& ser proniiciado se for trmiormado
numsirnificanii do Outro não harrado" IS(A1I. [

"~il1er.j. "ErtimiF, cursode18 deiiinho 19%. Inédito. ~dor~visado~eloauiar


Taia para h. Zweig.
!lScboleni. G. (1993).hgrande hndènciardamistirajiidaica. Buenmhres: FCE. (1941).
""hconwnation t.4rcaclion". Parir, Agalma, 197, p?81.
?'Lacan,J. (1973). LeSét,ii~jnire, iicre 4 Lesq~n~ire
"Lacan, 1. (191). LeShiifoirn li'= liL'dr~.ws
kt
wncapbfindam, tluur~ieiapqcborin(~'se(le(on du 24 juio 1961). Paris: Seuil.
de iapn.ch~na!v@ ( i r p 9). Pans: Seuil.
"'I sometima ihink, he said laiiei to Fraiik Hudgen, that itras a heroic jacrificeon their part I t h e J m ~when
l lliey rehir~dthe Chrislian revelation. Lookal
them Thq'm b e m hushaiidrthen weare, hetter fathen andbetterso~s".Ellmann, R. (1983)JameJoyce (p. 373). Oxford: Univerrir) Press.
'6Lacan,J. (2005). k s h ~ i n a i r eliim23,
, Lesinlhome (p. 89). Paris: Seuil. (1975~763.
"/mal disse, ou melhor, exre\,eJoy.
? a m , J. S h i n a i r e du 9 decembre 1975. "ir noeud ai faitdam tapht u n nomeaii m w geonietncus.. Inédito.
I

Dezembro 2007 Opção lacaniana no 50


Constatamos um duplo desaparecimento a propósito de a z i e no metró. Na lição tle 11
tle fevereiro de 1959 de seu Seminário, no Fim de seu desenvolvimento sobre o sonho co-
mentado por Ella Sharp, Lacan recorre a Queneau para ilustrar que se pode escamotear o
essencial, no caso, nesta lição, o falo: .Bem recentemente, um homem de talento, Raymond
Queneau, pôs como epigrafe de um livro muito lindo, Zarie I70 metrô: 'Aquele que fez isso
dissimulou cuidadosamente suas motivaçóes'~~.
Lacan soube ler que Raymond Queneau, citando Aristóteles, abre avia em direção ao que ele
fez desaparecer em uma intiiga na qual, isto é verdadeiramente surpreendente, numerosos
comentadores foram levados a reiterar o ;ili:igamento, por só verem ali a narrativa de uma
travessia de Paris por unia garota destemida, em um dia de greve de metrô. Ocultaram a
epígrafe e apagaram o metrô. Queneau tem razão de tomar cuidado com Zazie. Zazie,
.essm$al. É verdade, ela desconfia de tudo o que se diz, de tudo que vê. Entre sua descon-
fiança generalizada e seu celebre morz c u l ! ~ela, avança em um mundo eni que o objeto
sexual está por toda pane, onde ess>néfieeedos semblantes e não se ilude sobre a grandeza da
civili7ação. Deveríamos nos interrogar sobre seu tio grande interesse pelo metrô e pelo fato
de que ela está dentro, embora não tenha podido entrar nele!
Um comentário, por sorte, abre a cancela. Aquele do cinismo feminino, ou seja, a versão
paradigmática da hostilidade feminina em relação aos semblantes, que Jacques-Alain Miller
leu em Zazie e desenvolveu em seu curso sobre <<.4natureza dos semblante^,^^.
Zazie escande com um anon cul!,, tudo o que querem lhe fazer valer como produto da
sublimaçào. Há relação com todos os estágios. E Zazie não pára de interrogar, comentar, bus-
car o que cada um recalca ou cala, nos subterrâneos de seu metrô pessoal. Laverdure, o papa-
gaio, com seu * você fala, você fala: e tudo que você sabe Fazer ,>pontua a inutilidade de toclas
as verborragias, inclusive aquelas de Zazie.
No entanto, o próprio cinisnio de Zazie seria um semblante, pois tudo é semblante, nies-
mo se ela; Zazie, busca o que está mais próximo do gozo do que da sublimação. Há uin lugar
do desejo, o metrô. É o lugar do sublime. E um objeto de cobiça, os 'blodjinnesm (bluejeans),
que lhe permitem não estar mais vestida de saia, de menina. O metrô está fechado. Os jeans:
ela está pronta a se apropriar deles. Em sunia, uma verdadeira menina freudiana, que está em
falta, que vela e presen7a;para ela niesiiia, os semblantes fálicos.
Na falta do metrô, ela encontra na proximidade com um motorista de táxi, a possibilidade
de aceder ao lugar da relação sexual: N( ...) boni, diziam que os motoristas de táxi, elisuium3

Opçáo iacaniana no 50 429 Dezembro 2007


isso sob toclos os aspectos e em todos os géneros, a sessualidade. Sua maneira de n-ao acre-
ditarem outra coisa senão na expressão da <<sessualidadem, sua curiosidade insaciável desentoca
o complexado por trás daquele que se kscanda~izacom suas propostas, ou ao contrário o
depravado naquele que a trata como menininha. Não há outra saícla que a sexual. O órgão é
onipresente. Há senipre um véu a levantar, uma mentira de significaclo a denunciar Seja qual
for o modo de enunciação de cada um (ho romance, formigam variedades de estilos, do dis-
I
curso metafórico de Gabriel o travesti, aosienunciados fonéticos de Zazie). Mas Zazie sabe que o
escandalizado, assim como o atencioso, sb pensa nisto, no cu. Foi isso que fez seu pai.
Disso decorre o interesse da meninihha pelo enigma que é a ~honnossessualidads.do
J
titio Gabriel. O único perto de quem a mae de Zazie sabe que sua filha está em segurança. Pois
a mãe matou o pai com um golpe de mhhado. Ele bebericava muito - isso o tomava mau -,
porque sua mulher não o amava. Mas quando ele quis agarrar Zazie, ela o matou. Em seguida
ela teve outro homem, que tambéni ficava de olho na pequena. Ela o deixou. Zazie comenta:
,<Entãomamãe disse assim que ela nuni pbdia matá-los todos (...).. Ela tem uma moral. A mãe,
louca por uni terceiro, confia sua filha a / ~ a b n e Zazie
l. pergunta sem cessar o que é um ho-
mossexual e que lhe provem que não é !um homem como os outros. Como Lacan, ela sabe
que o ser humano é ~~honiniosexual~~, ou seja hétero, pelo fato que ele fala4. E, justaniente:
Lacan, no final dessa página, retoma lavejdure, a propósito do inconsciente estmtui~idocomo
linguagem: r ( . ) que isso fala, fala, mas o s 6 o que sabe fazer,,.
A desconfiança de Zazie diante tlos kemblantes, conforme indica J.-A. Miller acerca das
mulheres, é pelo fato de ser uma aniiga do real. Os ideais da cultura, Napoleão e companhia,
não valem nada diante da prova que ela pede de que haveria outra coisa além do sexo. Ela crê
em certos valores: o que se faz e o que nao se faz. Mas é sempre idealizado, além daquilo que
i
é. Ela crê no amor. no respeito, no laço ao outro, mesmo se tudo é sacanagem (o amor) ou
babaquice (os contos de fada). Ela quer saber se pode agradar <<Você náo passa de uma nioleca~~;
retorquem. .eu sou formada, ela diu,. ~ohanto,ela é uma mulher, isso não engana. Não foi do
1
lado da lei paterna que pôde operar para ela a metáfora paterna, mas do lado da garantia
materna. Sua mãe sabe o que fazer para que um homem, sátiro l~otencial,não toque em sua
filha: é preciso que ele seja morto ou homossexual, ou esteja longe. Senão, desconfiança.
Zazie pede o respeito, as condutas as mais convenientes. Um
pouco mais de sublimação, que A Ética da psicanálise,Lacan fala dos
paradoxos da sublimação, sob o título curiosidade da subliniação.: .A subliniação não é,
com efeito, o que um zé povinho sempre se exerce obrigatoriamente no sentido
do sublime. A mudança de objeto forçosamente, bem longe disso, o objeto
sexual - o objeto sexual, ressaltado como! tal, pode vir i luz na sublimac;áo. O jogo sexual mais
I
cru pode ser objeto de uma poesiasem que esta perca, no entanto, uma visada sublimatóriaJ.
Se estes propósitos se aplicam a uni eJemplo de poesia cortês, a visada sublimatória está
presente em Queneau. Está em 72ie?
i
Não é somente que o metrô seria pard ela a marca, encontrada pela humanidade, das vias
criativas de meios de transportes mais &eis à coletividade. Denunciar tão intensamente os
I
semblantes, não é um cinismo de fachada? Zazie busca, com suas questões infinitas, quem

Dezembro 2007
I 430
Opçáo Iacaniana no 50
poderia dar acesso a um mundo mais digno. O cinismo feminino não seria o apelo mais desvelado
a um esforço de humanização das relações entre os sexos?O que diz a poesia urbana de Zazie, não
tola de que se nada vela a náo-relaçio sexual, tudo está reduzido ao exercício da pulsáo. b r outro
lado, ela quer ser preceptora para chatear,>as gerações de crianças: e até mesmo os marcianos.
A proximidade feniiriiria coni o real do gozo cria um parentesco inesperado entre Zazie e
um sintoma contemporâneo de desespero subjetivo, infelizmente encontrado hoje, aquele que
denuncia as jovens mulheres, como as *Nem puras, nem subniissas., nome de sua associação.
que sofrem em seu ser, em sua carne e em sua vida um gozo bárbaro. Zazie sabe que a relacão
com outro pode impelir ao crime.
O fruto poético de Queneau, personagem de papel, deixou o lugar para uma realidade
sinistra tlo exercício fálico sem lei. O nietr6 do século )(XI, o mundo desumanizado das cida-
des criou uma demanda de respeito que não é o único fato de um ultraje estmtural, da falta
feminina. O valor civilizador da sublimaçáo é chamado pelas jovens mulheres que demandam
sair da alternativa na qual elas estão capturadas: quer seja ~putasn,se sáo livres, quer seja
puras, se são submetidas a lei do pai e dos irmáos.
Assim está expresso em seu manifesto. Adenúncia grosseira dos semblantes feita por Zazie
ali está para um ax7essode Zazie, ou seja, mais semblantes, para um universo mais elegante, no
sentido em que Balzac o definia no Patada d a vida elegante:

é umapercepçao delicio~rr,da qual o constante e~ercíciopode sozinho fazer descobrir


reprmtiname~zteas relações>prever as consequê~zcias,adiui~zharo lugar ou o alcance
dos objetos, das palavras, das idéias e daspessoas.. Altope~zsamenlode ordem e de
harntonia destinudo a darpoesia às coisas

Essas mulheres denunciam os semblantes da lei dos homens e se apóiam sobre uma
modalidade do Nome-do-Pai com a visada coletiva e social que elas tiveram de inventar asso-
ciando seus próprios nomes, contra o cinismo. O dos homens, desta vez. E a diferença é com
Zazie que afere a cultura pelo objeto anal, enquanto que essas outras niulheres demantlam
um esforço de civilização a homens a-culturados.
Elas e Zazie essrnejentn: náo pelos mesmos motivos, inas pelo mesmo objetivo, que a
sexualidade se escreva em termos velados e civilizados, mesmo se, como pode formular Diderot,
respondendo de um modo realista e deselegante ao cinismo feminino: .Há um pouco de
testículo no fundo de nossos sentimentos os mais sublimes e de nossa ternura a mais
purificadan6.Aquele que escreveu não dissimulou suas motivacóes.
Texto traduzido por Ana lucia lunerbdch Holck e revisado por Vera Avellar Ribeiro

'WTexpnsão compta par aglutina@o de elk se r>iéje,ela deconfia.


'hlilleij-A. (1991~92).'A natureza dos somblantm". Inédilo.
'NT nn orig & f.vyfliml erpmsãa composta por agliitinaPo de uoyoiml.
'C1 Lacali. J. (ZW3) 90 arturdilo~(1972). In OulmsFscrlm. Hio deJaneir0:jZE. p.467.
5Lacari.J. (1985). ~ e m i ~ r iliiro
o . 7. Rio de Janeiro JZE. p.198.
LDidsot, D. (1982). bs bbrjour idismLr. Paris: Calliniard.

Opção lacaniana no 50 43 1 Dezembro 2007


No fim do ano de 1953, Lacan apres'enta seu Seminario: Os escritos técnicos de Freud.
Seguindo a técnica, ele empurra seus ouyntes a arte do diálogo! in\,ocado pelo novo modo de
interlocução inaugurado por Freud. ~recihamentenessa data, os psicanalistas procuram definir
a boa técnica que respondena aos objetii~osdo tratamento analítico. Patava-se, como o ensi-
nava Freud nesses inícios, de tornar cdnsciente o inconsciente, ou, como preconizam os
defensores da nova técnica, suprimir as Lesistências?A tentação é grande, de promover uma
sistematização da técnica, e de formularprocedimentos standard.~.
Iacan se desvencilha dessas falsas questões, olhando para fora da psicanálise, dirigindo-se
para muito longe sobre o Oriente. Ele se volta sobre a prática dos mestres budistas da tradição
zen'. No Japão, nos monastérios zen da Seita ritzzai, os períodos de meditação coletiva alter-
nam-se com os encontros à sós do aluno com seu mestre. Ge~ilmente,essas sessões têm
lugar duas vezes por dia, uma pela manhã, a outra a noite. Uma vez ao ano, durante a semana
que comemora o despertar do ~ u d çakjatnuni,
a as sessões são quatro ao dia. E consistem na
I
apresentação de um Kôan que o mestry submete ao jovem monge.
O kôan é um problema para o qualo aluno deve encontrar uma solução, e pode ter a
forma de uma questão simples, ou consistir em uma anedota paradoxal ou enigmática, que o
discípulo deve resolver Supõe-se que o monge já tenha uma resposta na sessão seguinte.
Geralmente, esta resposta é acolhida com um sarcasmo, um golpe de pé, ou qualquer outra
coisa, e o aluno encaminhado ao seu p(Óximo encontro. O caminho pode ser longo para o
noviço antes que ele encontre uma resposta ao kôan. E lhe será então proposto um outro
kôan, onde se supõe que ele progrida pbr essa via em sua formação de monge budista.
I
Lacan havia notado, no momento em que experimentava suas sessões curtas, que são
recuperadas da técnica do kôunl que rejeitando os extremos que comportam essa técnica,
ele poderia se vaierde uma aplicação discreta de seu princípio no diálogo analítico. A publicaçáo
deve descobrir ainda não
visam odiscurso estabelecido
em que o sujeito por si a resposta que lhe peiience.
Na psicanálise, segundo d;i sessão curta "quebra o discurso para dar
à luz a palavra", onde o sujeito se na procura da verdade. liatase de romper a via das
certezas imaginárias do discurso para restituir ao sujeito um acesso ao seu ser.
A prática zen é uma via de se atinge por uma iniciação esoterica e que se
transmite do mestre ao ou seja, é um saber sobre o gozo, e seu trata-

Dezenibro 2007

I 13=
Opção Iacaniana nV50
mento. Ela se inscreve na doutrina budista que ensina que as verdades fundamentais de toda
a existência humana se resumem em quatro.

1. Há o sofrimento, que em sânscrito significadukha. A vida é dor e sofrimento, há, por-


tanto, primeiramente, um "isso sofre", ou seja, um "isso goza".
2. A causa do sofrimento reside em todas as formas de desejos e na vontade de gozar.
3. Existe uma liberação da dor de existir, que é o niruana.
4. Há, enfim, uma via que ensina Buda e que conduz à cessação deste gozo. No budismo
zen, a ascese da meditação e da disciplina doKÔan implicam uma disciplina do corpo e uma
renúncia ao pensamento, que iacan interpreta como uma casmçid. Pois, o mestre nio pou-
pa os golpes de vara para obter esse resultado.

O zen japonês é herdeiro do chan chinês, e apareceu no arquipélago no fim do século XII.
O chan é o resultado de um enxerto reformado do budismo indiano, ou Mahayana', sobre
uma raiz taoista chinesa. O budismo ortodoxo, ou thérauada, nascido no norte da índia no
Vi século antes de Cristo, é uma heresia do Bramanismo, ensina que o acordar atinge-se no
um a um, por uma \ia individual. Em relaçáo a esta concepção elitista, o Mahayana afirma
que não haveria ai verdadeira salvação se ela fosse reservada apenas a alguns. Ao ideal do
santo preocupado com seu único "nin~ana"pessoal, ele opóe a figura do bodhisattva que,
chegado ao limiar do ninlana, recusa entrar para salvar aqueles que deixou para trás. Esta
figura da compaixão está constantemente presente nos templos budistas japoneses.
As seitas zen conquistaram a aristocracia militar japonesa que governou o pais durante muitos
séculos,e em cujo meio se constmiu uma ética de guerreiros,que só cdia sob o fogo atón~ico.Ao
mesmo tempo, os monges zen constituúam uma elite intelectual bastante influente,que penetraria
permanentemente na cultura japonesa, por meio das obras de seus arquitetos, escultores,
pintores, poetas, dramaturgos e místicos. Os mestres da pintura e da poesia eram, portanto,
os monges zen.
O mito Freudiano do Édipo não fez senão transferir para o pai os privilégios que eram, na
religião, concedidos a Deus, o Pai. O complexo de Édipo é uma espécie de monoteísmo privado,
e ostatw devolvido ao pai prolonga, ao nível individual, o reino do Um instaurado pela reli-
gião do Deus único. Esta análise convida a considerar as tradições que não conheceram o
império do Umi. No ~çlahayana,a imagem do Buda histórico desapareceu na multidão inu-
merável dos budas e budistas surgidas no curso da história.
Em uma de suas pregações, o mestre chan Lin-Tsi examinou esta dialética do Um e do
múltiplo6.Ele havia caçado um dos seus ouvintes que tentava colocá-lo em dificuldade e lhe
colocou esta questão: "O Grande Caridoso (bodhisatlva) que tem mil mãos e mil olhos, qual
dos olhos é o verdadeiro?". Segundo o mestre, esta questão é falsa, pnrque o um e o múltiplo
se confundem, como ensina a fórmula do preceito sánscrito "Da guirlanda de flores": "Um
está em todo".
Dez anos depois desua primeira referência a seita zen, durante uma liçáo de seuSeminário:
A angtistia7,Lacan reencontra essa mesma via. Ele retoma então de uma viagem ao Japão, e

Opção Lacaniana no 50 433 Dezembro 2007


fala do encontro com a grande escultura budista. Por ocasião da visita a um templo, ele per-
manece parado diante da cena de de um homem ajoelhado, em prece, aos pés de
uma estátua de bodhisattva.
Esse templo faz eco a outrc Lacan nos fez penetrar. no ano de seu Seni>iário:
Aspsicose$, onde ele se ocupa doutrina freudiana do pai, e vem demonstrar que
o Nome-do-Pai funciona como um pontd de basta. É ai que ele nos fez entrar no Templo de
Salomão com a pnrneira cena deAtália, de Racine. O oficial Abner se anuncia ao sumo-sacer-
dote Joad, desse modo: "Sim, eu venho km seu templo adorar o Eterno", antes de lhe dizer
por fim, o seu temor das ameaças q u e ~ t d i fez
a pesar sobre o templo. Sendo que Joad retruca
que não lhe teme nada: "Eu temo Deus, dato Abner, e não tenho outro temor". O que detém
lacan é o surgimento do significante "o temor a Deus". Este responde ao "temor dos deuses"
que assombra~lao mundo pagão da antibuidade. O medo ao Deus único fez calar todos os
outros medos. É ai em sua função de cortè, que lacan reconhecia a operação que dá seu lugar
ao Nonie-do-Pai na construção freudiana!
Alguns anos mais tarde, deixamos o templo de Jemsalém para avançarmos até ao dochuguji,
em Nara. Não somente a decoração mddou, mas também toda a construqão. Lacan havia
percebido os limites do Nome-do-Pai, e ~articuiarmentesua impotência em reduzir de fato a
angústia. Comprometendo-se então' na h a da angústia, uma nova perspectiva se abre para
ele. O Deus d o monoteísmo lhe aparece com outra face. Não é mais o Deus que apaga qual-
quer temor, ele se revela doravante comoo deus da maldade, que reclama uma libra de nossa
carne para pagamento da divida9. II
I
A concepgo freudiana, tal como iacan a formalizou até aí, conduziu-o a identificar o desejo
à Lei, de tal modo que ela encama o Nome-do-pai. A experiência budista da divindade, oferece
uma nova via de acesso ao desejo. Em sua enunciação de ilusão do desejo, o budismo diz que
o objeto que o desejo coloca em frente e 4ue cobiça, não passa de uma miragem. O verdadeiro
J
objeto em jogo no desejo situa-se aquem do desejo, e se o apreende na experiência de
conteniplação da divindade.
A imagem budista não coloca o sujeito em presença de um Deus, o Um, que vem regular o
desejo, pois a estátua do bodhisattva nãb é o Um todo potente, nem um Ser supremo, nem
o Deus eterno. É um objeto, causa do gran'de desejo que é posto sobre ela. Ela é extraordinária
pelo desenho de seu olho, reduzido a umh saliência aguda que lhe engendra um olhar voltado
para baixo, em conformidade com seu nome I em sânscrito A!ialokiteçvara, onde at~alokita
I
significa "quem baixa o olhar". Durante os séculos, a fenda do olho encontrou-se apagada
pelas massagens dos monges, que vêm to&osos dias limpar as lágrimas daquela que chora por
aqueles que sofrem. Com seus olhos sehi-fechados, voltados sobre o invisível, esta figura
budista presen7aem si o campo do olho kscondidoio,que suscita o desejo de olhar
Esta estátua tem outro caráter notáv '1 ela representa uma divindade feminina, mas que
'i:
tem traços masculinos, sendo que em sua frente os fiéis ficam sem resposta a questão de seu
sexo. Com suas pálpebras abaixadas, e14 nos preserva da fascinação do olhar que poderia
angustiar. assim como por sua ambigüidade psicológica ela suspende o mistério da castraqão"
A cena de contemplação dessa divindadd budista abre uma nova via teórica à elaboraqão de

Dezembro 2007 1 434 Opção Lacaniana no 50


Lacan, ou seja, ela quebra a prisio do Um, do Nome-do-Pai, permitindo atravessar o inipasse
da angústia de castração, dando nascimento a um objeto, o olhar, que não está submetido à
lei tlo Édipo. Nesse mesmo movimento, Lacan é conduzido a colocar em questão a unicidacle
de seu Nome-do-pai. É o que ele empreende no ano seguinte sob o título de seu Seminátio
interrompido dos Nomes do Pai1?.
O zen oferece dois aspectos, que foram sucessivamente privilegiados por Lacan. Como inici-
ação, ele inscreve-se sob o regime do Um, onde o mestre guia o d~$cipuloem sua investigação
da verdade. É essa ênfase que retém Lacan em um primeiro tempo, no momento onde ele
situava a direção do tratamento no elemento da verdade. Além disso, o zen se singulariza por
sua extensáo no conjunto da vida social, onde ele parricipa do desenvolvimento da criação.
Lacan explora esse registro, quando se compromete na via da angústia. Fbr suas obras de arte, o
budismo zen promove uma experiência estética na qual o sujeito em sua relação a divindade é
introduzido a uma dimensão do desejo que não é mais submetido a jurisdição do Um.
Tato traduzido por Zelma h. Galesi

'i.acan j. (1915). LrsÉcrils lecbniques dc Frertd. Paris: Seuil, p.7.


'LacanJ. (l~).)ECri&.Paris: Seuii, p.315-316.
'LacanJ. (1975). Encore. Paris:Seuil, p i N .
'Um dos lerios fiiiidadnres do Mahanna é O lolusdu ucrdadeirn lei, que Laca, comenwa com seli mstrc Paul Lle~niéville(Conpoisre
" p.. 261)
'MillerJ~I.(2CO3). le na,cu de iumn Paris: Verdie~:p.257. (iqon du I 1 décembre 1991, du c o u n l k la ~I~1redessmr6la~rls):
'Há as iridi* qiic
scapani ao Nome-do-Pai.No budismo wr exemplo, se a!ánn re~imedo divino múllialo. irredutíi'el à unidade".
%n&Lade lin-Bi. traduzida do c h i n i por ~ i b i l l eI?, (197j) Parir: Fayard, p.29:
'Lacan J. (20N)langoisre. Paris: Seuil, p247.
dLacanj.(1981).Lap,ydoser. Paris: Seuil, p.298.
Xacanl. (2004). Lhnpoisse. Paris: Seuil. n.255.
"Id, p.312.
"ld., p.279.
"lxaiiJ. (20M). Bes non,~di</.&e. Pdi: Seuil.

Opyão lacaniana no 50
EDITORIAIS Tinia Coelho, Quem tem medo de Ser avaliado?g Ricardo Seldes. No one can buy romorrow, no one
can sell their sorrow I
ORIENTAÇÃOLACZNIAiYAjacqires-Alain Miller] P e p Avulsas
V CONGRESSO DA EBP
A AÇÃOLACANWA NA CNILSUÇÃO DO O Ba ~ ~
S&io Laia - Sandra Gmstei~iAbertura 5 jésus 6unliag0, Revelação ou sintoma -sobre a ação lacaniana
O NOMEDO-PM 1
/!lisa Aloarenga, Jovens em suspenso I
A DOUTRINA DO PASSE i
Berrrardino Ilorne, A doulriur do passe ~arios~!rgt~clo Nicéas, Carrel do Passe na EBP: o que se renova ?
I
O PSICANALISTA NA CIDADE
Eliane Benles Casttq O caso E efeitos rerapi.;ticos num tempo limitado $ Heloisa Caldas, O caso J. $ Leda
Gzlimurães, "Não se apaixone!" A máscara da feminilidade conteiiiporânea 6 ilfaria Cecília GalleiriFerrerti, Do
"um' ao "coletivo" $ Maria Jose' Gonlijo Salnnl, A! iiolPncia e a civilização psicanalítica 6 Sfizana Faleiro Barroso,
A teoria do falo nci retorno a Freud I
1
AhZP-ROiMA 2006
Éric Laurmt, O Nome-ddai entrc realismo e hominaiisnio
I
c1Áss1cos
Otto Ibnk, "O [munia do nascimento e seu sig$ificado para a psicanálise (1924)

EDIl'ORIAIS Llisa Alliarengu, Americano em Bbo Horimnre 8 1.iancisco Ilugo Freda, CPCT de Paris. experiênci.
as e resultatlos
I
ORIENTAÇÃO LACANLWAJacques-Alah Miller, Peças Avulsas
1
XV ENCONTRO BRASILEIRO
d
Alícia Arenas, A angústia: assunto topológico Ana &"dia &erra Santiago, Trauma. angústia e a neo-inibi~bes
Bernardino Horne: .4ngúsua e Ato $ Crisrina i ~ r u m m o n dDevastaCáo;
, outra face da angústia $ l:lorj' Kruger;
Sofrimentos e benekios da angústia 8 Lt~ciofaFreitas de dfacedo, A biopolítica como política da angústia $
Aíarcelo Vera. O making o/ d o objeto $ il4aka Eliane Nerxs Baptista, Os bebês na era dos gadgets $ Maria
Luiza ~l401aMiranda,Respostas à angústia !
I
Rosane rla Fonte. O tropeço do sobrevivente
TESTEMUNHOS DO PASSE
Bemardino iiorne, Introdução $j d s u s ~ ~ ~ Relatório
l i a ~ . do Primeiro Colégio do Passe Rosel'aule Vinclguerra,
Retirada do Serralho i
TUTOS BRASIL
Ângela Batista, Sobre o incurável do sinthoma $ A?~tonioBeneti; O acompanhante rerapêutico nos discursos 8
Sérgio de Canrpos O tempo sem a duração
I
1
EDITORWS Éric Laurenl, Trechos extraídos do Discurso de candidatura a hnção dc Delegado Geral 2006-2008
§ Ram Ma~rdii,Os prórinios passos I
ORIENTAÇÃ0 L.4CANIANA]acqnes-d/ain ~ i l l e rConclusáo
, das aulas sobre o Sitithoina
DE UM (O NOME-DO-PAI), AOS OUTROS(OS OBJETOS a )
Éric Lat!rent, Um novo amor pelo pai $ jacql<ec-~1ainiIli/ler; AMP 200R - Os objetos a na experii'ncia analítica
O QUE E UM PAI
Graciela Brodsb, A causa do pai 6 Gruciela Brodskj,, Pai, não vès que ...
EL CRiTiCON
Éric Laurent, Apresentaçao $ ,Marco Mauas, Yahvé - Ariel Bogocbiiol, Comentário $ Célio Garcia, Fobia -
Angelina Harari, 'lradiçio,Jean-l'ierre Deflieza; Comentiírio 8 Alain Merlet. Perversão -Sérgio Laia, Comcntá-
rio 5 Guillenno Belaga, Passe: do lado do barruco-Moilique Ktrsnierek; O passe e o Nome-do-Pai-Celso Rennó
Lima, Comentário $ Ronlildo do Régo Barms, Seitas - Afarco I:occbi, Alteísmo - Daniel Aillas, Coiiicnrário 9
Gmtalio Sliglitz, Adoç0es. A intlecisào da origem -Fatima Sarmento; Contentáno

EDITORWS Silliia 2ndlarz. O patológico da identificação 8 Sirgio de Calrol Coiiversas de (a) muro
OR~ENTA~ÃO I.ACANm~ytres-Aluinhliller, Nosso Sujeito Suposto Saber gJacque.s-Alain~lfiller:Gays en1 análise?
A ECONFIGU@O DAS PATERNLDmES
Elisa Altiarenga, A ciència e os novos pais 5 Vkenle Palomera. Novas consideraçóes das paternidades: a partir do
direito $ Afarco Focchi: O pesadelo (le um mundo sem Deus
ECOS DE ROMA - PASSE: PRESENTE E PORVIR
hlarie-lfelène Brousse, Algumas proposiCóes sobre o passe 8 Plore~iciaDas.sen, O passe como projeção $ Fabián
A A'aparslek, O passe jB náo é conio antes 8 ilfiguel Bas.sols, O p o r i r do passe g Fsthela Solaizo-Suaréz; O passe
6 Philippe La Sagna, História de saídas ou saídas de história $ Dominiqlre Latircrzl, O melhor de dois munclos 5
Franpis L e ~ u i Ol ~espírito do passe mais além do principio de formação
PONTUAÇÕESSORRE A ANGUSTU
] i s u Santiago, O chaarme naturalista da castração no homem 9 Nora Pecson Go~~çulves, Nomear 9 Angelina
lfarari, Angústia, afeto que conota a produção do ohjeto a
ARTIF~CIOSDO PAI
W i o Laia: Ao longo e ao largo do pai 4 Simone Souio Uma cnnsidenqio sobre o analista e o pai real g Sandra
Gmstein, Artiiícios do pai. Caso clínico: "Do acerto de conr*" ao "em boa conta"
DOS ORJETOS a
Gisella Serre l.opes, Modalidades do objeto: angustiar/apaxiguar/agaIniati7,ar 9' Lilany Vieira Pacheco, O iist~dos
objetos (a) e a construçáo dos modos dc vida na adolescêiicia

EDITORL41S Guillenno Belaga. Abertura da LI Jornada Nacional da Rede k5sistencial Simone Soulo, a-Tempo,
um centro de tratamento psicanalítico em Belo Horizonte
ORIENTAÇÁO 1ACAN~'AJacqua-AlainrMn'ler, Unia leitura do Seminariq i i m 16: De um Outro ao outro
AMOR E SINTOMA
Bmnardino Iforne: Os nomes d o amor
VERSOES DO AMOR
Ana Lydia Sanliago: Amores nomades na sociedade do individualismo em massa § Luciolu I: de Macedo: A
transferência de trahalho: um dos nomes do amor na era da tecnociència g OscarRc~»iundo,Pais e anior g Ma.
Cecília G. Ferrelli, Unia psicose sinthomatiiada $ Zelma Abdala Galesi. Uni amor embalsamado f Ângela Peque-
m eSlella Jimena. Direso da cura na psicose § Glacy Gorsky, Erotomania: uma forma de amar g Thnia Coelho,
Verses lacanianas do amor analítico § Lúcia Grossi, O amor louco 8 Sérgio de Campos, Dom Juan como um
irnpase anioroso g Ma. Lúcia Petraglia. De adotada a a-dotada
AS RFSPOSTAS DO AMOR
Jiw.Santiago, E o amor homossexual, o analista avalia? 5 Jorgelorbq DIOCO o u de quando a rloensa é surpresa
~ s i c ~ Á u Es PSIQUIATK~A
e
Afarcelo Veras e Vera Be.c$et,Apresentação de pacientes: a clínica lacaniana na saúde mental
I
3O ENCONTRO AMERICANO !
lili.~aA I ~ ~ u r ~ nAgwriedarle
q da prática - do ti@ clínico ao caso unico cri1 ~lsicanalisc
ciÁss1c0s I
Anal\!aria C LoM,r. Ps irmã.$ Ripin, por lawn 6jacques Lacan, Motivos do cirnie paranóico: o Crime das i r n i i I'apin

I
EDITOFL+iSMarctfiAndréé Weiru, Discurso do Piretor Geral da ERP na Assembléia Geral da EBP eni Catussaha $
Elisa Afuarmga, Discurso de posse da presidêniia du Conselho da EBP
ONBNTAÇÃOLACANlAVA]acques.Main !Ili(ler, ?ma leitura do Seminário: de um Outro ao ouiri,
VARIEDADECL~NICA DOS OBJETOSu I
lordan Gtrrgel, A voz do altíssimo 5 Leonardo Irostiza. Os aferos lacaniatios $ Sérgio Guia, Ferenczi e Iitcan:
duas abordagens da variedade dos objetos a naicxpenência psicanalítica
SOCIED.4DE DE CONSUMO I
1
Homildo d o Rego fiarros, Uni ohjeto que náo se consuniiria nunca $ Paulo Siqueira, Um lance de blues jamais
abolifii o acaso $ I:ug8ttio Dia& Neurociénciasdo I consumo e exclusão do sujeito
PSICANÁUSEAPUCADAATEMPÊUTICA i
Vicioria K o r ~ Keinoso,
e O direito de ser pai f Francisco I>aes8arreto, O tratanienio ~psicanaliricode uma crianga
1
(coni uma única intervens2o) 5 Vanda Ali>~eirla,Uma cidade fantasma - o morro na cidadc do Rio de Janeiro
LACAN E JOYCE I
Sérgio Laia, Notas suplemenrares i tradução hfasileira do Se??iittário23 de Lacan (O Sinthoma)
Vil CONGRESSO EBP -VIDEOCONFERÈNCIA :
kricLauren1, O ohjeto a pivô da experiêiicia analítica
PERVERSÁO GENFRALI7ADA I
Alain MerIel, Dois contratos de casamento - Jlhandeau: "No espanto, o sorriso nos Ijhios"
OPÇAO LACANIANA
ASSINATURA
Estabelecida nas seguintes condições:
Válida para aquisição de três exemplares da revista (nn 50, 51 e 52) até 30 de novembro
d e 2008;
Renovável mediante realização de nova proposta;
Valor total: R$ 80,OO (oitenta reais).
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c/c 111572-9, em nome d e Angelina Harari.
Envie fotocópia do comprovante de depósito acompanhado da proposta de assinatura
devidamente preenchida; ou os seus dados por e-mail, para oolacaniana((ù~mail.coni
coni cópia para: an~elina.haran@terra.com.br,inforinando os dados acinia e o núnie-
r o d e controle do comprovante cle depósito.
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Angelina Harari, acompanhado da proposta de assinatura.
AJIÓSo recebimento desses documentos, o envio dos exemplares é realizado via correio
par4 o endereso indicado.

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Envie cheque cruzado e nominal a Angelina Harari, acoinpanhaclo da ficha.
Após o recebimento desses documentos, o envio dos exemplares e realiado via correio
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no 1 ao no 4 esgotados
no j ao n" 718: Revista Brasileira d e Psicanálise
no 9 ao no 4 j: Revista Brasileira Internacional de Psicanálise
n u l l , 12, 13 e 17 esgotados
I
OPÇÃO LACANIANA (
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Rua Albuquerque Lins, 9021212 - 01230-000São PauloISP Fay: (011) 3826-9731 1
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OPÇÃO LACANIANA I
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NORMASPARA PUBLICAÇÃO
1. ARwistaOpçáoLucu~ii~~na publicaartigos clinicos, artigos teóricos,ensaiossobreasmnexóes
da psicanálise com outros saberes e comentários de leiwra. Ela se inspira na frase de Iacan:
"Queremos, com o percurso de que estes textos são os marcos e com o estilo que seu
endereçamentoimpóe, levar o leitor a uma conseqüência em que ele precise colocar algo de
si" (LACLV,E&IOs, p. 11).
2. Osartip, umavaapmdos paraapubli@o, podemsafreralteraçõeseditoriaisnáo subndais
(repamgrdfações, correçóes gamaticais, adequ- estilisticas e editorjaif, inserfão de notas).
3. Os artigos devem ser encaminhados à Redaqão (via correio para o seguinte endereço: Rua
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do original em papel A4e uma cópia em disquete (com arquivo gravado em Editor de texto
Word: estilo normal, em letra. tipo Courier New, tamanho 12,alinhadoà esquerda) ou enviados,
sob a forma de artacbmenr e mantendo as especificaçóes anteriores para o e-mail:
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4. Cada artigo deve conter os seguintes elementos
a) Identificação:
-Titulo do artigo; Nome doautor e cidade; Eventoem que foi apresentado;Endereço eeltrónico
para correspond0ncia.
b) Abstracts:
- Resumos: em português e em inglès, com cerca de 70 palavras cada um, no final do texto.
-Palavras.chave: O autor deve indicar os termos-chaves (mínimo de três e máximo de seis) do
artigo em português (palavras-chave) e em inglês (keyluords);
- Dados sobre o autor: titulação, formaçáo, profissão, etc.
C)Notas:
-Notas explicativas do Autor: dispostas no final do texto, remetidas por números sobrescritos
no corpo do texto. Poderão ser acrescidas ao texto Notas da Redação, N.R., ou do Tradutor,
N.T. (no caso de textos traduzidos).
-Notas de referênciasbibliográficas:
Citaçio: deve W no corpo do texto, destacada por aspas (e não em itálico) após a qual um número
sobrescrito remete& notade final & tato, contendoas seguintesindica~ões:sobrenomedoautor
em maiúscub, iniciais dos piimeiros nomes do autor em maiúsculas, nome da obra, volume, timio
do artigo ou capímlo, cidade, editora, ano de publicaqão~página em que se enconm a citaqão.
Demais referências devem ser indicadas em notas de fim (conforme indicado acima), na
ordem em que aparecem no texto. lf& incluir capítulo h pane com ReferênciasBibliográficas
ou Bibiliografia.
d) Anexos:
- Figuras, grafos, desenhos, ilustraçbes, fórmulas, etc. poder20 ser anexados ao texto. Para a
editoraçio, devem ser preparados i mão de forma clara e precisa, contendo todos os traços,
sinais e banas devidamente dispostos.
e) Texto traduzido:
-Indicar no final do texto: referências de onde o texto foi extraído ou apresentado (Congresso,
Encontro,Jornada, etc.) e nome completo do mdumc Incluir resumo e palavraschave do
artigo em oortumtês e em inglês. além dos dados do autor traduzido
i\ssocia$áo Mundial de Psicanálise: 74 Rue d'hs,75006 Paris - France - Fau 63-11 45437938
École de Ia Cause freudienne: I Rue Huysmaos, 75W6 Paris - France - RI. (33.1) 45490263 - Fax 03-11 W 2 9 7 6
-ela de1 Campo Freudiano de Caracas: Ateneo de Cuam,Aplodo. Postal 662.Caram 1010-A - Venaueia - Fax (58-2) 573-7812
Escola Européia de Psicanálise: 74 Rued'&ss. 75MPa1is - France - Fay (33-1) 49879%
Bscuela de Ia Orientaciúii Lacaniana: Caliao 1033, pim 5, Buiuos Aire - hrgentinaTel. (54-1) 881-2707 - Fax (54-1) 815-4300
ilscala Brasileira de Psicanilise: R i i i Viiiva lacerik 117 - Humaita - Cep: 22261-050 - KiodPJmeiro (Ri) -Brasil - Ri. (21) 2537.9983

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