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Brasil: Rua Albuquerque Lins 9021212 01230-000 São Paulo SP Fax: (5511) 3826 9731
Os colegas que desejarem receber Opção Lacaniana por correio ou desejarem difundi-la,
podem dirigir-se à Redaçáo (oplawrniaM@gmaiI.mm).
EDITORIAIS
7 Ricardo Seldes, No encontro com o (a)
10 Angelina Harari, Edição Especial: 50
ORIENTAÇÁO LACANIANA
TESTEMUNHO DO PASSE
J
Joyce, Anne Lysy
K
Karamazoq Anne Szulzynger-Bernok
L
Lei, Fernando Vitale
Luto, Pierre-Gilles Guéguen
M
Mentira, Sérgio Laia
Mestre, Ronald Portillo
Metáfora paterna, Juan Fernando Perez
Mito. Antoni Vicens
Neurose, Luis Erneta
Nó, Pierre Skriabine
Nomes do Pai, Roberto Mazzuca
Nominaçáo, Samuel Basz
Norma, normalidade,Maurizio Mazzotti
Nostalgia, Manuel Zlotnik
o
Objeto, objeto a, Marcus André Pieira
Obsessão, Serge Cottet
Ódio, PhilZppe Lacadée
Outro, Pierre Naveau
P
Pai, não vês....?,Marie-Hélène Roch
Passe 1, GuillermoBelaga
Passe 2 , Moniqu Kusneriek
Passe 3, Patrick Monribot
Passe 4, Celso Rennó Lima
Pior,Jean-Pierre Klotz
Père-version, Osvaldo Delgado
Perversão, Alain Merlet
Poesia,Jo Attié
Política,Jorge Yunis
Ponto de basta 1, ChristianiAlberti
Ponto de basta 2, Yves Depelsennaire
Procriação, François Ansermet
Psicose, Roger Wartel
Psicoterapias,PhilZppe Hellebois
Q
Quantum, Gerardo Arenas
R
Real, Ernesto Sinatra
Realidade, Massimo Recalcati
Recalque, Carlo Vtganò
Religião, Aníbal Leserre
S
Seitas, Romildo do Rego Barros
Semblante, Mónica Torres
Sexuação, Fabian Schejtman
Sintoma, Mauricio Tarrab
Sublimação, Hervé Castanet
Superstição,Jésus Santiago
Suplência 1,Jean-Pierre Defiem
Suplência 2 , Carole Dewambrechies La Sagna
Toxicomanias, Gerardo Requiz
Traço unário, Frida Nemiroskji
Tradição, Angelina Harari
Transferência 1,Flory Kruger
Transferência 2, Rosa Elena Manzetti
Trauma 1, Gabriela Dargenton
Trauma 2. Ernesto Piechotka
u
Universal, particular, Sophie Marret
v
Verdade, Marie-Hélène Briole
Virilidade, Oscar Zack
X
X: a incógnita da equação, Nathalie Charraud
W
W'eltanschauung, Herbert Wachsberger
Witz, Germán Garcia
Y
Yahvé, Marco Mauas
z
Zazie, Catharine Lazarus Matet
Zen,Jean-Louis Gault
OPÇAO LACANIANA
EDITORIAIS
'Milier 1-A. (2003). elaerpenencia de lo wl cn Ia cura pricoaoalílim. Biicnoi Aiies: Editorial Paidói, p27j~6.
'-~acialacanvcnación clinicaen el YI'Congmode l a h ~ .
'bliller,J-A. .tos objelasn en Ia experienuaanalítim. In u w . a m p ? ~ . c o m .
'Miile~J-A. (1997) dff~liosocielalisx.Inlacan Elucidodo. Rio de Janciro:Jorge Zahar, pp.551-558.
'Borgcs. J. L., -tiundadón mítta de Buenai Airm
6Lacan,J. (197311993) OPCIL, idem.
Lacaniana n" 50
Op~ão Dezembro 2007
Chegamos ao qüinquagésimo número de Opção lacaniana. Por esse marco, homenageamos
nossos leitores com esta edição especial. Embora não se trate, longe tlisso, de uni culto imhecil
ao número, denúncia feita por J-A Miller a respeito do estado atual das políticas de saúde
pública, em especial na França.
Alcançar a marca dos 50, para uma revista de psicaiiálise, significa bem mais que um núniero:é o
reconhecimentodo trabalho efetuado porumacomunidadeconstituídaem tomode umaepisteme.
A comunidade da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP) sustenta esse trabalho, mas tam-
bém os colegas membros da Associação Mundial de Psicanálise que contribuem com a sua
produção. O Campo Freudiano, por sua vez: com suas redes de pesquisa, representa uma
fonte de suma importância neste periódico.
Esta edisão especial está conternplacla por dois textos tle Jacques Lacan, ambos inéditos
eni português, o suficiente para assinalar a irnponância coni que este número se reveste.
A escolha do texto da rubrica Orientação Lacaniana também teni sua razão de ser, uni
comentário do ultimissimo lacan, feito por ]-A Miller, em uma aula especial do seu curso, pós-
março de 2007. Essa rubrica se faz presente no suniáno desde agosto de 1996.
A contingéncia, que sempre acompanhou a confec~ãodos sumários não faltou nesta edi-
ção especial: desta vez publicamos o texto do primeiro testemunho da Analista da Escola
da Anl. a primeira nomeada por um cartel do passe brasileiro, Ana Lucia Lutterl~ach-Holck.O
texto vem acompanhado do comentário de Marie-Hélène Brousse, feito durante as jornadas
da EBP-Rio, em noveiiibro!07.
E, para completar tão interessante sumário, reeditamos um livro, que se tormou uma refe-
rénci;i da AMP: "Scilicet dos Nomes do Pai", um dicionário a maneira filosófica de Voltaire. São
100 entradas ordenadas alfabeticamente, distribuídas entre diversos colegas da AMP E cada
autor procurou toniar um aspecto do tema e problematizá-10, sem pretender um percurso
exaustivo. A idéia do dicionário Scilicet, segundo seus idealizadores (Graciela Brodsb, Éric
Laurent e Antonio Di Ciaccia), se fundanienta na Enciclopétlia chinesa que Borges imagina em
E1 idioma analítico deJohn W/kinsL.
Resta agradecer ao diretor do periódico, Jacques-Alain Miller, que com sua experiência, dedi-
cac;ão incansável e amor, faz com que esta publicação sempre se mantenha à altura dos tempos,
ou seja, nas palavras cle Lacan: que ela alcance em seu horizonte a subjetividade de sua época.2
1 Rorg~r,J. L. (1999). "0 Idioma Analitiro delohn Wlkini". In Oóras Cmnpblas.Vol li - 1952-1972. São Paulo Editora Giobo.
2 lacan.J. (1998). "Função e Campo da Fdae da Linguagem". In: Fmilos. Rio de Janeiro: Jorge Zahai p.322.
O que penso das relações da psicanálise com a instituição? É uma questão que acho muito
pertinente. Para que a gente saiba da grave degradação ceórica que marca o conjunto do
niovimento psicanalítico, a instituição é muito útil. Trata-se aí de sua função de expressão.
Sem os meios dos quais a instituição dispõe, não pocleríamos saber até onde isso vai. kço-
Ihes que leiam os relatórios dos congressos internacionais de psicanálise e vocês perceberão
o que ali se comunica sobre Freud; por exemplo: é o que chamo de annafreudismo, ou
freudismo pelo uso de una. Vocês sabem o que são una: pequenas histórias agrupadas em
corno de um nome próprio'. Para o leigo, é o que indicará mais ou menos o nível em que a
prática também é apreendida. Digamos que ela náo manifesta na instituiçáo nenhum sinal
inquietante de progresso. Meus alunos são muito gentis, riem disso as esi:oiitlitlas, mas estão
sempre a vont:ide para testemunhar o caráter bastante aberto da entrevista que tiveram com
sicrano ou beltrano, entrevistas privadas, naturalmente. Engendro espíritos benevolentes.
Mas é evidente que você sabe disto o bastante para que não seja neste ponto que sua ques-
cão se detém. Se a Associação Internacional tivesse apenas o sentido de agrupar tanto
gastroenterologistas quanto psicólogos, vocé nem faria a pergunta. A questão da instituição
psicanalítica se coloca em outra escala, diferente daquela da confusão de uma feira, muito mais
próxima daquela de uma ámore genealógica. E aí, isso não aparece na cena do mundo, mas no
seio de grupinhos feitos de nós eni que se entrecruzam os ramos dessa árvore. Trata-se da
transmissão da própria psicanálise, de um psicanalista que é psicanalista para outro que se toma
psicanalista ou que começa a d-lo. Estes grupos, chamados ainda de sociedades, que pululam
no mundo? tem este caráter comum de pretender assegurar essa transmissão e de mostrar a
carência mais patente para definir essa psicanálise, dita didática, quanto ao remanejamento do
que se espera dela para o sujeito. Sabe-se que Freud situou esta psicanálise como necessária,
mas, para dizer o resultado dela: patina-se. Para o psicanalista didata, tomaclo no sentido daquele
que é autorizado a fazer análises didáticas, é inútil até esperar saber o que a qualifica.
Digo essas coisas em alto e bom som agora que trouxe soluções prestes a começar a tarefa
para que elas mudem. Foi por respeitar esta miséria escondida que me obstinei tanto em
Enl suma, épreciso ler Freud. Afas como, segundo Freud e segundo o senhol: é preciso
conceber o inconsciente?Como situú-102Como defini-lo?
O real como impossível de dizer, isto é, como o real, é o impossível. Tudo isso tem o
mesmo valot Mas impossível se enganar ainda com o que digo aqui. Pode-se constituir, na
Lacaniana no 50
Op~ão 13 Dezembro 2007
psicanálise, a ciência do impossível como tal? - é nesses temos que é &do colocar a questão, uma
vez que desde a origeni da psicanálise Freud não a definiu de modo diferente. É também por isto
que, depois de quinze anos para adaptar esta questão a uma audiência certamente ingrata, mas
por isso mesmo bem merecedora, chego a articulá-la pela Função do significante no inconsciente.
É claro que o método que proponho para isto resolve completamente as objeções que, nas
mesmas águas em que navego, incidem contra o método de Claude Lévi-Strauss.De resto, isso
não interessa a ninguém além daqueles que, diante da imensa eficácia de seu trabalho, não
gostam de ser questionados quanto a sua legitimidade. O próprio Claude Ik\~iStraussaparente-
mente prescindiu muito bem destes escrúpulos; ele seguiu seu caminho como fez Freud em
seu tempo. O que faço tem, entretanto, a pretensão de opor uma barragem, não contra o Pací-
fico, mas contra o guano que não pode deixar de recobrir em um futuro próximo, tal como
sempre se fez, a escrita fulgurante na qual a verdade se origina em sua estrutura de ficção.
Digo que ao ser (I'être), sucede a letra (lettre), que nos explica muito mais coisas, mas que
não durará tanto tempo se não cuidarmos dela. Abrevio niuito com tais palavras, tal como se
pode perceber.
Minhas últimas palavras me servir20 de curto-circuito para centrar minha resposta na critica
literária que se habilita a partir deste termo: estruturalista. Pois ele motiva que, como tal, esta
critica esteja interessada na promoção da estrutura da linguagem tal como ela se dá então na
ciência. Mas náo há chance alguma de ela tirar proveito disto, caso não patticipe da escola desta
lógica elástica que tento fundar, unia lógica que possa envolver este sujeito novo a ser produzi-
do, não na medida em que ele seria desdobrado como ente - um duplo sujeito não vale mais do
que o sujeito que se crê um por poder responder por todos, é tão besta e tão enganador! -, mas
como sujeito dividido em seu ser. É o mesmo ponto que deve nos impelir. após só ter consegui-
do dizer novaniente que nos qualificavam como estmturalista, nós que l~rocedeniosda estrutu-
ra, para apresentar agora nossas reservas quanto a isto. A crítica, tanto quanto a literatura que é
aparelhada pelo estruturalismo, encontrará a ocasião de esbarrar na própria estrutura.
Para mostrar como, direi, guardem isto bem, basta que a crítica psicanalítica a faça urrar -
naturalmente, é fácil em alguns casos - todo o mundo fala de outra coisa, se vocês notarem
que, em Les Tenzps modernes, um psicanalista pretende esquadrinhar a obra de Robbe-Grillet
aplicando-lhes as grelhas krilles) da neurose obsessiva. Esta impudência náo desonra sequer
aquele que a comete, tendo em vista o curiosíssimo estatuto de louco - não é Foucault! -que
os psicanalistas conquistaram. Mas a tentação de uni deslize mais radical, ao ser totalmente
intrínseco, se apresenta a todo instante aos críticos estmturalistas, caso não se assegure, diria,
de uma psicanálise que os interdite passar a fazer, eles mesmos, psicanálise sem saber que
estão fazendo, tal como o Sr.Jourdain fazia prosa. Porque o inconsciente necessita da prirna-
zia de uma escrita: eles acabario por tratar a obra escrita como se trata o inconsciente. E
impossível que a obra escrita não ofereça a todo instante algo a ser interpretado no sentido
'N.T.:Assim. em (r%&. ntm designa o que chamamos de "a", "anedmi'. "pequena hiitó~ia'contadas sobte alguém. Tendo em vista o j u g dr
palavw que Lacan f a romdnm Freud, o temo francés foi mantido.
'K.7:no original, oquf foi iraduzido por 'logode cara aseiem perco%daf éjnrde Iaie- lileralmenk. i q o do ganso. sendoque'ganso" alude, aqui: a
forma do pescop desta ave e que é encontrada n e t a tabuleina de jogos forniados por casas pelas quais so acinça, páia, ou retrocede. em fungáo, por
exemplo, de resultados obtidos em lances & dadoi.
'N.T.: Em latim, celdaigoaapena acolhaou preferéncia semafetar a m r g á o pitucipd, enguantoaui implica uma oporigão absolutaou essencial. uma
mlusáo mútua Em prluguU, tanto uel quanto ou1 podem ser traduzidos por 'ou" e este termo pode ser empregado nos dois sentidos relaiivm a e m
duas palrvrar Iatioas.
'N.T.: ale e q u í ~ t~a om b h se dá em porluguis roofome foi expiici@dono h a l da nota anterior
'RT: no original lellre. traduzido q u i por carta~leua.tendo em vista os dois sentida poisiveis, em porhiguk. para era termo fianch.
Consideração introdutória
Por onde andarão as histéricas de outroral essas mulheres maravilhosas, as Anna O , as
Emmy von N.?
Elas representavam não apenas um ceno papel, mas um papel social certo. Quando Freud
se põs a escutá-las, foram elas que permitiram o nascimento da psicanálise. Foi a partir de sua
escuta que Freud inaugurou um modo inteiramente novo da relação humana.
O que substitui hoje estes sintomas histéricos de outrora?A histeria não se deslocou, no
campo social?.4 maluquice psicanalítica não a teria substituído?
Que Freud foi afetado pelo que as histéricas lhe contavam parece-nos agora ceno. O incons-
ciente se origina no fato de que a histérica não sabe o que diz: quando de qualquer maneira ela
diz alguma coisa com as palavras que lhe faltam. O inconsciente é um sedimento de linguagem.
O real está no extremo oposto de nossa prática. É uma idéia-limite,a idéia tlo que não tem
sentido. O sentido é aquilo pelo qual operamos na nossa prática, a saber, a interpretação. O
real é este ponto de fuga como o objeto da ciência - e não do conhecimento, que é mais do
que criticável. O real é o objeto da ciência.
Pelo menos quando a consideramos a partir deste ponto de fuga, nossa prática é uma
escroqueria: blefar, fazer as pessoas pestanejarem, ofuscá-las com palavras. Esras palavras são
afetadas, o que chamamos habitualmente afetações. É o que Joyce designava com estas pala-
vras, mais ou menos empoladas, donde nos vem todo o mal.
O que digo neste ponto está no coração do problema do que levamos no tecido social. Foi
por isto que sugeri que halria alguma coisa que substituía esta falha que é o sintoma histérico.
Um sintoma histérico é curioso. Isto resolve a questão a partir do momento em que a
pessoa, que verdadeiramente não sabe o que diz, começa seu blá-blá-blá.
E o histérico macho? Não se encontra um que não seja uma fêmea...
Este inconsciente, do qual não compreendia estritamente nada, Freud Fez dele representa-
ções inconscientes. O que é que podem ser representações inconscientes. Unbewusste
Vorstellungen, existe aí uma contradição em termos. Tentei explicar isto, fomentar isto para
instituí-10 ao nível do simbólico. Isso nada tem a ver com representações, este simbólico, são
palavras. E, no limite, sim, podemos conceber que palavras são inconscientes. Não se fala,
aliás, senão disso. No conjunto, eles falam sem absolutamente saber o que dizem. É de fato no
que o inconsciente só possui um corpo de palavras.
O que é ensinar?
Tentamos provocar nos outros o saber haver-se aí, quer dizer, saber se virar neste mundo
que absolutamente não é um mundo de representagões, mas um mundo da escroqueria.
Lacan é freudiano,
Mas Freud náo é lacaniano.
É absolutamente verdade. Freud nào tinlia a menor idéia do que ocorreu a Lacan de
papaguear em torno desta coisa de que temos a idéia, e que é o real. Posso falar de mim na
terceira pessoa. A idéia de representação inconsciente é uma idéia totalmente vazia. Freud
escorregava inteiramente ao lado do inconsciente. Primeiramente, é uma abstração. Não se
pode sugerir de representação senão retirando do real todo o seu peso concreto. A idéia de
representação inconsciente é uma coisa louca. Ora: é assim que Freud a aborda. Dela existem
marcas bem tardias nos seus escritos.
O inconsciente, eu proponho dar-lhe outro corpo, porque é pensável que se pense as coisas
sem pesá-las, bastam aí as palavras. Ar palavras fazem corpo. Isto não quer dizer absolutamente
As castrações
A castração não é únjca. O uso do artigo definido não é sadio, ou então é necessário empregá-
10 no plural. Há sempre castrações. Para que o artigo definido se aplique, é necessário que se
trate de uma função, não automorfa, mas autoistruturada, quero dizer, que tenha a mesma
estrutura Auto, nada mais quer dizer do que estruturado por si, arruinado da mesma forma,
amarrado da mesma forma - existem exemplos aos montes na topologia.
O emprego de "o", "a": "os" é sempre suspeiro, pois existem coisas que são de estnitura
completamente diferente, e que não se pode designar pelo anigo definido, porque não se viu
como foi arruinado (conio foi feito).
Foi por esta razáo que elucubrei a noção de objeto a. O objeto a não é automorfo. O
sujeito nno se deixa penetrar sempre pelo mesnio objeto, ocorre a ele de se eiigaiiar ocasio-
nalmenre. É isto que quer dizer a noção dc objeto a: que nos enganamos de objeto a.
Enganamo-nossempre às suas expensas. Para que isro semiria se não fosse incômodo?Foi por
isso que se construiu a noção de falo. O falo nada mais quer dizer do que isto, um objeto
privilegiado sobre o qual não nos enganamos.
Só se pode dizer "a" castração quando há identidade de estrutura, enquanto existem trinta
e seis estruturas diferentes, não automoifas. Seiá o que chaniamos o gozo do Outro, uni
encontro de identidade de estrutura? O que quero dizer, é que o gozo do Outro não existe,
porque não se pode clesigná-lo por "o". O gozo do Outro é diverso, não é automorfo.
A psicose é penosa para o psicótico, porque, enfim, não é o que se pode desejar de mais
normal. No entanto, sabemos dos esforçosdos psicanalista para assemelhar-se a eles.JáFreud
falava de paranóia bem sucedida.
More geometrico
Por causa da forma, o indivíduo se apresentada como ele é arruinado, como um corpo.
Um corpo, isto se reproduz por uma forma. Um corpo falante só pode conseguir se reprodu-
zir por um rateio, quer dizer, graças a um mal-entendido de seu gozo.
A estrutura
Quando seguimos a estrutura, nos persuadimos quanto ao efeito da linguagem. O afeto é
feito do efeito da estrutura, do que é dito em algum lugar.
O amor
O que nossa prática nos revela, é que o saber, saber inconsciente, tem uma relação com
O amor.
*Este iexto foi esmhelccido apriirdc umapnnieiratransiri$áo publicad~comminhautori2a~áono seguiido iiúmerodepi<arlo ein 1981: cita Wmcrição
utilizai3 iioias manurcrimde hl. Cornel e Gilson- IAM.
O p ~ ã Lacaniana
o no 50 23 Dezembro 2007
Quatro Seminários de Lacan estão concluídos, o editor deverá publicá-los em seu ritmo.
Acrescento, inclusive para me encorajar, que no próxinio mês de setembro serão seis, assim
espero. E se for preciso tranqüilizar os que se inquietam com a conclusão dessa tarefa antes
do meu desaparecimento, e que já me achavam um tanto adoentado, direi que terei ainda seis
deles para redigir antes de passar para outra coisa.
O "ultimíssimo" ensino de Lacan constitui-se exatamente de doisSeminários. O 24, que
segue o do Si?zthoma, e o 23. Eu os publicarei em um único volume, o que então somará,
quando o conjunto estiver disponível, 25 Seminários em 24 volumes.
Depois disso, Lacan não se calou, ele continuou a tomar a palavra, me enviou dossiês e o
que ele disse em 1980 já foi publicado na época. Mas, informo-lhes, não se trata mais do
Seminário de Jacques Lacan. Considero que Lacan fixou os limites do seu Seminário propri-
amente dito ao dar ao Seminário 2 2,de 1977-78,o título: momento de concluir. E tudo indica
que isso deve ser tomado ao pé da letra.
Esse título é certamente uma referência i sua lógica temporal, desenvolvida, publicada no
fim da Segunda Guerra Mundial, sob o título .Tempo lógico.. E podemos esperar da explora-
ção desse Momento de concluir algumas luzes sobre o que o antecedeu. Ele não será publica-
do no final da publicação do Seminário delacques Lacan, mas durante o seu curso.
O tempo era certamente uma preocupação de Lacan, no momento de parar, mas não só
isso. No passado, em seu escrito "Radiofonia",ele já havia destacado esse principio segundo o
qual "é preciso tempo" para a análise. Eni seguida, iacan quis falar sobre 'A topologia e o
teml~o"o que! aliás, figura erroneamente como titulo nas orelhas das capas dos Seminários.
Não fui eu quem inscreveu isso, mas alguém que queria se assegurar de que as ediçóes Seuil
publicariam todos os textos de iacan, e a cada ano acrescentava ali esse título. Deixei isso
como estava, mas náo haverá os Livros 26, 27, ou 28 doSeminário.
Essa é uma indicação de que iacan se preocupava com a relação entre a topologia e o
tempo. Vemos essa preocupação apontar desde o Seminário sobre o sinthoim, e compreen-
demos que não se trata do tempo linear, do tempo necessário para ir de A até B - que é a via
romana -, o tempo da trajetória quando se espera que depois haja outra coisa. O tempo
associado a topologia é, em primeiro lugar, um tempo circular. É o tempo do giro em círculo.
Não é ausência de tempo. A ausência de tempo é a eternidade da qual iacan diz, precisamen-
te em O momento de concluir, que é uma coisa com a qual sonhamos. Acrescentemos que o
fato de ser algo com o qual sonhamos não toma a eternidade especial.
No "ultimissimo" ensino de Iacan, vemos desfilar muitas coisas com as quais acreditáva-
mos não sonhar, mas descobrimos ter havido ao menos um que pensou tratar-se de sonhos
ou - o que é ligeiramente deslocado - de fantasias.
O sonho da eternidade censurado por iacan já no seu Seminário do sin/homa é aquele
que consiste em imaginar, diz ele, que despertamos. E, de acordo com o que aparece no
escrito que coloca um ponto final nesse Seminário, de acordo com o "Esp d'um laps", o
"ultimissimo" ensino de iacan comporta, se desdobra eni um espaço em que não há desper-
tar, no qual o despertar, eu o cito: "é impensável", no qual o próprio despertar é um sonho.
Devemos reconhecer que isso é realista, realista no sentido do real. Alguma vez se viu o
às aparências, divertido, cle longe melhor que qualquer Livro Negro da Psicanálise. iacan
continua até chegar a dizer que a análise é magia, Claro! E que nela nos esforçamos com os
meios de borcld. E a bordo temos essencialmente a Fala apoiada nos efeitos de prestígio.
Fsforçanio-nos para comover uma coisa velada e imaginamos que conseguimos. Então, quando
somos dois a imaginá-lo,:i coisa já melhora! mas nem por isso dá provas contra a redução da
psicanálise a magia. Eu acrescentarei ainda uma proposifão a qual um Bourdieu náo objetaria.
Cito Lacan: "a análise é um fato social". Não se deve acreditar que isto queria dizer que "ela é
um fato social entre outros".
As evocações que acabo de fazer bastam para escorar a tese constituída pelo "ultimíssimo"
ensino de Lican: ao mesmo tempo em que ele se esforça pela psicanálise até quase o seu
último suspiro, testemunhando assim ser unia espécie de mánir da psicanálise, pois bem, ao
mesmo tempo, ele constitui também uma deflação da análise. %ata-se de saber se ela é salu-
tar. Uma deflação da análise e: é obvio, dos psicanalistas. Mas Lacan já o havia começado bem
mais cedo. Uma deflação, digamos, uni esvaziamento.
Posso Ihes dizer, agora, qual foi o verso que me veio a cabeça ao redigir esse mo~nenlode
concluir, quaiido eu fazia os últimos retoques. Trata-se de um verso de TS. Eliot que foi uma
leitura de Lacan encontrada em seuSelninário. Foi tamhéni com T.S. Eliot que iacan escolheu
concluir seu discuso de Roma: "Função e campo tla fala e cla linguageni", unia passagem sobre
o que clizia o trovão: "Bang, bang!" No caso, isso vinlia dos Upanixades: "Dadadá! diz o trovão".
É unia passagem do grande poema de TS. Eliot chaniado "Tlie Wate l a n d - 'ATeria gasta".
O verso que me veio a cabeça foi, sem dúvida, o verso de Eliot mais citado no domínio
anglo-aniericano, é o último verso do poenia intitulado "The hollow men" - "Os homens
ocos". Ele se presta a niuitas interpretações que náo caem nial com o homem tórico -
tambéni oco - proposto por L:ican.
Em TS. Elior há várias teses sobre a proveniência da expressão hollotu 771en.Eliot dizia ter
tomado enipi-esratlohollo~ode um lugar e Inen, alhures. De todo niodo, encontramos em
Julio Cesar, cle Shakespeaie, na boca CIO conspirador Cassius, a expressáo hollow men, Em
%S. Eliot a ex[)ressão teni, sem tliiv-ida: um valor niais pascaliano: o coraçáo do hoinem é oco
e pleno de torpezas.
No iiiício do poema, a expressào é plena de rcssoninci;cs quanto a descrição dos últimos
homens, da última das ci\~ilizações.Tianscrevo-o na tradução de Pierre Leyris4.O verso que
nie veio à cabeça foi o último.
Figura semfornza - é uma Ibtda traduçaopara Sbape wirboutfomt -, sombra sem cor
[shade uiithoui colour]
Força entolpecida, gesto sem mpres~üo:
[Paralysedforce.gesture without motio~z]
Esse poema que comeca assim, temiina coin dois versos. O primeiro é repetido trés vezes:
Eassim acaba o mundo. ,760 com u m Bang! -não com um Bum!, mas com um whimper
Não se conclui com o trovão, tal como no "Discurso de Roina". Conclui-se coni o que Pierre
I.eyris traduz por u m murmúrio. Um murmúrio é também um gemido e; para mim, e o bani-
lho da câmara-de-ar se esvaziando.
iacan escolheu - assim penso - terminar seu Seminário não com alguma coisa que Falasse
do trovão: o cúmulo da fantasia, que se reporta a voz humana. Ele o termina com o esvazia-
mento do toro psicanalítico. Termina com passinlios miúdos e apressados, com o trote dos
ratos. Mas, por isso mesmo, é algo que diz muito. Há gmpos de rap que se chamam assim,
filmes, artigos científicos que o têm como título ou como exergo, está por toda pane na
culcura anglo-americana.Isso me parece traduzir o valor a ser dado à deflaçào da psicanálise à
qual Lacan escolheu proceder.
língua. É justamente porque les tmmains não sabem se comportar, que se inventaram, em
seu benefício, técnicas para ensinar-lhes.
É sobre a confusão do simbólico que repousa a emergência e a floração de nossas TCC, ao
passo que as coisas prescindem delas. E há a análise para tentar fazer com que um trumain
saiba como se comportar com o "sinthoma". Em outras palavras, o problema, que não podia
ser formulado no clelirio linguistico lacaniano é a inadequação das palavras às coisas, o que
quer dizer, por abstração, a inadequação do simbólico ao real.
Vemos assim, na sua última lição, I.acan figurar o que seria adequaçáo pelo enlaçamento
'N.T.Lcs lru,tiains. or honiens-furo (cin Ihomofonia apiorim;~iivacom trou): jogo de palavras, cin fianc6, com " Y B h hiimain'
(ser humano).
'NTEm fruicés jni de mossane. E o nome gue se dá ao jogo de Iam oa Fran~ae, no leato, lamhém faz iim jogo com o ge Miller dauca acerca do
"ultimísimo" ensino, que desairutuia o que o antecede.
'NT Em francés: Ia mojim du bord:os meios que ariiuqão oferece.
'NT A tradução abaixo foi leia pla pwtisa Idelma Ribeiro de Faria. ln: TS.Eliol -ponn<)si 1910-1930.(1985) São Paulo: Camata Rracileira do Liv~o.
pp. 6567.
Existem dois temos em latim para designar testemunho: o primeiro (Testis) significa na ori-
gem aquele que se coloca como terceiro entre duas panes eni uni litigio,e o segundo (Supstes)'
designa aquele que viveu algo, atravessou de ponta a ponta um acontecimento e pode, pomnto,
testemunhá-lo.No entanto, Agamben, onde encontrei essa indicação,ao referir-se ao testemunho
dos sobreviventes dos campos de concentração, ressalta que "o verdadeiro testemunho vale es-
sencialmente por aquilo que lhe falta; ele pona em seu coração um "intestemunhável.'. Os verda-
deiros "testemunhos", os "testemunhos integrais", seriam os que não existem, pois viriam daque-
les que Locaram o fundo, não sobreviveram:os chamados "engolidos".
O relato do passe aproxima-se da segunda concepção, pois tenta transmitir algo do impos-
sivel de uma experiência atravessada de ponta a ponta. No entanto, nào é sem relação com a
primeira significação, na medida em que é necessária cena posição terceira, pois não se trata
de um diário, nem de uma confissão, e apesar da presença do sujeito, aproxima-se mais de
uma escrita poética.
A experiência de análise realizou-se como escolha forçada, isto é, não havia o que fazer a
não ser fazendo análise. Fazer o testeniunho é também uma escolha, mas de outra orclem. Fui
instigada pelo desejo tle fazer do que restara uma outra escrita, menos íntima, voltada para o
trabalho comum da Escola.
Para relatar uma análise que durou muitos anos, dado que um de seus efeitos foi o esque-
cimento, só pude contar com as sobras, vestigios que restaram de um desapareciniento. É
uma outra história, escl-ever com o material restante.
A psicanálise funda-se a partir da auto-análise de Freud, e sua obra é toda periiieada por
sonhos, recordações, lapsos etc. É desta despensa que ele retira a provisáo para as suas primei-
ras invenções. Em Freud, alguns casos tornaram-se paradigmáticos para a prática psicanalítica.
No ensino de Iacan, ao contrário, não encontramos nem uma linha sobre sua análise e são
raros os comentários pessoais; ele parte da clínica da psicose e busca na obra de Freud os indí-
cios do fazer analítico. Mas, ao fundar sua F~cola,institui o passe como dispositivo funclamental,
esperando que os analistas se responsabilizem pelo avanço da psicanálise e pela fomialização da
Dado que os fios são tênues, para dar textura foi preciso um certo forcamento. Para isso,
estabeleci diferentes tempos da análise e um nome para cada um deles. No entanto, este
artifício pode imprimir certa lineandade ao relato, o que não corresponde a experiência pau-
tada por idas e vindas, e momentos de desamoramento quando as posições alcançadas j i
pareciam irreversíveis.
O primeiro tempo, biografia ou vida descrita, orieniou-se pelo imediato, tanto em relação
aos acontecimentos presentes como aos passados. A fala era sobre o que, supostamente, já
estava lá: saber pré-escrito.
O esfoqo empenhado nessa narrativa colocou-me na via da crença no inconsciente como
algo guardado, a ser reconquistado. A partir deste engodo, aos poucos o passado foi se cons-
tituindo como vei-dade.
Depois de um certo esgotriiiieiito dessa lilimeira etapa, abriuae uma brecha no sentido, dei-
m d o prevalecer traços, marcas esparsas de gozo que me pemiitirain constmir a fantasia, ou seja,
dar-me conta dos meios que havia utilizado para me haver com o real. A essa invenção da história
como ficção, tentativa de escrever o que não está lá, chamei de biogdagem: vida de escrita.
A travessia da fantasia levou a localização de minha posição ein relaçáo às diferentes for-
mas do objeto, precipitando um terceiro momento, em descontinuidade coni o anterior, algo
destacado do saber articulado; um certo apagamento do significante como mensagem e a
emergênciada palavra em sua materialidade de letra. Aessa última etapa, chamei de biografema:
escrita vida, uma escrita contando com o real, mais próxima da escrita poética, último véu que
deixa entrever um fragmento do objeto real.
Vida descrita, vida de escrita e escrita vida: em cada um desses momentos prevaleceu um
dos registros, respectivamente, imaginário, simbólico e real, não exclusivo a nenhum deles,
nem progressivo, permitindo diferentes laços, de acordo com o registro privilegiado. A cada
escrita associei um matema e um nome de mulher, retirado do ensino de lacan, e que marcou
minha análise: Justine, Antígona e Lol.
Já havia começado minha formação, a leitura de Freud e Lacan, quando comecei a ler o
seminário da ética. Apesar das dificuldades do texto e da língua, encontrei ali os pontos de
Algum tempo depois do término de uma análise realizada quando muito jovem, e que não
deixou poucos efeitos terapêuticos, estava mais unia vez devastada pelo amor quando achou
seu segundo analista. Encontrou-o em outra cidade, em outro lugar. Não era familiar nem
mestre, onde ela sempre acabava caindo, mas um 'estranlio', signific;inte qualquer que marca
a entrada na transferência, indispensável condição para começar a aiiálise.
No início, era a angústia. Não havia verbo, nem sujeito, nem prediçado. Só a angústia e o
corpo que a habitava, angústia que lentamente foi cedendo lugar a fala, na associação livre.
Nessa primeira etapa da análise, tratava-se de uma narrativa verossímil, prosaica, na qual
acontecimentos patéticos eram relarados, repetidas vezes, com uma conotaçào épica, grandiosa
e heróica. Tudo tomava sentido, e muitos.
Nesse roteiro o pai era o herói, um ideal constmído a partir da fala materna, apoiada em
dados factuais que muito contribuíram para a fantasia de heroísmo. De uma família de pequenos
proprietários rurais no interior de Minas, mas seni saúde para cultivar a t e m , ainda jovem
migrou para o Rio. para estudar Depois de muitos percalços para se fonnar, voltou para o
interior para exercer a medicina, mas logo se mudou para outra cidade, em busca de um clima
fa\rorável para curar a tuberculose, tal como recomendava a medicina da época.
De um mundo em que só os Iiomens sentavam-se a mesa, o pai passou a cabeceira de uma
mesa só de meninas, onde era semido,'entre encantado e constrangido, pelo universo femini-
no. Não tinha um filho para partilhar as conversas e responsabilidades masculinas; seu desejo,
e temor, era mantê-las para sempre.
A mãe, de uma faniília da aristocracia rural decadente? até perder o único filho que não
teve, fazia existir a relação, inspirando-se nos filmes de Holl!wood. Assim, dia-adia produzia,
com papai-sabe-tudo, a família feliz, vestindo e desinvestindo as meninas.
A biografagem ou vida de escrita é a escrita ficcional, fantasia criada para velar o real, tanto
no sentido de esconder como de cuidar, propiciar sua função sem causar horror.
Ao comentar uni parágrafo do texto de Lacan - "De um desígnio'" - Miller4observa que: "a
partir do fato de que a criação tem seu princípio no significante há a abenura do possívell que
se pode calcular, combinar, supor. A verdade surge de umfiat. Ela não é comparação, nem
adequação - pertence ao ato".
A separação entre SI e a, alcançada na etapa anterior. além dos efeitos terapêuticos criou,
meios para a construção da fantasia e uma nova experiência libidinal, um novo amor. O trabalho
na clínica, depois de passar por um período de questionamento que abalou cenezas e convic-
çóes: e uma desidentificação com o objeto da fantasia, encontrou no desejo de analista seu lugar
frente ao analisante. O terceiro casamento escreveu outro nome e outro lugar, o de causa.
Na Ética, Antigona é o paradigma para iacan pensar o desejo puro. O lugar da tragédia nesse
seminário foi, durante algum tempo, um enigma, primeiro porque a descrição, ali, da angústia
no final de análise: correspondia inteiramente à minha experiência de entrada em análise, e
depois, porque compreendia que Lacan estava identificando o final de análise com a tragédia.
Os efeitos de identificação com a heroína trágica só resultarani emacting-outs clesastrosos. Por
outro lado, o puro do desejo me interessava, pois fornecia os indícios necessários para pensar o
objeto desvinculado de qualquer
. ~
interesse sensível, sem abiir mão da paixão.
Por que a tragédia?Como seria uma paixão desinteressada? O trágico eni análise é pontual,
efeito da travessia e da constatação da solidão de que somos feitos. Para o final: é preciso um
passo a mais.
Depois de uma proliferação de sonhos de angústia cheios de detalhes e de sentidos, surge um
sonho simples - é uma cena: um cachorro defecando um patê é olhado por um jovem. Estão no
sonho as diversas versoes do objetou: objeto mal, objeto olhar, o falo e o objeto da fobia infanul.
A interpretação seni sentido do analista, "esse patê é você: e o corte da sessão teve como
efeito um deslizamento de sentido: fazer-se cão, posição niasoquista, como observa iacan no
Seminário 10,fazer-se "patê (para ser tida), fazer-se "pavê @ara ser vista), fazer-se "pá c u m ê
@ara ser coniida), fazer-se "pra tudo", e finalmente 'pastout". Da série de sentidos surge um
sem-sentido, 'pastoui", um significante da falta no Outro S(li).
A identificação ao objeto anal indica, na vertente de gozo, a posição em relação ao Outro:
tanto de retida, objeto fálico precioso, quanto caída, objeto dejeto, e, na vertente significante,
Biografema ou escrita vida é a escrira que se aproxima da poética, em que há uma primazia
da letra sobre o significante. Se na biografia foi a proliferação de sentido e na biografagem a
ficção, no terceiro momento o privilégio é dado à letra. Avida toma o lugar de um adjetivo e
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*Comeniário íeilo após o depoimenio de Ana Liicia Lulteibach-Holck na Xilll Jornadas Winica da Se@o Kio deJan.cn em 03 de nos,embro de2007.
Opçáo Iacaniana no 46 45
Sartre retoma os versos nos quais Genet se refere ao instante em que, aos 10 anos, fica
petrificado pela sentença "és um ladrão": "Uma palavra vertiginosa, vinda do fim do mundo,
aboliu a boa ~ r d e m 'E~disse":
. "Se ao menos a palavra vertiginosa tivesse sido pronunciada
por seu próprio pai (...) se, as vezes, o afeto de seus pais adotivos puderam dar a Genet a
ilusâo de ser seu filho, esta ilusão se dissipa no momento em que se convenem em seus
juizes. Porque o consideram ladrão ele se converte em filho de pai e mãe desconhecidos".
Esta sentença é fixada, tendo o peso de ser a única, justamente porque traz consigo a
incerteza, em particular, sobre a origem daquele sujeito. Não há possibilidade de dialetizá-la.
Não há uma autoridade próxima para subvertê-la, para transformar essa maldição ontológica
que prove idenúficaçóes ao eu: em um efeito subjetivo de criação.
Opção Lacaniana no 46
"Amor omnibus idem". É assim que se inicia o verbete "amor" CIO Dictionnaire
philosophique de Voltaire, na sua edição de 1769, La raisotz par l'alphahet. A tendência do
amor é de ir em direção ao mesmo, é o que sublinha Mltaire. O mesmo na repetição de sua
procura de eficácia biológica, orientacla por uma tensáo psíquica em direçáo ao parceiro que
a espécie lhe designa - "vocé qucr ter uma idéia do amor?Veja os pardais do seu jardim, veja
os pombos, contemple o toro..."- sem que isso presuma necessariamente um gozo. O mes-
mo também no amor próprio: 'Aqueles que disseram que o amor por nós mesmos é a base de
todos os nossos sentimentos e de toclas as nossas ações tiveram, portanto, razão ..."
Eis então o que se traduz um século e meio mais tarde, em termos freudianos: o amor é
sempre narcísico. No seu texto de 1914, "Narcisismo: uma introdução", Freutl é especialmente
claro sobre esse aspecto da vida amorosa. Que a escolha de objeto se faça por apoio ou que
ela seja narcisica, está sempre fundada sobre o narcisismo originário. Isso é ainda mais verda-
deiro quando se trata do "tipo feminino mais frequente (...)o mais puro e o mais autêntico.
(...)Tais mulheres náo amam: estritamente falando, serião elas mesmas com uma intensidade
comparável a do amor do homem por elas".
Mesmo quando o amor se sustenta no outro (como um apoio), para a escolha de objeto,
ele não é menos narcisico, uma vez que o que ele procura aí é o retomo do amor Como
comenta Lacan no Seminário I : "o amor daquele que deseja ser amado é, essencialmente,
uma tentativa de capturar o outro em si mesmo". Esse caráter narcísico de todo amor ou,
ainda, esse fundamento que todo amor encontra no espelho de Narciso, foi percebido bem
antes de Freud e cle Voltaire. Alguns poemas do amor cortés testemunhani isso.
O amor tampouco prescinde da cultura. Os homens têni, portanto, "aperfeiçoado o amoi'"
voltaire) e, "se não houvesse cultura, não haveria a questáo do amor"'. lembremos, aqui,
apenas as múltiplas referências que Lacan faz ao amor cortês como um momento de invenção
de um novo laço, de um além do erótico, até chegar a fornular: tzo seminário "Les non-dupes
errent"', que "o amor é o amor cortês" na medida em que representa o impossível do laço
sexual com o objeto, a relação sexual que não existe.
Pelo fato mesmo da inexistência dessa relação, "O gozo do Outro (...), do corpo do Outro,
(...) não é signo de amor"3.Com efeito, o gozo em questão só é atingido ai, onde existe rela-
ção, náo sendo o amor, desde então, mais necessário para supri-la. É o caso da psicose de
Schreber,tal como foi desenvolvida porJacques-AlainMillefl. O homem, assim, só encontra 'A
niulher" na psicose.
Um roque de teu dedo no tambor desencadeia todos ossons e dá início a tima now
harmonia.
Um passo teu recruta os novos homem, e os põe em marcha.
Duas indicações
As dificuldades com o objeto alimentar são muito frequentes na clínica das mulheres. Des-
de o nojo histérico de determinados alimentos - geralmente aqueles que não mascaram o
suficiente sua origem corporal, como a carne e particularmente órgãos e vísceras, os "bichos"
eni geral, os alimentos insuficientemente cozidos etc. -até a recusa anoréxica: sitiiam uma
relaçáo específica entre feminilidade e função paterna.
Com efeito, a clínica das anorexias femininas coloca em discussão unia conseqüência da
impede que o real do pai seja absolutamente fundamental na analise. O modo de existência do
pai se mantém no real. É o único caso em que o real é mais fone que a verdade. Digamos que o
real, ele também, pode ser mítico... É muito inquietante que haja um real que seja mitico, e e
justamente por isso que Freud manteve tão fortemente a função do pai em sua doutrina".
Tewto mdiizido por Fátima Sarmento
'"Del Uno-eii-menos, ei lecho está hecho para ia intrusión que a v m a dsde Ia ãiriuión; os el rignificante mismo Así no todo es u n e . [.as únicas que
imprnnm e1 signoquelasn~ativiu.mienden, de loque . cuerposesepaiaii,
. . l a s n u k , aguassuperiores,desugoce, cargadasde ra\rmaredisinbuir cuerpo
a r, Ic , IJTi P-imii~nl~,:r Hnd,; rii I. I>.-.:.h Rni r l i r i t I r iI;iarnl nlrwiona p 1 s
:Larui.l :T9'i1 K<I +ni i s i iicl,i 1 3 % I? i : e m d: li-5,
. , l i l i: r I I . I I ! K ! e I ~ ? e r r lir*7a c ,?Oj
. a..I . . . RII ~ . l n l n ? - iiihiii. ai i a c 1: I inn. I< I < - <
'Lamn, J. 11976-771. "Gim qui saitdeI'iinebéwe ...o Seminário inédito. (kllade 14 de dezeinbro de 1976).
Opçáo Lacaniana no 50
"Os irmãos expulsos se reuniram um dia, mataram o pai e devoraram seu cadáver, colocando
assim um fim à existência cla horda primitiva". O que levou Freud, em "Totem e tabun,7 inven-
tar este mito: o único verdadeiramenre moderno, como lembra Lacan? Este mito original, esta
epopéia sem palavras - Lacan chega a qualificá-lo de "drama afásico" -, requerendo que Freud
nele colocasse palavras, contando-o uma vez e outra mais, sempre para responder a pergunta:
o que é um pai? Como conseqüência, as versões freudianas do pai que orientam a teoria
psicanalítica - os mitos de Édipo, Totem e tabu e de Moisés - partem do dito mito do assassi-
nato do pai, como uma resposta a essa pergunta, dizendo que um pai é aquele cuja morte os
filhos provocam ou, o que é a mesma coisa, o assassinato do pai é o que funda o pai.
Mas por que Freud teve a necessidade de fazer da morte do pai o assassinato do pai? lacan
pergunta isso a propósito de Moisés: "O cúmulo dos cúmulos é o Moisés. Para que foi necessá-
no que Moisés tivesse sido assassinado? Freud nos explica e isso é o que tem mais força: para
que Moisés retornasse através: dos profetas -sem dúvida pela via da repressão, da transmissão
mnêmica através dos cromossomos, temos que admitir isso"!
Apesar dos fatos narrados por Freud se apresentarem apoiados em dados etnológicos
CTotem e Tabu") ou históricos ("Moisés e o mono~eísmo"),ele os situa sempre como uma
história romanceada. Os dois anos que Freud consagrou a escrever "Totem e rabu", as múlti-
plas leituras que o levaram dos desenos da Austrália aos ritos dos antigos semitas, tinham um
único objetivo: demonstrar que o assassinato do pai da horcla constituía a origem real, uma
espécie de Big bang das instituições humanas. Sobre este ponto, Maurice Godelier escreveu
recentemente que "Freud não podia fazer outra coisa a não ser bricolar uma estória imaginá-
ria que não é apenas uma história falsa, mas uma história falseada.'" Contudo, esta conclusão
não é nova e caberia recordar as palavras de Kroeber em "Tótem ancl Bhoo in retrospect":
"Senti-me mal quando escutei um estudante no seminário de Sapir, em Chicago, fazendo sua
exposição sobre "Totem e rabu" e que, como eu mesmo fiz, desenvolveu a trama do texto e
em seguida laboriosamente o fez em pedacinhos. É um procedimento demasiado sugestivo,
despedaçar uma mariposa. Uma fantasia cintilante merece uma habilidade mais delicada, até
mesmo no ato de demonstrar sua irrealidade"?
"Estórias" há muitas, e também muitas ruins, mas o que Freud nos apresenta em "Totem e
tabu", entre várias outras coisas, é uma versão acerca de como se narra uma estória. Aquela
diferença aristotélica entre uma história que conta as coisas como são ou foram, e uma poesia
que as conta como poderiam ter sido, aqui se esfuma e se perde. Não é porque Freud proclame
'L3Cdn:J (1991[1969-701). O seniirldno, livro 17: o alresso dupsirnnólise.Rio dc Janeiro: Jorge Zahs, p i a 9
Opçáo lacaniana no 50
Deus é o único ser que, para reinar nno precisou nem mesmo existir
Charles Baudelaire
Opai e o ato
Quem sustenta o Ato? É aquele que funciona como modelo da exceção, dirá Lacan. Fbrém,
também se pode dizer que, em algumas circunstâncias, diante da carência do pai, é o filho que
constitui a função com seus próprios instmmentos.
O pai é reformulado com seus próprios atos. Ainda que iacan fale em metáfora paterna,
não devemos nos esquecer de que o próprio pai é o metaforizado. Fazer-se um pai, filho
necessário da própria obra, com a condição de seivir-se dele, ou ir além do pai, parece aludir
não ao ato do Pai, mas ao Ato do filho. Percorremos, assim, o caminho que ia desde a ameaça
como exercício indubitável do pai até o Ato do filho. É certo também que tal ato orienta o filho
até o lugar do homem e, além dele, ao lugar do pai. Por principio, sabemos que na verdade
trata-se do sujeito e de seus semblantes, que sucessivamente encontrarão a aniculação neces-
sária com o real, permitindo-lhe sustentar-se com suas respectivas funções.
Quando iacan divide o Ato analítico entre o fazer (do analisante) e o que autoriza o Ato
(do analista), a pergunta é: o ato autorizado é de quem? E a resposta não descattada é que o
ato que se autoriza é o do analisando.
Conclusão
A sublimação, então, foi reformulada: de uma satisfação deslocada da pulsão sem
recalcamento a substituição da Coisa por um significante, para encontrar na Linguagem sua
formulação final. A pulsâo, a Coisa, a resistência do sujeito e lalíngua serãio os diferentes pon-
h!llt, , 4 l91> .I<p l ? r z w w ' ( '11e A IOC I4ue u lotlr I,> >?KII[U.O~d..o
I I . I I I I \:C i:<:>. e I I . . i I?;
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O p ~ Lacaniana
k n" j 0
Do Nome-do-Pai "se pode prescindir, sob a condição de servir-se dele", diz Jacques Iacan'.
Isto vale também para um menino autista? Caso valha, como ele limita e domestica o gozo?
Como recorta para si um lugar subjetivo no laço social? Em quais condições pode prescindir
do Nome-do-Pai?
Um sinthoma singular
Mudam os lugarcs, o tempo, mas iião muda a pantomima realizada por lino, a fim de
enodar2, escrever sua língua sinthomática, sua lingua privada3, língua mínima que ele tenta
elevar a dignidade de uma cadeia significanre, de u m enodaniento singular.
Mas, em um primeiro tempo, sua invenção não encontra um ponto de basta, repetindo-se
incessantemente em um "eterno presente"".
O Nome-do-Pai, no autismo?
Se nos referirmos à formalização estruturalista tla clínica do prinieiro Lacan, no autismo
não há o Nomedo-Pai porque, no autismo, que "convém não separar da esquizofrenia'" falta
o traço distintivo do Nome-do-Pai como garantia interna do lugar tio Outro6.
Se, em vez disso, nos referimios à formalização borrorneana da clínica do segundo Lacan,
podemos dizer que há o equivalente clo Nome-do-Paisob a forma de um sinthoma, de alguma
coisa que "enoda" não mais elementos standa~.d,mas elenlentos não standard, elementos
raros, elementos que pertencem apenas ao sujeito7.No caso de Tano, a madeira, os pedaci-
nhos de argamassa, elementos presentes na profissão do pai que é construtor.
Se, na primeira formalizaçào esrruturalista da clínica, é o Nome-do-Pai que "põe ordem no
mundo, que faz com que nossos pensamentos estejam eni nossa cabeça e não alhures, que faz
O p ~ ã iacaniana
o no 50 73 Dezembro 2007
'1acan.J. (1007 1197j-19761). O h i n á ~ i o l.i ~ ~ o 2 OSinlhomo.
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UMillcr,J-A. (2000). Op CiI, p.266.
"ldeni, ibid,
com ele. É, por exemplo, "o Deus de Isaac, de Abraham e de Jacob. Este traço separa nitida-
mente a autoridade do Pai da uni\wsalização própria do saber científico.
Por outro lado, o laço entre a autoridade do Pai e o passado permite constatar desde outro
angulo sua decadência quando o automatismo do novo! o privilégio dos corpos jovens anôni-
mos e o desprezo crescente pela sabedoria dos velhos, expressam a tendência dominante em
nossas sociedades.
Pois bem, ante esta subjetividade pós-modema, feita de vazio de identidade e de errância
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OpGo iacaniana no 50
prepotencia os seus direitos, como aquilo que permanece, apesar de todos os esforços, tenaz-
mente refratário a presteza de um domínio sem escape do "tudo avaliável".
Da comparação entre a concepçáo galileana da ciência acima esboçada e a psicanálise,
surge uma analogia inédita e uma nítida diferença.
A analogia. Na ótica lacaniana, considera-se que a prática psicanalítica, semelhantemente ao
procedimento científico, é regida por uma articulação simbólica, portanto, por um discurso, em
condições de extrair pedaços do real implicado no sintoma, do real que se manifesta como
sofrimento, reconando-o e nianipulando-o. Então, o postulado da presença de um saber no
real, Fundamento da função dosuposto sabet; tao essencial para a psicanálise, vale tanto para a
ciência quanto para a psicanálise. Essa perspectiva é a única que pode reinsetir a psicanálise na
órbita da ciência,com a especificidade de ser umaprática indissociável do insuuniento operativo
da fala, e poder resgatá-la da condiçáo de minoria i qual a concepção baconiana acaba inevita-
velmente por relegá-la.
Agora a diferença. O que caracteriza a cadeia simbólica que se deslinda na prática psicana-
lítica, em relação aquela que se desenrola na pesquisa científica, é uma espécie de solução de
continuidade, a falta de cena malha, de um elo. É exatamente isso que, impedindo o discurso
psicanalítico de elevar-se ao nível de plena cientificidade, por uni lado, torna necessária, por
outro, a inscrição de um elemento especial no seio da cadeia: o significante do Nome-do-Pdi -
em termos exatos, ou seus equivalentes -, em condições de assegurar a apreensão sobre
aquele real ao qual ela deve referir-se. Todavia, não é necessário precipitar-se em considerar
essa malha faltante como um estigma de perfectibilidade, concluindo apressadamente que
ela poderia finalmente se tornar disponível, caso a psicanálise resolvesse adotar, sem vacila-
ção, o modelo científico em sua integridade. Deve-se antes tomá-la como a condição mesma
para que o discurso psicanalítico possa efetivamente aventurar-se, sem abdicar dos requisitos
de cientificidade incluídos nas próprias premissas de seu estatuto, com aquele sujeito que se
encontra expelido, de modo não contingente, do universo da ciência.
Essa relação analogia-diferençaentre a psicanálise e a ciência corrobora a tese de sua ori-
gem comum, ;i ser localizada, seguindo as pegadas luminosas de Alexandre Koyré, na einer-
gência histórica do cogilo, uma vez que ele assinala como uma ruptura o início da parábola
científica na ci\.ilização ocidental: o sujeito da ciência - Lacan o fonnula, para o desconcerto
de toda uma tradição de pensamento - é o mesmo sujeito do inconsciente.
Mas a inscrição do cogito na cultura ocidental, enquanto impulsiona uni discurso novo e
fecundo, está, ao mesmo tempo, na otigem da configuração de um binomio: a clicotomia
entre res cogiluns e res ei'tensa. Se a física galileana encarna a instauração da climensáo cien-
tífica no âmbito da res extensa, em contraliartida, para que uma autêntica ciência chegue - a
implantar-se na res cogitans será preciso - e esta é a tese avançada por lacan em "Questão
preliminar"' - esperar o nascimento da psicanálise freudiana.
Se isso é verdade, depois de Cartesio e Galileo, qualquer outro modo de fazer ciència do
sujeito, da res cogilans, que não seja o psicanalítico, constitui um engano, ou melhor, um
arbítrio e uma mistificação: aludo tanto à tentativa de aplicar i r e s cogitans @sique) procedi-
mentos extrapolados dares estewa (cérebro) - aqueles nos quais é reconhecível o programa
O p ~ á Lacaniana
o no 50 81 Dezembro 2007
Responder a um questionário faz parte do mesmo processo. Trata-se, sempre, de reduzir
não somente a enunciação, o estilo - o estilo jamais aparece em um questionário, nem em um
formulário -, mas de reduzir o enunciado.
Sabemos que Max Weber, quem primeiro conceituou a burocracia, descrevia três modelos
de poder: o poder carismático, no qual a pessoa do líder - seus talentos, suas virtudes - está
no centro da organização, é a ele que se obedece; o modelo tradicional, no qual se crê na
legitimidade daqueles que ocupam o poder segundo a tradição; o poder legal ou legal-racio-
nal, que se declina em duas modalidades: legislativa (democrática) e burocrática. Esse último
tende a produzir um exercício do poder o mais impessoal possível; se a dimensão do ato é
central no modelo carismático,se ela é preservada no modelo tradicional, se ela resulta possí-
vel no regime legislativo, ela é excluída na burocracia. A burocracia é o grau zero do ato.
Este progresso da burocracia acompanha o que Weber denominou "desencantamento do
mundo". Eles tentam suprir o declínio do Nome-do-Pai. Este deciínio é patente, e se formula
de diversas maneiras: declínio da autoridade, pluralização do Nome-do-Pai,desenvolvimento
de identificaçõeshorizontais - identificação à "comnzunity".
Este declínio, sabemos, começou já há muito tempo. É o declínio do Nome-do-Pai, que
deixa o sujeito desamparado. Em que estaria ele desamparado?
Ele o esrá, certamente, no registro da identificação.Sua identidade vacila cada vez mais. O
progresso da ciência, o desenvolvimento da engenharia biogenética, a intervenção desta en-
genharia nas pesquisas sobre paternidade, a evolução das leis e dos costumes fazem voar em
pedaços a identificação vertical - a filiação - que assegurava o reinado do Nomedo-Pai. É o
nome, ele mesmo, que foi atingido. É a função da nomeação que foi atingida. Este é um
fenonieno que podemos observar muito bem na Internet, onde a multiplicação dos pseudô.
nimos é um signo desse declínio do nome.
De forma corolária a esta vacilação subjetiva da identificação, vemos desenvolver-se uma
tentativa burocrática buscando assegurar a identidade das pessoas pela colocação em cena de
dispositivos supostamente mais confiáveis que o nome. Na Europa, foi na Idade Media,
aparentemente sob a pressào demográfica e do nascimento das grandes cidades, que se esta-
beleceu o hábito de adicionar ao nome de batismo, o nome de família. Hoje em dia, esse
dispositivo, nome e sobrenome', revela-se insuficiente para assegurar uma identidade fxa e
estável. E por isso, sem dúvida, o sistema burocrático busca um modo mais seguro de identi-
ficar cada ser humano. É isto que se visa ao tentar dar a cada cidadão um número único de
identificação que lhe possa servir em todar as situações com as quais ele vai se deparar ao
longo de sua vida, e que substituiria o nome próprio. Este número seria duplicado por uma
ficha bio~~étrica, estabelecida a partir de dados físicos, corporais, assegurando a correspon-
dência biunívoca entre um número e um corpo. Uma questão a mais, seria inscrever esses
dados no corpo propriamente dito, por exemplo, implantando no corpo, pequenos cbips
capazes de memorizar os dados médicos. Com esse número, poder-se-iamudar de nome, isso
se tornaria secundário. Estes dispositivos contribuem para por em questão a identificação
pelo nome, eles abalam o crédito que se dá ao nome.
Mas se o sujeito esta desaniparado pela vacilação contemporânea da identificação que
1. Em 1738, iacan começa situando a ação da inzago paterna (niisto entre o imaginário e o
simbólico) no interior do complexo de Édipo. A inzago do pai concentra a funçáo da repressão
com a da sublimação,na medida em que detemina o ideal do eu: enquanto a castra@o se toma
fantasmática (em relação ao despedaçamento do corpo e ao dano narcisista). De entrada, esta
imago perde o prestígio que Freud atribui ao pai edípico: o pai humilhado - a maneira de
Claudel: ou ausente, expressa o declínio da h~urgo,com o que se desenha o "pecado do pai".
O desejo se sustenta pela ação do Nome-do-Pai na medida em que introduz um limite entre
a mãe e a criança, demarcando a ação fora da lei do Desejo Matemo. A escritura DMh indica que
não existe uma relação direta entre a criança e o pai, nias que está metaforizada pelo desejo da
mãe que nomeia um gozo sem lei. A criança responde ao enigma do significado do sujeito
através da incidência do pai. O Nome-do-Pai inscreve no Outro a significação fálica como resul-
tado desta metáfora. Do resto desta operação emerge o enigma do desejo do Outro.
Simultaneamente, em 'Ã significação do Falo", lacan estabelece a primazia do falo sem a
referência ao Édipo. O falo, e náo mais o Nome-do-Pai,fica assim coordenado ao significante.
Desta maneira, no centro do pai-metáfora já encontramos uma antecipação do que se tomará
o além do Édipo.
4. No Seminário 5, iacan constrói a seqüência dos três tempos lógicos do Édipo. No pri-
meiro tempo, a criança se identifica especularmente com o falo imaginário, objeto do desejo
materno. Ao mesmo tempo, a mãe se toma o objeto primordial, das Ding, o gozo perdido
pela ação do simbólico. Mas a lei que ela transmite é incontrolada, onipotente, responde à sua
própria vo~itade.O ternário imaginário se estabelece entre a mãe, a criança e o falo, nias o pai
está presente de fonna velada tio mundo simbólico.
No segundo tempo, inaugura-se a simbolização primordial que caracteriza oFort-Da. Aqui
se introduz um terceiro elemento: a lei do pai intervém, proferindo a proibição do incesto,
que funciona tanto para a criança quanto para sua niãe. O pai intervém imaginariamente para
a criança, privando a mãe do seu objeto.
O terceiro tempo corresponde ao declinio do Édipo, junto à problemática de ter o falo. O
pai real aparece como o suporte das identificações do Ideal do eu, que permitem a nomeação
do desejo. A diferença do tempo anterior, aqui o pai é quem tem e dá provas de sua potência.
O segundo tempo privativo permite passar a este fecundo terceiro tempo, no qual o pai se
torna novamente real. Do lado masculino, possibilita a identificação ao pai; do lado feminino,
inscreve o lugar onde a mulher sabe que pode ir a busca do falo saída feminina que se
-
diferencia da maternidade.
6. Na única aula do Semindrio dos "Nomes do Pai", iacan pluraliza esse significante e
coloca a necessidade de ir além cle Freud em sua reflexão relativa ao pai. Esta pluralização faz
com que o Nome-do-Pai se confunda com outros significantes mestres capazes de cumprir a
sua função, posto que o significante mestre "induz e determina a castração". O Nome-do-Pai
se torna assim uni SI.
O mito de Édipo mostra que o assassinato do pai é condição de gozo - indica lacan no
Seminário 17. Estabelece-se, assim, uma equivalência entre o pai morto e o gozo. O pai se
torna um operador estrutural, agente da castração. Mas a castrziçao procede da linguagem e
não mais do pai, de modo que traduz a perda de gozo que afeta o sujeito quando este se
introduz na linguagem. A~sim,a castração se separa do Édipo: não provém do pai, mas cla
linguagem.
Opóe entáo o mito de Édipo e o de "Toteni e tabu". No Édipo, primeiro está o assassinato
do pai, coni a proibição e a lei que lhe antecedem e, em seguida, o gozar da mãe. b r outro
lado, em "Totem e tabu", o gozo está na origem -daí o enlace entre o pai moao e o gozo - e,
eni seguida, vem a lei: a proibição não da mãe, mas de todas as mulheres, questão que intro-
duz as fórmulas da sexuação.
"O percurso de I ~ c a nem direção ao além do Édipo é uma destruição sistemática do pai
como ideal ou como universal", disse Éric Laurent. Não se trata mais da mãe proibida, univer-
sal, mas que o pai se reconhece por poder confrontar-se com o gozo de uma mullie. no
singular, com aquela que se toma sua causa.
O respeito e o amor ao pai invocado por iacan permitem fazer um uso do pai, prescindin-
do do ideal. Trata-se da constm~ãode uma versãodo .pai que
. ameniza a ferocidade do supereu
e se encaminha em direção a uma decisão quanto ao próprio desejo.
Tato traduzido por Saniyra ksad e revisado por Maria Josefiiia Sota Fuenles
Lacan,J.(i9.%~0031. "Os conipleros familiara na formação do indiiiduo". li1 Oulmshnilar. Rio de Janeiro: Jorge Xahar
I.acan.J.(l998!.ErcriIos. RiodeJaneiro:JorgeLdhar: "Fiiii~ãoecampodafalaeda linguagem napicanilire" (19511; "Situaçãodapricrnálisee iormação
do psiwnalisla em 1956 (1956); 'De uma questáoprelirninar a todo tralamenlo possível d a psicoses'' (19%); ilsignifica~ãndo fala' (1958); "Subversão
do sujeito e diaiétira do desejo no inconscienk ireudiano' (1960).
Opção Lacaniana nu 50
Como o pode o Nome-do-Pai ser contingente? O edifício freudiano inteiro foi constniído
sobre o complexo de Édipo do qual o Nome-do-Paié a viga niestra. Além disso, o complexo de
Édipo desempenha um papel central para Lacan; enquanto Freud o chamou de "núcleo das
neuroses", Lacan declara que ele cobre todo o campo da experiéncia analítica, marcanclo o
limite que nossa disciplina atribui à subjetividade'.
No entanto, noSeminano 17,iacan dispensa o complexo de Édipo como inútil e irrelevante,
passível de direcionar erros de julgamento clínico. Ele considera agora que o complexo de
Édipo é o "sonho de Freud". Longe tle ser o alicerce da psicanálise, é uma formação do
inconsciente e, portanto, convoca a interpretação2.
Enquanto o Nome-do-Pai no complexo de Édipo ocupa mais de um lugar na obra
de Freud, todas as versões do mito recobrem a mesma forma do real como impossível:
a ausência da relaçáo sexual. Uni elemento a mais, que para Freud é essencial ao papel
do pai no complexo de Édipo, mas ausente do mito original de Édipo, é o complexo
de castração.
Não há nenhuma razão real para invocar especificamente a castração no caso do pai da
horda primitiva. E: no mito edipico, a castraçâo não recebe um lugar particularmente proenii-
nente; não há conexão inerenre entre a castraçáo e a montagem mítica ou freudiana. iacan
percebe esse ponto e começa a tratá-las como separadas e distintas, noSe~ninário17. Portan-
to, por um lado ele explora a questão do compleuo de castração independentemente do con-
texto eclípico. É essa linha de abordagem que finalmente leva-o às fórmulas da sexuação. Por
outro lado, ele investiga as razóes pelas quais Freud sustentou com tanta força o próprio
complexo de Édipo.
Para Lacan, a castração não é uma fantasia, mas uma operação real decorrente da lin-
guagem. Ela é determinada pelo significante mestre, S , ; e surge de um confronto entre o
significante e o gozo. Os quatro discursos d e Lacan são uma tentativa de formalizar a
estrutura da relação entre o significante, na forma de semblante, e o gozo. Todos os qua-
tro discursos, e particularmente o cliscurso do mestre, compartilham de um objetivo co-
mum com o mito da horda primitiva, na tentativa de dar conta do laço social, o qual, em
Freud, está construído sobre as bases do assassinato do pai. A lenda da horda primitiva
toma o lugar de um mito e conseqüentemente levanta a questão de qual papel o assassi-
nato do pai desempenha para Freud.
Lacan considera que o assassinato do pai é posto em cena como um mito, a fim de recobrir
1.A relação entre lei e gozo é invertida. No mito edípico a lei precede o gozo, que daí
por diante toma a forma de unia transgressão; em "Totem e Tabu" é o gozo que está
presente de saída, a lei vem depois.
2. Enquanto o pai docomplexo de Édipo ésujeito a lei que ele transmite, o pai primevo
é uma exceção: 3x Qx.
3. Há um desenvolvimento surpreendente do complexo de Édipo ao mito do pai de
"Totem e làbu". Afunçáo do pai é inicialmente a de pacificar. regular e sublimar a figura
materna onipotente. Ao final, o pai assume o poder, obscuridade e crueldade da oni-
potência que sua função pretendia dissipar inicialmente.
'Lacan, J. (19fdI1998) "Fuqáo e campa da laia e da linguagem". ln &milos.Rio de Janeiro: Jorge Zahu, p.278
?Lacdn,l. (19)1(1969-70l). Osminário,iiim 17: o alxsso duprisiiarialise. Rio deJaneiro:lorge Zahai, 0.128.
'%ir i a x m i o < bn i ;ei'e iii ^i? i. ,h Jn .,!n,mino i'
. I :I 9 k7 , I 'iii i m s . dh i I i i I c n n t I: ')'I)
Crenp e saber
"Nada é mais ambíguo do que a crença", dizia lacan, lembrando os analistas do interesse
de examinar o funcionaniento da fé na experiência religiosa. 'Aquilo em que crêem, seja que
crêem crer ou náo crêem, unia coisa é certa, é que eles crêem sabê-lo." Esse saber merece ser
examinado, pois, como Freud já havia muitas vezes colocado em evidência, Lacan pensa que
não há saber algum "que não se erga sobre um fundo de ignorância.'"
A crença e o verdadeiro
O analisante diz o que crê ser verdadeiro. O que diz não tem a ver com a verdatle, mas,
sobretudo, com a crença. Iacan define, então, "crer" como "pensar alguma coisa que existc".
O verdadeiro - o analisante o ignora - % o que ele crê como tal. 'A fé, mesmo a fé religiosa, eis
o verdadeiro, que nada tem a ver com o real."RÉ por isso que Lacan pode fazer equivaler a
psicanálise com uma forma moderna da fé. A psicanálise é o que "faz" verdadeiro. É nesse
sentido que ele pode dizer que "o analista é um retóiico (réiheur)",que ele "retifica (rhftifi)".
Mas seria uni poder, fazer o verdadeiro fazer o falso? Para ser "um retórico conveniente", "é
preciso que ele opere por alguma coisa que não se funde sobre a contradição"! Pois o incons-
ciente não a conhece.
Crença e sintoma
"Quem quer que venha me apresentar um sintoma, crê, crê que se possa decifrá-lo." O
analisante crê em um querer-dizer,em um sentido (Sinn) do sintoma. O sintoma está situado
entre angústia e mentira. O sintoma mente, a angústia náo.'O Não haveria sentido que não
fosse senáo enganador?A própria psicanálise escapa do sintoma?Ela é mentira, impostura,
escroqueria?É no âmago da questão sobre a impostura que Lacan aponta um de seus paralelos
entre religião e psicanálise. Esse ponto é o do esquecimento. A religião é marcada pelo esque-
cimento." Donde a Função do sacramento, que é a renovação de um pacto esquecido.
'A verdzide, pelo decreto dos deuses, se esquece". Para iacan, a análise é marcada por um
esqueciniento semelhante. Mas, o esquecimento tem ali também uma dimensão operatória?
Esse lugar do esquecimento pode ser encontrado, em Lacan, associado ao dizer. "Que se diga
fica esquecido por trás do que se diz no que se o u ~ e . "É' ~na relação do dizer com o dito que
será preciso procurar esta dimensão operatória. "O dizer ultrapassa o d i t ~ . " ' ~
Por um lado: Lacan segue Freud em sua reflexáo sobre a crença no Pai e sua crítica da
religião, por outro, ele aproxima crenp e tomar-como-verdadeiro, em uma lógica do Nome-
do-Pai. Ora, a psicanálise tem necessidade de um ato de fé, Glaube, ora é o crer, Glauben,
/ii~wahr-halter, tomariomo-verdadeiro que funciona. Lacan se inrerroga sobre a Função do
pai em Freud. O que é um pai?"Um Nome que implica a fé." O pai náo é senão um sintoma, ou
um "sinthoma". A hipótese do inconsciente não consiste senão em supor o Nome-do-Pai, o
Crença e semblante
'A crença é sempre o semblante em ato."" Se todos os discursos são do semblante, o
discurso analítico, por suavez: está à escuta do discurso "que não seria do semblante." b i s o
inconsciente não faz semblante. iacan atribui ao semblante no discurso analítico um valor
positivo, ~peratório.'~Na análise, é preciso usar o seniblante, servir-se dele, como do Nome-
do-Pai, como de um utensílio; enquanto a impostura deverá ser desvelada, expulsa. E:para
ela, lacan retomava, em 1958, contra "as mistificações de certas psicoterapias", o slogan de
Voltaire "Esmaguemos a infame!".2o
Ora do lado da fé, ora do lado do tomar-como-xrerdadeiro,associada indubitavelmente ao
saber, assim como ao não-saber, ao ato psicanalítico e à implicaçào do analisante na cura, a
crença está no âmago da psicanálise. Ela está presente em todo sujeito neurótico e! de forma
invertida, na descrença no psicótico. O ato psicanalitico faz fé no funcionamento de uma
lógica operatória do Nome-do-Pai em que o semblante representa um papel ativo. Então, se a
psicanálise "é o que faz verdadeiro", como é preciso escutar isso? É um golpe de sentido. "É
um sentido puro (sem-blant)""que nunca está imune a um esquecimento do dizer. Pois, se
"a verdade pelo decreto dos deuses se esquece", "que se diga fica esquecido por trás do que
se diz no que se ouve''.
Texto traduzido por Francisco Pau Barreto e revisado por i'olanda Rlela.
'laca", 1.(1981[1963~641).O Semi~!Ario.iifro 11:osqualm cmueilm~undunmlaisdapsiuzndlise. Rio deJaneir0,Jorge Zahar, p.225. cf. LUt~glauóni
danr Ia paranciia.
'Lacan,J.(1985[1959-603).Oscmin<jrio.Iim ? a éliuz dapsiurnálise. Rio dejaneiro, Jorge Zahar, 9.210.
'Laca& J. (1985[1963-641).Opci., p.218.
'Lacan, J. 11961-68)"O aio psicanalilico". (Seminário inédito). Aulade0710211969
'Lacan, J. (2CQ1). Le iriompbf de ia rcliffm.Paris: kuil,p.95.
'Lacan, I. 11967-68~.0b,cil.
l i ? " I i!, i ..i[. 1 . i i n 3 0 < i 11. J J I ' I I ! I1i2. I'm~idr,-P.k.'l'eh i ?:i)
I I : .I iini " .
Iioa .R, iir : im r rn riran'e l i . Ovji LuJniatLi 21 u 15 !i In I? 'I I: 19-6 : rrni n i i i ned :. . . n.. .L< ..L, ir
I'une-Mwer'aileà mourre.).
'Idem. inOmiurr 19, %uil 1979,Séminairedu 15.11.11
Opção lacaniana no 50
Cristianismos
Existem diferentes credos religiosos, sob o nome de cristianismo, que acreditam em Jesus,
o Cristo, o Filho de Deus. Tém sua origem na Judéia, amparada nas sinagogas, nas comunida-
des de judeus piedosos, para quem a boa notícia do Reino de Deus que fora anunciada por
Jesus - morto e ressuscitado - cumpriam as profecias de Isaías sobre Cristo.
Eram tempos propícios para uma religião do amor do Pai e pelo Pai, pois nem os antigos
Mistérios, nem o judaismo e helenismo tardios, nem as deidades romanas, nem os tardios
sofistas light, nem as correntes salvifico-filosóficas (epicureus, estóicos, cínicos), ninguém
havia conseguido fazer arder nos corações o que fez o amor cristão, que logo cativou também
os gentios incircuncisos, através da pregacão de Paulo, fariseu convertido, de língua grega,
primeiro a conceber uma teologia do corpo mistico de Cristo, cuja cabeça visível eram os
Apóstolos. Paulo escreve: "toda autoridade é um dom de Deus'' (Rom. 151-2). As ambiguida-
des dos relatos sagrados, rapidamente propagados no vasto Império Romano, propiciaram as
doutrinas e suas práticas; enfrentaram-seortodoxia e heterodoxia.
O heteros era a heresia - do grego haireifz, escolher, preferir -, esta escolha rompia a
unidade da fé e desgarrava a comunidade.
Nos primeiros séculos se construiu a Verdade dogmática que definiu certas questóes:
Deus era um e Cristo era Deus? Se Cristo era Deus, Ele sofreu? Era honiem ou só aparén-
cia? Teria duas naturezas? Ele foi feito, criado ou engendrado? O Espírito Santo, também era
Deus? Etc. Isto não se deu sem a participação dos cultíssimos padres gregos.
Os pragmáticos padres latinos produziram regras, direito canônico, organizaçâo... e
inquisição, dispositivos de segregaçio, exigidos pela Verdade Uma.
Ao esforço patrístico somaram-se as bizarras regras da sexualidade; leia-seJerÓnimoe Agos-
tinho. A Igreja, Imperial desde o século ii! teve sua floração de mánires, místicos e santos,
avançou com seu voraz impulso civilizador até chegar a universidade como flor rara. O papado
e sua corte imperial, envaidecida, rica e dissoluta, não evitaram as densas nuvens das convul-
soes sociais e políticas que o cisnia protestante gerava.
Será que com Lutero -"esse louco excitado de X'ittenberg", como o denomina Lacan no
Seminário: a ética -surge uni cristianismo diferente?Os textos que frequenta - a epístola de
São Paulo aos romanos, o platônico obscuro Agostinho na Cidade de Deus, Guilhecme de
Occam e sua idéia sobre a arbitrariedade da Vontade divina - conduzem-no pela nialfadada
'As ieferEnçiasexplícitas de Lacan iemekm ao Seminário inédito: "1.e oon diipes errtnt" I i g k de 11 e 18flZfl3.
'hT : imiichs, modo de falar misturado palavras em ~ p a n h oel italiano.
'CBienwio riela Iglesia CoIáIim. (1992). hloniwideo: Ed. Lúmeii, p. 628.
0
' prinieiro dos exorcisaosé o balismo sacramenial. o htirado "renuncid a Satanat, a suas pompas e obras'
'A p s a g r ó l i s d a l a - é o aiixilio gratuito de Bus para rapiidcr ma chama&.
iRailinger j. (1995). I>riroduc~ió,ialcrisliflnistno. Bmcclona: Planeta D' Agrntini, p3i
O Gozo, ... cuja falta torna inconsistenteo Outro (..I me está ordinariamer1teproibido
[.../porculpa do Oulro. se e~istisse:como o Outro não existe, nüo resta outro remédio
semiofazer recair a culpa em mim ue), quer dize< criar aquilopara o que a expen-
&ncianos a17astaa todos, e a Freudpnmeiramozte: o pecado original.
Para resolver esta aporia, Lacan leva a cabo uma desconstnição dos mitos freudianos do
pai, em um contraponto minucioso com a religião católica, a única que "instala a verdade em
um estatuto de culpa? A dit-mension da verdade que o cristianismo elabora como Revelação,
consistiu em transformaro gozo em imundície, delegando a Deus-pai a causa da proibição. O
amor a Deus se converte na via pela qual o sujeito sacrifica o gozo, instituindo um Outro ao
qual seduzir com pnvações, mas simultaneamente,selando o vinculo entre o desejo e a lei, na
figura da tentaçáo.
Contudo, com o advento da ciência moderna no século XVI! inicia-se "a morte de Deus':
que muda o estatuto da verdade (que passa aos requerimentos dademonstraçáo) e presentifica
o desfalecimento da lei, que Lacan escreve: S(d(). Na mesma época, a Igreja põe em marcha a
Contra Reforma, com um programa iconográfico cuja consigna, delectare et mouere, tem
como meta a interiorização do sentimento religioso. As imagens barrocas da Paixão e dos
mártires inundaram a Europa Católica.
A via psicanalítica
Ao propor o equívoco entre coupabilité e culpabilité, lacan arranca o caráter patético ao
real da estrutura, o furo do gozo, ao mesmo tempo ein que propõe a via particular. o meio-dizer
Opção Lacaniana no 50
Título de glória dos homens do "Século de Péricles" e que inventaram o termo democracia
como regime de governo fundado em uma transferência: para o povo, do poder soberano.
Definida em Atenas como o governo da maioria, diferentemente do go\remoconcentrado
em poucos (aristocracia) ou em um só (despotismo), a democracia, nessa perspectiva, se
reduz a resolver a questáo da limita~.ãodo poder Propõe-se como garantia contra o poder
exercido de modo autoritário e a responder as supostas demandas das "maiorias".
Seu sentido antigo de governo de "todos para todos" foi, ao longo da história, redefinido,
reinventado em sucessivas articulações que, ao modo de uni significante, foi adquirindo
novas e contraditórias significações, novos sentidos, muitas vezes de confrontação, como por
exemplo: democracia popular vmus democracia burguesa, democracia real uersus democracia
formal etc.
Significante de conquista e do qual se faz uso para conquista na civilização de nossa época;
verifica-se sua expansão, já que tem conseguido impor-se, no século XX, como ideal em um
número de países que abarcam quase a metade da populaçáo munclial. Proposta como alter-
nativa ao poder autoritário, nunca deixou nem deixará de ser problemática. Reconheçamos
como um problema a vida em democracia,já que conta, em sua essência, com uma instabili-
dade estrutural que adquire formas sintomáticas e críticas do regime, reveladoras de seus
"impossí\~eis" vividos "sob tensão" em uma experiência que se quer "social".
A democracia se propõe como um regime segundo o qual os cidadãos devem possuir
iguais e efetivas oportunidades de participar da tomada de decisões, mediante um peso igua-
litário do voto. Igualdade que, para Tocqueville, é a que desperta a paixão que impulsiona as
épocas democráticas e que Lefort formulou como "que não haja trono" e que impere a Lei
para todos iguais como estado de direito.
Historicamente, colocou-se o problema de como alcançar uma decisão coletiva, de quem
decide, quando o princípio fundamental da realização democrática é que a deliberaçáo seja
constituinte da fonte última da autoridade. A pmicipação teve que ser limitada e teve de
confiar na "Representação", que foi a grande invenção democrática do século XVIII. O "governo
do povo" adquiriu formas políticas sustentadas na idéia de representação para configurar
suas instituições.
Trata-se de selecionar alguns para que governem "em nome de todos". O povo nem deli-
bera, nem governa, excero por meio de seus representantes, autoridades, e a concorrência
através da existência de partidos polí~icosé essencial.
Opção Lacaniana no 50
Lacan introduz a noção de 'desejo do analista' alguns anos depois de ter formulado
sua teoria c10 Nome-do-Pai. Se esta última, de fato: aparece em seu ensino desde oSemi-
nário 2 (aula de 08/06/1955), vindo a ser formalizada no ano seguinte, no Seminúrio3: as
psicoses, - a primeira inicia sua presença efetiva na obra de Lacan no escrito de 1958: 'A
direção do tratamento e os princípios de seu poder". Nesse texto capital sobre a orienta-
ção da prática analítica lacaniana, o desejo do analista se apresenta como um 'significante
novo', que Lacan introduz de forma ainda problemática, como "questào", para tentar indi-
car e interrogar, d o lado do analista, a relação entre trabalho analítico e dimensão ética,
que implica a ambos estruturalmente'.
Porém, istoque será anunciadosomente como um tema de trabalho a ser desenvolvido no
futuro, encontrará a mais articulada formalização nos Seminários dos anos 1960, a partir de: A
ética da psicanálise (Sem.7, 195911960) e, particularmente, A transferência (Sem.8, 19601
1961), passando pelos seminários: A angústia (Sem.l0,196211963),Os quatro conceitosfun-
damentais da psicanálise (Sem.11, 1964) e "Os problemas cniciais da psicanálise" (Sem.12,
1965; inédito), chegando até os escritos "Proposi@o de 9 de outubro de 1967 sobre o psica-
nalista da Escola" e "Nota Italianas, de 1973.
A defasagem temporal que separa o anúncio do desejo do analista como questão e sua
efetiva articulação já é indicativa, em minha opinião, de que alguma coisa de essencial se
introduz no ensino de Lacan através da fomiulação dessa noção. De fato, é a partir do mo-
mento em que, no ensino de lacan, opera a reviravolta que leva a colocar o registro do real no
coração da experiência analitica - isto é, a panir do Seminário 7 -, que a noção de desejo do
analista pôde passar do estatuto de questão iquele de conceito elaborado.
No dispositivo conceitual de '8 direção do tratamento", estmturado em torno do conjun-
to de elementos do simbólico, operando o que Miller definiu como a "significantização do
gozo"2,a noção de desejo do analista apresenta-se como 'alienígena' e não reintegrável plena-
mente ao binarismo clássico dos registros simbólico e imaginário. Que o desejo do analista
nào se deixe reabsoiver no campo do imaginário já é, no Fundo, a grande tese que Lacan
articula implicitamente em 1direç2o do tratamento", distinguindo de maneira sensível o
desejo do analista e a contratransferência. Se a contratransferência é aqui reconduzida por
iacan - polemizando com os defensores de seu emprego ativo no tratamento - ao registro
imaginário
- das paixões, do vivido e dos preconceitos da pessoa concreta do analista, o desejo
do analista situa-se em outro plano da experiência analítica.
'Lacan,J. (19181196611998) '> direiio do tralamenio e os princípios de seu pods". InEscrilm. Rio dcJineiro Jorge Zahar, pp. 591652
'hliller, J-A. (2001). Ipar~digmidellgodimIo. Roma: .btrolabio, pp. 13-16,
Opçáo Lacaniana no 50
Lacam Com Deus, em todos os casos, quer se creia ou não, é preciso contar É absoluta-
mente ine~itável~~. É um Deus que não se pode desarraigar,que só tem como Fundamento ser
a Fé que se tem neste universo do discurso. Devo lembrar-lhes que nunca se está sozinho
quando se tem consigo o universo da linguagem, como bem sabe Baltasar Gracian em seu
Criticon, a respeito da ilha d e ~ e n a ?O~ modo
' do pensamento, uma vez que ele é, se aisim
posso dizer, subvertido pela falta da relação sexual, pensa e só pensa mediante o Um3?.Disso
decorre o universal. Mas, mesmo assim, de onde devemos dizer que a psicanálise surgiu?Da
tradição judaica, como pude enunciá-lo no ano em que não quis dar meu "Seminário sobre os
Nomes do Pai", embora tenha tido tempo de enfatizá-10. Na tradição judaica, o que no sacrifício
de Abraão é sacrificado,é efetivamente o pai, que não é outro senão o cordeiro. A seqüência
disso, precisamente, é que todos os homens, a universalidade dos homens está suieita a cas-
Mas este Um suposto do pensamento tem uma essência, ou seja, determinar o pró-
prio pensamento como sendo o efeito; tem como essência a função do objetou, o que merece,
aqui, ser chamado de causa, especificada em sua essência como uma causa privilegiadd'.
Lacam Deus não é a linguagem, mas é propriamente o lugar onde, se você me permitir o
jogo de palavras, se produz o d e u - o deuser - o dizer Por quase nada, o dizer faz Deus. E
enquanto se disser alguma coisa, a hipótese de Deus estará ali. Na realidade, é impossível
dizer qualquer coisa sem logo Fzé-Lo subsistir sob a forma do Outro3'.
Teólogo: Com todo esse seu raciocínio, não chego a compreender se, para você, Deus
existe ou não.
Lacan: Passa-se o tempo perguntando se Deus existe, como se isso fosse uma questão.
Deus é, isso não deixa nenhum tipo de dúvida e não prova absolutamente que ele existei6.
Mas sim, sim, ele existe, existe este bom velho Deus. O modo sob o qual ele existe não agrada4
talvez, a todo mundo, principalmente aos teólogos que são, eu o disse há muito tempo, aque-
les que sabem prescindir de sua existência, muito mais do que eu. Infelizmente, não estou
inteiramente na mesma posição porque tenho de me haver com o Outro. Esse Outro, se há
apenas um sozinho: forçosamente deve ter alguma relação com o que aparece do outro sexd7.
E por que não interpretar uma face do Outro, a face de Deus, como suponada pelo gozo
feminino? Como tudo isso se produz graças ao ser da significância, e como esse ser não tem
outro lugar senão o lugar do Outro que designo com oA maiúsculo, vemos a vesguice do que
acontece. E como é também ali que se inscreve a função do pai, uma vez que a ela se refere a
castraçáo, vemos que isso não faz dois Deuses, mas tampouco Faz um s@'. NO fim das con-
tas, a única chance de existência de Deus é que Ele - com E maiúsculo - goze, que Ele seja
o
Nota do autor: todos os passos podem ser encontrados nos textos dos autores citados.
Texto traduzido por Vera Psellar Ribeiro
Opçáo lacaniana no 50
'% direção do tratamento"! quero dizer, o texto de 192.8,constitui uma superação da pers-
pectiva freudiana do manejo do tratamento pelo analista situado no lugar do pai. Colocando
em questão a identificaçáo fálica, Lacan situa as balizas necessárias a seus desenvolvimentos
ulteriores: sobre o além do Édipo.
'X direção do tratamento" define um novo estatuto do sujeito, sujeito barrado, apreen-
dido a partir da articulação significante, e não mais a partir da significação. A partir dai,
Lacan o faz Funcionar como falta a ser. Este abre, assim, o espaço "para receber seu comple-
mento do Outro", que se tornará o objeto a. A falta-a-ser do sujeito, situada no cerne da
"experiência analítica, no campo mesmo em que se exibe a paixáo do neurótico"', define de
maneira central a hn@o do desejo na direção do tratamento. A definiçáo do binário de-
manda-desejo é estabelecida desde '% instância da letran2,a partir do significante e do signi-
ficado. O Outro do significante colocado em função na experiência analítica é apreendido a
partir da demanda. A regressá0 nào deve ser situada como um retomo ao passado, mas
como o retorno ao presente de significantes utilizados nas demandas para as quais há pres-
crição. A pulsão é situada no intervalo dos significantes da demanda e não a partir do obje-
to. Lacan a escreve $<>D, S emfadivg no corte da demanda. Ele identifica o desejo a uma
metonímia na qual o significado escorrega de significante em significante. O desejo é aque-
le de um sujeito entre dois significantes, sujeito barrado. A interpretação analítica, que vem
do Outrol identifica o desejo naquilo que se diz. Ligando o desejo do sujeito ao desejo do
Outro, Lacan precisa que "é enquanto Outro que ele deseja", mas o sujeito não o sabe. Esse
"o que quero?" do sujeito é substituído por um "o que você quer?" endereçado ao Outro, do
qual o sujeito espera, no entanto, um oráculo sobre seu desejd. Ele se formulará ai para o
analisante, no sentido de um "o que ele quer de mim?". O desejo do analista como desejo
do Outro é o que sustenta e permite o discurso do inconsciente, ele é o operador da dire-
çio do tratamento pelo viés da interpretaGo. Essa perspectiva se afasta da consistência do
Outro da transferência freudiano. Ela se afasta também daquela formalizada na "Questão
preliminar", na qual o Outro é concebido como o conjunto da cadeia significante, que vale
um, e cuja consistência é assegurada pelo Nome-do-Pai.
Esse texto coloca um fim na problemática do desejo de reconhecimento em beneficio do
O p ~ ã Lacanidna
o no 50 119 Dezembro 2007
reconhecimento do desejo'. O desejo fundamental do sujeito, para Freud, é de ser o para
O Outro. Conforme indicava J:A. Miller5,'X direção do tratamento" clesloca o fim da análise
freudiano. Ela procede pelo isolamento da identificação do sujeito ao significante fálico, para
além da significação imaginária. O obstáculo que constitui o complexo de castração, sob os
auspícios do Penisneid. na mulher, e da recusa da castração, no homem, se revela como um
efeito da posição de analista ocupada por Freud como pai. Se o Outro encarnado na transfe-
rência é um pai, ele assegura a consistência do Outro. O pai freudiano tenta nonnatizar o gozo
de cada um. Ele sabe o que cada um precisa fazer. Casar-se, amar, trabalhar são os seus
paradigmas. 'X força da identificaçãofálica do sujeito vem do fato que ela responde ao desejo
do Outron6.Quando esse Outro na análise tem a consistência do Nome-do-Pai,náo há nenhu-
ma razão para que a identificação fálica seja posta em questão.
Ora, iacan distingue o significante do desejo e o objeto do desejo. O significante do dese-
)o é o falo. O objeto do desejo se separa dele, ou mesmo se opõe a ele. O caso do homem da
rodada de bonneteau vem ilustrá-lo de maneira magistral. O sonho da mulher responde a
demanda de seu amante. Ela não crê na f~uidezde sua fantasia, ela a desloca por seu sonho e
a interpreta. Ver-se dotada, no sonho, de um órgão masculino, não a impede de desejar. Ela
está sujeita a falta-a-ser.O fato de d-lo lhe deixa um desejo. A demanda doPenisneid, aparen-
temente satisfeita (ter o falo), deixa, no entanto, espaço para uma insatisfação funclamental.A
insatisfação da demanda aparece aí como constitutiva do objeto do desejo. O objetou tem
uma relação com a insatisfação da demanda e também com a insatisfação da necessidade
enquanto articulada a demanda. A aniculação do desejo a demanda, isto é, com um significan-
te, tem como efeito fazer surgir um objeto que está ligado a insatisfação7.A noção de fantasma
apresentada aqui aponta o objeto do desejo (e o gozo) qualificado a pairir da demanda, do
significante. Ele é colocado em função no simbólico, no campo do Outro, e não mais somente
a partir do imaginário.
Todo o problema para Lacan será então anicular o desejo como falta-a-serdo sujeito, dese-
jo de nada, e o estatuto dos objetos concernidos. E o que o levará a considerar o objeto
aquém do desejo. Na sua elaboração ulterior, iacan dirá que não é somente a insatisfação da
demanda que está ern jogo, mas a insatisfação da pulsão. O objetoa como niais-de-gozo será
articulado a partir da "insatisfação da pulsão", a panir de uma falta-a-gozar
A direção do tratamento abre o registro do Outro (barrado) pelo desejo do Outro, formu-
lado por: "o que ele quer de mim?"de "Subversão do sujeito" e mostra a incompatibilidade,
para o sujeito, entre o desejo e a faia. A formalização, progressiva, da fantasia e do objeto a
nos anos 60, descobre para o sujeito neurótico a posiçiio de gozo que ele ocupa, para além da
identificação fálica a qual ele permanecia fixado com Freud. Trazer a luz a fantasia, segundo
Lacan, implica sua travessia e revela a disjunção do Outro e do gozo. Situando O lugar do
analista a panir do desejo do Outro, de umoutro que se revelará sempre mais inconsistente,
iacan desloca a saída do tratamento freudiana, feita em Nome-do-Pai,trazendo a luz as parti-
cularidades do gozo próprio a cada um.
Tradução: Elisa Alvarenga
A entrada em análise
O Sujeito Suposto Saber - SsS.
amor
desejo de]
saber
sL%
Xl',
S I horror
desejo d o analista
O desejo
Falar de transferência é falar de desejo de saber. o desejo do analisante que se instala,
como sujeito do inconsciente, no exato momento em que o enigma o interroga. É falar de
desejo do analista que tem em seu horizonte a diferença absoluta, que é sua causa.
O analista não responde do lugar do Nome-do-Pai, não se identifica com SsS, deixa-se cair
no lugar do produto do discurso, onde reinam suas opacidacles.
Sem a Escola, dificilmente se poderia sustentar uma direção do tratamento desse tipo. A
política do tratamento define o lugar e a posição do analista na entrada.
O final da análise
Na raiz dos diferentes grupos analíticos encontram-se sempre diferentes concepções do
final da análise.
iacan propõe o passe. O passe constitui a política &i Escola, que deve montar o dispositi-
vo e fazer teoria cla clínica dos finais verificados pelo passe.
Na direção do tratamento, a política também é o passe. O passe clíico tomou diversas for-
mas no ensino de iacan. Desde a travessia da fantasia a identificação com o sintoma. E não podia
ser de outro modo, pois a teoria da clínica produz mudanças na clínica e na teoria. "Ordenar um
real fora de sentido conduziu Iacan a uma nova fenomenologia (...). É um real em relação ao
qual a estrutura aparece não apenas como uma const~ção,mas como uma elu~ubração:~.
O passe, por não ser mais do que uni relato de um analista sobre sua aproximação do Real,
não deixa de ser uma elucubração de saber.
Podemos grafar essa relação da seguinte maneira:
Escola t
dispositivo / teoria da clínica
---,Poiítica + o passe
direyão do tratamento t passc clinico
A transferência
A transferência de trabalho
A transferência de trabalho é herdeira da transferência suposição de saber. Inscreve-se,
como na análise, um por um. Diz Lacan: "O ensino da psicanálise náo pode ser transmitido de
um sujeito a outro, a não ser pelos caminhos de uma transferência de trabalho1*.
A transferência de trabalho se dirige ao não saber da Escola, o real da instituição analítica. Ali,
podemos escrever novamente S(A). Ela convoca ao trabalho clínico e epistêmico na Escola.
Desejo-saber do ato
No passe clínico, o sujeito do inconsciente chega a destituição subjetiva. Em seu lugar
advém o analista. Lacan o diz: "iremos supor o ato analítico a partir do momento seletivo no
qual o psicanalisante passa a psicanalista'*. O ato ilumina esse momento, pondo em evidência
um saber novo e um novo desejo.
Um saber fazer ato. No ato, mais do que nunca, "saber" e "fazer" não podem ser separados.
Saber-fazeré uma coisa só. O entusiasmo dá asas ao ato.
ILacan,J. (l966nll33). '.Pioposigio de 9 deoutubro de I967 sobre o psicanalista da Fmla'. ln Lhrlms Ernilos. Rio dejaneiro:Jorge Zahar
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~ . Aire;: Paidós. 9.197
BLican,J. (2003). "Noiaadjunta". In Oulmstinilos. KiodeJmeiro.JorgeZahar
'Idem. "O ato psicmalitito". Ibidem.
Op@a Iacaniana no 50
Introduyáo: 'Em honra a Voltaire"
Poderia ser interessante e ilustrativo fazer um percurso prévio pela história do desenvol\ri-
mento da Estatistica, dado que a arte de contar e o emprego das cifras obtidas em proveito
dos impérios remontam a antiguidade. É garantido também que nesse percurso poderíamos
precisar o momento em que -a partir de sua junção com o cálculo probabilístico e o empirismo
-esta disciplina encontra a via para a sua sisteniatização. Caberia assinalar, inclusive, a impor-
tância que adquire quando, no século XVIII, se toma possível a sua aplicação a inumeráveis
campos a partir das contribuições de Quetelet e Cournot, até conseguir ocupar o lugar
preponderante que tem na atualidade. Contudo, o interesse e a urgência que nos movem e
apressam como psicanalistas afastam-nos, neste momento, da tentação enciclopédica, e nos
convidam a nos restringirmos - como diria Voltaire - "à marcha ordinária das coisas hunia-
nasx.Vamos, pois, ao cerne da questão que nos ocupa, que não é senáo a dasestatísticus - no
plural - e o espirito que anima seu emprego atual.
Amostragem
- "Em todo o mundo, os transtornos da saúde mental representam quatro das 10 causas
principais de incapacitação nas economias de mercado estabelecidas, como a dos Estados
Unidos, e são as seguintes: a depressão grave (também chamada de depressáo clínica), o
transtorno maníaco depressivo (também chamado transtorno bipolar), a esquizofrenia e o
transtorno obsessivo compulsivo."
- 'Aproxiniad;irnente 19,l milhões de estadunidenses adultos de 18 a 54 anos de idade,
quer dizer, 13,3 por cento dos indivíduos destas idades, padecem a cada ano de algum trans-
torno de ansiedade. Entre os diversos transtornos de ansiedade podemos citar o pânico! o
transtorno obsessivo compulsi\~o(TOC), o transtoino de stress pós-traumático, o transtorno
de ansiedade generalizada (GAD) e as fobias (fobia social, agorafohia e fobias específicas)".'
-"Criar um Sistema devigilância de Transtornos Mentais, que inclua perfis epltlemiológicos,
protocolos e forniatos que permitam estudos comparativos assim como uma análise cle cus-
tos; tanto do própiio atendimento - incluindo tratamento fannacológico e reabilitação psico-
social -como dos custos gerados pela incapacitação por doença mental.'*
Estatísticas e psicanálise
No informe apresentado nahsembléia Geral da A.M.P de 1994', Éric Laurent caracterizava
a cultura contemporânea por unia "[.. . ] chamada à ordem mundial que futaria a distribuição
do sujeito da ciência nos espaços regidos pelo mercado i...]", pondo em destaque a figura da
Saúde Pública como a da "mão visível que duplica a mão invisii~eldo mercado". A partir desta
figura, nos diz: "O lugar da psicanálise, tomada em suavenente terapêutica, é assim interroga-
do de uma forma nova.. .''6.
Esta realidade situa a psicanálise ein uma encmzilhada distinta daquela em que se
encontrava quando Freud teve que responder por ela diante da comunidade cientifica e da
sociedade de seu tempo. O assédio atual sob o qual se encontra a psicanálise obedece a razões
outras que não a exigência cientifica ou o escrúpulo social. Como efeito da subordinação atual
da ciência aos interesses do mercado, a .perspectiva
. tecnológica substitui a epistemologia, e o
critério utilicirista se sobrepõe a racionalidade científica. A isto se somani a intromissão da
epidemiologia, com seu fundamento estatístico no campo da medicina, e a inclusão da clínica
psiquiátrica na nova categoria de saúde mental - de claro talhe psicologista -, tudo isso provo-
cando uma série de deformações as quais con\rém analisaii A niais significativa delas é relativa
ao estatuto do sintoma e seu tratamento. Os manuais do DSM evidenciam uma clara tendên-
cia nominalista que trata o sintoma pelavia de nomeá-lo eestanda~dizá-10,ao mesmo tempo
em que lhe designa um objeto de consumo, por meio do qual se produz a medicalização do
sofrinlento. Conseqüentemente, pratica-se uma clinica baseada na fannacopéia, porém divor-
ciada da coisa. Subsidiariamente, todo "a\~ançonno "campo psi" é determinado em função de
"result:idosn~o que confunde o critério de eficiência com o de eficácia. Cabe assinalar. além
disso, que a eficiência é um critério de administração, enquanto a eficácia só é aplicável ao
exercicio de uma prática. A critica que atualmente é feita a psicanálise provém, indiscutivel-
mente, da indistinção e da descontextualização de ambos os critérios. Cenamente, a eficiên-
cia pode ser quantificável, mas não a eficácia, que só pode ser demonstrada no caso a caso.
Para nós: a colocação à prova da dimensão terapêutica da psicanálise só pode ter lugar no
terreno de sua eficácia: é eficaz uma clínica que, levando em conta a realidade subjetiva e a
particularidade do sujeito, atende a dinâmica do sintoma e opera sobre o real do gozo.
Por outro lado, o afã regulador que busca a tradução, em nosso campo, de toda prática
clínica nos termos mercantis da rentabilidade e da eficiência, encobre novas fonnas virulentas
de segregação. Aquilo que aninia a demanda pragmática de avaliação de resultados e a exigên-
cia de um credenciamento conveniente ao suposto exercício da profissão não é, nem de lon-
Conclusáo: 'EmNome-do-Pai"
Diagnosticar. curar, aualiar, erradicar, vigiar, garantir ... Eis a série dos ideais em jogo, eis a
série dos artifícios com os quais se pretende regular o irregulável. Isto é precisamente o que a
psicanálise desmascara,fazendo ver que . . por detrás do ideal higienista
. se esconde um impos-
sivel de estrutura: o real em jogo, o gozo, o impossível de designar; aquilo que de cada sujeito
permanece como resto da operação simbólica que o constituiu, e que não faz l a ~ oO. Nome-
do-Pai é o que enlaça um sujeito ao simbólico, constituindo por sua vez seu modo panicular
de se virar com o gozo. Nesse sentido, o Nome-dc+Pai é também um artifício, porém um
artifício disposto para poder fazer algo com o resto. O mercado pretende, ao contrádo, obtu-
rar este real pela via de proporcionar diferentes objetos de consumo, constituindo uma falsa
solução, na medida em que os sujeitos ficam coagulados a uma modalidade de gozo, porém
sem a possibilidade de encontrar a dimensáo da responsabilidade subjetiva que Ihes permita
assumir o mesmo. Na esfera simbólica em que a alceridade tem lugar e, portanto, na qual se
pode inscrever a singularidade, encontra-se a boa diferen~;~. Alas esta esfera fica eclipsada
pelo mercado e o que retoma como efeito é a Fragmentação dos sujeitos e a segregação tlm-
lenta de tudo aquilo que resiste a se encaixar no modelo, nostandard, em suma, o que per-
manece heterogêneo e é considerado dismpção. Isto porque o ideal higienista está ai para
desconhecer que exista um resto. Não obstante, isso está aí para desmentir a cada passo as
bondades do progresso e as distintas versóes da hapiness. Como diria Heidegger, "é o sinal de
que os deuses F~giram"~. É daí que não rerrocedemos. Pelo contráriol fazemos desse real a
bússola que nos orienta.
Tato traduzido por Elisa Monteiro
.'Estatisticas
. fornecida, oeloNaciomllnsiilule ofMenlalHeallh -NBIH. US.A
,:.ernod<. Ilni hlii.i.itr >da li,~..arn,~v~,i,rpiri
$&>li L ~ n r ; i o ~ i < n ~ d l ~ , o >Lnii.
r ~ r : l! Z~ rl ~>li>&
. 1 39
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~ ~11 '!Nll IAh j w s n: c sde. ?rogc!o C m u x r / ) , ~ t ~1% ..
'rand. r1:iniilh (19jj 1.0 mnJi.:in hum?,s hrrcelrn, R.POO; 4 \ I c ~ c eI'a~!m
'a.r:ni fiic :B%)Eii-j * x r d I\imn~.,i! InLrapirD>io i r ?o l i o i i Je 199:
'Laurent, Éric. Op cil: p. 35.
'Ileidegeer, Marlin. "iPara qilé ser poeta?. Em: &zdasPerdidiis. Buenos Aircs, Losadc 1960.
0pc;ão Lacaniana no 50
Esse .ser nomeado para>,- no qual, hoje em dia, o sujeito se confunde coni uma especiali-
zação, se torna seu servidor - é indicado, traçado, projetado unicamente pela mãe. Onde se
pede ao sujeito que se reduza ao lugar que lhe é atribuído em uma ordem do mundo sem
transcendência, o .ser nomeado para. vem antes do que conceme ao Nome-do-Pai. Em lugar
do meio-dizer,da [(falhano discur~o))'~, o â e r nomeado para>vem fazer signo, como o indica
Lacan, de uma ordem de ferroI6.
Então, o que vem habitar o buraco do real poderá se encontrar em uma comunidade cle
valores~que faça laço, como propóe Régis Debray", e que viria ocupar o lugar do religioso
propriamente dito? Esse ~invarianteda aptidão simbólica* pode constituir-se no ponto de
ancoragem ético que autorizaria uma nova forma do Nome-do-Pai?
É preciso, antes, apostar naquilo que confirma esse real como buraco.. e que . reside na
própria nomeação que o simbólico efetua. Dessa formal pode-se prescindir do Nome-do-Pai
como real, com a condição de seivir-se dele como semblante, como um simbólico que se faz
passar por real. O que pode entáo .garantir. a função deste ponto de irredutível, senão o que
se mostra igualmente irredutivel, a saber, o sintoma, ele próprio efeito do simbólico no cam-
po do real? É por isso que o sintoma é o que pode esclarecer uma ética orientada a partir do
real. Assim, escamoteando-o ou tentando <limá-lo)>, como é o caso atualmente em uma utopia
de tipo uniformizante, aniquilam-se as condições de toda ação moral, se é verdade que nin-
guém pode se considerar quites em relação à crença no sintoma que habita em cada um. No
entanto, para uma ética, nisso reside a única chance de ser tanto de elucidação quanto de ato.
Texto tradu~idopor Romildo do Rêgo Barros
Ilacan,]. (1985 11959-601) O SnnIário. Iiuro 7: a élica dapriçandiise. Rio delaneim: Jorge Zahar p. 373.
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Opção Lacaniana no 50
O termo extimidade' foi introduzido por Lacan na lição de 1010211960 doSeminário, livro
7: a ética dapsicanálise2, quando diz: ". .. este lugar central, esta exterioridade íntima, esta
extimidade, que é a Coisa". B i termo poucas vezes retoma, quer em sua forma substantiva,
quer em sua forma adjetiva - &timo -: na série dos seminários. O escasso número de sua
ocorrência, todavia, não deve acarretar engano. De fato, a extimidade deve ser posta em rela-
çáo com duas propriedades topológicas especificas e muito relevantes n6 uso lacaniano da
topologia, a saber, a bidimensionalickide e a unilateralidade. A primeira se refere ao fato de
que para o sujeito - e , portanto, para o discurso - não é necessária uma tridimensionalidadS;
a segunda é uma característica estmrural de três das quatro superfícies nsféricas utilizadas
por Lacan para a construção da sua topologia: a banda de Mcebius, a garrafa de Klein e o plano
projetivo. Aquarta superfície asfénca, o toro, se diferencia das outras porque não é unilateral,
mas sim aquela que, comoveremos, apresenta, de maneira mais inruitiva, a colocação topológica
da extimidade.
Enfatizemos de saída que a dimensão èxrirna foi evidenciada e nomeada por Lacan, mas já
estava presente em Freud: cle fato, podemos apreender essa problemática em suas obras?
além da sua descoberta. Limiteme aevocar apenas dois textos freudianos nos quais aextirnidade
está mais imediatamente implicada: "O significado antitético das palawas primitivas" (Über den
Gegensinn der Urworte, 1910) e "O estranho" (Das Unheimliche, 1919).
A função estrutural da extimidade foi desenvolvida e exposta por Jacques-Alain Miller
precisamente em seu Seminário de 1985.86 - htimité4, depois retomada de modo muito
conciso, mas igualmente claro e articulado, em uma contribuição intituladahtimité, publicada
no volume Lacanian theotli of discourse5.
O ponto newálgico do desenvolvimento de J.-A. Miller concerne a relação entre Real e
Simbólico e, em particular, a presenqa do Real no Simbólico, uma vez que, como ele escreve,
"extimidade é um termo usado por Lacan para indicar de um modo problemático o Real no
Simbólico'". Em seu texto, isso se articula em vários pontos nos quais se apresenta a relação
d e extimidade entre R e S, a e A! A e $, i(a)e a, a e p, A e -v.
A composição formal do termo extimidade provém da fusão entre externo e intimidade
Nesse sentido, devemos manter presente o fato de que o adjetivo "inrimo'; relativo a intimi-
dade, é o superlativo de "interno".
Êxtimo indica, então, um externo que é ao mesmo tempo o "mais interno': Contudo,
quanto a externo e intimo, o èxtimo lacaniano não indica uma fusão das duas dimensões, mas,
Opção Lacaniana no 50 133 Dezembro 2007
antes, uma dimensáo nova, terceira em relação às duas indicadas pelos atljetivos originais.
Para apreender a autonomia de "êxtimo" em relação a "externo" e a "íntimo", é muito útil,
senão indispensável, referi~seà topologia da esfera e das superfícies agéricas.
Do ponto de vista topológico, a esfera se caracteriza como uma superfície fechada que
divide o espaço em duas panes: uma interna e uma externa cujo ponto central - e também
seu ponto de origem -está no próprio interno.
O toro é topologicamente idêntico à esfera, uma vez que concerne a separaçáo entre espaço
interno c espaço externo. Mas, diferencia-se dela estruturalmente porque tem seu ponto
central - aquele através do qual passa seu eixo de origem -no espaço externo. Este ponto,
embora externo, difere estruturalmente de todos os outros pontos externos ao toro, uma vez
que, sendo seu ponto de origem, torna possivel a própria existência do toro. Do ponto de
vista topológico, localizamos nessa característica o que, para o toro, se pode chamar de
extirnidade de seu ponto central: trata-se,de fato, de um ponto externo em relaçáo à superfície,
mas que está implicado nela.
Essa implicação é intensa em sua acepção mais rigorosa, já que se trata de implicação
lógica e, portanto, do tipo: "se p, entáo q". A referência a essa implicaçio fundamenta e exprime
a asfer-icidade do toro.
Na sua construção da topologia como topologia do sujeito - introduzida formalmente na
lição de 07/03/1962 do seminário 'A identificaçãoni iacan utiliza quatro superfícies para as
-!
quais encontra um ponto comum na possibilidade de serem elas geradas a partir de um furo
sobre uma esfera. Trat:i-se, em particular, das superfícies já citadas: a banda de Mcebius, a
garrafa tle Klein e o plano projetivo (impropriamente chamado, por vezes, crosscap), além
do toro. Com relação a essa niodalidade de origem, é útil ler "O aturclito" (1972)', texto no
qual iacan dedica amplo espaço precisamente a agera.
A figura a seguir apresenta a via privilegiada por Lacan para criar as quatro supeificies
supracitadas. Dada uma esfera, coloca-se sobre ela um furo que, para facilidade puramente
gráfica e representativa, admitiremos quadrado, o qual se reporta a cada um dos quadrados
sob a esfera. Se, em cada quadrado, unimos entre si os lados contrapostos com a ponta da
flecha, respeitando a direção assinalada pelas flechas, obteremos as quatro superfícies indica-
das, respectivamente, sob cada um dos quadrados.
O furo tem uma função essencial na topologia lacaniana e é o elemento que permite apre-
ender a peculiaridade estrutural da extimidade. De fato, ele é o que se contrapõe à superfície,
indicando o lugar do objeto a, ou seja, o de uma falta estrutural. Somente a partir de tal falta
é possível construir a superfície. Isso equivale a dizer que não há articulação significance sem
o objeto a ou que não há posição do sujeito sem falta e, portanto, sem desejo.
Neste ponto, poden~oscompreender como, na topologia lacaniana, as supeifícies
topológicas não são importantes por si, mas, antes, pelo modo como representam a organização
do significante em tomo do furo, organização da qual depende, por sua vez, a posi~ãorecí-
proca do sujeito, do Outro, do objeto e do gozo. Na consuução de uma figura topológica o
p"num lógico nunca é a superfície, tampouco a borda, mas o vazio em tomo do qual, traba-
Ihanclo sobre a borda, se organiza e se constrói a própria figura. Para a topologia psicanalítica
essa intuição é, junto aquelas relativas a função da operação de corte em cada uma das quatro
superficies topológicas e ao número de voltas necessárias para o corte (um ou dois), fundadora.
O furo é o lugar do objeto, mas tanibém da ação do R sobre o S, uma vez que o R fura o S. Disso
decorre a Função da série de extimidade, tal como pensei representá-la graficamente na rede
abaixo, onde cada veror entre os quatro vértices do retângulo indica uma relação de extimidade:
Opção Lacaniana no 50
O FALO E OS NOMES-DO-PAI
Existem, na teoria psicanalítica, distintos modos de conceber o falo. Assim, iacan constituiu
no começo de seu ensino o "significante do desejo", sendo toda a dialetica edípica concebida
como a alternativa entre ser ou não ser, ter ou não ter o falo. Em outros momentos, definiu-o
como um significado, uma significação,e inclusive como um objeto. Nesta breve comunicação:
não poderemos nos referir a rodas as maneiras com que foi considerado, e nos limitaremos
a indicar a mudança do conceito de falo correlativa a transforrna@o da concepçáo da função patema.
Esta transformação é paralela a da relação entre os três registros "inventados" por Lacan,
desde a primazia atribuída originalmente a ordem simbólica, até a concepçáo dos nós, na qual
nenhum dos diferentes registros possui privilégio sobre os outros'.
Em 1957.58, no Seminário 52,e depois no escrito que lhe é quase contemporâneo "De
uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose'", iacan introduz o conceito de
metáfora patema. Construido a partir da teoria lingüística de Jakobson, trouxe à psicanálise
sua concepçáo da metáfora. A idéia dominante nesse conceito é que a função patema consiste
em metaforizar o desejo da mãe, sendo o próprio desejo do pai uma metáfora de sua presença
Toda a operação é, pois, significante e dela depende a condição da estnitura neurótica. O
efeito da mesma é uma significação fáiica à qual iacan outorga numerosas conseqüências.
Destacaremos a que permite ao sujeito "identificar-se com o tipo ideal de seu sexo", assim
também como "responder as necessidades de seu parceiro na relação sexual, e inclusive
acolher com justeza as da criança que é procriada nelas.'*
Com estes instrumentos poderosos Lacan pôde ordenar a clínica, nossa clínica, ao mesmo
tempo em que realizava a critica sistemática dos desvios na direção do tratamento dos
pós-freudianos. Em particular, sublinhou o esquecimento desses autores da centralidade da
castração - a que concebiam só, ou quase exclusivamente, de maneira imaginária - em favor
de um privilégio do corpo da mãe.
No mesmo parágrafo, onde Lacan introduz pela primeira vez a expressão Nome-do-Pai,
sublinha que distinguir o pai simbólico, o pai imaginário e o pai real implica conseqüências
importantes na direção do tratamento. .4crescenta: "temos tido frequentemente a oponuni-
dade, nas supenisões ou nos casos comunicados: de destacar as confusões nocivas que en-
gendra seu de~conhecimento'~.
Nesta perspectiva clínica, extraordinariamente fecunda: a clínica diferencial do sintoma
entre neurose e psicose aparece, por um lado, com uma distinção precisa: no primeiro caso a
metáfora paterna é operante e: de forma correlativa: o efeito de sua operação é a significação
Opçáo Lacaniana no 50
A psicanálise nasce no fim do século XM: que vé as primeiras manifestações públicas do
feminismo se perfilar em uma Inglaterra ainda vitoriana. Mas é outra manifestação do femini-
no, a neurose histérica, que lhe abre a via real do inconsciente. No século XX, lacan muda o
rumo freudiano, batendo sobre o impasse da inveja do pênis e elabora as fórmulas da sesuação:
Ainda ... o feminino. <<Amulher não existe.. Conseqüência: exit - "o continente negro': da
psicanálise. Isso não foi sem mido para o feminismo. Eram os anos 70. Hoje, em 2005, em que
ponto estamos com rela~ãoa isso?
Iluminação lacaniana
Pode-se hoje afirmar que a luz aportatla por Lacan a questáo clo feminino e do
feniinismo, sua evolução e sua niutação per mirem responder a esta questão.
Lacan feminista
Muitos pontos desenvolvidos por lacan o separam definitiuamente cla perspectiva pós-
freudiana tradicionalista sobre a questão feminina. O primeiro é adquirido no curso dos
primeiros seminários e culmina nos Escritos desde o fim dos anos j0. É a diferençaintroduzida
entre o pênis e o falo, seja concebido como significação,ou, mais tarde, como significante do
desejo. Este afastamentopermite a Lacan destacar o complexo dito de castração do heteróclito
que o cailicteriza em Freud, que deu lugar, nos seus discípulos, a escolha tradicionalista que
separou a psicanálise dos movimentos de pensamento inovadores da última metade do século
XX.Se o falo não é o pênis, os dois sexos se caracterizam por uma relação ao falo que cena-
mente pode diferi. mas ambos o abordam a partir de uma primeira substituição sinibólica, e
então, não é pelo órgão, neni pela imagem.
O segundo ponto conceme ao acento colocado por Lacan sobre o pai na psicanálise,
contra a deriva materna e maternal clos pós-freudianos.
Elemento paradoxal, pois a figura paterna, 'a autoridade patriarcal', era o inimigo das femi-
nistas. Transformaro pai em uma função simbólica, efetuar o cone entre Nomedo- Pai, funçáo
simbólica, pai imaginário e pai real, constitui um tratamento tlo pai que implica um afasta-
mento em relação a crença na qual as femiiiistas se encontraram e da qual elas têni sido, nào
obstante, as últimas defensoras.
Definir o pai pela nomeaçáo é, no fiml dessacralizar a autoridade e reduzir com esse
instrumento o que se apresentava como pedra principal da ordem familiar.
O passo seguinte efetuadopor Lacan nos anos 70 foi a multiplicação dos 'nomes do pai'. A
plurali7ação do elemento que até aí figurava o Um, sobre o qual repousava o sistema simbóli-
co, constitui a resposta de iacan a isso que se obseivava como declínio do pai nas novas
Opção Lacaniana no 50
Todos nós estamos expostos ao medo. O niedo pode ser reação a efeito proveniente de
ameaca ou objeto externo. Pode ter sido sinal de alarme diante do pânico, perigo iminente.
É verdade que o medo nos faz perder a tranqüilidade, ficamos desassossegados, sem
paz (effrayé, dizemos em francês; o termo vem de ex-fndare ou seja, tirar o sossego, ou a
paz). Dizem os estudiosos de língua francesa que os romanos nos afrescos de Pompéia
expressavam "e1froi"diante do sexo (Quignard: 1994) fascinados diante dofasci?zus (falo),
eles haviam perdido a expressão de candura do gozo ainda dada a admirar no rosto de
algumas mulheres. Desde essa época o medo freqüentaria as paragens do sexo e suas
respectivas figuraçóes, quer seja em cortejo de sua exuberância priápica, quer seja em seu
desarranjo constrangedor.
Hoje, o medo de que tratamos tem seu objeto, só que não se trata de objeto en~pirico.
Vamos chamá-lo fobia, o medo de que vamos tratar A fobia será para nós como uma tentativa
de nomeacão.para um medo. Freud pode ser consideraclo (Leguil, 1979) como ponto de
partida de nossa compreensão do que seria fobia. Antes de Freud houve tentativas na aproxi-
maçáo da questão por parte da Psiquiatria, mas vamos admitir o relato de Freud sobre o que
ouviu do menino Hans acompanhado de seu pai como ponto de paitida.
O pai falava a Freud que falava a Hans que falava para si mesmo, com o intuito de acalmar
sua angústia, de dar nome ao seu medo. ;\s vezes, ele se dirigia diretamente ao pai, tal era a
certeza cle que o que ele sentia tinha a ver com o pai dele. "Desenha um fz-pipi, Pai: dese-
nha!' E o pai nada. O pai não se autorizava a arriscar dar uma resposta, e no dia seguinte lá ia
perguntar ao professor (Freud). O verdadeiro pai não se autorizava a dar uma resposta ao
filho: preferindoque o professor o legitimasse com sua intervençáo. Faltou uma palavrinha
do pai que viesse aplacar o medo do filho.
Como Hans crescia e não podia ficar esperando, no intuito de suprir a carência do pai, ele
fez um sintoma fóbico (niedo de cavalos). Freud aproximou a palavra Pferd (cavalo) de outros
termos também familiares a Hans, no afã de entender o que era a fobia. Vater (pai em ale-
mão), até o nome Freud poderia ser lembrado já que a pronúncia em alemão o permitia. Fato
é que Freud um dia, teria indagado "o cavalo de que você tanto fala usava óculos?" Hans não
esperava a pergunta; o que mais o intrigou foi o somso de Freud e do pai de Hans diante do
chiste de Freud. Logo tuclo fica claro quando Freud volta a carga e diz: "Como seu papai?"
Freud tinha formulado a hipótese de que o cavalo equivalia ao pai de Hans.
"Novos pais"
O título da tese chamaatenção "Lalibéntion des pères: modemité, égalité, patemité" (Gratton,
2003). O termo "novos pais" aponta para eventual figura parenta1 que estaria surgindo nesses
lares onde encontramos famílias constituídas segundo as diversas foimas que descrevemos.
Algumas conclusões sugeridas pela tese:
-busca de uma nova complementariedade entre homens e mulheres menos marcada pela
diferenciação herdada pelos papéis e funções sexuadas;
- a parentaliade estaria definida mais em termo de responsabilidacle do que em termos de
autoridade;
- a linhagem passaria a contar nienos que o contrato;
- será na articulação do social e do psíquico que os "novos pais" encontrarão forma de
expressão;
- a liberacão dos pais já começou!
Fobia e Nome-do-Pai
Como ficam a fobia e seu significante como tentativa, constatada no modelo antigo, de
suprir a carência de um pai?
Um pai "liberado" terá mais condições de liberar por sua vez o filho do peso de sua função
na ordem simbólica?
A função paterna assumida plenamente na sua dimensio social poderá criar condições
para que a fobia não seja o destino do medo que experimentanios?
Em padelo com a expressão bem conhecida de que o pai é inceno, ("Pater semper incertus
est') vamos elaborar algo na vertente do filho. Poderia o filho igualmente assumir essa incerteza!
A categoria iundica "pai", assim como a incerteza do filho, serão elaboradas a partir do
estatuto fornecido pela "ficção".
Referências bibliográficas
Ouianard. E (1994). Le sexcel I'eflmi. Par& Caalimard Folio.
-. . .
Cadoret200012.hl~
Codelier, hl. (2004). Méla~nomhosesde in Carmlé. Psis Fawid.
-
A fobia aparece como metáfora do pai ali onde este é inoperante em relação ao desejo cla
mãe. O cavalo é a figura amearadora ante um pai carente? ou é o rechaço matemoa,seu
caráter de portador que pegou Haiis em's& "jogo de enganos".
Engano que se quebra; filtranclo-sea'angústia ante a iirupção tle um gozo hétero em seu
corpo, que não pode simbolizar. Hans responde com seu sintoma, com sua neurose infantil,
sua fobia, como uma tentativa de domesticar, natrama simbolica seu corcel.
Do iacan do Nome-do-Pai ao Iacan dos Nonies do Pai há umadiferença: em um primeiro
período, a função do pai é fundamentalmente metafórica, a metáfora patema é a interpreta-
ção que outorga significação fálica ao deselo marerno.
A operação nietafórica segue o traço freudiano do recalque como substituição, ainda que
saibamos que em Freud há uma reformulação da teoria do recalque, que sustenta o tronco de
sua teoria na primeira tópicacom o recalque primordial, o recalque como um modo de defesa a
mais em "lnibição, sintoma e angústia". A fungo da defesa não é só substituição, é também ligar
Ele diz, em "Mais além do Princí'pio do Prazer" que o primordial é a compulsão à repetição
como "tentativa de ligar o quantuni traumático da pulsão de morte".
Em outras palavras, a fobia é metáfora da falha patema ou é, por sua vez: um Nome-do-Pai?
A função do pai é metafóricado desejo materno, deBasDing, ou: seguindo o Lacan de "RSI",
o moclelo da função do pai éaquele de um desejo per-versamente orientado, aquele que
merece o amor e o respeito, aquele que faz de uma mulher a causa de seu desejo.
O p ~ ã Lacaniana
o no 50 151 Dezembro 2007
A fobia de Hans, por um lado, funciona como resposta sintomática a angústia que lhe é
provocada no encontro com suas primeiras ereções, que encadeia sua neurose infantil ante o
gozo indomesticável que o acossa. Por outro lado, o pouco recurso que lhe fornecem um
"certo tipo de máe c um certo tipo de pai", para simbolizar esse gozo.
Nesse sentido, a fobia, talvez mais que substituto do pai, é um modo de enganche ao gozo,
um falso enlace, como mencionava o primeiro Freud, do qual podemos senlir-nos para dizer
que o sintoma como suplência sempre é falso enlace, já que supre a relação sexual que falta,
que não há.
Vale a pena interrogar: por que iacan toma como exemplar o sintoma do pequeno Hans,
em sua "Conferência sobre o sintoma", de 1975?
- É uma fobia infantil, na qual, todavia, não está assentada, se podemos dizer assim, a
estrutura.
-Depois de tomar Hans e a função paterna em inumeráveis referéncias, náo faz ali referência
ao Nome-do-Pai.
-Afobia de Hans pode ser tomada como um sintoma propriamente dito ou é o sintoma do
par parental?
Assim como lacan no Setnináno 24 diz de modo contundente que "Freud teve o mérito de
dar-se conta de que a neurose não era estmturalmente obsessiva, que, no Fundo, era histérica,
quer dizer: ligada ao fato de que não há relação sexual; de que há pessoas para as quais isso dá
asco, que assim é um signo, um signo positivo, que Ihes faz vomitd, podemos dizer da fobia
que ela assinala o modo como a emergência do gozo hétero confronta o sujeito com a venigem
diante o abismo da falta de saber sobre o sexo, sendo a fobia, como diz Lacan, uma prevenção.
Tmo traduzido por Cristiana Pittella de Mattos e revisado por Maria Angela Maia
que é, desde sempre, a estrutura dos saberes, desde o saber-fazer até os saberes da ciência"'.
Isto quer dizer que ser da mesma origem, como fraternidade, não sustenta o principio de
identidade, mas o principio de relação como discurso. O 'somos filhos do discurso' quer dizer
que somos filhos da relação que o sujeito estabelece com sua não identidade de origem.
O homem, sujeito pelo ato de falar, não faz mais que suprir este vazio criando a trama de
sua vida, estabelecendo sua natureza singular O mundo simbólico, o ato de falar, é o cenário
no qual se apresenta e se mostra o sujeito. O ato falho, o chiste como criação subjetiva, mos-
tram isso ao romper com uma ordem pré-estabelecida para o sujeito.
O ato de falar não procura ser compreendidd "(...) náo se trata de compreender, de
mordiscar no sentido, mas de raspá-lo (...)", desconhece toda identidade pré-estabelecida
representada pelo sujeito, e nos orienta até a espera de um elemento singular, mais do que o
encontro com traço igualitário e identificatório.
Opção lacaniana no 50
GUSTAVO
DESSAL
RI) (gdess.esp@rorreo.copP
es)
'A título de e~eniplo,dado que a barreira que sopara o não ler do 1sé muito atraia, e que a reporitii.a(áo do objeto se produz em certos uua com muita
facilidade, podeintrodu7ir-w na rdaçãopai~filhaumamodaiidadeperversa dodomquedálugaraquadrorhisléricosdesumagravidade.Eseé particiilar-
mente noiavel quando falha a repiasáo do pai doador.
'Lacan, J. (IW) Seminário. lii'm li!A rek@o de objeto, p.375. Paidós.
'Idem, ibidem, p.366.
01,~ãolacaniana no 50
"Como fazer para que as massas humanas dedicadas ao mesnio espaço, não somente
geográfico, mas em ocasião familiar, permaneçam separadas?"' Toda guerra - das nações, dos
grupos, das famlias - ressalta essa questão colocada porJacques lacan. Mas eis que se nota uma
diferença. As guerras dos pais seriam de conquista para a sobrevivência, para a segurança e para
a honra dos seus. As guerras dos filhos seriam por vingança, em nome de restabelecer ou sus-
tentar um ideal do pai, onde também se tenta desfazer dele, tanto que isto pode ser uni estorvo.
Os filhos le\wiam as guenas aonde os pais as teriam deixado. A história contempoinnea mostra
como os filhos podem levar o castigo além das leis que os pais tinham tomado como limite. O
pretexto: os pais não tinhani sanado o mal. deixando-o em uni lugar ameaçador para todos.
O declinio dos ideais é frequentemente colocado antes do discurso contemporâneo para
explicar esse desencadeamento desordenado e multifocal da guerra. e também para justificar
a elevação do racismo e da segregação. Somos afetados pela surpresa e por subestimar o que
Freud havia demonstrado, notavelmente em seu "Mal-estar na civilização": por detrás da tela
da civilização,que participa da pacificação da relação dos homens, nada muda nas suas pulsóes
fundamentais. Os constrangimentos sociais, o sistema educativo, ou até mesmo o exército,
participam de uma tentativa de canalizar essas forças pulsionais, encontrando resoluçòes acei-
táveis e administrando, da melhor forma possível, o "resto" inerente a todo grupo social. Alas,
o desregramento dos laços sociais, assim como o fato de se por novamente o pai em questão
quanto à sua idéia de Nação, reavivam as tensòes entre os gnipos de um mesmo Estado,
fazendo ressurgir os rancores e os ódios, colocando ao alcance de todos as promessas de
vinganças. Eis, de novo e inexoravelmente, os homens prontos para se engajar no pior,
enquanto sentem as malhas da guerra se apertando ao redor deles.
No espelho, o ricochete:
Entre as virtudes que Sun Tse distingue no guerreiro, ele mantém o amor pelos compa-
nheiros de armas, poréni, niais amplamente, "o amor pelos homens'". Não é o mininio dos
paradoxos dizer que para lutar bem na guerra é necessário amar os homens. Lacan, após
Freucl, sublinhou que a ferocidade está contida neste mandamento: 'Amarás o teu próximo
como a ti mesmo!'".
Freud não deixa outra alternativa a não ser a de levar a sério que "a essência mais profunda
do homem"4 o conduz ao egoísmo, a crueldade, à destmição. Essas moçóes persistem no
Retorno do mesmo:
Hoje em dia, cenamos novos deuses - no mundo da ciência, do consumo, dos ideais huma-
nitários, no cybermundo etc. - ou laços renovados com deuses já conhecidos, com uma
recrudescência das religiões e um reforço das seitas. Haveria uma esperança por pane dos deu-
ses e dos seus discípulos para fazer suplência aos pais em desgraça, ou até mesmo eliminados.
A sociedade moderna encontra-se sob a influência da "ascensão do discurso da ciência"
correlativa à queda dos ideais, assim como da fungo do pai e, conseqüentemente, das religiões.
É isto o que constatamos ou é, antes, uma elevaçáo da violência, uma tomada em massa do
religioso naquilo que pode haver de extremista?Continuamos a matar, dizimamos, eliminamos,
com uma temível sistematização a partir de uma segregação que sempre se faz em Nome-do-Pai.
Tedo traduzido por Sérgio de Campos
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O p g o Lacaniana n<'50
O pai foi para a humanidade como uma verdade sagrada, invocada pelos ritos dos disposi-
tivos religiosos. Ao buscar proteção mediante uma "bem dicção"', invoca-se, primeiramente,
o Nome-do-Pai. Ou seja, não fica aí o pai, mas o nome. E o nome significa uma ausência. Sua
eficácia parece estar aí.
Antes dos acontecimentos que dão origem ao drama de Shakespeare, o príncipe Hamlet
funciona bem. Em algum momento o Nome-do-Pai submeteu o desejo materno a sua lei e o
pequeno Hamlet pôde colocar-se em regra com seu desejo. Agora estuda na universidade -
fora de seu país natal - está cheio de referências simbólicas, ama Ofélia.
Quando o rei morre, Hamlet regressa desolado à Dinamarca. "Quão antigas, quão tristes,
sem proveito e enfadonhas acho as coisas todas deste mundo." Pard ele não há significante
capaz de tapar o buraco aberto por esta morte. Por isso, as múltiplas referências de seus
solilóquios evocam todo o sistema simbólico. Está em luto. IVão é um melancólico, e pouco a
pouco poderemos vê-lo regressar a uma valorização do mundo, querer regressar a Witemberg.
Mas ele tinha outro destino... llestino é o Nome-do-Pai quando Édipo se submete passo a
passo, "sem saber", ao enunciado como sua derrota inevitável, à maneira de "resl~osta"-
assim o dicionário registra "oráculon-"sem saber". Este é o estatuto que marca sua natureza
inconsciente, na qual se trata justamente de um saber não sabido.
Mas ao rei mono não foram feitos os ritos suficientes:o que sobrou da comida do velório foi
usado na celebração das segunda?núpcias de sua viúva. Então, retoma em forma de espectro.
Assim, Hamlet se encontra, de um momento a outro, com algo detestável: o espectro de seu
pai que volta da tumba e que "sabe" (como foi assassinado e traído), saber que, sob a lógica
dos acontecimentos, ele foi apenas um "espectador". Surpreendentemente, o véu cai e este
jovem enlouquece um pouco. Na representação teatral que, por sua conta, é levada a cabo no
palácio, a relação do personagem-assassino com o personagem-vítima é a de sobrinholtio,
como se Hamlet se fizesse representar consumando o crime. O pai está mono porque o sujeito
desejou que assim fosse: o príncipe não disse que matará a quem o impeça de ir até o espec-
tro, e sim que fará um espectro - que é o estado no qual está neste momento seu pai -
de quem o estorve. Para que o sujeito esteja protegido, o desejo de morte contra o pai deveria
estar ali por suas ramificações, por seus fmtos, não em todas as suas letras: "não te quero
ai senão como recordaçáo"; o que Hamlet chama "sua consigna" não é "marar Cláudio, mas:
adeus, não me esqueças", frase que lhe dirige o espectro antes de desaparecer com as luzes
da aurora.
Opção Lacaniana no 50
h h f t W ZALOSZYC
~ ( S ~ B O U R G(a.zaloszyc@wanadoo
) fr)
A fórmula Há o Um, que surge no último ensino de Lacan, é uma tradução da primeira
hipótese do Parmênides de Platão, tal como ela foi acentuada pelos neoplatônicos, onde Lacan
vê uma "curiosa vanguarda'' de seu próprio percurso.
1. A demonstração da primeira hipótese do Par~nênidesnos conduz a conclusão de que
é impossível que o Um exista. De fato, o Um desta primeira hipótese, por definição sendo um,
não saberia nem ter panes, nem ser um todo. Não terá, consequentemente, nem fim, nem
limite. Pela mesma razão, não saberia panicipar do tempo. Não terá, consequentemente, nem
um ser, pois ser implica participação em um tempo. E?se assim é, ele pode então ter alguma
coisa que seja para ele ou dele?Cemmente não. Ele não tem nenhum nome, não tem nenhuma
definição, nenhuma sensação: nenhum saber. É possível que ele seja assim do Um? Não.
Dessa demonstração de impossibilidade, pode-se com certeza e legitimamente concluir que:
"já que o Um não participa de nenhuma forma do ser", ele não existe; que não há nada que seja
além do ser; que o ser é, portanto, tudo. Os neoplatônicos escolheram ler diferentemente a
demonsmção de impossibilidade de Parmênides Eles acordaram que há unia incoinpatibilidade
do Um ao ser, mas em vez de deduzirem que o Um não existe, eles concluíram que, sem dúvida,
o Um não existe no sentido do ser, mas além do ser. há o Um, que o Um ex-siste ao ser,
Assim, "Há o Um" vem constituir uma fórmula que se opõe a ontologia, e conduz a noção do
não-todo de um Outro radical, no sentido do heterogenismo através do qual não há relação,
onde desemboca a lógica da demonstração de Parmênides.
De um lado o ser, do outro lado o "há", incompatíveis: de um lado o ser, do outro lado o
real. Percebe-se imediatamente que esta oposição é aquela que está nas teologias negativas,
na busca de um não saber que se iguala a douta ignorância, nos relatos feitos pelos grandes
místicos cristãos acerca de sua experiência, com a ajuda dos oxímoros colocados naTeologia
?níst<cado Pseudo-Detzj~sIXréopagite. Toda uma parte da experiência analítica e da formação
do psicanalista é suscetível de uma descrição semelhante, à qual Lacan não se furta.
!
3. O real é impasse inscrito pela fomalização matemática da significância. Lacan nos pro-
põe, sobre isso, duas abordagens. Está claro, na primeira dessas duas abordagens, que o Um
não comporta nenhum objeto. Ele chega, então, a análise em que Frege "engendra o Um do
conjunto vazio", e pela qual contando, assim, o zero como um, ele segue a progressão da se-
qüência dos números inteiros. Jacques-Alain irliller mostrou no seu curso "O que faz insígnia",
que este Um designa o sujeito como falta a ser e se correlaciona ao Um unário que vem: de um
traço sem nenhuma qualidade, marcar a falta que é esta falta a ser (reportamo-nos, sobre esse
ponto, ao parágrafo 7 da "Notice de fil en aiguille" de Jacques-AlainMiller, anexa aoSemi?~ário
O Si?zrhoma.Paris: ~ e u i l2005).
,
4. A segunda abordagem do real que iacan nos propõe com a fomalização matemática
liga o Um ao infinito não numerável que é o infinito dos números reais. Ele se refere, por isso,
a Cantor, que mostrou que a potência desse infinito é superior àquela do infinito numerável e
inventou uma nova variedade de números, os números transfinitos, grafados Aleph, para
designar a cardinalidade desses conjuntos infinitos. O conjunto dos números reais pode ser
colocado em correspondência biunivoca com o conjunto dos pontos de um segmento retilíneo
de comprimento unitário ou com aqueles de uma reta infinita. É por isso que se diz que tal
conjunto infinito tem a potência do contínuo, e o contínuo apresenta as características que
convêm a situação do gozo Um, que descrevemos acima.
Partindo do gozo Um que implica a não-relação, é sob as condições de rebaixamento do
grau de infinito do gozo que se estabelecerão as relações da sexuação masculina e aquelas da
sexuação feminina. Na sexuação masculina, ao gozo indexado pelo significante fálico respon-
derá a condição somente potencial do infinito numerável, ao passo que uma relação ligará
conjuntamente o sujeito ao objeto a, em que se reconhecerá uma constante com valor
transfinito, conforme mostrou Jacques-Alain Miller no seu curso "O banquete dos analistas".
Essa relação é a da fantasia. O lado mulher da sexuação se apresentará, não sem ligação com o
significante fálico, mas também não sem uma relação com o gozo Um - ainda que indizível,
pelas melhores razões lógicas da primeira hipótese de hrmênides. É isto que dá seu caráter
de infinito não localizável com relação a qualquer todo que seja.
Compreende-se, na perspectiva da lógica intuicionista, que só se saberia dar existência
determinada a este não-todo no um por um. É sobre isso que faz signo o famosomepantes de
5. Qual será a relação do "Há o Um" e o Nome-do-Pai?É Fácil deduzir suas linhas mestras
a partir do precedente. Passar do gozo Um ao Norne-do-Pai será passar do não-todo para um
todo, por meio do traço que aí deixará o gozo Um, sob as espécies do miro do pai da horda clo
"Totern e Tabu", que goza de todas as mulheres: impossível! É esse impossível: traço fóssil do
gozo Um, uma vez o pai morto, que repercutirá, no ser que fala, sob a forma freudiana do
interdito edipiano.
Tato traduzido por Maria Cecflia Galleiii Ferrelli
3. Lacan segue à sua maneira o itinerário de Freud, ao mesmo tempo em que vai renovando
a experiência clínica da histeria. Muito cedo em seu ensino, sublinhou a pobreza da interpreta-
ção edipica em relação à histeria. Nos anos 50, a introdução da mptura mortal do narcisismo na
relação edipica desconstrói a triangulação freudiana e acrescenta uni quarto termo.
Contudo, é no final dos anos sessenta que Lacan polemiza com a interpretação freudiana
da histeria e sublinha "o caráter estritamente inútil do complexo de Édipon?1acan enfatiia
que a experiência da histérica deve ter sido, para Freud, melhor guia do que o Complexo de
Édipo e reconsiderar, no nível da própria análise, qual é o saber que faz falta, "para que este
saber possa ser posto em questão no lugar da verdade"?
Com efeito, a invenção do significante Mestre (SI) permite separar o significante mestre e
o lugar do Pai. Reexamina a dialética do senhor e do escravo como separação do significanre
Mestre, do corpo e do Outro. A partir daí, fará entre o vivente e o corpo uma clivagem. Com
isso, hcan rende homenagem à histérica, por sustentar um discurso no qual coloca em jogo
suas relaçóes com o mestre náo em termos de dialética, mas de permutação de lugares. O
discurso da histérica interroga o discurso do mestre do pai idealizado como mestre castrado?
A exploração atualizada da histeria faz aparecer outras figuras e outras funções que ficam
longe da interpretação freudiana. Desta forma, a histérica revela que em sua relação com o
mestre para além do pai, este está castrado e se faz amar a partir desse lugar O amor se
transforma em uma função do gozo paterno fora de toda legalidade, que não legitima o gozo
como um. Para o sujeito histérico, o pai não é mais que um titulo, e todo esse amor que o
sujeito tem por ele, dirige-se a um nome e não a um homem. A histérica já não faz o homem,
mas o empurra para suas fonificações: empurra-o a fazer o homem, "empurra-o para o crime'I0.
Esta renovação epistêmica implica uma renovação no nível da prática analítica, na medida
em que abre a possibilidade para a histérica ter acesso ao gozo conio tal. O discurso da histé-
rica é a resposta da histérica, é sua posição moral com relação ao gozo. Ela encama o gozo do
mestre, por este gozo de ser privada."
Opçáo lacaniana no 50
Nos fragmentos de sua autobiografia, publicada por KraM Ebing em 1924, o Dr X, médico
homossexual, que havia sido descoberto enquanto praticava a masturbação orai em um lavrador
rústico no campo, relata.sua decisão de abandonar a Alemanha para "encontrar um novo lugar
onde nem a lei nem a opinião pública se opusessem a este impulso que ... não pode ser
superado pela vontade". Suas intenções de dominá-los haviam sido infmtiferas e somente
haviam conseguido torná-los mais fortes. Conclui, então, que "nossa única esperança reside
na possibilidade de que mudem as leis que a tipificam, de modo que somente a violação ou o
acometimento de uma ofensa pública, quando cheguem a ser provados, sejam punidos".
Seu testemunho, como o de tantos outros ao longo dos séculos, dá conta da presença de
um gozo que não cede diante das sanções da lei nem diante do esforço da vontade, um gozo
que não se elimina, que se impõe ao sujeito além dos ideais e que apela para seu reconheci-
mento social, distinguindo os atos passíveis de punição e os atos privados não puníveis.
Sem dúvida, produziram-se mudanças desde aquela época em que o Nome-do-Pai,susten-
tado em firmes ideais sociais penalizava e segregava, por sua condição de gozo, quem se
distanciava do ideal. Os desejos do Dr X têm produzido fmtos. Os homossexuais conseguiram,
hoje, a legalização de sua prática sexual: a união civil já está vigente em vários países e os
homossexuais lutam, hoje, pelo reconhecimento de sua idoneidade para a ado@o e a patemi-
dade. A sociedade atual, marcada pela queda de uma referência universal e pela pluralização
dos NI: parece aceitar, hoje, diversos modos de gozar.
'NT -Optei por utilizar =ia lotmapara traduzir: "iVengo avedo porque no mariconeo aormalmenld?
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Opção Iacaniaiia no 50
O gozo e as identificações
Aidentificação na psicanálise remete necessziamente a questão dos atributos. O sujeito do
inconscienteé o sujeito do significante e náo conta com um ser que lhe outorgue uma identidade.
As identificações são Funções que, a partir de Freud, respondem a lógica de que no inconsciente
não existe o significante que possa dizer "homem" ou "mulher". O sujeito implica a inscrição de
um vazio e é o resultado no qual se conjuga a heterogeneidade do sexo e do gozo.
O pai é a figura que se institui para dramatizar a utopia da apropriação do gozo. O pai
freudiano é concebido pela iniagem do proprietário, aquele que tem todas as mulheres, aquele
a quem se pode pedir algo, a quem se pode dirigir as queixas. O pai como Função é uma forma
do universal, mas, visto a partir da exceção, é a lógica edipiana do todo e da falta. Enquanto o
pai é este elemento suplementar que limita o todo, que permite armar uma estrutura estável
e organizada, as identificações ordenam a relação do sujeito com o saber e tentam encontrar
o gozo em um objeto "apetecível".
A raiz da identificação é o riso, diz Iscan nnSenzinario V. O riso comunica algo do gozo
e o faz de maneira direta, dirigindo-se àquele que, "muito além da presença sig~iilicada:é a
fonte, o recurso do prazer". A identificação aparece como seu oposto, pois quando há identi-
ficação, termina o riso. Um riso edipiano, pode-se dizer, visto que Freud destaca as satisfações
a que o sujeito deve renunciar. "Os investimentos libidinosos são resignados e substituídos
pela identificação~'.
A identificação é o ponto que articula o gozo com o significante do Ideal vinculado a máscara
que sempre leva consigo a marca de um significante especial -"um significante escolhid~'~. As
máscaras resultam na insatisfação: ou seja, na dimensão do desejo, e sua função domina as
identficações. A pluralidade das relações do sujeito com o outro desembocam na pluralidade
de insatisFações que fariam de "toda personalidade uni mosaico movecliço de identificaçóes".'
As identificações, relacionadas ao fracasso ou a rejeiçáo da demanda, constituem o caráter
cômico da relação entre os sexos. Diferentemente do estabelecido por Freud, Lacan destaca
que as formas do Ideal do Eu não são efeito de uma sublimação, mas que sua fonnação é
acompanhada de uma "erotização da relação ~imbólica'~
A identificação está relacionada ao ser - ser este ou o outro. Parece-nos mais próprio
relacioná-la aos semblantes. O melhor exemplo disso foi dado por Iacan noSe??zinárioV, ao
analisar O Aalcão, de Jean Genet, do qual se pode captar como a comédia é a do falo, é a
Finalmente, o pai
Em "Psicologia das massas", Freud relaciona ao pai a identificação primária. O pai exerce
esta função pelo fato de ser. com predilecão, merecedor do amor - "um pai todo amor"9
Trata-se do mascaramento da verdade do mestre tal como o demonstra a análise das histéricas:
o pai está castrado. O Nome-ddai é um npme de substituição que, ao mesmo tempo, designa
e reabsorve o gozo inominá\~el:"a fim de fazer crer que está confiscado pelo pai"lO.Ao mesmo
tempo em que lacan anunciava esta interpretação do Édipo freudiano, descrevia a época
como "mania da fraternidade", a que esconde a segregação que supõe. Na época do Outro
que não existe, cristaliam-se cenas identificações a um significante mestre para que os sujei-
tos que os usam se aliviem do sofrimento que Ihes impõe a angústia da castração. Fica com-
provada a fragilidade da proposta identficatória destas supostas comunidades de gozo ígays,
alcoólatras, anorhicas, sobreviventes de alguma coisa...) que exigem de todos uma confissio
Uma análise trabalha no sentido de que o analisando se desembarace das identificações que
o prendem (e das que goza), produzindo como resultado da experiência uma modificação no
tratamento do gozo. O insuumento de demolição das identificaçóes é o equívoco da linguagem.
Atravessar o plano das identificações por meio de uma psicanálise implica na possibilidade de
uma modificação dos ideais: o que passa para o primeiro plano é o amor e o respeito funda-
mentado no discurso do analista. É um laço social entre homens e mulheres constmitlo além
do ideal, sustentado a partir do desejo e de sua causa. Atravessar o plano das identificações é
entrar em uma dimensão que se situa além do Éclipo, - o grande passo dado por Lacan ao
destruir o pai como ideal ou como universal. Poder usar o Nome-do-Pai nestas condições
indica que esse novo amor, esse novo laço social se sustenta porque o pai é reconhecido não
como emblema de quem detém o gozo, mas sim porque seu respeito surge pelo fato de ter se
confrontado com a questão do gozo de uma mulher.
O desejo do analista é uma posição alcançada, a de um santo, como Lacan esclarece em
Elevisáo, ou a de um bufão, como o indica em X Terceira". Duas figurações, para assinalar
um estilo de vida particular - a de alguém capaz de se situar em um lugar conveniente para
fazer uma leitura do gozo de Um sem atribui-lo ao Outro.
Uma andise pode funcionar somente se o analista puder ocupar o lugar do "sem qualidadeni2,
ou seja, se em sua a análise conseguiu se desvincular de ceno número de identificações e,
além disso, tenha uma relação especial com a identificação que lhe dá sua pairiculai-itlade.Tal
particularidade é o resultado do tratamento dos sintomas sob transferência que, em seus
volteios, produz uma purificação do núcleo de gozo que define o sintoma como singular
Como foi proposto por Samuel Basz, isto tem um estatuto ético próprio, já que não pani-
cipa da crença como o sintoma em transferência, que está abeno à significação que espera do
Outro''. O que o final da análise propõe, então, é uma posição subjetiva de certeza que advém
do lugar da crença no sintoma. A esta nova posição subjetiva Lacan chamou de "identificação
com o sintoma".
Modos de gozar
Uma questão interessante com relação ao problema das identificações é a que tem fonnula-
do o estudo de casos que apresentam o dispositivo do passe na escola. Leonardo Gorostiza, no
~ ~
informe de um dos cartéis do passe, trouxe o problema nos seguintes termos: "O cartel consta-
tou como alguns passantes pretendem ter atravessado ou constmído a fantasia quando o que se
transmite não passa da queda de uma identificação com o correlato efeito de entusiasmo"" ...
Se o sintoma é um modo de gozar do inconsciente, uma vez que este determina o sujeito,
então podemos definir a identificação como um modo de gozar do significante niestre que a
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Opyão Iacaniana no 50
Lacan nunca deixou de lembrar que o lugar designado como o do Nome-do-Pai na psicaná-
lise é idêntico ao ocupado pelo Deus-Pai em uma tradição determinada, aquela na qual, dife-
rentemente de outras, o lugar do Outro, o ~ a l é m toma
~ ~a~forma do Um que existe. Por trás do
pai do complexo que Freud chama de p paterno^', apresenu-se o Deus da religião monoteísta,
da tradição judaica e de sua herdeira, a tradição cristã. Entretanto, Iacan tomou o cuidado,
igualmente, de assinalar as transformações e os acréscimos que fazem com que seja proble-
mático considerar essa tradição como homogênea. O Deus que falou a Moisés na sarça ardente
não é um Deus universal, não é a Onipotência Divina, seu poder cessa no limite do território de
seu povo. Quando um outro Eloim do lado de Moab revela a seus súditos o tmque para repelir
os invasores, isso funciona. e oElSSadduí levanta acamoamento com as tribos aue o levaram a
i n v a ~ ã oO~Deus
~ ~ . que tem opovo hebreu como esposa, segundo uma imagem do profeta Oséias3,
é o único senhor e mestre no lugar
- onde reina, ao lado de outros eventuais monoteísmos. É um
Deus *tão tribal quanto os outros, mas talvez utilizado com meios mais puros~t.
O relançamento da mensagem de Cristo feira por São Paulo, conforme ressaltado por
exegetas e histo1iado1-es,consistiu, todavia, em dar ao monoteismo de origem judaica o alcance
de uma verdade universal. Ao mesmo tempo, a noção do Deus único, longe de pemanecer
ligada a uma enunciaçáo singular e ao irnpronunciável de seu nome próprio, foi presa em um
jogo de representações e conceitos que é somente a conseqüência dessa vocação para tomar-se
uma verdade para o conjunto da humanidade. Desde os primeiros séculos do cristianismo, o
Deus da Revelação foi assim pensado, nos termos tomados de empréstimo à filosofia grega.
Deus-Pai foi identificado notadamente ao Derniurgo platônicd, autor e criador do mundo.
Foram numerosos os <pais. que se referiram ao Timeu entre 150 e 250 depois de J.C.: Justino,
Minucius Félix, Atenágora, Tertuliano, Clemente de Alexandria e Ongênio. E: para terminar, a
noçáo de um Deus universal vai encontrar seu estatuto definitivo ao convergir com a idéia
que o espírito humano náo pode deixar de alcançar, dirão os teólogos medievais, de um ~prin-
cípio sem principio., de uma =causasem causa., e de <<umtermo além do qual é inipossí\,el im,
formulações que nada mais são do que o avesso de uma pretensa impossibilidade, a do infinito
em ato! mantida como uma x evidência ,, até o século XIX. Ora, a extensão da soberania do
Deus único ao conjunto da humanidade criou, ao mesmo tempo, a necessidade de unia
comuniclade de linguagem e acentuou a exigência de um princípio de unidade entre os cren-
tes. Esse Deus que, através da pregação do Cristo retomada por São Paulo, tornoti-se o Deus
de todos; só é possível alcançá-lo pela via dos testemunhos orais e escritos. Eles devem,
'Frend, S. (1969). "Reinarque prychasdyiquei sur I'aulobingnphie d'iin asde parannYa". In Cigpybana!~,ses.Paris: PU.F, p.,W.
'Lacan. J. (2OOl).i\'on1r~-do-Pai.Rio de Jandm: Jorge M a r Editor p.82.
'Lacaii menciona istoem sua convem wm o Pe. Caqiioi. lo Lacan, J. (198111969-701). Le Shinuirc. Liireflll. Pins: Seuil, p.162-163.
'Lacan. J. LP Seminaire, R b l , séance du 11 mars 1975. In Omiuir? (5):27.
'NT. O deus arquileto do Universo, segundo m Plaiinicoi.
'Lacan,]. (1966). &/S. Paris: Seuil, p.873.
'Como deeomlveu. entre outros, H. Arendl (1972) em seu célebre ensaio v Qu'el-ce que I'autonlé? B. in La msede h cullure Paris: Gallimaid
*Laan, J. (1966). Opcil., p.873.
'Miiler,J-4 12002~20031.s Untfiorldepoeie~.le(on du 14fliEWi. iddii.
'Old., ibid.
"Lacaii. J. (2005) Lelriompbede h religimt. Paris:%u~l:p87.
Opção iacaniana no 50
A operação do Nome-do-Pai é o que permite sustentar esta inipostura essencial frente a
bocarra da mãe "inacabada". O falo e a palavra são recursos cenamente irrisórios ein certo
sentido, mas podem ser, entretanto, suficientes. Isto é o que mostra Borges em "El impostor
inverossimil, Tom Castro", quando o inspirado Ebenezer Bogle devolve a uma mãe desconso-
lada o filho que havia perdido na Figura de um impostor cujo semblante é inequivocamente
diferente do original que pretende suplantar. O autor cleste artigo viu um rabino acalmar a
crise de excitasão psicomotora de uma mãe frente ao caixáo de seu filho apenas com o recur-
so do kadish'.
A função paterna está afetada pela impostura no que se refere ao pai como nome e ao pai
como nomeador. Há apenas uma impostura maior do que a de afirmar "eu sou seu pai", a do
nome outorgado ao filho. Fausto disse que ninguém pode vangloriar-se de haver dado a uma
criança o nome justo - Wer darfdas Kind beim rechten A'amen nenne>z?Opróprio nome é
algo que só se sustenta de um ato de fé, assini como a lei paterna não tem mais Fundamento
do que o de sua própria enunciaçâo.
Em sua primeira acepção, a impostura é o testemunho falso. Mas todo testemunho só
pode ter lugar em um contexto no qual se ponha em jogo a fé, boa ou niá. A ordem das
imposturas supõe a fé e exclui radicalmente a certeza. Náo é outra a condição da transferéncia.
Só Iiá fé onde falta a evidência, onde o saber não está exposto. É no que se apóia a diferença
entre a invocação do "tu és aquele que me seguirás" e a constatasão cerreira do "tu és aquele
que me seguirá". Como disse Freud, o pai é objeto de fé, enquanto a certeza é materna.
Aquém do Nome-do-Pai, a certeza faz com que o desencadeamento psicótico se apresente
muitas vezes como um desmoronamento que expõe o sujeito eni sua condição de impostor
fracassado, quer dizer, sem fé, já que o real de seu ser fica sem véii Rorges manifestou, cena
vez, seu temor de que toclos se dessem conta de que era um impostor Por isso niesino não
estava louco. A loucura é "crer no próprio nome": disse Lacan, mas isto ocorre sobre um
fundo de recliaço da dimensão de impostura que implica toda a representaçâo do sujeito.
Se Lacan disse que a psicanálise é uma Fraude, é porque conduz à verdade pelo caminho da
impostura. Isto põe, manifestamente, a proxiniidade do Nome-do-Pai e o sujeito suposto saber. A
posição do analista dá conta de um uso muito patticular da impostura terapéutica. Concluíiiios
este artigo com uma passagem das memórkas de Bioy Casares, na qual o médico-pai-mestre
terapêutica sustenta uma vez mais a impostui-n frente a fatalidade da mãe desenganada:
Opçic Iacaniana no 50
apela para a interpretação8.Opecl-se assini a passagem do inconsciente freudiano que se decifra
para o núcleo de gozo autista que o sintoma encerra.
Este momento é posterior a formulação da segunda metáfora paterna, na qual o A teste-
munha a perda da função de garantia que tinha o &i e introduz a questão do objeto. Isso
torna patente que a interpretação náo é uma metalinguagem.
O objeto a, como construção lógica sob transferência, dá uma perspectiva sobre o gozo.
Sem dúvida, com o objeto a tampouco se sai do registro do Pai dado que é o resto de gozo
que deixa a operação significante e só pode ser pensado como real a partir da perspectiva do
simbólico. O objeto a é diferente do que Freud chamou de pulsão, que é um gozo que não
tem perda. Por isso Lacan atsinalou que o sujeito é seiiipre feliz porque, nesse nível, o Pai não
apaga o gozo.
A questão é como ir além dessa perspectiva e é isso que Lacan tenta faier co60 nó. por
isso falará do sinthoma como modalidade de gozo que enlaça os três registros. Isso possibilita
abordar o final de análise como um uso ético do gozo.
Aquestão que se coloca com a interpretação clássica é como fazer com a-subjetividadede
quem interpreta. Cabe recordar que isso foi o que levou a religiãoa-situar a igreja como
custódia do dogma. Na psicanálise, o tema da contratransferência ilustra essa dificuldade. b r
isso Lacan elaborou a passagem do analista em posição de sujeito ao analista em posição de
objeto, o que implica a redução de sua subjetividade. Na prática, trata-se do tlesejo do analista
que oferece um vazio de modalização ao analisando para acolher a de seus ditos. Por isso
Lacan fala da interpretação apofântica.
iacan deixa localizada a equivalência inconsciente-interpretação, que é ourra fomia de situar a
interpretação analítica.A interpretação é primordialmente a do inconsciente, a interpretaçáo ana-
lítica é secundária, funda-se no inconsciente intérprete9. Dai poder distinguir a intei-pretação
associauva da dissociativalO.A primeira supóe que o analista tm. o sigiiificante em relação ao qual
o sujeito se representa e etemiza a cadeia significante. A segunda, não acrescenta significantes
novos, mas dissocia, produz uma ruptura na cadeia. Pois só é possível restabelecer a conexio e a
divisão entre o sujeito e o gozo atravessando a tela das representações, o imaginário do sentido.
A interpretação na orientação lacaniana segue de maneira discreta as mudanças na foma-
Iização do Nome-do-Pai. Se Freud acreditava no pai, o ensino de iacan vai de sua hierarquização
a um rebaixamento, acabando por pluralizá-lo.
Lacan introduz, em "O despertar da prima~era"'~, três versões do pai como Nome. Elas
póem em jogo o A e mostram que se trata de um Pai na lógica do não-todo. Fazem pensar na
necessidade do sintoma para fixar algo pela falta do ponto de amarração. Elas são: Nome do
Nome do Nome, Nome conio a-sistência e semblante".
Como Nome do Nome do Nome se infinitiza, pois não há Um que lhe convenha. O Nome
como ex-sistência coloca que existe o nome mesmo porque não é Nome Próprio e o semblante
é um nome vazio que assinala tanto a falta no Outro como a falta do Outro.
Nesse momento, trata-se das ressonâncias da interpretação que opera pelo equivoco, e da
re-introdução do gozo pelo lado da pulsão definida como o eco no corpo pelo fato de que há
um dizeri3.A questão é, então, como operar com um real fora do sentido ...
Opçáo lacaniana no 50
James Joyce poderia ter encontrado Jacques Lacan? Poderia ele ter desviado, um instante,
sua atenção de sua própria singularidade para descobrir esses Escritos que reivindicam para si
mesmos a qualidade de ([nãopara lem? Poderia ele ter superado sua aversão pela psicanálise e
ouvir aquele que o lê e o consagra como a encarnação do sinthoma, como #indo diretamente
ao melhor do que se pode esperar do Final de uma psicanálise* e isso sem recorrer a uma
análise? Podemos duvidar disso e nunca o saberemos.
Lacan, por sua vez, se encontra com Joyce inpraesentia e através de seus textos. Durante
sua juventude ele frequenta o círculo de Adrienne hfonier e, em 1921, assiste a uma leitura do
UIisses, antes de sua publicação, muito controvertida. Joyce está presente nessa leitura. Ele
saiu de Dublin em 1904, e depois de um péi~plotumultuoso através da Europa e uma sucessão
de mudanças digna das peripécias de sua infância, conseqüências de dividas e dissabores de
seu pai, aterrissa em Paris em 1920: onde residirá até 1939, dois anos antes de sua morte em
Zurique. Ele já escreveu muito? mas publicou pouco, sempre com muitas dificuldades -
Dublzners, Aportrait of the artist as a young man -ele tem poucos amigos e raros mecenas.
lacan o reenconua cinquentaanos depois, em um 16 de junho-data simbólica desdeoUlisses!
-: a convite de Jacques Aubert, ele abre o simpósio internacional 'Joyce", de 1975, pronunciando
diante d e uma platéia estupefata d e especialistas sua conferência qoyce o
sintoma.. Todo um programa! Na falta de agraclar a esse auditório, a conferência desvia o curso de
seu próprioktninário: emvez de fazerseguir~RS6por *4,5,6*ele o intitula *O sinthoma.. Ele faz
uma interpretação inédita de Joyce e também lhe dirige uma interpretação póstuma: %Eudou a
Joyce, formulando esse título, Joyce o sintoma, nada menos que seu nome próprio, o nome no
qual eu acredito que ele se reconheceria na dimensão da nominação,>.Essa interpretação é de um
filão distinto daquela volumosa que invade, desde a sua morte, ai bibliotecas universitánas e os
sites na intemet -diferente, aliás,claquela queJoyce desejava,segundo seu biógrafo Richad Ellmann,
quando respondia a quem lhe demandava poi que escrevia de forma tão obscura: %paraocupar os
críticos durante trezentos anos*, *único meio'de assegurar a imortalidade>.
íacan dá outro destino ao ilegível. Ele não visa a explicitação e ao comentário infinito dos
enigmas, mas designa sua função, levando a sério o fato de que Joyce queria ser alguém cujo
nome, precisamente o nome, sobreviveria para sempre.. Trata-se aqui de simples busca de
renome? Uma anedota sugere que outra dimensão está em jogo: a um jovem pintor que quer
fazer seu retrato, Joyce pergunta: -você quer um retrato de mim ou de meu nome?. Ceno,
Joyce quis, de início, ser célebre; antes de ter publicado uma obra ele pedia a seu irmão
Opção Iacaniana no j0
Nossa aposta em comum é a de saber instmmentar as ações necessárias para que essa
prática original, a qual Freud chamou psicanálise, continue vigente no século XXI, que acaba
de começar e não parece tão disposto para com os psicanalistas como no passado.
Mas, como ganhar esse jogo se, como esclareceu J.-A.Miller em nosso último Congresso,
"a prática lacaniana exclui a noção de êxito"?
Sustentar essa posição hoje nos confronta com a necessidade de responder aqueles que
não deixarão de vociferar: Isto não tem valor!
Jacques Lacan não retrocedeu, mas, duplicando a aposta-a lógica obriga a isso -, chegou
a sugerir aos bons entendedores que se tratava exatamente disso.
Não nos esqueçamos que, se ele admirava a antiga prática dopotlatch, era porque, naquilo
que se apresentava aparentemente gratuito, poderia estar escondido outro tipo de valor
Não seria precisamente por essa razão que o sujeito da civilização hipermoderna poderia
continuar amando a psicanálise?
Escolhi, como contribuição ao presente volume, abordar o tema da articulação entre
lei e Nome-do-Pai, como um possível exemplo paradigmático para pensar as condiçòes
lógicas pelas quais seria possível articular e, portanto, tornar exercitável, esse algo chama-
do amor.
Considero este tema atual por várias raz6es. R7r um lado, aqueles que incentivam demandas
cada vez mais ferozes e obscenas com respeito a suposta necessidade de uma lei cada vezmais
dura como Único recurso para solucionar tudo, escamoteiam, obstinadamente, uma questão
sobre a qual a psicanálise tem algo a dizer.
Por outro lado, se acompanhamos os últimos acontecimentos na França sob a orientação
de J.-A.Miller, podemos verificar que a operakão de traduzir o nome da psicanálise em uma série
de atos sustentados por um diier "não", deujugar a certos efeitos transferenciais completamen-
te inéditos dos quais somos testemunhas gdças às notícias que nos chegam pela k L . P
O que é a transferência senão o amor? !
Se concordarmos que o chamado capitalismo é algo que não pode senão deixar de lado as
chamadas "coisas do amor", não nos surpreenderemos que o próprio Lacan tenha dito que a
única coisa que fazemos neste novo laço social chamado por ele de discurso analítico é justa-
Que o sentimento altruísta seja sem promessas para nós, é algo que aprendemos graças a
Lacan; mas o que é esse enigmático amor ao qual Lacan atribui semelhante eficácia?
Deixemos isso de lado por hora, não sem antes apontar que esse nó de servidão imaginá-
ria, a loucura humana como tal, é a impossibilidade subjetiva de situar em nosso semelhante
alguma coisa diferente do outro que, "imaginariamente", nos priva do gozo, ao qual não te-
mos "realmente" acesso.
Ao seguirmos os passos posteriores de sua elaboraçio, onde se encontrava essa enigmática
referência ao amor, começam a se desdobrar os desenvolvimentos que, tendo como ponto de
mira estabelecer os modos pelos quais a dimensão simbólica da lei permitiria incidir nessa
dita loucura, abrem as portas para ir estabelecendo, passo a passo e durante anos, as coorcle-
nadas estruturais do que Freud tornou célebre sob o nome de complexo de Édipo. É neste
contexto de elaboração que aparece, pela primeira vez, a expressão Nonie-do-Pai definida
como a função simbólica e que, desde o início dos tempos históricos: identificou a sua pessoa
com a figura da lei.
Pois bem, a referência à lei faz desaparecer essa primeira referência ao amor, ou exige
pensar de que modo eles se articulam?
Tomemos, por exemplo, o Seminário:&formaçcies do inconsciente,célebre por ser o ano em
que lacan desenvolve o que chama de 'os tempos do Édipo'; ou seja: os passos lógicos de sua
efetuago no sujeito. Encontramos ali o seguinte: "0 coniponente do amor pelo pai não pode ser
'Lacan,J. (1985). "El estadio de1 espeio como iormador de Ia funcián de1 jo (je) tal como se nos milaen Ia expiienciaanalítica".Biienos hiies: SiglohXI
Editores.
'Laran,J. (1988)LeSéminaire.Lim \':L es~nnaliomdei7ri~)tmiml. Paris: EdilionsduSeuii.
'Lacan,J. [1973-741. * Les non-dupesemnt n. Seminário inédito.
Opção lacaniana no 50
No Brasil, há um ditado popular que, por encontrar-se entre os ditos impostos a partir do
campo d o Outro, toma a forma de um imperativo do supereu: "a mentira tem pema curta",
ou seja, não vai muito longe. Menos do que na força desveladora da verdade, esse ditado
aposta nos volteios do significante sobre os seres arrebatados pelas elucubrações da linguagem:
quem mente acabará se enrolando no que diz e, então, a verdade irá aparecer. A qualificação
de "curta", confenda a "perna da mentira", pode ser lida também como uma transposição
metonímica da castração: o corpo do mentiroso e preseivado e o corte incide sobre o "corpo"
ou, de modo mais específico, sobre a "pema da mentira". Ainda assim uma castração ameaça
o nientiroso, tendo em vista a angústia e o medo que tal ditado visa provocar em quem mente
ou parece decidido a perseverar em uma mentira.
Os efeitos de angústia e medo sobre o falante, tanto quanto o funcionaniento linguístico
desse provérbio popular são tributários da crença nesse significante fundamental localizado
por Jacan como "o Nome-do-Pai". Se o mentiroso pode se trair re\lelando-nos algo da verdade,
se a "perna curta da mentira" escamoteia a castração de quem mente, o ocultamente de uma
tal fragilidade é uma ação do que Lacan chamou de "amor a verdade"'. Ora, em ?4 dissolução
tlo Complexo d c Édipo", Freud já afirinairi, particularmente com relação aos meninos, que a
preservação narcísica tle um corpo intacto, ou seja, o adiamento da efetivação real da ameaça
de castração e a consolidação do falo como um símliolo associam-seà aceitaçào da autoridade
paterna e à identificação com o pai'. Por sua vez, para Lacan, o Outro conio "lugar do signifi-
cante" e: no contexto aqui zipresentado, como lugar de possível articulação dos chamados
"ditados populares", é garantido pelo "Nome-do-Pai", por esse "significante do Outro como
lugar da leix3.A paixão pela verdade, portanto, pode ser considerada um outro nome do amor
ao pai, na medida em que só o Nome-do-Pai- significante fundamental da ordem simbólica -
pode garantir-nos que, mesnio ao jogar dados, Deus não é enganador. Por isso: haverá tran-
qüilidade para se fazer a aposta de que o mentiroso acabará por se trair e assim reiterar. não
sem alguni sacrifício,o ditado do Outro sobre "a perna curta da nientira" e o funcio~ianiento
do Nome-do-Pai conio ordenador de uma tradição associada a significação fálica veiculacki,
por exemplo; por provérbios populares. Jngo! há uma ordem que escapa ao falante, mas que
é por ele sustentada e o faz dizer sempre mais do que a principio ele supõe e, nesse viés,
mesmo a niais banal das mentiras não deixa d e dar lugar i dimensão da verdade.
Uma outra face desse lastro da verdade no corpo mesmo da mentira poderá ser vislumbra-
da a partir da formulação lacaniana que atribui i verdade uma esuutura tle ficção. Porém,
Lacan não cessou de insistir sobre o lugar eminente designado por Freud ao assassinato
do pai, tal como é apresentado em "Totem e Tabu". A negligência ou esquecimento da função
que ocupa o pai morto na psicanálise conduz a um extravio em relação ao que ela ordena ou
determina: a economia do desejo.
Contudo, a partir do Seminário: AAnghtia, a função do pai seri deslocada da categoria
de fundamental que até então lhe havia sido atribuída. É o objeto essencial, o objeto a, que
virá desvelar a impotência do Pai, expondo o limite do registro simbólico, na medida em que
o Nomedo-Pai constitui o operador por excelência da simbolização.
l a a n demonstra que o pai todo poderoso que podia se havcr com o gozo do sujeito não
era outra coisa que um sonho de Freud, que aspirava, a todo custo, a salvar o pai. Assim, a
metáfora paterna, formalizada por Lacan a partir do mito edipico introduzido por Freud,
enquanto traduz o fracasso do Nome-do-Pai frente ao ohjeto a, expõe sua face de semblante.
O pai é um seniblante, um aitificio significante que não pode dar conta por completo desse
elemento opaco e mítico chamado gozo.
Esta insuficiência do Nome-do-Pai,apresentada no último capítulo doSeminurio 10, como
uma "contradição" entre o mito e a evidência que brinda a experiência clínica, conduz iacan a
prosseguir sua elaboração do ano seguinte em tomo de um Semi?zário sobre "Os Nomes do
Pai:'. Relativiza-se o pai como um nome entre outros, o pai deixa de ser único para ser plural.
Por causa da excomunhão de Iacan da IPA, tal Seminário nunca se realizou, só se conhece a
lição inaugural na qual é possível apreciar claramente a intenção de ir além do mito freudiano
do pai. Esta é a resposta que Lacan oferece frente ao esquecimento e a negligência psicanalí-
tica quanto a função do pai: levá-lo em conta e atrever-sea franquear o umbral do pai freudianoz.
Castração e significante-mestre
O Seminário 17: O avesso &psicanálise nos conduz ao enunciado radical de que a perda
de gozo não tem tanto a ver com o Nome-do-Pai, mas com o significante. A perda de gozo
como efeito da castração é resultante da operação do significante, do significante-mestre,
sobre o corpo. I
'Nmlogismo proposto por Lacan. que mndensa iorieié (variedade) e imilé (verdade).
Lacan,J. (198911952-561).Sminariol larpsir&. Pdidós: Buenor Aira.
Idem. ilWW002). "ln!mduction tua Rom~du~Pèie''. De~Nom~du~Pèw. Paris: Seuil. D D ~ I ~ I M
41.1 I 3 !I%<. 13',9 1'. ,.yn?r,m!u J; 10 r,w. ,*i~ d ~ ~ r d u t ~ > b. : kl , nx 4~ l'ul '!I\
I .I 3 h , . i : r I : : 0 1 t I ; W
morte etc., graças às quais se encerra o campo das questões que podem se estabelecer dentro
dessa comunidade.
Em outros tempos, em um tempo irrecuperável e irreproduzível: o her0i teve a solução para
algumas das contradiçbes fundamentais. O herói se define por um tipo de ato que elimina todos
'Fieud, S. e Ferenai, S (2001). Currespondmciarompkla. Vd. 1.i. y 1.2, mia! 255 y 395 Madri: Editorial Sintesis.
'Dhloatti~Com~t FFim
citada par Maro Focchi. (2000). "Una cualguiera". Buenos Aim: Paidoi EOL.
'Seminario ".ou p i r e " ~"El saber del analisa". inéditos. C l m 3.3.72,1.6.72 y 106.72.
%UM i996-97 diciado con Eric Laurent. Intdito.
lorge Luis Borgm. (1996). Olrarinquisinones.Em& editora. BrAs i
6Sujel~ nóds(2000).Paidos BsAr. y ''Diferencia remai; incardinimiento y devenii'. (1999). Rwisia.Mwa (i). Bs.4~:FfylNBA.
Opção Iacaniana no 50
Teoricamente, não é impossível conceher um idioma em que o nome de cada
ser indicasse rodos os pormenores de seu destino,passado efitturo.
J L. Bo~orges
Promessa
O termo Versagung foi tracluzido por Jacques lacan, entre outras formas, como promessa
não cumprida, decepção. Não é incongruente aplicá-lo ao conceito Nome-do-Pai formalizado
em "Uma questão [>reliminar...",se considerarmos as expectativas que se abriam a partir desta
época para situar a nosologia psicanalítica sustentada no tripé clássico: neurose: peiversão,
psicose. A metáfora paterna, em sua clara escritura! fazia equivalentes a produção da metáfora
paterna e o campo da neurose. Quanto à perversão, ela ficava quase resumida em uma frase:
"Todo o problema das perversões consiste em conceber como a criança, em sua relação com
a mãe ... identifica-secom o objeto imaginário desse desejo, na medida em que a própria mãe
o simboliza no falo".
Com relação a metáfora paterna, sua operação substitutiva (significante) tem como condição ne-
cessária o lugar primeiramente simbolimdo pela operação da ausência da mãe; de maneira que a
inscrição do Nome-do-Pai fica subordinada a essa simholização primeira ou primordial que opera
na mãe. Em uma versão estreita, pode-se dizer que a chave da metáfora está na mãe, mais do que
no pai. Ordem luminosa, que parecia clarear o caminho para que o analista se guiasse um pouco
melhor nas sombtx geradas nessa "insondável decisão do sei'. A conseqüência era também a
distribuição e diferença entre significação e sentido, este último presente, sobretudo, no campo
da psicose, a falta de significação fáiica para demarcá-lo. Uma nota de rodapé, datada de julho de 66,
vem escurecer um pouco essas águas c l m ao introduzir o objeto a, ausente da fónnula, porém
presente na estrutura, e que irá tomando cada vez mais o lugar de resto pulsional impossível de
simbolizar pela operação significante.Isco vem estragar um pouco a promessa clo Nome-do-Pai e
acaba levando à conclusão de que toda metáfora paterna fracassa. Daí que a neurose mesma ofe-
rece certo remédio a essa falha; a falha não se cura, mas pode terceiro remédio. O remédio nem
sempre é suficiente e trata-se então de oferecer algum remédio à neurose. A psicanálise que ofere-
cemos aspira a isto, e o notável é que consegue bons resultados. É por isso que se pode concordar
com Iacan que, na aula de 14/12/76, afirma que "a psicanálise é um desvio prático para sentir-se
melhor". Não deixa de ser um exercício de moclátia.
A experiência humana se estrutura em relação a três categorias, que são aquelas da expe-
riência analítica, destacadas porJacques Lacan, sob os nomes de Real, Simbólico e Imaginário.
Esses três registros são, fundamentalmente, heterogêneos.
Para se sustentar na "realidade humana", a dos discursos, para fazê-la consistir em suas
três dimensões, para criar e manter um laço social com seus congéneres, o sujeito precisa
manter juntos esses três registros, deve encontrar, para eles: uma medida comum.
Fazer assim consistir uma "realidade" que não tem nenhuma existência intrínseca, pois ela
é somente um véu tecido de imaginário e simbólico que serve para recobrir o real, é: no
entanto, necessário para o ser falante, para o sujeito, para se proteger desse real que escapa
ao signiiicante e a imagem, e que é, como tal, insuportável.
Essa proteção, que permite a um discurso se desenvolver e fazer laço; implica uma
contrapartida, que é liniitaçáo do gozo, senão sem limites, da Coisa primordial, dito de outra
maneira, da mãe. Esta limitacio procede da implantação da função do pai: interposição, inter-
dição do incesto, estabelecimento da lei simbólica são o fato dessa função.
O papel da metáfora paterna, substituindo o Desejo da Mãe pelo Nome-do-Pai, é, assim, o
tle permitir uni acesso aos discursos, mediante uma perda de gozo. Não se trata aí, em termos
lacanianos, d e nada diferente daquilo que a castração, em termos freudianos, opera.
O Nome-do-Pai realiza, assim, como Bejabung (dizer que sim) da realidade da castração, o
acesso do ser falante ao universo dos discursos e a proteção contra o Real que permite a
instauração do laço social.
Em outros termos, a função do ~omejdo-&ié de manter junto, para cada sujeito, um a
um: Real, Simbólico e Imaginário; e de peimitir fazer consistir uma realidade sem existência,
b
na qual pode, no entanto, se desenvolver laço social no campo dos cliscursos.
O Outro é fraco, tanto quanto osujeito.Não há Outro que seja ao mesmo tempo conlpleto
e consistente. Isto diz respeito i estrutura mesma do significante, que é diferencial, excluindo
por isso a referência absoluta. I
O ego, a escrita, a obra de Joyce é o Nome-do-Pai pelo qual ele se sustenta para existir e se
fazer um nome. Restauração artesanal que deixa enlaçados Real e Simbólico,sendo as epifanias
o que constitui o t r q o desse resíduo da reparação.
Suplênciareud]~-made,comoo Édipo, ou bricolageartesanal e na medida como em Joyce,
o I\'ome-do-Pai, assim revisto por Lacan no final de seu ensino e articulado na topologia dos
nós, abre para uma reformulaçao de toda a nossa clínica diferencial. Brefa que nos cabe,
w o ~ ki11 progress ...
Texto traduzido por Cássia Maria Rumenos Guardado
lacaniana
Op~ão n" 50
0 PAI FREUDIANO E O NOSSO
A Função paterna, questão fundamental na teoria e na prática psicanalíticas de Freud e íacan,
apresenta,entre um e outro, discrepânciasque merecem destacar-se.Esta mudança de perspecti-
va com respeito à concepçáofreudiana do pai se produz desde oconieço das elaborações lacanianas.
Para Freud, o pai é o representante e agente da renúncia pulsional que a cultura exige.
Como con~equéncia~ concebeu a função paterna de uni modo homogêneo, univalente, no
eiuo da proibição do incesto e do auto-erotismo. Deste niodo, ;i figura paterna assumiu em
sua teoria um caráter predominantemente hostil. Por sua vez, ao exercer sua função por meio
da anieaça de castrago, desperta o ódio especialmente no filho homem. Para um leitor de
Lacan, constitui uma surpresa encontrar no texto freudiano, desde o início, uma abordagem
táo unilateral da figura do pai pela perspectiva da restriçáo e da hostilidade.
Mais tarde (em suas historizações, em sua reflexão sobre a origem da cultura e a religião, e
a constru~ãoda segunda tópica) assiste-se à transmutaçáo do ódio em amor Mas, torna-se
claro. não só que este não reduz o ódio (daí o conceito de ambivaléncia), mas que assume um
caráter derivado e reativo que dissimula a rendéncia oposta. O amor intenso do Honiem dos
ratos não é senão a condição da aversão inextinguível contra o pai conio penurbador do gozo
sexual. O fantasma que sustenta a constituicão libidinal das massas: um chefe que ama a todos
igualmente, é um espelhismo: a transposição idealista da horda primordial em que os filhos
se sabiam igualmente perseguidos pelo pai.
Além disso, a figura de um pai do anior coloca-se em continuidade com a função de proi-
bição: dá continuidade a ela e a consolida, exercendo-se a seiviço da obediência que conduz
ao sacrifício da satisfação pulsional. Sela, na culpabilidade que engendra, a obediência
retrospectiva do pacto fraterno pelo qual se instaura a lei, seja na identificação (que reproduz
aquele estado cultural) que dá origem ao supereu: "Freud havia permanecido suspenso em
uma idealização do pai, o pai que diz 'não' ao gozo do filho, e que é o Fundamento inesquecí-
vel da renúncia às pulsões como o preço a pagar para ganhar o amor [...I"'. Em contraposição
a este pai que diz 'não', Jacques-Alain ~ i d e havia
r destacado, na ocasião da publicação do
I . . .
Setnitzúrioj,2 que o pai lacaniano, além de 'nao! diz 'sim': "Este seminário poderia servir para
nos darnios conta de que o pai diz 'sini': qle o pai lacaniano, ao contrário do que se cré, é o
pai que diz que sim. E seu sim é muito mais inipoiiante, mais prometedor que seu não".
Esse 'sim' tem no Setn.inárioj duas riferéncias. Uma explícita: a função do pai real no
terceiro tempo do Édipo, uni pai doador qbe se opõe ao pai proibidor e privador do segundo
tempo e que condiciona a instalação do id+l do eu. Outra deduzida (já que não é explícita no
Opção Lacaniana no 50
A generalização do Nonie-do-Pai,o lugar do falasser predominando sobre o do sujeito do
significante e o acento colocado na densidade pré-estmtural da lalíngua, em detrimento da
eficácia simbólica própria da estnitura li~güística,articulam Nome-do-Pai e nomeação. Esta
articukição produz uma mudançadecisivi na concepção da psicose, abre o caminho para uma
clínica borromeana e reestrutura os fundamentos para uma teoria do final de análise. Embém
renova a perspectiva psicanalítica sobre a política.
A necessidade lógica e clínica de vincular o Nome-do-Pai com a nomeação se desenvolve
no ensino de lacan nos Seminários "RSI;' e Le sit~rhome:o estatuto que convém ao Nome-do-
Pai é o do pai do nome. A ponto de mostrar, em Joyce, a função compensatória do nome
próprio, como fez apelo "a valorizar o nome que lhe é próprio as expensas do pai" e como "o
nome próprio faz aqui todo o possí\:el para se fazer mais do que o significante mestre"! Ao
mesmo tempo, I.acan sublinha que Joyce entrelaça sua vida coni a sua obra, e que a maneira)
pela qual se faz personagem de sua escrita, nomeando-se com outros nomes, "indica unica-
niente uma coisa: a tentativa de fazer entrar o nome próprio lia categoria do nome comum"!
Essa tlimensão ceextensiva do nome próprio e do nome comum em relação as vicissitudes
do Nome-do-Pai coloca em evidência um \4nculo entre um significante e uma operação, a
nomeaçào, que, como ato, vai além daquela do nome próprio, e tem conio conseqüência
fazer aparecer um vazio de descrição que esburaca o conjunto do sistema da linguagem. mr
esse buraco necessariamente escapa o sentido, mas tanibém, graças a ele, e sempre
assintoticamente, essa fuga pode ser detida.
Na perspectiva de sua generalização, os Nomes do Pai sáo as formas plurais da eficácia do
significante - como semblante - em sua função de sanção de significação.
A função de sanção (consentimento ou rejeição, adrnixsio ou expulsão, ~xnnissividadeou pioibi-
$0) se estatxlece em dois planos. Fbr um lado, na seleção de elenientos que se reconam da lalíngua,
com o que se determina seu caráter discreti e as implica eni uni discurso e, p r outro, no plano da
nomeação propriamente dita, incluindo a reblação dos efeitos de gom que esta opera@ provoca.
No prinieiro caso, a função de valoraç@ significativa remete a experiência do uso do sem-
blante, é o fundamento do amor ao pai (o amor ao pai é, envio, o amor ao sujeito suposto
saber nomear). É o fundamento da transferência que elucitia a experiência analítica e gera um
tipo particular cle autoridade cuja inciddncia é decisiva na constituição e na orientação de
coniunidades, lias quais o saber e o sujeito co-existem. É a autoridade cliamada epistêmica
pelo lógico e matemático polonês ~ochenslo:em seu texto "O que é a autoridade".
I
Dezemhro 2007 250 Opçáo Iacaniana no 50
função que tem, em seu próprio ensino, o Nome-do-Pai,ao articular o significante e o signifi-
cado como ponto de basta. Isto se articula a clássica função cle nomeação (dizer o que é, dizer
o que há), que está perfeitamente situada na língua.
Mas,quando se trata da nomeação como ato: Lacan já se refere ao conceito de "lalíngua",
que "coloca em questão a evidência da comunicação"', pois o que Lacan traz com a "lalíngua"
é que o que se diz serve ao gozo, que é esta a sua função própria e "não a comunicação".l No
ato da nomeaçáo se enxerta ou, pelo menos, se superpõe algo que faz sentido no real. No
último ensino de iacan, o Nome-do-Pai "associa o simbólico e o reaP.6 O Nome-do-Pai "desig-
na exatamente o efeito do simbólico enquanto ele aparece, enquanto apareceria no real'".
O Nome-do-Paié um operador político por excelência. precisamente pela sua icliossincrasia
de agente da nomeação.
Sabemos que a disputa do poder político é também uma disputa pelas significações dos
significantes de domínio social?
mas muito diretamente na instalação de ficções jurídicas e ideológicas que são instmmentos
de manipulação dos significantes mestres "com os quais se tenta pegar o sujeito"?
Uma das mais nefastas realizações desta operatória nominalista ocorreu na Argentina
durante a última ditadura militar, com a montagem de um sistema de apropriação de crianças
como parte do exercício do poder político que contava, no próprio sistema administrativo,
com discursos consagrados
- a fundamentar em um cinismo "altniísta" o exercício da violência
para a apropriação de crianças". A induçâo identificatória, que foi sua conseqüência imediata,
constituiu-se na tentativa nominalista misiva mais tonuosa da nossa história recente, com o Dro-
pósito de enxertar, começando por novos nomes próprios, significantes com os quais desviar a
causa e o percurso do desejo progenitor, querendo tomar anónimo um desejo que não o era.
Para isso foi necessário subsumir a vontade dos apropriadores ao desígnio de um mestre
covarde. Covardia que implicou em manter em um âmbito fechado suas obscuras vontades, e
que os incluiu de fato em uma comunidade de gozo anônimo."
A violência é a realizacio, no laço social, do Nome-do-Paicomo pai do nome, entendendo-
se por realização o uso do Nome-(10-Pai além da sua condição de semblante, o que pressupõe
dele anular essa condição. Trata-se de uma substituição desviada de sua função de semblante
por sua reali7ação efetiva. Com esses mesmos recursos podemos tentar uma aproximação do
que entendemos como democracia. ~ s d ma, democracia consiste na consuução das ficções
jundicas que assegurem o trabalho de r9stituiçáo permanente do uso social do Nome-do-Pai
como semblante, perseverando em recuperá-lo das realizações às quais o submete a insistên-
cia da pulsão de morte. I
O roubo de bebês na última ditaduh militar foi uma forma particular de extermínio, ao
decidir eliminar a dimensão subjetiva daI descendência como tal. Urna resposta singular cons-
I
Dezembro 2007 i 252 Opção Lacaniana no 50
A prova de DNA, capaz de constatar a filiação comando por base o real definido a partir da
ciência como herança genética, mesmo que possa trazer certeza em relação a identidade civil,
estabelece -se o próprio sujeito não for imputado por nenhum delito e rejeita esse meio -
uma via d e nomeação que merece algumas considerações criticas.
A dimensáo ética que supõe 'Avós" como ato é mais compatível com a proposta aos jovens
de uma escolha forçada na ética do desejo do que com um forçamento no real do organismo.
Forçamento pelo qual se obtém uma verificação técnicocientífica que não deve ser confundida
com a verdade adequada aquilo que um sujeito -que não é acusado de nenhum crime -está
em condiçóes de admitir como saber.
A evidência psicanalítica autoriza a deter-se onde não é possível calcular os efeitos de uma
nomeação que resulte da injeção de um saber do real da ciência em uma trama subjetiva que
não quer saber
Violentar esse 'não querer saber' pode provocar desde uma irrupção de angústia maciça,
até fenômenos de despersonaliza~ãomuito profundos e irreversiveis, se esta rejeicão. . ao sa-
ber é um modo de suplência de uma falha simbólica, suplência cuja comoção pode desenca-
dear uma catástrofe subjetiva.
Texto traduzido por Stella Jimenez e revisado por Elisa Monteiro
'Lacan, J. (2W5). LeSéminaire. Iir~rcXYll:Lesinlhomi'. Pans: Spuil, aulade IOde lweieiro de l9i6.
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"Ver em Ornirnri Digilal, (263), o teno de Samuel k' t a etooquisla de Ias maras de honor".
%'As"Avkda Prata de Maio" ~onstiliiemum iniportaote gmpo de màa de filhos desaparetidos,cuim nela peoueom e principalinenle hbk nascidos em
Do singular ao plural
A época atual, hipermoderna, tecniciiada e globalizada, dá conta de que o pai de então
não é o de agora. Se antes o pai podia ser situadomelhor: hoje a coisaé distinta, o mundo está
unificado, globalizado mas não através do Nome-do-Pai,que fornece uma identificação Única,
mas se trata de um mundo mais individualizado, em que cada um tem suas próprias e peque-
nas identificações.
A situação atual é aquela que, de algum modo, iacan antecipava com o capitalisnio a que fazia
referência por volta de 1973? um círculo sem fim; nesse sentido o capitalismo anda como sobre
rodas, muito rápido, não pode andar melhor, e assim se consome6.k b é m iacan, de alguma
forma, nos dá uma antecipação desta época quando propõe a pluralização dos Nomes do Fdi.
O importante é precisar a passagem do um ao múltiplo, do singular ao plural, é a passagem
do religioso a ciência (ou a técnica). O Nome-do-Pai alude a Deus, ao pai freudiano, ao pai
morto; pelo contrário, a pluralizaçáo dos Nomes do Pai, não é mais que uma pluralidade que
rodeia uma funçãoi. "É preciso que qualquer um possa fazer exceção para que a função da
exceção se converta em mode10"~.
Um sujeito qualquer pode fazer exceçao,basta uma contingência que se inscreva em alguém
como um sintoma e que faça letra. Qualquer um pode fazer de uma mulher o objetou, causa de
seu desejo, que ela o consinta e que, por sua vez, se ocupe de outros objetosu: seus filhos!
A realização biológica e sua inscrição legal não são suficientes para dar conta da paremidade,
é necessário que um gozo se inscre\:al0.Qualquer um pode fazer modelo da Função sintoma,
mas para que isto ocorra, um goza deve ter se inserido nesse sujeito com relação a uma mulher,
um gozo que o excetue dopara todos da função fálica.
Isto é apère-uersión do pai: que a causa do desejo seja uma mulher, quer dizer, seu sintoma.
Nós nos damos conta de que é um gozo por inteiro,diferente do gozo do pai vivo que gozava de
todas. Aqui se trata de um pai que está vivo por um gozo que o conduz ao outro lado das
fórmulas da sexuacão, onde o espera uma mulher que será seu sintoma.
Deve-se insistir na noção de modelo que iacan eqtá utilvando aqui. Em fisica, o niodelo é um
modo cle especificar uma teoria científica de tal forma que permita a descrição de uma zona resuita
e concreta do campo dessa teoria. Nesse sentido, o modelo implica um sauificio do detalhe e emti-
cião. Se o modelo 6 bom, será compensado por um ganho de simplicidade ou intuição. O modelo
Funciona como intermediio entre a teoria e a experiência. Aplicado a psicanálise, lacan está nos
. .
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designo; J. i\.hliller ein hmandaiuha (h~~:!!w~<~wa~olorg0, i a a "miquina do oãotodo", que tudo torna objeto. não (c; Miiler, J. A 'Intuiiioiis
.
. . 11.. Paris). Ouanto aos "futilitános".. oermito-me remeter o leitor à akrtiiradoXIV Braileiro do Camw Freudiano. CI Weira. M.
milanaisa". Mental (I?]:
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9cl hlillezl. .h "lntioduclinn à Ir leclure do Séininaireliin~oIssee'.10 uruse/re~tdiennc. (59!:88 e Zenoni, A. 'Lecorps de Ia phénoménologie'La cause
fieudinn~e, ((59!:106.
Um caso de per(pai)-versão
Um paciente de idade madura revela uma obsessão em relação ao seu filho primogênito.
Pai de família, divorciado, durante seus longos anos de análise ele desdobrou um cortejo de
lamuriosas reivindicaçóes a respeito do pai; uni patriarca autoritário, do qual ele não conse-
guia livrar-se: era um Anquises suportando o peso da vontade paterna, seguindo sua niesma
carreira profissional, e assegurando o renonie de uma dinastia financeira. Ele mesmo organiza
a dependência de seus filhos, mantendo-os financeiramente por tempo indeterminado. O
sujeito se autorizava pouquíssimo a gozar desta vantagem.
Nele, a abnegação se conjuga com uma prática de ascese rigorosa, baseada em um niodelo
do pai pelo lado de suas necessidades, enquanto clc joga seu dinheiro pela janela,
depauperando seus bens com suas aiiianLes.
No curso de sua análise, o nosso homem elabora a lógica que amarrava o fracasso de sua
vida amorosa ao mito de um todo-poder financeiro estéril. Então ele renuncia ao seuporlacb
(ritual de revanche), e se autoriza a romper com o que lhe destinava sua história familiar. Ele,
que vivia até este momento sem ambiçóes, contentando-se em ser um administrador leal da
fortuna do seu pai, lança-se em uma carreira d e homem de negócios, decidido e agressivo Ele
muda de vida, volta a se casar. Resumindo: constrói seu nome.
E no contexto dessa separação que surge sua obsessão: ele humilha seu filho em uma
paródia de sodomização. O ensejo sublimatório custa-lhe um saldo cínico; a nova ambição se
conjuga com o imperativo insuportável: e aqui se evoca o sacrifício de Abrão.
A culpa do pai é o seu gozo, para além da dívida imaginária. Constmindo um nome, o
sujeito rompe uma cadeia de geraçóes submissas. E agora ele faz seu filho pagar, sem que ele
mesmo tenha elucidado antes o preço que pagou pela sua própria submissão ao gozo avaren-
to do pai. Ele haverá de descobrir as benesses desta nova nominação.
Texto traduzido por Ccsar Skaf e revisado por Maria de Souza
1 llfl
' I M I IiJ. 1P *7811>~,1reL.. h m ~ i ~ o ~ . : i l , ~ i ~Iri ~~n , ~i ~..n,i ..il;m l ~
~
"Freud, S. (1923119Sl). "te Moi e! le $a". In ~ Q ~ d e p ~ d u n aParis: ~ s ePUF, . p.256: '.o ódio náa é somente, com uma regularidade inesperada, o
companheiro do amor (ambii;llência). ~iiosnmenteseu precumr frequente n a relagóes hiimanas. como tainMm, sob todasorte de condições; o ódiox
transfoma em amor e o amor em ódio:
Tacan, J. Encare, op.ril., pS4.
"Clémenl, C. I'A haine de soi, ili 1.a Haine'. hfogalirg<i;inrLilléroire, op. cil, p j l .
"l.aurent, É. Uuin 2002). ' t a honlp d Ia hrne de roi". In Elticidnlion: 0.29.
"Lacan J. (197i)Le Shiimire, L i i r e m , Enco. Paris: Seuil. p.82.
"lbid, p 9 t '' Não se pode mais odiar Deus, se ele mamo, notadunente, náa sabe nada do que sp p a ~ a " .
Quando Lacan evoca o buraco que provoca, no Outro, essa exclusáo do Nome-do-Fai que
provoca sua "fora~lusão"~ a rejeiçáo assim operada náo atinge a pessoa do pai, mas o significante
do Nome-do-Pai.lacan articula o sintoma deloyce -Joyce o Anista - nos seguintes termos: "Ele
permanece enraizado em seu pai renegantlo-o"'! 0 termo "renegação" é um termo forte. A
rejeição da qual se trata visa a ligação de pertencimento do elemento ao conjunto: NP//A.
Quando a ligação é rompida entre o Nome-do-Pai como significante e o Outro enquanto
lugar do significante, o sintoma, do qual fala Lacaii a propósito de Joyce) escreve o paradoxo
que consiste no fato de "estar ligado a qualquer coisa com a qual se rompeu a ligaçáo".
iacan indica que, em Ulisses: há: para Stephen Dedalus, "um pai em alguma pane': Esse
pai não é seu pai, Siinon Declalus, iiias Leopold Bloom.Jdcques Aubert chamou a atenção para
um tipo de encontro faltoso a mostrar que, no caso de Stephen Dedalus, o significante do Pai
falha em satisfazer a sua função de significante. Bloom convida Stephen, que não sabe onde
dormir, para ir a sua casa. Stephen recusa esse convite: '#proposta de asilo foi aceita? Pronta
e inexplicavelmente com amabilidade, com reconliecimento, ela foi re~usada."'~ Essa evocação
de um desvio tal, de uma evitação tal, de um retomo tal, tem uma ressonância heckettiana.
Lacan comenta assim essa recusa: 'A Bloom, um pai que procura um filho, Stephen opõe um
'muito pouco para mim' depois do pai que eu tive, "j'en ai soupe. Mais pai'"O. O significante
Pai, Stephen não o quer mais.
A conseqüência é que, lá onde Santo Agostinho, em sua relação com a metáfora do Fai,
"encontra" a fé, Stephen Dedalus a "perde'! Agora que Stephen tem dezesseis anos, seu amigo
Cranly o pressiona ate suas últimas defesas. Se ele perdeu o amor de Deus, pelo menos pode se
aproximar do amor da mãe! Porque é o argumento de Cranly, "o que a mãe 'sente' quando
carrega a criança em seu corpo, isto ao menos é 'real""'. É a carne desua carne. Reencontramos
aqui o que funda a ligação à mãe: isto é) o que iacan denomina, em seu "Discurso aos católicos",
"uma carnalidade nianifestax. Os demônios da carne atormentam Ste~hen.-loyce. . sobre esse
,
ponto, se refere precisamente a Santo Agostinho e a Fascal. Stephen esrá envolvido na concupis-
cência da carne. Eis aí seu inferno: "Estava lá a obra dos demônios: dispersar seus pensamentos,
obnubilar sua consciência, deixando a carne covartle e corrompida.""
Opção lacaniana no j0
A teoria do passe formulada por J. Lacan parte de um questionamento do Édipo, do
obscurecimento e da coagulação que produz na prática da psicanálise adefesa do Pai ideal, do
Pai morto1.
Desde esta perspectiva, esse é um novo procedimento para avaliar a formação dos analis-
tas, da passagem do analisante a analista e a conformação do desejo do analista.
Para conseguir isto, é indicado ao jurado do passe'avaliar a ideologia edípica presente no
fim da análise, a partir de:
1 - No simbólico: a crítica do mito edípico.
2 - No imaginário: retificar a forma@o dos analistas nas sociedades psicanalíticas, pela
função que elas atribuem ao pai ideal, por se constituírem conforme este ideal do pai.
3 - No real: a ascensão de "m mundo organizatlo sobre todas as formas de segregação,
correlato a universalização do sujeito procedente da ciência.
Esta formulação sobre o passe acarretará muitas controvérsias, entre outras coisas, porque
se diferencia do desejo de S. FI-eudcomo analista, o qual se direcionava para a sustentação do
pai ideal através do Édipo. Perante isto, iacan formaliza o mito sob o significantedo Nomedo-
Pai, e responde com um desejo do analista que estaria inscrito na frase barroca: "o pai, é
possível prescindir dele com a condição de se seMr dele".
Atualmente, a incidência do ensino de J. Lacan conduz também a pergunta: qual é a pre-
sença do "desejo de Lacan" na prova do passs.
Neste sentido, noSeminárioX7lele reconhece a pertinência daqueles que diziam que seu
discurso "participa do barroco"". A partir disto, F Regnault qualifica tal desejo como elíptico,
sublinhando que sua escolha advém da metáfora kepleriana: da elipse, na qual eni um ponto
está o foco e no simétrico não há nada, como uma escolha ética, uma marca de estilos.
A propósito disto, J.-A. Miller falando desse tema, afirma que se deve introduzir a expres-
são e a pergunta do "desejo de iacan", a partir do próprio Lacan, para que o uso dos seus
significantes não tenha como resultado uma cena identificação com ele, e que isto constitua
um obstáculo
Desta forma, pensando que o desejo de iacan pode ocupar um dos focos da elipse, não
resultará na mesma coisa caso ele ocupe o foco solar ou o foco vazio, sendo o motor da nossa
errância, ou o Nome-do-Pai como buraco. Então, ampliando esta fórmula: a estrutura do dese-
jo do analista se faz algo opaco, um por um, o que ilustra como se tem franqueado a neurose
O p ~ i lacaniana
o no 50 283 Dezembro 2007
particular a posição do analista. Na sua configuração participam, por um laclo, as razóes que
cada sujeito mantém na sua tlecisão pela psicanálise e a incidência do desejo de Lacan nesta
decisão, e, por outro lado, localiza em cada analista o preço que pagou para conformar seu
desejo ao desejo tlo analista, e qual s e d o grau de divergência com o desejo de Lacan.
Mais ainda, isto reafumaria que no final se estabelece uma relação panicular à psicanálise,
organizada desde um modo-de-gozar e de um estilo de vida.
De maneira geral, a referência ao barroco será fundamental no ensino de Iacan para pen-
sar oparlêtre e a sexualidade,a relação entre o Nome-do-Pai e o gozo feminino, e para localizar
a psicanálise em relação a ciência e a religião. Neste sentido, pela vertente religiosa, a arte
barroca tem sua raiz na doutrina católica do pecado original. Surge com a Contra-Reforma,
em resposta aos questionamentos luteranos, e revela o "saber-fazer"que a igreja tem, adverti-
da do fator deterniinante do escópico sobre o sujeito, em relação ao fato de que, por um lado,
está a ordem do gozo e: por outro, a ordem da verdade, e que ambos podem e devem conv-
ver, mas não devem estar misturados. Numa operação onde a verdade de~uao gozo tranqüilo5.
Por isso, depois de confirmar o "obsceno" dessa arte da exibição de corpos nas igrejas de
Roma, hcan o define como "uma regulação da alma pelo escópico corporal". Acrescentando
que isto é uma paródia do cristianismo:que inscreve, por um lado, a paixão de um corpo que
sofre e, por outro lado, inventa um Deus que é aquele quem goza; para traçar um binário no
qual, de um lado, está a lei da linguagem, a função do Pai que proíbe, outorgando a ele a perda
de gozo, a função de guardião do sentido sexual e do gozo fálico; e por outro lado, uni "mais
além" do gozo, um gozo suplementar, feminino.
Do que se deduz que, enquanto Freud se detém no Nome-do-Pai, retido numa lógica que
preserva um universal no qual vale o "para todo x'': para Lacan, o fim da analise é um percurso
que perfura a metáfora paterna até o desejo da mãe, incidindo no gozo suplementar da mu-
lher que excede todas as meclidas, e que pertence a um conjunto logicamente inconsistente,
denominado "não-todo".
Pelo lado da ciéncia, o barroco mostra como o sujeito foi afetado em toda sua representação
imaginária, a partir do niomento em que uma posição simbólica mudou para ele. A propósito
disto, É. Laurent comenta que no momento em que apareceu o sujeito da ciência, a ane com a
anamorfose, através dos efeitos ópticos, produziu uma reinscrição do corpo sobre as paisagens
imaginárias, reinstalando "as novas bodas do corpo e do espaço" que a ciência tinha rompido7.
Neste sentido, o quadro de Holbein, "Os embaixadores", é uma metáfora do tratamento
analítico e do passe, na medida em que mostra como o neurótico escolhe seu próprio ponto
de vista para que não lhe apareça a cavjira mortuária da anamorfose. Questão à qual se chega
na saíd:~,e que pode ser teorizada de diferentes modos, conforme seja foi-mulado o fim em
relação à morte: à verdade: c/ou ao goz ! , porém, em qualquer caso, a invenção do final - e/ou
'P
a criação ex-nihilo que Lacan propóe - nao - se sustenta exatamente no Nome-do-Pai , mas se
situa mais do lado dos filósofos taoistas!, que declaravam que "o vazio está no i n í c i ~ ' ~ .
8
Desde o ponto de vista da retórica, barroco produz tropos de oposição: ironia, antífrase,
sarcasmos, etc.: se diz com o tom o opdsto do que se diz com as palavras. O mesmo funciona
como oxímoro, como corte assemânjico, que produz e mantêm todo tipo de discursos
I
Dezembro 2007
I 284
Opção lacaniana n" j O
semânticos, como a variável introduzida no discurso da suposta identidade. Isto é a contin-
gência que retorna ao necessário9.
Desse modo, pode ser concebida uma matriz de uma linguagem passional entre a pulsão e a
definição do eu como aparato ret~rico'~, seguindo a homologia que faz Lacan, no texto 'A ins-
tância da letra...":entre os mecanismos de defesa do Eu, os tropos, e ai figuras de retórica, onde
menciona entre elas a perífrase, a elipse, a suspensão, a antecipação, a digressão e a ironia".
No meu caso particular, nos testemunhos como AE, seguindo estes aspectos, pude descre-
ver um arco temporal do sujeito que ia da perífrase a ironia. Das proibiçóes, convençóes e usos
da linguagem da neurose - ordenada desde os Nomes do Pai frenre a um real sem l e i , até
alcançar, através do bem-dizer, outros modos discursivos para as combinatórias fantasmáticas.
Especificamente, a perífrase, que consiste em utilizar unia frase para dizer o que poderia
se expressar com uma palavra, ilustrava deste modo as "muitas voltas" do sujeito, "as palavras
demais", para amortecer a relação do enunciado com a enunciação, como tentativa de
complerude do sentido.
A outra figura, a ironia, sem sair dos efeitos da linguagem, denota um vetor cujo horizonte
é o Outro barrado: o S(d). Ela, longe da zombaria, nos interessa enquanto uma enunciação
irônica que diz o que quer dizer, porém não se tem com isso a relaçáo que têm os demais.
Isro pode ser vinculado com a mençao que faz Freud da perífrase, em "Totem e Tabu", para
descrever o fenômeno no qual algumas culturas usam esta Figura no lugar de pronunciar o
nome próprio, como parte dos tabus nominais ligados à tragédia mítica".
Desde então, se paitinios da mesma como um meio de designar socialmente uma pessoa,
ou um objeto, por uma "outra coisa" que não o seu nome - como era o caso do sujeito que só
se reconhecia num pseudônimo - se chegaria à ironia como o modo que permite a aproxima-
ç2o a uma comunidade, ainda que sempre persista a inadequaçáo do sujeito a dita comunida-
de lingüística. Deste modo; se faz efetiva uma inscriçao no ponto no qual alguém se identifica
ao grupo, o Si que permite ter um pé no Outro, mas que, também, tem um pé na fantasia.
Ainda assim, se o mito freudiano do pai se inscreve no traumatismo e na repetição", e
segundo as fórmulas da sexuação garante o "Todo", a perífrase seria um modo retónco de se
localizar do lado masculino, com a crença tola de que as mulheres constituem uma classe, ao
modo dos homens.
A propósito disso, o tratamenro do nome próprio tem no tratamento analítico um valor
Fundamental, onde o nome -que marca e enoda o corpo - era o signo das imposições, dos
desafios, do "sem limites" da mãe, e signo de como se encarnava em sua pessoa o luto da mãe
por um "grande amor" do passado. Eram formas onde se estabelecia a conexáo entre a iden-
tificação fálica com o Nome-do-Pai e o desejo do Outro materno, cuja castração era tamponada
por este circuito, o qual, na experiência analítica, será conduzido a sua inconsistência: abrindo
a possibilidade de autorizar-se no discurso do analista.
Para esta questão, foi necessário saber que o supereu não é fruto da interdição do Pai, mas
que se trata da voz da sunnaitié - forma em que Lacan descreve o supereu feminino para o
homem e para a m u l h e r : o imperativo mortífero, que é mortífero para quem rejeita enfren-
tar a originalidade da p o s i ~ feminina,
o para aquele que negaria a origeni de um dizer feminino
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2. Na sua Teoria de Turim3,Jacques-Alain Miller propõe o que ele chama sua teoria da
Fscola. Em uma hcola, ele diz, tudo é de ordem analítica e é com essa condição que ela é
interessante. Ele apresenta esta proposição como um axioma e também como uma verdade
de experiência.
Se tudo na Escola é de ordem analítica, é porque ela procede do desejo do analista,que é "o
desejo de separar o sujeito dos significantes mestres que o coletivizam, de isolar sua diferença
3. Pelo contrário, se o coletivo provem da Iógica do universal, ele pode se soldar>de uma
maneira quase religiosa, em torno de uma Iógica que eu diria do anonimato - não se fala mais
em seu nome, mas em nome do coletivo. Pode mesmo acontecer, nessa Iógica, que se faça
equivaler este apagamento ao cúmulo da desidentificação, aquela que permitiria enfim de se
juntar em comunidade. Aquele que faz exceção é então chamado à ordem, porque ele coloca
em perigo a comunidade.
O apaganiento do que seria uma enunciação pessoal, em rela@o ao discurso admitido e
autorizado,náo é no entanto sinal de umadesidentificação, mas marcapelo contrário a peninência
à comunidade na qual cacla um se veste como com um uniforme. Cada um se coloca então na
classe dos apagados, de todos igualmente apagados que sustentam o mesmo discurso, diante, é
claro, do pai morto encontrado no seu lugar e do qual se transmite a herança.
Essa pertinência implica sem dúvida algumas vantagens não negligenciáveis: faz-se então
parte da família, não se fica só e, se se é bom aluno, colhe-se amor. Mas, a que preço?
Eu diria que esse apagamento é apedas um dos nomes do culto que se pode votar à castra-
ção. E que aquele que avança sob a máskara da castração se expõe ao retomo do gozo sob as
espécies do sacrifício e da mortificação. O que tem como efeito, por outro lado, de colocar o
saber na prateleira do museu, porque nada, nesse caso, deve se mexer. O pai ele mesmo não
pode acordar.
A experiência de uma Escola, no sentido de Lacan, é diferente. Ela náo é mais fácil. Não é
:estão, aqui, de se confundir no coletivo ou no anonimato. Age-se em seu próprio nome,
i por um, o que comporta evidentemente maior número de riscos.
!
O desprendimento do objeto
Esse segundo tempo do desprendimento do obieto do campo do Outro toma efetivo o
primeiro, da equivocação, em um efeito aposteriori. Este desprendiniento permite uma relação
nova ao saber, ao gozo e ao pai. Os AE daAi\IP mostraram a que ponto o ato náo visa tanto, in
fine> se opor a uansferência pela dessuposição, mas fazer cair o maisde-gozar fora do lugar
do Outro no qual o sujeito o havia alojado.
Desde então, como o mostra iacan em "O ato psicanalitico, resumo'" é a partir do objeto
desprendido e enfim reduzido à uma consistência de pura lógica, que o ato se toma possível
para aquele que cessa de ser analisante. Este pode se autonzar a se tomar o semblante deste
Conclusão
Graças ao sintoma que se tornou sinhoma: um ser falante se sen1edo pai como de uma
amarraao topológica. No fim de uma analise: o analisante se identifica com o sinthoma, com
I
Dezenihro 2007 i 292 Opção lacaniana nC'50
No discurso do Analista "é o próprio objeto que vem no lugar do mantlamento. É como
idêntico ao objeto a, quer dizer. a isso que se apresenta ao sujeito como a causa clo desejo,
que o analista se oferece como ponto de mira para essa opera@o insensata, uma psicanálise,
na medida em que ela envereda pelos rastros do desejo de saber"'.
Fazer semblante do ol~jetoa cria a possibilidade de fazer surgir o desejo cle saber a panir
da colocação em ato do que Freud denominou associação livre e, assim, fazer valer a transfe-
rência como possibilidade de construir um saber no lugar da verdade para um sujeito. É uma
verdatle que difere da que é protluzida pelo Discurso do Mestre. Ao abrir mão do seu gozo e
ao privar o escravo da possibilidade de dispor de seu corpo, o mestre acaba deixando-lhe o
gozo. É este gozo que o mestre exige de volta pelo viés do mais de gozar que nunca poderá vir
a ser causa de desejo, pois, para o mestrel a verdade está interditada. Interditada pelo gozo
produzido e por nada se querer saber das "fantasias mortíferas"' que se sustentam sob esta
barreira do gozo: aqui a articulação tla Fantasia é impossibilitada. Em outras palavras, nada se
pode saber da divisão do sujeito, pois "odiscurso do mestre exclui a fantasia'".
Enquanto para o mestre o saber está excluído, pois só interessa que "isso caminhe", no
Discurso do Analista verifica-se que o satier se escreve no lugar da verdade, dizendo da pre-
sença em ato de um deseio de saber
Esta reviravolta do discurso tem como sustentacão o que pode ser escrito do Nome-do-
~ ~
Pai, estabelecendo um campo de saber que pocle ser interrogado em função de verdade. Esta
possibilidade decorre do fato de que só há um sentido se o Nome-do-Pai foi inscrito, produ-
zindo o que chamamos de: significação fálica.'
Esta inscrição é a possibilidade de fazer do objeto "a':causa de desejo.
Será importante relembrar aqui o trajeto do conceito de Nomedo-Pai no ensino de Lacan.
Na metáfora paterna, primeira tentativa de lacan cle formalizar o Éclipo, é possível acom-
panhar seu esforço em fazer passar o pai do mito i estrutura. Para isto, ele constrói, a panir
clos complexos familiares, uma estrutura que coloc:i pai e mãe como significantes:o pai é um
nome e a mãe, o desejo. O Nome-do-Pai é aquele que articula a interdição do incesto com a
castração, propondo o falo conio respostaao desejo da mãe. Em outras palavras. na metáfora
paterna estão enlaçados o desejo e a lei. ,
No entanto, essa operasão não trata os tlestinos do gozo que está incluído rio desejo da
niãe. Apenas demarca a função paterna emisua vertente de dar um sentido ao gozo que para-
sita o sujeito. A metáfora deixa de fora o re&o irredutível à simbolizaçãodo Nome-do-Pai.Este
'ii versuo do pai - dfererlte eni cada caso - é o quepossibilita pôr em relação o
airtístico do si?ztoina com urnparceiro singi~larJá nüo se trata da crença de que
qualquer coisa épossiiiel e iampouco seu oposto, onde tudo seria i?lacessi~'elTrata-se
de un!a uersrío uiua de como se harier c0711 o Outro smo. \'&-seque aqui tenlos uinrr
referência a um gozo linzitado. Como disse/ Lacan, Q opai do aperitivo (a-pere;o
objeto a e opai). de u>ngozoajustado a irm peqireno 'p1u.í"'
'l.aca,J. (1992) 0srmird"q. l i m 7: o ovmdapriunúiise. Rio dejaneiro: Jorge Zahar Editor, p.99.
'Idem, ibidem, p.101.
'Idem. ibide~n. I
'MiileS ]-A. (2001):'la Nom~du-Père,c'kstceS, qui murpeimetde~abriqucrduse~s, avec de Ia j o u i w c e (.) h Nom-du~Père,enefiet.c'ksf un S,, c'fst~
à-diie cequi aideànndre lirible lks afiaire, paide àrendrelisible Ia jouissancet Pièces détachk ; sepiièmeséanceduCaurs (mscredi 19 iamim ZWI).
Warpuiek E Siie da AMI': Biblioteca do F'arse: ~~.wapal.orglmierpb~m!umariosiiemplak~.arp
<'O nome mmum parece mncerniraoobjeto na medidaem que, com/ele, h i umrentido. Se algoé um nomeprópno. é na medidaem quenáoé o sentidodo
objeto o que lew consigo. mar algo da ordem de uma mara aplicada. de alguma forma, sobre o objeto, suprposia a ele...(...I Colao que náo pode liaum
d c f i n i @ o d o n o m e p d p r i o x n i o n a m e d i d a e m q ~ áodaemissáooominantccomaIg0q~e,emsuanatu~~ara~d,édaa~demdale1~
( ) O que fica (d1 imagem) é algo da ordem daie L ~ u &
T unánooa:medida em que funciona mmo dktintivo e pode, para a ocasiáo, exercer o papo1 &
marca" Lam,J. "Seminário C( - A Identificrgo', Cuno de 20/12/61, inédito.
'hliller,]. A. (2001). Silel. RiodeJaneiro: Jorge Zahar Ed., p.261. 1
pLacui,J. ($966). "&nmanlhdenls: lu &riir.Pans: h i l . p.6.
'Nesia frase o lermo déploretne~zfe uma relerènua à frase an1enor:pcrionnrndtplacées.literaimente cpmruas derlaaiiaie, lraduzido por *refugiados..
Por iso a decisão de sutaiiiuir ~déplacemenrapor refúgio e ã o pela lradujãa literal. -dalocamenio~.
'Laran J. (2003). ''Telwi& In O u l r n ~ ~ ~ i Riol o rde. janeiro: JZE, p.513.
'Idem, ibidem. p.543.
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A m b u r u J. Eldesm de1 mulish. Ed. Hacha.
"hlillerJ-h. Rn~isloFrcudiatrn 41, Ed. h u e l a Euiopeade Pricoanálisis.
"hliller J-.I.Canferencia. Inédiia
Éna medida e171 que o discum do mm.e einu que o Sz se divide.A diuixic da qualse nutu e ayirela
do símbolo e do si>~tomaEM diiiisüo é, scpxhna~dizerm'm, reJetidapela d i m o do sujeifoifo2
Jucques k c a n
Deixando de lado a questão de saber como o analisando lida com sua divisão, essa herança
do Nomedo-Pai, voltaremos nossa atenção para a maneira como o poeta lida com esse símbolo
e esse sintoma.
Tal é efetivamente a interrogaçáo de Lacan: "em que o artifício pode visar expressamente o
que se apresenta de início como sintoma? Em que aarte, o arcesanaro,pode driblar (déjouer),
se podemos dizer assim, o que se inipóe do sintoma? A saber, a verdadeY4 (grifo meu).
Em que, então, a arte dribla a \:erdade do sintoma? Notemos que déjouer (driblar) é um
deri\:ado de jouer (jogar). Ele vem do latim jocus: jeu (logo) que, no francês arcaico, deu
origem ajongler (jogar)' ejongleur (saltimbanco), assim comojo~~au (ióia), que reencontra-
mos em inglês e em alemão íjewel,juwel). Pode-se dizer jogar com sua jóia? Com seu falo?
Aliás, a etimologia sublinha se dejuer: se réjouir (regozijar-se),se distraire (distrair-se).""
Dizer "gozar de seu sintoma" iá decorre de nossa d a w psicanalítica. Mas dizer s'en réjouir
(regozijar-se com), s'en di.~traire(distrair-se com),joua avec (jogar com), le déjouer (dribrá-lo),
abre uma perspectiva completamente diferente. Com uma única palavra, "déjouei' (driblar);
Lacan nos instala em uma lógica compleramence diferente daquela do analisando.
Vamos ver então como o poeta sabe jogar e driblar o sintoma a partir da questso do Nome-do-
Pai, nos apoiando, para tanto, em Francis Ponge: antes de estender a problemática a outros poetas.
Francis Ponge (1899-1988) tinha vinte e quatro anos quando perdeu seu pai eni 1973. A
figura do pai dominará por muito tempo sua obra. No mês seguinte a esse faleciniento, ele
escreve um poema, Lu fatnille du sage, que constitui um Túmulo para seu pai.
Ele considera esse poema unia dedicatória de toda a sua obra a seu pai8que foi entáo fonte
e tronco. Somos, assim, de entrada instalados em uma metáfora paterna.
Eni 1929, escreve dois outros "Túmulos" para ele. Le Monument inicialmente e , depois,
uma versão mais primitiva desse mesniopoema, A mon père déchamé9, de sessenta e três
versos. Esse titulo merece por si só toda a nossa atenção. Não são mais "a fonte", "o troncox
ou "o nionumento" que fazem metáfora do pai morro, mas a descrição do cadáver transforma-
do em esqueleto:
o corpo
Conrioca os verinespam a sua arrumação
Miirctrlo por nr.úsculo. tudo cede se difunde em lanua
C..]
Os o m s de.va1iado.v se instalam em sua cai.u."
I
Essa descrição, que teria podido provocar horror, faz o filho dizer:
Esse Túmulo leva o poeta a descobrir sua própria arte poética, e faz o pai dizer:
Meti filho:
Épreciso vingar as palavras de ilegitimo abuso.
iMtrda a vorltade o nome de tudo o que te irrita
Aceila a 7zutureza, - ou melhor a yecite ..."
O filho permanecerá fiel a esse conselho. Ele tomará "o partido das coisas", "esse mundo
mudo" ao qual dará a palavra, "levando em conta as palavras". Ele falará "do cascalho", "do
camario", "do sabão", "do figo seco", "do brado", "do sol" etc.
Entre todos os seus poemas, destaca-se "Pour un Malherbe': escrito entre 1951.1957, no
qual esse último" a5sume a verdadeira figura do pai mono.
I
O que se deve dizer que Q qtrase o escritor mais eminente de nossa Literatura. Que dela
l
ele é o Pui, o tronco." i
I
Assini, nesse escritor quase esquecido, !ele encontra o modelo por excelencia, quite para
fazer dele um objeto desse mundo mudo. IMalherbe toma-se de fato uni dicionário: "6 uma
máquina. É o dicionário francês em condiçóes de funci~namento"'~. Um Nome-do-Pai pronto
para Funcionar. I
II
Dezembi-o 2007 Opção lacaniana n" 50
i 308
A fúria da expressão visa esvaziar todo objeto para nomear uma falta que está no ceme
desse turbilhão linguageiro.
1linguagem não passa de um "ornixo" (or17ure)~"',nos diz lacan. Um ornamento deste
objeto lixo. É o que melhor resume "prescindir" e "servir-se" do Nome-do-Pai. De fato: saber
servir-se dele, quer dizer literalniente prescindir dele.
"O poeta é corroído por versosz2",nota Lacan. Não se pode falar melhor de Ponge e de
sua Fábrica.
"O objogo", "O objóia", "Isso que funciona sozinho", é uma estrutura, um conjunto
métaforo-metonímico, uma fábrica de objetos a . E, uma vez que se acede a ele, produz-se
então "uma espécie de tra~mutação.'~"É um gozo possível e permitido, um mais-de-gozar.
Há ali uina espécie de inoral que co~rsisteem declarar que é preciso que um orgasmo
seproduza e que este orgasmo só se produzpela espécie de coiifisao e deproclamação
de que eu não sou o que sou, que há uma espécie de tarrtologia."
Poética
Cingir e girar em torno do ponto que não cessa é o fato de toda poética.
Para Mallarmé, uata-se de nomear, de remunerar a falta que existe na língua?"dando um senti-
do mais puro & palavras da t n b ~ "Pelo
~ ~ viés
. da fonia. Trata-se, em suma, de sair do utilitário e do
jornalístico da linguagem para aceder a um gozo gratuito 'Abolido bibelô de inanidade sonon".
Já Yves Bonnefoy marc:! o limite que ele não poderia ultrapassar. É Le Leuwc du seuiP6, do
qual se faz tolo para aceder a esteilm'èrepa~~?'em que encontra o repouso da e\:iclência.
A poesia cortês tenta dizer este inacessível, que é a Dama do amor.
Há, a cada vez, a busca de fazer cessar essa falta que não cessa de não se escrever É o que
fundamenta em Francis Ponge esta "fúria da expressão" que passa de um objeto a outro.
O analista - o poeWR.
O analisando se inscreve, a partir de um Si que o divide, no discurso analítico: (a- $)
em nome do amor que o leva ao saber.
Já o poeta é levado pelo "amor das palavras". Através do qual vela "a não relação sexual".
Pelo uso das palavras, ele não cessa de querer conjugar Si e S2 para produzir um pequenoa. O
materna de seu discurso poderia ser então: (S -a). Ele se encontra dividido pelo objeto
que produziu e não pelo significante. "Um ouro agoniza", nos diz hfallarmé para falar do pór-
do-sol. "O olho da grama", anota Ponge, para nomear o orvalho e nos fazer lembrar "essa
tempestade inicial" pela qual tudo começou.
Disso decorre o peso, a lentidão, a estagnação do discurso do primeiro e a leveza daquele
do segundo, que pode prescindir do Nome-do-Pai para servir-se dele.
'A fórmula é de C. Hraque. Citado por hoge. E Obrnsrnnpklas, Bibliothèqiiede Ia Pléiade, tomo 2; p. 657.
'NT No original:pré Cf LeRober1,préé tanto um subrtaniivo,prairie irado, campo). como o preko latinopré, que marca aaurmoridade no tempo
Optamos porprodt já que aqui o po& faz referència a natureza
.
zLacan. I.(20M).Lcséminaire, liim,l?iil L#siiIborr~e.Puis: Seuil. Tato estabeleudn nor .1.9. hliller 023. .
N
' T No original: déjmm. Segiindo Ia Roberl d@irer tem o senlido deJmsirn: defumfrnrussar (por exemplo, um camplô), deron/undir (p. e., os
planos de um adversário). Ci o Lurorsse: significa Iiidibriar, engpar, desconcertar, driblar Oplamos pordriblor.
'lbidem. p 22.
'NT. Ci Lc Hobn1,jon~ksigniiirrvano franck arcaico jogar ou seli. i a n w no ar váriasbolas ou outros objetos que se raehia e se lanjar-a alternaliua~
meuk, cruwdo sue\ lrajetáriai. asrim a m o o ciou'ti que rdizava esse malabaAmo.
6Dicionárioliésor de 10 lon,y,e/ron$aise.
'NT No orig:Au 5 w i I dúnesoiirce de n u i l U - Pbe- unjour la,préseircenousfil.
Cabe dimque lut (hi), pretérito perleito doarbo gire (se0.é homófonode 1Ut (fuste), tronco sem ramas, possibilitando um iogodepaiai,ras i m p i k e l de
reproduzir em porluguk. usado pelo peta e apontado por Attié em seguida.
bEntrevistasde Francis hnge com Philippe SoUen, Ed. Gallimard-Seuil, 1970, p. 66.
'Publicado na revistaia Licom, no número sobre Le ionrb~aupoéliqueera Frnnce 1994-91, UFR Langua LiUératurer Poilien.
'VT.LeiorpsiConque k s ~inspoursono v n , i ~ e e i s c k Ukuscle lo~iicèdedser4urideir boue
( . . . ) i LB os dkalliés s'&i el nl a ieur boite.
"NTJepei~z mr<i.~irler yeur sur 10 IronsfonnnlionlQrri ne me choqirepoinl s i an@l@lesoil-elie.
' hT Monfii,c:i l i / m t ~mgm
% des mols iilligi!inrc abus.. . I Cbong~à piaisir le aonr de !ou/ ce q u i l i r r i l e l Appmur.~in ,ialiire, ou plulól Ia
récite.. .
"Ponge lez aiis estudos secundários no liceu Maiherk de Caen.
"Pouge. E (1956) Porir rin Aíolberbe PPans: Callimard, p. 87Qu'ul-ceò dire. guec>~Isinpnrprés~écri~ioin bpl~~simidiru5ledenolreLillPra/ure.
Que c'mesl iePère. leirma
'515idem, p.164.
'"C, Ponge, E (2002). Eut.ve Cmrplèle,tomo2. Bibliothèque de IaPléiade.p.309. Lu i ~ ~ l O ? / c t i e m m p i ~ / s p aLus .beuulélje rieco~nprmdsps... (.i
<iu/ndw donlje m 'ompe, re a 'esi q u de h tnori
"lbidem, tomo I,pp. 337-445.
"Milner, J-C.(1978). L 'ornourde h hzgue. Paris: ILd du Seuil, p.38.
"Ponge, Francis. O C., tomo 1, p.488.
nPa~ge,F O C, tomo2, p. 460. En somme. pour pmxnirà tine pariaiti (5 lu pius palaire horizontalilel rous y arrioz debout. puis voiis y croisez Ia é$a
obliqua pour p m i r - enfio - à Ia pliu parfaite horizonlalité (dessus d'abord par Ia soins de vote ennemi) puir (par Ia soins de vos amis) dasous ".
"Lacan, J. Lekminaire, I i i r e n I I : K S I.Inédito. Cf Oniiur?(3), p.IW.
nNT.!'de lembm aqui a homoloni~entre vers (venies) e r w s (vem).
"Enirelimu, o/,. Gil, p.190.
"lbid. 0.190. I
'rlliunie i i e p r t i r li. Hin. : . c . ~ ra I, i., .de Tr,: eiab i 1,pni H \'.r:iai :or I li?.
:-I,,O:I!~,, \ t ~ q - i MPKL,, .!rru~e
" ~ o n n e l o i(1972).
~ Alberl Skirad. Colegãoksanticn dela créltiod.
"Di Claaia, A (laneiro de 2004). *PEychanalp et poésib. ReiislaQu+io (M-81)
Opção Iacaniana no 50
JORGE YUNIS
(SANTAFÉ) (~rgqyunisQarnet.corn.ar)
Parece óbvio que a pós-modernidade suceda a modernidade, porém não é bem assim.
Como Silvio Maresca desenvolve muito bem em um excelente trahalho', tomar as coisas
deste modo é permanecer "(...) presos no horizonte da modernidade".
Esta diferenciação, ponanto, se recusa a uma delimitação clara e taxativa. Há inúmeras
rupturas, contrarnarchas, avanços que, precisamente, só podem ser delineados colocando
uma em correlato com a outra.
O corte produzido pela ciência moderna: com todas as conseqüências que dai advêm, que
tem como parâmetros fundamentais a homogeneização do espaço do universo - já que náo
há hierarquias: ontológicas - , sua infinitude, a mathesis utziversalis, o cogito e>go sunz carte-
siano e o nihit est sine ratione de Leihniz podem nos servir esquematicamente para situar os
passos inaugurais do que hoje chamamos de modernidade.
O mesmo não acontece com relação a pós-modemidade, já que, como dizíamos antes, é
impossível situar com nitidez o contorno do seu surgimento.
Ainda assim: o próprio titulo deste trabalho delimita o alcance deste tema: de que maneira
correlacionar a pós-modemidade as vicissirudes ocorrida? ao Nome-do-Pai?
Tomarei em consideraçáo, então! alguns aspectos que permitam colocar em conjunção os
dois termos que assim figuram no titulo.
Sabemos que a partir daquele momento inaugural, os enormes ganhos da ciência e da técnica
têm tido como corolário, algumas vezes, ou vêm acompanhando, em outros momentos,
profundas modificações nas relações econômicas; sociais, políticas, de poder etc.
Isto tem propiciado certos paradoxos que nos permitem pensar que já não estamos den-
tro do mesmo território daquela modernidade; o que Jacques Lacan soube formular na trans-
formação do Discurso do Mestre para o Discurso Capitalista.
Quais são esses paradoxos, contradições, mudanças de paradigmas que permitem falar de
pós-modernidade?
Abordarei só um pequeno número deles, com a Finalidade de tomar este trabalho mais
compreensível.
a) A modernidade se caracteriza por um humanismo declarado, explícito.
Hoje, depois da superaçáo da modernidade, esse humanismo alardeado - e apostenon'
estéril, como foi demonstrado pelas duas grandes guerras, os holocaustos e os inumeráveis
acontecimentos da época - tem perdido o seu estrelado: - agora a humanidade é a protegida
- todos -com o correlato efeito de dessubjetivação dos indjvíduos q u e a iompóem.
Em síntese: se levamos em conta a desagregação dos laços sociais e o que foi colocado por
Jacques Lacan no Seminário: "O saber do psicanalista" - inédito - de que todo discurso que
tem aproximações com o capitalismo deixa de lado as coisas do amor; e se consideramos
também o exposto no Seminário: Os quatro conceitosfu?zdumentais dup.ecu?uílise, no qual
ele diz que "(...) todo refúgio onde possa se instituir uma relação vivível, temperada de um
sexo com o outro, requer a intervenção dessa mediação que é a metáfora paterna(...)'", então
não é demasiado considerar que estamos atravessando uni momento muito particular da civi-
lização, em que o imperativo de gozo brilha em seu esplendor.
Diante desta perspectiva e seni a firme7a do Discurso do Mestre como avesso - onde a
regulamentação advém das leis do mercado - defrontamo-nos com o desafio de situar a psica-
nálise a altura da sua época.
Há um resto de voz que não consente com as armadilhas do mal-estar atual e que deve
tomar a palavra para tentar encontrar o que fazer com esse irredutivel próprio da época. Esta
é a política da psicanálise, indicar, marcar o real em jogo e operar sobre as sementias CIO gozo.
Entao, o que se espera da psicanálise? Nem a reivindicação infecunda do já perdido, nem a
posição de manter-se acima das circunstâncias, como tantas vezes é proferido como critica
desde outras orientações, mas, no melhor dos casos, poder estar por cima de si mesma.
Teno traduzido por Marta Inês Restrepo e revisado por lêda Guiniaries
. .
31acan.J. (1986). h CURI~U ionce~/us/undo~netrlu~esdel~si&tió~isis. ~ u i n o sAim: Edilorial Paidh. p. 283/284.
(**) Estas conclusóa, extraídas de outro trabalho, são impossíveis de daenvolrer aqui; mas. pndcmm dizer que há nestas lormulas da sexuagao umd
aniecipaFo que permiierislumbrar a rcahsorçioe o dalcana dat prolundat miidanp ssucitadas iiadécadas posterioros i sua formulagáa. mudanças que
hoje ultrapassam em muito as coiiseqüCncia que poderiamser previstas há al~unsanos. mis que. efeiirameiite, iá eslão ali presenta.
Lacan não fez lingüística e sim dingü,isteria.', segundo ele mesmo confessou. Cabe ao
psicanalista, quando faz uso da linguística, interrogar-se sobre o .que é que da fundação do
sujeito, deriva da definiqão de linguagem.?. Entre os obstáculos a este uso encontrados na
lingüística puramente saussureana, lacanressalta o esquema do duplo fluxd, cujo princípio
de segmentação continua fluido e , sobretudo, não resolve a questão da relação do significado
com o significante, que parece #sempre fluida, sempre pronta a se desfazer.. iacan elabora
uma resposta original com base na psicanálise: o ponto de basta, ou seja, o nó que detém o
deslizamento do significado sob o signific'ante.
Servindo-se desse termo de estofador,que designa o enodamento do fio que - passando
através do estofado - nos indica que em um ponto (um significante) do sistema da linguagem
outros significantes convergem e se entrecruzam, constituindo o grampo no qual *vêm enla-
çar-se o significante e o significado*.Ele designa assim o elemento a partir do qual se organiza
o discurso, <oponto de convergência que permite situar retroativamente e prospectivamente
tudo que se passa no discurso,,?
O grafo do desejo, na sua forma mais elementar5,pode ser tomado como uma representaç2o
do ponto de basta. A noção aparece ai solidária do movimento de retroação significante, se-
gundo o qual a significaçao só se produz no só-depois do fechamento da frase. O esquema
atesta que o ponto de basta se realiza intei,ramente na ordem significante6.
A convergência dos significantes em um de seus pontos supóe a estmtura sincrónica da
linguagemi. A invenção do ponto de basta, por Lacan, deduz-se: portanto, das exigências
inerentes ao sistema de linguagem que r4clama (diferentemente da língua) uma função de
auto-fechamento. Estas são, então, necessidades puramente formais que conduzirão Lacan a
fazer do Nome-do-Pai o ponto de basta maior da ordem simbólica. Nenhuma dimensão
ontológica prevalece na defini~ãoda função do pai: o Nome-do-Pai é um instrumento. Este
será a main streattt da clínica forjada por iacan e inaugurada no seu Seminário: As Psicoses.
Esse Seminário tem um objetivo preciso: cdnstruir um conceito de psicose (no singular) a fim
de ordenar a multiplicidade de formas clínicasI das psicoses, tio bem repenoriadas no campo
da psiquiatria. A psicose no singular é a pSicose lacaniana, cuja fonnaprhceps é, através da
construção sistematizada de uma metáfora delirante, a paranóia do presidente Schreber Para
estabelecer isso, Lacan extrai da foraclusào do significante da Lei (o Nome- do
Pai) no Outro do significante Ólica). Aquilo que se apresenta no discurso como
massa flutuante de a partir do ponto de basta. Este é definido como
Essas observações de Jacques-Alain Miller são congmentes com a dupla articulação entre
significante e gozo da qual iacan fala no início de seu Seminário:Encore. O significante diz: alto
lá! ao gozo, ele o delimita, ele o exclui e o l o p h como interdito. É a tese explícita doSeninúno3.
Pela construção de sua metáfora delirante, logo, pelos jogos ordenados do significante, ogozo
que invadia o pensamento e o corpo de Schereberse pacifica. Mas, significante, igualmente, causa
o gozo. Essa tese: impensável nos desenvolvimentos do Seminário 3, interroga os efeitos do
significante sobre e no corpo - efeitos de gozo, justamente.
Essa mudança de perspectiva não invalida, entretanto?a descontinuidade estmtural neu-
rose-psicose, mas, impõe uma consideração sobre a diversidade de enodamentos no inrerior
do campo das psicoses. Se o ponto de basta está presente nas neuroses, bem como nas psicoses,
sua estrutura, sob o modo de *não-NDP,, é, sem dúvida, muito ~omplexa'~,e foi disso que
Jacques Lacan tentou dar conta pela referência ao nó borromeano. No Seminário:LeSinthomeL3,
ele desenvolve esta questão clínica a propósito do caso de Joyce. Ele se coloca a questáo:
Joyce era louco? E examina comoJoyce pôde manter-se ao abrigo de uma psicose desencadeada
sem a tutela da metáfora paterna. Com efeito, Joyce lidava especialmente com o que iacan
chamava de *carência paterna.. Ele precisava compensar um erro Jacan o nomeia *faltas - -
de enodamento das três consisrências: real, simbólico e imaginário. Nesse nó, o imaginário
não se encontra ligado aos dois outros registros, real e simbólico, que se encontram, aí, soli-
dários um do outro.
Lacan identifica precisamente esse ponto na relação muito estranha de Jopce com a ima-
gem do corpo, quando ele narra a experiência de uma espécie de deixar cair do corpo após a
famosa cena da surra relatada em ORetrato: o círculo do imaginário desliza,Joyce experimenta
a fuga de seu corpo como uma pelagem. Lacan faz a hipótese de que a começão desse e n o de
enodamento se efetua por meio do ego como corretor da relação faltante, ou seja, o que:
no caso de Joyce, não enlaça borromeanamente o imaginário coni o que, do real e do incons-
ciente, faz cadeia1%.
iacan ressalta, assim, em Joyce, uma forte Urbild do eu, de que a vontade de tomar célebre
seu nome próprio é testemunha, a ser distinguida da imagem do corpo. O fato de que, em
Jopce, a idéia de si não seja suportada pelo corpo como imagem, assinala que existe nele uma
função muito particular, reparadora desse ego.
A inversão de perspectiva operada por iacan no que conceme a articulação ponto de
bastarnome-do-Pai conduz a repensar a clínica a partir da psicose como matriz de otienraçáo.
Aqui, o Nome-do-Pai é remetido ao seu stdtus de capitonagem singular, nada mais do que um
semblante, ,<sintomado nó fracassado~~I5.
TaTo traduzido por Tania Coelho dos Santos
~
~
Ilacan, J. (i9i5). Le Sémindra, Lima E n m . Paris: Seuil. p.22 e1 p.9?: *Ceqnj#,kir ici c'esl~ò-diredela linguisteriex
'Ibid.,p.20.
-
'Ib~ti,p.303-304.
'Laan j. (1966). Subversion du suje1e i dialeclique dii dkir S. ln M l s . Paris: Seuil: p.805.
"C. gralo p. 819 dosfi~~ilos. (1998). Rio de Janeiro:J. Zaho Ed.
'A CPI e?iclmiih Iinguisliquede R. Jobobm apporiera à l a m r da 4 h m k IbÉoriquesdécisi/sni reummissn~iidnm (eplan du rigniljonl irs
dexr ares de h çornbinaism~P/ de lu sdlrriion.
*(1997). Lu Cw>twsalimd'Arwibor1, Cus rnrer Irs incI?sub(es de h cliniqiie. I'aris: Agalma i'diieur
?hiiIle~,
. 11997).
. .. . loLaCon~s~lio~rd'Ar01(bo1l, . 00.
. Gil.. .pl14-151.
lo/bid., p.156.
"ibid, p.176.
'%i Miller,J.-h. (1997). Op cil.p.257.
IiLacaii , . ~.Le Sitninaire Livremli/, le Sinlbome Pas:Éditions du Seuil.
I. (2M0
"Ibtd, p.152.
"Shnh/OnnubpmpaécparJargt~c~-A(oin Mil/@data Ir role de qualrième de wu~ierlumde I.acan,J. (2001). Des t\'o~ns-dri-@n.Paris: Seuii.
De duas, uma: a menos que passe pela clorngem, na qual uma mulher pode potencialmente
se reproduzir a partir dela mesma, é preciso efetivamente dois para fazer uma criança. Mas com
quem cada um a faz?A mulher que carrega a criança e vai colocá-la no mundo fez a criança com
o homem com o qual a concebeu, ou se trata de um outro, inconscientemente, de seu próprio
pai, do primeiro homem amado, ou de um amor impossível?De todo modo, poderia ter sido
um outro. Em alguns casos, deveria sê-lo. Por que com aquele homem? Quando se pensa no
número de circunstâncias necessárias para que seja aquele, até mesmo, por vezes, nas procria-
ções assistidas com esse ginecologista que deixa às vezes o pai em segundo plano.
Por que, então, fazer uma criança, às vezes a todo custo, como nas procriações niedica-
mente assistidas? Conhecemos a função de suplência que a criança assume diante cla náo-
relação imposta pelo encontro sexual. No relacionamento entre um hoinein e unia iiiiillier, ;I
partir do niomento eni que ele se consagra, resta sempre abem uma hiáncia? Essa hiinua é
encontrada ao longo da série que vai da procriação ao nascimento. Entre sexualiclacle e procriação,
assim como entre procriação e gestação, não há continuidade. A origem, a sexualidade, a
procriação, a gestação e o nascimento mobilizam universos subjetivos radicalmente heterogê-
neos. Náo se tem representação da procriação, a ponto de tudo ser tragado por isso, as vezes
até o delírio. Este é o problema de toda procriação: "o sujeito pode muito bem saber que
copular está realmente na origem de procriar, mas a função de procnação enquanto signifi-
cante é outra coisa"?
A procriação visa à parte imortal no vivente mortal'. Pensar a procriação exige pensar a nior-
te na vida, seja aquela que carrega ou aquela que põe um termo: "para que procriar tenha seu
sentido pleno, é preciso ainda, nos dois sexos, que haja apreensão, relaçáo com a experiência da
morte"'. Na procnação, a rejeição da morte é o leito de todos os delírios de conteúclo procriativo,
tal como Schreber o demonstra, ele a quem falta "esse significante fundamental que se chama
ser pain6.Fssa afirniaç2o não implica que se possa verdadeiramente saber o que quer dizer ser
pai no sentido de procria. questão sem resposta: "a soma desses fatos - copular com uma
mulher, que ela traga em seguida alguma coisa durante um certo tempo em seu ventre, que esse
produto acabe por ser ejetado - jamais chegará a constituir a noção do que é ser pai'".
, . ,. .., -
universalmentepmeniereaeaenrasohrerivênciade iimaesrruturamauiarcal da familia' I..]"aordem da familia humana na iuodamentmque esckpam
à forçado macho", 1hid.p. 55.
"Plan. tlenri. L 'ulénis orl$ciel Seuit, la Lihrairie do W ème Sikle. Wis, 2005, p. 128.
"i'reud. S.: . *lar ihéoria auuelies infantiles~(1W)Etn: Lo uie Se.iupIIe, Paris. PUF, 1969.
"Para Qanfrasear Pasd Qui~nard.te ~ i o nau hout de Ia lanxue, Cailimard. Paris. 1993.~.69.
.. . ,
'!Ou seja, Fuer com que a mãe permanqa uma mulher, "o ohjeioa que causa seu deajo". o que Lacan derigndcomo o ''cuidado paterno". Jacgues Lamn,
' R S r (1974.75) Aulade21 de janeirode 1972. Em: Omiiar?n",$ 197j.pp. 107-Ia.
'$Vera este RSpPiIO odaeniohimalo de Lacan sohreo terceiro tempo do Édipo, em que ele coloca o aanto em um pai que "ioteném nesse nível paradai
6.)"que aparece efetivamente no ato de dom', que "permite e autoriza'. Jacque! Lacan.Lrs/orntnlionsdci'inw~~scicni, op. dt., p. 205.
'N.T.: "raptus": impulsáoviolentae frequente podendo wnduzirum sujeitodelirante a cometer um atogia~e(homiçidio, suicidio, mutilaçáo). Notaeairaida
do diciooáiio Petit Rokfl.
Opçio Lacaniana no 50
AS PSICOTERAPIAS E O CAMPO FREUDIANO
As psicoterapias fazeni pane do que, agola, se designa como o campo "psi". Sua unidade,
ainda que disparatada, é manifest:~e explícita. Encontra-se, nesta, psiquiatras e psicólogos que
receberam esse título por meio da Universidade, bem como psicoterapeutas ou psicanalistas mias
f o r m a m ocasionam a convergência entre o mtaniento pessoal e o estudo teórico.Assinala-se ainda
que esses últinios provêm de um quadro associativo instituido por eles próprios. O que os une
não é, portanto, o percurso, mas sim uma mesma idéia da psique que, no mínimo, é concebida
como :&o para-além do reflexo do organismo. A partir daí, os caminhos divergem, ainda que
provavelmente niuitos, sem sahê-lo,se orientem pelo que Freud denominou inconsciente!
As psicoterapias ditas relacionais sáo as disciplinas do campo "psi" que mais se aproximam
da psicanálise, engendrando malentendido e confusão. Dentre elas, inúmeras foram toniadas,
por muito tempo, como ~~sicanaliticas, visto que os próprios psicanalistas não sabiam aiticular,
de modo claro, o que as distinguia. Ainda que, grosso modo, cenas referências fundamentais
como a fala, a escuta, o inconsciente, a transferência ou o Édipo fossem conipanilhadas, é fato
que a psicanálise não faz o mesmo uso delas. Pode-se apenas contentar que se uma visa, em
primeiro lugar, a cura, a outra a elucidaçáo.A psicanálise aplicada almeja, por sua vez, a terapêu-
tica que, como se sabe, no último ensino de lacan, esta mostra-se cada vez menos distinta da
psicanálise pura.
Não seria necessário postular que a palavra terapêutica pode-se dizer com mais de um
sentido. Cuidar ou curar? O fato de que a segunda acepção preceda a primeira, não quer dizer
que elas sejam equivalentes. Ao contrário, elas testemunham unia outraabordagem do real. A
cura é uma idéia relevante para a medicina, porém, não o é para a nossa concepção clínica.
Para a medicina, ela repousa sobre uma noção do psiquismo que, no fundo, é um prolonga-
mento do organismo, ou seja, reporta-se ao cérebro, e não ao inconsciente. As práticas que se
inspiram nisto são forçosamente limitadas, na medida em que são o feito de alguém que
pretende saber, e! desse modo procedem do discurso do mestre. Em matéria de saúde, o
médico é, com efeito, mais competente que o doente, que, por sua vez, deve se contentar
com o seu sofrimento. Aquele que quer curar o outro, mostra-se persuadido, não sem razão,
de que sabe o que é, para ele, o bem ou o mal.
O discurso analítico se inicia pela rejeição de toda pretensão em querer saber, antecipada-
mente, o que é o bem para o outro. Contenta-se em toniar posição quanto ao nial pelo qual o
sujeito padece em função de um sintoma devastador. Quanto ao seu bem, esse discurso
deixa-o ao encargo do sujeito a decisão do que o próprio tratamento pôde ensinar-lhe. Esta
. . . . ~
'lacan J., aTéIPiision~,indulres éniis, Pais, Souil, 2001: p. 514.
'Miller ] . - A , -Psychothérapie e1 pychanal\xs, i n h Gzrcrc/reudinme. n/?; octobre 192.pp. i - I ? , et ~P~chanalysc
puw, psychanalyre appliquée et
nchothérrpia. in Iri Couse/rcudienne. ""48. pp. IIetsuivantes.
'lacaii J., -Fonciion e1 champ de Ia parole e1 du lan&a&een psychanalysen. inÉcnisSParis, Seiiil. 1966. p. 245.
Desde a tragédia de Édipolo destino do filho é delido a um encontro acidental com o pai - ou
seja, com o gozo em sua Fdce real, impossível -, mas devemos sublinhar que esse encontro havia
sido precedido por um outro anterior com a linguagem. O É d i p não só mostra o traço inlpossível
do real dogozo, mas, sobretudo,dácontado equívoco em tomodo agente: e a linguagem "quem"
informava previamente, através do oráculo,jsobreo destino impossível do gozo.
Opyão Lacaniana no 50
Aidéia cle que a função paterna constitui Lma "primeira sublimação cla realidade" será retoma-
2.
iacan encontra, nas diversas formulações do próprio Freud, a via para sair do impasse do
recurso ao mito. a fim de dar uma lógica
- ao recalque. I\'o Seminário. livro 1:os escritos técnicos
de Freud, afirma que o núcleo do recalque (titulo dado por Miller à lição de 19/05/1954) é uno.
Portanto, recalque e retorno do recalcado são a mesma coisa e contêm o efeito de significacão
après-coup do trauma. iacan acrescenta que esse tempo é reencontrado na experiência analítica
3.
Essa perspectiva estrutural permite des;nganchar a clínica e a formação dos sintomas do
recalquel entendido como um reservatório do passado, ligado à história do sujeito, quando
não à sua ré-história. De modo articular, dever-se-á rever a relacão entre inconsciente e
recalque em uma direção oposta aquela seguida, hoje, quando se faz o acoplamento psicaná-
lise-cognitivismo,
- tal como ocorrendo na IPA9.Com Lacan, abre-se a via de um recalque . que
.
opera mais além das fronteiras do inconsciente-automaton, daqueles significantes (de núniero
definido: Si...S,) que Lacan escreve sob a barra do algoritmo da transferência como cadeia.
Já no Seminário: A ética ..., quando intrdduz a Coisa inacessível, Lacan foimula a fronteira
I
que a delimita como redobrada. Entre o niqndo dos bens, finito e definido da repetição signi-
ficante e o limite finito da Coisa, há uma zbna do desejo que é a que interessa a psicanálise,
além do herói da tragédia grega. Nessa zona, I Lacan situa o freudiano "Para aléni do Princípio
do Prazer" e é aqui, me parece, que o analisk pode e deve elaborar o inconsciente, produzinclo
o Furo do recalque.
Para tanto, deverá colocar-se na perspeLtii:a aberta pelo Seminário, livro 10: a angústia, a
1
qual lacan não liga mais apenas ao complexo de castra~ão:a angústia como sinal do encontro
I
Dezembro 2007 1 344 Opçáo iacaniana no 50
com o desejo do Outro é apreendida ao nível do corpo e do cone do objeto a. Perda de um
órgáo que, no Seminário, livro 11:os quatro conceitos funclamentais tla psicanálise, tomar-se-á
lamela, órgão incorporal. Como já dissemos acima: podenios pensar esse cone como correlativo
ao tenia do recalque, mas desenganchado &I lei edípica o recalque como ato.
4.
Nos anos 20, a clínica começou a desmentir a teoria da angústia como transformação da
libido recalcada, a p a i r da moral civil, objeção reichiana, o que levou a substituição da ameaça
de castração pela repressão social. Freud, porém, se dedica a manter a castração simbólica e,
para tanto, deve admitir uma angústia primária, ligada ao trauma de nascimento, que sustenta
o recalque de modo endógeno, faz tramitar a repetiçáo da angústia como sinal.
lacan, prosseguindo nessa via, pode manter a castração para além do Édipo. Para tanto,
elabora uma teoria do corpo libido: no Seminário, livro 11 propõe a libido como o órgão que
falta ao corpo do ser falante, e, assim, revira a relação entre neuroses de transferência e neu-
roses atuais. Estas últimas se tornam o caso geral, o protótipo; o recalque, em vez de concemir
ao sentido gerado por um significante (o falo), se toma o limite estrutural do significante em
sua capacidade de produzir sentido: a apalavra como aparato do recalque. 'A parte de real não
simbolizável que comporta o gozo genital, calcanhar de Aquiles cla interpretação, impeliu
Reich a privilegiar uma série de fenômen~s'~" em busca de uma competência somática. Lacan
segue uma via mais ligada a clinica e retoma a intuição freudiana de que nem todos os sintomas
encontram no recalque seu " mecanismo de fomação", como por exemplo a regressão ohses-
siva". A defesa do sujeito se realiza então como prótese: um significante fma o gozo realizan-
do um sinthoma, um quarto aro que salvaguarda o nó Liorronieano composto dos outros três.
Não se trata, portanto, de um outro inconsciente, não recalcado, mas de uma renovaçáo do
simbólico, recalcado gi-atas i funçáo de "suplência"do sinthoma. A clínica contemporânea
deve conseguir pòr o sinthoma em cadeia com o inconsciente da repetição e, assim, servir-se
do pai para além do complexo de castração.
Texto traduzido por Vera Avellar Ribeiro
. - -
'Ao fazer o Discurso do hlesm, Laen se impirou oo titulo do ramancede E. Zola, L'mwrsdeirr ~reqmlidionie.
'S. Freud - Opere. ibl. 8, Boringhie". Torino 1976. p. 37.
5. Freiid - Opere. ibl. 10, Boringhieri, Torino 1978: p. 244.
7. Lacan - hSemioim LiireIk iCcnlsI&niqites de Freud, Seuil. Paris 1972, p. 212.
1.L a m - remarque sur le mppart de Uaniel Lagachb. InEmlr, Senil, Paris 1966,p p 647-84.
BIbidnn- p. 666.
91. Mancia - ImpiicilMe1~1o~andUnrepres~edUnm~cious TheirRoie i11 CmliuiIyn~rdPamJermre~
Israel P.ychoaiia1. J.,vol. I, 2003, pp. 331-49.
"S. Coliet - 'Refoulemeni. versus. Népmsion", in Omiur ? n. 35, p. 135.
"S. k u d - D F . liol 10. Boringlieri, Torino 1978, p. 309.
Opção Iacdniana no 50
A REALIDADE RELIGIOSA E O
O tema nos remete à seguinte antecipação de Iacan: "O pungente de tudo isso, é que nos
próximos anos o discurso do analista dependerá CIO real e não o contrário." (1974). São pun-
gentes as relações entre o discurso analítico e a religiáo, porquanto é "ou um ou outra", e o
triunfo da religião seria o signo do fracasso da psicanálise. Todavia, a posição de fracasso
implica a sobrevivência da psicanálise, dado que o real insiste. A verdadeira religião triunfará;
em primeiro lugar, por algo compartiihadb conio traço comum a todas as religiões. Trata-se
de algo que, para aléni de toda sublimação, o sujeito terá de pagá-lo coni algunia coisa, coni o
gozo, e a religião faz do sofrimento seu oficio além de uma recuperação permanente. Ofício
religioso que se propõe como um saber sobre o gozo e, assim, não apenas lida muito bem
com as transgressões como, inclusive, as alnieja, visto que estas a consolidam. Feita esta intro-
dução, situenios a pergunta: conio servir-nos dos Nonies do Pai nessa tensao com a religião?
Como servir-nosdo imaginário, do simbólic'oe do real, uma vez que operam na palavra, quando
nos situamos no discurso analítico?
Algumas perspectivas
Nos dias de hoje, não é excessivo situar a importância do pensamento de William James,
fundamentalmente a atualidade de uni texto: 'As varieclades da experiência religiosa". livro
contemporâneo a "Interpretação dos sonhos", considerado como um ponto de inflexão para
a história da psicologia. Nele, James sustenta a "religião pessoal", experifncia suscetível de
estudo científico. Uma religião embasada no entusiasmo como dom, que toma as formas de
uma posição religiosa que dê sentido. Uma ética do auto-sacrifício encontrada nas tradições
espirituais mais profundas de todos os credos religiosos. Sua proposta e sua militância para
introduzir essa ética nas relações entre religião e ciência o tomam um claro exemplo dos
alcances da religião, frente a realização do discurso da ciência como produtora de angústia.
Diante disso, propõe que, embora não sepossa modificar os fatos passados, pode-se mudar
seu significado mudando sua interpretação, alterando o contexto no qual são entendidos.
Mudança de significado enfatizando A vida como valor máximo e sustentando o futuro da
religião como produtora de sentido.
Por último, recordemos que, segundo Lacan, a natureza provou a existência de Deus, todo
mundo crê nele, Deus existe na língua e, como tal, produz o efeito de um nome próprio, ou
seja: quer a entidade chamada Deus exista,ou não fora de sua natureza, ela existe como signi-
ficante chave em um sistema de termos e h um discurso que se atualiza permanentemente.
Santo Agostinho, depois chegar à sua idkia da trindade de Deus, via manifestações desse
princípio sobrenatural em todo fenõmeno natural. Cada tríade, por mais secular que fosse,
era para ele outro signo da Trindade. ~oderíamosafirmar que se Sto Agostinho tivesse lido
Lacan e seus Nomes do Pai, Imaginário, Silbólico e Real, ele diria que são mais uma prova da
existência de Deus. lacan não o negaria, diria simplesmente: sim, Deus ex-siste.
Lacan finalizou seu "Discurso de ~ o m $(1953) evocando o trovão, e não por acaso. Ele o
afirma 18 anos depois dizendo: "Não há Nome-do-Pai que possa sustentar-se sem o trovão,
i.
figura mesma da aparência" (1971). Se, e um certo tempo, a psicanálise esca?7llalizou as
. .
pessoaspiedosns, nos dias de hoje, poderia a experiência analítca produzir um ateu: uma vez
que: e enquanto, os efeitos dos Nomes dd Pai são de crença?
i
Anstóteles oferece este assindeto:Falei, ouviste, sabes, decide. Àreligião o queé da religião:
Falei, ouviste; e à psicanálise, o que é da p icanálise, o servir-sedo Nome-do-Pai: Sabes, decide.
Talo traduzido por Vera Avellar Ribeiro
Lacaniana no 50
Op~áo
"012 /e dom,nagepourtani?quandpasplus Ioin ne lia-t-i1que n'en jou8re lepersonriage
ilaporeur de I%istoire. qui your auoir, des barreau.~d'une grille tâtéspas a pus,
retroub,é1'tm marqub d'abord, concluait:.Les salauds: ils m'onr enfenné~.
C'était Ia grille de I'Obélisqire, et i1 auait a lui Ia place de Ia Concorde"'.
Há, como se sabe, uma divergência quanto à etimologia da palavra "seita". Uns afirmam
que a sua origem remonta ao verbo latino'secare, cortar. e outros contrapõem o verbo sequi,
seguir Na primeira explicação dá-se énfade i separação de um todo do qual a seita teria sido
uma parte, e na segunda ê a própria relação do sectário com o líder e com sua doutrina que
está em questão.
Imaginemos, apenas como ficção, que não se trata de uma disputa de emditos, a ser resol-
vida quando um deles produzir uma prova cabal em favor de um dos dois verbos. Imagine-
mos, mesmo se parecer absurdo, que a dupla etimologia se deve ao fato de que a própria
significação do termoé vacilante, tornando necessária mais de uma fonte latina para dar conta
do seu sentido; que nunca será unânime. Secure e sequi serão, portanro, necessários um ao
outro, e a escolha por um deles deixará de lado uma parte do sentido.
!
Secare
Vista deste lado, a definição de "seita" obedece ao padrão das relaçòes entre o todo e a
parte. Ou seja, seita e igreja se implicam mutuamente, a tal ponto que o surgimento da pri-
meira é com freqüência o indício de alguma crise de legitimidade ou de funcionamento no
seio da última. As seitas mantêm uma referência a ortodoxia da qual se separaram, muitas
vezes em nome de uma fidelidade aos objetivos originários da doutrina.
Vai nesse sentido a definição pelo teólogo Emst Troeltschl amigo e colaborador
de Max Weber, que condenso
A igreja é unia e bem adaptada à estmtura
do poder secular, e laicismo;
a vida sobrenatural,
da vida. Se
o trabalho da igreja no mundo é o de prt&arar os seus membros para a eternidade, a seita
pretende antecipá-la. 1
Dezembro 2007 Opção Iacaniana no 50
Max Weber2 acrescentou às obsen~açõesde Troeltsch uma outra, que, considerada do nos-
so ponto de vista de hoje, quando as denúncias rle opressão psíquica por parte de certos
dirigentes de seitas mobili7am governos, famílias e educadores, pode parecer surpreendente:
a adesão à seita se dá como livre escolha de cada candidato, assim como a aceitação das regras
e normas.
Certamente, a liberdade de que trata W e b e r ele, aliás, se referia a movimentos religiosos
em boa parte diferentes das atuais seitas - diz resl~eitoa ausência de estruturas complexas d e
poder, cujo exemplo mais acabado se acha na Igreja Católica; e, sobretudo, ao fato de que,
para Weber - num acordo antecipado coni o que vão apontar Jacques-Alain Miller e Jean-
Claucle Milner, segundo os quais o contrato é uma alternativa contemporânea a lei3 -, a comu-
nidade sectária é fruto de um compromisso voluntário de tipo contratual. A adesão à seita se
dá como um ato individual, ao contrário do que ocorre nas igrejas, cuja transmissão se dá de
geração em geração, pela via da tradição, e em sintonia coni a cultura local.
Essas definições, como se pode ver, exigem que se mantenha uma relação entre o todo e
a parte: só há seita em relação a uma igreja. Para usar o exemplo da talvez mais célebre heresia
do ocjdente medieval cristão, há senipre um católico (zmiuersal, em grego), como pano de
fundo do qual se destaca um cátaro (puro, também em grego). Aseita é seita se considerada
como uma extração da igreja, mesmo quando pretende ser a realização mais rigorosa e inte-
gral dos objetivos originários.
A seita, entendida como separação, pretende em muitos casos representar em ato o mais
íntimo e essencial da mensagem originária do fundador. E uma parte que justifica a sua cwjs-
tência presente com a esperança, em alguns casos, de que no futuro será ela o todo: um dia,
seremos o gênero Iiumano. O que constitui hoje uma heresia, será amanhá a ortodoxia, com
a diferença de que: quando isto ocorrer, se manterá a pureza da doutrina: cuja literalidade não
será perdida ao se exprimir através de dispositivos.
Temos aqui montada uma máquina infalível: o funcionaniento eclesiástico ou político,
-
Segui
Entendida como uma derivação do verbo segui, a definição de seita é menos simples. Já
não se sabe muito bem a que grupo se atribuir o adjetivo "sectário". Adériuesectaire" consi-
derada com ra?ão como um grave problema da nossa época, indica igualmente uma dispersão
de sentido.
sive por não se saber de onde viria a decisão sobre a ortodoxiai. A brutal conclusão Roma
locuta, cuusufinitu, que, sob a hegemo~iacatólica, calava as divergências ao fixar a fonte da
autoridade, parece, pelo menos por um tempo, ter-se pulverizado nas vozes de múltiplas
agências anònimas, localizaçòes fragmentárias do poder burocrático. A discussão teológica -
que, naturalmente, não precisa mplicitar nenhum deus como objeto de estudo, mas exige de
qualquer forma um Um consistente - enFontra nesse ponto um obstáculo.
Temos aqui que considerar dois aspectos em aparência contraditórios: por um lado, as seitas
servem como tentativas de recuperação do Um, no sentido de que a adesáo irrestrita dos seus
membros circunscreve um espaço coletiJo, e fornece, a cada um e a todos, um significante-
mestre no qual se reconhecem: a si próprios, aos companheiros de seita e aos estranhos.
Por outro, não podemos ignorar que as seitas, tal como se apresentam atualmente, são uma
expressão da fragmentação do Um, e?neste sentido, são a própria dispersão, e não uma reaçáo
contra ela. Podem até dispensar qualquei; intenção ou "estratégia de salvação", a exemplo da-
quelas que se instituem como simples práticas de convivência, terapéuticas, sexuais, alimenta-
res: etc. Ou seja, na falta de uma resposta universal, os sujeitos se representam em traços parti-
culares (ou "paroquiais", segundo a acep@o dada c e m vez por Jacques-Alain Miller a este ter-
mo): ou através de acordos parcelares, e não em alguma grande comunhão universal.
I
I, e depois a
Secure e sequi marcam, neste texto: dois momentos dialéticos imporrances.
A constituição de uma seita como separação representa um atentado ao Um, em geral
contrabalançado, à maneira histérica, pelb exigência de que este resista, pois é a permanência
do Um que dá sentido ao atentado.
Vista como adesão - ou como alienação -, a seita é um retomo do Um, sob a forma de uma
mestria - uma lei, um regulamento. Talvez a separação conduza inevitavelmente a adesão,
mas não se deve esquecer que, entre unha e outra, há uma passagem pelo objeto, no ponto
A.
limite em que os ideais coletivos se esgotam
É precisamente este ponto que é h ,]e em dia' .
motivo de inquietação e de discussáo :
nestes tempos de crise dos universais, d auto-suficiência das seitas, que parecem se bastar.
I
quer como explicação do mundo, quer como modo de vida, tem chegado em alguns casos a
extremos, como foi o caso, em abril 1991 nos Estados Unidos, da célebre chacina dos mem-
bros da seita dos davidianos, liderada pori David Koresh.
I
Dezembro 2 O O i
I 352
Opçáo Lacaniana n" 50
Poderão os psicanalistas, a panir do que aprendem nas suas práticas, clernonstm que é
possível a produção de novos significantes-mestres ou de novos contratos , após a dura -
Sabemos, a partir da única aula do ~ e h i n á r i oinexistente sobre "Os Nomes do Pai", que o
Nome-do-Pai é um semblante. O próprio título desse Semindrio, que consta apenas de uma
aula, nos mostra que o Nome-do-Pai já ná6 existe. Ou dito de outro niodo, que o Nome-do-Pai
não é mais do que um semblante. Este cbmentário poderia terminar aqui. Há uni antes e um
depois no ensino de lacan, a partir dessa única aula doSemii?árioque Lacan nunca terminou.
A pluralização dos Nomes do Pai questiona d e maneira radical a primazia do Nome-do-Pai.
Contudo, Lacan nos deixou uma lição d g s e Seminário que poderíamos chamar de Seminá-
rio "10 e meio", a manera 8 e meio de Fellini. Porque o que se esboça ali determina a lógica
dos Seminários anteriores e ilumina as versões do pai em seus Senzinários posteriores.
De fato, esta operação questiona o ponto d e partida de I.acan, ou seja: que o seniblante
domina o real. Isto é o que lacan explicitaI nos cennos: "há significante no real". Náo obstante,
na significantização do real que predoniina nesta altura de seu ensino, encontramos algumas
discoriâiicias. Lacan sublinha de uma maneira muito paiticularalgo que já estava em Freud: o
objeto encontrado nunca é o procuratlo]entre ambos há senipre discordância, o que niarcará
toda a vida amorosa do suieito. Esse "algo horroroso" na vida dos seres falantes, que Freud já
tinha visto em suas "Contribuições para a psicologia da vida erótica ou amorosa". Espírito
Santo é o nonie que lacan dá a esta diskordância, a esta mptura de uma suposta harmonía,
I
em Oseminário4, tal comoJ.-A.Miller o:sublinha em seu Seminirio: 'Aexperiênciado real...".
O falo é o símbolo de que o senibldnte domina o real, contudo, já no próprio Freud há
uma antecipação de que há uma falha do saber no real. E isso está no fato de que este saber
não facilita de modo algum o acesso ao 1outro sexo. A sexualidade, então, fura o real. No final
I.
do ensino de lacan, e isto aparece naqliilo que hliller elucidou como o sexto paradigma do
I
gozo: este furo que a sexualidade produz no real vai ser chamado de "náo lia relação sexual".
Já eni Ose~ninário4, o Espírito Santo I havia feito sua entrada e podemos ler ali a antecipa-
ção de que há um real que escapa à sighificantização e que a Aufhebung fálica de& de lado.
Opçáo iacaniana no 50
Para além do Édipo
O mais além do complexo de Édipo, e$ germe desde cedo no ensino de iacan, anunciado
no O Semh7ário 17, se formaliza nas fórmulas da sexuação com a consideração do Outro -
feminino - e a ex-sistência do pai real -como exceção.
-
O primeiro termo, tão bem considerado em alguns parágrafos de "Diretrizes para um Con-
gresso sobre a sexualidade feminina"(8,p.714): ou em algumas lições do O Semindrio 10 (3,
13-3-63,20-3-63e 29-5-63)., o feminino [)&deser abordado logicamente - como convém, se-
gundo iacan (cE5,p.91) -, a partir da torção da lógica que este imprinie quando negativiza o
quantificador universal e coloca o feminino em relação com onüo-todo.
Por outro lado, o pai real, ainda que já Abordado desde osSeminános4e5, chega a encon-
trar uma localização precisa em suas fóidulas colocando-se no nível da exceção que permite
a constituição do todo.
Dezembro 2007
r qYando nio se II em clave feminista - nos indica
Opçao Lacaniana no 50
i
que, quanto ao feminino, Freud não nos havia deixado tão abandonados (ct4,p.E): para estar
tomado do lodo pelo Édipo é preciso ter saído dele como faz o menino, sepultamento que
permite, pela incidência de seu herdeiro - o supereu regulador -, que ose normachize.
Em contrapartida, para a mulher- tomadanão-toda pelas redes do Édipo- restariani aber-
tas as vias para o encontro, sempre contingente, com um Outro que não o fálico: feminind
Razão suficiente para entender até que ponto Freud não ficou satisfeito com a resposta
fálica construída por ele para uma interrogação que não deixou de inquietá-lo nunca: "o que
quer a mulher?
-
Que se entenda, certamente, que se pode fantasiar a castração e que esta castraçãodu farit;i-
sia -genitivo subjetivo - vem a escrever-se então na zona inferior das fórmulas da sexuação, eni
$ u: em castração imaginário simbólicd que sustenta a perversão polimorfa do macho.
Mas a castração como operaçâo real, se localiza em 4r G :"algo que diz não à fuiiyáo
fáliczi" (5, p.88). E comporta, entre outras coisas, a abertura, para um homem, da "possibilida-
de cle do corpo da mulher, em outras palavras, de que faça o anior" (5, ibid.). Castração da
fantaiia - agora, genitivo objetivo, que conduz mais além...da fantasia e do Édipo.
Em ix se escreve, com efeito, uma castração4 operada pela ex-sistência -real- de
utna exceção que, pondo em suspenso a função fálica (k), dá lugar a uma vertente do anioi-
que não excluiria - como o faz,sim, aquela da fantasia- a possibilidade do do corpo do Outro
sexo: um amor que - apesar de partir do lado-homem das fórmulas- pode não ser
homosse.~~.udo (5, p.103), que consente em não ficarfora-do-se.xo (5, ibid.).
Bem, essa ex-sitência, essa exceção, é a do pai: "ao-menos-um que diz que não". De que
pai se trata? Que pai é aquele que dispomos no nível desta fecunda exceção nas fórmulas da
sexuação? Não o significante do Nome-do-Pai - pai morto, piv6 do kdipo senão o pai real -
-!
Mas ate aqui os pais da atuaiidacle não parecem produzir esse impacto. Não causam impacto,
não assombram, não surpreendem. Em geral, os pais de hoje ido chegam aépater (cf9,l-672).
O "declinio da imago paterna" - antecipadamente proposto por Lacan (cf.7) - deve ser
aborclado, a partir das fórmulas da sexuação, em termos de queda -quando não de fragmento
- tla Função de exceção do pai e, certamente, posta na conta dos efeitos dos "discursos" da
ciência e do capiralismo globalizado, ou hiper moderno.
Metáforas
Sintoma e Nome-do-Pai são em primeiro lugar, metafooras.
Coni a aplicação dos conceitos linguisticos a psicanálise freudiana, se propõe uma
reformulação do Complexo de Édipo e do Sintoma.
A Metáfora Paterna apresenta na operação edipica um operador privilegiado: o significante
do Noine-do-Pai que metaforiza a arbitrariedade do Desejo da Mãe fundando a lei.
Trata-se de uma re-escritura do Édipo, em ternios de estrutura, que põe o Nome-do-Pai no
centro da reflexão lacaniana como uma questão preliminar a toda psicopatologia possível.
Começa por elucidar o mecanismo fundamental das psicoses. A \.inculaçáo entre foraclusão
do Nome-do-Pai e Sintoma mostra o caminho para desenvol\lmentos muito posteriores do
último ensino de Lacan.
! I também uma reformulação dos sintomas, uma reformulação que o define como signifi-
cante metaf<jrico,hieróglzfo: fo~ra.são,lahi~i?zto,hmelirnw. que requer uma liberaao do
seii~idoapiisionado e que, alino tal, faz emergir a verdade, ali onde o saber falha.
O sintoma-significante que se resolvia por inteiro em uni exercicio de linguagem, é
correlativo do Nome-do-Pai que metaforiza o Desejo Materno.
Poderia se dizer então que já estava aí a associação do Sintoma e do Nomedo-M, nias somen-
te à condição de ressaltar que, tanto uni como outro, se sustentavam dessa operação metafórica.
Nome-do-Pai SII\'TOMA
DESEJO DA iMÃE A
Mythiquement
Se a psicanálise teve no centro de sua doutrina o mito tlo Pai: lacan não só paisa do mito -
~n)~thiquMnent-' a estrutura, senão que ousa ir mais longe que Freud abrindo um camlm mais aléni
do Édilm: o campo do gozo. Reserva para o Pai a essência dassificatória do Totem e se destaca, ao
nível do Pai, a função do nome que perfila o que será mais adiante a reduc;ào à sua Função rdtlicaF .
O sintoma, com seu teciclo de sentido, que teve como correlato a castraçáo, agora sofrerá
também esta operação que cometa a desligá-lo do Outro. Para o Sintoma que já "não quer
A redução a função está completada. Entretanto, ainda resta uma operação fundamental
sobre o Nomedo-Pai e sobre o Sintoma, ~ já que para
. iacan
. esses verdadeiros ainda estão
disjuntos e não asseguram o enodamento dos três. Faz falta o que Freud chamou "a realidade
psíquica'' ("realidade religiosa" para iacan) para mantê-los juntos. O que os mantém juntos, o
quarto, é o Sintoma.
Aqui, Sintoma e Nome-do-Pai confluem de um modo completamente novo, já que o quaito
nó é o Sintoma e e também o Pai. Ele o é porquanto assegura apere-uersiói? e porquanto é
também o que nomeia.
Quando só nos resta do Pai e do Sintoma seu uso, é porque perderam sua essência, ou
porque sua falta de essência ficou demonstrada pelo uso e pela época.
Afetados pela queda dos semblantes, tatito na época como na psicanálise, o Nome-do-hi
e o Sintoma são conceitos insuumentais: utensílios "necessários" para que se sustente um nó
de gozo e sentido que suporte para um sujeito I
seu mundo.
Sintoma e Nome-do-Pai não são conceitos transcendentais, mas continuani sustentando
os Fundamentos da subjetividade. II
O Nome-do-Pai, como um aro de barbajte, seni sentido?Útil para o enodamento, já não é
aquele significante metafórico que com seu mais de significação dá resposta a arbitrariedade
d o Desejo Materno. Mais além do Édipo, $?ta-se de "manter junto", não se trata da essência
do Nome-do-Pai,senão de seu artifício. i
I
Dezembro 2007 1 364 Opçáo Lacaniana no 50
Faz-se lhe de correlato um Sintoma cuja sede! essa sede de sentido que leva a demanda ao
Outro! só é apaziguada pela redução que, em uma psicanálise, o toma instrumento signo.
Finalmente, a potência do significante do Nome-do-Pai,Si privilegiado é reduzido ao nó,
quer dizer. a seu negativo.
É o que indica Lacan em sua afirmação ''Nossaapreensüo analitica do nó é o negativo da
reli&?iã~'~. É o que me permite parafraseá-lo: mio cremos 7 7 0 Noine-do-Pai,mas isso náo nos
impede de utilizá-lo como o que ele é: unz Sintoma.
Talo traduzido por Ròmulo Ferreira da Silm
que é a mie, o objeto do incesto, é um bem proibido, e que não há outm bem'? A lei moral
se situa neste ponto: ela presentifica, em nonie do pai simbólico, esse não ao bem supremo.
O nome do pai é a operação da sublimação. Iacan não diz outra coisa quando ele fala da
"sublimaçáo do Pai". Não é tampouco por acaso que iacan, para definir a lei moral, faz apelo,
na 12tica, aos niandamentos tirados de Deuteronômio. Deus é aí apreendido pelo viés da lei
que faz sublimação.
O amor cortês, na Idade Média, coloco" a Dama justamente nesse lugar da Coisa. Esse é
um dos paradigmas históricos do amor sutilimado. "O objeto, nomeudamente aqui o objeto
feminiuo se introduz pela porta muito singular da priuação, da h~acessibilid~de.. Qual-
quer que seja a posição social dqitele qdefunciona nesse rqtisilv C..), a inacessihilidade
do objeto é ai colocada desde o início". Quer dizer que "mio hápos.~ihilidadede cantar a
Dama, e7n sua posição poética, sem o pressuposto de uma b u ~ ~ e nque z i a cerque e a isole".
Isso é o "~acúolo".
Essas balizas permitem, a partir clo binômio inicial freudiano pulsão-sublimação, apreender
as conseqtiências clínicas que Iacan extrai disso. Por detrás do véu da heleza que recobre a
inacessibilidade do objeto, se demonstra, de forma radical, que o objeto da pulsão é sempre
perdido, que o trajeto pulsional é satisfação beio seu próprio rateio, quedas Diug é a realidade
mu&i que faz falar, que a rela~ãosexual rido
pode se escrever liberando o impossível. Essas
diferentes expressões de Lacan, seguintlo ai escansões de seu ensino, desnudam em todos os
casos a mesma lógica: a sublimaçio é, ao mksmo, uma modalidade de recobrir e fazer surgir o
real com o qual o sujeito se confronta (tique).
Tesio traduzido por Chafiahérico Farah
. "
alrcan,J. O Serrtin(irio, livra i:aélicn dopri~núl!se,Rio delaneiio. Jorge Zahar Editar, 19.. , p. I85
'Ibid.. p.185.
Reconhece-se que o sentido mais geral que a época das I.uzes conferiu ao termo superstiçáo
- o de culto de um falso Deus - tem um passado que é objeto de inúmeras interpretações
filológicas. É por meio da palavra latina sz~perstitioe do adjetivo derivado superstitiosus que
os modernos fmram o sentido mais usual da noção de superstição. Do ponto de vista da
estrutura formal, superstitio deveria ser o termo abstrato correspondente ao termo de base
super~les~ a saber, 'sobrevive7zte: A questão de fundo que anima essas várias interpretações
diz respeito a relação que esses dois termos mantêm entre si, tendo-se em vista quesuperstes
não concerne apenas ao que 'sobrevive', 'subsiste', 'resta: mas associa-se, também, a idéia de
'testeinunho: A mesma tlificuldade enfrenta-se para esclarecimento da relação entresupersfitio
e ruperstitiosus Ao admitir-se que o termo latino superstilio levou, de alguma maneira, a
significaçào de 'superstiçáo: como se conceber que acperstitiosus tenha assumido, na Anti-
guidade, o sentido de 'divino: profético', e não de 'supersticioso"?
Para os fins aqui pretendidos, basta salientar o aspecto culminante dessa interpreração em
que o superstes>'sobrevivmzte: se mescla a superslitio, atribuindo-lhe o sentido de 'sobreui-
oêilcia: Segundo Benveniste, o termo superstitio indicaria a existência do remanescente de
uma velha crença que, em tempos remotos, ji parecia ser algo supérfluo. É visível que tal
explicação repousa, de acordo coni ele, sobre um contra-senso histórico: ". .. seria etnprestar
aos a7ztigos, e antes mesmo da trudiçüo histórica, a atitude de espirito e o senso crítico do
século XiX ou de nossos etnólogos nwdeinos que viabilizaranz o discenziniento na religião
de 'sobreuivências'de uma época mais antiga... ">. Por outro lado, ele acrescenta ainda que,
dessa visão antecipatória, inscrita na expressàosuperstitiosus, os modernos preferiram lprivi-
legiar a oposição entre os falsos cultos da superstição e os &I religião verdadeira, às expensas
clo feiiomeno singular das "sobreviuêncius')que, já naquela época, não se harmoniza\~am
coni o sistema d e crença instituído.
Não se deve esquecer que Freud se inclui na lista desses niodernos que reafirmavam a
distinção entre as diversas modalidades de crenças, sobretudo entre as crenças supersticiosas
e a religião judaico-cristã. Se há uni aspecto que se impõe ao se considerar a concepção
freudiana da civilização, é o de que houve uma época seni religião e: portanto, seni a crença
no Deus único e absoluto. Com base em estudos de história das civilizações,Freud demonstra
que, apesar de serem um fator inerente a condição humana, as manifestações da crença pas-
sam, ao longo da história, por transformações significativas.Sob a ótica destas manifestações,
é preciso levar em conta a importância de um período histórico, que antecedeu o surgimento
Opção lacaniana no 50
Os anos 50
"Não há dúvida de que a figura do Prof. Flechsig, em sua gravidade de pesquisador (...)não
ter conseguidosuprir o vazio subitamente vislumbrado da Vertuerfung inaugural.'"
Encontra-se o verbo suprir, pela primeira vez em Lann, neste texto dos Escritos, articulado
foraclusão do significante do Nome-do-Pai. Lacan escolhe a forma da negação para introduzir
uma possível compensação do vazio da foraclusão paterna na psicose e em Shreber.
Isto responde a um niomento em que a psicanálise se refere exclusivamente a uma clínica
edipiana, repartida entre neurose e psicose, seguindo o "ou uma coisa, ou outra "da opei;ição da
metáfora paterna.
A linguagem é submetida ao aparelho regulador do Nome-do-Pdi do Édipo. O significante
do Nome-do-Pai coloca ordem na linguagem, inscreve o sujeito na lei simbólica e nomeia o
desejo da mÃe fornecendo-lhe a significação fálica.
A psicose pode então ser unicamente considerada como um déficit que pede unia com-
pensação. Suplência e déficit são, portanto, aqui, indissociáveis.Como a neurose Figura como
privilegiada, náo referida a uni déficit, não pede suplência.
Adianta&em 1958, que é possível suprir a vencier/Üng inaugud é um avanço mcante. Ifirinite
que se deixe de superpor a estrutura psicódca e a loucura. É também destacar a noção de
desencadeamento como algo quevem &%inalaro momento em que a suplência não é mais operatória.
I.er o Lacan destes anos leva a reter duas modalidades: "a compensação imaginária do
Édipo ausente"? (identificação imaginária ideal que vem por um tempo suprir a foraclusáo) e
a metáfora delirante (ordenacão sinibólica que não passa pelo nome do pai do Édipo.
Os anos 70
Vinte anos se passaram e a sociedade modificou-se notavelmente. Lacan percebeu isso
antes de qualquer um. Ele escreve em 1960 o declinio por vir da sociedade paternalista: "O
Édipo não teria como manter-se indefinidamente em cartaz nas formas da sociedade em que
se perde cada vez mais o sentido da tragédia"?
Com esta frase, ecoa outra citação bem mais antiga, de 1938: "O complexo de Édipo não se
funda fora da relatividade sociológica e a função do pai é vinculada a prevalência de uma
determinação social, a da faniília paternalista"?
Sinthoma e suplência
Pode-se chegar a dissociar suplência de Nome-do-Pai?É a questão que coloca lacan em
seu Semilzário &SI,, em 1975: "Para que se,enlacem estes três: é necessariamente preciso um
a mais - a consistência deste, deveríamos referi-la a função do pai? O nó bor ronieano tle-
monstra o contrário (...). Esta funqão sudlementar do pai, seria indispensável? Estou Ihes
mostrando que isso poderia ser artificiosol[~otztrouvé]".~
No entanto, algumas linhas adiante, 1ackn acrescenta que não se trata de imaginar que ele
i
profetizaria que poderíamos dispensar do Nome-do-Pai, cada um dos 3 aros iria para o seu
lado. O Nome-do-Pai ainda é necessário para Ihes enlaçar.
Seguindo Lacan nestes últimos anos de,I seu ensino, é difícil não manter um laço mínimo
I outro lado dissociar o Nome-do-Pai da Funçio
entre supléncia e Wome-do-Pai.É preciso, por
paterna para só lhe manter unicamente a flinção de nomeação.
Os Seminários (,RSIn e O sinthom perhtem aproximar suplência e nonieação.
Opçáo Lacaniana nU 50
Na orientação lacaniana a toxicomania é um termo que indica a relação de um sujeito com
uma substância química natural ou sintética como objeto de gozo privilegiado. A toxicomania
não é uma entidade clínica que se possa precisar com os referentes freudianos. Encontra-se
em qualquer estrutura. O problema aparece porque! o toxicômano com seu ato, encobre os
sintomas que revelam sua estrutura de acordo coni as categorias freudianas d e neurose, per-
versão e psicose.
As drogas têm servido ao homem, através do tempo, para lidar com as forças da natureza,
com os enigmas do corpo, com os temores pelo mais-além, etc. Tudo isto no marco e um
Outro sempre presente. Contudo, estes usos contr:istam, de maneira notávei, com os que
mantêm o adito de hoje.
O movimento atual dos gozos participa de maneira particular no aumento das toxicomanias:
pois produz um empuxo ao consumo de objetos de toclo tipo, incluindo as drogas, legalizadas
ou não. Inúmeros trabalhos de analistas do Campo freudiano concordam em que ao homem
de nosso tempo se lhe pede atuar conforme seu gozo e, de acordo com uni mandamento de
consurriiJ que o deixa a niercí. dos objetos de gozo oferecidos pelo mel-cado.Por tudo isto, a
psicanálise de orientaçáo lacaniana incorpora em sua investigação os elementos do estado
atual da civilização que facilitam e até induzem o consumo maciço de drogas e a toxicomania.
Os tempos atuais vivem unia acelerada emancipação dos gozos. '!lata-se funclanientalmente
de uma reivindicação social que busca reconhecimento legal. Tudo isto tem enormes conse-
qüências sobre o coletivo. Produz impacto na estrutura da família tradicional, nas instituições
educativas, na religiáo, na governabilidade, afeta o sujeito em sua vida cotidiana e favorece as
adições de toda espécie.
Deve se tomar igualmente em conta, a histórica tensão entre ordeni e subjeti\idade social
que causa crise na contemporaneidade desde que ai formas tradicionais de regulação prove-
nientes do Ouri-ojá não são niais eficazes. O saldo clínico de toda esta situaçáo é a persistência
de sintomas conio a toxicomania, a anorexia, a bulimia, as ludopatias e as pandemias inodemas
que conhecemos como o stress e a depressão
Para Freud a droga seive de lenitivo para enfrentar o mundo. A respeito clisto: dá algumas
indicações em "O mal-estar na civilização". Freud 0bSeiva ainda que aqueles que vêem nas
drogas um refúgio desembocando na toxicomania, começam buscando equilhrio e até prazer,
mas acabam encontrando outra coisa que os introduz na dimensáo do mais-além d. <I h omeostase
e do prael-. A clínica mostra que o prazer dura apenas o instante em que se torna ou que se
Bibliografia recomendada
Pbamion. puhiiago semetral. Editada p l a r d e internacionaldo Canipo Fioudiano em toncomania e aicwkmo (PA). Impresso p i a Plural ed. La
Paz, Roiiiia.
Vaniel Siliiui, Ematosioalia e hlaurício Tarrab em "MkAllá de Ias droga.", publiado em n1iei.o snie de Suieto, gMey modernidad, Plural d . La Paz.
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Ililgo Freda o Bernard lecouer, "Le lodcomane e1 s& ésfrapeuta': Aoahiia 57, Kavarllr d., Paris 1959.
Laurent. Éric 'Trk observaciones sohre Ia toxicomania' em Sujeio. goce y modernidad !I. Publicado pelo grupo ?A. Ed. ABel. Biicnea Aires. 1994.
Kéquiz, Geratdo.Lasodiccionesy e1 m~lulurro~rlemporóneo.Publicado por GEPG. Cuatemala. 2003.
Como figura não é um conceito nascido na psicanálise, mas sim uma figura que provém da
religião e &i tradição, sobretudo, ainda que não inteiramente, judaico-crista. brtanto é unia
elaboração de Freud, mas que o próprio Freud em "Psicologia (Ias massas e análise do eu:',
tenta clescolar da dimensão religiosa. ,
Esta primeira identificação cla origem aD complexo de Édipo normal é uma identificação
ambi\:alente.
Em primeira instância Lacan o trata como operador sinibólico, cuja funqão essencial é
metaforizar o gozo da mãe na metáfora pa{erna; com isso não resolve o problema do gozo;
apelzindo a "Totem e tabu" trata de situar de que gozo pode encarregar-se o Nome-do-Pai.
Demonstrará que o grafo do desejo se tornará imporente com relaçáo ao gozo pulsional.
A medida que se avança nas elaboraçòes be Lacan, desde o imaginário-simbólico,vai sendo
observada a relatividade da opeiação do ~o$e-do-Pai.Freud e lacan recorrem a meiaforiz;ição
do Nome-do-Pai juscamente para impedir quk a psicanálise se desviasse para a psicose.
d
lacan nunca se contentou com o Éclipo sempre pensou em seu mais além, quiçá porque
supunha que esse operador fechasse o caminho, uma vez que remetia ao Deus da religião.
Somente propondo a operação uniuersaiizahte do Nome-do-Pai e a inclusão do objeto a em
sua teoria?irá traçando o caminho para descolar o pai desta condiqão.
Nessa elaboração é fundamental que, para ocupar o lugar do pai, ninguém se confunda
com o Nome-do-Pai, uma vez que isso produz 1 a psicose. Há que se cuidar muito bem de clar
lugar a père-version, que é para Lacan a única garantia da função do pai, que não consiste
I
Dezeiiibro 2007 Opção Lacaniana nu 50
somente em elaborar o gozo dando-lhe um significante. Trata-se do objeto a como causa de
sue desejo, para o qual é preciso que haja uma mulher que seja causa deste desejo, o que o
distinguirá d o Norne-dopai, "...que não deseja nada absolutamente. Assim a função do pai
será preservada de modo homogêneo e mesmo idêntico à Função do sintoma.'
Traço unário
Retomando o que fora assinalado anteriormente, Freud define a segunda identificação como
uma identificação parcial, que captura um único traço da pessoa amada, 'kin einrrgaZug".
iacan lê a primeira identificação h-eudiana a panir da segunda, e nesta o Outro se reduz a
um traço. A intervenção de iacan é substituir ao pai da primeira identificação, com um Nome-
do-Pai, um traço. A identificação ao sintoma se reduz a um traço. Lacan fez com que o pai, em
sua massa pouco manejável, dificilmente situável: sofresse uma redução ao traço: a esse traço
unário do pai, que é o nome2. Trata-se de um esforço de subtrair ao pai todo registro de
imagem e situá-lo como traço escrito, que como o nome, não se presta a tradução ou à signi-
ficação. Na aula seis do Senzinário: 'A, identificação", iacan diz: "...o que veiiios sempre, cada
vez que fazemos intervir esta etiqueta de ideograma, é algo que se apresenta, com efeito.
como muito próximo a uma imagem, porém que se toma ideograma à medida que perde,
apaga, cada vez mais esse caráter cle imagem. Pois que são traços que saem de algo que é, em
sua essência, figurativo, e é por isso que se crê que é uni ideograma. liata-se todavia um
figurativo apagado, reprimido, inclusi\le rechaçado. O que resta é algo da ordem desse traço
uiiário enquanto funciona como distintii~oe pode, segundo a ocasião, fazer o papel de marca".
Quando hliller, no Curso "Os signos do gozo", no capítulo 9: introduz a questão da identi-
ficação primordial, já destacou nos capítulos anteriores a trajetória d e Lacan nos diferentes
niomentos de seu ensiiio. O que interessa sublinhar é que a identificação primordial, essa que
i.acan tenta abordar a partir da insígnia, não é uma representação. Para sepiicir a identificação
e a representação iião basta indicar o lugar o lugar de onde o sujeito se olha - o Ideal do Eu -,
diferente do lugar de onde se vê - Estádio do espelho. Na relação com a insígnia trata-se de
captar a identificação ali onde o sujeito se toma por Um sozinho. A insígnia iniplica um para-
doxo sem par: destaca duas identickides do S I ; sua identidade como insígnia sozinha, em que
o sujeito se toma esse significante, e também sua identidade conio aniculação.
Na página 237 do mesmo Curso afirma que a função da insígnia deve ser circunscrita por
dois termos: em primeiro lugar o 1,o S I , inclusive o I, inicial do Ideal do Eu, a marca do traço
unário, escrita mais antiga e específica. Em segundo lugar temos o u : quer dizer que a insígnia
não é somente o traço unário; para proporcionar uma definição mais adequada, dirá que é o
traço unário mais o objeto a.
Um Nomedo-Pai entre outros é o resultado do furo da metáfora paterna que iacan efetua.
J-A Miller localiza esta noção no prefácio escrito para "O Despettar da Primavera"d e Wedekind:
"...é possível que o pai seja tão somente um dos nomes da deusa matema, a Deusa Branca,
que permanece outra em seu gozon8.Lacan fura a metáfora paterna para chegar ao desejo da
mãe e ao gozo suplementar da mulher9.A noção do carnaval como festa feminina pareceu-nos
exemplar para designar que, na data anual programada pelo calendário e anexada ao calendá-
rio religioso (o carnaval antecede a ~uarksma),um furo acontece no programa cultural do
machismo, um furo tradicional. Afixação do período momescogira em tomo de datas prede-
terminadas pela própria Igreja, festa de características paga que termina em penitência, na
dor de Quarta-feira de cinza^'^.
Na segunda metáfora paterna, nos diz Éric Laurent, o Outro da linguagem encarrega-se do
enlaçamento com a pluralização dos Nomes I do Pai. O paganismo contemporâneo busca a
prova da existência de Deus na overdose. (Com a presença do êxtase nele, o sujeito modemo
comprova a presença do Outro, passa entko a acreditar".
A topologia do nó borromeano que dacan introduziu em Muis, ainda (1970) serve-lhe
para reformular o conceito de estmtura através das categorias real, simbólico e imaginário,
únicas categorias da experiência analítica! Estmtura reformulada em cujo centro localiza o
objetou, referência de um novo tipo, nascida da própria aiticulação. Náo se trata mais da idéia
I
Dezembro 2007 1 386 Opção Lacaniana no 50
de referência negativa, a qual iacan leva em conta, a panir da estrutura de linguagem, a im-
portância pivô da castração freudiana". Como conseqüência, o stutus do Outro sofre desloca-
mento. Não se trata mais da dialética sujeito/outro, toma-se um conceito organizado em tor-
no de um núcleo, um vacúolo de gozo. O que fundamenta sua alteridade é o objetou, resto
não simbolimdo da Coisa. O objeto a não se constitui em elemento do Outro, aloja-se nele
em um ponto de extimidade: porquanto íntimo não lhe é menos heterogêneo. A esta falta
estrutural do Outro, corresponde a pluralização dos Nomes do Pai como suplências, não há
uma única forma de tapar a falta".
Lacan avança ainda mais postulando o conceito de lulíngua, como um simbólico desliga-
do do Outro e tendo o Um como referência.
A psicose fornece o modelo do núcleo real de todo sintoma: como função da letra que fixa
o gozo, sem Outro.
E quanto a conclusão da crônica do carnaval: "i, nas ruas sujas estão as três raças brasilei-
ras entrelaçadas na esperança de um casamento gmpal doido: negros, brancos e índios dando
a luz um grande bebê mestiço e gargalhante,ensinando que a vida é uma aire e a lógica careta
é a morte"".
O p ç h iacaniana no 50
0 QUE CORRESPONDE AO
Introdução
A íntima relaçáo de Freud com o pai é herdeira de seu compromisso com a neurose. O pai
freudiano, o amor ao pai, articulador essencial de sua obra, provocará conseqüências signifi-
cativas na clínica psicanalitica.A transferência, pois, está implicada com a funçáo do pai. Lacan
situará o lugar do pai como função, no registro simbólico como lugar do Outro e o elevará ao
estatuto de significante primordial: o ~ode-do-Pai.
A questão central que se propõe é uma interrogação a respeito de como tratar a neurose
levando em conta que ela é produtora de pai. A ilusão neurótica é encontrar no analista um
pai que detém o saber, e que, via transferência, lhe revele a razão daquilo que resulta enigmá-
tico de seu sintoma. O neurótico sustentas I
esperança de saber sobre a causa e o sentido do
que lhe passa, apoiado no Nome-do-Pai. :
A questáo é encontrar a resposta analítica adequada que não cumpra a limitada função de
estabilizar a neurose. O analista no lugar do pai só pode aspirar a um equilibrio que náo faz
mais que deixar o sujeito imerso na m-quinaria destinada a articulação do desejo, mas
também a seus estragos. !
Segundo J:A. ~ i l i e ro, pai freudiano n i o conhece a castração, ele é seu agente, é a função
I
da ameaça a que encontrará na angústia de,castração seu complemento. b r outro lado, Lacan,
na lógica d o s e m i d r i o "Os Nomes do pai", desenhou o Pai q"e sabe da castraçáo e o chamou
"Psicanalista"' .
Isto nos coloca diante de uma pergunta fundamental: se a neurose convoca o analista a
ocupar o lugar do pai, como terá que resp,ondero analista?
Proporei três alternativas:
1 - O tratamento do pai pelo pai: &antlo ao invés do desejo do analista responder,
responde o Nome-do-Pai.Se a resposta que se produz a panir do encon-
tro do sujeito com o desejo do analista, o desejo do analista com o desejo reduzido
à sustentação do desejo do pai no nivel ideal, conduziria a análise pelos caminhos das
identificações surgidas a panir do
2 - O trutumento do pai pelo p a i no Seminário: A élica lacan nos fala do
Dezembro 2007
i 3m
Opyâo Lacaniana no50
desejo do analista como um desejo advertido ligando essa advertência a um saber sobre O
impossível. A função desejo do analista, que lacan trabalha noSeminário 11, distingue com
precisão suas diferenças em relação ao desejo neurótico. Não se trata de um desejo sustenta-
do no Ideal, no narcisismo, no princípio do prazer, trata-se de um desejo que, diferentemente
da transferência que isola a demanda da pulsão, volta a conectar pulsão e demanda. Se a
demanda tem o valor de representar uma demanda narcisista, identificatória, tem ademais a
possibilidade de ligar-se à pulsão, o que a levará mais além das identificações narcisistas. A
resposta do analista a partir de sua função como desejo do analista será a orientação necessá-
ria para sua obtenção.
3 - Nuo há pai: a função paterna encontrará no ensino de Lacan 2 herdeiros. Nenhum
deles encarnará o herdeiro freudiano do pai: o supereu. Para Lacan, tendo-se atravessado a
figura imaginária do pai, seus herdeiros, em diversos momentos de seu ensino, serão a lingua-
gem, por um lado, e o sintoma, por outro. Quando a transferència sustenta-se nos afetos: não
há escapatória, a função paterna é ratificada na transferência. Se pensarmos a transferência no
plano simbólico, o que Iacan chamou de Sujeito suposto Saber, esta função também se orien-
ta na direção de uma restituição da função paterna, no saber, com a articulação significante e
com seu produto: os efeitos de sentido. É justamente no limite que escapa a significantização
herdeira do Nome-do-Pai, onde lacan no lugar do pai, encontrará o sintoma. O trabalho do
analista, valendo-se da dimensão real da transferência, será mostrar que não há pai, ou me-
Ihor, que há que se atravessar a figura do pai para poder dele seivir-se.
i
O SsS como semblante é a equivocação que encobre a hiância estmtural, fazendo crer que
há um sujeito que saiba acerca do saber inconsciente quando, a definição mesma deste saber,
supõe que nenhum sujeito o saiba, já que há um buraco no saber
O que acontece quando o analista crê 4ue sabe acerca deste saber?
A enfatuafão do analista i
Sócrates recebeu como uma calúnia a4 palavras ditas pela pitonisa do oráculo de Delfos
acerca de que ele era o mais sábio de todÒs os homens. Para descobrir o significado deste
enigma, dedicou-se a decifrá-lo conversajdo com os homens que acreditavam ser os mais
sábios de todos. Sua observação o levou a descobrir que tanto uns, quanto os outros,
manifestavam uma exagerada pretensão de sabedoria, porém sem elementos fidedignos
que a demonstrassem. Isto lhe permitiu concluir que se o oráculo o havia nomeado como
tal, era para apresentá-lo como exemplo. "é como se dissesse: homens, aquele de voz
que, conio Sócrates, tiver se dado conta que nada vale em verdade no tocante a sabedoria,
é o mais sábio''4
i
Este exemplo nos conduz a relação entre o analista e o saber Quando íacan, citando a
Baltasar Gracián, compara o analista ao sanio, sustenta a posição do analista do lado do não se
deslumbrar, "de não fazer estardalhaço"'. Aão é o que se sabe como saber acumulado o que
importa, senão sua posição particular com Ilação a esse saber
Quando o analista crê que nada vai surpreendê-lo, quando crê que tudo o que o analisante
pode produzir, já sabe de antemão, perde sba posição de analista, não opera com o SsS como
semblante natural da experiência. O saber bbsoluto engendra a suficiência e impede de sus-
tentar a hiância que contribui à produção de um saber: o resultado é a enfatuação.
Aenfatuação é o desconhecimento do d.!?sconhecimento, é antinómica ao desejo de saber.
'iA enfatuação designa uma enfermidade p/.ofissional do analista, enquanto se identifica ao
sujeito suposto saber. toma-se por ele. É o Semblante próprio do psicanalista fazer semblante
de já conhecern6 I ~
Isto não é sem relação com o Nome-do-Pai.Na medida em que o analista veste-se com essa
roupageni, constrói tal ilusão com o Nome-do-Pai. Se a equivocação é a forma própria do
saber inconsciente, e se o SsS se forma 'através da experiência analítica sustentada na
1
equivocaçáo, o SsS é uma formação "de vem",própria de sua homologação ao inconsciente
como tal. Por este caminho, o analista; sustentado no Nome-cio-Pai, como formação artificial,
I
Dezembro 2007 / 390 Opcáo iacaniana no 50
constrói a ilusáo de saber tudo. Assim, a dialética do SsS é substituída pelo Nome-do-hi. O
enfatuado é o sujeito que acredita que maneja seu ato, enquanto o verdadeiro analista é supe-
rado por seu ato.
Texio traduzido por lucfola Macedo
. .
' P l d n "Deleusade Skraw",en'0bri ~ornpl~iar, I&
pág.205, editorial Aguilar, alo
'hcan.J"TelaWÓn",
. enPsiwanáIisis RadioJÓr~iagTek,isión,pág.98, editorial Anagrama. ano 1977.
6MillerJ.A. idem I, pagina22
mostra que o sujeito que se apresenra ao psicanalista porta o signibcante de sua demanda,
seja ela qual for.
. . . , . .
3. Lacan, inlpnnnlo sul fralli/crl, in Scrilli. Einaudi, Torino 1974, pag. 128
'J. Lacan, lanireiinnedeKacuni eii>~~~~ideisuop3l~e(I9I$,, inSmili; Einatli. lbrino 1974,Qag.597 sg.
9. Lam,inlrdlicllon 4 i'édllinn ulle>nnndc diinpremiw r~olronedesEnils (19731, in Aliires h i l s . k ERuil, Paris 2001. pag. j58
9, Lacan, la rnéprisedj~~~<jelsuppa~ésu<ri:oir
(ig6i). indrdlrrs é~rils,Le Seuil, Paris 2001, pas. 337 ig.
1.A. Miller~Deila?znluradeisnnbienii, in L n p A ' i [ ~ ~ 11.13,
i i ~ i Ashlabio. Roma 193. pag, 65
'Ib., pag. 173
'J. Lacan, Pmposla de19oilobre I%imIovtn allopsiuxlmlisiu delia kuolaain Scilicr/, Feltnnelli. Milano 1977. pa~.24
'1.Lacan, l i m i n u r i o iIbmR1, I q ~ ~ a l ~~ceIlifandnmel~/uiidelL?psi~~utin/isi
lm (1W), Einaudi, Torino 1979, pag. 277
'g. Lacan, ~misiiota.inRadioJonia TeIPuisior8e.Einaiidi,Totino 1987, pag. 83
I1
Desde o pai como a cruz da histeria até o ponto em que este se reduz a uma reta, o
vai do pai, garante da lei do desejo
que pode ter, para alguém, o sintoma.
tom (da produção e regulação do sentido
à inserção do gozo), temos, como um denominador comum: o pai sempre
foi uma função que o distingue do - podendo ou não coincidir, não é essencial.
Assinalo um aspecto da e trauma, justamente sua não-relação, sua
na pratica são profundas se pensamos que
sempre estamos ato: entre psicanálise e religião, do mesmo
)I
modo que entre psicanálise e psicoterapia, ainda quando "não o sabemos". Para tanto, basta
decidir-se pelo caminho equivocado. Por isso, Lacan nos adverte com insistência em seus
Seminários de 75-76: "...há que sustentar bem a corda, quero dizer que se não se tem a idéia
de onde termina a corda - no nó da não-relação sexual - o risco é tagarelar.." '.
Do pai freudiano (mítico, ideal, privador e com um referente no relato trágico: "idipo":
"Totem e Tabu", "Moisés") ao pai lacaniano, ou seja, aquele que se define por ser uma função,
um nome - um entre outros -, conio também ao que nomeia, encontramos o pai vinculado a
uma Função de ligação, de enlace, de estofo de um hipotético acordo entre campos dispares.
O ato que engendra a nomeação põe em evidência uma antinomia que se supera pelo próprio
enlace: a coisa a nomear e o nome que nomeia se encontram separados e , ao mesmo tempo,
ligados pelo laço que assim se estabelece.Jacques -Alain Miller desenvolveu em seu Curso40
modo pelo qual o nó entre o Simbólico e o Real pode permanecer disjunto e inseparável.
Vale dizer que nenhum nonie nem nenhuma nomeação podeni nomear todo o Real,
sempre haverá fuga, sempre haverá uma exterioridade, com a qual é preciso orientar-se a
partir de ser seus incautos: saber-fazer ali, a cada vez, é a única opção.
111
Então, enquanto o pai liga - eni termos de função, de instrumento -, o traunia é Furo.
Lacan faz uso da língua francesa, para alojar nela o trou (furo) que se escreve na palavra
troumatistne - traumatismo. O trauma entrou cedo na reflexão psicanalirica. Freud pensava
que uma lembrança traumática não era assimilável as associações e tinha o status de um corpo
estranho. Também soube fazer notar o caráter sexual ligado ao sobressalto que constituía o
componente não-metaboliiai~ela palavra. Esse trauma sexual, para Freud, era eficaz na formaçjo
dus sintomas e em sua repetição; ele caía detrás da repressão. É na virada de 1920 que Freud
constata, nos doentes de guerra, que a repetição nos sonhos da cena traumática se localiza
além do Principio do Prazer Esta é a mola de sua tese da pulsão de morte.
Quando Lacan toma em seu Setninário Xi a questáo do trauma, não é ligado ao pai como
o trata, senáo "ao encontro enquanto que pode ser falho9'j.É a repetição como tiquê: o real
como encontro. Comenta Freud, num sentido, quando definindo o trauma como "algo que
há de ser tapado pela homeostase subjetivante que orienta todo o Funcionamento definido
pelo Principio do P r ~ e r "localiza
~: seu lugar no processo primário, a Outra cena freudiana: o
inconsciente. Este que, definido como estmturado como uma linguagem, é aqui tratado como
tropeço, falha. Vale dizer. homólogo a tiquê e em urna topologia de abertura e fechamento.
Vejamos como o "cenário" da linguagem que entranha sua própria impossibilidade, dito de
outra maneira, o inconsciente - seu saber - sepai-a o falante da idéia de natureza, harmonia e
instinto. Freud assinala com a repressão primordial (u~t.wdrar?gt)o irredutível do inconsciente,
aquilo que nunca terá sentido e, com isso, o estatuto de invenção, de construção do dizer que
tém para cada um seu Outro, ao qual não pode ser dito tudo. 'A linguagem não é uma simples
tampa é aquilo no que se inscreve a não-relação e isso é tudo o que podemos dizer dele'?, nos
diz iacan separando o que é puramente o hahitat dos corpos a respeito do que são seus
efeitos: Deus e os efeitos psicanalíticos.
lLncan, Jacpies. " l d e a s d i r ~ ~ s pun r acongreso sn6reh senial/dad/eminaaaaem Escrilnr 2. Huciios Aira, SigloXXl. 1987,
iCfr Ilhéiel. Jacqueline; " U n p s o rnis': em Mediodicho ii028, novZ004 EOL Córdoba Vbe:Koch. hlaiie liélène, '"Guiiio"em E1 mldemde h Er~,,cli
78. julio 1998, EOI., Ruenor Yns.
'Laca. jacques, Semimi-io/m.re elsin~mw,aula de 13-01-76.Inódiip
'hliller, Jacqua-Alain, "El11igi1ryellazo', cursodel 17-01-01. In6dito;
'lacan,Jacque.USmt~i-io Libro I 1 Buenos Aira. Paidh, 1987. pp 63
ILaran, Jaique, "RSI~,W Semimrio Libro22, Aiila de 17-12-74. VeMo inédilx
'Ibidem.
8Laca,Jacqua. 'Loi no i ~ ~ u i u I n s ? m nSeminarin
'. 22. Aula de 19-02~74.i'ersio inédita.
Dois.
Se nossa época assiste à recorrência de traumas, excessos, horrores e violência, é porque
o discurso oscila quando já não está regulado pelo mestre, nias sim pela aliança da ciência
com o mercado. 1
'X ciência induz uma causalidade prog(amada que, à medida que é recebida, faz surgir o
escândalo do trauma que escapa a roda prògramaçio: todo o programável toma-se trauma.. .
Para alguns, a melhor maneira de desfazer ohue: em psicanálise, cheira ao séculoXK é transfor-
niar sua retórica e seu vocabulário, apoiando-se nas neurociências". Assim resume Éric Taurent;
uma trend (tendência, moda) que se propaga: o analista progressista busca o futuro da psicaná-
lise na associação com a ciência, unindo-se às forças que aprofundam a foraclusão do sujeito.
Vamos escolher um dos artigos do IntemationalJournal oJPsychoanal)q~isde 2004, um
da série com a qual a IPA se prepara para seu congresso no Rio de Janeiro, precisamente
centrado no traunia. Juan Carlos Tutte, bubcando um diálogo interdisciplinar entre psiquia-
tria, neurociência, biologia e psicanálise, rekorre ao conceito de trauma e b investigações clas
neurociências sobre a memória. 'kpos~íveiperda de rigor nosográfico - assinala - é mais do
que compensada pela maior compreensão~daspossibilidades terapêuticas".
Trara-se- nem mais, neni menos -do hiiuro da psicanálise: "O avanço da psicanálise deverá
se produzir em suas fronteiras e para isso, é preciso confrontar a teorização analítica sobre o
trauma psíquico com o PTSD. Nesse contesto, lùtte menciona um binário que pode interessar
ao analista lacaniano. liata-se da descrição da memória, separada em múltiplos sistemas. "Decla-
rativas" sáo aquelas formas de memória qud corresporidem a um sistema que pheiramente
processa ou codifica os registros, depois os armazena de maneira accessível para seu uso futuro
e, finalmente, os expressa verbalmente. Em tontraste! ac formas de memória "não declarativas"
não podem ser expressas verbalmente. Ou sija, há uma diferença entre o que se pensa e pode
ser representado, e o que somente pode correspondera procedimentos carregados afetivamente
ou a esquemas afetivc-motores que não podem ser verbaliidos no mramento e que se expressam
nas formas de acting-out. Os traumas que desempenham um papel predominante no PTSD são
precoces e não acessíveis a memória verbal.,
cP.situação traumática pode ser a partir de um ponto de vista puramente ecorió-
I
mito?“, pergunta Tutte, buscando um lugar para a pulsão. Responde encomendandeo i
neurologia e situando o econômico memlórias não declarativas nos circuitos fisiológicos
- -
Três.
O caso de Nada I.. Stotland, anteriormente citado, é uni bom exemplo de um retomo a
moral como recurso contra o gozo desenfreado da época. "Os loucos de Deus", assim se
refere Miller a essa prática, que define como fundamentalista.
A culpa da paciente -ao ter que escolher entre Deus e o terapeuta - levou-o a consultar
uma organização cristã que lhe deu dois videos, que ele viu junto com ela em sessáo:
I E g s like a dove: chealingfor tbe abused christian women e Hroken tiows: religion
perpectives in dornetic violence. O analista faz uso então da religião e aos efeitos de dissimular
a culpa de sua devota paciente lhe dá sua absolvição: "God and I are on tbe saine side",
declara. O autor Faz menção a Christian Therap-v: segundo a qual se estimulam as tentativas
do paciente para pensar, atuar e viver de acordo com os preceitos da religião, incorporando
preces ao tratamento ". . . pois as vezes a culpa é a resposta apropriada a um compommento".
O analista lacaniano tampouco está isento de adormecer na prática do sentido em Nome
de Deus Pai. O analista, entre ciência e religiáo, apontará para a homeostase do sentido,
suturando SIM2 em relação sexual, ou apostará no efeiro traumático de seu ato na cadeia
significante?Tomará, como aliada, a crença culpabilizante e religiosa no Pdi para dissiniular o
desenfreio ou consentirá em um usosinthomático do Nome-do-Pai,que o despertará para o
uso da desarmonia cle lalangue?
A pergunta concerne a própria possibilidade de existência da psicanálise nestes tempos do
Outro que não existe.J.-A. Miller procura responder a ela ao ler, no SmNuirio: Osintboma, um
convite para pensar a psicanálise além da velha caixa de ferramentas, além do inconsciente, já que
"a hipótese do inconsciente não pode se sustentar senão na condição de supor o Nome-dnPdi".
Isso implica unia prática que tem em seu horizonte um uso do Nome-do-Pdi que consente,
precisamente,em traumatizar a homeostase,dando um passoalém do sonho da ". . .reconstituição
do inconsciente de papai.. .".
Texto traduzido por Maria hgela Maia.
Opção Lacaniana no 50
Foi a partir da tomada do objeto como "anterior à lei e ao desejo"' que se operou um
questionamento do pai sobre o qual desen?bocou o Semitzáj-io:A Angústia. Jacques-Alain Miller
v,
sublinha que "quando se afirma este tudo sknificante [que culmina no Sen~i?záiio quando [o
[..I
significante] torna-se totalitário, então, orrelativamente, afirma-se o que não é significante".
Ele dá a fórmula: $ xS x, pela qual ele representa o objetou2."E é justamente porque [...I (o objeto
pequeno a) náo tem nome que ele se em questão o Nomedo-h?'; correlativamente esseSemi-
17Úriosobre a angústia mostra que a potência do pai "esbarra no objeto a"'.
Assim, apropriado pela Iógica, o ~on14-do-paidesliza, ao mesmo tempo, da categoria da
universal para a do particular. I
simbólico e a do Nome-do-Pai.. 1
castração domine tudo"23.A passagem do universal ao particular atinge ainda a potência do
1
poder operar sobre o gozo e transmitir a psicanálise. Se Lacan nos convida a fazer, com o
passe, a teoria do engano, no qual se sust nta a transferência, é porque o lugar que convém
b
ao ato é aquele no qual se escava o objeto ulsional reduzido à sua consistência lógica. É isto
que nos reúne em Roma: o Nome-do-Pai,trata-se de prescindir, para poder servir-se dele.
Texio traduzido por Maria do Rosário Collier do Rego Ba#os
i.
possibilita ao sujeito a assunção de seu pr prio sexo, ou seja, que a mulher assuma certo tipo
feminino reconhecendo-se como mulher, que o homem assuma o tipo viril. A feminização e a
virilidade?enráo, "são os dois termos que trAduzem o que é essencialmente a função do É d i p ~ ' ~ .
'Kojè<.e;~.. li.hálora,~\rgen!in~199i.pág.124-I29
"F. Sagan: El ~ltimohlundo~ueva",en&swrles~"
5hlillu,].-A. 0D.cil.
~KQ~ÈW;A.~ pii~.
Títulos de Ias novela de E Smn
- que
. comenta k Koiève en d artículo citado
shlille~,].-A. Opni.
'Laran. j. (1999). EiSminano,L i h \I, "tasFormaciona de1 Inconscieote'. Buaor ins- Barcelona: Paidór, p.170
'Lacan, J. (1994). EISemimrio L i h ly "tasRelaciones de Objeto". Buenos Aire- Barcelona: Paidór, p.421.
O p ~ ã olacaniana nl' 50
sob os auspícios do Deus de um monoteiimo (do qual Freud retraçará as etapas históricas em
"Moisés e o monoteísmo"), que teria iristaurado uma autoridade do pai enquadrada de forma
diferente claquela do pai primordial. O significante do Nome-do-&i, garantia do Outro, perde-
rá o que havia guardado de soberania, cluando lacan chegar ao ponto de afirmar que nào há
Outro do Outro, que o significante do 0?tro falta. Seu Nome-do-Pai será, entáo, pluralizado
em funções significantes laicizadar, contudo aptas a arrimar ou a limitar o gozo.
Dezembro 2007
i 4m
Opçáo Lacdniana no 50
juízo adverso. Não vai contra a autoridade, se faz por ela escutar além do que disse. Rir isso,
Novalis escreve: "Em alma5 serenas nào existe o witz. O witz manifesta um equilibno pertur-
bado; é a conseqüência do transtorno e o mediador de sua aparição. A paixão possui o witz
mais agudo."'
Não é diferente do que disse Freud quando conjeturou que
Mot d'esprit
No conientário que Jacques-Alain Miller faz doSenrilzálioj de Jacques lacan! leio: "Em certo
sentido, tamùém o Nome-depai é um W&."li. Depois da suillresa desta afirrnaçáo, recordei-nie
da versão de Freud em iMoisés sobre o que chama de "progresso da espiritualidade".É uma subs-
tituição - que Jacques iacan disse náo poder ser confuntlida com uma nietáfora - que tem, no
entanto, efeitos metafóricos. O esprit, como veremos, muda "algo" por "nada" e, sem saber como,
encontra com o pai. Não há como voltar atrás, mesmo que isso conduza ao absurdo.
Depois de afirmar que existe um "orgulho da humanidade pelo desenvolvimento da
linguagem",Sigmund Freud disse que a paternidade é a conclusão de uma premissa que eleva
o processo de pensar acima da percepção sensível. Em particular, prescinde da visão e faz do
ar o modelo da espiritualidade.A linguagem,o sopro do vento (animus, espiritus) e a proibição
de venerar a Deus numa figura visível, se instauram na religião monoteista. A premissa é uma
decisão insondável, já que não se pode rastrear que autoridade haveria comunicado o critério
segundo o qual algo deveria ser considerado superior O sensual é avassalado pelo espiritual.
"E depois sucede que, além disso, a espiritualidade mesma é avassalada pelo fenômeno emo-
cional, de qualquer modo enigmático, da crença"12.Credo quia absurdutn.
Acaso, disse Freud, se declare superior, o que é dificil e que por isso mesmo acrescenta o
"orgulho", ao preço da renúncia pulsional e da evidência dos sentidos: "O progresso tla
espiritualidade consiste em decidir-se contra a percepção sensorial direta a favor dos processos
lFrereud, Sigmund. "Os chisies e rua relacão com o inconscienk". Opcil., p.165.
'Ibidm, p.190.
lEGroene. G. (2Wl). TheEndo/lhehfair. Londres: Anow.
"hliUer,].-A. (1999). Persp~1ii:usd o S m i i d r i u í d c I a m asJun~~o@sduinmcienle. Rio deJaneiro:Jorge Zahar Ed.. p.38.
"Freud, S. 'Moisés e o muiiotenmo'. flp G i l , Vol. E I I I .
"Fred S. "Os chisia csua relago com o ~ocoo;.cienie.flpdl.. p.lZj.
"hliüer,J.-A. (1999). f l p w i , p.40.
"1acan.J. (1999). Opcil, ~ 2 0 0 .
Se fosse pronunciado...
Por outro lado, se o nome fosse pronunciado, isso ainda não seria uma heresia (eôégü-
kefirá). "No judaísmo é muito fácil ser pecador, mas é muito difícil ser um herege (edô0-
kofer)" - começou a dizer o nosso interlocutor...
Se esse nome - conhecido comoshem humefurush, ou seja, o nome explícito, e também
como retmgrunzatón, ou de quatro letras -fosse pronunciado, isso não levaria a uma heresia
como a de Spinoza, mas a criação de umgolem? Esse tema foi tratado por Gershom Scliolem
em seu artigo princep.5 "A idéia do Golem em suas relações telúricas e mágicasx6,que serviu
de inspiraçáo a Borges em seu maravilhoso poema "O Golem". Ali relata como a pronúncia
desse nome cria um ser que, no entanto, não fala - quer dizer. que não se sabe nada de seu
gozo - e de seus passos que faziam o gato do rabino se esconder atemorizado. Gershom
Scholem, ein sua investigação sobre este nome de quatro lerrns elnnentares no livro niedie-
vai (S-111-VI)letzirá, ou da Criação, vincula essas letrm elementares ao stoicheotz - esse que
Jacques Lacan localiza na lalíngua como o elemento, "o significante Um, que não é um quai-
quer. uma vez que dali toda a cadeia subsiste'".
"Para ser herege no judaísmo, rem que ser um Spinoza'*. Qual foi a razão dolfernn dado a
Spinoza?"Se Spinoza foi expulso, é porque ele disse ser possível para a criatura, para o homem,
alcançar um pensar-se sobre si mesmo conio Deus pensa a criação. Ele suprimiu o incomensu-
rivel da posição do pai e da humanickide." Tornou* "liberto da metáfora e do niito":
Lavra de saber textual - e foi assim que "fez frente a Revelaçáo"". Já havia um sinal claro em
seu texto sobre as Sagradas Escrituras, o "%;itado Teológico-Político",quando escreve que
"não há impiedade" sustentar que os profetas não haviam compreendido bem a Escrit~ra'~.
Dezembro 2007 I
I
426 Opção Lacaniana no 50
É desde aí que Lacan poderá dizer '(~utresécrits, p.588), assombrosan~ente,que a
existência~'dosjudeus constitui o ponto 'de intersecçáo das três funções maiores, a função
dada por Freud as Çocietlades, a dialética edipiana e o real do campo de concentração.
Ponto de intersecçáo "existencial': outro retorno da geometria spinozista? O nó
borromeano, dirá Iacan, é um novo mosgeoii~etricus2~.
T w l o traduzido p o r Ham Mandil.
I
I
'Lacan:J (1975). Seniinóno de i3 de maio de 1975, publicado em Omirar?. p. 57.
?Miller,I-h. (2001). Le tremnu deL7uiii (p. 212). Paris: Verdier
'~liret,É (1978). % iiebrnic 7ongue ~ i o r e (p. d 69). New hrk:Samuel Weiser (1815).
'Na realidade. o nome oue Ileus d4asi mesmo 'ého~eurhcrchn.e'atdnaori~em. lacan o traduziu romo"sou ooue sou. Ci. Borees: cf'Hisióriados ccos
de um nome.'.a coisa &e sou' O nome YHYH é, segundo ~aimónida(6uiados Porpleros, 61) 0 nome que ~ o i i deu k a ~eiis.u~nome"improvi~ado"-
hncolado; no? soprou Rrla hliglio.
I
"'Sem forma", (equivalente X O H Ydo~ grego) ,matéria hruia. U. Salmo 139,6. cit. por Scholem.
'Schdem, G. (1966). Eidée du Golem ùans ses rapporfs teliiriques et m h q u a , ~a Kaòbale et sa symboliqtie. ?as: Ryot.
'Lacan,J. (1975). LeSéminnire. iIi're20, 8ncore (cap 11). Paris: Seull.
44Uim noscomunicou lorcfl)an ~iumdiaenique fomosvê-lo na UniversidadedeJewaléni. dppais de haver recebido o Prêmio Israel por seusetiidossobre
a mística iudaica. 1
e E niimi. !9.: ir>irnir!. abe ' k i i.aqieiUlpre.i r,r JC a r i o l a r c r fi~,*?a~.i:,. i Tel r '. !.)<)I,
'r~reo1 L lyini:, , í m i n numo I.'r;1l4lil' ..!%od.i .an~oKn; ooaC % a n Smi iaf.l.gi.i/:;a. K. i ' m e r i<'i:raiiaIrr.
109.l
"Lacan.]. (2~11).diilres&ilr, g ? 5 0 Pais: Souil Éric laureiiinos indijou em 1993queJacquesdl~nhlikreiisinou enconhr Spinowneb irasede L a m .
""Saiva pieiale'- Spinoa capll. 37.
"Lacan, J. 'i\lógicada fantasia"; classe de 25 de ianeiro de 1967, inédito.
"Freud, S. "Moisés e a religião monoteísia" (1939). fim. Buenw hires.biorrortu. t XXIII. 9.131.
"Spinoza - iTe cap 111. "l)c hehraeum vocalione".
161acan,J. (1966). &irs (p. 819). Paris: Seuil: "Ila 1 cornine lel imp!onoaGable, mais non pas son o p r a i i o n C f J ~ Ahliller, curso 2711111991 ( "h
naturalezade Imseniblanles", Paidos.?W!): "O nome próprio é um sighificantedo hiio barrado IS(6)I que só po& ser proniiciado se for trmiormado
numsirnificanii do Outro não harrado" IS(A1I. [
Dezembro 2007
I 430
Opçáo Iacaniana no 50
poderia dar acesso a um mundo mais digno. O cinismo feminino não seria o apelo mais desvelado
a um esforço de humanização das relações entre os sexos?O que diz a poesia urbana de Zazie, não
tola de que se nada vela a náo-relaçio sexual, tudo está reduzido ao exercício da pulsáo. b r outro
lado, ela quer ser preceptora para chatear,>as gerações de crianças: e até mesmo os marcianos.
A proximidade feniiriiria coni o real do gozo cria um parentesco inesperado entre Zazie e
um sintoma contemporâneo de desespero subjetivo, infelizmente encontrado hoje, aquele que
denuncia as jovens mulheres, como as *Nem puras, nem subniissas., nome de sua associação.
que sofrem em seu ser, em sua carne e em sua vida um gozo bárbaro. Zazie sabe que a relacão
com outro pode impelir ao crime.
O fruto poético de Queneau, personagem de papel, deixou o lugar para uma realidade
sinistra tlo exercício fálico sem lei. O nietr6 do século )(XI, o mundo desumanizado das cida-
des criou uma demanda de respeito que não é o único fato de um ultraje estmtural, da falta
feminina. O valor civilizador da sublimaçáo é chamado pelas jovens mulheres que demandam
sair da alternativa na qual elas estão capturadas: quer seja ~putasn,se sáo livres, quer seja
puras, se são submetidas a lei do pai e dos irmáos.
Assim está expresso em seu manifesto. Adenúncia grosseira dos semblantes feita por Zazie
ali está para um ax7essode Zazie, ou seja, mais semblantes, para um universo mais elegante, no
sentido em que Balzac o definia no Patada d a vida elegante:
Essas mulheres denunciam os semblantes da lei dos homens e se apóiam sobre uma
modalidade do Nome-do-Pai com a visada coletiva e social que elas tiveram de inventar asso-
ciando seus próprios nomes, contra o cinismo. O dos homens, desta vez. E a diferença é com
Zazie que afere a cultura pelo objeto anal, enquanto que essas outras niulheres demantlam
um esforço de civilização a homens a-culturados.
Elas e Zazie essrnejentn: náo pelos mesmos motivos, inas pelo mesmo objetivo, que a
sexualidade se escreva em termos velados e civilizados, mesmo se, como pode formular Diderot,
respondendo de um modo realista e deselegante ao cinismo feminino: .Há um pouco de
testículo no fundo de nossos sentimentos os mais sublimes e de nossa ternura a mais
purificadan6.Aquele que escreveu não dissimulou suas motivacóes.
Texto traduzido por Ana lucia lunerbdch Holck e revisado por Vera Avellar Ribeiro
Dezenibro 2007
I 13=
Opção Iacaniana nV50
mento. Ela se inscreve na doutrina budista que ensina que as verdades fundamentais de toda
a existência humana se resumem em quatro.
O zen japonês é herdeiro do chan chinês, e apareceu no arquipélago no fim do século XII.
O chan é o resultado de um enxerto reformado do budismo indiano, ou Mahayana', sobre
uma raiz taoista chinesa. O budismo ortodoxo, ou thérauada, nascido no norte da índia no
Vi século antes de Cristo, é uma heresia do Bramanismo, ensina que o acordar atinge-se no
um a um, por uma \ia individual. Em relaçáo a esta concepção elitista, o Mahayana afirma
que não haveria ai verdadeira salvação se ela fosse reservada apenas a alguns. Ao ideal do
santo preocupado com seu único "nin~ana"pessoal, ele opóe a figura do bodhisattva que,
chegado ao limiar do ninlana, recusa entrar para salvar aqueles que deixou para trás. Esta
figura da compaixão está constantemente presente nos templos budistas japoneses.
As seitas zen conquistaram a aristocracia militar japonesa que governou o pais durante muitos
séculos,e em cujo meio se constmiu uma ética de guerreiros,que só cdia sob o fogo atón~ico.Ao
mesmo tempo, os monges zen constituúam uma elite intelectual bastante influente,que penetraria
permanentemente na cultura japonesa, por meio das obras de seus arquitetos, escultores,
pintores, poetas, dramaturgos e místicos. Os mestres da pintura e da poesia eram, portanto,
os monges zen.
O mito Freudiano do Édipo não fez senão transferir para o pai os privilégios que eram, na
religião, concedidos a Deus, o Pai. O complexo de Édipo é uma espécie de monoteísmo privado,
e ostatw devolvido ao pai prolonga, ao nível individual, o reino do Um instaurado pela reli-
gião do Deus único. Esta análise convida a considerar as tradições que não conheceram o
império do Umi. No ~çlahayana,a imagem do Buda histórico desapareceu na multidão inu-
merável dos budas e budistas surgidas no curso da história.
Em uma de suas pregações, o mestre chan Lin-Tsi examinou esta dialética do Um e do
múltiplo6.Ele havia caçado um dos seus ouvintes que tentava colocá-lo em dificuldade e lhe
colocou esta questão: "O Grande Caridoso (bodhisatlva) que tem mil mãos e mil olhos, qual
dos olhos é o verdadeiro?". Segundo o mestre, esta questão é falsa, pnrque o um e o múltiplo
se confundem, como ensina a fórmula do preceito sánscrito "Da guirlanda de flores": "Um
está em todo".
Dez anos depois desua primeira referência a seita zen, durante uma liçáo de seuSeminário:
A angtistia7,Lacan reencontra essa mesma via. Ele retoma então de uma viagem ao Japão, e
Opyão lacaniana no 50
EDITORIAIS Tinia Coelho, Quem tem medo de Ser avaliado?g Ricardo Seldes. No one can buy romorrow, no one
can sell their sorrow I
ORIENTAÇÃOLACZNIAiYAjacqires-Alain Miller] P e p Avulsas
V CONGRESSO DA EBP
A AÇÃOLACANWA NA CNILSUÇÃO DO O Ba ~ ~
S&io Laia - Sandra Gmstei~iAbertura 5 jésus 6unliag0, Revelação ou sintoma -sobre a ação lacaniana
O NOMEDO-PM 1
/!lisa Aloarenga, Jovens em suspenso I
A DOUTRINA DO PASSE i
Berrrardino Ilorne, A doulriur do passe ~arios~!rgt~clo Nicéas, Carrel do Passe na EBP: o que se renova ?
I
O PSICANALISTA NA CIDADE
Eliane Benles Casttq O caso E efeitos rerapi.;ticos num tempo limitado $ Heloisa Caldas, O caso J. $ Leda
Gzlimurães, "Não se apaixone!" A máscara da feminilidade conteiiiporânea 6 ilfaria Cecília GalleiriFerrerti, Do
"um' ao "coletivo" $ Maria Jose' Gonlijo Salnnl, A! iiolPncia e a civilização psicanalítica 6 Sfizana Faleiro Barroso,
A teoria do falo nci retorno a Freud I
1
AhZP-ROiMA 2006
Éric Laurmt, O Nome-ddai entrc realismo e hominaiisnio
I
c1Áss1cos
Otto Ibnk, "O [munia do nascimento e seu sig$ificado para a psicanálise (1924)
EDIl'ORIAIS Llisa Alliarengu, Americano em Bbo Horimnre 8 1.iancisco Ilugo Freda, CPCT de Paris. experiênci.
as e resultatlos
I
ORIENTAÇÃO LACANLWAJacques-Alah Miller, Peças Avulsas
1
XV ENCONTRO BRASILEIRO
d
Alícia Arenas, A angústia: assunto topológico Ana &"dia &erra Santiago, Trauma. angústia e a neo-inibi~bes
Bernardino Horne: .4ngúsua e Ato $ Crisrina i ~ r u m m o n dDevastaCáo;
, outra face da angústia $ l:lorj' Kruger;
Sofrimentos e benekios da angústia 8 Lt~ciofaFreitas de dfacedo, A biopolítica como política da angústia $
Aíarcelo Vera. O making o/ d o objeto $ il4aka Eliane Nerxs Baptista, Os bebês na era dos gadgets $ Maria
Luiza ~l401aMiranda,Respostas à angústia !
I
Rosane rla Fonte. O tropeço do sobrevivente
TESTEMUNHOS DO PASSE
Bemardino iiorne, Introdução $j d s u s ~ ~ ~ Relatório
l i a ~ . do Primeiro Colégio do Passe Rosel'aule Vinclguerra,
Retirada do Serralho i
TUTOS BRASIL
Ângela Batista, Sobre o incurável do sinthoma $ A?~tonioBeneti; O acompanhante rerapêutico nos discursos 8
Sérgio de Canrpos O tempo sem a duração
I
1
EDITORWS Éric Laurenl, Trechos extraídos do Discurso de candidatura a hnção dc Delegado Geral 2006-2008
§ Ram Ma~rdii,Os prórinios passos I
ORIENTAÇÃ0 L.4CANIANA]acqnes-d/ain ~ i l l e rConclusáo
, das aulas sobre o Sitithoina
DE UM (O NOME-DO-PAI), AOS OUTROS(OS OBJETOS a )
Éric Lat!rent, Um novo amor pelo pai $ jacql<ec-~1ainiIli/ler; AMP 200R - Os objetos a na experii'ncia analítica
O QUE E UM PAI
Graciela Brodsb, A causa do pai 6 Gruciela Brodskj,, Pai, não vès que ...
EL CRiTiCON
Éric Laurent, Apresentaçao $ ,Marco Mauas, Yahvé - Ariel Bogocbiiol, Comentário $ Célio Garcia, Fobia -
Angelina Harari, 'lradiçio,Jean-l'ierre Deflieza; Comentiírio 8 Alain Merlet. Perversão -Sérgio Laia, Comcntá-
rio 5 Guillenno Belaga, Passe: do lado do barruco-Moilique Ktrsnierek; O passe e o Nome-do-Pai-Celso Rennó
Lima, Comentário $ Ronlildo do Régo Barms, Seitas - Afarco I:occbi, Alteísmo - Daniel Aillas, Coiiicnrário 9
Gmtalio Sliglitz, Adoç0es. A intlecisào da origem -Fatima Sarmento; Contentáno
EDITORWS Silliia 2ndlarz. O patológico da identificação 8 Sirgio de Calrol Coiiversas de (a) muro
OR~ENTA~ÃO I.ACANm~ytres-Aluinhliller, Nosso Sujeito Suposto Saber gJacque.s-Alain~lfiller:Gays en1 análise?
A ECONFIGU@O DAS PATERNLDmES
Elisa Altiarenga, A ciència e os novos pais 5 Vkenle Palomera. Novas consideraçóes das paternidades: a partir do
direito $ Afarco Focchi: O pesadelo (le um mundo sem Deus
ECOS DE ROMA - PASSE: PRESENTE E PORVIR
hlarie-lfelène Brousse, Algumas proposiCóes sobre o passe 8 Plore~iciaDas.sen, O passe como projeção $ Fabián
A A'aparslek, O passe jB náo é conio antes 8 ilfiguel Bas.sols, O p o r i r do passe g Fsthela Solaizo-Suaréz; O passe
6 Philippe La Sagna, História de saídas ou saídas de história $ Dominiqlre Latircrzl, O melhor de dois munclos 5
Franpis L e ~ u i Ol ~espírito do passe mais além do principio de formação
PONTUAÇÕESSORRE A ANGUSTU
] i s u Santiago, O chaarme naturalista da castração no homem 9 Nora Pecson Go~~çulves, Nomear 9 Angelina
lfarari, Angústia, afeto que conota a produção do ohjeto a
ARTIF~CIOSDO PAI
W i o Laia: Ao longo e ao largo do pai 4 Simone Souio Uma cnnsidenqio sobre o analista e o pai real g Sandra
Gmstein, Artiiícios do pai. Caso clínico: "Do acerto de conr*" ao "em boa conta"
DOS ORJETOS a
Gisella Serre l.opes, Modalidades do objeto: angustiar/apaxiguar/agaIniati7,ar 9' Lilany Vieira Pacheco, O iist~dos
objetos (a) e a construçáo dos modos dc vida na adolescêiicia
EDITORL41S Guillenno Belaga. Abertura da LI Jornada Nacional da Rede k5sistencial Simone Soulo, a-Tempo,
um centro de tratamento psicanalítico em Belo Horizonte
ORIENTAÇÁO 1ACAN~'AJacqua-AlainrMn'ler, Unia leitura do Seminariq i i m 16: De um Outro ao outro
AMOR E SINTOMA
Bmnardino Iforne: Os nomes d o amor
VERSOES DO AMOR
Ana Lydia Sanliago: Amores nomades na sociedade do individualismo em massa § Luciolu I: de Macedo: A
transferência de trahalho: um dos nomes do amor na era da tecnociència g OscarRc~»iundo,Pais e anior g Ma.
Cecília G. Ferrelli, Unia psicose sinthomatiiada $ Zelma Abdala Galesi. Uni amor embalsamado f Ângela Peque-
m eSlella Jimena. Direso da cura na psicose § Glacy Gorsky, Erotomania: uma forma de amar g Thnia Coelho,
Verses lacanianas do amor analítico § Lúcia Grossi, O amor louco 8 Sérgio de Campos, Dom Juan como um
irnpase anioroso g Ma. Lúcia Petraglia. De adotada a a-dotada
AS RFSPOSTAS DO AMOR
Jiw.Santiago, E o amor homossexual, o analista avalia? 5 Jorgelorbq DIOCO o u de quando a rloensa é surpresa
~ s i c ~ Á u Es PSIQUIATK~A
e
Afarcelo Veras e Vera Be.c$et,Apresentação de pacientes: a clínica lacaniana na saúde mental
I
3O ENCONTRO AMERICANO !
lili.~aA I ~ ~ u r ~ nAgwriedarle
q da prática - do ti@ clínico ao caso unico cri1 ~lsicanalisc
ciÁss1c0s I
Anal\!aria C LoM,r. Ps irmã.$ Ripin, por lawn 6jacques Lacan, Motivos do cirnie paranóico: o Crime das i r n i i I'apin
I
EDITOFL+iSMarctfiAndréé Weiru, Discurso do Piretor Geral da ERP na Assembléia Geral da EBP eni Catussaha $
Elisa Afuarmga, Discurso de posse da presidêniia du Conselho da EBP
ONBNTAÇÃOLACANlAVA]acques.Main !Ili(ler, ?ma leitura do Seminário: de um Outro ao ouiri,
VARIEDADECL~NICA DOS OBJETOSu I
lordan Gtrrgel, A voz do altíssimo 5 Leonardo Irostiza. Os aferos lacaniatios $ Sérgio Guia, Ferenczi e Iitcan:
duas abordagens da variedade dos objetos a naicxpenência psicanalítica
SOCIED.4DE DE CONSUMO I
1
Homildo d o Rego fiarros, Uni ohjeto que náo se consuniiria nunca $ Paulo Siqueira, Um lance de blues jamais
abolifii o acaso $ I:ug8ttio Dia& Neurociénciasdo I consumo e exclusão do sujeito
PSICANÁUSEAPUCADAATEMPÊUTICA i
Vicioria K o r ~ Keinoso,
e O direito de ser pai f Francisco I>aes8arreto, O tratanienio ~psicanaliricode uma crianga
1
(coni uma única intervens2o) 5 Vanda Ali>~eirla,Uma cidade fantasma - o morro na cidadc do Rio de Janeiro
LACAN E JOYCE I
Sérgio Laia, Notas suplemenrares i tradução hfasileira do Se??iittário23 de Lacan (O Sinthoma)
Vil CONGRESSO EBP -VIDEOCONFERÈNCIA :
kricLauren1, O ohjeto a pivô da experiêiicia analítica
PERVERSÁO GENFRALI7ADA I
Alain MerIel, Dois contratos de casamento - Jlhandeau: "No espanto, o sorriso nos Ijhios"
OPÇAO LACANIANA
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coni cópia para: an~elina.haran@terra.com.br,inforinando os dados acinia e o núnie-
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