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VARGAS: O CAPITALISMO EM CONSTRUÇÃO - 1906·1954 223

222 OS ANOS 30 E A NOVA ORDEM: DO "LIBERALISMÓ" . . .

A força de trabalho na nova ordem: a "questão" social vida deve ser lembrada por criar ambiente propício para as "pro-
messas trabalhistas", já que se pode considerar que ao apoio popu-
A legislação trabalhista dos anos 30 pode ser considerada lar nos grandes centros urbanos os aliancistas precis.ariam dar
como a verdadeira marca do primeiro governo Vargas (1930-1945), alguma resposta. Por que a resposta foi a legislação trabalhista e
consagrada pela memória histórica, principalmente a oficial, como por que a mesma emprestou-se à forma observada só se entenderá
sua mais significativa realização. O tema é, em si , objeto de tendo em vista outros elementos.
intermináveis polêmicas: enquanto alguns procuram ver no trata- Antes do mais, neste sentido, é preciso lembrar mais uma vez
mento da "questão social" as vantagens recebidas pelos trabalha- que as leis trabalhistas não são inovações do governo estabelecido
dores, antes desprotegidos e largados à própria sorte, evidenciando após 1930; ao contrário, e tendo-se presente a série de leis ante-
o papel do Estado que consagrou e adiantou conquistas à classe riores a esse ano (como, por exemplo, a lei sobre acidentes de
operária, outros preferem denunciar o caráter autoritário (e fascis- trabalho, de 1919, posteriormente reformulada em 1923; a criação
ta) da legislação, a anulação da autonomia sindical e das lideran- das Caixas de Aposentadoria e Pensões para empregados de estra-
ças espontâneas dos trabalhadores anteriores a 1930, a impor- da de ferro, dando-lhes estabilidade por dez anos, de 1923, ano
tância das leis antes para reprimi-los que para os beneficiar, no qual também foi criado o Conselho Nacional do Trabalho; a
salientando as vantagens das medidas para a própria acumulação lei de férias de 1925 e o Código de Menores de 1926) pode-se
capitalista. argumentar que a regulamentação da força de trabalho ocorrida
Não se trata aqui de expor as leis, uma a uma, com o fito de após 1930 é mais a continuidade e o aprofundamento de determi-
buscar evidências para uma ou outra das teses. Antes disso, buscar nada tendência histórica que propriamente uma novidade. Se fazem
nos discursos de Vargas sua percepção do processo, suas justifi- parte da memória histórica apenas as leis posteriores à "Revolu-
cativas e seus objetivos, explicitados ou não, entendendo que este ção", apagando as anteriores, não é todavia de se negligenciar as
tipo de estudo possa contribuir para o debate. razões que conseguiram ganhar adeptos para esta versão, já que a
Como já foi exposto anteriormente, a "questão social" fez extensão e o caráter globalizante da legislação trabalhista do pós-30,
parte da Plataforma da Aliança Liberal, mesmo que de forma não impondo o Estado como mediador, executor, legislador e julgador
destacada. Com a radicalização da campanha, ao seu final , a dos conflitos de ·classe, iria de fato estabelecer relações entre tra-
legislação trabalhista passou a ser das mais freqüentes promessas balho e capital cuja forma difere significativamente da anterior.
do candidato aliancista, estando também presente com certa ênfase O discurso de Vargas sobre a "questão social" era dirigido no
em seus discursos no lapso de tempo que medeia a derrota elei- sentido de contrastar seu governo com o período que o antece-
toral e a "revolução". Neste momento, ficando patente a divisão deu; a diferença de forma antes apontada é apresentada por ele
entre as forças políticas dominantes e a hesitação de parte dos como de conteúdo, ou seja: antes havia um governo contra os tra-
membros da Aliança pelo movimento armado, a tática seguida
balhadores, agora estes se faziam representar no governo. A esta
pelos então autodenominados "revolucionários" foi partir para
representação seguia-se, por um processo de aparente dedução, que
novas alianças, como com o exército (os "tenentes"), e fazer apelos
às populações urbanas e trabalhadoras. o governo estava do lado dos trabalhadores, legislando a seu favor.
Assim, o discurso oscilava entre aparentar um Estado Neutro, aci-
Evidentemente, tal fato é incapaz de explicar as razões de o
governo Vargas ter-se realmente empenhado e conseguido implan- ma dos conflitos - e, portanto, agente legítimo para julgá-los - ,
tar diversas leis de regulamentação do trabalho: promessas nem e um Estado que, apesar de não excluir totalmente os patrões,
sempre são cumpridas; algumas, como reforma agrária, foram possuía certo facciosismo em favor das classes trabalhadoras. Estas
raramente lembradas após a posse e jamais postas em prática. A duas faces do Estado apareciam não raramente no mesmo discurso;
radicalização da campanha eleitoral ou pela "revolução" sem dú- mas, em determinados momentos, dependendo de para quem se
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falava, da conjuntura política e de outras circunstâncias, uma foi de minoria, desprestigiado e isolado, fora substituído por um go-
mais destacada que outra. verno moderno e de maioria, em sintonia com a realidade do país.
Este não representava, tão-somente, um pequeno círculo de homens,
Ao pregar a necessidade da legislação trabalhista, Vargas re- os "oligarcas", que faziam política em benefício próprio; ao con-
correu, pelo menos em duas ocasiões, a argumentos históricos.111 trário do anterior, estava voltado para o conjunto dos interesses
Dissertando sobre o fim da escravidão, mostrava ele que a desorgani- da sociedade. O peso desta argumentação, a par da retórica, não
zação do mercado de trabalho dela advinda não foi . solucionada esconde seu poder de convencimento; mais do que qualquer outra
pelos governos republicanos, pois não se fizeram novas leis para obra governamental, foi a legislação do trabalho a mais propalada
substituir as antigas. Tornava-se necessário, portanto, preencher o por Vargas como conquista da "Revolução", que por si só já a
hiato deixado por quarenta anos de República Velha, organizando o legitimava e a tornava necessária. O Ministério do Trabalho, Indús-
trabalho livre "sobre bases racionais". Como se nota, o discurso tria e Comércio, criado pelo Decreto n.0 19.433 de 26 de novem-
neste aspecto ignora totalmente as leis sociais da República Velha, bro de 1930, era considerado no discurso oficial como o "Minis-
especialmente as da década de 20 - contra algumas das quais tério da Revolução", e para ocupá-lo Vargas chamou Lindolfo
os parlamentares gaúchos, entre os quais Vargas, haviam votado Collor, político de sua geração do PRR. O nome do ministério
quando apresentadas na Câmara de Deputados. Afirmava Getúlio, já dava indícios da concepção dos seus criadores, pois se propu-
seguindo sua linha de argumentação, que o governo anterior não nha a congregar trabalho e capital no mesmo órgão.
se preocupara com a "questão social" por estar fechado "num A mais contundente defesa da legislação trabalhista foi efetua-
círculo de vantagens restritas que se confundiam com as da pe- da por Vargas a 4 de maio de 1931, quando da instalação da
quena minoria instalada nas posições governamentais"; isto fez Comissão Legislativa no Palácio do Catete. 113 Considerando o mo-
com que o poder público se tornasse, "aos poucos, alheio e imper- mento propício à execução de vasta reforma na ordem jurídica e
meável às exigências sociais e econômicas da Nação".112 O governo social, dado que o poder lhe era outorga da "Revolução", Getúlio,
após breve exposição da desorganização do mercado de trabalho
que seguiu à Abolição e da inoperância dos governos republicanos
111. A este respeito considere-se os seguintes discursos: • O Primeiro Ano
do Governo Provisório e as suas Diretrizes•, de 3 de outubro de 1931, e a para resolver a "questão social", assinalou que a_ pa~tir ~aquele
"Mensagem Lida perante a Assembléia Nácional Constituinte, no Ato de momento fazia-se necessário "palmilhar por novas es~radas". Sem-
sua Instalação, em 15 de Novembro de 1933" (Vargas, Getúlio, 1938, v. 1, pre no sentido de libertar-se do passado, constatava ele que se
p. 153 e segs., e v. 3, p. 15 e segs.) . Argumentos históricos também foram atravessava momento de "profundas e radicais transformações".
utilizados para tal fim no discurso • A Reforma das Leis Vigentes e a Estas faziam-se presentes não só no Brasil, mas no mundo moder-
Elaboração de Novos Códigos·, de 4 de maio de 1931, embora sem o mesmo
destaque dos anteriores (Vargas, Getúlio, 1938, v. 1, p. 109 e segs.).
112. Vargas, Getúlio (1938, v. 3, p. 24-5). Como afirmou Ângela Maria de de mercado•, como ela ponderou na página 75 da obra supracitada. Mesmo
Castro Gomes (1979, p. 73): • . . . Seria a bancada gaúcha aquela que mais
que esta fosse ponto comum entre liberalismo e positivismo, posição certa-
firmemente reagiria à regulamentação do trabalho. Fiel à orientação de mente defensável, seria mais justo compreendê-la historicamente tendo-se em
Borges de Medeiros, que se reelege sucessivamente todo este período, os
vista o conjunto dos princípios ideológicos defendidos pelos deputados, sem
gaúchos não aceitam intervenção política no quadro social· . Na verdade a apegar-se exclusivamente a um aspecto ou outro das idéias por ele esposadas.
bancada gaúcha mostrava-se contra a • estatização da questão social •, admi- Como as diversas doutrinas não raro apresentam pontos convergentes, fica
tindo que o Estado regulasse as relações de trabalho de seus funcionários, a difícil concluir a qual delas alguém está filiado ou da qual é simpatizante
título de exemplo, sem todavia obrigar as empresas privadas a fazerem o sem que se leve em conta o contexto ideológico mais amplo no qual se
mesmo. Esta postura da bancada gaúcha na Câmara Federal enquadra-se inserem determinados atos ou ações específicos.
perfeitamente nos princípios doutrinários do positivismo. Sem qualquer outra 113. Vargas, Getúlio (1938, v. 1, p. 105-28). Todas as citações que seguem
crítica ao restante da análise da autora, entende-se que a atitude da bancada neste parágrafo e nos dois seguintes foram daí extraídas.
gaúcha, e de Vargas em particular, não é "típica do modelo liberal clássico
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no. Fortemente influenciado pelo positivismo e pelas obras recen- pronunciamentos como o principal fato impulsor da elaboração da
tes de Francisco Campos, Azevedo Amaral e Oliveira Vianna, o legislação social. Assim, o discurso, que em determinado momento
discurso comparava a realidade social com a física, dizendo fazer- se auto-intitulava progressista e voltado ao futuro, nesta questão
se necessário descobrir suas leis, de molde a propiciar bases mais deixava mais antever que queria evitar determinado futuro, ou seja,
sólidas às decisões tomadas pelo governo. Entretanto, enquanto a que era necessário reagir, e de forma organizada, para evitar deter-
maioria dos adeptos desta analogia a utilizam, via de regra, como minadas transformações temidas.
forma de mostrar a universalidade e o caráter inexorável das leis Para tanto, afirmava ser necessário combater a ampla liber-
sociais, Vargas argumentou, ao contrário, a relatividade destas leis, dade do lucro individual, a qual levava a um aumento progressivo
ponderando que mesmo na física as leis possuíam relatividade, da capacidade produtiva, "quando a produção devia limitar-se à
embora secularmente fossem julgadas absolutas. Assim, mesmo capacidade de consumo das massas". Este problema, segundo ele,
que no Brasil se manifestassem as "tendências gerais do mundo tenderia sempre a se agravar, pois o capital, para ampliar-se, leva-
moderno" - quais sejam, a industrialização, o avanço do capita- va a indústria ao máximo de produtividade. Precisava-se passar,
lismo, as lutas de classes e a intervenção estatal - , as soluções portanto, por ampla revisão dos valores sociais, buscando-se o
para os problemas daí advindos deveriam ser locais, ou seja, com equilíbrio econômico, cuja ruptura constituía "perigo iminente para
normas jurídicas adaptadas à realidade nacional. a civilização":
O que se salienta no discurso é o entendimento de que os con- "Para levar a efeito essa revisão, faz-se mister congregar todas
flitos de classes, em particular, poderiam ser solucionados mediante as classes em uma colaboração efetiva e inteligente. Ao direito
modificações na ordem jurídica. Precisava surgir o "direito novo", cumpre dar expressão e forma a essa aliança capaz de evitar a
apoiado na segurança e na eficiência. Os conflitos não advinham derrocada final. Tão elevado propósito será atingido quando en-
diretamente do capitalismo, mas de uma particular ideologia sua: contrarmos reunidos numa mesma assembléia, plutocratas e pro-
o liberalismo. Desta forma, mesmo que se mantivessem as institui- letários, patrões e sindicalistas, todos os representantes das corpo-
rações de classe, integrados, assim, no organismo do Estado".11 4
ções básicas da sociedade capitalista, a reforma das leis seria sufi-
ciente para resolver seus principais problemas. Vargas apelava,
Era preciso, pois, que as classes se organizassem; sua organi-
então, aos membros da Comissão Legislativa, in_stando-os para que zação deveria ser em sindicatos, cabendo ao Estado promovê-los,
sua função legisladora se enquadrasse nos "imperativos da época,
discipliná-los e tutelá-los. Ao reconhecê-los juridicamente, o Estado
procurando dar ao Estado a força e o poder capazes de dominar estava evitando, nas palavras de Vargas, que eles atuassem como
os imprevistos do novo período de transformação humana que se " força negativa, hostis ao poder público"; os atos governamentais
inicia". Com isto, ele lembrava aos membros da Comissão que a deveriam tornar cada sindicato "elemento proveitoso da coopera-
causa principal de falharem todos os sistemas econômicos estava na ção no mecanismo dirigente do Estado". ·
difícil tarefa de estabelecer o "equilíbrio das forças produtoras"; Como se nota, os pronunciamentos de Vargas pregando as van-
no caso particular da sociedade moderna (entenda-se capitalista), tagens da legislação trabalhista eram neste momento dirigidos mais
isto significava, nas palavras textuais de Vargas, a "organização ao capital e às classes dominantes que aos trabalhadores. Ao justi-
do capital e do trabalho, elementos dinâmicos preponderantes, no ficá-las apelando para argumentos como ameaça de convulsão social,
fenômeno da produção, cuja atividade cumpre, antes de tudo, regu- fim da civilização, cooperação e disciplina, usava ele argumentos
lar e disciplinar". Seguiu-se, a partir daí, uma série de críticas ao próximos ao horizonte ideológico dos que, no período imediata-
capitalismo (na verdade, ao liberalismo): admitir o livre jogo das mente anterior ao seu governo, tratavam a questão social como
forças de mercado comparou-se a "caminhar de olhos abertos para
uma convulsão futura". A ameaça de tal convulsão, tida como
iminente se medidas rápidas não fossem tomadas, aparecia nos 114. Vargas, Getúlio (1938, v. 1, p. 118-22).
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"caso de polícia". Com a ascensão do movimento operário a partir obrigatório o uso da carteira para reivindicá-las. Ainda em 1932
de 1932, que culminaria com a formação da Aliança Nacional foi regulamentado o trabalho das mulheres e dos menores. Por
Libertadora e com a "Intentona de 35", o governo nunca chegou pressão patronal, a jornada de trabalho destes últimos seria igual
a dispensar a força policial - ao contrário, usou-a largamente a dos outros trabalhadores (oito horas diárias). Somente em 1936
nos momentos necessários. Atacava o problema, portanto, em duas foi criada a Comissão do Salário Mínimo, o qual só seria regu-
frentes: a policial e a legal, sendo que mediante esta última, com lamentado já no Estado Novo, em 1938.
base num jogo político bastante complexo, conseguiria cooptar Como têm mostrado vários analistas, grande parte destas leis
a seu favor diversos líderes sindicais e parcela da própria clas- foi inspirada no fascismo, especialmente na Carta dei Lavoro
se trabalhadora. m de 1927 .116 Vargas diria, entretanto, que a legislação fora elabo-
Em 1931 foi criado o Departamento Nacional do Trabalho, rada "sem extremismos de escolas, antes seguindo orientação con-
que incorporava o Conselho Nacional do Trabalho, criado em 1926. servadora, adequada ao nosso meio e às tendências pacíficas do
As primeiras leis, de forma geral, não foram no sentido de con- fator humano que nela impera".11 7 A orientação fascista, não obstan-
ceder benefícios aos trabalhadores, mas de organizar a estrutura te, fica demonstrada, desde logo, pela alta ingerência do Estado
sindical e a burocracia estatal a ela voltada. Desde logo estabele- na solução dos conflitos de trabalho e na organização sindical; o
ceu-se o regime de sindicato único para cada categoria, contra- espírito da legislação visava, por todas as formas possíveis, a
riando a lei anterior (de 1907) que permitia o pluralismo. Os sin- impedir o conflito aberto; retirou-se dos trabalhadores todo o poder
dicatos deveriam ser_ reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, decisório no que diz respeito às suas reivindicações, sendo este
Indústria e Comércio, e foram definidos como "órgãos consultivos transferido aos órgãos estatais. O que seria "luta de classes:' ou
e técnicos" do Governo Federal. A sindicalização, entretanto, não "enfrentamento", passaria agora a ser mera batalha jurídica, pas-
era obrigatória, e a lei previa apenas duas confederações em nível sível de solução sem qualquer conflito (ou somente após todos os
nacional, uma para os empregados e outra para empregadores, como recursos terem se mostrado ineficazes ...) . A inspiração fascista
órgãos aglutinadores sindicais. Era proibida a filiação de sindica- ficava patente nas próprias palavras usadas na legislação, e que
tos a organismos internacionais, e a sindicalização não era permi- apareciam com freqüência nos discursos de Vargas: classe foi
tida aos funcionários públicos e aos empregados domésticos. De substituída por corporação: esta última, ao contrário da primeira,
1930 é a famosa "Lei dos Dois Terços", segundo a qual pelo propunha abranger tanto patrões como trabalhadores, que deve-
menos esta fração dos empregados de cada firma deveria ser de riam juntos defender os interesses da profissão. Como os interesses
trabalhadores brasileiros: a lei também limitou a imigração, com profissionais estavam acima das classes - estas entendidas como
o fito de combater o desemprego. Em 1932 foram criadas as facciosas e desagregadoras - , todos os interessados na defesa da
Juntas de Conciliação e Julgamento, encarregadas de resolver dissí- profissão, patrões e trabalhadóres, conjuntamente deveriam deci-
dios de trabalho. Compunham-se por um representante dos traba- dir o que a ela dissesse respeito. Assim, o conflito deveria ser
lhadores, um patronal e um membro "neutro", nomeado pelo Mi- substituído pela harmonia e pela solidariedade. Não há por que
nistério do Trabalho, Indústria e Comércio, que também as presi- se falar mais em patrões e trabalhadores, mas em empregadores e
diria. Em 1932 surgiu também a carteira profissional; tendo havi- empregados; o contrato, que na ideologia liberal admitia duas
do forte pressão no meio sindical contra ela, o governo, em segui- partes com interesses diferentes e que chegavam a determinado
da, regulamentou o direito a férias (15 dias no ano) e tornou acordo que poderia ser rompido caso uma delas desrespeitasse

115. Sobre o uso da repressão no combate ao movimento operário nos anos 116. Veja, por exemplo, Rodrigues, José Albertino (1968, p. 90), Rodrigues,
30, veja, entre outros autores: Basbaum (1976, p. 13-87), Carone, Edgar Leôncio Martins (1981, p. 516) e Carone, Edgar (1982, p. 146).
(1982, p. 103-31), Munakata, Kazumi (1981) e Tranca, ltalo (1983). 117. Vargas, Getúlio (1938, v. 1, p. 236).
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alguma cláusula, foi substituído pelo termo convenção, já que passou Independentemente destas considerações pessoais de Vargas,
a se pressupor que ambas, agora, possuíam objetivos comuns. 118 não se pode negar certos traços fascistas em seus discursos (o que
A simpatia de Vargas pelo fascismo remonta ao período em que não significa que o regime possa ser considerado como tal) e tam-
era deputado, quando elogiara as ações do governo italiano e seu bém na legislação trabalhista, como já foi exposto. Como exemplo,
apoio à indústria. Após assumir o poder, raramente se referiu de pode-se citar o discurso pronunciado a bordo do encouraçado São
forma direta ao fascismo, ou ponderou estar nele inspirado para Paulo, a 11 de junho de 1932, cujos ouvintes eram . na maioria
levar adiante seu programa de governo. E de se considerar que membros da Marinha. À necessidade de modernizar a esquadra,
aspectos do ideário fascista, como crítica ao liberalismo, defesa Vargas associou a de renovar a realidade nacional. Apelando ao
da solidariedade e corporativismo são comuns ao positivismo. Fica caráter nacionalista da "Revolução", disse que começava nova "fase
difícil saber, por isso, em que doutrina Vargas se teria inspirado de congraçamento geral e colaboração entre todos os brasileiros,
ao considerar que a norma de ação do Ministério do Trabalho sem distinção de classes, partidos e facções, revelando o desejo
consistia "em substituir a luta de classes, negativa e estéril, pelo comum de trabalhar pelo engrandecimento do Brasil". Ao governo
conceito orgânico e justo de colaboração entre as classes, com caberia, nas palavras de Vargas, coordenar e agremiar "os esforços
severa atenção às condições econômicas do país e aos reclamos isolados de finalidade patriótica e construtora" .122
da justiça" .119 No caso específico da legislação trabalhista, não nos cabe
A despeito do forte conteúdo doutrinário de seus discursos, relatar, com ar de denúncia, que as leis serviam em última instân-
procurava dizer que não estava filiado a nenhuma corrente de cia ao capital apesar de aparentar servirem ao trabalho. Ele pró-
idéias (portanto, já com diferença do período da República Velha, prio, Vargas, admitia que os trabalhadores certamente ganhariam
quando assumia filiação ao positivismo). Em geral, apresentava-se vantagens com a legislação, as quais dificilmente teriam obtido
como "homem prático", que buscava soluções sem qualquer "pré- em tão pouco tempo através da livre negociação e sem forte parti-
conceito" filosófico. 120 Admitia ele que um dos erros do liberalis- cipação estatal; mas a cada vez que assim se pronunciou (obvia-
mo das oligarquias anteriores a 1930 fora a ortodoxia ideológica mente no período aqui analisado), o fez afirmando que de forma
(sic), que colocava os princípios acima da realidade social do alguma elas poderiam ser confundidas com qualquer indício de
país. Ao contrário delas, sua orientação era a de usar todas as hostilidade ao capital. Este, aliás, "precisava ser atraído, ampa-
contribuições dos autores contemporâneos que poderiam colaborar rado e garantido pelo poder público". Entendia-se, com isto, que
para a "solução dos problemas brasileiros".12 1 "o melhor meio de garanti-lo está, justamente, em transformar o
proletariado numa força orgânica de cooperação com o Estado e
não o deixar, pelo abandono da Lei, entregue à ação dissolvente
118. Munakata, K. (1981, p. 68-9).
119. Vargas, Getúlio (1938, v. 1, p. 238).
de elementos perturbadores, destituídos de sentimentos de Pátria
120. A negação da filosofia é princípio do positivismo. Se, na República e Família". Em que diferia esse discurso, em termos de retórica e
Velha, Vargas se dizia positivista e a partir de 1930 passava a negar a vali- em conteúdo de proposta, de seus contemporâneos do governo
dade de qualquer •doutrinarismo•, isto não deve causar espanto, pois a italiano?
própria negação da filosofia e da ideologia é, ela mesma, filosófica e ideoló- Na opinião de Vargas, portanto, a legislação social era enten-
gica. O que mudou, neste aspecto, não foi a influência do positivismo em
dida como o meio mais eficaz de manter a sociedade capitalista.
Vargas de um período para outro, mas o fato de ele admitir ou não sua
filiação a determinada corrente de idéias.
121. • A época da renovação e reconstrução que atravessa o país precisa implica, entretanto, em ficarmos inertes, comodamente apáticos, indiferentes
ser encarada dentro da realidade brasileira, consultando as nossas tradições às conquistas do pensamento político contemporâneo, sonhando, por preguiça
e a experiência dos erros anteriores, considerados como lições para o futuro. mental , a volta automática ao passado" (Vargas, Getúlio, 1938, v. 2, p. 25).
Cumpre-nos fugir às seduções do puro doutrinarismo, às influências dos 122. Vargas, Getúlio (1938, v. 2, p. 65, 97; v. 4, p. 110, 197). Daí foram
ideais de empréstimos e das novidades perigosas. Semelhante atitude não extraídas as citações a seguir.
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Sua percepção tlo processo não deixava de considerar que a nova em erro de simplificação ao vincular a criação do Ministério e a
ordem jurídica implicaria, com o tempo, melhor distribuição da atuação governamental nesta área à simples exigência da ordem
riqueza, a qual levaria a "suprimir as estéreis lutas de classes capitalista, parecendo supor que as coisas ocorreram quase por
sociais e as mesquinhas competições partidárias". Repetia ele, con- fatalidade e subordinadas a um plano maquiavélico e racionalmen-
tinuando esta linha de raciocínio, que os principais problemas do te explicitado ("educar para o capital", "trabalhadores saudáveis
mundo contemporâneo eram econômicos, pelo que os imperativos têm maior produtividade" etc.), nada impede, por outro lado, que
da ordem social estavam em patamar acima dos da ordem polí- se alerte para este lado da questão.
tica (esta sempre entendida como restrita aos interesses oligárqui- Já na Plataforma da Aliança Liberal, como antes se demons-
cos). Fiel à sua antiga postura de transformar dentro da ordem e trou, houve preocupação com a educação voltada aos trabalhadores,
com o mínimo de perturbações, afirmava a necessidade de acabar quando se afirmava a necessidade de abandonar o tipo de ensino
com as intransigências para que os problemas fossem enfrentados exclusivamente "teórico" e de "humanidades", em favor do técnico
" sem abalos perigosos, dentro dos quadros legais". e profissionalizante. A promessa concretizou-se com a criação do
O discurso de Vargas revela estar-se nos anos 30 diante de Ministério de Educação e Saúde Pública, ocupado por Francisco
uma sociedade muito mais complexa que a anterior, tendo os con- Campos, que passou a empreender uma reforma no sistema educa-
flitos sociais saído das fábricas e passando o Estado a geri-los. cional. Na visão de Vargas, assim como na de Campos, o problema
Crescendo a interferência estatal, cresceu também a burocracia, educacional estava intimamente ligado ao trabalho; o educando era
conseqüência inevitável da criação de múltiplos órgãos de consul- visto sobretudo por suas potencialidades com respeito ao trabalho
toria, de planejamento, de controle e de execução. O Estado, ao futuro. A criação da riqueza dependia da produtividade, que se
disciplinar o capital e o trabalho concomitantemente, não deixa vinculava à qualificação e às condições físicas do trabalhador.
de sugerir uma autonomia aparente: autonomia, dada a centrali- Este era visto como capital humano, como evidencia a seguinte
zação, a burocratização, a independência a determinada fração da afirmação de Vargas: "Precisamos pôr em execução um plano com-
classe burguesa, grupo_ ou facção; mas aparente, pois nunca esti- pleto de saneamento rural e urbano, capaz de revigorar a raça e
vera ele tão empenhado na constituição da ordem capitalista. :É melhorá-la como capital humano aplicável ao aproveitamento inte-
desta forma que se pode perceber centralização, burocratização, ligente das nossas condições excepcionais de riqueza". 124
moclernização e questão social como faces de um processo único Considerando viver-se na época do predomínio da máquina,
e complexo, cuja existência coincide inclusive no tempo e reflete alertava Vargas que esta exigia trabalho cada vez mais qualifica-
determinado momento da Revolução Burguesa brasileira, ou seja, do, daí o ensino profissional e técnico dever ser levado ao extremo
momento que é decisivo para a consolidação do capitalismo no das possibilidades. O ensino secundário, neste sentido, deixaria de
Brasil. ser mero instrumento de preparação para o curso superior - pelo
A ingerência do Estado na área social é também manifesta com que se deveria substituir os ant_igos cursos "preparatórios" por
a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, cuja atuação outros, criando a opção pelo ensino já profissional.
não escapa do processo antes mencionado. 123 Embora se possa cair Quanto ao ensino universitário, via-se nele dupla função:
preparar elites e formar trabalhadores e técnicos de alto nível.
123. A saúde pública e a educação foram ao longo do período tratadas por
Vargas como parte da • questão social•. Assim já estava na Plataforma da de 1931, em manifesto lido à Nação no Teatro Municipal do Rio de Janeiro
Aliança Liberal, onde se lê que as medidas de proteção ao trabalhador (Vargas, Getúlio, 1938, v. 1, p. 234). Da mesma forma, educação e saúde
compreendiam a "instrução, educação, higiene, alimentação, habitação; a pública aparecem como parte da • questão social•, em discurso de 31 de
proteção às mulheres, às crianças e à velhice; o crédito, o salário e, até, o dezembro de 1936 (Vargas, Getúlio, 1938, v. 4, p. 209-17).
recreio, como os desportos e a cultura artística•. Tais palavras foram repe- 124. Vargas, Getúlio (1938, v. 2, p. 117, 119; v. 1, p. 229; v. 3, p. 246).
tidas ao fazer retrospecto de seu primeiro ano de governo, a 3 de outubro Daí foram extraídas as citações a seguir.
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Centrado que estava na primeira delas, Vargas pregava a neces- eles eram vistos como diferentes dos trabalhadores urbanos. O
sidade de incluir a segunda como uma de suas funções, sem esque- conflito entre trabalho e capital era entendido por ele como fenô-
cer que a universidade não poderia perder seu papel de formar meno peculiar à industrialização, e não deixou de dizer que as
elites dirigentes. Assim, julgava não ser necessário mudar total- lutas sociais no Brasil ainda eram amenas, se comparadas às de
mente o ensino superior já existente, mas fundar a "Universidade outros países, devido ao grande peso do setor primário da eco-
do Trabalho", de onde sairia, "no futuro, a legião dos nossos nomia.126 Assim, mesmo que os trabalhadores urbanos numerica-
operários, dos nossos agricultores, dos nossos criadores, em suma, mente ficassem aquém dos trabalhadores rurais, a preocupação com
a legião dos obreiros dos campos e das fábricas". A escola deveria eles era maior: de um lado, por seu poder de organização; de
produzir homens práticos e profissionais seguros, e o melhor outro, porque as transformações econômicas percebidas por Vargas
cidadão deveria ser considerado como o mais útil e não o que apontavam no sentido dessa situação inverter-se. Desta forma, os
mais cabedais de cultura fosse capaz de exibir. limites no tratamento da "questão social" por parte do governo
A par de frisar a necessidade do ensino técnico e profissional, (no caso, excluindo dela significativa parcela dos trabalhadores),
Vargas julgava oportuno que houvesse também a preocupação de se, de um lado, podem ser entendidos como exigência da acumu-
ensinar-se moral e civismo, preparando cidadãos para a Pátria e lação, de outro não resta dúvida estarem perfeitamente bem entro-
dando-lhes consciência de seus direitos e deveres. Referindo-se em sados com o intervencionismo e com o conjunto da política econô-
especial ao sertanejo, considerado como o homem "tipicamente mica do governo, que gradualmente reforçavam o setor industrial.
brasileiro", via-o fraco fisicamente, mal-alimentado, indolente e
Os pronunciamentos de Vargas sobre a "questão social" no
sem iniciativa; para vencer estes males, aconselhava dar-lhe ali-
campo, então, devem ser analisados de forma substancialmente
mentação e trabalho, mas sobretudo educação. Todo brasileiro,
diferente dos que tratam dela no meio urbano. Enquanto neste
segundo Vargas, poderia ser "homem admirável e exemplar cida-
dão"; para se conseguir isso havia "um só meio, uma só terapêu- havia relativa correspondência entre o discurso e a legislação que
tica, uma só providência: - é preciso que todos os brasileiros se implantava, ocasionando mudanças nas relações de trabalho, o
recebam educação" .125 que não deixa de mostrar o lado "progressista" do governo (no
Não deixa de causar espanto a preocupação de Getúlio com as sentido de vencer obstáculos e organizar o mercado de trabalho,
condições de vida dos sertanejos, uma vez que as leis trabalhistas medidas importantes para o desenvolvimento capitalista), eis dis-
abarcavam, basicamente, os assalariados urbanos (operários, co- cursos sobre o trabalhador rural não passavam de mera retórica,
merciários, funcionários públicos, portuários), tendo-se dela excluí- inclusive deixando antever a necessidade de volta ao passado.
do os trabalhadores rurais. Percebe-se por seus discursos que ele Vargas reconhecia a existência do êxodo rural e dos problemas
não via os trabalhadores rurais como força perigosa, capaz de que dele provinham; entendia que a atração pelas cidades era ilu-
levar. como lembrado inúmeras vezes, à convulsão social; assim, sória, pois não havia como gerar empregos suficientes para absor-

125. Vargas, Getúlio (1938, v. 2, p. 118-9). Encontra-se aí também a seguinte 126. • A nossa situação, relativamente ao desequilíbrio generalizado de outros
passagem: • A par da instrução, a educação: dar ao sertanejo, quase abando- países, é de maior sossego. Dispomos de abundantes reservas de matérias-
nado a si mesmo, a consciência dos seus direitos; fortalecer-lhe a alma, primas e somos, simultaneamente, grande mercado consumidor. A base de
convencendo-o de que existe solidariedade humana; enrijar-lhe o físico pela nossa economia ainda é a exploração agrícola, e a industrialização apenas
higiene e pelo trabalho, enfim, com a alegria prima de viver, proveniente absorve pequena parcela de nossa atividade produtora. Em conseqüência,
do conforto conquistado pelas próprias mãos. No Brasil, o homem rude do a densidade da massa proletária industrial não acusa índice elevado, restrin-
sertão, sempre pronto a atender os reclamos da Pátria nos momentos de gindo-se a núcleos urbanos que dispõem de margem suficiente para empregar
perigo, é matéria-prima excelente e, se vegeta decaído e atrasado, culpemos a atividade com fácil e compensadora remuneração (Vargas, Getúlio, 1938.
a nossa incúria e imprevidência•. v. 3, p. 136-7).
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ver toda a população que migrava. 127 Assim, a mesma personagem repetida necessidade de prender o homem na terra não escondia,
central da política brasileira que levou adiante uma política tra- então, o tom saudosista da proposta: era mais o desejo de dimi-
balhista que claramente na época já permitia que se percebesse nuir as tensões sociais provenientes da urbanização, mas que na
incentivar o êxodo rural e, com isto, contribuir para aumentar realidade entrava em choque com a correlação de forças políticas
significativamente a oferta de trabalho no meio urbano, e que, (o peso dos proprietários de terra e da burguesia rural no sistema
por conseqüência, atuaria no sentido de rebaixar a taxa salarial político) e com o tipo de desenvolvimento capitalista que então
dos trabalhadores das cidades, não deixava de constatar que o ganhava expressão, centrado na expansão do setor industrial. Difí-
número destes vinha crescendo estupendamente, ocasionando o cil seria supor a necessidade de "maquinizar o campo", como
pauperismo, o subemprego e o desemprego. 128 estava presente no discurso oficial, sem que ao mesmo tempo
A solução de Vargas para este problema, e jamais levada à houvesse liberação de mão-de-obra deste setor, ainda mais sem
prática, resumia-se em propor o retorno destas populações ao reforma agrária e somente assegurando-se aos trabalhadores urba-
campo. Quanto às medidas que permitiriam sua viabilização, como nos certas conquistas sociais. Assim, no meio rural, a "questão
elevar os salários no campo, estender a ele certas conquistas tra- social" continuava a ser "caso de polícia" ...
balhistas das cidades ou mesmo implementar a reforma agrária, Esta última expressão, corrente na linguagem dos coevos, foi
o silêncio foi total. Ficava-se, assim, na vaga proposta de "educar adotada pelo próprio Vargas com a intenção de fazer crer a ine-
a população rural", ou dar-lhe assistência, quando esta última xistência de repressão ao movimento operário após 1930, ou seja,
seria de difícil execução sem que pelo menos as mesmas leis urba- as boas leis teriam substituído a coerção física - a qual se tor-
nas fossem estendidas aos trabalhadores rurais. 129 A tantas vezes nara, com a "Revolução", "coisa do passado". Isto, entretanto,
não se observou na década de 30; nota-se, ao contrário, que ao
127. • Agravando semelhante desorganização, verificou-se o êxodo dos habi- estabelecer a legislação social o governo não só legalizou os con-
tantes do interior, atraídos pelas ilusórias facilidades de trabalho abundante flitos, mas redefiniu-os - e, com isso, legitimou a própria repres-
e bem recompensado, para os centros urbanos de vida intensa. O proleta- são. Desta forma, a verdade nua e crua da luta de classes na Re-
riado das cidades aumentou desproporcionalmente, originando o pauperismo pública Velha começava a ser negada pelo discurso e pela prática
e todos os males decorrentes do excesso de atividade sem ocupações fixas• política de Vargas: assim, quem nelas persistisse tornava-se elemen-
(Vargas, Getúlio, 1938, v. 2, p. 115).
to "antinacional" e anti-social", e, com isso, justificava o uso da
128. A determinação da taxa de salários na economia brasileira constitui
objeto de recente debate entre economistas, como Roberto Macedo, Manuel
repressão sobre si. Este procedimento do governo estava em con-
Enriquez Garcia, Paulo Renato Souza, Paulo E. Baltar e João L. M. Sabóia, sonância com os novos tempos: a urbanização e a concentração
enÍre outros. A despeito do avanço da discussão sobre o tema manteve-se da massa operária em grandes centros exigia, por assim dizer, um
no texto a antiga proposição cepalina, segundo a qual a liberação de tratamento à "questão social" diferente do da República Velha,
mão-de-obra do campo influenciaria negativamente a taxa salarial da cidade, quando o movimento operário não chegava a ameaçar as "oligar-
sem desconsiderar-se, todavia, que a organização sindical dos trabalhadores quias", embora já demonstrasse sua força em algumas ocasiões,
urbanos pode vir a constituir importante fator atuando em direção oposta.
1:. de se notar que o debate mais recente centra-se na determinação da taxa
como em 1917. Se o governo, em 1930, mostrava-se "progressista"
salarial não nos anos 30, quando nem havia salário mínimo, mas principal-
mente após 1960. preferência, localizar o trabalhador rural, que aqui e ali vegeta, desarticulado
129. Vargas, Getúlio (1938, v. 2, p. 115). A proposta mesmo vaga de reforma da gleba e sem teto próprio, antes de nos preocuparmos com o saneamento
agrária que consta da Plataforma da Aliança Liberal foi esquecida nos anos de zonas inóspitas, só utilizáveis mediante obras de custo vultoso e vigi-
30. Em contrapartida, em discurso de 18 de agosto de 1933, Vargas men• lância sanitária continuada, quando pequena parte desse dispêndio bastaria
cionou a necessidade de uma política de colonização: • Possuímos extensas para aparelhar, em condições prósperas, numerosos núcleos coloniais, situa-
faixas territoriais ubérrimas e saudáveis, próximas a centros urbanos flores- dos em lugares de fácil e produtiva adaptação" (Vargas, Getúlio, 1938, v. 2,
centes, quase completamente incultas e despovoadas. Nelas devemos, de p. 116-7).
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no enfrentamento da "questão social" ao ajudar a vencer obstá- "Novo Direito". Entre os próprios empresários não havia consenso
culos à acumulação capitalista, organizando o mercado de traba- sobre a necessidade de legislação do trabalho, e muito maior era
lho, não deixava de ser ultraconservador do ponto de vista dos a polêmica em torno das propostas da equipe governamental ao
trabalhadores: legalizar as relações de trabalho significava, de encaminhá-la. Mas mesmo estas críticas reforçavam a própria ideo-
fato, ignorar as lutas de classe, ou seja, tratá-las como patologia; logia de Getúlio, de governo neutro ou levemente faccioso a favor
significava, em outras palavras, desmantelar o movimento operá- dos trabalhadores, quando nenhuma destas duas hipóteses pode ser
rio nascente. A "questão social", neste aspecto, continuava enca- defendida, seja com base em fatos mais imediatos ou através de
rada como "caso de polícia": mas o que antes consistia arbitrarie- análise mais aprofundada do processo histórico.
dade policial, tornava-se, então, medida legal para a defesa das
instituições. Em síntese, a contradição que se afigura é a seguinte:
na República Velha, havia reconhecimento de fato às lutas de Couclasão
classes por parte das elites, as quais, ideológica e juridicamente as
negavam; após 1930, o governo reconheceu-as ideológica e legal- ~Je eerrer de eapfütle analise1:1 se e diso1:1rse de V:argas nes
mente para afirmar que elas não possuíam mais razão de ser, ou enes eeffl:fJfOeedtães eetre stte. eseensãe eeme Chefe àe Geyert1e
seja, negando-as. Pre•Asérie até ftl:eades de 1937. ~iele 1'3ree1:1re1:1 se eitideneiar Etl:10 ,
Fazendo-se um balanço das leis trabalhistas do período entre a àesl'3eito àe a Alian9a LiBerel ter siàe gestaàa no interior de
1930 e 1937, pelo que se considerou anteriormente, não há como 1'3arte des pFél'3ries 01igeret1:1ies doRlinentes ne 'R:epúBliea l,leUia, com
escapar da conclusão que estas se configuraram, em largos traços, a aetttieseêneia des pelttieos tradieienais e das préprias íra~ees
como medidas que resultaram no favorecimento da expansão capi- lJttrgttesas ettte já se i'.a2iaftl: representar ne sisteftl:a de peder àe
talista. Tanto as medidas de fato implementadas - atrelamento pertede precedente, o gelpe de estade de 3 de e1:1t1:tBre de 1939
dos sindicatos ao Estado, forma de julgamento dos conflitos, ex- 1'3eàe ser•tir eeftl:e ftl:aree àe signii'.ieatir.1a rt1pt1:1ra na histéria eeenê
clusão dos trabalhadores do campo da legislação etc. - , como as ftl:iea e peHtiea ào BresiL Os àisettrsos de V:erges aj1:1àem a eyi
justificativas governamentais, apontam claramente para esta pers- EleHeiar esta rttpt1:1re, sett aleanee e se\is limites .
pectiva. Mas os discursos não revelam os resultados, mas sobretudo A elei9ão de 1:1m RJereo eronolégieo eoRJe moRJeeto de Etttal
as _intenções. Quanto a estas, os discursos falam por si mesmos: EJ:tter 1'3eFiodi;za9ão acarrete, et1:tese seR11'3f8, 1'3fOBle1Has meteàolégieos.
não se tratou, no período até aqui analisado, de usar a retórica Es~es nõe só se 1'3renàeffl: 8 escolha de pente ne teftl:1'3e eftl: si para
"trabalhista" ou "populista" para impingir aos trabalhadores uma simbeHeaftl:en~e representar e rttf!tttra seftl:pre polêftl:iee para
legislação que não necessariamente coincidia com seus interesses, EJ:tteftl: eeneebe a história eeme preeesoe e não Hie seftl:ente eeme
e até entrava em choque com expressivas lideranças suas. 130 Ao sucessão de fatos , ftl&s taftlhéfft i,er ài.ieilmente se i,eder eoft
contrário, os discursos sobre a "questão social" dirigiam-se, em eeBer fflttdatt~es ftistériees , mesffte es mais àrásHees, sem efteOft
geral, às próprias classes dominantes, aos industriais e aos políticos trer se eleftleHtes de eeAtiAttiElaSe. Isto i;,erfflite aes aHelistas euje
do status quo. Não é demais relembrar que a organização do mer- r,reoeuf3e9õo seja Heger 01:1 R:egligeH:eier as Plif)turas c11ideeeiar a
cado de trabalho e a ameaça de convulsão social constituíram-se e*istêneia ele certa "légiee kistériee" eiue fJCfffl&Heee efft-f)era 01<:is
os principais argumentos em defesa das leis sociais, inspiradas no tttm muden~as, e nãe é difícil pera eles mesmes Bttseer fttftdementos
CffifJÍfieos pare pre11er se1:1s peRtes de 1;iste.
130. A reação dos trabalhadores e dos industriais à legislação trabalhista ~i:e ease esl'3eetfiee da " R:e•1el1:1~fte de 39", f!ree1:tre1:t se já ne
ainda não possui o estudo aprofundado que o tema merece. Citamos, entre-
e&f)Ít1:1le três mostrar e. ifflprofJriedeàe Ele termo re 11elu980 f)OPB
tanto: Munakata, Kazumi (1981), Carone, Edgar (1982, p. 106-51) e Vianna,
Luiz Werneck (1978, p. 175). deneftl:iná la, ttftl:a 11e2 Ettte eftl: sentido rigerese ele só se aplicaria

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