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320 PARTE II Técnicas

Programa do computador

Esforço

Capacidade

Demandas

Falta de suporte

FIGURA 9.1 Um gráfico em forma de torta.

Possíveis problemas mo que desculpas para fugir da responsabi-


lidade. Além disso, o terapeuta pode usar a
Os pacientes podem ter dificuldade em iden-
técnica do duplo padrão para examinar a gra-
tificar outras causas possíveis do evento,
vidade do julgamento.
sobretudo se estiverem culpando exclusiva-
mente a si mesmos. O terapeuta pede que o
Referência cruzada com outras técnicas
cliente assuma o papel de seu próprio advo-
gado de defesa, o qual deve encontrar novas Outras técnicas relevantes incluem ponto-
formas de ver a situação de modo que ele não -contraponto, exame das evidências, análise
se culpe inteiramente. O que diria o advogado dos custos-benefícios, uso do continuum, ob-
de defesa? O profissional também pode dar servar o problema a partir da sacada e drama-
sugestões de possíveis causas – por exemplo, tização racional.
as outras pessoas envolvidas podem ter tido
comportamentos negligentes, aquela foi uma Formulário
má escolha, o paciente deu azar ou não ten- Formulário 9.1 (Exercício do gráfico em for-
tou tanto quanto poderia, etc. Além disso, o ma de torta).
terapeuta pode sugerir que as causas talvez
incluam a dificuldade da tarefa, má sorte,
falta de esforço e falta de capacidade. Alguns TÉCNICA: Continuum
pacientes acreditam que esta reatribuição é
simplesmente outro conjunto de desculpas Descrição
para si mesmos – isto é, acreditam que são Muito do pensamento depressivo é dicotômi-
“moralmente obrigados” a culpar inteiramen- co (do tipo tudo-ou-nada): “Sou um perdedor
te a si mesmos. O clínico examina a raciona- ou um vencedor”; “Sou brilhante ou burro”.
lidade de ver a coleta de informações sobre Ou os resultados são vistos como catastrófi-
as causas reais ou possíveis como algo bem cos ou neutros: “Meu amigo foi rude comigo
diferente de inventar desculpas. Se as causas – não suporto isso” se torna “É terrível que
forem fatos verdadeiros, então não são o mes- isso tenha acontecido”. Esse tipo de pensa-
Capítulo 9 Colocação das coisas em perspectiva 321

mento dicotômico carece de qualificadores tante, já que olhar para essas nuanças será
como “levemente”, “um tanto” e “às vezes”, importante para colocar as coisas em pers-
resultando num pensamento do tipo preto- pectiva. Pede-se, então, que o paciente reava-
-e-branco. Em vez de dizer: “Às vezes não lie o desfecho, atribuindo-lhe um novo valor
me saio bem em um teste”, o indivíduo diz: percentual, e indique por que esse resultado
“Sempre me saio mal”. Do mesmo modo, ele não é tão ruim quanto parece.
pode ver os resultados como totalmente bons
ou totalmente ruins. Perguntas a formular/intervenção
Esse tipo de pensamento pode ser exa-
minado com o uso da técnica do continuum. “Você disse que esse evento foi muito ruim.
O objetivo desta técnica é ajudar o paciente a O quanto você se sente mal, numa escala de
pensar em termos de graus ou variações em 0 a 100%, onde 100% representa o pior sen-
vez de totalmente bom ou totalmente ruim. timento que você pode imaginar – algo como
Muitas vezes, as pessoas deprimidas, ansio- o Holocausto – e 0% representa a ausência de
sas ou irritadas respondem aos eventos como qualquer coisa negativa? (Utilizando o For-
se fossem catastróficos. Em vez de encarar mulário 9.2) Vou desenhar uma linha, mar-
um evento como uma inconveniência ou uma cando cada incremento de 10 pontos.
frustração, o indivíduo pensa que o mundo Você atribuiu ao evento atual uma pon-
está chegando ao fim e que as coisas não po- tuação ruim, 90%. Agora, vamos exami-
dem ser toleradas como estão. Assim sendo, nar alguns outros pontos da escala. Vamos
ele acredita que “não consegue lidar com considerar 95%. O que poderia acontecer
isso”, mesmo que o resultado que experimen- a alguém que fosse 95, 80, 70, 60, 50, 40,
ta ou prevê não represente mais do que um 30, 20, 10%? Há alguns pontos que você
inconveniente temporário. acha difícil de marcar? Por que seria difí-
A técnica do continuum requer que o cil marcar os pontos abaixo de 60%? Será
indivíduo avalie o evento em uma escala de que é por que você está vendo o que acon-
0 a 100%, onde 0% corresponde à ausência tece agora em termos extremos? Você pode
de algo negativo e 100% corresponde ao pior pensar em mudar o ponto em que colocou
resultado possível imaginável – por exemplo, este evento na escala? Quais as razões pelas
o Holocausto ou ter a própria pele queimada quais isso não é tão ruim quanto você pen-
lentamente. Pede-se ao paciente que avalie o sou que fosse?”
quanto se sente mal em relação ao aconteci-
mento atual, coloque essa avaliação dentro de Exemplo
uma escala de 100 pontos de desfechos ruins
TERAPEUTA: Você disse que está aborrecida
possíveis e, então, considere outros pontos na
porque Roger não lhe telefonou de novo.
escala. Ao marcar os pontos “intermediários”
Você saiu com ele duas vezes. Parece
da escala, o cliente deve ver os eventos ao
muito chateada agora. Diga-me, em uma
longo de um continuum. Cada ponto ao longo
escala de 0 a 100%, onde 100% repre-
desse continuum, em incrementos de 10 pon-
senta o mais chateada que já se sentiu,
tos, é identificado e tem um evento corres-
o quanto está chateada agora, ao pensar
pondente associado. Tipicamente, os pacien-
sobre isso?
tes têm dificuldade de identificar eventos ou
resultados inferiores na escala dos resultados PACIENTE: Eu diria que uns 95%. Estou real-
negativos, especialmente pontos ao longo da mente muito zangada e magoada.
escala que estão abaixo de 75%, ilustrando a TERAPEUTA: OK. Isso é bem ruim. Agora,
tendência a ver as coisas em termos de tudo- vamos imaginar que Roger não telefone
-ou-nada. Esse é um reconhecimento impor- nunca mais. Onde você colocaria essa
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possibilidade em termos de coisas ruins PACIENTE: Porque preciso do meu emprego


que poderiam acontecer – de 0 a 100%, para pagar minhas contas. Não preciso
onde 100% representa o Holocausto? de Roger.
PACIENTE: Eu daria uns 75%. Estou sempre
sendo rejeitada. Tarefa de casa
TERAPEUTA: OK. Vamos desenhar uma escala O terapeuta pede que o paciente examine al-
de 0 a 100% – chamamos isso de conti- guns dos seus rótulos negativos, pensamentos
nuum. Agora, 100% representa o Holo- catastróficos e julgamentos/conclusões do
causto, e 75% representa o fato de Roger tipo tudo-ou-nada. “Quero que você pense em
não ligar para você. Vejamos o que você
algumas coisas que realmente o incomodaram
colocaria em 90%?
esta semana ou que o preocupam em relação
PACIENTE: Acho que ser agredida fisicamente. ao futuro próximo, coisas que o deixaram ou
TERAPEUTA: OK, o que você colocaria em o deixam muito ansioso, deprimido ou zanga-
85%? do, e escolha uma delas como foco. Pense no
PACIENTE: Me machucar, mas depois me re- quanto esse evento ou situação parece ruim ou
cuperar. quais são seus pensamentos automáticos so-
bre isso. Agora, escreva o que o está incomo-
TERAPEUTA: 60%?
dando – digamos que você vai fazer uma pa-
PACIENTE: Não sei. Perder meu emprego. lestra na semana que vem e acha que alguém
TERAPEUTA: 50%? poderá não gostar. O quanto isso lhe parece
PACIENTE: Minha amiga ficar zangada comi- ruim – alguém não gostar da sua palestra – de
go sem motivo. 0 a 100%? Use este formulário (Formulário
TERAPEUTA: 40%? 9.2). Ele ilustra o que chamamos de conti-
nuum e vai de 0 a 100%, onde 0% representa
PACIENTE: Isso está ficando meio monótono.
a ausência de qualquer coisa negativa e 100%
Não sei. Estar acima do peso – engordei
representa o Holocausto. Onde você colocaria
3 kg.
esse evento (o fato de alguém não gostar da
TERAPEUTA: Você tem dificuldade em marcar sua palestra) nesta escala? Depois, preencha
os pontos abaixo de 50%? Por que será? cada marca de 10 pontos na escala com um
PACIENTE: Acho que é porque a maior parte evento ou situação que você classificaria na-
das coisas não é tão ruim assim. A maio- quele grau de negatividade.”
ria está abaixo de 50%.
TERAPEUTA: Você realmente acha que o fato Possíveis problemas
de Roger não lhe telefonar de novo seja Alguns pacientes podem ver a técnica do con-
75% tão ruim quanto o Holocausto? Ou tinuum como algo que os desqualifica, talvez
quase tão ruim quanto ser agredida? até se ressentindo com a comparação com
PACIENTE: Provavelmente não. Só parece ser algo tão catastrófico que automaticamen-
assim. te diminuiria a gravidade do seu problema.
TERAPEUTA: Seus sentimentos são realmente Neste caso, o terapeuta pede que o indivíduo
importantes, mas também pode ser im- considere os custos e benefícios de ver as
portante olhar para este evento em pers- coisas de modo tão terrível ou desagradável.
pectiva. Por exemplo, por que isso não Algumas pessoas acreditam que precisam ca-
é realmente tão ruim quanto perder seu tastrofizar os acontecimentos, caso contrário
emprego? suas necessidades serão desvalorizadas como
Capítulo 9 Colocação das coisas em perspectiva 323

triviais. O profissional pode examinar as ori- ela. Em cada um dos casos mencionados, o
gens deste esquema de invalidação por meio indivíduo ficou exclusivamente focado no
do trabalho com os esquemas (ver Cap. 10). momento presente – ou na perda presente
Outro problema comum é que os pacientes –, e não consegue recuar e considerar outras
ficam frustrados ao preencherem os pontos opções que podem ainda estar disponíveis.
abaixo de 60% –, e o terapeuta pode hesitar
em insistir na conclusão do preenchimento Perguntas a formular/intervenção
do formulário. Descobrimos que persistir
no preenchimento de cada incremento de 10 “Posso ver que você está incomodado por isso
pontos na escala, até os 10%, é “positivamen- ter acontecido, e parece que acredita que esta
te frustrante”, pois remete o cliente ao extre- é uma perda terrível. Às vezes nos concentra-
mismo das suas classificações iniciais. mos exclusivamente no que é perdido ou vi-
venciado no momento presente e deixamos de
considerar as muitas outras opções que ainda
Referência cruzada com outras técnicas
estão disponíveis. Vamos imaginar que eu vou
Outras técnicas relevantes incluem análise a um bufê para jantar. Particularmente, gosto
dos custos-benefícios, categorização das dis- de salmão, mas eles me dizem que o salmão
torções cognitivas (pensamento catastrófico, acabou. Fico desapontado, até que percebo
raciocínio emocional, rotulação, pensamento que há outras 20 entradas disponíveis. Pos-
do tipo tudo-ou-nada), construção de alterna- so escolher outras coisas para comer e ainda
tivas e técnica do duplo padrão. desfrutar do bufê. Então, imagino se você não
poderia perguntar a si mesmo: ‘Mesmo que
Formulário isso tenha acontecido – a perda que me deixa
Formulário 9.2 (Exercício do continuum). incomodado –, o que ainda posso fazer?’.”
Além disso, o terapeuta pode perguntar:
“Em consequência dessa perda, quais são as
TÉCNICA: O que ainda posso fazer coisas que você não poderá mais fazer? Você
conseguiria fazer algumas dessas coisas no
Descrição futuro? Com outra pessoa? Em que circuns-
Em muitos casos, um evento negativo é visto tâncias conseguiria fazer isso? O que você
em termos extremos, e a perda de alguma coi- teria que fazer para buscar essas alternativas?
sa (p. ex., um relacionamento, um trabalho, Alguma delas parece ser possível?”.
uma oportunidade) é vista como devastado-
ra. O indivíduo se concentra na única coisa Exemplo
que não está mais ali – que foi perdida – e
TERAPEUTA: Posso ver que você está chateado
não consegue ver as muitas fontes possíveis
com o rompimento com Jenny, e parece
de gratificação que ainda estão disponíveis
que não consegue ver mais nada que pos-
– ou potencialmente disponíveis. Por exem-
sa trazer significado ou prazer à sua vida.
plo, um homem que está vivendo uma sepa-
Isso deve ser difícil para você.
ração se concentra exclusivamente no fato de
que não terá mais sua namorada ao seu lado, PACIENTE: Sim, é como se não houvesse mais
e não consegue ver as muitas outras fontes de nada na minha vida, a não ser o vazio.
gratificação que estão disponíveis atualmente TERAPEUTA: Deve ser difícil se sentir assim.
ou estarão no futuro. Ou uma mulher vai a Só o vazio, nada. Vamos dar uma olhada
uma festa e um homem que acha atraente nisso por um momento e ver o que mais
não demonstra interesse em conversar com existe. Vamos pensar. Considerando que

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