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A Renovação da Prática Sacramentária – UNÇÃO DOS ENFERMOS

C. ORTEMANN. A força dos que sofrem. História e significado do Sacramento dos enfermos. Paulinas,
1978 (1ª ed.)

Se a insistência na enfermidade como modalidade da vida e na solidariedade dos sãos em relação aos doentes
é suscetível de favorecer a renovação da prática sacramentária da unção, essa comporta, mais diretamente, certo número
de exigências. Indicaremos aquelas que parecem se impor de modo especial:

a) A renovação sacramentaria exige, previamente, um conhecimento teológico preciso do significado


da unção. Jamais insistiremos bastante na importância deste esforço teológico que comanda qualquer pastoral. Grande
número de pastores só esperam da hierarquia ou de seus colegas mais experimentados, receitas práticas, dispensando-os
de uma reflexão pessoal sobre o modo de administrar o sacramento e sobre o sentido da unção.
Portanto, cabe inicialmente ao ensino teológico não deturpar o sacramento dos enfermos, mas conceder-lhe o
lugar que lhe é devido, dado o caráter dramático da doença da e das crises que ela provoca na existência humana no
plano da fé: que a unção não pareça, como infelizmente tanto sucede, um sacramento supérfluo, o primo pobre da
constelação sacramentaria. Quantos estudantes de teologia nunca ouviram falar dele e são obrigados a adquirir um
conhecimento superficial por ocasião de uma visita a um doente.
Quanto aos fiéis, a unção deve ser-lhes apresentada desde os anos de estudo do catecismo. E, repitamos, os
pastores precisam inseri-la em suas homilias, na pregação dos retiros, em todas as formas de informação de que
dispõem.

b) Na apresentação do sacramento, urge afastar os falsos conceitos que o desfiguram. Deve-se mostrar
que ele diz respeito à situação patológica e não à preparação para a morte. Deve-se abster de transformá-lo num
substituto do sacramento da reconciliação: a unção não é especificamente determinada ao perdão dos pecados.
Procurar-se-á, igualmente, não atribuir um efeito curativo ao sacramento: convém evitar reduzir a unção ao
nível de remédio extraordinário, rival das terapêuticas médicas, ou ainda centralizar a atenção do doente na preocupação
da cura, de tal modo que ele se abstraia das exigências evangélicas de viver no seio do patológico. Insistir-se-á mais no
sentido cristão da cura proposta pelo sacramento.
Mesmo que sobreviesse a cura após a unção, sem ser atribuída às terapêuticas utilizadas, convirá talvez
reconhecer no caso uma intervenção divina, mas sem atribuí-la necessariamente ao sacramento, e orientar o enfermo no
sentido de um apelo divino que o Don extraordinário da cura representa.
Não se trata de minimizar o desejo de cura do enfermo, mas devemos mostrar que o sacramento o endossa,
dando-lhe um significado cristão.

c) Para que a recepção do sacramento seja frutuosa, nunca repetiremos bastante que o pedido da unção
deve provir de uma atitude da fé, conforme é exigido para qualquer outro sacramento. Torna-se necessário que o pastor
se certifique do intuito cristão que inspira o pedido da unção.
Se a atitude do enfermo não for inspirada pela fé, mas por outros motivos (medo, conformismo social,
pressão moral dos familiares, necessidade de uma segurança psicológica diante de Deus ou de uma garantia de cura), é
preferível adiar o dom do sacramento. Cabe então ao pastor empreender junto ao doente uma caminhada para uma fé
mais autêntica, sem contudo, querer obter uma fé “quimicamente pura”. Trata-se de fazê-lo compreender as tarefas que
a doença lhe propõe, fazê-lo perceber que o sacramento não elimina as dificuldades inerentes ao patológico, mas que
lhes confere um sentido: não é preciso que o sacramento se revele com um objeto de “consolação” que dispensaria viver
as exigências evangélicas dentro da doença. É fácil prever que, na maioria dos casos, muito tempo seria exigido no
preparo do doente para a recepção do sacramento.
Enfim, o importante não é que o sacramento seja ministrado não importa quais sejam as disposições do
doente, mas que esse tenha praticado uma caminhada autêntica na fé, permitindo-lhe viver cristãmente a sua
enfermidade. Seria necessário fazer participarem da preparação do doente as pessoas que habitualmente o cercam:
parentes, equipe de enfermeiros, outros padres amigos. Essa participação expressa a dimensão eclesial do sacramento.
d) Todo doente gravemente atingido, sem referência necessária ao perigo de morte, é sujeito
do sacramento. Aplica-se ainda a todas as pessoas idosas cuja velhice determina uma deterioração do organismo
corporal, deterioração assimilável às desordens devidas à doença grave. O sujeito do sacramento será aquele em quem o
patológico provoca uma séria ruptura do equilíbrio biológico, mesmo se a morte não vier a ser o desfecho da doença.
Aliás, hoje em dia os progressos da terapêutica tornem muitas vezes incerto o desfecho fatal de uma afecção. Não é,
pois, na certeza dessa conclusão fatal que se devem polarizar o pastor, o enfermo e o meio familiar. Tanto mais que a
unção não é um rito cristão de morte, mas o sacramento que confere um sentido evangélico à doença. Devemos,
portanto, não esperar a certeza ou a proximidade do desenlace para falar do sacramento. Se a morte é iminente,
proponhamos ao enfermo o sacramento da reconciliação e o viático. Será então preferível recusar a unção para ser
coerente com o próprio conceito do sacramento que queremos inculcar do doente e a seus familiares. Com muito mais
razão dever-se-á negar o sacramento às pessoas recém-falecidas, desde que o médico já tenha renunciado a qualquer
esforço de reanimação.
Tal atitude expressa o ensinamento da Igreja e irá, paulatinamente, transformar as mentalidades: as famílias e
a equipe responsável acabarão por compreender que não basta chamar o sacerdote após a morte da pessoa para
tranquilizar-lhes a consciência e a unção não será mais considerada como um “último” sacramento, ou como um rito
mágico que garante o destino eterno do defunto.
Quanto ao doente em estado comatoso, também não nos parece incluído nos casos indicados para receber o
sacramento, mesmo sob condição, seja qual for a insistência dos familiares: em primeiro lugar, quase sempre ignoramos
se o doente desejava o sacramento; mesmo sabendo, desconhecemos o rumo que sua fé tomara; mas, acima de tudo, é
descabido ministrar um sacramento que confere um sentido à enfermidade e permite ao indivíduo viver tal sentido,
ministrá-lo a alguém que já não dispõe de meios para reconhecer e viver tal significado.
Não podemos justificar o dom do sacramento baseados numa hipotética consciência do doente. O sacerdote
muitas vezes vê-se tão constrangido pela insistência da família desejosa de que o doente seja ungido, que acaba
cedendo, sentimentalmente obrigado. Tal insistência dos que cercam o doente deve ser uma oportunidade para dissipar
os conceitos errôneos sobre a unção e sobre o ministério sacerdotal; explicar que a relação do comatoso com Deus
pertence ao mistério da atividade divina, não estando essa ligada pela mediação sacramentaria. Urge também revalorizar
ainda mais as diferentes fórmulas propostas.

e) O Sacramento deve ser repetido? Tratando-se de doenças diferentes que atingem o mesmo
paciente, o problema não existe e a resposta é óbvia. Durante a mesma enfermidade, porém, o sacramento não precisa
ser repetido, visto conferir sentido a todo o período da moléstia, seja qual for o agravamento da mesma. Evitar-se-á,
precisamente, tornar a dá-lo caso haja uma piora, para que esse sacramento não venha a aparecer como um rito
preparatório da morte.

f) Quanto à liturgia do sacramento, seria muito importante que lhe conferissem, cada vez mais,
uma forma comunitária, como que se realiza em Lourdes há já diversos anos. O dom comunitário da unção é capaz de
fazer os doentes perceberem que não são os únicos a sofrer, que se devem abrir a uma multidão de males muitas vezes
mais cruéis do que os seus; que eles se beneficiam, em todos os cuidados dos quais são o objeto, de uma solidariedade
das pessoas sãs, através das quais podem discernir, pela fé, uma solidariedade da Igreja.
A liturgia comunitária comporta também a vantagem de despertar os sãos para o sentido de sua
solidariedade para com os doentes, de sua necessária relação com eles. Os sãos compreenderão melhor que não se trata
de se dirigirem aos doentes com o intuito de cumprir um dever ou uma ação caridosa meritória, mas que existe, entre
eles e os doentes, uma comunidade de destino que precisam manter através de atitudes concretas. É, portanto, a
significação eclesial de suas visitas, de seus cuidados, de sua intercessão, que será manifestada.
Dever-se-á também generalizar a inserção do dom do sacramento na liturgia eucarística, sendo essa
a expressão privilegiada da comunidade eclesial à qual os doentes não cessam de pertencer e que não cessam de
vivificar de um modo que lhes é próprio. As celebrações realizadas em Lourdes, ricas em ensinamentos a esse respeito,
devem ser conhecidas e imitadas.
No meio hospitalar, ou mesmo na paróquia, semelhante celebração comunitária encontra
indiscutíveis dificuldades. Entretanto, não se tornam irrealizáveis. Sua solução dependerá, antes de tudo, da convicção
que tivermos do valor pedagógico e da significação eclesial de uma liturgia comunitária.

Escola de Humanidades
Adaptado para Sacramentos - 2021/1
Prof. Pe. Pedro Alberto Kunrath – Graduação Teologia/PUCRS.

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