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Entre o fim do século XIX e o início do século XX, Ernest Rutherford (1871-1937) estudou o
comportamento dos átomos com experimentos de radiação e verificou que os átomos
também possuíam partículas positivas, os prótons, e partículas neutras, os nêutrons. Além
disso, seus experimentos permitiram afirmar que os prótons e os nêutrons seriam
“responsáveis” por praticamente toda a massa de cada átomo. Assim, por exemplo, o átomo
de hidrogênio mostrou ter um único próton e uma massa correspondente de 1 u.m.a.
(unidade de massa atômica, que corresponde à massa em gramas de 6,02 . 1023 átomos de
um determinado tipo). O oxigênio mostrou ter massa de 16 u.m.a., o nitrogênio de 14
u.m.a. Rutherford também afirmou que os prótons e os nêutrons estariam localizados no
centro dos átomos, que teria uma carga positiva, e que os elétrons estariam em órbitas em
volta do núcleo. O problema da teoria de Rutherford é que se os átomos comportam-se como
pequenos “sistemas solares”, com elétrons girando em torno dos núcleos (de forma que a
força centrífuga de movimento dos elétrons compensaria a atração eletrostática dos
prótons), de acordo com a teoria da mecânica clássica de Newton os elétrons deveriam
emitir energia radiante, perdendo energia e coalescendo com os núcleos, o que não foi
observado. Logo, a teoria de Rutherford estava furada. Mesmo assim, Rutherford recebeu o
Prêmio Nobel de Química em 1908, por suas investigações sobre a desintegração dos
elementos e a química das substâncias radioativas.
A história da teoria da evolução não é diferente. De maneira bastante simplista, nasceu com
Aristóteles, Anaximander e Empedocles, foi posteriormente desenvolvida pelo biólogo afro-
árabe Al-Jahiz, o filósofo persa Ibn Miskawayh, o filósofo chinês Zhuangzi, aprimorada por
Pierre Maupertuis, Erasmus Darwin, John Ray, Lineu, Buffon, amadurecida por Lamarck,
chegando à sua formulação geral mais aceita por Charles Darwin e Wallace. Porém foi
bastante aperfeiçoada durante os últimos 150 anos, principalmente depois do surgimento da
genética, da ecologia, da simbiose, e outras derivações biológicas, que levaram à formulação
da Síntese Evolucionária Moderna por Julian Huxley, R. A. Fisher, Theodosius
Dobzhansky, J.B.S. Haldane, Sewall Wright, E.B. Ford, Ernst Mayr, Bernhard Rensch, Sergei
Chetverikov, George Gaylord Simpson e G. Ledyard Stebbins.
A teoria da evolução tem o mesmo status científico da teoria da estrutura da matéria, ou da
teoria da mecânica quântica, e da teoria da relatividade de Einstein.
Esta longa introdução tem por objetivo mostrar que as teorias científicas se constroem de
maneira extremamente consistente, sendo continuamente questionadas, testadas e
verificadas, de maneira a confirmar sua consistência, seu caráter geral e sua falseabilidade.
Por isso, quando o editorial (3/4/2010) de um jornal como a Folha de São Paulo afirma que
“Brasileiros parecem ter discernimento intuitivo de que questões de ciência não competem
com convicção religiosa”,
deve-se analisar tal afirmação de maneira a se entender se esta faz sentido ou não.
Faz sentido pensar se “questões de ciência competem com convicção religiosa”? Não, não faz
simplesmente porque as religiões nunca foram objeto de estudo das ciências naturais (mas
foram da filosofia, da história, da psicologia, da sociologia, da educação, etc.). A ciência não
compete com a religião. Não é objetivo das ciências naturais verificar se Deus existe ou não,
ou se as religiões fazem sentido ou não.
O jornal também estabelece uma relação direta entre ciência e ateísmo, quando diz que
“UMA APAIXONADA predileção por besouros.” Essa foi a resposta de J.B.S. Haldane (1892-
1964) quando lhe perguntaram o que a teoria da seleção natural revelava a respeito dos
desígnios de Deus. O biólogo britânico, que era ateu, aludia de forma irônica à fantástica
abundância de insetos coleópteros na natureza.
Pesquisa Datafolha publicada ontem revelou que apenas 8% dos brasileiros endossariam
Haldane, ao concordar que os seres vivos são produto de lentíssima evolução na qual
variações fortuitas, mas vantajosas à sobrevivência e reprodução, se disseminam e acabam
por dar origem a novas espécies, mais adaptadas a seu ambiente. Seriam os darwinistas
“puros”.
O fato do editorial iniciar com esta narrativa traz em sua mensagem o fato de Haldane ser
ateu e o relacionar ao “darwinismo puro” (termo criado pelo jornal). Tal relação não existe.
Ser ateu ou acreditar em Deus é uma questão de foro íntimo, de cada pessoa. A validade de
teorias científicas independe de acreditarmos nelas ou não. Como o próprio editorial afirma,
a ciência e a crença “são campos que correspondem a dimensões diferentes da consciência
humana.” Logo, não podem ser considerados em um mesmo contexto.
Porém, a distinção “percebida intuitivamente” pela população não parece ser considerada em
seu inverso, ou seja, “Brasileiros parecem ter discernimento intuitivo de que questões
religiosas não competem com teorias científicas”. Seria esta afirmativa verdadeira?
Aparentemente, não. Se 59% da população acredita que Deus interfere no processo
evolutivo, fica evidente que não há uma distinção clara e perceptível de que a ciência se
constrói com base no método científico e a crença é variável, de pessoa para pessoa, de
acordo com seus valores, sua história pessoal e sua inserção social. São dois contextos bem
diferentes.
19.2. strengthen the teaching of the foundations of science, its history, its epistemology and
its methods alongside the teaching of objective scientific knowledge;
19.3. make science more comprehensible, more attractive and closer to the realities of the
contemporary world;
19.4. firmly oppose the teaching of creationism as a scientific discipline on an equal footing
with the theory of evolution and in general the presentation of creationist ideas in any
discipline other than religion;
19.5. promote the teaching of evolution as a fundamental scientific theory in the school
curriculums.
“(…) a predominância de uma visão teísta na população brasileira gera um risco de que
assuntos da fé sobreponham-se a assuntos da ciência. Aulas de ciência devem se ater à
ciência.
Temos visto figuras públicas manifestarem-se a favor da equiparação entre evolucionismo e
criacionismo. Escolas brasileiras já ensinam criacionismo em aulas de ciência. Tal absurdo
coloca em risco a formação de milhões de brasileiros.”
Tal desconhecimento chega à beira de seu limite quando o criacionista Michelson Borges
assinala em seu artigo (“Teoria é mal compreendida”), publicado na mesma página, da
mesma edição, que
“Segundo o criacionismo, Deus criou os tipos básicos de seres vivos e eles sofreram
modificações, dentro de limites preestabelecidos. Dizer que elas descendem de um mesmo
ancestral unicelular comum é extrapolação.”
Se parte da Teoria da Evolução estivesse errada, por assumir que seres vivos não
descendem de tipos básicos e que não sofrem modificações dentro de limites pré-
estabelecidos, teria que ser imediatamente abandonada. Sem dó nem piedade. Não poderia
mais ser aceita para explicar a biodiversidade do planeta Terra. Não poderia mais ser
adotada para entender o processo de surgimento de viroses, de resistência bacteriana, de
novas espécies de organismos vivos. Não poderia ser ensinada nas escolas.
A distinção entre ciência e religião nos mostra que “uma coisa é uma coisa, e outra coisa é
outra coisa”, pois têm em sua essência pressupostos diferentes. Uma se fundamenta em
experimentação, observação e verificação, e a outra em fé. O fato de cientistas serem
católicos, muçulmanos, ateus ou budistas não interefere, em absoluto, na validade da ciência
e do método científico. São duas concepções distintas, uma de visão de mundo pessoal a
outra de geração de conhecimento e conhecimento de como os processos naturais
funcionam. Por isso, uma educação de qualidade, que permita formar cidadãos esclarecidos,
é absolutamente imprescindível para o bom entendimento do que é ciência e do que é
religião.