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Ato 1

As cortinas permanecem fechadas. Somente uma cadeira se apresenta em cima do


palco. O teatro está o mais escuro possível e tem apenas uma luz iluminando a cadeira. Bento
se aproxima com uma vela, papel e caneta da cadeira. Ele se senta, respira fundo e começa a
escrever.

Narração de bento- “Me chamam de Dom Casmurro. Solitário. Velho. Apático. Achei que,
escrevendo sobre o meu passado, poderia reviver os dramas de minha juventude. Achei que
isso poderia me tirar da monotonia, do silêncio onde nem mesmo as aves ou os coqueiros
falam. De certa forma, funcionou. Mas estou velho. Escrever sobre o que aconteceu tornou
verdade o que era só uma lembrança de uma vida passada, a vida de bentinho. Muitos dizem
que a velhice traz sabedoria, a minha trouxe perguntas, interrogações.
E se eu for louco? Lembro-me de, há muito tempo, olhar para o mar e sentir ciúmes
dele, agora vejo apenas a ressaca. A ressaca...
Posso ter condenado meu filho a viver sem um pai, ou exilado, de fato, a prole de uma
traição imperdoável. Ela realmente me amava? Eu realmente a amava?”

As cortinas se abrem revelando um tribunal. Todos estão sentados esperando


a juíza. Bento fica atordoado por um momento.

Oficial de justiça- “Senhor Santiago, que bom que chegou. Por favor sente-se na bancada da
promotoria”

Bento caminha lentamente para a mesa onde seu promotor o aguarda. Ele se senta na
cadeira e observa calado todos ali presentes, e a mesa de defesa vazia.

Oficial de justiça- “Aguardemos a chegada da ré”

Bento- “Mas quem é que...”

A porta do tribunal se abre e Capitu entra, sem dizer uma palavra. Bento fica de pé
incrédulo com a situação, todos olham para ele.

Oficial de justiça- “Todos de pé para receber a juíza”

Todos ficam em pé para receber a juíza e bento permanece em pé, olhando para
Capitu que não retribui os olhares.

Juíza- “Obrigada, sentem-se. Declaro aberto o caso contra a ré Capitolina Padua Santiago
perante ao art. 240 da constituição penal. Tal artigo configura adultério sob a acusação de
Bento Santiago de que Capitolina o traiu com seu melhor amigo falecido, Ezequiel de Souza
Escobar. Vejo que estão todos presentes, então, iniciemos o julgamento. Alguma declaração
prévia por parte da defesa ou da promotoria?”

Promotor- “Apenas uma senhora juíza: Peço que capitu, desde já realize seu juramento
perante a esta corte, estes olhos já ,mentem por sí”
Advogado de defesa- “Protesto, vide que a ré não está testemunhando no momento”

Juíza- “Aceito. Passo a palavra primeiramente para a defesa.”

Advogado de defesa-“Muito obrigado meritíssima.”

O advogado se levanta e vai conversar com a juíza aos sussurros. Bento ainda parece
incrédulo, entretanto tenta absorver o fato de sua ex-esposa ainda estar viva

Advogado de defesa- “Senhoras e senhores aqui presentes. Já sabem exatamente porque


estamos aqui nesta corte hoje. Minha cliente fora acusada por seu ex-marido de traição.
Perante todos os pontos que eu sei que vão utilizar contra Capitu, eu lhes peço: Sejam
razoáveis em seu julgamento, levem em conta apenas os fatos comprovados pois, acredito que
o senhor Bento Santiago tende a molda-los com sua imaginação”

Promotor- “Protesto, suposição”

Advogado de defesa- “Vou reformular. Posso fazer uma pergunta para o senhor Santiago?

Juíza- “Permissão concedida, mas não abuse do bom senso.”

Advogado de defesa- “Sim meritíssima.” (virando para bento) “Senhor Santiago. Consta no seu
depoimento e nos documentos do interrogatório de Capitu que os senhores, na infância,
planejaram utilizar da influência de José Dias, seu agregado naquela época, para tentar
convencer a sua mãe de não envia-lo para o seminário. Isto é verdade?”

Bento (com um ar de triunfo)- “A mais pura verdade. Capitu me deu esta ideia quando contei-
lhe sobre o seminário. Ela me disse para sugerir ir estudar leis em São Paulo. Ela me deu
instruções exatas de como fazer isso.”

Advogado de defesa- “O senhor afirma no depoimento que ele tentou convencer você a ir
estudar leis na Europa. Afirma que ele tentou tira-lo de sua própria família para se aproveitar
do fato do senhor ir para a Europa estudar?”

Bento (um pouco nervoso)- “Bom, sim ele disse que nós iríamos para a Europa, mas não
necessária...”

O advogado se virou rápido para a banca da juíza, falando alto para que não se
escutasse a voz de Bento.

Advogado de defesa (cortando Bento)- “Por favor Meretíssima gostaria de chamar o


testemunho de José Dias.”

Juíza- “Que entre o testemunho José Dias.”

José dias entra no tribunal e lentamente caminha até a bancada das testemunhas. Ele
caminha com uma postura forçadamente nobre, com seu peito estufado e o nariz empinado.
Olha para Capitu com feições que indicam nojo e se senta.
Oficial de Justiça- “Testemunho José Dias, o senhor jura, perante Deus e este tribunal que
falará a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade?

José Dias- “Juradíssimo”

O advogado de defesa se aproxima da bancada do júri. Por um momento apenas


observa e caminha com o objetivo de criar tensão.

Advogado de defesa- “Senhores e senhoras do júri. Vemos aqui um exemplo de cidadão. O


doutor José Dias fora agregado dentro da família Santiago após Pedro Santiago enxergar nele
um valor para a cura. Pedro enxergava a homeopatia, praticada por José Dias, salvando a vida
de pessoas da febre. (Ele vira-se para José Dias) Senhor Dias, como o senhor descreveria sua
relação com Pedro Santiago?”

José Dias- “Ora, Pedro fora um homem como jamais havia conhecido. Um pai, marido e
profissional extremamente competente e que me fez possuir um carinho altíssimo por sua
pessoa. Muito me lembro das lágrimas que derramei sobre seu caixão nas noites em que me
foge o sono.”

Advogado de defesa- “O senhor afirma ter uma relação de afeto para com Bento Santiago?”

José Dias- “Sim senhor, com certeza. Trato Bento como uma mãe trataria um filho que o
mundo lhe deu.”

Advogado de defesa- “Já que o senhor possui um carinho tão grande pela família Santiago. Por
que tentou convencer dona Glória a não colocar Bento no seminário, sabendo que esta era
uma vontade de dona Glória perante a uma promessa divina?”

José Dias respira fundo, olha para bento parecendo estar pensando na resposta.

José Dias- “Confesso que fiz isso por Bentinho. Em um dia em que fomos caminhar ele me
disse do medo que tinha da vocação de padre não aflorar em seu interior e de sua vontade de
estudar leis. Eu via que ele estava em angústia, não pude evitar”

Advogado de defesa- “Se o senhor fez isso por amor à Bento, por que tentou afastá-lo de sua
família de sangue na distância de um oceano inteiro? Estava tentando convencer a ir estudar
leis na Europa por algum interesse próprio?”

O queixo de José Dias cai completamente, seus olhos simulam uma surpresa. Ele põe a
mão em seu livro de Homeopatia que carrega de baixo do braço. Olha ao advogado de defesa
de cima a baixo.

José Dias- “Jamais faria algo assim com a família que me acolheu, senhor advogado! É
baixíssimo o nível que utilizastes, já que foi o próprio bento que me chamou para ir com ele
estudar na Europa.”
Bento sente seu coração bater mais rápido. A palavra “traidor...”ecoava em seus
pensamentos. Ele aperta com força a banca da promotoria, pensa em se levantar. Suas pernas
não deixam, pois estas são seres que as vezes têm vontade própria.

Bento (falando para sí)- “Essas pernas”

Bento (olhando para a juíza)- “Meritíssima, José Dias está claramente mentindo para não ser
visto com maus olhos pelo tribunal! Ele queria ir para a Europa comigo, ele disse que logo
iríamos, pois convenceria com certeza minha mãe. Foi ele que relembrou minha mãe sobre o
seminário!”

Juíza- “Ordem!”

Advogado de defesa (olhando para José Dias)- “Essa acusação é verdadeira?”

José Dias (Falando baixo mas com o nariz empinado)- “Creio que ele esteja enganado em
algum ponto na cronologia dos fatos, mas não é culpa dele. Ele passou por muita coisa.”

Advogado de defesa (Se voltando para o júri)- “Vejam como é desequilibrado. Vejam como
pode alterar os fatos sem nem mesmo se questionar. Vocês acreditam no homem que está sob
juramento à Deus e à esta corte, ou no homem que pode estar nos ludibriando desde o início
do julgamento? Sem mais pergunta meritíssima.”

O advogado de defesa se senta novamente na bancada, junto à Capitu. Bento apoia


sua testa em sua mão, em silêncio. O promotor olha para Bento

Promotor- “Faremos o que der para melhorar a situação. Tente ficar calado.”

Ele se levanta da bancada e se aproxima de José Dias.

Promotor- “Senhor José Dias. Espero que não esteja desconfortável com esta situação. De fato,
foi questionada a honestidade do meu cliente perante ao argumento dele não estar sob
juramento. Já que o senhor o acompanha desde a infância, poderia nos falar sobre sua índole
quando adolescente?”

José Dias (segurando o sorriso)- “Ele era um menino rodeado de pessoas que o amavam e
sempre eram sinceras com ele. Para a idade dele, talvez pudesse considera-lo, inclusive
ingênuo. Ele não via problema em caminhar junto ao tartaruga na rua, mesmo sabendo do
grande abismo de diferença entre nosso tipo e o deles. Me lembro de, no mesmo dia em que
ele me pediu para conversar com dona Glória, dar esmola para um escravo. Docíssimo era
bentinho.”

Promotor- “E o senhor já havia mencionado uma possível viagem para a Europa?”

José Dias- “Sim, contei-lhe muito sobre a minha.”


Promotor (Virando-se para a juíza)- “Neste caso, meritíssima, peço que considere a fala de
meu cliente como um breve momento de confusão perante ao estresse em que está
submetido.”

Advogado de defesa- “Protesto meritíssima. ponderar se bento mente ou não é de extrema


importância para o tribunal”
Juíza- “Aceito, porém as palavras de Bento devem ser reconsideradas pelo júri, se assim
julgarem correto”

Promotor- “Obrigado meritíssima. Senhor Dias, o senhor falou sobre uma pessoa denominada
‘tartaruga’. Estaria se referindo ao pai de Capitolina, correto?”

José Dias- “Correto.”

Promotor- “Poderia me explicar como era a relação entre a família Santiago e a família Pádua?
E sobre a relação de Capitu e Bento?

José Dias (Respira fundo)- “Tartaruga se aproveitou de Dona glória, isso eu posso afirmar com
certeza. Durante um período, ele estava atolado em dívidas contraídas por sua péssima
administração e ego elevado. A santa Dona Glória o ajudou a reerguer sua família, fazendo
com que evitasse suicídio. Mas digo a vós que não tenho este apreço pelo tipo dele. Quanto à
Bento e Capitu, sempre soube que se se pegassem em namoro, causariam problemas. O
avisava sobre ela, o jeito que podia enganar, sobre os olhos de cigana que tinha. Eu sempre
soube”

Promotor- “Então acredita que houve a traição?”

Advogado de defesa- “Protesto, indução”

Promotor (Levantando a mão para a juíza)- “Sem mais perguntas, meritíssima”

José Dias é conduzido pelo oficial de justiça até a porta do tribunal. Ao passar por
bento, olha para o chão, evitando ao máximo contato visual com o mesmo. Em passadas
pesadas e com uma postura menos rígida do que a que entrou, ele sai do tribunal. Todos
congelam. A cena para, Bento caminha até a frente do palco e inicia sua narração. A cortina se
fecha.

Bento (narrando)- “Me lembro da minha casa em Matacavalos. Lá havia uma foto de minha
mãe e meu pai, onde minha mãe tinha uma flor nas mãos e a oferecia ao marido, um símbolo
de total entrega. Encontrar um amor que nem o deles é como ganhar na loteria da sociedade,
e eles compraram o bilhete juntos. Meu pai acolheu José Dias, colocou-o, inclusive, em seu
testamento. Quando minha mãe ficou viúva, viver sozinha com um homem em casa seria visto
com maus olhos, por isso chamou tio Cosme e tia Justina. A casa dos três viúvos. Tudo
começou em uma sala de espera, onde pude sentir a primeira apunhalada em minhas costas.
Foi ali que eu descobri que eu iria ao seminário, foi ali que eu descobri o que sentia por capitu.
Maldito dia... Aquelas revelações me fizeram repensar tudo que eu já havia vivido ao lado de
capitu. Ela dizia que sonhava comigo. Se eu não tivesse escutado talvez não teria vivido o que
eu vivi. Conspirações, sempre conspirações! Agora enxergo o dever amaríssimo”
Ato 2

As cortinas se abrem. O cenário já se mostra mais distorcido mas bento parece não se
importar. Todos estão sentados, nas mesmas posições que estavam quando bento se levantou.
Capitu o olha, e ele olha de volta. Ambos não emitem um som se quer. Capitu parece ser a
única a se mexer e o acompanha com os olhos até se sentar. Quando Bento se senta, a juíza
olha para o promotor.

Juíza- “Senhor promotor, a palavra é sua.”

Promotor (Levantando-se e se dirigindo ao júri)- “Obrigado meritíssima. O júri, de fato é uma


responsabilidade enorme. Eu me imagino no lugar de vocês, tendo que absorver todo os fatos
e informações que são ditas aqui. Agradeço o esforço que os senhores fazem, mas peço que
façam comigo um exercício mental. Todos sabem que Escobar está morto e que isso sem
dúvidas foi um choque emocional para todos que o rodeavam e possuíam algum tipo de laço
com o mesmo. Diziam que era uma pessoa excepcional, inteligente, entre outros elogios. Mas,
mesmo sendo um amigo tão próximo, ele pode ser mais importante para você do que seu pai?
De acordo com o depoimento de Bento, capitu no velório de Escobar se mostrou
extremamente emocionada. Vocês podem pensar que é comum chorar em velórios,
principalmente de velhos amigos e eu concordo, entretanto, existe uma certa incoerência vide
que a senhora Capitolina não derramou uma lágrima sequer durante o velório de seu pai. Em
razão disso, enviei uma carta para Sancha, viúva de Escobar que, atualmente, mora no paraná
com sua filha, perguntando-lhe sobre o estado de capitu no velório. Eis o conteúdo ‘Capitu me
abraçava forte para tentar me consolar, parecia determinada a me tirar dali, mas algo nos
reteve e seus olhos ficaram marejados. Eu vi capitu olhar fixamente para o corpo e derramar
lágrimas’. Desta forma, chamo meu cliente, Bento Santiago para testemunhar.”

Bento, olhando para o chão devido à lembrança desenterrada, caminha até a bancada
de testemunhas, virando-se para capitu mas desviando o olhar ao encontrar o dela. Ele se
senta.

Oficial de justiça- “Senhor Bento Santiago, o senhor jura falar a verdade, somente a verdade e
nada mais que a verdade?”

Bento (com a voz trêmula)- “Eu juro”

Promotor- “Senhor Santiago, poderia me dizer como conheceu Escobar?”

Bento- “Quando José Dias falhou em convencer minha mãe, acabei indo ao seminário como
estava planejado. Lá eu me sentia como uma casa velha e abandonada, trancada para tudo e
todos pois estava longe de Capitu. Chorava todos os dias... Lá eu conheci escobar. Ele era mais
velho que eu e conseguiu escancarar a porta trancada, me deixava alegre e era inteligente.
Naquela época ele não era um traidor.”

Promotor- “Disse que chorava todos os dias. Pode afirmar se Capitu fazia o mesmo?”
Bento (um pouco mais irritado)- “José Dias, ao me visitar me disse que deivaxa-se cortejar por
qualquer um que passasse em sua rua! Senti ciúmes, me irritei (acalmando-se) mas... ela me
disse que fazia isso para fingir que não se importava, para não desconfiarem de nós”

Promotor (Se voltando para o júri)- “Vemos aqui mais uma clara prova do caráter de
dissimulação por parte da senhor Capitolina. Mesmo que seja verdade o que ela disse a Bento,
ela ainda confirmava mentir abertamente para todos próximos de sí. (virando-se para Bento)
Sabendo disso, em algum momento o senhor havia visto Capitu chorar?”

Bento- “No mesmo dia em que me disse que fazia toda aquela encenação para a vizinhança ela
chorou.”

Promotor- “No velório de seu sogro, lembra dela ter derramado sequer uma lágrima?”

Bento- “Não, não me lembro.”

Promotor- “Então como o senhor descreveria o que ocorreu no velório de Escobar?”

Bento- “A ressaca... vazou.”

Promotor- “Me desculpe, poderia ser mais claro?”

Bento (ficando inquieto com a pergunta)- “Eu vi ela olhando para ele, olhando fixamente.
Apaixonadamente fixa. Vi as lágrimas escorrendo dos olhos dela de uma maneira que eu
simplesmente soube. Aqueles olhos dissimulados... eu soube.”

Promotor- “Além disso, o senhor alega ter percebido certa semelhança entre seu filho,
Ezequiel e Escobar, estou certo?”

Bento- “Não era apenas semelhança, era uma cópia exata de meu amigo do seminário.
Caminhava, comia, falava e se parecia como Escobar. Disso eu tenho certeza e eu sei que
Capitu também acha!”

Capitu (riso exagerado)- “HAHAHAHAHAHAHA. Essa foi digna de Shakespeare”

Promotor- “E mais alguém notou a semelhança?”

Bento- “Minha falecida mãe, que deus a tenha.”

Promotor (Se virando para o júri)- “Vejam senhores, façam esse exercício mental. Vejam como
descreve as situações. (se virando para bento) Senhor Santiago, eu acredito no senhor. Sem
mais perguntas meritíssima.”

Juíza- “Sente-se promotor. A testemunha é da defesa. Pode iniciar quando estiver pronto,
senhor advogado.”
Advogado de defesa (se levantando)- “Agradeço meritíssima. Senhor Santiago, vejo que
estamos em uma situação complicada. Claro que, ao olhar nos olhos de Capitolina durante o
velório de escobar, o senhor utilizou de seu poder divino de ler mentes para concluir, sem
nenhuma sombra de dúvida que ela havia traído o senhor.”

Bento se mostra agitado com a fala do advogado, apertando a bancada com força e
ameaçando iniciar uma fala.

Promotor- “Protesto meritíssima!”

Juíza- “Protesto aceito, a utilização de ironia não cabe aqui senhor advogado, seja claro e
objetivo.”

Advogado de defesa (sorrindo)- “O senhor afirma que foi capaz de ter certeza da traição
apenas olhando nos olhos dela?”

Bento (ainda mais nervoso)- “Olha, o senhor não conhece Capitu como eu conheço.”

Advogado de defesa- “Além disso, o senhor afirma que Ezequiel se parecia muito com Escobar.
Mas o senhor mesmo sabe que a própria Capitolina tem semelhanças severas com mãe de
Sancha, então me diga, senhor Santiago. O senhor acha que estas são provas cabais da traição
de Capitu?”

Bento (elevando a voz)- “O senhor não entende, eles eram iguais. No dia em que vi a foto de
escobar com Ezequiel ao lado dela, foi como se Deus mostrasse para mim.”

Advogado de defesa- “A paternidade pode sim ser questionada, já a maternidade não. (se vira
para o júri) Senhoras e senhores, observem. (Mostra uma foto de capitu e da mãe de
Sancha).”

Bento, ao longo da fala, se mostra claramente inquieto, na medida que o clima se


torna mais tenso, ele fica mais nervoso. Ele se levanta e bate na mesa. Tudo para. Ele está com
o rosto para baixo, olhando para a mesa e continua olhando para baixo ao caminhar para o
centro do tribunal.

Bento narrando- “O dia que Ezequiel estava na frente da foto. Depois da morte de Escobar
meus ciúmes só aumentavam. Eu tive vontade de jogar o caixão na rua quando eu estava
diante dele, no funeral. Eu só sabia sentir raiva. As dúvidas me afligiam e olhar para Ezequiel
era repulsivo. Eu não queria mais vê-lo, tentei de tudo para ficar longe. Me tornei calado e
melancólico, tentei colocá-lo em um colégio onde só voltasse para casa aos sábados. A cada
dia ele me amava mais, isso só me afastava de Capitu. Não voltava mais para casa e bebia. Um
dia tentei acabar com isso, com as perguntas que eu mesmo fazia. Coloquei veneno em meu
café e pretendia engolir tudo de uma vez, mas ele apareceu. Ele estava de pé na minha frente,
o filho do meu melhor amigo. Bastava um gole de café e ele já não estaria mais entre nós,
bastava um gole... no que eu me tornei?”
A xícara é quebrada e ele caminha de volta para a bancada de testemunhas.
Coloca as mãos aonde elas estavam quando ele as bateu na mesa. Todos se assustam e voltam
ao normal. O advogado de defesa fica olhando assombrado.

Ato 3

Juíza- “Ordem! Guarda, segure-o!”

O guarda segura suas mãos e põe atrás de suas costas. Bento mostra certa cooperação e fica
de cabeça baixa, apenas se mexendo levemente.

Juíza (levantando-se e gritando) -“Comporte-se Senhor Santiago e que isso não se repita! O
senhor não esta na sua casa. Fique quieto e permaneça em seu lugar”

Advogado de defesa (Antes que bento se sentasse)- “Tudo bem meritíssima, não tenho mais
perguntas.”

Durante alguns momentos o tribunal permanece em silêncio, todos se olham.

Juíza- “Guarda, conduza o acusador de volta para a mesa”

O guarda conduz bento lentamente de volta para a mesa

Juíza- “Senhores, isso já se alongou por muito tempo. Vocês, a partir de agora devem ser
breves em suas perguntas e considerações com a última testemunha e por gentileza (com um
tom de desdém), Senhor Santiago, se controle.”

Bento (falando baixo)- “Sim, meriríssima.”

O advogado de defesa se levanta e caminha até o centro do tribunal lentamente, com


as mãos para trás.

Advogado de defesa- “Estamos nos aproximando da verdade. Isso eu posso afirmar a todos
aqui presentes. Vimos que o acusador admitiu ter ciúmes de Capitu. Todos sabemos o que o
ciúmes pode fazer com a mente. Ele envenena, engana, te deixa doente. Consta no
depoimento da acusação de Bento que um dos motivos dele desconfiar da traição de Capitu,
seriam visitas de Escobar até sua casa enquanto estava fora. Como fora dito no início, esta é
uma casa de fatos, não existe julgamento, divino ou legal que leve em consideração uma
suposição, afinal, amigos sempre visitam um ao outro. Sinceramente, eu acredito que este
homem (aponta para Bento) precisa de ajuda. Sua mente já foi envenenada demais. Gostaria
de chamar a minha cliente, Capitolina para testemunhar. ”

Capitu se levanta e caminha até a bancada de testemunhas sem emitir nenhuma


palavra e olhando fixamente para bento. Ela se senta e olha para o chão.

Oficial de justiça- “Senhora Capitolina Pádua Santiago. A senhora jura falar a verdade, somente
a verdade, nada mais que a verdade?”
Capitu- “Juro.”

Advogado de defesa- “Senhorita Capitu, quero que saiba que isso já está acabando”

Capitu (Olhando para bento)- “Se for de sua vontade, assim será.”

Advogado de defesa- “A senhora poderia descrever qual teria sido o contexto da primeira
visita de Escobar?”

Capitu- “Bento havia me contado sobre Escobar no seminário e como era bom com os
números. Eu sabia que se eu quisesse fazer qualquer investimento, ele era a pessoa com quem
eu deveria falar. E foi exatamente o que eu fiz. Em dois anos de casamento, mesmo tentando,
eu não engravidava. Temia que isso aborrecesse Bentinho, por isso quis lhe fazer uma surpresa
e investi em Libras Esterlinas, com a ajuda de Escobar que também manteve o segredo.”

Advogado de defesa (com um largo sorriso)- “E sobre a segunda visita. Algo a declarar?”

Capitu (olhando para bento)- “A verdade é que... Não importa”

Advogado de defesa (gaguejando e surpreso com a resposta)- “C-como assim não importa?”

Capitu se levanta e caminha até o bentinho, que permanece sentado.

Capitu- “Não importa o que eu diga. Se eu sou culpada ou não já decidiram, se eu errei ou não,
já decidiram. Você decidiu bento. Eu o conheço, sei como você é e como pensa. Sei que leu e
releu aquela história que você contou a si mesmo. “Dom casmurro”. Sei que tentou lembrar de
cada palavra, cada pequeno detalhe que você poderia pra criar uma alegoria. Você escreveu o
libreto desta ópera, e deixou que os ciúmes criassem a música. Quando você vai perceber que
nada disso importa mais? Não pode mudar o passado, não pode reviver o que o que as areias
do tempo já soterraram. Eu estou morta, Escobar já está morto, Ezequiel está morto. Eu sei
que você se sente culpado, eu sei que você usou desta ópera para aliviar sua culpa. Você não é
mais criança, Dom Casmurro. A velhice traz dúvidas, mas também certezas. E você tem certeza
de que as suas dúvidas, jamais serão sanadas.”

A juíza se levanta. Todos olham para bento e capitu. O advogado de defesa caminha
para trás da bancada de defesa.

Juíza- “Todos de pé”

Todos ficam em pé.

Juíza- “O júri já tem o resultado”

Um júri se levanta lentamente, pega um papel pousado em cima de sua mesa.

Júri- “De acordo com todos os fatos apresentados hoje neste tribunal, por unanimidade, o júri
considera a ré, Capitolina Pádua Santiago...”
As luzes se apagam, A cortina se fecha. Tudo que resta é uma cadeira com uma vela e
papeis pousados na sua superfície. Bento surge de detrás das cortinas e se senta. Ele olha para
a plateia

Bento narrando- “Nada mais importa. Uma ópera, sim. Me vejo mais jovem no palco, me
preparando para a minha cena. Capitu sobe no palco e se senta ao meu lado. Eu faço tranças
em seu cabelo, tentando prolongar ao máximo cada mísero instante. Ela pousa a cabeça em
minhas mãos. Eu pude ver seus olhos. Olhos oblíquos. Eles me puxavam, me sugavam tudo
que eu tinha e com um beijo tomou o coração que já era dela. Naquele dia eu pensei “Sou
homem”. No dia do funeral de Escobar olhei mais uma vez para aqueles olhos. As verdades
que aqueles olhos podem esconder ou revelar são impensáveis. Nunca saberei. (respira fundo
e olha pra cima) Que libreto mal escrito...”

Fim.

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