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O Brasil e o Universo
Crônicas sobre a surrealidade política e cultural brasileira.
q u i n t a - f e i r a , 5 d e m a i o d e 2 0 11 Quem sou eu
Flávio Gordon
Tradução livre da resenha de René Girard sobre o Rio de Janeiro, RJ, Brazil
filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson Doutor em Antropologia
Social (UFRJ), baixista
A ten den do a u m pedi do do m eu pai , segu e abai xo a tradu ção qu e fi z de u m texto do an tropól ogo fran cês Ren é amador, carioca, rubro-
Gi rard. Serv e com o refl exão para a Sem an a San ta. negro, 38 anos, casado.
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Sobre a “Paixão de Cristo”, de Mel Gibson*
► 2015 (3)
►
► 2013 (8)
►
Esta resenha foi publicada originalmente na Le Figaro Magazine, em março de 2004, ► 2012 (5)
►
com o título “A propósito do filme de Mel Gibson, A Paixão de Cristo”. A publicação do ▼ 2011 (14)
▼
texto coincidia com o lançamento de A Paixão de Cristo na França. ► Agosto (1)
►
▼ M aio (2)
▼
Bem antes ainda do lançamento comercial de seu filme, Mel Gibson organizara exibições A deterioração do debate público no
privadas para importantes jornalistas e líderes religiosos. Se calculava atrair a boa-vontade dos Brasil: o STF ...
convidados, ele calculou mal; ou, talvez, ao contrário, tenha manifestado um maquiavelismo Tradução livre da resenha de René
superior. Girard sobre o f...
Os comentários logo apareceram e, longe de louvar o filme ou tranqüilizar o público, o que se ► Abril (5)
►
viu foram aterrorizantes vituperações e gritos angustiados de alarme em relação à violência ► M arço (1)
►
anti-semita que poderia eventualmente eclodir ao fim das sessões. Mesmo o New York er, tão ► Fevereiro (5)
►
cioso do humor sereno do qual raramente abre mão, perdeu completamente a compostura e,
da maneira mais séria, acusou o filme de ser mais afeito à propaganda nazista do que ► 2010 (8)
►
qualquer outra produção cinematográfica desde a Segunda Guerra.
Marc adores
Nada justifica tais acusações. Para Mel Gibson, a morte de Cristo é um fardo carregado por
toda a humanidade, a começar pelo próprio diretor. Quando o filme se afasta um pouco do rené girard
texto dos Evangelhos, o que só raramente acontece, não é para demonizar os judeus, mas
para enfatizar a misericórdia que Jesus inspira a alguns deles: a Simão de Cirene, por
exemplo, cujo papel é amplificado; ou a Verônica, a mulher que, de acordo com uma antiga Denunciar abuso
tradição, ofereceu uma veste a Jesus durante a subida ao Gólgota, veste em que ficaram
gravadas as marcas do rosto do Salvador.
O Brasil e o Universo
Quanto mais as coisas esfriam, mais fica claro, em retrospecto, que o filme precipitou uma Flavio Gordon
verdadeira histeria nos meios de comunicação mais influentes do mundo, contaminando
relativamente toda a atmosfera ao redor. O público nada tinha a ver com a controvérsia, já que
não havia visto o filme. Pode-se especular com evidente curiosidade o que há nessa Paixão Criar seu atalho
para ter provocado tamanho pânico entre aqueles que, normalmente, são difíceis de chocar. O
que se seguiu era fácil de prever: em lugar das 2.600 exibições originalmente planejadas, A
Total de visualizaç ões de página
Paixão de Cristo estreou com mais de 4.000 exibições na Quarta-Feira de Cinzas – data
escolhida, evidentemente, por seu simbolismo penitencial.
Para justificar sua atitude, os detratores tomam de empréstimo de seus adversários todos os Bios Theoretikos
argumentos que denunciam como excessivo ou ridículo quando articulados por aqueles. Eles "Impressão: nascer do sol", de Claude
Monet
lamentam que essa Paixão irá “dessensibilizar” os jovens, tornando-os viciados em violência e
Há 7 anos
incapazes de apreciar os verdadeiros refinamentos de nossa cultura. Mel Gibson é tratado
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31/07/2019 O Brasil e o Universo: Tradução livre da resenha de René Girard sobre o filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson
como um “pornógrafo” da violência, quando, na realidade, ele é um dos raros cineastas a não Blog do Angueth
misturar sistematicamente (ao menos no filme em questão) erotismo com violência. São José, rogai por nós!
Há 4 meses
Blog do Pim
Certos críticos levam a imitação a seus adversários ao ponto de misturar religião às suas O Blog do Pim agora está na VEJA.
Acompanhe lá, todos os dias!
diatribes. Apontam a “impiedade” do filme; chegam mesmo a acusá-lo – pasmem! – de
Há 5 anos
“blasfemo”.
Cenas de Paris
Essa Paixão, em suma, provocou uma surpreendente inversão de posicionamento entre Mais sobre a exposição Jacques Tati
Há 10 anos
adversários que, por tanto tempo, usaram os mesmos argumentos uns contra os outros. Tal
dupla abjuração reproduz-se com tanta naturalidade que chega a parecer um balé, tanto mais Cesar Gordon
elegante quanto mais inconsciente. A floresta por quem vê o invisível
Há 11 anos
Qual é a força invisível, embora suprema, que manipula todos esses críticos sem que se Ciência Brasil
dêem conta? Acredito que seja a Paixão ela mesma. E, a quem objete que a Paixão foi Professores de matemática de
filmada inúmeras vezes sem provocar tamanhas indignação ou admiração (embora atualmente Ugandópolis (Brasil) fazem com que as
a admiração seja mais discreta que a crítica negativa), eu responderia que nunca antes a crianças odeiem contas. Resultado: é um
desastre o que o povo sabe de
Paixão foi filmada com o realismo implacável de Mel Gibson. matemática.
Há 3 anos
Foi o estilo açucarado de Hollywood que primeiro dominou o cinema religioso, representando
Construindo o pensamento
um Jesus de cabelos tão louros e olhos tão azuis que jamais poderia ser submetido aos
abusos dos soldados romanos. Nos últimos anos, houve Paixões mais realistas, mais ainda Contra Impugnantes
assim pouco efetivas, pois que embelezadas com espúria audácia pós-moderna, Compra do livro "COSMOGONIA DA
preferencialmente de natureza sexual, com a qual os diretores pretendiam apimentar os DESORDEM"
Há um ano
Evangelhos, tidos por eles como insuficientemente escandalosos. Não perceberam que, ao
sacrificá-la diante do estereótipo da “revolta”, eles tornaram a Paixão insípida e banal. Diogo Mainardi - VEJA.com
2. Diplomatizzando
Julho: mês de férias, mês de leituras:
Para restaurar na Crucificação toda a sua força escandalosa, basta filmá-la como ela é, sem
PRAlmeida em Academia.edu
acrescentar-lhe ou subtrair-lhe nada. Mel Gibson foi bem-sucedido nessa tarefa? Não Há 16 horas
inteiramente, mas ele chegou perto o suficiente para despertar medo em todos os
conformistas. Escrevo, sim!
O Grande Buda!
Há 8 anos
O argumento principal contra o qual já falei consiste em acusar o filme de não ser fiel ao
espírito dos Evangelhos. É verdade que os Evangelhos simplesmente enumeram todas as Eu gosto de Agatha Christie
crueldades sofridas por Jesus, sem chegar a descrevê-las em detalhes e fazer com que Há 6 anos
Longe de desdenhar da ciência e da tecnologia, a grande arte da Renascença e da Olavo de Carvalho - Sapientiam
modernidade empregava todas as novas invenções a serviço de seu desejo por realismo. Autem Non Vincit Malitia
Longe de rejeitar a perspectiva e o trompe l’oeil, ela recebia tais coisas com paixão. Basta Professor Paulo Moura
lembrar do Cristo morto de Mantegna...
Reinaldo Azevedo - Blog - VEJA.com
Para entender o que Mel Gibson tentou fazer, devemos, parece-me, libertar-nos de todos os MEU ÚLTIMO POST NA VEJA
Há 2 anos
esnobismos modernistas e “pós-modernistas”, e pensar no cinema como estendendo e
ultrapassando as técnicas do grande realismo literário e pictórico. Se as técnicas Revista Vila Nova
contemporâneas revelam-se incapazes de comunicar a emoção religiosa, é porque os grandes
artistas precisam ainda transfigurá-las. A invenção dessas técnicas coincidiu com o colapso The United States and the New
World Order
da espiritualidade cristã desde o início do Cristianismo.
INDEX/ÍNDICE
Há 7 anos
Se os artistas da Renascença houvessem conhecido o cinema, será mesmo concebível que
lhe torcessem o nariz? É essa tradição realista que Mel Gibson está tentando reavivar. O risco Verde: a cor nova do comunismo
Ideólogo ‘verde’ condena homem como
que assumiu consiste em utilizar ao máximo os incomparáveis recursos da técnica mais
'assassino serial' da Criação (sic!)
Há 3 dias
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31/07/2019 O Brasil e o Universo: Tradução livre da resenha de René Girard sobre o filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson
realista que jamais existiu, o cinema. Os riscos são proporcionais à ambição que caracteriza Seguidores
tal empreendimento, incomum atualmente, mas freqüente no passado.
Seguidores (35) Próxima
Se se pretende realmente filmar a Paixão e a Crucificação, é óbvio que não basta mencionar
os sofrimentos de Cristo em algumas poucas sentenças. Tais sofrimentos devem ser A razão e o título deste blog
representados. Na tragédia grega, a representação direta da morte do herói era proibida; um
Este blog nasceu da constatação de
mensageiro dizia ao público o que acabara de ocorrer. No cinema, já não é possível evitar o
que o Brasil, alinhado com outros países da
essencial. Excluir o flagelo ou a fixação na cruz por meio dos cravos, por exemplo, seria América Latina, vem numa escalada vigorosa
recuar no momento decisivo. Essas coisas horríveis devem ser representadas “como se rumo ao totalitarismo. É possível perceber,
estivéramos lá”. Deveríamos nos indignar se o resultado não se parece com uma pintura pré- nas mais diferentes esferas, indícios de que
Rafaelita? estamos próximos – se é que já não
chegamos lá – de viver em pleno 1984, de
Para além de um dado número de chicoteamentos, a flagelação romana significava a morte George Orwell. Orwell, aliás, foi um dos
certa; era um modo de execução como qualquer outro, tão letal quando a crucificação. Mel primeiros a perceber que toda revolução
totalitária é precedida por uma revolução
Gibson a recorda no filme. A violência da flagelação de Cristo é tanto mais insuportável na
semântica, e esse é um dos temas centrais
medida em que é admiravelmente filmada, como, de fato, toda a obra. do presente blog.
Mel Gibson situa-se numa certa tradição mística da Paixão: “que gota de sangue você Creio que o Brasil está passando por
derramou por mim?” etc. Esses místicos tinham por missão imaginar os sofrimentos de Cristo um processo de deturpação da linguagem
da maneira a mais fiel possível, não para cultivar um espírito de vingança contra os judeus ou pública, especialmente política. Tal
deturpação cria uma camada semântica
contra os romanos, mas para meditar sobre a nossa própria culpa.
protetora, bloqueando o acesso à realidade,
e impossibilitando sua correta expressão. É
como se tivéssemos passado ao largo das
Essa não é, claro está, a única atitude possível diante da Paixão. E certamente poderia haver bases fundamentais do pensamento
um mau, tanto quanto um bom, uso do filme. Mas não se pode condenar o empreendimento a ocidental, ignorando a criação da filosofia e
priori; não se pode fechar os olhos e acusar Gibson de fazer da Paixão algo que ela não é. ciência política por Sócrates, Platão e
Em toda a história do Cristianismo, ninguém jamais tentou representar a Paixão como ela Aristóteles. Como se estes pensadores
deve ter ocorrido realmente. nunca tivessem existido para além de
pequenos círculos de estudiosos, o Brasil
parece ter adotado o paradigma sofista,
No cinema onde vi o filme, a projeção foi precedida por três ou quatro “atrações vindouras”, onde a retórica e o consenso público -
repletas de violência nitidamente tola, sardônica, permeada de insinuações sadomasoquistas, reforçado hoje pela "rebelião das massas",
sem qualquer interesse religioso, narrativo, estético ou simplesmente humano. Como podem no sentido de Ortega y Gasset - eram mais
aqueles que consomem diariamente tais abominações, que comentam sobre elas, que falam importantes do que a verdade. Como dizia
delas aos amigos, ficar chocados com o filme de Mel Gibson? Isso está além da minha outro autor que admiro muito, o filósofo
compreensão. político Eric Voegelin, o totalitarismo é
menos um fenômeno político e mais um
fenômeno pneumopatológico, ou seja, uma
3.
doença do espírito. Ele começa na mente
Devemos começar por absolver o filme da absurda acusação de “ter ido longe demais”, de “ter doentia de alguns guias espirituais e líderes
exagerado gratuitamente os sofrimentos de Cristo”. Como se pode exagerar os sofrimentos de políticos e, daí, quando não encontra uma
um homem que teve de suportar, uma após a outra, as duas torturas mais penosas inventadas reação firme e pronta, se espalha para toda
pela crueldade romana? a sociedade. Como mostrou Voegelin no
magistral “Hitler e os Alemães”, isso foi o
Uma vez reconhecida a legitimidade do empreendimento no atacado, pode-se lamentar, no que aconteceu na Alemanha, por exemplo,
varejo, que Mel Gibson tenha lançado mão de uma maior quantidade de violência do que a permitindo a ascensão do nazismo. A
sociedade alemã, na época, não teve a
requerida pelo texto dos Evangelhos. Ele faz a brutalidade contra Jesus ter início logo após a
coragem de perceber a extensão do
sua prisão, o que não consta dos Evangelhos. Nem que fosse apenas para privar seus críticos problema, nem tampouco possuía meios de
de um argumento capcioso, o diretor poderia ter sido aconselhado, creio, a ater-se ao descrevê-lo corretamente. Mutatis
essencial. O efeito geral teria sido igualmente poderoso, e o filme não teria se exposto às Mutandis, creio que algo semelhante ocorre
acusações hipócritas de cumplicidade com o gosto contemporâneo pela violência. no Brasil. Os grandes responsáveis por isso
são, a meu ver, os formadores de opinião:
Qual é a fonte do incrível poder evocativo que as representações mais fiéis da Paixão imprensa, comentaristas políticos, artistas,
produzem na maioria das pessoas? Creio que há um nível antropológico de descrição nos intelectuais.
Evangelhos que não é especificamente judeu, romano ou mesmo cristão. É a dimensão O fato é que a sociedade brasileira
coletiva do evento que faz dele aquilo que ele é em essência: um fenômeno de multidão. está cada vez mais suscetível a todo tipo de
totalitarismo, e o domínio que o atual
Uma das coisas que o Pilatos de Mel Gibson diz à multidão não está nos Evangelhos, mas governo exerce sobre diversos domínios
parece-me fiel ao seu espírito: “Cinco dias atrás vocês queriam fazer desse homem o seu rei e sociais - chegando mesmo a impor um
agora vocês querem matá-lo”. Trata-se de uma alusão à triunfal recepção a Jesus no domingo quadro de referências e linguagem permitido
- é um claro sinal. Este blog pretende reunir
anterior à crucificação, conhecido no calendário litúrgico como Domingo de Ramos. A
amostras que nos ajudem a compreender
multidão que, em triunfo, recebe Jesus é a mesma que clama por sua morte cinco dias como o Brasil e o Universo puderam se
depois. Mel Gibson está correto, acho eu, em enfatizar a súbita reviravolta da multidão, sua distanciar tanto...
cruel inconsistência e surpreendente volatilidade. Todas as multidões no mundo passam
facilmente de um extremo a outro, da adulação apaixonada ao ódio e desejo de destruição
daquele mesmo indivíduo solitário que antes bajulavam. Além disso, há um grande texto V ídeos interessantes
bíblico que assemelha-se à Paixão em mais aspectos do que geralmente se imagina: o livro
Como a URSS contribuiu para a ascensão
de Jó. Depois de ter sido líder de seu povo por muitos anos, Jó é brutalmente rejeitado por do Nazismo
esse mesmo povo, que o ameaça de morte via três representantes chamados sempre (de Vídeo-propaganda do 3º Congresso
maneira grotesca) de “amigos de Jó”. Nacional do PT: "Socialismo Petista"
A essência de uma multidão excitada e aterrorizada é não acalmar-se até que seu apetite por
violência seja satisfeito mediante a escolha de uma vítima cuja identidade normalmente pouco Página inicial Pesquisar este blog
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31/07/2019 O Brasil e o Universo: Tradução livre da resenha de René Girard sobre o filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson
Se Pilatos assim o procede, não é por ser mais humano que os judeus, nem,
necessariamente, graças à sua mulher. A explicação mais provável é que, para ser bem
considerado em Roma, que se orgulhava de haver imposto a pax romana a todas as regiões,
um servidor público romano preferiria sempre uma execução tranqüila e legal a uma execução
imposta pela turba.
Penso que todas as religiões radicam-se em alguma violência coletiva análoga àquela descrita
ou sugerida, não apenas nos Evangelhos ou no livro de Jó, mas também nas canções do
Servo Sofredor no Segundo Isaías, assim como em diversos Salmos. Cristãos e judeus pios
recusaram-se erroneamente a refletir acerca de tais semelhanças entre seus livros e mitos
sagrados. Uma comparação atenta revela que, para além dessas semelhanças, mas também
por causa delas, podemos observar uma diferença, ao mesmo tempo sutil e imensa, entre,
por um lado, o mítico e, por outro, o judaico e o cristão, que torna estes últimos
incomparáveis no que diz respeito à verdade mais objetiva. Ao contrário dos mitos – que
adotam sistematicamente o ponto de vista da turba contra a vítima, porque são concebidos e
contados pelos linchadores e, portanto, sempre vêem a vítima como culpada (como na incrível
combinação de parricídio e incesto da qual Édipo é acusado) –, nossas Escrituras, os
grandes textos bíblicos e cristãos, absolvem a vítima em face da turba, e é precisamente isso
o que fazem os Evangelhos no caso de Jesus. É o que Mel Gibson mostra.
Na minha visão, há duas atitudes principais na história humana: há a mitológica, que tenta
dissimular a violência, porque, em última instância, é sobre a violência injusta que as
comunidades humanas se fundam. Isso é o que todos fazemos quando cedemos aos nossos
instintos. Tentamos cobrir a nudez da violência humana com o manto de Noé. E desviamos o
olhar, se necessário, para não nos expormos à força contagiosa da violência.
Essa atitude é por demais universal para ser condenada. Ela é, de fato, a atitude dos grandes
filósofos gregos, de Platão em particular, que condena Homero e todos os poetas por terem
tomado a liberdade de descrever em suas obras a violência que os mitos atribuem aos deuses
da cidade. O grande filósofo vê nessa descarada revelação uma fonte de desordem, um
grande perigo para toda a sociedade.
4.
Essa é, certamente, a atitude religiosa mais amplamente compartilhada, a mais normal, a
mais natural ao homem. E hoje ela é mais universal do que nunca, pois os crentes
modernizados, cristãos e judeus, adotaram-na ao menos parcialmente.
A outra atitude é muito mais rara; é mesmo única. Ela só é encontrada nos grandes
momentos de inspiração bíblica e cristã. Não consiste numa casta dissimulação, mas, ao
contrário, na revelação da violência em toda a sua injustiça e delírio, onde quer que se possa
observá-la. Essa é a atitude do livro de Jó, e é a atitude dos Evangelhos. Trata-se da mais
corajosa entre as duas atitudes e, a meu ver, a maior. É a atitude que nos permitiu descobrir a
inocência da maioria das vítimas que mesmo as pessoas mais religiosas ao longo da história
não cessaram de perseguir e matar. Ela é a inspiração comum do Judaísmo e do
Cristianismo, e a chave, espera-se, de sua futura reconciliação. Ela versa sobre a inclinação
heróica que consiste em elevar a verdade acima até da ordem social. É a tal empreitada,
parece-me, que o filme de Mel Gibson esforça-se por ser fiel.
* Texto traduzido livremente para o português a partir da versão em inglês feita por Robert
Doran, e publicada no volume X, número 1 da revista Anthropoetic – The Journal of Generative
Anthropology (ver aqui).
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31/07/2019 O Brasil e o Universo: Tradução livre da resenha de René Girard sobre o filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson
2 comentários:
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Em maio de 2012, o autor destas linhas frequentava um curso preparatório para o difícil e
concorrido concurso do Itamaraty. Faziam três...
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31/07/2019 O Brasil e o Universo: Tradução livre da resenha de René Girard sobre o filme "A Paixão de Cristo", de Mel Gibson
Em antropologia social, o termo animismo (do latim anima , "alma", "vida") -
cunhado no século XIX por Sir Edward Tylor ...
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