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31/07/2019 O Brasil e o Universo: O Povo da Esquerda: A Reação da Elite Cultural ao Fora Dilma!

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O Brasil e o Universo
Crônicas sobre a surrealidade política e cultural brasileira.

s e gunda-fe ira, 24 de agos to de 2015 Quem sou eu

Flávio Gordon
O Povo da Esquerda: A Reação da Elite Cultural ao Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Fora Dilma! Doutor em Antropologia
Social (UFRJ), baixista
amador, carioca, rubro-
negro, 38 anos, casado.
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▼ 2015 (3)

► Dezembro (1)

▼ Agosto (1)

O Povo da Esquerda: A Reação da Elite
Sabemos desde que uma multidão iracunda preferiu Barrabás a Jesus: não é a quantidade de Cultural ao ...
pessoas que a ela aderem que torna justa uma causa. O grande número de brasileiros que
► Fevereiro (1)

hoje rejeitam o partido governante é uma constatação de fato, não de valor. Combater um
partido e um governo criminosos é algo justo em si, essencialmente justo. Era justo quando, ► 2014 (9)

em janeiro de 2013, apenas vinte pessoas - os famosos “20 do Masp” - foram à Avenida ► 2013 (8)

Paulista entregar-se a tal combate, sob o escárnio da militância pró-status quo infiltrada na
► 2012 (5)

imprensa. Era justo quando, lá atrás, apenas um ou outro bravo cidadão brasileiro - e aqui
penso especialmente em Olavo de Carvalho - esforçava-se para nos alertar da ameaça lulo- ► 2011 (14)

petista. E seria justo se domingo retrasado, dia 16 de agosto de 2015, um único brasileiro ► 2010 (8)

solitário, com ganas de Dom Quixote, houvesse erguido o seu humilde cartaz e levantado a
sua voz inaudível contra os gigantes nada imaginários que sequestraram o país para satisfazer
seus pantagruélicos apetites. Marc adores

rené girard
Dito isso, entretanto, não deixa de ser significativo o fato de que a maior parte da população
brasileira tenha se dado conta da vilania petista, optando coletivamente por travar o bom
combate contra a casta burocrática que lhe suga o sangue. Trata-se de um momento Denunciar abuso
marcante da história nacional, um raro caso de tomada coletiva de consciência, importante
sobretudo porque inédito. Já houve, é certo, outros momentos de comoção nacional e
unanimidade em torno de uma vontade política geral: a Passeata dos Cem Mil, as Diretas Já!, O Brasil e o Universo

o Fora Collor. Mas as três grandes manifestações populares a que assistimos nesta primeira Flavio Gordon
metade de 2015 exibem uma característica singular, que as distingue radicalmente das
anteriores. É a primeira vez na história brasileira recente (sua equivalente mais próxima tendo
sido, talvez, a Revolta da Vacina) que essa comunhão de interesses se dá Criar seu atalho
independentemente e, mais ainda, a despeito daquilo que pensa e quer a elite cultural do
país, formada por nossos intelectuais, artistas e jornalistas. Vivemos um momento dramático
Total de visualizaç ões de página
de divórcio: a elite foi para um lado; o povo, para o outro.

Há uma clara má vontade de nossa classe falante para com os manifestantes pró-
impeachment de Dilma Rousseff, uma antipatia difusa assaz evidente se a comparamos com
o entusiasmo midiático observado na época do atos pelo impeachment de Fernando Collor.
2 1 0 8 1 1
Ali, o que se viu foi uma intensa celebração da democracia, com elogios rasgados à força
popular mobilizada para tirar do poder um presidente envolvido em escândalos de corrupção e, Minha lista de blogs
portanto, já totalmente sem legitimidade. Jornalistas, intelectuais e artistas, a maioria dos
quais desde sempre avessa à figura de Collor, engajaram-se fortemente na mobilização por Amurtah
sua derrubada. A Globo chegou a levar ao ar uma minissérie (Anos Rebeldes) destinada a Arte greco-budista XXI
Há 2 meses
atiçar o furor cívico da juventude brasileira. Importa notar que não havia então provas
irrefutáveis contra o presidente (que acabaria absolvido das acusações pelo STF), mas os Augusto Nunes | VEJA.com
indícios eram fortes o bastante para que o processo político (e não jurídico) de impedimento #SanatórioGeral: Neurônio abandonado
fosse conduzido a termo. Há uma hora

Bios Theoretikos
Com o PT e a Dilma tudo mudou. Em primeiro lugar, destaca-se o posicionamento da Globo. "Impressão: nascer do sol", de Claude
Contam os veículos declaradamente governistas, e confirma a governista não-declarada Folha Monet
Há 7 anos
de São Paulo, que o presidente da emissora, João Roberto Marinho, costurou um grande
acordo com altos quadros da administração Dilma a fim de garantir o seu mandato até 2018. Blog do Angueth
Não seria novidade. A tevê dos Marinho já protegera Lula durante o escândalo do Mensalão. São José, rogai por nós!
Mas, verdadeira ou não a tese do acordo, o fato é que a Globo deu uma forte guinada pró- Há 4 meses
governo, começando com o editorial publicado no dia 7 de agosto de 2015, em que
Blog do Pim
responsabilizava a oposição e o presidente da Câmara Eduardo Cunha pela crise política e,

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consequentemente, o agravamento da crise econômica. Na contramão da expressa vontade O Blog do Pim agora está na VEJA.
Acompanhe lá, todos os dias!
da maioria dos brasileiros, o editorial encerrava com pedidos de conciliação (dirigidos à
Há 5 anos
oposição) com vistas a “dar condições de governabilidade ao Planalto”. João Roberto Marinho
em pessoa marcava posição contra o impeachment. Cenas de Paris
Mais sobre a exposição Jacques Tati
Há 10 anos
No dia do panelaço nacional durante o programa televisivo do PT, o Jornal Nacional dedicou
mais de três minutos (em televisão, um tempo mais que precioso) a uma sonora de Dilma Cesar Gordon
Rousseff rebatendo críticas e sendo aplaudida por “populares” (sindicalistas, sem-terra, A floresta por quem vê o invisível
membros da UNE, enfim, os de sempre). Há 11 anos

Ciência Brasil
Já no 16/08, dia da gigantesca mobilização nacional pelo impeachment, que reuniu mais de Professores de matemática de
um milhão de brasileiros nas ruas de todo o país, o programa Fantástico resolveu dedicar Ugandópolis (Brasil) fazem com que as
crianças odeiem contas. Resultado: é um
mais tempo de cobertura a um ato pró-governo organizado pela CUT, reunindo não mais que
desastre o que o povo sabe de
600 militantes profissionais patrocinados com dinheiro público. Não satisfeito, o programa matemática.
cedeu a palavra às lideranças da CUT e do PT para que criticassem os manifestantes anti- Há 3 anos
governo. Entre os que tiveram direito à fala estava Vágner Freitas, presidente da CUT, o
Construindo o pensamento
mesmo que, dias antes, falara em “pegar em armas” contra a oposição popular ao PT. Os
editores do Fantástico, ao que parece, não viram nisso nada demais. Contra Impugnantes
Compra do livro "COSMOGONIA DA
Para concluir o desfile global de oficialismo, uma pérola de mau-gosto digno da “periferia” à la DESORDEM"
Há um ano
Regina Casé. No programa Criança Esperança, um sujeito que se apresenta, e que a Globo
reconhece, como “cantor” (sim, cantor, aquela categoria de gente que inclui Frank Sinatra, Diogo Mainardi - VEJA.com
Michael Jackson, Marvin Gaye, Freddie Mercury, Lennon & McCartney, Wilson Simonal e os
Beach Boys), resolveu acusar os que “batem panelas na Paulista” de pertencerem à Ku Klux Diplomatizzando
Julho: mês de férias, mês de leituras:
Klan. O malandro, com a curiosa alcunha de "Flávio Renegado" (não na Globo, ressalte-se), PRAlmeida em Academia.edu
captou quase 400 mil reais da Lei Rouanet, segundo nos informa o jornalista Reinaldo Há 16 horas
Azevedo. Para cantar? Claro que não. Se o assunto em questão fosse realmente cantar, não
haveriam de escolhê-lo. Escolheram-no, em vez disso, para transmitir à platéia mensagens Escrevo, sim!
O Grande Buda!
“politizadas”, em verdade um festival de frases feitas de marxismo prêt à porter, grunhidas Há 8 anos
naquele formato-padrão de “rap-contra-o-sistema-tá-ligado-mano”. Tudo isso para… defender o
sistema! E, sobretudo, para difamar os manifestantes anti-governo. A coisa chegou a um nível Eu gosto de Agatha Christie
Há 6 anos
tal que eu não me surpreenderia se a tevê do "Doutor Roberto" apresentasse seu novo lema -
Globo e PT: tudo a ver. Frases do Calvin
Calvin & Haroldo & Star Wars - Uma
Mas, além da Globo, muitos outros jovens recrutas e velhos oficiais do exército petista de Homenagem Estrelar!
Há 3 anos
infowar, que eu costumo chamar de rede-PT, assumiram suas posições no front. O Data
Folha, como era esperado, tratou de reduzir o número de manifestantes, desta feita com Fusca Brasil
requintes de cara-de-pau. Da incrível massa humana que cobriu a Avenida Paulista de ponta a Golpe no Recesso
ponta, observável em dezenas de fotografias e filmagens postadas nas redes sociais, o Há 5 dias

instituto de pesquisa consegui extrair o espantoso número de 135 mil pessoas. A PM, Necromanteion
usualmente cautelosa nas estimativas, falou em 350 mil. Mas as imagens parecem sugerir Marsilio Ficino e a natureza das virtudes
bem mais que isso. Há uma semana

O bico do tentilhão
Mas o instituto não ficou apenas no terreno da “metodologia” criativa. Em artigo opinativo OliverTalk: Estudar Sócrates em 2019? Ele
publicado no jornal, seus diretores geral e de pesquisa acharam por bem desprezar a nem tem diploma!
“representatividade social e demográfica” das manifestações. Afinados com a máquina de Há 5 dias
propaganda petista, os autores tentavam cravar a pecha de “elitista” e “coxinha” nos atos anti-
O GLOBO » Blogs » Blog do Noblat
PT. Não satisfeitos com tamanha desonestidade, seu último recurso foi transpor para a forma Quem diz que o amor é falso, por Luiz Vaz
de texto o conteúdo de “memes” governistas em circulação nas redes sociais, veiculados de Camões
pelos sites do PT e suas linhas-auxiliares (PCdoB, PSOL, Vermelho.Org, Instituto Lula, Diário Há 4 anos
do Centro do Mundo, Brasil 247 et caterva), e que apelam para a vilanização explícita dos
O GLOBO » Blogs » Lucia Hippolito
manifestantes. Fazendo coro aos mais sujos dentre os blogs governistas - alguns, inclusive,
alvos de investigação na Lava-Jato -, os dois apparatchik da rede-PT concluíam sua peça de Obamatório
propaganda sugerindo a insensibilidade dos manifestantes anti-Dilma perante os “corpos da E se eles não tivessem conseguido?
Há uma semana
chacina de Osasco”.
Odilon de Oliveira
Como o foco dos protestos foram o impeachment da presidente e o apoio à Lava-Jato, os
diretores do Data Folha poderiam ter acusado os manifestantes de insensíveis à fome na Olavo de Carvalho - Sapientiam
África, ao massacre de cristãos no Oriente Médio, ao tráfico de órgãos, ao comércio ilegal de Autem Non Vincit Malitia

animais silvestres etc. Mas, uma vez que, em todo o país, os manifestantes pró-impeachment Professor Paulo Moura
mostraram-se (mas que escândalo!) cordiais e respeitosos para com os integrantes da política
militar que acompanhavam os atos (que absurdo não haverem atirado nenhum mísero coquetel Reinaldo Azevedo - Blog - VEJA.com
molotov contra os policiais!), os esbirros do projeto lulo-petista disfarçados de diretores do MEU ÚLTIMO POST NA VEJA
Há 2 anos
Data Folha viram ali a oportunidade de insinuar a cumplicidade moral dos manifestantes anti-
PT na chacina. Revista Vila Nova

The United States and the New


Tratava-se de ação orquestrada. Dias antes, a mesma Folha de São Paulo publicara a charge
World Order
do cartunista Laerte que ilustra este post, na qual militantes anti-PT eram retratados
INDEX/ÍNDICE
abraçando e tietando chacinadores, policiais mascarados que deixavam uma poça de sangue Há 7 anos
atrás de si. Esse não é um artifício estranho à esquerda que milita nas redes sociais. Eu
mesmo já vi uma penca de esquerdistas do tipo “Guarani-Kaiowá”, sobretudo ex-colegas Verde: a cor nova do comunismo
Ideólogo ‘verde’ condena homem como
universitários, empregando-o sem corar. E tampouco é de surpreender esse tipo de mau- 'assassino serial' da Criação (sic!)
caratismo vindo de pessoas que, a esta altura do campeonato, não se vexam de apoiar o Há 3 dias
atual governo.

Formadores de opinião de esquerda, todos, é claro, negando formalmente sua adesão ao Seguidores
partido governante (gente do tipo Barbara Gancia, compreendem?), reproduziram ipsis litteris
Seguidores (35) Próxima

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todos os ítens da propaganda oficial contra as manifestações. Os famosos NSPM (“Não sou A razão e o título deste blog
petista, mas…”), com pose de independência e afetação de equilíbrio, entoaram o corinho
Este blog nasceu da constatação de
uníssono do partido: os atos são coisa da elite branca de São Paulo, choro de perdedor, que o Brasil, alinhado com outros países da
discurso de ódio, golpismo, fascismo, racismo, machismo e homofobia. América Latina, vem numa escalada vigorosa
rumo ao totalitarismo. É possível perceber,
Um analista da FGV (leia-se, intelectual orgânico do PT) concluiu (leia-se, induziu o leitor a nas mais diferentes esferas, indícios de que
crer) que as manifestações de domingo haviam dado “sinais claros” de terem chegado “a um estamos próximos – se é que já não
limite de potencial”. A matéria do UOL com a “conclusão” do “especialista” - e como escreveu chegamos lá – de viver em pleno 1984, de
George Orwell. Orwell, aliás, foi um dos
Bernard Goldberg, veterano ex-jornalista da CBS, “um repórter consegue achar um
primeiros a perceber que toda revolução
especialista para dizer qualquer coisa que ele queira” - informava ainda, em mau português,
totalitária é precedida por uma revolução
que “o professor vê como positivo o enfraquecimento desses grupos dada essa falta de semântica, e esse é um dos temas centrais
proposição política para o País, com expressões de ódio e, no limite, abrindo espaço para do presente blog.
pedidos de retorno da ditadura”. Por fim, depois de difamar os movimentos pró-impeachment
com todo o arsenal de clichês gobbelianos disponíveis, o professor também reconhecia algum Creio que o Brasil está passando por
acerto nas “estratégias recentes do Planalto”, sem, é claro, informar ao leitor que ele próprio, um processo de deturpação da linguagem
pública, especialmente política. Tal
e a sua “avaliação”, são parte integrante dessas estratégias.
deturpação cria uma camada semântica
protetora, bloqueando o acesso à realidade,
O argumento do “especialista” da FGV é representativo. Que o leitor entre em qualquer e impossibilitando sua correta expressão. É
faculdade de humanas do país e ali encontrará provavelmente 8 entre 10 “especialistas” como se tivéssemos passado ao largo das
dizendo exatamente as mesmas coisas. Quiçá com os mesmos termos. Quem quer que bases fundamentais do pensamento
tenha lido a matéria do UOL teve acesso direto à voz do intelectual coletivo à brasileira, ocidental, ignorando a criação da filosofia e
unanimemente empenhada em sugerir (ou mesmo provar “cientificamente”) que golpistas não ciência política por Sócrates, Platão e
são os que sequestram o Estado e a sociedade para fins partidários, os que utilizam a Aristóteles. Como se estes pensadores
nunca tivessem existido para além de
máquina pública com objetivos eleitorais, os que montam o maior esquema de corrupção já
pequenos círculos de estudiosos, o Brasil
visto no planeta, os que usam dinheiro sujo na campanha, os que fraudam as contas públicas, parece ter adotado o paradigma sofista,
os que tramam trocas de favores entre o Executivo, o Senado e o STF, os que nos impõem onde a retórica e o consenso público -
um militante e afilhado político no comando do processo eleitoral, os que compram reforçado hoje pela "rebelião das massas",
consciências como quem compra pão, os que dão apoio político e financeiro aos piores no sentido de Ortega y Gasset - eram mais
ditadores do mundo contemporâneo, os que ameaçam cidadãos brasileiros com o uso de importantes do que a verdade. Como dizia
força paramilitar e “exércitos” clandestinos… Não, estes não são os golpistas. Estes não outro autor que admiro muito, o filósofo
representam risco à democracia e à “estabilidade institucional do país” tão prezada pelo político Eric Voegelin, o totalitarismo é
menos um fenômeno político e mais um
senhor João Roberto Marinho. Golpistas são todos aqueles que ousam erguer sua voz
fenômeno pneumopatológico, ou seja, uma
indignada contra tamanho festival de iniquidades. Golpistas são os que trabalham mais de doença do espírito. Ele começa na mente
cinco meses por ano para ver o dinheiro de seus impostos financiando as surubas doentia de alguns guias espirituais e líderes
materialistas e/ou ideológicas dos amigos do rei, vulgos “companheiros”, e que - quanto políticos e, daí, quando não encontra uma
desplante! - ainda teimam em se revoltar. reação firme e pronta, se espalha para toda
a sociedade. Como mostrou Voegelin no
Já sem outros meios editoriais para atacar os manifestantes fingindo produzir jornalismo, a magistral “Hitler e os Alemães”, isso foi o
equipe do UOL ainda viria a protagonizar um dos espetáculos mais grotescos da história de que aconteceu na Alemanha, por exemplo,
permitindo a ascensão do nazismo. A
nossa imprensa. Abrindo mão definitivamente de qualquer resquício de ética jornalística, o
sociedade alemã, na época, não teve a
portal decidiu fazer uma matéria enfatizando os erros de português ou de grafia em alguns dos coragem de perceber a extensão do
cartazes anti-governo. O tom da chamada e da matéria sugeria o seguinte sub-texto: “Uma problema, nem tampouco possuía meios de
gente burra dessa querendo derrubar o governo!”. Alguns leitores espirituosos sugeriram que descrevê-lo corretamente. Mutatis
os erros teriam sido propositais, caso contrário os jornalistas brasileiros de hoje não Mutandis, creio que algo semelhante ocorre
compreenderiam os dizeres. Nessas horas, o humor é mesmo a única resposta legítima, no Brasil. Os grandes responsáveis por isso
porque o expediente rasteiro do UOL está abaixo da crítica. são, a meu ver, os formadores de opinião:
imprensa, comentaristas políticos, artistas,
intelectuais.
Tivemos, em suma, três manifestações populares reunindo, cada uma, mais de um milhão de
pessoas. E tudo num único semestre! Em termos de números, e levando em conta o intervalo O fato é que a sociedade brasileira
de tempo entre os atos, estamos falando de mobilização popular inédita na história do país. está cada vez mais suscetível a todo tipo de
Em termos de representatividade, não menos. Afinal de contas, a última pesquisa do próprio totalitarismo, e o domínio que o atual
Data Folha - é pena que seus diretores não a tenham consultado - indicou um índice de 92% governo exerce sobre diversos domínios
de rejeição da presidente, um dos maiores da história. A pesquisa diz ainda que 66% são os sociais - chegando mesmo a impor um
quadro de referências e linguagem permitido
brasileiros favoráveis à abertura do processo de impeachment - a principal bandeira dos três
- é um claro sinal. Este blog pretende reunir
protestos deste ano, sobretudo do último. Além disso, há um detalhe curioso que torna a amostras que nos ajudem a compreender
representatividade popular das manifestações ainda mais evidente, na contramão do que como o Brasil e o Universo puderam se
sugerem os nossos formadores de opinião: o apoio ao impeachment é percentualmente maior distanciar tanto...
entre os brasileiros mais pobres. Ou seja, mesmo que verdadeira a tese segundo a qual os
manifestantes nas ruas eram todos “coxinhas”, ainda assim teriam eles representado a
V ídeos interessantes
vontade manifesta dos brasileiros mais pobres, os que mais sofrem com a catástrofe da
administração Dilma Rousseff. Os diretores do Data Folha querem mesmo conversar sobre Como a URSS contribuiu para a ascensão
‘representatividade”? do Nazismo
Vídeo-propaganda do 3º Congresso
Talvez seja impossível uma definição objetiva de “povo brasileiro”. Mas, se tal entidade existe, Nacional do PT: "Socialismo Petista"
os três grandes atos anti-governo neste primeiro semestre de 2015 foram, sem dúvida, a
expressão mais fiel possível de sua vontade. O que ali se observou foi inegavelmente um salto
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de consciência política: a soma de forças dos governados contra o comportamento autoritário
e criminoso de sua elite política. Em termos teóricos e formais, esse salto de consciência, Pesquisar
essa mobilização popular contra os donos do poder, foi desde sempre o sonho encantado da
esquerda nacional. Por que diabos, então, quando a coisa mais parecida com esse sonho
materializa-se na realidade histórica, a esquerda a despreza com tanta raiva? Por que, nesse
cabo-de-guerra entre o povo e a elite política, a nossa elite cultural tomou partido desta
última? Por que aqueles brasileiros comuns que, no seu dia de descanso, se esforçaram por
representar os interesses de 92% da população são chamados de “elite”, e os 8% que
sustentam a casta partidário-burocrática (sindicatos, movimentos sociais, militantes
partidários profissionais, mega-empresários, banqueiros etc.) são chamados de “povo” pela
nossa intelligentsia?

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É tradição da esquerda brasileira ver-se como representante dos interesses do “povo” - este
concebido sempre na chave da luta de classes e, portanto, em oposição vital a uma “elite” que
o oprime. Essa auto-imagem esquerdista poderia ser resumida nos versos que o pintor
Candido Portinari, um dos quadros mais notáveis do velho PCB, dedicou certa feita à sua
própria arte, vista por ele como meio de transformação social:

“Todas as coisas
Frágeis e pobres
Se parecem comigo”

Temos aí, formulados com muito lirismo, a expressão de uma empatia política e o desejo de
identificação existencial com os oprimidos. Vem desse espírito a criação filosófico-literária do
“povo brasileiro”, não apenas por obra de intelectuais de esquerda, evidentemente, mas
sobretudo por obra deles, e em especial a partir dos anos 1920, com a influência exercida
tanto pelo modernismo quanto pelo pecebismo sobre a intelectualidade e a classe artística de
então. O efeito até certo ponto imprevisto dessa jornada identitária foi que, imaginando
parecer-se com o povo, nossos bem-pensantes terminaram por criar um povo que se
parecesse com eles.

O estatuto filosófico-ficcional do “povo brasileiro” pode ser muito bem observado na


representação do camponês em obras de artistas e escritores comunistas ou filo-comunistas
a partir dos anos 1920. Ressalte-se que, daquele período até meados dos anos 1960, quando
a esquerda fragmentou-se em uma miríade de correntes, a cultura política do PCB foi
praticamente hegemônica no campo esquerdista nacional, tendo exercido especial efeito
sobre nossa intelligentsia*. Reciprocamente, intelectuais e artistas tinham, já naquela época
(bem antes, portanto, que a influência do gramscismo se fizesse notar por estas bandas),
uma crucial relevância estratégica para o partidão. Nomes como Portinari, Graciliano Ramos,
Jorge Amado, Oscar Niemeyer, entre tantos outros, ajudavam com o seu prestígio e a sua
obra a disseminar todo um imaginário cultural favorável à absorção da doutrina pecebista.
Eram eles os grandes responsáveis por criar o “novo homem brasileiro”, compreendido como
ente de resistência em face das investidas do imperialismo norte-americano.

No Brasil semi ou pré-industrializado de então, carente portanto de algo que se pudesse


chamar de “proletariado” nacional, o trabalhador rural, o camponês, na contramão do que
pregava o marxismo ortodoxo (que o considerava essencialmente reacionário), foi o primeiro
grande objeto de idealização de nossa intelectualidade comunista. E, dentre os artistas que
se dedicaram à criação desse camponês ideal, Candido Portinari foi, sem dúvida, um dos
principais. Para o PCB, Portinari era o mais importante “tradutor” da realidade nacional, que
se acreditava desvalorizada e sub-representava pelas belas artes acadêmicas do período. Ao
longo daqueles anos, a retórica ao mesmo tempo nacionalista e anti-elitista do partido, que
impregnaria fortemente a cultura nacional da época, teve na arte de Portinari uma das mais
importantes expressões.

Portinari costumava falar de sua arte empregando maneirismos pecebistas mais ou menos
padronizados, os mesmos frequentemente entreouvidos na retórica de outros quadros do
partido. Assim, inspirado na estética realista do século XIX, o pintor de Brodósqui alegava
rejeitar a arte pela arte, dizendo-se mais interessado em sua sociedade, seu povo e nas
mazelas do país (e declarações análogas já saíram das bocas de Oscar Niemeyer, Jorge
Amado e outros artistas ligados ao PCB).

Os dois grandes temas da obra de Portinari eram a identificação natural do trabalhador com o
seu meio de produção e a luta de classes. Assim, os membros descomunais e os pés
sempre descalços de seus lavradores representavam o laço profundo e inexorável com a terra
(entendida tanto como meio de subsistência quanto como pátria), sugerindo o efeito físico do
trabalho sobre o corpo mesmo do trabalhador. A mensagem marxista é clara: os
trabalhadores são os donos “naturais” do fruto de seu trabalho, apenas alienados deste por
obra de uma força artificial e externa, a exploração do patrão burguês.

Contrastando, por paradigma, com os camponeses portinarianos, temos toda uma imagética
pecebista acerca do burguês, usualmente retratado como obeso e flácido (ausência de
musculatura relativa à ausência de trabalho), de mãos e pés pequenos, estes inexoravelmente
calçados (logo, desconectados com a terra e a pátria), e expressão de volúpia nas faces, em
agudo contraste com o semblante sereno, altivo e ao mesmo tempo ingênuo das figuras
pintadas por Portinari nas fases iniciais de sua obra. Com o tempo, e sob crescente influência
pecebista, seus trabalhadores foram ficando mais sofridos e também mais revoltados. Para a
intelectualidade comunista, a revolta contra a exploração capitalista era um traço essencial do
verdadeiro e autêntico “povo brasileiro”, uma percepção que se entranharia profundamente no
espírito das artes nacionais.

Nem mesmo um homem sempre tão independente quanto Monteiro Lobato escapou de ser
influenciado pela temática pecebista. Como de costume, foi através de seu personagem Jeca
Tatú que o escritor expressou suas mudanças de opinião política e visão de mundo. De início
sob influência do determinismo geográfico e do racismo “científico” europeus do século XIX
(em especial o de Gobineau), Lobato chegara a representar o Jeca como um preguiçoso
atávico, vítima trágica das condições geoclimáticas e, sobretudo, da degeneração racial que

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se acreditava resultar da miscigenação brasileira. Posteriormente, tendo travado contato com
as descobertas dos médicos sanitaristas, Lobato abandonou o determinismo climático-racial
como explicação para a conduta do Jeca. Em 1918, ele lançava o livro O Problema Vital,
reunião de artigos publicados no jornal Estado de São Paulo, e que mostravam um Jeca já
não racialmente degenerado, mas doente, afligido pelos parasitas tropicais que infestavam as
regiões rurais do país, provocando doenças como ancilostomose, leishmaniose e subnutrição.
Concluía-se que a “preguiça” do Jeca não era um traço essencial de seu espírito, senão um
estado circunstancial de seu corpo. Finalmente, ela tinha cura.

Já no fim da vida, Monteiro Lobato daria uma última grande guinada no caráter do seu famoso
caipira. Sob influência direta da cultura política pecebista, o autor transformou o Jeca Tatú em
Zé Brasil. Este, ao contrário do outro, era muito esforçado e trabalhador, seu problema
consistindo na exploração sofrida nas mãos do fazendeiro Tatuíra, em cujas terras vivia como
agregado. Se o Jeca fora, primeiro degenerado, e logo doente, o Zé Brasil era a imagem do
camponês oprimido pelo latifúndio.

O livro Zé Brasil foi publicado originalmente em 1947 pela editora Vitória (do PCB), e depois
lançado em formato de folhetim pelo jornal comunista Tribuna Popular. Tendo sido alvo de
censura do governo Dutra, o livro teve um sem-número de edições clandestinas. Em 1948, a
editora Calvino Filho reeditou uma versão ilustrada por Candido Portinari, que ajudava a
reforçar a mensagem revolucionária do opúsculo, uma síntese da visão comunista sobre a
questão agrária no país. A narrativa foi elaborada sob forma de diálogo entre o camponês Zé
Brasil e um interlocutor anônimo, e conta o drama desse típico trabalhador rural brasileiro
expulso das terras do grande proprietário, o fazendeiro Tatuíra, onde trabalhava como meeiro.

O enredo é uma denúncia daquele regime semi-escravista de trabalho, ainda tão comum no
interior do país, no qual o trabalhador rural termina endividado com o “patrão” que lhe aluga
terras e instrumentos de produção em troca de parte do produto de seu trabalho. Ao longo do
diálogo, é o próprio Zé Brasil quem vai tomando consciência da natureza injusta de sua
relação com o coronel e, de modo mais geral, de sua condição marginalizada no seio da
sociedade nacional. Por meio do interlocutor anônimo, Zé Brasil tem notícia das idéias do
PCB sobre reforma agrária, aprende sobre a Coluna Prestes e passa a vislumbrar na união
com o líder comunista - celebremente apelidado de “o cavaleiro da esperança” - a
possibilidade de um futuro melhor para todo o campesinato do país.

A aquisição da consciência de classe: não deixa de ser lamentável que o grande escritor de
Taubaté tenha encerrado o seu glorioso legado literário com tal clichê pecebista (à época,
reconheça-se, ainda dotado de algum frescor e pertinência), que se repetiria em tantas outras
obras de intelectuais comunistas, tais como Capitães de Areia, de Jorge Amado, e Pivete,
peça de Gianfrancesco Guarnieri.

Lobato e outros críticos do romantismo estavam certos em apontar uma certa artificialidade, e
excessiva grandiloquência, nos modos e nos diálogos dos personagens criados por autores
românticos. Com efeito, há certas ocasiões em que, ao toparmos com algumas falas das
adolescentes de colo de alabastro de um José de Alencar ou um Joaquim Manuel de Macedo,
temos a desagradável impressão de ver emergir por detrás daquelas peles tão diáfanas a
carrancuda gravidade, senão mesmo o bigode sóbrio, dos autores em pessoa, tamanha a
incompatibilidade com os modos juvenis que ali se esperava encontrar. Em certa medida,
passou-se o mesmo com o último caipira de Lobato, parecido demais com o próprio escritor e
os intelectuais comunistas com os quais, à época, ele travava diálogo político. Pode-se dizer
que, ao virar Zé Brasil, o Jeca de Lobato padeceu daquela sorte de amputação antropológica
tão recorrente na arte engajada, sobretudo comunista, em que a complexidade do drama
humano reduz-se a um problema social, e a um problema social único, visto sob lentes
filosóficas demasiado estreitas: a luta de classes.

É curioso notar que todo aquele desejo manifesto de identificação com o povo, e a sua
consequente criação artístico-filosófica, foram sempre a contrapartida de uma dolorosa má
consciência, fruto da percepção íntima de que, entre o intelectual e homem do povo, há uma
distância fundamental e irredutível que o mero voluntarismo ideológico jamais pôde vencer. O
problema é que a intelligentsia pecebista, impregnada de reducionismo marxista até a
medula, interpretou equivocadamente aquela distância como uma questão de ordem política,
envolvendo classes sociais, quando ela é na verdade existencial, concernente ao hiato desde
sempre observado entre o espírito filosófico (presente historicamente em homens das mais
diferentes “classes” e “raças”, ainda que sempre em número reduzido) e o espírito ordinário ou
prático.

Desprovidos de espírito filosófico autêntico, mas auto-iludidos com o título corporativo de


“intelectual”, muitos de nossos bem-pensantes de esquerda optaram pela condescendência
para com o povo como forma de aliviar, a um baixo custo, o drama de má consciência acima
referido. Destarte, vêem-se nossos intelectuais como figuras generosas que, do alto de sua
posição, concordam em inclinar-se na direção dos mais “frágeis e pobres”, para citar o verso
de Portinari, num simulacro grosseiro de imitatio Christi. Com esse gesto de humildade
ostentatória, obtêm eles uma dupla conquista, política e psíquica, pois que o ato de
aproximar-se das “classes exploradas” termina por afirmar, retroativamente, a existência inicial
da distância. Só indivíduos superiores podem ser condescendentes. E, mediante a
condescendência, nossos intelectuais são capazes de afirmar a sua identidade com o povo
sem, entretanto, abrir mão de sua autoridade intelectual sobre ele.

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Dias Gomes, o conhecido dramaturgo e intelectual do PCB, forneceu certa vez uma clara
ilustração da má consciência que têm caracterizado a nossa intelectualidade de esquerda.
Justificando em entrevista a sua opção pela televisão, em especial a sua entrada na
“burguesa” Rede Globo, o comunista baiano explicou:

“No teatro, eu vivia uma contradição, buscando fazer peças populares e


alcançando apenas a elite, exatamente a elite que combatia. Aliás, todos os da
minha geração, a dos anos 50, o Guarnieri, o Suassuna, Augusto Boal, Antônio
Callado, Oduvaldo Vianna Filho, todos nós vivemos essa contradição. Fazíamos
um teatro anti-burguês, do ponto de vista do povo, e tínhamos uma platéia
burguesa. Era um teatro que se aristocratizava na platéia. O que faço na
televisão, não. Segundo o Ibope, é visto até por marginais. Isso, sim, é uma
platéia popular” 

[Citado em SACRAMENTO, Igor. "Por Uma Teledramaturgia Engajada: a


experiência de dramaturgos comunistas com a televisão dos anos de 1970". In:
Marcos Napolitano et. al. (orgs.). Comunistas Brasileiros: Cultura Política e
Produção Cultural. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. p. 109].

Assim como muitos de seus colegas de geração, Dias Gomes aprendeu a fazer dramaturgia
engajada dentro dos centros de produção artística que, nos anos 1950 e 1960, mais estiveram
sob a esfera de influência do PCB: o Teatro de Arena e o Centro Popular de Cultura (CPC),
que depois seria dissolvido pelo regime militar, dando origem ao Grupo Opinião. Foi desse
ambiente que saíram os principais dramaturgos comunistas que iriam dominar a cena artística
nos emergentes veículos de comunicação de massa, notadamente as tevês Tupi e Globo.

A orientação estética e artística dessa geração de intelectuais era indissociável do projeto


político do PCB para a organização da cultura, centrado na idéia de uma arte nacional-popular
(conceito de inspiração gramsciana), ou seja, na construção de um ideal de povo e de nação
que fizessem frente às investidas do imperialismo econômico e colonialismo cultural norte-
americanos. Estes, mais que a burguesia, haviam sido diagnosticados então como os
grandes alvos dos comunistas brasileiros no segundo pós-guerra, daí a conhecida (e, depois
do golpe de 1964, tão criticada) opção pecebista pela estratégia do “frentismo”, uma política
de alianças provisórias entre classes (em especial com a burguesia nacional) e com outros
setores da esquerda em favor do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, obstruído,
segundo essa tese, por interesses estrangeiros.

Mesmo após o golpe de 1964, a linha do PCB permaneceu mais ou menos inalterada, sua
opção tendo sido pela luta política (ou seja, não-armada), e especialmente cultural, contra o
novo regime. Dessa luta cultural fazia parte a estratégia de infiltração de quadros do partido
dentro dos veículos burgueses de comunicação de massa, infiltração aliás muito bem
sucedida, como ilustram as obras carregadas de forte conteúdo político e crítica de costumes
levadas à tevê (com grande aceitação do público “burguês” e “de classe média”) por autores
como o já citado Dias Gomes, sua mulher Janete Clair, Oduvaldo Vianna Filho (o Vianninha),
Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Pontes, Lauro César Muniz, entre muitos outros.

A criação esquerdista da cultura nacional-popular (“nacional” no sentido de anti-imperialista;


“popular”, no de anti-elitista) sustentava-se na noção de arte engajada e pedagógica, cuja
meta final era o despertar da consciência crítica do povo para a situação de exploração em
que vivia. Em verdade, por “despertar a consciência crítica” deve-se entender: incutir no povo
os objetivos e valores caros ao intelectual, a fim de que venha a amar o que este ama e odiar
o que este odeia. Nos anos 1960, o grupo Opinião, e o famoso espetáculo de mesmo nome,
foram um marco do desejo de aproximação - sempre hierárquica, note-se - entre os
intelectuais e os “tipos” populares brasileiros (uma categoria herdada do folclorismo de
décadas anteriores). A escolha de Nara Leão (a jovem intelectual bossa-nova da Zona Sul do
Rio), João do Vale (um camponês nordestino) e Zé Keti (o sambista negro do morro) como
protagonistas do espetáculo já indicava, por si só, a influência do frentismo pecebista e da
sua concepção particular de “povo”, que se resumia a uma representação simbólica das idéias
marxistas-leninistas de consciência de classe e revolta contra a opressão.

Daquele período até hoje - ainda que o projeto nacional-popular tenha perdido força na virada
dos anos 1960 para os anos 1970, em paralelo ao esfacelamento político do próprio PCB -, o
“povo” não cessou de andar na boca dos intelectuais brasileiros, sofrendo alterações e
retoques conforme as conveniências políticas de ocasião. São eles, intelectuais, quem
determinam o critério para a medição do grau de “povitude” dos brasileiros: quanto mais estes
correspondam às utopias dos intelectuais, mais “povo” eles são. Na medida em que as
contrariam, vão sendo empurrados conceitualmente para a “elite”.

Aflitos com o colapso da hegemonia cultural de esquerda que vigorou desde os anos 1960 até
recentemente, não são poucos os esquerdistas brasileiros que (descontada uma boa dose de
cinismo) insistem em defender o atual governo com base na auto-identificação com “as coisas
frágeis e pobres” de que falava Portinari. De braços dados com os donos dos bancos Itaú,
Bradesco ou Santander, não deixam, esses nossos sentimentais, de se imaginar como
idênticos às “coisas frágeis e pobres”. Aliados objetivos da Globo, da Odebrecht, da Camargo
Correia, da OAS e tutti quantti, continuam, subjetivamente, a secretar o lirismo auto-piedoso

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das “coisas frágeis e pobres”. Irmanados a banqueiros, empreiteiros, mega-empresários e
caciques políticos, nossos “frágeis e pobres” intelectuais enragées, quer sejam petistas ou
apenas NSPM, investem contra a poderosa “elite” formada por 92% dos brasileiros, numa
clara ilustração do que o psiquiatra Paul Sérieux chamou de “delírio de interpretação” - no
caso, de auto-interpretação.

Há vezes, todavia, quando o caráter popular de determinada agenda antipática à esquerda é


evidente demais para ser negado, em que os intelectuais decidem reivindicar a sua própria
condição de elite, já agora para afirmar sua independência "artística" e autoridade “científica”.
Nesses casos, o povo passa a ser acusado de trair os seus próprios interesses e manifestar
aquilo que a intelligentsia diagnostica como “fascismo popular”. Assim, decepcionados e
ressentidos, nossos intelectuais de esquerda passam rapidamente da condescendência à
hostilidade.

Foi o que fizeram, entre outros, Eliane Brum e José Celso Martinez Corrêa. Brum, a
namoradinha do Brasil progressista (e eu estava para chamá-la de “Sakamoto de saias” até
me lembrar que, hoje, os Sakamotos originais já usam saias, diz-se que contra o machismo e
o patriarcado), acusou há poucos meses “o coração podre” do povo. Sua revolta dirigia-se
então contra o massivo apoio popular à redução da maioridade penal. Já o velho Zé Celso -
que, coitado, até hoje tenta desesperadamente chocar a burguesia, posto que suas
dionisíacas pelancas já não escandalizem sequer mocinhas de interior - afirmou (ou, ao
menos, tentou) não gostar das manifestações anti-PT. “Falta vermelho na bandeira brasileira”,
opinou o vetusto dramaturgo, acrescentando que o país - ele referia-se à maioria anti-petista -
estaria tomado por um “delírio fascista”. “Porque também há fascismo popular”, explicou. De
resto, por baixo dos habituais salamaleques e retórica tropicálio-porra-louquista, sobrou o
discurso oficial da propaganda governista.

Seja como for, mediante inversão da realidade ou argumento de autoridade artístico-


intelectual, o fato é que a nossa elite cultural (e caberiam muitas aspas na palavra elite,
porque estamos falando aqui de poder corporativo, não de mérito intelectual ou artístico)
perdeu de vez o contato com o povo brasileiro. E nada poderia simbolizá-lo melhor que a
imagem decadente e melancólica de um Zé Celso Martinez Corrêa excretando chapa-
branquismo disfarçado de transgressão artística para lá de enferrujada. Preso em 1968, o
velho homem tornou-se objeto involuntário de humor, uma criatura inadequada e irrelevante,
gritando suas pseudo-iconoclastias (chanceladas por algum João Santana de gabinete) a uma
platéia de escandalizados que só existe em sua cabeça. Zé Celso é a materialização, na
forma de um corpo e uma mente senis, da alienação da intelligentsia progressista brasileira
em face do atual contexto sociopolítico. O contraste entre a vontade popular e os valores
dessa intelligentsia é tal que até mesmo alguns membros da grande imprensa - instrumento
por excelência de nossa elite cultural - começam a se dar conta da bizarra situação.

A jornalista Eliane Catanhêde, por exemplo, vem demonstrando sinais de compreensão


incipiente de nossa realidade política e cultural. Em sua coluna no Estado de São Paulo, ela
primeiro escreveu um texto reconhecendo que o apoio de que o governo ainda dispõe vem, por
assim dizer, do “andar cima”. “Dilma ganhou um cerco de segurança na semana passada”,
pontuou Catanhêde, “com mãos amigas do Supremo, do TSE, do TCU, do Senado e da mídia,
mas a irritação popular contra ela não esmaeceu”. Dias depois, ela descreveu nominalmente a
inversão dos termos usualmente representados pela esquerda nacional: “Nesta encrenca
política tão grande e tão desafiadora, inverteu-se o jogo. Diante da crise política e econômica,
com a Lava Jato chegando ao Congresso, é a elite quem toma a dianteira para apoiar o
claudicante governo Dilma Rousseff, enquanto as grandes massas que vão às ruas rejeitam o
PT…”.

Se, todavia, a jornalista acerta no diagnóstico geral, ela erra ao superestimar o ineditismo do
fenômeno, ignorando que a proximidade entre o PT e as massas populares - e, de forma mais
geral, entre a esquerda e o povo brasileiro - foi, em larga medida, uma construção mitopoiética
de nossa classe falante esquerdista, construção para a qual a própria Catanhêde
provavelmente já contribuiu com algum tijolinho. O partido dos trabalhadores surgiu como
partido de elite intelectual. Durante anos, para justificar a sua pouca penetração nas classes
mais baixas da população, o PT gabou-se por ter uma plataforma partidária mais bem aceita e
compreendida por brasileiros “instruídos” (intelectuais, artistas e acadêmicos). Em verdade, o
período de identificação lulo-petista com os mais pobres, fruto da expansão e universalização
de antigas práticas assistencialistas, possíveis graças a contingências do mercado externo, é
que caracteriza um momento excepcional na biografia do partido. O que ora observamos no
país é, de fato, menos uma “inversão” que uma restauração de padrões políticos e históricos
momentaneamente suspensos. Depois de uma década excepcional de “sonho” esquerdista,
no qual a propaganda desempenhou papel significativo, o PT retorna à condição inicial de
partido da intelligentsia. Esse o tamanho real de um partido gramsciano por excelência.

Intelectuais, artistas e jornalistas, cuja mentalidade foi forjada na fragmentação da esquerda


nos anos 1960, formam hoje, como formaram no início, a renitente base política do partido
governante. A angústia dessa base é a de quem desperta de um sonho bom, no qual a tão
almejada identificação com “as coisas frágeis e pobres” pareceu tão possível e tão real. Auto-
iludidos com o próprio projeto de país, nossos bem-pensantes esqueceram-se do que ensinou
Gustave Le Bon acerca da “inconstância” das massas, lição que o próprio Jesus Cristo, Rei
dos reis, experimentou dramaticamente em questão de cinco dias (do Domingo de Ramos à
Sexta-Feira da Paixão), e que foi sempre a ruína de todos os monarcas e líderes políticos que

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pisaram sobre a Terra. Em face dela, não seriam logo um partido populista de um país de
Terceiro Mundo e os seus sub-intelectuais orgânicos que escapariam ilesos. A estes,
sobretudo, almas débeis e ressentidas diante da ilusão demofílica estilhaçada, restou a
alternativa desesperada entre a auto-interpretação delirante ou o rompimento elitista com o
povo. Porque a eles fora prometido o doce cálice de Romanée-Conti, não aquele, amargo, do
qual Jesus falou aos apóstolos às portas de Jerusalém (Mateus, 20: 22).

* Sobre a presença dos comunistas na cultura e nas artes brasileiras, ver: NAPOLITANO,
Marcos et. al. (orgs.). Comunistas Brasileiros: Cultura Política e Produção Cultural. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2013.

às agosto 24, 2015

3 comentários:

Flatus Vocis 25 de agosto de 2015 07:34


Certeiro como sempre, caro Flávio!
Responder

Unknown 25 de agosto de 2015 08:57


Valeu muito ler. M agnífico e lúcido texto.
Que alguns integrantes da "intelligentzia" brasileira possam entender, refletir e expelir o
mar de equívocos em que se meteram.
Responder

Gordon 25 de agosto de 2015 15:51


Excelente! Preciso diagnóstico da situação brasileira.

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