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Ortodoxia Missional pode muito bem se tornar o livro-texto a respeito de missões que honram a Deus, são moldadas pela Bíblia e
levam o evangelho a milhares de pessoas não alcançadas espalhadas por todo o mundo. Kocman e Vegas desafiam a metodologia
de muitos grupos missionários que minimizam a Escritura como padrão regulador de como devemos levar o evangelho da graça
de Deus a todas as nações. Sem negar o ministério poderoso e presente do Espírito Santo, Ortodoxia Missional busca levar a sério
a sabedoria transgeracional da Palavra de Deus ao entender como a igreja de hoje deve buscar alcançar e ganhar os perdidos de
todas as idades. A adição de uma série de perguntas após cada capítulo faz do livro um recurso ideal tanto para igrejas quanto
para indivíduos, para o estudo deste que é um dos imperativos mais vitais do evangelho. Eu recomendo esta obra sem reservas.
Ian Hamilton,
presidente do Westminster Presbyterian Theological Seminary,
Newcastle, Inglaterra
As missões e a boa teologia começaram como boas amigas, mas têm passado por um período instável nos últimos sessenta anos
ou mais. Todo tipo de missionários solitários, de metodologias baseadas em números a processos ruins de hermenêutica,
encontraram bastante tração no atual mundo das missões. Vegas e Kocman trouxeram de volta um entendimento
refrescantemente claro e bíblico do desejo e do plano do nosso Deus Triúno para todas as nações. Minha esperança e oração são
que este entendimento seja amplamente abraçado por pastores, líderes cristãos e por aqueles que levarão o evangelho do nosso
Senhor aos confins da terra.
Brooks Buser,
presidente do Radius International
ORTODOXIA MISSIONAL
Teologia e missões de mãos dadas
Conclusão
Apêndice: O Padrão Apostólico de Pregação Evangelística
Referências
Índice de referências bíblicas
Sobre os autores
Agradecimentos
Por trás de todo livro cristão significativo estão profundas fontes de suprimento emanando de
membros da família, colegas, líderes espirituais e amigos comprometidos, cujo apoio aos autores
tornou a publicação possível. Com este livro não é diferente. Assim como qualquer obra
realizada para o Senhor, colocar a caneta no papel — ou o dedo no teclado — é um trabalho de
amor realizado na dependência da graça de Deus e por meio do apoio de cada parte do corpo de
Cristo. Somos profundamente devedores a cada pessoa a quem o Senhor usou para fazer de
Ortodoxia Missional uma realidade.
Queremos começar agradecendo a homens como Carl Trueman, Ian Hamilton e outros que
encorajaram Chad (um pregador sincero) a destilar sua abordagem teologicamente fundamentada
à missiologia na forma escrita. Não fossem seus encorajamentos e exortações, não teríamos
chegado a este ponto. Também queremos agradecer às muitas pessoas que leram nossos capítulos
e opinaram sobre eles. Obrigado a Richard Barcellos, James Dolezal, Josiah Vencel, Vanessa
Dotinga, Benjamin Vrbicek e aos missionários da Sovereign Grace Church. Agradecemos a Peter
Sammons, do The Masters Seminary, e a Tom Ascol, do Founders, por convidarem Chad para
ensinar sobre missões, o que resultou no surgimento deste livro. Além disso, agradecemos a
Deus por nossas esposas, Teresa e Hanna, cuja paciência com nossas agendas lotadas, leituras
adicionais, longas ligações telefônicas e com o tempo extra isolados em nossos escritórios nos
capacitou a perseverar.
De Chad:
Teresa, por todas as muitas idas e vindas pelas quais o Senhor nos carregou ao percorrermos a
estrada do Rei até a Cidade Celestial, você tem sido um encorajamento e uma companhia
constante. Você é uma esposa excelente, uma graça que me foi dada pelo Senhor.
A meus presbíteros e diáconos: não posso imaginar alegria maior do que servir a Cristo e à sua
igreja ao lado de homens como vocês. Sem a sua colaboração no evangelho, eu não teria a força
e o tempo necessários para realizar muita coisa. Vocês, irmãos, são, frequentemente, a graça de
Deus que me fortalece a continuar a combater o bom combate.
A Jason Faber: não posso imaginar um colaborador no ministério mais piedoso, mais fiel e
mais sábio do que você. Normalmente, eu obtenho o reconhecimento público, mas você é o
homem a quem o Senhor usou para moldar a Sovereign Grace e mantê-la firme de formas que
outros jamais saberão ou verão. O Senhor o sabe. Eu sei. Minha família sabe. Amamos você,
irmão.
A Brad Buser: o Senhor trouxe você à minha vida em 1999, e eu nunca mais fui o mesmo. Ele
o usou para abrir meus olhos para o amor de Deus por cada tribo, língua e nação. O Senhor
permitiu que trabalhássemos juntos para começar uma organização de treinamento que tem
crescido quantitativa e qualitativamente, apesar de nossas próprias fraquezas, ao longo dos anos.
Sou grato por você ter se disposto a entregar a direção a seu filho, Brooks, conforme ele nos
conduz adiante. Sua humildade em fazê-lo tem sido um presente à Radius.
A Alex: obrigado por atender ao meu chamado e por concordar em ajudar neste projeto. Você
escreve melhor do que eu. Sou privilegiado por ter você ao meu lado na caminhada. Oro para
que nossos esforços sejam uma bênção para a igreja de Cristo.
De Alex:
Hanna, eu nunca me esquecerei da maneira como você respondeu, sem vacilar, quando esta
oportunidade surgiu, dizendo que eu tinha que aceitar este trabalho porque era para este alvo que
minha vida estava apontada até aquele momento. Obrigado por sua gentileza, por sua graça, e
pelas horas incontáveis de cuidado pelos nossos filhos — sem falar do filho que nasceu durante a
escrita deste livro — que você sacrificou ao Senhor para apoiar este ministério.
Aos meus pais: devo-lhes a minha mais humilde gratidão por incentivar meus esforços de
escrita ao longo de toda a minha infância. Todo bom pai tenta encorajar as habilidades naturais
de seus filhos, mas vocês foram sinceros em todas as palavras de elogio. Sim, vocês foram
irremediavelmente tendenciosos, mas, mesmo assim, Deus usou o encorajamento de vocês em
minha vida. Vocês sempre disseram que eu publicaria um livro. Aqui está ele.
A Chad: obrigado pelo convite para ser parte deste projeto. Seu zelo, seu intelecto e sua
devoção a esta obra foram tanto uma fonte de força espiritual para mim, quanto uma repreensão à
minha indolência. Tenho visto o fruto do seu ministério através dos homens da sua igreja e por
meio dos formados do Radius International — é tudo verdade. Que o Senhor continue a abençoá-
lo em toda obra que você realizar.
A Scott Dunford: obrigado por sua mentoria, sua profunda reflexão a respeito de missões, e por
sua amizade. Você nunca me considerou apenas como um prospecto de mobilização, mas sempre
como um irmão. Tanto quanto aprendi com seu amor pelas nações, aprendi ainda mais vendo
você liderar suas equipes, navegar pelas questões do ambiente de trabalho, amar sua esposa e
seus filhos, e pastorear seu rebanho. Servimos e lutamos lado a lado, e, quando discordamos,
afiamos um ao outro. Agradeço ao Senhor por você e pela família da ABWE, que nos reuniu.
Finalmente, ambos os autores agradecem ao nosso Deus Triúno por seu amor eletivo, por sua
obra redentiva em Cristo, e pelo poder redentor através do Espírito, por meio do qual vivemos
hoje. Não somos dignos de participar da missão dele, muito menos de escrever ou de refletir
sobre isso, e mesmo assim ele nos chamou e nos “capacitou a participar da herança dos santos na
luz” (Cl 1.12, A21).
Prefácio
Quando foi a última vez que você chorou diante de um documento teológico?
Depois de quase um quarto de século no mundo dos negócios, Alan1 e sua esposa viviam uma
vida de luxo e conforto, e frequentavam uma igreja informal, conduzida pelo entretenimento —
viviam o sonho americano. Mas quando eles se depararam com as doutrinas bíblicas da graça —
compreendendo que “pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de
Deus” (Ef 2.8) — perceberam que suas vidas não pertenciam a si mesmos. Ao mesmo tempo que
esbarraram na teologia da Reforma, também reconheceram o seu chamado missionário. Eles se
submeteram a um ensino bíblico e foram enviados à África para alcançar muçulmanos com o
evangelho em uma cidade global. Conforme se aprofundavam no entendimento das Escrituras,
eles se convenceram de que era tarefa dos missionários estabelecer, pacientemente, igrejas
saudáveis, organizadas e doutrinariamente ricas. Isto levou muitos dos colegas mais pragmáticos
de Alan a se separarem deles, convencidos de que ele e sua esposa tinham se tornado
fundamentalistas desequilibrados e indispostos a se adaptar apropriadamente às tradições da
igreja deles e à cultura local. Desencorajado, mas destemido, Alan continuou a construir rotas de
acesso para sua comunidade e começou a discipular um ex-muçulmano — agora um cristão —
para liderar sua plantação de igreja.
Em uma série de encontros com este pastor promissor, Alan decidiu ensinar por meio de uma
confissão de fé histórica. Conforme o missionário expunha uma tradução em árabe da confissão,
o pastor africano foi às lágrimas. “O primeiro missionário que me discipulou, há mais de 20
anos, me ensinou todas essas verdades”, ele explicou. “Porém, ao longo dos 20 anos seguintes ou
mais, vários missionários me disseram que essas doutrinas não eram verdadeiras. Eu não sei em
que acreditar!”, lamentou. Durante outra sessão de estudos, o pastor se prostrou, com o rosto em
terra, e clamou ao Senhor por clareza, na frente de Alan. Anteriormente, muitos missionários
haviam falhado em instruir o homem na sã doutrina, ensinando apenas uma série de histórias da
Bíblia e de lições de vida, roubando do novo pastor as riquezas da tradição cristã. Mesmo assim,
por meio do ministério de Alan, isso começou a mudar.
Será que nós, assim como Alan, permitimos que a nossa teologia nos envolva com um senso de
dívida para com os perdidos e não alcançados? Ou, assim como os colegas de Alan, temos visto
a difícil condição dos perdidos e optado por reparos rápidos, reservando o melhor ensino bíblico
e os melhores recursos teológicos para nós mesmos?
Há uma crise nas missões evangélicas. Um grande abismo está posto entre o domínio da
teologia e o mundo das missões. De um lado da fenda, aqueles que mais amam a teologia são
presas fáceis do farisaísmo, do intelectualismo e da apatia, que os mantêm longe das linhas de
frente das missões. Jovens rapazes buscam graduações teológicas, competem por um pequeno
número de posições ministeriais para poderem pagar seus débitos estudantis e sustentarem suas
jovens famílias, acomodam-se em rotinas, e acordam, décadas depois, dentro do gueto cultural
evangélico. Do outro lado da fenda, muitos dos obreiros mais aventureiros e dispostos a
assumirem mais riscos são treinados a deixar a própria teologia no armário da organização que
os enviará para aprender uma miríade de táticas ministeriais centradas no homem e que são fruto
do relativismo cultural. A esses missionários é dito que o ensino centrado no evangelho e rico em
doutrinas que edifica igrejas fiéis no Ocidente não vai funcionar em nenhum outro lugar do
mundo, e que alguma reflexão nova e diferente tirada da sociologia é necessária em culturas não
ocidentais.
Quando falhamos em saborear e aplicar nossa teologia, uma falta de zelo por missões também
não está longe de acontecer. Ao mesmo tempo, aqueles mais zelosos por missões costumam
olhar para a tradição teológica histórica com suspeita. Em resumo, uma teologia ruim leva a
missões ruins, e missões ruins propagam mais teologia ruim.
Nós, os autores deste livro, não estamos imunes a essa maneira não bíblica de pensar. Na
universidade e no início do ministério, ambos viemos do lado “teológico” do abismo. Éramos
instruídos o bastante na Bíblia para elaborar desculpas que soavam espirituais e para ignorar as
missões, mas não estávamos fundamentados o suficiente nas Escrituras para sentir o peso do
chamado de Cristo às nações. Nós dois tínhamos uma série de razões, que julgávamos bastante
persuasivas, para explicar porque não tínhamos sido chamados e capacitados para servirmos às
nações de alguma forma, e que isto não era sequer esperado de nós. Quando tínhamos por volta
de 20 anos, ambos despertamos, de maneira dolorosa, para a nossa própria apatia e para a
obrigação cristã ordinária com relação à causa do evangelho ao redor do mundo. Ficamos
assombrados por causa dos cerca de dois bilhões de portadores da imagem de Deus, sem nenhum
acesso ao evangelho, caminhando para o inferno. Posteriormente, fomos chamados à posição de
pastores de jovens em nossas respectivas igrejas, e, às vezes, vemo-nos envolvidos com missões,
não como quem vai, mas como quem envia: Chad através da fundação Radius International, com
Brad Buser, e Alex através do cargo de diretor de mobilização missionária e comunicações para
a Association of Baptists for World Evangelism [Associação Batista para a Evangelização
Mundial] (ABWE).
Por meio dessas jornadas paralelas, nós dois ficamos cientes da grande necessidade de
missionários — e de uma tentação que assola a comunidade missionária. Como muitos, sentimos
a tentação de sacrificar a verdade no altar da conveniência. Ainda assim, em boa parte das
missões modernas, a teologia e a prática são divorciadas uma da outra de maneira rápida e
antibíblica. Frequentemente, ouvimos que a Escritura não precisa de qualquer método particular
no ministério, e que questões de metodologia são neutras. Se o método “funciona” — ao levar a
conversões ou, no mínimo, a ouvintes interessados que se consideram seguidores obedientes —
então ele é considerado ordenado por Deus. Essas “novas medidas” são batizadas por um vento
novo do Espírito Santo, ainda que as suas práticas não possuam base bíblica.2
Contudo, esta maneira de pensar realmente interfere no ministério real? Certamente. Tomando
um exemplo bem próximo, nós mesmos vemos os frutos desse pragmatismo no movimento
norte-americano de crescimento de igrejas. Infelizmente, gerações de líderes de igrejas
construíram impérios organizacionais promovendo um modelo de adoração teologicamente
superficial e baseado no entretenimento. Neste contexto, quando aqueles que frequentam essas
igrejas revelam, anos depois, serem falsos convertidos, poucos fazem a conexão lógica
necessária para colocar em dúvida os métodos básicos utilizados para construir tais ministérios.
Nós também sentimos a urgência evangelística que costuma motivar as igrejas com uma
abordagem seeker-sensitive,3 ou “atrativa”. Mesmo assim, o tempo tem mostrado que
evangelismo superficial produz cristãos superficiais.
Observadores perspicazes costumam reconhecer os perigos do pragmatismo em um contexto
de ministério local. Contudo, estes mesmos observadores perdem este perigo de vista quando ele
se manifesta no campo missionário. Por diversas razões, parecemos acreditar que as missões em
locais distantes, particularmente em lugares difíceis, são tão misteriosas e extraordinárias que
seus métodos ficam além da nossa habilidade de crítica. Tal pensamento, com frequência, é
guiado por uma humildade genuína e por uma deferência aos missionários que sacrificam a si
mesmos, os quais parecem saber mais sobre a questão. Essa humildade é bastante recomendável.
Mas simplesmente não é verdade que o crente ordinário ou que o líder de igreja, com a Bíblia na
mão, não esteja equipado para exercitar o discernimento em questões de missões transculturais.
Os métodos bíblicos do ministério cristão são os mesmos em qualquer lugar do mundo, seja nos
Estados Unidos ou nas selvas de Papua Nova Guiné. Não importa aonde se vá, a Bíblia é a
Palavra de Deus, e o Deus da Bíblia é Deus. Todos os povos no planeta são constituídos pelos
filhos de Adão, sem serem mais ou menos culpados e corrompidos pelo pecado do que nós. Em
cada canto da terra, Jesus ainda ocupa o trono, a sua obra expiatória serve para perdoar os
pecados, e ele é o único mediador entre Deus e a humanidade. Não importa a linguagem, a
cultura, a cosmovisão ou a pigmentação da pele de um povo, o Espírito Santo age nessas pessoas
da mesma forma. Ele aplica a obra de Cristo por meio da declaração ordinária da Palavra a cada
tribo, língua e nação.
É verdade que o ministério transcultural é único. Os missionários devem se tornar competentes
no aprendizado de idiomas, na adaptação cultural, na tradução, na alfabetização, na plantação de
igrejas, e na missão por meio de negócios em países fechados. Eles encararão desafios como o
choque cultural, o conflito marital e o estresse na criação de filhos, e podem encontrar doença,
infestação, uma medicina inferior, desafios governamentais e até mesmo perseguição. Os
missionários podem ser marginalizados, ameaçados, retirados de um país, aprisionados, surrados,
incomodados, envergonhados ou legalmente reprimidos. Essas realidades duras corretamente
nos tornam lentos para julgar nossos missionários, que pagam um preço tão alto e deveriam ser
honrados. Porém, nenhuma dessas realidades altera os princípios fundamentais do ministério do
evangelho. E, para sustentar esses princípios, a igreja é responsável por fazer perguntas difíceis
àqueles que ela própria envia.
A argumentação central deste livro é que a doutrina cristã e a metodologia de missões devem
andar juntas, lado a lado. Nossas táticas ministeriais sempre derivam do que realmente cremos.
Assim, métodos não são uma questão de liberdade, mas estão sob as prescrições expressas da
Escritura.
Na raiz, essa tese é simplesmente uma aplicação do que os teólogos denominaram de princípio
regulador para o serviço missionário da igreja. No contexto da adoração pública, o princípio
regulador é que os ensinos da Escritura, explícitos e implícitos, regulam a prática da igreja.
Assim, a adoração deveria envolver coisas tais como o canto congregacional, a oração, a leitura e
a explicação da Escritura, a pregação, a confissão de pecados, a comunhão e a observância dos
sacramentos, pois esses elementos estão estabelecidos explicitamente no ensino bíblico. Isso
difere do princípio normativo que alguns sustentam, o qual mantém que a Escritura meramente
normatiza a adoração cristã no sentido de que aquilo que não é explicitamente proibido pode ser
praticado. Nesse modelo, a pintura impressionista ou a dança poderiam ser incluídas na adoração
pública da igreja, uma vez que não são explicitamente proibidas. Porém, nós sustentamos, como
regra, que a Escritura deve regular (não meramente normatizar) a prática da igreja e que essa
regra se aplica às missões da mesma forma que se aplica à adoração. Neste ponto, também
reconhecemos que a Escritura dá ao povo de Deus enorme liberdade em todas as áreas da vida,
inclusive na adoração e na prática das missões. Desfrutamos dessa liberdade em Cristo! Mesmo
assim, nosso alvo não é simplesmente encontrar apenas o contorno da missiologia bíblica para
que possamos colori-lo de forma livre; antes, este livro pretende expressar o que a Escritura
prescreve claramente quanto à atividade missionária e construir sobre este fundamento.
Ao tratar as missões dessa forma, cremos que estamos colocando o poder para “fazer” missões
de volta ao seu lugar: nas mãos de missionários, igrejas, pastores e crentes comuns. A
antropologia e a sociologia têm reflexões válidas a oferecer. Mas se os líderes de missões se
apoiam nessas disciplinas de tal forma que os crentes comuns veem a atividade missionária como
grandiosa e inacessível, não estamos honrando ao nosso Senhor. Ao invés disso, cremos que,
porque a Palavra de Deus regula e prescreve a tarefa missionária, crentes comuns (como nós!)
podem ser parte da obra emocionante de Deus de atrair as nações para si mesmo.
Também escolhemos a frase “andar junto” intencionalmente com respeito à teologia e aos
métodos missionários para refletir a obra do teólogo reformado holandês Petrus van Mastricht
(1630-1706), que escreveu as seguintes palavras:
A teologia deve ser ensinada de acordo com um certo método, e deve ser o tipo de método no qual a teoria e a prática
sempre andam em passo conjunto. De fato, elas devem andar juntas de tal forma que a teoria vem primeiro e a prática
segue cada um dos artigos da teologia. [...] A partir desse método, digo novamente, a prática deve estar unida à teoria não
apenas no corpo da teologia como um todo de tal forma que o primeiro lugar esteja reservado especialmente para as coisas
que devem ser cridas, e o segundo, para as coisas que devem ser feitas, mas também para que, em cada membro da
teologia, a prática ande em passo conjunto com a teoria, em contínua concordância.4
Todos nós concordamos que fé e prática são inseparáveis. O mesmo acontece com a teologia e
a missiologia. Longe da sã doutrina, não se pode ter uma missiologia saudável. A doutrina
determina a prática, e a prática sempre revela a doutrina. O Novo Testamento dá suporte a isso.
O apóstolo Paulo acreditava e argumentava exatamente nesse ponto. Ele foi pressionado pela
igreja dos coríntios a assumir os métodos superiores dos assim chamados super apóstolos, que
estavam atraindo grandes multidões. Ele rejeitou amplamente as suas metodologias mundanas
(1Co 1.17; 2.1-5; 2Co 2.17; 4.1-2; 11.12-15). Os capítulos a seguir buscarão seguir o padrão de
Paulo, conforme fundamentarmos nossa missiologia na verdade da doutrina bíblica.
Estruturamos esta obra com um direcionamento aos missionários, do presente e do futuro, e a
igrejas, líderes e leigos que os sustentam com seus dons e orações, a fim de que todos possam
contemplar e valorizar as verdades do evangelho que dirigem nossa missão. Sentimo-nos
compelidos, como muitos, a nos apressarmos à ação sem imergirmos a nós mesmos no ensino
bíblico. Pessoalmente, também sentimos o perigo de não permitir que esses ensinos remodelem
nossas afeições. Portanto, escrevemos não meramente para preencher a cabeça, mas para
preencher o coração a fim de transbordar em palavras e em atos.
Portanto, também estamos escrevendo para homens como aquele pastor africano, ávido pela
riqueza da herança cristã. Estamos escrevendo para os incontáveis pastores, mestres,
missionários e crentes comuns de outras nações que trabalham para conhecer profundamente a
um Cristo que era anteriormente estranho a eles. Estamos escrevendo para os líderes locais
perseguidos da Ásia, que aproveitam a internet para obter recursos bíblicos para suplementar o
treinamento dos seminários secretos. Estamos escrevendo para as mulheres fiéis que ministram
em terras islâmicas, nas quais há segregação por sexo e as mulheres cristãs são deixadas sozinhas
para responder às perguntas apologéticas mais desafiadoras apresentadas pelas mulheres
muçulmanas. Estamos escrevendo para as gerações de crianças que, para nossa vergonha, leram
poucas biografias missionárias. E estamos escrevendo para os crentes comuns em casa, doando e
orando fielmente, ainda que inseguros quanto a quais obreiros apoiar e quanto aos motivos e aos
meios para isso. Em todos esses casos, é nossa expectativa em oração que o simples deleite na
verdade divina impulsionará nossos leitores às missões com ousadia.
Nossa oração é que este livro sirva como um recurso confiável para o seu ministério, seja você
alguém que vai ao campo ou aquele que envia. Você não precisa de uma graduação em
missiologia para investir fielmente a sua vida em terras distantes, ou para discernir o que você vê
acontecendo em outros países. A Palavra de Deus, sozinha e em sua inteireza, é suficiente para
equipar quem vai e quem envia para o esforço missionário em sua totalidade (2Tm 3.16-17).
Devemos, simplesmente, deixar que a nossa fé e a nossa prática andem juntas.
“Vocês têm muita coisa em inglês; nós temos muito pouco em bengali.”
Era 1968. Essas palavras pesadas, pronunciadas por uma mulher de Bangladesh chamada
Basanti Das a uma missionária americana acamada em razão de um vírus misterioso, pairavam
no ar denso e úmido do sul da Ásia. A obreira missionária batista Jeannie Lockerbie tinha
acabado de chegar quando ficou doente, juntamente com todos os seus cinco colegas. Alguns
ficaram acamados e em quarentena durante onze meses. Basanti, uma professora e tradutora,
viera visitar Lockerbie e contemplava a impressionante biblioteca dela.5
O lamento de Basanti assombrou a missionária. William Carey, conhecido como o pai do
movimento moderno de missões, construíra seu ministério no subcontinente asiático ao redor da
tradução das Escrituras e do estabelecimento de um local para a sua impressão. Mesmo assim,
175 anos depois da chegada de Carey, os crentes bengaleses ainda lidavam com desnutrição
bíblica e teológica. Uma vez recuperada, Lockerbie começou um ministério literário, e a equipe
se comprometeu a traduzir o Novo Testamento na língua de uma tribo próxima, os Tripura.
Quando a tradução foi finalizada, o chefe da tribo disse aos missionários: “Agora que podemos
entender a Bíblia, não temos desculpa para não obedecer.”
Deus realiza sua obra salvadora no mundo por meio de sua Palavra escrita. O cumprimento da
missão de Deus depende de a Escritura ser lida, entendida e proclamada nas línguas dos povos de
todas as nações. É isso que os autores da Confissão de Fé de Westminster quiseram dizer em
1647, quando perceberam que “esses livros [da Bíblia] têm de ser traduzidos nas línguas
vulgares [isto é, comuns] de todas as nações aonde chegarem, a fim de que com a Palavra de
Deus, permanecendo nelas abundantemente, adorem a Deus de modo aceitável e possuam a
esperança pela paciência e conforto das escrituras”.6
Ainda assim, em nossa época, até os cristãos são tentados a questionar a centralidade das
Escrituras. Nos Estados Unidos, um pastor proeminente de uma igreja evangélica de vários
campi, cuja frequência semanal totaliza mais de 40 mil pessoas, pregou em 2018 que devemos
nos “desatar” do Antigo Testamento, e argumentou que a máxima “‘a Bíblia diz assim’ [...] é
onde nossos problemas começaram”.7 Problemas similares infestam o campo missionário.
Traduções apenas do Novo Testamento ultrapassam as traduções de toda a Bíblia (ambos os
testamentos) em cerca de 2,6 para 1.8 Ainda pior, um número crescente de traduções da Bíblia no
idioma islâmico (TIIs) removem ou redefinem, intencionalmente, termos como “Filho de Deus”,
em um esforço para encorajar os muçulmanos a se “converterem” a Cristo sem transgredir os
limites formais da identidade religiosa islâmica.9 Para onde quer que nos voltemos, a Bíblia está
sob ataque — mesmo nos arraiais dos obreiros cristãos. Mesmo assim, não podemos sequer
começar a abordar a atividade missionária sem um entendimento rico e uma admiração reverente
pela Palavra de Deus escrita.
A centralidade da Escritura
Por muito tempo na história da igreja, desde os primeiros séculos até o período medieval, a
Escritura era praticamente inacessível. Com a exceção da Vulgata, a tradução latina da Bíblia
feita por Jerônimo no século 4, a Palavra de Deus estava prontamente acessível apenas para uma
elite de instruídos. Mas a represa começou a transbordar através dos esforços sacrificiais de
protorreformadores como William Tyndale, John Wycliffe e seus herdeiros espirituais, os
reformadores. Eles estavam convencidos de que, para que o reino de Cristo espalhasse a salvação
para todas as nações, tribos e línguas, como prometido em Apocalipse 5.9 e 7.9, a Palavra de
Deus escrita precisava estar disponível na linguagem primária do homem comum. Tyndale
escreveu: “Seria impossível estabelecer o povo leigo em qualquer verdade, a não ser que a
Escritura fosse colocada diante dos olhos deles e em sua língua materna”.10
A invenção da imprensa móvel e o valor que a Reforma Protestante depositou sobre a Palavra
de Deus marcou um ponto de virada na disponibilidade da Escritura, e o movimento missionário
moderno, no século 18, começou a abrir as comportas da tradução global da Bíblia como nunca
antes. No início do século 19, as Escrituras estavam disponíveis em apenas 68 idiomas; agora, as
Escrituras estão disponíveis em, no mínimo, 2.479 idiomas, com 451 deles possuindo traduções
completas — um aumento de 3546%.11 Não é de se estranhar que o cristianismo tenha crescido
exponencialmente por todo o sul global nas últimas décadas.12 A obra de Deus no mundo é
inseparável de sua Palavra. Afinal, “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo”
(Rm 10.17).
Deus falou — decisiva e infalivelmente, a todos os povos, nações e línguas, por meio de sua
Palavra escrita, que contém tanto a mensagem quanto o modelo de ministério. A atividade
missionária é impossível longe de uma paixão consumidora pela Palavra de Deus e de uma
submissão à sua autoridade. Mas antes que possamos explicar as implicações missiológicas
disso, precisamos entender o que a Bíblia é.
Dois Tipos de Revelação
Ao contrário do que se poderia pensar, a Confissão de Westminster (1647) e a Segunda
Confissão de Fé de Londres (1689) não começam seus esboços sistemáticos do ensino cristão
com a existência de Deus, mas com a doutrina da Escritura. Esta última, à qual os autores deste
livro subscrevem, afirma:
A Sagrada Escritura é a única regra suficiente, certa e infalível de todo conhecimento salvador, fé e obediência, embora a
luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestem, até certo ponto, a bondade, a sabedoria e o poder de
Deus, de forma a deixar os homens indesculpáveis. Porém, essas manifestações não são suficientes para conceder o
conhecimento de Deus e de sua vontade que é necessário pra a salvação. Portanto, aprouve ao Senhor, muitas vezes e de
muitas maneiras, revelar-se, declarar a sua vontade à sua igreja e, posteriormente — para melhor preservação e propagação
da verdade e para o mais seguro estabelecimento e conforto da igreja contra a corrupção da carne e a malícia de Satanás e
do mundo —, colocá-la por completo em forma escrita. Isso faz com que as Sagradas Escrituras sejam sobremaneira
necessárias, uma vez cessadas aquelas formas antigas de Deus revelar a sua vontade ao seu povo.13
Essas declarações servem como o fundamento para o restante da confissão. Temos uma
epistemologia revelacional — isto é, conhecemos o que conhecemos porque Deus o revelou. Em
uma era de subjetividade, na qual a “verdade” é relativa, moldada pela perspectiva cultural ou
pela identidade do grupo, podemos ter uma certeza inabalável — não apenas por causa da razão
ou pela percepção dos sentidos, mas porque o Autor da verdade a invadiu pelo lado de fora e
falou em termos objetivos e compreensíveis. Os batistas particulares em Londres e os membros
da Assembleia de Westminster sabiam que, sem estabelecer a centralidade da revelação, a prática
teológica é impossível. O mesmo acontece com a prática das missões.
Para esse fim, Deus nos deu não apenas um “livro”, mas dois: a criação e a Escritura. A ordem
criada é a revelação natural ou geral de Deus para nós. Os autores da Segunda Confissão de
Londres se referem à “luz da natureza” porque reconheciam que a verdade, a beleza e a bondade
do cosmos proclamam a realidade da glória de Deus. Davi testifica em Salmos 19.1: “Os céus
proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos”. O apóstolo Paulo
nos diz que “os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua
própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por
meio das coisas que foram criadas” (Rm 1.20). Essa revelação geral se estende a partir de todo o
cosmo e vai até a consciência humana individual, pois todos os seres humanos feitos à imagem
de Deus possuem a lei imutável de Deus gravada em seus corações (Rm 2.14-15).
Quando a importância das missões internacionais é debatida, a seguinte pergunta aparece com
frequência: “E quanto ao homem que vive sozinho em uma ilha remota, que nunca leu a Bíblia
ou ouviu o nome ‘Jesus’ — ele será salvo?” Essa pergunta supõe que o homem é responsável
diante de Deus apenas se já foi evangelizado, ou que a revelação natural em si contém todo o
entendimento necessário para a salvação. Ambas as suposições são falsas. Com respeito à
segunda, devemos notar que o problema com a revelação natural não é um problema com o
conhecimento que Deus nos dá, mas conosco, os destinatários. Na criação, recebemos
conhecimento de Deus suficiente para nos condenar, mas não suficiente para nos salvar. Vemos a
majestade, a santidade e o poder de Deus, e reconhecemos nossa culpa e insuficiência. No
entanto, não podemos aprender nada a respeito de Cristo, de sua cruz ou de seu reino
contemplando as estrelas.
Porque não podemos ser salvos através do que conhecemos sobre Deus na criação, ele também
nos deu a revelação especial — sua palavra falada, escrita e inteligível. Ao longo de toda a
história humana, a revelação especial consistiu no discurso profético e nos escritos inspirados, os
quais cessaram com a vinda de Jesus Cristo, o Profeta Último (Hb 1.1-2). Escrita por cerca de
quarenta autores ao longo de cerca de 1.500 anos, em três idiomas e em três continentes, a Bíblia
não representa a perspectiva estreita de uma única cultura sobre a religião, mas um testemunho
concreto de Deus que foi entregue de forma consistente ao longo de toda a história humana a
todas as nações e povos. O propósito dessa revelação especial é revelar a Cristo (Jo 5.39; 1Pe
1.10-12), nos conformar a Cristo
(2Pe 1.3-4) e nos tornar “sábios para a salvação” (2Tm 3.15). A Escritura, escrita por homens
santos movidos pelo Espírito Santo (2Pe 1.21) é, assim, nossa regra única e infalível de fé e
prática. Não é de se admirar que Davi assim exulte: “A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma;
o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices” (Sl 19.7).
O imperativo missionário é um resultado direto do fato de que Deus falou a todos os povos,
culturas e épocas. O Deus transcendente se fez conhecido na Bíblia. Nós cremos nisto, e é por
isso que falamos (2Co 4.13). A pergunta é: como falamos? Somos livres para usar outras
ferramentas e contextualizar nossa mensagem utilizando quaisquer meios, desde que esses meios
não sejam pecaminosos? Ou também há métodos específicos que nos são prescritos nessa mesma
Palavra?
Além da inspiração
Muitos de nós conhecemos a declaração do apóstolo Paulo a Timóteo de que toda a Escritura é
inspirada, ou “soprada”, por Deus (2Tm 3.16). Note que é a Escritura (graphē) em si o produto
final da revelação, que é chamada de, literalmente, “inspirada por Deus” (theopneustos), e não
seus autores. Não é verdade que a Escritura seja meramente inspirada no sentido estético, assim
como poderíamos descrever um discurso ou um concerto musical como sendo inspirados. Nem a
inspiração divina é encontrada exclusivamente nos eventos redentivos que a Escritura descreve,
como se os autores bíblicos, sobrecarregados por sua bagagem histórica e cultural, tivessem
meramente nos deixado recortes de eventos e verdades inspirados, os quais, no caso, devemos
então cavar para encontrar uma aplicação contemporânea. Ao invés disso, as próprias palavras
que eles escreveram — mesmo quanto à gramática e à sintaxe — foram o resultado da
superintendência do Espírito Santo.14 Considerando que o Espírito não falha nesta tarefa, a
Escritura não é apenas (1) inspirada, mas (2) infalível, ou incapaz de afirmar algo que não seja
verdadeiro. Deus não pode mentir (Nm 23.19; Tt 1.2). Além disso, ele é capaz de se comunicar
acima e além da intenção inicial e do intelecto dos autores humanos da Escritura (1Pe 1.10-12).
Isso quer dizer que os sessenta e seis livros canônicos da Escritura também são inerrantes — isto
é, eles não erram. Construindo sobre esse fundamento, Paulo lembra a Timóteo de que toda a
Palavra de Deus — sem exceção — é “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para
a educação na justiça” (2Tm 3.16).
Porém, Paulo não está apenas preocupado com argumentos abstratos a respeito das origens da
nossa Bíblia. Ele é zeloso pela atividade missionária, e suas instruções a Timóteo dizem respeito
aos seus métodos de ministério. Então, no versículo 17, Paulo continua a explicar que a Escritura
é inspirada “a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa
obra” (ênfase acrescentada). Você já sentiu sua própria inadequação para o ministério, seja
compartilhando o evangelho, pregando um sermão ou aconselhando um membro da igreja
enquanto toma um café? Paulo nos lembra aqui de que a própria Escritura contém tudo que o
“homem de Deus” (uma alusão a um eufemismo do Antigo Testamento para “profeta”) precisa a
fim de cumprir sua missão. Pedro faz uma declaração parecida, nos dizendo que “todas as coisas
que conduzem à vida e à piedade” estão disponíveis ao crente por meio do conhecimento de
Cristo (2Pe 1.3), que chega a nós através do texto das Escrituras
(v. 19-21). O Espírito usa sua Palavra para penetrar no coração, revelando motivações e
desnudando a consciência diante de Deus (Hb 4.12; Ef 6.17). A Escritura não é apenas (1)
inspirada e (2) infalível, mas também (3) suficiente para equipar o povo de Deus para missões.
Dizer que a Escritura é suficiente não é dizer que os obreiros da linha de frente do evangelho
não deveriam aprender idiomas, culturas, habilidades profissionais ou outras estratégias-chave
para sobreviver à vida missionária. A Bíblia nos dá “todas as coisas necessárias para a própria
glória [de Deus] e para a salvação, fé e vida do homem”.15 Ela não nos diz como falar no idioma
Swahili, como trocar um pneu murcho no meio de uma estrada de terra, ou como equilibrar as
finanças. Esse conhecimento prático chega a nós na medida em que Deus também abençoa seu
povo com reflexões através do domínio da graça comum. Mesmo assim, o Espírito Santo nos deu
sua Palavra como recurso suficiente para nos capacitar a cumprir a Grande Comissão por meio
do seu poder, para discipular as nações por meio do compartilhar do evangelho, e para ensinar a
obediência total ao senhorio de Cristo. Não ficamos afiados o bastante para o ministério por meio
das últimas tendências, técnicas ou teorias de autoajuda, da psicologia, ou da sociologia. Não
ganhamos nada nos comportando de forma irresponsável em nossas traduções da Bíblia para
novos idiomas ou audiências, pisando em ovos ao redor de palavras e ideias impopulares. Com a
Palavra de Deus em mãos, homens e mulheres de Deus estão suficientemente equipados para
toda boa obra.
Uma quarta característica da Escritura precisa ser mencionada. A Palavra escrita de Deus não é
apenas (1) inspirada pelo Espírito de Deus, (2) infalível e (3) suficiente, mas, como resultado
dessas coisas, também é (4) necessariamente autoritativa. O problema nas missões
contemporâneas não é que pensadores e obreiros de missões evangélicas não afirmem o poder
transformador da mensagem da Bíblia ou a importância de traduzir essa mensagem na língua
materna de cada povo. O problema é que nós não temos nos submetido à Palavra.
Suficiência quer dizer autoridade
“Case-se com a missão; corteje os meios para fazê-la.”
Eu (Alex) ainda me lembro da minha reação quando ouvi pela primeira vez essa máxima
proferida por um dos líderes de nossa grande igreja e com vários campi, onde servia no
ministério com universitários. Eu ri baixinho, percebendo o duplo sentido, mas internamente
hesitei. A lógica era que deveríamos espalhar a mensagem por todo e qualquer meio que não
fosse pecaminoso; o “como” era negociável. Essa lógica era atraente. Mas se esse conselho é um
fracasso para questões matrimoniais, como poderia se aplicar à noiva de Cristo?
Esse pragmatismo é voraz no evangelicalismo ocidental, e em particular, nos EUA. O
problema é a nossa falha em reconhecer que, em sua Palavra, Deus nos deu tanto a mensagem,
quanto os meios. A Palavra de Deus não carrega apenas o conteúdo da nossa mensagem às
nações, mas é nossa autoridade infalível com respeito aos métodos que devemos usar. Paul
Washer, presidente da Sociedade Missionária HeartCry, fez essa observação em uma conferência
sobre missões em 2019:
Não podemos ter confiança em qualquer ministério, a menos que seja especificamente [...] prescrito pelas Escrituras, não
importando quão nobre aquele ministério possa ser; se ele não é prescrito pelas Escrituras, temos um problema. [...] Se há
uma coisa a que o povo de Deus está inclinado ao longo de toda a história bíblica e da história da igreja, como um todo e
individualmente, é isso: “cada um fazia o que achava mais reto”. Na ausência da autoridade inspirada, inerrante e infalível,
o homem inventará. [...] O estado das missões modernas prova que nossa grande necessidade é retornar às Escrituras. A
obra missionária contemporânea está flutuando em um labirinto de opiniões contraditórias com respeito à natureza da
Grande Comissão, à definição e ao dever de um missionário, e aos métodos ou estratégias que são empregados. Nunca na
história da igreja houve tantas visões tão divergentes e estratégias tão radicalmente incompatíveis. Essa confusão é
evidência irrefutável de que, mais uma vez, somos culpados de fazer o que achamos mais reto.16
Nos dias de hoje, sem estarem ancoradas nas instruções e exemplos explícitos da Escritura
quanto ao método do ministério, as estratégias de missões estão afundadas em um mar de
metodologias retiradas não da revelação divina, mas de esferas como as ciências sociais e o
mundo corporativo. Não podemos ficar fazendo experiências. Somos servos da Palavra.
Aplicação
Portanto, se a Escritura deve ser nossa autoridade, como ela nos manda cumprir nossa tarefa?
Retornaremos a essa pergunta fundamental ao longo de todo este livro, mas abaixo estão
observações iniciais a respeito do papel da Escritura em nossa missão:
1. A Palavra de Deus é suprema. O Senhor Jesus considerava as Escrituras históricas como o
discurso direto de Deus aos seus contemporâneos. Ele desafia os judeus: “não tendes lido o
que Deus vos declarou[?]” (Mt 22.31). Depois da ressurreição, Jesus buscou não apenas
persuadir seus seguidores mostrando a prova do seu corpo físico, mas também fazer exegese
das Escrituras, a fim de abrir suas mentes (Lc 24.17, 45-47). O apóstolo Paulo, por sua vez,
alertou que os membros da igreja na Galácia medissem até as palavras dos apóstolos e dos
anjos a partir do ensino bíblico que tinham recebido: “Mas, ainda que nós ou mesmo um
anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja
anátema” (Gl 1.8). Devemos concluir que a ênfase protestante no sola Scriptura — somente
a Escritura como a mais elevada autoridade — não é um mero subproduto das controvérsias
culturais europeias do início da modernidade, mas sim o claro exemplo de Cristo e de seus
apóstolos.
2. A Palavra de Deus é eficaz. O Espírito de Deus age por meio das Escrituras para realizar
perfeitamente o que quer que ele pretenda no coração do leitor ou do ouvinte (Is 55.11),
para abrir ou endurecer o coração (1Co 1.18; 2Co 2.14). A Palavra de Deus, assim
supervisionada pela obra iluminadora, regeneradora e convencedora do Espírito Santo, é
poderosa e cortante como uma espada de dois gumes (Hb 4.12; Ef 6.17). Por meio dela,
nascemos de novo (1Pe 1.23; Tg 1.18) e continuamos a receber nossa nutrição na fé (1Pe
2.2; 1Tm 4.13). A obra do Espírito é tão inseparável da Palavra escrita de Deus, que o
teólogo puritano inglês John Owen comentou: “Aquele que separa totalmente o Espírito da
Palavra poderia muito bem queimar sua Bíblia”.17 Portanto, não há substituto para a leitura e
interpretação da Bíblia no próprio idioma do leitor.
Uma vez que Deus falou na Escritura, sua Palavra deve ser tratada como nossa autoridade
definitiva e suficiente. E se nos importamos com o amor de Deus pelo mundo, também
desejaremos que o mundo tenha acesso à sua Palavra. Embora haja traduções da Escritura
disponíveis nos idiomas falados por 90% da população mundial, mais da metade dos idiomas e
dialetos do planeta ainda está sem a tradução da Bíblia.18 Uma obra importantíssima deve ser
realizada para levar todo o conselho da revelação divina a povos não alcançados, que não
possuem acesso à Palavra de Deus em sua língua materna.
Ao continuarmos nosso estudo das doutrinas centrais da fé e de suas consequências para a
atividade missionária, se não entendermos primeiro a supremacia e o poder da Palavra de Deus,
hesitaremos imediatamente. A única razão pela qual ousamos proclamar o caminho de Deus para
a salvação das nações, colocando a nós mesmos em risco, é porque o Senhor se sobrepôs à
subjetividade da opinião e da filosofia humanas e falou, de maneira final e decisiva, por meio de
um livro. Nosso chamado aos esforços missionários não começa com um desejo intenso por
viagens ou com uma experiência particular de chamado, mas com um reconhecimento humilde
de que seguramos em nossas mãos frágeis as abrasadoras palavras do Deus eterno, e ele deseja
que essa Palavra seja lida, entendida, traduzida, pregada, interpretada e obedecida. Tome-a e
leia!
Questões para revisão
1. O que significa dizer que a revelação de Deus no domínio natural e na Escritura são o
fundamento do verdadeiro conhecimento? Quais são algumas das outras fontes de
conhecimento nas quais os crentes tendem a se apoiar?
2. Quais são os dois tipos de revelação divina? O que um indivíduo deve receber e crer para
ser salvo?
3. O que querem dizer os termos “inspiração”, “infalibilidade”, “inerrância”, “suficiência” e
“autoridade” no contexto da Bíblia? Em sua experiência, cristãos tendem a esquecer alguma
dessas doutrinas?
4. De que maneira os cristãos deveriam usar a Palavra de Deus como o padrão final para
determinar questões de metodologia? Você consegue pensar em passagens específicas da
Escritura que sejam relevantes em relação à maneira pela qual avançamos no ministério?
5. A Confissão de Westminster e a Confissão de Fé Batista de Londres (1689) declaram que a
Escritura deve ser traduzida nas línguas comuns de todas as nações entre as quais o povo de
Deus se encontrar. Por quê? O que você pensa que os missiólogos querem dizer quando
falam a respeito da “língua materna” de uma pessoa?
6. Defensores da metodologia do movimento de incursão entre os muçulmanos promovem
traduções da Bíblia que deixam de fora termos como “Filho de Deus” para não ofender ou
confundir os leitores muçulmanos. Por que isso é problemático?
7. Reflita a respeito de sua própria jornada espiritual. De que maneira a Bíblia afetou sua
caminhada com o Senhor? Como teria sido a sua trajetória espiritual se você não tivesse
acesso à Bíblia?
8. De que maneira Deus age no mundo por meio de sua Palavra? O que os cristãos podem
fazer para ajudar mais pessoas a terem acesso à Palavra de Deus?
5 Para a história completa, veja Loren Skinker, “All Things for Good”, ABWE, publicado em 13 de julho de 2020,
https://www.abwe.org/blog/all-things-good.
6 Confissão de Fé de Westminster (daqui em diante, CFW), 1.8.
7 Andy Stanley, “Aftermath, Part 3: Not Difficult // Andy Stanley”, YouTube, 39:44, 30 de abril de 2018,
https://www.youtube.com/watch?v=pShxFTNRCWI.
8 United Bible Societies, “About Us: Incredible Growth in Scripture Translation”, UBS Translations, United Bible Societies,
acessado em 25 de julho de 2020, https://translation.bible/about/.
9 Um exemplo é a “tradução” intitulada The True Meaning of the Gospel and Acts in Arabic [O Verdadeiro Significado do
Evangelho e de Atos em Árabe], ed. Mazhar Mallouhi (Beirut, Lebanon: Dar Al Farabi, 2008). Essa tradução, por exemplo,
destrói a injunção de Mateus 28.19 de “[batizar] em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” e a substitui por “limpá-los
com água no nome de Deus, do seu Messias, e do seu Espírito Santo”. Veja David Harriman, “Epilogue: Force Majeure:
Ethics and Encounters in an Era of Extreme Contextualization”, em Muslim Conversions to Christ, ed. Ayman Ibrahim e Ant
Greenham (New York: Peter Lang, 2018), p. 491.
10 William Tyndale, The Works of William Tyndale (1848; reimpr., Edinburgh: Banner of Truth, 2010), 1:394.
11 United Bible Societies, “About Us”.
12 Sun Young Chung e Todd M. Johnson, “Tracking Global Christianity’s Statistical Centre of Gravity, AD 33-AD 2100”,
International Review of Mission 95 (2004): p. 167; citado em John Morgan, “World Christianity Is Undergoing a Seismic
Shift”, ABWE Blog, ABWE International, 27 de junho de 2019, https://www.abwe.org/blog/world-christianity-undergoing-
seismic-shift.
13 Confissão de Fé Batista de Londres de 1689, (Rio de Janeiro: Pro Nobis, 2022), 1.1. Daqui para frente, CFBL1689.
14 É a isso que os teólogos se referem como inspiração verbal e plenária. Nosso reconhecimento de que os autógrafos originais
da Escritura continham as palavras exatas e propositalmente inspiradas por Deus é uma boa razão para rejeitar considerações
hipercontextualizadas da Escritura como as TIIs, abordadas anteriormente neste capítulo. Uma vez que Deus pronunciou as
palavras do texto da Escritura, então a tradução fiel deve permanecer tão próxima da terminologia e dos significados quanto
possível.
15 CFBL1689 1.6.
16 Paul Washer, “2019 G3 Conference — Paul Washer —– Session 12”, YouTube, 1:11:23, 18 de fevereiro de 2019,
https://www.youtube.com/watch?v=fJq1xxk1Go0.
17 John Owen, The Works of John Owen, ed. William Henry Goold (Edinburgh: Banner of Truth, 1965), 3:192.
18 United Bible Societies, “About Us”.
O decreto do Pai de enviar
o Filho a todas as nações
Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas
tenha a vida eterna.
(João 3.16)
Ao me sentar (Chad) para tomar café da manhã com meu amigo Emad, nós debatemos
vigorosamente sobre quem Deus é. Emad é um muçulmano sunita que passou boa parte da sua
vida como um emir (líder local) na cidade onde eu moro. Ele também é um vigoroso defensor do
islamismo. Nossos debates particulares no café da manhã transbordaram em um debate público
sobre a natureza de Deus.19 Emad confessa crer em um Deus unipessoal, Alá. Eu confesso crer
no Deus Triúno, um Deus em três pessoas. Visões diferentes acerca do ser de Deus levam a
entendimentos bem distintos de como Deus age e salva.
Eu me lembro distintamente do nosso primeiro ponto de discordância. Emad argumentou que
Deus ama apenas aqueles que se arrependem e que são piedosos. Alá ama aos que guardam a lei
fielmente; Alá não ama ao ímpio. Eu respondi que Deus ama ao ímpio precisamente porque
“Deus é amor” (1João 4.8). Portanto, Deus se propôs a ser gracioso para conosco na pessoa e na
obra do seu Filho. Emad recuou diante da noção de que Deus é amor. Alá de fato ama. Mas Alá
não ama aos pecadores que não o merecem. Assim, Alá não é amor.
Nosso entendimento de Deus fundamenta tudo aquilo em que cremos e que proclamamos sobre
a nossa fé. Proclamar o Deus verdadeiro é essencial e central à obra missionária de fazer
discípulos. Os apóstolos, consistentemente, começavam suas mensagens evangelísticas
ensinando sobre quem Deus é.20 Eles acreditavam que era necessário corrigir falsos
entendimentos sobre Deus antes de anunciar a natureza e o estado do homem, a nossa
necessidade de perdão, e a provisão de Deus por meio do evangelho de Jesus Cristo. Dessa
forma, se esperamos ser fiéis à Grande Comissão dada por Cristo à sua igreja, cremos que é
imperativo que comecemos entendendo a Deus.
Sem Deus brilhando no centro, as missões se tornam uma obra vazia e centrada no homem,
cujo objetivo é o bem social geral. Esse tipo de obra missionária não salva os homens da
condenação eterna. Não é motivado pela adoração a Deus e nem leva à adoração a Deus. É um
esforço secular e humanitário semelhante aos Corpos da Paz ou a um programa das Nações
Unidas. Contudo, as verdadeiras missões cristãs são radicalmente centradas em Deus — surgindo
da adoração ao nosso Senhor Triúno e nos levando de volta a ela.
As missões cristãs têm a ver com fazer o nosso Senhor Triúno conhecido por aqueles que
suprimiram a verdade pela injustiça e que estão justamente condenados à perdição eterna, para
que eles possam ser reconciliados com Deus (Rm 1.8-32; veja também 3.9-26). Dessa forma, em
situações normais, o impacto positivo de nossos esforços missionários nunca poderá ir além da
profundidade de nosso entendimento da doutrina de Deus e de sua obra salvadora. Ao mesmo
tempo em que Deus pode, como dizem alguns, escrever certo por linhas tortas — isto é, ele pode
nos usar apesar de nossas motivações erradas ou da falta de preparação — somos responsáveis
por apresentar a nós mesmos como obreiros aprovados (2Tm 2.15).
Não é possível acertarmos o alvo em nossos esforços missionários a não ser que estejamos
mirando no lugar certo. Jesus entendeu isso bem. De fato, seu comissionamento à igreja é um
mandamento para fazermos discípulos do nosso Senhor Triúno:
Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos
de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas
que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século (Mt 28.18-20).
Jesus fundamentou a Grande Comissão na autoridade que lhe foi dada. Sendo o Cristo, foi-lhe
dada autoridade por seu Pai (Sl 2.7-9; Dn 7.13-14; Jo 17.1-5). Jesus, então, forneceu o impulso
central de seu mandamento, ordenando aos apóstolos que fossem e fizessem discípulos de todas
as nações.21 Qual é o meio para se fazer discípulos entre todas as nações? Jesus empregou duas
palavras que nos dizem os meios: “batizando” e “ensinando”.22 A igreja deve ir e fazer discípulos
de todas as nações por meio do batismo destes no nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e
através do ensino a respeito da obediência a tudo que Jesus ordenou. Jesus é Senhor, e deve ser
obedecido e adorado como tal (Mt 28.17-20). Finalmente, ele prometeu o poder para realizar a
Grande Comissão. Jesus sempre estará com os seus por meio do Espírito Santo (Jo 14.16-17,
veja também o
v. 23), até a consumação do século (Mt 28.20).
A Grande Comissão é inteiramente trinitária. Somos enviados e capacitados pelo nosso Senhor
Triúno para fazer-lhe discípulos. Quando discípulos são feitos, eles são identificados por meio do
batismo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. O batismo é uma cerimônia de nomeação
na qual os novos discípulos assumem o nome singular do nosso Senhor Triúno sobre eles. O
nome é singular, porque o SENHOR nosso Deus é um (Dt 6.4). O nome singular é o nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo, porque as pessoas são três — um Deus em três pessoas.23 Esse é o
Deus da Bíblia, o Deus que nos criou e nos redimiu, o Deus a quem adoramos.
A igreja confessa o mistério da Trindade, porque ele foi ensinado pelo nosso Senhor Jesus. Isso
é bem entendido na história da igreja. Gregório de Nazianzo, pai da igreja do século 4, em sua
“Oração sobre o Batismo”, escreveu no ano 381 d.C.:
Não concebo o Único antes de ser iluminado pelo esplendor dos Três; e não os distingo antes de ser carregado pelo Único.
Quando penso em qualquer um dos Três, penso nele como o Inteiro, e meus olhos são preenchidos, e me escapa a maior
parte daquilo que estou pensando.24
A identidade de nosso Senhor Triúno é central para a obra missionária. No batismo, recebemos
o nome triúno como nosso sobrenome, e estamos chamando a outros para que nasçam de novo e
sejam batizados nessa mesma família. A adoração e a proclamação do Deus verdadeiro não são
um exercício de teologia acadêmica. Antes, a “doutrina da Trindade é o fundamento de toda a
nossa comunhão com Deus e da nossa reconfortante dependência dele”.25 Quem Deus é constitui
o artigo mais fundamental de nossa fé.
Não podemos cumprir a Grande Comissão se não fizermos discípulos do Deus verdadeiro.
Assim, nosso alvo nos próximos três capítulos é tratar de cada pessoa da Trindade e de como as
missões são adequadamente entendidas à luz de quem Deus é e do quê ele está fazendo.
Começaremos com o Pai, olhando primeiro para a pessoa do Pai, e, então, para a obra do Pai.
A pessoa do Pai
Quem é o Pai? O que a Bíblia nos diz sobre ele? Nos é dito que ele é o único Deus, de quem
são todas as coisas e para quem existimos (1Co 8.6). Ele é o Criador. Nele vivemos, nos
movemos e existimos (At 17.28). Ele é o Sustentador. Ele é o Deus que nos criou como
portadores de sua imagem, para que possamos multiplicá-la e refleti-la por toda a terra (Gn 1.26-
28). Ele é o Soberano entre todos (At 4.24-28). Deus realiza toda a sua santa vontade sobre a
terra. Ele é o Deus em quem devemos confiar e a quem devemos obedecer e adorar (Dt 6.4-9).
Talvez a descrição mais bem conhecida de Deus Pai seja a dada pelo Senhor Jesus Cristo em
João 3.16: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que
todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. O Pai é o Deus que amou ao mundo de
tal maneira que deu seu Filho unigênito. Essa é uma frase que ouvimos com frequência, mas
raramente dedicamos tempo suficiente para meditar nela. O amor do Pai é a fonte do seu decreto
de enviar o Filho ao mundo para nos salvar. O Pai, pelo transbordar do seu amor pelo mundo,
entregou o seu Filho Unigênito.
Ao meditar nessa verdade gloriosa, duas perguntas devem ser consideradas. Primeiro, quem é
“o mundo”? Segundo, por que Deus ama o mundo? O termo grego traduzido como “mundo”
(kosmos) pode ser uma referência ao planeta físico, como vemos no primeiro uso de “mundo”
em João 3.17. O termo grego também pode ser utilizado para se referir às pessoas do mundo,
como deve ser o caso de João 3.16. Pessoas creem. Pessoas perecem pelo pecado. Pessoas
recebem vida eterna. Pessoas são salvas. Essa declaração pode ter incomodado os seguidores
judeus de Jesus. O amor do Pai é derramado sobre a humanidade caída. Seu amor não é limitado
por distinções étnicas. Deus amou de tal maneira tanto a judeus, quanto a samaritanos e a
gentios. Deus amou de tal maneira as pessoas de toda tribo, língua e nação. Deus enviou seu
Filho para ser o Salvador do mundo, não apenas daqueles que faziam parte da etnia judaica (Jo
4.42).
Mas por que Deus ama o mundo? Por que o Pai ama pecadores decaídos, e que já estão
condenados (Jo 3.17-21)? A Bíblia é repleta de referências ao amor de Deus por pecadores. É
Deus quem mostrou o seu amor por nós pelo fato de que Cristo morreu por nós enquanto ainda
éramos pecadores (Rm 5.8). O Pai deu seu Filho por nós porque nos ama, não para que ele possa
nos amar. Por quê? Qual é a fonte do amor do Pai por pecadores? Seu próprio ser e caráter. Deus
é amor — eterna e imutavelmente amor (1Jo 4.8; 4.16).
Deus não se tornou amor quando criou o mundo. Deus é amor (1Jo 4.16). Deus não foi
convencido a nos amar por causa de algo admirável ou belo em nós. O amor de Deus não é algo
que ele acrescentou a si mesmo quando contemplou suas criaturas. Deus é amor. Deus não
precisou criar um objeto para o seu amor. Deus está eternamente em uma comunhão de amor
entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Deus não nos amou por causa de nosso amor por ele. Ele
nos amou primeiro (1Jo 4.10). O reformador protestante do século 16, Martinho Lutero, disse
corretamente: “O amor de Deus não encontra, mas cria aquilo que lhe agrada”.26 Não
merecíamos o amor de Deus. Merecíamos sua ira justa pelos nossos pecados. Somos pecadores
rebeldes e destinados ao inferno que violaram a lei de Deus (Ef 2.1-3), pecadores que negaram a
Deus e se voltaram à adoração da criação em lugar do Criador (Rm 1.18-31; 3.9-20). “Mas Deus,
sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos
em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo — pela graça sois salvos” (Ef 2.4-5).
A obra do Pai
O amor do Pai por nós é a fonte da qual flui a sua obra por nós. Deus nos criou e nos redimiu a
partir do transbordar de seu amor. Pois Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito. Um aspecto fundamental do amor do Pai por nós é o ato de entregar-se. O Pai amou e,
portanto, deu. De que maneira o amor do Pai foi manifesto entre nós? Ele enviou seu único Filho
ao mundo para ser aquele que suportaria a ira contra nossos pecados (1Jo 4.9-10). O Pai nos
amou de tal maneira que deu ou enviou seu Filho unigênito. Ele deu seu Filho para que não
perecêssemos, mas para que tivéssemos vida eterna. Nossa condenação justa era a morte, mas
recebemos a vida eterna em Cristo como um dom de Deus (Rm 6.23). Não fizemos nada para
merecer esse dom gracioso. É um dom totalmente proveniente da graça, dado em amor.
Deus decretou nos dar esse dom gracioso antes mesmo de crermos. Ele colocou seu amor sobre
nós ao concedê-lo enquanto ainda éramos pecadores. Ele escolheu ser gracioso para conosco
antes mesmo de termos nascido. O Pai decretou amorosamente nos abençoar com essa graça
antes da fundação do mundo (Ef 1.3-6). O Pai não foi motivado a fazer isto por causa de alguma
potencial bondade em nós. A Assembleia de Westminster confessou o seguinte:
Segundo o seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da sua vontade, Deus, antes que fosse
o mundo criado, escolheu em Cristo, para a glória eterna, os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da
sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e
perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa.27
Deus é imutavelmente amoroso, e o seu amor não aumenta ou esfria baseado em nossa
bondade inconstante. Deus é amor porque ele é quem ele é. João Calvino declarou bem:
Pois se você indagasse por que o mundo foi criado, por que fomos colocados nele para tomar posse do domínio da terra,
por que somos preservados em vida para o desfrutar de bênçãos incomensuráveis, por que somos dotados com luz e
entendimento, não se poderia apresentar nenhuma outra razão exceto o amor gratuito de Deus. [...] Porque não foi apenas
por um amor incomensurável que Deus não poupou ao seu próprio Filho, mas para que ele nos restaurasse à vida; mas foi
também pela mais maravilhosa bondade, a qual deve encher nossa mente com a mais profunda surpresa e espanto. Cristo,
pois, é uma prova tão maravilhosa e singular do amor divino para conosco que, sempre que olhamos para ele, mais
plenamente ele nos confirma a verdade de que Deus é amor.28
Aplicação
Saber que o Pai decretou eternamente a nossa salvação e enviou seu Filho a partir do
transbordar do seu amor por pecadores como nós afeta, necessariamente, a nossa prática
missionária. Não podemos pregar o evangelho se falharmos em entender que o Pai ama
pecadores justamente condenados. Ele nos amou primeiro. Em Cristo, o amor desceu para nos
salvar. O Pai não foi instigado a enviar seu Filho por pessoas essencialmente boas que buscavam
adorá-lo. Não há “bons selvagens”. Não há justo. Não, nenhum sequer. “Não há quem busque a
Deus” (Rm 3.9-11). O cristianismo não é a história da humanidade buscando ao Deus
verdadeiro. É a história do Deus que busca salvar pecadores rebeldes que fogem da sua presença.
Cristo foi enviado pelo Pai para buscar e salvar o perdido. Ele nos envia na Grande Comissão
para fazer o mesmo.
Embora nem todos as pessoas não alcançadas do mundo sejam muçulmanas, é útil traçar o
contraste com o Islã nesse ponto em particular. O deus do Islã, Alá, não é amor. Ele tem amor,
mas não é amor. Ele não ama criaturas ímpias. Ele ama apenas aos que se arrependem e que são
virtuosos. Em outras palavras, seu amor é estimulado pela criatura. O Deus do cristianismo é
amor. O Pai enviou e deu seu Filho por causa do transbordar do seu amor. O Pai não nos ama por
causa de Jesus. O Pai nos ama; portanto, ele enviou a Jesus. Se falharmos em entender quem o
Pai é, falharemos em entender as boas-novas da mensagem do evangelho.
O amor salvador do Pai não pode ser pregado, e nem discípulos do Filho podem ser feitos, sem
a proclamação da triunidade de Deus e sem o batismo no nome triúno. Se negarmos que Deus é
três em um, então negamos que Deus é eternamente o Pai e que Jesus é eternamente o Filho. O
Islã nega essa verdade na Surata 112 do Alcorão: “No nome de Deus, o Gracioso, o Clemente.
Diga: ‘Ele é Deus, o Único. Deus, o Absoluto. Ele não gera, nem foi gerado. E não há ninguém
comparável a ele’”. Alá não “gera”. Assim, ele não é eternamente Pai. Deus não é gerado. Por
isso, ele não é eternamente Filho. Alá é um deus de uma só pessoa. Ele não é o Deus Triúno da
criação, da providência e da redenção. Alá não é o Deus progressivamente revelado nos profetas
do Antigo Testamento, e revelado de forma final e completa na encarnação do Filho (Hb 1.1-2).
Não podemos superestimar o impacto do entendimento do amor de Deus, que se origina do Pai
e é expresso em Cristo. Para aqueles inculcados em uma cosmovisão islâmica, com a qual
lidamos de forma bem breve neste capítulo, a percepção do amor de Deus é revolucionária.
Reflita neste testemunho, atribuído a um homem de Gana chamado Komna, um ex-muezim (um
muçulmano que grita o chamado à oração do topo do minarete de uma masjid, ou mesquita) que
se converteu do Islã para a fé cristã: “Eu entendi que somente Cristo poderia responder minha
pergunta sobre segurança eterna. [...] Eu decidi confiar em Cristo, e desde esse momento, senti
que não era mais a mesma pessoa. De fato, senti como se um grande fardo tivesse sido tirado de
mim. Uma alegria indescritível veio sobre mim, como se eu tivesse descoberto um tesouro. Na
verdade, foi isso que aconteceu, porque eu me tornei um co-herdeiro com Jesus. Glória a
Deus!”.29 Somente o Deus da Bíblia oferece — e evidencia — o amor incondicional que pode
absolver uma consciência humana culpada, oferecer segurança a respeito do destino eterno e paz
espiritual.
Todos os nossos esforços missionários devem ser nutridos pelo amor de Deus. O amor de
Cristo nos compele a fazê-lo conhecido (2Co 5.14). O amor de Deus doa a si mesmo, e nosso
amor deve imitar o dele. O amor dele não é baseado no mérito do objeto amado, mas na virtude
do amor do Doador. Portanto, devemos amar de tal maneira que sacrifiquemos tudo pelo
próximo, até pelos inimigos (Ef 5.1-2; veja também Mt 5.43-48). Mas esse amor que dá a si
mesmo não surge de nossos corações caídos; é o fruto do Espírito Santo (Gl 5.22).
Assim como o amor de Deus desceu do céu à terra na pessoa do Filho, também sua força nos
compele a cruzar terra e mar para proclamar as boas-novas em Cristo Jesus. O amor do Pai não é
colocado de maneira peculiar sobre um grupo étnico, uma língua ou uma localização geográfica.
Ele é colocado sobre o povo de Deus, proveniente de toda tribo, língua e nação. As boas-novas
gloriosas de que o Pai ama pecadores como nós e deu seu Filho para nos salvar é o fundamento
da nossa certeza de que seremos sustentados, a base para nosso consolo na perseguição e no
sofrimento, e a causa da nossa parceria com missionários enviados pela igreja (Mt 6.26-33; Rm
8.28-39; 3Jo 5-8).
Questões para revisão
1. Por que é necessário começar com Deus, onde quer que preguemos o evangelho? Como o
começar com Deus nos lembra da motivação e do objeto de nossa missão?
2. De que formas você pensa que uma pessoa comum fica confusa acerca do evangelho por
causa da sua confusão a respeito de quem Deus é?
3. Como você acha que o entendimento islâmico a respeito de um “Deus” monístico (de uma
única pessoa) e que não “é amor” confundiria muçulmanos que estão ouvindo o evangelho,
caso você não corrija o entendimento deles acerca do verdadeiro Deus?
4. Como você pensa que o budismo panteísta (que crê que tudo é “Deus”) confundiria um
budista que esteja ouvindo o evangelho, caso você não corrija o entendimento que ele tem
sobre Deus?
5. Como você pensa que religiões animistas e espíritas confundiriam alguém que esteja
ouvindo o evangelho se você não corrigir o entendimento que ele tem de Deus?
6. Seria irresponsável proclamar o evangelho sem saber o que os nativos ouvem sobre Deus?
O que nossa responsabilidade de começar com Deus sugere sobre o nível no qual devemos
conhecer o idioma e a cultura para comunicar claramente o evangelho? O que essa realidade
sugere a respeito de quanto tempo levaria para aprender uma cultura e um idioma,
proclamar o evangelho aos nativos, e fundamentar uma igreja nessas verdades doutrinárias
proclamadas na própria linguagem e cultura deles?
7. Como o amor de Cristo nos compele a realizar o trabalho duro de aprender a linguagem e a
cultura, de arriscar o conforto e a segurança, para fazer o evangelho conhecido a pessoas
não alcançadas? Como o amor de Deus em Cristo compele nossas igrejas a compartilhar
dessa obra missionária (3Jo 5-8)?
19 Esse debate, “A Friendly Debate: Session 1 ‘Who is God?’”, com Emad Meerza, ex-emir do Islã em Kern County, Califórnia,
ocorreu em 24 de fevereiro de 2020, na Laurelglen Bible Church, e pode ser acessado em https://vimeo.com/390870064.
20 Veja o capítulo 6 para mais a respeito.
21 Assumimos o particípio “ide” como referente às circunstâncias do verbo imperativo primário “fazei discípulos” e, por isso,
como parte do mandamento. Veja Daniel B. Wallace, Greek Grammar beyond the Basics: An Exegetical Syntax of the New
Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1996), p. 640. Quanto à definição de “nações”, veja o capítulo 7.
22 “Batizando” e “ensinando” são particípios de meios, que explicam de que maneira os discípulos devem ser feitos.
23 A gramática grega dessa fórmula trinitária tem um artigo antes de cada pessoa, distinguindo-as como três pessoas no único
nome.
24 Gregório de Nazianzo, “Select Orations of Saint Gregory Nazianzen”, em S. Cyril of Jerusalem, S. Gregory Nazianzen, ed.
Philip Schaff e Henry Wace, trad. Charles Gordon Browne, e James Edward Swallow, A Select Library of the Nicene and
Post-Nicene Fathers of the Christian Church, Segunda Série (New York: Christian Literature Company, 1894), 7:375.
25 CFBL1689 2.3.
26 Martinho Lutero, Heidelberg Disputation 28 (1518).
27 CFW 3.5, ênfase acrescentada. Veja também CFBL1689 3.5.
28 João Calvino e Matthew Henry, 1, 2 & 3 John, Crossway Classic Commentaries (Wheaton, IL: Crossway, 1998), p. 79, ênfase
acrescentada.
29 Hannah Strayer, “How One African Went from Shouting the Muslim Call to Prayer to Sharing the Call of Christ”, ABWE
Blog, ABWE International, 15 de janeiro de 2020, https://www.abwe.org/blog/how-one-african-went-shouting-muslim-call-
prayer-sharing-call-christ.
A missão do Filho de salvar
a todas as nações
Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.
(Mateus 28.18)
Certa vez, eu (Alex) ouvi falar de um missionário na Índia que visitou uma família hindu que
tinha uma coleção de pequenos ídolos exibida acima da lareira. Quando a família ouviu a
respeito de Jesus, simplesmente acrescentaram um pequeno retrato dele à coleção — um
exemplo pouco surpreendente de sincretismo, ou da mistura do cristianismo com a religião pagã.
Nesse caso, Jesus foi tratado como mais um dos incontáveis deuses do hinduísmo. Contudo,
quando o missionário voltou alguns meses depois, apenas a imagem de Jesus estava no lugar de
honra sobre a lareira. Por quê? No período entre as visitas do missionário, um sacerdote hindu
também visitou a casa. Ao ver a coleção, ele observou: “Por que eles estão todos juntos? Esse
aqui é o Deus dos deuses”, fazendo referência a Jesus. O comentário dele foi a semente que
começou a mudar a perspectiva da família.
Cristãos que se interessam por missões não deveriam ficar surpresos com este lembrete de que
o Senhor Jesus Cristo se estabelece como sendo completamente diferente de todos os deuses.
Mas há menos consenso — mesmo na comunidade missionária — a respeito do que, exatamente,
Cristo fez. Por que Cristo morreu e ressuscitou? Uma escola crescente de missiologia argumenta
que um evangelho que enfatiza a remissão legal dos pecados diante de Deus, o Juiz, é
insuficiente para os ouvintes do Mundo Majoritário, cujas culturas colocam mais peso na
dinâmica da honra e da vergonha ou nas pressões do medo e do poder do que sobre as ideias de
culpa e inocência.30 Um escritor atribui a “ênfase nos aspectos legais da salvação” a um
“evangelho ocidental”, e mantém que a “culpa introspectiva” de homens como Agostinho de
Hipona e Martinho Lutero levou a uma teologia acomodada e a uma cultura “individualista,
racionalista e baseada na culpa”.31 Em outra parte, o autor reivindica (anacronicamente) que a
“cosmovisão iluminista” dos reformadores protestantes os levou a substituir categorias culturais
como honra e vergonha pela “lógica sociomoral (isto é, justiça punitiva e substituição penal)” no
que diz respeito à obra de Cristo.32
Cristo é um substituto para os pecadores, alguém que nos salva da vergonha, um herói que
devasta demônios pelos incapazes, ou alguma combinação desses três? O evangelho é
certamente multifacetado, mas as explicações modernas que usam estes paradigmas culturais
variados para estruturá-lo variam de tentativas bem-intencionadas e bíblicas a abordagens
questionáveis e sinistras. A diferença entre adorar a um Jesus que se senta entre as outras
“deidades” na prateleira de alguém e um Jesus que se assenta no trono como Senhor dos
senhores é a diferença entre a morte eterna e a vida eterna. Em sua comissão à igreja, Jesus nos
lembra que possui “toda a autoridade no céu e na terra” (Mt 28.18). Se entendermos errado o que
Cristo disse, nada que façamos em missões, em evangelismo ou em plantação de igrejas importa.
Até aqui, vimos que pelo fato de Deus ter falado de maneira suficiente e inerrante em sua
Palavra, a Escritura nos fornece não apenas nossa mensagem, mas também nossos métodos para
o ministério. Vimos também que o coração missionário de Deus deriva de sua natureza triúna,
que os relacionamentos na Divindade se derramam em amor pelo mundo, e que Deus o Pai é a
fonte do amor da qual flui a missão dele ao mundo. Naturalmente, agora voltamos nossa atenção
ao Filho de Deus.
Salmos 2 e a pessoa e a obra de Cristo
Para conhecer a Jesus e aplicar nosso conhecimento dele ao trabalho missionário, precisamos
considerá-lo em, no mínimo, dois aspectos: sua pessoa e sua obra. Convenientemente, o Salmo 2
é uma passagem na qual ambos os aspectos do Filho são, vívida e profundamente, apresentados.
Pano de fundo
O Salmo 2 é considerado um salmo de entronização. Em seu contexto original, esse salmo fala
da glória do Rei Davi e de seus herdeiros reinando de forma justa sobre o povo de Deus. Mas
salmos desse tipo também fazem declarações audaciosas, que não podem se referir a um mero
homem caído. Eles apontam, a partir de um Davi original e imperfeito, ao Filho de Davi,
verdadeiro e melhor, o qual, um dia, governaria sobre o povo de Deus e o salvaria de seus
inimigos. Os salmistas, incluindo o próprio Davi, estavam olhando para a frente, para a
realização plena da promessa pactual de Yahweh feita a Davi: “Quando teus dias se cumprirem e
descansares com teus pais, então, farei levantar depois de ti o teu descendente, que procederá de
ti, e estabelecerei o seu reino. Este edificará uma casa ao meu nome, e eu estabelecerei para
sempre o trono do seu reino” (2Sm 7.12-13).
O Salmo 2 também é um salmo missionário. Quando os doze apóstolos começaram a pregar o
evangelho e se depararam com perseguição, eles se voltaram para essa passagem a fim de
obterem conforto (veja Atos 4.23-31). Eles sabiam que ela falava do poder presente do Jesus que
eles tinham acabado de ver crucificado e ressurreto. Assim, depois de serem soltos da prisão e
advertidos para que se calassem, Pedro entrelaçou as palavras desse Salmo em sua oração, e,
“tendo eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo
e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus” (At 4.31). É nossa oração que, ao estudar esse
salmo, também possamos receber esse poder para as missões.
Pecadores furiosos, Servo Sofredor
O Salmo 2 começa assim: “Por que se enfurecem as nações e os povos imaginam coisas vãs?
Os reis da terra se levantam e as autoridades conspiram contra o SENHOR e contra o seu ungido,
dizendo: ‘Vamos romper os seus laços e sacudir de nós as suas algemas’” (Sl 2.1-3, NAA). O
palco está pronto, e está cheio de atores ruins. A vida de Davi estava cheia de inimigos que
buscavam fazer mal a ele, mas isso apenas prenunciava a desgraça suportada por Jesus. Pedro
conecta a fúria e a conspiração das nações, autoridades e reis com a conspiração de Herodes,
Pôncio Pilatos e das demais autoridades que queriam crucificar a Jesus (At 4.27).
Isso nos traz à própria razão pela qual o Filho divino, com base no seu pacto eterno com o Pai
para redimir um povo para Deus, encarnou: não existe neutralidade diante de um Deus santo.
Desde que Adão caiu em pecado e afundou a humanidade na rebelião, cada ser humano começa
sua vida em guerra com o seu Criador (Sl 51.5; Rm 5.12). Rebeldes pecadores como Herodes e
Pilatos são representantes da própria humanidade em cada tentativa furiosa de lançar fora o
domínio de Deus: “Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a
Deus” (Rm 3.10-11; veja também Sl 14.1-3). Isso coloca a humanidade sob a ira de Deus, o qual,
em sua santidade, não suporta a visão do pecado em sua presença (Hc 1.13).
Também somos lembrados da identidade de Deus, o Filho. Perceba que a hostilidade dos
pecadores é direcionada não a uma divindade genérica, mas contra o próprio Deus Triúno —
contra o Deus de Israel e o seu “Ungido” — seu Cristo. O Pai e o Filho não podem ser
separados; se os homens rejeitam a um deles, necessariamente rejeitam a ambos (1Jo 2.23). O
Filho está em união indissociável com o Pai (Jo 10.30) e o representa perfeitamente como o
Verbo (Jo 1.1; Hb 1.3). Essa Palavra, eternamente uma com Deus em ser e, mesmo assim,
distinta do Pai e do Espírito em pessoa, se tornou carne (Jo 1.14), assumindo uma natureza
humana (Fp 2.7), nascido da virgem Maria debaixo da lei moral de Deus (Gl 4.4), plenamente
semelhante a nós, mas sem pecado (Hb 4.15). A Definição de Calcedônia ensina que o Senhor
Jesus Cristo é
verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando de alma racional e de corpo, [...] consubstancial a nós,
segundo a humanidade [...] que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis
[...] concorrendo para formar uma só pessoa e em uma subsistência; não separado nem dividido em duas pessoas, mas um
só e o mesmo Filho, o Unigênito, Verbo de Deus, o Senhor Jesus Cristo.33
Porque confessamos que o Senhor Jesus Cristo, o Filho encarnado de Deus, é uma pessoa
unificada e indivisível com o Pai e com o Espírito, de acordo com sua natureza divina, então,
uma vez que os não alcançados são naturalmente hostis a Deus (Rm 8.7), também são
naturalmente hostis a Jesus. Rejeitar a qualquer das pessoas do Deus Triúno é rejeitar todas as
três pessoas divinas. O Salmo 2 reflete o fato de que a rebelião da humanidade contra o Deus
Criador se estende à rebelião contra o próprio Cristo.
Mesmo assim, essa rebelião hostil — a fúria das nações contra Deus e contra Cristo — não é
acidental, mas planejada. Cristo veio para morrer de propósito. Tudo isso foi de acordo com o
“determinado desígnio e [a] presciência de Deus” (At 2.23). Porque Deus deve garantir a justiça
e punir o pecado, e porque Deus decretou salvar um povo especial como o objeto do seu amor,
era necessário que um sacrifício expiatório fosse feito. Antes de governar como o rei
conquistador de Salmos 2, Jesus veio como o Servo Sofredor de Isaías 53. O Pai derramou sua
ira sobre Cristo na cruz, em nosso lugar, em uma expiação penal e substitutiva, para que ele
pudesse perdoar pecadores de forma justa, enquanto satisfazia as demandas da justiça divina.
Jesus foi aquele “a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé [...] tendo
em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o
justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.25-26). Nossa culpa foi colocada em Cristo, e
sua perfeita obediência à lei de Deus é imputada a nós (2Co 5.21).34
O conceito de uma expiação penal e substitutiva, longe de ser uma formulação ocidental do
evangelho, é o evangelho puro. Isso não vem da tradição legal greco-romana, mas cresce no solo
do sistema sacrificial do Antigo Testamento — que Deus embutiu, de maneira interessante, em
uma cultura antiga do Oriente Próximo (e não ocidental) a fim de preparar o mundo para
entender o Messias. Considere, por exemplo, a cerimônia em torno do Dia da Expiação (Lv 16),
na qual o sumo sacerdote confessava a transgressão no lugar do povo e colocava suas mãos no
animal sacrificial, transferindo simbolicamente a culpa da nação a ele. Por sua vez, o profeta
predisse a respeito de Cristo: “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas
nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos
sarados” (Is 53.5).
É verdade que o evangelho traz ricas implicações para culturas impregnadas com a dinâmica
da honra e da vergonha associada com a etnicidade, ou com o medo e o poder latente em
contextos animistas. Mas essas implicações fluem do fato de Cristo ter propiciado e expiado a
nossa culpa. É porque somos perdoados e declarados justos em Cristo que podemos ser libertos
da vergonha e do medo (veja Hb 4.14-16; 10.19-22). Porque somos justificados, pertencemos à
sociedade dos redimidos, uma comunidade na qual não existe vergonha (Rm 10.9-13). Porque
somos justificados, os espíritos malignos no mundo não podem mais empunhar nossa culpa
contra nós, e Satanás, o acusador, e sua horda demoníaca perderam qualquer direito sobre nós
(Cl 2.14-15; Jo 12.31). Essas não são ênfases alternativas à substituição penal, mas são produtos
necessários desta doutrina. Em resumo, “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores”
(1Tm 1.15).
Mas a história do Salmo 2 não acaba na cruz.
Divina Comédia
Nos versículos seguintes, Deus responde à rebelião do homem: “Ri-se aquele que habita nos
céus; o Senhor zomba deles. Na sua ira, a seu tempo, lhes há de falar e no seu furor os
confundirá. Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião” (v. 4-6). Se os versos
1 a 3 aludem à crucificação do Messias, o que significa dizer que Deus se ri (v. 4) e estabelece o
seu Rei em seu “santo monte” (v. 6)? Primeiro, essa coroação vitoriosa de Cristo começa
quando, no terceiro dia depois de sua morte, Cristo ressuscitou. A morte não pôde contê-lo (At
2.24). Sua ressurreição atesta a natureza suficiente e sacrificial de sua morte. Sua obra na cruz
fora finalizada e recebida por Deus. Além disso, para conquistar plena salvação para o seu povo,
não era suficiente que ele simplesmente tomasse o lugar deles na morte, mas também precisava
surgir triunfantemente para trazê-los de volta à presença do Deus vivo. Ele ressuscitou para a
nossa justificação (Rm 4.25). E se ele não ressuscitasse, ainda estaríamos em nossos pecados
(1Co 15.17). Sua ressurreição é o pagamento da primeira parcela da ressurreição de nossos
corpos físicos em glória imaculada no último dia (Jo 11.25; Rm 5.17; 1Co 15.22-23). Porque ele
vive, nós viveremos (Jo 14.19).
Mas a ressurreição de Cristo é ainda mais do que o recibo de uma transação. Considere o
conceito de comédia. O termo, hoje, costuma se referir a um filme ou livro cujo objetivo é
suscitar risos. Na cultura greco-romana clássica, uma comédia era uma história de um triunfo
heroico que culminava em uma celebração de casamento. Poderíamos descrever a ressurreição e
a vitória de Cristo como uma verdadeira “comédia” em ambos os aspectos, embora nosso texto,
obviamente, anteceda o surgimento desse gênero literário da era clássica. Em Salmos 2.4-6, Deus
se ri diante da futilidade da rebelião humana e levanta seu Filho dos mortos para reinar como o
Rei dos reis, derrotar Satanás, e se unir à sua noiva, a igreja (At 2.36; Ef 5.25-27; 1Jo 3.8; Ap
1.5). No fundo, a história bíblica como um todo é uma comédia, que vai da vitória de Jesus sobre
a serpente do Éden (Gn 3.15) às suas bodas com seu povo redimido (Ap 19.7-9). Em resumo,
para emprestar uma frase utilizada por outros, Jesus matou o dragão e resgatou a mocinha. E essa
vitória tem implicações permanentes para a atividade da igreja. Como veremos, a cerimônia de
posse de Cristo como Rei continua para além da ressurreição.
Ressurreto, agora para reinar
Quando eu era pastor de adolescentes, gostava de perguntar a nossos alunos: “Onde Jesus está
agora?” Em uma ocasião assim, deparei-me com os olhares confusos de um grupo de garotos do
Ensino Fundamental, até que, finalmente, algumas almas corajosas entraram na conversa: “Ele
está em todos os lugares”. “Ele está em nossos corações.” Um dos meninos gritou: “Está
cuidando dos dinossauros”. Infelizmente, eu suspeito que um grupo de adultos em uma igreja
evangélica padrão não se sairia muito melhor. Paramos na ressurreição e nos esquecemos da
ascensão de Cristo e de que ele agora está assentado no céu — o “santo monte” de Deus. Mesmo
assim, todos os cristãos devem confessar que Jesus ascendeu corporalmente ao céu e se assentou
para governar à mão direita do Pai (At 1.9; 2.33). Entronizado sobre o cosmos, Jesus Cristo está
intercedendo por seu povo (Rm 8.34) e colocando todos os seus inimigos debaixo de seus pés (Sl
110.1; 1Co 15.24-27) por meio de sua providência e do testemunho do evangelho por parte da
igreja (Mt 28.18-19; Rm 5.10; 2Co 10.4-6; Ap 12.11).
A realidade do governo presente de Cristo sobre seu reino é a base de nossa missão para as
nações. O Salmo 2 continua: “Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho,
eu, hoje, te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua
possessão. Com vara de ferro as regerás e as despedaçarás como um vaso de oleiro” (Sl 2.7-9).
Em seu contexto histórico original, essa seção do salmo volta a falar de maneira grandiosa a
respeito do relacionamento íntimo entre Davi, sua dinastia e o Israel de Deus. Mesmo assim, a
linguagem fortemente paternal aponta para bem depois de Davi, para o próprio Filho divino.
Portanto, em que momento ocorreu essa conversa entre Deus Pai e Deus Filho? Será que foi no
batismo de Cristo, quando ele ouviu a voz dos céus dizendo “Tu és o meu Filho amado, em ti me
comprazo” (Lc 3.22)? Ou foi no Monte da Transfiguração, quando esse anúncio foi repetido (Mt
17.5)? Na verdade, a aprovação paternal de Deus quanto a seu Filho não pode ser forçada a um
simples momento. O Pai ama ao Filho eternamente. Na Divindade, o Filho sempre foi igual em
poder ao Pai. A ideia de que Jesus “se tornou” o Filho de Deus em algum ponto de seu tempo de
vida, como uma recompensa por sua obediência, é uma heresia antiga chamada de adocionismo,
condenada univocamente pela igreja pelo menos desde o Primeiro Concílio de Niceia, em 325
d.C. Quando o Pai diz ao Filho “eu, hoje, te gerei”, a Escritura fornece um vislumbre dos
relacionamentos atemporais na Divindade — onde o “hoje” nunca acaba, e cada pessoa divina
não tem início ou fim temporal. O Filho sempre foi, é, e será a imagem e o esplendor do Pai, e
esta é a única forma de conhecermos a Deus (Hb 1.1-2).
Não obstante, o Filho fez um pacto com o Pai na eternidade “passada” (2Tm 1.9; Tt 1.2) para
conquistar a redenção para o povo de Deus e para receber um reino dentro da história humana:
“O Pai ama ao Filho, e todas as coisas tem confiado às suas mãos” (Jo 3.35). Quando o Filho
assumiu forma humana, este processo de surgimento de seu reino precisava ser experimentado
no tempo e no espaço. O Salmo 110, o texto do Antigo Testamento mais frequentemente citado
pelos autores do Novo Testamento, conecta a autoridade do Filho encarnado com sua ascensão à
mão direita de Deus:
Disse o Senhor ao meu senhor:
Assenta-te à minha direita,
até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés.
O Senhor enviará de Sião
o cetro do seu poder,
dizendo: Domina entre os teus inimigos. (Sl 2.1-2)
O Novo Testamento atesta que a ascensão de Cristo marca seu instalar-se como Rei. O Filho já
governava o universo de acordo com sua natureza divina, mas era necessário que, de acordo com
sua natureza humana, ele pudesse salvar a todas as nações e estender seu governo ao longo de
todo o mundo, depois de sua ressurreição. Isso ocorre porque o primeiro representante da
humanidade falhou regiamente como o vice-regente portador da imagem de Deus. Cristo tinha
que cumprir o que Adão não conseguiu. Durante seu ministério terreno, Jesus antecipou que, em
sua ascensão, receberia autoridade sobre seu reino, invocando a visão profética de Daniel do
Filho do Homem na sala do trono do céu:
Eu estava olhando nas minhas visões da noite,
e eis que vinha com as nuvens do céu
um como o Filho do Homem,
e dirigiu-se ao Ancião de Dias,
e o fizeram chegar até ele.
Foi-lhe dado domínio,
e glória, e o reino,
para que os povos, nações e homens de todas as línguas
o servissem;
o seu domínio é domínio eterno,
que não passará,
e o seu reino
jamais será destruído. (Dn 7.13-14)
Embora frequentemente associemos essa cena com o retorno consumado de Cristo no fim da
história, Jesus a conectou com os eventos que circundavam sua obra redentora no século 1.
Cristo advertiu aos que o interrogavam em seu julgamento que eles “veriam” o Filho do Homem
assentado e reinando “desde agora” (Mt 26.64; veja também Mc 14.62). Embora Satanás lhe
tenha oferecido o domínio sobre as nações sob a condição de rendição total a ele (Lc 4.5-7),
Jesus assegurou seu reinado universal e, recebendo autoridade do Pai, com o triunfo na cruz
sobre Satanás, lançando-o fora dos lugares celestiais (Jo 12.31).
É por isso que no Salmo 2.8, na ocasião da exaltação de Cristo, Deus Pai diz a seu nobre Filho:
“Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão”.
Considere o peso dessa oferta! Cristo deveria apenas pedir, e as nações seriam suas. Deveríamos
concluir qualquer coisa além de que Cristo aceitou a oferta? Ele, tendo cumprido o que o
primeiro Adão falhou em fazer em nome da raça humana (Rm 5.12-21), tornou-se o cabeça de
uma nova humanidade e cumpriu a promessa feita a Abraão de abençoar a todas as nações e
famílias da terra (Gn 12.3). Não surpreende, então, que quando chegou o tempo de Jesus
comissionar seus apóstolos, ele começou a Grande Comissão declarando que toda autoridade no
céu e na terra lhe fora dada. Porque ele tem essa autoridade, a igreja não deve se engajar apenas
no evangelismo pessoal, mas em discipular as nações (Mt 28.19). E Jesus continuará a reinar do
céu até que as nações tenham sido efetivamente discipuladas e todos os seus eleitos sejam salvos
(1Co 15.24-25; 2Pe 3.9).
Talvez, considerando o aparente desarranjo do mundo, sejamos tentados a pensar que “Rei dos
reis e Senhor dos senhores” seja meramente um título honorífico, e que Jesus tenha pouco poder
de fato sobre o curso da história. Mesmo assim, conforme o Salmo 2 se desdobra, ele nos leva a
uma conclusão diferente.
Sabedoria e advertência
O Salmo 2 muda de tom nas estrofes finais, abordando o mundo hostil que observa:
Agora, pois, ó reis, sede prudentes;
deixai-vos advertir, juízes da terra.
Servi ao Senhor com temor
e alegrai-vos nele com tremor.
Beijai o Filho
para que se não irrite, e não pereçais no caminho;
porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira.
Bem-aventurados todos os que nele se refugiam. (v. 10-12)
Jesus não é apenas o Rei, em um sentido piedoso, sobre algum domínio etéreo. Seu domínio
desafia as estruturas de poder e principados anticristãos existentes (v. 10). Seu governo resulta na
advertência autoritativa de que todas as nações e povos da terra devem ser “prudentes”,
rendendo-se a ele e recebendo seus termos de paz. Talvez seja isso que Paulo tivesse em mente
quando descreveu seu ministério apostólico como o de alguém “advertindo a todo homem e
ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito
em Cristo” (Cl 1.28, ênfase acrescentada). O evangelho avança não apenas como um convite
caloroso para experimentar a salvação, mas também como um conselho solene para fugir da ira
de Deus.
As boas-novas da morte, ressurreição, ascensão e governo de Cristo exigem uma resposta. Essa
resposta é arrependimento e fé. Reis e plebeus, de igual forma, devem “beijar o Filho” (v. 12) —
prestando-lhe homenagens e indo a ele humildemente com a honra da fé (veja Jo 5.23). Aqueles
que não respondem na humildade da fé permanecem sob o julgamento de Deus, bem como da ira
do próprio Cristo (Ap 6.16). Mas, para aqueles que vão a Cristo, ele os recebe como um refúgio
da ira: “o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (Jo 6.37). Essas são as boas-novas
da salvação, mas são uma espada de dois gumes; a mensagem cristã oferece graça livremente a
todos, embora seja uma fé profundamente exclusiva. Jesus Cristo é o único caminho para Deus
(Jo 14.6). A ideia de um “bom selvagem”, que tem direito à vida eterna pela virtude de sua
bondade inerente e sem Cristo, não faz sentido à luz do pagamento radical oferecido na cruz, o
qual foi inútil, se todos os caminhos levam ao céu. Homens e mulheres de todas as nações devem
beijar o Filho.
Aplicação
Numa era pós-moderna de emocionalismo, espiritualidade individual ou particular e
subjetividade radical, o proselitismo é a maneira mais certa para se fazer inimigos na cultura. O
que nos dá o direito de dizer a seguidores sinceros de outras religiões que a crença deles está
errada e a nossa está certa? O senhorio de Cristo sobre todos os povos da terra nos dá esse
direito. A Grande Comissão é o ato de Cristo enviar o seu povo para assegurar a fé e a
obediência das nações que já são dele.
O Salmo 2 traz quatro aplicações importantes para a obra missionária. Primeiro, devemos ir
aos povos perdidos no mundo sabendo que não há neutralidade; todo ser humano nasce em um
estado de rebelião hostil contra Deus. Segundo, devemos proclamar a crucificação e a exaltação
de Cristo para levar o reino de Deus aos pecadores. Terceiro, as nações agora pertencem ao
Filho, e a autoridade dele nos dá a ousadia de irmos ao trono da graça. Quarto, chamamos o
mundo ao arrependimento e a crer — a beijar o Filho com temor e com alegria —, de modo que
encontre refúgio diante da ira vindoura através da cruz.
A proclamação autoritativa da pessoa e da obra do Filho é o coração e a alma do
empreendimento missionário. É por isso que William Carey, reconhecido como o pai das
missões modernas, e seus compatriotas em Serampore, Índia, concordaram que:
Ao pregar para os pagãos, devemos manter o exemplo de Paulo, e fazer do Cristo crucificado o grande assunto de nossa
pregação. Seria muito fácil para um missionário pregar nada além de verdades, e isso por muitos anos, sem qualquer
esperança bem fundamentada de se tornar útil a uma alma. A doutrina da morte expiatória e suficiente de Cristo tem sido, e
deve sempre permanecer sendo, o meio principal de conversão. Essa doutrina, e as outras imediatamente conectadas a ela,
têm nutrido e santificado constantemente a igreja. Oh, que essas verdades gloriosas possam sempre ser a alegria e a força
de nossas próprias almas, e, então, elas não deixarão de se tornar o assunto da nossa conversa com outros.35
O Filho de Deus morreu, ressuscitou e reina. Sua cruz redime pecadores da culpa do pecado, e
essa mensagem é diretamente relevante a todas as nações e culturas. Sua missão de discipular as
nações foi determinada na história e será totalmente realizada na história. Nós simplesmente
compartilhamos do privilégio de sermos usados por ele por meio de nossa proclamação de
Cristo, e este crucificado. É com isso que a atividade missionária tem a ver.
Questões para revisão
1. Quem é o Filho de Deus? Ele é igual a Deus, menor que Deus, separado de Deus, ou uma
mera parte de Deus? Como a divindade do Filho afeta a forma pela qual falamos sobre Jesus
para indivíduos de outras culturas?
2. Por que Cristo teve que morrer? O que isso nos diz sobre o estado espiritual dos povos do
mundo? O que a morte dele conquistou?
3. É necessário falar sobre a obra de Cristo em aspectos relacionados à culpa, à punição e ao
perdão em contextos transculturais? Por que sim, ou por que não?
4. De que maneira a remoção que Cristo faz de nossa culpa penal e forense diante de Deus
aborda os problemas de vergonha experimentados em uma sociedade coletivista? Se a morte
de Cristo não fosse penal e substitutiva, as mesmas aplicações seriam válidas?
5. De que maneira a remoção que Cristo faz de nossa culpa legal e forense diante de Deus
aborda os problemas de medo experimentados em uma sociedade conduzida pelo poder,
espírita e animista? Se a morte de Cristo não fosse penal e substitutiva, as mesmas
aplicações seriam válidas?
6. Por que Cristo também precisava ressurgir dos mortos? O que ele está fazendo agora?
7. Quais são as implicações da atividade presente de Cristo para a ousadia missionária? Sob
sua providência, em que direção a história está indo?
8. Como um indivíduo pode experimentar os benefícios da obra de Cristo? Como isso afeta a
mensagem do missionário?
9. O que o salmista e o apóstolo Paulo querem dizer com “advertência” no contexto de
proclamar o evangelho?
10. Há uma forma de ser salvo longe de Cristo? Por que sim, ou por que não?
30 Alguns dos textos missiológicos mais conhecidos que defendem essa abordagem incluem Roland Muller, Honor and Shame:
Unlocking the Door (Bloomington, IN: Xlibris Corporation, 2001); Jackson Wu, Reading Romans with Eastern Eyes: Honor
and Shame in Paul’s Message and Mission (United Kingdom: InterVarsity Press, 2019), e Jayson Georges, The 3D Gospel:
Ministry in Guilt, Shame, and Fear Cultures (Time Press, 2014) [edição em português: O Evangelho 3D: Ministério nas
culturas de culpa, vergonha e medo (Hikmah, 2020)].
31 Jayson Georges e Mark D. Baker, Ministering in Honor-Shame Cultures: Biblical Foundations and Practical Essentials
(Downers Grove: IVP Academic, 2016), p. 22.
32 Jayson Georges, “Improving Anselm’s Theory of the Atonement”, Honor-Shame, atualizado em 3 de abril de 2017,
https://honorshame.com/improving-anselms-atonement-theory/.
33 A Definição do Concílio de Calcedônia (451 d.C.). Versão citada disponível em Wayne Grudem, Teologia Sistemática Atual e
Exaustiva (São Paulo: Vida Nova, 1999), p. 996.
34 Porque a morte de Cristo, na verdade, completa a salvação a ser aplicada pelo Espírito, e não meramente faz os homens
potencialmente salváveis de tal forma a deixá-los finalizar o processo, a expiação se aplica, necessariamente, ao povo
particular eleito de Deus, e não a cada indivíduo (incluindo aqueles que persistirão em descrença e sofrerão condenação),
como é comumente assumido. Essa doutrina de redenção particular tem sido uma fonte perene de equívocos entre
protestantes, mas é importante notar aqui que o escopo limitado da expiação reforça, ao invés de se opor, o chamado
missionário. Para mais, veja Alex Kocman, “3 Reasons Definite Atonement is Basic to Biblical Missions”, Founders
Ministries, 21 de janeiro de 2019, https://founders.org/2019/01/21/3-reasons-definite-atonement-is-basic-to-biblical-missions/.
35 “The Bond of the Missionary Brotherhood of Serampore, 1805”, artigo 5, em George Smith, The Life of William Carey, D.D.,
Shoemaker and Missionary (Edinburgh: R. & R. Clark, 1885), p. 445. Esse documento é mais comumente conhecido como a
Serampore Form of Agreement [Fórmula de Concórdia de Serampore] e é referenciada neste volume, daqui em diante, pelo
número do artigo e utilizando-se o último nome.
A missão do Espírito Santo como testemunha de Cristo em
todas as nações
Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder.
(Lucas 24.49)
50 Brad Gill, “03/22/15 – AM Service – Missions Conference Speaker”, First Baptist Church of St. Johns, 22 de março de 2015,
http://stjohnsfbc.com/sermons.html.
51 Brad Gill, “A Christology for Frontier Mission: A Missiological Study of Colossians”, International Journal of Frontier
Missiology, nº 34:1-4 (2017), p. 100.
52 Rebecca Lewis escreve a respeito desses movimentos: “Os crentes retêm a identidade como membros da sua comunidade
sociorreligiosa, enquanto vivem sob o senhorio de Jesus Cristo e da autoridade da Bíblia” (“Insider Movements: Retaining
Identity and Preserving Community”, Perspectives on the World Christian Movement, eds. Ralph Winter and Steven
Hawthorne, 4ª ed. [Pasadena, CA: William Carey, 2009], p. 673).
53 O missiólogo “John Travis” (pseudônimo) descreve “uma comunidade de muçulmanos que seguem a Jesus, ainda que
permaneçam, cultural e oficialmente, muçulmanos”, e esses “crentes são vistos como muçulmanos pela comunidade islâmica,
e pensam de si mesmos como muçulmanos que seguem a Isa, o Messias” (“The C1-C6 Spectrum: A Practical Tool for
Defining Six Types of ‘Christ-centered Communities’ Found in the Muslim Context”, em Perspectives on the World
Christian Movement, eds. Ralph Winter e Steven Hawthorne, 4ª ed. [Pasadena, CA: William Carey, 2009], p. 665).
54 Credo Apostólico, c. 542 d.C.
55 CFBL1689 26.1-2. Os presbiterianos ampliaram a igreja invisível, para incluir os filhos dos crentes também. A Confissão de
Westminster afirma: “A Igreja visível [...] consiste de todos aqueles que, pelo mundo inteiro, professam a verdadeira religião,
juntamente com seus filhos” (25.2). Sem dispensar a importância dessa discordância, podemos reconhecer que, qualquer que
seja a visão assumida, ambas capturam a realidade de que a igreja visível é, inevitavelmente, mista (consistindo de
regenerados e não regenerados), enquanto a igreja invisível é pura (consistindo apenas dos eleitos).
56 Piper, Let the Nations Be Glad!, p. 17. Piper expõe: “As missões não são o alvo definitivo da igreja. A adoração o é. [...] A
adoração é definitiva, e não as missões, porque Deus é definitivo, e o homem não. Quando essa era acabar, e os incontáveis
milhões de redimidos prostrarem suas faces diante do trono de Deus, as missões não mais ocorrerão. É uma necessidade
temporária. Mas a adoração dura para sempre”. [Edição em português: Alegrem-se os Povos: a supremacia de Deus nas
missões (São Paulo: Cultura Cristã, 2012).]
57 CFBL1689 26.5.
58 CFBL1689 26.6,12, ênfases acrescentadas.
59 Esta lista de citações bíblicas pode ser expandida e não é exaustiva. Considere Dt 4.10, 9.10, 10.4, 18.16; Js 8.35; 1Rs
8.14,22,55,65; 1Cr 28.2, 29.1,10,20; 2Cr 1.3,5; 6.3; 7.8; 20.5,14; 23.3; 29.28,31,32; 30.2,4,13,17, 23-25.
60 A palavra “sinagoga” é emprestada do grego sunagógé, que é traduzida variadamente por todo o Novo Testamento como
“assembleia” ou “sinagoga”, e deriva do verbo “reunir-se” (sunagó). No uso neotestamentário, sunagógé pode se referir a
sinagogas judaicas ou, por analogia, a igrejas cristãs (possivelmente em Tg 2.2). O modelo de sinagoga, um subproduto do
exílio e da dispersão, foi uma providência divina, preparando o povo de Deus para a era da nova aliança, na qual a adoração
verdadeira não seria mais centrada geograficamente no templo em Jerusalém.
61 Cipriano de Cartago, On the Unity of the Church, trad. Robert Ernest Wallis, de Ante-Nicene Fathers, vol. 5, ed. Alexander
Roberts, James Donaldson, e A. Cleveland Coxe (Buffalo, NY: Christian Literature, 1886). Revisado e editado para a New
Advent por Kevin Knight,http://www.newadvent.org/fathers/050701.htm.
62 “As marcas pelas quais a Igreja verdadeira é conhecida são estas: Se a doutrina pura do evangelho é ali pregada; se ela
mantém a administração pura dos sacramentos, como instituído por Cristo; se a disciplina eclesiástica é exercida na punição
do pecado”, Confissão Belga (1561), Artigo 29.
63 O Catecismo Católico Romano diz: “O Senhor fez de S. Pedro o fundamento visível de sua Igreja. Ele lhe confiou as chaves
da Igreja. O bispo da Igreja de Roma, sucessor de S. Pedro, é a ‘cabeça do colégio de bispos, o Vigário de Cristo e Pastor da
Igreja universal sobre a terra’ (CCR, cân. 331)” (Cathecism of the Catholic Church, 936, acessado em 2 de janeiro de 2021,
https://www.vatican.va/archive/ccc_css/archive/catechism/p123a9p4.htm).
64 Entretanto, não é completamente falso que Pedro pareça ocupar um papel de destaque entre os apóstolos. Além disso, os
termos que se seguem em Mateus 16.19 (“Dar-te-ei as chaves [...] tudo que ligares [...] tudo que desligares”) estão no singular
(referindo-se, presumivelmente, a Pedro), e não no plural. Isto não é um problema para os protestantes, considerando que pelo
menos em um texto paralelo (por exemplo, Jo 20.23) os termos estão no plural, referindo-se a todos os apóstolos. Esse
conceito das chaves do reino será explorado posteriormente, neste capítulo.
65 O termo “sacramento” não implica em algum poder mágico no ato em si, mas deriva do latim sacrāmentum, utilizado pelos
tradutores mais antigos (por exemplo, Jerônimo, na Vulgata) para traduzir o termo grego mystērion (“mistérios”). No Novo
Testamento, um “mistério” não é um segredo mágico, mas uma verdade divina anteriormente oculta, e agora conhecida na era
cristã. Muitos batistas preferem “ordenança” porque isso evita equívocos e enfatiza o mandamento de Cristo. Os autores
utilizam ambos os termos intercambiavelmente.
66 Os reformadores protestantes apreciavam essa linguagem contra a visão católico-romana, que colocava o poder do sacramento
no ato em si. João Calvino, citando Agostinho, escreve: “Agostinho chama ao sacramento uma palavra visível, por esta razão:
porque representa as promessas de Deus como que pintadas em um quadro e expostas à visão, uma expressão gráfica e
pitoresca (August. Cont. Faust. Lib. 19)”. (Institutes of the Christian Religion, trad. Henry Beveridge [Grand Rapids:
Eerdmans, 1989], acessado em 26 de agosto de 2020, https://www.ccel.org/ccel/calvin/institutes/institutes.vi.xv.html).
67 Essa tradução, embora questionada por alguns, mostra que as frases participiais em questão estão no futuro perfeito passivo, e
é refletida nas traduções em inglês New American Standard Bible, Christian Standard Bible e Berean Literal Bible.
68 CFBL1689 26.3.
69 Veja 18.20; 20.16; 22.10,14, por exemplo.
70 Agostinho: “É aquela montanha [a igreja] que, de acordo com a visão de Daniel, surgiu de uma ‘pedra’ muito pequena, até que
subjugou os reinos da terra e cresceu, de tal forma que ‘encheu a face da terra’” (“Exposition on Psalm 43.4”, Expositions of
the Psalms, https://www.newadvent.org/fathers/1801043.htm).
71 CFBL1689 1.6.
A comissão dos apóstolos de proclamar
o Cristo a todas as nações
Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se
pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. Vós sois testemunhas
destas coisas. Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais
revestidos de poder.
Lucas 24.46-49
Há alguns anos, eu (Chad) escrevi um pequeno artigo, publicado pela Radius International,
criticando os movimentos de fazer discípulos (MFD), uma metodologia que, atualmente, desfruta
de popularidade quase unânime entre as principais correntes missionárias evangélicas.72 Eu
estava pouquíssimo preparado para o efeito cascata da controvérsia provocada por aquele artigo.
Logo, fui convidado para participar de um debate com o presidente de uma grande organização
missionária, que discutia se a Escritura chama os crentes a praticar métodos MFD.73 Assumi a
posição negativa, enquanto meu oponente sustentou que a Escritura deixou a área da
metodologia aberta, permitindo o MFD como uma das muitas opções concebíveis aos
missionários. O debate durou mais de duas horas, e, nos anos que se seguiram, continuou a gerar
muita controvérsia. Mesmo assim, um tema único e consistente marcou toda a conversa:
missionários bem-intencionados e biblicamente instruídos repetidamente tropeçam em minha
afirmação de que a Palavra de Deus necessita de uma metodologia em particular.
Antes que possamos analisar metodologias específicas, como o MFD, ou sua contraparte, o
movimento de plantação de igrejas (MPI), devemos determinar onde estamos com respeito à
metodologia em geral. A Palavra de Deus recomenda — ou talvez ordene — um método? A
princípio, podemos estar inclinados a responder que não. Muitos na comunidade missionária são
ensinados de que, enquanto a fé cristã é uma questão de verdade e erro, a metodologia, nas
missões e no ministério, é efetivamente neutra. Metodologia é como a Suíça — não fica de lado
nenhum em uma discordância; ela é, consistente com sua natureza, totalmente removida do
conflito. Mesmo assim, como temos discutido ao longo de todo este livro, as táticas e práticas
que são levadas ao ministério são sempre, necessariamente, geradas pela teologia do indivíduo,
consciente ou inconscientemente. Voltando ao dito de Petrus van Mastricht citado na introdução,
a doutrina e a prática andam juntas. Nós defendemos que a Escritura realmente ensina aos
obreiros do evangelho a se envolverem com um método em particular, com a exclusão dos outros
métodos.
Nosso propósito, neste capítulo, é demonstrar como Jesus, em seu mandamento final,
recomendou aos apóstolos essa metodologia missiológica em particular, e mostrar que eles
adotaram essa metodologia por todo o Novo Testamento. Primeiro, consideraremos a instrução
clara de Cristo aos apóstolos (doutrina), e, então, o padrão repetido de obediência deles (prática).
O comissionamento de Cristo
O relato das palavras finais de Jesus a seus apóstolos no Evangelho de Lucas forneceu a
doutrina que eles, então, praticaram consistentemente. Conforme Jesus lhes falava no cômodo
superior da casa, na noite da sua ressurreição, ele “lhes abriu o entendimento para
compreenderem as Escrituras” (Lc 24.45). Ele proclamou a si mesmo como o cumprimento das
profecias do Antigo Testamento quanto ao Messias que traria reconciliação entre Deus e os
homens (Lc 24.44-46). O seu trabalho de expiação dos pecados na cruz, e a vida concedida por
sua ressurreição são os meios pelos quais os homens são perdoados dos seus pecados e
justificados diante de Deus.74 Esse é o evangelho (doutrina) que Jesus prometeu aos seus
apóstolos que seria proclamado a todas as nações (v. 47). Além disso, Jesus ordenou a eles —
testemunhas de sua vida, morte e ressurreição — que ficassem em Jerusalém até que ele enviasse
o Espírito Santo sobre eles para capacitá-los para a missão do evangelho (v. 48-49; At 1.8).
Nós vemos três verdades nessa curta narrativa que molda o padrão e a prática dos discípulos
em Atos dos Apóstolos.75 Primeiro, a mensagem do evangelho que deverá ser proclamada é dada
a nós (Lc 24.44-46). A mensagem focará na necessidade do homem ser reconciliado com Deus
por meio da pessoa e da obra de Jesus Cristo, como profetizado no Antigo Testamento. A obra
particular de Cristo que será central a essa mensagem é a sua morte na cruz e a sua ressurreição
dos mortos. Segundo, a missão do evangelho para a qual os apóstolos foram separados é dada a
nós
(v. 47-48). Eles são testemunhos da vida, da morte e da ressurreição de Cristo. Como tal, eles
proclamarão a obra dele, a fé e o arrependimento que são exigidos em resposta, e o benefício do
perdão de pecados por meio do seu nome. Terceiro, aprendemos sobre o ministro do evangelho
prometido, que capacitará os apóstolos enquanto eles cumprem a missão de proclamar o
evangelho em todas as nações (v. 49; veja também At 1.8). Os apóstolos não possuem poder
inerente em si mesmos para aplicar a mensagem do evangelho enquanto se envolvem com a
missão. Eles devem esperar que o Espírito Santo prometido seja derramado por Cristo (At 1.8;
2.33), para que a proclamação da Palavra não soe vazia em ouvidos espiritualmente surdos.
A prática dos apóstolos
As passagens da Grande Comissão não ficam apenas pairando no ar, dificultando uma
definição objetiva. Elas significavam algo para os apóstolos, de quem se esperava que as
colocassem imediatamente em prática. Nosso argumento é que, no livro de Atos, podemos ver
como o Espírito Santo os iluminou para praticar a doutrina que lhes foi ensinada. O padrão de
prática apostólico é tão consistente que forma um modelo que é, então, recomendado à igreja em
todos os tempos.
Não é verdade que a igreja, em cada geração, deveria imitar tudo que os apóstolos fizeram no
livro de Atos. A era apostólica é um tempo único e que não se repetirá na história da salvação de
Deus. Os apóstolos são o fundamento da igreja, que geraram marcas únicas e um chamado único
como as testemunhas originais da obra de Cristo (Lc 6.13; veja também At 1.15-26; Ef 2.20; 2Co
12.12; Hb 2.4).76 Eles não estabeleceram uma sucessão de apóstolos; antes, plantaram igrejas
saturadas de Escritura e que tinham presbíteros e diáconos (At 14.23, 20.17-35; 1Tm 3.1-12; Tt
1.5-9).77
Entretanto, é verdade que o padrão geral de prática apostólica nos fornece um entendimento
confiável de como o Espírito Santo lhes iluminou a mente para que ouvissem adequadamente o
ensino de Jesus. Vemos uma prática extremamente consistente entre os apóstolos enquanto estão
envolvidos na obra missionária. Em todas as instâncias, seus sermões evangelísticos em Atos
repetem o mesmo padrão.78 Como Alan J. Thompson, de forma bem útil, declara:
Esses discursos, em consonância com a seletividade praticada por Lucas, são típicos de relatos mais gerais e, assim,
devemos lê-los como típicos da forma pela qual Paulo apresentaria o evangelho a uma audiência de sinagoga, e como
típicos da forma pela qual ele apresentaria o evangelho a uma audiência de gentios sem qualquer conhecimento básico da
revelação especial de Deus.79
Além disso, os sermões dos apóstolos são abreviados por Lucas de uma forma representativa,
com um foco constante nos elementos principais de cada sermão.80 É nessa prática constante dos
apóstolos que o Espírito Santo ensina a igreja que “como na teologia e na ética, e também na
pregação, participamos da autoridade e do poder apostólico seguindo os preceitos e exemplos
apostólicos, conforme são estabelecidos nas páginas da Escritura”.81
A mensagem do evangelho
Jesus ordenou aos apóstolos que testemunhassem da sua pessoa e trabalhassem como
prometido, de acordo com as Escrituras (Lc 24.44-47, veja também Mt 28.19). Os apóstolos
estavam tão comprometidos com a autoridade das Escrituras que não há um sermão apostólico
que não fundamente seu argumento na Palavra de Deus.82 Assim, é nosso dever olhar para o
conteúdo da pregação do evangelho deles. Além disso, devemos considerar o padrão consistente
que eles seguiam em cada sermão evangelístico e a acomodação contextual feita em favor dos
seus ouvintes.
O conteúdo da mensagem apostólica era, de forma consistente e sem exceção, Jesus Cristo e
sua obra pela salvação dos pecadores. Jesus tinha dito aos apóstolos que eles seriam suas
testemunhas (Lc 24.48; At 1.8). Eles testificariam do que tinham visto e ouvido. Eles andaram
com Cristo enquanto ele ensinava e operava milagres. Eles o viram ser falsamente acusado,
julgado, crucificado e sepultado. Eles encontraram sua tumba vazia e regozijaram em sua
ressurreição dos mortos. Estiveram com ele por quarenta dias, ao abrir ele as Escrituras e os
instruir com respeito ao reino de Deus (Lc 24.44-49; At 1.3). Os apóstolos sabiam que a
comissão consistia em proclamar a morte e a ressurreição de Jesus, ao mesmo tempo que
chamavam seus ouvintes a responder em fé, para o perdão de seus pecados (Lc 24.46-47; At
2.37-38, 16.30-31). Esse é o conteúdo da mensagem do evangelho que eles receberam e
proclamaram em cada um dos sermões evangelísticos que pregaram (1Co 15.1-11).83
O padrão consistente dos sermões evangelísticos apostólicos inclui quatro componentes
essenciais, sempre dispostos na mesma ordem.84 Primeiro, os sermões sempre começam com
Deus. Segundo, os sermões sempre falam da pessoa e da obra de Cristo. Terceiro, os sermões
sempre conclamam a responder em fé e arrependimento.85 Quarto, os sermões sempre prometem
os benefícios do perdão de pecados e o recebimento do Espírito Santo.86
Os apóstolos também nos proporcionam um modelo de acomodação contextual em sua
abordagem de pregação da mensagem do evangelho a várias audiências. Quando pregaram aos
judeus no pórtico de Salomão, os apóstolos começaram com “o Deus de Abraão, de Isaque e de
Jacó”
(At 3.13). Sua audiência conhecia o Antigo Testamento. Aqueles ouvintes eram monoteístas
comprometidos com a veracidade das Escrituras do Antigo Testamento e com a adoração do
Deus de seus pais. Os apóstolos, então, pregaram o Cristo crucificado e ressurreto como o
cumprimento das promessas do Antigo Testamento, com as quais os judeus estavam mais que
familiarizados (At 3.13-16). Além disso, conclamaram sua audiência judia a se arrepender e a
confiar em Cristo, o que resultava em benefícios revestidos da linguagem dos escritos sagrados
dos judeus (At 3.17-26).
Porém, quando a audiência mudou, os apóstolos acomodaram a pregação do conteúdo do
evangelho ao novo contexto. O sermão de Pedro ao gentio Cornélio, que temia a Deus, começou
com Deus de uma maneira adequada à questão com a qual Cornélio lutava. Ele deve ter se
perguntado se o Deus dos judeus mostraria favor a um gentio como ele. Assim, o sermão de
Pedro começou introduzindo o “Deus [que] não faz acepção de pessoas”
(At 10.34). Pedro, então, avançou pelo restante do conteúdo do evangelho, aplicando-o a
Cornélio. Vemos um exemplo ainda mais dramático quando Paulo proclamou a mensagem do
evangelho a pagãos idólatras em Atenas. Eles não criam em um Deus que criou todas as coisas,
ou em um Deus que transcendia a criação. Por isso, Paulo começou:
O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por
mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá
vida, respiração e tudo mais (At 17.24-25).
A acomodação contextual dos sermões evangelísticos apostólicos supõe que os apóstolos
conheciam os idiomas e as cosmovisões dos seus ouvintes. Eles reconheciam que a teologia
equivocada de seus ouvintes deveria ser entendida, confrontada e corrigida. Entre certos povos,
eles tinham que corrigir a doutrina do homem, do pecado e do julgamento, para proclamar
adequadamente a mensagem salvadora da cruz e da ressurreição de Jesus (At 17.26-31).
Proclamar Jesus como a resposta a um problema de um povo é inútil se ele possui uma
compreensão inadequada de Deus, do homem e do pecado. Em outras palavras, Jesus é a
resposta certa somente se fizermos as perguntas certas. Assim, a acomodação contextual nunca é
uma questão de mudar o conteúdo da mensagem, mas sim de conhecer o idioma e a cultura bem
o suficiente para corrigir o entendimento defeituoso de conceitos necessários para a proclamação
do evangelho. Os apóstolos — e os missionários que seguem o exemplo deles — estão
comprometidos com isto para se protegerem do sincretismo.87
A missão do evangelho
A missão do evangelho dos apóstolos era proclamar a mensagem do evangelho no poder do
Espírito Santo às nações como o meio pelo qual Jesus edificaria a sua igreja.88 Jesus se agrada
em usar o meio da pregação ordinária do evangelho para atingir o alvo de plantar igrejas. Ele
comissionou seus apóstolos a serem pregadores do evangelho (Lc 24.47). Os apóstolos eram
comissionados como embaixadores de Cristo para proclamar a mensagem do evangelho e, então,
organizar em igrejas locais aqueles que respondiam com fé.89 A missão deles era simples: pregar
a Palavra (2Tm 4.1-2).
Em nossos dias, a metodologia inicial empregada nas missões aos não alcançados sustenta que
deveríamos reunir os descrentes e deixá-los interpretar as Escrituras por conta própria, sem a
influência de mestres externos. Um grande proponente dessa abordagem escreveu aos
missionários: “Não ensine ou pregue; ao invés disso, facilite a descoberta e a obediência. Quando
o povo for simplesmente exposto às Escrituras, Deus lhes revelará a verdade”.90 Este modelo
conduzido pelo grupo e por meio da autodescoberta tem sido louvado como um vento novo do
Espírito Santo, que inaugura movimentos de plantação de igrejas em lugares antes difíceis de
serem alcançados. O modelo de proclamação do evangelho comissionado por Cristo e capacitado
pelo Espírito em que o missionário anuncia o evangelho tem sido dispensado como sendo
tradicional, ocidental, e ineficiente.91
A missão apostólica claramente empregou o método de proclamação do evangelho. No livro de
Atos, “Verbos de ensino, proclamação, refutação, elaboração e persuasão exigem que os ouvintes
entendam, pensem, raciocinem, considerem e examinem”.92 É verdade que os apóstolos por
vezes “dialogavam” enquanto ensinavam. Paulo “arrazoou” (dielexato) com os judeus em
Tessalônica (At 17.2). Mas esse verbo “arrazoar” é explicado depois com dois particípios
supridos pelo próximo versículo: “expondo” e “demonstrando”.93 Ademais, o versículo se
encerra assim: “este Jesus, que eu anuncio a vocês, é o Cristo” (At 17.3). Assim, mesmo quando
é dito que os apóstolos se envolviam em diálogos, Lucas está indicando que esse diálogo é um
ensino ousado e autoritativo — e não uma “autodescoberta”.
O ministro do evangelho
Finalmente, ao longo de todo o livro de Atos, somos lembrados do único ministro eficaz: o
Espírito Santo. Na noite de sua ressurreição, Jesus ordenou que os apóstolos aguardassem em
Jerusalém, até que ele enviasse a promessa de seu Pai sobre eles, e que eles fossem revestidos
com poder do alto (Lc 24.49). Pouco antes de sua ascensão, Jesus prometeu a seus apóstolos que
receberiam poder quando o Espírito Santo descesse sobre eles (At 1.8). Quando o Espírito Santo
veio sobre os apóstolos, eles começaram a proclamar as grandes obras de Deus (At 2.11). O
Espírito Santo foi enviado para capacitar a igreja de Cristo a proclamar o evangelho de maneira
corajosa e eficaz.94 Essa “ousadia” dada pelo Espírito é “a liberdade de proclamar a verdade dos
propósitos salvadores de Deus no Senhor Jesus Cristo, juntamente com as advertências e
promessas a ela associadas, mesmo em contextos de oposição, de ameaças de dano pessoal, e de
perseguição ou escárnio. É a disposição de ‘ser claro na face do medo’”.95
Aplicação
O Espírito Santo está ativo até hoje, capacitando a igreja a proclamar ousadamente a
mensagem do evangelho.96 A igreja envia missionários plantadores de igrejas para pregar o
evangelho (Rm 10.14-15). O Espírito Santo capacita esses pregadores a falar corajosamente. Ele
capacita a mensagem deles para que atravesse o coração do povo de Deus, para que eles possam
olhar para Cristo em fé. Os missionários são enviados com a confiança de que Cristo sempre
agiu poderosamente da mesma maneira, por meio do seu Espírito e através da sua igreja. Como o
reformador protestante João Calvino disse: “E visto que Cristo prometeu o mesmo Espírito a
todos os seus servos, defendamos a verdade fielmente, e supliquemos por uma boca e por uma
sabedoria que venham dele, e estaremos suficientemente equipados para falar”.97
Questões para revisão
1. Por quais motivos você acha que é comum pensar que a doutrina está estabelecida pela
Bíblia, mas a metodologia é neutra e não foi definida pela Escritura?
2. O que podemos aprender com os apóstolos a respeito da metodologia missionária? É
esperado que nós repitamos todas as obras que vemos entre os apóstolos? Que obras são
únicas a eles? De que formas a igreja contemporânea é como eles?
3. Qual era o conteúdo da proclamação do evangelho dos apóstolos? De que maneira eles
contextualizavam a pregação para evitar o sincretismo? Como nos protegemos do
sincretismo?
4. Qual foi o método consistente no evangelismo dos apóstolos? Os estudos bíblicos no estilo
autodescoberta são recomendados ou modelados na Escritura como um método de
evangelismo?
5. Que dons Cristo deu à sua igreja para a sua edificação (Ef 4.7-16)? Que preocupações os
apóstolos possuem em relação à igreja de Cristo (At 20.28-31; 2Tm 1.13-14; Tt 1.9-16)? O
que é sabido que a igreja de Cristo faz rapidamente (Gl 1.6-9)? Como essas realidades
influenciam nossa metodologia missional?
6. Quais são as implicações do método apostólico para equipar os missionários plantadores de
igrejas que são enviados às nações? Como preparamos missionários para proclamar
claramente o evangelho de forma transcultural?
72 Veja Chad Vegas, “A Brief Guide to DMM: Defining and Evaluating the Ideas Impacting Missions Today”, Radius
International, 11 de junho de 2018, https://www.radiusinternational.org/a-brief-guide-to-dmm.
73 O debate completo pode ser encontrado na seguinte página da web: Brad Buser, “Church Planting Movement Model vs the
Proclamation Model”, Radius International, 17 de dezembro de 2018, https://www.radiusinternational.org/church-planting-
movement-model-and-the-proclamational-model-debate.
74 Romanos 1.16-17, 3.21-26, 4.24-25, 5.1-2,9-11,12-17, 6.3-11, 8.1-4.
75 Esse nome tem sido comumente atribuído ao livro de Atos ao longo de toda a história. O título mais longo é relevante aqui
porque o livro serve como um relato detalhado das ações dos apóstolos que se seguiram à ascensão de Cristo, revelando como
eles entendiam a Grande Comissão.
76 Não é nossa tarefa abordar a questão da cessação ou da continuidade de dons espirituais em particular. Estamos meramente
apontando para a crença protestante geralmente aceita da cessação do ofício de apóstolo. As confissões protestantes inglesas,
consistentemente, sustentam a cessação de dons de revelação (veja CFBL1689 1.1, CFW 1.1, Declaração de Savoy 1.1). Da
mesma forma, João Calvino argumentou que aqueles que sustentam a revelação contínua são oponentes da Reforma (veja
João Calvino e Jacopo Sadoleto, A Reformation Debate, ed. John C. Olin [Grand Rapids: Baker, 1966]).
77 Esse entendimento protestante é contra as reivindicações do catolicismo romano com respeito ao papado. A única “sucessão”
apostólica ensinada pelo Novo Testamento é o ensino sucessivo da mensagem apostólica; veja o capítulo 5 para um
tratamento mais detalhado do assunto.
78 Veja o apêndice.
79 Alan J. Thompson, The Acts of the Risen Lord Jesus: Luke’s Account of God’s Unfolding Plan, ed. D. A. Carson, New Studies
in Biblical Theology (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2011), 27:89. Ênfases acrescentadas.
80 Thompson, 27:89.
81 Roger Wagner, Tongues Aflame: Learning to Preach from the Apostles (Fearn, UK: Christian Focus, 2004), p. 31. Ênfases
acrescentadas.
82 Cobrimos esse comprometimento no capítulo 1. Olharemos para ele mais adiante, no capítulo 8.
83 Veja Greg Gilbert, What Is the Gospel? (Wheaton: Crossway, 2010) para uma explicação biblicamente completa, útil e clara
do conteúdo do evangelho. [Edição em português: O que é o Evangelho? (São José dos Campos: Fiel, 2010).]
84 Vá ao apêndice para um gráfico que dispõe esses componentes para cada sermão evangelístico em Atos.
85 Alguns sermões apenas exigem a resposta de arrependimento; outros, de fé; e alguns ainda incluem o batismo e a obediência.
Não é nosso propósito aqui prover uma apologética da fé em Cristo como o único instrumento de justificação. Mas
assumimos que a fé dada por Deus, que é baseada em Cristo, resulta no fruto do arrependimento e obediência, e recebe o sinal
do batismo. Para mais sobre esse tópico, veja John Murray, Redemption Accomplished and Applied (Grand Rapids: Eerdmans,
2015). [Edição em português: Redenção Consumada e Aplicada (São Paulo: Cultura Cristã, 2010).]
86 O dom do Espírito Santo também é mencionado como “tempos de refrigério” e “restauração de todas as coisas” (At 3.20-21),
que é uma referência à restauração prometida de Israel na vinda do Espírito Santo em passagens proféticas como Is 32.15 e Jl
2.28-32.
87 Sincretismo é a mistura de dois conjuntos diferentes de crenças, ou de religiões, para criar um terceiro tipo de religião. Esse é
um problema que prevalece no mundo das missões e em nossas igrejas locais. Estamos sempre envolvidos em defender a
igreja de entendimentos bíblicos misturados de Deus e de sua obra com nossas próprias ideologias culturais.
88 Para mais sobre a missão às nações, veja o capítulo 7.
89 Para mais sobre a igreja, veja o capítulo 5.
90 Jerry Trousdale, Miraculous Movements: How Hundreds of Thousands of Muslims are Falling in Love with Jesus (Nashville:
Thomas Nelson, 2012), p. 106.
91 Veja esse artigo de um líder importante de missões modernas: Ted Esler: “Coming to Terms: Two Church Planting
Paradigms”, International Journal of Frontier Missiology 30, nº 2 (verão de 2013),
https://www.ijfm.org/PDFs_IJFM/30_2_PDFs/IJFM_30_2-Esler.pdf.
92 Thompson, The Acts of the Risen Lord Jesus, 27:93.
93 κατὰ δὲ τὸ εἰωθὸς τῷ Παύλῳ εἰσῆλθεν πρὸς αὐτοὺς καὶ ἐπὶ σάββατα τρία διελέξατο αὐτοῖς ἀπὸ τῶν γραφῶν,
διανοίγων καὶ παρατιθέμενος ὅτι τὸν χριστὸν ἔδει παθεῖν καὶ ἀναστῆναι ἐκ νεκρῶν καὶ ὅτι οὗτός ἐστιν ὁ χριστὸς
[ὁ] Ἰησοῦς ὃν ἐγὼ καταγγέλλω ὑμῖν.
94 Atos 2.29, 4.13,29,31, 9.27-28, 13.46, 14.3, 18.26, 19.8, 26.26, 28.31.
95 Thompson, The Acts of the Risen Lord Jesus, p. 97.
96 Para mais a respeito disso, veja o capítulo 4.
97 Citado em Roger Wagner, Tongues Aflame: Learning to Preach from the Apostles (Fearn, UK: Christian Focus, 2004), p. 31.
As nações e a comissão da igreja
Jesus Cristo, nosso Senhor, por intermédio de quem viemos a receber graça e apostolado por amor do seu nome, para a
obediência por fé, entre todos os gentios.
(Romanos 1.4-5)
Imagine que você tenha saído de uma selva pouco habitada nas regiões mais quentes das Ilhas
do Pacífico, onde há casas de palha, e emergiu em uma metrópole de concreto nos Estados
Unidos, com suas luzes pálidas e paisagens barulhentas — tudo para estar em uma arena
esportiva repleta de milhares de pastores americanos arrumados, lado a lado com eles.
Brooks Buser, atual presidente da Radius International, compareceu a um grande ajuntamento
evangélico pouco depois de ter doado uma porção significativa de sua vida no serviço do povo
YembiYembi, na região tropical da Papua Nova Guiné. Isto talvez causasse um choque cultural
em qualquer um — mas nada comparável com o choque cultural que Buser teria ao encontrar-se
com um jovem pastor durante o evento.
“Qual é sua visão sobre o ‘privilégio branco’ e o ‘movimento de justiça social’, e como eles
impactam a Grande Comissão?”, o pastor perguntou. Gentilmente, Buser explicou que essas não
eram questões com as quais lidou enquanto ministrava ao grupo tribal de pessoas não alcançadas.
Ele, então, continuou a conversa, e desafiou o jovem a considerar outra forma de privilégio.
Entre os quase 12.000 grupos etnolinguísticos distintos do mundo, mais de 3.000 ainda não têm
qualquer testemunho significativo de Jesus Cristo.98 Isso quer dizer que há pelo menos 274
milhões de pessoas do planeta que, sob as atuais circunstâncias, provavelmente nunca ouvirão o
evangelho. Isso, Buser argumentou, constituía a maior disparidade global digna dos esforços da
igreja.
Desdenhosamente, embora com total sinceridade, o pastor respondeu: “Você não acordou”.
Está além do escopo deste livro abordar as questões complexas que envolvem a justiça social e
conceitos como “privilégio” e “opressão” na vida moral e política do Ocidente.99 A injustiça é
real, e os sistemas legais podem estar manchados pelo pecado. Ao mesmo tempo, as ideologias
seculares que desejam abordar as injustiças também estão manchadas pela depravação humana.
A igreja é chamada para usar tanto o evangelho quanto a lei de Deus para influenciar a esfera
pública na causa da injustiça. Nós cremos que o senhorio de Cristo tem implicações ilimitadas
para a sociedade moderna. Mesmo assim, essa história revela que a nossa preocupação pela
“nação” rotineiramente eclipsa nosso desejo pelas nações.
Se nos importamos com as injustiças temporais, deveríamos nos importar mais — não menos
— a respeito do estado eterno das almas. Como John Piper observou: “Nós nos importamos com
todo o sofrimento de agora, especialmente com o sofrimento eterno que vem depois”.100 No
entanto, na medida em que os evangélicos se dividem cada vez mais quanto a questões de lei e
de justiça, simultaneamente, nós tendemos a trivializar a tarefa missionária — produzindo
slogans como “todos são missionários”, redefinindo missões em termos de alívio humanitário, e
permitindo que missões de curto prazo se degenerem a ponto de se tornarem uma indústria
multimilionária de turismo.101 Com muita frequência, ignoramos a maior questão de justiça: os
bilhões que perecem sob a ira de Deus em todo o mundo.
Possuir o privilégio do evangelho é ter uma dívida com todas as nações. Como Paulo destacou:
“ai de mim se não pregar o evangelho!” (1Co 9.16). Esta não é uma frase de efeito a respeito da
retórica política atual, mas o fio condutor do maior tratado da Escritura sobre a doutrina da
salvação: a Epístola aos Romanos.
A carta de apoio missionário mais negligenciada
Todos nós estamos familiarizados com a maneira pela qual o apóstolo Paulo ascende às alturas
da glória literária e mergulha nas profundezas da doutrina ao longo de sua carta aos Romanos —
diagnosticando o problema do pecado (cap. 1-2), revelando as maravilhas da cruz (3),
defendendo a justificação pela fé somente (4), contrastando as duas humanidades em Adão e em
Cristo (5), trabalhando as implicações éticas da graça (6-7), mapeando a vida vivida no Espírito
(8), e deleitando-se na doutrina da eleição (9-11). O que costumamos esquecer, entretanto, é que
essa mesma carta, na qual Paulo está tão maravilhado com a doutrina da salvação, também é uma
carta de apoio missionário.
Na introdução escrita por Paulo, aprendemos que ele recebeu “graça e apostolado por amor do
seu nome, para a obediência por fé, entre todos os gentios” (Rm 1.5). O apóstolo conclui a carta
com uma doxologia ao Deus que é capaz de fortalecer os romanos por meio do evangelho que
“agora, se tornou manifesto e foi dado a conhecer por meio das Escrituras proféticas, segundo o
mandamento do Deus eterno, para a obediência por fé, entre todas as nações” (16.26). Perceba as
frases recorrentes “todas as nações” e “obediência por fé”, que formam um inclusio, ou efeito de
parênteses, ao redor do livro. Paulo, depois, finaliza a carta com os detalhes de seu ministério
apostólico itinerante a essas nações. Ele desejava visitar a igreja de Roma, mas foi impedido por
causa do seu chamado único de colher mais frutos entre os gentios (1.10-13). E, próximo da
conclusão da carta, Paulo explica que está escrevendo à igreja romana também para solicitar o
apoio dela para sua missão à Espanha (15.23-29). Quando lemos Romanos como uma carta de
apoio missionário, vemos, em acordo com a tese deste livro, que uma teologia robusta gera
missões, e as missões são impossíveis sem uma teologia robusta. Do começo ao fim, Romanos
está preocupado em assegurar a obediência em fé das nações.
O reconhecimento do privilégio do evangelho que ele possuía é central à mensagem de Paulo
em Romanos. No princípio, lemos: “Pois sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a
sábios como a ignorantes” (1.14). Eu (Alex) ouvi a respeito de um pastor que resumiu
adequadamente a declaração de Paulo: “Aqueles que possuem o evangelho devem o evangelho”.
Paulo, vendo que ele possuía a mensagem do evangelho e outros não, reconheceu que tinha um
dever santo de compartilhar a bênção com outros que não a possuíam. O apóstolo observou toda
a expansão do império romano e além, e viu que devia a Palavra de Cristo tanto aos civilizados,
quanto aos não civilizados, tanto aos judeus, quanto aos gentios.
Nunca poderemos retribuir ao Senhor pelo dom gratuito da graça, mas é esperado que
possamos dar a ele um retorno por seu investimento. Essa é uma realidade reconhecida até pelos
descrentes. Reflita nessas palavras sinceras proferidas em 2010 por Penn Jilette, um famoso
mágico ateu:
Se você acredita que há um céu e um inferno, e que as pessoas poderiam estar a caminho do inferno, ou não conseguindo a
vida eterna, ou algo do tipo, e você pensar “bem, não vale a pena falar disso a ninguém porque seria socialmente esquisito”
[...], o quanto você deveria odiar alguém por não fazer proselitismo? O quanto você tem que odiar alguém para crer que a
vida eterna é possível, e não falar para ninguém? Quero dizer, se eu acreditasse, sem qualquer sombra de dúvida, que um
caminhão estivesse vindo na sua direção, e você não acreditasse [...], chegaria um certo ponto em que eu empurraria você.
E isso [o empurrão] é mais importante do que aquilo [o que é socialmente esquisito].102
Seja qual for o significado de ser salvo pela graça e não por obras, não quer dizer que somos
chamados a uma vida de comodidades ou de apatia. Os crentes que possuem a salvação devem
investir suas vidas para verem outros compartilharem desse privilégio.
Nosso propósito neste capítulo é demonstrar biblicamente (1) a obrigação e (2) a estratégia da
igreja para atingir “todas as nações” descritas na Grande Comissão e nas palavras de Paulo. No
entanto, ao encontrarmos o desejo de Deus pelas nações em Romanos, há três formas em
potencial pelas quais podemos interpretar as palavras do apóstolo: (1) Deus está certamente
realizando a salvação de todos os indivíduos; (2) Deus está incluindo nos benefícios salvadores
de Cristo todos aqueles que estão buscando de maneira genuína; ou (3) Deus está chamando para
si um povo particular entre as nações. Devemos tomar um breve desvio e considerar nossa
escolha entre universalismo, inclusivismo ou exclusivismo.
O caminho para as nações
É difícil exagerar a profundidade do desejo de Deus pelas nações quando refletimos
honestamente sobre o Novo Testamento. O amor eletivo de Deus não conhece barreiras
nacionais, culturais, linguísticas ou geográficas. Desde a primeira revelação do plano redentivo a
Abraão, Deus tem em vista todas as nações da terra (Gn 12.1-3). Depois, ele ordenou que Israel
fosse uma testemunha aos povos ao redor (Dt 4.6-8; Sl 67). Essa missão é realizada em Cristo.
Jesus veio para salvar ao mundo (Jo 3.17). Isso deve ser contrastado com o pessimismo que
permeia muito do evangelicalismo contemporâneo, que sustenta que o mundo está caminhando
na direção do desastre, e que Cristo voltará para uma igreja que falhou em sua missão. Esse
cinismo não combina com a promessa de Jesus de estar presente conosco enquanto vamos por
todo o mundo (Mt 28.20). Não só a missão do nosso Senhor é global em escopo, mas também é
cósmica quanto ao seu alcance: “havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele,
reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus” (Cl 1.20).
Mesmo assim, o amplo escopo do amor de Deus não nos faz imunes ao erro. Ao buscarmos
incorporar o amor de Deus pelo mundo, devemos nos proteger de erros idênticos que resultam de
uma leitura desequilibrada da Escritura: o universalismo e o inclusivismo.
O universalismo é a crença de que todos os caminhos religiosos levam a Deus e à vida eterna.
Isso tem se tornado comum no Ocidente. O “universalismo cristão”, ou redenção universal, é a
crença herética de que todos serão efetivamente salvos pela obra redentora de Cristo. Acredita-se
que Orígenes de Alexandria, um erudito cristão do século 3, assumiu essa visão em seu ensino
sobre apokatastasis, a restauração final de todas as coisas ao estado original e não caído.
O universalismo certamente satisfaz um impulso egoísta de nossa natureza, uma vez que
extirpa a desconfortável doutrina do inferno. É mais fácil viver sem a doutrina do inferno.
Abraçar o universalismo é absolver o cristão de qualquer responsabilidade evangelística. Mas a
Escritura não nos dá essa opção. Ambos os testamentos afirmam em alta voz a realidade da
punição eterna (Isaías 66; Lucas 16.19-31; Apocalipse 20). Não se pode ler sobre tormento,
choro, ranger de dentes, uma traça que não morre e um lago de fogo e concluir que o inferno
está, na verdade, vazio. Essa não é uma questão que está em discussão entre cristãos ortodoxos.
Qualquer que seja o significado de que Cristo salvará as nações, isto não quer dizer que todos os
indivíduos serão salvos.
Enquanto o universalismo postula que todos serão salvos, o inclusivismo defende que todos
podem ser salvos. Os inclusivistas afirmam que Cristo é único, mas negam que a fé nele é a única
forma de receber os benefícios salvíficos que provêm dele. Os seguidores sinceros de outras
religiões podem ser incluídos em Cristo. Assim, um budista fiel ou um muçulmano dedicado
poderiam ser salvos por meio de Cristo mesmo sem saberem — e mesmo que essas pessoas
explicitamente neguem a Cristo em vida.
O inclusivismo envolve uma forma mais sutil de erro do que o universalismo, uma vez que
parece ir mais além do que este ao afirmar que Cristo é único. Mesmo assim, a Escritura aqui
também é clara. No Novo Testamento, lemos vez após vez não apenas que Jesus é o único
Salvador, mas também que os benefícios salvíficos que ele oferece vêm apenas por meio da fé
(Jo 3.36, 8.24; Rm 10.9-15; Hb 11.6). Ao mesmo tempo em que podemos encontrar algum bem
nas tradições religiosas do mundo, a Escritura não nos permitirá concluir que essas graças são
salvadoras. De fato, “estreita é a porta e apertado é o caminho que conduz para a vida, e são
poucos os que o encontram” (Mt 7.14, NAA).
Contra o universalismo e o inclusivismo, a Bíblia ensina o escopo global dos propósitos
redentivos de Deus, bem como a exclusividade de Cristo. Jesus ensinou que se alguém não é por
ele, é contra ele (Mt 12.30). Antes de sua morte, ele disse a seus discípulos que era o único
caminho para o Pai
(Jo 14.6) — não significando meramente que, no fim, todas as religiões do mundo levam a ele,
mas que é possível vir a Deus somente através da fé no Filho. Os apóstolos, que andaram com
Jesus por anos e ouviram seu ensino direto, testificaram que “não há salvação em nenhum outro;
porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa
que sejamos salvos” (At 4.12). É necessário que nos relacionemos com Jesus direta e
pessoalmente (daí o “nenhum outro nome”) para desfrutarmos de seus benefícios salvíficos. Uma
vez que Cristo é a imagem perfeita de Deus, quem rejeita a Cristo, rejeita a Deus (1Jo 2.23).
Embora a fé em Jesus Cristo seja incrivelmente inclusiva porque todas as nações são convidadas
para se arrepender e crer, ela também é exclusiva, pois Deus só salva aos que creem em Cristo.
Nenhuma outra religião é capaz de unir um pecador à obra redentora e perfeita do Deus-Homem.
A exclusividade de Cristo coloca sobre o povo de Deus a grande responsabilidade de alcançar
as nações com suas boas-novas. Essa é a lógica de Paulo em Romanos 10. Depois de explicar
que “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (v. 13), ele é rápido em lançar mão
do imperativo missionário: “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como
crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como
pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que
anunciam coisas boas!” (v. 14-15).
Se confessamos a exclusividade de Cristo, nossa fé exige que gastemos as solas dos nossos
calçados! Mantendo o ímpeto missionário de Romanos desde o capítulo 1, Paulo explica que
Cristo assegura a obediência das nações por meio da obediência missionária da igreja. Mas quem
são essas nações?
Quem são “as nações”?
Na Grande Comissão, Jesus deu a seus apóstolos — e a nós, por extensão — uma tarefa: “ide,
portanto, e fazei discípulos de todas as nações [panta ta ethne], batizando-os em nome do Pai, e
do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que lhes tenho ordenado”
(Mt 28.19-20). Olhando rapidamente, a pergunta “Quem são as nações?” pode parecer
desnecessária. Não é suficiente que Deus nos tenha ordenado a ir por todo o mundo? Por que
fazer distinções irrelevantes? Contudo, nossa resposta a essa pergunta tem o potencial de
remodelar drasticamente o empreendimento missionário.
Indivíduos?
Será que o nosso Senhor desejava, simplesmente, que seus seguidores evangelizassem o maior
número de indivíduos? Há um elemento inegável de verdade nessa interpretação. Deus não se
deleita na morte do ímpio (Ez 18.23). Deus deseja a salvação de todos os tipos de pessoas (1Tm
2.4) e não deseja que ninguém do seu povo pereça (2Pe 3.9). Quão misericordioso é o Deus a
quem servimos!
Contudo, parar nossa análise neste ponto não capturaria a nuance das palavras de Jesus, nem a
forma pela qual os apóstolos as aplicaram. A parábola da ovelha perdida (Mt 18.12-13) nos
lembra que o Senhor não está preocupado simplesmente com acumular o maior número possível
de convertidos. Em Atos, o Espírito Santo direcionou Paulo para longe da Ásia Menor (At 16.6),
onde havia uma preponderância de almas perdidas. Na conclusão do livro, Paulo parece desistir
de evangelizar os judeus em Roma (28.25-28). Em Romanos 9, vemos que Deus recebe mais
glória em escolher alguns (mas não outros) para a salvação do que ele receberia se todos fossem
igualmente salvos (v. 18-24). E em Romanos 15, uma passagem à qual retornaremos, Paulo diz
até que seu trabalho apostólico estava “terminado” de Jerusalém ao Ilírico (v. 19-23) — uma
afirmação impossível se a tarefa missionária fosse concebida meramente em termos do número
total de convertidos. Se o alvo de Deus é simplesmente salvar tantos indivíduos quanto possível,
essas passagens fazem pouco sentido. Jesus, ao dizer “ide e fazei discípulos de todas as nações”,
quis dizer mais do que buscar converter o maior número possível de pessoas.
Nações-Estados?
E se pensássemos na Grande Comissão em termos de atingir países ou territórios? Essa
interpretação também é possível. Jesus descreve o testemunho dos apóstolos como se estendendo
de Jerusalém, da Judeia e Samaria, até os confins da terra (At 1.8; veja também Sl 22.27). Outros
textos nos lembram de que o conhecimento do Senhor se espalhará por toda a terra (Is 11.9; Hb
2.14). É natural conceber a propagação do evangelho em termos geográficos. Contudo, essa ideia
não abrange totalmente o propósito da Grande Comissão.
A história da igreja nos mostra que uma concepção geográfica do reino de Deus
frequentemente foi associada a fins políticos, trazendo resultados dúbios. Quando o Império
Romano retrocedeu, o catolicismo romano preencheu o vazio. Emergindo da Reforma
Protestante, a igreja ocidental teve dificuldades para se libertar dessa concepção geopolítica de
cristianismo. Ralph Winter, missiólogo evangélico proeminente, viu o movimento moderno de
missões (começando com William Carey no século 19) dividido em múltiplas eras — as duas
primeiras focando, respectivamente, em atingir terras costeiras continentais e províncias do
interior.103 No entanto, uma concepção puramente geográfica das missões da igreja está bem
longe da intenção do Senhor. Se Cristo desejava apenas que o testemunho cristão estivesse
presente em cada um dos duzentos países soberanos do mundo, então a nossa missão já estaria
praticamente completa.
Grupos etnolinguísticos de pessoas?
Em meados de 1970, os missiólogos Ralph Winter e Donald McGravan estabeleceram o
conceito de “povos ocultos” — aqueles que não são alcançados facilmente pelos esforços
evangelísticos tradicionais —, que se desenvolveu no conceito mais conhecido hoje em dia de
“povos não alcançados”.104 Esses missiólogos definiram o ethne da Grande Comissão como
grupos etnolinguísticos de pessoas — “distintos por meio da autoidentidade [destes] com
tradições em comum de descendência, história, costumes e idioma”.105 A tarefa missionária, eles
afirmaram, era alcançar esses povos, garantindo a disponibilidade de algum testemunho cristão
mínimo em cada língua e contexto cultural para permitir que a evangelização fosse bem-
sucedida.
É importante reconhecer grupos distintos numa sociedade mais ampla porque esforços
evangelísticos costumam não alcançar a sociedade de maneira uniforme. Dois grupos de pessoas
podem habitar o mesmo país, mas trazer o evangelho a um ou ao outro pode envolver um
trabalho transcultural e multilinguístico significativo. Pode ser também que os crentes entre o
grupo majoritário de pessoas (como os han chineses) sejam incapazes, ou não estejam dispostos
a se associar com um grupo minoritário (como os muçulmanos uigures, na China). Portanto,
devemos prestar atenção em quais grupos possuem acesso ao evangelho em suas próprias
configurações linguísticas e culturais. Uma definição amplamente aceita de um grupo
“alcançado” é que ele tenha mais de 2% da população identificando-se como evangélicos, e mais
de 5% de cristãos nominais; qualquer grupo que esteja abaixo desse limite é considerado “não
alcançado”.106
Definir as “nações” dessa forma é bastante consistente com o testemunho bíblico. Deus está
interessado na adoração de toda tribo, língua, povo e nação (Ap 5.9). Cristo, a semente de
Abraão, deveria abençoar a todas as famílias da terra (Gn 12.3). Deus está buscando redimir não
só a pessoas em geral, mas a povos, como unidades sociológicas e culturais. Esses povos
distintos não se encaixam exatamente nos limites políticos que traçamos ao redor de nações-
estados, mas devem ser entendidos em seus agrupamentos naturais, de acordo com o idioma, a
herança e a cultura. Vemos um exemplo desse tipo de pensamento em Atos:
Então, os que foram dispersos por causa da tribulação que sobreveio a Estêvão se espalharam até à Fenícia, Chipre e
Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus. Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de
Cirene e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus. (At 11.19-
20)
Os helenistas (gregos, ou, especificamente, judeus que falavam grego) e os judeus que falavam
aramaico, mais tradicionais, representavam dois grupos distintos no mundo do século 1. Os
crentes de Chipre e de Cirene são elogiados por alcançar a ambos, levando o evangelho para
além de uma divisão cultural. Nosso Senhor deseja ver cada grupo evangelizado, discipulado e
associado ao seu corpo.
Entretanto, a definição etnolinguística não deixa de ter suas armadilhas. Primeiro, é perigoso
carregar a Escritura com pesos sociológicos modernos. Não podemos supor que, quando Jesus
comissionou seus discípulos a discipular as ethne, ele tinha em mente o número preciso de
17.439 grupos etnolinguísticos, como estabelecido por alguns pesquisadores modernos.107 Essa
precisão costuma ser ilusória.108 Muitos desses grupos surgiram e foram extintos nas eras
anteriores e posteriores às palavras de despedida do nosso Salvador. Outro perigo está em supor
que podemos completar a obra missionária simplesmente alcançando um nível mínimo de
conversões em cada grupo, apressando, assim, a volta do Senhor. Raciocinar dessa forma é negar
a prerrogativa soberana do nosso Senhor de determinar a difusão, o tempo e a consumação de
seu reino. A nossa tarefa não é gerar um número mínimo de convertidos, mas discipular
totalmente as nações (Mt 28.19), uma tarefa que está em andamento. Um perigo final é que nossa
estratégia esteja baseada exclusivamente em questões externas, como etnicidade ou raça,
esquecendo que Deus vê o coração e não a aparência (1Sm 16.7). Não devemos cometer o
pecado da acepção de pessoas em nossa missiologia (Tg 2.1). Ainda assim, há muito a aprender
com a definição da abordagem etnolinguística.
Gentios em geral?
É importante para nós definir biblicamente o significado de “nações” antes de as definirmos
sociologicamente. É possível apresentar um argumento convincente de que as “nações” da
Grande Comissão são cada um dos povos gentios, indiscriminadamente.109 Lembre-se de que,
anteriormente, a raça humana tinha sido um único povo, até que Deus dividiu as pessoas na torre
de Babel (Gn 11).110 A partir da famosa tabela de nações do livro de Gênesis, surgem as nações
gentias que encontramos ao longo de toda a história bíblica. No entanto, Deus separou a
linhagem de Abraão para ser uma “grande nação” (Gn 12.2), distinta dos outros povos dispersos.
Era para essas nações que a adoração de Israel deveria ser um testemunho (Mc 11.17), e delas,
um dia, Deus reuniria seu povo eleito (Is 66.12,18-20). Assim, para os leitores judeus do
Evangelho de Mateus — e até mesmo para os próprios apóstolos — falar de “nações” não seria,
meramente, referir-se a unidades étnicas ou culturais em particular, mas falar a respeito de todos
que não eram de Israel, estranhos à aliança e pagãos (Rm 2.14-15; Ef 2.11-12). Ao enviar seus
discípulos às nações, Jesus não estava fazendo uma declaração sobre antropologia, mas estava
indicando a remoção da barreira pactual entre judeus e gentios. Os apóstolos, por fim,
obedeceram a essa comissão, e o evangelho foi proclamado para “todas as nações” no século 1
(Cl 1.23; 1Tm 3.16) — isto é, a todo tipo de pessoas no mundo explorado. Hoje, o evangelho da
livre graça em Cristo deve ser pregado, indiscriminadamente, a todos os judeus e gentios, e não
deveríamos gastar mais tempo identificando quem são as nações do que gastando em alcançá-las.
É inegável que um dos pontos principais da Grande Comissão e do uso que Paulo faz de “as
nações” em Romanos tem a ver com a extensão do reino a não judeus, além dos próprios judeus.
Mas “todas as nações, sem distinção”, não compreende totalmente o significado de panta ta
ethne. Para fazer discípulos de “todas” as nações, atingimos qualquer nação (sem distinção) e
todas as nações (sem exceção). Para cumprirmos esta última e alcançarmos todas as nações,
devemos saber o que é uma nação. Em outras palavras, dizer que “todas as nações” significa
“judeus e gentios em geral” não nos ajuda a definir uma nação como uma unidade. Somente
definindo uma nação como uma unidade podemos entender como evangelizar e discipular cada
uma delas.
Grupos linguísticos
A melhor abordagem é combinar uma sensibilidade à definição bíblico-teológica com o melhor
da reflexão missiológica atual. Podemos reconhecer as implicações pactuais da comissão de
Jesus aos gentios sem ficarmos cegos às distinções entre povos que inibem o evangelismo
ordinário. Podemos também reconhecer o caráter distinto de cada ethne sem perder nosso senso
de deslumbramento diante do fato de que os gentios agora estão incluídos no reino de Deus.
Podemos argumentar que nenhuma marca definidora de um povo é mais importante para o
missionário do que o idioma. Apenas quando o evangelho for pregado em todos os idiomas é que
poderemos começar a pensar que a igreja global está chegando perto de cumprir o mandamento
do nosso Senhor. Do ponto de vista divino, só o Senhor sabe quando a Grande Comissão terá
sido cumprida. Contudo, a consideração prática mais relevante para conduzir a igreja é que
devemos tornar o evangelho igualmente acessível em todos os idiomas falados pelos diferentes
povos do mundo. Dessa forma, é muito útil aos estrategistas de missões falar de povos e nações
em termos de grupos linguísticos.
Como acontece com muitas palavras-chave da Bíblia, a definição de “nação” varia em nuance,
de acordo com o contexto. Contudo, as ordens de Jesus a seu povo a respeito das nações são
incrivelmente claras. O povo de Cristo é chamado a evangelizar e discipular a todos os povos.
Isso porque Cristo está edificando a sua igreja em meio a todos os povos. Considere como o
apóstolo João abre o véu da eternidade em Apocalipse 5.9-10: “e [os vinte e quatro anciãos]
entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste
morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e
nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra”.
Cristo comprou um povo eleito de entre as nações, e a igreja é o meio pelo qual o nosso Senhor
realiza a evangelização e a salvação de seu povo. Mas nenhum cristão ou igreja local pode fazer
isso por si. Caminhando através de Romanos, devemos perguntar: de que modo Paulo concebeu
essa tarefa sendo cumprida?
Cumprindo o ministério do evangelho
Ao terminar seu tratado, Paulo volta à ocasião da sua escrita em Romanos 15. Se estudarmos a
lógica de Paulo, descobriremos sua estratégia a respeito de como a igreja deve alcançar todas as
ethne (gentios, ou nações; Rm 15.16):
Tenho, pois, motivo de gloriar-me em Cristo Jesus nas coisas concernentes a Deus. Porque não ousarei discorrer sobre
coisa alguma, senão sobre aquelas que Cristo fez por meu intermédio, para conduzir os gentios à obediência, por palavra e
por obras, por força de sinais e prodígios, pelo poder do Espírito Santo; de maneira que, desde Jerusalém e
circunvizinhanças até ao Ilírico, tenho divulgado o evangelho de Cristo, esforçando-me, deste modo, por pregar o
evangelho, não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio; antes, como está escrito: Hão de
vê-lo aqueles que não tiveram notícia dele, e compreendê-lo os que nada tinham ouvido a seu respeito (v. 17-21, ênfase
acrescentada).
Com a consciência limpa, Paulo diz que tem “divulgado” o evangelho de Jerusalém ao Ilírico
(uma área da Europa Oriental perto da costa adriática da Península Balcânica). Como ele pôde
dizer isso? Com certeza, Paulo não tinha evangelizado pessoalmente a população inteira desses
dois grandes centros. Milhões continuavam perdidos.
A resposta vem nos versículos seguintes. Paulo buscou pregar onde um “fundamento” ainda
não tinha sido estabelecido. Podemos inferir que seu ministério de Jerusalém ao Ilírico era de
estabelecer fundamentos. O esboço feito por Lucas do começo do ministério de Paulo da suporte
à essa conclusão:
1. Paulo pregou o evangelho “naquela cidade” e fez muitos discípulos (At 14.21).
2. Ele voltou para lá a fim de fortalecer a alma dos discípulos, “exortando-os a permanecer
firmes na fé” (v. 21-22).
3. Ele, finalmente, promoveu eleição de presbíteros “depois de orar com jejuns”, e os
encomendou “ao Senhor em quem haviam crido” (v. 23).
O alvo de Paulo não era evangelizar completamente um povo. Sua tarefa era pregar o
evangelho e reunir discípulos em corpos de igrejas locais com liderança qualificada. Como um
apóstolo, Paulo foi o pioneiro; os discípulos que ele deixou foram responsáveis por preencher
suas comunidades com o evangelho.
Há muitas obras ministeriais importantes a serem feitas em fundamentos já existentes, em
lugares nos quais as igrejas estão estabelecidas. Evangelismo, plantação de igrejas,
aconselhamento bíblico, ensino e ministérios de misericórdia devem continuar nesses contextos.
Mas, juntamente com Paulo, a igreja de Jesus Cristo também deve dedicar atenção especial aos
“que nada tinham ouvido” (Rm 15.21). Nossos corações devem se entristecer, particularmente,
por aquelas nações entre as quais Cristo ainda não foi proclamado. Apenas quando abraçarmos a
santa ambição de Paulo, teremos um vislumbre razoável do dia em que todos os povos, das mais
diversas culturas, etnias e línguas, serão trazidos à obediência da fé.
Aplicação
É indesculpável que aqueles que mais apreciam a teologia de Romanos sejam os que, às vezes,
mais falharam em reconhecer suas implicações missionárias. William Carey e Andrew Fuller
pertenceram a uma corrente de tradição batista calvinista inglesa do século 18, que tinha uma
elevada estima pelas doutrinas da graça. Contudo, ambos travaram algumas de suas batalhas
teológicas mais ferozes contra homens de sua própria tribo, os quais estavam convencidos de que
a eleição divina tornava a Grande Comissão obsoleta. Como muitos em nossos dias, eles
conheciam as doutrinas da graça, mas se esqueciam da graça dessas doutrinas.111 O privilégio que
temos no evangelho nos obriga a ir aos homens e às mulheres de todas as nações. Somos
devedores a todos os países, culturas e idiomas o mesmo acesso ao evangelho do qual
desfrutamos. Esse peso gracioso colocado sobre nós nos leva a agir de três formas.
Primeiro, a igreja é obrigada a enviar missionários a todos os povos. Em contraste à apatia dos
hipercalvinistas britânicos dos dias de Carey e Fuller, considere a forma pela qual o Sínodo de
Dort — um concílio referencial do século 17, que definiu a doutrina reformada da salvação —
derivou o imperativo missionário de sua teologia da eleição: “A promessa do evangelho é que
todo aquele que crer no Cristo crucificado não pereça, mas tenha a vida eterna. Essa promessa
deve ser anunciada e proclamada, sem discriminação, a todos os povos e a todos os homens, aos
quais Deus, em seu bom propósito, envia o evangelho, com a ordem de se arrepender e crer”.112
Devemos sentir o peso desse “deve”. A livre graça oferecida no evangelho exige ser livremente
oferecida a todas as nações e a todos os povos. Deveríamos ser zelosos, como foi o Sínodo de
Dort, em proteger a pureza de nossa doutrina. Mas isso nunca deve acontecer às custas de nosso
zelo para que as nações conheçam a Cristo.
Em segundo lugar, a igreja é particularmente obrigada a ir até essas nações entre as quais
nenhum fundamento do evangelho foi estabelecido. É verdade que o evangelho deve ser
proclamado em todas as nações sem discriminação, mas também é verdade que devemos
discernir se temos, na prática, excluído alguma nação de ouvi-lo. No nosso caso, temos. De
acordo com algumas contagens, há quase 78.000 cristãos evangélicos — ou 900 igrejas — para
cada grupo etnolinguístico de pessoas não alcançado. Em termos gerais, aproximadamente 95%
dos 4,19 milhões de obreiros cristãos do mundo trabalham no mundo cristianizado. Em 2001,
apenas cerca de 1% das doações às “missões” em geral foi direcionada aos não alcançados.113 O
problema é cíclico: enquanto forem negligenciados pelos fundos e obreiros, esses povos
permanecerão pouco alcançados. Se nos importamos com justiça e igualdade, essas disparidades
deveriam nos assustar.
Isso quer dizer que devemos mobilizar, em oração, missionários como Paulo e Timóteo.
Dizendo que sejam “como Paulo”, referimo-nos a missionários que, como o apóstolo, fazem de
sua ambição pregar a Cristo onde ele ainda não é conhecido. Dizendo que sejam “como
Timóteo”, temos em vista aqueles que, como ele, são deixados em, ou enviados para, um
contexto novo a fim de fortalecer um ministério ou um corpo de cristãos já existente (veja 1Tm
1.3). Atualmente, o número de missionários como Timóteo enviados por igrejas norte-
americanas é desproporcionalmente maior à luz do número esmagador de povos não alcançados.
Talvez seja verdade que missionários inovadores e pioneiros como Paulo sempre serão uma
minoria, cujo estoque é limitado. O Espírito de Deus é soberano sobre os dons que ele dá à sua
igreja (1Co 12.11). Contudo, também devemos pregar e discipular crentes de tal forma que mais
deles abracem uma vocação mais ao estilo de Paulo. Devemos ensinar, a nós mesmos e a outros,
a esperar o sofrimento, a abraçar o risco e a nos importarmos com aqueles que não têm acesso ao
evangelho. E mais do que tudo, devemos suplicar sinceramente ao Senhor que levante mais
trabalhadores (Mt 9.38; Lc 10.2). Talvez não tenhamos porque ainda não pedimos.
Finalmente, a igreja e seus obreiros devem priorizar a aquisição de novas culturas e idiomas.
Não podemos nos contentar em deixar o evangelho residir apenas em algumas nações ou culturas
que já entendemos. Nem deveríamos ficar de braços cruzados enquanto a igreja ocidental
desfruta de uma preponderância de recursos, educação e treinamento teológicos, enquanto os
crentes indígenas do Mundo Majoritário sofrem os efeitos devastadores do ensino falso. Obreiros
missionários biblicamente instruídos e teologicamente versados devem doar a si mesmos para a
entender o idioma, a cultura e a tradição, de modo a trazer todo o conselho da Palavra de Deus
para as igrejas locais incipientes em todo o mundo. Devemos empregar meios para que o
evangelho passe de um povo para outro. De outro modo, nossa reivindicação de que o evangelho
é para todas as nações soará vazia. J. Gresham Machen, o fundador do Seminário Teológico de
Westminster, resumiu adequadamente essa grande responsabilidade da igreja:
Pode-se dizer, simplesmente, que o caminho de salvação cristão só é estreito enquanto a igreja permite que assim
permaneça. O nome de Jesus é estranhamente adaptável a pessoas em todo tipo de contexto. E a igreja tem meios amplos,
com a promessa do Espírito de Deus, de levar o nome de Jesus a todos. Portanto, se o nome de Jesus não for levado a
todos, o erro não está no meio de salvação em si mesmo, mas é cometido por aqueles que falham em usar os meios que
Deus colocou em suas mãos.114
Concluímos este capítulo da forma como o iniciamos. Brad Buser, pai de Brooks Buser,
também é um missionário que passou mais de duas décadas derramando sua vida entre o povo
iteri, da Papua Nova Guiné, que costumava adotar práticas canibais. Brad, sua esposa, sua filha e
seus três filhos suportaram a perda de confortos materiais e dos privilégios de um estilo de vida
tipicamente americano. Em uma conversa, ele relatou que o que o sustentou foi a alegria de estar
diante do Senhor e dizer: “Aqui está a igreja dos Iteri; aqui está a forma pela qual minha vida foi
gasta. Aqui está a igreja dos YembiYembi; [...] aqui está a forma pela qual a vida dos meus
garotos foi gasta”.115 Nosso Senhor comprou as nações com seu sangue e nos enviou a elas. Que
nosso clamor seja o mesmo dos missionários morávios: “Que o Cordeiro que foi morto receba a
recompensa de seu sofrimento!”
Questões para revisão
1. Em qual sentido a grande disparidade global no acesso à mensagem do evangelho é uma
“injustiça” que exige nossa atenção?
2. Por que não é legalismo, nem uma espécie de justificação pelas obras, dizer que o crente
em Cristo tem uma dívida com o mundo incrédulo?
3. Em qual sentido o convite ao evangelho é uma mensagem inclusivista? Em qual sentido o
evangelho é uma mensagem exclusivista?
4. O que os ouvintes de Jesus teriam entendido quando ele os comissionou para “as nações”?
Como devemos definir “as nações” hoje?
5. Como o apóstolo Paulo “cumpriu” seu ministério do evangelho por todo o mundo antigo?
Como podemos atingir todas as nações hoje?
6. O que os missionários de hoje podem fazer para focar no ato de tornar o evangelho tão
amplamente disponível quanto for possível para os povos do mundo?
98 Isto é, grupos de pessoas com uma autoidentidade distinta e relativamente contígua envolvendo uma combinação de
etnicidade e idioma. Mais de três mil grupos etnolinguísticos são considerados não alcançados (consistindo de menos de 2%
dos evangélicos protestantes) e não possuem qualquer envolvimento (sem qualquer alcance missionário conhecido ou sem
empenho biblicamente saudável de plantação de igrejas). Essas definições vêm de “People Groups”, IMB Global Research
2020, acessado em 2 de setembro de 2020, http://peoplegroups.org.
99 Para um tratamento detalhado deste assunto, veja Chad Vegas, “The Ultimate Injustice: Gospel Privilege and Global
Missions”, em Jared Longshore (ed.), By What Standard (Cape Coral, FL: Founders, 2020), p. 137-151.
100 John Piper, “Abortion and the Narrow Way That Leads to Life”, Desiring God, 23 de janeiro de 2011,
https://www.desiringgod.org/messages/abortion-and-the-narrow-way-that-leads-to-life.
101 Os norte-americanos gastam, aproximadamente, 3,1 bilhões de dólares em missões estrangeiras de curto prazo a cada ano, de
acordo com Gilles Gravelle, “Short-Term Missions & Money”, Moving Missions (2012), acessado em 7 de setembro de 2020,
https://www.movingmissions.org/wp-content/pdfs/short-term-missions-and-money.pdf.
102 Penn Jilette, “A Gift Of A Bible”, YouTube, 8 de julho de 2010, https://www.youtube.com/watch?v=6md638smQd8.
103 Veja Ralph Winter, “Three Mission Eras and the Loss and Recovery of Kingdom Mission, 1800-2000”, Perspectives on the
World Christian Movement: A Reader, Fourth Edition (William Carey Library, 2013), p. 263-278.
104 Winter definiu esses povos ocultos como “qualquer grupo linguístico, cultural ou sociológico definido em termos de
afinidade primária (afinidades não secundárias ou triviais), que não podem ser ganhos por meio de métodos E-1 [isto é,
métodos evangelísticos padrão que não envolvem tradução ou construção de pontes de um grupo cultural a outro] ou que não
podem ser atraídos a uma comunhão de crentes existente”. Winter, “Unreached Peoples: The Development of the Concept”,
International Journal of Frontier Missions 1, nº 2 (1984), p. 131.
105 Ralph D. Winter e Bruce A. Koch, “Finishing the Task: The Unreached Peoples Challenge”, Perspectives on the World
Christian Movement: A Reader, Fourth Edition (William Carey Library, 2013), p. 534.
106 Esse limite, embora um tanto arbitrário, representa o ponto em que se supõe que o movimento cristão dentro de uma
população é razoavelmente capaz de evangelizar o todo.
107 Este número é utilizado pelo Joshua Project, um ministério da Frontier Ventures (anteriormente, U.S. Center for World
Mission) em Pasadena, CA (fundado pelo falecido Ralph Winter). Veja “Joshua Project”, Frontier Ventures, acessado em 2 de
janeiro de 2021, https://joshuaproject.net.
108 Como demonstração dessa imprecisão, o número listado era de 17.441 quando este capítulo foi inicialmente elaborado, e
recontado enquanto este capítulo estava sob edição. Isto não deveria ser visto como uma rejeição completa da utilização de
estatísticas na missiologia; antes, deveria nos levar a refletir por um instante se somos capazes de quantificar perfeitamente a
Grande Comissão por meio de instrumentos humanos.
109 Isso é argumentado por Darren Carlson e Elliot Clark, “The 3 Words That Changed Missions Strategy – and Why We Might
Be Wrong”, The Gospel Coalition, 11 de setembro de 2019, https://www.thegospelcoalition.org/article/misleading-words-
missions-strategy-unreached-people-groups.
110 Deuteronômio 32.8 comenta o incidente de Babel como segue: “Quando o Altíssimo distribuía as heranças às nações, quando
separava os filhos dos homens uns dos outros, fixou os limites dos povos, segundo o número dos filhos de Israel”. Perceba
que a Septuaginta traduz o termo hebraico para “nações” (goyim) com a mesma palavra ethne, que aparece no chamado de
Abraão (Gn 12.2) e na Grande Comissão.
111 Essa frase foi emprestada de Sinclair Ferguson, “What Jonah Learned” (Philadelphia Conference on Reformed Theology,
Philadelphia, PA, 2006).
112 O Sínodo de Dort (1618-1619), The Canons of Dort (Pensacola: Chapel Library, 2010), 2.5,
https://www.chapellibrary.org:8443/pdf/books/codo.pdf. [Tradução em português disponível em
http://www.monergismo.com/textos/credos/dort.htm (acessado em 12/09/2022).]
113 “Missions Stats: The Current State of the World”, The Traveling Team, acessado em 19 de setembro de 2020,
http://www.thetravelingteam.org/stats.
114 J. Gresham Machen, Cristianismo e Liberalismo (São Paulo: Shedd, 2012), p. 106-107.
115 Isso ocorreu em uma conversa particular entre Brad Buser e Chad Vegas.
O poder da pregação ordinária
do evangelho
Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós.
(2Coríntios 4.7)
Quando eu (Chad) era mais jovem e considerava plantar uma igreja, marquei uma reunião com
um homem que gastou a maior parte de sua vida como um consultor na área de crescimento de
igrejas. Seu nome era Bob Brady. Ele era um homem piedoso e membro de uma mega igreja na
qual eu servi como pastor de jovens. Bob havia ajudado-a a se tornar uma igreja “seeker-
sensitive” [isto é, “sensível ao que busca”]. Ele nos ensinou como alcançar a comunidade com
grande sucesso, assim como ele havia ajudado várias outras igrejas a experimentar um sucesso
similar. Porém, quando ouvi que ele havia passado por uma reforma teológica pessoal e tinha se
arrependido de boa parte da obra que tinha realizado em sua vida, fiquei assustado e tive que
perguntar o porquê. Bob havia chegado à conclusão de que seu entendimento de metodologia
ministerial era infiel à Palavra de Deus. Ele se arrependeu, e escreveu a todas as igrejas às quais
ofereceu sua consultoria se dispondo para ajudar a desfazer os métodos não bíblicos que havia
ensinado a elas.
Ao me assentar com alguns membros da minha equipe de plantação de igrejas à mesa da
cozinha de Bob, perguntei a ele a respeito do movimento de crescimento e plantação de igrejas.
Nunca me esquecerei daquele almoço providencial. Bob reviu a primeira parte de sua carreira,
quando pesquisava as igrejas americanas que cresciam mais rápido a fim de identificar os
elementos comuns entre igrejas que cresciam. Ele nos contou uma história que o assustou
quando ele ainda era um jovem consultor de crescimento de igrejas. A Grace Community
Church, em Sun Valley, na Califórnia, era uma das igrejas americanas que cresciam mais rápido
nos EUA quando ele foi até lá para estudar o ministério realizado ali. Bob e sua equipe se
sentaram à mesa com o pastor, Dr. John MacArthur. Bob se lembrava de perguntar por que o Dr.
MacArthur acreditava que a igreja estava crescendo tão rapidamente, ao que o pastor replicou
bruscamente: “Não é por causa do chazinho e dos biscoitos”. Ele se lembrou que o Dr.
MacArthur olhou direto para a equipe e deu um soco na mesa, ao repetir por três vezes:
“Preguem a Palavra! Preguem a Palavra! Preguem a Palavra!” A equipe de Bob deixou a reunião
presunçosamente convicta de que o Dr. MacArthur era ingênuo demais para saber o porquê de
sua igreja ter experimentado um crescimento tão marcante. Bob, então, olhou bem para mim e
disse: “Chad, eu estava errado. Eu não compreendia o ministério bíblico. Se você quer plantar
uma igreja, então eu tenho apenas uma admoestação para você: Pregue a Palavra! Pregue a
Palavra! Pregue a Palavra!”
Essa lição sobre plantação de igrejas em meu próprio idioma e cultura tem aplicação direta na
plantação de igrejas em um idioma e cultura estrangeiros. Precisamos nos afastar do pensamento
antibíblico de que o ministério local e o trabalho missionário no exterior são tarefas
essencialmente diferentes. Sim, há diferenças nas circunstâncias entre o ministério local e no
exterior.116 Porém, não há diferenças na essência. Para onde quer que enviemos missionários, a
natureza de Deus, do homem, do pecado, de Cristo e do ministério não mudam. A obra
missionária do Espírito Santo, na qual ele testemunha de Cristo por meio da igreja, permanece a
mesma. Idioma, cultura, governo, economia, clima, topografia, arquitetura e heranças religiosas e
étnicas são circunstâncias variadas nas quais contextualizaremos nosso ministério enquanto
retemos a mesma tarefa essencial. Pelo desígnio de Deus, o poder no ministério, tanto local
quanto no exterior, é encontrado somente na pregação do evangelho.
É verdade que a pregação e o ensino sistemáticos e pacientes no campo missionário podem
parecer uma obra ineficaz, lenta e pesada, repleta de sacrifício, sofrimentos e perdas. A partir de
uma perspectiva humana, esse método parece muito ordinário e fraco. Parece ineficaz e
desnecessário exercitar um método no qual gasta-se anos aprendendo idiomas e culturas, vivendo
em contextos difíceis e em meio ao sofrimento, apenas para passar mais alguns anos
proclamando, lenta e sistematicamente, o evangelho, plantando igrejas e ensinando o povo a
caminhar rumo à maturidade. Onde está a multiplicação rápida dos movimentos de plantação de
igrejas? De que maneira esse método vai catalisar os movimentos de fazer discípulos? Será que
esse entendimento tradicional de metodologia ministerial não vai extinguir a obra nova e
revitalizante do Espírito Santo? Não deveríamos ter expectativas maiores de que o Espírito Santo
traga, poderosamente, um reavivamento extraordinário? Deus não é capaz de fazer infinitamente
mais do que pedimos ou pensamos?
Deus é capaz de fazer o que quer que ele decrete. Como falamos em um capítulo anterior, a
questão não é o que Deus é capaz de fazer. Ele pode fazer pedras clamarem e jumentas falarem.
A questão é: o que Deus quer que a igreja dele faça? Deus ordenou que a sua igreja proclamasse
o evangelho de Jesus Cristo no poder do Espírito Santo. Essa é uma obra ordinária. Essa é uma
obra paciente. Essa é uma obra tola aos olhos do mundo. O Espírito Santo pode soprar um
avivamento quando quer que o agrade fazê-lo, mas a obra da igreja permanece a mesma.
Nós já investigamos a abordagem geral dos apóstolos ao longo do livro de Atos, quando estes
colocaram em prática o mandamento de Cristo de fazer discípulos de todas as nações. Agora,
estreitaremos o nosso foco. O nosso argumento é que um entendimento adequado do evangelho
bíblico necessita da metodologia ministerial compreendida, empregada e ensinada pelo apóstolo
Paulo. Ele entendeu que a própria natureza do evangelho exigia uma metodologia ministerial que
se apoiasse somente sobre o poder de Deus e somente na proclamação de Cristo.117 Ele sabia que
os meios ordinários da pregação do evangelho foram dados a ele para o cumprimento do seu
chamado missionário de fazer Cristo conhecido das nações. Paulo estava comprometido com a
crença de que o Espírito de Deus agiria sobrenaturalmente na medida em que ele pregasse a
Cristo (1Co 2.1-5). O Espírito poderia se agradar em usar a obra de Paulo para a salvação ou para
a condenação de seus ouvintes (2Co 2.14-17).
Em sua obra missionária, Paulo não tinha controle sobre os resultados. Sua única
responsabilidade era proclamar a Cristo. Paulo era ridicularizado pelo seu comprometimento
com esse meio ordinário de pregação do evangelho, e sua pregação não estava atraindo as
multidões, recursos financeiros ou os elogios recebidos pelos assim chamados “superapóstolos”
(2Co 10.10-12; 11.12-15). Paulo se contentava em replicar que não se gloriava em sua força, mas
em sua fraqueza (11.30-12.11). Ele entendia que o poder incomparável no ministério do
evangelho pertence somente a Deus (4.7-12). Assim, Paulo repudiava o uso de qualquer meio
que direcionasse o poder para o ministério para si mesmo. Ele acreditava que empregar quaisquer
invenções mundanas para aprimorar o meio ordinário da proclamação do evangelho é esvaziar a
cruz de seu poder e fazer com que os homens depositem sua fé em outra coisa que não o poder
de Deus (1Co 1.17, 2.5).
Neste capítulo, nosso projeto é olhar mais de perto para o comprometimento do missionário
com a proclamação ordinária do evangelho. Também consideraremos o verdadeiro obstáculo
para a proclamação ordinária do evangelho, e o foco central e o poder dessa proclamação.
O comprometimento de Paulo com a proclamação ordinária do evangelho
Em face dos desafios apresentados pela igreja em Corinto, que o criticava por não ser atrativo,
e por ser supostamente fraco e ineficaz em sua retórica no evangelismo quando comparado com
os superapóstolos, Paulo voltava, repetidamente, a seu comprometimento com seu método
ordinário:
Pelo que, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos; pelo contrário, rejeitamos as
coisas que, por vergonhosas, se ocultam, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus; antes, nos
recomendamos à consciência de todo homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade. (2Co 4.1-2)
Paulo sabia que recebera seu chamado missionário pelo amor eletivo do Pai, pela graça
comprada pelo Filho, e pela obra aplicadora do Espírito Santo (Ef 1.3-14; Gl 1.11-16). Seu
chamado missionário era um ministério da nova aliança, de justiça e de vida, pelo agir poderoso
do Espírito Santo (2Co 3.6-9). A natureza do seu chamado missionário significava que ele era
pessoalmente insuficiente; assim, a confiança tinha que ser encontrada somente em Deus (2Co
2.16, 3.4-6).
O fato de Deus ordenar que seu gracioso e santo Filho, o nosso Senhor Jesus Cristo, fosse
conhecido pela proclamação de nossos lábios impuros, não é nada menos do que misericórdia
por nós. Se a proclamação do evangelho fosse dependente da articulação retórica de nossos
lábios, da proeza de nossas mentes ou da pureza do amor de nossos corações, os povos, sem
dúvida alguma, estariam perdidos e sem esperança. Contudo, porque o missionário recebe esse
ministério pela misericórdia de Deus, não há razão para o desânimo. Isso o encoraja a renunciar
as invenções e os acréscimos humanos ao meio ordinário que Deus concedeu. O missionário
pode ouvir falar daqueles que se gloriam de um grande poder no ministério por meio de suas
novas e astutas medidas, e mesmo assim permanecer firmemente contrário a adulterar a Palavra
de Deus.
É essencial que o missionário perceba que a Escritura sagrada nos ensina a repudiar métodos
mundanos e a abraçar os métodos ordenados por Deus. Nos círculos missionários, uma suposição
básica entre muitos é que os métodos são neutros. Paulo não compartilhava desse sentimento. Ele
estava comprometido a renunciar a métodos que acreditava não terem sido ordenados por Deus.
Paulo repudiava aos que empregavam o meio do entretenimento e da retórica elevada (1Co 1.17;
2.1-5). Ele se recusava a ser como os que diluíam o evangelho para vendê-lo a multidões (2Co
2.17). Ele se recusava a fazer qualquer coisa que ocultasse toda a verdade do cristianismo a fim
de que ele mesmo ou o evangelho parecessem mais atrativos. John Gill, pastor e teólogo batista
do século 18, escreveu o seguinte:
Eles abominavam e rejeitavam tudo que fosse escandaloso ou reprovável ao evangelho de Cristo; em simplicidade e
sinceridade piedosa, não com sabedoria carnal, mas pela graça de Deus, eles faziam seus discursos pelo mundo; eram
abertos e legítimos, em princípio e em prática; as mesmas pessoas tanto em público, quanto em particular; não utilizavam
arte para cobrir suas doutrinas ou para ocultar suas conversas; qualquer coisa desse tipo lhes era detestável [...] Eles não
utilizavam métodos astutos ou hábeis para agradar aos homens, ganhar o aplauso deles, ou mercadejar entre eles; eles não
ficavam à espreita para enganar, esperando por uma oportunidade para agir em mentes crédulas e incautas; eles não
enganavam os corações dos símplices por meio de boas obras e discursos eloquentes; nem assumiam formas diferentes, ou
faziam aparições diferentes, a fim de adequarem a si mesmos aos diferentes gênios e gostos dos homens. [...] Eles não
corrompiam [a Palavra de Deus] com doutrinas humanas, ou mesclavam e misturavam-na com filosofia e enganos vãos;
eles não desvirtuavam as Escrituras para servir a qualquer propósito carnal ou mundano, nem as acomodavam às luxúrias e
paixões dos homens, ocultavam qualquer parte da verdade, ou retinham qualquer coisa que pudesse ser benéfica para as
igrejas.118
Paulo repudiava qualquer método que tentasse fazer o cristianismo mais atrativo ou menos
ofensivo aos incrédulos. Ele rejeitava qualquer método que tentasse atingir os descrentes por
outros meios além da “manifestação da verdade” (2Co 4.2). Os superapóstolos eram mercadores.
Eram pragmáticos. Eles faziam o que quer que funcionasse para reunir uma multidão. Paulo
estava comprometido com a proclamação aberta e clara de toda a verdade, sem nenhum enfeite
(Cl 4.3-4). Ele não ocultava as doutrinas difíceis para evitar a perseguição e o menosprezo dos
homens. Ele sabia que o mundo achava o seu evangelho uma loucura. Ele abraçou o sofrimento,
a rejeição e o escárnio que viriam da pregação de Cristo. O ministro verdadeiramente humilde
declara a verdade da Palavra de Deus sem qualquer consideração à aprovação dos homens (Gl
1.6-10). Ele é o ministro que sabe que esse evangelho pode ser tolice para o mundo, mas que é o
poder de Deus para aqueles que são salvos (1Co 1.18).
O obstáculo para a proclamação ordinária do evangelho
Paulo poderia, confiantemente, descansar no meio ordinário que Deus concedeu porque ele não
tinha uma ideia falsa a respeito do verdadeiro obstáculo ao seu ministério evangelístico. Ele sabia
que o verdadeiro obstáculo à sua obra missionária não era encontrado no meio ordinário da
pregação do evangelho, mas nos próprios ouvintes: “Mas, se o nosso evangelho ainda está
encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou o
entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de
Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.3-4).
A proclamação do evangelho por Paulo nunca ofendeu aos ouvintes por causa da falta de
carisma pessoal ou de poder retórico, mas porque o evangelho sempre soa mal aos ouvidos
daqueles que são intrinsecamente surdos e estão perecendo (Rm 11.7-8). Eles não viram o Cristo
anunciado diante deles porque os seus olhos foram cegados pelo deus deste mundo. Em última
análise, o problema não repousa na mensagem, nem no mensageiro, mas naqueles a quem a
mensagem é proclamada. Só porque os homens amam as trevas isto não quer dizer que a luz seja
impura.
Portanto, não é papel do missionário encontrar um meio de ministério que seja mais adequado
a homens de mentes obscurecidas e corações endurecidos. O missionário não tem poder em si
mesmo para vencer o problema derradeiro do seu ouvinte. Não podemos planejar nossos esforços
ministeriais de tal forma a vencer, ou até mesmo a mitigar, esse problema. Essa é obra do
Espírito Santo somente, conforme ele aplica a proclamação de Cristo ao coração das pessoas.
O foco da proclamação ordinária do evangelho
É justamente porque não se pode derrubar o engano satânico ou o laço que o pecado tem nos
idólatras que o missionário permanece obstinadamente focado na pregação cristocêntrica.
Ministros de Cristo não pregam a si mesmos aos outros. Pastores não possuem nada salvífico em
si mesmos para oferecer às congregações, nem os missionários às nações. Na medida em que
cremos que temos algo a oferecer, começamos a adulterar a Palavra de Deus. Em orgulho
blasfemo, buscamos maneiras de suavizar o golpe da verdade bíblica — de reempacotar Cristo e
sua igreja, de forma que estejamos vendendo aquilo que o mundo deseja comprar. Paulo nos
disse o que devemos pregar: “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como
Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus. Porque Deus, que disse: ‘Das
trevas resplandecerá a luz’ ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do
conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” (2Co 4.5-6).
Somos servos que proclamam a Cristo. Somos embaixadores do reino de Cristo, que
apresentam Jesus como a única esperança de reconciliação com Deus a um mundo perdido e
moribundo (2Co 5.18-21). A linguagem que Paulo utilizava a respeito de proclamar a Cristo é
uma declaração resumida da pregação da graça pactual de Deus, que foi prometida primeiro em
Gênesis 3.15 e, depois, foi progressivamente revelada por toda a Escritura até que atingisse sua
revelação plena e final na encarnação, na vida, na morte, na ressurreição, na ascensão e na volta
de nosso Senhor Jesus Cristo.119 O missionário deve estar comprometido a pregar o Cristo,
excluindo tudo que não tiver a ver com isso (1Co 2.2). Comentando sobre esse texto, William
Carey e seus companheiros ministeriais escreveram: “Seria muito fácil para um missionário
pregar nada além de verdades, e isso por muitos anos, sem qualquer esperança bem
fundamentada de se tornar útil para uma alma. A doutrina da morte expiatória de Cristo e seus
méritos todo-suficientes foram, e devem permanecer assim para sempre, o meio principal de
conversão. Essa doutrina, e as outras imediatamente conectadas a ela, tem constantemente
nutrido e santificado a igreja”.120
Pregamos a Cristo porque cremos que o mesmo Deus que falou e trouxe o universo à
existência fará de outros uma nova criação em Cristo (2Co 5.17). Aquele que ordenou que
houvesse luz, e houve, é o que brilha a luz do conhecimento da glória de Deus na face de Jesus
Cristo em nossos corações (2Co 4.6). O Pai nos é revelado no Filho encarnado (Jo 1.14,18). O
Pai faz o Filho conhecido de nós pelo Espírito Santo, através dos meios ordinários de
proclamação do evangelho (Mt 11.25-27; Rm 10.14-17; 1Co 2.1-14). Deus utiliza esse meio
ordinário para trazer uma salvação extraordinariamente graciosa em Cristo.
Aplicação
A natureza paradoxal do ministério do evangelho é encontrada no fato de que vasos ordinários
contêm um tesouro extraordinário. Homens que são fracos carregam uma mensagem poderosa:
“Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e
não de nós” (2Co 4.7). A distância entre a nossa natureza como vasos de barro e o evangelho
como o tesouro de Deus não poderia ser maior. Ninguém coloca seu tesouro em um vaso comum
e fraco. Vasos que podem ser quebrados não são dignos de conter o tesouro imensuravelmente
poderoso de Jesus Cristo. Então por que Deus colocou esse grande tesouro em vasos de barro?
Ele o faz precisamente com o propósito de demonstrar que o poder do ministério do evangelho
não é encontrado no ministro do evangelho, mas no Deus do evangelho (Cl 1.28-29).
A pregação ordinária do evangelho tem um poder único, poder este que as metodologias
meramente humanas não têm. Como Bob Brady — e os próprios autores deste livro, no início de
seus ministérios — o mais sincero dos crentes em Cristo enfrentará a tentação de substituir a
simplicidade da proclamação do evangelho com novos métodos que prometem suavizar a ofensa
que ele causa. Porém, nenhum desses métodos é acompanhado pela promessa única da bênção e
da supervisão do Espírito. Devemos resistir a essa tentação. Se pudéssemos encontrar métodos
evangelísticos alternativos que realmente funcionassem, a fé das pessoas não descansaria mais
exclusivamente em Deus (1Co 2.5). John Gill atinge o cerne da questão:
A razão pela qual aprouve a Deus colocar um tesouro tão rico e valioso nas mãos de pessoas tão cruéis e desprezíveis foi
que a excelência do poder pudesse ser de Deus, e não nossa; isto é, que ficasse visível que o ato de fazer tais pessoas
ministros da palavra não vinha delas mesmas, não foi devido às habilidades naturais delas, nem a qualquer diligência,
atividade ou conquista da parte delas, nem a quaisquer instruções que tenham recebido de outros, mas sim da graça de
Deus, e da ação eficaz de seu poder; e que o sucesso que acompanhava as ministrações deles na conversão dos pecadores e
na edificação dos santos pudesse ser atribuído apenas à transbordante graça do poder divino; e que o apoio dado a eles
nessa obra, sob todas as perseguições levantadas contra eles e as oposições feitas contra eles, pudesse ser atribuído a mais
ninguém.121
Questões para revisão
1. Qual é o meio ordinário do ministério do evangelho com o qual o missionário deve estar
comprometido?
2. Quais métodos de ministério evangelístico um missionário deve repudiar ao extremo?
Quais são algumas formas que esses métodos podem assumir hoje?
3. Em 1923, J. Gresham Machen escreveu:
De acordo com o liberalismo moderno, fé é essencialmente o mesmo que fazer de Cristo o mestre de sua vida; pelo
menos, considera-se que ao fazer Cristo o mestre da vida, a pessoa encontra sua bem-aventurança. Todavia, isso
simplesmente significa que se considera que a salvação é obtida pela obediência aos mandamentos de Cristo. Esse ensino
é um tipo de legalismo disfarçado. O fundamento da esperança não é o sacrifício de Cristo, e sim nossa obediência à lei
de Deus. Dessa forma, tudo o que foi conquistado na Reforma é deixado de lado, e há uma volta à religião da Idade
Média.122
De que maneira o modelo de “discipulado baseado em obediência”, inerente nos movimentos
de fazer discípulos, é uma nova versão do liberalismo do começo do século 20?
4. Em sua visão, os movimentos internos, com a ênfase em manter os novos convertidos
cristãos em seus contextos religiosos originais a fim de não romper com suas famílias e
sociedades, estão “adulterando a Palavra de Deus” e, assim, praticando formas
“vergonhosas e ocultas” (emprestando a linguagem de Paulo)? Por quê?
5. O objetivo da tarefa missionária é melhorar as pessoas ou renová-las? O que significa
“renová-las”? Quem faz essa obra de conversão e transformação (1Co 2.1-14; 2Co 3.5)?123
124 O relato completo está registrado em Naomi Harward, “Don’t Waste Your Grief”, Message Magazine (volume 68, edição 2),
julho de 2018, p. 10-21.
125 Charles Hodge, An Exposition of the Second Epistle to the Corinthians (New York: A. C. Armstrong & Son, 1891), p. 103-
104.
126 Eustace Carey, Memoir of William Carey, D.D.: Late Missionary to Bengal; Professor of Oriental Languages in the College
of Fort William, Calcutta (Boston: Gould, Kendall and Lincoln, 1836), p. 525.
127 O Credo Apostólico, versão c. 542 a.C.
128 CFW (1647) 32.2-3.
129 “Habit 2: Begin With the End in Mind”, Franklin Covey, acessado em 10 de outubro de 2020,
https://www.franklincovey.com/the-7-habits/habit-2.html.
130 Costi W. Hinn e Anthony G. Wood, Defining Deception: Freeing the Church from the Mystical-Miracle Movement (El
Cajon: Southern California Seminary Press, 2018), p. 11.
131 Esse é um tema ao qual o próximo capítulo retornará.
132 Inácio, “The Epistle of Ignatius to the Romans”, trad. Alexander Roberts e James Donaldson, de Ante-Nicene Fathers, vol. 1,
ed. Alexander Roberts, James Donaldson e A. Cleveland Coxe (Buffalo, NY: Christian Literature, 1885). Rev. e ed. para a
New Advent por Kevin Knight, http://www.newadvent.org/fathers/0107.htm.
133 Fórmula de Concórdia de Serampore, artigo 5.
134 Scott Dunford e Alex Kocman, “Serving Christ in Suffering: Jenn DeKryger on Togo and the Loss of Todd DeKryger”, 27
de agosto de 2018, em The Missions Podcast, podcast, https://missionspodcast.com/podcast/serving-christ-in-suffering-jenn-
dekryger-on-togo-and-the-loss-of-todd-dekryger.
O missionário comissionado
a todas as nações
Pondera o que acabo de dizer, porque o Senhor te dará
compreensão em todas as coisas.
(2Coríntios 4.7)
“Eu quero ver minha família florescendo no ministério. Por isso, comprei para minha esposa
um anel de diamantes muito bom”.
Nunca me esquecerei dessa fala reverberando nos meus ouvidos, enquanto eu (Chad)
participava de uma conferência sobre plantação de igrejas urbanas. Um jovem plantador de
igrejas estava advertindo a outros pastores sobre a necessidade de ajudar suas esposas e filhos a
florescerem enquanto ministram em lugares difíceis. Ele nos disse como seus filhos precisavam
ser educados em contextos fora da área na qual estava ministrando, como sua esposa precisava
de presentes extravagantes e de férias luxuosas, e como ele iria “transformar a cidade”. Isso tudo
estava a serviço do objetivo de “prosperar” no ministério.
Florescer e prosperar são palavras próximas. Nós, de forma justa, desejamos que nossos filhos
floresçam física, moral e espiritualmente. Desejamos, corretamente, ver casamentos e igrejas
florescendo. Oramos para que os membros da igreja de Cristo recebam graça sobre graça em
Cristo Jesus, a fim de que a fé deles cresça e floresça. Sem um fio de hesitação, afirmo que
desejo intensamente que os jovens missionários que enviamos às nações floresçam. Porém, há
uma inclinação sutil nesse termo que me preocupa. Essa inclinação prossegue na direção de um
tipo de evangelho da prosperidade, como mencionamos no capítulo anterior. Florescer, cada vez
mais, assume o significado de viver uma vida extraordinária e que muda o mundo.
Uma vida ordinária é, aparentemente, insuficiente para o cristão. Tornou-se lugar-comum entre
os evangélicos modernos desdenhar da suficiência de sobreviver fielmente, ao invés de viver
nossa melhor vida agora. É por isso que os crentes abraçam um entendimento errôneo do que
quer dizer “florescer”. Biblicamente, “florescer” é “suportar fielmente” o nosso chamado ao
evangelho, em face de muito sofrimento, enquanto olhamos para a nossa recompensa celestial
(Hb 10.32-39). Bem-aventurado é o homem que continua a olhar para Cristo e se alegra por
sofrer pelo nome dele (Mt 5.2-12). Não há mandamentos para que os ministros do evangelho
transformem cidades ou catalisem movimentos. Os ministros do evangelho são chamados para
uma vida ordinária de piedade e de proclamação do evangelho (1Tm 4.6-16).
Essa inclinação para um evangelho de prosperidade tem um efeito problemático na forma
como vemos os missionários que enviamos para as nações. Começamos a esperar que eles façam
muito mais do que se manterem firmes em piedade ordinária e no ministério do evangelho. Eles
devem ser extraordinários, transformadores do mundo. Não é suficiente que eles andem em
piedade, proclamem verdadeiramente a Cristo e plantem uma igreja. Esse é um equívoco trágico
a respeito da natureza daquilo que o missionário é comissionado pela igreja a fazer.
Estamos comissionando missionários para uma tarefa profundamente séria. Portanto, temos
muita responsabilidade na qualificação, no treinamento e no apoio àqueles a quem enviamos.
Três considerações em especial devem permanecer em nossas mentes ao contemplarmos o
comissionamento missionário. Primeiro, o missionário e sua família sofrerão grandes perdas
pessoais.135 Segundo, os povos a quem enviamos missionários estão condenados em seus pecados
e precisam ouvir o evangelho articulado de maneira clara (se quisermos que sejam salvos).
Terceiro, devemos estar comprometidos em enviar missionários cujas vidas e doutrina trarão
honra a Deus e à sua Palavra. Estamos enviando pessoas aos confins da terra para colocar a mão
no arado do chamado mais difícil que um discípulo cristão pode ter. Queremos enviar
missionários que resistirão fielmente, em vida piedosa e sã doutrina. Não queremos que nossos
missionários reflitam uma mentira em seu modo de viver e nem que falem falsamente a respeito
de nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo.
O apóstolo Paulo entendia a necessidade de enviar os melhores e mais brilhantes jovens
ministros do evangelho. Ele não enviou membros da igreja que poderia se dar ao luxo de perder.
Ele enviou jovens que eram uma grande bênção ao seu ministério pessoal (1Tm 1.2-3; 2Tm 1.2-
5). Paulo enviou homens como Timóteo — homens piedosos (1Tm 4.12), talentosos (4.13-14), e
bem treinados nas doutrinas da fé (4.6,16). Depois que Paulo enviou a Timóteo, escreveu duas
cartas a ele. Na segunda carta, Paulo o encoraja a se preparar para a resistência fiel e de longo
prazo no ministério do evangelho por meio de quatro maneiras — maneiras essas que
deveríamos aplicar aos missionários que as nossas igrejas enviam hoje.
O missionário deve estar preparado para perseverar na graça do evangelho
Paulo começa 2Timóteo 2.1 com uma declaração enfática e profundamente pessoal: “Tu, pois,
filho meu, fortifica-te na graça que está em Cristo Jesus”. Paulo tinha acabado de escrever sobre
homens que falharam em perseverar. Fígelo e Hermógenes não perseveraram na graça do
evangelho (2Tm 1.15). Como seu pai na fé e companheiro de ministério pastoral, Paulo amava
Timóteo e não queria um resultado similar para ele. As igrejas deveriam ter essa mesma
preocupação profunda com os jovens que enviamos às nações. Deveríamos ansiar que os
missionários que enviamos perseverem na graça do evangelho.
A ordem de Paulo a Timóteo é “fortifica-te na graça que está em Cristo Jesus”. O verbo grego
“fortifica-te” é um imperativo que tem um sentido contínuo e passivo. O mandamento é
depender continuamente do Senhor Jesus para obter fortalecimento. A Timóteo está sendo
ordenado que persevere no ministério do evangelho através da confiança no Pai para receber a
graça que ele nos deu em Cristo — graça suficiente para a salvação e o serviço no ministério.
Cristo Jesus nos salvou (2Tm 1.8-10). Cristo Jesus é o único que nos santifica para boas obras
(Ef 2.10), particularmente para a boa obra da ministração do evangelho (2Tm 1.11-14). O Pai
amorosamente decretou enviar seu Filho para nos salvar (Ef 1.3-6). O Filho veio e nos comprou
graça superabundante em sua vida, morte e ressurreição (Ef 1.7-12). O Espírito Santo foi enviado
pelo Pai e pelo Filho para nos aplicar essa graça por meio da fé (Ef 1.13-14). O Senhor Triúno
agora habita em nós pelo Espírito (Jo 14.23; veja também 14.16-17).
O mesmo Senhor Triúno separa ministros do evangelho como arautos dessas boas-novas que
devem ser proclamadas a todas as nações. Isso deveria nos deixar estupefatos! Quem somos nós,
para que Deus fale sua Palavra gloriosa e redentora por meio de nossas bocas? Somos criaturas.
Como o Criador se digna a nos confiar seu evangelho? Além disso, não somos nada além de
criaturas pecadoras; como a Santa Palavra de Deus pode ser pronunciada por nossos lábios
impuros? Como se isso não bastasse, ainda somos espiritualmente impotentes em nós mesmos —
não há planejamento, programa ou artifício que possamos inventar que possua qualquer poder
inerente para mudar o coração. Então, que poder temos em nós mesmos para sermos eficazes no
ministério do evangelho? Como podemos suportar a batalha contra o mundo, contra a carne e
contra o diabo em nome do povo de Cristo?
É por isso que o Espírito nos ordena: “fortifica-te na graça que está em Cristo Jesus”. Isso é
confiar no poder de Deus (2Tm 1.8), depender da obra santificadora e capacitadora do Espírito
Santo (2Tm 1.14) e apoiar-se na graça que encontramos em Cristo. Isso é saber que, em meio ao
nosso sofrimento pelo evangelho, nossa suficiência vem de Deus, que nos faz ministros da nova
aliança (2Co 3.4-6).
De que forma os missionários são continuamente fortalecidos pela graça em Cristo Jesus? Eles
são fortalecidos na graça de Deus mediante atenção diligente aos meios ordinários de graça que
Deus concedeu. O missionário deve ter a disciplina de estar regularmente lendo a Palavra e
orando. Ele sabe que deve perseverar na graça primeiro como um cristão, a fim de perseverar na
graça como um ministro do evangelho. O missionário é uma ovelha antes de ser um pastor. Os
missionários devem saber que eles eram inimigos de Deus que foram reconciliados em Cristo
antes que fossem enviados para serem embaixadores da reconciliação (2Co 5.11-21). Portanto, o
dever santo mais importante do missionário é confiar em Cristo e ser fortalecido pelo seu
Espírito para perseverar na graça do evangelho.
O missionário deve estar preparado para passar adiante a sã doutrina a homens fiéis
Paulo, a seguir, ordena a Timóteo: “E o que de minha parte ouviste através de muitas
testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros”
(2Tm 2.2). Paulo está falando do seu ministério público. Timóteo deve confiar a homens fiéis a
doutrina que Paulo ensinara publicamente. Paulo não está ordenando que Timóteo passe adiante
alguma reflexão espiritual secreta que recebeu. Ele também não está ordenando que Timóteo
encorajasse os descrentes a interpretarem a Escritura por conta própria. Timóteo deve passar
adiante a doutrina apostólica que lhe foi confiada: “Mantém o padrão das sãs palavras que de
mim ouviste com fé e com o amor que está em Cristo Jesus. Guarda o bom depósito, mediante o
Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1.13-14).
O “padrão das sãs palavras” que Timóteo deveria seguir é o conteúdo doutrinário que forma o
“bom depósito” que Paulo lhe confiara. Essa é a doutrina apostólica transmitida à igreja (At 2.42;
veja também 1Co 15.1-3) como seu fundamento (Ef 2.20), que está registrado na Bíblia (2Tm
3.14-16; 2Pe 1.19-21). Nós recebemos e interpretamos a Palavra de Deus (Ed 7.10), oferecendo
o significado adequado dela ao povo de Cristo (Ne 8.8) para que ouçamos o que o Senhor está
dizendo ao seu povo (2Tm 4.1-4). É por isso que Cristo deu pastores e mestres à sua igreja (Ef
4.11-16).
Timóteo deve seguir a essa doutrina apostólica, ensiná-la e guardá-la com um coração
dedicado ao Senhor, pelo auxílio eficaz do Espírito Santo. Timóteo tinha recebido essa sã
doutrina de Paulo, e agora deveria tomá-la e confiá-la a homens fiéis que seriam capazes de
ensinar a outros. Confiar essa doutrina é assegurar que ela esteja mantida a salvo para continuar
sendo declarada publicamente. Pense nisso! O Senhor confiou essas doutrinas do evangelho aos
seus ministros e missionários, e até mesmo a você, como membro da igreja (Gl 1.6-9). A respeito
desse privilégio tremendo, João Calvino disse: “Esse evangelho irradia sua Glória; é o cetro
divino pelo qual ele governa seu povo, e, mesmo assim, ele no-lo entrega!”.136
Os missionários devem tomar essa sã doutrina confiada a eles e confiá-la a “homens fiéis e
também idôneos para instruir a outros”. “Homens fiéis” não é uma referência a crentes em geral,
mas a homens em particular que sejam confiáveis e leais. Isso se refere ao tipo de homem a
quem você deixa o que considera mais precioso — um homem em quem você confia. Esses são
os homens que chamamos de presbíteros (Tt 1.9). Paulo não diz que se deve confiar essas coisas
a “homens carismáticos, talentosos e populares”, ou a homens “que são bons comunicadores e
oradores animados”, ou a homens “que são capazes de atrair multidões com poder retórico,
métodos mundanos ou personalidades cativantes”. Paulo também não diz a Timóteo para que
simplesmente confiasse essas coisas a “‘filhos da paz’ não-convertidos, que conhecem a
linguagem e a cultura melhor do que você”.137
Os homens fiéis estão estabelecendo um exemplo para os crentes “na palavra, no
procedimento, no amor, na fé, na pureza” (1Tm 4.12). São homens que seguem o padrão das sãs
palavras (2Tm 1.13) e manejam bem a palavra da verdade (2Tm 2.15). São homens dedicados à
leitura pública da Escritura, ao ensino e à exortação (1Tm 4.13). São homens que estão dispostos
e são capazes de ensinar a sã doutrina e refutar aqueles que a contradizem (Tt 1.9), homens fiéis
que decidem não conhecer nada além de Jesus Cristo, e este crucificado (1Co 2.1-5), e não se
envergonham do evangelho, o qual creem ser o poder de Deus para a salvação (Rm 1.16). Eles
são homens com corações humilhados pela graça de Deus, com mentes capturadas pelas virtudes
do nosso Senhor Triúno, e que são fortalecidos pelo temor reverente do Senhor. Esses são os
homens que desejam pegar a espada do Espírito — a Palavra de Deus — e invadir os portões do
inferno para resgatar os perdidos. Esses são homens cujos joelhos estão calejados pela oração,
cujos olhos estão repletos de lágrimas pelo fraco e pelo vacilante, e cujos pés nunca se cansam de
levar a Palavra de Deus ao púlpito ou de casa em casa (At 20.17-21). Esses são homens que estão
prontos para sofrer a perda de todas as coisas para que Jesus seja proclamado em todas as nações
— homens que, incansavelmente, permanecem alertas a fim de lutar com os lobos para a
proteção das ovelhas (At 20.28-31). Esses são os homens a quem confiamos a sã doutrina, para
que possam ensinar também a outros.
Missionários devem estar preparados para participar dos sofrimentos pelo evangelho
Quando alguém segue os passos do nosso Senhor no ministério do evangelho, é inevitável que
sofra como ele sofreu. O sofrimento não é apenas algo que acontece esporadicamente na vida de
um missionário. Antes, o sofrimento é a sua porção especialmente escolhida e alegre. Paulo
considerava uma alegria o sofrer pela causa do nome de Cristo (Cl 1.24). Ele ordenou a Timóteo
que se juntasse a ele no sofrimento pelo evangelho: “Participa dos meus sofrimentos como bom
soldado de Cristo Jesus” (2Tm 2.3; veja também 1.8,12, 2.9). O sofrimento do qual Paulo está
falando é a perseguição e a oposição do mundo, da carne e do diabo.
Esse tipo de sofrimento pelo evangelho é parte integrante do ministério. Enfrentaremos
oposição, pois todas as forças do inferno estão juntas contra Cristo e seus ministros. Assim como
Paulo, e como nosso Senhor e Salvador, devemos abraçar esse sofrimento. Satanás declarará
guerra contra os nossos missionários e contra aqueles que eles estão alcançando. E uma das
ferramentas mais eficazes dele é fazer com que o missionário fuja ou caia, seja por meio da
impiedade pessoal, por meio da impaciência com as dificuldades da vida e do ministério cristão,
ou por meio de doutrinas enganosas.
Para preparar a Timóteo, Paulo providenciou três metáforas que nos ajudam a entender o
significado de participar dos sofrimentos com ele na qualidade de um ministro do evangelho:
Participa dos meus sofrimentos como bom soldado de Cristo Jesus. Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios
desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou. Igualmente, o atleta não é coroado se não lutar
segundo as normas. O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos. (2Tm 2.3-6)
A primeira metáfora de Paulo para o ministro do evangelho é a de um soldado focado. O bom
soldado de Cristo Jesus não se envolve em negócios desta vida — as preocupações deste mundo
presente. Esse não é um chamado ao monasticismo, através do qual o missionário se retira deste
mundo e de seus cuidados. Esse é um chamado para ficar alerta e evitar as distrações diárias que
inibem o nosso serviço a Deus. O missionário não deve permitir que os confortos e desejos
mundanos o distraiam. Em outras palavras, Paulo está chamando a uma dedicação sincera ao
ministério do evangelho. O missionário é um soldado da ativa. A batalha está acontecendo. Ele
deve evitar a distração para se dedicar a essa batalha, embora o sofrimento possa tornar fácil
ansiar por pastos mais verdejantes. Porém, o bom soldado permanece na batalha, porque seu alvo
é agradar ao Senhor que o arregimentou.
A segunda metáfora de Paulo para o ministro do evangelho é a de um atleta que joga conforme
as regras. O atleta deve competir de acordo com as regras, para que não seja desqualificado e
não receba o prêmio. Quais são as regras no ministério pastoral? As regras são bem simples:
viver uma vida piedosa e ensinar a sã doutrina (2Tm 1.13-14; 1Tm 4.16). O missionário deve
caminhar em santidade, enquanto ensina a sã doutrina e refuta aqueles que a contradizem (Tt
1.9). Paulo não corria sem rumo, mas como alguém que buscava o prêmio, como quem se
disciplina, para que, depois de pregar a outros, não viesse a ser ele mesmo desqualificado (1Co
9.24-27). É por isso que Paulo pode dizer, no fim da sua vida, que ele completou a carreira e
receberá a coroa da justiça (2Tm 4.7-8).
A terceira metáfora de Paulo para o ministro do evangelho é a de um lavrador que trabalha. O
lavrador exaure a si mesmo, a tempo e fora de tempo, no lavrar, no plantar, no regar e no colher.
É muito fácil, no silêncio do seu estudo pessoal, tornar-se preguiçoso no atender à Palavra e à
oração. É muito fácil para o missionário em contexto estrangeiro, longe do escrutínio e da
prestação de contas reais, tornar-se preguiçoso e distraído. O abandono e a preguiça são
particularmente tentadores quando você fica exausto em razão das dificuldades no ministério. O
missionário pode facilmente deixar de lado as horas entediantes e frustrantes do aprendizado de
idioma, os rigores da adaptação a culturas diferentes e o fardo de estar na Palavra e na oração
enquanto escapa para o mundo das mídias sociais, onde seu coração é capaz de viajar de volta
para casa por meio da tecnologia.
Porém, o missionário deve trabalhar diligentemente na Palavra (2Tm 2.15). Ele também deve
conhecer o povo a quem está ministrando, a fim de que não fique dando socos no ar. Ele deve
fazer valer as horas incontáveis e cansativas do aprendizado do idioma e da cultura se espera
comunicar a Palavra de Deus com clareza. Ele deve labutar e se esforçar no ministério do
evangelho. Ele deve trabalhar com toda a força que Deus opera poderosamente em nós, a fim de
proclamar a Cristo (Cl 1.28-29). Ele deve orar, advertir, ensinar, admoestar e exortar com toda a
humildade e com uma urgência regada a lágrimas (At 20.28-31). Ele deve fazer seu trabalho em
público e de casa em casa, com paciência e ensino completos (At 20.17-21; 2Tm 4.1-5).
Os missionários devem estar preparados para pensar a respeito do dever no evangelho que
possuem
O quarto mandamento de Paulo a Timóteo pode ser o mais peculiar para os nossos ouvidos
modernos. Ele ordenou: “Pondera o que acabo de dizer, porque o Senhor te dará compreensão
em todas as coisas” (2Tm 2.7). Esse é um mandamento para ponderar e meditar sobre o que
Paulo vinha dizendo. Ele não quer que a mente de Timóteo se desvie da Palavra inspirada pelo
Espírito para a tirania da urgência ao seu redor. Ele quer que Timóteo fixe sua mente no que lhe
foi dito. O missionário deve ser desafiado a ponderar nas verdades do evangelho, na natureza do
seu chamado, e na realidade do sofrimento que ele encara. Ele precisa contar o risco de sua
missão (Lc 14.25-33). O missionário pode perder sua esposa, filhos e até mesmo sua própria vida
pela causa do evangelho. Ele certamente perderá seu conforto, sua riqueza terrena e sua
reputação pessoal. Mesmo assim, ele deve permanecer fiel à sua responsabilidade de pregar o
evangelho.
Diante de sofrimentos assim, o missionário deve colocar sua mente em Cristo e em todas as
suas bênçãos celestiais (Cl 3.1-4). Ele deve entregar-se totalmente à sua missão, sabendo que
Jesus é digno de todas as horas de luta para aprender o idioma e a cultura, de cada momento de
esforço na Palavra e na oração, de cada conforto e cada benção pessoal que foram perdidos neste
mundo, e de cada tentativa de ataque proveniente de Satanás. Como William Carey escreveu:
“Entreguemo-nos sem reservas a essa causa gloriosa. Nunca pensemos que nosso tempo, nossos
dons, nossa força, nossas famílias, ou até mesmo que as roupas que vestimos pertencem a nós.
Santifiquemos tudo isso a Deus e à sua causa. Oh, que ele possa nos santificar para a sua
obra”.138
Aplicação
Estamos enviando pessoas aos confins da terra para completar uma missão humanamente
impossível. É uma missão que requer a obra sobrenatural do Espírito Santo, que opera por meio
da Palavra, para converter homens e mulheres para a nova vida e fé em Cristo Jesus. Essa é uma
missão na qual os servos de Cristo sofrerão com ele para fazer seu nome conhecido em toda
tribo, língua e nação. Eles correm essa carreira gloriosa, esquecendo-se de prêmios e prazeres
mundanos, com seus olhos fixos na recompensa eterna. Esses jovens não estão sendo enviados
para inventar novos métodos e novas medidas, nem para agir de maneira astuta, ou para adulterar
a Palavra de Deus (2Co 4.1-2). Eles não recebem ordens para buscar um “vento novo” de poder
miraculoso por meio de uma prática missionária até agora desconhecida pela igreja de Cristo.
Antes, eles devem cuidar de si mesmos e da doutrina (1Tm 4.16).
Em tempos nos quais muitos evangélicos são ensinados que “todo cristão é um missionário”,
devemos, não obstante, lutar por um nível mais alto de qualificação missionária. Estudantes e
jovens adultos que aspiram servir no campo missionário devem prestar muita atenção em cada
aspecto de suas vidas e de seu caráter — não apenas o conhecimento que possuem da Escritura e
da teologia, mas também a vida da família, as finanças e até mesmo a saúde física.139 Os
missionários podem ser enviados pelos presbíteros das igrejas enquanto ainda bastante tenros,
jovens e relativamente inexperientes, mas são enviados como exemplos de doutrina e vida
saudáveis, dedicados a ensinar de forma competente as Escrituras, praticando e imergindo a si
mesmos nessas coisas de maneira persistente (1Tm 4.11-15). O missionário fiel é um
embaixador de Cristo e de sua igreja, totalmente comprometido com a verdade bíblica de que a
sã doutrina e a prática piedosa sempre andam juntas.
Questões para revisão
1. Você, provavelmente, já ouviu a piada de que, na Escola Dominical, “Jesus sempre é a
resposta”. Porém, sabemos que Jesus somente é a resposta se você está fazendo a pergunta
correta. É totalmente possível proclamar a Cristo e ser ouvido por outro grupo de pessoas de
uma maneira bem diferente da que você pretende. William Carey ajudou a moldar a
Fórmula de Concórdia de Serampore, que abordou essa questão:
É muito importante que obtenhamos toda a informação que pudermos das ciladas e desilusões nas quais esses pagãos são
mantidos. Por esse meio, seremos capazes de dialogar com eles de uma maneira compreensível. Conhecer seus modos de
pensamento, seus hábitos, suas propensões, suas antipatias, a forma pela qual pensam sobre Deus, pecado, santidade, o
caminho da salvação e um estado futuro, estar ciente da natureza atraente da adoração, das refeições e das canções
idólatras deles é da mais alta relevância, se queremos ganhar a atenção deles ao nosso discurso, e evitarmos parecer
bárbaros para eles. Esse conhecimento pode ser facilmente obtido ao dialogar com nativos sensíveis, ao ler algumas
partes de suas obras e ao observar atentamente seus modos e costumes.140
O que aprendemos, aqui, a respeito da magnitude e da natureza da obra missionária?
2. À luz de 2Timóteo 2.2, quando a obra missionária está completa?
3. Considerando que um missionário não deve ser distraído por negócios terrenos, qual é a
responsabilidade da igreja que o envia, no que tange ao cuidado e apoio de seus
missionários?
4. Considerando que um missionário deve ensinar a sã doutrina e caminhar em piedade, o que
isso implica a respeito do caráter, da maturidade, do treinamento e da avaliação daqueles a
quem enviamos?
5. Considerando que um missionário deve “lutar segundo as normas” (2Tm 2.5), quais são as
implicações quanto aos métodos ministeriais que ele emprega?
6. Um missionário deve trabalhar duro. A Fórmula de Concórdia de Serampore também
abordou isso:
É nosso atentar para todas as oportunidades de fazer o bem. Um missionário seria altamente culpável se se contentasse
em pregar duas ou três vezes por semana a pessoas a quem ele poderia ser capaz de reunir em um lugar de adoração.
Continuar conversas com os nativos em quase toda hora do dia, ir de vilarejo em vilarejo, de mercado a mercado, de uma
assembleia a outra; falar com servos, trabalhadores, etc., tantas vezes quanto a oportunidade oferece, e ser insistente a
tempo e a fora de tempo — essa é a vida à qual somos chamados neste país. Somos inclinados a relaxar nesses esforços
ativos, especialmente em um clima ameno; mas faremos bem em sempre fixar em nossas mentes que a vida é curta, e
tudo que está à nossa volta vai perecer.141
Quais são algumas formas pelas quais você pode identificar se um candidato a missionário é
um obreiro que não se distrai? Como você poderia treiná-los para maior diligência na
vocação?
135 Ao mesmo tempo em que este capítulo usará frequentemente o pronome pessoal masculino na terceira pessoa, isso não é uma
acusação contra, nem uma intenção de excluir, mulheres como missionárias. A razão primária para essa escolha é harmonizar
minha descrição de um missionário com a instrução de Paulo a Timóteo.
136 João Calvino, Sermons on Second Timothy (Carlisle, PA: Banner of Truth, 2018), p. 111.
137 “Filhos da paz” é um termo, adaptado de Lucas 10.6-7, utilizado nos movimentos de fazer discípulos para descrever alguém
amigável em relação ao missionário cristão e disposto a facilitar um Estudo Bíblico de Descobertas em seu lar. Ao mesmo
tempo em que a Escritura fornece exemplos na história da redenção de novos convertidos que foram fundamentais para a
conversão de famílias e de comunidades, acreditamos que a aplicação ampla demais do princípio de “filho da paz” é
equivocada, especialmente quando ampliado para incluir descrentes não-convertidos. Para mais informações, veja Alex
Kocman, “What Should We Do with ‘Persons of Peace’?”, ABWE Blog, ABWE International, 2 de outubro de 2019,
https://www.abwe.org/blog/what-should-we-do-%E2%80%98persons-peace%E2%80%99.
138 Fórmula de Concórdia de Serampore, artigo 11.
139 Esse ponto não pode ser subestimado. Para mais sobre essas considerações práticas, veja Alex Kocman, “College Students:
Learn How to ‘Adult’ Before You ‘Missionary’”, ABWE Blog, ABWE International, publicado em 1 de janeiro de 2021,
https://www.abwe.org/blog/learn-how-adult-you-missionary.
140 Artigo 2.
141 Artigo 4. Algumas terminologias e pontuações especiais são minhas, para o propósito de uma leitura mais agradável.
Conclusão
Ao longo desta obra, buscamos elaborar nossa missiologia a partir de toda a matriz da doutrina
bíblica da qual ela naturalmente flui. A doutrina da Escritura nos provê o conteúdo de nossa
proclamação e o padrão único e infalível pelo qual nossos métodos devem ser julgados. A
doutrina de Deus constrói em nós uma apreciação de seu amor abundante pelo mundo, e um
comprometimento em ver o mundo responder a ele em adoração.
A doutrina de Cristo gera um entendimento do caráter único da pessoa, da obra redentora e da
autoridade do Filho, o que deve, necessariamente, se refletir na proclamação do missionário. A
doutrina do Espírito Santo nos afasta dos meios humanos pragmáticos, e nos leva a uma
dependência da obra de regeneração e de santificação do Espírito, que capacita os ouvintes do
evangelho a crer e a amadurecer. A doutrina da igreja estabelece que é a vontade de Deus que o
seu povo seja formado em congregações visíveis e locais conduzidas por homens fiéis
comprometidos com a Palavra, com a comunhão, com a adoração, com a oração, com os
sacramentos e com a missão. O estudo indutivo do exemplo dos apóstolos no livro de Atos
estabelece a proclamação autoritativa do evangelho como o meio normativo de fazer discípulos
para a igreja através dos séculos. Uma teologia robusta e bíblica dos propósitos de Deus para as
nações, revelados pela história da redenção, proporciona uma visão clara da audiência dessa
proclamação.
A doutrina das últimas coisas estabelece a motivação subjacente à resistência missionária ao
sofrimento. E a sabedoria transmitida pelo apóstolo Paulo ao jovem Timóteo em suas Epístolas
Pastorais mostra o caráter essencial de um missionário comprometido com a doutrina e a prática
saudáveis.
Esta pesquisa não foi exaustiva ao abordar cada um dos temas clássicos da teologia
sistemática. O leitor pode notar que essas categorias como a angeologia (a doutrina dos anjos)
não foram abordadas, ao mesmo tempo que outras, como a soteriologia (a doutrina da salvação),
foram entrelaçadas em capítulos que falavam de outros assuntos. Nosso propósito não foi tratar
todos os temas principais da doutrina, mas sim de que maneira um cristão pode se aproximar de
uma área da teologia e derivar as devidas implicações missiológicas. Outros assuntos, como a
identidade de ethne na Grande Comissão, ou o caráter de um pastor-teólogo como derivado das
Epístolas, ganharam mais atenção neste livro, visto que representam dimensões da eclesiologia
que são vitais às missões. Embora esses temas não sejam, com frequência, objetos de um
tratamento teológico estritamente sistemático, sustentamos que a missiologia deveria ser
conduzida não apenas pela teologia sistemática, mas também por disciplinas como teologia
bíblica e teologia pastoral.
O que unifica todo esse projeto é o nosso alvo de aplicar as instruções explícitas da Escritura às
missões de tal forma que regulem, e não somente normatizem, o empreendimento missionário.
Como mencionado no início, esse princípio regulador mantém que apenas e tudo o que a
Escritura prescreve — com respeito a adoração pública, missões, ministério pastoral ou qualquer
outra tarefa confiada à igreja — como prática oficial do povo de Deus. Esse princípio costuma
ser mal interpretado como se colocasse restrições indevidas sobre as igrejas, sem que haja uma
consideração adequada das circunstâncias culturais únicas nas quais elas se encontram. Isso é um
erro. As instruções positivas estabelecidas na Escritura são libertadoras em sua simplicidade, e
surpreendentemente permissivas. Considere como John Owen, teólogo puritano, expressou esse
princípio regulador em sua aplicação à assembleia da igreja local:
Agora é diferente com o povo de Deus, mesmo que nunca seja tão pobre ou destituído de todas as acomodações externas.
As assembleias deles são nas montanhas, nas cavernas e nos antros da terra? — Cristo, de acordo com sua promessa, está
no meio deles como seu sumo-sacerdote, e eles possuem, na adoração, toda a ordem, glória e beleza (quero dizer,
observando as regras do evangelho) que, em qualquer lugar sob o céu, podem desfrutar e serem coparticipantes. Tudo
depende da presença de Cristo, e do acesso a Deus por meio dele; e ele não é excluído de lugar algum, mas pensa que
qualquer lugar no qual seus santos se encontram ou para onde são conduzidos é suficientemente adornado para ele. Que as
mãos que se abaixam sejam erguidas, e que os joelhos trôpegos sejam fortalecidos; qualquer que possa ser a condição
externa e desesperada deles, ali há ordem, beleza e glória, na adoração a Deus, acima de tudo que o mundo pode
falsificar!142
Em outras palavras, o princípio é este: quando a igreja tem a presença viva, poderosa,
espiritual e real do Senhor Jesus Cristo em seu meio pelo seu Espírito, e os meios simples,
suficientes e ordinários de graça ao seu dispor, ela tem tudo de que precisa. O povo de Deus pode
adorar autenticamente em catedrais ou em cavernas, e não terá falta de nada que seja necessário
para a vida e a piedade (2Pe 1.3). Essa adoração bíblica possui uma glória subversivamente
simples — que não possui a extravagância das formas externas ostentadas pela adoração do
Antigo Testamento, ou da experiência moderna de adoração como entretenimento, mas é dotada
de um poder espiritual bem maior.143 De forma similar, munido da Escritura, da sã doutrina e do
poder do Espírito, o povo de Deus tem tudo aquilo de que precisa para cumprir a missão dada
por Deus — mesmo que lhes falte o conhecimento especializado necessário para catalisar
movimentos sociais. Isso porque a missiologia saudável deve fluir da teologia, e não ser unida
superficialmente a ela.
Modelar nossa prática missionária de acordo com as regulações expressas da Escritura não nos
coloca, de forma alguma, em inimizade com objetivos e práticas tais como construir
relacionamentos redentivos com os nativos, conduzir estudos bíblicos evangelísticos com
incrédulos, buscar em oração converter famílias e unidades sociais inteiras, conduzir a igreja de
maneira mais discreta em países fechados, colocar uma ênfase forte na indigenização, ou
encorajar o ministério de cada membro e o viver missional entre as pessoas leigas. Esses
elementos comuns da missiologia contemporânea são frequentemente colocados em oposição a
assim chamada metodologia de proclamação. Essa tensão é falsa e artificial. Um missionário
operando com base na clara regulação bíblica será capaz de fazer amplo uso dessas estratégias
quando contextualmente apropriado. Até a Segunda Confissão de Fé de Londres, que muitos
missiólogos modernos talvez dispensariam por refletir um modelo puramente ocidental de
prática cristã, reconhece a clara necessidade de uma contextualização saudável em áreas da vida
às quais a Escritura fornece menos orientações: “Há circunstâncias relacionadas à adoração a
Deus e ao governo da igreja, comuns às ações e sociedades humanas, que devem ser ordenadas
pela luz da natureza e pela prudência cristã, de acordo com as regras gerais da Palavra, as
quais sempre devem ser observadas”.144
Isso quer dizer que mesmo dentro daquilo que a comunidade contemporânea de missões
deixaria de lado, categorizando como “ocidental”, “tradicional” ou “proclamacional”, existe uma
apreciação necessária pelas considerações contextuais — cultura, linguagem, tempo e local —
que caem no domínio da sabedoria. Esperamos ver essa maravilhosa síntese bíblica entre
regulação, sabedoria e consciência dar frutos no campo missionário. Porém, isso não pode
acontecer até que vejamos a obra missionária, antes de qualquer coisa, como um esforço
teológico.
Uma anedota final servirá para ilustrar nosso propósito ao longo de toda essa obra. Ao nos
aproximarmos da finalização desta obra, um dos autores conversou com uma jovem na igreja e
descreveu o alvo do livro para ela. Tão logo a mulher — uma crente fiel e biblicamente instruída
— ouviu que o tópico eram missões, ela respondeu, com muito interesse: “Eu não sei nada sobre
missões. Sempre quis entender isso”. A humildade dela é elogiável. Que mais jovens de nossa
geração reconheçam os limites das suas capacidades! Mesmo assim, a noção de que uma mulher
adulta com uma fé vibrante e cheia da Escritura, que segue a Cristo, em uma igreja que ensina a
Bíblia, pense estar despreparada para ponderar sobre questões relacionadas à Grande Comissão
representa uma falha de todo o status quo do movimento missionário evangélico. E essa mulher
não está sozinha — até mesmo muitos pastores bem treinados se sentem igualmente
despreparados em relação ao assunto.
Como isso aconteceu? Colocando de forma simples, as missões se tornaram isoladas do resto
da vida da igreja como se fossem outra coisa, uma disciplina distinta em por seus próprios
méritos, com uma essência diferente do ministério regular da Palavra e dos sacramentos, que
marca a comunidade cristã onde ela já está estabelecida. Essa divisão crescente ocorre em meio a
uma infiltração da sociologia, da antropologia, da psicologia, da economia, e até mesmo da
política nas missões, exigindo um nível de qualificação acadêmica daqueles que praticam as
missões que é inalcançável aos leigos. Em nome da catalisação de movimentos evangélicos
orgânicos, ampliamos a antes inaceitável divisão entre o clero e crentes comuns ao fazermos das
missões algo que não é bíblico — um esforço independente separado da igreja local.
Consequentemente, pastores e leigos condicionados a duvidar da suficiência das Escrituras para
o ministério transcultural agora interagem com os “missionários profissionais” e com a obra
missionária com temor e tremor.
Para corrigir essa tendência alarmante, a comunidade de missões estrangeiras e os líderes de
igreja responsáveis pelo envio de missionários devem abraçar, juntos, uma verdade impopular: se
, para ser um missionário fiel, é necessário que alguém se torne um especialista em movimentos
sociais ou em estratégias de crescimento conforme definidos pela sociologia secular, então o que
quer que estejamos praticando não pode ser chamado corretamente de missões bíblicas. Podemos
aceitar essa verdade enquanto ainda reconhecemos que as missões exigem habilidades
especializadas que nem todos os crentes possuem — tais como a habilidade de dominar um ou
mais idiomas estrangeiros e enfrentar o choque cultural, ou possuir instintos empreendedores e
sensibilidade cultural. Não negamos o caráter único das missões, nem afirmamos, de uma
maneira excessivamente simplista, que todo cristão é um missionário. Na verdade, poucos
cristãos são ordenados a trabalhar pelo evangelho em um grupo de pessoas diferente de si
mesmos. Porém, nossa motivação principal com este livro é desmistificar as missões e, dessa
forma, abri-las para cristãos comuns, cheios do Espírito e que leem a Bíblia. As missões não são
de uma essência diferente do tipo de ministério do evangelho que oramos para que seja praticado
em nossas próprias igrejas. Realocação, contextualização, tradução e aculturação, tudo isso serve
para preparar o palco para o missionário, a fim de que este, ousada e simplesmente, proclame a
Cristo, e este crucificado, de tal forma que seja ouvido através do ruído causado pelo conflito de
cosmovisões ocorrendo em seus ouvintes, esteja ele lidando com a aceitação ou com a rejeição.
O alvo da estratégia missionária é nunca afastar o empreendimento missionário da simplicidade
da proclamação do evangelho, nem nunca contornar a ofensa necessária do evangelho. As
missões são mais do que simplesmente proclamar o evangelho; porém, nunca são menos que
isso. Esse é um chamado difícil e elevado, mas não precisa ser assustadoramente complexo.
Nosso Senhor, que ressurgiu e que reina, confiou seu mandato missionário à sua noiva, a
igreja, e não meramente ao mundo das organizações paraeclesiásticas e acadêmicas que um dia
apareceriam. Almejamos devolver a Grande Comissão para as mãos da igreja local. Com a Bíblia
em mãos, qualquer discípulo cristão fiel pode se familiarizar com a obra missionária de tal forma
que irá, fiel e confiantemente, orar, doar, enviar, ou ir. Quanto mais fizermos missões pelo Livro,
mais poderemos devolver as missões à igreja local, que é a dispenseira adequada dessa tarefa. E
somente quando fizermos isso veremos todas as nações ganhas para a obediência da fé no
Cordeiro, que é digno de receber a recompensa gloriosa dos seus sofrimentos.
142 John Owen, The Works of John Owen, ed. William H. Goold (Edinburgh: Banner of Truth, 1965), 9:66-67.
143 Leia a CFW (1647) 7.6 a respeito desse ponto: “Sob o evangelho, quando Cristo, a Substância, se manifestou, as ordenanças,
nas quais este pacto é ministrado, passaram a ser a pregação da Palavra e a administração dos sacramentos do batismo e da
Ceia do Senhor; por estas ordenanças, posto que em número menor e administradas com mais simplicidade e menos glória
externa, o pacto se manifesta com mais plenitude, evidência e eficácia espiritual, a todas as nações”. Embora a maioria dos
batistas tenham objeções à articulação de “uma aliança, múltiplas administrações” da teologia da aliança, sobre a qual essa
linha da confissão depende, a observação subjacente que concerne à glória da adoração da nova aliança, a despeito da
aparente simplicidade de suas formas externas, permanece.
144 CFBL1689 1.6, ênfase acrescentada.
Apêndice
O Padrão Apostólico de
Pregação Evangelística
Esses quadros são adaptados por Joel Heppner, a partir da obra de Alan J. Thompson, The Acts
of the Risen Lord Jesus: Luke’s Account of God’s Unfolding Plan [Os Atos do Ressurreto Senhor
Jesus: O Relato de Lucas Sobre o Plano Revelado de Deus], ed. D. A. Carson, New Studies in
Biblical Theology (Inglaterra: Apollos; Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2011), 27.90.
Somos profundamente devedores a esses estudiosos pelo trabalho cuidadoso.
O padrão de pregação do evangelho