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I N T R O D U Ç Ã O AO PENTATEUCO.............................................................................2
OS CINCO LIVROS..................................................................................................................2
A LEI E A HISTÓRIA.............................................................................................................3
A UNIDADE DO PENTATEUCO..........................................................................................4
A COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO..................................................................................5
A TEORIA DOS DOCUMENTOS.............................................................................................6
O NASCIMENTO DO PENTATEUCO APÓS O EXÍLIO BABILÔNICO............................9
OS TEXTOS SACERDOTAIS (P).........................................................................................10
OS TEXTOS DEUTERONOMISTAS [D]............................................................................11
OS CÓDIGOS LEGISLATIVOS...............................................................................................13
AS TRADIÇÕES NARRATIVAS ANTIGAS............................................................................13
A SIGNIFICAÇÃO DO PENTATEUCO...................................................................................14
I N T R O D U Ç Ã O A O L I V R O D O G Ê N E S I S .................................................16
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................16
COMPOSIÇÃO E FONTES......................................................................................................17
A HISTÓRIA DAS ORIGENS [GN 1-11]................................................................................18
AS TRADIÇÕES PATRIARCAIS [GN 12—50]......................................................................19
TEMAS E FIGURAS...............................................................................................................21
I N T R O D U Ç Ã O A O L I V R O D O Ê X O D O ......................................................23
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................23
CONTEÚDO DA OBRA..........................................................................................................23
CONSTITUIÇÃO LITERÁRIA.............................................................................................25
TRADIÇÕES...........................................................................................................................25
OS TEXTOS SACERDOTAIS..................................................................................................25
OS TEXTOS NÃO SACERDOTAIS.....................................................................................26
TEMAS TEOLÓGICOS........................................................................................................27
O ÊXODO NA BÍBLIA............................................................................................................29
HISTORICIDADE DO ÊXODO............................................................................................30
I N T R O D U Ç Ã O A O L I V R O D O L E V Í T I C O ............................................32
LUGAR E PAPEL DO LIVRO.................................................................................................32
ORIGEM E CONTEÚDO DO LIVRO.......................................................................................32
PEQUENO LÉXICO DO LEVÍTICO........................................................................................33
ATUALIDADE DO LEVÍTICO.........................................................................................................38
I N T R O D U Ç Ã O A O L I V R O D O S N Ú M E R O S ...........................................40
ESTRUTURA LITERÁRIA DO LIVRO....................................................................................40
O DESERTO COMO QUADRO NARRATIVO DO LIVRO DOS NÚMEROS............................41
TRADIÇÕES E COMPOSIÇÃO DO LIVRO DOS NÚMEROS..................................................42
MOISÉS..................................................................................................................................43
A VISÃO SACERDOTAL DO POVO DE DEUS.......................................................................43
O POVO DE DEUS EM OUTRAS TRADIÇÕES.......................................................................44
ATUALIDADE DOS NÚMEROS............................................................................................44
I N T R O D U Ç Ã O A O L I V R O D O D E U T E R O N Ô M I O ............................46
UM LIVRO DE TRANSIÇÃO..................................................................................................46
SEGUNDA LEI.......................................................................................................................46
A ALIANÇA...........................................................................................................................48
A OBRA ACABADA E SEU PLANO......................................................................................49
A TEOLOGIA DO LIVRO.......................................................................................................50
O DEUS DE ISRAEL...............................................................................................................50
O POVO DE DEUS..................................................................................................................52
O DEUTERONÔMIO NA BÍBLIA...........................................................................................53
O DEUTERONÔMIO HOJE....................................................................................................54
I N T R O D U Ç Ã O AO PENTATEUCO
OS CINCO LIVROS
A LEI E A HISTÓRIA
A UNIDADE DO PENTATEUCO
1
É provável que este nome próprio do Deus de Israel fosse "Yahô", antes que "Yahweh" O judaísmo não
o pronuncia e usa substitutos, nomeadamente "Adonai" (Senhor), termo que será igualmente usado na
TEB (cf. nota sobre Ex 3,14-15).
A unidade do Pentateuco se constrói igualmente ao redor da personagem de Moisés.
Exceto o Gênesis, o resto do Pentateuco é dominado por essa grande figura. Com efeito,
Moisés aparece em múltiplas funções: libertador político, mas igualmente profeta, juiz e
legislador; de todos os pontos de vista, o mediador por excelência entre o Deus de Israel
e seu povo. As leis proclamadas no quadro da revelação divina o são pela boca de
Moisés. A única exceção é a dos Dez Mandamentos, que Deus comunica diretamente ao
povo reunido ao pé da montanha. Portanto, é o ensinamento de Moisés que dá unidade e
coerência ao judaísmo.
A COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO
Fundando-se na proclamação das leis por Moisés, a tradição judaica, seguida nisso
pelo cristianismo, fez de Moisés o autor de todo o Pentateuco. No Novo Testamento,
Jesus fala frequentemente de Moisés quando cita textos do Pentateuco. Os rabinos, por
sua vez, se questionavam se Moisés poderia realmente ter escrito o relato de sua própria
morte. Malgrado tais dúvidas, a atribuição do Pentateuco a Moisés jamais foi seriamente
contestada antes da época do iluminismo.
Tanto o filósofo Spinoza como o exegeta Richard Simon afirmaram ser verossímil
que numerosos textos do Pentateuco tenham sido escritos muito depois da época de
Moisés. Spinoza também chamava a atenção para as rupturas da lógica literária do
Pentateuco e a diversidade de estilos empregados, evidências que tornavam dificilmente
aceitável a hipótese de um único autor.
É assim que se encontram certos textos legislativos de novo em contextos diferentes:
o Decálogo é dado duas vezes (Ex 20 e Dt 5); o calendário das festas, cinco vezes (Ex
23, Ex 34, Lv 23, Nm 28-29 e Dt 16). O mesmo se passa com narrações: encontra-se um
duplo relato da Criação (Gn 1,1-2,3 e Gn 2,4-23), do conflito entre Sara e Hagar (Gn 16
e 21), do selo da aliança com Abraão (Gn 15 e 17) e da vocação de Moisés (Ex 3-4 e
6,2-8). Encontram-se três versões de como o patriarca faz passar a esposa por irmã (Gn
12, 20 e 26). Nem se trata de simples repetições, mas cada texto paralelo comporta
marca original. No interior de certos relatos também se encontram repetidos casos de
tensões. Assim, em Gn 7,15 Noé faz entrar na arca um casal de animais de cada espécie,
mas Gn 7,2 fala de sete casais; Gn 7,17 indica quarenta dias de duração do dilúvio; 7,24,
ao contrário, menciona 150. O comportamento do faraó diante das pragas do Egito se
explica de duas maneiras diversas: conforme alguns textos (Ex 7,3 e nota), Deus mesmo
endurece o coração do rei do Egito, enquanto outros textos insistem em que o faraó tem
livre-arbítrio e se obstina em sua recusa (Ex 8,11). O milagre do mar dos Juncos é
relatado similarmente em duas versões: segundo Ex 14,21 o mar é empurrado por um
vento de leste, enquanto em 14,lb-23 as águas se repartem pelo meio.
A diversidade literária do Pentateuco aparece também no nível do estilo e das
particularidades de vocabulário. A montanha da revelação é denominada tanto Sinai
como Horeb; o sogro de Moisés uma hora se chama Jetro, outra Reuel. O estilo barroco
insistente e repetitivo do Deuteronômio contrasta com a natureza técnica das prescrições
rituais da primeira parte do Levítico. Em alguns relatos há preocupação de ordem
cronológica (indicação de idade dos personagens ao tempo do evento), enquanto outros
são redigidos em estilo menos estereotipado e mais vivaz. Certas narrativas são breves e
sóbrias (a descida de Abraão ao Egito em Gn 12,10-20), outras pitorescas e prolixas (a
procura de uma mulher para Isaac em Gn 24).
Toca imediatamente o leitor o emprego de diferentes nomes para designar o Deus de
Israel. Certos textos usam o nome próprio YHWH (O SENHOR), outros o nome genérico
Elohim (Deus). Assim, o primeiro relato sobre Hagar fala de YHWH, O segundo de Deus.
O romance de José, exceto alguns versículos no capítulo 39, usa exclusivamente
"Deus", e não mais o nome próprio do Deus de Israel. Sobre a base deste emprego dife-
renciado dos nomes divinos se construiu uma primeira teoria sobre a composição do
Pentateuco. Na França foi Jean Astruc, médico de Luís XV, quem postulou em 1753
que o Pentateuco resultava da combinação de duas memórias (uma usando o nome
YHWH, outra o de Elohim). Essa distinção esteve na origem da teoria dita "dos
documentos" (ou "teoria documental"), popularizada no fim do séc. XIX pelo exegeta
alemão Julius Wellhausen.
3
A questão de presença de textos deuteronomistas no livro do Gênesis atualmente é muito debatida; não
se encontram nesse livro textos tão claramente marcados pelo estilo "D" como nos livros do Êxodo e dos
Números.
Após a destruição de Jerusalém e do Templo, o Deuteronômio foi relido e
reinterpretado à luz da catástrofe, que se encontra igualmente refletida nos textos
deuteronomistas do Pentateuco em geral. A recusa da palavra divina se torna doravante
nesses textos a chave de explicação para compreender o exílio, interpretado como
sanção divina. Só a escuta da palavra do SENHOR, que se dirige a cada geração de
leitores do Deuteronômio (Dt 5,3), oferece um caminho de salvação. O que pode se
tornar fonte de vida e alegria é colocar em prática as leis, as prescrições, os
mandamentos.
OS CÓDIGOS LEGISLATIVOS
A SIGNIFICAÇÃO DO PENTATEUCO
INTRODUÇÃO
COMPOSIÇÃO E FONTES
TEMAS E FIGURAS
INTRODUÇÃO
CONTEÚDO DA OBRA
CONSTITUIÇÃO LITERÁRIA
TRADIÇÕES
OS TEXTOS SACERDOTAIS
A redação dos textos não sacerdotais do Êxodo se estende por um período mais
longo que a dos sacerdotais. Se na maior parte são anteriores ou contemporâneos dos
textos sacerdotais, alguns são nitidamente posteriores. E certamente o caso de certo
número de unidades – como do Decálogo e outras9 – muito tardiamente incluídas em
seu contexto atual.
Muitas passagens do livro do Êxodo refletem uma concepção teológica próxima
daquela dos meios deuteronomistas. Particularmente a insistência na fidelidade a um
direito mais ético que cultuai caracteriza esses meios. Isso supõe um importante
8
12,37; 13,20; 14,1-2; 15,22.27; 16,1; 17,1; 19,2.
9
Certos exegetas pensam em Êxodo 3-4 e 19-24.
trabalho literário de retomada e reformulação de tradições ou de textos, realizado
também em ambientes não sacerdotais na época exílica e pós-exílica. Esse trabalho
literário, em parte contemporâneo ao ser realizado pelos meios sacerdotais, não se fez
deforma totalmente independente deles. Com efeito, a análise literária mostra
influências mútuas, assim como existência de vontade editorial de harmonizar as
correntes sacerdotais e deuteronomistas.
Enfim, muitos textos não sacerdotais provêm de materiais relativamente antigos. O
Código da Aliança (20,22-23,19) forma uma coletânea legislativa cuja fixação literária
remonta provavelmente ao fim do século VIII. A não centralização do culto, assim como
a insistência na proteção de categorias sociais frágeis, especialmente de imigrados de
origem israelita, correspondem bem ao contexto da monarquia judaísta posterior à
queda da Samaria. Relatos anteriores ao exílio poderiam estar na base de muitos
episódios. É provável que textos pré-exílicos que narram a "vida de Moisés" tenham
existido. Assinalar-se-á, por exemplo, que o relato do nascimento de Moisés é cons-
truído similarmente à lenda da origem do grande rei Sargão de Akkad; revela talvez o
desejo de colocar em pé de igualdade a figura ancestral a que recorre o Israel
monárquico e o soberano unificador da antiga Mesopotâmia. Quanto ao episódio do
bezerro de ouro, constitui verossimilmente uma reflexão sobre o culto do reino do Norte
(cf. os bezerros de Jeroboão em 1Rs 12,28 ss.), que poderia também remontar à época
real.
TEMAS TEOLÓGICOS
O ÊXODO NA BÍBLIA
10
O tema da nuvem enquadra a construção do santuário, pois Moisés nela entra antes de receber as
instruções referentes ao santuário em 24,18.
11
O mesmo fenômeno aparece nos textos proféticos de inspiração deuteronomista, com Je remias 7,25.
O Êxodo ocupa lugar central em muitos" textos datados do período do Segundo
Templo. Pense-se especialmente naqueles da liturgia do Saltério (cf. SI 78; 105; 114;
135; 136) ou em Ne 9 e Js 24.
No judaísmo, percebe-se o Êxodo como experiência fundante. A memória desse
evento ocupa lugar considerável na liturgia. Os ritos da Páscoa visam rememorar os
eventos da saída do Egito e torná-los de novo presentes a cada ano nas famílias judaicas.
O cristianismo também utilizou o tema do Êxodo. Os autores do Novo Testamento
consideraram a salvação trazida por Jesus Cristo como realização do Êxodo de Israel. A
última refeição de Jesus, sua morte e sua glorificação foram relacionadas com a Páscoa
(Lc 22,14-20; Jo 13,1-3; 19,36); textos (Jo 6,1; 1Cor 5,7; 10,2-4) usam as expressões
maná, passagem do mar. água do rochedo, Páscoa, pão sem fermento para falar do
Batismo e da Eucaristia. O Apocalipse celebra Cristo como o Cordeiro Pascal (Ap 5.6).
as pragas que atingem a bosta são retomadas das do Egito (Ap 15,5-21) etc. As leituras
cristas do Êxodo foram abundantemente exploradas pelos Padres da Igreja c aparecem
na liturgia crista, A titulo de exemplo, assinalemos a leitura da passagem do mar e o
Cântico de Moisés (14—15) durante a noite pascal, tanto na liturgia bizantina como na
romana, assim como o lugar do Decálogo na catequese das Igrejas.
HISTORICIDADE DO ÊXODO
Em seu estado atual e canônico, o texto foi redigido depois do Exílio, se bem
que reúna um conjunto relativamente coerente de elementos de origens diversas, dos
quais alguns podem remontar ao período antes do Exílio. Na época em que o poder
político do sacerdócio ia aumentando por não haver mais rei e o profetismo estava em
vias de desaparecimento, sacerdotes de Jerusalém reuniram e completaram diversas
coleções de leis e de rituais para as necessidades do Segundo Templo.
Na primeira seção (1—7) apresentam -se diversas categorias de sacrifícios que o
israelita pode. ou deve oferecer a Deus em certas circunstâncias Trata-se sobretudo de
uma codificação de rituais segundo a perspectiva sacerdotal. que lembra tanto as
obrigações do oferente como as do sacerdote. Não se encontrará aí nada sobre a origem
e o significado dos sacrifícios e rituais. Por alusões ou comparações, só se pode
12
Este título designa o livro dos sacerdotes, membros da tribo sacerdotal de Levi. O título hebraico do
livro consiste simplesmente da primeira palavra do texto, wayyiqra = "ele chamou". Em sua totalidade, o
livro faz parte da "tradição sacerdotal" (cf. Introdução geral ao Pentateuco).
13
Em algumas passagens (cf. 25,1; 26.46; 27,34). no entanto. Deus ainda fala do topo do Sinai.
14
Para o Levítico, o culto e o sacerdócio constituem a mediação essencial entre Deus e os homens. Outras
correntes de pensamento no Antigo Testamento buscaram essa mediação na pessoa do rei ou do profeta.
constatar que Israel tomou emprestado o princípio do sacrifício das religiões do Oriente
Antigo e soube preencher esse quadro ritual com conteúdo novo, correspondente à sua
visão do mundo e ao seu conhecimento de Deus.
A segunda seção (8-10) descreve os ritos que se desenvolvem por ocasião da
investidura sacerdotal de Aarão e seus filhos. Esses três capítulos prolongam o que foi
dito no capítulo. do livro do Êxodo a respeito da consagração dos sacerdotes. Estes
aparecem aí com toda a clareza na função de mediadores, o que implica exigência parti-
cular de santidade, uma vez que devem servir de intermediários entre o povo e o Deus
santo.
A terceira seção (11-16) elenca diversos tipos de impurezas que impedem o homem
de entrar em contato com Deus, quer dizer, que. o proíbem de se aproximar do
Santuário; o consumo de alimentos impuros, a impureza da mulher depois do parto, a
lepra, a impureza sexual do homem ou da mulher. O capítulo 16 forma de algum modo
o coração do livro: descreve a grande liturgia do Yom hak-Kippurim, o Dia das
Expiações.
A quarta seção compreende os capítulos 17 a 26, designados habitualmente sob o
título Lei de Santidade, chamada às vezes Código de Santidade. Esse conjunto termina
com as bênçãos e as maldições no capítulo 26, segundo uma forma literária que se
reencontra em Dt 28; é ritmado por um refrão: "Sede santos porque eu sou santo, Eu, o
Senhor vosso Deus" (19,2; cf. 20,26; 21,8). O povo que o Senhor escolheu para ser seu
povo deve se santificar sem cessar para ser santo (20,7). Assim a santificação do povo é
o coração da Lei de Santidade, para além da multiplicidade de prescrições e alertas:
respeito do sangue quando da imo- lação de animais e dos sacrifícios (17); recusa das
relações sexuais fora da união conjugai, dos sacrifícios de crianças, da bestialidade (18);
respeito a Deus, aos pais, ao próximo, que cada um deve amar como a si mesmo (19);
pena de morte prevista para casos particularmente graves (20). Certas disposições
concernem aos sacerdotes (21), aos sacrifícios (22), ao respeito do sábado e das festas
(23), ao santuário e sua manutenção (24), enfim, ao ano sabático e ao jubilar (25).
O capítulo 27, apêndice ao conjunto do livro, trata dos problemas de tarifação de
votos e resgates.
15
O número provavelmente não é exaustivo.
[l] Santíssimo (ou algo muito santo): em geral a expressão qôdesh qodashim
(literalmente santo dos santos) tem sentido local, designando especialmente o quarto
sagrado do Templo, a parte interior do santuário conhecido sob o nome de debir (cf. 1Rs
6,16); o redator do Levítico só a emprega para designar uma coisa consagrada a Deus e
da qual, por consequência, não se pode fazer nenhum uso profano. Para ele, as coisas ou
oferendas "muito santas" são essencialmente as partes dos sacrifícios "expiatórios" e das
oferendas vegetais, reservadas exclusivamente aos sacerdotes.
[m] Santo: a palavra qôdesh designa ou qualifica uma grande variedade de coisas:
pessoas, lugares, tempos, objetos, oferendas. Cf. abaixo § 4.
O sacerdócio A imagem do sacerdócio que o Levítico oferece resulta de uma evolução
de muitos séculos em que se manifestaram influências diversas, tanto religiosas como
morais e sociopolíticas.
Em época mais antiga, as funções sacerdotais – a saber, assegurar a mediação entre
o homem e Deus pelo cumprimento de ritos e pela comunicação da vontade divina - não
parecem exercidas somente por uma classe de especialistas. Assim, os próprios chefes
de família imolavam o animal quando do sacrifício pascal (Ex 12,3-7).
Entretanto, ao redor dos lugares de culto (p. ex. Shilô: lSm 1-3; Dan: Jz 18,19-
20.27-31) estabelecem-se famílias sacerdotais que asseguram o serviço dos santuários e
conservam as tradições e os ritos. Em Jerusalém, Davi encontrou uma família
sacerdotal, a de Sadoq, que talvez tivesse laços com Melquisedeq o rei sacerdote (Gn
14,7-20). A importância adquirida por Jerusalém atraiu muitos Sacerdotes de outros
lugares de culto; foram aliás obrigados a se reagrupar ali quando o rei Josias decidiu
centralizar todo o culto israelita em Jerusalém; mas esse afluxo de pessoal não foi
adiante sem criar litígios entre o pessoal ali instalado e os recém-chegados (2Rs 24,8-9).
Já sob o reino de Salomão tinha-se assistido a lutas de influência entre duas famílias
sacerdotais, de Abiatar e de Sadoq, cujas origens não são bem conhecidas. Os
sadoquitas acabaram por expulsar seus rivais quase completamente do exercício do
sacerdócio hierosolimita (1Rs 2,26-27). O Exílio pôs fim a essas querelas quando os
dois grupos se associaram genealogicamente a Aarão, fazendo desse membro da tribo
de Levi o primeiro sumo sacerdote, no ponto inicial do sacerdócio (1Cr 24,1-6).
Após o regresso do Exílio (538 a.C.), não sendo restaurada a realeza, é o clero que
toma em mãos os destinos do povo. Aquele que acabará por se chamar "sumo
sacerdote" vai pouco a pouco ocupando função equivalente à do rei: porta insígnias
régias (8,9) e, como o rei antes do Exílio, recebe a unção (8,12). A partir de Aristóbulo
(104-103 a.C.) o que estava implícito se explicita: o sumo sacerdote assume o título de
rei.
O importante é o que permanece imutável ao longo dessa evolução, a saber, o
caráter mediador do sacerdote que, introduzido na esfera do sagrado por sua
consagração, pode desempenhar o papel de intermediário autorizado.
O puro e o impuro — A noção de impureza está muito próxima à de "tabu", tal como os
historiadores das religiões encontram nos povos mais diversos. Supõe que o homem
deseja viver uma vida enquadrada por regras estáveis, protegida da angústia do
desconhecido. A partir daí, tudo que é excepcional, – anormal, insólito, tudo que é mu-
dança, passagem de um estado a outro aparecem como ameaça e manifestação de um
poder que zomba das regras comuns conhecidas, como nódoa contagiosa de que é
preciso se proteger, afastando-se dela, ou se livrar, purificando-se.
A impureza não é um ato culpável. Com efeito, os deveres da vida (maternidade,
toalete dos mortos etc.) necessariamente colocam a pessoa em situações de impureza
que a impedem de entrar em contato com o Deus santo pelo culto e das quais deve se
purificar. O ato culpável acontece quando, estando na impureza, a pessoa age como se
estivesse em estado de pureza (15,31). Ezequiel emprega o vocabulário da impureza
para qualificar os pecados de Jerusalém, neles incluídos aqueles cometidos contra a
moral propriamente dita (cf. Ez 2,7). O pecado, com efeito, é a grande impureza que
compromete a relação entre o homem e Deus.
O fato de as proibições de Lv 11-15 serem codificadas é sinal de que não são mais
vividas espontaneamente. O Levítico as coloca em relação com o Deus da Aliança
(11,44-45), o Senhor da vida, para quem cada um deve se manter puro.
O Novo Testamento testemunha muitos debates sobre o valor de tais proibições (Mc
7,1-23; At 10; ICor 6,12-20).
A santidade — A santidade é uma das noções capitais do livro e de todo o Antigo
Testamento. A noção de pureza - não somente ritual, mas moral - é o acompanhamento
indispensável da parte do homem.
Fundamentalmente, a santidade designa todo o mistério insondável do Deus
transcendente, do Deus absolutamente diferente, incomparável, inapreensível, do Todo-
Outro inacessível ao homem. Dizer que o Senhor é santo é menos dar a Deus uma
qualificação moral que afirmar que Ele é radicalmente dessemelhante de tudo que o
homem conhece ou imagina.
Contudo, e isso é constitutivo de sua santidade, o Deus transcendente permite ao
homem se aproximar dele (23); esse Deus incompreensível se faz conhecer e comunica
sua vontade (19); faz irradiar sua santidade e quer fazer a humanidade participar dela:
"Sede santos, porque eu sou santo..." (19,2). Escolhendo o povo de Israel, Deus o quer
diferente dos outros povos, para que ele possa entrar em comunhão com o Deus santo.
Essa eleição traz consigo uma exigência moral, que não é mais que uma consequência
da santidade do povo escolhido, mas que o conduz a se santificar constantemente para
permanecer nessa comunhão vital e manifestar assim a santidade de seu Deus aos olhos
das outras nações.
Não apenas os homens devem ser chamados santos: tudo que exprime a presença de
Deus pode ser qualificado de santo:
• pessoas (p. ex. os sacerdotes, que penetram mais profundamente no domínio de Deus e
que devem se abster de diversas práticas legítimas mas profanas: 21-22);
• tempos (p. ex. o sábado, dia do Senhor, durante o qual todos devem renunciar às ocupa-
ções profanas para consagrá-lo ao louvor de Deus: Ex 20,8-11);
• lugares (p. ex. o santuário, onde nem os profanos nem os estrangeiros têm o direito de
entrar: Hb 9,7-8; At 21,28);
• objetos (p. ex. o óleo da unção santa, que serve aos ritos de consagração e é proibido a
todo uso profano: Ex 30,23-33).
Em suma, a noção de santidade comporta três ideias-forças: separação de tudo que é
profano, consagração para entrar em comunhão com Deus, comprometimento no
serviço de Deus pata fazer sua vontade.
ATUALIDADE DO LEVÍTICO
O Levítico apareceu tarde demais na história de Israel para poder influir de forma
sensível nos outros livros do Antigo Testamento. De outra parte, o livro apresenta
aspectos demasiado técnicos da vida religiosa (p. ex. os sacrifícios ou a investidor dos
sacerdotes) para ser citado frequentemente no Novo Testamento. As passagens mais
citadas são sobretudo da Lei de Santidade. No entanto, a influência de um livro não se
mede apenas pelo número de citações. Por isso, ainda que indireta, não se pode
desprezar a influência do Levítico.
Com efeito, o culto praticado no Templo de Jerusalém segundo as regras
codificadas no Levítico está no pano de fundo das reflexões do Novo Testamento para
interpretar a morte de Jesus e sua plena significação. Sem o Levítico nos faltariam
muitos elementos para compreender determinada passagem das cartas de Paulo ou a
argumentação da epístola aos Hebreus sobre o Cristo Sumo Sacerdote (cf. Hebreus,
Introdução, § 8).
Hoje, entre os livros do AT, o Levítico é talvez o menos lido pelos cristãos. Sua
abordagem não é fácil e ele parece falar só de práticas tornadas "caducas" pela vinda de
Cristo. Contudo, é preciso ainda se entender sobre essa "caducidade". Tomando gestos
religiosos emprestados de seus vizinhos ou criando novos para elaborar seu ritual, Israel
procurou sintonizar o culto que celebrava com a fé que professava: o culto devia
exprimir e realizar a reconciliação e a comunhão do povo santo com seu Deus santo, em
nome de quem lutavam os profetas e todos aqueles que velavam pela pureza da fé de
Israel. As festas, os ritos e os gestos variam com os tempos e os lugares, segundo o que
se quer expressar e os meios que se têm para fazê-lo. Permanece, porém, o desejo de
exprimir a fé pela festa comunitária e pela linguagem do corpo. Nem as invecti- vas
proféticas contra o culto mal celebrado, nem o abandono dos ritos levíticos pelo
judaísmo, privado de seu Templo, e pelo cristianismo, que reconhece o valor único e
definitivo do sacrifício de Cristo, anulam a presença do Levítico na Bíblia. Sua presença
responde à necessidade humana de exprimir a fé por gestos religiosos, ao mesmo tempo
em que anuncia e prepara a vinda daquele que traz em suas palavras e realiza em sua
vida a reconciliação e a comunhão dos homens com Deus.
INTRODUÇÃOAO LIVRO DOS NÚMEROS
O deserto aparece, pois, no livro dos Números como o lugar onde a comunidade
dos filhos de Israel comete uma sequência de faltas voluntárias, culminando com a
recusa de subir à terra prometida pelo SENHOR e pondo em causa a autoridade de Moisés
(cf. cap. 14). No quadro de uma leitura sin- crônica do Pentateuco, as faltas enunciadas
pelo relato do capítulo 14 devem ser interpretadas à luz de Ex 14: é o projeto de
salvação do SENHOR em prol de seu povo que é negado e desqualificado, ao mesmo
tempo em que o chefe que o SENHOR deu a Israel também é rejeitado. Aos olhos de todas
as gerações posteriores, os castigos que se seguem adquirem dimensão exemplar:
doravante cada geração dos filhos de Israel deve guardar na memória os eventos do
deserto para evitar toda nova desobediência.
Assim, longe de ser lugar de intimidade entre o Senhor e seu povo, como em Os
2,16-25 ou em Jr 31,2, no livro dos Números o deserto constitui o quadro de uma
experiência difícil pela qual o Senhor mesmo ensina a Israel que não há vida possível
fora do projeto histórico que ele concebeu em seu favor, nem fora das leis que
transmitiu à comunidade. Outros livros do Antigo Testamento também propõem uma
visão negativa do "tempo do deserto": é o caso do livro de Ezequiel, cujo capítulo 20
insiste na infidelidade da comunidade de Israel, e igualmente do Deuteronômio, em que
o capítulo 9 sublinha as feitas de Israel no deserto.
O livro é estruturado por uma série de relatos que continuam os do Êxodo. Como no
Êxodo, podem-se distinguir tradições sacerdotais (P) e tradições antigas pré-exílicas.
Essas tradições foram tardiamente reunidas pelos autores sacerdotais no livro dos
Números que, portanto, em sua versão definitiva constitui um texto compósito.
Distintas pelo vocabulário, as tradições antigas e sacerdotais se diferenciam
igualmente pelas intenções teológicas: os relatos antigos expõem a história, deixando ao
leitor o cuidado de tirar as conclusões para sua época; os relatos sacerdotais, ao
contrário, empregam um vocabulário teológico e fornecem ao leitor os conceitos
necessários à interpretação das tradições narrativas.
Os dois tipos de tradição contêm muitas vezes relatos paralelos referentes a
episódios que marcaram a travessia do deserto. É assim para as múltiplas crises
caracterizadas pelo protesto e pela rebelião dos israelitas (Ex 16 e Nm 11; Ex 17,1-7 e
Nm 20,1-13, dupla tradição de Nm 13-14).
A composição sacerdotal do livro dos Números faz alusão a eventos da época pós-
exílica? Evoca-se às vezes a reticência dos exilados instalados na Babilônia e de seus
líderes em regressar à Judeia na época persa. Os relatos de Nm 13-14, de um lado, e de
Nm 20,1-13, de outro, seriam eco dessa resistência e constituiriam uma crítica radical.
Seja como for, a reflexão teológica sacerdotal, amplamente dominante no livro dos
Números, e a crítica radical das faltas voluntárias que comporta às vezes são expostas
ao debate no interior mesmo do livro: desse modo, a intercessão de Moisés e a resposta
do Senhor em Nm 14,13-20 propõem uma teologia da misericórdia e do perdão que se
distancia da sanção sistemática das faltas voluntárias proposta pelo relato de Nm 14,26
ss., assim como pelas leis de Nm 15,30 ss. O livro dos Números reflete, pois, um debate
teológico que caracteriza o período pós- exílico e em que intervém os autores
sacerdotais e os autores de Nm 14,13-20, texto cujo parentesco com Ex 32,11-14 e Dt
9,7-10,11 permite que seja qualificado de deuteronomista tardio".
MOISÉS
Seria mais difícil encontrar uma síntese tão acabada nos textos vindos de
tradições antigas. Entre estas, algumas ficam mais atentas aos aspectos "humanos" da
história. Outras insistem no alcance universal do destino do povo (cf. Nm 22 e 24) ou
ainda dão passos importantes para a introdução da monarquia davídica (cf. Nm
24,7.17.19), que será o coroamento da história das origens de Israel. Notamos ainda a
dimensão profética, rara no Pentateuco, dos capítulos 11 e 12.
O livro dos Números apresenta-se ao mesmo tempo como painel idealizado do povo
santo e relato muito realista da primeira fase de sua existência. Este duplo título lhe
confere um interesse permanente. Na descrição idealizada, o povo de Deus poderá
encontrar sempre um modelo. Não que deva imitar servilmente as instituições que
foram expressão concreta do ideal de Israel, mas pode ler aí alguns dos princípios aos
quais deve conformar sua vida. Assim, a Igreja terá sempre necessidade dos Números
para lembrar-lhe que ela é um povo a caminho, povo regido pela Palavra de Deus e
dedicado ao culto do Senhor.
No relato das revoltas do povo em formação, o povo de Deus encontra uma
advertência permanente. Já é neste sentido que alguns profetas e Salmos apelam para os
eventos do período do deserto (Mq 6,3-5; Ez 16,20; 23; SI 78,17-40; 81,12- 17; 95,8;
106,14-33 etc.) E também o que faz São Paulo quando remete os coríntios aos relatos do
Êxodo e dos Números: “Esses fatos lhes aconteciam para servir de exemplo e foram
postos por escrito para nos instruir” (1Cor 10,11).
É claro que a Igreja de hoje não deve procurar reconhecer sua própria história nos
relatos dos Números. No entanto, as múltiplas crises atravessadas pelo Israel do deserto
são o efeito de leis que bem parecem valer para todas as comunidades de crentes
reunidos pela Palavra de Deus. A reflexão dos Números sobre essas crises poderia
ajudar a Igreja a enfrentar melhor as que ela deve atravessar por sua vez. O sistema de
instituições dos textos sacerdotais baseia-se numa consciência aguda do pecado do povo;
as revoltas vêm ilustrar esse estado de pecado, que é uma realidade permanente, um mal
crônico. Uma das mensagens mais notáveis do livro dos Números é a escolha desse
povo de pecadores, posto à parte para levar a bênção à humanidade inteira e para
permitir a Deus estar presente no meio dos seres humanos. É uma mensagem que a
Igreja precisará sempre voltar a escutar para permanecer fiel à sua vocação de santidade,
sem perder de vista a realidade dos seres humanos que ela congrega.
INTRODUÇÃOAO LIVRO DO
DEUTERONÔMIO
UM LIVRO DE TRANSIÇÃO
SEGUNDA LEI
Os capítulos 12—26 contêm prescrições de um código de leis, e isso explica o título
"deuteronômio", isto é, "segunda lei", que lhe deram os autores da Septuaginta (cf.
17,18); segunda em relação àquela dada no Sinai (o código da Aliança, Ex 20,22-
23,18). No coração do discurso pronunciado por Moisés nas planícies de Moab, essa se-
gunda lei fixa as condições sob as quais os filhos de Israel deverão viver na terra em que
entrarão para aí habitar em paz. Essa lei toma ademais um tom de constituição (cf.
16,18-18,22).
Ora, um importante cotejo já entrevisto pelos Padres da Igreja permite precisar a
época em que o Deuteronômio conheceu sua primeira fixação por escrito. O livro dos
Reis narra que no décimo oitavo ano dó reinado de Josias (622) se descobriu no Templo
de Jerusalém "o livro da Lei" (2Rs 22>8.11) ou "livro da Aliança" (2Rs 23,2.21). Pro-
fundamente tocado pela leitura desse livro, o rei reúne todo o povo, renova solenemente
a aliança e proclama uma reforma do culto. Ora, o programa dessa reforma (2Rs 23,4-
20) corresponde à exigência de base do Deuteronômio: a destruição de todos os
santuários de província e a centralização do culto em Jerusalém (Dt 12). O documento
encontrado durante o reinado de Josias parece, pois, ser o Deuteronômio (Dt 12-16),
muito certamente em forma antiga mais curta.
De onde provinha esse livro? Antes de o "promulgar", Josias o faz autentificar
junto a uma profetisa oriunda do reino do Norte que pertencia à população instalada no
quarteirão novo em Jerusalém após a queda da Samaria. O que sugere a influência de
ambientes proféticos (pensar-se-á particularmente na teologia de Oseias). Aliás, a
purificação do culto por Ezequias menos de um século antes, e que também tende a
centralizar o culto em Jerusalém segundo 2Rs 18,4-22, não menciona ainda um
documento escrito. A coletânea primitiva poderia ter sido composta após o fracasso
dessa primeira reforma, quando sob o reinado de Manassés viu-se florescer de novo os
cultos idolátricos (2Rs 21), quer dizer, durante a primeira metade do século VIL Ela
expressa as tendências reformadoras de meios que lutam contra o sincretismo religioso e a
injustiça social, características das tradições proféticas. A qualidade retórica do Deuteronômio
implica grande mestria da escritura» o que fez pensar em meios de "escribas" ou altos
funcionários, cujo pensamento reformador veio ao primeiro plano quando da ascensão de Josias.
Tal é a "ficção" do Deuteronômio: colocar na boca de Moisés, falando ao povo de
Israel precisamente antes da entrada na terra prometida, as condições para viver nessa
terra, condições pensadas como reforma em profundidade de tudo o que tinha sido
vivido durante o período monárquico. tanto no Norte como em Jerusalém. Diante dos
eventos do Exílio, a continuação dessa reflexão no seio da escola deuteronomista acen-
ruara ainda mais o caráter utópico da legislação do Deuteronômio.
A ALIANÇA
A TEOLOGIA DO LIVRO
Não obstante ter sido elaborado durante um longo período com matérias diversas
(litúrgicas, jurídicas), o Deuteronômio apresenta forte coerência, sinal do trabalho da
escola deuteronomista, síntese do passado e utopia para o porvir. Para além da
diversidade dos elementos que o compõem, é possível indicar algumas grandes linhas
teológicas.
No coração da experiência da Aliança encontra- se uma interpelação fundamental:
"Escuta, Israel! O SENHOR é nosso Deus, o SENHOR é único! Tu amarás o SENHOR teu
Deus com todo o teu coração, com todo o teu ser, com todas as tuas forças" (6,4-5).
Aqui há, por assim dizer, o resumo dos temas centrais do Deuteronômio: mistério de
Deus, eleição de um povo na continuidade de sua história, exigência de ação que
engloba todos os níveis da vida.
O DEUS DE ISRAEL
O POVO DE DEUS
Israel fez a experiência de que o único SENHOR fez dele sua parte pessoal (7,6;
28^10), seu povo santo (7,6); cumulado gratuitamente (9,5) apesar de sua pequenez
(7,8) e tratado como um filho (1,31; 8,5). A teologia da eleição encontra sua fonte na
releitura e na reinterpretação dos eventos do passado e forma a consciência de um amor
de Deus que se renova para cada geração (11,2; 29,14), de forma que de século em
século o povo deve reconhecer, que seu Deus o interpela hoje (1,10; 30,15).
Isso supõe evidentemente uma resposta ativa que compromete o povo inteiro e cada
um dentro dele. Trata-se de circuncidar o coração (10,16 ; 30,6), isto é, entrar na
Aliança desde o mais profundo de seu ser. É necessário rejeitar todo compromisso com
os povos vizinhos e seus deuses (4,19; 17,3) para viver da Palavra (6,8), escutá-la,
guardá-la, ser fiel à Lei em todas as suas: minúcias e em seu conjunto; em suma, é
preciso amar o SENHOR de todo o seu coração, de todo o seu ser, de toda a sua força
(6,5). É assim que se pode sei justo (6,25) e fazer de toda a sua vida um testemunho de
fé.
Mas há mais: por essa fidelidade à Lei, Israel une-se aos eventos da salvação, porque
sua obediência consiste finalmente em tirar as consequências de seus encontros com
Deus (5,15). Em razão de Deus ter conduzido seu povo até a terra de Canaã é que se
deve oferecer as primícias dessa terra (26,5); em recordação do tempo do Êxodo, deve-
se celebrar as festas (16,1.3.12) e o sábado (5,15); por ter sido oprimido no Egito, Israel
deve
hoje respeitar os pobres (10,l&)e evitar de opri- mir quem quer que seja (23,8). Assim, é
na lem- brança do Êxodo que o Deuteronômio encontra ocasião de superar a estreiteza
de vista que o faz habitualmente excluir o estrangeiro do círculo de solidariedade
(14,21; 15,3; 23,21; 28,12). Ao longo da existência, a vida inteira do povo se torna
memorial dos eventos de sua salvação.
O princípio do respeito aos pobres ocupa um lugar capital nesse conjunto. Damo-nos
conta disso, por exemplo, lendo as prescrições relativas ao dízimo trienal (14,28), ao
resgate das dí- vidas (15,1), à libertação dos escravos (15,12-.18); à respiga das
plantações e ao rebusco das vinhas (23,25-26). Na medida do possível, o rei mesmo
deve viver como pobre (17,15). Tal insistência se impunha particularmente ao tempo em
que se redigia a parte mais antiga do livro e resulta diretamente da denúncia profética do
século anterior, pois o futuro do povo estava comprometido pelo desequilíbrio social: a
classe rica, cada vez mais rica e poderosa, contrapunha-se a um povo cada dia mais
miserável; em nome do passado comum, urgia recordar que todos os filhos de Israel
eram irmãos e colocar na ordem do dia a luta em favor dos pobres (15,4). Os primeiros
autores do Deuteronômio, no entanto, eram otimistas, senão utópicos: acreditavam em
um Israel capaz de responder ao apelo de Deus e de realmente fazer de sua vida um
memorial dos eventos da salvação (cf.12,28; 26,16-19).
No entanto, não se poderia deixar de perceber que aí realmente há um drama. Dois
caminhos se abrem: o da fidelidade e da felicidade, o da revolta e da infelicidade
(11,27-28; 2,8); é preciso fazer uma opção, comprometendo assim o futuro (30,15-20).
Mas o que sucede de fato? Desde o tempo do Êxodo, o povo se revoltou sem cessar e
foram necessárias a intercessão sempre renovada de Moisés e a fidelidade infatigável de
Deus para Israel não perecer sob o golpe da cólera merecida (9,7). O que acontecerá nas
subsequentes épocas da história de Israel, nesse hoje em que cada um é chamado a se
decidir? Esse drama é pressentido pelos autores do livro. Chega um tempo em que toda
ilusão desaparece: Israel não se mostra decididamente capaz de escolher o SENHOR e de
chegar à vida; o povo está destinado à catástrofe. Depois do exílio não se poderá deixar
de dizê-lo claramente (28,15; 29,21) e de refletir teologicamente sobre as condições
para “voltar” ao SENHOR (30).
Em face do drama da história e do pecado, o pensamento do Deuteronômio tende a
construir uma esperança. Pois o pecado do homem não pode ser a última palavra: virá um dia em
que Deus fará com que o povo se converta e obtenha o perdão (30,3). É nessa espera e
nessa confiança que a conversão do coração e a escolha da vida de novo são possíveis,
não obstante o drama de uma liberdade falível.
O DEUTERONÔMIO NA BÍBLIA
O DEUTERONÔMIO HOJE