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22/09/2020 Neurocientista quer recuperar a importância dos sonhos para a mente humana - 29/06/2019 - Ciência - Folha

Neurocientista quer recuperar a importância dos


sonhos para a mente humana
Sidarta Ribeiro, pesquisador da UFRN, combina conhecimento ancestral e biologia
do século 21

29.jun.2019 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2019/06/29/)

Reinaldo José Lopes (https://www1.folha.uol.com.br/autores/reinaldo-jose-lopes.shtml)

SÃO CARLOS (SP)

Todas as noites, bilhões de indivíduos passam horas plugados no mais


potente simulador de realidade virtual do Universo. Com ele, podem realizar
desejos insuspeitos, explorar os limites da própria personalidade ou
descortinar cenários e criaturas surreais. Não se trata de cenário de ficção
científica —basta fechar os olhos e sonhar, diz o neurocientista Sidarta
Ribeiro.

Em seu novo livro, batizado de “O Oráculo da Noite”, o pesquisador do


Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do
Norte) propõe uma combinação surpreendente de sabedoria ancestral e
biologia do século 21 como caminho para recuperar a importância —e talvez
mesmo a centralidade— dos sonhos para a mente humana.

Em vez de serem apenas ativações aleatórias dos neurônios durante a


“faxina” noturna do cérebro, como cientistas proeminentes defenderam por
muito tempo, os sonhos funcionam principalmente
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probabilísticas de eventos passados e expectativas futuras”, argumenta


Ribeiro.

O neurocientista Sidarta Ribeiro, professor e diretor do Instituto do Cérebro da Universidade


Federal do Rio Grande do Norte - Jardiel Carvalho/Folhapress

Eles reverberam, em infinitas recombinações e variações, as memórias, o


aprendizado e os desafios do mundo desperto, sendo, portanto,
fundamentais para a criatividade. Circuitos de neurônios similares aos que
são ativados durante uma atividade em vigília, mas que não correspondem a
uma simples reprodução dela, é o que vemos funcionando nos sonhos.

“O livro tem uma série de teses. Uma delas é que parte dos problemas da
civilização moderna, mais ou menos nos últimos 500 anos, é termos deixado
de levar os sonhos em conta”, declarou o pesquisador à plateia que lotava o
auditório da livraria Martins Fontes, em São Paulo, onde lançou a obra no dia
27 de junho.
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Para o neurocientista, os sonhos podem se revelar a mais importante via de


acesso ao inconsciente humano e ao potencial criativo da mente. Ao se negar
a explorar essa via, a humanidade moderna está deixando de lado uma fonte
quase inesgotável de possibilidades para enfrentar os novos desafios,
aparentemente insolúveis, que surgiram nos últimos séculos. Reaprender a
interpretar os sonhos com as ferramentas científicas seria quase questão de
sobrevivência. 

Outro pilar do trabalho é o resgate do que disseram sobre o tema os


pioneiros da psicanálise, em especial o austríaco Sigmund Freud (1856-1939).
Na essência, diz o neurocientista, está correta a visão freudiana sobre os
sonhos como “restos diurnos”, refletindo imperfeitamente o universo que o
sonhador experimenta durante o dia, e também aspectos dos desejos e das
buscas do indivíduo.

Com efeito, o fato de serem tão comuns os sonhos em que estamos


procurando desesperadamente algo, ou fugindo de alguém ou alguma coisa,
com análogos até em animais (como revelaram alguns experimentos
seminais com gatos), reforça a ideia. E bate com evidências laboratoriais da
importância do mensageiro químico dopamina tanto para os sonhos quanto
para o chamado sistema de recompensa do cérebro —justamente o que faz
humanos e demais animais sentirem a “fissura” de desejar algo.

“Freud estava certo em tudo? Não, óbvio que não. Mas só mito acerta
sempre”, brinca o autor. 

O trajeto que conduz o livro a essas conclusões é tão fascinante e tortuoso


quanto os sonhos com ares de superprodução capazes de marcar uma pessoa
pelo resto da vida. A narrativa de Ribeiro tem a ambição de amarrar, de um
lado, a história evolutiva do sono e dos sonhos —do aparecimento dos
primeiros seres vivos sensíveis à alternância de claridade e escuridão à
misteriosa capacidade de dormir (https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2017/04/1874149-
sono-e-o-novo-simbolo-de-status.shtml) com
apenas um hemisfério do cérebro dos
golfinhos— e, de outro, sua história humana, que parece ter começado com o
xamanismo da Idade do Gelo e inclui as premonições dos heróis de Homero
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(século 8º a.C.) e as especulações teológicas de Santo Agostinho (século 5º


d.C.) sobre a possibilidade de pecar em sonho.

Vasculhar a história das percepções culturais acerca do sonho


(https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2018/10/neurocientista-cria-gadget-que-grava-sonhos.shtml) serve a um
propósito duplo no livro. Além de revelar o que se perdeu na cultura
moderna com a relegação do fenômeno a um plano desimportante, de mera
curiosidade ou superstição, o propósito do pesquisador também é prático.
Sociedades pré-modernas, em todas as partes do mundo, desenvolveram
“disciplinas do sonhar”, técnicas destinadas a aproveitar a transformação da
consciência possibilitada pelo sonho ou de reproduzir, em vigília, estados
similares a ele.

Algumas dessas técnicas são tão simples quanto iniciar um sonhário —um
diário de sonhos— enquanto outras envolvem os mais diferentes tipos de
preparados psicodélicos, como a ayahuasca
(https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2018/06/ayahuasca-diminui-sintomas-de-depressao-em-pesquisa-brasileira.shtml)

amazônica, objeto de estudos do próprio Ribeiro e de seus colaboradores.

“Os paralelos entre o efeito dos psicodélicos


(https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2018/09/ayahuasca-impulsiona-ciencia-psicodelica-no-brasil.shtml)e o sonho
existem, ‘pero no mucho’”, brinca ele. “É muito difícil, ainda que não
impossível, você barrar todas as influências sensoriais do mundo da vigília
durante o uso dessas substâncias —esse mundo externo acaba se impondo, o
que já não acontece durante o sonho.”

Mesmo assim, o pesquisador defende de modo enfático o potencial


terapêutico dessas drogas, bem como um debate menos preconceituoso
sobre seu uso. “A dicotomia que existe entre drogas lícitas e ilícitas é um
absurdo. Não faz sentido que qualquer droga que não seja o álcool e o tabaco
seja considerada, por definição, coisa do Capeta, enquanto qualquer criança
pode ver comerciais de cerveja estrelados por gente famosa na TV.”

Com a ascensão de inteligências artificiais cada vez mais complexas num


horizonte talvez não tão distante, seria possível ensinar computadores a
sonhar (https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/03/brasileiro-dorme-cada-vez-pior-e-sono-deteriora-
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com-idade-aponta-pesquisa.shtml) como maneira de lhes conferir alguma forma de


consciência similar à nossa?

“Sim, tem gente trabalhando nisso, e sim, não vejo porque seria impossível”,
arrisca Ribeiro. “O ponto-chave provavelmente é criar mecanismos que
envolvam intencionalidade e busca por um objetivo, como no nosso caso.”

O Oráculo da Noite: A História e a Ciência do Sonho


Autor Sidarta Ribeiro
Editora Companhia das Letras
Quanto R$ 39,90 (ebook); 488 págs.

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