Você está na página 1de 261

[Digite aqui]

i
Ivan Pavlov
Alexei Leontiev
Alexander Luria

Lev Vygotsky

Cognição
e Neuropsicopedagia

Autores
Roberto Aguilar Machado Santos Silva
Suzana Portuguez Viñas

Santo Ângelo, RS
2018
Exemplares desta publicação podem ser adquiridos com:

e-mail: Suzana-vinas@yahoo.com.br
robertoaguilarmss@gmail.com

Supervisão editorial: Suzana Portuguez Viñas


Projeto gráfico: Roberto Aguilar Machado Santos Silva
Editoração: Suzana Portuguez Viñas

Capa:. Roberto Aguilar Machado Santos Silva

1ª edição

10 / 1720

2
Autores

Roberto Aguilar Machado Santos Silva


Etologista, Médico Veterinário, escritor
poeta, historiador
Doutor em Medicina Veterinária
robertoaguilarmss@gmail.com

Suzana Portuguez Viñas


Pedagoga, psicopedagoga, escritora,
editora, agente literária
suzana_vinas@yahoo.com.br

3
Pensamento

U
m homem deve dizer simples e
profundamente que não compreende
como a consciência leva à existência – é
perfeitamente natural. Mas um homem deve
grudar seus olhos em um microscópio e olhar e
olhar – e ainda assim não ser capaz de ver como
está acontecendo –; é ridículo, e é
particularmente ridículo quando se supõe que isto
é sério... Se as ciências naturais estivessem
desenvolvidas nos tempos de Sócrates como
estão agora, todos os sofistas seriam cientistas.
Haveria microscópios pendurados do lado de fora
das lojas para atrair fregueses e teria uma placa
dizendo: “Aprenda e veja através de um
microscópio gigante como um homem pensa (e,
lendo esta placa, Sócrates teria dito: ‘Assim se
comporta um homem que não pensa’)”.
Em um trecho de um diário de 1846,
do filósofo Soren Kierkegaard (Gazzaniga e cols, 2018)

4
Apresentação

V
ygotsky, Luria e Leontiev, grandes
teóricos da Teoria Histórico- Cultural,
trouxeram grandes contribuições no
campo da educação, destacando a importância da
função da atividade para o desenvolvimento
cognitivo do ser humano.
O livro apresenta os recentes estudos sobre a
cognição e a corrente da psicologia da troika
soviética e destaca os principais conceitos
correlatos à educação na contemporaneidade. A
teoria elaborada pelo pensador russo Lev
Semiónovich Vigotski (1896-1934) com a
colaboração de seus compatriotas Alexei
Nikolaievich Leontiev (1903-1979) e Alexander
Romanovich Luria (1902-1977) é de base
materialista e parte do entendimento de que o
homem é um ser histórico e social e que, pelo
processo de aprendizagem e desenvolvimento,
participa da coletividade

5
Dedicatória

A
os amigos psicólogos, pedagogos,
psicopedagos, professores e estudantes
e a todos interessados em educação

6
Sumário
Introdução - ....................................................................................8
Capítulo 1. Neurociências: uma breve história.............................10
Capítulo 2. Cognição....................................................................16
Capítulo 3. A organização do conhecimento na mente..............100
Capítulo 4. Ivan Pavlov...............................................................143
Capítulo 5. Alexis Nikolaevich Leontiev......................................165
Capítulo 6. Alexander Romanovich Luria...................................185
Capítulo 7. Lev Semyonovich Vygotsky.....................................219
Capítulo 8 . Neuropsicoterapia russa: análise comparativa.......236
Bibliografia consultada................................................................251

7
Introdução
.

L
ijamar de Souza Bastos e Marcelo Paraíso
Alves (2013), escreveram que a
neurociência cognitiva busca discutir como
os processos cognitivos são elaborados
funcionalmente pelo cérebro humano,
possibilitando a aprendizagem, a linguagem e o
comportamento. O referido campo do saber muito
tem colaborado para a compreensão dos
processos de aprendizagem e do debate acerca
do desenvolvimento cognitivo do ser humano.
Ainda é relevante mencionar que a investigação
sobre o funcionamento cerebral, através da
neurociência cognitiva, tem encontrado avanços
nas últimas duas décadas, e revelações das
especificidades - percepções auditivas na região
temporal, percepções visuais na região occiptal,
percepções sensoriais e tatilcinestésicas na
região parietal, planejamento consciente do
comportamento e programas de ação na região
frontal -, funcionalidade e dinamismo encefálico.
Estas revelações demonstram a
contemporaneidade dos estudos sobre a atividade
da consciência humana no século XX,
caminhando em sentido contrário à teoria idealista
8
clássica, formulada pelo físico e filósofo austríaco
positivista Ernst Mach (1838-1916) que
compreendia a consciência como um estado
interior primário do organismo, ou seja, nas
estruturas encefálicas neuronais, sem influências
do mundo exterior. Rompendo com a teoria
idealista clássica, o neuropsicólogo soviético Luria
percebe as construções cognitivas como as
funções mentais superiores a partir da “origem a
novos sistemas funcionais que jazem na base do
comportamento, mais do que pelas propriedades
internas dos neurônios” e é com base na
linguagem que se formam complexos processos
de regulação das próprias ações do homem. A
linguagem receptiva e expressiva em suas
diversas modalidades (fala, gesto, escrita, leitura
e outras) é uma atividade consciente e ambas são
interativas com o meio, influenciadas
gradativamente por um complexo processo
histórico social e cultural.
Por fim Luria, juntamente com Vygostsky e
Leontiviev constituíram um grupo de
pesquisadores russos que trouxeram imensa
colaboração para a neurociência, pedagogia e
psicologia.

9
10
Capítulo 1
Neurociências:
uma breve história

C
onforme Sidarta Ribeiro (2013), em seu
artigo Tempo de cérebro, no encontro
entre matemática, física, biologia,
psicologias, filosofia, antropologia e artes, as
neurociências fascinam cada vez mais pessoas
pela possibilidade de compreensão dos
mecanismos das emoções, pensamentos e
ações, doenças e loucuras, aprendizado e
esquecimento, sonhos e imaginação, fenômenos
que nos definem e constituem. Mais
concretamente, profissionais de saúde,
terapeutas, professores e legisladores podem
agora se apropriar da imensa massa de dados
empíricos sobre genes, proteínas, células,
circuitos e organismos inteiros. Mas para quê? A
tradução dos achados experimentais não é
simples e o conhecimento recentemente gerado
quase sempre é opaco para os não especialistas.
Como interpretar as novas descobertas das
neurociências? O que significam, que mudanças
causam e até onde nos levam?

11
Apesar da Terra ter sido formada há
aproximadamente 5 bilhões de anos, e da vida ter
surgido há cerca de 3,5 bilhões de anos, os
encéfalos humanos, na sua forma final,
apareceram há somente 100.000 anos. O
encéfalo dos primatas apareceu há
aproximadamente 20 milhões de anos, e a
evolução tomou seu curso para construir o
encéfalo humano de hoje, capaz de todo o tipo de
façanhas maravilhosas – e banais. Durante
grande parte da história, os humanos estiveram
muito ocupados para ter chance de pensar sobre
o pensamento. Embora não se tenha dúvida de
que o encéfalo humano possa exercer tais
atividades, a vida exigia atenção a aspectos
práticos, como a sobrevivência em ambientes
adversos, a criação de melhores maneiras de
viver, inventando a agricultura ou domesticando
animais, e assim por diante. Entretanto, logo que
a civilização se desenvolveu a ponto de que o
esforço diário para sobreviver não ocupasse todas
as horas do dia, nossos ancestrais começaram a
dedicar mais tempo construindo teorias
complexas sobre as motivações dos seres
humanos. Exemplos de tentativas de
compreender o mundo e nosso lugar nele incluem
Oedipus Rex (Édipo Rei), a antiga peça do teatro

12
grego que lida com a natureza do conflito pai-filho
e as teorias mesopotâmica e egípcia sobre a
natureza da religião e do universo. Os
mecanismos cerebrais que possibilitam a geração
de teorias sobre a característica da natureza
humana prosperaram no pensamento dos
ancestrais humanos. Ainda assim eles tinham um
grande problema: não possuíam a habilidade de
explorar a mente de forma sistemática por meio
da experimentação (Gazzaniga e cols, 2018).
Segundo Franco (2018), o cérebro é o ultimo
órgão humano a revelar seus segredos. Durante
muito tempo, as pessoas não entendiam nem
mesmo para que serve o cérebro. A descoberta
da anatomia, das funções e dos processo do
cérebro tem sido uma longa e vagarosa viagem
através dos milênios.
A seguir a mesma autora descreve os aspectos
cronológicos da neurologia:

13
Cronologia
4000 a.C: Sumérios escrevem sobre a euforia provocada pela
semente de papoula.

2500 a.C: A trepanação (abertura de orifícios do crânio) era um


procedimento cirúrgico comum em diversas culturas.
Possivelmente era usado para tratar transtornos cerebrais, como a
epilepsia ou por razões rituais ou espirituais.

1700 a.C: Papiros descrevem detalhadamente o cérebro, mas os


egípcios não o tem em alta conta; diferentemente de outros
órgãos, era removido e descartado antes da mumificação,
indicando que não se acreditava que seria útil nas encarnações
seguintes.

450 a.C: Os gregos antigos começam a reconhecer o cérebro


como centro das sensações humanas.

387 a.C: O filosofo grego Platão dá aulas em Athenas; ele


acredita que o cérebro é o centro dos processos mentais.

335 a.C: O filosofo grego Aristóteles reitera a crença antiga de


que o coração é o órgão superior; o cérebro, diz ele, é um
radiador que impede o superaquecimento do corpo.

170 a.C: O medico romano Galena lança a teoria de que o


temperamento e o caráter humanos são decorrentes do quatro
“humores” (líquidos mantidos nos ventrículos do cérebro). A ideia
persistiu por mais de 1000 anos. A descrições de anatomia de
Galeno, usadas por gerações de médicos, tiveram como base
principal em macacos e porcos.

1543: Andreas Versalius, medico europeu publica o primeiro livro


de anatomia (moderno) com ilustrações detalhadas do cérebro
humano.

1649: Para o filosofo francês Renê Descartes, o cérebro é um


sistema hidráulico que controla o comportamento. Funções
mentais “mais elevadas” seriam geradas por uma entidade
espiritual, que interagiria com o corpo e a glândula pineal.

14
1664: Medico de Oxford, Thomas Willis, publica o primeiro atlas
do cérebro, localizando as diversas funções nos diferentes
“módulos” do órgão.

1774: O medico alemão Franz Anton Mesme introduz


“Magnetismo animal”, mais tarde chamado de hipnose.

1791: Luiz Galvani, físico italiano descobre a base elétrica da


atividade nervosa fazendo a perna de uma rã se retorcer.

1848: Phineas Gage tem o cérebro perfurado por uma barra de


ferro.

1849: O físico alemão Hermann Von Helmeholtz mede a


velocidade da condução nervosa e subsequentemente desenvolve
a ideia de que a percepção depende de “inferências
inconscientes”.

1850: Franz Joseph Gall funda a frenologia que atribui diferentes


traços de personalidade a áreas especificas do crânio.

1859: Charles Darwin publica a origem das espécies.

1862 – 1874: Broca e Wernicke descobrem as duas áreas


principais da linguagem no cérebro.

1873: O cientista italiano Camilo Golgi publica o método do


nitrato de prata, possibilitando a observação completa dos nervos.
Ganha o Prêmio Nobel de 1906.

1874: Carl Wernicke publica o seu trabalho sobre afasia


“distúrbios de linguagem após lesão cerebral.”

1889: Santiago Ramón y Cajal, em A doutrina do neurônio,


propõe que os neurônios são elementos independentes e unidades
básicas do cérebro. Divide o Prêmio Nobel de 1906 com Camilo
Golgi.
Por volta de 1900 Sigmund Freud abandona a neurologia ainda no
inicio para estudar psicodinâmica. O sucesso da psicanálise
freudiana ofuscou a psiquiatria fisiológica por meio século.

1906: Santiago Ramón y Cajal descrevem como os neurônios se


comunicam. Ainda em 1906 Alóis Alzheimer descreve a
degeneração pré-senil.
15
1909: Korbinian Broadman descreve as 52 áreas corticais
distintas com base na estrutura neural. Essas áreas são utilizadas
até hoje.

1914: O fisiologista britânico Henry Hallett Dale isola a


acetilcolina o primeiro neurotransmissor descoberto. Ganha o
primeiro Prêmio Nobel em 1936.

1919: O neurologista irlandês Gordon Morgan Holmes relaciona a


visão com a córtex estriado (a córtex visual primário).

1924: Os primeiros eletroencefalogramas (ECG) são


desenvolvidos por Hans Berger.

1934: O neurologista português Egas Moniz executa a primeira


operação de leucotomia (conhecida como mais tarde por
lobotomia). Ele também inventou a angiografia, uma das
primeiras técnicas que captava a imagem do cérebro.

1953: Brenda Milner descreve o paciente H.M que perde a


memória após remoção cirúrgica de porção da ambos os lobos
temporais.

1957: W. Penfield e T. Rasmussen concebem os “homúnculos


motor e sensorial”.

1970-80: Desenvolve-se a tecnologia de escaneamento do


cérebro. Durante essa década surgem o PET SCAN o SPECT o IRM
e o MEG.

1981: Roger Wolcott Sperry ganha o Prêmio Nobel pelo estudo


das diferentes funções nos dois hemisférios cerebrais.

1983: Benjamin Libert escrever sobre a determinação do


(“timing”) da volição consciente.

1992: Os neurônios espelho são descobertos por Giacomo


Rizzolatti em Parma.

2009: A exploração prossegue e os grupos de pesquisa avançam


continuamente para um entendimento maior.

16
Capítulo 2
Cognição

A
lgumas breves definições:

• Cognição - a aquisição, armazenamento,


transformação e uso de conhecimento.
• Neurociência - estudo da estrutura e
funcionamento do sistema nervoso.
• Neurociência cognitiva - estudo de como os
processos cognitivos podem ser explicado pela
estrutura e função do cérebro.
• Cognitive Psychology - uma abordagem para
estudar e explicar o comportamento que enfatiza
os processos mentais e o conhecimento.
Frequentemente descrito como estudo do
“software” do cérebro.

Um pouco de história

• No final do século XIX, muitos psicólogos


trabalharam com introspecção.

Wilhelm Wundt, 1832 - 1920. "Pai da psicologia".

• Início do século 20, avance para o behaviorismo


- estudo de fenômenos objetivos e observáveis.
17
B. F. Skinner, 1904 -1990

• O crescimento de computadores contribuiu para


o sucesso da abordagem de processamento de
informação à cognição.
• Contexto respeitável para discutir mecanismos
que produzem comportamento. (Como software!)

E hoje?

Psicólogos cognitivos estudam:


• percepção
• aprendizagem
• linguagem
• criatividade
• imaginação
• atenção
• tomada de decisão
• raciocínio
• meta-cognição.

Quase todos os psicólogos dizem que as


representações mentais são importantes por
afetar o comportamento.

Três temas da cognição


18
1. Processos cognitivos são ativos, não passivos.
2. Processos cognitivos estão interligados.
3.A maioria das capacidades cognitivas usa o
processamento bottom-up e topdown.

Bottom-up vs. top-down


• O processamento Bottom-up, de baixo para cima é
impulsionado por estímulo.
• Processamento top-down, é orientado por
expectativa.

Segundo . Brandimonte e cols (2006), das


universidades de Suor Orsola Benincasa, Napoli e
Trieste, Trieste, Itália, que há muito tempo,
William James (1890/1955) argumentou que um
grau de imprecisão pode ser benéfico para a
ciência ao tentar novas direções de pesquisa.

William James (Nova Iorque, 11 de janeiro de 1842 –


Tamworth, 26 de agosto de 1910) foi um filósofo e
psicólogo americano e o primeiro intelectual a oferecer
19
um curso de psicologia nos Estados Unidos. James foi
um dos principais pensadores do final do século XIX e é
considerado por muitos como um dos filósofos mais
influentes da história dos Estados Unidos enquanto
outros o rotularam de "pai da psicologia americana".
Juntamente com Charles Sanders Peirce e John Dewey,
James é considerado uma das principais figuras
associadas à escola filosófica conhecida como
pragmatismo, e também é citado como um dos
fundadores da psicologia funcional. Uma análise da da
Psicologia Geral, publicada em 2002, classificou James
como o 14º mais eminente psicólogo do século XX. Uma
pesquisa publicada no American Psychologist em 1991
classificou a reputação de James em segundo lugar,
atrás apenas de Wilhelm Wundt, que é amplamente
considerado o fundador da psicologia experimental.
James também desenvolveu a perspectiva filosófica
conhecida como empirismo radical. O trabalho de James
influenciou intelectuais como Émile Durkheim, Edmund
Husserl, Bertrand Russell, Ludwig Wittgenstein, Hilary
Putnam e Richard Rorty, e até presidentes, como Jimmy
Carter.

Uma opinião surpreendentemente semelhante foi


compartilhada por Marvin Minsky um século
depois: “Muitas vezes é mais prejudicial do que
bom forçar definições sobre coisas que não
entendemos.

Marvin Lee Minsky


(Nova Iorque, 9 de agosto de 1927 - 24 de janeiro de
20
2016) foi um cientista cognitivo norte-americano. Sua
principal área de atuação são estudos cognitivos no
campo da inteligência artificial. Minski é co-fundador do
laboratório de inteligência artificial do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts e autor de diversos artigos
e livros sobre o
tema e suas implicações filosóficas.

Além disso, apenas na lógica e na matemática, as


definições captam conceitos perfeitamente. As
coisas com as quais lidamos na vida prática
geralmente são complicadas demais para serem
representadas por expressões compactas.
Especialmente quando se trata de entender
mentes, ainda sabemos tão pouco que não
podemos ter certeza de que nossas ideias sobre
psicologia são direcionadas para as direções
certas. Em qualquer caso, não se deve confundir
as coisas definidoras por saber o que são ”. O fato
de ambas as opiniões terem sido apresentadas
por estudantes de cognição talvez não seja
coincidência. Como veremos, diferentes aspectos
conceituais vieram a ser cristalizados dentro da
atual definição de cognição através de um
caminho confuso e embaçado, no uso comum, na
filosofia, assim como na teorização psicológica.
Um vislumbre dos usos do senso comum pode
ser obtido a partir das definições do dicionário.
Considere o Webster's (edição de 1913),
Cognition, [L. cognitio, fr. cognoscere, cognitum,

21
para se familiarizar com, para saber; co- +
noscere, gnoscere, para obter um conhecimento.
Veja {Know}, v. T.] 1. O ato de conhecer;
conhecimento; percepção. 2. Aquilo que é
conhecido.
Cognição é uma função psicológica atuante na
aquisição do conhecimento e se dá através de
alguns processos, como a percepção, a atenção,
associação, memória, raciocínio, juízo,
imaginação, pensamento e linguagem. A palavra
Cognitione tem origem nos escritos de Platão e
Aristóteles. É o conjunto de processos
psicológicos usados no pensamento que realizam
o reconhecimento, a organização e a
compreensão das informações provenientes dos
sentidos, para que posteriormente o julgamento
através do raciocínio os disponibilize ao
aprendizado de determinados sistemas e
soluções de problemas.
De uma maneira mais simples, podemos dizer
que cognição é a forma como o cérebro percebe,
aprende, recorda e pensa sobre toda informação
captada através dos cinco sentidos, bem como as
informações que são disponibilizadas pelo
armazenamento da memória, isto é, a cognição
processa as informações sensoriais que vem dos
estímulos do ambiente que estamos e também

22
processsa o conteúdo que retemos em relação às
nossas experiências vividas. Mas a cognição é
mais do que simplesmente a aquisição de
conhecimento e consequentemente, a nossa
melhor adaptação ao meio - é também um
mecanismo de conversão do que é captado para
o nosso modo de ser interno. Ela é um processo
pelo qual o ser humano interage com os seus
semelhantes e com o meio em que vive, sem
perder a sua identidade existencial. Ela começa
com a captação dos sentidos e logo em seguida
ocorre a percepção. É, portanto, um processo de
conhecimento, que tem como material a
informação do meio em que vivemos e o que já
está registrado na nossa memória.
Brandimonte e cols (2006), ressaltam uma
diferença crucial entre dois usos do mesmo termo.
O primeiro é um processo: cognição como algo
que os humanos fazem (junto com vários outros
animais). O segundo é um produto: cognições
como representações mentais que emergem à
consciência quando percebemos, raciocinamos
ou formamos imagens mentais. Logo no início de
seus Princípios, William James (1890/1955) usou
o termo no segundo sentido: “A psicologia é a
ciência da vida mental, tanto de seus fenômenos
quanto de suas condições. Os fenômenos são

23
coisas que chamamos de sentimentos, desejos,
cognições, raciocínios, decisões e afins ... ”. No
início de Cognição e Realidade, inversamente,
Ulrich Neisser (19761, citados pelos autores)
baseou-se no primeiro: “cognição é a atividade de
conhecer: a aquisição, organização e uso do
conhecimento ”. A diferença não é, como se pode
suspeitar, apenas uma questão de mudança
conceitual após a chamada revolução“ cognitiva
”(Neisser, 19672). Considere o American Heritage
Dictionary da English Language (4ª edição,
publicada em 2000) Cognition \, n. 1. O processo
mental de conhecer, incluindo aspectos como
consciência, percepção, raciocínio e julgamento.
2. Aquilo que vem a ser conhecido, como através
da percepção, raciocínio ou intuição;
conhecimento.
Que reitera a distinção anterior entre processo e
produto, mas também adiciona um adjetivo
(crucial). A cognição não é apenas um processo,
mas um processo "mental". Naquela que talvez
seja a definição mais influente (Neisser, 1967), a
cognição realmente se refere ao processo mental
pelo qual a entrada externa ou interna é
transformada, reduzida, elaborada, armazenada,

1 NEISSER, U. Cognition and Reality. S. Francisco, CA: Freeman, 1976.


2 NEISSER, U. Cognitive Psychology. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1967.
24
recuperada e usada. Como tal, envolve uma
variedade de funções, tais como percepção,
atenção, codificação de memória, retenção e
recordação, tomada de decisão, raciocínio,
resolução de problemas, geração de imagens,
planejamento e execução de ações. Tais
processos mentais envolvem a geração e uso de
representações internas em graus variados e
podem operar independentemente (ou não) em
diferentes estágios de processamento. Além
disso, esses processos podem, até certo ponto,
ser observados ou, pelo menos, investigados
empiricamente, levando à investigação científica
por meio de métodos semelhantes aos das
ciências naturais.

A dualidade do conceito de
“cognição” e suas origens

Como uma palavra, a cognição se origina do


latim. Os filósofos latinos usavam a palavra
cognitio como uma tradução da gnose grega, que
a tradição filosófica ocidental traduz como
conhecimento (francês: connaissance, italiano:
conoscenza, alemão: Erkenntniss). Tecnicamente,
o conhecimento é uma descrição verificável,
distinguida pela mera crença, ou seja, a descrição

25
que é assumida como verdadeira, mas não
verificada. Assim, ter conhecimento de X é ter um
procedimento para verificar se X é verdadeiro.
Para os presentes fins, sugerimos que as
doutrinas filosóficas relevantes podem ser
classificadas em geral em duas categorias gerais.
No primeiro, o procedimento é aquele que
estabelece uma identidade entre X e nosso
conhecimento de X, ou pelo menos entre suas
estruturas correspondentes. Vamos nos referir a
isso como a doutrina de mapeamento. No
segundo, o procedimento é simplesmente de
apresentação: saber que X é simplesmente um
“encontro”, um evento pelo qual X se torna
presente. Tomando emprestado um termo de um
contexto diferente (Quine, 19603), nos referiremos
a isso como a doutrina dos qualia.

Qualia
Qualia inclui as formas como as coisas parecem, o som
e o cheiro, o modo como se sente com dores; mais
geralmente, como é ter estados mentais. Qualia são
propriedades experienciais de sensações, sentimentos,
percepções e, a meu ver, pensamentos e desejos
também. Mas, assim definido, quem poderia negar que
existem qualia? No entanto, a existência de qualia é
controversa. Eis o que é controverso: se os qualia, assim
definidos, podem ser caracterizados em termos
intencionais, funcionais ou puramente cognitivos. Os
opositores dos qualia pensam que o conteúdo da
experiência é conteúdo intencional (como o conteúdo do
pensamento), ou que as experiências são

3 QUINE, W.V.O. Word and object. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1960.
26
funcionalmente definíveis, ou que ter um estado
qualitativo é ter um estado que é monitorado de certa
maneira ou acompanhado por um pensei no efeito que
eu tenho esse estado. Se incluirmos a ideia de que as
propriedades experienciais não são intencionais,
funcionais ou puramente cognitivas na definição de
'qualia', então é controverso se existem qualia. Esta
definição de 'qualia' é controversa em um respeito
familiar em filosofia. Um termo técnico é muitas vezes
um ponto de desacordo, e as partes em conflito, muitas
vezes, discordam sobre quais são os parâmetros
importantes de desacordo. Dennett, por exemplo, supôs
em alguns de seus escritos que é da essência dos qualia
ser não-relacional, incorrigível (acreditar que um deles é
ter um) e não ter natureza científica. Isso é o que você
ganha quando deixa um adversário de qualia definir o
termo.

Daniel Clement Dennett (Boston, 28 de março de


1942 (76 anos)) é um filósofo norte-americano. As
pesquisas de Dennett se prendem principalmente à
filosofia da mente (relacionada à ciência cognitiva) e
da biologia. Dennett é ainda um dos mais
proeminentes ateus da atualidade. Para Dennett, os
estados interiores de consciência não existem. Em
outras palavras, aquilo que ele chama de "teatro
cartesiano", isto é, um local no cérebro onde se
processaria a consciência, não existe, pois admitir
isto seria concordar com uma noção de
intencionalidade intrínseca. Para ele a consciência
não se dá em uma área especifica do cérebro, como
já dito, mas em uma sequência de inputs e outputs
que formam uma cadeia por onde a informação se
move. Um dos livros de Dennett é A Ideia Perigosa de
Darwin.

27
Um proponente de qualia deve permitir que as
categorizações deles (crenças sobre eles) possam estar
equivocadas, e que a ciência possa investigar qualia.
Acho que devemos permitir que os qualia possam ser
estados fisiológicos e que sua natureza científica possa
até se tornar relacional. Amigos de qualia diferem sobre
se são ou não físicos. A meu ver, os argumentos mais
poderosos a favor de qualia na verdade pressupõem
uma doutrina fisicalista, a superveniência de qualia no
cérebro (Guttenplan, 1994).

Formas da doutrina dos mapeamentos eram


típicas dos filósofos pré-socráticos, de Platão, de
Aristóteles, através de Tomas de Aquino e dos
filósofos naturais do Renascimento, como
Giordano Bruno.

Giordano Bruno (Nola, Reino de Nápoles, 1548 —


Roma, Campo de Fiori, 17 de fevereiro de 1600) foi um
teólogo, filósofo, escritor e frade dominicano italiano[4]
condenado à morte na fogueira pela Inquisição romana
(Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição
do Santo Ofício) com a acusação de heresia ao defender
erros teológicos. É também referido como Bruno de
Nola ou Nolano.

28
A forma mais pura talvez tenha sido a doutrina da
eidola apresentada por Epicuro, que supunha
imagens minúsculas destacando-se dos objetos
para alcançar a alma do conhecedor, preservando
assim a identidade com o objeto originário.

Epicuro de Samos (em grego antigo: Ἐπίκουρος,


Epikouros, "aliado, camarada"; 341 a.C., Samos — 271
ou 270 a.C., Atenas) foi um filósofo grego do período
helenístico. Seu pensamento foi muito difundido e
numerosos centros epicuristas que se desenvolveram na
Jônia, no Egito e, a partir do século I, em Roma, onde
Lucrécio foi seu maior divulgador.

A idéia de Epicuro se assemelha à noção


empirista de que objetos exercem impressões
sobre os órgãos dos sentidos (Hobbes, 1659;
Locke, 1694).

Thomas Hobbes (5 de abril de 1588 — 4 de dezembro


de 1679) foi um matemático, teórico político e filósofo
inglês, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1651). Na
obra Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a
natureza humana e sobre a necessidade de um governo
e de uma sociedade fortes. No estado natural, embora

29
alguns homens possam ser mais fortes ou mais
inteligentes do que outros, nenhum se ergue tão acima
dos demais de forma a estar isento do medo de que
outro homem lhe possa fazer mal. Por isso, cada um de
nós tem direito a tudo e, uma vez que todas as coisas
são escassas, existe uma constante guerra de todos
contra todos (Bellum omnia omnes). No entanto, os
homens têm um desejo, que é também em interesse
próprio, de acabar com a guerra e, por isso, formam
sociedades através de um contrato social.

John Locke (Wrington, 29 de agosto de 1632 — Harlow,


28 de outubro de 1704) foi um filósofo inglês conhecido
como o "pai do liberalismo", sendo considerado o
principal representante do empirismo britânico e um dos
principais teóricos do contrato social. Locke ficou
conhecido como o fundador do empirismo, além de
defender a liberdade e a tolerância religiosa. Como
filósofo, pregou a teoria da tábua rasa, segundo a qual a
mente humana era como uma folha em branco, que se
preenchia apenas com a experiência. Essa teoria é uma
crítica à doutrina das ideias inatas de Platão, segundo a
qual princípios e noções são inerentes ao conhecimento
humano e existem independentemente da experiência.
Locke escreveu o Ensaio acerca do Entendimento
Humano, onde desenvolve sua teoria sobre a origem e a
natureza do conhecimento. Um dos objetivos de Locke é
a reafirmação da necessidade do Estado e do contrato
social e outras bases. Opondo-se à Hobbes, Locke
acreditava que se tratando de Estado natureza, os
homens não vivem de forma bárbara ou primitiva. Para
ele, há uma vida pacífica explicada pelo reconhecimento
dos homens por serem livres e iguais.

O idealismo romântico acrescentou, de maneira


um tanto obscura, a noção de que o mapeamento
é criado por um ato subjetivo (Fichte, 1794/1982).
Hegel, 1807.

Johann Gottlieb Fichte (Rammenau, Saxônia, 19 de


maio de 1762 — Berlim, 27 de janeiro de 1814) foi um
filósofo alemão. Foi um dos criadores do movimento
filosófico conhecido como idealismo alemão, que
desenvolveu a partir dos escritos teóricos e éticos de
30
Immanuel Kant. Sua obra é frequentemente considerada
como uma ponte entre as ideias de Kant e as de Hegel.
Assim como Descartes e Kant, interessou-se pelo
problema da subjectividade e da consciência. Fichte
também escreveu trabalhos de filosofia política e é
considerado como um dos primeiros pensadores do
pangermanismo.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Stuttgart, 27 de agosto


de 1770 – Berlim, 14 de novembro de 1831) foi um
filósofo alemão. É unanimemente considerado um dos
mais importantes e influentes filósofos da história. Pode
ser incluído naquilo que se chamou de Idealismo
Alemão, uma espécie de movimento filosófico marcado
por intensas discussões filosóficas entre pensadores de
cultura alemã (Prússia) do final do século XVIII e início
do XIX. Essas discussões tiveram por base a publicação
da Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant. Hegel,
ainda no seminário de Tübingen, escreveu, juntamente
com dois renomados colegas, os filósofos Friedrich
Schelling e Friedrich Hölderlin, o que chamaram de "O
Mais Antigo Programa de Sistema do Idealismo Alemão".
Posteriormente Hegel desenvolveu um sistema filosófico
que denominou "Idealismo Absoluto", uma filosofia capaz
de compreender discursivamente o absoluto (de atingir
um saber do absoluto, saber cuja possibilidade fora, de
modo geral, negada pela crítica de Kant à metafísica).
Apesar de ser notavelmente crítica em relação ao
Iluminismo, a filosofia hegeliana é tida por muitos como,
para usar a expressão de Habermas, a "filosofia da
modernidade por excelência". Hegel influenciou um
grande número de autores (Strauss, Bauer, Feuerbach,
Stirner, Marx, Dilthey, Bradley, Dewey, Kojève, Hyppolite,
Hans Küng, Fukuyama, Žižek). Era fascinado pelas
obras de Spinoza, Kant e Rousseau, assim como pela
Revolução Francesa. Muitos consideram que Hegel
representa o ápice do Idealismo Alemão.

O idealismo eo romantismo
O idealismo é uma corrente filosófica que emergiu
apenas com o advento da modernidade, uma vez que,
nele, a posição central da subjetividade é fundamental.
Seu oposto é o materialismo. Tendo suas origens a partir
da revolução filosófica iniciada por Descartes, é aos
pensadores alemães que o idealismo está em geral
associado, desde Kant até Hegel, que seria talvez o
último grande idealista da modernidade. Embora muitos
acreditem que a teoria das ideias de Platão é,

31
historicamente, o primeiro dos idealismos, em que a
verdadeira realidade está no mundo das ideias, das
formas inteligíveis, acessíveis apenas à razão.
O romantismo foi um movimento artístico, político e
filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na
Europa que durou por grande parte do século XIX.
Caracterizou-se como uma visão de mundo contrária ao
racionalismo e ao iluminismo e buscou um nacionalismo
que viria a consolidar os estados nacionais na Europa.
Inicialmente apenas uma atitude, um estado de espírito,
o romantismo toma mais tarde a forma de um
movimento, e o espírito romântico passa a designar toda
uma visão de mundo centrada no indivíduo. Os autores
românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos,
retratando o drama humano, amores trágicos, ideais
utópicos e desejos de escapismo. Se o século XVIII foi
marcado pela objetividade, pelo iluminismo e pela razão,
o início do século XIX seria marcado pelo lirismo, pela
subjetividade, pela emoção e pelo eu.

A doutrina de mapeamento está explicitamente


presente em muitas abordagens modernas, como
o positivismo lógico.

Positivismo lógico é um modelo filosófico geral,


também denominado empirismo lógico ou
neopositivismo, desenvolvido por membros do Círculo
de Viena com base no pensamento empírico tradicional
e no desenvolvimento da lógica moderna. O positivismo
lógico restringiu o conhecimento à ciência e utilizou o
verificacionismo para rejeitar a Metafísica, não como
falsa, mas como destituída de significado. A importância
da ciência levou positivistas lógicos proeminentes ao
estudo do método científico e à exploração lógica da
teoria da confirmação. Atualmente, o positivismo lógico é
desconsiderado pela maioria dos filósofos. Sobretudo as
correntes filosóficas desdobradas a partir de Kuhn (que
estabelece o caráter paradigmático da ciência) e Paul
Feyerabend (demonstrando que, na prática científica, a
ciência não evolui segundo normas preestabelecidas)
geraram graves problematizações de suas idéias.

Thomas Samuel Kuhn (Cincinnati, 18 de julho 1922


— Cambridge,

32
17 de junho 1996) foi um físico e filósofo da ciência
norte-americano.
Seu trabalho incidiu sobre história da ciência e
filosofia da ciência, tornando-se um marco no estudo
do processo que leva ao desenvolvimento científico.

Paul Karl Feyerabend (Viena, 13 de janeiro de 1924


— Genolier, 11 de fevereiro de 1994) foi um filósofo
da ciência austríaco que viveu em diversos países
como Reino Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia,
Itália e Suíça. Seus maiores trabalhos são Against
Method (publicado em 1975), Science in a Free
Society (publicado em 1978) e Farewell to Reason
(uma coleção de artigos publicados em 1987).
Feyerabend tornou-se famoso pela sua visão
anarquista da ciência e por sua suposta rejeição da
existência de regras metodológicas universais. É uma
figura influente na filosofia da ciência, e também na
sociologia do conhecimento científico.

O positivismo lógico surgiu no início do século XX com


o Círculo de Viena. No seu início, o Círculo de Viena,
liderado por Moritz Schlick, era um grupo de discussão
constituído por cientistas e filósofos com o objetivo de
criar uma nova filosofia da ciência, com uma rigorosa
demarcação do científico e do não-científico. Teve
influências de Ernst Mach, Percy Bridgman e Ludwig
Wittgenstein, sendo este último autor do Tractatus
Logico-Philosophicus, que serviu de inspiração aos
membros do Círculo para a construção das suas
doutrinas. A partir de 1929, o positivismo lógico
começou a ter reconhecimento internacional e já possuía
vários defensores, dentre os quais estavam filósofos e
cientistas escandinavos, polacos, britânicos, alemães e
norte-americanos. Um grupo que se destacou foi o
Círculo de Berlim, liderado por Hans Reichenbach, em
resposta à metafísica hegeliana.

Wittgenstein, por exemplo, escreveu: “... uma


proposição é verdadeira ou falsa apenas como
uma imagem da realidade”. ... deve haver uma
identidade entre a imagem e o objeto ... ”tal que“
... relações mútuas entre partes do objeto
correspondem a relações mútuas entre elementos
33
da imagem ... ”(Tractatus Logico-Philosophicus,
1927, p.).

Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (Viena, 26 de


abril de 1889 — Cambridge, 29 de abril de 1951) foi um
filósofo austríaco, naturalizado britânico. Foi um dos
principais autores da virada linguística na filosofia do
século XX. Suas principais contribuições foram feitas nos
campos da lógica, filosofia da linguagem, filosofia da
matemática e filosofia da mente.

O Tractatus Logico-Philosophicus (latim para "Tratado


Lógico-Filosófico") é o livro publicado pelo filósofo
austríaco Ludwig Wittgenstein em sua vida. O projeto
tinha um objetivo amplo - identificar a relação entre
linguagem e realidade e para definir os limites da ciência
- e é reconhecido como uma obra filosófica importante
do século XX. G.E. Moore originalmente sugeriu o título
latino do trabalho como homenagem ao Tractatus
Theologico-Politicus,obra do filósofo holandês Baruch
Spinoza. Wittgenstein escreveu as notas para o
Tractatus, enquanto ele era um soldado durante a
Primeira Guerra Mundial e o completou quando estava
como prisioneiro de guerra em Como e depois Cassino
em agosto de 1918. Foi publicado em alemão em 1921
como Logisch-Philosophische Abhandlung. O Tractatus
foi influente, principalmente entre os positivistas lógicos
do Círculo de Viena, tais como Rudolf Carnap e Friedrich
Waismann. O Tractatus emprega um estilo literário
notoriamente austero e sucinto. O trabalho quase não
contém argumentos como tal, mas, sim, consiste em
sentenças declarativas que destinam-se a ser auto-
evidentes. As declarações são hierarquicamente
numeradas, com sete proposições básicas no nível
primário (numeradas 1 a 7), com cada sub-nível sendo
um comentário sobre ou elaboração da declaração no
próximo nível mais elevado (por exemplo., 1, 1.1, 1.11,
1.12). Obras posteriores de Wittgenstein, destacando-se
a obra Investigações Filosóficas, publicada
postumamente, criticaram muitas das ideias do
Tractatus.

Note que os mapeamentos implicam um dualismo


de objeto e representação. O problema colocado

34
por tal dualismo foi explicitado por Descartes
(1637/1994), que argumentou que a consciência
de um objeto não é garantia de conhecimento
verdadeiro.

René Descartes (La Haye en Touraine, 31 de março de


1596 – Estocolmo, 11 de fevereiro de 1650) foi um
filósofo, físico e matemático francês. Durante a Idade
Moderna, também era conhecido por seu nome latino
Renatus Cartesius. Notabilizou-se sobretudo por seu
trabalho revolucionário na filosofia e na ciência, mas
também obteve reconhecimento matemático por sugerir
a fusão da álgebra com a geometria - fato que gerou a
geometria analítica e o sistema de coordenadas que hoje
leva o seu nome. Por fim, foi também uma das figuras-
chave na Revolução Científica. Descartes, por vezes
chamado de "o fundador da filosofia moderna" e o "pai
da matemática moderna", é considerado um dos
pensadores mais importantes e influentes da História do
Pensamento Ocidental. Inspirou contemporâneos e
várias gerações de filósofos posteriores; boa parte da
filosofia escrita a partir de então foi uma reação às suas
obras ou a autores supostamente influenciados por ele.
Muitos especialistas afirmam que, a partir de Descartes,
inaugurou-se o racionalismo da Idade Moderna. Décadas
mais tarde, surgiria nas Ilhas Britânicas um movimento
filosófico que, de certa forma, seria o seu oposto - o
empirismo, com John Locke e David Hume.

A revolução "copernicana" de Kant (1781/1999)


tentou resolver o problema enfatizando o caráter
subjetivo, e não objetivo, do mapeamento.

35
A revolução Copernicana constituiu-se no processo
histórico que redundou na substituição do sistema
geocêntrico (Geocentrismo) pelo sistema heliocêntrico
(Heliocentrismo), inclusive no que diz respeito às
profundas consequências acarretadas por essa
substituição para a história da humanidade.

Em sua opinião, o mapeamento não é mais uma


relação de identidade, objetivamente descritível,
mas de produção (“síntese”) baseada em
restrições internas (“categorias a priori”).

A priori (do latim, "de antes" ou "do anterior") e a


posteriori (do latim, "do seguinte" ou "do depois") são
expressões filosóficas para distinguir dois tipos de
conhecimento ou argumento. Os termos a priori e a
posteriori são usadas principalmente como adjetivos
para modificar o substantivo "conhecimento", ou serem
substantivos compostos que se referem a um tipo de
conhecimento (por exemplo, conhecimento a priori). No
entanto, "a priori" às vezes é usado como um adjetivo
para modificar outros substantivos, como "verdade".
Além disso, muitas vezes os filósofos modificam este
uso. Por exemplo, "aprioridade" e "aprioricidade" são por
vezes utilizados como substantivos para referir
(aproximadamente) para a qualidade de ser "a priori".

Quine (1960) cunhou o termo qualia para definir o


conteúdo qualitativo da experiência. Uma forma
primitiva da doutrina dos qualia foi proposta pelos
estóicos, que distinguiam entre o conhecimento
de objetos que se manifestam diretamente e o
conhecimento de signos que se referem a objetos
de maneira indireta. Os desenvolvimentos da
doutrina estóica podem ser traçados, entre outros,
em Berkeley (1710/1988) e no que mais tarde

36
veio a ser conhecido como fenomenologia
(Husserl, 1931/1977).

George Berkeley (Condado de Kilkenny, 12 de março


de 1685 - Oxford, a 14 de janeiro de 1753) foi um filósofo
idealista irlandês cuja principal contribuição foi o avanço
de uma teoria que ele chamou de "imaterialismo" (mais
tarde conhecido como idealismo subjetivo). Essa teoria
nega a existência de substância material e, em vez
disso, sustenta que objetos familiares como mesas e
cadeiras são apenas ideias na mente daqueles que os
percebem e, como resultado, os objetos não podem
existir sem serem percebidos. Berkeley também é
conhecido por sua crítica à abstração, uma importante
premissa em seu argumento para o imaterialismo.

Edmund Gustav Albrecht Husserl (Proßnitz, 8 de abril


de 1859 — Friburgo em Brisgóvia, 26 de abril de 1938)
foi um matemático e filósofo alemão que estabeleceu a
escola da fenomenologia. Ele rompeu com a orientação
positivista da ciência e da filosofia de sua época.
Elaborou críticas do historicismo e do psicologismo na
lógica. Não se limitando ao empirismo, mas acreditando
que a experiência é a fonte de todo o conhecimento, ele
trabalhou em um método de redução fenomenológica
pelo qual um assunto pode vir a conhecer diretamente
uma essência.

Na abordagem qualia, o conhecimento direto é


essencialmente auto-validado. A experiência de X
é o nosso encontro com X e, como tal, deve ser
tomada pelo valor nominal. No encontro, o objeto
se manifesta na consciência, que por sua vez
consiste em uma operação “transcendente” em
direção ao objeto (termo de Husserl). Por outro
lado, o precursor conceitual da cognição como um
processo mental não é gnosis, mas nus “que
segundo o qual as razões de alma e entende”

37
(Aristóteles, 350 aC), que a tradição filosófica
traduz como compreensão (francês: entendement,
alemão: Verstand). A tradução latina, intellectus,
tem a mesma raiz da inteligência e é preservada
em italiano (intelletto). A noção é frequentemente
relatada como correspondendo àquela de uma
faculdade de pensamento genérica. Uma leitura
rápida de algumas definições representativas, no
entanto, esclarece que a noção era de fato
limitada a processos cognitivos que hoje
identificávamos com pensamento, raciocínio e
solução de problemas, sendo, portanto, mais
restritos do que a noção moderna de cognição.
Tomás de Aquino (1225/1947), por exemplo,
destacou o caráter interno do intellectus,
argumentando que a palavra derivada do legere
intus, para ler dentro, e pertencia a atos cognitivos
que visam a essência das coisas, como
distinguido por suas meras qualidades sensíveis .

Tomás de Aquino, em italiano Tommaso d'Aquino


(Roccasecca, 1225 – Fossanova, 7 de março de 1274),
foi um frade católico da Ordem dos Pregadores
(dominicano) italiano cujas obras tiveram enorme
influência na teologia e na filosofia, principalmente na
tradição conhecida como Escolástica, e que, por isso, é
conhecido como "Doctor Angelicus", "Doctor Communis"
e "Doctor Universalis". "Aquino" é uma referência ao
condado de Aquino, uma região que foi propriedade de
sua família até 1137. Ele foi o mais importante
proponente clássico da teologia natural e o pai do
tomismo. Sua influência no pensamento ocidental é
considerável e muito da filosofia moderna foi concebida

38
como desenvolvimento ou oposição de suas ideias,
particularmente na ética, lei natural, metafísica e teoria
política. Ao contrário de muitas correntes da Igreja na
época, Tomás abraçou as ideias de Aristóteles - a quem
ele se referia como "o Filósofo" - e tentou sintetizar a
filosofia aristotélica com os princípios do cristianismo. As
obras mais conhecidas de Tomás são a "Suma
Teológica" (em latim: Summa Theologiae) e a "Suma
contra os Gentios" (Summa contra Gentiles). Seus
comentários sobre as Escrituras e sobre Aristóteles
também são parte importante de seu corpus literário.
Além disso, Tomás se distingue por seus hinos
eucarísticos, que ainda hoje fazem parte da liturgia da
Igreja. Tomás é venerado como santo pela Igreja
Católica e é tido como o professor modelo para os que
estudam para o sacerdócio por ter atingido a expressão
máxima tanto da razão natural quanto da teologia
especulativa. O estudo de suas obras há muito tempo
tem sido o cerne do programa de estudos obrigatórios
para os que buscam as ordens sagradas (como padres e
diáconos) e também para os que se dedicam à formação
religiosa em disciplinas como filosofia católica, teologia,
história, liturgia e direito canônico. Tomás foi também
proclamado Doutor da Igreja por Pio V em 1568.

Kant definiu o entendimento como “o poder de


conhecer em geral”. Aristóteles propôs uma noção
de compreensão “intuitiva”, definida como a
faculdade de apreender princípios abstratos
envolvidos no raciocínio formal, e Kant defendeu
uma faculdade “julgadora”, operando de acordo
com princípios a priori. Bergson (1907/1998)
propôs uma noção de compreensão “operativa”,
que enfatizava a criatividade: a faculdade de criar
variedades de utensílios e fabricas. Por outro
lado, Essay on Human Understanding (1689), de
Locke, pretendia mostrar “como chegamos por
qualquer conhecimento” e rejeitar qualquer papel

39
de idéias inatas nesse processo. A noção implica
um papel maior para a percepção ou, pelo menos,
para a sensação na cognição.

Evolução, inteligência artificial e a


naturalização da cognição

Como mostrado brevemente na seção anterior, os


precursores filosóficos do conceito de cognição
revelam uma intrincada história conceitual, com
os dois sentidos do conceito moderno surgindo e
ressurgindo sozinhos ou em combinação. Em
geral, ao considerar as doutrinas do
conhecimento, a dualidade entre processo e
produto é aparente na idéia de mapeamento entre
objetos conhecidos e as representações
correspondentes. Curiosamente, a natureza do
mapeamento oscilou entre uma noção mais ou
menos “objetiva” da relação entre objeto e
conhecimento e uma noção que enfatiza uma
contribuição subjetiva. Debates entre as teorias
de percepção e cognição baseadas em estímulo e
construtivistas são fortemente reminiscentes
dessas duas formas de considerar os
mapeamentos. Teorias baseadas em estímulos,

40
como o defendido por Gibson (19794), enfatizam
similaridades entre propriedades estruturais do
ambiente e propriedades estruturais de produtos
cognitivos percebidos ou concebidos, e propõem
que um tipo de elo objetivo é naturalmente dado
entre eles, pelas propriedades. que são
representados na estrutura espaço-temporal dos
estímulos recebidos. As teorias construtivistas,
como a Gestalt e a abordagem neo-
Helmholtziana, rejeitaram a existência desse elo
objetivo e sugeriram que a cognição humana
requer restrições internas e reconstrução ativa a
partir de estímulos incompletos ou ambíguos.

A gestalt (guès) (do alemão Gestalt, "forma"), também


conhecida como gestaltismo (gues), teoria da forma,
psicologia da gestalt, psicologia da boa forma e leis
da gestalt, é uma doutrina que defende que, para se
compreender as partes, é preciso, antes, compreender o
todo. Refere-se a um processo de dar forma, de
configurar "o que é colocado diante dos olhos, exposto
ao olhar". A palavra gestalt tem o significado "de uma
entidade concreta, individual e característica, que existe
como algo destacado e que tem uma forma ou
configuração como um de seus atributos".

A tradição neo-Helmholtziana que postula que a


percepção é um processo inferencial e não restringe o
alvo apropriado da investigação a estados sensoriais
hipotéticos que não são afetados por inferências sobre
estímulos distais.

4GIBSON, J.J. The ecological approach to visual perception. Boston, MA:


Houghton Mifflin, 1979.

41
A distinção entre o que temos aqui chamado de
qualia e as abordagens de mapeamento foi
expressa explicitamente pelo teórico da Gestalt
Kurt Koffka (1935), que argumentou que o ponto
de partida no estudo da mente humana é a
questão: “Por que as coisas parecem Faz?".
Koffka observou que a questão tem dois
aspectos: um aspecto qualitativo e um aspecto
“cognitivo”.

Kurt Koffka (Berlim, 18 de março de 1886 –


Northampton, Massachusetts, 22 de novembro de 1941)
foi um psicólogo da Gestalt. Em 1909 recebeu doutorado
pela Universidade de Berlim. Junto com Wolfgang
Köhler, tornou-se assistente na Universidade de
Frankfurt, onde trabalhou com Max Wertheimer. De 1911
a 1927 lecionou na Universidade de Giessen. Lá
escreveu O Desenvolvimento da Mente (1921). No ano
seguinte ele introduziu o programa Gestalt com um artigo
na Psychological Bulletin nos Estados Unidos. A partir de
1927, Kurt lecionou nos Estados Unidos no Smith
College, publicando a obra Princípios da Psicologia da
Gestalt (1935).

Do ponto de vista do aspecto qualitativo,


argumentou ele, a questão se aplica
simplesmente à aparência das coisas, como as
experimentamos. Como tal, aplicaria evento a um
mundo de pura ilusão. Do ponto de vista do
aspecto cognitivo, em vez disso, a questão está
relacionada ao problema de como a aparência
das coisas se relaciona com o modo como as
coisas realmente são. Como estudante de
42
Husserl, Koffka (e muitos outros gestaltistas)
expuseram a ideia de uma primazia metodológica
do primeiro aspecto em relação ao segundo. A
escolha teve o mérito de lembrar a psicologia, em
um período de behaviorismo desenfreado, da
existência de conteúdos conscientes internos que
permaneciam inexplicados por leis de estímulo-
resposta, e permaneceram problemas genuínos.
Ao mesmo tempo, porém, evitou a ideia de que os
conteúdos conscientes são sempre direcionados
para objetos externos. Brentano (1874)
argumentou fortemente que tal "aboutness" é
específico dos fenômenos mentais, e os debates
modernos sobre o que hoje é chamado de
"ground grounding" (Harnad, 19875) desconfiam
da dificuldade de explicar a redondeza do
conteúdo mental.
Franz Clemens Honoratus Hermann Brentano
(Marienberg am Rhein, 16 de Janeiro de 1838 —
Zurique, 17 de Março de 1917) foi um filósofo alemão.
Sobrinho do poeta alemão Clemens Brentano, lecionou
em Würzburgo e na Universidade de Viena. Em 1864 foi
ordenado padre, mas envolvendo-se em controvérsias
sobre a doutrina da infalibilidade papal, abandonou a
Igreja em 1873. Morreu em 1917, deixando uma obra
volumosa. Sua filosofia evoluiu em direção de um
aristotelismo moderno, nitidamente empírico em seus
métodos e princípios. Os trabalhos mais importantes de
Brentano são no campo da psicologia, por ele definida
como ciência dos fenômenos psíquicos (ou, o que para
ele é sinônimo, da consciência). Os objetos de seus

5 HARNAD, S. Categorical perception: the groundwork of cognition.


Cambridge, MA: Cambridge University Press, 1987.

43
estudos não foram, porém, os estados, mas sim os atos
e processos psíquicos. Segundo Brentano, o fenômeno
psíquico distingue-se dos demais por sua propriedade de
referir-se a um objeto, bem como a um conteúdo de
consciência, através de mecanismos puramente mentais.
À psicologia caberia, então, estudar as diversas
maneiras pelas quais a consciência institui suas relações
para com os objetos existentes nela mesma, descrever a
natureza desta relação, bem como o modo de existência
deste objeto.

Abordagens atuais enfatizando a noção de


cognição como ciclo de percepção-ação
controlado por esquemas internos, prévias e
decisões podem ser interpretadas como uma
tentativa de superar a oposição entre teorias
baseadas em estímulo e construtivistas. para
processos cognitivos, por exemplo, como em
Clark, 1997). No entanto, as ligações entre teorias
atuais de cognição e conceitos que foram usadas
no debate filosófico devem ser estabelecidas com
grande cautela, porque os conceitos atuais
inevitavelmente incluem noções que vieram de
dois desenvolvimentos posteriores. A primeira
delas, a teoria da evolução (Darwin, 1859)
forneceu um critério radicalmente novo para
avaliar como os organismos aprendem sobre seu
ambiente. Antes da evolução, os epistemólogos
lutavam com conceitos como Ding an sich de Kant
(a "coisa em si", em oposição à sua aparência
fenomenal) e debatiam se o conhecimento era
adquirido ou inato.
44
Charles Robert Darwin FRS (Shrewsbury, 12 de
fevereiro de 1809 — Downe, Kent, 19 de abril de 1882)
foi um naturalista britânico que alcançou fama ao
convencer a comunidade científica da ocorrência da
evolução e propor uma teoria para explicar como ela se
dá por meio da seleção natural e sexual. Esta teoria
culminou no que é, agora, considerado o paradigma
central para explicação de diversos fenômenos na
biologia. Foi laureado com a medalha Wollaston
concedida pela Sociedade Geológica de Londres, em
1859. Darwin começou a se interessar por história
natural na universidade enquanto era estudante de
Medicina e, depois, Teologia. A sua viagem de cinco
anos a bordo do brigue HMS Beagle e escritos
posteriores trouxeram-lhe reconhecimento como geólogo
e fama como escritor. Suas observações da natureza
levaram-no ao estudo da diversificação das espécies e,
em 1838, ao desenvolvimento da teoria da Seleção
Natural. Consciente de que outros antes dele tinham sido
severamente punidos por sugerir ideias como aquela, ele
as confiou apenas a amigos próximos e continuou a sua
pesquisa tentando antecipar possíveis objeções.
Contudo, a informação de que Alfred Russel Wallace
tinha desenvolvido uma ideia similar forçou a publicação
conjunta das suas teorias em 1858. Em seu livro de
1859, "A Origem das Espécies" (do original, em inglês,
On the Origin of Species by Means of Natural Selection,
or The Preservation of Favoured Races in the Struggle
for Life), ele introduziu a ideia de evolução a partir de um
ancestral comum, por meio de seleção natural. Esta se
tornou a explicação científica dominante para a
diversidade de espécies na natureza. Ele ingressou na

45
Royal Society e continuou a sua pesquisa, escrevendo
uma série de livros sobre plantas e animais, incluindo a
espécie humana, notavelmente "A descendência do
Homem e Seleção em relação ao Sexo" (The Descent of
Man, and Selection in Relation to Sex, 1871) e "A
Expressão da Emoção em Homens e Animais" (The
Expression of the Emotions in Man and Animals, 1872).

Ao fornecer uma estrutura conceitual para


considerar a cognição como uma faculdade
adaptativa, a evolução forneceu um meio
radicalmente novo de avaliar a verdade, ou pelo
menos o grau de eficácia associado ao processo
de aquisição de conhecimento - não como acesso
à "realidade". mas como um meio para garantir a
sobrevivência, obtendo conhecimento adequado
do meio ambiente. Além disso, a evolução
forneceu uma estrutura poderosa para entender
como os organismos podem possuir
conhecimento no nascimento, e como esse
conhecimento pode, não obstante, ser adquirido -
não na escala de tempo do indivíduo, mas
durante a história evolucionária da espécie. O
segundo desenvolvimento, a distinção entre
hardware e software dentro da inteligência
artificial, desempenhou um papel crucial na
definição do que pode ser a cognição e como ela
deve ser estudada. Antes da inteligência artificial,
as tentativas de abordar o estudo da cognição
através dos métodos das ciências naturais (em

46
oposição à especulação filosófica) tinham que se
basear na biologia, isto é, na ideia de que a
cognição pode ser explicada, em última análise,
pela compreensão do funcionamento do sistema
nervoso. sistema. A noção de que os processos
cognitivos podem ser tomados como algoritmos
computacionais forneceu uma opção radicalmente
nova. Se os processos cognitivos são o software
da mente, então a cognição pode ser estudada
usando as ferramentas da ciência da computação,
e independentemente de sua implementação real
em um sistema nervoso humano, um animal não
humano, ou mesmo em uma máquina. Essa
noção era fundamental para a revolução cognitiva
na psicologia e agora encontrou ampla aceitação
nos círculos filosóficos.

Mente, corpo e
explicação cognitiva

O problema de entender como os processos


cognitivos se relacionam com os processos
neurais pode ser considerado uma manifestação
de uma questão conceitual mais antiga e mais
ampla, decorrente da dicotomia mente / corpo. A
questão se origina do dualismo cartesiano e
permeia as abordagens da cognição. Os estados

47
mentais e cerebrais são duas entidades
separadas? Os estados mentais podem ser
reduzidos a estados cerebrais? E, em caso
afirmativo, qual é a natureza da interação entre os
dois? Durante os séculos, questões como essas
têm sido objeto de debate acalorado. Fechner
(1860/1966) relatou que a idéia fundamental por
trás da psicofísica veio a ele quando se esforçou
para resolver o problema da conexão entre o
corpo e a mente.

Gustav Theodor Fechner (Gross Särchen, 19 de abril


de 1801 — Leipzig, 28 de novembro de 1887) foi um
filósofo alemão. Professor em Leipzig a partir de 1834,
era tido como um matemático e físico brilhante. Em 1839
esteve ameaçado pela cegueira; isto resultou em uma
grave crise pessoal que o impossibilitou de lecionar e
despertou seu interesse por questões psicológicas e
religiosas. Influenciado por Schelling e por pensadores
orientais, publicou duas obras filosóficas: Nanna, ou
sobre a vida psíquica das plantas (1848) e Zend-Avesta,
ou sobre as coisas do céu e do além (1891). Para
Fechner, o físico e o psíquico não seriam realidades
48
opostas, mas aspectos de uma mesma realidade
essencial, ou seja, fenômenos mentais correspondem a
fenômenos orgânicos (estímulos), algo denominado
Paralelismo Psicofísico. O universo seria então um
conjunto vivificado de seres finitos sustentados pela
infinitude de uma entidade divina. Assim, as leis naturais
seriam manifestações da perfeição desta entidade.

Ao formular leis quantitativas de relações entre


conteúdos mentais ("sensações") e estímulos
corporais, ele acreditava que se poderia provar
como mente e corpo são um aspecto da mesma
unidade. A posição dualista de Descartes
postulou uma primazia epistemológica dos
conteúdos mentais, embora ele admitisse que a
mente e o corpo tinham que interagir de alguma
forma. Por essa razão, segundo Sternberg
(19996), a teoria de Descartes deveria ser
considerada tanto mentalista quanto
interacionista. Na teoria de Locke, pelo contrário,
o corpo teve a maior influência na mente. Os
seres humanos nascem sem conhecimento e,
através dos sentidos (corpo), processam
informações que só mais tarde serão usadas pela
mente para armazenamento e recuperação. Em
geral, os filósofos materialistas negavam que a
mente fosse ontologicamente diferente do corpo e
sugeriram que ela fosse estudada pelos mesmos
métodos emprestados das ciências naturais.
6STERNBERG, R.J. The Nature of Cognition. Cambridge MA: MIT Press,
1999.
49
Outros pesquisadores assumiram a posição
oposta e negaram ao corpo um papel em
influenciar o comportamento humano, enquanto
outros apoiaram a existência de ambas as
entidades, sugerindo uma interação.
Muitos estudantes de cognição concordam que a
competência cognitiva deve ser explicada pela
coordenação de três níveis de análise:
implementação, algoritmo e problema
computacional. As explicações no nível de
implementação referem-se ao substrato cerebral
subjacente a cada função cognitiva. Por exemplo,
refere-se aos circuitos neurológicos envolvidos
toda vez que queremos recuperar uma palavra do
léxico mental. Assim, a implementação refere-se
ao corpo. As explicações no nível do algoritmo,
por outro lado, correspondem aos processos
necessários para realizar uma atividade cognitiva
considerada puramente como procedimentos,
independentemente do substrato que os realiza.
Por exemplo, para produzir corretamente uma
palavra (por exemplo, para destruir), precisamos
recuperar informações sobre seu significado (por
exemplo, o ato de quebrar em pedaços), suas
propriedades sintáticas (a categoria gramatical e
os complementos sintáticos que ele seleciona),
sua fonologia. características. Nesse sentido, as

50
explicações no nível do algoritmo referem-se às
operações mentais envolvidas na função
cognitiva. As explicações no nível do problema
computacional, finalmente, referem-se às
restrições que se aplicam à implementação da
cognição e aos algoritmos implementados. Nesse
nível, crucial para a compreensão da cognição, o
contexto biológico e ambiental da cognição é
tomado como um processo adaptativo que serve
funções específicas dentro de nichos ecológicos
definidos. Assim, o problema computacional
refere-se à mente, mas também ao corpo, bem
como à interação de ambos com o ambiente.
Especulações recentes sobre o gene FOXP2 e
sua relação com a linguagem na história evolutiva
de nossa espécie são um excelente exemplo
desse nível de explicação.
Nem todos os teóricos, no entanto, concordam
com a linha de ataque de Marr em três frentes.
Muitos pesquisadores, por exemplo, acreditam
que ainda sabemos tão pouco sobre os circuitos
neurais que faz sentido estudar a cognição de
forma independente. O argumento mais
importante para estudar a mente
independentemente do corpo deriva da analogia
do computador. Nessa visão, embora a relevância
do cérebro funcione como o hardware que

51
realmente realiza a computação, a natureza do
desempenho cognitivo é capturada pelas
instruções dadas no software. Nesse sentido, o
hardware real que executa as instruções é
irrelevante: podem ser circuitos neuronais, chips
ou qualquer outra coisa. Outros pesquisadores
argumentam a favor de explicações reducionistas,
sugerindo que, para entender a cognição, primeiro
precisamos descobrir os correlatos neurais dela
(Crick, 19947). Esses pesquisadores rejeitam a
ideia de que podemos fazer uma distinção entre
software e hardware, uma posição que encontra
forte apoio em modelos conexionistas de
processos cognitivos. De acordo com muitos
autores (Gazzaniga, 20018, Posner, 19899),
técnicas recentes de imagens cerebrais agora
tornam possível estudar a atividade cerebral in
vivo, revelando a estrutura real das conexões
entre processos cerebrais (Hunt, 199910).
No entanto, uma posição é assumir que a
pesquisa do cérebro ajuda a estudar o
comportamento humano, outra é assumir que os

7 CRICK, F. The astonishing hypothesis. New York: Scribner, 1994.


8 GAZZANIGA M. The new cognitive neuroscience. Cambridge, MA: MIT
press, 2001.
9 POSNER, M. Foundations of cognitive science. Cambridge, MA: MIT

Press, 1989.
10 HUNT, E. (1999). What is a theory of thought? In Sternberg R.J. The Nature

of Cognition (pp. 3-51) Cambridge MA,: MIT Press.

52
dados do cérebro são suficientes para explicar a
cognição. A maneira como nomeamos cores é um
exemplo desse impasse. Segundo Tabossi
(199411), um exemplo simples de como
colocamos um contínuo cromático (cores) em
entidades (nomes) discretas é um bom exemplo
do risco em que podemos incorrer quando
subestimamos a importância de uma abordagem
multidisciplinar ao problema da cognição. . As
línguas indo-europeias têm sistemas complexos
para nomear cores. No entanto, algumas
populações da Nova Guiné têm apenas dois
termos diferentes: um se refere ao vermelho e ao
amarelo e é chamado de "brilhante", um se refere
a azul, verde, preto e é chamado de "escuro". De
acordo com o relativismo linguístico (Whorf,
195612), nomes são dados a cores com base em
fatores culturais e, portanto, a cultura (linguagem,
valores e assim por diante) influencia
profundamente a cognição.

A alcunha de relativismo linguístico (ou, ainda, de


relatividade linguística, implicando, nesse caso,
variações importantes na forma como o termo é
compreendido e empregado) tem sido utilizada na
literatura para designar um conjunto de teorias filosóficas

11
TABOSSI, P. Intelligenza naturale e intelligenza artificiale. Bologna: Il
Mulino, 1994.
12
WHORF, B.L. The relation of habitual thought and behavior to language. In
B.L. Whorf & J.B. Carroll (Eds.). Language, thought, and reality: Essays.
Cambridge MA: MIT Press, 1956.
53
e científicas sobre a natureza do conhecimento humano
que associam, de modo mais ou menos determinístico, o
contato dos indivíduos com a realidade à língua que
falam, à cultura em que estão inseridos e à própria
estrutura cognitiva da espécie. Defensores do relativismo
linguístico assumem que, grosso modo, a língua natural
e a cultura de uma comunidade específica funcionam
como uma espécie de calibrador para aqueles que delas
partilhem, de modo que pertencer a grupos de falantes
cujas línguas e cujas características culturais sejam
distintas significa, necessariamente, apresentar
categorização distinta da realidade. Versões mais
radicais do relativismo linguístico, como a que é
conhecida como Hipótese Sapir-Whorf, sequer
consideram que o mundo apresente estrutura; de acordo
com essa hipótese, toda e qualquer categorização do
mundo descenderia diretamente das línguas faladas
pelos indivíduos. Afirmar que o acesso à realidade pelos
indivíduos é, em algum nível, mediado margeia a
interpretação de que a visão de mundo de grupos de
falantes apartados seja mutuamente ininteligível e, além
disso, remete ao debate milenar entre racionalistas e
empiristas sobre a origem dos conhecimentos humanos
(Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant, Descartes,
Hume e Quine, dentre muitos outros filósofos, dedicaram
parte considerável de sua obra a tais questões). Em
última instância, as teorias relativísticas esvaziam de
sentido as tentativas de se definir o que seja uma
realidade objetiva, posto que, sempre conduzidos por
uma perspectiva parcial do mundo, os indivíduos não
tem como recorrer a ela senão de forma indireta.

Por exemplo, de acordo com essa hipótese, é


mais fácil reconhecer uma cor quando um nome
está disponível para ela. Os dados coletados
usando uma abordagem multidisciplinar
mostraram que isso é falso. De fato, estudos
perceptivos demonstram que a percepção de
cores é bastante independente da cultura.
Vermelho, verde e azul, por exemplo, são mais
discrimináveis do que outras cores também
54
quando não há um nome específico para elas.
Bastante independentemente da cultura, o
sistema visual de primatas codifica a cor ao longo
de três dimensões oponentes: vermelho / verde;
amarelo azul; Preto branco. Além disso, algumas
pesquisas revelaram que o vermelho e o amarelo
são exemplos melhores de “brilhantes” do que
rosa ou ocre. Esses resultados revelam a
complexidade dos processos e nos lembram
fortemente dos riscos envolvidos na subestimação
da utilidade de uma abordagem multidimensional
à cognição.

Cognição e representação

A maioria das teorias da cognição pressupõe que


a mente forma representações internas (as
exceções das minorias são teorias ecológicas e
incorporadas). Por essa razão, uma visão geral da
história conceitual da cognição não estaria
completa sem um levantamento das diferentes
abordagens da representação mental. Como
vimos, a representação estava implícita em várias
tentativas de "mapeamento" para explicar a
formação do conhecimento pelos filósofos.

55
Mapa cognitivo, mapa mental, modelos cognitivos e
modelos mentais são tipos de processamento mental.
Um mapa cognitivo é um mapa mental aprendido de um
ambiente espacial, geralmente sem estar consciente do
fato de que você tenha aprendido. Por exemplo, um
homem que descreve detalhadamente como chegar ao
seu trabalho. É comum que as pessoas representem
lugares que tem significado especial, seja prático ou
emocional, assim como detalhem melhor lugares com os
quais tem mais familiaridade. O conceito foi introduzido
por Edward Tolmanin em 1948. O termo foi
posteriormente generalizado por alguns pesquisadores,
especialmente no campo da pesquisa operacional, para
se referir a um tipo de rede semântica que representa o
conhecimento pessoal ou os esquemas de um indivíduo.
Mapas cognitivos foram estudados em vários campos,
como psicologia, educação, arqueologia, planejamento,
geografia, cartografia, arquitetura, arquitetura
paisagística, planejamento urbano, gestão e história.
Como conseqüência, esses modelos mentais são
frequentemente referidos como mapas cognitivos, mapas
mentais, scripts, esquemas e quadros de referência. Os
mapas cognitivos servem para a construção e
acumulação de conhecimento espacial, permitindo que o
"olho da mente" visualize imagens de modo a reduzir a
carga cognitiva, melhorar a recordação e o aprendizado
da informação. Esse tipo de pensamento espacial
também pode ser usado como uma metáfora para
tarefas não espaciais, onde pessoas que executam
tarefas não-espaciais envolvendo memória e imagens
usam o conhecimento espacial para auxiliar no
processamento da tarefa. Os correlatos neurais de um
mapa cognitivo têm sido especulados como sendo o
sistema celular local no hipocampo e as células da grade
recentemente descobertas no córtex entorrinal. Acredita-
se que o mapeamento cognitivo seja em grande parte
uma função do hipocampo. O hipocampo é conectado ao
resto do cérebro de tal forma que é ideal para integrar
informações espaciais e não espaciais. Conexões do
córtex pós-raiar e do córtex entorrinal medial fornecem
informações espaciais ao hipocampo. Conexões do
córtex perirrinal e do córtex entorrinal lateral fornecem
informações não espaciais. A integração dessas
informações no hipocampo torna o hipocampo um local
prático para o mapeamento cognitivo, que envolve
necessariamente a combinação de informações sobre a
localização de um objeto e suas outras características.

56
A. R. Mcintosh (1999), da Universidade de Toronto
(Canada), em estudo sobre o mapeamento cognitivo
para o cérebro através de interações neurais, escreveu
que os métodos de imagem do cérebro, como a
tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a
ressonância magnética funcional (fMRI), oferecem uma
oportunidade única para estudar a neurobiologia da
memória humana. Como esses métodos podem medir a
maior parte do cérebro, é possível examinar as
operações dos sistemas neurais de larga escala e sua
relação com a cognição. Dois estudos de neuroimagem,
um relativo à memória de trabalho e a outra recuperação
de memória episódica, servem como exemplos de
aplicação de dois métodos analíticos que são otimizados
para a quantificação de sistemas neurais, modelagem de
equações estruturais e mínimos quadrados parciais. A
modelagem de equações estruturais foi usada para
explorar a mudança das interações pré-frontais e
límbicas do hemisfério direito para o esquerdo em uma
tarefa atrasada entre amostras para faces. Uma
característica da rede funcional para atrasos curtos foi a
forte interação do hemisfério direito entre os córtices
hipocampo, pré-frontal inferior e cingulado anterior. Em
atrasos mais longos, essas mesmas três áreas estavam
fortemente ligadas, mas no hemisfério esquerdo, o que
foi interpretado como refletindo a mudança na estratégia
da tarefa de perceptual para elaborar codificação com
atraso crescente. A manipulação primária no estudo de
recuperação de memória foi diferentes níveis de sucesso
de recuperação. O método dos mínimos quadrados
parciais foi usado para determinar se o padrão de
covariância das áreas de Brodmann 10 e 45/47 no córtex
pré-frontal direito (RPFC) e no hipocampo esquerdo
(LGH) poderia ser mapeado para os níveis de
recuperação. Área 10 e LGH mostraram um padrão
oposto de conectividade funcional com uma grande
extensão de córtices límbicos bilaterais que foi
equivalente para todos os níveis de recuperação, bem
como a tarefa de linha de base. No entanto, apenas
durante a alta recuperação foi a área 45/47 incluída
neste padrão. Os resultados sugerem que a atividade em
partes do RPFC pode refletir o modo de recuperação da
memória ou o sucesso da recuperação dependendo de
outras regiões do cérebro às quais ele está
funcionalmente vinculado, e implica que a atividade
regional deve ser avaliada dentro do contexto neural em
que ocorre. A hipótese geral de que aprendizagem e
memória são propriedades emergentes de interações de
redes neurais em larga escala é discutida, enfatizando
57
que uma região pode desempenhar um papel diferente
em muitas funções e que o papel é governado por suas
interações com regiões relacionadas anatomicamente.

Na moderna pesquisa cognitiva, a noção toma


mais ou menos essa forma: se quisermos
entender os algoritmos mentais envolvidos nos
processos cognitivos, precisamos entender a
natureza dos dados que esses algoritmos
inserem, processam e produzem. Portanto,
precisamos entender como as mentes
representam características do mundo. No
entanto, a natureza e o papel da representação
tem sido uma das questões mais controversas na
pesquisa cognitiva. Pesquisas nesta área geraram
uma abundância de teoria, juntamente com
posições contrastantes e discussões acaloradas.
A questão polêmica diz respeito principalmente à
definição de formato e organização do
conhecimento armazenado na mente e, como
conseqüência, à descrição de como as
representações mentais são formadas.
Muitos teóricos propuseram que a linguagem
representa o arcabouço central da cognição.
Nesse sentido, Wittgenstein observou: “Os limites
da minha língua significam os limites do meu
mundo” e Edward Sapir (1921) proclamou: “Nós
vemos e ouvimos e experimentamos de maneira
muito ampla, porque os hábitos de linguagem de
58
nossa comunidade predispõem a certos escolhas
de interpretação ”.

Edward Sapir (Lauenburg, Pomerânia, Alemanha, hoje


Lębork, Polônia, 26 de janeiro de 1884 — New Haven,
Connecticut, 4 de fevereiro de 1939) foi um antropólogo
e linguista alemão de origem judaica.

Uma tradição igualmente aclamada, no entanto,


argumentou que existem muitos pensamentos
que transcendem as palavras. Assim, por
exemplo, William James observou: "Grandes
pensadores têm vastos vislumbres premonitórios
de esquemas de relações entre termos, que
dificilmente até mesmo como imagens verbais
entram na mente, tão rápido é todo o processo".
Einstein, em um impressionante cumprimento ao
pensamento de W. James, relatou: “Esses
pensamentos não vieram em nenhuma
formulação verbal. Eu raramente penso em

59
palavras. Um pensamento vem e eu posso tentar
expressá-lo em palavras depois”.
Assim, de acordo com muitos outros teóricos,
palavras e frases parecem cortar o mundo de
maneira mais grosseira do que o pensamento. De
acordo com Pylyshyn (198113, 198414, 200315),
por exemplo, existem muitos conceitos para os
quais não há uma palavra correspondente. Mais
seriamente, pode-se ter pensamentos enquanto
se percebe conteúdos que não podem ser
expressos em palavras, implicando, assim, que o
grão de pensamentos é mais fino do que o
potencial do vocabulário lingüístico de uma
pessoa. Em The Language Instinct (1994), Steven
Pinker ofereceu vários argumentos para sustentar
sua visão de que a linguagem natural é
inadequada como um meio de pensamento e que
o principal meio de pensamento é um sistema de
representação proposicional inato.

13
PYLYSHYN, Z.W. The imagery debate: Analogue media vs. tacit knowledge.
Psychological Review, v. 88, p. 16-45, 1981.
14
PYLYSHYN, Z.W. Computation and Cognition. Cambridge, MA: MIT Press,
1984.
15
PYLYSHYN, Z. W. (2003). Return of the mental image: Are there really
pictures in the brain? Trends in Cognitive Science, v. 7, n. 3, p. 113-118,
2003.

60
Steven Arthur Pinker (Montreal, 18 de setembro de
1954) é um psicólogo e linguista canadense naturalizado
norte-americano. Ele é professor da Universidade
Harvard e escritor de livros de divulgação científica.
Durante 21 anos Pinker foi professor no Departamento
do Cérebro e Ciências Cognitivas do Massachusetts
Institute of Technology antes de regressar a Harvard em
2003. Pinker completou o bacharelado em Psicologia da
Universidade McGill no ano 1976, e doutorado em
Psicologia Experimental pela Universidade de Harvard
em 1979. Pinker escreve sobre a linguagem e as
ciências cognitivas em vários níveis, desde artigos
especializados até publicações de divulgação científica.
Ele é mais bem conhecido pela sua pesquisa da
aquisição da fala e pelo seu trabalho sobre as noções de
desenvolvimento inato da linguagem iniciadas por Noam
Chomsky. No entanto, ao contrário de Chomsky, Pinker
considera a linguagem uma adaptação evolutiva. Pinker
é especializado em percepção visual e psicolinguística.
Os temas de seus estudos abarcam imagens mentais,
reconhecimento de formas, atenção visual,
desenvolvimento de linguagem infantil, fenômenos
regulares e irregulares da linguagem, bases neurais de
palavras e gramática e psicologia da comunicação,
incluindo o estudo sobre eufemismos, insinuações,
expressões emocionais e conhecimento.

61
De acordo com as teorias proposicionais de
representações de conhecimento, qualquer
conjunto de dados bem especificado pode ser
representado em um único formato, ou seja,
proposições. Uma representação proposicional é
um formalismo geral para representar o
conhecimento humano; ela é definida como a
menor unidade de conhecimento que pode ser
uma afirmação e pode ser verdadeira ou falsa.
Proposições não são palavras. São pensamentos
ou idéias que podem ser expressos em palavras,
mas que são expressos principalmente por meio
de notações especiais que especificam a relação
entre as palavras e o argumento da proposição.
Dentro do sistema de conhecimento, uma
afirmação não é uma sentença em nenhuma
língua natural, mas sim uma “linguagem de
pensamento”, comumente referida como
mentalese ou língua mentis. Mais recentemente, a
ideia de que a linguagem natural não pode ser o
meio do pensamento devido à ambigüidade e
instabilidade inerentes foi proposta por muitos
cientistas cognitivos que argumentam que deve
haver muito mais conceitos do que palavras e
que, ao contrário dos conceitos, o significado de
um Uma palavra particular pode depender de
muitos fatores pragmáticos.

62
A maior parte de nossa memória para pessoas,
objetos e eventos do passado é baseada no
pensamento não-verbal. O papel funcional das
imagens mentais e das representações visuais-
espaciais na memória foi documentado desde a
época dos antigos gregos. No entanto, as
propriedades das representações visuaisespaciais
e os mecanismos pelos quais elas medeiam o
comportamento humano foram esclarecidas
apenas recentemente pela pesquisa cognitiva. O
princípio fundamental das teorias analógicas da
representação do conhecimento é que as
propriedades do comportamento humano são
muito ricas para serem explicadas por uma única
forma de representação. De acordo com essa
visão, os estados mentais devem incluir
conteúdos sensoriais e conteúdos verbais. Esta é
a premissa básica da visão de código dual das
representações mentais de Paivio (197116, 197517,
198618), bem como o conceito de “sistema de
símbolos perceptuais” introduzido por Barsalou
(199919; 200320). A teoria de codificação dual de

16
PAIVIO, A. Imagery and verbal processes. New York: Holt Rinehart and
Winston, 1971.
17
PAIVIO, A. Perceptual comparisons through mind’s eye. Memory and
Cognition, v. 3, p. 635-647, 1975.
18
PAIVIO, A. Mental representations: A dual coding approach. New York
and Oxfordshire: Oxford University Press, 1986.
19 BARSALOU, L.W. Perceptual symbol systems. Behavioural and Brain

Sciences, v. 22, p. 577-609, 1999.


63
Paivio (1971) tem sido uma das mais úteis
distinções teóricas no campo da memória. Dado o
seu valor explicativo, a teoria de codificação dupla
de Paivio permaneceu substancialmente
inalterada até o presente momento.
A teoria assume que o comportamento cognitivo é
mediado por dois sistemas independentes, mas
interconectados, que são especializados para
codificar, organizar, armazenar, transformar e
recuperar informações. O sistema verbal é
considerado como um modo de representação
mais abstrato e lógico, enquanto o sistema de
imagens é assumido como um modo analógico
mais concreto. As suposições mais importantes
da teoria dizem respeito à independência e
interconectividade dos dois sistemas.
"Independência" significa que qualquer sistema
pode funcionar ou ser influenciado isoladamente
do outro; "interconexão" significa que a
informação pode ser transferida de um sistema
para outro. Um corolário importante do
pressuposto da independência é que os dois
códigos podem ser aditivos em seus efeitos
(Paivio, 1975, 1986, 1991).

20
BARSALOU, L.W. Abstraction in perceptual symbol system. The Royal
Society, published on line, 22 May 2003.
64
As representações analógicas diferem
acentuadamente das representações
proposicionais (Paivio, 1971, 1986, 1991). O que
distingue os aspectos analógicos de nossas
memórias de outros aspectos e, mais geralmente,
das representações proposicionais é que as
representações analógicas correspondem de
maneira não arbitrária aos objetos ou eventos
externos que eles representam. Mais
especificamente, existe algum grau de
“isomorfismo” entre um objeto no mundo e sua
representação analógica na mente da pessoa.
Esse tipo de complementaridade pode ser
esquemático, incluindo apenas características
salientes de um objeto ou informações globais
sobre a estrutura do objeto, ou pode ser mais
concreto, incluindo informações métricas
(espaciais) sobre forma e tamanho. A evidência
consistente com representações e processos
analógicos é muito extensa para ser discutida
aqui. Para dar ao leitor o sabor desse longo e
acalorado debate, mencionaremos alguns
resultados bem conhecidos, que são comumente
considerados um marco na pesquisa sobre
imagens visuais, a saber, os experimentos de
Shepard e Metzler (197121) sobre rotação mental.

21
SHEPARD, R.N.; METZLER, J. Mental rotation of three dimensional objects.
65
Esses autores descobriram que o tempo para
julgar se dois desenhos de linha representavam o
mesmo objeto tridimensional era uma função
linear da disparidade angular entre duas figuras.
Esse resultado, que gerou ampla discussão
dentro do campo, foi tomado como a primeira e
mais notável evidência de que os eventos e
transformações mentais durante a rotação mental
são semelhantes aos que ocorrem durante a
percepção do mesmo evento real. A mente, de
acordo com essa visão, passa por estados
intermediários que correspondem aos estados
intermediários pelos quais ela passa enquanto
percebe. Durante os últimos vinte anos, a
pesquisa em cognição passou de meras
demonstrações do papel funcional das
representações visuo-espaciais na memória para
investigações das propriedades e formato de tais
representações, de sua relação com a memória
de trabalho e a memória de longo prazo verbal /
semântica , bem como com informações não
visuais abstratas. Atenção tem sido dedicada à
questão geral de quais processos (e
representações relacionadas) servem para o uso
da memória visual-espacial. De fato, há amplo
consenso de que a memória visuo-espacial não

Science, v. 171, p. 701-703, 1971.


66
pode ser investigada isoladamente, nem ser
considerada uma estrutura monolítica. Pelo
contrário, a literatura oferece fortes evidências de
que a memória visuo-espacial pode tanto exceder
como ainda ser influenciada por processos
abstratos / verbais. Embora essas duas
descrições da relação entre linguagem e
pensamento possam parecer conflitantes, a
pesquisa em vários domínios da memória
perceptiva sugere que ambas podem ser
precisas. Por exemplo, a capacidade das pessoas
de reconhecer com êxito as cores, formas faciais
e não verbais difíceis de verbalizar revela o grau
substancial de conhecimento que muitas vezes
transcende a habilidade linguística. No entanto,
esses domínios não estão imunes à influência da
linguagem, como revelado pela vantagem do
reconhecimento de cores facilmente nomeadas,
pelo impacto das informações verbais pós-evento
na memória de rostos e pela influência de rótulos
verbais na memória para a forma. Em resumo, as
representações cognitivas podem exceder e ainda
serem influenciadas pela linguagem.
A discussão sobre as representações mentais
está estritamente relacionada à teoria cognitiva
moderna, mas pode estar aberta a considerações
críticas que estão presentes na história do

67
pensamento. Recentemente, pesquisadores
argumentaram que o valor das representações na
ciência cognitiva foi exagerado. Muitos desses
pesquisadores sugeriram que devemos eliminar
representações de modelos cognitivos e focar na
relação entre o sistema cognitivo e o ambiente ou
na dinâmica sub-representacional dos sistemas
cognitivos. No entanto, em defesa do conceito de
“representação”, outros autores propuseram uma
interpretação diferente ao introduzir a noção de
um “estado mediador” como um campo comum no
estudo da cognição, ao analisar o uso de
representações mentais em teorias psicológicas e
Markman e Dietrich (199822) sugeriram duas
questões centrais que, na visão deles, uma
defesa da representação deveria tratar: primeiro,
uma defesa da representação deveria esclarecer
a noção central de representação que parece ser
comum à maioria das abordagens do
processamento cognitivo; a fim de fornecer a base
filosófica para o uso da representação em
modelos cognitivos.Em segundo lugar, uma
defesa da representação deve analisar como o
conceito é usado em modelos cognitivos na

22
MARKMAN, A.B.; DIETRICH, E. In defense of representation as mediation.
Psycoloquy, v. 9, p. 48, 1998.

68
prática, isto é, os aspectos pragmáticos da
representação.
Como definido por Markman e Dietrich (1998)
“estados mediadores são estados internos de um
sistema cognitivo que carregam informações
sobre o ambiente externo ao sistema e são
utilizados pelo sistema no processamento
cognitivo”. Os estados mediadores formam uma
base comum no estudo da cognição, na medida
em que todas as teorias cognitivas postulam a
existência de estados mediadores. Markman e
Dietrich (1998; 2000) especificam
as características de um estado mediador em
termos das quatro condições necessárias e
conjuntamente necessárias: (a) Existe alguma
entidade com estados internos que sofrem
mudanças. (b) Existe um ambiente externo ao
sistema que também muda de estado. (c) Existe
um conjunto de relações informacionais entre
estados no ambiente e os estados internos ao
sistema. As informações devem fluir nos dois
sentidos, do ambiente para o sistema e do
sistema para o ambiente. (d) O sistema deve ter
processos internos que atuam e são influenciados
pelos estados internos e suas mudanças. Nessa
perspectiva, o rótulo "representação" pode ser
restrito a um subconjunto específico de estados

69
mediadores. Por exemplo, pode-se referir a
representações como apenas aqueles estados
mediadores com um tipo particular de conteúdo
(por exemplo, proposicional). Markman e Dietrich
(1998; 200023) argumentam que essa maneira de
restringir os estados mediadores a subconjuntos
específicos pode não ser crítica para a maioria
das explicações cognitivas, mas sim ter um papel
na teoria do conteúdo. Dado que todos os
cientistas cognitivos (mesmo
antirepresentationalists) concordam que os
sistemas cognitivos incluem algum tipo de
estados internos que carregam contente (ou seja,
eles aceitam a existência de estados
mediadores), essa definição, de acordo com
esses autores, fornece uma boa explicação para a
discussão sobre representações e processos na
cognição. Do ponto de vista dos estados
mediadores, pode-se conciliar a aparente
discordância entre representacionistas e anti-
representacionalistas.
Markman e Dietrich (1998) argumentam que os
desacordos sobre se há representações são
melhor compreendidos em termos de estados
mediadores, pois diferentes pesquisadores

23
MARKMAN, A.B.; DIETRICH, E. In defense of representation. Cognitive
Psychology, v. 40, 138-171, 2000.

70
focalizando diferentes aspectos da cognição e
usando diferentes tipos de estados mediadores
serão capazes de explicar o que estão
observando. Segundo os autores, essa definição
de um estado mediador é bastante geral.
Pretende-se capturar a noção geral de que existe
informação interna usada por organismos ou
sistemas que medeiam entre a informação
ambiental que entra e o comportamento que sai.
Como conseqüência, essa noção pode ser aquela
com a qual todos os cientistas cognitivos podem
concordar. No entanto, o debate atual revela que
nem todos os cientistas cognitivos concordam
com o conceito de mediação de estados proposto
por Markman e Dietrich (1998). Por exemplo,
Clapin (199824) argumenta que nem todos os
estados representacionais internos carregam
informações sobre seus conteúdos e que ser um
estado mediador não é essencial para ser uma
representação. Na verdade, argumentam eles,
embora muitas pessoas pensem que a
informação é a base de uma teoria do conteúdo
representacional, elas não sugerem que todo
estado representacional seja portador de
informações. Portanto, a noção de Markman &

24
CLAPIN, H. Information is not representation. Psycholoquy, v. 9, p. 64,
1998.
71
Dietrich de um estado mediador não é aquela que
pode formar a base de todos os relatos de
representação (Clapin, 1998). Como uma
abordagem alternativa, Clapin (1998) sugere uma
taxonomia cuidadosa de quais propriedades
representacionais são necessárias para quais
processos cognitivos, sem assumir que todas as
representações compartilham todas as mesmas
propriedades. Em suma, o atual estado da arte
revela que o debate sobre a natureza da cognição
ainda é vívido e produtivo, e provavelmente
impulsionará nosso conhecimento da mente
humana por um longo tempo

Cognição e Emoção
Nossas vidas intrapsíquicas são dominadas por
dois tipos de fenômenos: pensamentos (mais
formalmente, cognição) e sentimentos (mais
formalmente, emoção). Ambos são eventos
internos que não podem ser diretamente
observados pelos outros e, nesse sentido
importante, são subjetivos ou pelo menos
particulares a uma pessoa. Ambos são
parcialmente dependentes de eventos no
ambiente, mas parcialmente independentes deles
também. De fato, uma razão importante pela qual

72
temos pensamentos e sentimentos é
presumivelmente dissociar estímulos e respostas
e, portanto, permitir uma maior flexibilidade no
comportamento. No entanto, parece haver
diferenças importantes entre pensamentos e
sentimentos. Os pensamentos se prestam a
palavras ou conteúdo proposicional, enquanto os
sentimentos parecem não ter esse conteúdo
proposicional. Os pensamentos muitas vezes
parecem seguir uma cadeia ordenada de
raciocínio, enquanto os sentimentos parecem
operar de maneiras que às vezes não fazem
sentido lógico.
De fato, os filósofos gregos fizeram uma distinção
nítida entre pensamentos e sentimentos. Eles
sugeriram que os pensamentos são a fonte da
racionalidade e da conduta apropriada, ao passo
que seguir os sentimentos muitas vezes poderia
nos colocar em problemas. A ideia de que
pensamentos e sentimentos são fontes distintas
de influência permeia muitas das principais obras
literárias da civilização ocidental. De Platão a
Santo Agostinho a Shakespeare, a cabeça (o
presumido locus da racionalidade) e o coração (o
suposto locus da emotividade) sugerem diferentes
cursos de ação e muitas vezes conflitam.
Tipicamente, mas talvez não em todos os reinos

73
(por exemplo, o namoro), considera-se mais
funcional seguir a cabeça do que o coração. Nos
anos 90, três livros de proeminentes
neurocientistas questionaram essa sabedoria
convencional. LeDoux (199625) revisou evidências
para a idéia de que áreas emocionais do cérebro
(e particularmente a amígdala) poderiam reagir
mais rapidamente e talvez mais decisivamente a
ameaças físicas ao organismo do que caminhos
corticais (mais baseados no pensamento).
Panksepp (199826) argumentou que lesões
corticais em animais - preservando as áreas
emocionais do cérebro - freqüentemente resultam
em comportamentos que fazem mais sentido a
partir de uma perspectiva biológica funcional.
Damasio (199427) estendeu essa análise aos
seres humanos. Principalmente com base em
estudos de casos envolvendo indivíduos com
danos cerebrais, concluiu-se que os danos às
regiões do cérebro que processam as emoções,
mesmo no contexto de capacidades cognitivas
intactas, resultam em decisões problemáticas e
comportamentos interpessoais impulsivos e
imprudentes. O presente volume geralmente não

25
LEDOUX, J. E. The emotional brain: The mysterious underpinnings of
emotional life. New York: Simon & Schuster, 1996.
26
PANKSEPP, J. Affective neuroscience: The foundations of human and
animal emotions. New York: Oxford University Press, 1998.
27
DAMASIO, A. Descartes’ error. New York:Grosset/Putnam, 1994.
74
se concentra na questão de se os pensamentos
(cognição) ou sentimentos (emoção) são mais
funcionais. Tornou-se cada vez mais evidente que
a cognição e a emoção muitas vezes interagem e
talvez não sejam entidades isoladas.
Há fortes, mas muitas vezes conflitantes,
afirmações teóricas sobre cognição e emoção na
literatura psicológica. Essas declarações foram
influentes e provavelmente contêm um grão de
verdade. No entanto, e à luz das presentes
contribuições, todas essas declarações são
provavelmente muito fortes, dadas as evidências.
Assim, em cada caso, favorecemos uma posição
mais moderada. Um livro importante de LeDoux
(1996) revisou inúmeros resultados do trabalho
com roedores, favorecendo uma independência
de cognição e emoção em termos neurais.
Seguindo, mas refinando as sugestões anteriores,
sugeriu-se que a amígdala é uma estrutura
cerebral fundamental mediando reações
emocionais a ameaças potenciais que não são
mediadas cognitivamente. Consistente com este
ponto, a amígdala desempenha um papel
importante em reações muito básicas a ameaças
potenciais, como luta ou fuga. Com base nesses
dados, LeDoux (1996) geralmente parecia
favorecer rotas de processamento distintas para

75
cognição e emoção. No entanto, ele também
analisa evidências de não-independência. De fato,
há considerável conversa cruzada entre as
estruturas cerebrais tipicamente consideradas
mais cognitivas versus mais emocionais. Além
disso, revise evidências de que recursos
cognitivos são frequentemente necessários para a
amígdala reconhecer e responder a estímulos
ameaçadores. Perseguindo esse tema da
independência, há casos em que cognição e
emoção, ou pelo menos racionalidade e emoção,
parecem ter objetivos opostos. Por exemplo,
Mischel, Shoda e Rodriguez (1989) confrontaram
racionalidade e emocionalidade em uma tarefa
clássica de atraso de gratificação em que comer
um único marshmallow agora (que o sistema
emocional presumivelmente favoreceria) impedirá
que dois marshmallows sejam mais tarde (o que o
sistema racional presumivelmente favoreceria).
Este teste simples foi mostrado para prever
diferenças individuais no autocontrole na
adolescência e na idade adulta. Alguns dilemas
morais também parecem efetivamente colocar os
sistemas racional e emocional um contra o outro.
Por exemplo, as pessoas costumam reagir
negativamente a ter que matar outra pessoa,
mesmo que isso seja racionalmente a melhor

76
solução para o dilema. No entanto, também há
inúmeros resultados desafiando a ideia de que a
cognição e a emoção sempre operam
independentemente. Por exemplo, existem muitas
construções - como estresse, preocupação,
depressão e ansiedade - que possuem
características cognitivas e emocionais que
funcionam em conjunto. A preocupação, por
exemplo, é um híbrido de afeto negativo e
pensamento repetitivo orientado para o futuro.
Talvez mais diretamente, manipulações
relacionadas à interpretação cognitiva,
envolvendo avaliação ou reavaliação, têm um
efeito profundo nas reações emocionais a
estímulos e situações. Além disso, há evidências
consideráveis para a ideia de que as
manipulações da emoção impactam a cognição, a
memória e o julgamento de maneiras que são
sistemáticas e robustas. Tais resultados não
poderiam ocorrer se a cognição e a emoção
fossem entidades inteiramente independentes e
encapsuladas. Em resposta à questão de saber
se a cognição e a emoção operam
independentemente, então, sugerimos que a
resposta talvez seja às vezes, mas
definitivamente não sempre.

77
A cognição é necessária
para a emoção?
Lazarus (198428) sugeriu que a cognição é
necessária para a emoção. Com isso, ele quis
dizer que não podemos reagir emocionalmente a
uma situação até interpretarmos seu significado
pessoal. Por exemplo, não podemos reagir com
tristeza a uma perda até que a interpretemos
como tal. Há certamente evidências de que
podemos prever as respostas emocionais das
pessoas às situações, conhecendo suas
interpretações delas. Por outro lado, considere os
resultados potencialmente importantes de
Reisenzein e Hofmann (199329). Eles
apresentaram as pessoas com cenários, mediram
suas interpretações de maneira abrangente e
também avaliaram as reações emocionais aos
cenários. Se interpretações de situações fossem
necessárias para entender seu impacto nas
reações emocionais, o controle das interpretações
deveria eliminar o impacto delas na previsão de
reações emocionais. Em essência, e de acordo

28
LAZARUS, R. S. On the primacy of cognition. American Psychologist, v. 39,
p. 124–129, 1984.
29
REISENZEIN, R.; HOFMANN, T. Discriminating emotions from appraisal-
relevant situational information: Baseline data for structural models of cognitive
appraisals. Cognition and Emotion, v. 7, p. 271–293, 1993.
78
com a visão de Lazarus (199130), interpretações
ou avaliações mediam e explicam completamente
o impacto emocional de situações relevantes para
a emoção. Isso simplesmente não foi o caso. As
situações previam reações emocionais mesmo
após o controle de uma série de avaliações
relevantes. Em outras palavras, e
De acordo com a análise de LeDoux (1996), há
provavelmente alguns determinantes não
cognitivos das reações das pessoas aos
estímulos emocionais. A visão de avaliação
cognitiva de Lazarus (1984) das emoções resultou
em um corpo de pesquisa mostrando que existem
relações sistemáticas entre avaliações cognitivas
autorreferidas e reações emocionais
autorreferidas. Tais resultados, no entanto, são
essencialmente de natureza correlacional, e uma
dependência quase exclusiva de medidas
autorreferidas é agora considerada limitadora, até
mesmo pelo próprio Lazarus (199531). Felizmente,
há um punhado de investigadores de avaliação
conduzindo trabalhos experimentais inovadores
na área. Entre outros pontos, eles sugerem que é
uma tarefa intratável mostrar que toda reação

30
LAZARUS, R. S. (1991). Emotion and adaptation. New York: Oxford
University Press, 1991.
31
LAZARUS, R. S. (1995). Vexing research problems inherent in cognitive-
mediational theories of emotion—and some solutions. Psychological Inquiry,
v. 6, p. 183–196, 1995.
79
emocional é cognitivamente mediada. A posição
doutrinária de Lázaro (1984) foi substituída por
uma em que há maior nuance na compreensão de
quando, como e por que a cognição desempenha
um papel importante na compreensão das
reações emocionais. A cognição também é agora
definida em termos mais amplos. Por exemplo,
revise a evidência para a idéia de que as
manipulações de atenção seletiva, independente
da avaliação cognitiva, têm uma influência causal
na medida em que as pessoas experimentarão
ansiedade ao encontrar um estressor.

Emoção afeta a cognição?


Principalmente com base nos resultados que
envolvem o mero efeito de exposição, Zajonc
(198032) sugeriu que as respostas afetivas a um
estímulo precedem uma interpretação cognitiva
desse estímulo. O mero efeito de exposição é
aquele em que apresentações repetidas de um
estímulo resultam em maior gosto por ele.
Estudos mostraram que meros efeitos de
exposição podem ser obtidos quando estímulos
são apresentados subliminarmente. Há também

32
ZAJONC, R. B. Feeling and thinking: Preferences need no inferences.
American Psychologist,
v. 35, p. 151–175, 1980.
80
estudos mostrando que as apresentações
subliminares de estímulos afetivos podem
influenciar as avaliações de alvos subsequentes e
neutros e desencadear respostas de
condutividade da pele, atividade muscular facial e
atividade cerebral na amígdala. Essa linha de
pesquisa certamente estabelece que as
apresentações subliminares podem influenciar a
resposta emocional, mas mostra que o afeto
precede a cognição? Não, não tem. Igualar a
cognição com a percepção consciente é
problemático, porque as apresentações
subliminares também alteram muitos processos
cognitivos, incluindo aqueles relacionados à
preparação semântica, preparação de respostas e
julgamentos que são principalmente de um tipo
cognitivo. Em outras palavras, não se justifica
igualar processos inconscientes àqueles que são
particularmente afetivos por natureza. Fazer isso
é muito influenciado por um modelo freudiano que
se mostrou incorreto.
Com base na análise de Rolls (199933), Storbeck,
Robinson e McCourt (200634) sugeriram que uma
certa forma básica de cognição - a saber, a

33
ROLLS, E. T. The brain and emotion. New York: Oxford University Press,
1999.
34
STORBECK, J.; ROBINSON, M. D.; MCCOURT, M. E. Semantic processing
precedes affect retrieval: The neurological case for cognitive primacy in visual
processing. Review of General Psychology, v. 10, p. 41–55, 2006.
81
identificação de estímulos - é necessária para
compreender as reações afetivas dos indivíduos.
No entanto, outros resultados na literatura
sugerem que, em certos casos e em certos
paradigmas, o afeto pode estar disponível antes
de tais processos de identificação de estímulos.
Em última análise, portanto, sugerimos que é
errado insistir em uma posição doutrinária na qual
o afeto precede necessariamente a cognição,
embora admitamos a possibilidade de que isso às
vezes seja verdadeiro.
Seguindo considerável precedente, LeDoux
(1996) sugeriu que algumas estruturas
subcorticais (mais proeminentemente, a amígdala,
mas também a ínsula e gânglios da base) se
especializam em processamento emocional,
enquanto estruturas cerebrais corticais (mais
proeminentemente, o córtex frontal, mas também
os córtices sensoriais). especializar-se em
processamento cognitivo. Questionando essa
ideia, Duncan e Feldman Barrett (200735)
sugeriram que tais divisões de trabalho não são
aparentes e que as mesmas estruturas cerebrais
parecem desempenhar tarefas cognitivas e
emocionais. Por exemplo, a amígdala responde a

35 DUNCAN, S.; FELDMAN BARRETT, L. Affect is a form of cognition: A


neurobiological analysis. Cognition and Emotion, v. 21, p. 1184–1211, 2007.
82
eventos incertos de múltiplos tipos, regiões da
resposta do córtex visual à excitação emocional, e
o córtex frontal também é surpreendentemente
responsivo a estímulos e tarefas emocionais. O
que devemos fazer dessas ativações
sobrepostas? Uma resposta é sugerir que as
mesmas estruturas cerebrais respondem a
eventos cognitivos e emocionais, mas que
diferentes grupos de neurônios estão envolvidos.
Em apoio a essa ideia, Bush, Luu e Posner
(200036) descobriram, em sua metanálise, que
diferentes regiões do córtex cingulado anterior
respondem a conflitos cognitivos versus insumos
emocionais. O córtex frontal também é
heterogêneo, e há razões para pensar que
diferentes regiões do córtex frontal medeiam o
processamento emocional versus o controle
cognitivo ou a inibição da resposta. Estudos de
registro unicelular apoiam ainda mais essa
separabilidade do processamento cognitivo e
emocional, em que neurônios em particular são
sintonizados com características cognitivas versus
emocionais de estímulos e tarefas executadas
neles, mesmo nos casos em que tais neurônios
são encontrados nas mesmas estruturas

36
BUSH, G.; LUU, P.; POSNER, M. I. Cognitive and emotional influences in
anterior cingulate cortex. Trends in Cognitive Sciences, 4, 215–222, 2000.

83
cerebrais e de fato próximos. Independentemente
disso, os sistemas cognitivo (por exemplo, é uma
mesa?) E emocional (por exemplo, é positivo ou
negativo?) Têm tarefas muito diferentes para
executar - tarefas que devem necessariamente
recrutar redes neurais diferentes, mas
parcialmente sobrepostas. Além disso, muitos
resultados empíricos sugeriram que esses dois
sistemas podem ser dissociados em numerosos
paradigmas - como os que envolvem efeitos
primários, efeitos sobre julgamentos, estudos
sobre lesões e tomada de decisão moral. Assim,
nossa posição é que cognição e emoção são
fenômenos diferentes. Embora as mesmas
regiões do cérebro e os mesmos índices de
processamento neural possam ser ativados por
estímulos cognitivos e emocionais, os processos
e realizações relevantes precisam ser
distinguidos.
Os teóricos costumam fazer fortes afirmações
sobre cognição e emoção. Estes têm variado de
sugestões de que cognição e emoção são
independentes, que a cognição é necessária para
emoção, que reações afetivas a estímulos
precedem uma análise cognitiva, e que cognição
e emoção não podem ser distinguidas (mais ou
menos todas as possibilidades!). Sugerimos que

84
cada ponto de vista tenha algum mérito durante
algum tempo, mas não pode ser considerado
verdadeiro o tempo todo. A cognição e a emoção,
a nosso ver, podem ser diferenciadas, mas, não
obstante, interagem entre si de múltiplas
maneiras, as nuances que merecem um
tratamento mais completo do que o disponível.

Interações entre atenção


e emoção
No título do seu agora famoso ensaio de 1884,
William James perguntou “What is an emotion?”
(“O que é uma emoção?”) Dentro do campo
nascente da psicologia, James lamentou, “a
esfera estética da mente, seus anseios, seus
prazeres e dores, e sua emoções, foram
ignoradas ”. No entanto, escreveu ele, "os
processos cerebrais emocionais não apenas se
assemelham aos processos cerebrais comuns,
mas na verdade nada mais são do que esses
processos combinados". Questões sobre as
maneiras pelas quais as emoções podem ou não
ser distintas de outros processos cognitivos -
tanto filosoficamente quanto em termos de sua
instanciação física - não se originaram de James,
é claro, mas começaram muito antes. Durante
85
séculos, a razão legal e a paixão moderada foram
vistas como forças mutuamente antagônicas que
disputavam o controle dos comportamentos
humanos. No entanto, embora a competição entre
processos ostensivamente cognitivos e
emocionais possa existir, a mutualidade e a
interação entre os dois podem ser muito mais
comuns. A seguir, discutimos os processos de
competição e cooperação, refletidos no potencial
positivo tardio (LPP), um componente de potencial
relacionado a eventos (ERP) que indexa
alocação sustentada de atenção. Há cada vez
mais evidências de que o LPP reflete o
desdobramento flexível e dinâmico da atenção e,
como tal, representa um veículo ideal para
investigar as interações entre processos
emocionais e cognitivos.

Atenção Visual e Emoção


A qualquer momento, a quantidade de informação
que entra no sistema visual humano excede em
muito os recursos de processamento disponíveis.
Apenas uma pequena fração da informação
disponível no campo visual será atendida, e muito
menos codificada ou lembrada. Para envolver-se
no processo de seleção rápida e eficiente que
86
determina quais informações são atendidas e
quais informações ficam de lado, o cérebro deve
ter mecanismos para garantir que a informação
visual saliente não seja perdida. Acredita-se que
dois mecanismos principais de atenção governem
esse processo de seleção. Mecanismos de
atenção Bottom-up ou exógenos - que se
presume serem rápidos e relativamente
obrigatórios - parecem ser impulsionados pelas
propriedades perceptivas dos estímulos visuais
(por exemplo, movimento ou cor). Acredita-se que
mecanismos top-down, ou endógenos, refletem
metas e intenções constantes do indivíduo e são
relativamente mais lentos para capturar ou
direcionar a atenção. No entanto, os limites claros
desenhados entre os processos bottom-up e top-
down podem ser mais conceitualmente úteis do
que anatomicamente plausíveis. Por exemplo,
apesar da persistência de modelos modulares de
emoção que enfatizam o predomínio da atividade
límbica, evidências recentes sugerem um papel
inicial e substancial do córtex no processamento
de emoções. Da mesma forma, evidências
emergentes sugerem contribuições de áreas
límbicas “emocionais” para mudanças na atenção
espacial. Como o campo da neurociência
cognitiva move-se para uma concepção mais

87
complexa e não-hierárquica de atividade neural
humana que consiste em curso, paralelo, e
coativação interativo através de múltiplas regiões
do cérebro, é evidência emergente sugerir que os
processos de atenção bottom-up e top-down
agem mutuamente e de forma interativa.
Estímulos emocionais, ou estímulos que se
relacionam com imperativos biológicos básicos
(por exemplo, lutar, fugir, afiliar, alimentar ou
acasalar), são exemplos principais de estímulos
que parecem capturar a atenção de uma forma
bottom-up. Muitos argumentaram que,
independentemente dos objetivos contínuos e
idiossincráticos de um indivíduo, os estímulos
emocionais são intrinsecamente motivacionais,
não por causa de suas propriedades perceptivas,
mas por causa de seu conteúdo. Em outras
palavras, a atenção é comandada por imperativos
motivacionais. Consistente com essa visão, há
ampla evidência de que os estímulos emocionais
estão sujeitos ao processamento prioritário. Em
comparação com os estímulos neutros, os sinais
emocionais são detectados com mais facilidade,
capturam e prendem a atenção de forma mais
eficaz e são vistos por mais tempo. Além disso,
alguns argumentaram que o processamento de
estímulos emocionais pode ocorrer

88
independentemente da atenção e da consciência,
sugerindo algum grau de automaticidade. No
entanto, a priorização da atenção aos estímulos
emocionais pode nem sempre ser adaptativa. Por
exemplo, estímulos emocionais irrelevantes para
tarefas podem interferir no comportamento
direcionado por objetivos, retardando os tempos
de reação para direcionar estímulos ou
diminuindo a precisão. A atenção aos estímulos
irrelevantes da tarefa pode até diminuir o
processamento subsequente de estímulos
relevantes para a tarefa. Além disso, embora
possa ser priorizado, o processamento de
estímulos emocionais não é sempre obrigatório ou
automático. De fato, o impacto dos estímulos
emocionais depende criticamente da
disponibilidade de recursos atencionais. Tarefas
envolventes ou desafiadoras que comandam com
mais eficácia os recursos de atenção, por
exemplo, podem interferir no processamento de
estímulos emocionais. Além disso, os estímulos
emocionais podem ser mais ou menos
ressaltados por meio de manipulações de atenção
ou pela alteração das demandas das tarefas.
Ao mesmo tempo, diretivas de cima para baixo e
de baixo para cima podem trabalhar de forma
interativa para influenciar a alocação de atenção -

89
um tópico que é um foco deste capítulo. Além
disso, a natureza competitiva e cooperativa da
atenção no contexto da emoção se desdobra ao
longo do tempo, de modo que diferentes diretivas
podem exercer mais ou menos influência sobre o
curso do tempo do processamento emocional. O
estudo desses processos requer técnicas com
excelente resolução temporal, capazes de indexar
processos dinâmicos.

Atenção e Emoção
A atenção tem duas funções principais em nossa
vida diária. É crucial na seleção e no
processamento de informações relevantes para
as tarefas atuais, e é importante no
processamento de informações novas e
potencialmente relevantes (Allport, 1993). Essas
duas funções às vezes interferem umas nas
outras (por exemplo, para um estudante, a
atenção aos materiais de estudo pode ser
interrompida por pensamentos emocionais sobre
a falha no exame). Indiscutivelmente, a
capacidade de alternar de forma flexível entre
diferentes estímulos em nosso ambiente é crucial
para lidar com esses pensamentos que nos
distraem e é importante para o funcionamento e a
90
resiliência saudáveis. Por outro lado, prejuízos na
capacidade de regular a atenção adaptativamente
durante o processamento de informações
emocionais podem contribuir para a
vulnerabilidade ao estresse e o desenvolvimento
de transtornos emocionais. Considera-se que o
processamento seletivo de material relevante para
um distúrbio desempenha um importante papel
etiológico na manutenção desse distúrbio. O
estudo da atenção emocional tem uma longa
história, com vários teóricos iniciais propondo que
estímulos emocionais carregam propriedades que
influenciam fortemente o processamento da
atenção. Por exemplo, Easterbrook (195937), de
forma influente, afirmou que estímulos ou estados
estimulantes altamente negativos restringem o
foco de atenção. Sua influência na amplitude da
atenção é de amplo interesse para a psicologia
social e clínica hoje. O estudo contemporâneo da
atenção emocional originou-se da psicopatologia
experimental, onde os pesquisadores estudaram
a atenção à informação relevante para a ameaça
em relação à ansiedade. Os resultados revelaram
que indivíduos altamente ansiosos demonstraram
atenção exagerada à ameaça em comparação

37
EASTERBROOK, J. The effect of emotion on cue utilization and the
organization of behavior. Psychological Review, v. 66, p. 183–201, 1959.
91
àqueles com baixa ansiedade. Esses estudos
renovaram o interesse na investigação das
interações básicas de atenção e emoção, e esses
dois campos relacionados continuam como áreas
paralelas de pesquisa atualmente.
É importante esclarecer alguns conceitos básicos
que surgem durante nossa discussão detalhada
posterior da atenção emocional. Primeiro, os
fenômenos atencionais considerados, quase sem
exceção, envolvem atenção seletiva. Este termo
refere-se à seleção, pelo sistema cognitivo, de
certas informações mais salientes, além de outros
materiais menos salientes. Em estudos empíricos,
isso significa que a informação emocional é
apresentada sob condições de competição com
outros estímulos ou com demandas de tarefas.
Muita pesquisa de atenção básica examinou
quando e como essa seleção ocorre e se
características de baixo para cima (por exemplo,
propriedades emocionais de estímulos) e fatores
de cima para baixo (por exemplo, expectativas de
indivíduos) influenciam a seleção. Outro conceito
importante dentro da atenção emocional é o da
automaticidade: a prioridade rápida, eficiente, pré-
consciente e incontrolável de acesso a
processamento atencional adicional que o
material emocionalmente saliente parece possuir.

92
Muitas dessas características da automaticidade
foram estudadas de forma independente, e essas
facetas da automaticidade se repetem ao longo
do capítulo. Finalmente, é importante esclarecer
desde o início que a maioria dos estudos
examinou a atenção emocional por meio da
manipulação das propriedades do estímulo - o
foco principal deste subcapítulo - em vez de
examinar os efeitos de estados de humor
específicos na atenção.

A interação entre
atenção e emoção

Nesta seção, revisamos o estudo da atenção


emocional na população geral, de acordo com a
metodologia utilizada. Os estudos baseiam-se em
paradigmas da psicologia cognitivo-experimental,
nos quais a atenção à informação emocional pode
ser inferida a partir de índices de desempenho
como tempos de reação, taxas de erro,
movimentos oculares e (mais recentemente)
padrões de ativação neural. A maioria dos
estudos investigou o domínio visual-espacial, com
notáveis exceções, incluindo estudos ocasionais
da modalidade auditiva e fenômenos crossmodal.
Os estudos usam palavras emocionais e não

93
emocionais ou estímulos naturalísticos, como
rostos ou imagens. Pesquisas até o momento não
identificaram diferenças sistemáticas entre tais
tipos de estímulo.

O Efeito Emocional de Stroop

O efeito Stroop é um fenômeno que ocorre


quando você deve dizer a cor de uma palavra,
mas não o nome da palavra. Por exemplo, o azul
pode ser impresso em vermelho e você deve dizer
a cor em vez da palavra.

Teste de Stroop Emocional


Na psicologia, a tarefa de Stroop emocional é usada
como uma abordagem de processamento de
informações para avaliar emoções. Relacionado ao
efeito Stroop padrão, o teste emocional de Stroop
funciona examinando o tempo de resposta do
participante para nomear cores de palavras emocionais
negativas. Por exemplo, os participantes deprimidos
serão mais lentos em dizer a cor de palavras
deprimentes do que de palavras não deprimentes.
Indivíduos não-clínicos também foram mostrados para
nomear a cor de uma palavra emocional (por exemplo,
"guerra", "câncer", "matar") mais lento do que nomear a
cor de uma palavra neutra (por exemplo, "relógio",
94
"levantar" , "ventoso"). Enquanto o teste de Stroop
emocional e o efeito clássico de Stroop provocam
resultados comportamentais semelhantes (uma
diminuição nos tempos de resposta a palavras
coloridas), esses testes envolvem diferentes
mecanismos de interferência. O teste clássico de Stroop
cria um conflito entre uma cor incongruente e uma
palavra (a palavra "VERMELHO" na cor da fonte azul),
mas a Stroop emocional envolve apenas palavras
emocionais e neutras - a cor não afeta a desaceleração
porque não entra em conflito com o significado da
palavra. Em outras palavras, os estudos mostram os
mesmos efeitos de desacelerar palavras emocionais em
relação ao neutro, mesmo que todas as palavras sejam
negras. Assim, o Stroop emocional não envolve um
efeito de conflito entre um significado de palavra e uma
cor de texto, mas parece captar atenção e retardar o
tempo de resposta devido à relevância emocional da
palavra para o indivíduo. O teste de Stroop emocional
tem sido amplamente utilizado em estudos clínicos
usando palavras emocionais relacionadas à área de
interesse de um indivíduo em particular, como palavras
relacionadas ao álcool para alguém que é alcoólatra ou
palavras que envolvem uma fobia específica para
alguém com ansiedade ou distúrbios fóbicos. Os testes
clássicos e emocionais de Stroop, no entanto, envolvem
a necessidade de suprimir as respostas à informação
verbal dispersiva, ao mesmo tempo em que mantêm
seletivamente a atenção na cor da palavra para
completar a tarefa.

O Stroop emocional é um dos primeiros e mais


conhecidos métodos experimentais para
demonstrar efeitos de viés de atenção. Quando
palavras coloridas (por exemplo, azul) são
escritas em tintas coloridas concorrentes (por
exemplo, em tinta vermelha), leva mais tempo
para nomear as cores da tinta do que quando são
escritas em cores consistentes (por exemplo, azul
em tinta azul, vermelho em tinta vermelha ). Na

95
versão emocional, a nomeação de cor mais longa
é encontrada para palavras emocionais (por
exemplo, câncer) em comparação com palavras
neutras, especialmente naquelas com distúrbios
emocionais ou vulnerabilidade a elas. Em ambos
os casos, a inferência feita é que o significado da
palavra interfere na atenção seletiva à cor da
tinta, diminuindo assim os tempos de reação, e
essa interferência é maior quando o significado da
palavra é mais saliente para a tarefa ou para o
indivíduo.
Em uma recente meta-análise, Bar-Haim e
colegas (200738) encontraram evidências de
interferência emocional de Stroop, mas apenas
em desenhos bloqueados, nos quais os testes de
uma valência particular foram agrupados.
Essa qualificação, que foi relatada em outros
lugares em amostras não selecionadas, pode ser
devido à exposição cumulativa a estímulos que
ocorre entre os blocos. No entanto, quando o
objetivo principal é fazer inferências sobre a
atenção seletiva, outros métodos são cada vez
mais preferidos, devido à ambigüidade inerente às
inferências que podem ser feitas a partir da

38
BAR-HAIM, Y.; LAMY, D.; PERGAMIN, L.; BAKERMANS-KRANENBURG, M.
J.; VAN IJZENDOORN, M. H. Threat-related attentional bias in anxious and
nonanxious individuals: A meta-analytic study. Psychological Bulletin, 133, 1–
24, 2007.
96
interferência de Stroop. Para dar apenas um
exemplo, o abrandamento dos tempos de reação
para nomear a cor das palavras emocionais
poderia refletir a inibição em vez da seleção
atencional. Ao invés de seletivamente atender e
processar o significado das palavras, os
participantes podem, ao invés disso, estar
implantando recursos atencionais para inibir
ativamente o processamento atencional do
significado saliente, mas irrelevante, da palavra.
Isso também consumiria recursos atencionais e
levaria à interferência da nomeação de cores,
tornando as duas possibilidades indistinguíveis.
No exemplo mais recente do debate sobre a
utilidade e significado dessa tarefa, Algom, Chajut
e Lev (200439) argumentam que “os processos
que sustentam os efeitos clássico e emocional
diferem de maneira qualitativa”. Embora isso
continue sendo uma afirmação forte e contestada,
ele sublinha o que é conhecido há muito tempo:
que as conclusões sobre emoção e atenção, por
si só, dos estudos emocionais de Stroop são, na
melhor das hipóteses, limitadas.

Pesquisa visual
39
ALGOM, D.; CHAJUT, E.; LEV, S. A rational look at the emotional Stroop
phenomenon: A generic slowdown, not a Stroop effect. Journal of
Experimental Psychology: General, 133, 323–338, 2004.
97
A maior literatura sobre a atenção à emoção na
população geral vem de tarefas de busca visual.
Um alvo é apresentado entre uma matriz de
distratores (normalmente de 6 a 12) e deve ser
detectado o mais rápido possível. O atual
consenso sugere que as informações negativas
(especialmente relacionadas à raiva e ao medo,
mas também às tristes e felizes) são detectadas
mais rapidamente e mais perturbadoras do que as
informações neutras. Quase todos os estudos
utilizam estímulos de imagem, como diferentes
expressões faciais ou animais com objetos não
emocionais correspondentes (por exemplo,
aranhas, cobras, flores, cogumelos). Um melhor
controle sobre as diferenças arbitrárias de
percepção é obtido usando-se faces
esquemáticas (desenhos de linhas simples
consistindo de um círculo, boca, olhos e às vezes
sobrancelhas) ou usando estímulos neutros
associados ao medo por meio do
condicionamento. Uma revisão muito útil da
literatura sobre a busca visual de informações
emocionais na população em geral (e abordando
as diferenças individuais no estado) é a de
Frischen e colegas (200840). Concentrando-se

40
FRISCHEN, A.; EASTWOOD, J. D.; SMILEK, D. Visual search for faces with
emotional expressions. Psychological Bulletin, v.134, p. 662–676, 2008.
98
especificamente nas expressões faciais, eles
concluem que os processos de busca visual
preventiva são sensíveis e facilitados pela
informação emocional. A busca visual por
estímulos “biologicamente relevantes” tem sido
um foco particular de interesse em estudos com
voluntários normais, devido à clara previsão de
que esses estímulos devem ser especialmente
eficazes na competição pela seleção atencional.
Esses estímulos são “preparados biologicamente”
para serem associados ao medo, como cobras e
aranhas, e às vezes são contrastados com
estímulos cuja relevância para o medo deve ser
aprendida, como as armas.
Fox, Griggs e Mouchlianitis (200741) não
encontraram nenhuma classe de estímulos de
ameaça mostrou uma vantagem sobre o outro,
embora ambos fossem mais eficientemente
detectados do que imagens de controle neutro
(por exemplo, cogumelos, flores). Lipp e Waters
(200742) mostraram captação de atenção
aumentada para aranhas e cobras (consideradas
como biologicamente temíveis relevantes) em

41
FOX, E.; GRIGGS, L.; MOUCHLIANITIS, E. The detection of fear-relevant
stimuli: Are guns noticed as quickly as snakes? Emotion, v. 7, p. 691–696,
2007.
42
LIPP, O. V.; WATERS, A. M. When danger lurks in the background:
Attentional capture by animal fear-relevant distractors is specific and selectively
enhanced by animal fear. Emotion, v. 7, p. 192–200, 2007.
99
comparação com animais similarmente
desagradáveis que não são considerados
biologicamente preparados (por exemplo, baratas,
lagartos). Por exemplo, Öhman e colaboradores
(200143), usando imagens de cobras, aranhas,
cogumelos e flores, afirmaram que a busca por
estímulos de ameaça ocorreu em paralelo porque
não foi encontrada desaceleração em uma matriz
3 × 3, em comparação a 2 × 2. Eastwood, Smilek
e Merikle (200144) usaram matrizes de 7, 11, 15 e
19 faces esquemáticas. Rostos irritados parecem
ser particularmente eficazes em promover uma
busca rápida e eficiente.

43
ÖHMAN, A.; FLYKT, A.; ESTEVES, F. Emotion drives attention: Detecting the
snake in the grass. Journal of Experimental Psychology: General, v.130, p.
466–478, 2001.
44
EASTWOOD, J. D.; SMILEK, D.; MERIKLE, P. M. Differential attentional
guidance by unattended faces expressing positive and negative emotion.
Perception and Psychophysics, v. 63, n. 6, p. 1004–1013, 2001.
100
Capítulo 3
A organização do
conhecimento
na mente

R
obert J. Sternberg, Karin Sternberg e Jeff Mio (2012),
das universidades Oklahoma State University e
California State University (EUA), escreveram em seu
livro Cognitive Psychology, Sixth Edition, que acredite ou não há
um savante em todos nós. Pessoas com autismo que têm uma
habilidade extraordinária têm sido chamadas de autistas savants.
Suas habilidades muitas vezes nos deixam incrédulos - eles
podem multiplicar números grandes em uma fração de segundo,
lembrar grandes quantidades de dados, ou podem se lembrar de
qualquer detalhe com sua memória fotográfica. Mas as pessoas
que são autistas não podem ser tão diferentes de nós. A pesquisa
sugere que todos nós podemos possuir esses talentos, mas eles
são parte do processamento de informações de baixo nível que
normalmente não usamos, porque pensamos em um nível mais
alto que é orientado pelo conceito e permite comparações
multissensoriais. Para as pessoas autistas, esse processamento
de baixo nível é automático e natural. Embora geralmente não
consigamos controlar conscientemente nossa atividade cerebral,
estudos mostraram que as pessoas podem aprender a se tornar
sensíveis ao processamento de baixo nível e obter acesso
101
àqueles primeiros estados de processamento que geralmente são
inconscientes. Isso abre novas possibilidades para o
comportamento e a autoconsciência (Birbaumer45, 1999, citado
pelo autor).
Neste capítulo, aprenderemos como organizamos conceitos em
nossas mentes e como esses conceitos nos ajudam a pensar e a
organizar o que sabemos.

Conhecimento declarativo versus


conhecimento processual
Anterioriormente descrevemos como o
conhecimento pode ser representado na forma de
proposições e imagens. Agora, exploraremos
como nosso conhecimento pode ser organizado
para que possamos recuperá-lo quando
precisamos. Nós expandimos essa discussão
para incluir vários meios de organizar o
conhecimento declarativo que podem ser
expressos em palavras e outros símbolos (ou
seja, "sabendo disso"). John sabia que tinha que
ligar para o 911, e que para isso precisaria entrar
em uma área com recepção de celular. Considere
seu próprio conhecimento dos fatos sobre
psicologia cognitiva, sobre a história do mundo,
sobre sua história pessoal e sobre matemática.
45 BIRBAUMER, N. Rain man’s revelations. Nature, v. 399, p. 211–212, 1999.
102
Seu conhecimento nessas áreas depende da sua
organização mental do conhecimento declarativo.
Além disso, este capítulo descreve alguns dos
modelos para representar o conhecimento
procedural. Este é o conhecimento sobre como
seguir as etapas do procedimento para executar
ações (ou seja, "saber como"). Por exemplo, seu
conhecimento de como dirigir um carro, como
escrever sua assinatura, como andar de bicicleta
até a mercearia mais próxima e como pegar uma
bola depende de sua representação mental do
conhecimento procedural. Alguns teóricos até
sugeriram modelos integrativos para representar o
conhecimento declarativo e procedural. Para ter
uma ideia de como o conhecimento declarativo e
procedural pode interagir, pegue um pedaço de
papel e uma caneta ou lápis. Experimente a
demonstração em Investigando a Psicologia
Cognitiva: Testando seu Conhecimento
Declarativo e Processual. Além de procurar
compreender o que (a forma ou estrutura) da
representação do conhecimento, os psicólogos
cognitivos também tentam compreender como (os
processos) da representação e manipulação do
conhecimento. Aqui estão algumas das questões
que exploramos neste capítulo:

103
• Quais são alguns dos processos gerais pelos
quais selecionamos e controlamos a matriz
desorganizada de dados brutos disponíveis para
nós através de nossos órgãos dos sentidos?
• Como relacionamos essas informações
sensoriais com as informações que temos
disponíveis a partir de fontes internas de
informação (ou seja, nossas memórias e nossos
processos de pensamento)?
• Como organizamos e reorganizamos nossas
representações mentais durante vários processos
cognitivos?

Investigando a Psicologia Cognitiva


Testando seu conhecimento declarativo e processual
O mais rápido e legível possível, escreva sua assinatura
normal, desde a primeira letra do seu primeiro nome até a
última letra do seu sobrenome. Não pare para pensar sobre
quais letras vêm em seguida. Basta escrever o mais rápido
possível. Vire o papel. O mais rápido e legível possível,
escreva sua assinatura para trás. Comece com a última
letra do seu sobrenome e trabalhe em direção à primeira
letra do seu primeiro nome. Agora, compare as duas
assinaturas. Qual assinatura foi criada com mais facilidade e
precisão? Para ambas as assinaturas, você tinha disponível
um amplo conhecimento declarativo de quais letras
precediam ou se seguiam. Mas, para a primeira tarefa, você
também poderia invocar conhecimento procedural, baseado
em anos de saber como assinar seu nome.

104
• Por quais processos mentais operamos no
conhecimento que temos em nossas mentes?
• Até que ponto esses processos são dominantes
em geral - comuns a vários tipos de informações,
como informações verbais e quantitativas?
• Por outro lado, até que ponto esses processos
são específicos do domínio - usados apenas para
tipos específicos de informações, como
informações verbais ou quantitativas?
Representação e processamento de
conhecimento têm sido investigados por
pesquisadores de várias disciplinas. Entre esses
pesquisadores estão psicólogos cognitivos,
neuropsicólogos e cientistas da computação que
estudam IA (inteligência artificial), que tenta
programar máquinas para realizar de forma
inteligente. As diversas abordagens que os
pesquisadores adotam ao investigar a
representação do conhecimento promovem a
exploração de uma ampla gama de fenômenos.
Eles também incentivam múltiplas perspectivas de
fenômenos semelhantes. Finalmente, eles
oferecem a força de operações convergentes - o
uso de múltiplas abordagens e técnicas para
resolver um problema. Além de satisfazer sua
própria curiosidade, por que tantos pesquisadores
querem entender como o conhecimento é

105
representado? O modo como o conhecimento é
representado influencia profundamente a eficácia
com que o conhecimento pode ser manipulado
para realizar qualquer número de tarefas
cognitivas. Para ilustrar a influência da
representação do conhecimento através de uma
analogia muito grosseira, tente a seguinte tarefa
de multiplicação usando uma representação em
numerais romanos ou arábicos:

CMLIX
x LVIII

ou

959
x 58

As duas tarefas de multiplicação são exatamente


as mesmas, mas a representação em algarismos
romanos provavelmente torna muito mais difícil
para você calcular a solução, não é?
Neste capítulo, primeiro vemos mais de perto
como o conhecimento declarativo (conceitos) é
organizado em nossas mentes. Consideramos
teorias de como os conceitos podem ser
agrupados em categorias e como podem ser
organizados por meio de redes e esquemas
semânticos. Então passamos para a

106
representação do conhecimento procedural. Por
fim, exploraremos modelos que tentam combinar
a representação do conhecimento declarativo e
procedural.

Memórias

Conforme o CENSUPEG (2018) e izquierdo e


colaboradores (2013), temos vários tipos de
memória:

A memória visual imediata permite a criança


reconhecer imediatamente os estímulos
apresentados. Quando ele é pobre, a criança não
consegue reter as informações. Ela se torna
necessária para a ortografia.

Quando a memória auditiva é deficitária as


crianças não conseguem seguir instruções
longas, onde as instruções devem ser dadas em
partes. Estas crianças acabam tendo dificuldades
para recordar certas palavras , usualmente dizem
“essa coisa” no lugar da palavra.

A memória auditiva imediata para letras e


números é uma destreza do hemisfério esquerdo
e, memorizar ritmos, melodias, tom e inflexão de

107
voz são destrezas do lado direito. Para memorizar
as combinações de letras com os sons é uma
destreza que exige ação de ambos os
hemisférios.
Existe também a memória cinestésica ande a
criança necessita tocar para aprender e poder
reter a informação.

O processo de memorização
passa por quatro fases

Fixação ou registro das lembranças –


apreensão perceptiva do fato onde a motivação, a
atenção e a afetividade fazem toda a diferença.

Armazenamento – o que é percebido é


comparado com outras informações e
armazenado.

Evocação – se faz uso das lembranças de forma


espontânea e voluntária quando se torna
consciente com uma determinada finalidade.

Reconhecimento – que é a identificação da


lembrança evocada. O nosso cérebro é inimigo da
incoerência. O que não tem significado não fica
armazenado.
A memória visual é básica para a aprendizagem
da leitura e da escrita. Quando a memória visual
108
imediata é deficitária, temos que buscar outras
estratégias para compensar este déficit.
Quando a memória auditiva é deficitária, o aluno
tem dificuldades em seguir as instruções.

Tipos de memória

Memória de curto prazo (memória imediata ou


memória de trabalho). Memória de longo prazo
que é dividida em: Memória sensorial: (auditiva e
visual);

Memória declarativa: (memória explícita que é o


que a gente recorda); Memória episódica:
(memória biográfica que guarda dados do
acontecido em um determinado espaço e tempo);
Memória semântica: (memória geral para fatos
do mundo, regras e tabuadas); Memória
processual: ( memória para habilidades e
hábitos).
109
Processamento da informação

Registro ou memória sensorial – a informação é


captada pelos sentidos e são selecionadas com
base na importância. Se não fosse assim, nós
teríamos um curto circuito no nosso cérebro.
Memória de curto prazo – a informação que não
foi descartada fica para ser usada na memória de
trabalho. A memória imediata é acionada por
cerca de 30 segundos para que possamos
determinar a sua importância.
Depois que a memória de trabalho reuniu,
separou e trabalhou as informações, ela vai ser
armazenada em outro local.

Recordando a memória e seus


tipos e mecanismos
Agora examinamos as definições e características gerais dos principais tipos
de memórias de acordo com sua função, conteúdo e duração, as áreas
cerebrais responsáveis por elas e os mecanismos moleculares sinápticos
envolvidos na formação e extinção dos diversos tipos de memórias nessas
áreas. Damos particular destaque a alguns aspectos de sua biologia, com
alguma ênfase na memória de trabalho, na memória de curta duração e na
memória de extinção, comentando os principais processos fisiológicos
responsáveis por sua formação, evocação e extinção, assim como sobre sua
modulação por sistemas cerebrais e periféricos.

110
A seguir recordaremos os tipos e os mecanismos da memória
segundo Iván Antonio Izquierdo, Jociane de Carvalho Myskiw,
Fernando Benetti, e Cristiane Regina Guerino Furini (2013), com
relação ao conteúdo, as memórias podem
ser divididas em dois grandes grupos: as declarativas (eventos,
fatos, conhecimentos) e as de procedimentos ou hábitos, que
adquirimos e evocamos de maneira mais ou menos automática
(andar de bicicleta, usar um teclado). Na memória declarativa
participam o hipocampo (uma região cortical filogeneticamente
antiga), a amígdala, ambos localizados no lobo temporal, e várias
regiões corticais (pré-frontal, entorrinal, parietal, etc.), enquanto,
nas memórias de procedimentos ou hábitos, o hipocampo parece
estar envolvido apenas nos primeiros momentos após o
aprendizado, sendo elas dependentes basicamente de circuitos
subcorticais que incluem o núcleo caudato e circuitos cerebelares.
Denomina-se amnésia, em geral, a perda de memória declarativa,
pois as doenças que a provocam afetam em maior proporção as
áreas vinculadas com esse tipo de memória. A depressão é a
causa mais frequente, mas a menos grave. Em geral não se
acompanha de dano neuronal irreversível e, ao tratá-la,
a amnésia desaparece. As demências (de: partícula privativa;
mens: mente) são progressivas e mais graves; envolvem perda
definitiva de neurônios e de funções cerebrais. A demência mais
comum é a doença de Alzheimer, na qual predomina o déficit de
memória. Nela ocorrem lesões nas áreas cerebrais responsáveis
pela memória declarativa (córtex entorrinal, hipocampo), e mais

111
tarde em outras partes do cérebro. A doença de Parkinson, nos
seus estágios avançados (em que ficam comprometidos circuitos
que ligam o núcleo caudato ao córtex), a dependência crônica do
álcool, da cocaína e outras drogas, as lesões vasculares do
cérebro, o traumatismo craniano repetido (no boxe, por exemplo)
e algumas doenças metabólicas (Síndrome de Creutzfeld-Jacob,
doença de Pick), também causam quadros demenciais.

As memórias estão
nas sinapses
Em fins do século XIX, Santiago Ramón y Cajal,
fundador da neurociência, postulou que as
memórias obedecem a modificações da estrutura
e função das sinapses.

Santiago Ramón y Cajal (Petilla de Aragón, 1 de maio


de 1852 — Madrid, 17/18 de outubro de 1934) foi um
médico e histologista espanhol. Considerado o "pai da
neurociência moderna", recebeu o Nobel de Fisiologia ou
Medicina de1906.

112
Nos últimos trinta anos se demonstrou que isso é
verdade, e agora conhecemos as alterações
moleculares sinápticas que subjazem à formação,
persistência e evocação das memórias em muitas
regiões encefálicas. Denominam-se sinapses as
junções entre neurônios, geralmente entre as
terminações de seus prolongamentos. Chamam-
se axônios os prolongamentos que se dirigem a
outros neurônios, e dendritos aqueles sobre os
quais terminam os axônios. A maioria das
sinapses funciona através da liberação de
substâncias denominadas neurotransmissores, os
quais se ligam a proteínas específicas
denominadas de receptores, e sua ativação
desencadeia sequências complexas de processos
moleculares. Os neurotransmissores podem
estimular ou inibir o neurônio seguinte. O
neurotransmissor excitatório mais comum é o
glutamato, e o inibitório mais comum é o ácido
gama-amino-butírico. Outros neurotransmissores
(dopamina, noradrenalina,
serotonina e acetilcolina) desempenham em geral
funções moduladoras (ver adiante), relacionadas
com as emoções, o alerta e o estado de ânimo.
Sua liberação está alterada na ansiedade e na
depressão.

113
Função e duração
das memórias

Todas as memórias são associativas: se


adquirem através da ligação entre um grupo de
estímulos (um livro, uma sala de aula) e outro
grupo de estímulos (o material lido, aquilo que se
aprende; algo que causa prazer ou penúria). O do
segundo grupo, que é de maiores consequências
biológicas, chama-se estímulo condicionado ou
reforço. Em algumas formas de aprendizado,
associa-se um grupo de estímulos com a
ausência do outro ou de qualquer outro. A forma
mais simples dessas formas de “aprendizado
negativo” associa um estímulo repetido (um som,
uma cena) com a falta de qualquer consequência;
esse tipo de aprendizado se chama habituação.
Permite que seja possível trabalhar em ambientes
cheios de ruídos, ou dormir em ambientes
iluminados, por exemplo. Alguns autores
consideram a habituação uma memória não
associativa.
Do ponto de vista da função, há um tipo de
memória que é crucial tanto no momento da
aquisição como no momento da evocação de toda
e qualquer outra memória, declarativa

114
ou não: a memória de trabalho.
Operacionalmente, representa aquilo que a
memória RAM representa nos computadores:
mantém a informação “viva” durante segundos ou
poucos minutos, enquanto ela está sendo
percebida ou processada. Essa forma de memória
é sustentada pela atividade elétrica de neurônios
do córtex pré-frontal, em rede via córtex entorrinal
com o hipocampo e a amígdala, durante a
percepção, a aquisição ou a evocação. A
memória de trabalho dura segundos e não deixa
traços: depende exclusivamente da atividade
neuronal on line. Um exemplo é a terceira palavra
da frase anterior: durou 2 ou 3 segundos, para dar
sentido à frase e conectá-la com a seguinte, mas
já desapareceu de nossa memória para sempre.
Na esquizofrenia há falhas graves da memória de
trabalho, que causam uma percepção distorcida
ou alucinatória da realidade.

Memórias
As memórias que persistem além de segundos
denominam-se memória de curta duração e
memória de longa duração.

Memória de curta duração

115
A primeira dura 0,5-6 horas e utiliza processos
bioquímicos breves no hipocampo e córtex
entorrinal, largamente estudados em nosso
laboratório.

Memória de longa

A memória de longa duração perdura muitas


horas, dias ou anos. Quando dura anos,
denomina-se remota. Sua formação requer uma
sequência de passos moleculares que dura de 3 a
6 horas, no hipocampo, nos núcleos amigdalinos,
e em outras áreas, durante as quais é suscetível a
numerosas influências.
A memória de curta duração mantém a cognição
funcionando durante as horas que a memória de
longa duração leva até adquirir sua forma
definitiva. Equivale a “morar num hotel enquanto
constroem sua casa”.

A construção da
Memória de Longa
Duração

O hipocampo é a estrutura central da formação de


memórias declarativas. Integra um circuito que
inclui o córtex temporal vizinho (córtex entorrinal),

116
o núcleo da amígdala e áreas corticais distantes.
O hipocampo, a amígdala e o córtex recebem
também terminações de vias nervosas vinculadas
com o afeto, os estados de consciência e o maior
ou menor grau de alerta, ansiedade ou estresse.
Essas vias são: a dopaminérgica, a
noradrenérgica, a serotoninérgica e as
colinérgicas, que registram e reagem às emoções
e estados de ânimo. A dopamina e a
noradrenalina são os neurotransmissores da
vigília e do alerta. A serotonina regula o estado de
ânimo, e falha na depressão.

A Serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT) é uma


monoamina neurotransmissora sintetizada nos neurónios
serotoninérgicos do Sistema nervoso central (SNC) e
nas células enterocromafins (células de Kulchitsky) do
trato gastrointestinal dos animais (entre eles o ser
humano). A serotonina também se encontra em vários
cogumelos e plantas, incluindo frutas e vegetais.
Acredita-se que a serotonina representa um papel
importante no sistema nervoso central como
neurotransmissor na inibição da ira, agressão,
temperatura corporal, humor, sono, vômito e apetite.
Estas inibições estão diretamente relacionadas com os
sintomas da depressão. Adicionalmente, a serotonina é
117
também um mediador periférico de sinal. Por exemplo, a
serotonina encontra-se abundantemente no trato
gastrointestinal (aproximadamente 90%) e o seu local de
armazenamento principal são as plaquetas na circulação
sanguínea.

As vias colinérgicas, que usam o


neurotransmissor acetilcolina, regulam uma
variedade grande de percepções emocionais.
Em todos os casos, essas vias agem através
de receptores específicos para cada
neurotransmissor, localizados no hipocampo,
na amígdala e no córtex.

A sequência dos processos bioquímicos no


hipocampo necessária para a formação (ou
consolidação) de memórias declarativas foi
recentemente determinada em detalhe em
nosso laboratório. Essa sequência é parecida
com a da potenciação de longa duração (em
inglês, long-term potentiation – LTP) nessa

118
estrutura, como era de esperar, dado o fato de
que ambas consistem em alterações perduráveis
da função sináptica (“plasticidade”) na mesma
estrutura. A potenciação de longa duração é o
aumento de tamanho da resposta de um grupo de
neurônios desencadeada pela sua estimulação
repetitiva durante alguns segundos, e ocorre no
hipocampo durante a consolidação de memórias.
Dependendo dos parâmetros de estimulação e/ou
do estado prévio de cada sinapse, pode ocorrer,
em vez de uma potenciação, uma depressão de
longa duração (LTD) da resposta dessa sinapse.
Mecanisticamente, a LTP e a LTD são
semelhantes: ambas envolvem uma ativação
inicial de certo tipo de receptores ao ácido
glutâmico, o principal neurotransmissor
excitatório; a entrada na célula pós--sináptica de
cálcio, seguida da ativação de várias enzimas
dependentes desse íon, que permitem a
transferência de íons fosfato de umas proteínas a
outras e a subsequente ativação da transcrição do
DNA, leva à síntese proteica nos ribossomos do
citoplasma do neurônio ativado. Há um sistema
alternativo de síntese proteica nos neurônios, fora
dos ribossomos, independente do núcleo, sensí
vel a uma substância chamada rapamicina. Esse

119
segundo sistema de síntese proteica é necessário
tanto para a gênese de LTP como para a de LTD.
A sequência dos processos moleculares
subjacentes à formação de memórias no
hipocampo envolve a ativação de numerosas
enzimas que regulam a atividade de proteínas
preexistentes, e a produção por elas de ativação
gênica e síntese proteica. Muitas das proteínas
sintetizadas no hipocampo na formação de
memórias se incorporam às sinapses das células
hipocampais com as de outras regiões e alteram
sua função. Outras regulam esses processos.
Uma das principais proteínas reguladoras das
sinapses é o fator neurotrófico derivado do
cérebro (BDNF), que atua tanto durante a
formação de memórias, como também várias
horas mais tarde, quando, liberado no hipocampo
por estímulos dopaminérgicos, determina se as
memórias que foram consolidadas antes
persistirão durante poucos dias ou durante
semanas. Paralelamente, atuam também sobre o
hipocampo vias noradrenérgicas mediadas por
receptores beta, e terminações colinérgicas
nicotínicas; a função desses dois grupos de fibras
sobre o BDNF não é conhecida. A persistência
das memórias procedurais é muito grande
(décadas); a das memórias

120
declarativas é muito menor e declina depois dos
40 anos de idade; isso explica por que a partir
dessa idade tendemos a recordar menos as
coisas mais recentes. O mecanismo não tem
relação com o sono e funciona igualmente de dia
e de noite. Porém, a falta de sono reduz a
persistência das memórias declarativas. Alguns
acreditam que isso ocorre porque elas não são
ensaiadas (rehearsed), o que é considerado por
muitos como necessário para a persistência. Um
dos muitos mecanismos propostos para a
persistência envolve a reiteração cíclica da
ativação da enzima cálcio-calmodulina quinase II,
e da elevação simultânea dos níveis de cAMP
(sigla do inglês: cyclic adenosine monophosphate)
no hipocampo, após a consolidação. De fato, a
ativação dessa enzima no hipocampo é
necessária para a manutenção das memórias. O
processo de formação das memórias de longa
duração, portanto, é lento e frágil: consiste de
muitas etapas, e qualquer uma delas pode falhar.
Além disso, várias dessas etapas estão sujeitas a
poderosos mecanismos de modulação, através de
dois grandes conjuntos de fibras nervosas:
a) vias procedentes da amígdala e do núcleo
medial do septuo que, através de axônios
colinérgicos e glutamatérgicos, modulam

121
intensamente a formação de memórias no
hipocampo. Essas vias estão vinculadas com o
conteúdo emocional das experiências que deixam
memórias; quanto maior a emoção, maior sua
ativação;
b) vias nervosas vinculadas com o afeto, as
emoções e os estados de ânimo (dopaminérgicas,
noradrenérgicas e serotoninérgicas), procedentes
de estruturas subcorticais e estimuladas pela
aquisição de uma experiência nova ou a
recordação de uma experiência antiga. Essas vias
regulam enzimas que afetam o metabolismo da
célula nervosa e prejudicam sua capacidade de
ativar genes e sintetizar proteínas e, portanto,
gravar memórias. Essas vias agem quase ao
mesmo tempo sobre o hipocampo, o córtex
entorrinal e o córtex parietal. Sua excitação ou
inibição é importante para determinar se cada
memória de longa duração será efetivamente
formada ou não. Uma estimulação intensa da via
serotoninérgica ou uma inibição das vias
dopaminérgica ou noradrenérgica, por exemplo,
podem efetivamente cancelar a formação
definitiva de uma memória horas depois de ter
sido adquirida.

122
A memória de
curta duração
Durante um século houve dúvidas acerca
de se os sistemas de memória de curta
duração, que mantêm a função mnemônica
funcionante enquanto o hipocampo e suas
conexões vão tecendo lentamente a trama de
cada memória de longa duração, são
independentes deste último processo ou tão
somente uma etapa do mesmo.

Mnemônico é um conjunto de técnicas utilizadas para


auxiliar o processo de memorização. Consiste na
elaboração de suportes como os esquemas, gráficos,
símbolos, palavras ou frases relacionadas com o assunto
que se pretende memorizar.

Em suma:
se as memórias de curta e de longa duração
são etapas de um mesmo fenômeno ou são,
pelo contrário, eventos paralelos, embora
vinculados.
O processamento de memória de curta duração é
paralelo ao das memórias de longa duração, e
ocorre também no hipocampo e córtex entorrinal.
Esse achado tem implicações clínicas
importantes. Na velhice, em muitos casos
de demência, no delirium, em alguns quadros
de tumores ou lesões do lobo temporal
e em vários casos de depressão, há falhas
123
seletivas de um ou outro tipo de memória,
principalmente da de curta duração: o paciente
não lembra como chegou ao consultório,
mas sim fatos ou eventos do dia anterior
ou de horas atrás.

A evocação das
memórias

As principais áreas envolvidas na evocação de


memórias declarativas e de procedimentos são
basicamente as mesmas utilizadas para sua
formação; só que, no caso das memórias
declarativas, com o passar do tempo, o
hipocampo e a amígdala passam a ter um papel
menos importante na evocação, e várias outras
regiões do córtex predominam. Na evocação,
essas estruturas participam de maneira
orquestrada. A evocação é fortemente modulada
em todas elas pela dopamina, noradrenalina e
acetilcolina, e inibida pela serotonina. É inibida
também por corticoides procedentes da
suprarrenal, que, como se sabe, são liberados em
situações de estresse. Os corticoides explicam os
famosos “brancos” na hora da evocação;
tipicamente num exame ou numa apresentação
em público.

124
A evocação das memórias declarativas e dos
hábitos é tão sensível à modulação por fatores
emocionais, ansiedade, ou estresse como sua
formação.

Extinção
de memórias

A repetição de uma memória sem o “reforço”


(estímulo incondicionado, recompensa, castigo,
consequências) leva a sua extinção. Esta constitui
um novo processo de aprendizagem, em que uma
nova memória – estímulo(s) sem consequência –
substitui gradativamente a original – estímulo(s)
com consequência. Essa nova memória requer
também expressão gênica e síntese proteica no
hipocampo e na amígdala. Os mecanismos da
extinção são semelhantes aos da formação de
memórias, mas, em vez de resultar num aumento
das respostas aprendidas, resultam numa
diminuição da probabilidade de sua expressão.
Na extinção, o que se extingue não é a memória
em si, senão a probabilidade de sua evocação.
A extinção tem uma aplicação terapêutica
importante no tratamento das fobias e do
transtorno do estresse pós-traumático, para o qual
é o tratamento de escolha. Esse transtorno é uma

125
das entidades psiquiátricas mais terríveis; nele, o
paciente não consegue parar de evocar um
episódio traumático e passa a evocá-lo fora de
contexto e a qualquer hora, infernizando sua vida.
O típico exemplo é o do indivíduo que não
consegue mais dormir porque, cada vez que
fecha os olhos ou chega a noite, passa a se
lembrar da vez em que foi assaltado com
violência, ou do choque dos aviões contra as
torres gêmeas, ou de algum outro acontecimento
muito traumático de sua vida. Na aplicação à
psicoterapia, a extinção se denomina “terapia de
exposição”, justamente porque o tratamento
envolve primariamente a repetição de estímulos
pertinentes às memórias traumáticas (fotos dos
aviões batendo nas torres, figuras de uma pessoa
com uma arma na mão, etc.), mas sem o trauma
(sem as batidas dos aviões, sem o assalto). Tem
uma semelhança com a habituação no sentido em
que ocorre perante a repetição de um estímulo
sem reforço, só que, à diferença da habituação,
se trata de um estímulo que já foi reforçado por
sua associação com outro, e da inibição da
expressão da resposta devida a essa associação.
A extinção é simplesmente mais uma forma de
aprendizado, ou seja, de fazer memórias. Muitos
pensam que se deve à LTD mais que à LTP de

126
sinapses hipocampais. A interpolação de uma
experiência nova, que desencadeia uma
potenciação de longa duração no hipocampo
durante a extinção de uma memória traumática,
também se acompanha de uma LTP ou LTD no
hipocampo. A modificação de um aprendizado
resultante de uma LTP ou LTD hipocampal por
outro aprendizado resultante de outra LTP ou LTD
também hipocampal é a consequência da
produção de novas proteínas perto da sinapse
que primeiro foi estimulada; outras proteínas,
sintetizadas perto de outra sinapse na mesma
célula hipocampal, migram à sinapse anterior e
“capturam” as proteínas sintetizadas nela. Esse
processo denomina-se “marcação sináptica”
(synaptic tagging), e explica as interações entre
memórias próximas no tempo, uma mais forte que
a outra e ambas dependentes de LTP ou LTD.

Na sala de aula e
na vida diária
Estratégias para as
dificuldades de memória

Conforme o CENSUPEG (2018) e izquierdo e


colaboradores (2013), a memória depende da

127
retenção. Esta se refere ao processo pela qual a
memória a longo prazo preserva uma
aprendizagem de maneira que possa ser
localizada, identificada e relembrada de forma
precisa no futuro. O grau de atenção do indivíduo,
a duração desta, o tipo de prática que teve e a
influência das atividades passadas vão influenciar
diretamente na memória.
Para ajudar o aluno podemos usar técnicas de
memorização, organizar a informação por
categorias, memorizar listas, utilizar música e
ritmo para ensinar a tabuada, usar sinais de
trânsito para ensinar pontuação, ressaltar
aspectos importantes em um texto ou exercício
com cores diferentes, usar estratégias orais,
auditivas e cinestésicas para introduzir um
conteúdo, realizar repetição de exercícios, realizar
conexões e associações a alguma palavra
conhecida, reduzir a quantidade de informação
apresentar as informações de várias maneiras.

Estratégias para as
dificuldades de memória visual

Apresentar objetos com figuras, concretos e


manuseáveis.
Dar cartões com formas para copia.

128
Dar cartões com seqüência de letras e números
para cópia.
Mostrar figuras, pedir que identifique e organize
por categorias.
Jogos de esconder pessoas e objetos para
relembrar o que foi retirado.
Jogos de encontrar semelhanças entre palavras,
comparar palavras pequenas e grandes, associar
palavras a desenhos, formar outras palavras
usando letras da palavra anterior.
Devemos tomar cuidado pois, se a memória
visual é pobre, todos os tipos de memória estão
comprometidos.

Estratégias para as dificuldades


de memória auditiva:

Atraia a atenção da criança chamando-a pelo


nome;
Mantenha contato visual;
Encurte as frases e limite-se a elementos mais
importantes;
Coloque ênfase nas palavras chaves;
Não dê muita informação de uma vez só;
Peça para ela uma curta repetição da instrução;
Ensine a criança a verbalizar o que ela vai fazer
(primeiro, depois, por último);

129
Evite falar em um só tom e varie o tom, volume e
ritmo da fala e ajude o aluno usando a instrução
também pela via visual e cinestésica.

Estratégias para as dificuldades


de memória auditiva

Conforme o CENSUPEG (2018):


. Brincar de eco com três tons;
Repetição de seqüência com palmas e batidas;
Dar duas a três instruções para que a criança
execute;
Brincar com frases aumentando o tamanho;
Brincar de restaurante servindo as sobremesas na
ordem certa;
Memorizar poesias, canções e rimas;
Dizer uma série de palavras, ler uma história ou
mostrar um desenho descrevendo-a em detalhes
e, após, pedir para o aluno desenhar;
Brincar de mensageiro, telefone sem fio, lista de
cores para a criança repetir, usar gráficos de
palavras, brincar de meu tio foi viajar.

Estratégias para melhorar a


atenção auditiva e visual

130
Jogo do despertador (procurar o relógio), jogo da
corrente com a letra inicial e final e telefone sem
fio;
Colocar objetos e pedir que a criança descreva
este. Ir aumentando o número de objetos, colocar
e tirar objetos pedindo que a criança diga o que
falta e o que foi colocado, dar letras móveis e
pedir que escreva coisas que estão presentes na
sala, trocar as crianças de posição e pedir que ela
diga quem trocou de lugar;
Marcar as figura iguais a do modelo e procurar
usar letra como: p,b,d,q,u,n,m,e,a,f,j,g e figuras
geométricas com posições diferenciadas;

Para Izquierdo e colaboradores (2013), os


exercícios para a mémoria:

1) O melhor exercício para manter a memória é a


leitura. Ao ler, o cérebro faz um rápido e enorme
scanning de tudo o que tem guardado nele e
começa com a letra do abecedário com que se
inicia a leitura (a: abelha, alma, avô, etc.; b:
barbaridade, burro, beijo, etc.; c: casa, corpo,
cabelo, etc., e assim por diante), e depois com
cada letra sucessiva. Ao fazê-lo, põe em
funcionamento a memória visual, verbal e até de
imagens: lembra fugazmente do aspecto das

131
abelhas, avós, burros, casas, etc. Nenhuma outra
atividade cerebral tem essa capacidade nesse
grau. Por isso é o exercício de escolha para a
memória, que é o maior exemplo de que “a função
faz o órgão”.
2) Permitir ao cérebro que descanse um tempo
adequado cada dia, dormindo de preferência nas
horas apropriadas.
3) Manter “viva” a memória de trabalho e a
memória de curta duração, através da conversa,
da leitura, de filmes, etc. Sem elas, será difícil ter
uma boa base para formar memórias de longa
duração, e não há base para o diálogo e a
compreensão de eventos rápidos.
4) Todas as drogas de abuso, a começar pel
álcool, são, em qualquer dose ou em qualquer
padrão de consumo (diário, esporádico, muito
intenso, pouco intenso), prejudiciais para a
memória em suas diversas formas e fases. Já que
este é o caso, é evidentemente melhor se abster
delas por completo que utilizá-las muito ou pouco.

Organização do
Conhecimento Declarativo

A unidade fundamental do conhecimento


simbólico (conhecimento da correspondência

132
entre símbolos e seu significado, por exemplo,
que o símbolo "3" significa três) é o conceito -
uma ideia sobre algo que fornece um meio de
entender o mundo.

Simbolismo e conhecimento
Símbolos não são sinais. Eles não estão emparelhados
com suas interpretações em uma estrutura de código.
Suas interpretações não são significadas. A pouca
relevância que existe nas semelhanças entre simbolismo
e linguagem foi esgotada. Devemos nos concentrar
agora nas diferenças entre eles, nas propriedades do
simbolismo que estavam ocultas pela visão semiológica.
Estes são muitos e importantes. Aqui, vou investigar
apenas o mais geral deles. Eles serão suficientes para
limitar consideravelmente a gama de possíveis teorias do
simbolismo. O indivíduo, ao construir sua gramática ou
seu mecanismo simbólico, seleciona entre os dados
empíricos aqueles que são relevantes para seu
propósito, isto é, ele pega sons que ele ainda não
entende como discurso e fenômenos que ele ainda não é
capaz de entender e interpretar para ser simbólico. No
caso da linguagem, os dados relevantes têm uma certa
homogeneidade que falta no caso do simbolismo; é
bastante fácil dar uma definição aproximada do que é
fala e do que não é, e a linguística geralmente toma essa
definição como dada. Da mesma forma, nenhuma
criança com o dom da audição comete o erro de tentar
construir sua gramática a partir de dados visuais ou
cenestésicos. Em contraste, o primeiro problema para
uma teoria do simbolismo é delimitar os dados
relevantes para ele, e o primeiro problema para a criança
é delimitar o que será processado simbolicamente
(Morton, 1979).

Muitas vezes, um conceito pode ser capturado em


uma única palavra, como a maçã. Cada conceito,
por sua vez, refere-se a outros conceitos, como a
maçã, que se relaciona com vermelhidão,

133
redondeza ou fruta. Como você pode imaginar, as
pessoas acumulam um grande número de
conceitos ao longo de suas vidas. Como eles
organizam todos esses conceitos? Uma maneira
de organizá-los é por meio de categorias. Uma
categoria é um grupo de itens nos quais objetos
ou conceitos diferentes podem ser colocados
juntos porque compartilham alguns recursos
comuns ou porque são todos semelhantes a um
determinado protótipo. Por exemplo, a palavra
maçã pode agir como uma categoria, como em
uma coleção de diferentes tipos de maçãs. Mas
também pode atuar como um conceito dentro da
categoria fruta. Nas seções a seguir, discutiremos
maneiras de organizar conceitos em categorias.
Essas maneiras incluem o uso de recursos,
protótipos e exemplos de definição.
Posteriormente, exploraremos como os conceitos
podem ser organizados por meio de redes
semânticas organizadas hierarquicamente, bem
como esquemas, que são estruturas mentais de
conhecimento que abrangem vários conceitos
inter-relacionados.

134
Conceitos e Categorias

Conceitos e categorias podem ser divididos de


várias maneiras. Uma distinção geralmente usada
é entre categorias naturais e categorias de
artefatos. As categorias naturais são
agrupamentos que ocorrem naturalmente no
mundo, como pássaros ou árvores. As categorias
de artefatos são agrupamentos projetados ou
inventados por humanos para atender a fins ou
funções específicas. Exemplos de categorias de
artefatos são automóveis e utensílios de cozinha.
A velocidade necessária para atribuir objetos a
categorias parece ser a mesma para as
categorias natural e artefato. As categorias natural
e de artefato são relativamente estáveis e as
pessoas tendem a concordar com os critérios de
participação nelas. Um tigre é sempre um
mamífero, por exemplo; e uma faca é sempre um
implemento usado para cortar.
Conceitos, pelo contrário, nem sempre são
estáveis, mas podem mudar. Algumas categorias
são criadas apenas para o momento ou para uma
finalidade específica, por exemplo, "coisas nas
quais você pode escrever". Essas categorias são
chamadas de categorias ad hoc. Eles são
135
descritos não em palavras, mas sim em frases.
Seu conteúdo varia, dependendo do contexto. As
pessoas na Uganda rural provavelmente
nomearão coisas diferentes nas quais você pode
escrever do que americanos urbanos ou
esquimós inuites.

Os inuítes (também chamados de inuit) são os


membros da nação indígena esquimó que habitam as
regiões árticas do Canadá, do Alasca e da Gronelândia.

Conceitos também são usados em outras áreas,


como ciência da computação. Os
desenvolvedores tentam desenvolver algoritmos
que definem “spam” para que programas de email
possam filtrar mensagens indesejadas e sua caixa
de correio não seja inundada com eles. No
entanto, os spammers mudam a natureza de suas
mensagens regularmente, de modo que é difícil

136
criar um algoritmo capaz de capturar todas as
mensagens de spam e fazê-lo de maneira
permanente. Os conceitos parecem ter um nível
básico (às vezes chamado de nível natural) de
especificidade, um nível dentro de uma hierarquia
que é preferível a outros níveis. Suponha que eu
lhe mostre um objeto comestível vermelho e
arredondado que tenha um caule e que tenha
vindo de uma árvore. Você pode caracterizá-lo
como uma fruta, uma maçã, uma maçã deliciosa,
uma maçã Red Delicious e assim por diante. A
maioria das pessoas, no entanto, caracterizaria o
objeto como uma maçã. O nível básico preferido é
a maçã. Em geral, o nível básico não é o mais
abstrato nem o mais específico. Naturalmente,
esse nível básico pode ser manipulado por
contexto ou experiência. Suponha que o objeto
estivesse preso em uma banca de frutas que
vendesse apenas maçãs. Você pode descrevê-lo
como uma maçã Red Delicious para distingui-lo
das outras maçãs em torno dele. Como podemos
saber qual é o nível básico? Por que o nível
básico é a maçã, em vez da maçã ou fruta Red
Delicious? Ou por que é vaca, em vez de
mamífero ou Guernsey? Talvez o nível básico
seja o que possui o maior número de
características distintivas que o diferenciam de

137
outros conceitos no mesmo nível. Assim, a
maioria de nós encontraria mais características
distintivas entre uma maçã e uma vaca, digamos,
do que entre uma maçã Red Delicious e uma
maçã Pippin. Da mesma forma, encontraríamos
poucas características distintivas entre uma vaca
de Guernsey e uma vaca holandesa. Mais uma
vez, nem todos necessariamente teriam o mesmo
nível básico, como no caso dos agricultores. Para
os nossos propósitos, o nível básico é aquele que
a maioria das pessoas acha que é maximamente
distintivo. Por meio de treinamento, o nível básico
pode ser deslocado para um nível mais
subordinado. Por exemplo, quanto mais uma
pessoa aprende sobre carros, mais ele ou ela é
capaz de fazer distinções elaboradas entre os
carros. Pesquisas sugerem que as diferenças
entre especialistas e novatos não se devem a
mecanismos qualitativamente diferentes, mas sim
a diferenças quantitativas na eficácia do
processamento. Quando as pessoas são
mostradas fotos de objetos, elas identificam os
objetos em um nível básico mais rapidamente do
que identificam objetos em níveis mais altos ou
mais baixos. Objetos parecem ser reconhecidos
primeiro em termos de seu nível básico. Só
depois são classificados em termos de categorias

138
de nível mais alto ou mais baixo. Assim, a
imagem do objeto vermelho comestível de uma
árvore provavelmente primeiro seria identificada
como uma maçã. Só então, se necessário, seria
identificado como uma fruta ou uma maçã
vermelha deliciosa. Agora, como as pessoas
decidem quais objetos colocar em uma categoria?
Existem várias teorias que tentam explicar esse
processo. Uma teoria sugere que colocamos um
objeto apenas em uma categoria se ela tiver
vários recursos definidores. Outra abordagem
propõe que nós comparemos um objeto com uma
representação média (um protótipo) para decidir
se ele se encaixa em uma categoria. Outra é que
as pessoas podem categorizar objetos com base
em suas próprias teorias sobre esses objetos.

Inteligência e Conceitos em
Diferentes Culturas
A cultura influencia muitos processos cognitivos,
incluindo a inteligência. Como resultado,
indivíduos em diferentes culturas podem construir
conceitos de maneiras bem diferentes, tornando
os resultados da formação de conceitos ou
estudos de identificação em uma única cultura
suspeita. Assim, os grupos podem pensar sobre o
139
que parece superficialmente ser o mesmo
fenômeno - seja um conceito ou a realização de
um teste - de forma diferente. O que parecem ser
diferenças na inteligência geral pode, de fato, ser
diferenças nas propriedades culturais. Helms-
Lorenz e colegas (200346) argumentaram que as
diferenças medidas no desempenho intelectual
podem resultar de diferenças na complexidade
cultural; mas a complexidade de uma cultura é
extremamente difícil de definir, e o que parece ser
simples ou complexo do ponto de vista de uma
cultura pode parecer diferente do ponto de vista
de outra. Pessoas de diferentes culturas podem
ter idéias bem diferentes sobre o que significa ser
inteligente. Por exemplo, um dos estudos
transculturais mais interessantes sobre
inteligência foi realizado por Michael Cole e seus
colegas (197147). Esses pesquisadores pediram a
membros adultos da tribo Kpelle na África para
classificar os termos que representam os
conceitos. Considere o que acontece na cultura
ocidental quando os adultos recebem uma tarefa
de classificação em um teste de inteligência.
46
HELMS-LORENZ, M.; VAN DE VIJVER, F. J. R., POORTINGA, Y. H. Cross-
cultural differences in cognitive performance and Spearman’s hypothesis: g or
c? Intelligence, v´31, p 9–29, 2003.
47 COLE, M.; GAY, J.; GLICK, J.; SHARP, D. W. The cultural context of

learning and thinking. New York: Basic Books, 1971.

140
Pessoas mais inteligentes tipicamente ordenarão
hierarquicamente. Por exemplo, eles podem
classificar nomes de diferentes tipos de peixe
juntos. Então eles colocam a palavra peixe sobre
isso. Eles colocam o nome do animal sobre
peixes e pássaros, e assim por diante. Pessoas
menos inteligentes tipicamente ordenarão
funcionalmente. Por exemplo, eles podem
classificar peixe com comer. Por quê? Porque nós
comemos peixe. Ou eles podem classificar roupas
com roupas porque usamos roupas. O Kpelle
ordenou funcionalmente. Eles o fizeram mesmo
depois que os investigadores tentaram, sem
sucesso, ordenar espontaneamente a Kpelle a
ordenar hierarquicamente. Finalmente, em
desespero, um dos experimentadores (Glick)
pediu a um Kpelle para classificar como uma
pessoa tola iria classificar. Em resposta, o Kpelle
rapidamente e facilmente classificado
hierarquicamente. Os Kpelle foram capazes de
classificar este caminho o tempo todo. Eles
simplesmente não o fizeram porque consideravam
isso uma tolice. Eles provavelmente também
consideraram os questionadores bastante pouco
inteligentes por fazerem perguntas tão estúpidas.
O povo Kpelle não é o único que pode questionar
a compreensão ocidental da inteligência. Na

141
cultura Puluwat do Oceano Pacífico, por exemplo,
os marinheiros navegam por distâncias
incrivelmente longas. Eles não usam nenhum dos
recursos de navegação que os marinheiros de
países tecnologicamente avançados precisariam
ir de um lugar para outro. Suponha que os
marinheiros de Puluwat elaborassem testes de
inteligência para nós e nossos compatriotas
americanos. Nós e nossos compatriotas podemos
não parecer muito inteligentes. Da mesma forma,
os marinheiros Puluwat, altamente qualificados,
podem não se dar bem em testes de inteligência
feitos por americanos. Essas e outras
observações levaram alguns teóricos a
reconhecer a importância de considerar o
contexto cultural quando a inteligência é avaliada.

142
143
Capítulo 4
Ivan Pavlov

I
van Petrovich Pavlov (1849-1936) nasceu em
Ryazan, um pequeno vilarejo da Rússia, onde
seu pai era um padre da aldeia. Fez sua
educação primária na escola de Ryazan e no final
do seminário teológico. Influenciado pelas obras
de Píssarev e Ivan Sechenov, ele percebeu que
seus interesses estão na ciência. Ele se transferiu
para a Universidade de São Petersburgo. Ele se
formou em 1875, recebeu o grau de Candidato de
Ciências Naturais. Durante o curso, ele se tornou
apaixonadamente absorvido pela fisiologia. Ele se
matriculou no instituto médico-militar e formou-se
de lá com uma medalha de ouro por seu trabalho
de pesquisa. No ano de 1884, realizou-se um
estudo de pós-graduação e pesquisa na
Academia de pós-graduação, após a elaboração
de sua tese de doutorado sobre "nervos
centrífugos do coração". Ele então seguiu para a
Alemanha e continuou sua pesquisa nos
laboratórios de Heidenhain, em Breslau. Pavlov
foi convidado para o Instituto de Medicina
Experimental em 1891 para dirigir o
144
Departamento de Fisiologia. Durante um período
de 45 anos, sob sua direção, tornou-se um dos
mais importantes centros de pesquisa fisiológica e
psicológica.

Condicionamento Clássico /
Reflexo Condicionado
É também chamado de condicionamento
respondente / condicionamento pavloviano. Foi a
maior contribuição de Pavlov para o campo da
psicologia. O condicionamento clássico emergiu
de sua observação de que os cães salivavam ao
ouvir os passos da pessoa que vinha para
alimentá-lo, mesmo que o cão não pudesse ver
ou cheirar a comida. O condicionamento clássico
é uma forma de aprendizagem associativa na qual
os organismos ajustam suas respostas de acordo
com as relações temporais observadas entre os
estímulos ou estímulos ambientais que são
produzidos e percebidos dentro do organismo.
Também é conhecido como condicionamento
pavloviano, como Ivan Pavlov é frequentemente
creditado com sua descoberta. Pavlov era um
fisiologista russo que estudou o sistema digestivo.
Na década de 1920, ele descreveu que seus cães
de laboratório começaram a salivar não apenas
145
com a apresentação da comida (o que é
esperado, pois a saliva ajuda a quebrar a
comida), mas também com estímulos que
apareceram na proximidade temporal da
apresentação dos alimentos (por exemplo, um
metrônomo que foi ligado pouco antes da
alimentação). Por causa dos famosos
experimentos de Pavlov, a forma mais conhecida
de condicionamento clássico compreende o
pareamento de um estímulo neutro, o estímulo
condicionado (CS), com um estímulo
biologicamente potente, o estímulo
incondicionado (US), que provoca uma resposta
incondicionada (UR). Após repetidos
emparelhamentos do CS com o US, o organismo
exibe uma resposta condicionada (CR) quando
confrontado com o CS. Assim, de acordo com
essa terminologia, os cães de Pavlov exibiam um
CR ao salivar ao som do metrônomo. Importante,
como o CR não é uma resposta biologicamente
física, é menos permanente que o UR e está
aberto à extinção. Extinção descreve o declínio
gradual de um comportamento quando o CS é
repetidamente apresentado sem os US. O
fenômeno da extinção também foi descrito pela
primeira vez por Pavlov, que documentou que
seus cães gradualmente pararam de salivar ao

146
som do metrônomo quando este não era mais
apresentado no contexto da alimentação. Esta
entrada discute a aquisição e extinção de CRs e a
relevância do condicionamento clássico para
transtornos mentais, incluindo o tratamento.

Condicionamento clássico
O condicionamento clássico é um tipo importante de
aprendizado. Foi descoberto acidentalmente por Ivan
Pavlov (1849-1936). Pavlov era um fisiologista russo que
descobriu esse fenômeno enquanto fazia pesquisas
sobre digestão. Sua pesquisa teve como objetivo
compreender melhor os padrões digestivos em cães.
Durante seus experimentos, ele colocava pó de carne na
boca de cães que tinham tubos inseridos em vários
órgãos para medir as respostas corporais.

147
O que ele descobriu foi que os cachorros começaram a
salivar antes que o pó de carne lhes fosse apresentado.
Então, os cães começaram a salivar assim que a pessoa
que os alimentava entrava no quarto. Ele logo começou
a se interessar por esse fenômeno e abandonou sua
pesquisa de digestão em favor de seu agora famoso
estudo de Condicionamento Clássico. Basicamente, os
resultados apóiam a ideia de que desenvolvemos
respostas a certos estímulos que não ocorrem
naturalmente. Quando tocamos em um fogão quente,
nosso reflexo puxa nossa mão para trás. Faz isso
instintivamente, sem aprendizado envolvido. É
meramente um instinto de sobrevivência. Mas por que
algumas pessoas, depois de queimadas, puxam as mãos
para trás mesmo quando o fogão não está ligado?
Pavlov descobriu que fazemos associações que nos
levam a generalizar nossa resposta a um estímulo a um
estímulo neutro com o qual ele está emparelhado. Em
outras palavras, queimador quente = ai, fogão =
queimador, portanto, fogão = ai. Pavlov começou a
emparelhar um sino com a carne em pó e descobriu que,
mesmo quando a carne em pó não foi apresentada, o
cão acabaria por começar a salivar depois de ouvir o
sino.

Como a carne em pó naturalmente resulta em salivação,


essas duas variáveis são chamadas de estímulo
incondicionado (UCS) e a resposta incondicionada
(UCR), respectivamente. O sino e a salivação não
ocorrem naturalmente; o cão estava condicionado a
responder ao sino. Portanto, o sino é considerado o
estímulo condicionado (CS), e a salivação para o sino, a
resposta condicionada (CR). Muitos dos nossos
comportamentos hoje são moldados pelo par de
estímulos. Você já reparou que certos estímulos, como o
cheiro de uma colônia ou perfume, uma certa música,
um dia específico do ano, resultam em emoções
bastante intensas? Não é que o cheiro ou a música
sejam a causa da emoção, mas sim o que aquele cheiro
148
ou música foi emparelhado ... talvez um ex-namorado ou
ex-namorada, a morte de um ente querido, ou talvez o
dia você conheceu seu atual marido ou esposa.
Fazemos essas associações o tempo todo e muitas
vezes não percebemos o poder que essas conexões ou
pares têm sobre nós. Mas, na verdade, fomos
classicamente condicionado.

Aquisição de CRs

Durante a primeira parte do século 20, os


behavioristas assumiram que o CR é uma
resposta automática que é melhor compreendida
em uma estrutura de estímulo-resposta (S-R). Em
seu extremo, essa visão foi entendida como
propagação da ideia de que, após a aquisição, um
organismo responde automaticamente e de
maneira um pouco ininteligente a um CS apenas
por ter sido emparelhado com um US. Décadas
de pesquisa não apenas transformaram o
condicionamento clássico em talvez a forma mais
estudada de aprendizagem associativa, mas
também demonstraram claramente que o
condicionamento clássico representa um
processo de aprendizagem altamente adaptativo
e dependente do contexto, que leva em conta
experiências passadas.
Por exemplo, embora o condicionamento clássico
possa resultar do aprendizado de S-R, há uma
vasta evidência de que freqüentemente o estímulo
149
estímulo-estímulo (S-S) ocorre. O aprendizado de
S-R refere-se à circunstância em que uma
associação é formada diretamente entre o CS e a
reação do organismo aos US - isto é, o UR.
Portanto, após repetidos pareamentos do
estímulo anteriormente neutro e do UR, o CR
torna-se basicamente idêntico ao UR, embora
muitas vezes um pouco mais fraco. A
aprendizagem S-S significa que uma associação
é formada entre o CS e os US - isto é, o CS se
torna diretamente associado aos US. Assim, o CR
pode assemelhar-se ao UR, mas pode estar
relacionado aos US de maneiras diferentes,
dependendo do tipo de comportamento que
melhor se adapte ao ambiente em que o
organismo é confrontado com o CS. Por exemplo,
quando um animal detecta um CS que sinaliza
perigo, três resultados diferentes são possíveis.
Quando o CS sinaliza perigo temporalmente
distante, o animal pode não mostrar um CR
evidente, mas pode continuar com suas
atividades atuais - isto é, permanece em seu
modo de pré-encontro. Se o CS sinalizar perigo
iminente, o animal freqüentemente exibirá
respostas de defesa específicas da espécie que,
no passado, ajudaram a contornar os encontros
com o perigo (por exemplo, congelamento e

150
imobilidade). Quando o CS sinaliza uma ameaça
iminente, é provável que o animal mostre uma
resposta de defesa completa (por exemplo, fuga
ou luta) que seja muito semelhante à UR quando
o animal é confrontado diretamente com um US
(por exemplo, predador). Compreender a
importância do contexto de aprendizagem em
seres humanos contribuiu para o conhecimento
de distúrbios relacionados ao medo, bem como
outras questões médicas, como a tolerância a
drogas. Estímulos que estão emparelhados com
desvios da homeostase provocam reações
condicionadas do tipo adversário. Quando uma
droga é tomada repetidamente ao lado das
mesmas sugestões ambientais, essas sugestões
servem como um CS que se opõe ao efeito da
droga. Portanto, a dose deve ser aumentada para
atingir o mesmo efeito, ou a sobredosagem pode
ocorrer quando o medicamento é tomado em um
contexto diferente. A aprendizagem S-S também
abriu as portas para uma orientação cognitiva ao
condicionamento clássico. Até meados da década
de 1960, supunha-se que a contiguidade, a co-
ocorrência de CS e US no tempo e no espaço, era
a base do condicionamento, mas uma década
depois estava firmemente estabelecido que a
contiguidade não é suficiente para o

151
condicionamento. Emergiu que o
condicionamento funciona apenas para estímulos
que são bons preditores dos US por causa de sua
história evolucionária (preparação) ou porque
fornecem informações úteis (contingência).
Provavelmente o modelo mais influente
A força associativa foi publicada em 1972 por
Robert A. Rescorla e Allan R. Wagner. O modelo
calcula a força associativa numa base de
avaliação por tentativa (ou seja, emparelhamento
do CS e US), e a quantidade de condicionamento
em qualquer tentativa depende da diferença entre
a força atual e a força máxima possível. Embora o
modelo fosse capaz de explicar uma ampla gama
de dados, teve problemas em explicar certos
fenômenos, como a inibição latente (ou efeito de
pré-exposição, que descreve um condicionamento
mais lento a um CS anteriormente apresentado).
O modelo Rescorla-Wagner é às vezes chamado
de modelo de processamento dos US, já que as
previsões são baseadas em como os US são
processados. Desde meados da década de 1970,
a maioria dos modelos de condicionamento são
modelos híbridos que fazem suposições não
apenas sobre como os US são processados, mas
também sobre o processamento do CS, como foi
demonstrado que, por exemplo, a associabilidade

152
do CS determina CRs. Embora um grande volume
de trabalho de condicionamento tenha sido
realizado com animais não humanos, é
geralmente assumido que os resultados são
altamente relevantes para os seres humanos. No
entanto, alguns pesquisadores enfatizaram que o
condicionamento humano tem algumas
características específicas e pode depender mais
criticamente de sistemas cognitivos de alto nível
do que o caso de animais não humanos. Por
exemplo, alguns efeitos de condicionamento em
humanos requerem consciência de contingência,
isto é, efeitos de aprendizagem só são
encontrados quando os participantes estão
cientes da contingência CS-US. Além disso,
instruções verbais e princípios de raciocínio
podem afetar o resultado dos efeitos de
condicionamento clássico humano.
Por exemplo, as crenças de contingência e as
classificações de expectativa têm sido
frequentemente correlacionadas com o resultado
do condicionamento. Além disso, a redução de
crenças de contingência e avaliações de ameaças
levou a uma aquisição atenuada e facilitou a
extinção em procedimentos de condicionamento
clássicos aversivos em humanos.

153
Extinção
Segundo o site Psicoativo (2018), site feito por
estudantes do curso de Psicologia da UFSJ,
Universidade Federal de São João del-Rei, MG
(Brasil), a extinção, na psicologia, refere-se ao
enfraquecimento gradual de uma resposta
condicionada que resulta no decréscimo ou
desaparecimento do comportamento.
Exemplo de extinção: imagine que você ensinou
seu cão a levantar as patas. Com o tempo, o
truque tornou-se menos interessante. Você para
de recompensar o comportamento e,
eventualmente, para de pedir ao animal para
levantar as patas. Eventualmente, a resposta
torna-se extinta, e o cão não exibe o
comportamento.

O que causa a extinção e


quando ocorre?
No condicionamento clássico, a extinção acontece
quando um estímulo condicionado não é mais
emparelhado com um estímulo incondicionado.
No condicionamento clássico, quando um
estímulo condicionado é apresentado sozinho,
sem um estímulo incondicionado, a resposta
condicionada acabará por cessar. Por exemplo,

154
na experiência clássica de Pavlov , um cão foi
condicionado a salivar ao som de um sino.
Quando o sino foi repetidamente apresentado
sem a apresentação dos alimentos, a resposta de
salivação, eventualmente, tornou-se extinta.

Fatores que podem


influenciar a Extinção

Uma série de fatores pode influenciar a forma


como um comportamento é resistente à extinção.
A força do condicionamento original pode
desempenhar um papel importante. Quanto mais
tempo o condicionamento ocorreu e a magnitude
da resposta condicionada pode tornar a resposta
mais resistente à extinção.
Alguns estudos têm sugerido que a habituação
também pode desempenhar um papel na
extinção.

Aprendizagem e
análise neural do
condicionamento
Luiz Guilherme Gomes Cardim Guerra e Maria
Teresa Araujo Silva (2010), da Universidade de

155
São Paulo, São Paulo, SP, Brasil, escreveram
que Princípios de condicionamento clássico e
operante, tais como a suposição derivada da
discrepância comportamental de que o reforço
sempre seleciona as relações antecedentes de
estímulo e resposta, têm sido estudados no nível
neural, principalmente pela observação do
fortalecimento das respostas neuronais ou das
conexões sinápticas. Uma revisão da literatura
sobre as bases neurais do comportamento
forneceu dados científicos extensos que indicam
uma síntese entre os dois processos de
condicionamento baseados principalmente no
controle de estímulos em tarefas de
aprendizagem. A análise resultante revelou os
seguintes aspectos. A dopamina atua como um
sinal de discrepância comportamental na via
mesencefálica do reforço positivo, levando à
direção do núcleo accumbens. A dopamina
modula os dois tipos de condicionamento no
molusco Aplysia e nos mamíferos. As
preparações de moluscos in vivo e in vitro
mostram a convergência de ambos os tipos de
condicionamento no mesmo neurônio motor. Os
neurônios corticais frontais estão envolvidos na
discriminação comportamental em procedimentos
de reversão e extinção, e esses neurônios

156
distribuem preferencialmente o glutamato através
de estímulos condicionados ou de estímulos
discriminativos. Respostas neurais discriminativas
podem preceder com segurança movimentos
operantes e também podem ser comuns a
estímulos que compartilham relações simbólicas
complexas.

Leituras Adicionais
CRASKE, M. G.; HERMANS, D.; VANSTEENWEGEN, D.
(Eds.). Fear and learning. From basic processes to
clinical implications. Washington, DC: American
Psychological Association, 2006.
LIEBERMAN, D. A. Human learning and memory. New
York, NY: Cambridge University Press, 2012.
MCSWEENEY, F. K.; MURPHY, E. S. (Eds.). The Wiley
Blackwell handbook of operant and classical
conditioning. Oxford, England: Wiley Blackwell, 2014.

Como o trabalho de Pavlov


influenciou a educação
Segundo Christopher Nesbitt (2018), em seu
artigo “How the work of pavlov influenced
education” (“Como o trabalho de Pavlov
influenciou a educação “), Pavlov foi a primeira
pessoa a estudar as leis do condicionamento que
abriu o caminho para outros, como John Watson,
para desenvolver a ideia ainda mais. Watson, em
seu artigo “A psicologia como o behaviorista a vê”
(1913), apresentou a idéia de “Condicionamento

157
Clássico”, que se baseava nas observações
conduzidas por Pavlov. Explicou que a idéia de
condicionamento era ensinar o sujeito a associar
um estímulo incondicionado, que causa um
reflexo particular, com um estímulo condicionado,
que causará o mesmo reflexo.
Pavlov realizou uma série de pesquisas provando
que o condicionamento aplicado aos animais, no
entanto, tal processo afetaria um ser humano? O
Journal of Experimental Psychology Watson &
Rayner (1920) provou que o condicionamento de
fato funcionaria em um humano ao conduzir o
controverso “Little Albert Experiment”.

John Broadus Watson (Greenville, 9 de janeiro de 1878


— Nova Iorque, 25 de setembro de 1958) foi um
psicólogo norte-americano, considerado o fundador do
comportamentalismo (ou simplesmente behaviorismo).
Foi um aluno médio, durante o seu percurso escolar, até
chegar à Universidade de Chicago. Frequentou o curso
de Filosofia, mas desiludido com a orientação,mudou
para Psicologia. Para suportar as suas despesas
pessoais, aceitou como trabalho a limpeza dos gabinetes
da Universidade, bem como a vigilância dos ratos
brancos dos laboratórios de Neurologia.Doutorou-se
158
depois em Neuropsicologia, defendendo uma tese sobre
a relação entre o comportamento dos ratos de
laboratório e o sistema nervoso central. Como professor
de psicologia animal, desenvolveu investigações,
fundamentalmente sobre o comportamento de ratos e
macacos. São as suas experiências com animais,
controladas de forma rigorosa e objetiva, que lhe vão
inspirar o modelo de psicologia. Os mesmos
procedimentos poderão ser aplicados pelos psicólogos
se eles se debruçarem sobre o estudo do
comportamento humano. Daí que Watson assumisse
claramente a abolição da barreira entre a psicologia
humana e a psicologia animal.

Esse experimento envolveu golpear uma barra de


metal com um martelo atrás do bebê, nomeou-o
de Albert. fazendo-o chorar, durante um período
de sete semanas, um rato branco foi apresentado
a Albert com a barra sendo golpeada
imediatamente depois e, ao final desse período,
mostrou medo e chorou sempre que viu o rato,
independentemente de estar ou não bar foi
atingido. Watson & Rayner conseguiram repetir o
trabalho de Pavlov em cães usando seres
humanos; relacionando um estímulo condicionado
com um estímulo incondicionado para que o
mesmo reflexo. Este experimento é
frequentemente citado como o primeiro caso
exemplar de condicionamento de comportamento,
Watson nomeou a teoria de Behaviorismo e é
baseado na teoria de Pavlov. Outro homem que
construiu sobre a teoria do condicionamento
clássico foi B. Skinner, que é conhecido por suas
159
visões behavioristas e seu trabalho sobre
"Condicionamento Operante".

Burrhus Frederic Skinner (Susquehanna, Pensilvânia,


20 de março de 1904 — Cambridge, 18 de agosto de
1990) foi um autor e psicólogo norte-americano.
Conduziu trabalhos pioneiros em psicologia experimental
e foi o propositor do behaviorismo radical, abordagem
que busca entender o comportamento emfunção das
inter-relações entre a filogenética, o ambiente (cultura) e
a história de vida do suposto indivíduo. A base do
trabalho de Skinner refere-se a compreensão do
comportamento humano através do comportamento
operante. O trabalho de Skinner é o complemento e o
coroamento de uma escola psicológica. Skinner adotava
práticas experimentais derivadas de física e outras
ciências. Outros importantes estudos do autor referem-
se ao comportamento verbal humano e a aprendizagem.
O conceito de “Condicionamento Operante” foi criado
pelo escritor e psicólogo Burrhus Frederic Skinner.
Este refere-se ao procedimento através do qual é
modelada uma resposta no organismo através de reforço
diferencial e aproximações sucessivas. É onde a
resposta gera uma consequência e esta consequência
afeta a sua probabilidade de ocorrer novamente; se a
consequência for reforçadora, aumenta a probabilidade,
se for punitiva, além de diminuir a probabilidade de sua
ocorrência futura, gera outros efeitos colaterais. Este tipo
de comportamento que tem como consequência um
estímulo que afete sua frequência é chamado
“Comportamento Operante”. O conceito de
Comportamento Operante difere do conceito de
160
Comportamento respondente, estudado por Pavlov,
porque o primeiro ocorre em um determinado contexto,
chamado estímulo discriminativo, e gera um estímulo
que afeta a probabilidade dele ocorrer novamente; o
segundo é diretamente eliciado por algum estímulo e é
uma reação fisiológica do organismo. Uma resposta
fisiológica a um estímulo, como fechar o olho diante de
algo que se aproxima dele, retirar o braço diante de uma
agulhada, etc. O comportamento operante é modelado a
partir de nosso repertório inato. As respostas que gerem
mais reforço em média, tendem a aumentar de
frequência e se estabelecer no repertório, ou seja, em
um contexto semelhante tendem a ser novamente
emitidas. O tipo de consequência que aumenta a
probabilidade de ocorrência da mesma função de
resposta em contextos semelhantes, chama-se reforço.
O reforço pode ser positivo, quando há a adição de um
estímulo no ambiente que resulte no aumento da
frequência da resposta que o gerou; ou negativo, quando
a resposta emitida remove algum estímulo aversivo, ou
seja, que a pessoa tende a evitar, do ambiente. Os
contextos onde existe probabilidade de uma determinada
resposta ser reforçada são chamados estímulos
discriminativos, ou SD; os contextos onde não existe a
probabilidade da resposta ser reforçada, são chamados
estímulos delta, ou SΔ.

É melhor definido como a mudança de


comportamento através do uso de reforço; isto
sendo positivo ou negativo. Skinner tinha poucas
pessoas que influenciaram seu trabalho, mas
ninguém mais do que Pavlov, na verdade, ele
afirmou: "Russell e Watson não me deram
nenhum vislumbre do método experimental, mas
Pavlov: Controle o ambiente e você verá ordem
no comportamento". Ao longo de seus escritos,
Skinner expressa abertamente sua afeição por
Pavlov, quer esteja pendurando uma foto
assinada de Pavlov na parede de seu escritório
161
ou mencionando em sua biografia que Pavlov "É
uma estrela que ilumina o mundo". Não temos
dúvidas de que Pavlov influenciou a pesquisa
conduzida por muitas pessoas, como Skinner, e
como suas idéias foram manipuladas e
construídas, vimos como elas motivaram o
gerenciamento do comportamento nas escolas
hoje. Reforço positivo e negativo é uma prática
comum vista na sala de aula. Muitos professores
conscientizam seus filhos sobre o que se espera
deles desde o início do ano, para que haja uma
indicação clara de que bom comportamento é;
ações que quebram essas expectativas são
muitas vezes consideradas como um mau
comportamento. Segundo o mesmo autor, a fim
de incentivar o bom comportamento, os
professores irão fornecer recompensas para as
crianças, estas podem incluir adesivos, jogos que
as crianças gostam e outras coisas boas. O
objetivo disso é motivar as crianças a se
comportarem bem e trabalharem duro na
esperança de que elas recebam uma
recompensa. Por outro lado, os professores
também terão punições que são usadas na
esperança de desencorajar o comportamento
negativo. Exemplos de punições podem ser a
remoção do tempo livre, denúncia ou exclusão de

162
uma criança de uma atividade de que gostam. As
punições são usadas para enfraquecer um
comportamento específico, enquanto as
recompensas são usadas para fortalecer ou
reforçar um comportamento específico. Skinner
argumentou que a aprendizagem é um resultado
do reforço ou punição de comportamentos dentro
de um contexto que é deliberadamente
manipulado pelo professor. Portanto, um
professor pode estruturar seu ensino para receber
a resposta correta, ou até mesmo usar punidores
para garantir que a resposta incorreta não seja
dada. Como professores, queremos incentivar as
crianças a gerar suas próprias idéias sobre o
aprendizado e aprender da maneira que melhor
lhes convier. No entanto, é importante que o estilo
em que eles escolhem aprender não afete a
aprendizagem dos outros. Isso não significa
necessariamente que eles devem permanecer em
silêncio e restritos de discutir suas idéias como
um grupo, mas isso significaria que, embora o
aprendizado das crianças esteja se comportando
adequadamente, ou não seu comportamento é
considerado apropriado seria a critério do
professor. No entanto, as conseqüências do
comportamento são importantes, pois isso
determinará se o comportamento ocorrerá

163
novamente. Há muito o que pensar sobre o
gerenciamento de sala de aula e como obter o
melhor de todos os nossos filhos; o behaviorismo
é uma teoria a ser considerada como Atherton
(2010) afirmou, foi “minada” pela “revolução
cognitiva”.
Quando as pessoas começaram a reconhecer
Pavlov e seu trabalho se tornou bem conhecido, a
idéia de condicionamento se ramificou para se
tornar um conceito-chave no especialismo em
desenvolvimento da psicologia comparada. O
trabalho de Pavlov com o condicionamento
clássico teve uma enorme influência sobre como
os humanos se percebem, seu comportamento

164
165
Capítulo 5
Alexis Nikolaevich
Leontiev

A
lexis Nikolaevich Leontiev
(Russo:Алексей Николаевич Леонтьев;
18 de fevereiro de 1903, Moscou - 21 de
janeiro de 1979 (Moscou) foi um psicólogo
soviético. Alexei N. Leontiev nasceu em 1903 em
Moscou. Depois de graduar-se em Ciências
Sociais, aos vinte anos, em 1924, Leontiev
passou a
trabalhar com Kornilov na tentativa de
desenvolver uma psicologia baseada na filosofia
do marxismo-leninismo, sendo que seu talento
apareceu nos primeiros experimentos realizados
com Luria sobre reações afetivas. Mas a direção
principal de sua pesquisa tomou forma quando
passou a trabalhar de forma próxima com
Vigotski, na segunda metade da década de 1920,
que, em conjunto com Luria, desenvolveram uma
teoria da origem sócio-histórica das funções
psíquicas superiores, as funções especificamente
humanas, em resposta ao behaviorismo e o foco

166
no mecanismo estímulo-resposta como
explicação do comportamento humano. Os três
pesquisadores trabalharam no mesmo grupo até
1930, quando Leontiev foi convidado a criar um
grupo de pesquisa na cidade de Kharkov,
retornando a Moscou em 1934. O grupo de
Kharkov elaborou diversos estudos experimentais
e teóricos na Academia de Psiconeurologia
Ucraniana focados na estrutura e origem da
atividade humana, principalmente a atividade
prática, e seu papel na formação dos vários
processos psíquicos em diferentes estágios do
desenvolvimento ontogenético. Em 1941 passou a
lecionar na Universidade de Moscou e foi
organizador da faculdade de Psicologia em 1966.
Foi membro da Academia de Ciências
Pedagógicas da URSS e doutor honoris da
Universidade de Paris. Foi presidente do
congresso Internacional de Psicologia de Moscou
(1971). Experimentador ao longo de toda sua
vida, trabalhou sobre o desenvolvimento do
psiquismo na criança, do psiquismo animal, a
percepção, os sistemas funcionais do psiquismo,
as relações entre o ser humano e as técnicas
modernas etc.
No decurso de meio século de atividade científica
efetuou e dirigiu um número considerável de

167
trabalhos experimentais. Foi a partir deles e para
melhor os interpretar que chegou a uma
concepção de conjunto. Suas investigações o
levaram a defender a natureza sócio-histórica do
psiquismo humano e a partir daí a teoria marxista
do desenvolvimento social se tornaram, para ele,
indispensável. Leontiev, porém, não limita seu
horizonte ao laboratório, preocupa-se com os
problemas da vida humana em que o psiquismo
intervém, o seu campo de estudos compreende a
pedagogia, a cultura no seu conjunto, o problema
da personalidade etc.
Envolveu-se com numerosos órgãos e
organismos da vida científica, filosófica e política.
Foi discípulo de Vigotski e
empreendeu com este, vários trabalhos sobre o
desenvolvimento ontogenético do psiquismo,
especialmente sobre a memorização.
Na obra O Desenvolvimento do Psiquismo, o
autor tem como objetivo revogar opiniões
biologizantes sobre a natureza e o
desenvolvimento do psiquismo humano, na qual
os processos psíquicos superiores e as aptidões
humanas dependeriam diretamente e fatalmente
dos caracteres biológicos hereditários. Estas
concepções manifestam-se também nos
preconceitos pedagógicos ou outros resultantes

168
da desigualdade secular das condições sociais do
desenvolvimento das pessoas.
Finalmente, um pequeno livro muito importante
que apareceu em Moscou em meados de 1974,
que reúne os trabalhos e reflexões dos últimos
anos de vida sob o título Atividade. Consciência.
Personalidade. Neste, Leontiev fala, entre outras
coisas, da psicologia soviética, que foi o caminho
de uma luta incessante orientada para a
assimilação criadora do marxismo-leninismo e
contra as concepções idealistas e mecanistas
biologizantes que tomava ora um rosto, ora outro.
Compreendíamos todos que a psicologia marxista
não é uma tendência particular, não é uma
escola, mas, uma etapa histórica que representa
o princípio de uma psicologia altamente científica
e consequentemente materialista. Foi amigo e
companheiro intelectual de Evald Ilienkov. Morreu
em Moscou, em 1979, devido a um ataque
cardíaco.

Teoria da atividade
e a Leontiev
Em Psicologia Academica (2018)Verifica-se em
sua teoria vários conceitos desenvolvidos por
Vygotsky, como a construção histórica da relação
169
homem-mundo e a mediação por instrumento
nessa relação. Mas o que marca mesmo a sua
obra é a influência de Marx. Em sua leitura, a
Psicologia soviética é marxista, atribuindo aos
conceitos de atividade e consciência
desenvolvidos por Marx um cunho psicológico:
“Compreendíamos todos que a Psicologia
marxista não é uma tendência particular, não é
uma escola, mas uma nova etapa histórica que
representa o princípio de uma Psicologia
autenticamente científica e conseqüentemente
materialista”.
Leontiev coloca que um traço distintivo entre o
homem e os outros animais é a sua capacidade
de planejar e atingir objetivos conscientemente,
acredita que as atividades são formas do homem
se relacionar com o mundo, traçando e
perseguindo objetivos, de forma intencional, por
meio de ações planejadas. Para o autor, a
atividade é a forma de transações recíprocas
entre o sujeito e o objeto, com ela pode-se
subjetivar o objeto pela internalização e objetivar
o subjetivo como a personalidade, processo que
será explicado no decorrer do trabalho, conforme
forem sendo abordados os demais conceitos.

170
Como coloca Leontiev: “A atividade é uma
unidade molecular... é a unidade da vida mediada
pelo reflexo psicológico, cuja função real consiste
em orientar o sujeito no mundo objetivo. Em
outras palavras, atividade não é uma reação nem
um conjunto de reações, senão um sistema que
tem estrutura, suas transições e transformações
internas, seu desenvolvimento”.
As atividades humanas são um sistema que está
contido nas relações sociais, no qual o trabalho
ocupa o lugar central e a atividade psicológica
interna do indivíduo tem sua origem na atividade
externa, já que o homem encontra na sociedade
os fins e motivos para sua atividade, não só o
lugar onde desenvolvê-las. Leontiev coloca que a
característica básica da atividade é sua
objetividade, porém em uma investigação
científica é necessário pesquisar seu objeto, já
que esse nem sempre fica claro. O objeto de uma
atividade pode aparecer de dois modos: em uma
existência independente, subordinando e
modificando a atividade do sujeito; e como
resultado da própria atividade, como imagem do
objeto, internalizada como reflexos psíquicos.
Outro ponto constituinte da atividade é a
necessidade, é ela que regula e orienta a
atividade concreta do sujeito em seu meio

171
objetivo, porém o meio externo também pode criar
as necessidades dos indivíduos, levando-os a
agir.
As necessidades e os motivos são
correlacionados com as emoções e
sentimentos, eles ocupam um caráter
fundamental no desenvolvimento
das atividades dos sujeitos e na análise dos
objetos da atividade, não havendo atividade sem
motivo. Uma atividade aparentemente sem motivo
é apenas uma atividade com um motivo subjetivo
e objetivamente oculto.
O conceito de internalização também
desempenha, na teoria de Leontiev, um papel
especial no desenvolvimento nas operações
internas do pensar. A internalização permite
transformar objetos externos, materiais em
processos que transcorrem no plano mental, na
consciência se desenvolvendo, se generalizando
ou reduzindo, são capazes de transcender a
atividade externa. O processo de internalização
origina diversos atos mentais como o pensamento
que é mediado pela linguagem.
O instrumento medeia a atividade, possibilitando
ao homem relacionar-se com os objetos e
também com outros homens. É no instrumento
que se cristalizam os procedimentos e operações.

172
As ações, conforme descritas por Leontiev, são
processos subordinados ao um fim consciente. Os
fins não são delimitados arbitrariamente, eles dão,
antes de tudo, em condições objetivas e um de
seus aspectos importantes ocorre na delimitação
das condições para atingi-lo.
Muitos teóricos não diferenciam ações e
operações, mas Leontiev marca essa distinção,
defendendo que as ações estão ligadas ao fim e
as operações com as condições da atividade. Os
fins podem ser os mesmos, mas as condições em
que se dão podem ser modificadas, alterando a
composição da ação.
A atividade humana é resultado de um processo
de desenvolvimento sócio-histórico e vai sendo
internalizada pelo indivíduo constituindo sua
consciência e influenciando sua personalidade.
Leontiev coloca que a consciência individual só
pode ocorrer diante de uma consciência social e
da linguagem que é o seu real substrato. Assim,
no processo de materialização dos homens a
linguagem, que também é produzida, serve como
meio de comunicação, sendo portadora dos
significados elaborados socialmente.
A formação de imagens faz parte dos fenômenos
da consciência, e elas se formam por uma
necessidade de representação da imagem

173
psíquica, conseqüência da atividade produtiva e
laboral que distingue a condição humana.
A consciência pode estar na base da atividade, já
que muitas vezes ela se constitui em um
movimento real em relação à atividade.
Em contato direto com a realidade objetiva, a
atividade se transforma, se enriquece e neste
enriquecimento se cristaliza no produto, assim a
atividade realizada é mais rica, mais verdadeira
do que a consciência que a prevê, mas para que
esse produto se apresente ao sujeito de forma
cognitiva, deve ocorrer uma transformação, que
se opera mediante ao funcionamento da
linguagem.
Leontiev, assim como Vygotsky, enfatiza muito a
importância da linguagem no processo de tomada
de consciência frente à realidade social. Para ele,
pela consciência pode se perceber as noções de
dominação entre classes. Assim, a tomada de
consciência também pode ser um ato político.
A consciência é composta por elementos
sensoriais e Leontiev atribui a eles o modo pelo
qual o sujeito representa o mundo fora da sua
consciência, na realidade externa, contribuindo
assim para desenvolver o sentido da realidade.
Outro elemento que Leontiev trabalha como
constituído e constituinte da atividade é a

174
personalidade, já que para ele a personalidade
faz parte de um momento interno da atividade.
Discutindo esse tópico Leontiev coloca em debate
as várias conceituações das escolas de
psicologia, colocando o conceito de personalidade
como um problema psicológico. Conceitua que se
deve conceber este conceito como uma nova
formação psicológica que se vai constituindo por
meio de relações vitais do indivíduo, tendo como
base o método dialético marxista.
Para se chegar a uma concepção psicológica e
autenticamente científica deve-se enfocar a
característica histórico-social da personalidade,
bem como, a investigação do nascimento e
transformações que podem ocorrer em condições
sociais concretas.
A personalidade, para Leontiev, como descrito
acima, é produzida pelas relações sociais que o
homem estabelece por sua atividade e se
constitui como um processo bastante avançado
de desenvolvimento. Leontiev descreve ainda
que, se uma pessoa possui uma determinada
característica ou deficiência, desenvolve suas
atividades por meio dessas limitações, e sua
personalidade também vai ser constituída desse
modo; isto se trata de relações sociais específicas

175
do homem que entram em sua atividade
objetivada.
Outro ponto da teoria de Leontiev, que chama
atenção, é sua afirmação de que as crianças
pequenas não possuem personalidade. Para ele
essa vai sendo constituída a partir das relações
estabelecidas com o mundo e de suas atividades,
primeiramente no âmbito familiar e depois em um
meio social mais amplo, pois o processo de
formação da personalidade supõe o
desenvolvimento de formação de fins e portanto,
de ações do sujeito, que a criança muito pequena
não possui.
Para Leontiev a primeira base para o
desenvolvimento da personalidade é a riqueza de
seus vínculos com o mundo e os motivos. As
necessidades e as emoções, assim como
constituem a atividade também são primordiais no
desenvolvimento da personalidade.
Nesse breve apanhado das idéias de Leontiev,
que não teve como objetivo explorar toda a
riqueza de sua obra, mas apenas expor suas
idéias mais importantes, nota-se que sua visão de
homem passa por três níveis distintos: o nível
biológico, no qual o homem é enfocado como um
ser corporal, fisiológico e natural. Em um segundo
nível, que é o psicológico, o sujeito atua mediante

176
uma atividade e por último o nível social, no qual
o homem se torna executor das relações sociais
objetivas do processo sócio-histórico.

Desenvolvimento,
aprendizagem e
atividades lúdicas em
Leontiev
Conforme Duarte (2002), a teoria da atividade
surgiu no campo da psicologia, com os trabalhos
de Vigotski, Leontiev e Luria. Ela pode ser
considerada um desdobramento do esforço por
construção de uma psicologia sócio-
históricocultural fundamentada na filosofia
marxista. Embora a denominação “teoria da
atividade” tenha surgido mais especificamente a
partir dos trabalhos de Leontiev, muitos autores
acabaram por adotar essa denominação também
para se referirem aos trabalhos de Vigotski, Luria
e outros integrantes dessa escola da psicologia.
Atualmente essa teoria apresenta claramente um
caráter multidisciplinar, abarcando campos como
a educação, a antropologia, a sociologia do
trabalho, a lingüística, a filosofia.

177
Conforme Duarte (2002), A Teoria da Atividade
em Aleksei Nikolaevich Leontiev (1903-1979) Os
dois principais livros de Leontiev são “Problems of
Development of the Mind” (“Problemas de
Desenvolvimento da Mente”) e “Activity,
Consciousness, and Personality” (“Atividade,
Consciência e Personalidade”). Embora não seja
possível no seu artigo analisar de forma detalhada
o conteúdo desses dois livros, o autor acredita ser
oportuno apresentar algumas informações
básicas acerca desse conteúdo. Há duas edições
em português do primeiro livro, ambas com o
título O desenvolvimento do psiquismo e, ao que
parece, não havendo diferenças quanto ao texto,
o qual é uma tradução de uma edição francesa
desse livro. A edição em inglês acima citada não
foi organizada com os mesmos capítulos da
edição em português: alguns capítulos são
comuns às duas edições mas outros não o são.
Essa edição em inglês contém dois trabalhos de
Leontiev ainda não publicados em português: um
deles intitula-se O problema da origem das
sensações (The Problem of the Origem of
Sensation), sendo uma parte da tese de
doutorado de Leontiev, datada de 1940; o outro
trabalho intitula-se O desenvolvimento das formas
superiores de memória (The Development of

178
Higher Forms of Memory), sendo um capítulo de
um trabalho publicado pela primeira vez em 1931,
resultante de uma pesquisa experimental
realizada de 1928 a 1930, articulada aos estudos
que Vigotski realiza na época, sobre a caráter
culturalmente mediatizado dos processos
psicológicos superiores. Além desses dois
capítulos ainda não publicados em português, a
citada edição desse livro de Leontiev contém dois
artigos que não constam da edição em português
desse livro mas que já foram publicados em
português numa coletânea intitulada Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem (de Vigotskii;
Luria; Leontiev). Um desses artigos de (Leontiev)
intitula-se Os princípios psicológicos da
brincadeira pré-escolar (The Psychological
Principles of Preschool Play) tendo sido publicado
pela primeira vez em 1944; o outro artigo intitula-
se Uma contribuição à teoria do desenvolvimento
do psiquismo da criança (A Contribution to the
Theory of the Development of the Child’s Psyche)
tendo sido publicado pela primeira vez em 1945,
incorporando idéias que o autor defendera em
outros dois trabalhos, publicados em 1938 e 1941.
Por sua vez, a edição em português conta com
um texto ausente da edição em inglês, intitulado
O Homem e a Cultura.

179
No final do seu artigo, Duarte (2002) comentou
que a teoria da atividade perde muito de seu
potencial de contribuição para os estudos e
pesquisas sobre a educação na sociedade
contemporânea se não fizer parte do núcleo
dessa teoria a abordagem da alienação produzida
pelas relações sociais de produção no interior da
sociedade capitalista na qual vivemos. Autores
contemporâneos que trabalham com a teoria da
atividade têm negligenciado, na maioria dos
casos, os estudos que Leontiev realizou sobre a
alienação na sociedade de classes. Por fim, um
tema a ser investigado na pesquisa, no tocante às
relações entre a teoria da atividade e a educação
na sociedade contemporânea, é o tema do
conhecimento como objeto de estudo da
epistemologia (ou teoria do conhecimento), da
psicologia da cognição e da pedagogia (a
transmissão de conhecimento como processo
educativo).
Cintia Regina de Fátima e Flávia Gonçalves da
Silva (2013), em seu artigo “ Desenvolvimento,
aprendizagem e atividades lúdicas na concepção
de Leontiev: contribuições para a educação física
escolar“, escreveram que Leontiev considerava a
consciência como um processo psíquico superior
que caracteriza a evolução humana. A

180
consciência é capaz de discriminar, sem
dissociar, as relações objetivas daquelas
subjetivas, relações estas que são estabelecidas
entre o homem e a realidade. O que permite tal
distinção é o reflexo psíquico consciente,
considerado como o produto das relações
estabelecidas entre o homem e a realidade, de
modo que o indivíduo é capaz de compreender o
mundo para além da percepção imediata e se
apropriar deste efetivamente. Todo esse processo
é possível pelas construções socialmente
elaboradas ao longo da história da humanidade e
que propiciou no homem o surgimento dos
processos psíquicos complexos, que permitem a
apropriação da realidade considerando as
mediações que constituem sua totalidade. De
acordo com as palavras do autor, “a consciência é
o reflexo psíquico da realidade, refratada através
do prisma das significações e dos conceitos
linguísticos, elaborados socialmente”.
Segundo as mesmas autoras, para Leontiev, a
primeira condição fundamental para o processo
de apropriação é a atividade, já a segunda se
refere à comunicação. Para o referido autor, não
se denomina por atividade qualquer tarefa
desempenhada, mas apenas aquilo que tem
sentido para o indivíduo que a realiza, mesmo que

181
ele (o sentido) não seja consciente. Este sentido
está diretamente relacionado com o motivo e o
objetivo que leva a pessoa a agir. De acordo com
Regina e Silva (2013) Leontiev, reafirma essa
concepção quando nos afirma que:

“[...] la actividad no es
una reacción, así como tampoco un conjunto de
reacciones, sino que es un sistema que posee
una estructura, pasos internos y conversiones,
desarrollo”. Portanto, a actividade é uma unidade não
aditiva de vida material, corpórea, do sujeito material. No
sentido estrito, isto é, no plano psicológico, é uma
unidade de vida, mediatizada pela reflexão mental, por
uma imagem cuja função real é reorientar o sujeito no
mundo objetivo.

A atividade busca satisfazer as necessidades


humanas e é mediada pelo reflexo psíquico, de tal
forma que possibilita a imagem do objeto
transferir-se para o plano subjetivo, assim como, a
imagem do plano ideal se tornar objeto material.
Tal peculiaridade da consciência permite o
indivíduo agir no mundo. Essa relação prático-
objetiva do indivíduo para com o objeto só é
possível pelo surgimento da consciência que
segundo Leontiev, tem origem no homem por
meio do trabalho coletivo.
A reflexão do homem a respeito do mundo
objetivo não é dada por influências externas como
se o indivíduo estivesse passivo frente aos
objetos, mas pela relação entre eles – sujeito e
182
objeto. A atividade, enquanto mediadora desta
relação, é controlada no primeiro momento pelo
objeto, isto é, pelo contato prático entre o sujeito e
a realidade objetiva respeitando suas
propriedades, ligações e relações independentes,
e no segundo momento é controlada pela imagem
deste objeto, obtida como produto subjetivo da
atividade que comporta em si os conteúdos
objetivos desta. Dessa forma, podemos dizer que
para compreender a formação do psiquismo, é
necessário entender a construção social do
sujeito, ou seja, sua atividade própria (Regina e
Silva, 2013).
Por fim as autoras concluíram que, a perspectiva
da cultura corporal somada as contribuições que
as concepções de Leontiev podem oferecer para
a Educação Física reforçam ainda mais a
necessidade da escola romper com a lógica
tecnicista dos movimentos. Lógica essa que exclui
aqueles sujeitos que não apresentam tanta
habilidade, impedindo-os, consequentemente, de
ter acesso a uma forma de conhecimento tão
importante quanto as demais que existem no
currículo escolar. Nesse sentido, não basta
apenas ter um Projeto Político Pedagógico que
oriente a ação pedagógica de modo a promover
maior humanização, mas sim garantir que o

183
acesso a cultura corporal seja efetivo, tendo o
professor clareza que esses conteúdos, sentidos
e significados estão sendo construídos nessas
atividades pelo aluno, a partir da mediação dele
professor.

184
185
Capítulo 6
Alexander Romanovich
Luria
“Все новое - это хорошо забытое старое”
Trandução: “Tudo novo é bem esquecido”
Proverbio russo

A
Lexander Romanovich Luria foi um
russo que viveu no século passado
(1902-1977) e é considerado o pai da
Neuropsicologia moderna, sendo inclusive o
criador deste termo. Trabalhou junto com Lev
Semionovich Vygotsky e Alexei Leontiev na
construção de uma Psicológica com uma
fundamentação filosófica marxista-dialética.

186
Alexander Romanovich Luria (russo: Алекса́ндр
Рома́нович Лу́рия; Cazã, 16 de julho de 1902 —
Moscou, 14 de agosto de 1977) foi um famoso
psicólogo soviético especialista em psicologia do
desenvolvimento. Foi um dos fundadores de
psicologia cultural-histórica onde se inclui o
estudo das noções de causalidade e pensamento
lógico–conceitual da atividade teórica como
função do sistema nervoso central. Filho de pais
judeus, nasceu em Kazan, uma região central a
leste de Moscou. Estudou o Curso de Ciências
Sociais da Universidade Estadual de Kazan
(graduado em 1921) e graças ao seu interesse
em psicologia e à sua erudição, em 1924, foi
convidado a participar do recém criado Instituto de
Psicologia de Moscou. Estudou no Instituto
médico de Kharkov e no Instituto Médico de
Moscou graduando-se em medicina em 1937,
onde depois foi professor (1944). Obteve seu
doutorado em Pedagogia (1937) e Ciências
Médicas (1943). Ao longo de sua carreira, Luria
trabalhou em uma extensiva variedade de áreas
científicas e em diversas instituições, a exemplo
da Academia Comunista de Educação (1920-30s)
e Instituto Defectologia Experimental (1920-30s,
1950-60s) ambos em Moscou; Academia

187
Ucraniana de Psiconeurologia (Kharkov, no início
dos anos trinta); Institutos Reunidos de Medicina
Experimental; Instituto de Neurocirurgia de
Burdenko (no final dos anos trinta) e outras
instituições.
No início dos anos trinta, Luria foi para a escola
médica. Durante a guerra, continuou seu trabalho
no Instituto de Psicologia de Moscou. Durante um
determinado período, ele ficou afastado do
Instituto de Psicologia, principalmente como
resultado da intensificação do anti-semitismo e
optou por pesquisar crianças mentalmente
retardadas no Instituto de Defectologia durante os
anos cinqüenta.
A partir de 1945, trabalhou na Universidade de
Moscou, o que foi essencial para fundação da
Faculdade de Psicologia desta universidade, onde
ele depois chefiou os Departamentos de
Psicopatologia e Neuropsicologia. Enquanto era
estudante em Kazan, estabeleceu a Associação
Psicanalítica Kazan e trocou cartas com Sigmund
Freud (1856-1939). Posteriormente, Luria, na
época da publicação de seus trabalhos sobre
linguagem e neuropsicologia (1947), negou
publicamente sua ligação com Freud e influência
da teoria psicanalítica, visando evitar perseguição
política. Observe-se que o mesmo não aconteceu

188
com seu conteporâneo Roman Jakobson (1896 -
1982) que residia fora da URSS onde as
referências aos estudos de Freud sobre afasia
foram mantidos.
Em 1923, com seu trabalho sobre tempos de
reação associados a processos de pensamento,
conquistou uma colocação no Instituto de
Psicologia de Moscou. Lá, ele desenvolveu o
“método motor combinado", que ajudava
diagnosticar processos específicos de
pensamento, criando o primeiro dispositivo efetivo
detector de mentira. Esta pesquisa foi publicada
no EUA em 1932 e em russo apenas em 2002.
Em 1924, Luria conheceu Lev Vygotsky (1896-
1934) que grandemente o influenciaria. Junto com
Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979), estes
três psicólogos lançaram um projeto para
desenvolver uma psicologia radicalmente nova.
Esta aproximação inter - relacionou “análises
“culturais” e ”históricas" à "psicologia instrumental"
usualmente conhecida em nossos dias, como
psicologia cultural-histórica. Ela enfatiza o papel
mediador da cultura, particularmente da
linguagem, no desenvolvimento de funções
mentais superiores na ontogênese e filogênese.
Nos anos trinta Luria, deu continuidade ao seu
trabalho com as expedições para pesquisas de

189
neuropsicologia e cultura na Ásia Central. Sob
supervisão de Vygotsky, Luria investigou várias
mudanças psicológicas (inclusive percepção,
resolução de problemas, e memória) que se
sucederam como resultado de reeducação e
desenvolvimento cultural que aquelas minorias
(as aldeias nômades do Uzbekistão e da
Khirgizia) se submeteram nas intervenções do
governo revolucionário. O que tem sido
considerado como uma importante contribuição
ao estudo da linguagem verbal. Posteriormente
ele estudou gêmeos idênticos e fraternais nos
grandes internatos escolares para determinar a
interação da multiplicidade de fatores genético e
culturais que interferem no desenvolvimento
humano. No início de seus estudos
neuropsicológicos no final dos anos 30, como
também ao longo da vida acadêmica pós-guerra,
ele concentrou-se no estudo da afasia,
focalizando a relação entre linguagem,
pensamento e funções corticais. Especialmente o
desenvolvimento da compensação de funções
corticais na reabilitação da afasia. Durante
Segunda Guerra Mundial, Luria liderou uma
equipe de pesquisa no Hospital do Exército para
desenvolver métodos de reabilitação de
deficiências orgânicas psicológicas em pacientes

190
com lesões no cérebro. O trabalho sobre a
avaliação das funções cognitivas associadas às
áreas lesionadas do cérebro o levou a ser
considerado o pai da Neuropsicologia. Outra
grande contribuição foi em relação à formulação
do conceito de Neuroplasticidade, o que
influenciou os estudos atuais em Neurociências a
respeito da possibilidade de reabilitação cognitiva
a partir da transformação dos neurônios através
do contato com estímulos ambientais.
Morreu, em Moscou aos 75 anos, alguns anos
depois de publicar os estudos de casos realizados
nesse período, praticamente dando início à
Neuropsicologia que conhecemos hoje.

Luria e a Teoria do
Sistema Funcional

Leandro Kruszielski (2018), em artigo sobre a


Teoria do Sistema Funcional de Luria, escreveu
que Luria conseguiu observar dialeticamente o
movimento histórico das neurociências: enquanto
o localizacionismo de Gall, Wernicke e Broca
poderiam ser entendidos como uma tese, a
antítese estava no unitarismo de Hughlings

191
Jackson e Flourens. O próximo movimento
esperado seria a síntese. Se, por um lado, cada
área do cérebro era descrita como responsável
por uma função mental específica e, por outro, o
cérebro em sua totalidade era tido como
responsável por todas as funções, Luria propõe
sinteticamente que os dois modelos, de certa
forma, estavam certos e errados ao mesmo
tempo. Cada área cerebral seria responsável, sim,
por uma especificidade mas também estas áreas
atuariam conjuntamente, na forma de um sistema
dinâmico e integrado, utilizando todo o sistema
nervoso. Luria lança a idéia de Sistema Funcional
. Embora a idéia original de Sistema Funcional
seja de outro conterrâneo seu, Pyotr Kuzmicj
Anokhin (1898-1974), Luria conseguiu ampliá-la,
aplicando-a ao Sistema Nervoso Central humano.
Para isto realizou a revisão de três conceitos:
função, localização e sintoma, que veremos a
seguir. Para Luria, a função cerebral não pode ser
entendida como a função de uma área em
particular, assim como a função respiratória não é
“propriedade” apenas do pulmão, mas de todo o
sistema respiratório. A função passa a ser
entendida como um sistema funcional completo e
complexo, sem reduzir uma atividade cognitiva
complexa a uma ou poucos agrupamentos

192
neuronais específicos. Também agora a
localização perde o sentido se estiver limitada a
busca áreas específicas para funções específicas.
O objetivo da localização para Luria é determinar
quais as regiões do cérebro estão trabalhando
conjuntamente para construir uma atividade
mental complexa e qual é a contribuição de cada
uma destas áreas ao sistema funcional completo.
Quanto ao sintoma, não se trata agora de um
distúrbio de alguma área um função determinada.
A idéia do sistema funcional é buscar a
identificação do fator básico que está por trás do
sintoma observado. O que causa o sintoma é
mais importante que o sintoma em sim.
Fenômenos psicológicos como percepção,
memória, imagem corporal ou atenção podem ser
considerados produtos do processamento de
diversas áreas cerebrais que, trabalhando em
concerto, proporcionam a função requerida, sendo
que cada zona cerebral individual contribui com
um fator específico ao processo. Delimitar áreas
específicas do cérebro como sendo responsáveis
por funções cognitivas específicas (tal como
realizava a concepção localizacionista) é um erro.
Da mesma maneira, outra atitude errônea é
admitir que as formas complexas de atividade
mental estão relacionadas ao 2 Esta visão

193
sistêmica ainda hoje é pouco compreendida. Não
é raro encontrarmos pais, familiares e até mesmo
profissionais da área da educação querendo
encontrar “a área cerebral afetada” que estaria
causando uma dificuldade de aprendizagem.
funcionamento de todo o cérebro, como entendia
a concepção unitarista. No modelo de sistema
funcional, existe a presença de uma tarefa
constante, que é invariável, mas é desempenhada
por mecanismos diferentes, que são variáveis.
Voltando ao exemplo da leitura, o objetivo (ler) e o
resultado (a leitura em si) são invariáveis. No
entanto, os mecanismos são variáveis, pois a
leitura pode ocorrer, por exemplo, por uma rota
fonológica ou por uma rota semântica, utilizando
zonas cerebrais diferentes. O resultado é o
mesmo, mas o processo mudou. Isto apenas
pode ser entendido se tomarmos a concepção de
sistema funcional como modelo. As Unidades
Funcionais Luria pensou o Sistema Nervoso
Central como estruturado hierarquicamente de
uma forma vertical. As estruturas inferiores
serviriam de base para as atividades das
estruturas superiores. O funcionamento adequado
das estruturas superiores, portanto, dependeria
do funcionamento das estruturas inferiores.
Quanto mais acima na hierarquia, mais as

194
estruturas seriam novas na filogênese e na
ontogênese3 , mais seriam elaboradas e seria,
até mesmo, mais frágeis. A divisão dentro desta
hierarquia foi em três grandes unidades
funcionais. A primeira unidade funcional foi
descrita como a responsável pela vigília e pelo
tônus cortical. A segunda unidade funcional era a
encarregada de receber, processar e armazenar
as informações que chegavam do mundo externo
e interno. E a terceira unidade funcional regularia
e verificaria as estratégias comportamentais e a
própria atividade mental.
Na teoria do Sistema Funcional, Luria além de
descrever as três unidades funcionais e as suas
atuações em concerto de forma hierárquica6 ,
também descreve o funcionamento das áreas
corticais da segunda e terceira unidades
funcionais. Para o autor são basicamente três os
grupos em que se dividem os neurônios no córtex,
de acordo com sua morfologia e função,
compreendendo as áreas primárias, secundárias
e terciárias. Localização das áreas primárias,
secundárias e terciárias no córtex cerebral Na
segunda unidade funcional as áreas primárias,
também conhecidas como áreas de projeção, são
grupos de neurônios que respondem somente à
propriedade muito específicas do estímulos. Nas

195
áreas visuais primárias, por exemplo, existem
agrupamentos neuronais próprios para processar
informações apenas de cor, de forma ou de
movimento. No caso das áreas auditivas
primárias, há grupos específicos para cada
freqüência sonora! 6 Quando afirmamos que o
Sistema Funcional de Luria é hierárquico, esta
afirmação não apenas se refere às unidades
funcionais, mas também à ordem existente entre
a conexão de camadas de neurônios presentes
nestas unidades funcionais. Como alerta, vale
lembrar que devemos cuidar para não confundir a
primeira, segunda e terceira unidade funcional
com as áreas primárias, secundárias e terciárias
do córtex cerebral.
Nas áreas primárias a informação ainda é
desencontrada e não chega a formar uma
imagem (quer seja ela uma imagem visual,
auditiva ou somestésica). Por isto as áreas
primárias são responsáveis apenas pela
sensação. A percepção, que podemos entender
como a formação de uma imagem, só começa a
aparecer nas áreas corticais secundárias, também
chamadas de gnósticas. Gnosia em grego
significa conhecimento, é justamente isto que as
áreas secundárias propiciam. Ao formar uma
imagem, conseguimos reconhecê-la (como sendo

196
o formato de cortador de unha ao toque das
mãos, a voz da mãe pelo telefone ou a visão de
uma bicicleta antiga que passa em frente à
janela). Já as áreas terciárias são chamadas de
áreas de superposição, ou de integração, pois
relacionam as informações de fontes diferentes,
possibilitando que os lobos corticais posteriores
atuem em concerto. As percepções auditivas se
integram com as visuais e táteis, como quando,
depois de ouvir o barulho de uma moeda caindo,
vemos a moeda e pegamos nas mãos, sentido-a.
A integração das áreas terciárias permitem um
nível maior de abstração e simbolismo,
relacionando a linguagem com todas as
informações que estão sendo processadas.
Representação esquemáticas das áreas corticais
Por isso a passagem das áreas primárias para as
terciárias é a transição da síntese direta para o
nível de processos simbólicos mais complexos,
atividade cerebral esta que gostamos de pensar
como tipicamente humana. Se nas áreas
primárias ocorre a sensação e nas secundárias a
percepção, nas áreas terciárias podemos afirmar
que ocorre a cognição. Luria apresenta três leis
que governam a estrutura de funcionamento das
regiões corticais individuais. A primeira, chamada
de lei da estrutura hierárquica das zonas corticais.

197
Esta lei afirma que há uma síntese
progressivamente mais complexa das
informações que chegam. As áreas terciárias
organizam a atividade das secundárias, que
organizam a atividade das primárias. Um trabalho
de síntese cada vez mais complexo. O trabalho
de síntese ocorre primeiro em uma mesma
modalidade sensorial (nas áreas secundárias) e
depois por uma multimodalidade (nas áreas
terciárias) deixando o processo mais rico e
complexo. Interessante notar que este caminho
das áreas primárias para as terciárias é típico na
organização funcional da criança pequena,
realizando uma rota ascendente, também
conhecida como de-baixo-paracima. O contrário
ocorre com o adulto: um processo descendente,
ou de-cima-parabaixo. As áreas terciárias
começam organizando e coordenando as
secundárias e estas assim realizam também com
as primárias. Ou seja, o caminho neuronal é
diferente no adulto e na criança sendo esta uma
das razões para que lesões com a mesma
localização tenha efeitos tão diversos
dependendo da idade em que ocorrem.7 A
segunda lei é a lei da especificidade decrescente
das zonas corticais hierarquicamente
organizadas. Os neurônios das áreas primárias

198
possuem uma especificidade modal muito grande
que vai diminuindo nas áreas secundárias até se
tornar multimodal nas áreas terciárias. Isto
significa os neurônios que estão presentes nas
áreas primárias só executam atividades muito
específicas e não processam informações
diferentes para o que não foram designados: um
neurônio responsável pela sensação do polegar
do pé, por exemplo, dificilmente processará uma
sensação da orelha. Já um neurônio das áreas
terciárias, não só processa informações origens
diferentes, como de modais diferentes: consegue
integrar estímulos auditivos com visuais, por
exemplo. Desde modo, as áreas secundárias e
terciárias, com seus neurônios multisensoriais e
associativos realizam um papel organizador e
integrador no funcionamento das áreas mais
específicas, ou seja, as áreas primárias. Isto, em
última instância, dá sentido e senso de unidade às
informações recebidas na segunda unidade
funcional. Como terceira lei, temos a lei da
lateralização progressiva das funções. Sabemos
que os hemisférios cerebrais realizam um
processamento diferente entre si. Algumas
regiões no entanto, funcionam da mesma forma
em ambos os hemisférios. É o caso das áreas
primárias, que possuem um papel idêntico tanto

199
no hemisfério esquerdo quanto no hemisfério
direito. Mas se nos voltarmos para as áreas
secundárias e terciárias perceberemos que estas
já realizam papéis diferentes de cada lado do
cérebro. Nas áreas terciárias há uma maior
lateralização, ou seja, uma especificidade
hemisférica melhor definida. Geralmente o
hemisfério esquerdo é chamado de dominante e o
hemisfério direito de contra-dominante (ou
subdominante), justamente pela linguagem ser
específica do hemisfério dominante.8 Isto garante
a assimetria cerebral, ou seja, que os hemisférios
sejam diferentes e, por isto, desempenhem
funções diversificadas, mas complementares.
Seguindo estas três leis, todo córtex posterior é
organizado em seus lobos. No lobo occipital as
áreas primárias recebem a informação visual do
nervo óptico. A cor, a forma e movimento são
processados de modo isolado por neurônios
específicos, criando a sensação visual. Cada
ponto do campo visual equivale a um ponto na
retina que, por sua vez, será processado por um
grupo distinto de neurônios. Estas informações
passam para o córtex secundário que consegue
integrar, por exemplo, cor e forma, criando uma
imagem visual, uma percepção. Estas
informações agora são passadas para as áreas

200
terciárias, que são áreas comuns de todos os
lobos cerebrais e a imagem ganha contornos mais
elaborados integrando-se com a audição e a
percepção tátil. Inclui-se aí também o papel da
própria linguagem e da orientação espacial.
No lobo temporal as áreas primárias são
especializadas em ouvir freqüências sonoras
muito específicas, criando uma sensação auditiva.
A área secundária une tais informações e
consegue criar uma imagem auditiva, que pode
ser uma palavra, um acorde musical, o timbre de
uma voz ou algum instrumento musical ou o som
característico de algum objeto, como o de um
caminhão. As áreas terciárias integram aos outros
sistemas. No lobo parietal as áreas primárias
cada neurônios processam áreas corporais
distintas. A representação corporal que ocorre nas
áreas primária parietais é denominada Homúnculo
de Penfield, em homenagem a Wilder Penfield
(1891-1976), médico americano que descobriu a
função desta região cerebral. Em formato de um
pequeno homem (por isso a designação
“homúnculo”), esta representação possui algumas
áreas aumentadas como as mãos e os lábios. Isto
significa que há muitos mais neurônios na área
primária responsáveis em receber a estimulação
destas regiões corporais do que de outras, como

201
as costas, por exemplo. As áreas secundárias
integram as informações que provém das áreas
primarias, criando uma imagem tátil e novamente
as ares terciárias criam uma cognição complexa a
partir destes estímulos e de outros estímulos
sensoriais. Homúnculo de Penfield sensorial e
motor Áreas corticais na terceira unidade
funcional Na terceira unidade funcional, o lobo
frontal, também estão presentes as ares
primárias, secundárias e terciárias. Mas neste
caso o caminho é inverso: as áreas pré-frontais,
cujos neurônios pertencem às áreas terciárias,
são os responsáveis pelo planejamento e pela
intencionalidade. Qualquer intencionalidade de
movimento, por exemplo, inicia-se pelas áreas
terciárias (que também são pouco específicas,
podendo atuar em qualquer nível de intenção, não
apenas do movimento). Enquanto isto, as áreas
primárias são responsáveis pelo movimento direto
de partes específicas do corpo. Assim como
existe um homúnculo de Penfield sensitivo nas
áreas primárias parietais, existe um homúnculo de
Penfield motor nas áreas primárias frontais. Cada
grupo de neurônios é responsável pelo
movimento de apenas uma parte limitada do
corpo. Como na sensibilidade, existem variações
em torno do número de neurônios envolvidos em

202
cada área, algumas regiões, como as mãos,
possuem muitas células nervosas responsáveis
pelos movimentos pois a motricidade nesta área é
bastante complexa. As áreas secundárias frontais
estão entre a intenção e o movimento bruto: são
elas que conseguem coordenar os movimentos,
deixando-os mais graciosos e harmonizados.
Assim, a rota na terceira unidade funcional parte
das áreas terciárias (intenção) para as
secundárias (coordenação) para, finalmente, as
primárias (movimento) que realizam o
comportamento desejado.

Aspectos chave da abordagem


neurocientífica de Luria - as três
principais unidades funcionais
Retomando as teoria de Luria, Maria Ilmarovna
Kostyanaya e Pieter Rossouw (2013), da
Universidade de Queensland (Australia),
escreveram um artigo intitulado “Key aspects of
Luria’s neuroscientific approach – the three
principal functional units” (“Aspectos chave da
abordagem neurocientífica de Luria - as três
principais unidades funcionais“), para o
International Journal of Neuropsychotherapy,

203
escreveram que Luria postulou que os processos
mentais humanos representavam sistemas
funcionais complexos que envolviam grupos de
áreas cerebrais trabalhando em conjunto, cada
uma contribuindo de forma única para a
organização de um sistema funcional. Assim,
Luria designou três unidades funcionais principais
do cérebro necessárias para os processos
mentais humanos em geral e a atividade
consciente em particular:
• a unidade para regular o tom ou a vigília,
• a unidade para obter, processar e armazenar
informações, e
• a unidade para programação, regulação e
verificação da atividade mental.
Cada uma dessas três unidades parece ter uma
estrutura hierárquica compreendendo três zonas
corticais baseadas uma sobre a outra: a área
primária (projeção), que recebe impulsos de ou
envia impulsos para a periferia, a área secundária
(associação de projeção), onde a informação é
processada e os programas são preparados, e as
áreas terciárias (zonas de sobreposição) - os
sistemas mais recentes dos hemisférios cerebrais
a serem desenvolvidos, os quais são
responsáveis pelas formas mais complexas de

204
atividade mental que requerem o envolvimento de
muitas áreas corticais.

Unidade 1 - A unidade para


regular o tom ou estados de
vigília e mentais
Luria argumentou que o curso organizado da
atividade mental - quando uma pessoa está
recebendo e analisando informações, a atividade
é programada e os processos mentais são
verificados pela correção de erros - não pode ser
obtida sem o estado de vigília. M. N. Livanov
inventou o “toposcópio”, que permitiu aos
pesquisadores visualizar entre 60 e 150 pontos de
excitação cortical, bem como sua dinâmica, no
córtex de um animal acordado. Luria mencionou a
esse respeito Magoun e Moruzzi, que em 1949
mostraram que a formação reticular no tronco
cerebral, com a estrutura de uma rede nervosa,
gradualmente modula todo o estado do sistema
nervoso. Esta descoberta mostrou que as
estruturas que mantêm e regulam o tônus cortical
estão localizadas no subcórtex e no tronco
encefálico e têm uma relação dupla com o córtex.
Especificamente, o sistema reticular ascendente
ativa o córtex e regula o estado de atividade,
205
enquanto o sistema reticular descendente
subordina as estruturas inferiores ao controle do
córtex.
Luria alegou que essa descoberta era sugestiva
de uma organização vertical para todas as
estruturas do cérebro, com a primeira unidade
funcional do cérebro mantendo o tom cortical e o
estado de vigília e regulando esses estados de
acordo com as condições que o organismo
enfrenta. É importante ressaltar que a formação
reticular possuía porções ativadoras e inibidoras

• Processos metabólicos

Segundo Luria, o sistema reticular tinha certas


qualidades de diferenciação ou “especificidade”
em recursos e manifestações. A primeira das três
principais fontes de ativação da formação reticular
foram os processos metabólicos que levaram à
manutenção da homeostase. A formação reticular
da medula (bulbar) e do mesencéfalo
(mesencéfalo-hipotalâmico), intimamente
relacionada ao hipotálamo, desempenhou um
papel significativo nessa forma “vital” de ativação.
Os núcleos mais elevados da formação reticular
mesencefálica, diencefálica e límbica também
participaram de sistemas mais complexos de

206
comportamento reflexivo instintivo ou não-
condicionado, reflexivo, sexual e defensivo. Estas
duas subdivisões de fontes de ativação foram
semelhantes no que ocorreram no corpo,
mas diferente em seu nível de complexidade.

• Estímulos e reflexo
orientador

A segunda fonte de ativação relacionada à


chegada de estímulos do mundo exterior e
representou um reflexo orientador. Aqui, Luria se
referiu aos experimentos de Hebb (1955) e à
necessidade humana de receber informações. Ele
elaborou ainda sobre a atividade de investigação
dos seres humanos, bem como a necessidade de
maior atenção como a forma de mobilização em
um ambiente em constante mudança. É
importante ressaltar que as formas tônica e
generalizada da ativação, Luria, alocaram-se às
regiões inferiores da formação reticular, enquanto
as formas fásicas e locais (“mais complexas, vitais
ou reflexas condicionadas em caráter”) foram
alocadas ao estruturas mais altas, como a região
talâmica inespecífica e o sistema límbico.
• Intenções e planos por previsões e programas

207
A terceira fonte de ativação foi representada por
“intenções e planos, por previsões e programas”
que eram sociais em sua motivação e formados
conscientemente e com a ajuda da fala. É digno
de nota que Luria viu essas formas mais elevadas
de atividade organizacional como sujeitas ao
princípio vertical de construção nos sistemas
funcionais do cérebro. Observando as zonas
mediais das zonas corticais desta unidade, Luria
afirmou que elas desempenharam um papel na
“regulação do estado geral, modificação do tom e
controle sobre as inclinações e emoções”.
Ao resumir suas descobertas sobre essa primeira
unidade funcional, Luria afirmou que as
deficiências mostravam a relação entre distúrbios
da memória e distúrbios da consciência.

Unidade 2 - A unidade para


receber, analisar e armazenar
informações

As regiões cerebrais da segunda unidade


funcional principal de Luria estão no neocórtex na
superfície convexa dos hemisférios - as regiões
posteriores incluindo as regiões visual (occipital),
auditiva (temporal) e geral sensorial (parietal). É
importante ressaltar que esta unidade consiste em

208
neurônios isolados, trabalhando de acordo com a
regra do “tudo ou nada” (Luria, 1973, p. 67). Em
geral, a unidade representa os “mecanismos
cerebrais de formas específicas modais de
processos gnósticos”.
Esta unidade é caracterizada pela alta
especificidade modal das áreas primária e de
projeção. Essas zonas específicas do modelo são
construídas de acordo com um princípio único de
organização hierárquica articulada por Campbell
(como citado em Luria, 197348), onde cada uma
das estruturas corticais é vista como o aparato
cortical central de uma modalidade específica-
específica. analisador. As zonas primárias das
regiões corticais desta unidade também têm
células “multimodais” que podem responder a
vários tipos de estímulos e células que não
respondem a nenhum tipo de estímulo específico.
As áreas centrais de projeção desta unidade são
cercadas por sistemas de zonas corticais
secundárias (ou gnósticas) que contêm mais
neurônios associativos para implementar a função
sintética de converter a projeção somatotópica de
impulsos em sua organização funcional. As zonas
terciárias desse sistema cerebral - as “zonas

48LURIA, A. R. The working brain: An introduction to neuropsychology.


New York, NY: Basic Books, 1973.
209
de sobreposição ”- são responsáveis pelo trabalho
combinado de vários grupos de analisadores e
hipoteticamente respondem às características
gerais dos estímulos. Eles ocupam principalmente
a região parietal inferior que, após Flechsig, era
vista como o "centro associativo posterior" típico
dos seres humanos. Essas zonas permitem a
“transição de sínteses diretas representadas
visualmente para o nível de processos simbólicos”
e também desempenham um papel na
“memorização da experiência organizada”.

Luria definiu três leis fundamentais da estrutura


de trabalho das zonas corticais da segunda e da
terceira unidades cerebrais.
• Lei da estrutura hierárquica das zonas corticais:
As zonas corticais primária, secundária e terciária

210
estão envolvidas na síntese complexa de
informação e mudança no curso do
desenvolvimento ontogenético.
De acordo com Vygotsky (como citado em Luria,
1973), a interação entre as zonas corticais vai “de
baixo para cima”, significando que os defeitos das
zonas inferiores na infância devem levar ao
desenvolvimento incompleto das zonas
superiores. Por outro lado, entre os adultos, a
interação vai “de cima para baixo”, e as zonas
terciárias têm uma influência compensatória se as
zonas secundárias estiverem danificadas.
• Lei de diminuição da especificidade das zonas
corticais hierarquicamente organizadas da
segunda unidade cerebral (a partir das zonas
primárias com especificidade modal máxima).
Luria enfatizou que as zonas corticais secundárias
e terciárias mostram mais “propriedades
funcionais” do que as primárias e desempenham
um “papel organizador e integrador no trabalho
das áreas mais específicas”, o que é necessário
para processos gnósticos mais complexos.
• Lei da lateralização progressiva das funções
(transferência progressiva das árias corticais
primárias para as secundárias e terciárias). Com a
ocorrência de destro em humanos, devido a
processos como trabalho e fala, ocorre algum

211
grau de lateralização de funções. Assim, o
hemisfério esquerdo e dominante em destros
começa a liderar na “organização cerebral de
todas as formas superiores de atividade cognitiva
conectada à fala”.
No entanto, esta dominância do hemisfério
esquerdo é de caráter relativo .

Unidade 3 - A unidade de
programação, regulação e
verificação de atividade
A terceira unidade funcional principal é
responsável pelas intenções humanas, pela
formação de planos e programas de ações, pela
inspeção de desempenho, pela verificação da
atividade consciente e pela regulação do
comportamento.
O córtex motor e as partes do grande trato
piramidal são estruturas cerebrais centrais da
unidade (essa área cortical é de caráter projetivo).
No entanto, um fundo tônico também é
necessário, fornecido pelos gânglios motores
basais e pelas fibras do sistema extrapiramidal.
O córtex motor projetivo primário é visto como o
“canal de saída” dos impulsos motores. Os
impulsos devem ser bem preparados com a ajuda
212
de áreas secundárias sobrepostas do córtex
motor, e só depois disso podem ser enviadas para
o giro precentorial e depois para as células
piramidais gigantes. Outras estruturas
responsáveis pela preparação de programas
motores incluem as camadas superiores do córtex
e a substância cinzenta extracelular dos dendritos
e glia que controlam as células piramidais
gigantes de Betz. Esta unidade, portanto, como
um sistema eferente, corre na direção
descendente, a partir dos níveis mais altos das
zonas terciária e secundária onde os planos
motores são formados, para as estruturas da área
motora primária e da periferia. É importante
ressaltar que as áreas pré-motoras podem ser
alocadas às divisões secundárias do córtex.
Essas áreas desempenham um papel organizador
para os movimentos.

213
As células de Betz (também conhecida como células
piramidais de Betz) são células piramidais gigantes
(neurônios) localizadas dentro da quinta camada da
substância cinzenta no córtex motor primário. Elas foram
nomeadas com o sobrenome do cientista ucraniano
Vladimir Betz, que as descreveu em seu trabalho
publicado em 1874. Esses neurônios são os maiores no
sistema nervoso central, às vezes atingem 100
micrometro de diâmetro. As células de Betz são
neurônios motores superiores que enviam seus axônios
para a medula espinhal através do trato corticoespinhal,
onde, nos humanos, sintetizam-se diretamente com as
células do corno anterior, que por sua vez sinalizam
diretamente com os músculos alvo. Enquanto as células
de Betz possuem uma dendrite apical típica de neurônios
piramidais, elas possuem mais eixos dendríticos
primários, que podem se ramificar em quase qualquer
ponto do soma (corpo celular). Estes perissomáticos (em
torno do corpo da célula) e dendritos basais se projetam
em todas as camadas corticais, mas a maioria de seus
ramos horizontais povoam as camadas V e VI, algumas
atingindo a substância branca. De acordo com um
estudo, as células de Betz representam cerca de 10% da
população total de células piramidais na camada Vb do
córtex motor primário humano.

A segunda característica distintiva desta unidade


é que ela funciona sob a influência da segunda
unidade cerebral ou aferente e consiste
inteiramente em sistemas de zonas eferentes.
Finalmente, a região do córtex pré-frontal desta
unidade “desempenha um papel essencial na
regulação do estado de atividade” de acordo com
intenções e planos complexos.
formulado com a ajuda da fala. Luria também
afirma que as regiões pré-frontais têm “conexões
bidirecionais”, ambas com as estruturas inferiores
do tronco encefálico e do diencéfalo, e com todas
as outras partes do córtex cerebral. Assim, Luria
214
concluiu que as "porções terciárias dos lobos
frontais são de fato uma superestrutura acima de
todas as outras partes do córtex cerebral" e que
"desempenham uma função muito mais universal
de regulação geral do comportamento" do que
outras regiões terciárias. Luria explicou ainda que
os lobos frontais são “responsáveis pela
orientação do comportamento de um animal não
apenas para o presente, mas também para o
futuro” e, portanto, para as formas mais
complexas de comportamento ativo. A última
característica importante dos lobos frontais é vista
no mecanismo de retroalimentação ou "aferência
reversa" como o componente necessário de
qualquer ação organizada, que foi descrita pelo
famoso fisiologista russo Pyotr Anokhin em sua
teoria de sistemas funcionais como o "aceitador
de ação". Aparelho. Luria concluiu que os lobos
frontais também tinham a função de “permitir o
efeito da ação realizada e verificar se ela tomou o
rumo correto”.

Contribuição para a
neurociência
Os insights de Luria sobre as funções do cérebro
humano, o desenvolvimento da psicopatologia e o
gerenciamento de lesões neurais são

215
extraordinários em muitos níveis. Sua descrição
do desenvolvimento de baixo para cima do
cérebro e indicadores de tratamento forneceu
uma direção crítica para pesquisas futuras e está
de acordo com a pesquisa neural posterior de
Paul D. MacLean, que desenvolveu a teoria do
cérebro trino.

A Teoria do cérebro trino foi elaborada em 1970 pelo


neurocientista Paul MacLean, apresentada em 1990 no
seu livro “The Triune Brain in evolution: Role in
paleocerebral functions”, discute o fato de que nós,
humanos/primatas, temos o cérebro dividido em três
unidades funcionais diferentes. Cada uma dessas
unidades representa um extrato evolutivo do sistema
nervoso dos vertebrados. Segundo a teoria de MacLean,
o cérebro humano/primata seria composto pelo:
Cérebro Reptiliano
O Cérebro Reptiliano ou cérebro basal, ou ainda, como o
chamou MacLean, “R-complex”, é formado apenas pela
medula espinhal e pelas porções basais do prosencéfalo.
Esse primeiro nível de organização cerebral é capaz
apenas de promover reflexos simples, o que ocorre em
répteis, por isso o nome; Conhecido como "cérebro
instintivo", tem como característica a sobrevivência,
responsável pelas emoções primárias como, fome, sede
entre outras.
Cérebro dos Mamíferos Inferiores
O Cérebro dos Mamíferos Inferiores: ou cérebro
emocional, ou “Paleommamalian Brain”, é o segundo
216
nível funcional do sistema nervoso e, além dos
componentes do cérebro reptiliano, conta com os
núcleos da base do telencéfalo, responsáveis pela
motricidade grosseira; pelo Diencéfalo, constituído por
Tálamo, Hipotálamo e Epitálamo; pelo Giro do Cíngulo; e
pelo hipocampo e parahipocampo. Esses últimos
componentes são integrantes do Sistema Límbico, que é
responsável por controlar o comportamento emocional
dos indivíduos, daí o nome de Cérebro Emocional. Esse
nível de organização corresponde ao cérebro da maioria
dos mamíferos;
Cérebro Racional
Conhecido também como neocórtex, é compostos pelo
córtex telencefálico. Esse por sua vez é dividido em
lobos, sendo esses:
Frontal: o mais derivado dos lobos cerebrais,
responsável pelas funções executivas;
Parietal: responsável pelas sensações gerais;
Temporal: responsável pela audição e pelo olfato;
Ocipital: responsável pela visão;
Insular: responsável pelo paladar e gustação.
O cérebro racional é o que diferencia o homem/primata
dos demais animais. Segundo Paul MacLean é apenas
pela presença do neocórtex que o homem consegue
desenvolver o pensamento abstrato e tem capacidade de
gerar invenções.

Isso é notável, já que (até onde pudemos


estabelecer) não há referência à pesquisa de
Luria nas obras de MacLean. As semelhanças
entre a teoria bem conhecida de MacLean e a
teoria menos conhecida de Luria são nada menos
que notáveis. O foco de Luria no papel dos
impulsos sensoriais (estruturas neurais primitivas)
se assemelha ao complexo reptiliano de
MacLean. As semelhanças com o
desenvolvimento dos complexos paleomamíferos
e neomamíferos também são claramente
identificáveis. É digno de nota que as descrições
217
de Luria da interação entre o sistema cortical
avançado e o sistema primitivo são mais clara e
especificamente articuladas do que no modelo de
MacLean, e que essa interação foi identificada
antes das teorias de MacLean serem publicadas.
Pode-se apenas maravilhar-se com os insights de
Luria e especular sobre os possíveis avanços na
neurociência se os efeitos do isolamento
ideológico não tivessem sido o fenômeno global
que eles eram.

218
219
Capítulo 7
Lev Semyonovich
Vygotsky

L
ev Semyonovich Vygotsky (em russo
Лев Семёнович Выготский,
transliteração: Lev Semyonovich
Vygotskij, sendo o sobrenome também
transliterado como Vigotski, Vygotski ou Vygotsky;
Orsha, 17 de novembro de 1896 – Moscou, 11 de
junho de 1934), foi um psicólogo, proponente da
Psicologia cultural-histórica.

Pensador importante em sua área e época, foi


pioneiro no conceito de que o desenvolvimento
intelectual das crianças ocorre em função das
interações sociais e condições de vida. Veio a ser

220
descoberto pelos meios acadêmicos ocidentais
muitos anos após a sua morte, que ocorreu em
1934, por tuberculose, aos 37 anos. Filho de uma
próspera família judia, formou-se em Direito pela
Universidade de Moscou em 1918. Durante o seu
período acadêmico estudou simultaneamente
Literatura e História na Universidade Popular de
Shanyavskii. No ano de seu bacharelado em
Direito (1918), retornou para Gomel, onde antes
lecionava. Seis anos mais tarde, em 1924, aos 28
anos de idade, desposou Roza Smekhova, com
quem teve duas filhas. Ainda em Gomel, ministrou
um curso de Psicologia no "Instituto de
Treinamento de Professores" onde implantou um
laboratório de Psicologia. Sua formação em
psicanálise foi omitida por conta das perseguições
de Stalin, que considerava as teorias de Sigmund
Freud (1856-1939) uma ideologia burguesa. Ainda
em 1918 ele fundou uma editora e publicou uma
revista literária.
Apesar de sua formação em Direito, destacou-se
em sua época por suas críticas literárias e
análises do significado histórico e psicológico das
obras de Arte, trabalhos que posteriormente foram
incorporados no livro "Psicologia da Arte", escrito
entre 1924 e 1926, incluindo naturalmente a tese
de doutorado sobre Psicologia da Arte, que

221
defendeu em 1925. O seu interesse pela
Psicologia levou-o a uma leitura crítica de toda
produção teórica de sua época, nomeadamente
as teorias da "Gestalt", da Psicanálise e o
"Behaviorismo", além das ideias iniciais do
epistemólogo e psicólogo suíço Jean Piaget. As
obras desses autores são citadas e comentadas
em seus diversos trabalhos, tendo escrito
prefácios para algumas das suas traduções ao
idioma russo. Tendo vivido a Revolução Russa de
1917, bem como estudado as obras de Karl Marx
e Friedrich Engels, a partir das proposições
teóricas do materialismo histórico propôs a
reorganização da Psicologia, antevendo a
tendência de unificação das Ciências Humanas
no que denominou como "psicologia cultural-
histórica". Entre os seus trabalhos de campo
incluem-se: às populações camponesas isoladas
de seu país, fazendo testes neuropsicológicos
entre as aldeias nômades do Uzbequistão e do
Quirguistão (Ásia Central), antes e depois do
realinhamento cultural e sócio-econômico da
revolução socialista, que incluía alfabetização,
cursos rápidos de novas tecnologias, organização
de brigadas, fazendas coletivas e outros, como
descreve Alexander Luria em seu ensaio sobre
diferenças culturais e o pensamento. A

222
experiência vivida na formação de professores
levou-o ao estudo dos distúrbios de aprendizagem
e de linguagem, das diversas formas de
deficiências congênitas e adquiridas, a exemplo
da afasia. Complementando a sua formação para
estudo da etiologia de tais distúrbios, graduou-se
em Medicina retomando o curso iniciado e
substituído por Direito em Moscou e retomado e
concluído em Kharkov. O seu interesse em
Medicina estava associado à manutenção do
grupo de pesquisa (troika) de neuropsicologia
com Alexander Luria e Alexei Nikolaievich
Leontiev. As suas principais contribuições à
defectologia estão reunidas no livro "Psicologia
Pedagógica". Graças a uma conferência proferida
no "II Congresso de Psicologia" em Lenigrado, foi
convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de
Moscou. Seu interesse simultâneo pelas funções
mentais superiores, cultura, linguagem e
processos orgânicos cerebrais pesquisados por
neurofisiologistas russos com quem conviveu,
especialmente Luria e Leotiev, em diversas
contribuições no "Instituto de Deficiências de
Moscou", na direção do departamento de
Educação (especial) do Narkompros, entre outros
institutos, além das publicações sobre o tema,
encontram-se reunidos em "A Formação Social da

223
Mente", onde aborda os problemas da gênese dos
processos psicológicos tipicamente humanos,
analisando-os desde a infância à luz do seu
contexto histórico-cultural. Após sua morte, suas
ideias foram repudiadas pelo governo soviético.
No entanto, seus alunos as preservaram para a
posteridade.
Conforme Kostyanaya (2015), Lev Vygotsky é um
dos psicólogos russos mais reconhecidos, cujas
obras foram traduzidas para muitas línguas,
aplicadas em diversos contextos culturais e
influenciaram significativamente a psicologia do
desenvolvimento em todo o mundo. Ele conseguiu
deixar para trás cerca de duzentos e setenta
trabalhos científicos, quando em 1934, aos trinta e
sete anos, morreu de tuberculose, que não era
facilmente curável naquela época na Rússia.
Entre os fatores mais evidentes, que
influenciaram a trajetória de trabalho de Vygotsky
e, em particular, seu desenvolvimento da teoria
histórico-cultural, Gredler & Shields (200449,
200850) constataram que o contexto sócio-
histórico da República Socialista Soviética
influenciou seus talentos e métodos de análise

49
GREDLER, M. E.; SHIELDS, C. C. Does no one read Vygotsky’s words?
Commentary on Glassman. Educational Researcher, v. 33, n. 2, p. 21-25,
2004.
50
GREDLER, M. E.; SHIELDS, C. C. Vygotsky’s legacy: a foundation for
research and practice. Guilford Press, 2008.
224
científica. Os primeiros interesses de Vygotsky na
história, arte, literatura e teatro estavam entre os
precursores de seus futuros avanços científicos, o
primeiro dos quais foi sua tese sobre a tragédia
de Hamlet de Shakespeare, reconhecida por
muitos dos principais estudiosos da área e
seguida por seus estudos. a psicologia da arte.
Depois de sua gloriosa apresentação em 1924
sobre "Métodos de Investigação Reflexológica e
Psicológica" no Segundo Congresso
Psiconeurológico de Toda a União, realizado em
Leningrado, Vygotsky se juntou a Luria e Leontiev
no Instituto de Psicologia Experimental de
Moscou. Este tempo é reconhecido por seus
colegas como "os pontos de virada" em suas
carreiras, pois foi o começo de muitos caminhos
de pesquisa frutíferos para a ciência psicológica
russa.
Nos anos seguintes de contínuas batalhas contra
a tuberculose, Vygotsky conseguiu defender sua
dissertação sobre “A Psicologia da Arte”, escrever
um excelente ensaio metodológico sobre o
“Sentido Histórico da Crise na Psicologia”, bem
como seus principais trabalhos nas áreas de
educação. , psicologia anormal e abordagem
histórico-cultural da psicologia: “Psicologia
Pedagógica”, “Pensamento e Fala”, “História do

225
Desenvolvimento de Funções Psicológicas
Superiores” e “Problemas de Retardo Mental”
(teoria de Vygotsky). Em 1926, após terminar sua
graduação em formação médica, Vygotsky
estabeleceu o laboratório para estudos em
psicologia de crianças anormais, que mais tarde
se tornou o Instituto Experimental de Defectologia.
Naquela época, vários profissionais de áreas
afins, bem como pais e parentes de crianças que
sofriam, assistiam às apresentações de casos de
Vygotsky e suas consultas. Vygotsky é bem
conhecido por seu principal relato da teoria
histórico-cultural do desenvolvimento mental, que
foi espalhada em seus numerosos trabalhos e
implementada em diversos domínios,
principalmente nos estudos sobre o
desenvolvimento normal e anormal da criança.
Sendo impulsionado pela teoria marxista, bem
como por uma abordagem objetiva da psicologia,
Vygotsky via o tema principal da ciência
psicológica no estudo da consciência. Suas
robustas considerações teóricas, no entanto,
permitiram a Vygotsky desenvolver sua teoria,
que era aplicada tanto nas áreas de prática
educacional e clínica. Ao analisar o
desenvolvimento humano, bem como o
desenvolvimento de qualquer indivíduo, Vygotsky

226
chegou à conclusão principal de que a
ontogênese humana é determinada pelos planos
de desenvolvimento natural (maturação orgânica)
e cultural. De acordo com Vygotsky, é exatamente
no processo do desenvolvimento histórico dos
seres humanos sociais que muda os meios de
dominar seu comportamento e desenvolve formas
únicas, superiores e culturais dos seres humanos.
No caso de aplicar a teoria ao desenvolvimento
de uma criança, Vygotsy postulou que a interação
social assume o papel principal em mudanças
contínuas nos pensamentos e padrões de
comportamento das crianças, o que pode ser
bastante complexo em diversas culturas.
Vygotsky propõe que os processos de
desenvolvimento dependem das ferramentas
culturais que podem ser passadas de indivíduo
para indivíduo de três maneiras principais: por
meio de aprendizado imitativo, aprendizado
instruído e aprendizado colaborativo. As
ferramentas psicológicas que Vygotsky definiu
como “mecanismos ou operações intelectuais que
usamos para examinar nosso ambiente e interagir
com os outros”. Entre as ferramentas culturais
mais profundas que ele propôs estavam:
símbolos, linguagem escrita e oral, mapas e o
método científico.

227
Gallagher (199951) descreve vários princípios
importantes da teoria de Vygotsky sobre o
desenvolvimento cognitivo infantil, que também se
relaciona com o arcabouço mais amplo que ele
aplicou à psicologia das funções mentais
humanas. Em primeiro lugar, a fala privada é
usada pelas crianças para planejar e orientar seu
próprio comportamento. Frequentemente, as
crianças usam a fala privada quando as tarefas
que estão realizando tornam-se muito difíceis
para serem realizadas sem a assistência
adequada. Como resultado, o segundo princípio
refere-se ao conceito de Vygotsky da zona de
desenvolvimento proximal (ZDP) ou a diferença
entre o nível de desenvolvimento real
determinado pela resolução individual de
problemas e o nível de desenvolvimento potencial
determinado enquanto solução de problemas sob
orientação adulta ou em colaboração com pares
mais experientes. Portanto, o sucesso do
aprendizado e do desenvolvimento cognitivo
depende da capacidade de executar tarefas
dentro da ZDP do indivíduo. Além disso, o
processo de aprendizagem que leva ao
desenvolvimento deve possuir duas

51
GALLAGHER, C. Lev Semyonovich Vygotsky. from http://www.muskingum.
edu/~psych/psycweb/history/vygotsky.htm. 1999.
228
características principais: subjetividade e
andaimes. A subjetividade ocorre quando, durante
o processo de aprendizado, dois indivíduos
iniciam a tarefa com entendimento diferente e,
eventualmente, terminam com um entendimento
compartilhado. Andaimes refere-se à mudança na
assistência de uma pessoa mais qualificada de
intensivo para reduzido, enquanto as habilidades
do aprendiz melhoram. Além disso, Vygotsky
afirmou que todas as funções mentais no
desenvolvimento cultural da criança aparecem
duas vezes: em primeiro lugar, enquanto em
comunicação com os outros
(interpsicologicamente) e depois dentro da criança
(intrapsicologicamente), onde a aquisição da
linguagem desempenha o papel mais influente
(teoria de Vygotsky) . De um modo geral, o tema
da maioria dos trabalhos de Vygotsky refere-se à
ênfase dada ao aprendizado social, às
experiências culturais e aos pontos fortes internos
de uma pessoa nos processos de
desenvolvimento.

Zona de Desenvolvimento
Proximal (ZDP) (зона
ближайшего развития)
229
É um conceito elaborado por Vigotsky, e define a
distância entre o nível de desenvolvimento atual,
determinado pela capacidade de resolver um
problema sem ajuda, e sua gama de
possibilidades, determinado através de resolução
de um problema sob a orientação de um adulto ou
em colaboração com outro companheiro (uma
criança mais velha). Quer dizer, é a série de
informações que a pessoa tem a potencialidade
de aprender mas ainda não completou o
processo, conhecimentos fora de seu alcance
atual, mas potencialmente atingíveis.
Esta ideia aproxima-se à de Jim Cummins, de
informação mais um (ou i + 1), que afirma que o
indivíduo não pode construir conhecimento novo
sem uma estrutura, um fundamento, de
aprendizagem prévia. Lev Vygotsky diz que o
indivíduo não pode transpor um expediente de
aprendizagem sem algum conhecimento anterior
cognitivamente relacionado, a fim de conectar e
suportar a nova informação.

230
Jim Cummins é professor do Instituto de Estudos de
Ontário em Educação da Universidade de Toronto, onde
trabalha no desenvolvimento da linguagem e no
desenvolvimento da alfabetização de alunos de inglês
como língua adicional. Em 1979, a Cummins cunhou as
siglas BICS e CALP para se referir a processos que
ajudam um professor a qualificar a capacidade de
linguagem do aluno.

Vigotsky descreve dois níveis de


desenvolvimento, denominados Nível de
Desenvolvimento Atual e Gama de
Possibilidades. O desenvolvimento real é aquele
que já foi consolidado pelo indivíduo, de forma a
torná-lo capaz de resolver situações utilizando
seu conhecimento de forma autônoma. O nível de
desenvolvimento real é dinâmico, aumenta
dialeticamente com os movimentos do processo
de aprendizagem. O desenvolvimento potencial é
determinado pelas habilidades que o indivíduo já
construiu, porém encontram-se em processo. Isto
significa que a dialética da aprendizagem que
gerou o desenvolvimento real, gerou também
habilidades que se encontram em um nível menos
elaborado que o já consolidado. Desta forma, o
desenvolvimento potencial é aquele que o sujeito
poderá construir.

A zona de desenvolvimento
Iminente
231
A ZDI muitas vezes é tomada como um dos níveis
de desenvolvimento, porém, trata-se
precisamente do campo intermediário do
processo. Sendo o desenvolvimento potencial
uma incógnita, já que não foi ainda atingido,
Vygotsky postula sua identificação através do
entendimento da ZDI. Tomando como premissa o
desenvolvimento real como aquilo que o sujeito
consolidou de forma autônoma, o potencial pode
ser inferido com base no que o indivíduo
consegue resolver com ajuda. Assim, a zona
proximal fornece os indícios do potencial,
permitindo que os processos educativos atuem de
forma sistemática e individualizada.

Vygotsky e o
desenvolvimento humano
Elaine Rabello e José Silveira Passos (2018),em
seu artigo sobre Vygotsky e o desenvolvimento
humano escreveram noção de desenvolvimento
está atrelada a um contínuo de evolução, em que
nós caminharíamos ao longo de todo o ciclo vital.
Essa evolução, nem sempre linear, se dá em
diversos campos da existência, tais como afetivo,
cognitivo, social e motor. Este caminhar contínuo
não é determinado apenas por processos de

232
maturação biológicos ou genéticos. O meio (e por
meio entenda-se algo muito amplo, que envolve
cultura, sociedade, práticas e interações) é fator
de máxima importância no desenvolvimento
humano. Os seres humanos nascem
“mergulhados em cultura”, e é claro que esta será
uma das principais influências no
desenvolvimento. Embora ainda haja
discordâncias teóricas entre as abordagens que
serão apresentadas adiante sobre o grau de
influência da maturação biológica e da
aprendizagem com o meio no desenvolvimento, o
contexto cultural é o palco das principais
transformações e evoluções do bebê humano ao
idoso. Pela interação social, aprendemos e nos
desenvolvemos, criamos novas formas de agir no
mundo, ampliando nossas ferramentas de
atuação neste contexto cultural complexo que nos
recebeu, durante todo o ciclo vital.
Conforme os mesmos autores, Foi o primeiro
psicólogo moderno a sugerir os mecanismos
pelos quais a cultura torna-se parte da natureza
de cada pessoa ao insistir que as funções
psicológicas são um produto de atividade
cerebral. Conseguiu explicar a transformação dos
processos psicológicos elementares em
processos complexos dentro da história. Vygotsky

233
enfatizava o processo histórico-social e o papel da
linguagem no desenvolvimento do indivíduo. Sua
questão central é a aquisição de conhecimentos
pela interação do sujeito com o meio. Para o teórico,
o sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a
partir de relações intra e interpessoais e de troca
com o meio, a partir de um processo denominado
mediação.
Segundo os autores, é justamente nesta zona de
desenvolvimento proximal que a aprendizagem
vai ocorrer. A função de um educador escolar, por
exemplo, seria, então, a de favorecer esta
aprendizagem, servindo de mediador entre a
criança e o mundo. Como foi destacado
anteriormente, é no âmago das interações no
interior do coletivo, das relações com o outro, que
a criança terá condições de construir suas
próprias estruturas psicológicas e concluíram,
referindo-se a obra de Vygotsky, o pensamento
não é o último plano analisável da linguagem.
Podemos encontrar um último plano interior: a
motivação do pensamento, a esfera motivacional
de nossa consciência, que
abrange nossas inclinações e necessidades,
nossos interesses e impulsos,
nossos afetos e emoções. Tudo isso vai refletir
imensamente na nossa fala e

234
no nosso pensamento.

As teorias da aprendizagem
e Vygotsky

Vygotsky, segundo Neves e Damiani (2006),


concebe o homem como um ser histórico e
produto de um conjunto de relações sociais. Ele
se pergunta como os fatores sociais podem
modelar a mente e construir o psiquismo e a
resposta que apresenta nasce de uma
perspectiva semiológica, na qual o signo, como
um produto social, tem uma função geradora e
organizadora dos processos psicológicos.
Vygotsky considera que a consciência é
engendrada no social, a partir das relações que
os homens estabelecem entre si, por meio de
uma atividade sígnica, portanto, pela mediação da
linguagem. Os signos são os instrumentos que,
agindo internamente no homem, provocam-lhe
transformações internas, que o fazem passar de
ser biológico a ser sócio-histórico. Não existem
signos internos, na consciência, que não tenham
sido engendrados na trama ideológica semiótica
da sociedade.
Utilizando-se do método histórico-crítico, Vygotsky
empreende um estudo original e profundo do

235
desenvolvimento intelectual do homem, cujos
resultados demonstram ser o desenvolvimento
das funções psicointelectuais superiores um
processo absolutamente único. Assim, do ponto
de vista da aprendizagem, a importância dos
estudos de Vygotsky é inquestionável, pois ele
critica as teorias que separam a aprendizagem do
desenvolvimento. Vários autores interpretam a
obra de Vygotsky de formas diferentes. Alguns
vêem nele o psicolingüista, outros o psicólogo,
divergindo quanto a sua filiação às diversas
correntes: behaviorista, construtivista,
sóciohistórica.

236
Capítulo 8
Neuropsicoterapia
russa:
análise comparativa
ostyanaya (2015) em seu artigo “

K Russian psychology
neuropsychotherapy:
and
comparative
analysis“ (“Psicologia russa e neuropsicoterapia:
análise comparativa”), afirmou que nos primeiros
anos do século XX, um grupo de acadêmicos no
campo da psicologia na Rússia formou uma nova
escola, que durante os tempos restritos do regime
soviético recebeu insuficiente reconhecimento em
escala global (Kostyanaya & Rossouw, 2013). Os
pesquisadores objetivaram desenvolver uma
abordagem “objetiva” para entender a conexão
entre mente e cérebro com as pesquisas mais
recentes focadas no problema da personalidade,
seus correlatos neurais e o impacto da sociedade
no funcionamento mental humano. Devido à
abertura da cortina de ferro e à globalização atual,
mais literatura está sendo traduzida e está se
tornando disponível para um público mais amplo.
Esse novo estado de coisas permite a análise
comparativa dos paradigmas soviéticos e dos
237
paradigmas ocidentais contemporâneos, que é o
objetivo geral deste capítulo.
Diversos traços históricos fascinantes podem ser
identificados enquanto se monitora a maneira pela
qual os pesquisadores tentaram conceituar a
interação da mente e do cérebro no
funcionamento humano e o que pode ser feito
para melhorá-lo quando a disfunção ocorre. Já em
1895 Sigmund Freud, o "pai da psicologia
moderna", foi desafiado a explicar o
funcionamento da mente em termos de correlatos
neurais do cérebro. Em seu “Projeto para uma
Psicologia Científica” (189552), Freud pretendeu
“fornecer” a psicologia como “uma ciência
natural”, introduzindo o princípio da inércia
neurônica e a função dos tipos identificados de
“as partículas materiais em questão” ou em outras
palavras neurônios. Apesar dessas descobertas
fundamentais, bem como dos insights sobre as
possibilidades das “terapias da fala”, ou seja,
experiências humanas externas e internas para
mudar o cérebro, Freud deu outra direção em sua
pesquisa (por exemplo, inconsciência,
interpretação de sonhos), deixando futuros

52
FREUD, S. (1895). Project for a Scientific Psychology. In BONAPARTE, M.,
FREUD, A., KRIS, E. (Eds.) The Origins of Psycho-Analysis. London.
238
pesquisadores para colmatar a ligação entre
neurociência e psicoterapia.
Posteriormente, o debate e a hegemonia científica
na explicação do funcionamento humano foram
realizados por autores que muitas vezes
apoiavam perspectivas bastante extremas. Por
exemplo, Breuer, o co-autor de Freud, acreditava
que "... haveria pouco a dizer sobre o cérebro ...
Processos físicos serão discutidos na linguagem
da psicologia ... Não há alternativa" (Freud, 1895).
Em contrapartida, anos mais tarde, Hans Eysenck
(195253) afirmou firmemente que a psicoterapia é
a “mera passagem do tempo”, enquanto Timothy
Leary comparou as intervenções terapêuticas com
as realizadas em listas de espera.

53
EYSENCK, H. J. The effects of psychotherapy: An evaluation. Journal of
Consulting Psychology, v. 16, p. 319–324, 1952.
239
Timothy Francis Leary, Ph.D. (22 de outubro de 1920 -
31 de maio de 1996), professor de Harvard, psicólogo,
neurocientista, escritor, futurista, ícone maior dos anos
1960, ficou famoso como um proponente dos benefícios
terapêuticos e espirituais do LSD. De fato, o Professor
Leary defendia os benefícios desta substância
psicodélica como o substructio do progresso
humano.Amigo pessoal de John Lennon — a canção
"Come Together" dos Beatles é inspirada em Timothy
Leary, e, no videoclipe de "Give Peace a Chance", pode-
se ver o professor e a sua mulher de toda a vida,
Barbara, junto à cama onde John Lennon protagonizou
este hino de liberdade. Na letra dessa mesma canção
pode-se ouvir, na 3ª estrofe: "Everybody is talking about
John and Yoko, Timmy Leary…", tal era a notoriedade
deste eminente acadêmico na época. Timothy Leary foi
expulso de Harvard depois de ter promovido uma
experiência psicotrópica com uma turma inteira de
estudantes de psicologia (com o consentimento destes,
naturalmente). Mais tarde, a administração de Nixon fez
do Professor Leary um bode expiatório no seu ataque
reacionário e conservador à contracultura que florescia
nesse período, enviando-o para a prisão pela sua
veemente posição contra a proibição do LSD. Nos anos
1980, fascinado pelos computadores, Leary dedicou-se a
este novo mundo, com imenso sucesso. Criou softwares
de design, continuou a escrever livros e a fazer
conferências. Embora o seu tópico principal fosse agora
a tecnologia, ele ainda era reconhecido como o guru do
LSD dos anos 1960.

Posteriormente, desde a década de 1970 e a


introdução do Prozac e do DSM-III, a “era de ouro
da psicoparmacologia” - a pax medica ou
“psicologia e psiquiatria medicalizadas” (Linford e
Arden, 200954), deixou a psicoterapia como pano
de fundo.

54
LINFORD, L.; ARDEN, J. B. Brain-based therapy and the “Pax Medica”.
Psychotherapy in Australia, v. 15, p. 16-23, 2009.
240
Prosac (Fluoxetina) é um potente medicamento
antidepressivo da classe dos inibidores seletivos da
recaptação da serotonina. A fluoxetina foi descoberta por
Eli Lilly and Company, em 1972, e entrou em uso médico
em 1986. Está na Lista de Medicamentos Essenciais da
OMS. Suas principais indicações são para uso em
depressão moderada a grave, transtorno obsessivo-
compulsivo (TOC), transtorno alimentar, transtorno do
pânico e de ansiedade. É utilizado na forma de cloridrato
de fluoxetina, como cápsulas ou em solução oral. Foi
sintetizada e comercializada inicialmente pela companhia
farmacêutica Eli Lilly com o nome Prozac®. Atualmente
é comercializada no Brasil e em Portugal por vários
laboratórios como medicamento genérico, estando
sujeita a receita médica (ou até mesmo a retenção da
receita). A patente da Eli Lilly sob o Prozac expirou em
agosto de 2001, despertando um influxo de genéricos ao
mercado. Só nos Estados Unidos, mais de 19 milhões de
prescrições genéricas foram efetuadas em 2006,
colocando-a na terceira posição entre os antidepressivos
mais receitados, após a sertralina e o escitalopram.

O DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental


Disorders) ou Manual de Diagnóstico e Estatística
das Perturbações Mentais em Portugal ou Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais no
Brasil, é um manual para profissionais da área da saúde
mental que lista diferentes categorias de transtornos
mentais e critérios para diagnosticá-los, de acordo com a
Associação Americana de Psiquiatria (American
Psychiatric Association - APA). É usado ao redor do
mundo por clínicos e pesquisadores bem como por
companhias de seguro, indústria farmacêutica e
parlamentos políticos.

Em resposta às exigências dos “tratamentos


empiricamente validados”, bem como à
241
superioridade dos métodos diagnósticos
pertencentes àquele tempo, Aaron Beck (197655)
ousou “estabelecer evidência indiscutível” (Linford
& Arden, 2009) da eficácia psicoterapêutica por
meio de Terapia Comportamental Cognitivas.
(TCC ou CBT - cognitive-behavioural therapy). No
entanto, nos anos 80 e depois, o foco de Beck em
técnicas específicas de TCC foi criticado por
pesquisadores que conseguiram mostrar que o
paciente e os fatores terapêuticos comuns são os
elementos mais poderosos nos resultados dos
tratamentos terapêuticos. Em vez disso, “a
perspectiva baseada no cérebro” foi apresentada,
permitindo uma visão nova e mais ampla,
interdisciplinar ou biopsicossocial, das
intervenções psicoterapêuticas (Linford & Arden,
2009).
A maioria dos pesquisadores atuais nas áreas
que endossam a visão biopsicossocial-espiritual
do funcionamento humano argumentam que
grandes avanços na pesquisa neurobiológica na
última década trouxeram “uma mudança de
paradigma” ou, em outras palavras, “o
renascimento da saúde mental” (Linford & Arden,

55
BECK, A. T. Cognitive therapy and the emotional disorders. New York:
International Universities Press, 1976.

242
2009; Rossouw , 2002, 201056, 201057, 201158;
201259, 201460, Rossouw, PJ e Kostyanaya, M.,
201461; Sulmacy, 200262). Em particular, Rossouw
(2010) afirma que, quando baseados em
neurociência, as “terapias da fala” enfrentam
“novos desafios” e “excitantes novas
possibilidades”, enquanto a mudança de
paradigma é feita a partir do “modelo de ajuda
para um modelo de recuperação”. e do “modelo
de recuperação para um modelo que melhora a
qualidade de vida”.
As principais idéias que contribuíram para a
ascensão do renascimento da saúde mental

56
ROSSOUW, P. J. Neurobiology and the Treatment of Mood and Anxiety
Disorders. How Talking Therapies Change the Brain. 11th International
Mental Health Conference, Gold Coast, Australia. From
http://www.mediros.com.au/wpcontent/ uploads/2012/11/Neurobiology-and-the-
Treatment-of-Mood-and-Anxiety-Disorders.pdf, 2010.
57
ROSSOUW, P. J. The neurobiological underpinnings of the mental
health Renaissance. Paper at the 20th Annual Conference of the Mental
Health Services Conference, Sydney 14-17 September 2010. From
http://mediros.com.au/wp-content/uploads/2012/11/The-Neurobiological-
Underpinnings-of-the-Mental-Health-Renaissance. pdf, 2010.
58
ROSSOUW, P. J. Neuropsychotherapy – origins and directions.
Neuropsychotherapy, v. 6, p. 2-5, 2011.
59
ROSSOUW, P. J. Effective client focused interventions: The top-down and
bottom-up discourse. Neuropsychotherapy News, v. 11, p. 2-5, 2012.
60
ROSSOUW, P. J. Neuropsychotherapy: theoretical underpinnings and
clinical applications. Brisbane: Mediros, 2014.
61
ROSSOUW, P. J.; KOSTYANAYA, M. The Russian troika: Alexander Luria,
Alexei Leontiev and Lev Vygotsky. On Neuropsychotherapy – the emerging
paradigm of care. Paper presented at the 28th Congress for Applied
Psychology, Paris, France, 2014. Abstract retrieved fromhttps://b-
com.mcigroup.com/Abstract/Statistics/FlatAbstractList.
aspx?EventCode=ICAP2014
62
SULMACY, D. A biopsychosocial-sipitual model for the care of patients at the
end of life. The Gerontologist, v. 42, n. 3, p. 24-33, 2002.
243
contemporânea foram pronunciadas no artigo de
referência de Eric Kandel (199863, 200564), o
ganhador do prêmio Nobel de medicina.

Eric Richard Kandel (Viena, 7 de novembro de 1929) é


um neurocientista austríaco, naturalizado norte-
americano. Foi agraciado, juntamente com o
sueco Arvid Carlsson e com o norte-americano Paul
Greengard, com o Nobel de Fisiologia ou Medicina de
2000, por descobertas envolvendo a transmissão de
sinais entre células nervosas no cérebro humano. Kandel
formou-se médico, especializou-se em psiquiatria, mas
abandonou a clínica para se dedicar às neurociências.
Trabalhando, por 45 anos, com um organismo muito
simples – Aplysia californica, o nobel de medicina
revelou aspectos fundamentais do processo de formação
de memórias. Kandel acredita "que a integração da
psiquiatria com a biologia molecular trará uma
compreensão mais completa da mente humana e
estratégias terapêuticas mais eficazes".

Ele afirmou que o desenvolvimento das “ciências


do cérebro” provocou “uma notável revolução
científica” e que os profissionais de saúde mental
devem possuir a “capacidade de abranger a vida
mental e emocional dentro de um quadro que

63
KANDEL, E. A new intellectual framework for psychiatry. The American
Journal of Psychiatry, v. 155, n. 4, p. 457-469, 1998.
64 KANDEL, E. Psychiatry, psychoanalysis and the new biology of mind.

Washington: American Psychiatric Publishing, 2005.


244
inclui determinantes biológicos e sociais”. Eric
Kandel também delineou a interação entre os
processos cerebrais e o ambiente através da
alteração da expressão gênica e, seguindo o
fortalecimento das conexões sinápticas, como a
base das crenças, atitudes, memórias,
personalidade e disposições humanas. Além
disso, ele apresentou a importante ideia da
interação entre os “mecanismos neuronais” dos
pacientes com os “mecanismos neuronais” de
seus psicoterapeutas, prenunciando a função dos
neurônios-espelho - uma das principais
descobertas neurobiológicas que ainda não foi
completamente abordada. pesquisa e prática de
psicoterapia.
Entre outros achados neurobiológicos mais
pronunciados que contribuem para a melhoria da
qualidade de vida dos clientes por meio de
intervenções psicoterapêuticas, pesquisadores
contemporâneos destacam a descoberta de
neurotransmissores e sua operação, plasticidade
neural, neurogênese e regulação bottom-up e top-
down do funcionamento mental (Rossouw , 2010,
2012). Como resultado, surgem novas formas de
ligação entre neurociências e psicoterapia, uma
das quais é a neuropsicoterapia - um paradigma
emergente.

245
Psicologia russa
A troika russa
(Leontiviev, Luria e Vygotysky)

Troika ou troica (em russo: тройка) é a palavra


russa que designa um comitê de três membros. A
origem do termo vem da "troika" que em russo
significa um carro conduzido por três cavalos
alinhados lado a lado, ou mais frequentemente,
um trenó puxado por cavalos. Em política, a
palavra troika designa uma aliança de três
personagens do mesmo nível e poder que se
reúnem em um esforço único para a gestão de
uma entidade ou para completar uma missão.
Kostyanaya (2015),
A psicologia russa moderna tem suas raízes na
década de 1920, quando o notável grupo de
pesquisadores soviéticos, “a troika russa” -
liderada por Lev Vygotsky, iniciou uma análise
aprofundada dos amplos fenômenos psicológicos.
A linha geral de sua pesquisa foi manifestada pelo
ambicioso desejo do jovem Alexander Luria de
participar da “criação de uma abordagem objetiva
do comportamento que se concentrasse em
eventos da vida real”. Ambos, devido ao estado

246
peculiar da psicologia global como uma disciplina
científica da época e ao contexto sócio-histórico
da "pátria mãe", Vygotsky e seus colegas
pareciam ter uma visão clara do que deveria ser
estudado. De acordo com Luria e Alexei Leontiev,
naquela época, eles pretendiam estabelecer o
estudo materialista da atividade mental humana.
Para melhor compreensão, é importante
mencionar que esses pesquisadores tentaram se
definir em algum ponto entre as abordagens
“idealista” e “naturalista” dos processos humanos,
com atenção especial aos principais postulados
da filosofia do marxismo. Vários temas centrais de
pesquisa podem ser identificados nas obras
mútuas da troika.
Os psicólogos soviéticos estavam primariamente
preocupados com o problema da consciência ou,
em outros mundos, com o entendimento do que
constitui a psicologia dos seres humanos e como
eles são diferentes de outras espécies. Assim, a
troika russa dedicou sua atenção primária ao
desenvolvimento cultural e histórico das funções
mentais superiores através de processos de
mediação da fala e da mnemotécnica como
resultados específicos do desenvolvimento
cultural da sociedade. Para explicar os processos
de mediação, Vygotsky apresentou a noção de

247
“um sinal”, enfatizando que os processos mentais
humanos são mediados pelas ferramentas que
têm “significados” e não apenas significados
cognitivos, mas também psicológicos. A segunda
grande ideia da estrutura psicológica soviética é
que a atividade de uma pessoa em alterar seu
ambiente desempenha um papel crucial no
processo de mediação das funções mentais
superiores e no domínio do comportamento
humano específico. Como resultado, a
consciência é referida como uma forma humana
específica de reflexão, que é criada por condições
externas e formas sociais complexas de atividade
prática.
Os psicólogos soviéticos estavam primariamente
preocupados com o problema da consciência ou,
em outros mundos, com o entendimento do que
constitui a psicologia dos seres humanos e como
eles são diferentes de outras espécies. Assim, a
troika russa dedicou sua atenção primária ao
desenvolvimento cultural e histórico das funções
mentais superiores através de processos de
mediação da fala e da mnemotécnica como
resultados específicos do desenvolvimento
cultural da sociedade. Para explicar os processos
de mediação, Vygotsky apresentou a noção de
“um sinal”, enfatizando que os processos mentais

248
humanos são mediados pelas ferramentas que
têm “significados” e não apenas significados
cognitivos, mas também psicológicos. A segunda
grande ideia da estrutura psicológica soviética é
que a atividade de uma pessoa em alterar seu
ambiente desempenha um papel crucial no
processo de mediação das funções mentais
superiores e no domínio do comportamento
humano específico. Como resultado, a
consciência é referida como uma forma humana
específica de reflexão, que é criada por condições
externas e formas sociais complexas de atividade
prática.
Além disso, o grupo de pesquisa dedicou sua
investigação aos principais princípios do
desenvolvimento da mente humana ou ao estudo
da estrutura sistêmica e dinâmica da mente /
consciência. O princípio central do estudo sugeriu
que a estrutura de processos mentais humanos
específicos é formado através da atividade
externa de uma pessoa e pode ser internalizada
ainda mais durante a vida de uma pessoa. Outro
princípio importante é que a consciência é
caracterizada pela estrutura sistêmica e todas as
funções mentais superiores estão relacionadas
umas às outras. Portanto, para entender uma
função singular, deve-se analisar o sistema como

249
um todo (Luria e Vygotsky). É importante ressaltar
que o significado “progressista” dos postulados de
Vygotsky reconhecidos por seus discípulos é visto
na visão “dinâmica” dos processos mentais
humanos: as próprias funções ocorrem no
processo de desenvolvimento mental infantil e
mudam sua interconexão devido à transição para
formas mais complexas. de atividade mental. O
estudo do conceito de "significado" foi uma das
mais recentes tentativas de pesquisa colaborativa
da troika. Os investigadores soviéticos estavam
particularmente interessados em suas origens e
desenvolvimento em contextos culturais, sociais e
psicológicos. Pesquisadores afirmaram que
"significado" encontra sua representação em uma
palavra e medeia o processo de reflexão sensual
imediata do mundo. A palavra aqui é vista como
sendo inseparável do significado e vice-versa.
Para examinar o significado psicológico, deve-se
examinar a palavra em sua função de processo
de generalização, o que se refletiu nos estudos da
troika sobre a formação de noções (conceitos)
entre crianças. Embora promovendo e apoiando
os postulados gerais delineados do quadro
psicológico soviético, cada um dos pesquisadores
concentrou-se em um aspecto particular da
estrutura e de acordo com seus interesses

250
individuais: Luria estava geralmente preocupado
com a organização cerebral das funções mentais,
Vygotsky era principalmente focado em aspectos
socioculturais do funcionamento humano e
Leontiev introduziu sua própria teoria da atividade.
De acordo com Vygotsky, todas as funções
mentais superiores são mediadas por ferramentas
psicológicas, como linguagem, signos e símbolos.

251
Bibliografia consultada

B
BASTOS, L. S.; ALVES, M. P. As influências de
Vygotsky e Luria à neurociência contemporânea e
à compreensão do processo de aprendizagem.
Revista Práxis, ano V, n. 10, p. 41-53, 2013.

BRANDIMONTE, M. A.; BRUNO, N.; COLLINA, S.


Cognition. In P. Pawlik and G. d’Ydewalle (Eds.)
Psychological Concepts: An International
Historical Perspective. Hove, UK: Psychology
Press, 2006.

C
CENSUPEG. Memória. Disponível em: <
http://cursoposneuro.com.br/memoria/ > Acesso em 20
jul. 2018.
252
D
DUARTE, N. A teoria da atividade como uma
abordagem para a pesquisa em educação.
PERSPECTIVA, v. 20, n. 02, p.279-301, 2002.

F
FÁTIMA, C. R.; SILVA, F. G. Desenvolvimento,
aprendizagem e atividades lúdicas na concepção
de Leontiev: contribuições para a educação física
escolar. Nuances: estudos sobre Educação, v.
24, n. 1, p. 127-146, 2013.

FRANCO, N. S. A história da neurociência.


Disponível em: <
http://bio-neuro-psicologia.usuarios.rdc.puc-
rio.br/a-hist%C3%
B3ria-da-neuroci%C3%AAncia.html >Acesso em
16 jul. 2018.

253
G
GAZZANIGA, IVRY, MANGUN. Breve História da
Neurociência Cognitiva. Disponível em:
<http://pablo.deassis.net.br/wp-
content/uploads/Breve-Hist%C3%B3ria-
Neuroci%C3%AAncia-cognitiva.pdf > Acesso em
16 jul. 2018.

GUERRA, L. G. G. C.; SILVA, M T. A. Learning


processes and the neural analysis of conditioning.
Psychology & Neuroscience, v. 3, n. 2, p.195 –
208, 2010.

GUTTENPLAN, S. A Companion to Philosophy


of Mind, Blackwell: Oxford, 1994

I
254
IZQUIERDO, I. A.; MYSKIW, J. C.; BENETTI, F.;
GUERINO FURINI, C. R. Memória: tipos e
mecanismos – achados recentes. Revista USP,
n. 98, p. 9-16, 2013.

K
KOSTYANAYA, M. I.; ROSSOUW, P. Key aspects
of Luria’s neuroscientific approach – the three
principal functional units.
International Journal of Neuropsychotherapy,
v. 1, n. 2, p. 47-55, 2013.

KOSTYANAYA, M. I. Russian psychology and


neuropsychotherapy: comparative analysis.
International Journal of Neuropsychotherapy,
v. 3, n. 1, p. 70–88, 2015.

KRUSZIELSKI, L. Teoria do Sistema Funcional.


Disponível em:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/301895/
mod_resource/content/1/Teoria_do_Sistema_Fun

255
cional_texto_LEANDRO%5B1%5D.pdf > Acesso
em 21 jul. 2018.

M
MCINTOSH, A. R. Mapping cognition to the brain
through neural interactions. Memory, v. 7, n. 5-6,
p. 523-548, 1999.

MORTON, A. L. Rethinking Symbolism. Press


Syndicate of the University of Cambridge,
Cambridge, UK, 1979, 162 p.

256
NESBITT, C. How the work of pavlov influenced
education.
Disponível em: <
https://christophernesbitt.wordpress.com/
2013/01/14/how-the-work-of-pavlov-influenced-
education/> Acesso em 20 jul. 2018.

NEVES, R. A.; DAMIANI, M. F. Vygotsky e as


teorias da aprendizagem. UNIrevista, v. 1, n. 2 ,
1-10, 2006.

257
PSICOATIVO. Extinção na Psicologia
Comportamental [Com exemplos] Disponível em:
< http://psicoativo.com/2016/11/
extincao-psicologia.html > Acesso em 20 jul.
2018.

PSICOLOGIA ACADÊMICA. Disponível em: <


https://psicologiaacademica.blogspot.com/2012/07
/leontiev-e-teoria-da-atividade.html > Acesso em
20 jul. 2018.

R
RABELLO, E.; PASSOS, J. S. Vygotsky e o
desenvolvimento humano. Disponível em:
<http://someeducacional.com.br/apz/
Vygotsky/vygotsky.pdf > Acesso em 22 jul. 2018.

RIBEIRO, S. Tempo de cérebro. Estudos


avançados, v. 27, n.77, p. 7-22, 2013

ROBINSON, M. D.; WATKINS, E. R.; HARMON-


JONES, E. (Eds). Handbook of cognition and

258
emotion. The Guilford Press, New York London,
2013, 610 p.

S
SEJNOWSKI, T. J.; CHURCHLAND, P. S. Brain
and Cognition, In: M. I. Posner (Ed.),
Foundations of Cognitive Science, Cambridge,
MA: MIT Press, 1990.

STERNBERG, R. J.; STERNBERG, K. MIO, J.


Cognitive Psychology. Sixth Edition, Wadsworth,
Cengage Learning: Belmont, CA, USA, 2012, 643
p.

T
TELLEZ, A.; SANCHEZ, T. Luria’s model of the
functional units of the brain and the
neuropsychology of dreaming. Psychology in
Russia: State of the Art, v. 9, n. 4, 2016.

259
260

Você também pode gostar