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RESUMO: O presente artigo trata da pesquisa realizada na agremiação paraense Tuna Luso
Brasileira, durante o segundo semestre do ano de 2016 e o primeiro semestre do ano 2017. Seu
principal objetivo foi aprimorar a documentação realizada por Silva Junior em 2014, visando
promover a preservação das informações encontradas na coleção de troféus metálicos da agremiação
centenária e também realizar levantamentos dos danos encontrados nos troféus do clube. A pesquisa se
fez necessária porque a Tuna é uma das mais antigas agremiações do estado do Pará e seu acervo de
troféus metálicos se apresenta como uma grande fonte documental que serve como testemunho da
história do esporte na capital paraense. Apesar da grande contribuição desses artefatos para a história
da cidade, estes sofrem com a falta de práticas de conservação tanto do material, quanto do imaterial,
que fazem parte deles, posto isso, realizar a documentação foi a medida encontrada para dar inicio a
uma série de práticas ligadas a preservação dos troféus. Como forma de aprimorar a documentação
realizada anteriormente, na tentativa de promover a preservação desses bens, foi pensada o
desenvolvimento de uma ficha catalográfica, que objetivou a extração de informações intrínsecas e
extrínsecas encontradas nos objetos, como as possíveis patologias encontradas nos troféus, os
materiais que compõe o acervo e o estado de conservação dos mesmos, compreendendo que estes se
apresentam como documentos da história do esporte paraense e com isso contribuem na construção da
história da cidade de Belém. No período de aproximadamente um ano foram documentados 156
troféus metálicos, onde a grande maioria apresentou danos como corrosão, manchas, alteração de cor e
danos à estrutura. Apesar dos significativos resultados obtidos a partir da pesquisa, compreende-se que
há ainda muito a se fazer se tratando desta temática, com isso faz-se necessário o desenvolvimento de
novos estudos que tratem desta linha de pesquisa.
O uso do metal está presente em nosso cotidiano desde o período Pré-Histórico quando os
primeiros indivíduos desenvolveram ferramentas e utensílios que auxiliavam nos seus
afazeres diários. Segundo Silva & Homem (2008), o uso de metais pode ser encarado como
um “marco significativo na inovação tecnológica”, já que a utilização destes colaborou de
forma significativa para a criação de materiais que contribuíram para o desenvolvimento de
diversas civilizações. Algumas características próprias dos metais (maior resistência a
tensões, deformações, compressão; elasticidade; flexibilidade; durabilidade; cor; textura; entre
outros) podem ter sido o ponto crucial para que eles ganhassem destaque no desenvolvimento
de materiais, que iam desde armas utilizadas para a caça e cultivo (VIEIRA, 200-?) até,
posteriormente, edifícios totalmente metálicos (PALÁCIOS, 2011). Os metais mais usados
eram aqueles comumente encontrados na superfície terrestre como o cobre – um dos
primeiros a serem descobertos pelo homem –; o ouro e a prata, conhecidos como metais
nobres. Ao longo do tempo a grande procura, para as mais variadas finalidades, acabou
contribuindo para a escassez desses minérios, que acabaram sendo substituídos por materiais
como bronze e latão.
No Brasil o uso de metais teve destaque durante a época conhecida como Ciclo da
Borracha, período na qual o país encontrava-se no auge da exportação de matérias
provenientes da extração do látex. Durante esse período ocorreram grandes mudanças
urbanísticas nas cidades brasileiras e houve uma enorme demanda pela importação de
materiais produzidos em países europeus, especialmente os metálicos, de intensa produção na
época. Ainda hoje podemos encontrar em diversas cidades brasileiras construções que contam
a história desse período, tais como: edifícios, elementos decorativos, objetos simbólicos,
elementos urbanísticos, entre outros.
Durante essa época surge na capital paraense o que seria hoje a Tuna Luso Brasileira,
uma agremiação esportiva fundada por caixeiros portugueses como forma de amenizar a
saudade da mãe pátria. Ao longo dos seus 114 anos a Tuna conquistou diversas premiações
em diferentes modalidades esportivas que acarretaram em uma enorme coleção de medalhas,
troféus, faixas, entre outros. Dentre as diversas premiações do clube o que chama muita
atenção são os seus troféus metálicos, tanto pela beleza, quanto pelo potencial museológico
que estes apresentam, visto que, como dizem Lima & Granato (2016), “os diversos
significados e usos atribuídos aos objetos metálicos documentam recursos, maestrias
profissionais, modas e requintes, permitindo visualizar o modo de vida das elites e dos
cidadãos comuns”, sendo assim, compreende-se que o estudar e documentar esses artefatos
pode contribuir diretamente para a compreensão do passado (LIMA & GRANATO, 2016).
O clube esportivo Tuna Luso Brasileira surge no ano de 1902, quando comerciantes
portugueses – conhecidos como caixeiros – embarcaram na capital do Pará. A princípio a
agremiação era apenas um grupo de músicos que promoviam reuniões como forma de
amenizar a saudade da saudosa pátria. Durante alguns anos as atividades do grupo foram
inteiramente dedicadas a reuniões beneficentes que tinham como finalidade promover a
socialização entre os conterrâneos portugueses residentes em Belém. Ao longo do tempo o
clube fez usos de diversas nomenclaturas como: Tuna Luso Caixeiral, Tuna Luso Comercial e
por fim Tuna Luso Brasileira nome que perdura até os dias de hoje (COSTA, 2012; SILVA
JUNIOR, 2015).
Durante os seus 114 anos, a agremiação promoveu diversas modalidades esportivas bem
como: hipismo, futebol, voleibol e natação. Com isso o clube arrecadou em sua história uma
enorme coleção de premiações (COSTA, 2012) dentre as quais se destaca o seu acervo de
troféus metálicos (Figura 2), que apresentam uma gama de informações intrínsecas e
extrínsecas que colaboram para a construção da história do clube e do esporte paraense.
Figura 2: Alguns troféus metálicos que compõem o acervo da Tuna Luso Brasileira.
Identificação
Dimensões
Descrição intrínseca
Descrição extrínseca
Estado de conservação
Observações
Imagens
A ficha serviu como auxilio para a coleta de informações encontradas nos troféus e
posteriormente foi usada para o desenvolvimento da catalogação dos 156 troféus
documentados durante o período em que se realizou a pesquisa in loco (Figura 4).
Figura 4: Preenchimento manual das fichas catalográficas.
Figura 6: (A) Corrosão no troféu ATT.020.2017, (B) Alteração de cor no troféu ATT.151.2017, (C) Manchas
esbranquiçadas no troféu ATT.135.2017, (D) Dano à estrutura do troféu ATT.150.2017.
Sabendo da falta de práticas que visam a conservação desse acervo, foi pensado o
armazenamento provisório dos troféus como uma medida de conservação, em curto prazo, da
materialidade desse acervo. Para isso foram usadas caixas de papelão que com etiquetas
indicando a numeração dos troféus armazenados, organizando assim o acervo (Figura 7).
Apesar de compreendermos que a história da Tuna Luso Brasileira não se faz apensas
pelos seus bens matérias, preservar a estrutura desses troféus é uma das formas de levar
adiante a história desse clube centenário que é um dos pioneiros no esporte paraense. Os
troféus metálicos da agremiação são testemunhos de uma trajetória de conquistas realizadas
pelo clube e diante disso compreendesse que nada mais justo do que buscar medidas para
preservá-los.
A capital paraense é uma grande detentora de bens culturais que vão desde seus edifícios
históricos até seus contos populares. Esses bens compõem o rico patrimônio arquitetônico,
artístico, histórico, entre outros, sejam eles materiais ou imateriais. O Forte do Castelo e o
Mercado do Ver-O-Peso são de longe, grandes símbolos da capital e juntamente com outros
edifícios como igrejas, casarões e palacetes, constroem o patrimônio arquitetônico da cidade.
Há também os museus que contam um pouco da história da cidade através de acervos que vão
desde imagens de santos católicos encontrados no Museu de Arte Sacra até obras de arte
contemporânea expostas no museu localizado na Casa das Onze Janelas.
Posto isso, compreendemos que Belém é uma cidade permeada de artefatos históricos que,
apesar das problemáticas, contam uma parte da sua história. No entanto, podemos levantar
uma reflexão acerca da localização de boa parte desse rico acervo. Entre os bens patrimoniais
mais aclamados da cidade das mangueiras, podemos notar que, em sua maioria, estes se
encontram localizados no Centro Histórico que para Queirós (2007), de uma forma geral,
pode ser entendido como “um livro de memórias materiais e imateriais, que possui
importantes referências e indicações de identidades dos povos que aí habitam e habitaram ao
longo do tempo”.
Acontece que, assim como em diversas outras cidades brasileiras, uma grande parcela da
população apresenta certa tendência a afirmar como patrimônio tudo àquilo que está
localizado no Centro Histórico, mesmo que essa população não apresente a menor relação de
identificação com esse patrimônio. Diante disso, podemos levantar uma reflexão acerca dos
diversos patrimônios que apesar de não estarem localizados nos grandes centros históricos
apresentam um forte potencial para a construção da história e da identidade de uma sociedade.
Durante a realização de pesquisa in loco entre os anos de 2016 e 2017, foi possível
constatar que o clube Tuna Luso Brasileira apresenta um enorme potencial patrimonial por ser
um dos mais antigos clubes do estado e pela sua rica coleção de acervos, que dentre estas se
destaca a coleção de troféus metálicos que foram o objeto de estudo de pesquisas iniciadas a
partir do ano de dois mil e quatorze. A partir das práticas de documentação realizadas pela
pesquisa, foi possível constatar a importância das informações que fazem parte desses troféus
por apresentarem valor histórico e afetivo não somente para os sócios e torcedores do clube,
mas também para a sociedade paraense em geral, considerando que a agremiação é uma das
mais antigas do estado do Pará. No entanto, apesar do enorme potencial patrimonial
apresentado por essa coleção, grande parte da população não tem conhecimento algum acerca
desses objetos e da sua potencial contribuição para a construção das identidades belenenses.
Com a pesquisa realizada no clube luso-brasileiro surgiram ainda reflexões acerca do
patrimônio privado, já que apesar de a Tuna ser uma agremiação paraense, ela é uma
instituição fechada. Diante disso há certa dificuldade de todos os grupos de pessoas
encontradas em Belém terem acesso a esse acervo. Sendo assim, compreende-se que a
agremiação, juntamente com profissionais especializados, deve buscar medidas de divulgação
que alcancem os diferenciados públicos da cidade, tendo em vista que, se a população não
conhece os acervos do clube, as chances destes se identificarem com ele acabam se tornando
mínimas.
Posto isso podemos retornar a reflexão sobre a localização do patrimônio da cidade de
Belém e nos questionarmos sobre o fato de a grande maioria dos “holofotes do patrimônio” se
voltar para os centros históricos. O patrimônio de Belém é somente aquele que se encontra
disposto no centro histórico? Somente os edifícios históricos, museus e as igrejas constroem a
cultura belenense e a identidade de todas as classes dessa população? Essas são algumas
perguntas, ainda sem respostas, que podem nos instigar a refletir sobre a situação em que o
patrimônio, em todos os âmbitos, da cidade das mangueiras está fincado. Mesmo que ainda
não tenhamos encontrado respostas para os questionamentos podemos refletir acerca disso
visando futuramente apresentar formas de conseguir voltar nossas visões para os patrimônios
desconhecidos de Belém.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde os primeiros passos dados por Paul Otlet ao final do século XIX, pode-se dizer que
a documentação é uma forma eficiente e acessível de preservar as informações de um objeto,
um momento, entre outros. Com o surgimento dessa área de estudo começariam as primeiras
especulações sobre o que seria o documento e durante um considerável tempo a noção de
documento aceita pelos especialistas da documentação era a ampla visão “otletiana” de que
documento poderia ser tudo poderia ser considerado um documento, inclusive o que é
encontrado na natureza, porque para ele o documento não estava necessariamente ligado à
materialidade e sim a função que ele representaria (OTLET, 1934 apud SMIT, 2008).
Contudo, no decorrer do tempo surgiram novas teorias que beberam na fonte do “pai da
documentação”, mas passaram a afunilar a definição do que de fato poderia ser tido como
documento. Com isso, Suzanne Briet (1951) propôs em seu manifesto “O que é a
documentação?” afirma que documento será todo registro que afirma um fato. Para a teórica o
objeto por si só não seria documento, mas a relevância das informações encontradas nele
indicaria se este seria ou não um documento (BRIET, 1951 apud SMIT, 2008).
Seguindo a lógica de Briet, podemos compreender que as informações encontradas nos
troféus metálicos da Tuna Luso Brasileira apresentam enorme relevância para que estes sejam
considerados uma fonte documental que registram os primeiros passos da construção do
esporte paraense. Mediante a isso tornasse necessário se pensar medidas que visem conservar
tanto o material, quanto o imaterial desses bens. Algumas medidas já foram iniciadas para que
se preservem estes bens, mas entendemos que os primeiros passos para promover essa
preservação é pensar de forma conjunta formas de deixar esse acervo mais próximo dos
diferentes grupos sociais encontrados na cidade porque se compreende que quando “uma
sociedade atribui valor a um objeto, imediatamente a sua conservação se torna necessária” (LIMA &
GRANATO, 2016) e se a própria população não encontra formas de se identificar com estes bens,
tampouco se importará com a sua preservação.
Contudo, para que se possam pensar medidas de preservação voltadas para o acervo da
Tuna Luso Brasileira, é de suma importância compreender também, que o patrimônio
artístico, histórico, arquitetônico, entre outros, localizados na capital paraense, sejam eles
materiais ou imateriais, devem ser pensados para além das áreas aclamadas pelos órgãos
públicos e por algumas parcelas da população. É necessário compreender que a capital
paraense é rica em todos os seus aspectos e que a sua história foi construída a partir dos
grandes centros, mas não somente neles.
REFERÊNCIAS
LIMA, Jéssica Tarine Moitinho de; GRANATO, Marcus. Entre a ciência e o patrimônio: a
aplicação de procedimentos analíticos na preservação de acervos metálicos. IV Seminário
Internacional Cultura Material e Patrimônio de C&T. Rio de Janeiro, 2016.
SILVA, Armando Coellho Ferreira da; HOMEM, Paula Menino. Ligas Metálicas:
Investigação e Conservação. 1ª ed.Portugal: U.Porto, 2008.