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GENEROS TEXTUAIS & ENSINO

PARTE I – SUPORTES TEÓRICOS E PRÁTICAS DE ENSINO..................................4


GÊNEROS TEXTUAIS: DEFINIÇÃO E FUNCIONALIDADE................................4
Gêneros textuais como práticas sócio-históricas.......................................................4
Novos gêneros e velhas bases....................................................................................4
Definição de tipo e gênero textual.............................................................................5
Algumas observações sobre os tipos textuais............................................................7
Observações sobre os gêneros textuais......................................................................8
Gêneros textuais e ensino........................................................................................10
Observações finais...................................................................................................12
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E CONTEXTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS...................................................................................................13
Contribuições teóricas.............................................................................................13
Textos da mídia no ensino de língua portuguesa.....................................................15
GÊNEROS DISCURSIVOS E ENSINO DE LÍNGUA INGLESA............................16
Fundamentação Teórica...........................................................................................16
Aspectos Pertinentes aos Gêneros Discursivos...................................................16
Fala, Escrita e os Grupamentos de Gêneros Discursivos....................................17
Considerações Finais...............................................................................................18
GÊNEROS JORNALÍSTICOS NO LETRAMENTO ESCOLAR INICIAL.............19
Pressupostos teóricos...............................................................................................19
A experiência didática com a utilização de gêneros jornalísticos...........................21
ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DE FRANCÊS.23
Pressupostos teóricos...............................................................................................23
O programa de curso elaborado...............................................................................24
Um exemplo de sequência didática (SD)................................................................24
O trabalho com o gênero “folheto explicando um processo de fabricação”...........26
Conclusões...............................................................................................................27
Sugestões para a pesquisa e para o ensino de LE....................................................27
O CHAT EDUCACIONAL: O PROFESSOR DIANTE DESSE GÊNERO
EMERGENTE.............................................................................................................28
O chat educacional como novo gênero e ferramenta de trabalho...........................28
Tentativas de normatização do chat educacional....................................................29
Considerações finais................................................................................................29
O GÊNERO QUARTA CAPA NO ENSINO DE INGLÊS........................................30
Pressupostos Teóricos.............................................................................................30
A construção do modelo didático do gênero quarta capa........................................31
Situação de ensino...............................................................................................31
Síntese da literatura dos especialistas e dos experts em quarta capa...................31
Síntese da análise e resgate das unidades linguísticas recorrentes......................32
Modelo didático de quarta capa de livro.............................................................33
Plano da situação de ação de linguagem (referente ao contexto de produção)
.........................................................................................................................33
Plano discursivo (referente à organização interna).........................................33
Plano das propriedades linguístico-discursivas...............................................33
AS LETRAS E A LETRA: O GÊNERO CANÇÃO NA MÍDIA LITERÁRIA.........35
A identidade da canção............................................................................................35
Canção, letra e música.........................................................................................35
Canção: entre o oral e o escrito...........................................................................36
Oralidade e canção..........................................................................................36
A canção popular e outras canções..................................................................37
Canção popular e improviso jazzístico............................................................37
Canção e escrita poética..................................................................................37
A canção na mídia literária......................................................................................39
O uso da canção na escola (conclusão)...................................................................40
PARTE II – GÊNEROS TEXTUAIS NA MÍDIA ESCRITA E ENSINO.....................42
VERBETES: UM GÊNERO ALÉM DO DICIONÁRIO...........................................42
Definindo termos.....................................................................................................42
Os verbetes como seções nas revistas.....................................................................43
O verbete e os outros gêneros textuais nas revistas.................................................44
Verbete e ensino: apenas algumas sugestões para se pensar...................................44
REVISITANDO O CONCEITO DE RESUMOS.......................................................46
Pressupostos teóricos...............................................................................................46
Os resumos na mídia impressa e digital..................................................................48
Conclusões...............................................................................................................50
“FRASE”: CARACTERIZAÇÃO DO GÊNERO E APLICAÇÃO PEDAGÓGICA 52
“Frase”: caracterização de um gênero.....................................................................52
Estruturação do gênero........................................................................................52
Tipos do gênero textual “Frase”: temporalidade.................................................54
Abrindo as portas da sala de aula............................................................................55
Palavras (quase) finais.............................................................................................56
O FUNCIONAMENTO DIALÓGICO EM NOTÍCIAS E ARTIGOS DE OPINIÃO
.....................................................................................................................................57
Alguns conceitos.....................................................................................................57
Linguagem...........................................................................................................57
Dialogismo..........................................................................................................58
Gênero discursivo................................................................................................59
A diversidade de funcionamento dialógico.............................................................60
Considerações finais................................................................................................61
ENTREVISTA: UMA CONVERSA CONTROLADA..............................................62
O gênero entrevista..................................................................................................62
As entrevistas nas revistas.......................................................................................63
Considerações finais................................................................................................64
UM GÊNERO QUADRO A QUADRO: A HISTÓRIA EM QUADRINHOS..........65
Narrando quadro a quadro: o gênero HQ................................................................65
Mídia escrita: onde surgiram e se desenvolveram as HQs......................................66
HQs na escola: negligenciadas, apesar de relevantes..............................................67
POR QUE CARTAS DO LEITOR NA SALA DE AULA.........................................69
Cartas do leitor: caracterização e uso......................................................................69
Carta do leitor na sala de aula..................................................................................70
PARTE I – SUPORTES TEÓRICOS E PRÁTICAS DE ENSINO

GÊNEROS TEXTUAIS: DEFINIÇÃO E FUNCIONALIDADE


Luiz Antonio Marcuschi

Gêneros textuais como práticas sócio-históricas


Já se tornou trivial a ideia de que os gêneros textuais são fenômenos históricos,
profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os
gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia.
São formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. Mesmo
apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer
contexto discursivo, os gêneros caracterizam-se como eventos textuais altamente
maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e atividades
socioculturais, bem como na relação com inovações tecnológicas.

Os gêneros textuais caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas,


cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. São
de difícil definição formal, devendo ser contemplados em seus usos e condicionamentos
sociopragmáticos caracterizados como práticas sociodiscursivas. Quase inúmeros em
diversidade de formas, obtêm denominações nem sempre unívocas e, assim como
surgem, podem desaparecer.

Novos gêneros e velhas bases


Não são propriamente as tecnologias per se1 que originam os gêneros e sim a
intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades
comunicativas diárias. Daí surgem formas discursivas novas, tais como editoriais 0,
artigos de fundo, notícias, telefonemas, telegramas0, telemensagens, teleconferências,
videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas (e-mails), bate-papos virtuais
(chats), aulas virtuais (aulas chats) e assim por diante.

Seguramente, esses novos gêneros não são inovações absolutas, quais criações ab ovo0,
sem uma ancoragem em outros gêneros já existentes. O fato já fora notado por Bakhtin
que falava na ‘transmutação’ dos gêneros e na assimilação de um gênero por outro
gerando novos. A tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras, mas não
absolutamente novas. Veja-se o caso do telefonema, que apresenta similaridade com a
conversação que lhe pré-existe, mas que, pelo canal telefônico, realiza-se com

1
em si mesmo; intrinsecamente
0
artigo em que se discute uma questão, apresentando o ponto de vista do jornal, da empresa jornalística
ou do redator-chefe; artigo de fundo. Há o artigo de opinião, que exige que você tenha argumentos
sustentados por fatos comprovados; o editorial tem um caráter mais opinativo sobre um determinado
tema, e com uma visão crítica.
0
comunicação transmitida ou recebida via telégrafo (aparelho através do qual se efetuam a transmissão
ou recepção de mensagens a distância, por meio de sinais).
0
desde o início; desde o princípio.
características próprias. Daí a diferença entre uma conversação face a face e um
telefonema, com as estratégias que lhe são peculiares. O e-mail gera mensagens
eletrônicas que têm nas cartas (pessoais, comerciais etc.) e nos bilhetes os seus
antecessores.

Esses gêneros que emergiram no último século no contexto das mais diversas mídias
criam formas comunicativas próprias com um certo hibridismo que desafia as relações
entre oralidade e escrita. Também permitem observar a maior integração entre os vários
tipos de semioses: signos verbais, sons, imagens e formas em movimento. A linguagem
dos novos gêneros torna-se cada vez mais plástica.

Embora os gêneros textuais não se caracterizem nem se definam por aspectos formais,
sejam eles estruturais ou linguísticos, e sim por aspectos sociocomunicativos e
funcionais, isso não quer dizer que estejamos desprezando a forma. Em muitos casos
são as formas que determinam o gênero e em outros tantos serão as funções. Contudo,
haverá casos em que será o próprio suporte ou o ambiente em que os textos aparecem
que determinam o gênero presente. Assim, num primeiro momento podemos dizer que
as expressões “mesmo texto” e “mesmo gênero” não são automaticamente equivalente,
desde que não estejam no mesmo suporte. Esses aspectos sugerem cautela quanto a
considerar o predomínio de formas ou funções para a determinação e identificação de
um gênero.

Definição de tipo e gênero textual


Aspecto teórico e terminológico relevante é a distinção entre o que se convencionou
chamar de tipo textual, de um lado, e gênero textual, de outro lado.

Partimos do pressuposto básico de que é impossível se comunicar verbalmente a não ser


por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por
algum texto. Em outros termos, partimos da ideia de que a comunicação verbal só é
possível por algum gênero textual. Esta visão segue uma noção de língua como
atividade social, histórica e cognitiva. Privilegia a natureza funcional e interativa e não
o aspecto formal e estrutural da língua.

Os gêneros textuais se constituem como ações sociodiscursivas para agir sobre o mundo
e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo.

Para uma maior compreensão do problema da distinção entre gêneros e tipos textuais,
vejamos aqui uma breve definição das duas noções:

(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência
teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos
lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais
abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção.
(b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para
referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos,
propriedades funcionais, estilo e composição característica. Os gêneros são
inúmeros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete,
reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia
jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras,
cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha,
edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta
eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante.

Para uma maior visibilidade, poderíamos elaborar aqui o seguinte quadro sinóptico:

TIPOS TEXTUAIS GÊNEROS TEXTUAIS


1. realizações linguísticas concretas
1. constructos0 teóricos definidos por
definidas por propriedades sócio-
propriedades linguísticas intrínsecas;
comunicativas;
2. constituem sequências linguísticas ou 2. constituem textos empiricamente
sequências de enunciados e não são textos realizados cumprindo funções em
empíricos; situações comunicativas;
3. sua nomeação abrange um conjunto
3. sua nomeação abrange um conjunto
aberto e praticamente ilimitado de
limitado de categorias teóricas
designações concretas determinadas pelo
determinadas por aspectos lexicais,
canal, estilo, conteúdo, composição e
sintáticos, relações lógicas, tempo verbal.
função.

Seria interessante definir uma mais uma noção que vem sendo usada de maneira um
tanto vaga. Trata-se da expressão domínio discursivo.

(c) Usamos a expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou instância
de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos
nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos.
Do ponto de vista dos domínios, falamos em discurso jurídico, discurso
jornalístico, discurso religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística ou
religiosa não abrangem um gênero em particular, mas dão origem a vários deles.
Constituem práticas discursivas dentro das quais podemos identificar um
conjunto de gêneros textuais que, às vezes, lhe são próprios (em certos casos
exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas.

Deve-se ter o cuidado de não confundir texto e discurso como se fossem a mesma coisa.
Pode-se dizer que texto é uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada
em algum gênero textual. Discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar em
alguma instância discursiva. Assim, o discurso se realiza nos textos. Em outros termos,
os textos realizam discursos em situações institucionais, históricas, sociais e
ideológicas. 

0
construção puramente mental, criada a partir de elementos mais simples, para ser parte de uma teoria.
Assim, para a noção de tipo textual predomina a identificação de sequências linguísticas
típicas como norteadoras; já para a noção de gênero textual, predominam os critérios de
ação prática, circulação sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo e
composicionalidade, sendo que os domínios discursivos são as grandes esferas da
atividade humana em que os textos circulam. Importante é perceber que os gêneros não
são entidades formais, mas sim entidades comunicativas. Gêneros são formas verbais de
ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de
práticas sociais e em domínios discursivos específicos.

Algumas observações sobre os tipos textuais


Um texto é em geral tipologicamente variado (heterogêneo). Há uma grande
heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais.

Portanto, entre as características básicas dos tipos textuais está o fato de eles serem
definidos por seus traços linguísticos predominantes. Por isso, um tipo textual é dado
por um conjunto de traços que formam uma sequência e não um texto. A rigor, pode-se
dizer que o segredo da coesão textual está precisamente na habilidade demonstrada em
fazer essa “costura” ou tessitura das sequências tipológicas como uma armação de base,
ou seja, uma malha infraestrutural do texto. Como tais, os gêneros são uma espécie de
armadura comunicativa geral preenchida por sequências tipológicas de base que podem
ser bastante heterogêneas mas relacionadas entre si. Quando se nomeia um certo texto
como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não se está nomeando o gênero e
sim o predomínio de um tipo de sequência de base.

Werlich propõe uma matriz0 de critérios0, partindo de estruturas linguísticas típicas dos
enunciados que formam a base do texto. Werlich toma a base temática do texto
representada ou pelo título ou pelo início do texto como adequada à formulação da
tipologia.

TIPOS TEXTUAIS SEGUNDO WERLICH


Bases temáticas Exemplos Traços linguísticos
Este tipo de enunciado textual tem uma estrutura
“Sobre a mesa havia milhares de simples com um verbo estático no presente ou
1. Descritiva
vidros.” imperfeito, um complemento e uma indicação
circunstancial de lugar.
Este tipo de enunciado textual tem um verbo de
mudança no passado, um circunstancial de tempo
“Os passageiros aterrissaram em
2. Narrativa e lugar. Por sua referência temporal e local, este
Nova York no meio da noite.”
enunciado é designado como enunciado
indicativo de ação.
3. Expositiva (a) “Uma parte do cérebro é o Em (a) temos uma base textual denominada de
córtex.” exposição sintética pelo processo da composição.
(b) “O cérebro tem 10 milhões Aparece um sujeito, um predicado (no presente)
de neurônios” e um complemento com um grupo nominal.
Trata-se de um enunciado de identificação de
fenômenos.
Em (b) temos uma base textual denominada de

0
aquilo que é fonte ou origem; molde para fundição de uma peça.
0
norma de confronto, avaliação e escolha; faculdade de discernir e de identificar a verdade; juízo, razão;
fundamento, base para uma opção e/ou decisão.
exposição analítica pelo processo de
decomposição. Também é uma estrutura com um
sujeito, um verbo da família do verbo ter (ou
verbos como: “contém”, “consiste”,
“compreende”) e um complemento que
estabelece com o sujeito uma relação parte-todo.
Trata-se de um enunciado de ligação de
fenômenos.
Tem-se aqui uma forma verbal com o verbo ser
“A obsessão com a durabilidade no presente e um complemento (que no caso é
4. Argumentativo
nas Artes não é permanente.” um adjetivo). Trata-se de um enunciado de
atribuição de qualidade.
Vem representada por um verbo no imperativo.
Estes são os enunciados incitadores à ação. Estes
textos podem sofrer certas modificações
significativas na forma e assumir por exemplo a
5. Injuntiva “pare!”, “seja razoável!” configuração mais longa onde o imperativo é
substituído por um “deve”. Por exemplo; “Todos
os brasileiros na idade de 18 anos do sexo
masculino devem comparecer ao exército para
alistarem-se.”

Um elemento central na organização de textos narrativos é a sequência temporal. Já no


caso de textos descritivos predominam as sequências de localização. Os textos
expositivos apresentam o predomínio de sequências analíticas ou então explicitamente
explicativas. Os textos argumentativos se dão pelo predomínio de sequências
contrastivas0 explícitas. Por fim, os textos injuntivos apresentam o predomínio de
sequências imperativas.

Observações sobre os gêneros textuais


Os gêneros são eventos linguísticos, mas não se definem por características linguísticas:
caracterizam-se, como já dissemos, enquanto atividades sociodiscursivas. Sendo os
gêneros fenômenos sócio-históricos e culturalmente sensíveis, não há como fazer uma
lista fechada de todos os gêneros. Existem estudos, feitos por linguistas alemães que
chegaram a nomear mais de 4000 gêneros, o que à primeira vista parece um exagero.
Daí a desistência progressiva de teorias com pretensão a uma classificação geral dos
gêneros.

Quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística e sim
uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais
particulares. Pois, como afirmou Bronckart0, “a apropriação dos gêneros é um
mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades
comunicativas humanas”, o que permite dizer que os gêneros textuais operam, em:
certos contextos, como formas de legitimação discursiva, já que se situam numa relação
sócio-histórica com fontes de produção que lhes dão sustentação muito além da
justificativa individual.

0
que contrasta, que compara.
0
Jean-Paul Bronckart é professor de Didática de Línguas na Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação na Universidade de Genebra, Suiça.
Swales lembra que “hoje, gênero é facilmente usado para referir uma categoria
distintiva de discurso de qualquer tipo, falado ou escrito, com ou sem aspirações
literárias”.

Os gêneros são artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano. Não
podemos defini-los mediante certas propriedades que lhe devam ser necessárias e
suficientes. Assim, um gênero pode não ter uma determinada propriedade e ainda
continuar sendo aquele gênero. Por exemplo, uma carta pessoal ainda é uma carta,
mesmo que a autora tenha esquecido de assinar o nome no final e só tenha dito no
início: “querida mamãe”. Uma publicidade pode ter o formato de um poema ou de uma
lista de produtos em oferta; o que conta é que divulgue os produtos e estimule a compra
por parte dos clientes ou usuários daquele produto. Artigo de opinião, embora escrito na
forma de um poema, continua sendo um artigo de opinião – o que configura uma
estrutura intergêneros de natureza altamente híbrida e uma relação intertextual com
alusão ao poema e ao poeta autor do poema no qual se inspira e do qual extrai
elementos.

Essa característica pode ser analisada de acordo com a sugestão de Ursula Fix, que usa a
expressão “intertextualidade intergêneros” para designar o aspecto da hibridização ou
mescla de gêneros em que um gênero assume a função de outro. Esta violação de
cânones subvertendo o modelo global de um gênero poderia ser visualizada num
diagrama tal como este:

INTERTEXTUALIDADE TIPOLÓGIA

Função do gênero A

Função de um artigo de opinião no formato de


artigo de opinião um poema

Forma do Forma do
gênero A gênero B

poema

Função do gênero B

A questão da intertextualidade intergêneros evidencia-se como uma mescla de funções e


formas de gêneros diversos num dado gênero e deve ser distinguida da questão da
heterogeneidade tipológica do gênero, que diz respeito ao fato de um gênero realizar
várias sequências de tipos textuais.
Em princípio, isto não deve trazer dificuldade interpretativa, já que o predomínio da
função supera a forma na determinação do gênero, o que evidencia a plasticidade e
dinamicidade dos gêneros. Resumidamente, em relação aos gêneros, temos:

(1) intertextualidade intergêneros = um gênero com a função de outro

(2) heterogeneidade tipológica = um gênero com a presença de vários tipos

De acordo com Miller, que considera o gênero como “ação social”, lembrando que uma
definição retoricamente correta de gênero “não deve centrar-se na substância nem na
forma do discurso, mas na ação em que ele aparece para realizar-se”. Este aspecto vai
ser central na designação de muitos gêneros que são definidos basicamente por seus
propósitos (funções, intenções, interesses) e não por suas formas. Contudo, voltamos a
frisar que isto não significa eliminar o alto poder organizador das formas
composicionais dos gêneros. O próprio Bakhtin indicava a “construção composicional”,
ao lado do “conteúdo temático” e do “estilo” como as três características dos gêneros.
De igual modo, para Eija Ventola, os “gêneros são sistemas semióticos que geram
estruturas particulares que em última instância são captadas por comportamentos
linguísticos mediante os registros”. Enquanto resultado convencional numa dada
cultura, os gêneros se definiriam como “ações retóricas 0 tipificadas baseadas em
situações recorrentes” (Miller). As formas tornam-se convencionais e com isto
genéricas precisamente em virtude da recorrência das situações em que são investidas
como ações retóricas típicas. Os gêneros são, em última análise, o reflexo de estruturas
sociais recorrentes e típicas de cada cultura. Por isso, em princípio, a variação cultural
deve trazer consequências significativas para a variação de gêneros, mas este é um
aspecto que somente o estudo intercultural dos gêneros poderá decidir.

Gêneros textuais e ensino


Tendo em vista que todos os textos se manifestam sempre num ou noutro gênero
textual, um maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais é importante
tanto para a produção com para a compreensão.

Em especial seria bom ter em mente a questão da relação oralidade e escrita no contexto
dos gêneros textuais, pois, como sabemos, os gêneros distribuem-se pelas duas
modalidades num contínuo, desde os mais informais aos mais formais e em todos os
contextos e situações da vida cotidiana. Mas há alguns gêneros que só são recebidos na
forma oral apesar de terem sido produzidos originalmente na forma escrita, como o caso
das notícias de televisão ou rádio.

Assim, é bom ter cautela com a ideia de gêneros orais e escritos, pois essa distinção é
complexa e deve ser feita com clareza. Isso deve-se ao fato de os eventos a que
chamamos propriamente gêneros textuais serem artefatos linguísticos concretos. Esta
0
que diz respeito a ou própria de retórica: a arte da eloquência, a arte de bem argumentar; arte da palavra;
conjunto de regras que constituem a arte do bem dizer, a arte da eloquência; oratória; uso da eloqüência;
utilização dos recursos, das regras da retórica; emprego de procedimentos enfáticos e pomposos para
persuadir ou por exibição; discurso bombástico, enfático, ornamentado e vazio; discussão inútil; debate
em torno de coisas vãs.
circunstância ou característica dos gêneros torna-os fenômenos bastante heterogêneos e
por vezes híbridos em relação à forma e aos usos.

Muitas vezes, em situações orais, os interlocutores discutem a respeito do gênero de


texto que estão produzindo ou que devem produzir. Trata-se de uma negociação
tipológica. Segundo observou o lingüista alemão Hugo Steger, as designações sugeridas
pelos falantes não são suficientemente unitárias ou claras, nem fundadas em algum
critério geral para serem consistentes.

Para Douglas Biber, por exemplo, os gêneros são geralmente determinados com base
nos objetivos dos falantes e na natureza do tópico tratado, sendo assim uma questão de
uso e não de forma. Em suma, pode-se dizer que os gêneros textuais fundam-se em
critérios externos (sociocomunicativos e discursivos), enquanto os tipos textuais
fundam-se em critérios internos (linguísticos e formais).

Elizabeth Gülich observa que as situações e os contextos em que os falantes ou


escritores designam os gêneros textuais são em geral aqueles em que parece relevante
designá-los para chamar a atenção sobre determinadas regras vigentes no caso.

Assim, contar piadas fora de lugar é um caso de inadequação ou violação de normas


sociais relativas aos gêneros textuais. Isso quer dizer que não há só a questão da
produção adequada do gênero, mas também um uso adequado. Esta não é uma questão
de etiqueta social apenas, mas é um caso de adequação tipológica, que diz respeito à
relação que deveria haver, na produção de cada gênero textual, entre os seguintes
aspectos:

 natureza da informação ou do conteúdo veiculado;


 nível de linguagem (formal, informal, dialetal, culta etc.) ;
 tipo de situação em que o gênero se situa (pública, privada, corriqueira, solene
etc.);
 relação entre os participantes (conhecidos, desconhecidos, nível social, formação
etc.);
 natureza dos objetivos das atividades desenvolvidas.

É provável que esta relação obedeça a parâmetros de relativa rigidez em virtude das
rotinas sociais presentes em cada contexto cultural e social, de maneira que sua
inobservância pode acarretar problemas. Neste sentido, os indicadores aqui levantados
serviriam para identificar as condições de adequação genérica na produção dos gêneros,
especialmente os orais.

Considerando que os gêneros independem de decisões individuais e não são facilmente


manipuláveis, eles operam como geradores de expectativas de compreensão mútua.
Observações finais
A relevância maior de tratar os gêneros textuais acha-se particularmente situada no
campo da Linguística Aplicada. De modo todo especial no ensino de língua, já que se
ensina a produzir textos e não a produzir enunciados soltos.

Não é de se supor que os alunos aprendam naturalmente a produzir os diversos gêneros


escritos de uso diário. Nem é comum que se aprendam naturalmente os gêneros orais
mais formais. Por outro lado, é de se indagar se há gêneros textuais ideais para o ensino
de língua. Tudo indica que a resposta seja não. Mas é provável que se possam
identificar gêneros com dificuldades progressivas, do nível menos formal ao mais
formal, do mais privado ao mais público e assim por diante.

O trabalho com gêneros será uma forma de dar conta do ensino dentro de um dos
vetores0 da proposta oficial dos Parâmetros Curriculares Nacionais que insistem nesta
perspectiva. Tem-se a oportunidade de observar tanto a oralidade como a escrita em
seus usos culturais mais autênticos sem forçar a criação de gêneros que circulam apenas
no universo escolar.

0
vetor /‘o que arrasta ou leva’/: condutor ou portador. A palavra vetor pode ter diferentes acepções,
dependendo da área do conhecimento em que é empregada.
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E CONTEXTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS
Maria Auxiliadora Bezerra

Contribuições teóricas
A teoria sociointeracionista vygotskiana de aprendizagem, as de letramento e as de
texto/discurso possibilitam considerar aspectos cognitivos, sociopolíticos, enunciativos
e linguísticos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma língua.

O homem transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada


cultura. Mas a sua relação com o meio não se dá de forma direta, ela é mediada por
sistemas simbólicos que representam a realidade; e a linguagem, que se interpõe entre o
sujeito e o objeto de conhecimento, é o principal sistema de todos os grupos humanos.

Tanto a linguagem falada como a escrita possibilitam o desenvolvimento de processos


psicointelectuais; no entanto, a escrita propicia modos diferentes e ainda mais abstratos
de pensar, de se relacionar com as pessoas e com o conhecimento, pois, para Vygotsky,
a escrita constitui um conjunto de símbolos de segunda ordem, os símbolos escritos
funcionam como designações dos símbolos verbais. A compreensão da linguagem
escrita é efetuada, primeiramente, através da linguagem falada. No entanto,
gradualmente essa via é reduzida, abreviada e a linguagem falada desaparece como elo
intermediário.

Vygotsky reconhece o papel importante da escola no acesso ao conhecimento científico


construído e acumulado pela humanidade, além da formação dos conceitos cotidianos,
em geral, e dos científicos, em particular. O autor ressalta que, se o meio não
proporcionar desafios, exigências e estímulos ao intelecto do indivíduo, ele pode não
conquistar estágios mais elevados de raciocínio.

Rego, mostrando algumas implicações da teoria vygotskiana para a educação, identifica


outros pontos:

a) a afirmação de que o bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento,


favorecendo a complementação das funções psicológicas que estão se
processando (para isso, são importantes ações que interfiram no que o autor
chamou de zona de desenvolvimento proximal (imediato), estágio em que o
indivíduo ainda não tem autonomia para resolver problemas sozinho, precisando
da contribuição de outrem);
b) o papel do outro na construção do conhecimento (para que o indivíduo se
aproprie do patrimônio material e simbólico que a humanidade construiu ao
longo da história, é preciso a mediação de indivíduos mais experientes; assim, o
processo externo concretizado nas atividades entre as pessoas se transforma em
processo intrapsicológico, onde a atividade é reconstruída internamente.
Portanto, construir conhecimento implica uma ação partilhada);
c) o papel da imitação no aprendizado (a imitação – não puramente de cópia e
repetição, mas como instrumento de compreensão – proporciona a oportunidade
de reconstrução interna do que o indivíduo observa externamente, ampliando sua
capacidade cognitiva);
d) o papel mediador do professor nas interações interpessoais e na interação dos
alunos com os objetos de conhecimento (o professor deixa de ser o agente
exclusivo da informação e formação dos alunos, para ser possibilitador das
interações entre eles e também responsável pela intervenção nas suas zonas de
desenvolvimento proximal (imediato), já que tem mais experiência e a
incumbência de desafiar, através do ensino, os processos de aprendizagem e
desenvolvimento dos alunos).

Letramento é entendido aqui como as inúmeras práticas sociais que integram direta ou
indiretamente a produção e/ou leitura de materiais escritos.

Os estudos sobre letramento investigam as práticas sociais que envolvem a escrita, seus
usos, funções e efeitos sobre o indivíduo e a sociedade como um todo. Práticas sociais
longamente desenvolvidas e testadas se sedimentam na condição de estruturas chamadas
gêneros. Isso nos faz ver que o letramento não é único, mas há vários letramentos
relativos aos vários contextos sociais e culturais das sociedades em que aparecem.
Assim não se pode falar de um sujeito iletrado. Se há tipos diferentes de letramento, só
há sujeitos menos ou mais letrados, visto que em algum domínio discursivo ele terá
mais práticas de letramento e, em outro, menos.

Qualquer contexto social ou cultural que envolva a leitura e/ou a escrita é um evento de
letramento. Os gêneros textuais que são rotinizados por grupos sociais influentes não
chegam à população em geral, pois, subjacentes a estas práticas, há os mecanismos
sociopolíticos e ideológicos de controle dos recursos materiais e simbólicos. É o que
Street denomina de letramento ideológico, para explicitar o fato de que os eventos de
letramento não são apenas aspectos da cultura, mas também das estruturas de poder
numa sociedade.

Referindo-nos, agora, às pesquisas sobre texto e discurso, elas têm-nos mostrado


concepções e classificações de texto e discurso variadas, com base em múltiplos
critérios. Assim, teorias cognitivas consideram esquemas cognitivos globais subjacentes
à organização textual, para classificá-los.

Essas teorias utilizam conceitos tais como tipo/gênero textuais, de(do)


discurso/discursivo, que às vezes se sobrepõem, às vezes se diferenciam. Em geral, são
chamados gêneros textuais os textos particulares, que têm organização textual, funções
sociais, locutor e interlocutor definidos; e gêneros discursivos, aqueles cuja
caracterização está baseada em critérios tais como: fator de economia cognitiva, rotina,
atividade social, finalidade reconhecida, interlocutores legítimos, lugar e tempo
legítimos, suporte material e organização textual – o que de certa maneira está
subjacente à concepção de gêneros textuais.
A linguística aplicada defende a ideia de que se deve favorecer o desenvolvimento da
competência comunicativa dos alunos. Assim, o gênero é fundamental na escola, visto
que é ele que é utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos
escolares, mas particularmente, no domínio do ensino da produção de textos orais e
escritos. A escola sempre trabalhou com gêneros, mas restringe seus ensinamentos aos
aspectos estruturais ou formais dos textos. É justamente essa desconsideração de
aspectos comunicativos e interacionais que contribui para que os alunos e professores se
preocupem mais com a forma do texto do que com sua função e, consequentemente, o
texto seja visto como a repetição pura e simples, sem reconstrução do conhecimento.

O estudo de gêneros leva em conta seus usos e funções numa situação comunicativa.

Textos da mídia no ensino de língua portuguesa


No âmbito dos estudos variacionistas, há o interesse em estabelecer-se qual a variedade
padrão do Brasil e que variedade linguística ensinar. Para Perini, textos jornalísticos e
técnicos (jornais, revistas, livros) apresentam uma regularidade gramatical e mesmo
estilística em todo o Brasil, de modo que não se distingue linguisticamente um texto
jornalístico ou técnico publicado em uma região ou outra do país (o que não ocorre com
textos literários). Por essa razão, esse autor defende que a variedade padrão do
Português brasileiro é a encontrada nesses textos. Em relação ao ensino, Bagno e
Castilho, entre outros, defendem o ensino de uma pluralidade de variedades linguísticas,
tanto na modalidade oral como na escrita, com uma diversificação de gêneros textuais
que possibilite ao aluno produzir seu próprio conhecimento linguístico.

As opiniões convergem para o fato de que o ensino de Português deve privilegiar o


texto, e de gêneros mais diversos possível. Consequentemente, os textos da mídia, que
são inúmeros, têm um lugar de destaque.
GÊNEROS DISCURSIVOS E ENSINO DE LÍNGUA INGLESA
Abuêndia Padilha Pinto

Fala e escrita como formas de manifestação da linguagem só se desenvolvem a partir de


suas próprias realizações e do uso contínuo em situações significativas. O
processamento da linguagem é fundamental para ambas. Em ambas um texto é
composto para se adaptar à situação, intenção e à audiência. Durante essa construção, as
limitações do cérebro, a realidade que está sendo representada, os esquemas do falante
ou escritor, os propósitos, o conteúdo, a sintaxe, o léxico da língua e os contextos social
e situacional, todos moldam o processo.

Fundamentação Teórica

Aspectos Pertinentes aos Gêneros Discursivos


A linguagem pode ser vista sob dois ângulos: como conhecimento e como instrumento
social. Fala e escrita, como formas de manifestação da linguagem, ocorrem em
ambientes sociais distintos, com exigências específicas quanto à sintaxe e às estruturas
textuais. Fala e escrita, por conseguinte, compõem modelos cognitivos distintos que
estão disponíveis para seus usuários.

A linguagem é aprendida por meio de enunciados concretos, ouvidos e reproduzidos na


comunicação verbal. No âmbito da fala, aprender a falar é aprender a estruturar
enunciados. No da escrita, a aprendizagem centra-se nas formas, nas exigências e nas
potencialidades dos diferentes gêneros. Por conseguinte, as formas da língua e as formas
típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso, são introduzidos em nossa
experiência e em nossa consciência mediante três fatores assim sugeridos por Dolz e
Schneuwly: as práticas de linguagem, que são objeto de aprendizagem, as capacidades
de linguagem e as estratégias de ensino.

É por meio das práticas sociais, ou seja, das mediações comunicativas que se
cristalizam na forma de gêneros, que as significações sociais são progressivamente
construídas. Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvirmos o
outro, sabemos pressentir-lhe o gênero.

Durante uma determinada situação de interação, as capacidades de linguagem evocam


as aptidões requeridas pelo interactante não só para adaptar-se às características do
contexto e do referente como para mobilizar modelos discursivos, dominar as operações
psicolinguísticas e as unidades linguísticas.

É por meio da interação que os aprendizes conscientizam-se das habilidades e dos tipos
de compreensão usados nos contextos sociais internalizando-os gradualmente,
estruturando e regulando suas próprias estratégias de aprendizagem.

Os aprendizes apropriam-se de aspectos do discurso para aperfeiçoar a compreensão do


que está sendo dito/lido. É nesse contexto que adquirem uma compreensão maior não só
dos conteúdos que se tornam dizíveis através do gênero, como da estrutura típica dos
textos pertencentes ao gênero e das configurações específicas das unidades de
linguagem que são as sequências textuais e os tipos discursivos que formam sua
estrutura. São essas, portanto, as três dimensões essenciais à definição de um gênero.

A compreensão construída a partir desse plano interindividual passa para o plano


intraindividual fornecendo as bases para a compreensão. Assim, ao interagir oralmente
ou por escrito no contexto escolar, por exemplo, os alunos precisam entender como o
conteúdo, a forma da língua e a estrutura organizacional dos vários gêneros discursivos
fornecem recursos para apresentar a informação e interagir com outros. Aprendem,
portanto, a escolher determinados aspectos do conteúdo aliados aos padrões linguísticos
apropriados ao gênero discursivo. Uma das metas da escola consiste, então em ajudar os
alunos, numa situação determinada, a adaptar-se às características do contexto, a
mobilizar modelos discursivos, a dominar as operações psicolinguísticas, a reconhecer e
a usar as unidades linguísticas.

Tendo em vista que a linguagem atende tanto à função comunicativa quanto à cognitiva,
uma vez que há uma estreita relação entre linguagem e cognição, convém que os
aprendizes executem tarefas diversificadas nas quais os professores possam, a partir de
trocas verbais em situações naturais, fornecer-lhes os instrumentos necessários a um
comportamento discursivo consciente.

Fala, Escrita e os Grupamentos de Gêneros Discursivos


De acordo com Bronckart, a utilização de uma língua efetua-se sob a forma de
enunciados (orais e escritos) que são provenientes dos representantes de um ou outro
domínio da atividade humana. Cada um desses domínios elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados que Bakhtin denomina gêneros do discurso. Disso
resulta, como lembra Bronckart, que qualquer espécie de texto, concebido como produto
concreto da ação da linguagem, pode ser designada em termos de gênero.

Os critérios mencionados por Bronckart para a definição de um gênero são inúmeros,


como, por exemplo, a atividade humana implicada, o efeito comunicativo visado, o
tamanho do texto, o conteúdo, entre outros. A diversidade de critérios e o caráter
fundamentalmente histórico e adaptativo das produções textuais que tendem a
desaparecer, reaparecer ou a modificar-se, fazem com que as inúmeras classificações de
gênero sejam divergentes, parciais e não possam ser consideradas como modelos de
referência estabilizada, definitiva.

Esperamos que o desenvolvimento do conteúdo, o reconhecimento da estrutura dos


textos e das características linguísticas específicas dos vários gêneros textuais (as três
dimensões essenciais à definição de um gênero) sejam benéficos para o trabalho em sala
de aula, possibilitando a seleção, organização e conexão do conteúdo a ser veiculado na
interação, contribuindo, assim, para um maior planejamento e melhoria da produção
textual.
Considerações Finais
Cada um dos vários gêneros apresenta suas próprias exigências em termos de conteúdo,
de estrutura e das sequências linguísticas que os compõem. Todos esses aspectos devem
ser aprendidos mediante práticas sociais que desenvolvem as capacidades de linguagem
dos aprendizes e as estratégias de aprendizagem.

O aprendizado dos gêneros representa um processo de socialização do aprendiz nos


modos de organizar o conhecimento e na maneira de representar suas percepções e seus
conhecimentos para os outros. Se levarmos em consideração a existência de uma
multiplicidade de gêneros presentes no nosso dia a dia, reconheceremos que a apreensão
desses gêneros tem efeitos sociais e ideológicos, pois à medida que ensinamos suas
formas e possibilidades diferentes, os alunos se socializam com as estruturas e o sistema
de valores da sociedade.
GÊNEROS JORNALÍSTICOS NO LETRAMENTO ESCOLAR INICIAL
Lusinete Vasconcelos de Souza

Pressupostos teóricos
A base teórica que assumimos em relação à linguagem concentra-se na abordagem
enunciativo-discursiva de Bakhtin, que dá ênfase ao processo de interação verbal e ao
enunciado.

A interação verbal efetiva-se por meio de enunciados considerados relativamente


estáveis, chamados de gêneros, embora essa estabilidade deva ser examinada com
ressalvas, porque os gêneros estão em constantes transformações. Se, de um lado, os
enunciados são variados, de outro, eles têm formas típicas que se adaptam às múltiplas
situações, tanto orais, quanto escritas.

Bakhtin assinala duas características do enunciado – a dialogia e a polifonia. A


percepção da dialogia levou-nos a ver o texto, não como um produto fechado, em si
mesmo e único, porém em suas relações com o contexto social, com os textos já lidos
pelo leitor e suas experiências de vida, com as ligações feitas com as diversas áreas de
conhecimento.

Já o conceito de polifonia levou-nos a perceber que um texto não é constituído apenas


da voz do escritor; pelo contrário, é repleto de outras vozes, especialmente quando se
trata de texto de opinião, que às vezes se reporta a dizeres dos outros para demonstrar a
veracidade de sua voz. Assim, os textos de opinião estão sempre repletos de vozes que
se cruzam, se contrapõem, concordam e discordam entre si.

No decorrer do desenvolvimento do sujeito, essas vozes vão sendo internalizadas graças


à linguagem. Essa internalização, segundo Vygotsky, efetiva-se por intermédio de uma
série de mudanças, isto é, as atividades externas e interpessoais tornam-se intrapessoais,
manifestando-se, sobretudo, no que o autor denomina de Zona Proximal (Imediata) de
Desenvolvimento (ZDP/ZDI).

O ensino formal e sistematizado propiciaria a construção dessa ZDI e o


desenvolvimento do psiquismo, que se realiza por saltos e de forma irregular. Para
Schneuwly, a função do ensino é justamente a de criar a ZDI, ativar os processos
internos, gerar tensões e propor instrumentos que possam solucioná-las. Dentre esses
instrumentos, estão os gêneros e aqui destacamos os opinativos, porque possibilitam o
desenvolvimento da criança por meio da aquisição de outras competências (convencer e
persuadir) usadas socialmente. A criança pode perfeitamente aprender a argumentar por
escrito, contanto que lhe ensinem e lhe possibilitem sua interação com esse gênero de
textos.

O segundo conjunto de nossos pressupostos teóricos tem sua origem no chamado


interacionismo sócio-discursivo e relaciona-se diretamente às questões do texto,
compreendido aqui como um exemplar de determinado gênero. Salientamos que o
estudo do texto deve sempre considerar seus aspectos externos, ou seja, a situação de
produção, definida como um conjunto de representações dos mundos (objetivo,
subjetivo e social) que o sujeito mobiliza no processo de produção. Essas representações
são classificadas em dois grupos: um é formado pelos elementos que constituem o
contexto físico, como o lugar, o momento de produção, o locutor, o destinatário; o outro
é constituído de elementos que integram o contexto sócio-subjetivo (lugar social, a
posição social do emissor, a posição social do destinatário, o objetivo e o conteúdo
temático).

Em relação ao texto propriamente dito, Bronckart usa a metáfora da “arquitetura


interna” do texto para explicar sua organização em diferentes níveis, que seria
semelhante à de um “folhado”, formado por três camadas que se sobrepõem, mas que
estão em interação contínua: a da infraestrutura textual, a dos mecanismos de
textualização e a dos mecanismos enunciativos.

A infraestrutura textual comporta o plano geral do texto, os tipos de discurso e as


sequências. Cada tipo de discurso caracteriza-se por um conjunto de unidades
linguísticas típicas, o que permite sua distinção em quatro tipos: interativo, teórico,
relato interativo e de narração0.

O discurso interativo caracteriza-se pela criação de um mundo discursivo conjunto ao


mundo ordinário dos agentes da interação e, paralelamente, implica os parâmetros
físicos da ação de linguagem. Para ilustrá-lo, podemos pensar em uma carta que uma
mãe escreve ao filho. Pelo fato de os agentes da interação verbal terem relações afetivas,
a mãe coloca-se de forma subjetiva, envolve-se com o que diz. Ao dirigir-se ao filho,
trata-o de forma carinhosa, chamando-o pelo nome ou apelido, ou por você. No caso do
discurso teórico, que se caracteriza pelo total apagamento dos participantes da interação
verbal, podemos pensar em um cientista escrevendo um artigo sobre o veneno da cobra

0
Os tipos de discurso têm modos de organização sintática e marcação linguística relativamente estáveis
(subconjuntos de tempos verbais, pronomes, advérbios, etc.), e que são dependentes do leque dos recursos
morfossintáticos de uma língua e, por isso, limitados. Nos tipos de discurso, encontramos a tradução dos
mundos discursivos da ordem do expor e do narrar. A construção desses mundos se dá a partir de duas
operações psicolinguísticas, que revelam uma decisão binária: pode-se escolher que as coordenadas que
organizam o conteúdo tematizado sejam próximas (conjuntas) ou distantes (disjuntas) dos parâmetros
físicos do contexto de produção (emissor, receptor, espaço e tempo), criando, assim, respectivamente um
mundo da ordem do expor, expresso por verbos no presente do indicativo principalmente, ou do narrar,
por verbos no pretérito perfeito ou imperfeito; pode-se também colocar as instâncias de enunciação do
texto em relação com o produtor e sua situação de produção de forma implicada ou autônoma. A relação
implicada será expressa pela presença de marcas do locutor/interlocutor ou da situação de produção, e a
relação autônoma será expressa pela ausência dessas marcas. O resultado do cruzamento dessas decisões
produz quatro mundos discursivos: Expor Implicado, Expor Autônomo, Narrar Implicado, Narrar
Autônomo. E esses mundos são expressos por quatro tipos de configurações linguísticas:

ORGANIZAÇÃO TEMPORAL
CONJUNÇÃO DISJUNÇÃO
ORGANIZAÇÃO
Expor Narrar
ACTORIAL
IMPLICAÇÃO Discurso interativo Relato interativo
AUTONOMIA Discurso teórico Narração
sucuri. Ele o escreve de forma impessoal, sem se envolver e atribui um caráter neutro e
atemporal ao discurso.

O terceiro conjunto de pressupostos teóricos tem sua fonte nas pesquisas de Golder
quanto à argumentação. Segundo sua concepção, o discurso da argumentação realiza-se
por meio de dois tipos de operações psicológicas desenvolvidas pelo locutor: a
justificação e a negociação. A primeira decorre do objetivo principal da argumentação,
que é convencer o interlocutor. Para que isso ocorra, porém, é necessário que o locutor
justifique sua posição, apresentando razões ou, em outros termos, argumentos.

O enunciador, ao buscar esse convencimento, realiza também a operação de negociação,


baseando-se na aceitabilidade dos argumentos. Segundo Golder, a aceitabilidade
constitui o coração da operação de negociação, isto é, para que a opinião do locutor seja
aceita ou válida deve estar baseada em valores supostamente compartilhados pelo
destinatário. Além do mais, a operação de justificação está relacionada aos mecanismos
de sustentação do discurso (tomada de posição e argumentos), ao passo que a operação
de negociação é múltipla e realiza-se por intermédio de modalizações, dos contra-
argumentos, das restrições, das concessões etc.

A experiência didática com a utilização de gêneros jornalísticos


As atividades didáticas eram planejadas e organizadas em torno de uma unidade
temática em que se buscava inter-relacionar os conhecimentos de Matemática, Língua
Portuguesa, Ciências, História, Geografia e Educação Artística.

As situações criadas para a produção dos textos foram permeadas de discussões,


caracterizando-se, assim, como interativas e polifônicas. Além das discussões e da
leitura de textos sobre determinado tema, procurávamos relacionar os conteúdos às

TIPOS DE
Mecanismos de posicionamento enunciativo (vozes) Exemplo
DISCURSO
É marcado principalmente pela presença de formas
verbais e de pronomes de primeira e de segunda “O que mais me dói é saber que
Discurso pessoa do discurso (singular e plural), de verbos nos a impunidade continua sendo um
interativo tempos presente pontual e futuro perifrástico, de dos motivos para o aumento da
verbos no modo imperativo e de dêiticos criminalidade.”
espaciotemporais (aqui, agora, hoje, ontem)
Nele permanecem os verbos no presente, mas em um
“A redução da maioridade penal
Discurso presente genérico duradouro, e desaparecem os
pode diminuir o índice de
teórico dêiticos (eu, tu, aqui e agora) predominando as frases
criminalidade.”
declarativas e surgindo eventualmente a voz passiva.
“Ontem, pela primeira vez, São
Paulo teve de se recolher.
Nele, predomina o par perfeito/ imperfeito nos
Relato Nenhuma alma viva habitava
verbos, numerosas unidades linguísticas referem-se
interativo suas ruas. Eu também me
diretamente às personagens dessa interação (eu e tu).
tranquei em casa. Foi o dia que
a locomotiva parou.”
Nenhuma de suas unidades linguísticas faz referência
“A manifestação dos professores
aos parâmetros físicos do contexto de produção, e os
Narração paralisou/paralisa o centro de
verbos aparecem no pretérito perfeito e no imperfeito
São Paulo no dia 15 de outubro.”
ou no presente perfeito com sentido de passado.
experiências das crianças, ouvir suas opiniões, ressaltar os pontos positivos e negativos
de uma determinada questão controversa.

No trabalho com jornal, voltado para a produção de texto de opinião, inicialmente


resgatávamos os conhecimentos das crianças a respeito do conteúdo do jornal (notícias,
fotos, propagandas, anúncios de emprego, classificados) e de suas divisões (os cadernos
ou as partes relativas à política, à economia, ao esporte, à opinião etc.), tecendo
comentários paralelamente. Depois das explicações e dos comentários a respeito das
manchetes, líamos a notícia a ser trabalhada, seguida de discussões para a interpretação
do texto. Havia a leitura individualizada, quando o aluno lia para o professor o texto
trabalhado.

Era também comum a produção de texto de opinião, de forma coletiva, ou seja, aquele
em que professor e alunos construíam o texto em conjunto. O professor resgatava
oralmente as ideias ou as informações dos alunos e transcrevia-as no quadro a giz.
Nesse tipo de produção escrita, chamávamos a atenção para os seguintes aspectos: a
organização do plano textual, o esclarecimento do que se quer defender, a importância e
a articulação dos argumentos, a necessidade de relacionar o término do texto à ideia
inicial, os conhecimentos linguísticos relativos à forma (ortografia, concordância,
pontuação, uso de letra maiúscula). Após a elaboração, o texto era lido pelas crianças, às
vezes, colocado em folha de atividade, servindo para leitura e produção de outro texto.

Já na produção individual, quando se tratava de textos de opinião, havia as instruções


orais, mas depois as crianças produziam o texto sem intervenção da professora.
ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DE FRANCÊS
Eliane Gouvêa Lousada

O desenvolvimento da competência para produzir textos de diferentes gêneros é


necessário mesmo em língua materna (LM). Quantas vezes em LM nos deparamos com
gêneros de textos que não dominamos? Essa realidade de que mesmo certos gêneros em
LM (menos frequentes ou aos quais estamos menos expostos) têm que ser aprendidos
prova a importância e a necessidade de ensiná-los de maneira formal/institucional
quando se trata de língua estrangeira (LE).

A LE pode desempenhar uma função transdisciplinar no currículo, auxiliando no


processo de reflexão sobre a realidade social, política e econômica e contribuindo,
assim, para a construção da cidadania.

Pressupostos teóricos
Para Bakhtin, a cada tipo de atividade humana que implica o uso da linguagem
correspondem enunciados particulares, os gêneros do discurso. Enquanto os gêneros são
relativamente estáveis, os textos que os materializam são extremamente variáveis e
maleáveis, o que torna difícil a sua classificação. Assim, como cada situação de uso da
língua se realiza verbalmente através de um gênero, podemos concluir que a capacidade
de comunicação depende do maior ou menor domínio que se tem do gênero em questão,
mesmo quando se trata de língua materna.

Evidentemente, enquanto construções sociais e históricas, muitos gêneros são mais ou


menos dominados pelos locutores nativos de uma língua (por exemplo a conversa que
se estabelece entre o vendedor e o consumidor). Já em LE, é necessário que os alunos
aprendam a compreender e produzir gêneros mais ou menos conhecidos /mais ou menos
parecidos com suas realizações em LM, dado que as sociedades contemporâneas do
mundo ocidental apresentam características semelhantes. Dessa maneira, para alunos de
nível avançado, a abordagem poderia ser a de ensinar a compreender e produzir gêneros
mais complexos, similares ou não aos existentes na sociedade brasileira.

Além do gênero como unidade de ensino, adotamos também a noção de gênero como
ferramenta que atua no processo de aprendizagem. Nessa segunda abordagem, o gênero
seria encarado como um verdadeiro instrumento para o desenvolvimento dos três tipos
de capacidades de linguagem: as de ação, as discursivas, as linguístico-discursivas.

Segundo Dolz, Pasquier & Bronckart e Dolz e Schneuwly, ao interagirmos nas


diferentes situações sociais por meio dos textos que produzimos, fazemos uso dessas
capacidades. As primeiras envolvem a mobilização das representações do produtor
sobre o contexto de produção. As capacidades discursivas envolvem as operações de
organização textual do texto a ser produzido, de escolha de um ou vários tipos de
discurso e de escolha do modo de organização sequencial. As últimas, as capacidades
linguístico-discursivas, envolvem os aspectos linguísticos propriamente ditos, incluindo
várias operações de textualização (como por exemplo, a operação de se assegurar a
coesão textual) e operações enunciativas (como por exemplo a modalização dos
enunciados).
As capacidades de linguagem
Capacidade de ação: representações sobre a
situação e mobilização de conteúdos
Capacidade discursiva: atividades relacionadas com a organização
geral do texto (tipos de discurso e de sequência)
Capacidade linguístico-discursiva: atividades
relacionadas com aspectos linguísticos (vozes,
modalizações, coesão, conexão)

O programa de curso elaborado


O programa de curso propõe temas transversais. Cada um dos temas transversais
constitui-se em uma sequência didática, na qual ao menos um gênero e alguns aspectos
linguísticos são trabalhados com prioridade.

Gênero a ser Aspectos Linguísticos


Sequência
Temas transversais trabalhado
didática Sintaxe Léxico
prioritariamente
Sistema de
carta de
Consumo: sociedade de pronomes (relativos, Tipos de
reclamação,
consumo, tipos de demonstrativos, comércio/
1 situação em uma
comércio, relações indefinidos etc.) comerciantes
loja (oral) e/ou
comerciais Conectivos Compras
propaganda
argumentativos
Leste da França: Folhetos
Produtos artesanais e/ou (instrutivos/
Voz passiva Materiais
típicos (cristal, turísticos)
2 Pronomes pessoais Artesanato
champanha, renda, explicando
do caso oblíquo Bebidas
instrumentos musicais de processos de
madeira, esmaltes, etc.) fabricação

Um exemplo de sequência didática (SD)


As diferentes etapas da sequência didática nº. 2.

 Tema transversal: Leste da França: produtos artesanais típicos da região.


 Gênero: folhetos.
 Capacidade de ação: atividades relacionadas com a região, suas características e
seus produtos típicos; leitura e discussão sobre folhetos explicando processos de
fabricação. Todas essas atividades trabalham com as representações que se têm
da situação e envolvem a mobilização de conteúdos.
 Capacidade discursiva: atividades relacionadas com a organização geral dos
textos (pertencentes ao gênero folheto explicativo) e com a identificação e
caracterização das sequências descritivas de ações típicas do gênero em questão.
 Capacidade linguístico-discursiva: mecanismos enunciativos: apagamento do
enunciador (omissão do responsável pela ação) e foco no produto (voz passiva);
uso de pronomes para evitar repetições e assegurar a coesão textual.
 Etapas
1. Discussão sobre o conhecimento prévio dos alunos sobre a região do leste da
França.
2. Leitura de textos (do livro didático e da Internet) que apresentam a região e
discussão sobre as leituras.
3. Identificação do produto típico da região Champagne-Ardenne (champanha) e
discussão visando a trazer o conhecimento prévio dos alunos sobre o tema.
4. Vídeo sobre a fabricação do champanha e identificação das características deste
tipo de texto: foco no produto; descrições de ações.
5. Leitura de um folheto turístico sobre a fabricação do champanha e identificação
do contexto de produção do texto (quem o escreveu, para quem, quando, por
quê).
6. Análise do texto: observação da organização textual e identificação das
sequências descritivas de ações. Espera-se aqui que o aluno identifique a
organização do texto em etapas distintas, correspondentes às diferentes fases da
fabricação do champanha e que ele observe que quando descrevemos um
processo de fabricação temos o objetivo de descrever as ações realizadas na
fabricação, fazendo o leitor visualizar o processo. Este tipo de sequência é
chamado de “descritiva de ações” e é muitas vezes realizado linguisticamente
através da voz passiva, como por exemplo: os vinhos são engarrafados; as uvas
são colhidas.
7. Análise do mecanismo enunciativo: omissão do responsável pela ação e foco no
produto (voz passiva).
8. Observação do mecanismo para evitar repetições e assegurar a coesão nominal:
o uso de pronomes.
9. Vídeo (jornal televisivo gravado da TV5 em setembro de 2001) sobre a primeira
etapa da fabricação do champanha: a colheita. Identificação dos aspectos
mencionados acima no texto oral.
10. Pesquisa na Internet: outros produtos típicos da região (renda, esmalte, cristal,
instrumentos musicais de madeira etc.); o processo de fabricação dos produtos
escolhidos pelos diferentes grupos.
11. Produção de um texto oral: contar para um colega de um outro grupo o processo
de fabricação de um dos produtos pesquisados.
12. Produção de um texto escrito: escrever um texto descrevendo um processo de
fabricação, adequando-se às necessidades do gruo de alunos. Pesquisa na
Internet para busca de informações. Sugestões: um folheto de uma fábrica
descrevendo a fabricação de um de seus produtos; um folheto de uma empresa
descrevendo os serviços prestados ao cliente; um folheto explicativo
descrevendo o processo de fabricação de um produto típico do Brasil (fazendo
parte de um livreto ou de um site da Internet); folheto explicativo descrevendo
as etapas seguidas para a reciclagem de materiais.
13. Intercâmbio e leitura dos textos produzidos por cada grupo de alunos.
14. Análise de cada texto produzido salientando sua adequação ou inadequação ao
gênero, justificando porque os textos são adequados ou inadequados.
O trabalho com o gênero “folheto explicando um processo de fabricação”
Antes de mais nada, é necessário salientar que chamamos de “folheto explicando um
processo de fabricação” qualquer texto que explique um processo de fabricação.

Após a distribuição do texto, são feitas perguntas que explorem seu contexto de
produção, como por exemplo:

1. Que texto é esse? De onde foi tirado? Onde pode ser encontrado? (folheto que
faz provavelmente parte de um livreto feito por uma fábrica de champanha).
2. Quem o escreveu?
3. Por quê? (para informar o visitante sobre as etapas de fabricação de um
produto que é típico e que por essa razão interessa a muitos turistas e curiosos).
4. Quem são os leitores potenciais deste texto? (turistas na região e visitantes da
fábrica de champanha)
5. Em que ocasião ele será lido? (antes ou após a visita da fábrica)

Em seguida, são feitas perguntas sobre a organização textual geral do folheto. Essas
perguntas referem-se tanto à forma (como é o layout deste texto?) quanto ao tipo de
sequência que será mais frequentemente encontrada no texto. Nesse caso, o folheto
contém diferentes etapas da elaboração do champanha e em cada etapa são descritas
“ações” que compõem o processo de fabricação. Assim, podemos concluir que as
sequências mais frequentes são as chamadas sequências descritivas de ações.

As próximas perguntas a serem feitas referem-se à realização linguística das sequências


descritivas de ações. Pode-se perguntar aos alunos, por exemplo:

1. O que é mais importante: enfocar o produto ou quem o elabora? (o produto)


2. Quais são as frases que mostram isso?

A partir dessa segunda questão, perguntamos aos alunos como são/em que voz estão os
verbos que permitem colocar o foco no produto e não em quem o elabora (voz passiva).
Podemos também chamar a atenção para dois tipos de voz passiva diferentes, assim
como para o tempo verbal da voz passiva (presente), já que o processo de fabricação
descrito ocorre sempre.

Depois da identificação dos verbos que caracterizam as sequências descritivas de ações,


são feitas perguntas que objetivam mostrar a necessidade de utilizar mecanismos para
evitar a repetição de certas palavras que teriam que ser usadas mais de uma vez.

Após essa análise das marcas linguísticas, que aparecem contextualizadas, pois
caracterizam esse gênero de texto, podemos fazer alguns exercícios trabalhando esses
aspectos da língua, dependendo da dificuldade dos alunos em utilizar esses conteúdos
gramaticais.
Conclusões
A aprendizagem de um gênero diferente a cada SD parece contribuir para o dinamismo
do programa e também para mostrar aos alunos que eles estão realmente “aprendendo”,
o que muitas vezes falta nesse tipo de curso. A ênfase no desenvolvimento das três
capacidades de linguagem contribui também para a criação de atividades diferenciadas,
já que visam ao desenvolvimento de aspectos complementares mas distintos, o que
auxilia o professor a evitar a monotonia causada pelo uso constante do mesmo tipo de
atividades.

Sugestões para a pesquisa e para o ensino de LE


O estudo das diferenças existentes entre o trabalho prescrito (o programa de curso) e o
trabalho realizado (pelos professores em sala de aula) permite a reflexão, a reconstrução
da prática do professor e até mesmo de reelaboração do programa proposto.
O CHAT EDUCACIONAL: O PROFESSOR DIANTE DESSE GÊNERO
EMERGENTE
Lília Santos Abreu-Tadelli

O chat educacional como novo gênero e ferramenta de trabalho


Para Bakhtin, sempre que falamos, utilizamos gêneros do discurso, ou seja, todos os
enunciados são constituídos a partir de uma forma padrão de estruturação. Dessa forma,
gênero pode ser definido como “tipos relativamente estáveis de enunciados”, elaborados
por cada esfera de utilização da língua. Esses enunciados relativamente estáveis são
construídos sócio-historicamente e se relacionam diretamente a diferentes situações
sociais, sendo que cada situação gera um determinado gênero com características
temáticas, composicionais e estilísticas próprias.

O termo chat é, de forma geral, usado para referir-se ao instrumento do sistema da rede
que permite uma forma de comunicação síncrona entre os participantes. Assim, chats
com diferentes finalidades (conhecer pessoas na Internet, interagir com algum artista,
debater assuntos controversos) possuem algumas regularidades, ainda não bem
definidas, como, por exemplo, o uso de sinais gráficos para a expressão de emoções.

Espera-se de uma pessoa não habituada a frequentar as salas de bate-papo uma rápida
adaptação, na situação, de seu discurso às formas do gênero, ou seja, ao tipo de
conteúdo que aí se espera, ao tipo de estilo e de construção composicional de seus
enunciados que são, para Bakhtin, os três elementos que caracterizam um gênero.

A transposição do chat do contexto social mais amplo para o contexto da educação


propicia o surgimento de um novo gênero educacional, ainda pouco estudado e
normatizado. Essa modificação é, para Bakhtin, característica do próprio gênero que não
deve ser visto como algo estático, pois ele está sujeito a modificações decorrentes das
transformações da sociedade, assim como à sua utilização em contextos diferentes.

Assim, uma vez utilizado para fins educacionais, o chat, provavelmente, está se
constituindo e se modificando, ao mesmo tempo que constitui e modifica os
sujeitos/agentes da situação.

Aprofundando a concepção de Bakhtin, Schneuwly desenvolve a tese que os gêneros se


constituem como verdadeiras ferramentas, baseando-se no conceito de ferramenta de
Marx & Engels: “a apropriação é o desenvolvimento das capacidades individuais
correspondentes às ferramentas materiais de produção. A apropriação de uma totalidade
de ferramentas de produção é o desenvolvimento de uma totalidade de capacidade nos
indivíduos”. Assim, o autor discute a ferramenta como sendo um fator de
desenvolvimento das capacidades individuais na perspectiva do interacionismo social,
que concebe a atividade humana como tripolar, ou seja, o sujeito age sobre objetos ou
situações, sendo que sua ação é mediada por objetos específicos, socialmente
elaborados, frutos de experiências passadas.
A transformação da ferramenta também transforma as maneiras de o sujeito se
comportar numa determinada situação. Assim, a ferramenta não só media uma atividade
como também materializa essa atividade, tornando-se o lugar privilegiado da
transformação dos comportamentos. Dessa forma, o sujeito sempre age utilizando a
linguagem em uma determinada situação com a ajuda de uma ferramenta (do gênero,
para Bakhtin).

Tentativas de normatização do chat educacional


O chat para objetivos educacionais difere do chat social. Em relação ao objetivo do chat
educacional, Horton considera que os mais comuns são: promover sessões para tirar
dúvidas, fazer um “brainstorming”, promover encontro de grupo de estudos entre os
alunos, dentre outros. Horton alerta o professor para não fazer explanações sobe
determinado assunto; para esse objetivo, sugere grupos de discussões (como listas de e-
mais e fóruns) no lugar do chat.

Dentre algumas características mencionadas também pelo autor, podemos citar o


número restrito de participantes (de 5 a 7 participantes); espaço para trocas de ideias
rápidas, espontâneas e emocionais; duração de 20 a 90 minutos, previamente
organizados tanto em relação ao horário quanto aos objetivos.

Horton salienta que o professor deve ditar o ritmo da aula, garantir a participação de
todos e tentar solucionar os problemas. O autor também sugere uma série de regras que
devem ser disponibilizadas para serem lidas anteriormente. Dentre as diversas regras,
encontramos: manter o assunto a ser discutido; não escrever nada que não possa se
lembrado para sempre (há um registro do texto escrito); não cumprimentar cada
participante individualmente ao entrar na sala de bate-papo, mas todos de maneira geral;
deixar claro qual pergunta está sendo respondida; esperar o término da fala do outro,
respeitando, assim, quem digita devagar.

O levantamento feito pelo autor acaba abordando os três elementos que caracterizam o
gênero: o conteúdo (“ter um assunto previamente definido”), o estilo (“troca de ideias
espontâneas e emocionais”) e a construção composicional (esperar o término da fala,
por exemplo).

Considerações finais
Para Bakhtin, todo gênero possui uma lógica orgânica que pode ser entendida e
dominada de modo criativo a partir de fragmentos de gêneros. Para o autor, cada
variedade de um gênero de algum modo o generaliza, contribuindo para o
aperfeiçoamento da linguagem daquele gênero.

A fim de fazer do chat educacional uma ferramenta eficaz, acreditamos na necessidade


de estudá-lo, na tentativa de definir suas características e os aspectos que dele podem
ser explorados para atingirmos objetivos educacionais.
O GÊNERO QUARTA CAPA NO ENSINO DE INGLÊS
Vera Lúcia Lopes Cristóvão

Propomos trabalhar com a noção de modelo didático como instrumento para a


elaboração de materiais para o ensino. A fim de ilustrarmos nossa proposta, utilizamo-
nos do gênero quarta capa de livro (ou contracapa) como objeto de ensino de leitura em
língua inglesa (LI).

Pressupostos Teóricos
Segundo Dolz & Schneuwly, a análise e a classificação dos textos e a identificação dos
gêneros é necessária para a construção de um modelo didático, que apontará os
elementos a serem ensinados, ou melhor, o que pode ser objeto de ensino-aprendizagem
dentro de uma situação de comunicação específica.

É necessário que um corpus de textos pertencentes ao gênero seja analisado, para que
sejam assinaladas suas características centrais. Para a construção de um modelo didático
do gênero, deve-se, portanto, conhecer (a) as experiências de ensino/aprendizagem
oriundas de documentos oficiais; (b) o estado da arte dos estudos sobre ele, incluindo
suas características linguísticas e textuais; (c) as capacidades e as dificuldades dos
alunos em trabalhar com textos do gênero selecionado. Esses pontos ajudam a definir a
intervenção didática. Com isso, podemos definir os objetivos do ensino do gênero
adaptados ao nível dos alunos e organizar o conjunto de atividades voltadas para seu
ensino.

Quanto ao tema a ser escolhido, quatro dimensões devem ser levadas em consideração:

a) a dimensão psicológica, incluindo as motivações, a afetividade e os interesses


dos alunos;
b) a dimensão cognitiva, refletindo a complexidade do tema e o estatuto do
conhecimento dos alunos;
c) a dimensão social, envolvendo a densidade social do tema, suas potencialidades
polêmicas, a relação entre eles e os participantes, os aspectos éticos, sua
presença real no interior ou no exterior da escola e a possibilidade de, com ele,
se desenvolver um projeto de classe;
d) a dimensão didática, que demanda que o tema não seja excessivamente
cotidiano, mas que possa ser apreensível.

O modelo didático construído ainda deve respeitar os seguintes princípios de:

a) pertinência: respeitando-se as finalidades e os objetivos escolares em função das


capacidades dos alunos;
b) legitimidade: utilizando-se de conhecimentos de experts considerados legítimos
pela comunidade a que pertencem;
c) solidarização: integrando-se as diferentes dimensões que constituem o gênero.
Logo, a análise feita para a construção do modelo didático tem o objetivo de apontar as
capacidades de linguagem que poderão ser desenvolvidas a partir do trabalho com os
textos empíricos.

Ora, uma vez que consideramos o gênero de texto como instrumento e objeto de ensino,
suas características devem reger a elaboração das atividades integrantes de um manual
ou outro tipo de material, respeitando-se, inicialmente, as capacidades de linguagem já
dominadas pelos alunos.

A construção do modelo didático do gênero quarta capa

Situação de ensino
Contávamos com a informação de que os alunos tinham um nível básico de LI. Diante
dessas informações, contrastamos os objetivos e conteúdos almejados. Com esse
conjunto de dados, formamos um perfil da situação de ensino, que fundamenta e orienta
nossas escolhas dos elementos a serem ensinados nesse contexto.

Síntese da literatura dos especialistas e dos experts em quarta capa


Em se tratando de anunciar e divulgar obras editadas, Lima defende a tese de que

“quando simples e objetiva, em linguagem que realmente atinge o leitor comum,


a crítica pode até mesmo motivá-lo; enquanto uma apreciação literária que
analisa e julga a fundo a obra, interessa mais especificamente ao próprio autor e
a um público limitado”.

Compreendemos, assim, que os trechos críticos das quartas capas pretendem motivar o
leitor; portanto, vão apresentar uma linguagem clara, objetiva e simples, tal como a
autora preconiza.

Uma outra questão relacionada à edição dos livros diz respeito à posição paradoxal do
papel do editor. Segundo Unseld, a posição social do editor reúne a responsabilidade
material e intelectual da publicação de um livro e, dessa forma:

“O editor incentiva a literatura que reforça esses direitos fundamentais, que


fortalece o indivíduo, quando ele se coloca a serviço do próximo e que também
põe em discussão novas formas e novas teorias de nossa sociedade e de nossa
economia, e se acha, no entanto, à frente de uma empresa que deve buscar lucro
no domínio econômico”.

Para Reuter, as características desse gênero seriam as seguintes:

a) apresentam-se como mais textuais e menos icônicos;


b) permitem a presença ou ausência dos seguintes elementos: cor, código de barras,
publicidade, foto do autor, numeração de volume, notas sobre o autor, lista das
obras do autor, textos, extratos e resumos, críticas e citações.
Com relação ao resumo que aparece nas quartas capas, o autor mostra que não teria o
objetivo de dispensar a leitura, mas de incentivá-la e caracterizar-se-ia por apresentar
comentários sobre a temática da história, a sua problemática, sem contá-la, fazendo
menção ao gênero literário e aos personagens.

Na opinião de Koehler et al., a produção de quartas capas deveria conter os dez itens
seguintes: título (com explicitação de editor; nome do autor; idade do destinatário;
gênero; preço; ilustração; número de páginas); incitação (contendo questão; suspense;
exclamação; interrupção sobre um evento relatado como excepcional; anúncio de um
evento futuro; recorte; marca semântica; injunção a ler; modalização); resumo
(contendo situação inicial; apresentação do problema); tempo no presente, passado ou
uma combinação de ambos; a presença de procedimentos dialógicos; presença de
parágrafos; presença de organizadores; uso adequado de anáforas ou problemas de
repetição e/ou outros; sintaxe e pontuação adequadas; possibilidade de compreensão do
texto. A nosso ver, apenas os três primeiros podem ser considerados como típicos da
quarta capa, enquanto os sete últimos devem/podem ocorrer em qualquer gênero.

Além disso, assim como Reuter, Koehler et al. defendem que a argumentação que se
apresenta na quarta capa é marcada pela relação com a avaliação que o produtor tem da
obra. A nosso ver, essa argumentação também será marcada pela representação que o
produtor tem de seu destinatário, de acordo com a qual apresentará um ou outro
argumento. Essa avaliação pressupõe julgamentos de valor, que, normalmente, pode ser
expressa pela (escassez de) modalização e pelas adjetivações.

Síntese da análise e resgate das unidades linguísticas recorrentes


Características do gênero quarta capa de livro para leitura em LI
Tipo de
Plano
discurso e Coesão Coesão Escolha
Gênero Objetivo textual Vozes
de Nominal Verbal Lexical
global
sequência
As partes
Predominância Adjetivos
textuais Fusão da
Informar o do simple subjetivos
principais narração e Uso de
leitor present e Vozes avaliativos
Quarta são a crítica do discurso anáforas
sobre a simple past da axiológicos
capa de da mídia teórico com pronominai
obra e paraa narração editora e (que
livro e/ou sequências se
incitá-lo a e simple da mídia implicam
comentário narrativa e nominais
ler present para a julgamento
da editora e descritiva
crítica de valor)
o resumo

Com base em nossos pressupostos teóricos, contrastamos a literatura com os resultados


das análises, articulamos os pontos de convergência e, finalmente, indicamos as
capacidades de linguagem a serem desenvolvidas para a leitura de quartas capas de
livro, propondo um modelo didático desse gênero e selecionando os itens que deveriam
ser objeto de ensino.
Modelo didático de quarta capa de livro

Plano da situaçã o de açã o de linguagem (referente ao contexto de produçã o)


Em termos do emissor dos textos, temos o indivíduo x que, enquanto enunciador do
texto, tem o papel social de empregado da editora, ou de crítico(s) da mídia e do próprio
autor, com o objetivo de convencer o leitor a ler o livro. Prevê-se, assim, um conteúdo
sempre favorável ao conteúdo a ser lido. O lugar de produção pode ser a própria editora,
no caso do emissor ser um empregado designado para isso. No caso de críticas da mídia,
os lugares variam de acordo com o emissor, que podem ser os escritores onde os críticos
trabalham, seja jornais, revistas ou outras instituições. O importante é o papel social
revelado pelo nome do crítico ou da instituição para a qual trabalha. Por exemplo, uma
crítica assinada pelo jornal The Times pode respaldar o argumento de que o livro deve
ser lido.

Alguns elementos do contexto físico de produção das quartas capas podem ser
rastreados diretamente nelas. Como o produtor do texto está intimamente relacionado à
editora, seu nome é colocado aí como emissor. O lugar é o país onde o livro foi
publicado e a data é da publicação pela editora. Os receptores, por sua vez, não são
mencionados. Eles podem ser leitores quaisquer; leitores do autor; leitores daquele
gênero literário; enfim, uma variedade de possibilidades.

Plano discursivo (referente à organizaçã o interna)


São características comuns nos textos analisados a ocorrência do título da obra, do nome
do(a) editor(a), do(a) autor(a), do gênero literário, do preço, de ilustrações, ou fotos, e
até mesmo a faixa etária do destinatário. Contudo, nem sempre estão todas elas
presentes.

Encontramos uma parte de resumo, que apresenta uma espécie de chamada de atenção
do leitor, objetivando-se criar algum efeito, como suspense, medo etc., e instaurando um
contrato de leitura particular. O que aí encontramos é apenas sua situação inicial e a
complicação. Outra parte importante é a de crítica(s), cujo(s) autor(es) é(são)
comumente identificado(s) no texto. Outros comentários como dados sobre o autor e/ou
a obra podem também ser veiculados.

Podemos concluir que o elemento argumentativo está sempre presente no texto de


quarta capa de livro, já que esse elemento é grandemente responsável pela incitação à
leitura, pela persuasão. Esse resumo incitativo comporta comentários avaliativos e um
recorte do enredo, feito em função dos objetivos argumentativos. A nosso ver, a parte de
críticas também colabora para a incitação, ao passo que os comentários sobre o autor ou
sobre a obra têm um caráter mais informativo.

Plano das propriedades linguístico-discursivas


Elementos de ordem linguístico-discursiva no corpo do texto se apresentam como
componentes importantes de um resumo incitativo. São eles as frases do tipo
interrogativa; uma pontuação particular para mostra suspense ou outro efeito desejado
segundo o gênero literário da obra e o uso de adjetivos na descrição do ambiente em que
se passa a história do livro.

Em relação aos mecanismos enunciativos e, mais especificamente, em relação à


ocorrência de diferentes vozes nos textos, observamos que a voz do(a) editor(a) está
presente em quase todos os textos, sendo que alguns são penetrados também por vozes
da mídia, fazendo recomendação do livro. Em outros casos ainda, o(a) próprio(a)
autor(a) se manifesta explicitamente.

Os resultados da análise apontaram ainda outras unidades linguísticas que se destacam:

a) anáforas nominais e pronominais para o estabelecimento da coesão nominal;


b) tempo verbal no simple present e simple past para narrar e simple present para
argumentar em favor da obra;
c) densidade sintagmática alta, isto é, presença de muitos adjetivos modificando
um único substantivo.

A partir do levantamento bibliográfico e do resultado de nossas análises, podemos


eleger alguns elementos como objetivos de ensino a fim de levar a um maior domínio
desse gênero. Essa escolha deve estar em estreita dependência com o contexto e com o
objetivo para a qual as atividades didáticas se destinam.

Dado esse contexto, os elementos escolhidos para serem ensinados foram:

a) para o desenvolvimento da capacidade de ação, a situação de ação de linguagem,


no sentido de situar o aluno em uma situação típica de leitura de quarta capa de
livro;
b) para o desenvolvimento da capacidade discursiva, responsável pela compreensão
ao nível da infraestrutura dos textos, selecionamos os elementos que podem
compor o plano geral de uma quarta capa de livro, a função desses elementos e
suas possíveis formas de organização, incluindo-se o reconhecimento dos
recursos de incitação utilizados;
c) para o desenvolvimento das capacidades linguístico-discursivas relativas ao uso
dos mecanismos de textualização e dos mecanismos enunciativos, foram
selecionados os adjetivos subjetivos avaliativos axiológicos; o simple present e o
simple past para narrar e o simple present para argumentar em favor da obra;
além das anáforas nominais e pronominais.
AS LETRAS E A LETRA: O GÊNERO CANÇÃO NA MÍDIA LITERÁRIA
Nelson Barros da Costa

Este capítulo pretende verificar, a partir da observação de veículos da mídia literária,


como o gênero canção é representado; quais de suas facetas são ressaltadas; que
julgamento explícito ou implícito o gênero sofre na visão dos autores do texto ou dos
editores das publicações. Nota-se que não trabalhamos com as próprias letras das
canções que aparecem na mídia escrita, ma sim, como aí se representa sua relação com
a poesia.

A verificação se fará à luz de uma breve e prévia caracterização da identidade discursiva


do gênero canção a partir de uma abordagem que leva em consideração o primado do
interdiscurso, isto é, o princípio que determina que a identidade de um gênero só pode
ser compreendida pensando a relação deste com seus outros.

A identidade da canção

Canção, letra e música


Numa primeira definição, digamos que a canção é um gênero híbrido, de caráter
intersemiótico, pois é resultado da conjugação de dois tipos de linguagens, a verbal e a
musical (ritmo e melodia). Defendemos que tais dimensões têm de ser pensadas juntas,
sob pena de confundirmos a canção com outro gênero. Assim, a canção exige uma tripla
competência: a verbal, a musical e a lítero-musical, sendo esta última a capacidade de
articular as duas linguagens.

Especificando a definição, podemos dizer que a canção é uma peça verbo-melódica


breve, de veiculação vocal. Essa veiculação deve se enquadrar nos cânones
estabelecidos pela linguagem musical de determinada sociedade, isto é, deve obedecer a
uma escala entonacional e a padrões rítmicos prévia e convencionalmente fixados.

Enquanto objeto de uso (e de troca) de uma comunidade, naturalmente, essas balizas


conceituais da canção são extremamente flexíveis. Amiúde, os padrões entonacionais,
por exemplo, são colocados de lado em prol da letra e do ritmo, como é o caso do
chamado rap. Neste subgênero, a fala cantada é substituída ou conjugada com uma fala
rimada de acordo com certos padrões.

Assim, se não se pode abranger demais o campo de objetos abrigados sob o rótulo
canção, não se pode restringi-lo excessivamente, sob pena de se ter uma visão abstrata 0
da realidade da canção.

0
que não é concreto; que resulta da abstração, que opera unicamente com ideias, com associações de
ideias, não diretamente com a realidade sensível.
Canção: entre o oral e o escrito
No âmbito da clássica distinção entre oralidade e escrita, a canção se coloca numa
fronteira instável entre essas duas materialidades, apresentando aspectos desta e
daquela, em diferentes graus.

Oralidade e cançã o
Segundo o compositor e linguista Luiz Tatit, uma canção é uma fala camuflada em
maior ou menor grau. Essa camuflagem consiste na transformação dos contornos
entonacionais da fala pela estabilização do movimento frequencial de sua entoação
dentro de um percurso harmônico, pela regulação de sua pulsação e pela periodização
de seus acentos rítmicos. Essa regulação confere, com efeito, uma padronização relativa
da vocalidade, pois, se cada falante fala de modo diferente, imprimindo uma
gestualidade singular ao texto falado, a canção estabelece uma determinação do modo
de vocalização desse texto. Assim, cada um de nós falaria a seu modo e conforme a
situação comunicativa a frase abaixo:

“não adianta nem tentar me esquecer. Durante muito tempo em sua vida eu vou viver...”

Enquanto texto de canção de Roberto e Erasmo Carlos (“Detalhes”), essa mesma frase
adquire uma vocalidade mais ou menos precisa, qual seja a expressa aproximadamente
pelo esquema abaixo:

es vou

que vi

a an nem tar
ran mui tem su vida
não di ta ten me cer Du te to po em a eu ver

Naturalmente, o diagrama acima não apresenta outros elementos de regulação exercidos


pela música sobre o texto. Ele indica apenas o enquadramento que cada sílaba do texto
sofre, conformando-se a uma frequência específica e convencionada (nota musical).
Não há, por exemplo, a representação da fixação da duração silábica (o “tempo”, no
jargão musical); nem a marcação do andamento (a velocidade de execução), nem do
ritmo (distribuição regular de grupos de valores durativos, em que um deles deve ser
mais intenso que os outros). Mesmo assim, já é o suficiente para visualizar que a
melodia, ao gradear a fala, imprime um certo ordenamento a seu perfil heterogêneo e
rebelde. Observe-se, por exemplo, que as duas frases apresentam exatamente o mesmo
perfil entonacional quando cantadas. Elas certamente teriam perfis diferentes entre si no
texto falado.
Mas, segundo Tatit, a voz da fala não é subsumida0 de modo absoluto pela voz do canto.

Por mais que a melodia tenha adquirido estabilidade e autonomia, o lastro


entoativo não pode desaparecer, sob pena de comprometer inteiramente o efeito
enunciativo que toda canção alimenta.

Desse modo, a eficácia do gênero estaria justamente na síntese perfeita entre a voz que
fala e a voz que canta.

Sem a voz que fala por trás da voz que canta não há atração nem consumo. Por
trás dos recursos técnicos tem que haver um gesto, e a gestualidade oral que
distingue o cancionista está inscrita na entoação particular de sua fala. Entre dois
intérpretes que cantam bem, o público fica com aquele que faz da voz um gesto.

O canto confere à fala imortalidade, salva-a de sua condição periclitante0 de “ondas


agitadas de ar”. A voz, por sua vez, dá corpo à melodia. E, se esta voz é voz da fala, o
canto ganha contornos de coloquialidade altamente persuasivos.

Se, sem a voz, a melodia é mera estrutura, sem voz que fala no canto, a voz aí é apenas
mais um instrumento.

A cançã o popular e outras cançõ es


A fala acaba por impregnar a canção popular de um sabor prosaico que vai distanciá-la
do formalismo característico da música erudita.

Cançã o popular e improviso jazzístico


O improviso jazzístico instrumental se põe em posição de grande liberdade em relação a
qualquer tipo de condicionamento, seja ele rítmico, melódico ou temporal.
Normalmente, os músicos tomam um tema breve e em torno dele desenvolvem
variações sem nenhuma determinação prévia.

Não se tem, com efeito, a narratividade da canção popular (e também da canção


erudita), que impõe ao gênero um começo-meio-fim. O canto, quando existe, tende a
desprezar o conteúdo da letra, seja pela pronúncia repetitiva ou aleatória de fonemas
escolhidos em virtude de uma comodidade articulatória (“pa-pa-pa...”, “tchu-
biriburabiri...”), seja explorando tão somente a sonoridade da letra da canção e
acrescentando improviso vocal vazio de letra, mas tão importante quanto a parte textual.
A voz aí é, portanto, mais um instrumento, característica compartilhada com a canção
erudita.

Cançã o e escrita poética


A canção tem uma dimensão escrita inquestionável, ainda que não-necessária. Por isso,
ela se dispõe a ser objeto de análise das disciplinas que privilegiam a matéria escrita,
especialmente a literatura. A canção tende a lançar mão de recursos semelhantes ao
0
subsumir: incluir, colocar (alguma coisa) em algo maior, mais amplo, do qual aquela coisa seria parte
ou componente.
0
que periclita (encontrar-se sob a ameaça de perigo; correr perigo).
processo de criação poética, quais sejam, a métrica, o sentido figurado, a rima e, mais
recentemente, com a advento do Tropicalismo 0, os procedimentos concretistas, como no
caso da canção “Bat macumba”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em que se tenta
projetar na canção o aspecto geométrico:

“Bat macumba ieiê, bat macumba oba


Bat macumba ieiê, bat macumba
Bat macumba ieiê, bat macum
Bat macumba ieiê, bat ma
Bat macumba ieiê, bat
Bat macumba ieiê,
Bat macumba
Bat macum
Bat ma
Bat...”
0
O Tropicalismo foi um movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura
brasileira entre 1967 e 1968. Seus participantes formaram um grande coletivo, cujos destaques foram os
cantores-compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, além das participações da cantora Gal Costa e do
cantor-compositor Tom Zé, da banda Mutantes, e do maestro Rogério Duprat. A cantora Nara Leão e os
letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto completaram o grupo, que teve também o artista gráfico,
compositor e poeta Rogério Duarte como um de seus principais mentores intelectuais. O tropicalismo
também atingiu outras esferas culturais (artes plásticas cinema, poesia).
O tropicalismo teve uma grande influência da cultura pop brasileira e internacional e de correntes de
vanguarda como, por exemplo, o concretismo. O Concretismo surge na Europa, por volta de 1917, na
tentativa de se criar uma manifestação abstrata da arte. A busca dos artistas era incorporar a arte (música,
poesia, artes plásticas) às estruturas matemáticas geométricas. A intenção deste movimento concreto era
desvincular o mundo artístico do natural e distinguir forma de conteúdo. Para os concretistas a arte é
autônoma e a sua forma remete às da realidade, logo, as poesias, por exemplo, estão cada vez mais
próximas das formas arquitetônicas ou esculturais. As características gerais do concretismo na literatura
são: o banimento do verso, o aproveitamento do espaço do papel, a valorização do conteúdo sonoro e
visual, possibilidade de diversas leituras através de diferentes ângulos.
O tropicalismo, também conhecido como Tropicália, foi inovador ao mesclar aspectos tradicionais da
cultura nacional com inovações estéticas como, por exemplo, a pop art. O termo Pop Art (abreviação das
palavras em inglês Popular Art) foi utilizado pela primeira vez em 1954, pelo crítico inglês Lawrence
Alloway, para denominar a arte popular que estava sendo criada em publicidade, no desenho industrial,
nos cartazes e nas revistas ilustradas. Representavam, assim, os componentes mais ostensivos da cultura
popular, de poderosa influência na vida cotidiana. Era a volta a uma arte figurativa, em oposição ao
expressionismo abstrato (movimento artístico que procura retratar, não a realidade objetiva, mas as
emoções e respostas subjetivas que objetos e acontecimentos suscitam no artista). Como uma crítica ao
consumismo e à sociedade do consumo, os artistas da pop art passaram a usar signos estéticos
massificados da publicidade e do consumo como forma de arte. Para isso, utilizavam as principais
satisfações visuais das pessoas, como comerciais de TV, campanhas publicitárias, histórias em
quadrinhos, etc., para aproximar justamente a arte e a vida comum. Entre os materiais artísticos usados,
podemos citar a tinta acrílica, o poliéster, o látex, etc.
O tropicalismo inovou também em possibilitar um sincretismo entre vários estilos musicais como, por
exemplo, rock, bossa nova, baião, samba, bolero, entre outros.
As letras das músicas possuíam um tom poético, elaborando críticas sociais e abordando temas do
cotidiano de uma forma inovadora e criativa.
Não era o objetivo principal utilizar a música como “arma” de combate político à ditadura militar que
vigorava no Brasil. Por este motivo, foi muito criticado por aqueles que defendiam as músicas de
protesto. Os tropicalistas acreditavam que a inovação estética musical já era uma forma revolucionária.
Uma outra crítica que os tropicalistas receberam foi o uso de guitarras elétricas em suas músicas.
O tropicalismo serviu para modernizar a música brasileira, incorporando e desenvolvendo novos padrões
estéticos. Neste sentido, foi um movimento cultural revolucionário, embora muito criticado no período.
Influenciou as gerações musicais brasileiras nas décadas seguintes.
Essa dimensão escrita da canção a coloca em uma situação contraditória em relação à
literatura. É, por um lado, atraída para seu campo gravitacional, por conta dessa
interface escrita; por outro, é repelida em virtude de sua dimensão não escrita.

A palavra poesia, utilizada para se referir a determinado texto, não o está apenas
identificando por suas características objetivas. Pode estar também lhe imputando
determinadas qualidades.

Parece-nos mais sensato, porém, se considerar a poesia e a canção dois gêneros


específicos, que se interseccionam por aspectos de sua materialidade e por alguns
momentos comuns de sua produção. Na canção, texto e melodia são duas materialidades
imbricadas (não sendo a melodia um mero meio de transmissão da letra e vice-versa).
Além disso, a canção é uma prática intersemiótica intrinsecamente vinculada a uma
comunidade discursiva que habita lugares específicos da formação social. Portanto, o
mero fato de ambas, canção e poesia, se utilizarem da materialidade gráfica em
determinados momentos de sua produção e circulação não as tornaria variedades do
mesmo.

A canção na mídia literária


O fato de uma revista literária abrir um espaço especial para a letra de música já revela
o lugar precário que tal tipo de produção verbal ocupa no interior dessa prática
discursiva.

Após o editorial0, a revista apresenta uma série de entrevistas individuais com vários
compositores e poetas. Para dois deles, mais envolvidos com a literatura, a interface 0
melódica impede a apreciação “pura” do texto. Thiago Mello, por exemplo, não
reconhece o estatuto específico da letra:

O perigo da palavra cantada é o seguinte: o poder da melodia é tão grande que


ela pode sustentar palavras ocas, vazias – letras ou verso, como tu queiras
chamar – que, quando colocadas no papel, sem o auxílio da melodia, não
funcionam como poesia.

A melodia oculta os defeitos de um texto mal feito, desprovido de substância poética.


Waly Salomão tem opinião semelhante, mas coloca o outro lado da questão, sugerindo
recursos para o poema se defender da melodia:

Eu estava com ojeriza de letra de música, então coloquei intencionalmente no


poema algumas espinhas para ficarem enlatadas na garganta de algum possível

0
artigo em que se discute uma questão, apresentando o ponto de vista do jornal, da empresa jornalística
ou do redator-chefe; artigo de fundo.
0
elemento que proporciona uma ligação física ou lógica entre dois sistemas ou partes de um sistema que
não poderiam ser conectados diretamente; fronteira compartilhada por dois dispositivos, sistemas ou
programas que trocam dados e sinais; meio pelo qual o usuário interage com um programa ou sistema
operacional (p.ex., DOS, Windows).
musicador. Tinha sinédoques0, metonímias, oximoros0, palavras propositalmente
buscadas num repertório nobre, um repertório mais sofisticado...

Fica claro, pelas palavras de Salomão, que, para ele, a letra se situa num patamar
inferior.

Outros relativizam a diferença entre letra e a poesia. É o caso de Antônio Cícero, que
não vê diferença de valor entre as duas práticas. Não é ponto pacífico a pertinência da
canção à esfera da prática literária.

O uso da canção na escola (conclusão)


Vejamos algumas implicações pedagógicas da interação entre as duas práticas
discursivas, a literária e a cancionista.

O interesse pedagógico pela canção deve representar uma consciência cada vez mais
crescente da grande importância de nossa produção lítero-musical na construção da
identidade e da história de nosso país.

Daí que, ao usar a canção na escola, o professor deve reconhecer sua integridade
enquanto gênero autônomo. Isso implica levar em conta a dimensão melódica da mesma
e todos os riscos que isso acarreta, um dos quais é a transformação da aula em um
espaço de lazer, mais do que um espaço de aprendizado. Esse reconhecimento deve
também se harmonizar com uma consciência clara dos objetivos do trabalho com a
canção em sala de aula. A nosso ver, este deve ser o de proporcionar ao aluno uma
educação dos sentidos e da percepção crítica, que proporcione, ao lado do prazer
sensorial e estético, um exercício de leitura multissemiótica, voltada não apenas para a
discriminação de cada materialidade semiótica do gênero, mas também para a interação
pluridirecional que relaciona todos os elementos que uma canção pressupõe (autor –
cantor – personagens – melodia – ouvinte genérico – ouvinte individual – etc.). Esteja
bem claro, por fim, que o que se deseja não é formar cancionistas, mas ouvintes críticos
de canções, capazes de perceber os efeitos de sentido do texto, da melodia e da
conjunção verbo-melódica; conhecedores do cancioneiro e dos cancionistas de seu país,
seus posicionamentos, estilos e discursos; tal como pretende o estudo da literatura.

Sugerimos, como implicação de tudo o que foi considerado até agora, que o uso da
canção observe alguns aspectos concebidos conforme a “perspectiva midiológica”. Na
medida em que a canção é vista como um dispositivo enunciativo, é essencial levar em
conta elementos relativos à produção, circulação e recepção e registro do gênero.

0
tipo especial de metonímia baseada na relação quantitativa entre o significado original da palavra us. e o
conteúdo ou referente mentado; os casos mais comuns são: parte pelo todo: braços para a lavoura por
‘homens, trabalhadores’; gênero pela espécie ou vice-versa: a sociedade por ‘a alta sociedade’, a maldade
do homem por ‘da espécie humana’; singular pelo plural ou vice-versa: é preciso pensar na criança por
‘nas crianças’.
0
/ó/ ‘engenhosa aliança de palavras contraditórias’; figura em que se combinam palavras de sentido
oposto que parecem excluir-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam a expressão (p.ex.: obscura
claridade, música silenciosa); paradoxismo.
É sabido que todo discurso pressupõe as condições de sua produção. Ampliando e
explorando todos os sentidos da expressão “produção”, pode-se dizer que é impossível
falar consistentemente de qualquer enunciado sem levar em conta o ato que possibilitou
sua existência e todo o processo que resultou na sua recepção.

Se assim é, o professor deve levar em consideração que poesia e canção são frutos de
processos de produção bem diferentes. No caso da canção, um produto discursivo
complexo, tem-se o processo, solitário ou coletivo, de composição da letra e da melodia
com o auxílio ou não de um instrumento musical; tem-se também o chamado “arranjo”,
que pode intensificar ou reconfigurar a compatibilidade entre os componentes melódico
e linguístico, e ainda o processo de registro (gravação e instalação em um suporte – CD
e outros), com tudo o que isso implica de escolhas, atos e gestos interdiscursivos e
intersemióticos. Há também o processo de distribuição da canção: a veiculação
radiofônica, sua presença nos meios televisivos, nos bares e restaurantes (por meio da
música “ao vivo” ou “mecânica”), nos mais diversos ambientes (do supermercado aos
meios de transportes); sua apresentação pelos artistas em “shows”; sua participação nas
trilhas sonoras do cinema, teatro, novelas televisivas; enfim, a canção está em toda
parte. Em contrapartida, para cada um desses modos de veiculação corresponde um
modo de recepção da canção.

Assim, a audição musical em sala de aula se revela fundamental no trabalho com a


canção. Mas não basta. É necessário que os alunos sejam estimulados a observar a
interação texto-melodia e a perscrutar os meios técnicos que lhes trouxeram a canção,
bem como o seu processo de produção. É preciso saber a canção, tal como ela chega a
nossos ouvidos, é uma produção coletiva. Há que se considerar a contribuição dos
músicos e técnicos, a existência do arranjo e do acompanhamento vocal e instrumental,
da produção discursiva periférica (encarte), das linguagens que acompanham essa
produção (pintura, desenho, artes plásticas, fotografia etc.). Há também que se cuidar de
observar a realidade do disco. A disposição das canções contidas ali. Elas compõem um
tema geral, seguem outros condicionamentos, ou foram dispostas aleatoriamente?

O professor precisa ter ele mesmo a sensibilidade e a visão crítica que lhe cabe incutir.
PARTE II – GÊNEROS TEXTUAIS NA MÍDIA ESCRITA E ENSINO

VERBETES: UM GÊNERO ALÉM DO DICIONÁRIO


Ângela Paiva Dionisio

verbete /ê/ s.m. (1881 cf. CA) 1. nota ou comentário que foi registrado, anotado;
apontamento, nota, anotação, registro 2. (1881) pequeno papel em que se escreve
um apontamento 3. ficha arquivo (p.ex., em biblioteca) 4. (a1947) em
lexicografia, os conjuntos das acepções, exemplos e outras informações
pertinentes contido numa entrada de dicionário, enciclopédia, glossário etc.
ETIM verbo + -ete; ver verb(i/o)- HOM verbete (fl. Verbetear)

Tomando como referência a acepção lexicográfica, este capítulo investiga a utilização


do gênero textual verbete na mídia escrita. A utilização de textos veiculados na mídia
escrita destinados a públicos diferentes se justifica na medida em que “o escrevente
sempre desenha um leitor para seu texto, mesmo que seja genérico. Os diversos gêneros
textuais distinguem-se, em boa medida, pelo tipo de receptor desenhado. Neste sentido,
é hoje consensual a ideia de que o destinatário é um aspecto central na construção de
qualquer tipologia textual”, como afirma Marcuschi.

Definindo termos...
Dicionários, enciclopédias e glossários são colônias discursivas, na terminologia de
Hoey, ou seja, “discurso cujas partes componentes não derivam seus significados das
sentenças em que estão inseridas”.

Metaforicamente, o autor estabelece uma relação entre a noção de colônia discursiva e


uma colméia. Os verbetes seriam, então, as abelhas moradoras da colméia. Quanto à
leitura, um texto colônia apresenta algumas particularidades que merecem a atenção dos
professores de língua. Como a organização deste tipo de texto obedece a um sistema
numérico ou alfabético, há uma tendência natural em se ler as unidades isoladamente.

Em casos como do gênero verbete, forma e função estão essencialmente inter-


relacionadas e sinalizam para a identificação do gênero.

Vejamos o verbete abaixo, que faz parte de um texto publicitário:

terra. [Do lat. terra] S.f.

1. Astr. O terceiro planeta do sistema solar, pela ordem de afastamento do sol.


(...). 2. Solo sobre o qual se anda. 3. A parte branda do solo. 4. A parte sólida da
superfície do globo. 5. Poeira, pó: Entrou-me terra nos olhos. 6. Lugar de
origem, pátria, terra natal. (...) Dicionário Novo Aurélio

Na literatura de origem dicionarística, a definição consiste numa forma de explicar a


inter-relação entre signos linguísticos isolados e conceitos mentais. Ao destacar estas
inter-relações, o emissor explica o sentido das palavras. “Definir é uma das
contingências do cotidiano”, que se realiza em construções denotativas e conotativas.
Do ponto de vista estruturalista, definição denotativa comporta quatro elementos numa
proposição denominada “predicativa”: (a) o termo (definiendum) – a coisa a ser
definida; (b) a cópula (verbo ser, ou equivalentes como significar, consistir em); (c) o
gênero (genus) – a classe (ou ordem) de coisas a que pertence o termo e (d) as
diferenças (differentiae) – “tudo aquilo que distingue a coisa representada pelo termo de
outras coisas incluídas na mesma classe”. A conotação representa “uma espécie de
emanação semântica, possível graças à faculdade que nos permite relacionar coisas
análogas ou assemelhadas. Esse é, em essência, o traço característico do processo
metafórico, pois toda metaforização é conotação (mas a recíproca não é verdadeira: nem
toda conotação é metaforização)”. Ocorre, nestes casos, a definição metafórica.

Na definição lexicográfica, há, portanto, um jogo de equivalência semântica – [A


equivale a B] – que pode se realizar das seguintes formas:

(i) A e B se equivalem semanticamente e pertencem à mesma classe, quer seja


entre lexia simples ou complexa, como se observa em: terra: [Do lat. terra]
S.f. 5. Poeira, pó
(ii) A é um item lexical e B é uma estrutura sintagmática que “encerra uma
conceituação/definição de A”, como em: terra: [Do lat. terra] S.f. 2. Solo
sobre o qual se anda.

Conhecer o sentido de um texto é, necessariamente, ter conhecimento intertextual, pois


“o reconhecimento do gênero fornece uma chave para a interpretação do texto”,
afirmam Kleiman e Morais. “O texto funciona como um mosaico de outros textos,
alguns mais próximos, alguns mais distantes, alguns mais pertinentes, outros menos,
mas todos eles influenciando a leitura. Entendemos um texto porque somos capazes de
reconhecer esses traços e vestígios”.

Retomando a metáfora de Hoey: será que as abelhas/verbetes mantêm os mesmos


traços e vestígios quando inseridas em colônias/suportes textuais que não sejam os
dicionários? Interessa-me sistematizar alguns usos do gênero verbete na mídia escrita,
considerando tanto a intertextualidade intergêneros, ou seja, um gênero com a função
de outro, quanto a heterogeneidade tipológica, isto é, um gênero com a presença de
vários tipos.

Os verbetes como seções nas revistas


Nas revistas analisadas, verificamos que duas delas trazem seções que se assemelham
aos dicionários. Em uma, aparecem, geralmente, 15 termos que mantêm entre si uma
relação, quer seja temática, quer seja etimológica. A função social dos verbetes, nesta
seção, é a de instruir o leitor, através do enriquecimento do vocabulário.

Na outra, aparecem verbetes que se constituem à semelhança de um dicionário, mas não


estritamente etimológico. Além de conter a origem e as equivalências semânticas, cada
verbete traz explicações históricas para o surgimento dos termos, atrelando assim a
constituição do léxico ao contexto sócio-histórico e, na maioria das vezes, à narração
de episódios reais ou ficcionais relacionados aos termos. É um verbete enciclopédico,
pois apresenta informações linguísticas e extralinguísticas. Este verbete apresenta uma
heterogeneidade tipológica, em que se percebe claramente, a presença de sequências
expositiva ,descritiva e narrativa.

O verbete e os outros gêneros textuais nas revistas


Como agem as abelhas fora das colméias? Ou seja, como funcionam os verbetes em
outros gêneros textuais? O verbete extrapola as barreiras dos dicionários e das
enciclopédias. O primeiro gênero textual em que mencionarei o uso de verbetes é a
publicidade.

A citação do verbete obedece às marcas formais de sua construção, mas a função maior
de tal menção é de natureza argumentativa.

Uma ocorrência bastante interessante de uso de verbete: visualmente, a apresentação do


texto lembra um verbete. A ruptura com o gênero verbete se manifesta na construção
das acepções, visto que estas se constituem de depoimentos.

Em matérias jornalísticas, o uso do verbete exerce função discursiva preponderante na


construção dos textos. A inserção de um glossário num artigo exige uma leitura
simultânea à leitura da prosa que o antecede. As definições corroboram com a
construção de sentido da prosa na qual estas se inserem.

Há artigo cujos verbetes são uma listagem de características comportamentais. Em outro


artigo, os verbetes são enciclopédicos, pois trazem “informações de natureza linguística
(semântica, gramatical, fonética) e informações de natureza referencial, isto é, relativas
ao universo extralinguístico.

Verbete e ensino: apenas algumas sugestões para se pensar


Pensar sobre a utilização de verbetes no processo de ensino-aprendizagem significa
extrapolar os limites das disciplinas destinadas ao ensino de línguas. Em sala de aula:

a) a organização de verbetes por áreas temáticas pode favorecer à elaboração de


projetos interdisciplinares, ao se construir um glossário sobre acidentes
geográficos ou fatos históricos, por exemplo;
b) a elaboração de verbetes terminológicos pode se constituir num recurso de
grande utilidade em relatos de experiências e em textos de divulgação científica;
c) a criação de narrativas em que o personagem principal vivencie um episódio que
comprove a descrição que lhe foi mencionada, pode ser uma atividade de escrita
após a leitura de um texto. É importante, destacar que a descrição será inserida
na narrativa, provavelmente como função argumentativa, uma vez que as ações
do personagem serão subsidiadas pelos traços comportamentais sugeridos.

Em síntese, por que não inserir no elenco de gêneros textuais a serem lidos na escola os
verbetes publicados em revistas? Paralelamente, a escrita de verbetes pode se configurar
como uma estratégia de compreensão de leitura, uma vez que caberá ao aluno/autor a
transposição do conteúdo de um outro texto-base para o gênero verbete.
REVISITANDO O CONCEITO DE RESUMOS
Anna Rachel Machado

A questão de sumarização e do ensino da produção de resumos são essenciais para o


desenvolvimento da compreensão de leitura.

Uma vez que admitimos que os usos sociais dos resumos de texto, tanto em contexto
escolar quanto não escolar, são os mais diversos e em quantidade significativa, eles se
constituem como um objeto de ensino pertinente e, para que esse ensino seja eficaz, é
necessário que aprofundemos nossas reflexões sobre sua produção.

Particularmente em relação ao ensino, julgamos necessário distinguir claramente entre


processo de sumarização desenvolvido durante a leitura e os textos produzidos como
resumos; examinar a confusão terminológica que os cerca, definindo claramente a que
nos referimos ao usar o termo, discutir a possibilidade de tratá-los como gênero distinto
dos demais e analisar as características do seu contexto de produção; assim como
faremos um breve resumo das regras (ou estratégias) de redução de informação
semântica propostas por diferentes autores que trataram da questão.

Pressupostos teóricos
Schneuwly defende a tese de que, nas atividades de linguagem, os gêneros se
constituem como verdadeiras ferramentas semióticas complexas que nos permitem a
produção e a compreensão de textos.

Em decorrência, defende-se a tese de que o ensino de produção e compreensão de textos


deve centrar-se no ensino de gêneros, sendo necessário, para isso, que se construa,
previamente, um modelo didático do gênero, que defina, com clareza, tanto para o
professor quanto para o aluno, o objeto que está sendo ensinado, guiando, assim, as
intervenções didáticas.

Os gêneros existentes em nossa sociedade são mais ou menos conhecidos e nomeados


socialmente. Por exemplo, não encontraremos afirmações como “Estou lendo uma
narração.”, mas sim, “Estou lendo um romance, um conto, uma notícia, o resumo de
um texto etc.”, o que nos assinala que esses últimos são socialmente reconhecidos como
gêneros, enquanto as narrações não.

Entretanto, podemos encontrar, por exemplo, um mesmo gênero com nomes diversos,
gêneros novos para os quais ainda não há um nome estabelecido etc.

Fundamental para sua identificação e caracterização parece-nos ser a análise cuidadosa


da situação de ação de linguagem, definida por Bronckart como um conjunto de
representações, interiorizadas pelos agentes, de determinadas representações sociais
sobre o mundo físico e sócio-subjetivo, que por eles são mobilizadas diante da
necessidade de produzirem um texto oral ou escrito. Um primeiro conjunto de
representações se constitui como o contexto da produção e um segundo constituirá o
conteúdo temático.

O contexto de produção é constituído pelas representações sobre o local e o momento da


produção, sobre o emissor e o receptor considerados do ponto de vista físico e de seu
papel social, sobre a instituição social onde se dá a interação e sobre o(s) objetivo(s) ou
efeitos que o produtor quer atingir em relação ao destinatário.

Dados esses pressupostos maiores, vejamos a seguir um breve resumo sobre o processo
de redução de informação semântica ou sumarização, tal como concebido
fundamentalmente nos trabalhos de van Dijk e de Sprenger-Charolles. Trabalhando com
uma tipologia textual, cujo critério básico era a estrutura textual, postulava-se que,
durante o processo normal de leitura com compreensão, ocorreria um processo de
sumarização, por meio do qual o leitor construiria uma espécie de resumo mental do
texto, retendo as informações básicas e eliminando as acessórias, chegando, ao final
desse processo, à significação básica do texto.

Os leitores utilizariam uma série de regras mais ou menos constantes (posteriormente


tratadas como estratégias), que já teriam interiorizado e que aplicariam, de forma
inconsciente, no decorrer da leitura. Assim, buscava-se identificar essas
regras/estratégias que regeriam o processo de sumarização dos diferentes tipos de
textos: descritivos, narrativos, expositivos, argumentativos.

Assim, chegou-se, basicamente, a dois conjuntos de regras/estratégias: de apagamento e


de substituição. As primeiras seriam seletivas, pois, por meio delas, selecionam-se os
conteúdos relevantes do texto, com o apagamento de informações desnecessárias à
compreensão de outras proposições ou de informações redundantes. Já as
regras/estratégias de substituição seriam construtivas, pois exigem a construção de
novas proposições, ausentes do texto original, mas que englobam informações expressas
ou pressupostas no texto. Essas regras ainda podem ser dividias em dois tipos: as de
generalização e as de construção.

Pela generalização, o leitor substitui uma série de nomes de seres, de propriedades e de


ações por um nome de ser, propriedade ou ação mais geral, que nomeia a classe comum
a que esses seres, propriedades e ações pertencem. Por exemplo, lavar pratos, passar
roupa, limpar tapete são ações que pertencem à classe comum trabalhar em serviços
domésticos.

Por meio da regra/estratégia de construção, substitui-se uma sequência de proposições,


expressas ou pressupostas, por uma proposição que é normalmente inferida delas,
através da associação de seus significados. Assim, se tivermos uma sequência como:
“João tomou um táxi, desceu na rodoviária, comprou uma passagem, esperou o ônibus,
entrou, tomou o lugar reservado a ele etc.”, podemos inferir que “João viajou”, podendo
essa proposição substituir toda a sequência.
Todas essas regras/estratégias teriam um caráter recursivo, podendo ser reaplicadas para
a obtenção de um grau maior de sumarização, o que poderia gerar resumos maiores ou
menores. Além disso, sua aplicação seria guiada pelo esquema superestrutural típico de
cada tipo de texto, que o leitor teria internalizado. Assim, por exemplo, o resumo de um
texto narrativo deveria contemplar, basicamente, a situação inicial, o conflito e a sua
resolução.

Finalmente, tratadas como estratégias e não como regras, atribuiu-se à sua utilização um
caráter flexível e não rígido e homogêneo, levando-se em conta que sua aplicação
estaria condicionada ao objetivo da leitura, ao conjunto de conhecimentos prévios do
leitor, ao tipo de situação em que se processa a leitura; enfim, a uma série de fatores
contextuais.

Os resumos na mídia impressa e digital


Grande quantidade de textos ou de partes de textos, pertencentes a diferentes gêneros,
cuja produção implica a gestão eficaz de operações diversas de sumarização, as quais
incidem sobe diferentes objetos verbais e não-verbais, como é o caso dos títulos e
subtítulos de matérias ou a apresentação concisa de conteúdos de filmes ou de peças
teatrais.

Para definirmos com mais precisão o que poderemos identificar como resumos
autônomos de textos e, portanto, como exemplares do gênero resumo, mister se faz que
tenhamos uma definição inicial com a qual possamos efetuar um levantamento
pertinente. Tomando o verbete do “Novo Aurélio – Dicionário de Língua Portuguesa”
on line, temos o seguinte:

resumo. [Dev. De resumir.] S.m. 1. Ato ou efeito de resumir(-se). 2. Exposição


abreviada de uma sucessão de acontecimentos, das características gerais de
alguma coisa etc., tendente a favorecer sua visão global: síntese, sumário,
epítome, sinopse: O repórter fez um bom resumo das últimas ocorrências. 3.
Apresentação concisa, do conteúdo de um artigo, livro etc., a qual, precedida de
sua referência bibliográfica, visa a esclarecer o leitor sobre a conveniência de
consultar o texto integral. Ao contrário da sinopse (2) (q.v.), o resumo aparece
em publicação à parte e é redigido por outra pessoa que não o autor do trabalho
resumido. 4. Recapitulação em poucas palavras; sumário: Esta gramática tem um
resumo claro no fim de cada capítulo. 5. Fig. Compêndio (3).

Como podemos verificar, o próprio termo pode gerar confusão no ensino, pois ele serve
tanto para indicar o processo mesmo de sumarização (1) quanto o texto produzido que é
resultado textual desse processo (3). Veja-se também que, na acepção (3), o resumo é
visto como um texto autônomo, com conteúdo específico (“apresentação concisa de um
artigo, livro etc.”), com objetivo definido (“esclarecer o leitor sobre a conveniência de
consultar o texto integral”), com uma restrição em relação ao enunciador (“outra pessoa
que não o autor do trabalho resumido”) e ainda com uma restrição em relação a seu
plano global (“precedida de sua referência bibliográfica”), configurando-se aí a
possibilidade de que o resumo possa ser identificado, de direito, como um gênero.

Aparecem matérias com o título de resenha, entretanto, como resenhas, trazem mais que
uma simples apresentação concisa dos conteúdos de outro texto. Se há aí partes
claramente identificáveis de resumo, também aparece muita informação sobre o
contexto geral da produção e da divulgação da obra. Não se trata, pois, de um texto
pertencente a um possível gênero resumo, mas de uma parte do gênero resenha,
trazendo informações sobre a obra ainda mais concisas e com interpretações e
avaliações mais explícitas.

Há matérias que trazem inúmeros boxes, que, com a utilização de recursos gráficos
distintos, geralmente trazem mais informações sobre conteúdos do corpo das matérias
ou informações adicionais. Fazendo parte das reportagens e estando subordinados ao
objetivo mais geral das reportagens, a nosso ver, esses resumos não se configuram como
pertencentes a um gênero distinto.

Em outras matérias, ainda aparecem vários trechos resumidores de textos orais ou


escritos, no corpo mesmo das matérias. Às vezes, esses trechos resumidores não
abrangem todo o texto resumido, mas apenas parte(s), em uma clara utilização da
estratégia de seleção, que é utilizada de acordo com o objetivo geral da matéria.

Resumos com autonomia, vamos encontrá-los, por exemplo, em texto cujo conteúdo é a
apresentação concisa de um artigo, com uma indicação bibliográfica, mesmo que feita
de forma genérica, sem a indicação do nome da pesquisa resumida, de seus autores e do
número da revista em que ela aparece. Verificamos ainda que não se apresentam dados
adicionais nem avaliação do texto resumido. Do ponto de vista das características
discursivas, o texto é constituído por um segmento de discurso teórico como uma
linguagem em que há ausência de marcas enunciativas e predomínio do presente
genérico, que lhe dão uma “objetividade” aparente, típica dos gêneros jornalísticos.

Esse caráter jornalístico ainda se mostra no objetivo, não de “esclarecer o leitor sobre a
conveniência de consultar o texto integral”, mas no de “tornar o leitor ciente de novas
informações científicas que lhe possam ser úteis”. Assim, o que temos é o resumo de
texto subordinado ao objetivo informativo mais geral dos gêneros jornalísticos, o
informativo, e ao contexto de produção desses gêneros, adequando-se a linguagem
científica aos destinatários visados, que, para a revista, são leitores de razoável cultura
geral, mas não necessariamente especialistas da área do texto resumido. Constituindo-se
como um texto autônomo e não como parte de outro, podemos considerar que temos aí
exemplo de um texto pertencente a um gênero específico, o resumo jornalístico de
textos, mesmo que não venha rotulado como tal e não apresente alguma das
características sugeridas pelo “Aurélio”.

Passando para o meio digital, com o uso de uma ferramenta de busca, o RADAR UOL,
apenas com a introdução da palavra resumo, encontramos textos que consideramos
pertencer a gêneros diferentes, tais como:
 resumos tipicamente escolares, que têm os estudantes como seus destinatários
explícitos, nos quais há o predomínio nítido da apresentação do conteúdo
completo de uma obra, de forma concisa, com pouca ou nenhuma interpretação
ou comentário crítico. Reproduz-se o discurso de narração da obra resumida,
assim como a sua estrutura narrativa, com todas as características típicas desse
discurso e dessa estrutura, mas com uma sintaxe e um léxico claramente
facilitadores;
 resenhas críticas, nas quais, ao lado dos resumos das obras literárias,
apresentam-se interpretações e avaliações;
 contracapas de livros, cujo objetivo, evidentemente, é o de incitar o leitor a
comprar e ler o livro e que, com esse objetivo, só traz conteúdos parciais da obra
resumida;
 resumos de artigos ou obras científicas, produzidos por autor que não o da obra
resumida;
 abstracts de artigos científicos e resumos de teses, que originalmente se
constituem como parte destes textos e que, portanto, são produzidos por seus
próprios autores, em primeira ou terceira pessoa.

Esses abstracts começam a se fixar como gêneros autônomos, uma vez que aí aparecem
desligados dos gêneros a que pertenciam originalmente. Entretanto, sendo seu produtor
o próprio autor da obra resumida, acreditamos que podemos considerá-los como
pertencentes a uma classe (ou subclasse) diferente da dos resumos até aqui considerados
como tais, principalmente quando tratamos de seu enfoque didático.

Encontramos ainda resumos completos de diferentes documentos e publicações,


dirigidos a membros de variadas comunidades, jurídicas, comerciais, empresariais, com
o claro objetivo de servirem como ferramentas operacionais para os profissionais, diante
da enorme quantidade de informações a que deveriam acessar e que deveriam dominar
no exercício de sua profissão.

Toda essa confusão terminológica acaba por gerar confusão no ensino.

Conclusões
O levantamento e análise – ainda que parcial – de nossos dados, leva-nos a concluir que:

 O processo de sumarização de textos é condição fundamental para a mobilização


de conteúdos pertinentes para a produção de textos pertencentes a diferentes
gêneros, como resenhas, contracapas e reportagens.
 Em alguns desses gêneros, o resumo parcial ou integral de textos constitui-se
como parte constitutiva de seu plano global, como é o caso das resenhas e das
contracapas.
 A produção do resumo como parte de outro texto é orientada pelas
representações sobre o contexto de produção do texto em que está inserido;
portanto, sobre os destinatários, a instituição social, os objetivos típicos do
gênero a que pertence etc.
 Quando aparecem de forma autônoma, os resumos guardam todas as
características definidoras dos textos em geral.
 Textos autônomos podem legitimamente ser considerados como exemplares do
gênero resumo de texto.
 Subgêneros de resumos de textos podem ser identificados, de acordo com a
instituição social em que são produzidos e em que circulam e, portanto, de
acordo com seus destinatários, o que nos permite distinguir entre resumos
jornalísticos, científicos etc.
 Em decorrência, as características linguístico-discursivas dos resumos de textos
estão sujeitas a grande variação, diretamente relacionada ao seu próprio contexto
de produção.
 Dentre essas características, o plano global de organização dos resumos parece-
nos estar ligado, não a um possível esquema superestrutural típico do texto
resumido, mas ao plano global típico do gênero a que ele pertence.

Distinguindo claramente entre processo de sumarização durante a leitura e a produção


de diferentes gêneros que o pressupõem, poderemos deixar mais claro para os alunos
qual é o objeto específico de ensino que estaremos enfocando.

Em qualquer caso, podemos, evidentemente, trabalhar de forma eficaz com as chamadas


estratégias de redução de informação semântica, mas tomando a precaução de não tratá-
las de forma genérica, mas sim, como parte de um processo de sumarização que é
contextualizado, tanto quanto a produção de textos.
“FRASE”: CARACTERIZAÇÃO DO GÊNERO E APLICAÇÃO PEDAGÓGICA
Cleide Emília Faye Pedrosa

“Frase”: caracterização de um gênero


Em relação ao gênero textual que estamos estudando, o primeiro ponto que
destacaremos é a sua nomenclatura. Optamos por nomeá-lo “Frases”, tendo em vista a
maioria das revistas utilizarem esse termo por ocasião da identificação do gênero na
seção.

Esse gênero tem sido veiculado principalmente em revistas e jornais.

O interessante é que há uma orientação para que identifiquemos o objetivo da seção, o


humor, o bate-boca entre personagens públicos e a retórica em seu sentido pejorativo
(estilo provido de ornamentos vazios, estilo empolado).

Estruturação do gênero
Os gêneros textuais são determinados mais pelos objetivos dos falantes e a natureza do
tópico tratado do que propriamente pela forma, é o que afirma Biber. No entanto, “todos
os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de
estruturação de um todo”.

As revistas apresentam uma forma padrão para o processo de textualização (registro das
‘falas’ dos locutores) e contextualização (registro do contexto recuperado pelo editor).
O contexto vem sempre depois da ‘fala’ selecionada e apresenta o esquema:
identificação do locutor; um aposto que faz referência à sua profissão ou cargo que
ocupa; um aposto sobreposto (facultativo), quando o locutor não for tão bem conhecido,
ou quando necessitar de informação complementar; uma explicação sobre o assunto ou
tópico da ‘fala’, podendo ser opinativo ou informativo. Essas partes nem sempre
aparecem integralmente.

Estrutura do gênero

Estrutura completa

“Querem calar a voz do senador Antônio Carlos Magalhães, o responsável por toda
beleza existente na Bahia.” Zéllia Gattai, escritora baiana, mulher de Jorge Amado,
sendo injusta com Deus. (Veja, 09/05/2001)

Esquema: locutor: Zéllia Gattai + aposto comum/normal: escritora baiana + aposto


sobreposto: mulher de Jorge Amado + tópico tratado: sendo injusta com Deus (neste
caso foi tópico opinativo)

Estrutura incompleta

“Quem gosta de coisas picantes deve achar chata a minha vida.” Eliana,
apresentadora. (IstoÉ, 13/06/2000).
Esquema: locutor: Eliana + aposto comum: apresentadora

Analisando o gênero “Frases” em sua estrutura, verificamos que a ‘fala’ do locutor só


pode ser compreendida através do contexto fornecido pelo editor. Esses contextos
podem ser, provisoriamente, classificados em: contexto informativo, aquele contexto
que, julgando por sua aparente objetividade, está apenas trazendo informações sobre a
situação, sem a opinião do editor; contexto atrelado, aquele que não se torna
suficientemente independente para recuperar as informações da “fala”, havendo
necessidade de recorrermos ao contexto da “fala” anterior, e contexto interpretativo ou
tendencioso, aquele contexto onde verificamos ou identificamos marcadores claros de
uma interpretação da situação dada pelo editor. Estamos nomeando esses contextos
interpretativos também de tendenciosos, porque entendemos que as atividades de
leitura, interpretação e compreensão devem ser do leitor; assim, quando o editor
interpreta ou dá a sua visão da situação, (mesmo sendo umas das aceitáveis) está
invadindo a liberdade de leitura.

Tipos de contextos

A – Contexto informativo

“Os homens são muito bobos. Nós, mulheres, enxergamos uma celulite a quilômetros de
distância e os homens são ludibriados com uma boa meia fina.” Heloisa Helena,
Senadora PT-AL (Tudo, 14/12/2001)

“Ninguém me lê.” Bernardo Carvalho, autor do livro Medo de Sade. (Veja,


10/05/2000).

B – Contextos atrelados

1 – “Pára de servir salgadinho, porque senão ninguém entra na festa.” José Possi Neto,
organizador do Oscar do cinema brasileiro, orientando os assistentes para suspender o
coquetel no salão do Hotel Quitandinha, em Petrópolis. (Veja, 23/02/2000)

2 – “Fiquei largado na escada. Nem mesmo o porteiro me reconheceu.” Anselmo


Duarte, cineasta homenageado da noite, queixando-se da falta de organização. (Veja,
23/02/2000).

O contexto (B2) não explicita a que homenagem e a que noite Anselmo Duarte está se
referindo, o que nos direciona para o contexto da “frase” anterior: festa do Oscar do
cinema brasileiro/ coquetel no salão do Hotel Quitandinha, em Petrópolis.

C – Contexto interpretativo ou tendencioso

“Sua linha é personalista e concentradora de poder, em que o partido não tem


significação.” Leonel Brizola, presidente do PDT, numa crítica (que mais parece
autocrítica) ao governador fluminense, Anthony Garotinho. (Veja, 26/01/2000)
Com esse exemplo, percebemos claramente a condução da leitura feita pelo editor – “...
numa crítica (que mais parece autocrítica) ao governador fluminense...” Com a
utilização da informação entre parênteses, ficamos sabendo qual a leitura do editor e a
que ele quer que o leitor faça.

Concordando com Yehoushua Bar-Hillel: “Do ponto de vista técnico, parece-me


preferível substituir os contextos por descrições-de-contextos (os contextos são
acontecimentos não linguísticos, e as descrições de contextos são entidades
linguísticas)”. Então, o que se verifica, é que o próprio contexto recuperado constitui,
juntamente com as ‘falas’, o ‘texto’.

Marcuschi destaca que no processo de textualização, “Toda vez que repetimos ou


relatamos o que alguém disse, até mesmo quando produzimos as supostas citações ipsis
verbis0, estamos transformando, reformulando, recriando e modificando uma fala em
outra”.

Muitas vezes, os editores precisam acrescentar dados entre parênteses que são inseridos
nas ‘falas’ selecionadas a fim de recuperar para o leitor os elementos coesivos do texto.
Isso é uma demonstração clara de que esse gênero é formado a partir de eventos
comunicativos mais amplos.

Elemento coesivo do texto

“Se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor. Então era aquela
angústia para saber se ele (pesquisador) vai ter um nome na praça ou se ele vai dar aula
a vida inteira e repetir o que os outros fazem.” Fernando Henrique Cardoso,
Presidente da República, durante cerimônia de entrega do Prêmio Finep de Inovação
Tecnológica. (Época, 03/12/2001)

Tipos do gênero textual “Frase”: temporalidade


Quanto ao aspecto temporal dos conteúdos, as “Frases” podem ser classificadas em
situadas ou eternas. O primeiro tipo tem a ver com “falas” de locutores que estão
relacionadas a situações comunicativas atuais (fatos políticos, questões sociais,
escândalos etc.) e sua compreensão depende de que os editores explicitem no contexto a
situação em questão, são situações datadas. As não situadas ou eternas dizem respeito às
“frases” atemporais, as que têm o mesmo efeito independentemente da época em que
são veiculadas.

Tipos: situadas e eternas

Situada

“Pesquisa não vale nada. É uma inutilidade pomposa, uma perda de tempo federal.”
João Uchoa Cavalcante, Dono do Centro Universitário Estácio de Sá (RJ), terceira em
número de alunos no país, explicando o que entende por “excelência de ensino”.
(Galileu, Janeiro 2002)
0
ipsis verbis /‘com as mesmas palavras’/: textualmente.
Frase eterna

“A política é quase tão excitante quanto a guerra e tão perigosa quanto ela. A diferença
é que, na guerra, só se morre uma vez.” [Winston Churchill, primeiro-ministro britânico
(1874-1965)] (Época, 01/10/01)

As situadas necessitam, para sua compreensão, que o leitor esteja acompanhando os


acontecimentos da ordem do dia: na situada acima, é necessário saber sobre a última
greve dos professores das Universidades Federais, saber da ‘infeliz’ colocação de FHC
sobre o professor pesquisador, conhecer um pouco da política educacional e como hão
proliferadas instituições privadas em nosso país e qual sua ideologia. Com certeza, esse
tipo de “Frases” pode tornar-se um material produtivo para as aulas de Língua
Portuguesa, e outras disciplinas, como História. As “Frases” eternas têm mais o objetivo
de transmitir opiniões, filosofia de vida.

Abrindo as portas da sala de aula


“É através da mediação semântica própria de uma língua que os mundos representados
são constituídos concretamente”.

Esse estudo semântico também pode ser perpassado por trabalhos que objetivem
identificar unidades semióticas não verbais (paratextuais), como as imagens, e como
elas se relacionam com o verbal; e procedimentos supratextuais, como títulos, itálicos,
negritos e o que eles revelam sobre os procedimentos enunciativos .

O professor poderá, facilmente, trabalhar com seus alunos atividades de retextualização,


verificando as marcas de oralidade nas “Frases”. Verificar de que forma o editor
retextualizou e contextualizou o evento comunicativo.

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as


condições em que os educandos em suas relações uns com os outros (...) ensaiam
a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico,
como ser pensante, comunicante, transformador.

Por meio de um estudo dos locutores, pode-se perceber como as “Frases” refletem as
relações sociais do poder e do ter e como, às vezes, o que foi dito pelo locutor pode
comprometer o seu papel social.

Aspecto relevante a ser trabalhado em sala de aula é verificar a instância discursiva em


que esse gênero está incluso. A mídia constrói opinião e, mesmo por meio de gêneros
tão ‘despretensiosos’ (finalidade de divertir o leitor) como “Frases”, ela veicula
explícita ou implicitamente sua visão sobre eventos e principalmente pessoas. Assim,
esse gênero “pequeno” em seu aspecto formal, mostrar-se-á como um grande mentor de
discussões.
Palavras (quase) finais
Práticas discursivas comprovam que a língua cria o mundo, não o reproduz; confirmam
que ela é dialógica, que é uma atividade sócio-histórica, cognitiva e interativa. Bakhtin
já afirmava que a “língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a
realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua”.

Por isso as atividades pedagógicas devem deixar explícito que estudar a língua é muito
mais que a ver como um sistema de regras, é estudá-la em seu uso dialógico com as
outras práticas de uma comunidade que se define linguística e socialmente, com sua
ideologia e seus valores.

Através desse material (“frases”), a língua pode ser estudada, não por si mesma,
simplesmente como um sistema, mas em seu contexto de uso, contemplando os aspectos
social, histórico, político etc. Comprova-se, assim, que a língua é utilizada para
múltiplos propósitos, sendo, por isso, um elemento de coesão social; confirma-se que
não se pode conceber a língua como algo estático, com formas cristalizadas, porém
como algo dinâmico, constitutivo, como um processo dialógico que trata da relação do
homem com ele mesmo, do homem com o seu próximo e do homem com a recriação do
mundo.
O FUNCIONAMENTO DIALÓGICO EM NOTÍCIAS E ARTIGOS DE OPINIÃO
Dóris de Arruda Carneiro da Cunha

Neste capítulo, propomos um quadro analítico para a leitura da notícia e do artigo de


opinião na escola, numa perspectiva ainda pouco explorada em sala de aula: a do
funcionamento dialógico destes dois gêneros básicos da imprensa, constituídos de um
dizer sobre o dizer, imediato ou recente. Partimos da hipótese de que o modo de
inscrição de outros discursos no fio do texto distingue a notícia, gênero polifônico, do
artigo de opinião, gênero aparentemente monofônico.

O estudo das vozes permite compreender o diálogo entre os diferentes discursos que
constituem o texto e entre os sujeitos que se confrontam nesse espaço interlocutivo. É
por meio das formas marcadas e não marcadas de dialogismo que percebemos a posição
e os pontos de vista do enunciador do discurso atual, o grau de distância ou de adesão
aos discursos dos enunciadores citados ou mencionados, e os lugares ocupados por eles.
Em outras palavras, a abordagem da diversidade de relações dialógicas entre os
discursos permite não só caracterizar os dois gêneros como também realizar uma leitura
crítica da imprensa.

Um trabalho mais seguro de interpretação exige do leitor relacionar o dito atual com o
não dito e com o já dito, retomado e modificado em graus diversos pelo jornalista no
novo contexto de enunciação.

Alguns conceitos

Linguagem
No quadro teórico em que situamos este trabalho, o objeto de estudo é a linguagem,
vista como processo de interação entre sujeitos sócio-historicamente situados, e não
mais a língua, isolada do contexto em que é produzida, concebida como um sistema de
regras estáveis.

Estudar linguagem significa, portanto, ir além do quadro das estruturas linguísticas para
analisar o sentido de um discurso como processo dinâmico de retomada e modificação,
produzido numa situação de enunciação única. Nessa perspectiva, o sentido não está nas
formas da língua, mas num conjunto de semiologias, ou seja, de elementos produtores
de sentido, que se atualizam na interação: (i) os verbais, formas da língua organizadas
em enunciados; (ii) os não-verbais, o olhar, os gestos, os movimentos faciais e corporais
e a entoação, na fala; a estrutura visual do gênero e os elementos paratextuais – título,
subtítulo, autor, gênero, suporte, tamanho e formato da letra, e os elementos
tipográficos, na escrita. É evidente que a produção de sentidos é muito complexa,
incluindo, além dos elementos verbais e não verbais, uma série de não ditos, porções de
texto que serão inferidas, em função dos conhecimentos partilhados entre os
interlocutores.
Isso significa que a linguagem só é compreendida se tivermos acesso a seus elementos
constitutivos: participantes, lugar, tempo, propósito comunicativo (convencer, explicar,
responder, elogiar, dizer verdades ou mentiras, agradar, criticar etc.) e às diferentes
semiologias que entram em jogo na sua produção. Fora da situação em que a língua é
produzida, o que há são abstrações.

Dialogismo
A concepção bakhtiniana de linguagem como interação, introduz um aspecto novo,
fundamental na compreensão do que se passa quando utilizamos a linguagem: o
dialogismo0. Todo enunciado é uma resposta a um já-dito, seja numa situação imediata,
seja num contexto mais amplo. Não se trata aqui do diálogo entre falantes numa
situação de conversação, mas da relação do enunciado com o que já foi dito sobre o
mesmo assunto, e com o que lhe suceder na “corrente ininterrupta da comunicação
verbal”. Assim, a fala é sempre constituída de outras que lhe antecederam sobre o tema:
“apenas o Adão mítico, abordando com a primeira palavra um mundo virgem e ainda
não dito, somente este Adão poderia realmente evitar por completo esta mútua
orientação dialógica com relação ao discurso de outrem que se produz em relação ao
objeto0”.

Vemos que a dimensão dialógica, responsável pela heterogeneidade discursiva, é


onipresente, o que mostra que ela deve ser um dos focos principais na interpretação de
texto. O dialogismo mostrado refere-se a todas as formas de representação que um
discurso dá de outro, explicitamente, por meio de marcas tipográficas ou das formas
verbais. O dialogismo constitutivo é o que vimos no parágrafo anterior, modo de
construção do discurso por meio da incorporação de outros sobre o mesmo objeto,
podendo ou não ser percebido como tal pelo sujeito falante e pelo receptor0.

Muitas pesquisas têm se dedicado ao dialogismo, seguindo, grosso modo, duas


tendências. A primeira tende a tratar a presença do discurso de outrem de modo bastante

0
O termo dialogismo é carregado de uma pluralidade de sentidos. Além disso, foi traduzido por
intertextualidade, o que provoca uma certa confusão entre os conceitos. Alguns autores utilizam o
conceito de intertextualidade para se referir às inserções de outras vozes no texto, na forma de citação,
paráfrase, alusão, entre outras. Esse mesmo fenômeno é também chamado de polifonia ou discurso
reportado.
0
Citamos este fragmento de Bakhtin a partir da tradução feita por Todorov (do russo para o francês), por
ser a que apresenta um sentido mais coerente (na edição brasileira, temos “/.../ um mundo virgem, ainda
não desacreditado...”, o que nos parece menos adequado do que “/.../ um mundo virgem e ainda não
dito...”
0
Moirand retoma modificando os conceitos de heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva,
elaborados por Authier-Revuz.
restrito, como discurso direto, direto livre0, indireto, narrativizado0, indireto livre e
modelos mistos.

Uma outra tendência analisa a dinâmica da interação entre o discurso de outrem e o


contexto no qual ele aparece, para compreender as posições dos sujeitos, que podem ser
aliados ideologicamente, adversários, portadores de verdade, de erro etc.

Como diz Authier-Revuz, para os sujeitos “falantes”, falar é – qualquer que seja o
objeto visado – falar de alguma fala.

Gênero discursivo
Diferentemente das abordagens literárias e linguísticas, que viam os gêneros e os tipos
textuais (argumentação, descrição, narração, explicação, injunção e diálogo) como fixos
e imutáveis; definidos por regularidades textuais de forma e conteúdo; classificados em
categorias claras e mutuamente exclusivas e em subcategorias, Bakhtin (1997) elaborou
uma teoria no quadro da comunicação verbal, definindo o gênero ou enunciado a partir
de critérios não linguísticos: as condições específicas e as finalidades de cada uma das
esferas da atividade humana, o conteúdo temático, o estilo de língua, e a construção
composicional. Nesse contexto, os gêneros têm uma forma relativamente estável, que os
falantes reconhecem e usam, uma vez que a linguagem só se realiza em gêneros.

0
O termo “discurso direto livre” faz parte do Dicionário Terminológico (DT), que, em Portugal, se
destina a apoiar o estudo da gramática nos ensinos básico e secundário. Deve observar-se que, conforme
as definições e os exemplos apresentados pelo DT, não se afigura clara a diferença que separa o discurso
direto livre do discurso indireto livre, dado que os dois são definidos de maneira semelhante. Com efeito,
se acerca da caracterização do primeiro se diz que “as palavras ou os pensamentos de uma personagem
são reproduzidos como que imersos no discurso do narrador tal como aquela os formulou, sem que o
narrador assinale com marcas formais”, a respeito do segundo também se afirma que “as fronteiras entre a
voz de um e a voz de outro são dificilmente delimitáveis”. Pode talvez depreender-se que a distinção
fundamental se relaciona com a reprodução exata, por parte do discurso direto livre, de sequências em
discurso direto, incluindo marcas de 1.ª e 2.ª pessoa, inseridas diretamente no relato do narrador; no
discurso indireto livre, muito embora se conserve a maior parte das características do discurso direto, só
se aceitam marcas de 3.ª pessoa.
0
O discurso narrativizado costuma ser descrito como variante do discurso indireto. Nele, as fronteiras
entre o discurso do narrador e das personagens são quase imperceptíveis, uma vez que essa forma tende a
igualar o relato da fala a um relato de acontecimento: “um discurso ‘narrativizado’, isto é, tratado como
um acontecimento entre outros e assumido como tal pelo narrador mesmo”. Exemplo: No fim da reunião
para discutir o prêmio da crítica, ontem de manhã, Cakoff disse aliviado ter dado tudo certo . A mudança
sintática – a eliminação da oração subordinada substantiva em favor das formas reduzidas de infinitivo e
mesmo da nominalização – manifesta um processo de incorporação do discurso alheio pelo contexto
transmissor de forma mais estreita que o do discurso indireto.
Esse tipo de relato é a forma mais apagada da atribuição do discurso a outro e, ao confundir-se com a
ideia de “informar objetivamente”, corresponde a uma forma narrativizada máxima de um possível
discurso indireto. Estamos nos referindo a enunciados cuja existência é apresentada pelo enunciador-
jornalista como sendo um dizer que este capta e transforma, apagando a fonte do relato de forma decisiva.
Essa narrativa de algo que sucedeu, ou virá a suceder, aproxima-se daquilo que os estudos da
comunicação costumam delimitar como “a informação objetiva”, sem expressão de opinião, modelo a ser
atingido por todo profissional que queira dominar o fazer jornalístico:
Os ministros da Fazenda, Pedro Malan, e das relações Exteriores, Luiz Lampreia, desembarcam hoje em
Buenos Aires para explicar aos argentinos a posição brasileira frente ao Mercosul (FSP, 05/03).
A filial da Ford confirmou sua decisão de investir US$ 1 bilhão em suas instalações no país, apesar da
política brasileira de benefícios fiscais para as indústrias automobilísticas (FSP, 07/03).
Segundo Adam, as classificações dos textos que circulam na imprensa apresentadas nos
manuais de jornalismo e em trabalhos dessa área, foram feitas com base em critérios
variados, sem ter uma teoria dos gêneros como base.

Broucker distingue dois grandes “gêneros redacionais”, a informação e o comentário,


cuja especificidade está ligada ao objetivo de cada um deles: o texto de informação visa
a fazer saber, como é o caso da notícia, enquanto o de comentário procura fazer valer
uma convicção, um julgamento, um sentimento, como nos artigos de opinião. Segundo
essa dicotomia, os textos informativos são do tipo textual narrativo, com verbos no
passado e em terceira pessoa, e procuram responder às questões: o quê? quem? quando?
onde? No caso de notícias mais desenvolvidas, como as das revistas semanais, as
perguntas como? por quê? e daí? também são respondidas devido ao caráter explicativo
dos textos nesse suporte. É característica desse gênero, a busca de objetividade, razão
pela qual o dialogismo é mostrado por meios linguísticos e tipográficos.

O artigo de opinião expõe o ponto de vista de um jornalista ou de um colaborador do


jornal, fazendo uso de dêiticos e do presente do indicativo como tempo de base, num
texto claramente argumentativo. Comentando sempre algo já dito, o artigo de opinião é
um gênero de “enunciação subjetiva”, no qual o dialogismo é raramente mostrado.

Evidentemente, essas descrições não se aplicam a todos os textos empíricos que


circulam na mídia. A classificação de Broucker baseia-se em apenas uma das
características constitutivas dos gêneros0, o objetivo ou propósito comunicativo. As
notícias não apresentam necessariamente a estrutura narrativa canônica, nem são
puramente informativas. E os artigos de opinião podem usar narrativas como estratégia
argumentativa, ser escritos em terceira pessoa e inserir citações para dar objetividade
aos argumentos. Mesmo assim, essas definições servem de ponto de partida para se
trabalhar com os dois gêneros.

A diversidade de funcionamento dialógico


Embora nosso foco seja o dialogismo, sugerimos uma abordagem dos textos a partir de
uma sequência de atividades divididas em três etapas:

1. Elementos peritextuais indicadores da situação de enunciação: jornal ou revista,


data, estrutura visual0 (formato, foto, legenda), título, subtítulo, autor;
2. Abordagem global: – relação entre título e texto, organização dos tópicos,
linguagem utilizada pelo jornalista; elementos linguísticos ligados à enunciação
– pronomes, tempos verbais, modalizadores;
3. Abordagem do dialogismo mostrado e constitutivo.

0
Bakhtin enumera cinco características constitutivas do gênero ou enunciado: é limitado pela mudança de
interlocutores; tem um acabamento interior específico; tem um propósito comunicativo que se revela na
tonalidade expressiva do falante; tem relações com enunciados do passado e é sempre dirigido a alguém.
0
O peritexto (gr. perí ‘em torno; acima de tudo; em volta de, ao redor de; a respeito de, por; em vista de;
perto de; contra; em relação a, para com’), incluindo a estrutura visual, funciona como um elemento
metagenérico, uma vez que fornece pistas para o leitor identificar o gênero antes mesmo de passar à
leitura do todo.
Apesar da notícia ter o objetivo de fazer saber um fato novo, ela tem um caráter
apreciativo, revelado no seu funcionamento dialógico.

Lorda chama uma relação de declarações um texto construído por meio de outros
discursos, mas sobre os quais o jornalista tem o domínio.

A ordem dos tópicos assim como as formas de representação de outros discursos


manifestam a posição do jornalista, conferindo um caráter subjetivo ao gênero.

O tratamento dado a outros discursos varia de acordo com os gêneros. O artigo de


opinião não faz uso do dialogismo mostrado, mas é fundamentalmente dialógico. Vale
ressaltar que, diferentemente da notícia, os outros discursos mencionados, citados e
antecipados funcionam como argumento para sustentar os pontos de vista do jornalista.

Artigo de opinião também funciona sob o modo da alusão e não da citação. Cada um
tem um modo de inscrição de discursos outros no fio do texto em função do foco
escolhido, mostrando que ao trabalharmos com a linguagem estamos lidando sempre
com a heterogeneidade.

As aspas funcionam como um comentário crítico implícito que supõe uma atitude
metalinguística de desdobramento do locutor. Segundo Authier, o uso desse recurso
tipográfico coloca o locutor como juiz e dono das palavras, capaz de se distanciar e de
emitir um julgamento sobre elas no momento em que ele as utiliza. Esse distanciamento
pode manifestar um questionamento sobre o caráter apropriado das palavras aspeadas,
ou uma indicação de que pertencem a outro.

As aspas constituem, portanto, uma marca de defeito, significando genericamente “essa


palavra não convém, mas mesmo assim eu a utilizo”. Assim, o autor revela, por meio
desse recurso tipográfico, visões de outros grupos sociais, com os quais ele tem uma
relação de conflito.

Considerações finais
Sabe-se, depois de Bakhtin, que a palavra é habitada pela voz de outrem e carregada de
sentidos diferentes, em função dos gêneros e das situações. Vimos que a notícia é uma
espécie de relato, constituída de fragmentos de discursos, de modo que se
suprimíssemos as falas alheias, não restaria quase nada. Essa estratégia de tornar
presente a fala de outro pode servir para marcar uma posição discursiva ou para tornar a
informação mais verdadeira.

O artigo de opinião é constituído de outros discursos sobre os fatos comentados e de


antecipações das objeções do leitor, para fazer aderir ao seu ponto de vista e para
criticar os outros com os quais mantém uma relação de conflito. Tudo isso comprova
que o texto é o lugar de circulação de discursos, mostrados ou não, e o sujeito não é a
fonte de sentido, mas o constrói no trabalho incessante com o já-dito.
ENTREVISTA: UMA CONVERSA CONTROLADA
Judith Chambliss Hoffnagel

Uma das metas declaradas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) é de


possibilitar a compreensão crítica dos vários gêneros discursivos com que o cidadão lida
no seu cotidiano. O objetivo deste capítulo é de examinar o gênero entrevista para
explorar seu potencial no ensino da língua materna. A função primária das entrevistas é,
para alguns, de informar o público e, para outros, de formar a opinião pública.

O gênero entrevista
Tomando gênero como um evento comunicativo e não uma forma linguística, podemos
considerar a entrevista como uma constelação de eventos possíveis que se realizam
como gêneros (ou subgêneros) diversos. Assim, teríamos, por exemplo, entrevista
jornalística, entrevista médica, entrevista científica, entrevista de emprego etc. Levinson
notou, neste sentido, que a entrevista manifesta estilos e propósito diversos. O que todos
esses eventos parecem ter em comum é uma forma característica, que se apresenta numa
estrutura marcada por ‘perguntas e respostas. Mas, como Marcuschi aponta,

[...] há eventos que parecem entrevistas por sua estrutura geral de pergunta e
resposta, mas distinguem-se muito disso. É o caso da ‘tomada de depoimento’ na
Justiça ou do inquérito policial. Ou então um ‘exame oral’ em que o professor
pergunta e o aluno responde. Todos esses eventos distinguem-se em alguns
pontos (em especial quanto aos objetivos e a natureza dos atos praticados) e
assemelham-se em outros.

A entrevista é considerada por muitos autores como “uma prática de linguagem


altamente padronizada, que implica expectativas normativas específicas da parte dos
interlocutores, como num jogo de papéis: o entrevistador abre e fecha a entrevista, faz
perguntas, suscita a palavra do outro, incita a transmissão de informações, introduz
novos assuntos, orienta e re-orienta a interação; o entrevistado, uma vez que aceita a
situação, é obrigado a responder e fornecer as informações pedidas”. Desta forma,
podemos dizer que o modelo canônico da entrevista é composto de pelo menos dois
indivíduos, cada um com papel específico: o entrevistador e o entrevistado.

A entrevista é um gênero primordialmente oral. Embora toda entrevista pretenda obter


informações, o tipo e uso destas informações podem servir a vários fins. Na entrevista
médica, por exemplo, as informações servem para diagnosticar um problema de saúde.
Uma característica específica das entrevistas da mídia, oral e escrita é que, além do
entrevistador e do entrevistado como participantes principais, há também a audiência
(ouvintes, espectadores e leitores), que, embora participante passiva, está sempre
presente para os entrevistadores e entrevistados. Neste sentido, tanto as perguntas como
as respostas são formuladas com uma audiência específica em mente.
As entrevistas nas revistas
As entrevistas publicadas em revistas são três tipos gerais:

a) as que entrevistam um especialista em algum assunto com a finalidade de


explicar um fenômeno. O especialista, raramente, é conhecido pelo público em
geral, e suas credenciais estão explicitadas na sessão introdutória da entrevista;
b) as que entrevistam uma autoridade, geralmente conhecida pelo público, para
obter sua opinião sobre um evento em destaque nas notícias, podendo ela estar
ou não diretamente envolvida neste evento;
c) as que entrevistam pessoas públicas (políticos, artistas, escritores, músicos etc.)
e que têm a finalidade de promover o entrevistado (ou entidade/grupo que ele
representa) ou de fazer com que o público conheça melhor a pessoa entrevistada.

Os públicos-alvo são também diferentes. Algumas das revistas têm um público


específico declarado: são dirigidas para adultos, jovens, adolescentes masculinos e/ou
femininos; crianças; pessoas interessadas em assuntos específicos, como música,
ciência, beleza, esporte etc.

Embora crédito seja dado à pessoa que fez a entrevista (ou no começo ou fim da
entrevista), raramente o nome desta pessoa é usado na apresentação da entrevista.
Algumas revistas colocam o seu nome em vez do nome do entrevistador. Outras
destacam os papéis apenas pelo uso de recursos gráficos (negrito, itálico, ponto de
interrogação). Estilos de apresentação têm efeitos diferentes.

A linguagem usada nas entrevistas varia de acordo com o público-alvo e o propósito e


tópico da entrevista.

Nas entrevistas com autoridades ou especialistas, a linguagem é mais formal, ‘objetiva’.


Alguns dos entrevistadores, especialmente aqueles entrevistando especialistas, não usam
nenhuma forma de tratamento explícito.

O efeito imediato deste estilo dá a impressão, primeiro, de que não é a pessoa dando a
entrevista que é de interesse, mas apenas as explicações que pode dar sobre o tópico, e,
segundo, que o entrevistador não está muito envolvido com a entrevista.

Uma característica importante das entrevistas publicadas nas revistas, embora raramente
seja declarada de forma explícita, é que as entrevistas são editadas. Não somente inclui-
se apenas parte do material coberto na entrevista original, mas as marcas da oralidade
(hesitações, falsos começos, repetições etc.) e da interação (comentários do ouvinte,
sobreposições, pausas etc.) são eliminadas, tanto das respostas quanto das perguntas.
Essas marcas são índices ou dicas que orientam a interpretação da interação. Em
algumas entrevistas, no entanto, há comentários editoriais que ajudam o leitor a sentir
um pouco o clima da entrevista.

Uma outra maneira mais sutil de expressar comentários editoriais é a prática das revistas
de destacar trechos da entrevista fora do contexto da pergunta/resposta na forma de
citações. Em alguns casos, as citações são editadas, no sentido de que não repetem
exatamente o que está no texto da entrevista, é uma reescrita. Em outros casos, a citação
não está no texto e, consequentemente, não sabemos nem o que foi perguntado nem o
contexto em que surgiu a fala que é citada. Estas citações fazem parte do título, ou estão
em quadrinhos nas páginas da entrevista.

Perguntas podem ser abertas ou fechadas, diretas ou indiretas, mais ou menos polidas
etc. A pergunta aberta deixa o entrevistado discursar sobre um tópico livremente,
enquanto a pergunta fechada limita a resposta a uma ou outra escolha do tipo sim ou
não. É neste sentido que podemos dizer que o entrevistador controla a interação, seu
direito de fazer as perguntas restringe não somente o que o entrevistado pode fala, mas
em boa medida como pode falar.

Uma pergunta direta é feita sem rodeios, sem maiores explicações ou justificativas.
Uma pergunta indireta é mais uma forma polida de fazer um pedido do que
propriamente uma pergunta.

É importante dizer que o entrevistado não está completamente à mercê do poder do


entrevistador. Aquele tem estratégias para evitar responder diretamente às perguntas
deste. Principalmente nas respostas às perguntas abertas ou indiretas, o entrevistado
pode enfatizar um aspecto da pergunta e ignorar um outro e pode, às vezes, dar uma
interpretação completamente diferente à pergunta da que foi pretendida pelo
entrevistador.

Considerações finais
A exploração do gênero entrevista como texto na sala de aula permite, entre outras
coisas:

1. examinar o uso estratégico de formas de tratamento que revelam as relações


entre os atores sociais (qual a forma usada? há mudança de forma durante a
entrevista? que tom o tratamento usado dá à interação? a forma é recíproca entre
os atores? etc.);
2. descobrir as relações possíveis a serem estabelecidas através do uso de uma das
trocas mais comuns na interação verbal – pergunta e resposta, como por
exemplo, a importância da formulação das perguntas no exercício do poder
social conferido ao entrevistador e as possibilidades e limitações na formulação
de respostas;
3. investigar os significados possíveis transmitidos pelo layout gráfico na
apresentação das entrevistas (uso de citações nos títulos, nas fotografias e em
destaques; o uso ou não dos nomes dos participantes nas trocas de pergunta e
resposta, o uso de fotografias do entrevistado etc.).

Uma comparação entre entrevistas nas revistas e entrevistas na mídia televisiva e


radiofônica mostraria o efeito que os diferentes recursos técnicos específicos de cada
veículo (revistas, jornais, televisão, rádio) pode ter na interpretação da entrevista pelo
leitor/espectador/ouvinte.
UM GÊNERO QUADRO A QUADRO: A HISTÓRIA EM QUADRINHOS
Márcia Rodrigues de Souza Mendonça

Narrando quadro a quadro: o gênero HQ


A experiência dos leitores com gêneros diversos permite-lhes o reconhecimento e a
distinção das formas de textualização utilizadas nos casos conhecidos. Entretanto, a
categorização teórica dos gêneros não é tarefa fácil, devido à “diversidade de critérios
que podem ser legitimamente utilizados”.

Visualmente, as histórias em quadrinhos são facilmente identificáveis, dada a


peculiaridade dos quadros, dos desenhos e dos balões. Entretanto, categorizá-las exige
um grande esforço de sistematização. Por essa razão, procuraremos apenas caracterizar
as HQs, sem a pretensão de estabelecer uma tipologia.

Uma possível definição de HQ é apresentada por Cirne: “Quadrinhos são uma narrativa
gráfico-visual, impulsionada por sucessivos cortes, cortes estes que agenciam imagens
rabiscadas, desenhadas e/ou pintadas. Tal definição é oriunda de uma perspectiva
semiótica e, portanto, deixa de salientar questões pertinentes ao modelo teórico dos
gêneros textuais, perspectiva por nós adotada.

Quanto ao tipo textual, as HQs são do tipo narrativo, dada a predominância dessa
espécie de sequência na maioria dos casos. Entretanto, como salienta Fix, a
heterogeneidade tipológica, propriedade de todos os gêneros, também constitui as HQs.

Quanto aos mecanismos e recursos tecnológicos usados para narrar, os quadrinhos têm
relação com o cinema e com os desenhos animados: enquanto, nas HQs, há uma seleção
dos quadros a serem sequenciados, o que demanda um trabalho cognitivo maior por
parte do leitor, de modo a preencher as lacunas e reconstruir o fluxo narrativo.

Na relação fala e escrita, as HQs realizam-se no meio escrito, mas buscam reproduzir a
fala (geralmente a conversa informal) nos balões, com a presença constante de
interjeições, reduções vocabulares, etc.

Uma possibilidade de agrupamento dos gêneros é a de domínio discursivo, que indica


instâncias de formação discursiva, como o Discurso jornalístico, no qual talvez
possamos enquadrar as HQs, numa análise que leve em conta apenas o meio de
circulação do gênero. Determinadas HQs, porém, podem ser enquadradas no Discurso
literário, o que demonstra a complexidade da categorização.

Na relação entre as semioses envolvidas – verbal e não-verbal – os quadrinhos revelam-


se um material riquíssimo, pois, na coconstrução de sentido que caracteriza o processo
de leitura, desvendar como funciona tal parceria é uma das atividades linguístico-
cognitivas realizadas continuamente pelos leitores de HQs.

Circulam na mídia escrita, de acordo com a ordem de surgimento, a caricatura, a charge,


o cartum, as próprias HQs e as tiras.
Distinguir esses gênero é difícil, mesmo para os profissionais da área. O cartunista
Fernando Moretti tenta estabelecer tais diferenças: em geral, a caricatura – deformação
das características marcantes de uma pessoa, animal, coisa, fato – pode ser usada como
ilustração de uma matéria (fato), mas quando esse “fato” pode ser contado inteiramente
numa forma gráfica, é chamado charge. O cartum surgiu depois da charge, e é uma
forma de expressar ideias e opiniões, seja uma crítica política, esportiva, religiosa,
social, através de uma imagem ou uma sequência de imagens, dentro de quadrinhos ou
não; podendo ter balões ou legendas. A charge “envelhece”, como a notícia, enquanto o
cartum é mais atemporal.

O cartum e a HQ diferenciam-se: ambos compõem-se de um ou mais quadrinhos com


uma sequência narrativa. Essa sequência é opcional para o cartum e obrigatória para a
HQ, a qual conta com personagens fixos.

As tiras são um subtipo de HQ; mais curtas (até 4 quadrinhos) e, portanto, de caráter
sintético, podem ser sequenciais (“capítulos” de narrativas maiores) ou fechadas (um
episódio por dia). Quanto às temáticas, algumas tiras também satirizam aspectos
econômicos e políticos do país, embora não sejam tão “datadas” como a charge.
Dividimos as tiras fechadas em dois subtipos: a) tiras-piada, em que o humor é obtido
por meio das estratégias discursivas utilizadas nas piadas de um modo geral, como a
possibilidade de dupla interpretação, sendo selecionada pelo autor a menos provável; b)
tiras-episódio, nas quais o humor é baseado especificamente no desenvolvimento da
temática numa determinada situação, de modo a realçar as características das
personagens.

Podemos, então, caracterizar provisoriamente a HQ como um gênero icônico ou


icônico-verbal narrativo cuja progressão temporal se organiza quadro a quadro. Como
elementos típicos, a HQ apresenta os desenhos, os quadros e os balões e/ou legendas,
onde é inserido o texto verbal.

Além da heterogeneidade tipológica, encontramos também, no universo das HQs, a


intertextualidade tipológica, que consiste em utilizar a forma de um gênero para
preencher a função de outro. As aplicações das HQs a propósitos didáticos, como
campanhas educativas, são exemplos disso. Assim, os textos das campanhas educativas
têm uma função comunicativa didática, mas a forma utilizada é a de uma HQ.
Poderíamos falar, nesses casos, em intertextualidade intergêneros.

Mídia escrita: onde surgiram e se desenvolveram as HQs


As HQs surgiram na periodicidade dos jornais. Com o tempo, foram ganhando
autonomia, dado o sucesso de público alcançado, e passaram a figurar em publicações
especializadas, os gibis. Atualmente, permanecem nos jornais e encontram-se em outros
veículos midiáticos.

O recurso do folhetim – narrativa publicada, capítulo a capítulo, em periódicos – foi


bastante eficaz no Brasil na primeira metade do século XIX, pois, na época, o jornal é
que possibilitava, até certo ponto, a democratização do acesso à produção literária
brasileira, popularizando-a.

HQs na escola: negligenciadas, apesar de relevantes


A relativa facilidade pode ser confundida com baixa qualidade textual, levando à falsa
premissa de que “ler quadrinhos é muito fácil”. Diante dessa suposição, a escola se
omitiria de explorar as potencialidades pedagógicas das HQs ou as subestimaria como
objeto de leitura, aprofundando a discrepância entre o que a escola oferece e o que os
alunos buscam.

Na verdade, determinadas HQs demandam estratégias de leitura sofisticadas, além de


um alto grau de conhecimento prévio, sendo quase que destinadas apenas aos
“iniciados” nos enredos de seus personagens. Em outros casos, ao contrário, as HQs
podem ter uma função didática, sendo utilizadas para dar instruções ou para persuadir,
em campanhas educativas.

Pode-se explorar as HQs como se faz com qualquer gênero, atentando-se para recursos
diversos do seu funcionamento. Nas atividades de leitura, a exploração de aspectos
vários da produção de sentido é a base das atividades. Por exemplo, a quebra de
expectativas nas tiras-episódio e nas tiras-piada é usada para produzir humor. Segundo
Possenti:

“Qualquer que seja o tópico (...), o que faz com que uma piada seja uma piada
não é seu tema, sua conclusão sobre o tema, mas uma certa maneira de
apresentar tal tema ou uma tese sobre tal tema”.

Pode-se apresentar aos alunos alguns quadrinhos e, então, explorar, em termos de


levantamento de expectativas, o que poderia vir nos últimos quadrinhos. Para levantar
essas expectativas, o leitor ativa conhecimentos sobre o tópico e mesmo sobre os
personagens, as quais poderão levar a respostas distintas.

A exploração textual pode continuar: sobre as razões para tal afirmação, se foi
inesperada e/ou engraçada e por que motivo, por que se pensou em outras alternativas
etc. Enfim, descobrir as estratégias discursivas usadas nas tiras humorísticas ou, em
outras palavras, descobrir como se faz graça pode ser, de fato, assunto muito sério para
o ensino de português.

A análise mais específica do gênero – sua constituição, formas de circulação, subtipos –


também pode ser objeto de trabalho pedagógico na escola. No ensino fundamental,
estudar elementos icônicos como a forma e o contorno dos balões (para a fala, o medo,
o sonho, o pesadelo, o pensamento etc.), o tamanho e o tipo das letras (para sentimentos
como a raiva, o grito, o amor, a indiferença etc.), os sinais usados no lugar das letras
(para os palavrões, para línguas estrangeiras ou extraterrestres), a disposição do texto
(sem parágrafos ou travessões) por exemplo, e a relação disso tudo com a produção de
sentido e com as peculiaridades do gênero constitui, sem dúvida, material rico para o
entendimento dos múltiplos usos da linguagem nas HQs.
Nas atividades de produção, é sempre possível pedir que eles criem HQs. Como em
qualquer atividade de produção textual, conforme Geraldi, é preciso que se tenha: a) o
que dizer; b) para que dizer; c) para quem dizer e d) como dizer. Esses aspectos não
podem ser negligenciados, sob pena de se produzirem redações do tipo escolar, cuja
única função seria o atendimento à tarefa proposta pelo professor.

A qualidade de uma HQ reside, em grande parte, na possibilidade de narrar, de forma


envolvente, através da associação adequada entre desenho e texto verbal.

Em relação à transposição de gêneros, da HQ icônica ou icônico-verbal para o conto ou


para a crônica, aspectos da relação fala/escrita e das semioses envolvidas podem ser
trabalhados. Por exemplo, para contar a história dos quadrinhos na forma puramente
verbal, há que se selecionar, dentre o que estava descrito pelos desenhos, o que deverá
vir explícito por meio de palavras. As reações dos personagens, evidenciadas não só na
sua fala, mas na postura, nos gestos, na expressão facial, serão descritas, seja por verbos
de elocução, como disse, exclamou, berrava, seja por parágrafos inteiros. A habilidade
de dosar contextualização, implicitude e explicitude das informações em um texto pode
ser desenvolvida com as HQs.

A transposição de gêneros – do texto expositivo ou didático para a HQs – é uma


estratégia que pode ter grande impacto na aprendizagem de disciplinas. Tópicos
diversos também podem ser quadrinizados pelos alunos.

Para o sucesso de tal atividade é necessário mais do que o simples comando


“Transforme esse texto numa HQ”, é preciso orientar cada etapa.

Uma variação interessante da atividade pode ser a produção de HQs para públicos
distintos. Esse aspecto iria interferir na seleção e criação dos personagens, na forma de
apresentação do assunto, quantidade de quadros representando unidades proposicionais
etc.

A ousada obra em quadrinhos Palestina: uma nação ocupada, de autoria de Joe Sacco,
é um ótimo exemplo de como a HQ se presta à abordagem de temas complexos, mesmo
que pouco ortodoxos para o gênero. José Arbex, no prefácio, classifica a obra como
“reportagem em quadrinhos”, evidenciando o princípio da intertextualidade tipológica e
a prevalência da função sociocomunicativa (reportagem) sobre a forma de textualização
(quadrinhos) na classificação feita.
POR QUE CARTAS DO LEITOR NA SALA DE AULA
Maria Auxiliadora Bezerra

O gênero textual carta do leitor, divulgado em revistas, a respeito de notícias ou


reportagens publicadas nesse veículo de comunicação, ou solicitações feitas pelos
leitores, é de fácil acesso, demonstra um contato, por parte deles, com os fatos recentes
da sociedade e está escrito em registro formal ou semiformal do Português. Além disso,
é uma forma concreta de uso da leitura/escrita com função social.

Trabalhar com cartas do leitor, a partir do que os alunos já leem, pode tornar-se mais
fácil, visto que eles conhecem o tema abordado, podem posicionar-se em relação a ele,
apropriar-se do registro formal da Língua Portuguesa, além da composição desses
gêneros textuais, e também ampliam suas práticas de letramento.

Fundamentamo-nos na concepção de língua como interação entre usuários e de ensino


como trabalho produtivo (não repetidor), para o estudo de cartas. Dessa forma, nosso
ponto de partida é a leitura/escrita desse gênero como prática de letramento.

Cartas do leitor: caracterização e uso


Linguagem, sociedade e cultura se imbricam de tal forma que, entre os sociólogos,
considera-se o surgimento das línguas humanas, junto com a instituição das religiões,
uma das causas da origem das sociedades e uma das formas de caracterização das
culturas humanas.

Se as sociedades e culturas são inúmeras e se suas atividades (também inúmeras) são


medidas pela linguagem, os modos de utilização dessa linguagem são tão variados
quanto variadas forem as atividades humanas, as quais vão moldando a linguagem em
enunciados relativamente estáveis, no dizer de Bakhtin, garantindo a comunicação
verbal.

Silva, analisando cartas em geral, reconhece que seu corpo permite variados tipos de
comunicação (pedido, agradecimento, informações, cobrança, intimação, notícias
familiares, prestação de contas, propaganda e outros), o que a faz afirmar que, embora
sendo cartas, não são da mesma natureza, pois circulam em campos de atividade
diversos, com funções comunicativas variadas: nos negócios, nas relações pessoais, na
burocracia, no trabalho... Assim, esses tipos de cartas podem ser considerados como
subgêneros do gênero maior “carta”, pois todos têm algo em comum – sua estrutura
básica: a seção de contato, o núcleo da carta e a seção de despedida – mas são
diversificados em suas formas de realização, em suas intenções.

Considerando essa perspectiva funcional-interativa, vemos que a carta do leitor é um


texto que circula no contexto jornalístico, em seção fixa de revistas e jornais,
denominada comumente de cartas, cartas à redação, carta do leitor, painel do leitor,
reservada à correspondência dos leitores. Atende a diversos propósitos comunicativos:
opinar, agradecer, reclamar, solicitar, elogiar, criticar, entre outros.
Nem toda carta do leitor é publicada: segundo Melo, há sempre uma triagem e entre
aquelas que foram selecionadas para publicação pode haver ainda uma edição. Por
razões de espaço físico da seção ou por direcionamento argumentativo (em prol da
revista/jornal), podem ser resumidas, parafraseadas ou ter informações eliminadas. O
que acaba por configurar-se como uma carta com co-autoria: o leitor, de quem partiu o
texto original, e o jornalista, que o reformulou.

Em geral, quem escreve à imprensa, o faz esporadicamente, embora haja por parte das
revistas destinadas ao público jovem um apelo à sua participação constante. Quando se
trata de pessoas conhecidas do grande público brasileiro, logo após seu nome, vem a
indicação do cargo que ocupa.

As revistas Época, IstoÉ e Veja exigem que as cartas enviadas sejam assinadas, tenham
identificação , endereço e telefone do remetente; além do número da cédula de
identidade que Veja e IstoÉ requerem, embora essas informações não sejam divulgadas.
A correspondência pode ser enviada pelo correio convencional ou por meio eletrônico.
As revistas Todateen e Capricho solicitam, além do nome e cidade/estado, a idade do
remetente (informações divulgadas).

Carta do leitor na sala de aula


Para evitar que os textos, ao transformarem-se em objeto didático, percam sua força
comunicativa e restrinjam-se apenas a seus aspectos estruturais ou formais, é
fundamental que os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem (professor, alunos,
coordenador, diretos, pais) despojem-se da crença de que o essencial é expor os
conteúdos programáticos para que o aluno os memorize e repita-os em um teste ou
exame (mesmo que não saiba relacioná-los a nenhum aspecto da sua experiência, das
suas atividades, a não ser esse teste ou exame).

Vamos propor, a seguir, uma sequência didática com cartas do leitor. Entre os objetivos
do planejamento estabeleceu-se: incentivar a leitura de jornal e revista pelos alunos;
analisar notícias veiculadas pelo rádio, televisão e jornal ou revista e compará-las; e
discutir o poder que a imprensa exerce na sociedade brasileira.

É interessante iniciar pela discussão do que são essas cartas, quais suas funções, a quem
se destinam e de que temas tratam. E em seguida ler cartas com o mesmo tema, para
comparar sua organização: posição enunciativa do autor, variedade linguística,
sequências textuais, seleção lexical e outros aspectos.

Duração da sequência didática: um bimestre.

Objetivos: ler cartas do leitor; identificar sua função social; redigir cartas e enviá-las à
redação de jornal ou revista.

Passos a serem dados:

1º - Selecionar com os alunos um tema de seu interesse para discussão.


2º - Trazer notícia, reportagem ou artigo relativo ao tema selecionado, de forma que
circulam na sala pelo menos dois textos diferentes (uma parte dos alunos lê um texto e a
outra lê o segundo texto):

- Conversar com os alunos sobre o tema; dar um objetivo para a leitura desses
textos.

3º - Lançar perguntas objetivas, inferenciais e avaliativas – interrelacionadas –


referentes aos textos lidos para os alunos responderem:

- Observar o ponto de vista do autor e o tom dado ao texto; considerar a presença


e a localização no período ou no parágrafo de unidades linguísticas (conjunção,
preposição, advérbio, ou pronome...) que contribuem de forma marcante para a
construção do sentido.

4º - Escrever cartas a serem enviadas ao jornal/revista.

5º - Selecionar, nos textos dos alunos, pontos gramaticais que eles demonstram não
dominarem e ensinar esses pontos, partindo da observação de textos onde eles estão
bem colocados.

6º - Após a publicação das cartas enviadas, comentar as que se referem ao tema em


debate; sobre as dos alunos, verificar se estão editadas; se as cartas de solicitação são
atendidas.

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