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Seguramente, esses novos gêneros não são inovações absolutas, quais criações ab ovo0,
sem uma ancoragem em outros gêneros já existentes. O fato já fora notado por Bakhtin
que falava na ‘transmutação’ dos gêneros e na assimilação de um gênero por outro
gerando novos. A tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras, mas não
absolutamente novas. Veja-se o caso do telefonema, que apresenta similaridade com a
conversação que lhe pré-existe, mas que, pelo canal telefônico, realiza-se com
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em si mesmo; intrinsecamente
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artigo em que se discute uma questão, apresentando o ponto de vista do jornal, da empresa jornalística
ou do redator-chefe; artigo de fundo. Há o artigo de opinião, que exige que você tenha argumentos
sustentados por fatos comprovados; o editorial tem um caráter mais opinativo sobre um determinado
tema, e com uma visão crítica.
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comunicação transmitida ou recebida via telégrafo (aparelho através do qual se efetuam a transmissão
ou recepção de mensagens a distância, por meio de sinais).
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desde o início; desde o princípio.
características próprias. Daí a diferença entre uma conversação face a face e um
telefonema, com as estratégias que lhe são peculiares. O e-mail gera mensagens
eletrônicas que têm nas cartas (pessoais, comerciais etc.) e nos bilhetes os seus
antecessores.
Esses gêneros que emergiram no último século no contexto das mais diversas mídias
criam formas comunicativas próprias com um certo hibridismo que desafia as relações
entre oralidade e escrita. Também permitem observar a maior integração entre os vários
tipos de semioses: signos verbais, sons, imagens e formas em movimento. A linguagem
dos novos gêneros torna-se cada vez mais plástica.
Embora os gêneros textuais não se caracterizem nem se definam por aspectos formais,
sejam eles estruturais ou linguísticos, e sim por aspectos sociocomunicativos e
funcionais, isso não quer dizer que estejamos desprezando a forma. Em muitos casos
são as formas que determinam o gênero e em outros tantos serão as funções. Contudo,
haverá casos em que será o próprio suporte ou o ambiente em que os textos aparecem
que determinam o gênero presente. Assim, num primeiro momento podemos dizer que
as expressões “mesmo texto” e “mesmo gênero” não são automaticamente equivalente,
desde que não estejam no mesmo suporte. Esses aspectos sugerem cautela quanto a
considerar o predomínio de formas ou funções para a determinação e identificação de
um gênero.
Os gêneros textuais se constituem como ações sociodiscursivas para agir sobre o mundo
e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo.
Para uma maior compreensão do problema da distinção entre gêneros e tipos textuais,
vejamos aqui uma breve definição das duas noções:
(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência
teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos
lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais
abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção.
(b) Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para
referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos,
propriedades funcionais, estilo e composição característica. Os gêneros são
inúmeros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete,
reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia
jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras,
cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha,
edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta
eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante.
Para uma maior visibilidade, poderíamos elaborar aqui o seguinte quadro sinóptico:
Seria interessante definir uma mais uma noção que vem sendo usada de maneira um
tanto vaga. Trata-se da expressão domínio discursivo.
(c) Usamos a expressão domínio discursivo para designar uma esfera ou instância
de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos
nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos.
Do ponto de vista dos domínios, falamos em discurso jurídico, discurso
jornalístico, discurso religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística ou
religiosa não abrangem um gênero em particular, mas dão origem a vários deles.
Constituem práticas discursivas dentro das quais podemos identificar um
conjunto de gêneros textuais que, às vezes, lhe são próprios (em certos casos
exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas.
Deve-se ter o cuidado de não confundir texto e discurso como se fossem a mesma coisa.
Pode-se dizer que texto é uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada
em algum gênero textual. Discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar em
alguma instância discursiva. Assim, o discurso se realiza nos textos. Em outros termos,
os textos realizam discursos em situações institucionais, históricas, sociais e
ideológicas.
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construção puramente mental, criada a partir de elementos mais simples, para ser parte de uma teoria.
Assim, para a noção de tipo textual predomina a identificação de sequências linguísticas
típicas como norteadoras; já para a noção de gênero textual, predominam os critérios de
ação prática, circulação sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo temático, estilo e
composicionalidade, sendo que os domínios discursivos são as grandes esferas da
atividade humana em que os textos circulam. Importante é perceber que os gêneros não
são entidades formais, mas sim entidades comunicativas. Gêneros são formas verbais de
ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de
práticas sociais e em domínios discursivos específicos.
Portanto, entre as características básicas dos tipos textuais está o fato de eles serem
definidos por seus traços linguísticos predominantes. Por isso, um tipo textual é dado
por um conjunto de traços que formam uma sequência e não um texto. A rigor, pode-se
dizer que o segredo da coesão textual está precisamente na habilidade demonstrada em
fazer essa “costura” ou tessitura das sequências tipológicas como uma armação de base,
ou seja, uma malha infraestrutural do texto. Como tais, os gêneros são uma espécie de
armadura comunicativa geral preenchida por sequências tipológicas de base que podem
ser bastante heterogêneas mas relacionadas entre si. Quando se nomeia um certo texto
como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não se está nomeando o gênero e
sim o predomínio de um tipo de sequência de base.
Werlich propõe uma matriz0 de critérios0, partindo de estruturas linguísticas típicas dos
enunciados que formam a base do texto. Werlich toma a base temática do texto
representada ou pelo título ou pelo início do texto como adequada à formulação da
tipologia.
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aquilo que é fonte ou origem; molde para fundição de uma peça.
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norma de confronto, avaliação e escolha; faculdade de discernir e de identificar a verdade; juízo, razão;
fundamento, base para uma opção e/ou decisão.
exposição analítica pelo processo de
decomposição. Também é uma estrutura com um
sujeito, um verbo da família do verbo ter (ou
verbos como: “contém”, “consiste”,
“compreende”) e um complemento que
estabelece com o sujeito uma relação parte-todo.
Trata-se de um enunciado de ligação de
fenômenos.
Tem-se aqui uma forma verbal com o verbo ser
“A obsessão com a durabilidade no presente e um complemento (que no caso é
4. Argumentativo
nas Artes não é permanente.” um adjetivo). Trata-se de um enunciado de
atribuição de qualidade.
Vem representada por um verbo no imperativo.
Estes são os enunciados incitadores à ação. Estes
textos podem sofrer certas modificações
significativas na forma e assumir por exemplo a
5. Injuntiva “pare!”, “seja razoável!” configuração mais longa onde o imperativo é
substituído por um “deve”. Por exemplo; “Todos
os brasileiros na idade de 18 anos do sexo
masculino devem comparecer ao exército para
alistarem-se.”
Quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística e sim
uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais
particulares. Pois, como afirmou Bronckart0, “a apropriação dos gêneros é um
mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades
comunicativas humanas”, o que permite dizer que os gêneros textuais operam, em:
certos contextos, como formas de legitimação discursiva, já que se situam numa relação
sócio-histórica com fontes de produção que lhes dão sustentação muito além da
justificativa individual.
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que contrasta, que compara.
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Jean-Paul Bronckart é professor de Didática de Línguas na Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação na Universidade de Genebra, Suiça.
Swales lembra que “hoje, gênero é facilmente usado para referir uma categoria
distintiva de discurso de qualquer tipo, falado ou escrito, com ou sem aspirações
literárias”.
Os gêneros são artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano. Não
podemos defini-los mediante certas propriedades que lhe devam ser necessárias e
suficientes. Assim, um gênero pode não ter uma determinada propriedade e ainda
continuar sendo aquele gênero. Por exemplo, uma carta pessoal ainda é uma carta,
mesmo que a autora tenha esquecido de assinar o nome no final e só tenha dito no
início: “querida mamãe”. Uma publicidade pode ter o formato de um poema ou de uma
lista de produtos em oferta; o que conta é que divulgue os produtos e estimule a compra
por parte dos clientes ou usuários daquele produto. Artigo de opinião, embora escrito na
forma de um poema, continua sendo um artigo de opinião – o que configura uma
estrutura intergêneros de natureza altamente híbrida e uma relação intertextual com
alusão ao poema e ao poeta autor do poema no qual se inspira e do qual extrai
elementos.
Essa característica pode ser analisada de acordo com a sugestão de Ursula Fix, que usa a
expressão “intertextualidade intergêneros” para designar o aspecto da hibridização ou
mescla de gêneros em que um gênero assume a função de outro. Esta violação de
cânones subvertendo o modelo global de um gênero poderia ser visualizada num
diagrama tal como este:
INTERTEXTUALIDADE TIPOLÓGIA
Função do gênero A
Forma do Forma do
gênero A gênero B
poema
Função do gênero B
De acordo com Miller, que considera o gênero como “ação social”, lembrando que uma
definição retoricamente correta de gênero “não deve centrar-se na substância nem na
forma do discurso, mas na ação em que ele aparece para realizar-se”. Este aspecto vai
ser central na designação de muitos gêneros que são definidos basicamente por seus
propósitos (funções, intenções, interesses) e não por suas formas. Contudo, voltamos a
frisar que isto não significa eliminar o alto poder organizador das formas
composicionais dos gêneros. O próprio Bakhtin indicava a “construção composicional”,
ao lado do “conteúdo temático” e do “estilo” como as três características dos gêneros.
De igual modo, para Eija Ventola, os “gêneros são sistemas semióticos que geram
estruturas particulares que em última instância são captadas por comportamentos
linguísticos mediante os registros”. Enquanto resultado convencional numa dada
cultura, os gêneros se definiriam como “ações retóricas 0 tipificadas baseadas em
situações recorrentes” (Miller). As formas tornam-se convencionais e com isto
genéricas precisamente em virtude da recorrência das situações em que são investidas
como ações retóricas típicas. Os gêneros são, em última análise, o reflexo de estruturas
sociais recorrentes e típicas de cada cultura. Por isso, em princípio, a variação cultural
deve trazer consequências significativas para a variação de gêneros, mas este é um
aspecto que somente o estudo intercultural dos gêneros poderá decidir.
Em especial seria bom ter em mente a questão da relação oralidade e escrita no contexto
dos gêneros textuais, pois, como sabemos, os gêneros distribuem-se pelas duas
modalidades num contínuo, desde os mais informais aos mais formais e em todos os
contextos e situações da vida cotidiana. Mas há alguns gêneros que só são recebidos na
forma oral apesar de terem sido produzidos originalmente na forma escrita, como o caso
das notícias de televisão ou rádio.
Assim, é bom ter cautela com a ideia de gêneros orais e escritos, pois essa distinção é
complexa e deve ser feita com clareza. Isso deve-se ao fato de os eventos a que
chamamos propriamente gêneros textuais serem artefatos linguísticos concretos. Esta
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que diz respeito a ou própria de retórica: a arte da eloquência, a arte de bem argumentar; arte da palavra;
conjunto de regras que constituem a arte do bem dizer, a arte da eloquência; oratória; uso da eloqüência;
utilização dos recursos, das regras da retórica; emprego de procedimentos enfáticos e pomposos para
persuadir ou por exibição; discurso bombástico, enfático, ornamentado e vazio; discussão inútil; debate
em torno de coisas vãs.
circunstância ou característica dos gêneros torna-os fenômenos bastante heterogêneos e
por vezes híbridos em relação à forma e aos usos.
Para Douglas Biber, por exemplo, os gêneros são geralmente determinados com base
nos objetivos dos falantes e na natureza do tópico tratado, sendo assim uma questão de
uso e não de forma. Em suma, pode-se dizer que os gêneros textuais fundam-se em
critérios externos (sociocomunicativos e discursivos), enquanto os tipos textuais
fundam-se em critérios internos (linguísticos e formais).
É provável que esta relação obedeça a parâmetros de relativa rigidez em virtude das
rotinas sociais presentes em cada contexto cultural e social, de maneira que sua
inobservância pode acarretar problemas. Neste sentido, os indicadores aqui levantados
serviriam para identificar as condições de adequação genérica na produção dos gêneros,
especialmente os orais.
O trabalho com gêneros será uma forma de dar conta do ensino dentro de um dos
vetores0 da proposta oficial dos Parâmetros Curriculares Nacionais que insistem nesta
perspectiva. Tem-se a oportunidade de observar tanto a oralidade como a escrita em
seus usos culturais mais autênticos sem forçar a criação de gêneros que circulam apenas
no universo escolar.
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vetor /‘o que arrasta ou leva’/: condutor ou portador. A palavra vetor pode ter diferentes acepções,
dependendo da área do conhecimento em que é empregada.
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E CONTEXTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS
Maria Auxiliadora Bezerra
Contribuições teóricas
A teoria sociointeracionista vygotskiana de aprendizagem, as de letramento e as de
texto/discurso possibilitam considerar aspectos cognitivos, sociopolíticos, enunciativos
e linguísticos envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma língua.
Letramento é entendido aqui como as inúmeras práticas sociais que integram direta ou
indiretamente a produção e/ou leitura de materiais escritos.
Os estudos sobre letramento investigam as práticas sociais que envolvem a escrita, seus
usos, funções e efeitos sobre o indivíduo e a sociedade como um todo. Práticas sociais
longamente desenvolvidas e testadas se sedimentam na condição de estruturas chamadas
gêneros. Isso nos faz ver que o letramento não é único, mas há vários letramentos
relativos aos vários contextos sociais e culturais das sociedades em que aparecem.
Assim não se pode falar de um sujeito iletrado. Se há tipos diferentes de letramento, só
há sujeitos menos ou mais letrados, visto que em algum domínio discursivo ele terá
mais práticas de letramento e, em outro, menos.
Qualquer contexto social ou cultural que envolva a leitura e/ou a escrita é um evento de
letramento. Os gêneros textuais que são rotinizados por grupos sociais influentes não
chegam à população em geral, pois, subjacentes a estas práticas, há os mecanismos
sociopolíticos e ideológicos de controle dos recursos materiais e simbólicos. É o que
Street denomina de letramento ideológico, para explicitar o fato de que os eventos de
letramento não são apenas aspectos da cultura, mas também das estruturas de poder
numa sociedade.
O estudo de gêneros leva em conta seus usos e funções numa situação comunicativa.
Fundamentação Teórica
É por meio das práticas sociais, ou seja, das mediações comunicativas que se
cristalizam na forma de gêneros, que as significações sociais são progressivamente
construídas. Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvirmos o
outro, sabemos pressentir-lhe o gênero.
É por meio da interação que os aprendizes conscientizam-se das habilidades e dos tipos
de compreensão usados nos contextos sociais internalizando-os gradualmente,
estruturando e regulando suas próprias estratégias de aprendizagem.
Tendo em vista que a linguagem atende tanto à função comunicativa quanto à cognitiva,
uma vez que há uma estreita relação entre linguagem e cognição, convém que os
aprendizes executem tarefas diversificadas nas quais os professores possam, a partir de
trocas verbais em situações naturais, fornecer-lhes os instrumentos necessários a um
comportamento discursivo consciente.
Pressupostos teóricos
A base teórica que assumimos em relação à linguagem concentra-se na abordagem
enunciativo-discursiva de Bakhtin, que dá ênfase ao processo de interação verbal e ao
enunciado.
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Os tipos de discurso têm modos de organização sintática e marcação linguística relativamente estáveis
(subconjuntos de tempos verbais, pronomes, advérbios, etc.), e que são dependentes do leque dos recursos
morfossintáticos de uma língua e, por isso, limitados. Nos tipos de discurso, encontramos a tradução dos
mundos discursivos da ordem do expor e do narrar. A construção desses mundos se dá a partir de duas
operações psicolinguísticas, que revelam uma decisão binária: pode-se escolher que as coordenadas que
organizam o conteúdo tematizado sejam próximas (conjuntas) ou distantes (disjuntas) dos parâmetros
físicos do contexto de produção (emissor, receptor, espaço e tempo), criando, assim, respectivamente um
mundo da ordem do expor, expresso por verbos no presente do indicativo principalmente, ou do narrar,
por verbos no pretérito perfeito ou imperfeito; pode-se também colocar as instâncias de enunciação do
texto em relação com o produtor e sua situação de produção de forma implicada ou autônoma. A relação
implicada será expressa pela presença de marcas do locutor/interlocutor ou da situação de produção, e a
relação autônoma será expressa pela ausência dessas marcas. O resultado do cruzamento dessas decisões
produz quatro mundos discursivos: Expor Implicado, Expor Autônomo, Narrar Implicado, Narrar
Autônomo. E esses mundos são expressos por quatro tipos de configurações linguísticas:
ORGANIZAÇÃO TEMPORAL
CONJUNÇÃO DISJUNÇÃO
ORGANIZAÇÃO
Expor Narrar
ACTORIAL
IMPLICAÇÃO Discurso interativo Relato interativo
AUTONOMIA Discurso teórico Narração
sucuri. Ele o escreve de forma impessoal, sem se envolver e atribui um caráter neutro e
atemporal ao discurso.
O terceiro conjunto de pressupostos teóricos tem sua fonte nas pesquisas de Golder
quanto à argumentação. Segundo sua concepção, o discurso da argumentação realiza-se
por meio de dois tipos de operações psicológicas desenvolvidas pelo locutor: a
justificação e a negociação. A primeira decorre do objetivo principal da argumentação,
que é convencer o interlocutor. Para que isso ocorra, porém, é necessário que o locutor
justifique sua posição, apresentando razões ou, em outros termos, argumentos.
TIPOS DE
Mecanismos de posicionamento enunciativo (vozes) Exemplo
DISCURSO
É marcado principalmente pela presença de formas
verbais e de pronomes de primeira e de segunda “O que mais me dói é saber que
Discurso pessoa do discurso (singular e plural), de verbos nos a impunidade continua sendo um
interativo tempos presente pontual e futuro perifrástico, de dos motivos para o aumento da
verbos no modo imperativo e de dêiticos criminalidade.”
espaciotemporais (aqui, agora, hoje, ontem)
Nele permanecem os verbos no presente, mas em um
“A redução da maioridade penal
Discurso presente genérico duradouro, e desaparecem os
pode diminuir o índice de
teórico dêiticos (eu, tu, aqui e agora) predominando as frases
criminalidade.”
declarativas e surgindo eventualmente a voz passiva.
“Ontem, pela primeira vez, São
Paulo teve de se recolher.
Nele, predomina o par perfeito/ imperfeito nos
Relato Nenhuma alma viva habitava
verbos, numerosas unidades linguísticas referem-se
interativo suas ruas. Eu também me
diretamente às personagens dessa interação (eu e tu).
tranquei em casa. Foi o dia que
a locomotiva parou.”
Nenhuma de suas unidades linguísticas faz referência
“A manifestação dos professores
aos parâmetros físicos do contexto de produção, e os
Narração paralisou/paralisa o centro de
verbos aparecem no pretérito perfeito e no imperfeito
São Paulo no dia 15 de outubro.”
ou no presente perfeito com sentido de passado.
experiências das crianças, ouvir suas opiniões, ressaltar os pontos positivos e negativos
de uma determinada questão controversa.
Era também comum a produção de texto de opinião, de forma coletiva, ou seja, aquele
em que professor e alunos construíam o texto em conjunto. O professor resgatava
oralmente as ideias ou as informações dos alunos e transcrevia-as no quadro a giz.
Nesse tipo de produção escrita, chamávamos a atenção para os seguintes aspectos: a
organização do plano textual, o esclarecimento do que se quer defender, a importância e
a articulação dos argumentos, a necessidade de relacionar o término do texto à ideia
inicial, os conhecimentos linguísticos relativos à forma (ortografia, concordância,
pontuação, uso de letra maiúscula). Após a elaboração, o texto era lido pelas crianças, às
vezes, colocado em folha de atividade, servindo para leitura e produção de outro texto.
Pressupostos teóricos
Para Bakhtin, a cada tipo de atividade humana que implica o uso da linguagem
correspondem enunciados particulares, os gêneros do discurso. Enquanto os gêneros são
relativamente estáveis, os textos que os materializam são extremamente variáveis e
maleáveis, o que torna difícil a sua classificação. Assim, como cada situação de uso da
língua se realiza verbalmente através de um gênero, podemos concluir que a capacidade
de comunicação depende do maior ou menor domínio que se tem do gênero em questão,
mesmo quando se trata de língua materna.
Além do gênero como unidade de ensino, adotamos também a noção de gênero como
ferramenta que atua no processo de aprendizagem. Nessa segunda abordagem, o gênero
seria encarado como um verdadeiro instrumento para o desenvolvimento dos três tipos
de capacidades de linguagem: as de ação, as discursivas, as linguístico-discursivas.
Após a distribuição do texto, são feitas perguntas que explorem seu contexto de
produção, como por exemplo:
1. Que texto é esse? De onde foi tirado? Onde pode ser encontrado? (folheto que
faz provavelmente parte de um livreto feito por uma fábrica de champanha).
2. Quem o escreveu?
3. Por quê? (para informar o visitante sobre as etapas de fabricação de um
produto que é típico e que por essa razão interessa a muitos turistas e curiosos).
4. Quem são os leitores potenciais deste texto? (turistas na região e visitantes da
fábrica de champanha)
5. Em que ocasião ele será lido? (antes ou após a visita da fábrica)
Em seguida, são feitas perguntas sobre a organização textual geral do folheto. Essas
perguntas referem-se tanto à forma (como é o layout deste texto?) quanto ao tipo de
sequência que será mais frequentemente encontrada no texto. Nesse caso, o folheto
contém diferentes etapas da elaboração do champanha e em cada etapa são descritas
“ações” que compõem o processo de fabricação. Assim, podemos concluir que as
sequências mais frequentes são as chamadas sequências descritivas de ações.
A partir dessa segunda questão, perguntamos aos alunos como são/em que voz estão os
verbos que permitem colocar o foco no produto e não em quem o elabora (voz passiva).
Podemos também chamar a atenção para dois tipos de voz passiva diferentes, assim
como para o tempo verbal da voz passiva (presente), já que o processo de fabricação
descrito ocorre sempre.
Após essa análise das marcas linguísticas, que aparecem contextualizadas, pois
caracterizam esse gênero de texto, podemos fazer alguns exercícios trabalhando esses
aspectos da língua, dependendo da dificuldade dos alunos em utilizar esses conteúdos
gramaticais.
Conclusões
A aprendizagem de um gênero diferente a cada SD parece contribuir para o dinamismo
do programa e também para mostrar aos alunos que eles estão realmente “aprendendo”,
o que muitas vezes falta nesse tipo de curso. A ênfase no desenvolvimento das três
capacidades de linguagem contribui também para a criação de atividades diferenciadas,
já que visam ao desenvolvimento de aspectos complementares mas distintos, o que
auxilia o professor a evitar a monotonia causada pelo uso constante do mesmo tipo de
atividades.
O termo chat é, de forma geral, usado para referir-se ao instrumento do sistema da rede
que permite uma forma de comunicação síncrona entre os participantes. Assim, chats
com diferentes finalidades (conhecer pessoas na Internet, interagir com algum artista,
debater assuntos controversos) possuem algumas regularidades, ainda não bem
definidas, como, por exemplo, o uso de sinais gráficos para a expressão de emoções.
Espera-se de uma pessoa não habituada a frequentar as salas de bate-papo uma rápida
adaptação, na situação, de seu discurso às formas do gênero, ou seja, ao tipo de
conteúdo que aí se espera, ao tipo de estilo e de construção composicional de seus
enunciados que são, para Bakhtin, os três elementos que caracterizam um gênero.
Assim, uma vez utilizado para fins educacionais, o chat, provavelmente, está se
constituindo e se modificando, ao mesmo tempo que constitui e modifica os
sujeitos/agentes da situação.
Horton salienta que o professor deve ditar o ritmo da aula, garantir a participação de
todos e tentar solucionar os problemas. O autor também sugere uma série de regras que
devem ser disponibilizadas para serem lidas anteriormente. Dentre as diversas regras,
encontramos: manter o assunto a ser discutido; não escrever nada que não possa se
lembrado para sempre (há um registro do texto escrito); não cumprimentar cada
participante individualmente ao entrar na sala de bate-papo, mas todos de maneira geral;
deixar claro qual pergunta está sendo respondida; esperar o término da fala do outro,
respeitando, assim, quem digita devagar.
O levantamento feito pelo autor acaba abordando os três elementos que caracterizam o
gênero: o conteúdo (“ter um assunto previamente definido”), o estilo (“troca de ideias
espontâneas e emocionais”) e a construção composicional (esperar o término da fala,
por exemplo).
Considerações finais
Para Bakhtin, todo gênero possui uma lógica orgânica que pode ser entendida e
dominada de modo criativo a partir de fragmentos de gêneros. Para o autor, cada
variedade de um gênero de algum modo o generaliza, contribuindo para o
aperfeiçoamento da linguagem daquele gênero.
Pressupostos Teóricos
Segundo Dolz & Schneuwly, a análise e a classificação dos textos e a identificação dos
gêneros é necessária para a construção de um modelo didático, que apontará os
elementos a serem ensinados, ou melhor, o que pode ser objeto de ensino-aprendizagem
dentro de uma situação de comunicação específica.
É necessário que um corpus de textos pertencentes ao gênero seja analisado, para que
sejam assinaladas suas características centrais. Para a construção de um modelo didático
do gênero, deve-se, portanto, conhecer (a) as experiências de ensino/aprendizagem
oriundas de documentos oficiais; (b) o estado da arte dos estudos sobre ele, incluindo
suas características linguísticas e textuais; (c) as capacidades e as dificuldades dos
alunos em trabalhar com textos do gênero selecionado. Esses pontos ajudam a definir a
intervenção didática. Com isso, podemos definir os objetivos do ensino do gênero
adaptados ao nível dos alunos e organizar o conjunto de atividades voltadas para seu
ensino.
Quanto ao tema a ser escolhido, quatro dimensões devem ser levadas em consideração:
Ora, uma vez que consideramos o gênero de texto como instrumento e objeto de ensino,
suas características devem reger a elaboração das atividades integrantes de um manual
ou outro tipo de material, respeitando-se, inicialmente, as capacidades de linguagem já
dominadas pelos alunos.
Situação de ensino
Contávamos com a informação de que os alunos tinham um nível básico de LI. Diante
dessas informações, contrastamos os objetivos e conteúdos almejados. Com esse
conjunto de dados, formamos um perfil da situação de ensino, que fundamenta e orienta
nossas escolhas dos elementos a serem ensinados nesse contexto.
Compreendemos, assim, que os trechos críticos das quartas capas pretendem motivar o
leitor; portanto, vão apresentar uma linguagem clara, objetiva e simples, tal como a
autora preconiza.
Uma outra questão relacionada à edição dos livros diz respeito à posição paradoxal do
papel do editor. Segundo Unseld, a posição social do editor reúne a responsabilidade
material e intelectual da publicação de um livro e, dessa forma:
Na opinião de Koehler et al., a produção de quartas capas deveria conter os dez itens
seguintes: título (com explicitação de editor; nome do autor; idade do destinatário;
gênero; preço; ilustração; número de páginas); incitação (contendo questão; suspense;
exclamação; interrupção sobre um evento relatado como excepcional; anúncio de um
evento futuro; recorte; marca semântica; injunção a ler; modalização); resumo
(contendo situação inicial; apresentação do problema); tempo no presente, passado ou
uma combinação de ambos; a presença de procedimentos dialógicos; presença de
parágrafos; presença de organizadores; uso adequado de anáforas ou problemas de
repetição e/ou outros; sintaxe e pontuação adequadas; possibilidade de compreensão do
texto. A nosso ver, apenas os três primeiros podem ser considerados como típicos da
quarta capa, enquanto os sete últimos devem/podem ocorrer em qualquer gênero.
Além disso, assim como Reuter, Koehler et al. defendem que a argumentação que se
apresenta na quarta capa é marcada pela relação com a avaliação que o produtor tem da
obra. A nosso ver, essa argumentação também será marcada pela representação que o
produtor tem de seu destinatário, de acordo com a qual apresentará um ou outro
argumento. Essa avaliação pressupõe julgamentos de valor, que, normalmente, pode ser
expressa pela (escassez de) modalização e pelas adjetivações.
Alguns elementos do contexto físico de produção das quartas capas podem ser
rastreados diretamente nelas. Como o produtor do texto está intimamente relacionado à
editora, seu nome é colocado aí como emissor. O lugar é o país onde o livro foi
publicado e a data é da publicação pela editora. Os receptores, por sua vez, não são
mencionados. Eles podem ser leitores quaisquer; leitores do autor; leitores daquele
gênero literário; enfim, uma variedade de possibilidades.
Encontramos uma parte de resumo, que apresenta uma espécie de chamada de atenção
do leitor, objetivando-se criar algum efeito, como suspense, medo etc., e instaurando um
contrato de leitura particular. O que aí encontramos é apenas sua situação inicial e a
complicação. Outra parte importante é a de crítica(s), cujo(s) autor(es) é(são)
comumente identificado(s) no texto. Outros comentários como dados sobre o autor e/ou
a obra podem também ser veiculados.
A identidade da canção
Assim, se não se pode abranger demais o campo de objetos abrigados sob o rótulo
canção, não se pode restringi-lo excessivamente, sob pena de se ter uma visão abstrata 0
da realidade da canção.
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que não é concreto; que resulta da abstração, que opera unicamente com ideias, com associações de
ideias, não diretamente com a realidade sensível.
Canção: entre o oral e o escrito
No âmbito da clássica distinção entre oralidade e escrita, a canção se coloca numa
fronteira instável entre essas duas materialidades, apresentando aspectos desta e
daquela, em diferentes graus.
Oralidade e cançã o
Segundo o compositor e linguista Luiz Tatit, uma canção é uma fala camuflada em
maior ou menor grau. Essa camuflagem consiste na transformação dos contornos
entonacionais da fala pela estabilização do movimento frequencial de sua entoação
dentro de um percurso harmônico, pela regulação de sua pulsação e pela periodização
de seus acentos rítmicos. Essa regulação confere, com efeito, uma padronização relativa
da vocalidade, pois, se cada falante fala de modo diferente, imprimindo uma
gestualidade singular ao texto falado, a canção estabelece uma determinação do modo
de vocalização desse texto. Assim, cada um de nós falaria a seu modo e conforme a
situação comunicativa a frase abaixo:
“não adianta nem tentar me esquecer. Durante muito tempo em sua vida eu vou viver...”
Enquanto texto de canção de Roberto e Erasmo Carlos (“Detalhes”), essa mesma frase
adquire uma vocalidade mais ou menos precisa, qual seja a expressa aproximadamente
pelo esquema abaixo:
es vou
que vi
a an nem tar
ran mui tem su vida
não di ta ten me cer Du te to po em a eu ver
Desse modo, a eficácia do gênero estaria justamente na síntese perfeita entre a voz que
fala e a voz que canta.
Sem a voz que fala por trás da voz que canta não há atração nem consumo. Por
trás dos recursos técnicos tem que haver um gesto, e a gestualidade oral que
distingue o cancionista está inscrita na entoação particular de sua fala. Entre dois
intérpretes que cantam bem, o público fica com aquele que faz da voz um gesto.
Se, sem a voz, a melodia é mera estrutura, sem voz que fala no canto, a voz aí é apenas
mais um instrumento.
A palavra poesia, utilizada para se referir a determinado texto, não o está apenas
identificando por suas características objetivas. Pode estar também lhe imputando
determinadas qualidades.
Após o editorial0, a revista apresenta uma série de entrevistas individuais com vários
compositores e poetas. Para dois deles, mais envolvidos com a literatura, a interface 0
melódica impede a apreciação “pura” do texto. Thiago Mello, por exemplo, não
reconhece o estatuto específico da letra:
0
artigo em que se discute uma questão, apresentando o ponto de vista do jornal, da empresa jornalística
ou do redator-chefe; artigo de fundo.
0
elemento que proporciona uma ligação física ou lógica entre dois sistemas ou partes de um sistema que
não poderiam ser conectados diretamente; fronteira compartilhada por dois dispositivos, sistemas ou
programas que trocam dados e sinais; meio pelo qual o usuário interage com um programa ou sistema
operacional (p.ex., DOS, Windows).
musicador. Tinha sinédoques0, metonímias, oximoros0, palavras propositalmente
buscadas num repertório nobre, um repertório mais sofisticado...
Fica claro, pelas palavras de Salomão, que, para ele, a letra se situa num patamar
inferior.
Outros relativizam a diferença entre letra e a poesia. É o caso de Antônio Cícero, que
não vê diferença de valor entre as duas práticas. Não é ponto pacífico a pertinência da
canção à esfera da prática literária.
O interesse pedagógico pela canção deve representar uma consciência cada vez mais
crescente da grande importância de nossa produção lítero-musical na construção da
identidade e da história de nosso país.
Daí que, ao usar a canção na escola, o professor deve reconhecer sua integridade
enquanto gênero autônomo. Isso implica levar em conta a dimensão melódica da mesma
e todos os riscos que isso acarreta, um dos quais é a transformação da aula em um
espaço de lazer, mais do que um espaço de aprendizado. Esse reconhecimento deve
também se harmonizar com uma consciência clara dos objetivos do trabalho com a
canção em sala de aula. A nosso ver, este deve ser o de proporcionar ao aluno uma
educação dos sentidos e da percepção crítica, que proporcione, ao lado do prazer
sensorial e estético, um exercício de leitura multissemiótica, voltada não apenas para a
discriminação de cada materialidade semiótica do gênero, mas também para a interação
pluridirecional que relaciona todos os elementos que uma canção pressupõe (autor –
cantor – personagens – melodia – ouvinte genérico – ouvinte individual – etc.). Esteja
bem claro, por fim, que o que se deseja não é formar cancionistas, mas ouvintes críticos
de canções, capazes de perceber os efeitos de sentido do texto, da melodia e da
conjunção verbo-melódica; conhecedores do cancioneiro e dos cancionistas de seu país,
seus posicionamentos, estilos e discursos; tal como pretende o estudo da literatura.
Sugerimos, como implicação de tudo o que foi considerado até agora, que o uso da
canção observe alguns aspectos concebidos conforme a “perspectiva midiológica”. Na
medida em que a canção é vista como um dispositivo enunciativo, é essencial levar em
conta elementos relativos à produção, circulação e recepção e registro do gênero.
0
tipo especial de metonímia baseada na relação quantitativa entre o significado original da palavra us. e o
conteúdo ou referente mentado; os casos mais comuns são: parte pelo todo: braços para a lavoura por
‘homens, trabalhadores’; gênero pela espécie ou vice-versa: a sociedade por ‘a alta sociedade’, a maldade
do homem por ‘da espécie humana’; singular pelo plural ou vice-versa: é preciso pensar na criança por
‘nas crianças’.
0
/ó/ ‘engenhosa aliança de palavras contraditórias’; figura em que se combinam palavras de sentido
oposto que parecem excluir-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam a expressão (p.ex.: obscura
claridade, música silenciosa); paradoxismo.
É sabido que todo discurso pressupõe as condições de sua produção. Ampliando e
explorando todos os sentidos da expressão “produção”, pode-se dizer que é impossível
falar consistentemente de qualquer enunciado sem levar em conta o ato que possibilitou
sua existência e todo o processo que resultou na sua recepção.
Se assim é, o professor deve levar em consideração que poesia e canção são frutos de
processos de produção bem diferentes. No caso da canção, um produto discursivo
complexo, tem-se o processo, solitário ou coletivo, de composição da letra e da melodia
com o auxílio ou não de um instrumento musical; tem-se também o chamado “arranjo”,
que pode intensificar ou reconfigurar a compatibilidade entre os componentes melódico
e linguístico, e ainda o processo de registro (gravação e instalação em um suporte – CD
e outros), com tudo o que isso implica de escolhas, atos e gestos interdiscursivos e
intersemióticos. Há também o processo de distribuição da canção: a veiculação
radiofônica, sua presença nos meios televisivos, nos bares e restaurantes (por meio da
música “ao vivo” ou “mecânica”), nos mais diversos ambientes (do supermercado aos
meios de transportes); sua apresentação pelos artistas em “shows”; sua participação nas
trilhas sonoras do cinema, teatro, novelas televisivas; enfim, a canção está em toda
parte. Em contrapartida, para cada um desses modos de veiculação corresponde um
modo de recepção da canção.
O professor precisa ter ele mesmo a sensibilidade e a visão crítica que lhe cabe incutir.
PARTE II – GÊNEROS TEXTUAIS NA MÍDIA ESCRITA E ENSINO
verbete /ê/ s.m. (1881 cf. CA) 1. nota ou comentário que foi registrado, anotado;
apontamento, nota, anotação, registro 2. (1881) pequeno papel em que se escreve
um apontamento 3. ficha arquivo (p.ex., em biblioteca) 4. (a1947) em
lexicografia, os conjuntos das acepções, exemplos e outras informações
pertinentes contido numa entrada de dicionário, enciclopédia, glossário etc.
ETIM verbo + -ete; ver verb(i/o)- HOM verbete (fl. Verbetear)
Definindo termos...
Dicionários, enciclopédias e glossários são colônias discursivas, na terminologia de
Hoey, ou seja, “discurso cujas partes componentes não derivam seus significados das
sentenças em que estão inseridas”.
A citação do verbete obedece às marcas formais de sua construção, mas a função maior
de tal menção é de natureza argumentativa.
Em síntese, por que não inserir no elenco de gêneros textuais a serem lidos na escola os
verbetes publicados em revistas? Paralelamente, a escrita de verbetes pode se configurar
como uma estratégia de compreensão de leitura, uma vez que caberá ao aluno/autor a
transposição do conteúdo de um outro texto-base para o gênero verbete.
REVISITANDO O CONCEITO DE RESUMOS
Anna Rachel Machado
Uma vez que admitimos que os usos sociais dos resumos de texto, tanto em contexto
escolar quanto não escolar, são os mais diversos e em quantidade significativa, eles se
constituem como um objeto de ensino pertinente e, para que esse ensino seja eficaz, é
necessário que aprofundemos nossas reflexões sobre sua produção.
Pressupostos teóricos
Schneuwly defende a tese de que, nas atividades de linguagem, os gêneros se
constituem como verdadeiras ferramentas semióticas complexas que nos permitem a
produção e a compreensão de textos.
Entretanto, podemos encontrar, por exemplo, um mesmo gênero com nomes diversos,
gêneros novos para os quais ainda não há um nome estabelecido etc.
Dados esses pressupostos maiores, vejamos a seguir um breve resumo sobre o processo
de redução de informação semântica ou sumarização, tal como concebido
fundamentalmente nos trabalhos de van Dijk e de Sprenger-Charolles. Trabalhando com
uma tipologia textual, cujo critério básico era a estrutura textual, postulava-se que,
durante o processo normal de leitura com compreensão, ocorreria um processo de
sumarização, por meio do qual o leitor construiria uma espécie de resumo mental do
texto, retendo as informações básicas e eliminando as acessórias, chegando, ao final
desse processo, à significação básica do texto.
Finalmente, tratadas como estratégias e não como regras, atribuiu-se à sua utilização um
caráter flexível e não rígido e homogêneo, levando-se em conta que sua aplicação
estaria condicionada ao objetivo da leitura, ao conjunto de conhecimentos prévios do
leitor, ao tipo de situação em que se processa a leitura; enfim, a uma série de fatores
contextuais.
Para definirmos com mais precisão o que poderemos identificar como resumos
autônomos de textos e, portanto, como exemplares do gênero resumo, mister se faz que
tenhamos uma definição inicial com a qual possamos efetuar um levantamento
pertinente. Tomando o verbete do “Novo Aurélio – Dicionário de Língua Portuguesa”
on line, temos o seguinte:
Como podemos verificar, o próprio termo pode gerar confusão no ensino, pois ele serve
tanto para indicar o processo mesmo de sumarização (1) quanto o texto produzido que é
resultado textual desse processo (3). Veja-se também que, na acepção (3), o resumo é
visto como um texto autônomo, com conteúdo específico (“apresentação concisa de um
artigo, livro etc.”), com objetivo definido (“esclarecer o leitor sobre a conveniência de
consultar o texto integral”), com uma restrição em relação ao enunciador (“outra pessoa
que não o autor do trabalho resumido”) e ainda com uma restrição em relação a seu
plano global (“precedida de sua referência bibliográfica”), configurando-se aí a
possibilidade de que o resumo possa ser identificado, de direito, como um gênero.
Aparecem matérias com o título de resenha, entretanto, como resenhas, trazem mais que
uma simples apresentação concisa dos conteúdos de outro texto. Se há aí partes
claramente identificáveis de resumo, também aparece muita informação sobre o
contexto geral da produção e da divulgação da obra. Não se trata, pois, de um texto
pertencente a um possível gênero resumo, mas de uma parte do gênero resenha,
trazendo informações sobre a obra ainda mais concisas e com interpretações e
avaliações mais explícitas.
Há matérias que trazem inúmeros boxes, que, com a utilização de recursos gráficos
distintos, geralmente trazem mais informações sobre conteúdos do corpo das matérias
ou informações adicionais. Fazendo parte das reportagens e estando subordinados ao
objetivo mais geral das reportagens, a nosso ver, esses resumos não se configuram como
pertencentes a um gênero distinto.
Resumos com autonomia, vamos encontrá-los, por exemplo, em texto cujo conteúdo é a
apresentação concisa de um artigo, com uma indicação bibliográfica, mesmo que feita
de forma genérica, sem a indicação do nome da pesquisa resumida, de seus autores e do
número da revista em que ela aparece. Verificamos ainda que não se apresentam dados
adicionais nem avaliação do texto resumido. Do ponto de vista das características
discursivas, o texto é constituído por um segmento de discurso teórico como uma
linguagem em que há ausência de marcas enunciativas e predomínio do presente
genérico, que lhe dão uma “objetividade” aparente, típica dos gêneros jornalísticos.
Esse caráter jornalístico ainda se mostra no objetivo, não de “esclarecer o leitor sobre a
conveniência de consultar o texto integral”, mas no de “tornar o leitor ciente de novas
informações científicas que lhe possam ser úteis”. Assim, o que temos é o resumo de
texto subordinado ao objetivo informativo mais geral dos gêneros jornalísticos, o
informativo, e ao contexto de produção desses gêneros, adequando-se a linguagem
científica aos destinatários visados, que, para a revista, são leitores de razoável cultura
geral, mas não necessariamente especialistas da área do texto resumido. Constituindo-se
como um texto autônomo e não como parte de outro, podemos considerar que temos aí
exemplo de um texto pertencente a um gênero específico, o resumo jornalístico de
textos, mesmo que não venha rotulado como tal e não apresente alguma das
características sugeridas pelo “Aurélio”.
Passando para o meio digital, com o uso de uma ferramenta de busca, o RADAR UOL,
apenas com a introdução da palavra resumo, encontramos textos que consideramos
pertencer a gêneros diferentes, tais como:
resumos tipicamente escolares, que têm os estudantes como seus destinatários
explícitos, nos quais há o predomínio nítido da apresentação do conteúdo
completo de uma obra, de forma concisa, com pouca ou nenhuma interpretação
ou comentário crítico. Reproduz-se o discurso de narração da obra resumida,
assim como a sua estrutura narrativa, com todas as características típicas desse
discurso e dessa estrutura, mas com uma sintaxe e um léxico claramente
facilitadores;
resenhas críticas, nas quais, ao lado dos resumos das obras literárias,
apresentam-se interpretações e avaliações;
contracapas de livros, cujo objetivo, evidentemente, é o de incitar o leitor a
comprar e ler o livro e que, com esse objetivo, só traz conteúdos parciais da obra
resumida;
resumos de artigos ou obras científicas, produzidos por autor que não o da obra
resumida;
abstracts de artigos científicos e resumos de teses, que originalmente se
constituem como parte destes textos e que, portanto, são produzidos por seus
próprios autores, em primeira ou terceira pessoa.
Esses abstracts começam a se fixar como gêneros autônomos, uma vez que aí aparecem
desligados dos gêneros a que pertenciam originalmente. Entretanto, sendo seu produtor
o próprio autor da obra resumida, acreditamos que podemos considerá-los como
pertencentes a uma classe (ou subclasse) diferente da dos resumos até aqui considerados
como tais, principalmente quando tratamos de seu enfoque didático.
Conclusões
O levantamento e análise – ainda que parcial – de nossos dados, leva-nos a concluir que:
Estruturação do gênero
Os gêneros textuais são determinados mais pelos objetivos dos falantes e a natureza do
tópico tratado do que propriamente pela forma, é o que afirma Biber. No entanto, “todos
os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de
estruturação de um todo”.
As revistas apresentam uma forma padrão para o processo de textualização (registro das
‘falas’ dos locutores) e contextualização (registro do contexto recuperado pelo editor).
O contexto vem sempre depois da ‘fala’ selecionada e apresenta o esquema:
identificação do locutor; um aposto que faz referência à sua profissão ou cargo que
ocupa; um aposto sobreposto (facultativo), quando o locutor não for tão bem conhecido,
ou quando necessitar de informação complementar; uma explicação sobre o assunto ou
tópico da ‘fala’, podendo ser opinativo ou informativo. Essas partes nem sempre
aparecem integralmente.
Estrutura do gênero
Estrutura completa
“Querem calar a voz do senador Antônio Carlos Magalhães, o responsável por toda
beleza existente na Bahia.” Zéllia Gattai, escritora baiana, mulher de Jorge Amado,
sendo injusta com Deus. (Veja, 09/05/2001)
Estrutura incompleta
“Quem gosta de coisas picantes deve achar chata a minha vida.” Eliana,
apresentadora. (IstoÉ, 13/06/2000).
Esquema: locutor: Eliana + aposto comum: apresentadora
Tipos de contextos
A – Contexto informativo
“Os homens são muito bobos. Nós, mulheres, enxergamos uma celulite a quilômetros de
distância e os homens são ludibriados com uma boa meia fina.” Heloisa Helena,
Senadora PT-AL (Tudo, 14/12/2001)
B – Contextos atrelados
1 – “Pára de servir salgadinho, porque senão ninguém entra na festa.” José Possi Neto,
organizador do Oscar do cinema brasileiro, orientando os assistentes para suspender o
coquetel no salão do Hotel Quitandinha, em Petrópolis. (Veja, 23/02/2000)
O contexto (B2) não explicita a que homenagem e a que noite Anselmo Duarte está se
referindo, o que nos direciona para o contexto da “frase” anterior: festa do Oscar do
cinema brasileiro/ coquetel no salão do Hotel Quitandinha, em Petrópolis.
Muitas vezes, os editores precisam acrescentar dados entre parênteses que são inseridos
nas ‘falas’ selecionadas a fim de recuperar para o leitor os elementos coesivos do texto.
Isso é uma demonstração clara de que esse gênero é formado a partir de eventos
comunicativos mais amplos.
“Se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor. Então era aquela
angústia para saber se ele (pesquisador) vai ter um nome na praça ou se ele vai dar aula
a vida inteira e repetir o que os outros fazem.” Fernando Henrique Cardoso,
Presidente da República, durante cerimônia de entrega do Prêmio Finep de Inovação
Tecnológica. (Época, 03/12/2001)
Situada
“Pesquisa não vale nada. É uma inutilidade pomposa, uma perda de tempo federal.”
João Uchoa Cavalcante, Dono do Centro Universitário Estácio de Sá (RJ), terceira em
número de alunos no país, explicando o que entende por “excelência de ensino”.
(Galileu, Janeiro 2002)
0
ipsis verbis /‘com as mesmas palavras’/: textualmente.
Frase eterna
“A política é quase tão excitante quanto a guerra e tão perigosa quanto ela. A diferença
é que, na guerra, só se morre uma vez.” [Winston Churchill, primeiro-ministro britânico
(1874-1965)] (Época, 01/10/01)
Esse estudo semântico também pode ser perpassado por trabalhos que objetivem
identificar unidades semióticas não verbais (paratextuais), como as imagens, e como
elas se relacionam com o verbal; e procedimentos supratextuais, como títulos, itálicos,
negritos e o que eles revelam sobre os procedimentos enunciativos .
Por meio de um estudo dos locutores, pode-se perceber como as “Frases” refletem as
relações sociais do poder e do ter e como, às vezes, o que foi dito pelo locutor pode
comprometer o seu papel social.
Por isso as atividades pedagógicas devem deixar explícito que estudar a língua é muito
mais que a ver como um sistema de regras, é estudá-la em seu uso dialógico com as
outras práticas de uma comunidade que se define linguística e socialmente, com sua
ideologia e seus valores.
Através desse material (“frases”), a língua pode ser estudada, não por si mesma,
simplesmente como um sistema, mas em seu contexto de uso, contemplando os aspectos
social, histórico, político etc. Comprova-se, assim, que a língua é utilizada para
múltiplos propósitos, sendo, por isso, um elemento de coesão social; confirma-se que
não se pode conceber a língua como algo estático, com formas cristalizadas, porém
como algo dinâmico, constitutivo, como um processo dialógico que trata da relação do
homem com ele mesmo, do homem com o seu próximo e do homem com a recriação do
mundo.
O FUNCIONAMENTO DIALÓGICO EM NOTÍCIAS E ARTIGOS DE OPINIÃO
Dóris de Arruda Carneiro da Cunha
O estudo das vozes permite compreender o diálogo entre os diferentes discursos que
constituem o texto e entre os sujeitos que se confrontam nesse espaço interlocutivo. É
por meio das formas marcadas e não marcadas de dialogismo que percebemos a posição
e os pontos de vista do enunciador do discurso atual, o grau de distância ou de adesão
aos discursos dos enunciadores citados ou mencionados, e os lugares ocupados por eles.
Em outras palavras, a abordagem da diversidade de relações dialógicas entre os
discursos permite não só caracterizar os dois gêneros como também realizar uma leitura
crítica da imprensa.
Um trabalho mais seguro de interpretação exige do leitor relacionar o dito atual com o
não dito e com o já dito, retomado e modificado em graus diversos pelo jornalista no
novo contexto de enunciação.
Alguns conceitos
Linguagem
No quadro teórico em que situamos este trabalho, o objeto de estudo é a linguagem,
vista como processo de interação entre sujeitos sócio-historicamente situados, e não
mais a língua, isolada do contexto em que é produzida, concebida como um sistema de
regras estáveis.
Estudar linguagem significa, portanto, ir além do quadro das estruturas linguísticas para
analisar o sentido de um discurso como processo dinâmico de retomada e modificação,
produzido numa situação de enunciação única. Nessa perspectiva, o sentido não está nas
formas da língua, mas num conjunto de semiologias, ou seja, de elementos produtores
de sentido, que se atualizam na interação: (i) os verbais, formas da língua organizadas
em enunciados; (ii) os não-verbais, o olhar, os gestos, os movimentos faciais e corporais
e a entoação, na fala; a estrutura visual do gênero e os elementos paratextuais – título,
subtítulo, autor, gênero, suporte, tamanho e formato da letra, e os elementos
tipográficos, na escrita. É evidente que a produção de sentidos é muito complexa,
incluindo, além dos elementos verbais e não verbais, uma série de não ditos, porções de
texto que serão inferidas, em função dos conhecimentos partilhados entre os
interlocutores.
Isso significa que a linguagem só é compreendida se tivermos acesso a seus elementos
constitutivos: participantes, lugar, tempo, propósito comunicativo (convencer, explicar,
responder, elogiar, dizer verdades ou mentiras, agradar, criticar etc.) e às diferentes
semiologias que entram em jogo na sua produção. Fora da situação em que a língua é
produzida, o que há são abstrações.
Dialogismo
A concepção bakhtiniana de linguagem como interação, introduz um aspecto novo,
fundamental na compreensão do que se passa quando utilizamos a linguagem: o
dialogismo0. Todo enunciado é uma resposta a um já-dito, seja numa situação imediata,
seja num contexto mais amplo. Não se trata aqui do diálogo entre falantes numa
situação de conversação, mas da relação do enunciado com o que já foi dito sobre o
mesmo assunto, e com o que lhe suceder na “corrente ininterrupta da comunicação
verbal”. Assim, a fala é sempre constituída de outras que lhe antecederam sobre o tema:
“apenas o Adão mítico, abordando com a primeira palavra um mundo virgem e ainda
não dito, somente este Adão poderia realmente evitar por completo esta mútua
orientação dialógica com relação ao discurso de outrem que se produz em relação ao
objeto0”.
0
O termo dialogismo é carregado de uma pluralidade de sentidos. Além disso, foi traduzido por
intertextualidade, o que provoca uma certa confusão entre os conceitos. Alguns autores utilizam o
conceito de intertextualidade para se referir às inserções de outras vozes no texto, na forma de citação,
paráfrase, alusão, entre outras. Esse mesmo fenômeno é também chamado de polifonia ou discurso
reportado.
0
Citamos este fragmento de Bakhtin a partir da tradução feita por Todorov (do russo para o francês), por
ser a que apresenta um sentido mais coerente (na edição brasileira, temos “/.../ um mundo virgem, ainda
não desacreditado...”, o que nos parece menos adequado do que “/.../ um mundo virgem e ainda não
dito...”
0
Moirand retoma modificando os conceitos de heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva,
elaborados por Authier-Revuz.
restrito, como discurso direto, direto livre0, indireto, narrativizado0, indireto livre e
modelos mistos.
Como diz Authier-Revuz, para os sujeitos “falantes”, falar é – qualquer que seja o
objeto visado – falar de alguma fala.
Gênero discursivo
Diferentemente das abordagens literárias e linguísticas, que viam os gêneros e os tipos
textuais (argumentação, descrição, narração, explicação, injunção e diálogo) como fixos
e imutáveis; definidos por regularidades textuais de forma e conteúdo; classificados em
categorias claras e mutuamente exclusivas e em subcategorias, Bakhtin (1997) elaborou
uma teoria no quadro da comunicação verbal, definindo o gênero ou enunciado a partir
de critérios não linguísticos: as condições específicas e as finalidades de cada uma das
esferas da atividade humana, o conteúdo temático, o estilo de língua, e a construção
composicional. Nesse contexto, os gêneros têm uma forma relativamente estável, que os
falantes reconhecem e usam, uma vez que a linguagem só se realiza em gêneros.
0
O termo “discurso direto livre” faz parte do Dicionário Terminológico (DT), que, em Portugal, se
destina a apoiar o estudo da gramática nos ensinos básico e secundário. Deve observar-se que, conforme
as definições e os exemplos apresentados pelo DT, não se afigura clara a diferença que separa o discurso
direto livre do discurso indireto livre, dado que os dois são definidos de maneira semelhante. Com efeito,
se acerca da caracterização do primeiro se diz que “as palavras ou os pensamentos de uma personagem
são reproduzidos como que imersos no discurso do narrador tal como aquela os formulou, sem que o
narrador assinale com marcas formais”, a respeito do segundo também se afirma que “as fronteiras entre a
voz de um e a voz de outro são dificilmente delimitáveis”. Pode talvez depreender-se que a distinção
fundamental se relaciona com a reprodução exata, por parte do discurso direto livre, de sequências em
discurso direto, incluindo marcas de 1.ª e 2.ª pessoa, inseridas diretamente no relato do narrador; no
discurso indireto livre, muito embora se conserve a maior parte das características do discurso direto, só
se aceitam marcas de 3.ª pessoa.
0
O discurso narrativizado costuma ser descrito como variante do discurso indireto. Nele, as fronteiras
entre o discurso do narrador e das personagens são quase imperceptíveis, uma vez que essa forma tende a
igualar o relato da fala a um relato de acontecimento: “um discurso ‘narrativizado’, isto é, tratado como
um acontecimento entre outros e assumido como tal pelo narrador mesmo”. Exemplo: No fim da reunião
para discutir o prêmio da crítica, ontem de manhã, Cakoff disse aliviado ter dado tudo certo . A mudança
sintática – a eliminação da oração subordinada substantiva em favor das formas reduzidas de infinitivo e
mesmo da nominalização – manifesta um processo de incorporação do discurso alheio pelo contexto
transmissor de forma mais estreita que o do discurso indireto.
Esse tipo de relato é a forma mais apagada da atribuição do discurso a outro e, ao confundir-se com a
ideia de “informar objetivamente”, corresponde a uma forma narrativizada máxima de um possível
discurso indireto. Estamos nos referindo a enunciados cuja existência é apresentada pelo enunciador-
jornalista como sendo um dizer que este capta e transforma, apagando a fonte do relato de forma decisiva.
Essa narrativa de algo que sucedeu, ou virá a suceder, aproxima-se daquilo que os estudos da
comunicação costumam delimitar como “a informação objetiva”, sem expressão de opinião, modelo a ser
atingido por todo profissional que queira dominar o fazer jornalístico:
Os ministros da Fazenda, Pedro Malan, e das relações Exteriores, Luiz Lampreia, desembarcam hoje em
Buenos Aires para explicar aos argentinos a posição brasileira frente ao Mercosul (FSP, 05/03).
A filial da Ford confirmou sua decisão de investir US$ 1 bilhão em suas instalações no país, apesar da
política brasileira de benefícios fiscais para as indústrias automobilísticas (FSP, 07/03).
Segundo Adam, as classificações dos textos que circulam na imprensa apresentadas nos
manuais de jornalismo e em trabalhos dessa área, foram feitas com base em critérios
variados, sem ter uma teoria dos gêneros como base.
0
Bakhtin enumera cinco características constitutivas do gênero ou enunciado: é limitado pela mudança de
interlocutores; tem um acabamento interior específico; tem um propósito comunicativo que se revela na
tonalidade expressiva do falante; tem relações com enunciados do passado e é sempre dirigido a alguém.
0
O peritexto (gr. perí ‘em torno; acima de tudo; em volta de, ao redor de; a respeito de, por; em vista de;
perto de; contra; em relação a, para com’), incluindo a estrutura visual, funciona como um elemento
metagenérico, uma vez que fornece pistas para o leitor identificar o gênero antes mesmo de passar à
leitura do todo.
Apesar da notícia ter o objetivo de fazer saber um fato novo, ela tem um caráter
apreciativo, revelado no seu funcionamento dialógico.
Lorda chama uma relação de declarações um texto construído por meio de outros
discursos, mas sobre os quais o jornalista tem o domínio.
Artigo de opinião também funciona sob o modo da alusão e não da citação. Cada um
tem um modo de inscrição de discursos outros no fio do texto em função do foco
escolhido, mostrando que ao trabalharmos com a linguagem estamos lidando sempre
com a heterogeneidade.
As aspas funcionam como um comentário crítico implícito que supõe uma atitude
metalinguística de desdobramento do locutor. Segundo Authier, o uso desse recurso
tipográfico coloca o locutor como juiz e dono das palavras, capaz de se distanciar e de
emitir um julgamento sobre elas no momento em que ele as utiliza. Esse distanciamento
pode manifestar um questionamento sobre o caráter apropriado das palavras aspeadas,
ou uma indicação de que pertencem a outro.
Considerações finais
Sabe-se, depois de Bakhtin, que a palavra é habitada pela voz de outrem e carregada de
sentidos diferentes, em função dos gêneros e das situações. Vimos que a notícia é uma
espécie de relato, constituída de fragmentos de discursos, de modo que se
suprimíssemos as falas alheias, não restaria quase nada. Essa estratégia de tornar
presente a fala de outro pode servir para marcar uma posição discursiva ou para tornar a
informação mais verdadeira.
O gênero entrevista
Tomando gênero como um evento comunicativo e não uma forma linguística, podemos
considerar a entrevista como uma constelação de eventos possíveis que se realizam
como gêneros (ou subgêneros) diversos. Assim, teríamos, por exemplo, entrevista
jornalística, entrevista médica, entrevista científica, entrevista de emprego etc. Levinson
notou, neste sentido, que a entrevista manifesta estilos e propósito diversos. O que todos
esses eventos parecem ter em comum é uma forma característica, que se apresenta numa
estrutura marcada por ‘perguntas e respostas. Mas, como Marcuschi aponta,
[...] há eventos que parecem entrevistas por sua estrutura geral de pergunta e
resposta, mas distinguem-se muito disso. É o caso da ‘tomada de depoimento’ na
Justiça ou do inquérito policial. Ou então um ‘exame oral’ em que o professor
pergunta e o aluno responde. Todos esses eventos distinguem-se em alguns
pontos (em especial quanto aos objetivos e a natureza dos atos praticados) e
assemelham-se em outros.
Embora crédito seja dado à pessoa que fez a entrevista (ou no começo ou fim da
entrevista), raramente o nome desta pessoa é usado na apresentação da entrevista.
Algumas revistas colocam o seu nome em vez do nome do entrevistador. Outras
destacam os papéis apenas pelo uso de recursos gráficos (negrito, itálico, ponto de
interrogação). Estilos de apresentação têm efeitos diferentes.
O efeito imediato deste estilo dá a impressão, primeiro, de que não é a pessoa dando a
entrevista que é de interesse, mas apenas as explicações que pode dar sobre o tópico, e,
segundo, que o entrevistador não está muito envolvido com a entrevista.
Uma característica importante das entrevistas publicadas nas revistas, embora raramente
seja declarada de forma explícita, é que as entrevistas são editadas. Não somente inclui-
se apenas parte do material coberto na entrevista original, mas as marcas da oralidade
(hesitações, falsos começos, repetições etc.) e da interação (comentários do ouvinte,
sobreposições, pausas etc.) são eliminadas, tanto das respostas quanto das perguntas.
Essas marcas são índices ou dicas que orientam a interpretação da interação. Em
algumas entrevistas, no entanto, há comentários editoriais que ajudam o leitor a sentir
um pouco o clima da entrevista.
Uma outra maneira mais sutil de expressar comentários editoriais é a prática das revistas
de destacar trechos da entrevista fora do contexto da pergunta/resposta na forma de
citações. Em alguns casos, as citações são editadas, no sentido de que não repetem
exatamente o que está no texto da entrevista, é uma reescrita. Em outros casos, a citação
não está no texto e, consequentemente, não sabemos nem o que foi perguntado nem o
contexto em que surgiu a fala que é citada. Estas citações fazem parte do título, ou estão
em quadrinhos nas páginas da entrevista.
Perguntas podem ser abertas ou fechadas, diretas ou indiretas, mais ou menos polidas
etc. A pergunta aberta deixa o entrevistado discursar sobre um tópico livremente,
enquanto a pergunta fechada limita a resposta a uma ou outra escolha do tipo sim ou
não. É neste sentido que podemos dizer que o entrevistador controla a interação, seu
direito de fazer as perguntas restringe não somente o que o entrevistado pode fala, mas
em boa medida como pode falar.
Uma pergunta direta é feita sem rodeios, sem maiores explicações ou justificativas.
Uma pergunta indireta é mais uma forma polida de fazer um pedido do que
propriamente uma pergunta.
Considerações finais
A exploração do gênero entrevista como texto na sala de aula permite, entre outras
coisas:
Uma possível definição de HQ é apresentada por Cirne: “Quadrinhos são uma narrativa
gráfico-visual, impulsionada por sucessivos cortes, cortes estes que agenciam imagens
rabiscadas, desenhadas e/ou pintadas. Tal definição é oriunda de uma perspectiva
semiótica e, portanto, deixa de salientar questões pertinentes ao modelo teórico dos
gêneros textuais, perspectiva por nós adotada.
Quanto ao tipo textual, as HQs são do tipo narrativo, dada a predominância dessa
espécie de sequência na maioria dos casos. Entretanto, como salienta Fix, a
heterogeneidade tipológica, propriedade de todos os gêneros, também constitui as HQs.
Quanto aos mecanismos e recursos tecnológicos usados para narrar, os quadrinhos têm
relação com o cinema e com os desenhos animados: enquanto, nas HQs, há uma seleção
dos quadros a serem sequenciados, o que demanda um trabalho cognitivo maior por
parte do leitor, de modo a preencher as lacunas e reconstruir o fluxo narrativo.
Na relação fala e escrita, as HQs realizam-se no meio escrito, mas buscam reproduzir a
fala (geralmente a conversa informal) nos balões, com a presença constante de
interjeições, reduções vocabulares, etc.
As tiras são um subtipo de HQ; mais curtas (até 4 quadrinhos) e, portanto, de caráter
sintético, podem ser sequenciais (“capítulos” de narrativas maiores) ou fechadas (um
episódio por dia). Quanto às temáticas, algumas tiras também satirizam aspectos
econômicos e políticos do país, embora não sejam tão “datadas” como a charge.
Dividimos as tiras fechadas em dois subtipos: a) tiras-piada, em que o humor é obtido
por meio das estratégias discursivas utilizadas nas piadas de um modo geral, como a
possibilidade de dupla interpretação, sendo selecionada pelo autor a menos provável; b)
tiras-episódio, nas quais o humor é baseado especificamente no desenvolvimento da
temática numa determinada situação, de modo a realçar as características das
personagens.
Pode-se explorar as HQs como se faz com qualquer gênero, atentando-se para recursos
diversos do seu funcionamento. Nas atividades de leitura, a exploração de aspectos
vários da produção de sentido é a base das atividades. Por exemplo, a quebra de
expectativas nas tiras-episódio e nas tiras-piada é usada para produzir humor. Segundo
Possenti:
“Qualquer que seja o tópico (...), o que faz com que uma piada seja uma piada
não é seu tema, sua conclusão sobre o tema, mas uma certa maneira de
apresentar tal tema ou uma tese sobre tal tema”.
A exploração textual pode continuar: sobre as razões para tal afirmação, se foi
inesperada e/ou engraçada e por que motivo, por que se pensou em outras alternativas
etc. Enfim, descobrir as estratégias discursivas usadas nas tiras humorísticas ou, em
outras palavras, descobrir como se faz graça pode ser, de fato, assunto muito sério para
o ensino de português.
Uma variação interessante da atividade pode ser a produção de HQs para públicos
distintos. Esse aspecto iria interferir na seleção e criação dos personagens, na forma de
apresentação do assunto, quantidade de quadros representando unidades proposicionais
etc.
A ousada obra em quadrinhos Palestina: uma nação ocupada, de autoria de Joe Sacco,
é um ótimo exemplo de como a HQ se presta à abordagem de temas complexos, mesmo
que pouco ortodoxos para o gênero. José Arbex, no prefácio, classifica a obra como
“reportagem em quadrinhos”, evidenciando o princípio da intertextualidade tipológica e
a prevalência da função sociocomunicativa (reportagem) sobre a forma de textualização
(quadrinhos) na classificação feita.
POR QUE CARTAS DO LEITOR NA SALA DE AULA
Maria Auxiliadora Bezerra
Trabalhar com cartas do leitor, a partir do que os alunos já leem, pode tornar-se mais
fácil, visto que eles conhecem o tema abordado, podem posicionar-se em relação a ele,
apropriar-se do registro formal da Língua Portuguesa, além da composição desses
gêneros textuais, e também ampliam suas práticas de letramento.
Silva, analisando cartas em geral, reconhece que seu corpo permite variados tipos de
comunicação (pedido, agradecimento, informações, cobrança, intimação, notícias
familiares, prestação de contas, propaganda e outros), o que a faz afirmar que, embora
sendo cartas, não são da mesma natureza, pois circulam em campos de atividade
diversos, com funções comunicativas variadas: nos negócios, nas relações pessoais, na
burocracia, no trabalho... Assim, esses tipos de cartas podem ser considerados como
subgêneros do gênero maior “carta”, pois todos têm algo em comum – sua estrutura
básica: a seção de contato, o núcleo da carta e a seção de despedida – mas são
diversificados em suas formas de realização, em suas intenções.
Em geral, quem escreve à imprensa, o faz esporadicamente, embora haja por parte das
revistas destinadas ao público jovem um apelo à sua participação constante. Quando se
trata de pessoas conhecidas do grande público brasileiro, logo após seu nome, vem a
indicação do cargo que ocupa.
As revistas Época, IstoÉ e Veja exigem que as cartas enviadas sejam assinadas, tenham
identificação , endereço e telefone do remetente; além do número da cédula de
identidade que Veja e IstoÉ requerem, embora essas informações não sejam divulgadas.
A correspondência pode ser enviada pelo correio convencional ou por meio eletrônico.
As revistas Todateen e Capricho solicitam, além do nome e cidade/estado, a idade do
remetente (informações divulgadas).
Vamos propor, a seguir, uma sequência didática com cartas do leitor. Entre os objetivos
do planejamento estabeleceu-se: incentivar a leitura de jornal e revista pelos alunos;
analisar notícias veiculadas pelo rádio, televisão e jornal ou revista e compará-las; e
discutir o poder que a imprensa exerce na sociedade brasileira.
É interessante iniciar pela discussão do que são essas cartas, quais suas funções, a quem
se destinam e de que temas tratam. E em seguida ler cartas com o mesmo tema, para
comparar sua organização: posição enunciativa do autor, variedade linguística,
sequências textuais, seleção lexical e outros aspectos.
Objetivos: ler cartas do leitor; identificar sua função social; redigir cartas e enviá-las à
redação de jornal ou revista.
- Conversar com os alunos sobre o tema; dar um objetivo para a leitura desses
textos.
5º - Selecionar, nos textos dos alunos, pontos gramaticais que eles demonstram não
dominarem e ensinar esses pontos, partindo da observação de textos onde eles estão
bem colocados.