Tanto Aron quanto Waltz partem da filosofia da ciência e questionam a falta de critério e de
parâmetro característica de seus contemporâneos, no tocante principalmente da teoria. Eles vão
de encontro com a percepção ainda dominante do fetichismo sobre as ciências ditas duras, e com a ideia de que o modo de teorizar dessas é o único modo viável. Os autores, em seus escritos, demonstram que essa concepção de ciência tem a possibilidade de ser pequena, limitada e limitante, pois impede que objetos que não se encaixam nela sejam passíveis de estudo. No entanto, os autores concordam que a forma de ciência dominante, caracterizada e influenciada pelas ideias Iluministas e afins, junto com seus acessórios e modos de pensamento, tem o seu valor. De fato, o que é evidenciado é que ela não é a única que nos possibilita a habilidade de entender o universo ao nosso redor. Regressando à filosofia da ciência, os autores falam também do papel da ciência, do seu objetivo. A ideia de que o conhecimento é o seu próprio fim, lembrando a expressão de Baudelaire, “a arte pela arte”, é refutada. A ciência, em especifico a teoria, deve ter de forma clara e bem determinada quais são as expectativas a alcançar, para que desse modo possa saber qual o trajeto a ser percorrido. Porém, isso não significa que o seu papel é o único determinante dos meios a se dispor em um processo científico. O aspecto maior nesse processo é o próprio objeto/fenômeno estudado. Como dito por Aron em seu artigo “Que é uma teoria das Relações Internacionais”: “Nem sempre o que impõe limites à teoria é a ignorância, mas sim a própria matéria que se pretende conhecer”. A incompatibilidade entre o tipo de teoria e o objeto de estudo resultará em inférteis resultados, com a castração das potencialidades da teoria ou o reducionismo do objeto. Nisso, é importante voltar para o fetichismo pela matematização e pelo empirismo nas ciências. Como citado, existia na época de Aron e Waltz, na verdade persiste até hoje, esse fetichismo cartesiano. Entendia-se que, para ser considerado científico e respeitável, qualquer conhecimento tem de cair em linha com o método científico típico da física, da química, etc. Na verdade, esse seria o motivo, atribuído pelos autores, pelo qual os teóricos, acadêmicos e estudantes das RI não tinham muito discernimento a respeito das definições de teorias, modelos, leis, etc.: eles estavam presos no, por assim dizer, Zeitgeist da época e acreditavam que para dar legitimidade para a sua área, eles deveriam se adequar ao status quo. Os autores em estudo argumentam a estupidez desse comportamento como também a sua limitação. Em essência, o método científico, principalmente se o aspecto empírico e matemático for enfatizado, é mais descritivo do que explicativo. Ele é capaz de demonstrar as partes e conjunto que compõem o fenômeno escolhido, mas a capacidade explicativa dele é relativa à natureza do fenômeno. Por isso, ao tentar aplicar essa compreensão de ciência e teoria nas RI obtém-se resultados não produtivos que seriam limitados à descrição desta. Os autores concordam que a ciência não pode ser limitada a descrever, mas sim que ela deve explicá-los e até prevê-los, na medida do possível. Como já foi dito, os autores não condenavam o modo de operar das ciências duras, tanto que eles argumentam que um dos seus aspectos deveria ser aplicado nas teorias das RI: a delimitação de domínios. Essa ferramenta metodológica é uma das responsáveis pela viabilização da criação de teorias no geral, já que a dificuldade em definir limites para os objetos de estudo é comum a todas as áreas do conhecimento. O que essa ferramenta proporciona é a habilidade de isolar o objeto de estudo das relações e interconexões naturais que este sustenta com o universo ao seu redor, coisa fundamental no processo teórico. No tocante à essa delimitação, é pacífico entre os autores que o isolamento de um sistema de relações internacionais é muito distante da realidade, porque o comportamento dos atores é determinado por inúmeras variáveis (econômicas, políticas, filosóficas, sociais, etc) que se misturam e tornam-se quase indistinguíveis entre si. Contudo, ambos entendem que esse distanciamento da realidade é válido a partir do e até o momento em que ele possibilite a compreensão do objeto. Porém, os autores divergem em seu recorte para o domínio do objeto das RI. Waltz entende que a extrema conexão entre os atores e as inúmeras variáveis que formam as tomadas de decisão, tornam impossível que o recorte seja feito nos atores das RI, os Estados. Ou seja, eles não formam um conjunto homogêneo o suficiente para servir de objeto. O domínio escolhido pelo estadunidense é o Sistema Internacional (S.I) de Estados. O tipo de teoria escolhida pelo autor, portanto, é a sistêmica, já que ela foca nas formas em que as estruturas deste sistema constrangem e modificam suas partes constituintes, e ignora as variáveis dessas partes. Aron, por sua vez, adota uma teoria que não é totalmente sistêmica. Ele nem de longe ignora o S.I, mas ele enfatiza, no sentido de estudar, mais os subsistemas que o compõe, os Estados. Com relação ao isolamento do objeto, o autor francês divide as políticas internas das externas a partir do princípio ordenador do plano onde essas ocorrem: as internas ocorrem numa estrutura hierarquizada na qual o topo é ocupado pelo Estado em seu sentido Weberiano, enquanto que as externas ocorrem numa estrutura anárquica, sem hierarquia onde nenhuma das partes tem o monopólio da violência. Disso resulta a legitimidade do uso da força pelos Estados no SI, e essa é a característica distintiva das RI: elas operam continuamente sob a sombra da guerra. Ainda, o autor, diferente de Waltz, considera que os regimentos internos dos Estados fazem parte do SI. Referências: ARON, Raymond. Paz e guerra entre as nações. Brasília/São Paulo: IPRI, Imprensa Oficial, 2002. (Introdução: os níveis conceituais da compreensão). ARON, Raymond. Que é uma teoria das relações internacionais? Em ARON, R. Estudos políticos. Brasília: UNB, 1980. WALTZ, Kenneth. Teoria das Relações Internacionais [sic]. Lisboa: Gradiva, 2015