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1 A banalidade do mal é um conceito sintetizado durante o julgamento em

2 Jerusalém, no ano de1961, de Adolf Eichmann. Eichmann foi um membro da


3 SS e responsável pela logística de transporte do Holocausto.
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5 A banalidade do mal encapsula o fenômeno que ocorre quando as pessoas


6 agem sem questionar, sem pensar acerca da moralidade daquele ato,
7 amparados por um argumento que os livram da responsabilidade dessa atitude.
8 Esse fundamento pode ser uma ordem de um superior hierárquico, uma
9 prescrição do ordenamento jurídico e até mesmo um sentimento de
10 coletividade. Ainda, este conceito implica uma característica do próprio mal, ao
11 apontar que ele não é profundo, sendo assim, não é preciso ser demoníaco ou
12 monstruoso para se fazer o mal.
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14 Como notável exemplo da banalidade do mal revisitamos Eichmann, pois, de


15 acordo com Arendt, ele deixava claro “sua incapacidade de pensar” (Eichmann
16 em Jerusalém, p. 59) e seus “[...] atos eram monstruosos, mas o agente [...] era
17 bastante comum, banal, e não demoníaco ou monstruoso” (Ibidem, p. 311).
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19 Uma vez ventilado o fenômeno da banalidade do mal, por meio da


20 conceituação de Arendt e sua exemplificação por meio do réu do conhecido
21 julgamento, impende tratar da moral, do direito e da relação entre estes.
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23 A moral, segundo Dimoulis, “[...] é composta por regras de conduta que [...]
24 orientam o comportamento dos indivíduos na vida cotidiana [...] (e) servem
25 como critério de avaliação da conduta humana” (Manual de Introdução ao
26 Estudo do Direito, p.56). Isso significa que a moral é um dever ser sobre aos
27 atos dos indivíduos, voltado ao aprimoramento individual.
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29 Quanto ao direito, ainda sob a ótica de Dimoulis, “[...] é um conjunto de normas


30 que objetiva regulamentar o comportamento social” (Ibidem; p.44). Ou seja,
31 enquanto a moral enfatiza a ação individual, o direito foca nas relações entre os
32 indivíduos. Assim, o direito deve servir para possibilitar a melhor convivência na
33 sociedade e controlar atos que prejudiquem a vida nessa sociedade.
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35 Entre esses dois conceitos, que compartilham uma intersecção, existem várias
36 diferenças. Uma delas é a fonte da legitimidade: a moral provém de grupos
37 sociais ou de autoridades morais; o direito provém do Estado. Essa e outras
38 diferenças geram debates sobre a relação entre os dois. Um deles é se direito
39 e moral devem ser conectados ou separados.
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41 Os juspositivistas afirmam que a separação é o caminho a ser adotado. Eles


42 reconhecem que a moral exerce influência no direito, mas dizem que “a
43 concordância de uma norma jurídica com a moral [...] não influencia sua
44 validade e interpretação” (Ibidem, p.66).
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46 Essa linha de pensamento jurídico acaba, dessa maneira, legitimando regimes


47 autoritários como o Nazista, no qual normas como as Leis de Nuremberg foram
48 implementadas, leis estas que positivaram o antissemitismo na Alemanha.
49 Ademais, essas leis marcaram o início do processo que culminaria no
50 genocídio, permitido por lei, de determinados povos, em especial o povo judeu.
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52 Desse modo, o caso Eichmann e a banalidade do mal são relevantes no


53 debate acerca da relação entre moral e direito por serem um exemplo do que
54 pode acontecer caso a moral e direito forem completamente separados. Num
55 contexto em que atos imorais, como o extermínio de milhões, são, além de
56 permitidos, incentivados pelo ordenamento, um indivíduo comum seria
57 impulsionado a cometer tal ato. Adiciona-se a esse contexto a banalidade do
58 mal, fenômeno que inibe a capacidade humana de pensar e questionar, e
59 torna-se ainda mais certa a ocorrência de episódios dessa natureza.
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61 Por fim, o julgamento do caso Eichmann revela-se também relevante por ser
62 um exemplo do que pode acontecer se moral e direito estiverem relacionados.
63 Por conta de que, em última análise, o julgamento alcançou seu objetivo,
64 mesmo sendo permeado, do começo ao fim, de questões jurídicas não
65 pacíficas e problemas técnicos. Esse objetivo fica claro quando Hannah Arendt
66 diz que “O objetivo de um julgamento é fazer a justiça e nada mais; [...] pesar
67 as acusações contra o réu, julgar e determinar o castigo devido.” (Eichmann
68 em Jerusalém, p.284). Ao invocar a justiça, a autora dá ao direito uma camada
69 moral.

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