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CURSO DE LICENCIATURA EM DIREITO

DIREITO E O PENSAMENTO JURÍDICO

Teste 2: Trabalho de Campo

PLURALISMO JURÍDICO MOÇAMBICANO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA

ERNESTO DA LINA PAULINO MACULUVE

MAPUTO, OUTUBRO DE 2021


Pluralismo Jurídico Moçambicano: Uma Abordagem Histórica

Trabalho de campo a ser entregue na Cadeira


de Direito e o Pensamento Jurídico, com
vista a ser avaliado como Teste 2.

Instituto Superior de Ciências e Educação a Distância

Maputo, Outubro de 2021


Índice
Introdução ......................................................................................................................... 1
Objectivo Geral................................................................................................................. 1
Objectivo específico ......................................................................................................... 1
Hipótese ............................................................................................................................ 1
Metodologia ...................................................................................................................... 2
Referencial teórico ............................................................................................................ 2
Pluralismo Jurídico ........................................................................................................... 3
Certos princípios do pluralismo jurídico .......................................................................... 5
Pluralismo Jurídico Moçambicano: Uma Abordagem Histórica...................................... 6
O Estado moçambicano e as justiças comunitárias .......................................................... 8
As formas de coexistência dos sistemas legais................................................................. 9
Considerações finais ....................................................................................................... 11
Bibliografia ..................................................................................................................... 12
Introdução

Ainda que a história de África não comece com o colonialismo, é fortemente marcada por
essa experiência de dominação e pela consequente imposição dos direitos dos países europeus
sobre os direitos africanos.

O pluralismo jurídico é uma categoria analítica pautada por intensas discussões. Em


Moçambique é complexo. Ao longo do tempo, o Estado foi integrando ou excluindo algumas
das instâncias de resolução de conflitos que compõe o quadro da pluralidade jurídica. As
diferentes lógicas políticas e jurídicas que fazem parte da história do país (as autoridades
tradicionais e os tribunais comunitários) não foram sempre totalmente substituídas,
coexistindo, em grande medida, na sociedade de hoje.

São vários os benefícios que têm sido apontados às justiças comunitárias em termos de
promoção do acesso à justiça. Os estudos que têm vindo a ser realizado dão conta de formas
de justiça muito diversificadas, algumas são próximas das instâncias e dos antigos chefes
tradicionais, outras constituem realidades novas surgidas a partir da comunidade, com ou sem
impulso do Estado.

Objectivo Geral

Pretendo com este trabalho a clarificação da percepção empírica das diversas dinâmicas
políticas, sociais e históricas que contribuíram para a existência do pluralismo jurídico em
Moçambique.

Objectivo específico

 Compreender de que forma as populações deste país percepcionam a justiça;


 De que modos é que a pluralidade jurídica influencia essas representações e significados, e
 Quais as práticas que os actores sociais reproduzem em situações de resolução de conflitos.

Hipótese

A selecção do pluralismo jurídico como objecto de investigação reside no interesse pelos


vários actores sociais locais que intervêm nos processos de resolução de litígios,
nomeadamente os provedores de justiça e as populações moçambicanas, as suas estratégias e

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os procedimentos que desenvolvem no âmbito dessas estratégias, e que geram reproduções ao
nível da organização social mais alargada.

Metodologia

O trabalho de campo foi efectuado recorrendo à pesquisa de livros electrónicos disponíveis na


internet e o módulo de Ciência Política como norteador.

Referencial teórico

“A Norte ou a Sul, as sociedades sempre foram juridicamente plurais e palcos de múltiplas


instâncias de resolução de conflitos. A justaposição entre Direito, Estado e nação ou entre
justiça e tribunais judiciais foi uma particularidade introduzida pela modernidade” (Araújo,
2014).

De acordo com Boaventura S. Santos, o pluralismo jurídico não é apenas a pluralidade das
instâncias de resolução de conflitos mas engloba também as articulações dessas instâncias
entre si e com os diferentes “universos culturais” que se cruzam na sociedade (Santos, 2003).

"A regulação não se limita ao direito codificado ou imposto, mas resulta do cruzamento dos
direitos vários que vivem e se interligam na sociedade" (Araújo, 2008).

Wolkmer entende pluralismo jurídico como a “multiplicidade de manifestações ou práticas


normativas num mesmo espaço socio-político, interagidas por conflitos ou consensos,
podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais materiais”.

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Pluralismo Jurídico

Quanto às causas determinantes para o aparecimento desse fenómeno, Boaventura de Souza


Santos identifica duas perspectivas: a origem colonial e a origem não colonial. A primeira
refere-se à convivência, em um mesmo espaço, do direito trazido pelo Estado colonizador e
do direito tradicional do local, o que acaba sendo factor “de conflitos e acomodações
precárias”.

Tal situação ocorreu em espaços que foram


dominados económica e politicamente por
outros países, levando-os a aceitar os
padrões jurídicos trazidos pelo Estado
dominante. Já a perspectiva não
colonialista envolve, segundo Boaventura
de Souza Santos, três contextos distintos:

(a) países com tradições próprias que adoptaram o direito europeu como “instrumento de
modernização e consolidação do poder do Estado”, ambiente no qual o pluralismo jurídico
revela-se no fato de que o direito tradicional não foi eliminado das práticas quotidianas da
população;

(b) a segunda expressão do pluralismo não colonial ocorre quando, “em virtude de uma
revolução social, o Direito tradicional entrou em conflito com a nova legalidade, o Direito
revolucionário, tendo sido, por isso, proscrito, sem, no entanto, ter deixado de continuar a
vigorar, em termos sociológicos, durante largo tempo”;

(c) por fim, menciona os casos de populações nativas que, não totalmente exterminadas,
foram submetidas ao direito dos invasores, com a permissão de manterem seu direito
tradicional em certos domínios.

Contrariamente à tendência de concentração e unificação do poder, própria da formulação


teórica e doutrinária do monismo estatal moderno, o pluralismo jurídico é concebido na
linguagem política como a “concepção que propõe como modelo a sociedade composta de
vários grupos ou centros de poder, mesmo que em conflito entre si, aos quais é atribuída a
função de limitar, controlar e contrastar, até o ponto de o eliminar, o centro do poder
dominante, historicamente identificado com o Estado”.

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A afirmação do pluralismo jurídico se faz na medida em que rejeita toda forma de posição
individualista da sociedade e do Estado, a qual tende a marginalizar as formações sociais que
surgem no espaço intermediário entre este e aquela.

No dizer de Bobbio, “a luta que o


Pluralismo trava tem sempre duas frentes:
uma contra a concentração de todo o poder
no Estado, outra contra o atomismo. É uma
luta travada em nome da concepção de
uma sociedade articulada em grupos de
poder que se situem.

Ao mesmo tempo, abaixo do Estado e acima dos indivíduos, e como tais, constituam uma
garantia do indivíduo contra o poder excessivo do Estado, por um lado, e, por outro, uma
garantia do Estado contra a fragmentação individualista”.

Para Georges Gurvitch, a identidade do princípio pluralista integra uma realidade nitidamente
diferenciada em três dimensões: o pluralismo como “fato”, como “ideal” e como “técnico”.

O pluralismo como “fato” é observável em toda e qualquer sociedade. Toda sociedade


envolve sempre “um microcosmo de agrupamentos particulares se limitando, se combatendo,
se equilibrando, se combinando hierarquicamente num conjunto global e se permitindo as
combinações mais variadas, condicionadas pelas situações históricas. A matéria fundamental
desse pluralismo de ‘fato’ é a vida social posta pela tensão e equilíbrio entre os diversos
grupos.

O pluralismo como ‘ideal’ compreende, para Gurvitch, a liberdade humana colectiva e


individual, definida através da harmonia recíproca entre os valores pessoais e os valores de
grupo, sintetizada pela equivalência democrática de corpos sociais autónomos e pessoas
livres. Trata-se, por demais, na integração fraterna e democrática, de valores intercalados
entre a variedade e a unidade.

Cabe, ao pluralismo ‘técnico’ enquanto método especial a serviço de um ideal, o esforço para
implementar a liberdade humana e os valores democráticos, contribuir para o
enfraquecimento do Estado e servir aos interesses gerais em seus múltiplos aspectos”.

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No que concerne mais propriamente ao pluralismo jurídico, enquanto fenómeno de superação
da sociedade massificada, pode ser apreendido como uma forma plúrima de normatividade
instada a emergir do desajuste institucional, da saturação do modelo de representação política
e do esvaziamento do instrumental jurídico estatal das sociedades periféricas de massa.

Certos princípios do pluralismo jurídico

Em síntese, e de modo geral, pode-se atribuir ao pluralismo jurídico certos “princípios”


valorativos básicos necessários à captação de sua natureza específica, tais como:

a) Autonomia – Referindo-se “ao poder intrínseco que os movimentos colectivos ou


associações profissionais, económicas, religiosas, familiares e culturais possuem
independentemente do poder governamental”;

b) Descentralização – Significando “o processo em que o exercício do poder político


administrativo se desloca de instituições formais unitárias para esferas locais e fragmentadas.
O mérito da descentralização está em reforçar os espaços de poder local e ampliar a
‘participação’ dos corpos intermediários”;

c) Participação – Consistindo na integração do indivíduo à comunidade pela participação da


discussão pública, como forma efectiva de solucionar problemas e conflitos;

d) Localismo – Significando “que o poder local é o nível mais descentralizado do poder


estatal, organizado e articulado por relações que mais directamente são atravessadas pela
sociedade e pelos interesses advindos das forças sociais”;

e) Diversidade – Por estar na raiz da ordem pluralista, chancela difusão das diferenças, dos
dissensos e dos confrontos. Admite a “diversidade de seres no mundo, realidades díspares,
elementos ou fenómenos desiguais e corpos sociais semi-autónomos irredutíveis entre si”;

f) Tolerância – Por estar associada a uma filosofia da liberdade e ao direito de


autodeterminação de cada indivíduo, classe ou movimento social, implica na aceitação das
diferenças de uma vida social materializada, da diversidade de crenças e do dissenso de
manifestações colectivas, bem como centra sua atenção na motivação das necessidades
concorrentes e na diversidade cultural dos agrupamentos humanos.

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O pluralismo jurídico pressupõe a existência de dois níveis de actuação:

a) Por um lado, a adequação de propostas “práticos-teóricas”, no âmbito da cultura jurídica,


que levem em conta as reais condições materiais e existenciais vividas pela globalidade da
sociedade nacional;

b) E de outro, a adopção de um processo de “auto-regulação” concebido no contexto de uma


nova racionalidade jurídica e ética que vise a reordenação da sociedade civil e a
descentralização normativa do próprio poder estatal para a sociedade, de um aparato legal
enrijecido para uma prática jurídica dinâmica, interactiva, que privilegie os acordos, as
negociações e as conciliações dos conflitos

Pluralismo Jurídico Moçambicano: Uma Abordagem Histórica

O pluralismo jurídico surgiu na filosofia europeia antipositivista do direito entre o final do


século XIX e o início do século XX como reacção à redução do direito ao direito estatal
assente na ideia que, “na realidade prática da vida jurídica, o direito estatal estava longe de ser
o único no ordenamento normativo da vida social e que, muitas vezes, não era sequer o mais
importante” (Santos, 2003).

Em 1975, estabelecida a independência do


país, o projecto socialista moçambicano
passava pela eliminação de todos os
vestígios coloniais e pela construção de
uma nova sociedade. O Estado procurou
pôr fim à justiça dualista e às autoridades
tradicionais, vistas como aliadas do poder
colonial, e criar um sistema de justiça que
se pretendia indígena, mas não tribal.

Assim, em 1978, foi aprovada a Lei Orgânica dos Tribunais Populares, que previa a criação
de tribunais populares em diferentes escalões territoriais, onde juízes profissionais
trabalhavam ao lado de juízes eleitos pela população.

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De acordo com a perspectiva positivista, uma sociedade é constituída através de uma ordem
normativa que regula a conduta recíproca de uma pluralidade de indivíduos, sendo que esses
indivíduos “estão submetidos a uma e à mesma ordem jurídica” (Kelsen, 1962).

É com base nestes pressupostos que ganha força a ideia de que o pluralismo jurídico não é um
conceito “objectivo” mas sim uma “situação”, um “fenómeno” ou uma “circunstância”, pois
não se foca exclusivamente em regras específicas aplicadas em situações de conflito ou
disputa, mas também examina as diferentes percepções que os grupos sociais têm de
ordenamento, das relações sociais e de como determinar a verdade e a justiça.

A origem do pluralismo jurídico é frequentemente localizada no período colonial, embora as


sociedades pré-coloniais se caracterizassem por um pluralismo e dinamismo anteriores a esse
momento: não só eram vulneráveis a outras influências externas, como também os seus “usos
e costumes” foram sendo modificados e adaptados ao longo do tempo na sequência das suas
próprias transformações sociais endógenas e de diversos processos de conquistas e migrações
intracontinentais (Merry, 1988 & Woodman, 1996);

O pluralismo jurídico significa que, dentro de um mesmo ordenamento político ou social,


coexistem diferentes ordens jurídicas que assentam em fontes diversas (a lei escrita, o
costume, a religião, o bom senso…). O caso de Moçambique é, a este nível, paradigmático,
tendo em conta o grande número de grupos étnicos existentes no país, com uma grande
diversidade de costumes (conforme os grupos sejam matrilineares ou patrilineares) e religiões
(católica, protestante, sionista, animista…) que coexistem dentro das fronteiras de um Estado
de Direito.

O acesso à justiça está ligado a um vasto leque de abordagens e estruturas, tais como as rede
de informação e educação, o aconselhamento e serviços de saúde adequados, redes de apoio
da comunidade, polícia e outros serviços de segurança responsáveis, a ”vigilância” sobre a
acção dos sistemas tradicionais de justiça, a representação nos tribunais, a protecção dos
sobreviventes, a resolução de conflitos, a restituição, e a aplicação efectiva de resoluções e
instrumentos internacionais.

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Por um lado o pluralismo jurídico é visto
como uma força positiva capaz de
demonstrar os limites do poder do Estado
(Benda Beckmann, 1997), e por outro
considera-se que “não há nada de
intrinsecamente bom, progressista ou
emancipatório” no pluralismo jurídico
porque é um “conceito ambíguo e
desadequado”, que surge somente como
reacção ao positivismo jurídico (Santos,
2003).

As relações entre os governos coloniais e as instituições e os direitos africanos foram


concebidas sob duas variantes principais: o governo directo e o governo indirecto.

O governo directo pressupõe a existência de uma única ordem jurídica, assente nas leis da
Europa, não reconhecendo qualquer instituição ou direitos africanos. O domínio concretizava-
se num sistema colonial centralizado e hierárquico e na sujeição da maioria da população ao
regime do indigenato, que definia as regras para os não cidadãos. Este regime previa que os
indígenas pudesse obter o estatuto de assimilados, adquirindo, desse modo, direitos de
cidadania, mas o número dos que adquiriam esse estatuto permaneceu sempre muito reduzido.
O governo indirecto parte de uma concepção oposta à universalista, assentando na
diferenciação. Na base desta forma de governo esteve sempre a distinção entre não nativos e
nativos, cuidadosamente separados pelas ordens normativas e pelas instituições a que estavam
sujeitos.

O Estado moçambicano e as justiças comunitárias

Ao longo da história, o Estado moçambicano, sob diferentes modelos e face a diversas


pressões externas e internas, relacionou-se de múltiplas formas com as instâncias
comunitárias de resolução de conflitos que configuram a pluralidade jurídica do país.

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O conceito de pluralismo jurídico
desenvolveu-se e progrediu de uma ideia
de coexistência de ordens jurídicas, para
uma concepção dinâmica, que inclui o que
na linguagem de Sousa Santos recebeu a
designação de interlegalidade, ou seja, o
reconhecimento do cruzamento e da
interifluência dos direitos que circulam
num espaço comum.

A expressão «escangalhamento do Estado», usada, por exemplo, pela FRELIMO, dá conta da


ideia de destruição das estruturas do passado. Era necessário desenvolver uma cultura
nacional, construindo um país unido. No que diz respeito ao crescimento económico,
acreditava-se que, «apoiando-se nas próprias forças e utilizando formas colectivas de
produção, veriam a curto prazo melhoradas as respectivas condições de vida».

No âmbito da justiça, tinha que ser transformado num sistema popular, moçambicano e
democrático. A concretização dessa tarefa passava pelo fim das autoridades e da justiça
tradicionais e pela implementação de uma organização judiciária que se estendesse a todas as
circunscrições territoriais e promovesse a participação popular.

As formas de coexistência dos sistemas legais

As ordens legais coexistentes estão constantemente numa relação dinâmica entre si


(Vanderlinden, 1989).

Essa relação poderá ser de diversa índole: articulação e colaboração, constituição mútua, ou
conflito e concorrência. Poderá significar também que existem diferentes regras ou
mecanismos que se podem aplicar a uma mesma situação, uma vez que as situações sociais
específicas são relativas e que a “formulação abstracta de uma ordem ideal em conformidade
com as intenções do legislador” nem sempre corresponde ao problema que o indivíduo tem
para resolver (Vanderlinden, 1989).

O novo quadro democrático abre, ainda, espaço à descentralização, sendo no âmbito deste
processo, apoiado pelo Banco Mundial, que se rediscute o papel a atribuir às autoridades
tradicionais, cuja legitimidade, reconhece-se hoje, nunca desapareceu (José, 2007).
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O pluralismo jurídico é um fenómeno relacionado à coexistência de práticas jurídicas distintas
em um mesmo espaço, ou seja, à coexistência de manifestações jurídicas estatais ou não, de
“direito oficial” e “direito não-oficial”.

Distingue-se da “pluralidade do Direito”, a qual se refere à existência de múltiplos direitos


oficiais internos, e também do “uso alternativo do Direito”, transcendendo-o, pois, ao passo
em que este relaciona-se apenas à esfera de abrangência do direito oficial, procurando
explorar suas lacunas e ambiguidades em prol das classes menos favorecidas, o pluralismo
jurídico pretende ter contacto com outras manifestações jurídicas paralelas, ou concorrentes
ao direito oficial.

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Considerações finais

As concepções apresentadas por diversos autores que tratam do tema do pluralismo jurídico,
não são coincidentes: “pluralismo jurídico” é uma expressão essencialmente multívoca.
Tratando-se de uma manifestação que emana de lugares diversos e em diferentes épocas,
apresenta origens distintas e configurações múltiplas, sendo extremamente difícil apontar uma
base comum, composta de princípios fundamentais, dado que as propostas vão desde
configurações liberais ou radicais, até concepções de cunho conservador ou socialistas.

O pluralismo jurídico tende a estar presente em todas as sociedades, ainda que com
especificidades a vários níveis. Em Moçambique, é extremamente rico pela quantidade e
diversidade de ordens normativas e de instâncias de resolução de conflitos que actuam no
terreno; pelas complexas interligações que se estabelecem entre as mesmas; bem como pelas
várias estratégias que, ao longo da história, o Estado usou para integrar ou excluir a
pluralidade.

As críticas não são suficientes para desacreditar formas de justiça diferenciadas. Devem,
contudo, manter-nos vigilantes. E a vigilância só pode ser feita recorrendo ao conhecimento
das formas de actuação locais e não a generalizações, isto é, contribuindo para o
conhecimento da diversidade e não para o desconhecimento e a desvalorização de outras
práticas que não as hegemónicas.

Como defende Boaventura de Sousa Santos (2006b), se não há nada de intrinsecamente bom
ou emancipatório no pluralismo jurídico, este é um campo de estudo privilegiado para a
sociologia das ausências e das emergências, uma forma de ciência que o autor propõe contra o
desperdício da experiência. A proposta de Santos parte da ideia que «o que não existe é, na
verdade, activamente produzido como não existente, isto é como uma alternativa não credível
ao que existe» e visa conhecer e credibilizar a diversidade das práticas sociais existentes no
mundo, face às práticas hegemónicas concebidas como únicas ou como únicas credíveis.
Nesse sentido, concluo que as instâncias comunitárias de resolução de conflitos que compõem
o pluralismo jurídico moçambicano, em algumas das suas formas e práticas, mostram-se não
só mais adequadas aos seus contextos culturais específicos, como podem servir de referência
à criação de modelos mais democráticos de justiça em todo o mundo.

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Bibliografia

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