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Ainda que a história de África não comece com o colonialismo, é fortemente marcada por
essa experiência de dominação e pela consequente imposição dos direitos dos países europeus
sobre os direitos africanos.
São vários os benefícios que têm sido apontados às justiças comunitárias em termos de
promoção do acesso à justiça. Os estudos que têm vindo a ser realizado dão conta de formas
de justiça muito diversificadas, algumas são próximas das instâncias e dos antigos chefes
tradicionais, outras constituem realidades novas surgidas a partir da comunidade, com ou sem
impulso do Estado.
Objectivo Geral
Pretendo com este trabalho a clarificação da percepção empírica das diversas dinâmicas
políticas, sociais e históricas que contribuíram para a existência do pluralismo jurídico em
Moçambique.
Objectivo específico
Hipótese
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os procedimentos que desenvolvem no âmbito dessas estratégias, e que geram reproduções ao
nível da organização social mais alargada.
Metodologia
Referencial teórico
De acordo com Boaventura S. Santos, o pluralismo jurídico não é apenas a pluralidade das
instâncias de resolução de conflitos mas engloba também as articulações dessas instâncias
entre si e com os diferentes “universos culturais” que se cruzam na sociedade (Santos, 2003).
"A regulação não se limita ao direito codificado ou imposto, mas resulta do cruzamento dos
direitos vários que vivem e se interligam na sociedade" (Araújo, 2008).
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Pluralismo Jurídico
(a) países com tradições próprias que adoptaram o direito europeu como “instrumento de
modernização e consolidação do poder do Estado”, ambiente no qual o pluralismo jurídico
revela-se no fato de que o direito tradicional não foi eliminado das práticas quotidianas da
população;
(b) a segunda expressão do pluralismo não colonial ocorre quando, “em virtude de uma
revolução social, o Direito tradicional entrou em conflito com a nova legalidade, o Direito
revolucionário, tendo sido, por isso, proscrito, sem, no entanto, ter deixado de continuar a
vigorar, em termos sociológicos, durante largo tempo”;
(c) por fim, menciona os casos de populações nativas que, não totalmente exterminadas,
foram submetidas ao direito dos invasores, com a permissão de manterem seu direito
tradicional em certos domínios.
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A afirmação do pluralismo jurídico se faz na medida em que rejeita toda forma de posição
individualista da sociedade e do Estado, a qual tende a marginalizar as formações sociais que
surgem no espaço intermediário entre este e aquela.
Ao mesmo tempo, abaixo do Estado e acima dos indivíduos, e como tais, constituam uma
garantia do indivíduo contra o poder excessivo do Estado, por um lado, e, por outro, uma
garantia do Estado contra a fragmentação individualista”.
Para Georges Gurvitch, a identidade do princípio pluralista integra uma realidade nitidamente
diferenciada em três dimensões: o pluralismo como “fato”, como “ideal” e como “técnico”.
Cabe, ao pluralismo ‘técnico’ enquanto método especial a serviço de um ideal, o esforço para
implementar a liberdade humana e os valores democráticos, contribuir para o
enfraquecimento do Estado e servir aos interesses gerais em seus múltiplos aspectos”.
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No que concerne mais propriamente ao pluralismo jurídico, enquanto fenómeno de superação
da sociedade massificada, pode ser apreendido como uma forma plúrima de normatividade
instada a emergir do desajuste institucional, da saturação do modelo de representação política
e do esvaziamento do instrumental jurídico estatal das sociedades periféricas de massa.
e) Diversidade – Por estar na raiz da ordem pluralista, chancela difusão das diferenças, dos
dissensos e dos confrontos. Admite a “diversidade de seres no mundo, realidades díspares,
elementos ou fenómenos desiguais e corpos sociais semi-autónomos irredutíveis entre si”;
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O pluralismo jurídico pressupõe a existência de dois níveis de actuação:
Assim, em 1978, foi aprovada a Lei Orgânica dos Tribunais Populares, que previa a criação
de tribunais populares em diferentes escalões territoriais, onde juízes profissionais
trabalhavam ao lado de juízes eleitos pela população.
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De acordo com a perspectiva positivista, uma sociedade é constituída através de uma ordem
normativa que regula a conduta recíproca de uma pluralidade de indivíduos, sendo que esses
indivíduos “estão submetidos a uma e à mesma ordem jurídica” (Kelsen, 1962).
É com base nestes pressupostos que ganha força a ideia de que o pluralismo jurídico não é um
conceito “objectivo” mas sim uma “situação”, um “fenómeno” ou uma “circunstância”, pois
não se foca exclusivamente em regras específicas aplicadas em situações de conflito ou
disputa, mas também examina as diferentes percepções que os grupos sociais têm de
ordenamento, das relações sociais e de como determinar a verdade e a justiça.
O acesso à justiça está ligado a um vasto leque de abordagens e estruturas, tais como as rede
de informação e educação, o aconselhamento e serviços de saúde adequados, redes de apoio
da comunidade, polícia e outros serviços de segurança responsáveis, a ”vigilância” sobre a
acção dos sistemas tradicionais de justiça, a representação nos tribunais, a protecção dos
sobreviventes, a resolução de conflitos, a restituição, e a aplicação efectiva de resoluções e
instrumentos internacionais.
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Por um lado o pluralismo jurídico é visto
como uma força positiva capaz de
demonstrar os limites do poder do Estado
(Benda Beckmann, 1997), e por outro
considera-se que “não há nada de
intrinsecamente bom, progressista ou
emancipatório” no pluralismo jurídico
porque é um “conceito ambíguo e
desadequado”, que surge somente como
reacção ao positivismo jurídico (Santos,
2003).
O governo directo pressupõe a existência de uma única ordem jurídica, assente nas leis da
Europa, não reconhecendo qualquer instituição ou direitos africanos. O domínio concretizava-
se num sistema colonial centralizado e hierárquico e na sujeição da maioria da população ao
regime do indigenato, que definia as regras para os não cidadãos. Este regime previa que os
indígenas pudesse obter o estatuto de assimilados, adquirindo, desse modo, direitos de
cidadania, mas o número dos que adquiriam esse estatuto permaneceu sempre muito reduzido.
O governo indirecto parte de uma concepção oposta à universalista, assentando na
diferenciação. Na base desta forma de governo esteve sempre a distinção entre não nativos e
nativos, cuidadosamente separados pelas ordens normativas e pelas instituições a que estavam
sujeitos.
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O conceito de pluralismo jurídico
desenvolveu-se e progrediu de uma ideia
de coexistência de ordens jurídicas, para
uma concepção dinâmica, que inclui o que
na linguagem de Sousa Santos recebeu a
designação de interlegalidade, ou seja, o
reconhecimento do cruzamento e da
interifluência dos direitos que circulam
num espaço comum.
No âmbito da justiça, tinha que ser transformado num sistema popular, moçambicano e
democrático. A concretização dessa tarefa passava pelo fim das autoridades e da justiça
tradicionais e pela implementação de uma organização judiciária que se estendesse a todas as
circunscrições territoriais e promovesse a participação popular.
Essa relação poderá ser de diversa índole: articulação e colaboração, constituição mútua, ou
conflito e concorrência. Poderá significar também que existem diferentes regras ou
mecanismos que se podem aplicar a uma mesma situação, uma vez que as situações sociais
específicas são relativas e que a “formulação abstracta de uma ordem ideal em conformidade
com as intenções do legislador” nem sempre corresponde ao problema que o indivíduo tem
para resolver (Vanderlinden, 1989).
O novo quadro democrático abre, ainda, espaço à descentralização, sendo no âmbito deste
processo, apoiado pelo Banco Mundial, que se rediscute o papel a atribuir às autoridades
tradicionais, cuja legitimidade, reconhece-se hoje, nunca desapareceu (José, 2007).
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O pluralismo jurídico é um fenómeno relacionado à coexistência de práticas jurídicas distintas
em um mesmo espaço, ou seja, à coexistência de manifestações jurídicas estatais ou não, de
“direito oficial” e “direito não-oficial”.
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Considerações finais
As concepções apresentadas por diversos autores que tratam do tema do pluralismo jurídico,
não são coincidentes: “pluralismo jurídico” é uma expressão essencialmente multívoca.
Tratando-se de uma manifestação que emana de lugares diversos e em diferentes épocas,
apresenta origens distintas e configurações múltiplas, sendo extremamente difícil apontar uma
base comum, composta de princípios fundamentais, dado que as propostas vão desde
configurações liberais ou radicais, até concepções de cunho conservador ou socialistas.
O pluralismo jurídico tende a estar presente em todas as sociedades, ainda que com
especificidades a vários níveis. Em Moçambique, é extremamente rico pela quantidade e
diversidade de ordens normativas e de instâncias de resolução de conflitos que actuam no
terreno; pelas complexas interligações que se estabelecem entre as mesmas; bem como pelas
várias estratégias que, ao longo da história, o Estado usou para integrar ou excluir a
pluralidade.
As críticas não são suficientes para desacreditar formas de justiça diferenciadas. Devem,
contudo, manter-nos vigilantes. E a vigilância só pode ser feita recorrendo ao conhecimento
das formas de actuação locais e não a generalizações, isto é, contribuindo para o
conhecimento da diversidade e não para o desconhecimento e a desvalorização de outras
práticas que não as hegemónicas.
Como defende Boaventura de Sousa Santos (2006b), se não há nada de intrinsecamente bom
ou emancipatório no pluralismo jurídico, este é um campo de estudo privilegiado para a
sociologia das ausências e das emergências, uma forma de ciência que o autor propõe contra o
desperdício da experiência. A proposta de Santos parte da ideia que «o que não existe é, na
verdade, activamente produzido como não existente, isto é como uma alternativa não credível
ao que existe» e visa conhecer e credibilizar a diversidade das práticas sociais existentes no
mundo, face às práticas hegemónicas concebidas como únicas ou como únicas credíveis.
Nesse sentido, concluo que as instâncias comunitárias de resolução de conflitos que compõem
o pluralismo jurídico moçambicano, em algumas das suas formas e práticas, mostram-se não
só mais adequadas aos seus contextos culturais específicos, como podem servir de referência
à criação de modelos mais democráticos de justiça em todo o mundo.
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Bibliografia
https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/14388/1/Tese%20PhD%20-
%20Ana%20Patricio.pdf
https://www.corteidh.or.cr/tablas/r26066.pdf
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