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O educador que não faz tudo o que pode, agora, no plano da educação
escolar - que é o plano mais geral e decisivo - que deixa passar o
momento oportuno, quer por indiferença, por cansaço ou por
negligência, contribui para manter a banalidade do mundo, a
mediocridade do homem, a insignificância da vida. Bem entendido,
tudo isto é condizente com uma ordem que está sendo mantida:
nivelamento integrador, normalizações em todos os sentidos. Mas
então, por que pretender que somos educadores? Em nome de que
futuro humano? Em nome de que adiamento? Em nome de que desvio
das razões de existir? (FORQUIN, 1973, p. 48)
Este texto vem refletir sobre que contribuição teria a Arte para jovens em
conflito com a lei, cumprindo Medidas Socioeducativas privados de liberdade. Deveria
ser óbvio que, junto ao direito à educação que esses jovens têm, seja nas escolas
regulares ou nas unidades educacionais, a Arte fosse um elemento presente no seu
cotidiano, como agente potencializador de suas singularidades, da busca de sentido para
a vida que, em virtude das trajetórias de cada um, certamente se perdeu pelo caminho.
No entanto, se já não contamos com a presença da Arte em boa parte das escolas
regulares, o que pensar a respeito do que é oferecido nas instituições em que são
internados?
Como levantar questões relativas ao ensino de Arte numa sociedade que a vê
como desnecessária e supérflua? Em que medida a Arte se tornaria estratégia
pedagógica nesse contexto de limitações a que os jovens em conflito com a lei são
destinados? Como, em meio à precariedade educacional oferecida, na escola pública ou
nas unidades educacionais, podemos garantir um espaço para a criação e a expressão
que vá além da reprodução ou do emblema da geração de renda?
Se o objetivo das Medidas Socioeducativas aplicadas aos jovens infratores é
pedagógico, no sentido da chamada “ressocialização” ou “reinserção” enquanto um
direito previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a educação deveria
ser o processo mais intenso e significativo de reinserção deste jovem à sociedade, mas
como se dá essa educação? Que tipo de educação é essa? O que proporciona? Que
sentido trará para a vida desses jovens? A grande maioria dos jovens já estava à margem
da educação regular, ou seja, já não via sentido na escola e no futuro por ela prometido,
buscando caminhos alternativos e expressando, consequentemente, a violência gerada
pelas desigualdades sociais de nossa sociedade capitalista. Quando o projeto educativo
não condiz com o objetivo principal a que se propõe, o esforço falha, ofuscando a
esperança e mantendo o estigma, impedindo que tais jovens retornem à sociedade mais
plenos, mais conscientes de sua situação e, principalmente, com coragem de enfrentar
os espaços e hábitos antes responsáveis pela sua própria criminalização.
Qual o sentido da privação de liberdade senão o de promover uma oportunidade
à autoformação e à reflexão da condição social a fim de apontar outros caminhos e
oportunidades? O aprendizado de um ofício é suficiente? A alfabetização, tão essencial,
é a solução? A retirada do jovem do seu cotidiano marcado pela violência e pelo uso de
drogas? O que dizer das marcas, dos traumas e da violência a que certamente foram e
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têm sido submetidos desde o começo de suas vidas? Como devolver a eles próprios a
autoestima, a crença num futuro mais promissor numa sociedade capitalista excludente
e produtora da miséria social?
Sendo a Arte, considerada elemento potencializador da expressão e da criação,
oportunizadora do autoconhecimento e do desenvolvimento de uma consciência mais
crítica e mais sensível, poderíamos apostar na sua presença como elemento detonador
de reflexão e de processos de singularização na busca de sentido para a vida? Garantir o
acesso à Arte ao jovem, enquanto criador e espectador, nas suas mais variadas
expressões, levaria estes jovens à sua autoformação, à descoberta sobre si mesmos, à
tomadas de consciência, capazes de levar a uma implicação com a mudança necessária,
a uma responsabilização com seu processo de retorno ao cotidiano?
Constatou-se, por meio de pesquisas e estudos sobre a educação nos centros
educacionais que cumprem Medidas Socioeducativas do município de Fortaleza, que a
presença da Arte está atrelada, quase que diretamente, aos trabalhos manuais e ao
artesanato (carpintaria, cestaria, corte e costura, crochê, produção de bijuterias, etc.), o
que nem sempre permite a livre criação, estando pautada, basicamente, na reprodução
de modelos já pré-estabelecidos. Sem menosprezar tais atividades, que são
extremamente válidas e que trazem variados benefícios, o que vimos defender aqui é o
direito à Arte enquanto criação e expressão livres do sujeito, como um espaço de
constituição de voo, de liberdade, de singularidade e de autoconhecimento.
Uma questão significativa que deve ser observada quando se trata do ensino de
Arte é que, seja no ensino regular ou na educação oferecida ao jovem nas unidades de
internação, constata-se a falta de formação da maioria dos educadores para trabalhar
Arte. Como proporcionar a formação desses educadores? Como fortalecer a importância
da Arte para a formação dos jovens? Há que se detonar processos de construção de
novas visões pedagógicas em que a Arte integre os projetos de intervenção enquanto
elemento essencial na formação rompendo com o estigma que a arte-educação carrega
historicamente. Numa sociedade em que a Arte é considerada algo supérfluo, sem
importância ou utilidade, defender seu espaço faz parte de uma militância política pelo
direito que crianças e jovens têm de acesso a ela enquanto área do conhecimento
essencial para o desenvolvimento humano.
Na sequência e, não menos importante, é preciso destacar o direito que os jovens
têm à Arte também enquanto espectadores. A experiência estética, proporcionada pelo
contato com a Arte, permite o desenvolvimento de um olhar sensível diante do mundo,
proporciona um sentido para esse estar no mundo, voos intensos e possíveis. Quando
vemos um filme, ouvimos uma música ou vemos uma pintura nos encontramos com
instâncias sensíveis do nosso eu que nos levam ao êxtase, ao sublime e ao intenso, ou
seja, àquilo que nos torna definitivamente humanos, no que temos de mais único e
especial.
Assim, vamos dialogar aqui sobre o espaço que a Arte deve ocupar na educação
dos jovens em conflito com a lei que estão sob a égide das Medidas Socioeducativas, no
sentido de revelar sua importância e necessidade, bem como reivindicar um direito, o
direito ao voo!
Do direito ao voo!
ARTIGO XIX
ARTIGO XXVII
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Trechos retirados de aulas elaboradas para material da disciplina Educação em Direitos Humanos do
curso de Pedagogia a distância UFC/UAB.
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II - opinião e expressão;
Pode ser apenas uma maneira singular de falar ou de sorrir – mas isso
contribui para a variedade da vida. Mas pode ser uma maneira singular
de ver, de pensar, de inventar, de expressar o pensamento ou a emoção
– e, nesse caso, a individualidade de um homem pode ser incalculável
para toda a humanidade (p.18).
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Assim sendo, “fazer arte” com arte, estética e ética é uma forma de
colocar a imaginação a serviço de um mundo melhor, posto que
integra o produzir e fruir arte, construindo o significado da beleza de
uma vida digna e a consciência ética do respeito aos direitos do outro
(FONTE! p.52).
As decisões que fazemos sobre tais questões têm muito a ver com os
tipos de mentes que nós desenvolvemos nas escolas. As mentes, ao
contrário dos cérebros, não são inatas; as mentes são também uma
forma de realização cultural. Os tipos de mentes que nós
desenvolvemos são profundamente influenciados pelas oportunidades
de aprender que a escola fornece (EISNER, 2008, p. 14).
Continuando com Duarte Júnior (2002): (5) a arte oportuniza sentir e vivenciar
coisas que vão além da vida cotidiana, ter contato com experiências vividas por outras
pessoas que proporciona a união do indivíduo com o todo. Viver as experiências alheias
como se fossem suas, projetar-se nelas e compreendê-las; (6) “Ao manter-se em contato
com a produção artística do seu tempo e sua cultura, o indivíduo vivencia o ‘sentimento
de época’, isto é, participa daquela forma de sentir, comum a seus contemporâneos” (p.
109):
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Nesse sentido, não deveria ser a educação o meio pelo qual as pessoas saciassem
essa fome? Mas, é preciso pensar numa forma de educação diferenciada, ou melhor,
numa reeducação dos sentidos e no despertar de uma percepção mais poética do
cotidiano. Resgatar a singularidade de cada um seria, neste contexto, permitir uma auto-
valorização de cada indivíduo enquanto ser único, capaz de perceber suas
potencialidades e de se desenvolver integralmente podendo assim auxiliar os outros:
REFERÊNCIAS
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mar: educação ambiental para comunidades costeiras. Mentalidade marítima: relato de uma
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http://www.curriculosemfronteiras.org/vol8iss2articles/eisner.pdf
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Reguffe. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2003.
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