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A dor é uma experiência subjetiva e um fenôme- ibuprofeno, piroxicam, tenoxicam, meloxicam, diclo-
no perceptivo complexo e multidimensional, quase fenaco, aceclofenaco, nimesulida e muitos outros6.
onipresente, familiar a todos. Ela é também uma das Ao longo dos anos, os anti-inflamatórios não hor-
razões mais comuns pelas quais os pacientes procu- monais ou tradicionais (AINEs) se tornaram a clas-
ram uma consulta médica1. A dor associada a danos se de drogas mais prescritas no mundo, com mais
nos tecidos, à inflamação ou a uma doença de curta de 100 milhões de prescrições anuais só nos EUA.
duração é definida como “dor aguda” (em geral, com Os anti-inflamatórios tradicionais agem a partir da
duração inferior a três meses), enquanto aquela que inibição da ciclo-oxigenase (COX), diminuindo o
persiste por longos períodos, acompanha um pro- processo inflamatório e a dor devido à redução da
cesso contínuo da doença ou é resultado de uma produção de prostaglandina7. No início dos anos 90,
lesão não resolvida dentro de um esperado prazo, é a identificação de duas isoformas, COX-1 e COX-2,
referida como “dor crônica”2. e o reconhecimento de que os efeitos anti-inflama-
A dor, por sua natureza (como uma experiência tórios e analgésicos são mediados pela inibição da
sensorial e emocional), não pode ser diretamente COX-2, enquanto aqueles tóxicos gastrointestinais
observada e medida por outros, e, portanto, sua estão ligados à inibição da COX-1, resultaram no
avaliação depende em grande parte do autorrela- desenvolvimento de inibidores seletivos da COX-2.
to ou da observação comportamental do pacien- Eles ofereciam o potencial de manter a eficácia no
te (por exemplo, avaliação de expressões faciais). controle da dor e, ao mesmo tempo, reduzir os efei-
Não há consenso formal sobre a ferramenta ideal tos adversos gastrointestinais8. Entre as novas me-
para avaliação da dor; a escala de classificação dicações desenvolvidas na época estava o meloxi-
numérica de 0 a 10 é provavelmente a ferramenta cam, que apresentava como característica principal
mais utilizada na prática clínica. Nos Estados Uni- uma maior atividade inibitória contra a isoforma da
dos (EUA), muitos outros instrumentos e métodos ciclo-oxigenase induzida (COX-2), que está implica-
estão disponíveis3. da na resposta inflamatória, do que contra a isofor-
Avaliações abrangentes e individualizadas são ma constitutiva (COX-1), que está associada a pro-
parte essencial do tratamento da dor, sendo sua in- blemas gastrointestinais e renais, eventos adversos
tensidade uma das dimensões mais importantes. Po- e à inibição da agregação plaquetária9. Os primeiros
rém a dor é uma rica experiência multidimensional, estudos com o meloxicam já mostraram o grande
e o relato sobre ela está associado a uma série de potencial da nova medicação, que tinha como prin-
fatores multimodais, como antecedentes, processos cipais características:
emocionais e experiências passadas4. Provavelmen- [X] Maior ação inibidora in vitro e in vivo contra
te tão difícil quanto a correta avaliação da dor seja a isoforma induzível da ciclo-oxigenase (COX-2)
o seu tratamento. A busca de substâncias químicas do que contra a forma constitutiva dessa enzima
para o controle da dor é muito antiga: há registros de (COX-1).
papiros egípcios de 3.500 anos atrás recomendan- [X] Em voluntários saudáveis, o meloxicam 7,5 ou 15
do o uso de preparações de folhas de planta conten- mg causou menos dano à mucosa gastrointestinal
do salicilato e óleo seco no abdômen e nas costas (avaliado via endoscopia) que o piroxicam 20 mg.
para expelir dores reumáticas do útero5. A partir de [X] Em ensaios clínicos comparativos, o meloxi-
1950, houve um aumento de pesquisas em busca de cam foi tão eficaz quanto o piroxicam e o napro-
novas medicações para o controle da dor. A partir xeno em pacientes com artrite reumatoide, e tão
desse período, novos fármacos passaram a ser sin- eficiente quanto o diclofenaco e o piroxicam em
tetizados, procurando-se encontrar cada vez mais indivíduos com osteoartrite.
eficácia e menos efeitos indesejáveis, principalmen- [X] O meloxicam teve melhor tolerabilidade gas-
te aqueles gastrointestinais. Dessa necessidade sur- trointestinal do que o piroxicam, o diclofenaco e o
giram medicamentos como naproxeno, cetoprofeno, naproxeno10.
Apesar de patenteado em 1977, somente em 14 “boa” ou “muito boa” por 83% dos pacientes que
de abril de 2000 o Food and Drug Administration utilizaram 15 mg/dia de meloxicam17. Em um ensaio
(FDA) aprovou o uso do meloxicam em pacientes de 12 semanas com pacientes com OA do quadril
com artrite11. Após as retiradas do mercado do ou do joelho (n =774) e em um ensaio de três se-
rofecoxib (Vioxx®), em setembro de 2004, e do manas em pacientes com OA do joelho (n=513), a
valdecoxib (Bextra®), em abril de 2005, devido a incidência geral de eventos adversos gastrointes-
preocupações de segurança associadas com um tinais com o meloxicam (7,5 mg/dia e 15 mg/dia) foi
aparente aumento do risco de eventos cardiovas- semelhante à do placebo18. No estudo do grupo
culares13, houve um aumento nas vendas do melo- internacional MELISSA (n=9.323), pacientes que re-
xicam nos Estados Unidos. O fármaco chegou a ser ceberam meloxicam apresentaram menos eventos
o líder nessa classe de medicamentos em 200614, adversos, como dispepsia, náusea, vômito e dor
e, em 2017, o 38º medicamento mais prescrito nos abdominal, além de terem demonstrado menos
EUA, com mais de 19 milhões de prescrições15. Mas perfurações, úlceras e sangramentos gastrointes-
o que exatamente levou o meloxicam a ter esse tinais do que os pacientes que receberam diclo-
sucesso tão grande? fenaco20. Tais achados são similares aos do grupo
Em 1997, Bluhmki e colaboradores testaram o po- SELECT (estudo em larga escala, prospectivo, inter-
tencial analgésico do meloxicam no tratamento da nacional, multicêntrico, duplo-cego, duplo-dummy,
dor em pacientes com osteoartrite (OA) de joelho. randomizado e de grupos paralelos, n=9.286), em
O estudo comparou o uso de 15 mg/dia de meloxi- que o meloxicam foi associado a significativamen-
cam com o de 100 mg/dia de diclofenaco por seis te menos eventos adversos gastrointestinais e a
semanas, e os resultados mostraram maior eficácia numericamente menos perfurações, úlceras e san-
do meloxicam em relação à dor em movimento e à gramentos em comparação ao piroxicam21.
eficácia global16. Em relação à segurança cardiovascular, as preo-
Outro estudo multicêntrico, realizado no Reino cupações com os COX-2 seletivos levaram alguns
Unido, também mostrou a eficácia analgésica do pacientes e prescritores a considerarem a utiliza-
meloxicam (15 mg/dia), mas dessa vez no tratamen- ção de outros agentes anti-inflamatórios. Com isso,
to de pacientes com osteoartrite do joelho e/ou os- houve interesse renovado em examinar os dados
teoartrite do quadril, com melhora da dor severa e de segurança de todos os AINEs, seletivos ou não.
moderada17. Na comparação head-to-head com o O aumento do risco cardiovascular é um efeito de
diclofenaco e o piroxicam, o meloxicam apresentou classe dos AINEs em geral, e não simplesmente
analgesia equivalente18. Em um estudo de duas se- dos inibidores da COX-2. Não existem dados clíni-
manas com pacientes com OA da coluna vertebral cos disponíveis para permitir a ordenação desses
(n=229), o meloxicam (7,5 mg/dia) mostrou eficácia medicamentos em relação aos riscos cardiovascu-
comparável à do diclofenaco (liberação controlada lares22. Não há evidências publicadas desde 2005
de 100 mg/dia) em termos de analgesia e desfe- para sugerir alterações no status atual do meloxi-
chos funcionais19. cam e na sua associação com eventos cardiovas-
Além do potencial analgésico, outra importante culares. Em geral, o aumento do risco de eventos
característica do meloxicam é o seu perfil de tole- cardiovasculares associados aos AINEs (AINEs se-
rabilidade e segurança gastrointestinal, inicialmen- letivos e não seletivos de COX-2) também se aplica
te demonstrado em um estudo de 1996, já citado ao meloxicam23.
anteriormente, em que houve uma tolerância global
CONCLUSÃO
A terapêutica medicamentosa no tratamento da dor deve ser sempre
individualizada, levando-se em conta o tipo e a intensidade da dor, o grau de
limitação e as comorbidades de cada paciente, e os AINEs são apenas uma parte
do arsenal terapêutico. O meloxicam é uma excelente arma dentro dessa gama de
tratamentos, com ótima eficácia analgésica e boa segurança gastrointestinal9.
CASO CLÍNICO 1
Paciente do sexo masculino, 65 anos, com história de queda da própria altura, em casa, há quatro horas, e
trauma no membro superior esquerdo. Seguem abaixo as radiografias pré e pós-operatórias do paciente.
Para esse paciente foi indicado o tratamento cirúrgico, porém, durante o atendimento inicial no consultório
ortopédico, para rápido tratamento do quadro álgico agudo, optamos pelo meloxicam 15 mg injetável intramus-
cular (IM) associado com tramadol + paracetamol via oral. Estudos mostram que ambas as apresentações do
meloxicam (oral e IM) são eficazes no tratamento de exacerbações agudas da dor. O meloxicam intramuscular
tem um rápido início da ação, atingindo o pico de concentração plasmática em 1,5h após a administração25.
2.0
Meloxicam 15 mg intramuscular
Concentração plasmática de fármacos
1.8
1.6 Meloxicam 15 mg comprimido
1.4
1.2
1.0
0.8
0.6
0.4
0.2
0.0
0 4 8 12 16 20 24
Tempo
Figura 2. Curva temporal de concentração plasmática de 15 mg de meloxicam IM
versus 15 mg de meloxicam comprimido em 12 voluntários saudáveis25.
Adaptado de: Euller-Ziegler L, et al. Inflamm Res; 200125.
CASO CLÍNICO 2
Paciente masculino, 55 anos, com artrose
avançada do joelho esquerdo, com indicação
de artroplastia total do joelho. Para esse caso,
optamos por modelo de analgesia preemptiva
com 15 mg/dia de meloxicam oral um dia antes
da cirurgia e mais 15 mg/dia por três dias após
a cirurgia, associado ao tramadol. A analgesia
preemptiva limita a sensibilização do sistema
nervoso para estímulos dolorosos e bloqueia
a transmissão de informações eferentes
nocivas do sistema nervoso periférico para a
medula espinhal e o cérebro. Os analgésicos
devem ser administrados antes da incisão e
devem ter suficientes magnitudes para limitar a
sensibilização do sistema nervoso26. O paciente
teve uma boa resposta ao tratamento proposto,
com bom controle da dor no pós-operatório
imediato, facilitando a reabilitação fisioterápica
inicial e a alta hospitalar. Seguem ao lado as
imagens pré e pós-operatórias.
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