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societarios

Covid-19 ("coronavírus"): Reflexos e


desafios societários
Claudio Miranda

A avaliação da exposição ao risco e dos efetivos reflexos societários da pandemia de


coronavírus, assim como do cabimento e da forma de implementação das alternativas
previstas nas normas aludidas acima, dependem da verificação da situação em concreto
de cada sociedade.

terça-feira, 7 de abril de 2020

A pandemia do coronavírus e sua alta taxa de infectividade levaram o Poder


Público a fixar normas restritivas para o fluxo de pessoas e para reuniões em
grupo. Nessa linha, para além dos efeitos jurídicos imediatos da pandemia,
destacam-se seus impactos indiretos nas atividades econômicas e humanas.
O exercício da liberdade associativa e a celebração de contratos de sociedade
têm por pressuposto o convívio entre pessoas, o que pode se dar de forma
física, mediante a participação em assembleias ou reuniões, ou não-física,
mediante a divulgação e verificação de informações relevantes para o
acompanhamento da empresa ou através da realização de reuniões não
presenciais.
Trata-se de questões importantes, que permeiam os debates societários há
anos e que, com o recente surto do coronavírus (e de sua quarentena), têm
sido objeto de especial atenção. Com efeito, a aludida pandemia impacta tanto
o convívio físico entre sócios ou associados, como os procedimentos
pertinentes à elaboração e divulgação de documentos e informações, com
repercussão direta na organização corporativa e nas atividades societárias e
contábeis.
Em resposta, são notadas recentes e fundamentadas iniciativas normativas,
dentre as quais destaca-se a edição da MP 931, que alterou disposições
societárias do Código Civil e da Lei das Sociedades Anônimas.
Dentre seus principais reflexos, ressalta-se a prorrogação por até 7 meses,
contados do término do exercício social, do prazo para que sociedades
anônimas, limitadas e cooperativas, cujo exercício social se encerre entre
31.12.19 e 31.03.20, realizem sua assembleia geral ordinária de 2020. A MP
também autorizou que o conselho de administração ou a diretoria, possa,
independentemente de reforma do estatuto social, declarar dividendos. Além
disso, os prazos de gestão foram prorrogados até a assembleia geral ordinária
e, salvo disposição diversa, caberá ao conselho de administração deliberar, ad
referendum, assuntos urgentes de competência da assembleia geral.
A nova norma estabelece ainda a possibilidade de realização de assembleias
ou reuniões sem a presença física dos envolvidos, fixando a possibilidade do
sócio ou acionista participar e votar à distância, nos termos da regulamentação
do DREI1 ou, em se tratando de companhias abertas, da CVM.
Além disso, a MP 931 estabeleceu regras mais flexíveis para a atribuição de
efeitos retroativos a atos sujeitos a arquivamento perante as Juntas Comerciais
e a suspensão da exigência de arquivamento prévio para emissões de valores
mobiliários e para outros negócios jurídicos. Ademais, durante o exercício de
2020, a CVM pode prorrogar prazos da lei 6.404/76 para companhias abertas,
inclusive quanto à data de apresentação de suas demonstrações financeiras.
Nesse mesmo sentido, a autarquia editou: (I) Ofício Circular SNC/SEP 02/20,
recomendando que as demonstrações financeiras e proposta da administração
ressaltem os impactos econômico-financeiros advindos da pandemia; (II)
a deliberação CVM 848, de 25.03.20, que prorrogou prazos com vencimento
em 2020 previstos na regulamentação da CVM; e (III) a deliberação CVM 489,
de 31.03.20, que adiou o prazo de entrega de importantes informações
periódicas das companhias abertas.
Sob a perspectiva societária e o viés crítico sobre o cenário atual e pós-
pandemia, a edição dessas normas traz conclusões importantes.
A primeira delas é a de que aguardadas inovações normativas foram finalmente
editadas, sobretudo quanto à possibilidade de realização de reuniões ou
assembleias digitais e de voto e participação à distância de sócios. Todavia, a
agilidade com que a medida foi editada não deve ser interpretada como carta
branca para que qualquer sociedade a implemente, sem riscos.
E aqui surge a segunda, mas não menos relevante, percepção sobre o tema.
Tais regras, apesar de eficientes e bem estruturadas, podem acentuar
disparidades no ambiente societário, principalmente no que diz respeito à
desejada transparência e atualidade das informações divulgadas e à efetiva
participação dos envolvidos no procedimento de tomada de decisões
societárias.
Ao excepcionar ou prorrogar normas de participação societária e de divulgação
de informações e ao possibilitar encontros virtuais, acerta-se por abrir caminho
ao avanço tecnológico e por adaptar-se ao cenário atual, permitindo às
empresas concentrar esforços nos temas emergentes da pandemia e no ajuste
de suas informações, para divulgarem informações completas e atualizadas.
Entretanto, é essencial que tais normas não representem retrocessos para as
sociedades e seus sócios, de modo que seja assegurada ampla transparência
e eficiente participação de todos os interessados nas reuniões e assembleias.
Mais do que nunca, em um cenário de incertezas como o atual, é importante
que o sistema de “freios e contrapesos” societário funcione de maneira eficaz,
com ampla divulgação de informações completas e atualizadas e assegurando
o direito de participar e de fiscalizar por parte de sócios e investidores, seja
através da implementação das aludidas novidades normativas ou da
manutenção, ainda que dilatada no tempo, dos procedimentos tradicionais de
participação societária e de transparência.
Portanto, em última análise, a avaliação da exposição ao risco e dos efetivos
reflexos societários da pandemia de coronavírus, assim como do cabimento e
da forma de implementação das alternativas previstas nas normas aludidas
acima, dependem da verificação da situação em concreto de cada sociedade.
Sendo assim, é recomendável a apuração caso a caso desses impactos e a
composição de estratégia adequada e multidisciplinar, sem perder de vista a
efetiva participação e transparência junto a sócios e investidores.

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