Você está na página 1de 75

Direito

Constitucional FACULDADE DE DIREITO DA


UNIVERSIDADE CATÓLICA
PORTUGUESA
CURSO 2021
Prof. Tiago Duarte
“A Sebenta do Paquistanês”

Yehoshuah 1
Nota introdutória
O presente documento foi criado com o intuito de ser a melhor alternativa às restantes sebentas
existentes, mas também aos vários livros que nos são recomendados.
Por um lado, a maioria das sebentas disponibilizadas por colegas de anos superiores eram fracas,
não tendo conteúdo suficiente para garantir uma nota mais alta, especialmente numa cadeira com
oral. Por outro, a bibliografia recomendada é extensíssima (e caríssima), e as obras que a compõem
autênticos calhamaços – veja-se o livro de Canotilho; não estão, por isso, acessíveis àqueles com
menos posses, ou pelo menos, com menos paciência para ler centenas de páginas.
Esta sebenta está no justo meio: mais profunda que uma sebenta normal, mas sem os detalhes
desnecessários constantes nos livros. É a melhor e mais completa, pelo menos de que se tenha
conhecimento.
Assim, versa sobre toda a matéria dada por Tiago Duarte – Sistemas de Governo, Poder
Legislativo, Garantia da CRP, e art.º 2 –, aprofundando todos os temas que foram falados nas aulas,
e ainda abordando outros menos falados, mas que ainda assim têm relevância. Contém as histórias
políticas que o professor conta, valiosas na oral – são os “Momentos Históricos” -, e momentos
explicativos de conceitos mais complicados – apelidados de “Descomplicómetros”.
No fim, a Bibliografia, com as dez obras de referência utilizadas para construir este documento,
em articulação com as aulas de Tiago Duarte – TD ou TiDu, para abreviar.

Yehoshuah 2
Índice
I. CONSTITUIÇÃO, SISTEMAS DE GOVERNO E ELEIÇÃO .................................................................6
Constituição ......................................................................................................................................... 6
Sistemas de Governo ......................................................................................................................... 6
1. Parlamentarismo .................................................................................................................................. 6
2. Presidencialismo .................................................................................................................................. 7
3. Semipresidencialismo ........................................................................................................................ 8
3.1. Origens ............................................................................................................................................... 8
Sistemas Eleitorais ............................................................................................................................ 9
II. EM PORTUGAL .................................................................................................................................. 10
Presidente da República ................................................................................................................ 10
1. O presidente-moderador ............................................................................................................... 10
2. Eleição e substituição ...................................................................................................................... 11
Eleição – Art.ºs 121.º a 126.º .................................................................................................... 11
Substituição – Art.º 132.º ........................................................................................................... 11
3. Poderes e Competências – Art.º 133.º ..................................................................................... 11
3.1. Dramáticos .................................................................................................................................... 12
Dissolução da Assembleia da República – art.º 133.º-e, 172.º ............................... 12
Nomeação do Primeiro-Ministro – art. 133.º-f ............................................................... 14
Demissão do Primeiro-Ministro – art.º 195.º/2 ............................................................ 15
Prerrogativa presidencial de avaliação da viabilidade de subsistência ou de
formação de um governo ........................................................................................................... 16
3.2. Fracos .............................................................................................................................................. 17
3.3. Adenda ............................................................................................................................................ 17
Assembleia da República ............................................................................................................... 17
1. Eleição e composição – 149.º e 148.º ....................................................................................... 18
2. Organização – 171.º e ss. ................................................................................................................ 18
3. Relacionamento com outros órgãos ........................................................................................ 19
3.1. Relacionamento com o PR – Art.º 163.º - a, b, c ......................................................... 19
3.2. Relacionamento com o Governo – art. 163.º - d, e.................................................... 19
Fiscalização – art.º 177.º e ss ................................................................................................... 20
Regiões Autónomas – art.º 225 e ss ............................................................................................ 21
III. PODER LEGISLATIVO ..................................................................................................................... 22
Noções Introdutórias ...................................................................................................................... 22
1. Princípios do Poder Legislativo ................................................................................................. 22
Iniciativa e Competência ............................................................................................................... 23
1. Iniciativa – art.º 167.º ...................................................................................................................... 24

Yehoshuah 3
1.1. Breve apontamento sobre o referendo – art.º 115.º. ............................................. 25
2. Competência legislativa da AR – art.º 161.º, 164.º e 165.º ........................................... 25
2.1. Lei de Autorização Legislativa – art.º 165/2, 3 e 4 .................................................. 26
Decretos-Lei Autorizados (D-LA) .......................................................................................... 27
2.2. As Leis de Valor Reforçado (LVR) – art.º 112.º/3 ..................................................... 28
Leis Orgânicas (LO) ....................................................................................................................... 29
Cavaleiros de Lei Reforçada ..................................................................................................... 30
3. Competência legislativa do Governo – art.º 198.º ............................................................ 30
3.1. Reserva do Governo – art.º 198.º/2, 183.º/3, 198.º/1-c ....................................... 31
4. Poder legislativo das Regiões Autónomas (RA) – art.º 227.º...................................... 32
Procedimento Legislativo – art.º 167 e ss................................................................................. 33
1. Apreciação: Discussão e Aprovação – art.º 168.º .............................................................. 34
1.1. Quórum e Votações................................................................................................................... 35
Maiorias .............................................................................................................................................. 35
Quórum ............................................................................................................................................... 36
2. Intervenção do Presidente da República – art.º 136.º, 278.º e 279.º ..................... 37
2.1. Envio para TC............................................................................................................................... 38
2.2. Veto ................................................................................................................................................... 38
2.3. E nas RA? – 233.º ........................................................................................................................ 40
3. Referenda Ministerial – art.º 140.º........................................................................................... 41
4. Apreciação Parlamentar dos Decretos-Lei – art.º 169.º................................................ 42
IV. GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO .................................................................................................... 44
Fiscalização da Constitucionalidade - 277.º a 283.º ............................................................. 44
1. Ideias Gerais ......................................................................................................................................... 44
1.1. O que se fiscaliza?...................................................................................................................... 44
1.3. Tipos, formas e regimes da fiscalização ........................................................................ 46
Resumindo tudo o que foi dito atrás.................................................................................... 47
1.3. Efeitos .............................................................................................................................................. 49
Inconstitucionalidade consequente ..................................................................................... 50
2. Fiscalização abstrata por ação.................................................................................................... 50
2.1. Fiscalização preventiva abstrata por ação - art.º 278.º ........................................ 50
2.2. Fiscalização sucessiva abstrata por ação – art.º 281.º ........................................... 51
Efeitos................................................................................................................................................... 52
3. Fiscalização concreta – art.º 204.º e 280.º ............................................................................ 56
3.1. Efeitos .............................................................................................................................................. 57
4. Fiscalização da inconstitucionalidade por omissão ........................................................ 58
Revisão da Constituição – art.º 284.º a 289.º .......................................................................... 59
1. Procedimento ...................................................................................................................................... 60
2. Limites da Revisão Constitucional ............................................................................................ 61
2.1. Limites formais – 284.º, 285.º/1, 289.º .......................................................................... 61
2.2. Limites materiais – art.º 288.º. ........................................................................................... 62

Yehoshuah 4
Os limites do art.º 288.º .............................................................................................................. 63
A revisão do art.º 288.º ............................................................................................................... 64
2.2. Limite extra: revisão total .................................................................................................... 66
3. Inconstitucionalidades e fiscalização ..................................................................................... 66
V. PORTUGAL, ESTADO DE DIREITO E DEMOCRÁTICO .............................................................. 68
Esmiuçando ........................................................................................................................................ 68
1. Origem e diferenças dos princípios ......................................................................................... 69
2. Estado de Direito ............................................................................................................................... 70
3. Estado Democrático ......................................................................................................................... 71
4. Estado de Direito democrático: o equilíbrio virtuoso.................................................... 71
VI. CRONOLOGIA DOS GOVERNOS E MANDATOS ......................................................................... 72
VII. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................ 74

Yehoshuah 5
I. CONSTITUIÇÃO, SISTEMAS DE GOVERNO E ELEIÇÃO
Constituição
Quando falamos de uma Constituição em sentido formal, referimo-nos a um único documento que
assegura Direitos Fundamentais e a Separação de Poderes. No entanto, existem países que não
possuem uma Constituição em sentido formal, mas antes vários documentos, aprovados em
momentos distintos, que asseguram os Direitos Fundamentais e a Separação dos Poderes. É o caso
do Reino Unido.
Caso estes dois aspetos não estejam assegurados, o País não possui uma Constituição, mesmo que
tenha um documento com esse nome.
Para garantir a efetividade da Constituição, recorre-se à Fiscalização – a cargo dos Tribunais, em
especial o Tribunal Constitucional - e à Revisão Constitucional – a cargo da Assembleia da
República. Assim, nas palavras do Prof. Tiago Duarte, a CRP é uma árvore, e a Fiscalização
corresponde à colocação de uma cerca em sua volta – para evitar que seja danificada – e a Revisão
Constitucional corresponde ao cortar de ramos secos – retirar e alterar partes desnecessárias.
Neste semestre trabalharemos, primeiro, a Separação dos Poderes – na perspetiva dos sistemas
de governo, e mais tarde com enfoque no Poder Legislativo -, e depois a Garantia da Constituição
– olhando a Fiscalização e os mecanismos de Revisão.

Sistemas de Governo
A Separação dos Poderes prevista numa Constituição é o que define em que modelo esta se integra:
Parlamentar, Presidencial ou Semipresidencial. Este modelo não se altera pela atuação em
particular de um dos órgãos – se o PR for mais interventivo um país Parlamentar não se tornará
Presidencial -, nem pela mudança de circunstâncias políticas – como um Parlamento mais
pulverizado.
Assim, para integrar uma dada Constituição num dos vários modelos, Maurice Duvergier coloca
duas questões:
1. O papel do Chefe de Estado é relevante?
2. O Governo responde perante o Parlamento?

1. Parlamentarismo
O Parlamentarismo é caracterizado pelo eixo Parlamento – Governo, estando o Chefe de Estado
desvalorizado.
O Chefe de Estado pode ser um monarca – Parlamentarismo Monárquico – ou um Presidente –
Parlamentarismo Republicano. Em todo o caso, nenhum deles é eleito diretamente pelo povo: o

Yehoshuah 6
monarca recebe o cargo por hereditariedade, e o Presidente é eleito pelos deputados do Parlamento.
Tal vai explicar as seguintes respostas às perguntas de Duvergier:
1. Não. A Rainha/Presidente é um mero símbolo, sem funções relevantes e sem Legitimidade
Democrática Direta, por não ter sido eleito pelos cidadãos.
2. Sim. O Governo é filho do Parlamento – órgão com mais Legitimidade Democrática -, uma
emanação do mesmo, uma vez que é nomeado em função dos resultados eleitorais do
mesmo.
O Parlamentarismo pode levar a duas situações: o Parlamentarismo de Assembleia e o
Parlamentarismo de Gabinete.
O Parlamentarismo de Assembleia ocorre quando o Governo não possui um apoio sólido do
Parlamento, por ser apoiado por vários partidos. Como consequência, temos o Centro do Poder
no Parlamento, o Governo a ter de agradar ao Parlamento – por subsistir apenas enquanto o
Parlamento quiser – e Instabilidade.
Para evitar estas situações, surgem situações de parlamentarismo racionalizado, através da
implementação em especial de duas medidas: primeiro, uma percentagem mínima de votos para
a entrada dos partidos no parlamento – isto previne a existência de assembleias muito
pulverizadas, com muitos pequenos partidos apenas de nicho e protesto, que não contribuem para
uma eficaz solução governativa. Solução alemã.
Segundo, o mecanismo da moção de censura construtiva. A moção de censura construtiva é
aquela que aquando do momento da apresentação de uma moção de censura, tem de existir já um
novo governo indicado e com o apoio dos Deputados. Assim, evita-se que se deponha um Governo
sem se conseguir arranjar outro em alternativa, criando uma crise política – solução alemã e
espanhola.
Podemos ainda falar de algumas especialidades do sistema grego e italiano: nos casos em que
um partido não conseguia ter uma maioria absoluta, eram-lhe concedidos alguns deputados, para
promover a formação de uma maioria absoluta.
Estes mecanismos, embora se assumam, de certo modo, como um entorse à democracia, são
necessários para assegurar algo igualmente importante – a governabilidade.
O Parlamentarismo de Gabinete ocorre quando o Governo possui um apoio sólido do
Parlamento, por ter maioria absoluta. Como consequência, temos o Centro do Poder no Governo,
o Governo a controlar o Parlamento – o que, de certo modo, constitui uma inversão deste modelo
-, e Estabilidade.

2. Presidencialismo
O Presidencialismo é caracterizado pelo eixo Chefe de Estado – Governo, estando o Parlamento
desvalorizado.
Assim, responde às questões:

Yehoshuah 7
1. Sim. O Chefe de Estado absorve o papel do Chefe de Governo, e tem um Governo à sua
imagem: se o CE é Republicano, então o Gov. será Republicano.
2. Não. O Governo não está ligado ao Parlamento, mas sim ao Presidente.
Neste sistema, o Presidente e o Parlamento têm ambos Legitimidade Democrática Direta, e por
isso têm de coexistir, isto é, nenhum pode dissolver/demitir o outro. Isto leva a alguns problemas:
O Presidente pode ser de ideologia oposta ao Parlamento, o que bloqueia a ação política.
O Presidente pode ser de ideologia igual ao Parlamento, o que leva a uma ausência de escrutínio
e a uma deriva autoritária.
Para resolvê-lo, as eleições para o Parlamento ocorrem com uma periodicidade distinta da das
eleições Presidenciais. A Câmara dos Representantes é eleita de 2 em 2 anos. O Senado é
renovado de 6 em 6 anos, com eleições para 1/3 dos seus lugares de 2 em 2 anos. O Presidente é
eleito de 4 em 4 anos.

2021 2023 2025

PR. CR. PR.


CR. 1/3 Sen. CR.
1/3 Sen. 1/3 Sen.

3. Semipresidencialismo
3.1. Origens
O Semipresidencialismo traça as suas origens até 1919, na Alemanha, com a Constituição de
Weimar. Esta fugia ao Parlamentarismo e ao Presidencialismo, por o Chefe de Estado ser eleito
diretamente, e o Governo ser responsável perante o Parlamento.
Paralelamente, a Constituição Francesa de 1958. Inicialmente estabelecia um regime Parlamentar,
mas com a revisão de 1962 isso muda: o Presidente passa a ser eleito diretamente pelos cidadãos.
Assim, temos um sistema que responde afirmativamente às duas perguntas de Maurice Duvergier:
1. Sim.
2. Sim.
No semipresidencialismo, a figura do Presidente da República pode tomar várias formas:
presidente-liderante (França, um jogador nas disputas políticas), presidente-moderador (Portugal,
um árbitro nas disputas políticas) e presidente-cerimonial (Finlândia, um símbolo na vida política).

Yehoshuah 8
Sistemas Eleitorais
Um brevíssimo apontamento sobre sistemas eleitorais – já vistos em Fundamentos de Direito
Público -, algo simples e aparentemente desnecessário, mas relevante em sede de oral.
Existem três tipos de sistemas eleitorais: maioritários, minoritários, e mistos. Depois, existem os
círculos, que correspondem à divisão do território, normalmente associada a distritos.
Nos maioritários, o partido vencedor elege todos os deputados. Podemos ter:
 Círculos uninominais: cada círculo elege um deputado.
Caso do UK. Favorece partidos grandes, o voto útil, e gera mais responsabilidade/contacto
com o eleitorado, mais estabilidade.
 Círculos plurinominais: cada círculo elege mais do que um deputado.
Caso dos EUA.
Nos proporcionais, cada partido elege os deputados consoante a percentagem de votos alcançada.
Podemos ter:
 Círculos plurinominais parciais: cada círculo elege mais do que um deputado.
Caso Português. Promove multipartidarismo, pluralismo e instabilidade.
 Círculo nacional único: existe um único círculo para todo o país.
Caso de Israel.
Nos mistos, existem círculos uninominais maioritários e círculos proporcionais. É o caso Alemão.
Em Portugal, o nosso sistema é proporcional, com círculos plurinominais, e tal é um limite material
à Revisão Constitucional pelo art.º 288.º-h. Para converter os votos em deputados, utiliza-se o
método de Hondt.
No entanto, poderíamos ter alguns círculos uninominais (e por isso maioritários), e isso não
violaria o art.º 288.º-h, pelo menos enquanto houvesse um círculo plurinominal proporcional.
Mudar a natureza de todos os círculos, passando todos a serem uninominais, levaria a que
tivéssemos de abandonar o método de Hondt.

Yehoshuah 9
II. EM PORTUGAL
Mas porquê instaurar um Sistema Semipresidencialista em Portugal? Seis fatores contribuíram
para isso:
1. Queriam divisão dos poderes: O 25 de abril foi feito justamente contra a concentração de
poderes e autoritarismo, pelo que se procurava o sistema que mais dividisse os poderes.
Esse é o semipresidencialista.
2. Queriam modernidade: Procuravam-se novas soluções, e o Sistema Semipresidencial era o
mais recente.
3. Queriam manter a eleição direta do PR: Reflexo das boas memórias da campanha de
Humberto Delgado.
4. Não queriam a instabilidade do parlamentarismo: A CRP de 1911 instaurou um regime
Parlamentar, que se revelou instável. Pretendia-se evitar isso.
5. Não queriam repetir a experiência do Presidencialismo “de Primeiro-Ministro”: A CRP de
1933 concentrava o poder executivo no Chefe de Governo, à semelhança do que o
Presidencialismo faz com o Chefe de Estado. Não se queria um novo Salazar
6. Influência francesa: Muitos dos deputados constituintes estiveram exilados em França,
pelo que eram incapazes de fugir à influência do regime desse país.

A análise do Semipresidencialismo Português será feita em conjunto dos artigos da CRP.


Art.º 110.º: Elenca os órgãos de soberania – Presidente da República, Assembleia da República,
Governo, e Tribunais. Vamos ver agora como é que se caracterizam estes três primeiros órgãos, e
as suas relações entre si.

Presidente da República
1. O presidente-moderador
No semipresidencialismo português, o nosso Chefe de Estado é um presidente-moderador.
Assim, na matriz portuguesa, o PR tem função de:
 Representação nacional;
 Garante funcionamento das instituições democráticas;
 Moderação dos diferentes poderes públicos, assegurando a sua normalidade, equilíbrio e
estabilidade;
 Posição nacional, suprapartidária e equidistante relativamente às diferentes forças
políticas; não se envolve nas lutas políticas, e não deve agir como parte interessada nas
mesmas.
Não exerce nem compartilha do poder executivo governamental, não tendo funções governativas
– quem define, excuta, conduz e se responsabiliza pela política e programa do governo é o

Yehoshuah 10
Governo. Assim, não há bicefalia no executivo, pois Governo e PR não partilham poderes
executivos. Temos um Presidente da República garante, com poderes efetivos.
A Constituição Francesa é semelhante à CRP, mas enquanto a primeira evoluiu num sentido de
presidente-liderante, a nossa evoluiu para um sistema de presidente-moderador.
Esta evolução distinta é explicada pelas circunstâncias que revestiram os primeiros tempos
constitucionais. O primeiro Presidente da República, Ramalho Eanes, não tomou partido, não teve
uma atuação política de intervenção no executivo por razões partidárias, afirmou-se como
suprapartidário e equidistante, e isto explica-se. Eanes:
 Era um militar;
 Era CEMGFA, pelo que tinha de ser apartidário.
 Exterior aos aparelhos políticos e partidários;
 Tinha o apoio dos dois maiores partidos (PS e PSD);
 Apresentou-se com um programa nacional, orientado para a estabilidade e sem cariz
governativo;

2. Eleição e substituição
Eleição – Art.ºs 121.º a 126.º
Todos os maiores de 35 anos poderão ser candidatos. Será eleito o candidato que obter mais de
metade dos votos validamente expressos (deste conceito excluem-se nulos e brancos).

Substituição – Art.º 132.º


Assumida pelo Presidente da Assembleia da República. Ocorre por morte, doença, ou renúncia do
mandato. No entanto, não é algo linear: uma constipação, infeção por covid ou operação à hérnia
do Marcelo não exigiu substituição. Há que ter em conta se a doença implica afastamento das
funções, e mesmo em circunstância de afastamento, se é por um período curto ou não.
O PR interino pode fazer tudo o que não esteja referido no art.º 139.º.

3. Poderes e Competências – Art.º 133.º


Os poderes do PR advém da sua legitimidade democrática direta, e de carácter reforçado, por
dificilmente ser igualada por qualquer outro órgão; afinal, mais de 50% dos votos validamente
expressos têm de ir para aquele indivíduo – mais de 50% dos cidadãos votaram especificamente
naquele presidente -, enquanto tal percentagem não é necessária para, por exemplo, formar
governo.

Yehoshuah 11
O PR tem poderes formais – expressos na CRP – e poderes informais – não estão na constituição,
mas existem e são associados ao PR pela simples razão da titularidade do cargo, e das
possibilidades que este traz. Destes últimos, elencamos a força da palavra política do PR –
expressa nas mensagens que endereça ao país – e na famosíssima magistratura de influência.
Podemos também distinguir entre poderes dramáticos (dissolução AR, nomeação/demissão Gov.,
avaliação da viabilidade do Gov.) e fracos (veto, fiscalização da constitucionalidade, mensagem),
explícitos – na letra da CRP - e implícitos – no espírito da CRP.
O PR tem a chave do sistema político, que permite sempre resolver a situação política em
democracia – em último caso, dissolve-se a Assembleia da República.

3.1. Dramáticos
Dissolução da Assembleia da República, nomeação do Primeiro-ministro, demissão do Primeiro-
ministro (o Presidente da República é o único órgão que consegue por termo ao mandato dos outros
dois), e prerrogativa da avaliação da viabilidade de subsistência ou formação de um governo.
São apelidados de dramáticos por levarem a alterações fundamentais no panorama político
português, podendo mesmo reconfigurá-lo – caso da dissolução da AR por Sampaio, que passou
de uma MA do PSD/CDS para uma MA de Sócrates. → Ver pág. 16
Com eles, o PR influencia diretamente a vida política, determinando a vida e morte do Governo e
da Assembleia da República.

Dissolução da Assembleia da República – art.º 133.º-e, 172.º


Se no Presidencialismo Americano o Presidente e o Parlamento são obrigados a coexistir, por
ambos gozarem de Legitimidade Democrática Direta, no Semipresidencialismo Português o
Presidente da República pode dissolver a Assembleia da República, mas esta não o pode demitir.
É o grande poder do PR, refém apenas de duas restrições formais: uma temporal – não pode ser
nos seis meses seguintes às eleições da AR nem no último semestre do mandato do PR – e outra
circunstancial – não pode ocorrer durante o Estado de Sítio ou de Emergência. Não estando em
nenhum destes casos, basta ouvir os partidos e o CE – meras formalidades.
Apelidado por Jorge Reis Novais de “livre e incondicionado”, a verdade é que não é bem assim –
pelo menos para Tiago Duarte. O PR não deve exercê-lo por motivações políticas, para favorecer
ou prejudicar um certo partido. Formalmente pode – a CRP não contém nenhum limite nesse aspeto
– mas materialmente, não deveria fazê-lo, sob pena de desvirtuar o nosso modelo
semipresidencialista, aproximando-o de um presidente-liderante. Se o fizesse, seria uma
dissolução realizada à margem do espírito – mas não da letra, note-se - da nossa CRP, e seria bem
sancionado pela opinião pública (uma vez que a CRP não comporta sanções ao PR, salvo se
cometer crimes em funções) – encontramos aqui uma restrição material implícita.

Yehoshuah 12
Tiago Duarte acrescenta ainda que deve ser utilizado para resolver um problema – como a AR
encontrar-se incapaz de apoiar um Governo -, o que é mais uma restrição material implícita.
Este poder é enorme, por permitir redefinir o panorama político português, com a possibilidade
de originar uma AR completamente diferente da anterior – mais uma vez, o caso de Sampaio, ou,
mais recentemente, a dissolução de Marcelo, que levou a uma MA do PS, à queda do PCP e BE,
ao reforço de novos partidos (IL e CH) e ao extermínio de um partido fundador da democracia: o
CDS.
Assim, o PR fica com um grande poder de influência sobre o PM e a Assembleia, pois mesmo
o Governo com o apoio mais forte e convicto – caso de Santana Lopes – pode cair por força de um
ato de dissolução. Vimos essa tentativa de influência nos constantes avisos de dissolução que
Marcelo fez, caso o Orçamento de Estado não fosse aprovado.
E esta é a grande característica deste poder: nenhum órgão pode impedir o PR de o fazer. Enquanto
na nomeação, o PM tem de ser aprovado pela AR, pelo que o PR se encontra condicionado e pode
ver frustrada a sua tentativa de promover um Gov – como aconteceu com Cavaco Silva, ao nomear
Passos Coelho em 2015 -, neste poder de dissolução, tal não acontece. AR nada pode fazer para
impedir a dissolução. O PR tem a faca e o queijo na mão, sendo a última palavra não a da AR,
mas a do eleitorado.
Depois, dá-lhe outro poder: o controlo do calendário político, pois, a dissolução tem de ser
acompanhada de marcação de eleições, sob pena de inexistência do ato. Quem marca as eleições?
O PR, que pode escolher livremente.
Todavia, este é um poder que comporta risco para o PR, por colocar em jogo a sua imagem e
futuro:
 Se o eleitorado votar de modo a renovar o mandado do Governo antes em funções,
mantendo o essencial da composição da AR, então o PR sai desautorizado, tendo
provocado instabilidade desnecessariamente – justamente aquilo que o PR não deve fazer
– e levado a cabo um ato mal pensado.
 Se o eleitorado votar de modo a originar um Governo diferente do anterior, ou pelo
menos alterar a AR de modo substancial, então o PR sai reforçado, por ter interpretado
corretamente o panorama político, adivinhando que a AR já não representava corretamente
os cidadãos, e executado um ato que estava de acordo com os desejos da vontade popular.
Este poder não deve ser considerado como forçosamente sancionatório, surgindo antes para
resolver uma crise – ou mesmo evitá-la.
Importa dizer que a dissolução deste órgão não implica a demissão do Governo: por não constar
do art.º 195.º/1, o antigo governo só cessa funções no dia em que o novo Primeiro-Ministro é
nomeado.

Yehoshuah 13
GOV 1: Funções Totais GOV 1: Funções Gestão GOV 2: Funções Gestão GOV 2: Funções Totais

Dissolução Eleições Nova GOV 1 Apreciação do


AR AR demitido, Programa do
P-M 2 Governo
nomeado

As “funções de gestão” – art.º 186.º/5 – são difíceis de definir, por não se saber bem o que são “
atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”. Tudo dependerá das
circunstâncias concretas em que o País esteja. No entanto, é certo que o Governo poderá exercer
funções legislativas: o que importa não é natureza dos atos, mas antes o alcance que estes terão.

Nomeação do Primeiro-Ministro – art. 133.º-f


A nomeação do Primeiro-Ministro ocorre, após audição dos partidos e atendendo aos resultados
das eleições parlamentares, segundo o Art.º 187.º.
O poder de nomeação, embora importante, está fortemente condicionado pela composição da
AR: só será PM aquele que a AR aprovar. Por isso, o PR, na maioria dos casos não tem uma
margem de manobra grande, tendo apenas uma, ou no máximo duas, opções de escolha e com
possibilidades de se manterem em funções – havendo uma MA, o PR não tem outra alternativa
que não seja nomear o líder desse partido. Assim, quanto mais incerto for o resultado das
eleições, e mais pulverizada estiver a Assembleia, maior será o poder do PR.
Deste modo, o Primeiro-Ministro é-o por força do Presidente da República, mas só se pode manter
como tal com o apoio do Parlamento. Assim, embora o Governo responda em simultâneo perante
a Assembleia da República e o Presidente da República (art.º 190), falamos de uma
responsabilidade distinta: política, no que toca à AR, e meramente institucional, no que
concerne ao PR. Como consequência, este último não pode demitir o Governo por motivos
ideológicos, ao passo que essa faculdade assiste à Assembleia da República.
No entanto, nem sempre foi assim. Até à revisão de 1982, o Governo respondia de igual modo
perante a Assembleia da República e o Presidente da República. Isto colocava-o numa posição um
tanto quanto esquizofrénica: se a AR fosse de Direita, e o PR de Esquerda, como deveria o Governo
atuar, sendo clara a impossibilidade de agradar a ambos?

Yehoshuah 14
Importa ainda falar dos Governos de Iniciativa Presidencial (GIP). Em boa verdade, não existe
nenhum artigo que diretamente os proíba, ou até permita, mas estes estiveram em voga após as
primeiras eleições, nos idos anos de 1976.
Os GIP surgem, então, num momento em que a AR era incapaz de gerar um governo, e em que
a CRP estatuía que o Governo era responsável perante o PR. Este, então, decide nomear
indivíduos que não os lideres dos partidos mais votados. Aconteceu três vezes. → Ver pág. 72

Momento histórico #1
Corre o ano da graça de 1978, e o Governo de Mário Soares, em coligação com o CDS, desintegra-
se. Face a isto, PR Ramalho Eanes considerou que a AR era incapaz de gerar um governo estável:
Afinal, o PS não tinha maioria absoluta, e não se queria coligar com a extrema esquerda (PCP)
para formar governo; por outro lado, a direita unida (PSD e CDS) também não alcançavam uma
maioria absoluta.
Por isso, Eanes decide arrojadamente nomear para PM uma figura fora dos partidos –Nobre da
Costa, levando a cabo o primeiro Governo de Iniciativa Presidencial. A ideia era que por Nobre
da Costa não ter carreira nem cor política assumida, não haveria preconceito ideológico por parte
dos partidos, e este não seria reprovado pelo parlamento. Tristemente, passou-se o inverso: por
não pertencer a nenhum partido, Nobre da Costa não foi apoiado por nenhum. Os partidos
consideraram que se o fizessem estariam a normalizar a nomeação de um chefe de governo que
não pertencesse a nenhum partido político, e assim a normalizar o poder do Presidente de ignorar
as eleições e nomear alguém à sua escolha.
Assim, o programa do novo governo foi chumbado pelo parlamento, o que implica a sua demissão
(art.º 195.º/1-d), e Eanes teve de arranjar outra opção.
1

Demissão do Primeiro-Ministro – art.º 195.º/2


A demissão também não é um poder com grande possibilidade de exerção, por se afigurar como
uma ação de último recurso, uma válvula de segurança, por assentar num requisito formal
muito específico: assegurar o funcionamento das instituições democráticas. Assim, quatro
pressupostos devem estar reunidos:
1. Situação de irregular funcionamento das instituições, ou iminência da mesma.
2. Situação suficientemente grave para justificar o uso deste poder.
3. Não estarem disponíveis outros meios.
4. A demissão deve assumir-se como um modo de repor o regular funcionamento das
instituições.

1
Obrigado, DSL.
15
Yehoshuah
Dada a especificidade de tal poder, não espanta que, desde 1982 – altura em que surgiu este número
-, nunca tenha sido utilizado – nem mesmo com Santana Lopes, ao contrário do que costuma ser
dito.
Mesmo que o Primeiro-Ministro seja demitido, continua em funções (ainda que de gestão) pelo
menos até que seja nomeado novo Governo – aí será exonerado.
Por isso, é seguro concluir que, no que toca à relação que mantém com o Governo, nem o poder
de nomeação – por se encontrar extremamente condicionado – nem o poder de demissão – por
estar desenhado para situações muito peculiares – se afiguram como os principais poderes de
intervenção que o Presidente da República possui nessa matéria.

Momento histórico #2
Estamos no ano de 2002, e o PSD ganha as eleições. Depois, coliga-se com o CDS, formando
uma maioria absoluta (MA). PR Sampaio nomeia Durão Barroso como PM, sendo Santana
Lopes (SL) o seu n.º2.
Dois anos depois, Durão Barroso demite-se (quer fazer Erasmus em Bruxelas, como Presidente
da Comissão Europeia). Face a isto, Sampaio podia:
1. Nomear SL PM: Afinal, mesmo com SL em vez de Durão, o CDS mantinha o seu apoio
ao PSD. Para todos os efeitos, nada mudava.
2. Dissolver a AR: opinião do PS, por dizer que o povo português votou em DB (digo
Durão Barroso, não Diogo Batáguas) para PM, não no SL.
Sampaio escolhe nomear SL PM, mas passado alguns meses de governo (e também algum
desgoverno) anuncia que vai dissolver a AR: na sua opinião, o governo de Santana era instável,
e vontade do país tinha mudado. Face a isto, SL demite-se antes do ato da dissolução da AR.
Novas eleições são marcadas, e Sócrates (o Zé, não o grego) ganha com MA. O resto todos
sabem (correu mal).
Assim, para todos os efeitos, Sampaio nunca demitiu Santana Lopes. Foi o próprio SL que o
fez.

Prerrogativa presidencial de avaliação da viabilidade de subsistência ou de


formação de um governo
É um poder informal, por não estar no texto da CRP, que remonta ao tempo de Eanes.
No entanto, existe, e prende-se com a avaliação política que o PR faz num momento de crise,
iminência de crise, ou simplesmente pós-eleitoral, da viabilidade ou subsistência de um governo,
decidindo em conformidade com essa avaliação.
É neste poder que se baseia a capacidade de intervenção política do PR no nosso sistema de
Governo. Afinal, toda a nomeação e demissão do Governo, bem como toda a dissolução da AR,
implica uma análise levada a cabo pelo PR sobre as circunstâncias políticas e as condições

Yehoshuah 16
governamentais do momento. No fim, as condições que justificam ou garantem a entrada em
funcionamento ou manutenção de um Governo. Assim, esta reflexão constante que o PR faz
permite que possa intervir de modo autónomo, escolhendo as circunstâncias em que intervém:
pode utilizar os seus poderes não só para resolver uma crise, como também para evitar que uma se
forme posteriormente (o argumento de Sampaio).
Esta avaliação do PR gera uma opinião, que pode mesmo ser contrária à da maioria parlamentar –
no caso de Sampaio, a MA (PDS + CDS) considerava que o governo Santana Lopes mantinha-se
viável. Sampaio não, pelo que dissolveu a AR.
Mas, mais uma vez, os atos em que esta avaliação se traduz não são arbitrários nem
inconsequentes: o PR está sempre condicionado pelos requisitos formais da CRP – como na
demissão do Gov -, pelas circunstâncias políticas – a composição da AR, na altura da nomeação –
e na matriz do nosso sistema – um PR moderador, suprapartidário e neutro.

3.2. Fracos
Falamos do poder de veto, de fiscalização da Constitucionalidade, de nomeação do Representante
da República (RR) de uma Região Autónoma, de influência, e de mensagem.
Os poderes são fracos, não por inerência – afinal, também produzem consequências políticas –
mas por comparação com aqueles que vimos supra, uma vez que não resultam em alterações tão
patentes e determinantes no nosso panorama político.
Sobre o veto e a fiscalização da Constitucionalidade, ver pág. 38.

3.3. Adenda
Agora, importa analisar a atuação geral do PR. Se usar os seus poderes para se opor continuamente
ao Governo – vetando leis, exigindo a sua fiscalização, adiando a promulgação, competindo com
ele pelo executivo – embora não esteja a incumprir limites formais da CRP, está em por em causa
a matriz portuguesa do presidente-moderador, abandonado a sua posição de árbitro,
suprapartidário e neutral, representante dos interesses de todos os portugueses e não de uma força
política em especial.
Do mesmo modo, se ele não os usar de todo – evitando vetar leis e produzir mensagens críticas ao
governo – também está a por em causa o nosso sistema político – desviando a posição do PR no
nosso sistema para o presidente cerimonial -, embora não esteja a incumprir nenhuma norma
constitucional.

Assembleia da República

Yehoshuah 17
1. Eleição e composição – 149.º e 148.º
A Assembleia da República é composta pelo plenário – hemiciclo onde os deputados discutem e
votam propostas – e pelas comissões – que analisaremos no ponto 3.2.
Os deputados da Assembleia da República são eleitos através de círculos plurinominais –
correspondentes à área de cada distrito. Os votos de cada círculo são convertidos em mandatos
através do Método de Hondt.
No entanto, a lei pode mudar o nosso sistema eleitoral, nomeadamente a natureza dos círculos:
tornar alguns círculos uninominais, por exemplo, ao invés de plurinominais; nos círculos
uninominais, o método de Hondt seria descartado. Importa vincar que não podemos ter apenas
círculos uninominais, por ir contra o Art.º 288-h, que exige a existência de um sistema
proporcional.
Os deputados são, no mínimo, 180, e no máximo 230. A lei eleitoral determina ao certo o número
(230). Assim, para fazer alterações entre estes valores (passar de 230 para 200 deputados), basta
mudar a lei eleitoral; já para fazer alterações fora destes valores (230 para 420), é forçoso rever a
constituição.

2. Organização – 171.º e ss.


A AR reúne por direito próprio, perante ninguém. Tal reunião marca o início de nova legislatura.
Uma legislatura tem a duração de quatro anos parlamentares/sessões legislativas. Estas
correspondem, grosso modo, ao ano escolar: iniciam-se a 15 de setembro e terminam a 15 de junho
– art.º 174.º/2.
Se houver uma dissolução a meio de uma sessão legislativa (em janeiro, digamos), teremos, por
exemplo, uma nova AR em março, e a sua sessão legislativa será mais longa: irá de março de 2022
a junho de 2023. Por isso, completa a SL anterior – março de 2022 a junho de 2022 - e cumpre a
seguinte – setembro de 2022 a junho de 2023, tudo isto numa única sessão legislativa – art.º
171.º/1.
Assim, as coisas passam-se deste modo:
1. AR reúne por direito próprio. Início de uma nova legislatura.
2. Governo anterior demitido. → Art.º 195.º/1- a → Ver pág. 14
3. PM do novo Governo nomeado. → Art.º 133.º- f
4. Governo anterior exonerado → Art.º 133.º- g

Yehoshuah 18
3. Relacionamento com outros órgãos
3.1. Relacionamento com o PR – Art.º 163.º - a, b, c
É limitado – resume-se a meras formalidades – e não político – apenas com funções
parajuridicionais. Assim, a AR deve:
 Testemunhar a tomada de posse do Presidente da República.
 Assentar a ausência em território nacional do Presidente da República,
 Promover o processo de acusação do Presidente da República por crimes cometidos
durante as suas funções.

3.2. Relacionamento com o Governo – art. 163.º - d, e


Formalmente, a Assembleia da República não nomeia o Governo, embora influencie em muito tal
ato, como vimos supra. No entanto, pode demiti-lo de três modos: rejeição do programa do governo
(no momento da sua apresentação), rejeição de uma moção de confiança, e aprovação de uma
moção de censura – estas últimas já durante o exercício de funções do governo.
Sobre a rejeição do programa do governo, é relevante dizer que em Portugal o programa de
governo tem de ser apreciado pela AR, mas isso não implica que tenha de ser votado. Não existe,
por isso, um modelo de investidura parlamentar. No caso de algum grupo parlamentar propor a
sua votação, a rejeição do programa exige maioria absoluta dos deputados em efetividade de
funções. Foi o que ocorreu com Passos Coelho, no seu segundo governo.
Uma moção de censura é dirigida contra o governo, e pode ser apresentada de dois modos: por
um grupo parlamentar, ou por ¼ dos deputados – 58. Exige maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções – 116 votos favoráveis. Foi o que ocorreu no primeiro Governo de Cavaco
Silva.
Existe a ideia de que, após aprovada uma moção de censura, o eleitorado tem tendência em
promover quem a sofre – reforçando o seu governo – e punir quem a origina – reduzindo a sua
expressão no Parlamento.
Uma moção de confiança é dirigida à Assembleia da República, e apresentada pelo Governo.
Exige maioria simples. Só aconteceu uma vez em Portugal, no primeiro Governo de Mário Soares.
O facto de Portugal não ter um modelo de investidura parlamentar, da uma moção de censura –
que derruba o governo – necessitar de 116 votos favoráveis, e uma moção de confiança – que
reforça o governo – necessitar de uma maioria simples, não nos deve ser indiferente: revela uma
tentativa de garantir estabilidade governativa, e apoiar governos minoritários.

Yehoshuah 19
Momento histórico #3
Estamos em 1985, e o jovial Cavaco Silva ganha as eleições sem MA. No parlamento, temos o
PRD, partido com grande expressão – 42 deputados -, feito à imagem e semelhança de Ramalho
Eanes.
Em 1987, o vil PRD apresenta uma Moção de Censura, com o intuito de derrubar o governo
cavaquista e posteriormente formar uma coligação PS-PRD-PCP. A oposição une-se, e a moção
é aprovada: o Governo de Cavaco cai, e o povo chora.
Face a isto, Mário Soares, PR da altura, vê-se numa situação inédita: nunca se aprovara uma MCe.
Podia nomear um PM líder do segundo partido, mas isso não lhe era politicamente favorável: o
líder do PS era opositor de MS, o líder do PRD era Ramalho Eanes (que tinha demitido MS no
fatídico ano de 1976), e Soares sempre quis demarcar-se do PCP. Por isso, opta por dissolver a
AR e convocar novas eleições. Nelas, os portugueses atribuem MA a Cavaco Silva, e punem o
PRD: passa de 42 para 7 deputados.
Desde aí, nunca mais foi aprovada uma MCe. Os partidos preferem chumbar leis estratégicas –
como PEC4, de Zé Sócrates, ou a Lei do Orçamento, de Anthony Coast – do que correr o risco
de tomarem o mesmo destino que o PRD.

Sobre maiorias e quórum, ver pág. 35.

Fiscalização – art.º 177.º e ss


A relação da Assembleia da República com o Governo também pode assumir outras formas, como
perguntas, e idas de membros do governo a Comissões de Inquérito e ao Parlamento.
Existem quatro tipos de comissões:
 Comissão Permanente (179.º): Só existe quando a AR se encontra dissolvida.
 Comissões Permanentes (178.º/1): são comissões especializadas, que existem sempre. No
início da legislatura, são fixadas que comissões permanentes existirão; Não podem ser mais
do que 14.
 Comissões eventuais (178.º/1): Não existem sempre, aparecem e desaparecem conforme
sejam necessárias. Podem ser:
o Parlamentares de Inquérito (178.º/1 e 4.):
Podem ser são constituídas por voto de 1/5 dos deputados (46). É um direito
potestativo dos partidos
As Comissões Parlamentares de Inquérito são um modo da AR fiscalizar a atividade
do Governo, inserindo-se na atividade informativa e cognoscitiva do Parlamento.
Podem versar sobre qualquer tema de interesse público, relevante para a atividade
da AR. A sua finalidade é fazer uma avaliação, para depois retirar as consequências
necessárias disso.
o Outras, constituídas com qualquer fim /178.º/1): exigem a iniciativa de um mínimo
de dez Deputados.

Yehoshuah 20
As comissões espelham a composição da AR – se o PS tem MA na AR, então terá MA nas CPI –
o que pode originar alguns constrangimentos, pois estas regem-se pela regra da maioria.

Regiões Autónomas – art.º 225 e ss


Os órgãos das regiões autónomas são a Assembleia Legislativa Regional, o Governo Regional e o
Representante da República. O Representante da República é o equivalente ao PR, e é nomeado
pelo mesmo. Os deputados eleitos por eleição direta, através do método de Hondt.
Os artigos sobre as regiões autónomas estão resumidos, de modo a não copiar os artigos sobre o
Governo e a AR. Assim, embora não se fale em moções de censura ou confiança, estas podem
ocorrer.
O Governo não pode ser demitido pelo PR nem pelo RR – cabe exclusivamente à ALR demiti-lo.
De qualquer dos modos, o PR pode sempre dissolver a ALR, munido da sua LDD reforçada.
Assim, percebemos que o modelo regional é mais parlamentar que o modelo nacional.

Yehoshuah 21
III. PODER LEGISLATIVO
Noções Introdutórias
Munindo-nos da pirâmide de Kelsen, podemos
distinguir três tipos de poderes: Poder Constitucional, PC
CRP
Poder Legislativo e Poder Administrativo. A cada um Fronteiras
correspondem diferentes atos normativos. hierárquicas
Só existem relações hierárquicas entre poderes. As Leis, D-L,
PL
relações hierárquicas podem ser de DLR
inconstitucionalidade – quando uma lei ou regulamento
é contrário à CRP – ou ilegalidade – quando um PA
regulamento é contrário a uma lei. Dentro dos poderes -
Regulamentos
entre leis e decretos-lei, por exemplo - apenas temos
relações valorativas, como iremos ver.

1. Princípios do Poder Legislativo


A CRP distingue três órgãos legislativos: AR, Gov. e ALR
O primado do poder legislativo é detido pela AR. O referendo não o afeta – as questões mais
importantes estão fora do escopo dele -, mas a integração europeia sim:
1. As normas da EU vigoram diretamente na ordem interna, ao contrário de outros tratados
internacionais, que têm de ser aprovados pela AR.
2. A ampliação das matérias legisladas pela EU leva a um fenómeno de evasão legislativa: a
função legislativa nalgumas matérias recairá sobre o Conselho Europeu – e já não sobre a
AR -, sendo este formado por membros do Governo (ministros).
Por isso, vemos uma modificação tácita ou indireta dos artigos 161.º, 164.º e 165.º.
Diz-se que a AR é o órgão de poder legislativo por excelência, mas a verdade é que o Governo
aprova mais Decretos-Lei do que a Assembleia aprova leis. São, pois, atos legislativos distintos:
 Decretos-Lei: Mais densos, complexos e técnicos. Processo de elaboração não é público,
pelo que têm preâmbulo – explica os motivos da lei.
 Leis: Menor qualidade técnica, com teor mais político. Processo de elaboração é público –
as discussões e votações têm lugar na AR ou em comissões – pelo que não têm preâmbulo.

A CRP distingue três formas de atos legislativos – lei, D-L, e DLR. Podemos encontrar
subcategorias, como as Leis de Valor Reforçado e as Leis de Autorização Legislativa (LAL), ou
os Decretos-Lei Autorizados (D-LA). → Ver pág. 26

Yehoshuah 22
Existem também atos que interferem com o exercício da função legislativa, uma vez que possuem
força afim de força de lei: referendo, declaração de estado de sítio ou de emergência, declaração
de guerra pelo PR e subsequente autorização pela AR, decreto de nomeação dos Ministros e
Secretários de Estado, e resolução da AR de cessação ou de suspensão de vigência de D-LA ou
Decretos Legislativos Regionais Autorizados.
Os regulamentos não podem assumir função de lei, isto é, fazer o mesmo que uma lei, ao invés de
apenas garantirem a boa execução das leis (art.º 199.º-c). Por oposição ao fenómeno de legalização
supra descrito, existe o fenómeno de deslegalização: as leis são rebaixadas a regulamento.
Do mesmo modo, quando as leis carecem de regulamentos de execução, não entram em vigor
apenas no dia em que estes surjam – tal equivaleria a conferir ao PA a faculdade de determinar a
vigência das leis.
Assim, podemos distinguir oito princípios constitucionais do poder legislativo:
1. Só têm PL os órgãos que a CRP estabelece como tal.
2. Só são atos legislativos os definidos pela CRP, e nenhuma lei pode criar outras formas de
lei ou categorias de atos legislativos (art.º 112.º/5).
3. Cada órgão têm as suas faculdades legislativas atribuídas pela CRP. Faculdades não
atribuídas a certo órgão não podem ser arrogadas por ele em caso algum.
4. Só podem haver LAL´s nos casos previstos na CRP: da AR para o Gov. e da AR para a
ALR. Do mesmo modo, não existem subautorizações: um órgão que tenha uma LAL não
pode delegar a outro órgão as competências dadas por essa LAL.
5. Um órgão ter competência legislativa (CL) sobre uma matéria pressupõe que tenha a
faculdade não só de criar, mas também interpretar, modificar, suspender e revogar normas
sobre essa matéria.
6. Ocorrendo alterações nas CL de cada órgão (por força de uma revisão constitucional), os
atos praticados mantêm-se válidos e eficazes, embora o restante da CL (interpretação,
modificação, suspensão e revogação) seja agora do outro órgão.
7. As Leis de Bases (LB → Ver pág. 31) devem ter um conteúdo útil, sob pena de frustrar o
sentido da reserva destas LB, e cometerá desvio do PL.
8. Nenhum órgão pode determinar o se e quando da atividade legislativa de outro órgão.

Iniciativa e Competência
A iniciativa legislativa é diferente da competência legislativa. A primeira implica a faculdade de
um órgão para propor e apresentar, enquanto a segunda a de um órgão discutir e aprovar. Muitas
vezes, um órgão não tem competência para legislar sobre determinada matéria, mas possui
iniciativa para apresentar uma proposta ou projeto de lei sobre o tema.

Yehoshuah 23
1. Iniciativa – art.º 167.º
O sistema português é de iniciativa pluralista, pelo poder de iniciativa ser atribuído a várias
entidades. Nesse sentido, são cinco as entidades que podem apresentar uma proposta de lei,
projeto-lei, ou referendo:
 Deputados.
 Grupos parlamentares (GP);
 Governo (art.º 197.º/1-d)
 Assembleias Legislativas Regionais (mas apenas sobre matérias referentes às RA, quando
a ALR não pode legislar sobre a matéria).
 Grupos de cidadãos (são necessários 35 000 cidadãos).
Vamos centrar-nos nas propostas e nos projetos-lei. Daqui, podemos criar dois grupos: a iniciativa
interna e a iniciativa externa.
A iniciativa interna é levada a cabo pelas entidades “da casa”, isto é, da AR: Deputados e grupos
parlamentares. Apresentam projetos-lei.
A iniciativa externa baseia-se numa dinâmica interorgânica, por ser levada a cabo pelas entidades
“fora a casa”: Governo, Assembleias Legislativas Regionais e Grupos de cidadãos. Apresentam
propostas de lei.
Particularidades:
 167/2: Limitação à iniciativa dos deputados, GP’s, ALR e GC’s: não podem elaborar
projetos ou propostas que impliquem refazer a Lei do Orçamento, por aumentarem
despesas ou diminuem receitas – é a lei travão.
 167/4: Quando rejeitados, os projetos/propostas-lei não podem ser renovados na mesma
SL.
 167/5: Quando não votados numa SL, os projetos/propostas serão votados na seguinte, não
sendo necessário renovação.
 O Governo pode apresentar propostas de lei sobre matérias que ele mesmo pode legislar,
isto é, que incidam sobre o domínio concorrencial. → Ver pág. 25 e 30
Para além da externa e interna, podemos caracterizar a iniciativa de outros modos:
 Iniciativa originária: desencadeia um processo legislativo, tem um carácter primário e
definidor. Projetos e propostas de lei.
 Iniciativa superveniente: traduz-se em propostas de alteração e textos de substituição, que
têm um carácter secundário, por estarem reportados sempre a um projeto ou proposta de
lei. Prevista no 167.º/8. Podem ser apresentados até à VE. → Ver pág. 34
 Iniciativa genérica: versa sobre quaisquer matérias, salvo reservas da CRP. É a dos Dep,
Gov, GP e grupos de cdds.
 Iniciativa específica: a das ALR, por exemplo, por versar sobre matérias que concernem
apenas às RA.

Yehoshuah 24
A iniciativa é concorrencial, pois os projetos e propostas de lei podem versar sobre as mesmas
matérias – embora exista ainda um princípio de cortesia do Gov. de não legislar sobre matérias
que estejam pendentes na AR na forma de projeto-lei ou proposta de lei.
Existe iniciativa reservada em matérias específicas – Lei do Orçamento, apresentada apenas pelo
Governo -, que só atingem a iniciativa originária – art.º 161.º-g.

1.1. Breve apontamento sobre o referendo – art.º 115.º.


Este artigo parece que foi redigido por uma criança de cinco anos, pelo que não nos alongaremos
muito nesta matéria – embora surja em algumas perguntas orais.
O referendo ocorre quando os cidadãos são chamados a votar sobre determinado tema. Na maior
parte das vezes, versa sobre se o Estado deve ou não legislar sobre determinada matéria, ou como
é que deve legislar sobre essa matéria. Por isso, o referendo não é uma lei, mas influencia leis,
quer as já existentes, quer as leis que possam surgir. Possui uma força afim de força de lei.
Nele, existem dois tipos de resposta:
 Positiva, que traduz a necessidade de fazer uma lei sobre a matéria em causa; neste caso, o
PL terá de aprovar uma lei em 60 ou 90 dias. É parecida com uma LAL por fixar um sentido
normativo que se impõe, mas também diferente, pelo facto da LAL - ser permissiva, ao
passo que o referendo é imperativo -, e a liberdade do legislador ser maior no referendo do
que na LAL.
 Negativa, que recusa essa lei. Na segunda hipótese, não o poderão fazer, salvo com nova
AR ou novo referendo com outra resposta.
A violação do conteúdo referendário pode dar-se por ação ou omissão. Ação, quando se aprova
uma lei que colide com o referendo; a consequência será a ilegalidade. Omissão, quando não se
aprova uma lei que deveria ser aprovada.
A iniciativa compete às entidades do art.º 167.º/1. Recebida a proposta — que, uma vez
apresentada, não pode ser retirada — o Presidente da República convoca o referendo (art.º 134-c).
Pode não o fazer, passando para fiscalização preventiva – art.º 223.º/3-f – ou devolver a proposta
à AR, para efeito de reformulação da pergunta.

2. Competência legislativa da AR – art.º 161.º, 164.º e 165.º


Composta por três grupos: reserva absoluta, reserva relativa e concorrencial.
No domínio concorrencial, inserem-se todas as matérias, menos as de RR, RA, e Reserva do
Governo. Assim, ou a AR (161.º- c) ou o Gov. (198- a) legislam.
Na reserva absoluta (RA), só AR pode legislar – isto é, aprovar; a iniciativa pode surgir das cinco
entidades – sobre as matérias do 164.º, 161.º e 293.º.

Yehoshuah 25
Na reserva relativa (RR), as matérias do 165.º podem ser aprovas de dois modos:
 Por lei da AR: AR legisla, mas Gov, pode apresentar proposta de lei para AR aprovar.
 Por D-L autorizado do Governo: é o Gov. que legisla, apresenta proposta de lei para ele
mesmo aprovar. Necessita de uma lei de autorização legislativa (LAL), dada pela AR.

2.1. Lei de Autorização Legislativa – art.º 165/2, 3 e 4


A LAL é uma lei habilitante, por habilitar o Governo a legislar sobre determinada matéria da
reserva relativa. Podem ser conferidas ao Governo, ou às Assembleias Legislativas Regionais →
Ver pág. 32
Mas não deve ser encarada como um cheque em branco. Pelo art.º 165.º/2, a LAL tem de
determinar as condições para o governo legislar sobre aquela matéria, que se resumem a quatro
elementos: objeto, sentido, extensão e prazo.
O objeto refere-se ao tema; o sentido, aos “fins axiais ou estruturantes a prosseguir”; a extensão,
ver exemplo; o prazo define até quando é que esta autorização é válida. Se um destes elementos
não estiver contemplado, a LAL é inconstitucional.
Por exemplo: caso a AR aprovasse que uma LAL que autorizasse o Gov. a legislar sobre impostos
(165.º/1-i), estaria definido:
 Objeto: determina se falamos do IVA, IRS ou IRC.
 Sentido: determina se falamos de um aumento ou diminuição desse imposto.
 Extensão: determina até quanto esse imposto pode ser aumentado ou diminuído - 10%?
30%?
 Prazo: 6 meses, por exemplo.
Particularidades:
 165.º/3: Sobre a sua utilização, dois princípios:
1. LAL’s não podem ser usadas mais de uma vez. Se Gov a utilizar, mas meses depois
notar que cometeu um erro no D-LA, não poderá voltar legislar com aquela LAL,
mesmo que esteja dentro do prazo.
2. LAL’s podem ser usadas de forma parcelada: se a LAL permite Gov legislar sobre
arrendamento rural e urbano (165.º/1-h) durante 90 dias, Gov pode legislar primeiro
sobre o rural, e passado 60 dias sobre o urbano.
 A LAL pode esgotar-se de quatro modos:
1. Fim do prazo;
2. Utilização pelo Gov: é o princípio da irrepetibilidade.
3. Revogação pela AR: pode ser expressamente (por lei que expresse a revogação) e
tacitamente, por publicação de uma lei que regula as matérias da LAL.
4. Por caducidade (art.º 165.º/4): uma LAL caduca se antes do D-LA ser aprovado:
a. A AR for dissolvida:

Yehoshuah 26
b. O Gov. demitido;
c. A legislatura terminar.
Parte da ideia da LAL basear-se numa situação de confiança entre aquela AR e aquele
Governo em específico. Tiago Duarte é contra a caducidade.
Depois de nova AR reunida, Gov. tem de voltar a apresentar a proposta de LAL.
 Se o Gov. tem uma LAL com prazo de 90 dias, tem de entregar ao PR o D-LA para
promulgação até ao 90.º dia. Mesmo que o PR só o promulgue no 100.º dia, o D-LA é
válido. Se o Gov. aprovar o D-LA em conselho de ministros no 90.º dia, mas só o entregar
no 91.º, o DL já não é válido.
As LAL´s só são verdadeiras LAL´s quando versam sobre as matérias da reserva relativa - art.º
165.º. Caso contrário, não são verdadeiras LAL´s, e o D-LA não tem de respeitá-las. Em boa
verdade, nesses casos, nem se deve falar de D-LA.

Decretos-Lei Autorizados (D-LA)


O destinatário das LAL é o Governo, não um Ministro ou o Conselho de Ministros – tal seria
inconstitucional. O Governo, ao legislar sobre matéria reservada da AR, age em nome próprio.
Qualquer D-LA anterior à publicação da LAL é inadmissível.
O D-LA pode sofrer três vícios:
1. Não observa os limites materiais da lei de autorização. Ilegalidade.
2. Incide sobre uma matéria de reserva relativa não coberta pela LAL. Inconstitucionalidade.
3. Não menciona a LAL que o antecede – art.º 198.º/3. Inconstitucionalidade.
Se uma LAL for inconstitucional, o D-LA também o será – é a chamada inconstitucionalidade
consequente.

Descomplicómetro #3
No caso de uma LAL conferida ao Governo:

Gov. apresenta LAL D-LA


Gov. aprova D-
proposta de AR aprova LAL promulgada promulgado
LA
LAL (Art.º 161- d) pelo PR pelo PR
(Art.º 198.º- b)
(Art.º 167.º/1) (Art.º 134.º-b) (Art.º 134.º-b)

No caso de uma LAL conferida a uma Região Autónoma:


RA
apresenta proposta LAL DLRA
ALR aprova
de LAL e AR aprova LAL promulgada promulgado
anteprojeto de DLRA
DLRA (Art.º 161- d) pelo PR pelo PR
(Art.º 198.º- b)
(Art.º 167.º/1 e (Art.º 134.º-b) (Art.º 134.º-b)
227º/2)

Yehoshuah 27
2.2. As Leis de Valor Reforçado (LVR) – art.º 112.º/3
O conceito de leis de valor reforçado só foi introduzido na revisão constitucional de 1989, aquando
da introdução das leis orgânicas → Ver pág. 29
Dentro da gaveta do Poder Legislativo, temos leis com um maior valor que outras – mas não
devemos adjetiva-las de “superiores hierarquicamente”; só existem relações hierárquicas entre
poderes – PL vs. PA -, não dentro de poderes. São as Leis de Valor Reforçado.
Nenhuma lei é reforçada por si mesma – é o sempre por comparação a outras normas.
Para sabermos se uma lei é de valor reforçado, tem de corresponder com um de dois critérios:
 Procedimento diferenciado:
1. A iniciativa parte de um órgão em específico – Lei do Orçamento.
2. A votação não é por MS, mas por maioria qualificada – Leis Orgânicas → Ver pág.
29
3. A votação na especialidade tem de decorrer em Plenário – Lei sobre 164.º-o.
 Conteúdo:
1. São pressuposto normativo de outas leis – Lei de Autorização Legislativa (LAL) e
Lei de Bases (LB), que são pressuposto de D-LA e de Decreto de desenvolvimento
de bases (DLDB).
2. Têm de ser respeitadas por outras leis. - Lei de Enquadramento Orçamental (LEO),
que tem de ser respeitada pela Lei do Orçamento.
Nesse sentido, temos quatro tipos de Leis de Valor Reforçado:
 Leis Orgânicas;
 Leis aprovadas por M2/3;
 Leis que sejam pressuposto normativo de outras;
 Leis que por outras tenham de ser respeitadas.

É importante dizer que as LAL´s só são LVR quando são verdadeiras LAL´S, isto é quando versam
sobre as matérias do 165.º, como dito supra. Caso contrário, não são uma verdadeira LAL, não têm
valor reforçado e o D-L subsequente não tem de respeitá-las.
Neste sentido, podemos distinguir duas categorias de leis:
1. Leis paramétricas: estabelecem parâmetros que têm de ser respeitados por outras leis.
LAL, LB e LEO.
2. Leis parametrizantes: têm de respeitar os parâmetros de outras leis (paramétricas).
 D-LA, D-LDB (→ Ver pág. 27 e 31), e Lei do Orçamento.
Assim, as leis reforçadas paramétricas são aquelas que, por força da Constituição, condicionam o
conteúdo de outras leis, seja nos casos em que essas outras leis não podem ser aprovadas sem as
primeiras (D-LA e D-LDB), sendo nesse caso as leis reforçadas paramétricas um “pressuposto

Yehoshuah 28
normativo necessário” das leis parametrizadas, seja nos casos em que não existe esse pressuposto
normativo necessário, devendo apenas ser respeitadas por outras leis, como a Lei do Orçamento
face à LEO.
Atendendo a estes dois critérios de caracterização das LVR, podemos dizer que a Lei do
Orçamento é a mais rica nesse sentido: por um lado, é reforçada pelo procedimento – só o Governo
tem iniciativa, art.º 161.º- g; por outro, é reforçada pelo conteúdo – condiciona outras leis.
É, também, uma lei reforçada paramétrica – influencia os conteúdos de outras leis – mas também
parametrizada – encontra-se condicionada pela Lei de Enquadramento Orçamental, bem como pela
Lei das Grandes Opções do Plano.

Leis Orgânicas (LO)


As Leis Orgânicas estão definidas no 166.º/2. Se podemos dizer que as Leis Constitucionais
(responsáveis pela revisão da CRP) estão no topo do PL, e as leis ordinárias na base, as Leis
Orgânicas encontram-se no meio. Surgem na revisão de 1989.

Momento histórico #4
Corre o ano da graça de 1989, e o saudoso Cavaco Silva tem MA dos deputados na AR – a
primeira vez que um só partido a conseguira. Como consequência, temos o PS reduzido à
insignificância.
O PSD queria fazer uma revisão constitucional que versasse sobre a economia – reprivatizar
empresas -, mas para isso precisava de uma M2/3, e consequentemente, do apoio do PS.
Em contrapartida, o PS propõe a criação de “leis paraconstitucionais”, sobre matérias
estruturantes, que exigiriam uma nova maioria: M2/3. Assim, o PS passaria a ter alguma
relevância, por a MA de Cavaco não ser suficiente para aprovar esse tipo de leis. Teriam fatores
distintivos, como uma numeração própria, mais órgãos que poderiam pedir a sua fiscalização
preventiva, e uma maioria específica para a ultrapassagem do veto.
O PSD não aceita a proposta, e transforma-as nas Leis Orgânicas, aprovadas por MA. Todavia,
mantém os fatores distintivos.

Isto revoluciona a fatia do meio, do Poder Legislativo: antes, todas as leis eram iguais, por todas
serem aprovadas por MS. No entanto, agora temos leis (as Orgânicas) que são aprovadas por MA!
Só são verdadeiras leis orgânicas aquelas que a CRP considera como tal – princípio da tipicidade
-, e estão elencadas no art.º 166.º/2. Mais uma vez, as falsas LO – que não versam sobre matérias
do 166.º/2 -, para todos os efeitos, são leis ordinárias não têm o regime procedimental das LO, pelo
que conseguem ser alteradas por Lei, através de MS, ou D-L.
Particularidades:

Yehoshuah 29
1. As Leis Orgânicas podem ter a sua constitucionalidade fiscalizada preventivamente não só
por iniciativa do PR, como também pelo PM e 1/5 dos Deputados – art.º 278.º/4, 6, 6 e 7.
2. Não existem LO’s de Bases ou de Autorização. Neste caso, o legislador é competente em
termos exclusivos, pelo que não pode reenviar para uma posterior “lei não orgânica”
regulações normativas sobre matérias constitucionalmente incluídas nas LO.

Cavaleiros de Lei Reforçada


Como percebemos, as Leis de Valor Reforçado referem-se a matérias específicas, identificadas na
Constituição, e não a todas as outras matérias que sejam, por força da vontade do legislador, mas
não da vontade da Constituição, associadas a leis de valor reforçado
Ora, ocorrem casos em que uma LVR, como uma Lei Orgânica, versa sobre duas matérias: uma
constante no 166.º/2, e outra do domínio concorrencial. Assim, dentro de uma lei com artigos de
valor reforçado, podem estar outros artigos fora das matérias de valor reforçado.
Os artigos fora de matéria de LVR são cavaleiros de lei reforçada (CLR), por irem “á boleia”,
acoplados, dos artigos da lei de valor reforçado: estão inseridos numa LVR, embora não sejam
matéria de LVR.
Na votação destas LO que possuem um CLR, há que aplicar o regime que a CRP reserva para cada
matéria, a menos que tal não seja possível – na votação na generalidade e na votação final global
(vota-se a lei como um todo, pelo que se exige a maioria maior) → Ver pág. 34
Assim, no caso de uma LVR com dois artigos – um que verse sobre o 168.º/6-a, outro de domínio
concorrencial -, na VG necessitaria de M2/3 para ser aprovada, na VE, o artigo LVR necessitaria
de M2/3, enquanto o artigo de domínio concorrencial apenas necessitaria de MS, e na VFG
necessitaria de MA.
Por exemplo: uma lei aprovada pela AR que tivesse dois artigos – o primeiro, sobre a regulação
da comunicação social (LVR, por necessitar de aprovação por M2/3, art.º 168.º/6); o segundo,
sobre a permissão de ananás na pizza (domínio concorrencial). O segundo artigo seria um CLR.
Na VE, o primeiro artigo seria votado por M2/3, e o segundo artigo seria por MS, mas na VG e na
VFG, por se votar a lei por inteiro, e não apenas um artigo, seria necessária M2/3.

3. Competência legislativa do Governo – art.º 198.º


O Governo legisla através de Decretos-Lei, que são sempre aprovados em Conselho de Ministros
– art.º 200.º-d. Existem três tipos de competência legislativa do Governo:
 Concorrencial: 198.º/1. Nessas matérias, compete com a AR.
 Derivada: Nas matérias de RR da AR. 198.º/1 –b e 165.º.
 Reservada: 198.º/2, 183.º/3 e Desenvolvimento das Leis de Bases (segundo Tiago Duarte)

Yehoshuah 30
O Gov. não tem qualquer competência legislativa/poderes legislativos de exceção em casos de
urgência ou necessidade política.
Gov, pode intervir nos procedimentos legislativos da AR:
 Iniciativa de leis;
 Participação de membros do Governo nas reuniões plenárias e comissões em que estejam
a ser apreciados e discutidos propostas e projetos de lei;
 Iniciativa do PM na fiscalização preventiva da constitucionalidade de leis orgânicas;
 Solicitação de:
o Processamento de urgência para Proj-Lei e Prop-Lei.
o Prioridade de assuntos de interesse nacional e resolução urgente na ordem do dia
da AR.

3.1. Reserva do Governo – art.º 198.º/2, 183.º/3, 198.º/1-c


A reserva do Governo consiste na organização e
funcionamento do governo, e, na opinião Princípios
minoritária de Tiago Duarte, no desenvolvimento da CRP
das leis de base. Mas o que são leis de Bases?
As Leis de Bases definem os princípios gerais de um Bases
regime jurídico, as opções político-legislativas
fundamentais. Depois, os Decretos-Lei de Desenv.
Desenvolvimento de Bases (D-LDB) desenvolvem Bases
essas bases previamente fixadas – art.º 198.º/1-c. Um
D-LDB é ilegal quando viola uma LB. Densificação das
Por exemplo: A AR tem a RA sobre as bases do Bases
Ensino (art.º 164.º-j); mas apenas as bases – isto é, os
traços gerais da matéria -, não o desenvolvimento das bases. Isso significaria, por exemplo, que só
ela poderia legislar sobre o modo geral como o Ensino está divido – “Ensino divide-se em pré-
escolar, básico, secundário e universitário.”.
O Governo teria a exclusividade no desenvolvimento das bases – “O universitário divide-se em
licenciatura, mestrado e doutoramento.”
Tiago Duarte afirma inteligentemente isto, por duas razões:
1. Caso contrário, o art.º 198.º/1- c seria inutilizado: se afirmarmos que o Desenvolvimento
das Bases é do domínio concorrencial, então o Governo pode legislar pelo art.º 198.º/1-a,
não precisando da alínea c para nada.
2. Art.º 161.º- c diz “salvo as reservadas ao Governo” – utiliza o plural, pelo que tem de haver
alguma matéria para além da sua organização e funcionamento.
E Gomes Canotilho dá mais uma:

Yehoshuah 31
3. O art.º 198/1-c deve ser interpretado como uma restrição da competência concorrencial
fixada no 198.º/1-a.
Dois curtos apontamentos:
Primeiro, é importante distinguir as falsas leis de base das verdadeiras leis de base. As
verdadeiras leis de base encontram-se:
 Art.º 164, na RA da AR: forças armadas e sistema de ensino. São as alíneas 164-i, d
segunda parte.
 Art.º 165.º, na RR da AR: sistema de segurança social e SNS, sistema proteção da natureza,
política agrícola, regime de funcionários públicos, estatutos de empresas e fundações
públicas, e ordenamento do território/urbanismo. São as alíneas 165.º/1-f, g, n, t, u, z.
Nas matérias deste artigo, é possível originar um decreto-lei autorizado de bases (D-LAB)
e um decreto-lei de desenvolvimento de bases (D-LDB).
As falsas leis de bases surgem associadas ao domínio concorrencial: às vezes, legislando sobre
uma matéria deste regime, apelida-se a lei ou DL de “lei de bases”. Até se pode parecer com uma
– tratar a matéria em traços gerais, sem esgotar o regime jurídico – quando na verdade não o é.
Assim sendo, não se aplica aqui a competência reservada do governo de desenvolver leis de bases,
pelo que tanto este como a AR o podem fazer. Isto também permite que, caso o Gov. não concorde
com a “lei de bases” aprovada pela AR, pode revogá-la com um “decreto-lei de bases”, ou aprovar
um D-LDB que não respeite esta “LB” – isto é possível justamente por não ser uma verdadeira lei
de bases.
No máximo, pode ocorrer uma situação caricata, e inversa ao que o Prof. TD defende: O Gov.
aprova um “decreto-lei de bases”, e a AR uma “lei de desenvolvimento de bases”.
Segundo, relevar que enquanto o Gov. só pode usar a LAL uma vez – sem prejuízo da sua
utilização parcial -, pode livremente modificar o desenvolvimento das bases que fez.

4. Poder legislativo das Regiões Autónomas (RA) – art.º 227.º


Nas RA, apenas as ALR têm PL, por aprovarem Decretos Legislativos Regionais (DLR). O
Governo pode aprovar Decretos Regulamentares Regionais (DRR), mas estes inserem-se no Poder
Administrativo.
O 227.º/1-a dá-nos três requisitos constitucionais para uma RA poder legislar:
 Âmbito regional;
 Matéria enunciada no estatuto;
 Matéria de domínio concorrencial, não reservada ao Gov/AR.
Os Estatutos definem as atribuições regionais e meios correspondentes, o sistema de órgãos de
governo, concretizam as normas do Título VII da CRP, e definem as matérias sobre as quais as
RA possuem poder para legislar. São aprovados por iniciativa exclusiva da ALR – uma exceção

Yehoshuah 32
ao 167.º, e que consiste numa especificidade no procedimento, tornando-os uma LVR paramétrica.
A AR discute e vota nos termos do 168.º.
A maioria necessária varia consoante as matérias: se as alterações versarem sobre o poder
legislativo das regiões, por exemplo, é exigida uma M2/3 (168.º/6-f) Caso não se insira no 168.º/6-
f, a doutrina entende que é exigida MS na VG, M2/3 na VE, e MS na VFG. Se na DE (→ Ver pág.
34) a AR introduzir alterações, a ALR tem de dar um parecer (não vinculativo) sobre as mesmas.
Assim, o momento impulsivo cabe às ALR, por terem iniciativa, e o momento deliberativo à AR,
por discutir e aprovar, sem restrições expressas, mas sem isso se traduzir numa imposição
unilateral da AR, nem neutralizando a iniciativa das ALR.
Tiago Duarte é crítico deste modelo, por implicar que a AR só possa alterar estes estatutos se a
ALR o quiser. Mesmo que os 230 deputados queriam fazê-lo, sem a iniciativa da ALR tal será
impossível.

Em 227.º/1-b, temos a RR. Nem todas as matérias de reserva relativa da AR podem ser autorizadas
à ALR.
Os decretos legislativos regionais autorizados (DLRA) estão sujeitos ao regime dos D-LA (227.º/3
e 4) e a limites específicos:
 Autorização não pode ser face a matérias elencadas no art.º 227.º/1-b.
 Autorização só para matérias de interesse específico das RA.
 Propostas de LAL têm de vir acompanhadas do anteprojeto do DLRA (cláusula da junção),
diferentemente dos D-LA, que podem surgir depois da LAL.
Em 227.º/1-c, temos o desenvolvimento das LB. A ALR pode fazê-lo nas matérias do 165.º/1-f, g,
h, n, t, u. Por isso, o Governo tem reserva de desenvolvimento das leis de bases (na medida em
que a AR não pode fazê-lo, na opinião de TD), mas não exclusividade.
Entre DLR e D-L/Lei não podemos falar de uma relação de revogação, mas sim de supletividade.
O princípio da supletividade determina que se trate de relações de preferência aplicativa, não de
revogação. Assim, se uma Lei versar sobre x matéria, e surgir um DLR que o faça de modo
contrário, aplica-se o DLR, mas a lei não foi revogada: foi apenas preterida. Sabendo sempre que
os DLR estão no mesmo patamar que as leis e os D-L.

Procedimento Legislativo – art.º 167 e ss.


O procedimento legislativo é a sucessão de atos necessários para produzir um ato legislativo. Nem
todos os procedimentos legislativos gozam de dignidade constitucional: a CRP só regula com
detalhe o procedimento da AR, não do Governo, com os D-L, ou das ALR, com os DLR.
O processo legislativo da AR é muito semelhante ao da ALR, enquanto o do Governo é diferente.
Pode ser suspenso por um processo referendário.

Yehoshuah 33
É definido pela CRP (art.º 167 e ss.) e pelo Regimento da AR (art.º 118.º e ss.), juntamente com
algumas praxes e convenções. Se as normas da CRP não forem seguidas, há inconstitucionalidade.
O Regimento distingue o processo legislativo comum e o processo legislativo especial (estatutos
RA, estado de sítio e de emergência, LAL’s).
Vamos estudar como é que uma proposta ou projeto de lei se transforma numa lei promulgada e
publicada. É projeto/proposta de lei até aprovação pelo CM/AR, decreto até promulgação pelo PR,
e a partir daí D-L/Lei.

Proj-Lei/Prop-lei Decreto Decreto-Lei/Lei

Aprovado Promulgado
em pelo PR
CM/AR

No caso dos D-L: as propostas de lei do Governo que se tornarão D-L’s circulam pelos ministérios.
O Ministro X envia a proposta de lei para o Presidente do Conselho de Ministros, este reúne as
várias propostas de lei que recebe e circula-as pelos ministérios. Depois, há uma reunião de
Secretários de Estado para resolver eventuais problemas, e depois uma reunião do Conselho de
Ministros (CM), com o intuito de aprovar a proposta de lei.
No caso das leis: após a elaboração do projeto ou proposta de lei, passamos para a fase de
apreciação.

1. Apreciação: Discussão e Aprovação – art.º 168.º


A fase de apreciação é dividida em duas: apreciação interna – no Parlamento (plenário ou
comissões) – e externa – noutros órgãos constitucionais e da sociedade civil.
A apreciação interna é genérica - ocorre em todos os casos -, e a externa é específica: só tem de
ocorrer nas matérias previstas na CRP – comissões de trabalhadores e sindicados, quando falamos
de legislação laboral, por exemplo.
A apreciação interna implica cinco fases – três votações e duas discussões/deliberações.
1. Discussão na generalidade (DG)
Decorre em plenário.
Min./GP/Dep. Apresenta a proposta ou projeto de lei, apenas em termos gerais – vantagens
e desvantagens. Neste processo, o diploma não se altera.

2. Votação na generalidade (VG)


Decorre em plenário.

Yehoshuah 34
É aqui que é tomada a decisão de legislar. Caso seja aprovado, passa para a fase seguinte.
Versa sobre cada projeto ou proposta como um todo.

3. Discussão na especialidade (DE)


Decorre no plenário, ou numa das comissões permanentes, caso o plenário decida passar
para ela (sem prejuízo do poder de avocação da AR – a discussão retornar ao plenário, art.º
168.º/3 – e a obrigatoriedade da VFG decorrer em plenário).
Debate-se alínea a alínea, palavra a palavra, cada partido reivindicando alterações pequenas
em troca de um voto favorável. Assume a seguinte ordem: propostas de eliminação;
substituição; emenda; aditamento (art.º 154.º do Regimento).

4. Votação na especialidade (VE)


Decorre no plenário, ou numa das comissões permanentes, caso o plenário decida passar
para ela (sem prejuizão do poder de avocação da AR – a discussão retornar ao plenário,
art.º 168.º/3– e da obrigatoriedade da VFG em plenário). Algumas leis são forçosamente
votadas na especialidade em Plenário: art’s. 164.º - a, b, c, d, e, f, h, n, o; 165.º/1 – q; 168.º/5
e 6; 293.
Pode ser mais do que uma – votar cada alínea do projeto ou proposta de lei.

5. Votação final global (VFG)


Decorre em plenário.
A VFG não é precedida de discussão, mas cada GP pode fazer uma declaração de voto oral.
A inexistência de qualquer destas votações implica nulidade da lei.
Uma vez aprovado, o diploma será encaminhado para o PR, que deverá exercer as suas
competências de controlo de mérito – avaliação da constitucionalidade (com possível envio para
o TC) e promulgação/veto.

1.1. Quórum e Votações


Nos casos práticos, será necessário fazer duas coisas:
1. Verificar se a proposta/projeto de lei teve o número de votos exigidos pela CRP.
2. Antes de cada votação em plenário, garantir se há quórum. Nas discussões não é necessário.

Maiorias
Dependendo da matéria, será necessária uma maioria diferente, em votações em específico.
Atualmente existem dois tipos, desdobrando-se um deles em dois: maioria simples e maioria
qualificada.

Yehoshuah 35
A maioria simples é a regra geral, pelo 116.º/3. Apenas exige mais votos a favor do que contra, e
as abstenções são irrelevantes. Exemplo:
 120Deputados, 61 a favor 59 contra → APROVADO.
 120Deputados, 1 a favor e 119 abstenções → APROVADO.

A maioria qualificada refere-se a matérias excecionais. Pode ser:


 MA (art.º 168.º/5):
o Maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções – 116 Deputados.
o Só exigida na votação final global.
o Exemplo:
 230D, 116 a favor e 114 contra → APROVADO.
 230D, 110 a favor, 100 contra, 20 abstenções → REJEITADO.
 M2/3 (art.º 168.º/6):
o Maioria de 2/3 dos deputados presentes, sendo estes 2/3 mais que a MA.
o Exemplo:
 180D, 120 a favor → APROVADO.
 120D, 80 a favor → REJEITADO: há 2/3, mas são menos que MA.
 180D, 116 a favor → REJEITADO: não chega aos 2/3.
Sobre a M2/3, importa relevar dois aspetos:
1. Tiago Duarte considera que esta maioria é exigida em todas as votações, por o art.º 168.º/6
não especificar a que votação se refere.
Todavia, Blanco de Morais diz que é apenas na VFG. Por seu lado, Jorge Miranda entende
que esta maioria será exigida em votações diferentes, dependendo da alínea a que nos
referimos. Para o ilustre constituinte, a alínea 168.º/6-e, por exemplo, só exige M2/3 na
votação na especialidade.
2. Por Tiago Duarte considerar que a M2/3 é exigida em todos as votações, estas matérias
terão de ser votadas na especialidade em Plenário, embora o art.º 168.º/4 não as refira. Não
poderia ser numa comissão, por não caber nela tantos Deputados (pelo menos mais do que
116).

Quórum
Independentemente da maioria, será sempre necessário quórum – um número mínimo de
deputados presentes na votação. Corresponde a 116 Deputados.
Para chegar a esse número, nos casos práticos, TiDu exige o seguinte raciocínio:
1. Para votações, o art.º 116.º/2 exige a presença da maioria do número legal de Deputados.
2. O art.º 148.º define que o número legal de Deputados será entre 180 e 230.
3. A Lei Eleitoral concretiza que o número legal de deputados é de 230.

Yehoshuah 36
4. Logo, a maioria do número legal de Deputados é 116.
Sem quórum o diploma peca por inexistência jurídica.

2. Intervenção do Presidente da República – art.º 136.º, 278.º


e 279.º
Há sistemas em que não é necessária promulgação – a lei fica perfeita com a aprovação
parlamentar. Em Portugal, existem atos da AR – como resoluções – que são publicados
independentemente da promulgação (art.º 166.º/5) por meio do Presidente do Parlamento.
A promulgação do PR tem três finalidades:
1. Garantir a existência jurídica do diploma.
2. Conferir ao diploma mais autoridade e legitimidade
3. Controlo interorgânico – avaliação, por outro órgão, da constitucionalidade, motivos, e
ratio legis.
Quando recebe o decreto para promulgação, a primeira coisa que o PR deve fazer é avaliar
juridicamente o diploma, isto é, a sua constitucionalidade – afinal, o prazo para enviar para o TC
é apenas 8 dias.
No artigo 136.º, temos:
 136.º/1: Sobre a lei.
 136.º/4: Sobre os D-L e Decretos regulamentares (função administrativa).
 136.º/2 – Regra geral de ultrapassagem do veto: MA.
 136.º/3 - Regra especial de ultrapassagem do veto: M2/3 para Leis Orgânicas, juntamente
com as matérias das três alíneas.
Assim, dentro do procedimento legislativo, o Presidente da República pode:
1. Promulgar: Para leis tem 20 dias, D-L 40 dias (são mais complexos). Diploma segue para
publicação. Não existe “promulgar com reservas”. O PR ou promulga ou não promulga2.
Em regra é livre, mas é imposta nos casos do 136.º/2 e 136.º/3 – confirmação por MA e
M2/3, respetivamente -, e vedada nos primeiros oito dias após a receção de uma Lei
Orgânica.
2. Vetar: prazos iguais aos da promulgação. Se o fizer por imposição do TC é jurídico, se for
pelas suas opiniões é político.
3. Enviar para TC: tem 8 dias para leis e D-L (TD acha que D-L deveria ter mais). É a
chamada fiscalização preventiva. TC tem 25 dias para avaliar, embora PR possa pedir mais
celeridade (278.º/8). Enquanto não obtiver resposta, a promulgação e o veto ficam

2
Obrigado, BCA.
37
Yehoshuah
suspensos – temporalmente vedados. Se a norma for inconstitucional, PR é obrigado a vetar
(art.º 279.º/1).
Se tiverem decorrido os 20/40 dias, e o PR nada ter feito, a partir desse momento considera-se que
apenas pode promulgar a lei/D-L.

2.1. Envio para TC


Quando o PR envia para TC, deve dizer duas coisas:
1. Os artigos do decreto da AR que lhe levantam dúvidas.
2. Os princípios da CRP que pensa estarem em causa.
Todavia, o PR pode pedir a inconstitucionalidade do diploma todo: “O D-L aprovado pelo Governo
versa sobre matéria de associações e partidos políticos, que é de RA da AR, pelo que o Governo
não pode legislar.”
O TC fica vinculado à análise exclusiva dos artigos apontados pelo PR – é princípio do pedido;
se PR diz “parece-me que os artigos 5.º e 7.º/3 são inconstitucionais”, então TC só analisa 5.º e
7.º/3 -, mas não aos princípios avançados pelo PR – princípio da causa do pedido. O PR pode
dizer que o princípio da igualdade está em causa, mas o TC pode dizer que está tudo bem nessa
matéria, o problema é o princípio da proporcionalidade, e por isso declarar a norma
inconstitucional.
O TC pode chegar a duas conclusões:
 É inconstitucional. PR obrigado a vetar.
 Não é inconstitucional (TC nunca diz que o diploma é constitucional, por saber que noutro
momento, com outros juízes, a opinião do TC pode ser diferente). Neste caso, o PR pode
vetar ou promulgar nos prazos normais.
O sistema de fiscalização preventiva está reservado aos diplomas mais elevados e ao vício mais
grave – inconstitucionalidade. Não afere, portanto a ilegalidade (conformação com LB’s ou
tratados internacionais, por exemplo). Precede o veto político, pois a questão jurídica é prévia à
política.
Se o TC não cumprir o prazo de 25 dias, partes da doutrina consideram que o PR/RR pode
promulgar/vetar.

2.2. Veto
Existem dois tipos de veto – distinguidos pela doutrina, não diretamente pela CRP -, que são o
jurídico e o político.

Yehoshuah 38
O veto jurídico fundamenta-se exclusivamente na inconstitucionalidade, pronunciada pelo
Tribunal Constitucional. Por esse motivo, o PR não poderá vetar uma lei com o argumento de
“acho que é inconstitucional”, sem a ter enviado para o TC. Só ao TC cabe fazer juízos de
inconstitucionalidade, e por isso a ação do PR passaria como uma inconstitucionalidade por desvio
de poder.
O veto político não se funda em razões jurídicas. Radica em motivos políticos, avaliados pelo PR
(interesse público, conveniência, etc), e nas suas opiniões. Acaba por ser um pouco arbitrário: se
um PR é contra a eutanásia, pode vetar uma lei que a permita, apenas por essa discordância. Este
veto obstrui a fiscalização preventiva: depois de praticado, o Tribunal Constitucional já não pode
ser chamado, mesmo que ainda dentro do prazo.
No caso de ser D-L, o veto é absoluto, pois o PR tem mais Legitimidade Democrática que o Gov.
(a do PR é LDD por MA).
Assim, face ao veto político, o Gov. pode:
 Apresentar um novo D-L com um conteúdo igual ou semelhante ao D-L vetado;
 Transformar o D-L vetado numa lei, apresentando uma proposta de lei à AR, para ser ela
a legislar, transformando-a numa lei. Assim, caso o PR a vete, a AR consegue ultrapassá-
lo numa nova votação – prática de Governos com MA.
Face ao veto jurídico, o Governo pode:
 Expurgar a norma inconstitucional.
 Reformular o diploma. PR com as três opções.
 Não fazer nada.
No caso de ser lei, o decreto da AR volta para trás. Por voltar para a AR, o veto não é absoluto.
Afinal, tanto o PR como a AR têm Legitimidade Democrática Direta, e a AR é o órgão que detém
o poder legislativo.
Quando recebe o decreto devolvido por veto político, a AR pode fazer três coisas, no prazo de 15
dias:
1. Não faz nada.
2. Modifica: altera-o e aprova-o com a maioria pedida inicialmente. Para todos os efeitos, é
um diploma novo, e por isso o PR volta a ter as três opções de atuação (Promulgar, Veto,
ou Enviar para o TC). As modificações devem ser substanciais, sob pena de fraude à CRP.
Esta é a opinião do TD, mas existem divergências sobre se a AR pode realmente modificar
face a um veto político.
3. Confirma: Não altera nada e aprova com a maioria necessária (art.º 136.º/2 ou 3). PR
obrigado a promulgar em 8 dias.
A ideia da ultrapassagem do veto é que se suba um degrau: se a lei foi aprovada por MS, para
ultrapassar o veto precisa de MA. Nesse sentido, com o surgimento das LO, aprovadas por MA,
fez-se o 136.º/3, que prevê um novo degrau para essas novas leis: M2/3. Depois, surgiram as leis

Yehoshuah 39
aprovadas por M2/3, o que gerou problemas – em caso de veto, como subir um degrau? Definir
nova maioria de ultrapassagem, como 4/5 dos deputados?
Adicionou-se ao 136.º/3 três alíneas, mas que não cobrem todas as matérias de M2/3. As não
abrangidas por este artigo são ultrapassadas por MA, o que é estúpido: para serem aprovadas,
precisam de M2/3, mas para ultrapassar o veto basta MA. Por isso, Tiago Duarte diz que art.º
136.º/3 devia versar sobre as LO e sobre todas matérias do 168.º/6.
Quando recebe o decreto devolvido por veto jurídico, a AR tem de ter em conta não só a pronúncia
do TC, como também o fundamento do veto do PR. Nestes casos, nota-se uma oposição: a AR tem
Legitimidade Democrática (Direta), mas o TC tem legitimidade técnica – é ele que sabe se as
normas são inconstitucionais ou não. Assim, a AR pode fazer quatro coisas:
1. Não faz nada.
2. Expurga: apenas elimina a norma inconstitucional, mantendo tudo o resto inalterado, só
reordenando a numeração dos artigos ou das alíneas.
3. Modifica: altera o diploma – o que inclui o expurgo -, através da maioria pedida
inicialmente, o que dá ao PR outra vez as três opções, por ser um diploma novo.
4. Confirma: volta a aprovar o diploma, completamente inalterado - ainda com a norma
inconstitucional -, através de M2/3 (279.º/4). Arriscado, por desvalorizar o TC, nunca
aconteceu. Face a isto, o PR não é obrigado a promulgar (279.º/2), mas assume-se como
árbitro deste conflito:
 Promulga: dá razão à AR.
 Não faz nada: passa o prazo de promulgação, e o diploma não entra em vigor;
 Veta: esta última opção seria inútil, pois o diploma voltaria à AR, e esta poderia voltar
a confirmá-lo com a M2/3.
Face à confirmação, podemos interrogar-nos qual a relevância de uma decisão do TC poder ser
superada. A verdade é que essa lei confirmada pode ser fiscalizada sucessivamente, e a pronúncia
pela inconstitucionalidade faz com que caso a lei confirmada seja aplicada num caso concreto por
um tribunal, o Ministério Publico seja obrigado a pedir recurso para o TC - 280.º/5.

Dizer ainda que qualquer promulgação/assinatura do PR/RR sobre um diploma inconstitucional


que não tenha sido confirmado é considerada inexistente.

2.3. E nas RA? – 233.º


O RR pode assinar (promulgar, mas no dialeto madeirense/açoriano), vetar ou enviar para o TC os
DLR ou Decretos Regulamentares Regionais (DRR, função administrativa). Tem 15 dias para
DLR e 20 para DRR. Para enviar para o TC tem oito dias.
Face ao veto político, ALR pode:
1. Confirmar por MA – assinatura do RR exigida em oito dias.

Yehoshuah 40
2. Reformular – as três opções voltam a estar à disposição do RR.
Depois da assinatura, não existe referenda: ainda mais bizarro – o PR tem de passar por isso, mas
o RR não. Dá-se a publicação.
Face ao veto jurídico, a ALR pode expurgar ou reformular. TD (e maioria da doutrina) não
considera que possa confirmar, pois:
 A ALR não é um órgão de soberania, ao passo que a AR e o TC são. Por isso, um não-
órgão de soberania não pode neutralizar uma decisão de um órgão de soberania.
 O RR teria desempatar, e também ele não é um órgão de soberania.
 Artigo 279.º/2: refere-se que os “Deputados” podem confirmar com M2/3. Com D, o que
indica que são os deputados da AR – só eles podem confirmar um diploma vetado por
inconstitucionalidade -, pois os deputados da ALR são mencionados na CRP por
“deputados”:
No fim:
 Expurgo: Leis, Decretos-Lei, Decretos Legislativos Regionais.
 Reformulação: Leis, Decretos-Lei, Decretos Legislativos Regionais.
 Confirmação: Leis.

3. Referenda Ministerial – art.º 140.º


Após a promulgação, é necessária a referenda ministerial, elencando o art.º 140.º os atos que
carecem dela – não é a regra geral dos atos praticados pelo PR.
É o ato praticado pelo PM que incide sobre a promulgação, não sobre a lei. Não valida o diploma,
valida a promulgação. Nasce da ideia de confirmar que tinha sido o PR a promulgar, e dos tempos
em que o Rei não podia assumir responsabilidades, pelo que um assessor – espécie de PM –
assinava cada ato real, como que um bode expiatório se as coisas corressem mal.
TD acha-a absurda – para o Professor, a referenda já não faz sentido. Apresenta vários motivos:
 Hoje em dia, com assinaturas eletrónicas, é impossível de validar que foi o PR a assinar o
decreto de promulgação, e o PM não está com o PR no momento de promulgação.
 Hoje em dia, o PR já assume responsabilidades.
Inspirados pela musa Jorge Miranda, podemos elencar mais alguns:
 Desconforme à separação dos poderes: é uma intervenção a posteriori do Gov sobre a
atividade legislativa da AR;
 Vem da Constituição de 1933 (fascismo nunca mais).
Do mesmo modo, a sanção por falta de referenda – inexistência jurídica (140.º/2) - é bizarra. Em
todo o caso, nunca o PM se recusou a referendar.

Yehoshuah 41
Face a isto, impõe-se a pergunta: pode o PM recusar-se a referendar? Jorge Miranda e Rui
Medeiros esclarecem-nos.

Descomplicómetro #4
Na nossa CRP, a referenda incide sobre dois tipos de atos:
1. Atos específicos do PR: art.º 133.º-j, l; art.º 134.º-d, f.
2. Atos por iniciativa da AR, Gov., ou que exigem a coordenação de vários órgãos: art.º 133.º-
h, m, p; art.º 134.º-b; art.º 135.º-a, b, c.
Assim sendo, a referenda é livre no que diz respeito aos atos específicos do PR: o PM pode optar
por não referendar, sendo mesmo um pouvoir d’empêcher, isto é, um poder de impedir, de limitar
a ação de outro órgão.
Face à segunda categoria de atos, a referenda é obrigatória. Isto explica-se por serem atos que são
praticados, muitas vezes, por força de outro ato do próprio Governo ou, pelo menos, da AR.
Assim, o PM não poderá recusar referendar uma promulgação: afinal, o PR só promulgou
porque o Gov. ou a AR tiveram a iniciativa de criar e aprovar aquele decreto-lei/lei.

Depois da referenda, há a publicação.

4. Apreciação Parlamentar dos Decretos-Lei – art.º 169.º


A apreciação parlamentar dos atos legislativos é algo que, de alguma maneira, se verifica desde a
Carta Constitucional, estando também na Constituição de 1933 – na altura apelidada de
“ratificação” -, e chegando à de 1976. É utilizada contra governos minoritários
A apreciação pela AR de atos legislativos – nomeadamente D-L e DLRA (227.º/1-b) – não é
juridicamente obrigatória, não sendo necessária para os decretos vigorarem - algo entendido pela
utilização do “podem” no art.º 169.º.
Serve para a AR modificar ou cessar vigência dos DL, ou suspender D-LA, após promulgação e
publicação. A cessação ou suspensão de um DL/D-LA assume a forma de resolução, e não de
lei, porque a AR apenas fiscaliza – não há conteúdo legislativo, a AR não está realmente a legislar.
Sabendo disto, não se pode dizer que os D-L do Governo têm eficácia provisória, ou que são atos
legislativos imperfeitos. Perante a massa de decretos-leis publicados pelo Governo, o que sobressai
é a cessação da vigência (ou a suspensão) deste ou daquele; o que sobressai é a vontade direta da
Assembleia de contrariar, de impedir a sua subsistência — e não a ratificação, ou seja, a vontade
de o deixar ficar como está, de o manter em vigor. Assim, o regime está dirigido para uma
conclusão negativa – fazer cessar – e não para uma conclusão positiva – ratificar.
Por outro lado, a AR poderia modificar ou cessar a vigência de um D-L publicando uma nova lei
que o revogasse. Assim, o art.º 169.º serve apenas para fazer isso com maior rapidez – como vimos,

Yehoshuah 42
aprovar uma lei é um processo moroso – sendo que, para cessar a vigência de um D-L, bastará
uma resolução da AR (que é discutida e votada apenas uma vez, não carecendo de promulgação).
Para modificar um D-L, faz-se uma lei normal, mas com procedimento urgente.
Particularidades:
 Não pode ser utlizado contra um D-L de domínio de Reserva do Governo: se a AR não
pode legislar, também não pode fazer cessar, nem muito menos modificar.
 Art.º 169.º/1: Há um limite de trinta dias após publicação para apresentar requerimento de
apreciação.
 Art.º 169.º/5: Este caduca, se não for aprovado até ao término da SL, desde que decorridas
15 reuniões plenárias.
 Art.º 169/2: se estivermos a falar de um D-LA, e apenas o quisermos modificar, pode fazer-
se uma votação prévia para suspendê-lo – até entrar em vigor uma lei que o altere.

Yehoshuah 43
IV. GARANTIA DA CONSTITUIÇÃO
No início do semestre, o excelentíssimo Tiago Duarte falou da “Garantia da CRP”. Parte da ideia
de serem necessárias garantias de observância, estabilidade e preservação das normas
constitucionais, numa ideia de defesa da forma normativa-constitucional do Estado.
A defesa da constituição pressupõe existência de garantias da constituição – como a fiscalização e
a revisão -, mas não devemos confundi-las com as garantias constitucionais, associadas aos direitos
do cidadão reconhecidos pela CRP.

Fiscalização da Constitucionalidade - 277.º a 283.º


É importante entender que Garantia e fiscalização não são a mesma coisa. A Garantia é mais que
a fiscalização, e a fiscalização serve para mais que a garantia.
Assim, podemos falar da fiscalização ao serviço da Garantia – é a fiscalização da
constitucionalidade – e da fiscalização independente da garantia – é a fiscalização de um órgão
sobre outro, com uma moção de censura, por exemplo. É a primeira que nos interessa.
Podemos ainda distinguir normas jurídicas garantidas – normas e princípios da CRP protegidos
pela fiscalização – e normas jurídicas de garantia – as normas de fiscalização, presumivelmente,
mas também artigos como o 127.º/2 e 120, 172.º/1 e 2, 162.º-a.
A fiscalização é, por isso, a forma de defesa da CRP.
Importa ainda relevar que esta ideia de controlo e fiscalização tem uma dimensão
predominantemente negativa. Isto quer dizer que a fiscalização serve para anular os atos
legislativos contrários à CRP, expulsá-los do OJ, e não para receber e validar os atos conformes à
mesma.
Ainda assim, há que reconhecer uma pequena dimensão positiva: a verdade é que a CRP também
impõe comportamentos, obrigando os poderes políticos a prosseguirem certas tarefas, e a proteger
direitos, liberdades e garantias.

1. Ideias Gerais
A fiscalização (da constitucionalidade e da ilegalidade) é um tema bem mais complexo do que
parece. Neste número vamos dar ideias gerais, para aprofundar um pouco melhor mais à frente.

1.1. O que se fiscaliza?

Yehoshuah 44
A CRP prevê a fiscalização da inconstitucionalidade e da ilegalidade; assim, fiscaliza o “Direito
Constitucional” – desvalor por violação de uma norma da CRP – e o “Direito de Lei” – desvalor
por violação de uma LVR, estatutos das RA, entre outros.
A inconstitucionalidade corresponde a um comportamento que infringe uma norma
Constitucional. Assim, não infringe a CRP globalmente, mas sim uma norma, um princípio, ou um
costume constitucional em específico, seja ele originário da CRP ou proveniente de uma Revisão
Constitucional. Tem em conta não só as normas e princípios explícitos na CRP, as também aqueles
que estão implícitos, não escritos, e os valores subjacentes aos mesmos.
A inconstitucionalidade refere-se, portanto, a vícios materiais, formais, orgânicos, ou
procedimentais. Assenta na ideia de que as normas constitucionais têm de ser efetivas; caso
contrário, não serviriam para nada.
A ilegalidade é desconformidade de atos normativos com Leis de Valor Reforçado. A fiscalização
é feita pelos tribunais, e pelo TC quando a ilegalidade resulta das relações de desvalor jurídico
entre leis com valor reforçado e atos legislativos com elas desconformes (280.º/2-a e 281.º/1-b).
Deste modo, o TC não é só o defensor da CRP, mas também o guardião das Leis de Valor
Reforçado, nomeadamente face ao confronto AR vs. Gov./ALR (LAL vs. D-LA/DLRA) ou da
autovinculação da AR (LEO vs. Lei do Orçamento).

A fiscalização – da constitucionalidade e da ilegalidade - é sempre sobre normas (art.º 277.º/1).


Quando falamos de normas, podem ser quaisquer normas, independentemente da sua natureza –
geral e abstrata ou individual e concreta -, forma, hierarquia. Norma será, portanto, um ato de
criação normativa, um padrão de comportamento dotado de vinculatividade. Assim, as seguintes
normas são suscetíveis de fiscalização:
 Lei de Revisão Constitucional.
 Norma direito internacional e supranacional.
 Leis, D-L, DLR.
 Regimentos assembleias.
 Regulamentos e para-regulamentos (resoluções, despachos, diretivas).
 Resoluções AR.
 Atos normativos do PR, como a declaração de estado de sítio/emergência.
Atos – como promulgação, demissão, nomeação, decisão de um tribunal – não podem ser
fiscalizados.

1.2. Princípios da fiscalização


Existem dois princípios centrais:

Yehoshuah 45
 Princípio do pedido: a fiscalização só começa com o impulso das entidades legitimadas
parta tal, através de uma solicitação que se declare, verifique, ou se reconheça a
inconstitucionalidade de uma norma.
A entidade deve especificar quais as normas do diploma em causa é que violam a CRP.
Temos entidades que podem sempre suscitar a inconstitucionalidade – órgãos com poder
geral de iniciativa, como o PR – e outras que só podem em certos casos – órgãos com
poder especial de iniciativa, como o PM.
 Princípio da causa do pedido: a entidade deve especificar quais as normas e princípios
constitucionais é que o diploma viola.
O TC encontra-se vinculado aos artigos do diploma que foram indicados, mas não aos artigos da
CRP evocados → Ver pág. 38. Embora o TC não esteja adstrito ao princípio da causa do pedido,
é duvidoso que possa transformar um pedido de inconstitucionalidade de uma norma numa
aferição da ilegalidade da mesma.
No entanto, se for chamado a apreciar uma norma que dependa de outra (por exemplo, um D-LA,
que depende de uma LAL), o TC pode apreciar a segunda norma. Do mesmo modo, se a mesma
norma constar de mais diplomas para além do analisado, a declaração de inconstitucionalidade
abrange aquela norma em todos os diplomas em que se encontre – porque a ação do TC versa sobre
normas, não sobre atos ou diplomas.

1.3. Tipos, formas e regimes da fiscalização


Importa agora dividir a fiscalização em modelos. Entre outras coisas, vamos ver quem é
responsável pela garantia da Constituição, como a garante, quando a garante, e os efeitos dessa
garantia. Tal será importante para, mais à frente, percebermos melhor os vários tipos de
fiscalização que a nossa adorável CRP prevê.
Modelo unitário: todos os tribunais – até um pequeno tribunal na aldeia de Picha - têm o dever, no
âmbito dos casos que julgam, de aferir a conformidade constitucional do ato normativo. Associado
ao controlo difuso.
Modelo de separação: existe um tribunal separado e especificamente competente sobre assuntos
constitucionais.
A CRP, como não poderia deixar de ser, é um modelo híbrido: mistura os dois supra mencionados.
Todos os tribunais são órgãos de justiça constitucional, mas também há um tribunal separado (o
TC).
Associado aos modelos, temos o controlo da fiscalização – quem é responsável por ela. Em
Portugal, temos um controlo jurisdicional, por estar entregue aos Tribunais, por oposição a um
controlo político – entregue a um órgão político, como Assembleias.
O controlo jurisdicional pode ser:

Yehoshuah 46
 Difuso: competência para fiscalizar reconhecida a qualquer juiz (mesmo o juiz da aldeia
de Picha) num caso concreto que tenha de julgar.
 Concentrado: competência para fiscalizar é reservada a um único órgão.
Portugal acolhe ambos.
Este controlo pode acontecer através de duas formas:
1. Via incidental: a fiscalização só pode ser invocada no decurso de um caso concreto
submetido a um tribunal. O problema principal não é a inconstitucionalidade, é a resolução
do caso concreto, mas para este ser resolvido tem de se esclarecer se a norma é
inconstitucional ou não.
Ex: Art.º 280.º. Tribunal da aldeia de Picha está a julgar Jacob por ter cometido um crime,
e uma das partes diz que a lei que lhe está a ser aplicada é inconstitucional. O problema
principal é o julgamento do crime de Jacob, não a inconstitucionalidade da norma.
2. Via principal: a fiscalização pode ser invocada de forma autónoma, a título principal.
Ex: A Provedora de Justiça pede a fiscalização de uma norma – art.º 281.º.
O controlo pode ser abstrato ou concreto – Ver pág. 48

Resumindo tudo o que foi dito atrás


No que concerne à fiscalização, Tiago Duarte diz que os legisladores foram como os seus filhos
numa loja de gomas – quiseram levar um pouco de tudo. Assim, percebermos que a nossa CRP é
riquíssima no que diz respeito a modelos, formas, tipos, e efeitos da fiscalização.
Na nossa CRP, a fiscalização abrange:
 Inconstitucionalidade (Art.º 204.º, e 277.º e seguintes)
 Ilegalidade:
1. Por violação de LVR por outras leis (art.º 204.º, 280.º, 281.º)
2. Por infração de norma de Direito Internacional convencional (mas não da EU, note-
se) por uma norma de direito interno.
3. Por contradição entre uma lei ou tratado e o resultado de um referendo (art.º 115.º).
Uma norma pode ser simultaneamente inconstitucional e ilegal (por violação de LVR). Nessas
ocasiões, a inconstitucionalidade precede e consome a ilegalidade.

A fiscalização pode tomar várias formas/tipos, lugares, e vícios:


1. Preventiva ou Sucessiva
Preventiva: antes de concluído o procedimento de formação da norma; ato é imperfeito,
carece de eficácia jurídica; incide sobre Leis, D-L, DLR e convenções internacionais; não
contempla a ilegalidade (art.º 278.º/1 e 2).
Sucessiva: sobre qualquer norma perfeita, já em vigor e eficaz;

Yehoshuah 47
2. Abstrata ou Concreta:
Abstrata: sem ligação a um caso concreto, apenas por aquilo que a norma representa em si;
Concreta: com ligação a “um caso concreto da vida real” (amo-te Rui Medeiros);
3. Por ação ou por omissão:
Por ação: normas aprovadas que são inconstitucionais;
Por omissão: AR não aprova lei exigida pela CRP.
4. Originária ou Superveniente
Originária: efeitos ex tunc; a lei é inconstitucional desde a sua publicação (mais comum) –
281.º/1 e 3.
Superveniente: a lei é inconstitucional num momento após a sua publicação – 282.º/2.
5. Difusa ou concentrada
Difusa: entregue a vários órgãos - todos os tribunais, art.º 204.º.
Concentrada: compete apenas a um órgão - o Tribunal Constitucional.
6. Em Plenário ou em Secção
Plenário: Apreciada pelos 13 ilustres juízes do Tribunal Constitucional.
Secção: Apreciada numa das três secções. Cada uma tem 5 juízes – o Presidente e o Vice-
Presidente do TC estão em duas.
7. Vícios formais, materiais, orgânicos e procedimentais
Formais: falha na forma do ato, no seu aspeto exterior. Todo ato legislativo é
inconstitucional.
Materiais: falha no conteúdo do ato, uma divergência entre princípios da CRP e normas do
ato. Normas são inconstitucionais, não todo o ato.
Orgânicos: falha nas competências do órgão. Alguém pratica um ato para o qual não tem
legitimidade.
Procedimentais: dizem respeito ao processo de formação do ato jurídico (falta de votação,
maioria errada). Falhas relacionados com o complexo de atos necessários para a produção
final do ato normativo.

Para tornar as coisas desnecessariamente mais confusas, estas formas de fiscalização misturam-se
entre si. Sabendo disto, existem três regimes de processo da fiscalização – iremos vê-las a todas.
São elas:
1. Fiscalização abstrata da inconstitucionalidade por ação. Pode ser:
o Fiscalização preventiva. Pronúncia pela inconstitucionalidade.
o Fiscalização sucessiva. Declaração de inconstitucionalidade.
2. Fiscalização concreta da inconstitucionalidade: Julgamento da norma inconstitucional.
3. Fiscalização da inconstitucionalidade por omissão. Verificação da existência de
inconstitucionalidade
O âmbito da fiscalização da constitucionalidade é diferente consoante as normas sobre as quais
versa:

Yehoshuah 48
 A fiscalização sucessiva, concreta e abstrata da inconstitucionalidade por ação abrange
quaisquer normas;
 A fiscalização preventiva abrange só as elencadas no art.º 227.º/1 e 2.
 A fiscalização da inconstitucionalidade por omissão refere-se apenas a normas legislativas.
E ainda:
 A fiscalização concreta é da inconstitucionalidade e ilegalidade (art.º 207.º e 280.º)
 Qualquer fiscalização (menos a preventiva) pode ser suscitada mesmo após o TC ter
considerado a norma não inconstitucional. Até os mesmos artigos – seja da norma, seja da
CRP – podem ser usados.

1.3. Efeitos
Os efeitos podem ser:
1. Prospetivos: eficácia ex nunc, os efeitos só começam com no momento em que a
inconstitucionalidade for declarada.
2. Retroativos: eficácia ex tunc, os efeitos abrangem todos os atos antes da declaração de
inconstitucionalidade for declarada, ou seja, vão até ao momento de publicação da norma
inconstitucional.
Existem regras comuns a todas as declarações de inconstitucionalidade e ilegalidade, e outras
diferentes consoante a inconstitucionalidade/ilegalidade seja originária ou superveniente.
Regras comuns:
 Retroatividade da decisão;
 Retroatividade não abrange os casos julgados;
 Retroatividade só abrange os casos julgados se, cumulativamente:
o Norma respeita matéria penal, disciplinar ou de mera ordenação social.
o For mais vantajoso para o arguido.
 A possibilidade de limitar os efeitos.
A retroatividade é regra comum porque, por um lado, a CRP deve prevalecer incondicionalmente
desde que esta foi emitida, e por outro, meros efeitos futuros da declaração levariam a que as
pessoas fossem tratadas de forma diferente – a umas aplicava-se a norma inconstitucional, a outras
não. Nesse sentido, torna-se relevante apreciar a constitucionalidade de normas já caducas ou
revogadas.
Regras específicas da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade originária:
 Produção de efeitos desde a entrada em vigor da norma;
 Repristinação da norma eventualmente revogada pela norma inconstitucional/ilegal:
enquanto no CC ocorre apenas por vontade expressa do legislador, na CRP é automática.

Yehoshuah 49
Regras específicas da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade superveniente:
 A produção de efeitos desde a entrada em vigor na nova norma da CRP ou legal.
 Ausência de repristinação.

Os efeitos podem ser limitados → Ver pág. 52


Mas existem limites à limitação:
 Não restringir os efeitos da declaração sobre norma violadora de direitos insuscetíveis de
suspensão em estado de sítio.
 A restrição não pode atingir decisões de inconstitucionalidade transitadas em julgado.
O TC deve limitar os efeitos das suas decisões não por mera conveniência, mas sim interesse
público, segurança jurídica – critérios mais restritos. Se TC abusar deste poder, limitando os efeitos
muitas vezes, dará um sinal de que o crime compensa.

Inconstitucionalidade consequente
Podemos ainda falar da inconstitucionalidade consequente: a nulidade do preceito principal conduz
à inconstitucionalidade do preceito instrumental. Isto quer dizer que quando uma norma
paramétrica é declarada inconstitucional, as normas que esta parametriza também serão declaradas
inconstitucionais.
Nesse sentido, se uma Lei de Bases for declarada inconstitucional, a Lei de Desenvolvimento de
Bases que se lhe refere também será inconstitucional. Se uma LAL for inconstitucional, o D-LA
subsequente também o será.

2. Fiscalização abstrata por ação


2.1. Fiscalização preventiva abstrata por ação - art.º 278.º
A ideia desta fiscalização é evitar introduzir no Ordenamento Jurídico normas inconstitucionais.
Incide apenas sobre a inconstitucionalidade. Leva a uma pronúncia pela inconstitucionalidade (ou
não inconstitucionalidade). Levada a cabo pelo Plenário.
Salvo nos casos de LO – referidos no 278.º/4 -, apenas o PR tem poder de iniciativa. Depois de
fazer o pedido, pode desistir dele. É a única em que existem prazos para provocar a abertura do
processo (8 dias). O TC tem 25 dias para dar resposta ao pedido, mas não são líquidas as
consequências da falta de decisão do TC no prazo definido.
São apreciadas apenas as seguintes normas:

Yehoshuah 50
 Normas constantes de leis (incluindo LAL e leis de revisão constitucional), de D-L e de
DLR;
 Normas constantes de tratados internacionais.
Nesta, a decisão do TC não consiste na anulação de normas, mas antes na proposta de veto ou
reabertura do processo legislativo. É uma fiscalização mais política que a fiscalização sucessiva
sucessiva, pois pode traduzir-se num instrumento de bloqueio de iniciativas do Gov./AR.
Uma norma não considerada inconstitucional preventivamente pode ser considerada
inconstitucional sucessivamente, e uma norma considerada inconstitucional preventivamente, mas
que entrou em vigor – por força do art.º 279.º/2 – pode não ser considerada inconstitucional
sucessivamente.

2.2. Fiscalização sucessiva abstrata por ação – art.º 281.º


A expressão “declara” é utilizada na fiscalização sucessiva abstrata - artigo 281/1, “o TC aprecia
e declara”. Levada a cabo exclusivamente pelo TC, em Plenário.
No fundo, é uma prentesão dirigida à declaração com força obrigatória geral da
inconstitucionalidade de normas jurídicas.
Segundo o art.º 281.º/2, pode ser requerida por 11 entidades:
 PR;
 Presidente Assembleia da República;
 Primeiro-Ministro;
 Provedor de Justiça;
 Procuradora Geral da República;
 1/10 dos deputados da AR;
 Se a violação for de direitos das RA’s ou de estatutos das RA’s: .RR, ALR, Presidente
ALR, Governo Regional., 1/10 dos deputados da ALR,
Pode ser requerida, quando caso disso, pelos substitutos do PR (132.º e 139.º), do PM (185.º) e dos
RR (art.º 230.º/3). O PM pode fazê-lo antes da apreciação do programa de governo, e depois de
demitido. Os particulares, por petição, por exemplo, podem pedir ao Provedor de Justiça que a
requeira.
Estas entidades podem pedir apreciação sobre:
 Inconstitucionalidade de qualquer norma.
 Ilegalidade de normas constantes de ato legislativo com fundamento em violação de
LVR;
O requerimento pode ser apresentado a todo o tempo, e a vigência da norma não é suspensa, nem
pode o TC adotar providências cautelares. Se o TC declarar a norma não inconstitucional, a
constitucionalidade pode voltar a ser aferida sobre a mesma norma e com os mesmos fundamentos.

Yehoshuah 51
O TC não tem qualquer prazo para apresentar a sua decisão.

Efeitos
Face à declaração de inconstitucionalidade/ilegalidade com força obrigatória geral, a lei sai do OJ:
é eliminada automaticamente, com efeitos erga omnes – para todas as pessoas. Mas afinal, o que
quer dizer força obrigatória geral?
 Vinculação geral, porque as sentenças vinculam todos os órgãos constitucionais, tribunais,
e autoridades.
 Força de lei, por as sentenças terem valor normativo para todas as pessoas físicas e
coletivas.
Os efeitos da decisão de inconstitucionalidade/ilegalidade com força obrigatória geral implicam:
 Retroatividade (regra geral);
 Repristinação da norma revogada (quando é caso disso): a ideia é evitar o vazio legal.
 Proibição de reedição da norma, a não ser que falemos de vícios orgânicos/forma, ou se
surgir uma LC que torne constitucional a norma anteriormente declarada inconstitucional.
 Tribunais: Todos os recursos pendentes no TC em sede de fiscalização concreta têm de ser
decididos de modo conforme. Nos tribunais normais, todos os processos pendentes tem de
ser decididos de modo conforme.

O art.º 282.º/4 define a exceção a estes efeitos; assim, os juízes do TC podem limitar os efeitos da
sua decisão de quatro modos:
1. É retroativa, mas não repristina.
2. É retroativa, mas não até à data de entrada em vigor. → Caso do 282.º/2, ver pág. 54
3. Não é retroativa.

Yehoshuah 52
4. Produz efeitos apenas para o futuro: lei inconstitucional vigora mesmo após a declaração
de inconstitucionalidade; muito controverso.

Momento histórico #5
Corre o ano da graça de 2012, e é Pedro Passos Coelho que governa. Estamos nos tempos da
obstinada troika e da terrível crise económica.
Nesse sentido, um dos artigos da Lei do Orçamento de 2012 define que não serão concedidos
subsídios de férias (dados duas vezes por ano, normalmente em junho e novembro). A norma
produziu efeitos em junho de 2012, e em agosto desse ano o TC declara-o inconstitucional.
Normalmente, isso implicaria a reformulação da referida Lei, que o subsídio de junho fosse
devolvido às pessoas, e que o de Natal fosse dado como costume. No entanto, o TC decide de
modo arrojado, e define que os efeitos da declaração só terão lugar no futuro: mais concretamente,
no ano seguinte.
Assim, a norma mantém os seus efeitos de junho e aplica-se em novembro – os funcionários
públicos não receberam subsídio de natal -, produzindo efeitos mesmo após ser declarada
inconstitucional.

O art.º 282.º/3 tem outra exceção: não se destroem os casos julgados.


Aqui temos o princípio da segurança (não se deveria alterar uma sentença transita em julgado) e
da imperturbabilidade das sentenças, contra o princípio da justiça (seria mais justo ser punido
segundo uma lei constitucional, em vez de uma inconstitucional).
Em geral prevalece a segurança, mas há uma exceção: destroem-se os casos julgados se se
preencherem dois critérios:
 Tal constituir vantagem para o indivíduo;
 A matéria do caso for penal, disciplinar ou de contra ordenações.

O art.º 282.º/2 é para as situações de inconstitucionalidade superveniente.


Ocorrem quando uma lei é constitucional, mas por força de uma revisão da constituição, torna-se
inconstitucional. No fundo, a nova LC impõe uma disciplina contrária às leis anteriores.
Face a isto, a declaração de inconstitucionalidade é retroativa, mas apenas até à revisão que a
tornou inconstitucional. Antes disso, estava tudo bem, e os efeitos produzidos nesse período
mantém-se.
Assim, os efeitos estão entre ex tunc e ex nunc, havendo um regime misto: não será ex nunc, pois
os efeitos não se produzem desde a declaração do TC; também não será ex tunc, pois os efeitos

Yehoshuah 53
não se produzem desde a entrada em vigor da norma. Nestes casos, os efeitos vão até à entrada em
vigor da LC.
Só se dá quando falamos de vícios materiais – referentes ao conteúdo da norma -, e não formais.
Exemplo: D-L dizia que partidos políticos tinham de ter 2000 pessoas. Depois, Revisão
Constitucional faz com que isso seja matéria de RA da AR (164.º-h). Isto não é uma
inconstitucionalidade no conteúdo, mas sim na forma, pelo que a norma não deve ser considerada
inconstitucional, e manter-se-á em vigor. → Ver pág. 23, ponto 6.
Enquanto as questões de forma devem ser vistas no momento em que aconteceram (no dia de
aprovação deste D-L, esta matéria podia ser alvo de D-L? A resposta é sim, por isso está tudo
bem), as de conteúdo estendem-se e permanecem ao longo do tempo.

Assim, temos vários casos possíveis:


1. Regra geral – art.º 281º/1. Declaração produz efeitos no período X. Inconstitucionalidade
originária.

CRP Lei TC
(inconst.) (declaração
incost)

2. Situação do art.º 282.º/2. Declaração produz efeitos no período X, mas não no Y.


Inconstitucionalidade superveniente. Se a Lei inconstitucional, por ventura, tenha revogado
outra lei, não se repristina a lei revogada. Afinal, quando o fez, era constitucional.

Y X

CRP Lei Revisão TC


(prisão (prisão CRP (declaração
perpétua perpétua (prisão incost)
permitida) para perpétua
terrorismo. proibida)
)

Yehoshuah 54
3. Situação regra, art.º 282.º/3. A lei A é repristinada, mas o caso de Jacob não é reaberto.

Crime cometido e TC
Lei A (25 Lei B (10
julgado, 10 anos (declaração
anos anos de
de prisão para incost. Lei
prisão) prisão)
Jacob B)

4. Situação exceção 282/3. A lei A é repristinada, e o caso de Jacob reaberto.

Lei A (5 Lei B (10 Crime cometido e TC


anos anos de julgado, 10 anos (declaração
prisão) prisão) de prisão para incost. Lei
Jacob B)

5. Situação inusitada por força da exceção do art.º 282/3. A lei A é repristinada, mas o caso
de Jacob não é reaberto. Noé, como à data da declaração de inconst, ainda não tinha sido
julgado (foi pedindo recursos), é condenado a 25 anos. Afinal, à data do seu julgamento
(após declaração inconst), é a lei A que vigora.

Lei A (25 Lei B (10 Jacob e Jacob TC Noé


anos anos de Noé condenado 10 (declaração condenado
prisão) prisão) cometem anos, Noé incost. Lei a 25 anos.
crime. pede recurso B)

6. Caso em que TC projeta efeitos para o futuro. Muito incomum e controverso.

Yehoshuah 55
Y
X

CRP Lei TC Momento


(inconst.) (declaração definido
incost) pelo TC
para
produzir
efeitos

3. Fiscalização concreta – art.º 204.º e 280.º


Pode ser da inconstitucionalidade ou ilegalidade – aqui falaremos apenas da inconstitucionalidade.
É difusa, por poder ser levada a cabo por todos os tribunais; tal parte da ideia de que todos os juízes
(até o da Aldeia de Picha) têm acesso direito à constituição. Quando chega ao TC, é levada a cabo
por uma das três secções.
Num caso concreto, quando o tribunal aplica a norma que incrimina a pessoa, deve perceber se a
norma é conforme à CRP: “será constitucional a norma do Código Penal que incrimina esta
pessoa?” – este é o momento de fiscalização. Geralmente confiam que é, e só realmente apreciam
a constitucionalidade quando uma das partes evoca a inconstitucionalidade.
Por isso, a questão da inconstitucionalidade pode ser invocada por uma das partes, ex officio pelo
juiz, e pelo Ministério Público (quando seja uma parte do processo).
Assim, a fiscalização concreta surge para desaplicar uma norma, por se achá-la inconstitucional,
num caso concreto. Esta fiscalização, embora inicialmente difusa, pode conduzir a um controlo
concentrado, por se poder pedir recuso ao TC. Este só avalia a questão da inconstitucionalidade,
não avalia a justeza ou adequação da norma ao caso concreto.
Dessa maneira, o recurso para o TC exigido por uma das partes pode dar-se por duas razões:
 Recurso de decisão positiva: Juiz (da aldeia que vocês sabem) não aplica norma, por
considerá-la inconstitucional. – 280.º/1-a. É obrigatório para o MP, por força do princípio
da presunção da constitucionalidade das leis – 280.º/3
Pode tanto haver recurso direto para o TC, como recurso para o tribunal de segunda
instância (tribunal da relação), depois recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e só
depois para o TC – esgotamento de recursos ordinários.
 Recurso de decisão negativa: Juiz (da aldeia que você sabem) aplica norma, mesmo após a
sua inconstitucionalidade ter sido suscitada durante o julgamento. – 280.º/1-b. Apenas a
parte que suscitou a inconstitucionalidade pode recorrer.

Yehoshuah 56
3.1. Efeitos
A sentença do TC tomará um de dois caminhos:
 Se a norma for julgada inconstitucional, não se aplica – o que ou confirma ou revoga a
decisão do tribunal da Aldeia. Aqui tem de ser utilizada outra lei – a revogada pela norma
inconstitucional, por exemplo -, ou, no máximo, a pessoa não é condenada.
 Se não for julgada inconstitucional, o juiz da aldeia terá de aplicar a norma, ou pelo menos
não poderá recusar a sua aplicação com fundamento na inconstitucionalidade.
 Existem ainda decisões interpretativas: uma norma julgada inconstitucional/não
inconstitucional pelo tribunal é julgada não inconstitucional/inconstitucional pelo TC, mas
apenas se for interpretada num certo sentido.
A fiscalização concreta não tem efeitos erga omnes, pelo que só vale para aquele caso em
específico. A norma continua a vigorar no OJ, e pode ser aplicada noutros casos. Tal explica-se
pelos tribunais não estarem vinculados às decisões de caso concreto do TC.
Quando um tribunal aplica uma norma anteriormente julgada inconstitucional num caso concreto
pelo TC, o Ministério Público é obrigado a pedir recurso, pelo art.º 280.º/5. Em princípio, o TC
também a julgará inconstitucional, especialmente se for parar à mesma secção. Se for parar a outra,
pode não acontecer.
O 280.º/5 justifica-se por duas razões;
1. Prevalência do TC em questões de inconstitucionalidade.
2. Segurança jurídica e uniformização da jurisprudência: nenhuma norma já considerada
inconstitucional pelo TC outra vez aplicada pelos tribunais está isenta de um novo juízo de
reapreciação por parte do mesmo tribunal.
Existe ainda uma ligação de extrema importância entre a fiscalização concreta e a fiscalização
abstrata, mencionada por Tiago Duarte: segundo o art.º 281.º/3, se uma norma tiver sido julgada
inconstitucional em três casos concretos pelo TC, este aprecia e declara, com força obrigatória
geral, a sua inconstitucionalidade. Este mecanismo é notável, pois se não existisse, haveria grande
diversidade de juízos – assume-se como um modo de uniformização da jurisprudência.
Mas isto é mais complicado do que parece, por levantar outras questões:

Yehoshuah 57
É obrigatório o TC fazer isto? Quem tem a iniciativa do pedido? Podem ser casos concretos
decididos com fundamento em normas diferentes da CRP? A que velocidade ia o carro do Ministro
Cabrita?

Descomplicómetro #5
A apreciação não é automática, mas sim dependente de iniciativa de qualquer dos juízes do TC
ou do Ministério Público. Por isso, não é obrigatória, mas sim uma mera possibilidade: após o
terceiro caso concreto julgado, ficam com essa faculdade, mas podem não exercê-la.
Sobre os três casos concretos: podem ser decididos com fundamento em normas diferentes da
CRP. Não precisam de ser três declarações seguidas, podemos ter um esquema como:
1. TC no caso 1: Inconstitucional
2. TC no caso 2: Constitucional
3. TC no caso 3: Constitucional
4. TC no caso 4: Inconstitucional
5. TC no caso 5: Constitucional
6. TC no caso 6: Inconstitucional.
Sobre a decisão subsequente do TC, pode declará-la inconstitucional ou não inconstitucional.
Se declarar a norma inconstitucional:
 Pode ser com fundamento numa norma da CRP não mencionada nos três casos
concretos;
 Pode ser com menos amplitude do que a dos julgamentos concretos;
 Pode ser apenas de um segmento da norma, não de toda a norma.
Sobre o carro do Cabrita: ia a 163km/h.

4. Fiscalização da inconstitucionalidade por omissão


Ocorre quando perante uma obrigação de facere da CRP, que manda a prática de certo ato, o
destinatário da obrigação não o faça, seja nos termos exigidos, seja em tempo útil. No fundo,
quando não atuar é inconstitucional, havendo um silêncio legislativo, por não se fazer aquilo a que
se estava constitucionalmente adstrito.
Exemplo: Um artigo da CRP diz “todos os sportinguistas têm proteção na doença”, mas não existe
nenhuma lei que o concretize e realmente o garanta.
A falta de medidas legislativas terá de ser sempre atual, não eventual. Por isso, o TC não pode
fazer qualquer juízo de prognose, ou seja, agir por prever que no futuro existirá uma obrigação de
facere que não será seguida.

Yehoshuah 58
O poder de iniciativa cabe ao:
 PR;
 Provedor de Justiça;
 Presidentes das Assembleias Legislativas Regionais (quando haja violação dos direitos das
regiões autónomas).
A iniciativa dos dois primeiros diz respeito a leis em falta no Estado e nas RA, a dos últimos apenas
diz respeito a matérias regionais, nomeadamente leis regionais, e as dos art.ºs 227.º/1 – i e j, art.º
164.º - g, m, n, q, t, v, aa.
Quando o TC verificar a existência de inconstitucionalidade, apenas notificará o órgão legislativo
competente – art.º 283.º/2. Se faltar lei que é de reserva absoluta da AR, TC notifica a AR, se for
do domínio concorrencial, TC notifica AR e Gov.
Tal solução é questionável, pois as medidas necessárias para exercer o exigido pela CRP podem
referir-se a atos não legislativos, uma vez que grande número das imposições constitucionais são
imputadas ao Estado, e não propriamente a órgãos legislativos.
Ainda assim, estes efeitos modestos compreendem-se por não ser possível obrigar
jurisdicionalmente os órgãos políticos a cumprir determinado programa de ação, justificada pela
separação dos poderes e princípio democrático. Mais uma vez, a ideia de controlo negativo.
Todavia, pode-se sempre controlar a constitucionalidade de atos normativos que levem a uma
política contrária à exigida pela CRP. E a verdade é que nos tempos (gloriosos) do Conselho de
Revolução, este tinha o poder de fazer recomendações aos órgãos legislativos.

Revisão da Constituição – art.º 284.º a 289.º


A revisão da CRP é mais um modo de Garantia da CRP. Lembrando a sagaz metáfora de Tiago
Duarte, se a CRP é uma árvore, a revisão corresponde ao cortar de ramos secos, isto é, ao retirar
de partes agora desadequadas e desnecessárias.
Podemos, por isso, e desde já, abandonar a ideia de uma CRP absolutamente fixa e inalterada no
tempo – em boa verdade, a Constituição de 1976 já sofreu sete revisões: 1982, 1989, 1992, 1997,
2001, 2004, e 2005.
Apesar disso, a nossa CRP é do tipo rígido, pois a sua modificação exige um processo agravado,
quando comparado com o processo de formação de leis ordinárias – por exigir a iniciativa de uma
entidade específica, e de maiorias qualificadas, como vamos ver. A ideia da superlegalidade
formal da CRP (por ser a norma primária do nosso OJ) justifica esta sua rigidez.
Acrescentar apenas a existência de dois poderes: o poder constituinte e o poder de revisão.
1. Poder constituinte: soberano, independente e prévio à CRP – afinal, é ele que cria a CRP.
Superior ao poder de revisão, tendo como consequência a possibilidade de o limitar,

Yehoshuah 59
criando mesmo princípios inalteráveis – embora estes últimos, como vamos ver, não sejam
assim tão absolutos e inalteráveis.
2. Poder de revisão: tem o seu fundamento na CRP – afinal, só existe porque a CRP reconhece
a possibilidade de uma revisão.

1. Procedimento
A iniciativa compete aos Deputados – art.º 285.º/1. Desencadeado este processo, se mais
deputados quiserem apresentar outros projetos de revisão constitucional (RC), têm de o fazer num
prazo de 30 dias – art.º 285.º/2.
Depois da iniciativa, constitui-se uma comissão eventual para revisão constitucional (CERC), em
que todos os partidos representados proporcionalmente. Os projetos de RC não têm Votação na
Generalidade, começam logo na Discussão na Especialidade e, depois Votação na Especialidade.
No fim, Votação Final Global.
Pelo art.º 286.º, é exigida em todas as votações uma M2/3 dos deputados em efetividade de
funções - 164 Deputados. De destacar que esta é diferente da maioria requerida pelas leis do art.º
168.º/6, por aí falarmos de M2/3 dos deputados presentes – se quórum for de 180 deputados,
bastam 120 votos a favor.
Depois da aprovação, segue para o PR. O art.º 286.º/3 estatui que “não pode recusar a
promulgação”. Embora alguns autores não o encarem como uma obrigação de promulgação – não
faria sentido obrigar o PR a promulgar uma lei de RC possivelmente inconstitucional -, o TiDu
interpreta-a como uma obrigação, sendo mesmo a única possibilidade: afinal, se a vetasse, estaria
a incumprir a norma. Do mesmo modo, se a enviasse para o TC, e este a declarasse
inconstitucional, seria obrigado a vetar – mais uma vez incumprindo a norma. Adicionalmente,
nunca um PR se recusou a fazê-lo.
Assim, TiDu entende que o PR deve promulgar, e depois, se for caso disso, enviá-la para TC-
fiscalização sucessiva.
No entanto, e de modo um pouco contraditório, aceita que o PR suscitasse a apreciação preventiva;
caso fosse declarada inconstitucional, essa inconstitucionalidade impediria que a lei em questão se
qualificasse como Lei Constitucional – e por isso, o veto não constituiria uma violação do art.º
286.º/3. Afinal, nestas circunstâncias, a promulgação seria uma fraude à CRP e uma quebra ao
juramento do PR.
Mas esta posição tem uma falha: só resultaria em relação a limites
orgânicos/formais/procedimentais, não funcionado face à violação de limites materiais. Afinal, a
definição do que é uma LC prende-se com a sua forma, não com o seu conteúdo.

Uma vez aprovada e publicada uma lei de RC, os Deputados terão de esperar 5 anos para apresentar
outro projeto de RC – 284.º/1. Assim, se tiver sido apresentado um projeto de RC, mas este não

Yehoshuah 60
tenha sido aprovado, não é necessário esperar que este prazo decorra. Esta é a RC ordinária:
acontece segundo o prazo de cinco anos.
Todavia, nem sempre este prazo tem de ser cumprido – falamos de RC extraordinária (art.º
284.º/2).
A RC extraordinária ocorre quando o prazo para RC ordinária ainda não passou, mas é
necessária, por alguma razão; no fim, ocorre em situações excecionais. Exemplo disso foi quando
Portugal queria aderir ao Tribunal Penal Internacional, mas a CRP continha normas que não o
permitiam. Não tinham passado 5 anos desde a última RC, e por isso fez-se uma RC extraordinária:
foi a RC de 2001.
Esta é uma revisão tão excecional que exige que antes de serem apresentados os projetos de RC,
se leve a cabo uma votação para decidir se se inicia um processo de Revisão Constitucional
Extraordinária ou não, que exige a maioria mais qualificada da CRP: 4/5 dos Deputados em EF,
ou seja, 184. Depois disso, tudo decorre como se fosse uma revisão ordinária.

2. Limites da Revisão Constitucional


A CRP prevê limites formais e materiais à Revisão Constitucional. Vamos analisá-los
separadamente, com especial afinco nos materiais.

2.1. Limites formais – 284.º, 285.º/1, 289.º


De um modo geral, referem-se ao titular do poder de revisão, ao tempo, e às circunstâncias.
O titular da iniciativa são os Deputados – art.º 285.º/1 – e da competência é o órgão legislativo
ordinário: AR. – art.º 284.º.
Quanto ao tempo, é o prazo de cinco anos referido supra – art.º 284.º/1. Este limite justifica-se por
ser uma forma de assegurar uma certa estabilidade da CRP, embora possa ocorrer uma
extraordinária em qualquer momento. Cinco anos não é um número arbitrário: parte da ideia de
que, quando a AR voltar a poder rever a CRP, já se terá passado uma legislatura – portanto, terão
havido eleições, e o parlamento terá sido renovado, possivelmente assumindo uma composição
completamente diferente. Assim, será sempre a nova assembleia eleita a ter os poderes de uma
nova revisão.
Quanto às circunstâncias, é proibida em situações de anormalidade constitucional (estado de sítio
ou estado de emergência) – art.º 289.º.
Podemos elencar ainda outros: a revisão da CRP deve ser feito de modo expresso, quer seja de
substituição de normas, supressão, ou adição. Por isso, não pode haver uma RC que não altere o
texto da CRP. A ideia é que não haja incerteza quanto à vigência ou não das normas contidas na
CRP, não podendo existir dúvidas sobre o texto desta e o direito constitucional.

Yehoshuah 61
Desta forma, rejeita-se a prática dos americanos, com as suas famosas amendments: artigos
suplementares que se assumem como uma emenda à constituição, mas que não se inserem no texto
constitucional.
No entanto, podemos admitir que se dê uma revisão expressa através de reenvios – remissões –
para normas jurídicas extraconstitucionais, como o direito comunitário – tratados da EU. Em boa
verdade, já existem: art.º 33.º/5.
No entanto, não podem existir RC’s feitas por via do direito comunitário. No máximo, a
prevalência do direito da EU sobre o nosso direito constitucional – de si já muito discutida, como
vimos em IED – traduz-se não numa revogação das normas da CRP, mas apenas uma desaplicação:
não se modificam nem extinguem, apenas não se aplicam.

2.2. Limites materiais – art.º 288.º


Há Constituições que estabelecem limites materiais. É uma prática antiga, remontando à
Constituição dos EUA. Em Portugal, vê-se na Constituição de 1911, com a proibição de alterar a
forma republicana do Governo.
Os limites estão bem expressos, no art.º 288.º. Está em termos prescritivos (“terão que respeitar”),
não proibitivos. A existência destes limites materiais tem a finalidade de garantir a intangibilidade
de certos princípios - não preceitos ou normas. Assegurar a estabilidade e identidade da CRP,
sendo o seu “cartão de identidade”.
São uma superpositivação do já positivado: a CRP, no seu art.º 1.º, já estabelece a forma
republicana do governo (positivação), e o art.º 288.º-b apenas o reforça (superpositivação), confere
mais estabilidade e proteção.
Nesse sentido, é preciso perceber que este art.º 288.º não é constitutivo – não cria limites materiais
do nada –, mas sim declarativo – diz-nos quais são os limites materiais, decorrentes de princípios
presentes noutros artigos da CRP. Assim, existem limites que realmente traduzem características
essenciais da CRP e que estão no 288.º, existem limites essenciais que não estão no 288.º, e existem
limites que embora presentes no art.º 288.º, não são assim tão essenciais.
As características verdadeiramente essenciais da CRP são limites de primeiro grau:
correspondentes às alíneas 288.º-a, b, c, d, e, f, g, h, j, l, m, o. Todas as restantes não são mesmo
essenciais, sendo de segundo grau.
Assim, existem limites materiais expressos, mas também implícitos: para além dos do art.º 288.º,
existem outros limites que são descobertos analisando a CRP, como a integridade territorial (art.º
5.º/3), e a isenção partidária das Forças Armadas (art.º 275.º).

Todavia, os limites materiais explícitos podem ser criticados:


 Levam a uma constituição paternalista;

Yehoshuah 62
 É uma tentativa de alienação das decisões de gerações futuras.
 Intencionalidade política sem obrigatoriedade jurídica.
Não devem, por isso, servir para incluir preceitos característicos de programas partidários, mas
não de uma Constituição.
Sobre os limites materiais, surgem duas perguntas:
1. Pode a RC colocar qualquer nova matéria na CRP? Ou seja, haverão matérias indignas de
estar na CRP?
2. Podem todas as normas da CRP serem revistas?
Respondendo à primeira: A RC pode colocar qualquer matéria que considerar relevante. Afinal,
pelo avanço dos tempos, torna-se necessário adicionar novas matérias. Nos dias de hoje, pelo
surgimento de problemas ligados ao ambiente e à digitalização do mundo, torna-se compreensível
que a CRP possa ter normas que versem sobre ecologia e natureza, ou sobre o direito à segurança
informática, por exemplo.
Sobre a segunda, a resposta é mais complexa, mas para princípio de conversa: não. Algumas
normas da CRP, à primeira vista, não poderão ser objeto de RC – art.º 288.º.

Os limites do art.º 288.º


Dizer que as matérias deste artigo nunca poderão ser alvo de revisão gera uma questão: tem a
primeira geração de legisladores constituintes o direito de vincular eternamente as gerações futuras
aos seus ideais e projetos?
Por um lado, nenhuma geração pode vincular absolutamente e eternamente as próximas gerações.
Por outro, a CRP tem de desempenhar as suas tarefas, e isso não é compatível com uma completa
disponibilidade e vulnerabilidade da CRP à RC. Afinal, não se deve banalizar a CRP à disposição
de maiorias de 2/3.
Sobre estes limites materiais, surgem três teses:
1. São imprescindíveis e insuperáveis: não cabe ao poder de revisão dispor contra opções
fundamentais do poder constituinte. A função do poder de revisão não é criar uma nova
CRP, mas antes defendê-la.
2. Opõem-se à sua legitimidade/eficácia: não há diferença entre poder de revisão e poder
constituinte – ambos são expressão da soberania do Estado, exercidos por representantes
eleitos; não existe diferença entre normas originárias e supervenientes. O poder constituinte
de certo momento não é superior ao poder constituinte de momento posterior.
3. Admitem-nos, mas relativizam-nos, considerando suscetíveis de um processo de dupla
revisão: os limites são válidos, mas são uma norma como outra qualquer, podendo ser
modificadas ou revogadas. Assim, o poder constituinte pode impor limites materiais, e
estes devem ser escrupulosamente seguidos enquanto vigorarem, mas os próprios limites à
revisão podem ser revistos. No fundo, não existem normas “superconstitucionais”.

Yehoshuah 63
Voltando à ideia da superpositivação: apenas tem a função de agravar o processo de revisão
(por ser necessária uma dupla revisão), não de impedir a revisão.
Na opinião do professor Tidu, as alíneas deste artigo servem para garantir a identidade da CRP
vigente – a Constituição de 1976 -, ou seja, os seus elementos essenciais – embora contenha
excessos: será estruturante para a CRP o modo de eleição dos deputados (proporcional, 288.º-h)?
Na realidade, para Tiago Duarte, este artigo 288.º não impede absolutamente nada. Nas palavras
dele, e com toda a sua erudição, diz “folhas de papel nunca impediram o desenvolvimento da
história”. Assim, só têm valor se as pessoas lhes derem valor
Nesse sentido, pode haver uma RC que verse sobre as matérias que ele elenca, violando os seus
limites. Isso apenas implicaria que se originasse uma nova CRP, e não uma nova Revisão.
No máximo, se houver uma RC que aniquile por completo a identidade da nossa CRP, por violar
de um modo tão gravoso o art.º 288.º, não falaríamos da oitava revisão da CRP de 1976, mas sim
de uma novíssima constituição: a CRP de 2022. Uma manifestação do poder constituinte, e não do
poder de revisão.
Concluindo, em teoria este artigo impede que se faça uma RC nas matérias que elenca, mas na
prática não impede que isso aconteça.

A revisão do art.º 288.º


Agora, poderá este artigo 288.º ser revisto, para excluir certas matérias da sua proibição?
Sim. E aqui falamos da belíssima dupla revisão constitucional – tese (e técnica) que defende a
relatividade destes limites, um pouco como TD faz. No fim, exigiria duas revisões constitucionais
subsequentes.
Num primeiro momento, a revisão iria incidir sobre o próprio art.º 288.º, eliminando ou alterando
as alíneas necessárias. Depois, num segundo momento, far-se-ia uma nova revisão, de acordo com
as leis constitucionais que alteraram as normas de revisão.

Descomplicómetro #6
Suponhamos que António Costa quer instaurar a monarquia em Portugal, por gostar muito da
música de praxe “Maria da Fonte”.
A forma republicana do governo é um limite imposto pelo art.º 288.º-b. Assim, teria de fazer
duas revisões:
1. Numa primeira revisão, retirava-se o art.º 288.º-b.
2. Numa segunda revisão, colocava-se na CRP as disposições necessárias para instaurar a
monarquia. Afinal, à data desta segunda revisão, a forma republicana já não era um
limite.

Yehoshuah 64
Segundo esta tese alterar o art.º 288.º não resultaria num assassinato da CRP como a conhecemos.
Uma coisa é remover os princípios – constantes do art.º 288.º ou não – que definem a CRP, outra
é remover os artigos que dizem quais são esses princípios. É importante perceber que estes limites
resultam de um contexto histórico específico, podendo já não se aparentar essenciais, ou podendo
o povo já não se identificar com eles.
Assim, mudar o 288 não afetará a identidade da CRP. E os limites neles dispostos continuarão a
ser limites ao poder de revisão – mas agora implícitos -, por se encontrarem na CRP. O que poderá
afetar a identidade da CRP será a subsequente revisão.
Se a segunda revisão atentar contra limites de primeiro grau, temos nova CRP. Se atentar contra
limites de segundo grau, a CRP é a mesma: afinal, não eram características verdadeiramente
essenciais, e a sua eliminação do art.º 288.º faz com que deixem de ser limites).
Até podem ser adicionados novas alíneas ao art.º 288.º, desde que o texto novo não seja contrário
aos princípios já existentes da CRP – a alínea b não poderia ser alterada para dizer “forma
monárquica”.
Esta técnica tem críticas, nomeadamente por parte de Canotilho:
1. Torna ineficaz o art.º 288.º.
2. É uma fraude à CRP.
3. As regras que estipulam as condições da alteração de uma norma são superiores aos da
norma modificativa.
Mas também defensores – e são esses que nos interessam - como Tiago Duarte e Jorge Miranda:
1. Nenhuma norma pode estatuir a sua imodificabilidade.
2. Não há normas constitucionais superiores a outras.
Esta técnica da dupla revisão foi, de certo modo, experimentada na Revisão de 1989 – mas em vez
de se fazerem duas revisões, fez-se só uma.

Momento Histórico #6
Em 1989, Cavaco Silva (PSD) e Vítor Constâncio (PS) pretendiam a transição da economia do
país para um modelo liberal. Por isso, iniciaram um processo de RC para retirar alguns artigos
que o impossibilitavam, como o art.º 83.º.
Todavia, alguns artigos não podiam ser alterados, por serem protegidos pelos limites materiais
do art.º 288.º (na altura 290.º). O art.º 83.º, por exemplo, estava protegido pela alínea l do art.º
288.º (na altura 290.º). Face a isso, numa única RC, fizeram o seguinte:
1. No art.º 288.º: Alteraram as alíneas f, g; Eliminaram a alínea l.
2. Eliminaram o art.º 83.º.
Deste modo, os limites foram alterados, o país pode liberalizar-se, e todos ficaram felizes
(menos o PCP).

Yehoshuah 65
Neste caso, Jorge Miranda revela-se avesso a uma única revisão, dizendo que não seria possível,
numa única revisão, mudar a norma dos limites e os próprios princípios protegidos por esses
limites. Afinal, até à entrada em vigor da LC, nunca estes poderiam ser afetados, e após a entrada
em vigor, cessa o poder de revisão e tem de se esperar cinco anos.

2.2. Limite extra: revisão total


Quando falamos de supressão, adição, ou substituição de normas, falamos de alterações parciais
da CRP – revisão parcial.
Quando falamos da substituição do texto constitucional por outro completamente novo, falamos
de revisão total.
Regra geral, quando não se prevê no texto da constituição a revisão total, entende-se que está
proibida – a revisão total é um dos limites da revisão parcial. É o nosso caso.
Isto significa que a revisão total não pode ser feita através do poder de revisão, mas sim através do
poder constituinte – criando uma nova CRP.

3. Inconstitucionalidades e fiscalização
Importa ver as consequências da não verificação dos limites referidos supra.
As leis de RC que não respeitarem os limites materiais e formais da CRP serão inconstitucionais
do ponto de vista material e formal.
Assim nos limites materiais, falamos da violação do art.º 288.º, e dos seguintes casos:
 Estabelecimento de normas contrárias a princípios constitucionais que devem considerar-
se limites materiais da revisão, embora sejam limites implícitos;
 Estabelecimento de normas contrárias a princípios constitucionais elevados a limites
materiais expressos;
 Estabelecimento de normas contrárias a princípios constitucionais elevados a limites
materiais expressos, com a decorrente eliminação ou alteração da respetiva referência ou
cláusula: o que ocorreu na revisão de 1989 explicada supra.
 Estipulação de limites materiais expressos contrários a princípios fundamentais da CRP.
Nos limites formais, vemos casos como:
 Falta de competência absoluta do órgão que emanou a RC: quando é emanada do Governo,
por exemplo – a lei é inexistente.
 Casos em que a AR tem esses poderes suspensos: quando a AR faz uma revisão ordinária
antes dos 5 anos;

Yehoshuah 66
A fiscalização é controversa, especialmente a material. Pode-se negá-la, por as normas criadas
pela LC ficarem no mesmo plano hierárquico das normas constitucionais; seria contraditório aferir
a constitucionalidade de normas que querem limitar a Constituição.
No entanto, pode dizer-se que não é por as normas serem da mesma categoria/grau que não haverá
uma relação de constitucionalidade: afinal, é isso que se passa na ilegalidade – as leis comuns e
LVR são ambas da mesma categoria, mas há uma relação de ilegalidade entre elas, quando a lei
comum contraria a LVR.
Para alguns (não Tiago Duarte), a fiscalização preventiva entende-se excluída pelo 278.º/1.
Mas a fiscalização sucessiva seria perfeitamente aceitável: a inconstitucionalidade das leis de
revisão deve ser apreciada pelos tribunais (art.º 204.º), em sede de fiscalização concreta, e pelo TC
(art.º 280.º e 281.º), no processo de fiscalização abstrata.
Se for declarada inconstitucional com força obrigatória geral, a AR pode retomar/reabrir o
processo de revisão, por os efeitos serem ex tunc – não é preciso esperar mais cinco anos ou fazer
revisão extraordinária.

Yehoshuah 67
V. PORTUGAL, ESTADO DE DIREITO E DEMOCRÁTICO
Uma última adenda, dada por TD na última aula, quase como uma nota de rodapé, mas
extremamente importante, e essencial para orais mais desenvolvidas e exigentes.
O art.º 2.º da CRP revela que Portugal é um “Estado de direito democrático”. Impõe-se a pergunta:
porquê um estado de direito democrático? Não bastaria ser só de direito, ou só democrático?
Não. Afinal, se fosse só um Estado de direito, significaria que é um Estado em que não é a vontade
pessoal do titular dos cargos políticos, os caprichos das pessoas, a aplicada, mas sim o Direito, as
regras criadas pelas pessoas. Mas não haveriam eleições, e os líderes não teriam legitimidade
Por outro lado, se fosse só um Estado democrático, significaria que existem eleições, o poder
político é exercido tendo em conta a vontade popular. Mas seria pouco: embora reconhecêssemos
a democracia, quem ganhasse as eleições podia fazer o que quisesse – os caprichos do indivíduo
eleito não estariam limitados pelo Direito. Isto poderia levar a atos terríveis: instituir a pena de
morte, proibir jornais, derrubar mesquitas, ou ilegalizar o Sporting Clube de Portugal. Assim, são
forçosas regras que se imponham à vontade democrática – a componente do Direito. Se não, a
democracia matava-se a si mesma, pois o partido vencedor poderia criar regras não democráticas.
Por isso, Tiago Duarte louva este “equilíbrio virtuoso”: estado de direito democrático. Criam-se
democraticamente as regras, que depois se impõem a todos. No fim, estes conceitos
complementam-se, sendo as duas pernas para andar de que o nosso Estado dispõe.
Isto é o que Tiago Duarte explicou em aula. Todavia, é sempre necessário aprofundar, e esta ideia
de Portugal enquanto “estado de direito democrático” pode ser esmiuçada.
A verdade é que todo o sistema da constituição decorre deste art.º 2.º, e compreender o modo como
o poder político se organiza, e até de como se dá a Garantia da Constituição, implica perceber este
artigo. Falar desta primeira escolha constitucional implica falar de todo o sistema da Constituição.
Assim, pode parecer estranho Tiago Duarte acabar o semestre no início da CRP, com o art.º 2.º -
não seria por aí que deveríamos ter começado esta cadeira? -, mas faz todo o sentido: se é certo
que é destes primeiros artigos que todos os outros decorrem (por força do seu carácter
nomogenético), também é certo que são eles que resumem tudo o que demos nestes três meses.

Esmiuçando
Há princípios que têm uma função enunciativo-programática – existem para enunciar, dar a
conhecer, o programa da CRP. Estes são os princípios fundamentais da CRP; neles, são expressas
as escolhas essenciais do legislador constituinte. Estas limitam e orientam a atuação do Estado, e
conferem uma unidade política ao Estado. Todo o sistema constitucional decorre direta ou
indiretamente destes princípios.
Por isso, entendemos que os princípios constitucionais podem ainda gerar outras normas, outros
princípios. Estes princípios geradores de outros princípios são princípios nomogenéticos.

Yehoshuah 68
Mas afinal, onde estão estes princípios absolutamente extraordinários?
Podemos encontrar alguns nos art.º 1.º e 2.º.
Resumidamente, o art.º 1.º e 2.º dizem o que Portugal é. Pelo primeiro, Portugal é uma República,
e isto tem dois significados:
1. Uma República, por oposição a uma Monarquia. Enquanto vigorar esta CRP de 1976,
Portugal nunca poderá assumir contornos monárquicos.
2. Uma República, por ser um coletivo autogovernado e autodeterminado, onde o domínio
político se exerce não para o bem de alguns mas para o bem de todos.
Assim, este art.º 1.º enuncia qual é o fundamento do exercício do poder constituinte – mais uma
vez, diz o que Portugal é.
Brilhantemente, o art.º 2.º não fica por aí. Mais do que dizer o que Portugal é, o art.º 2.º diz o que
Portugal deve ser. Assim, Portugal é uma República e deve – no sentido obrigatório da palavra -
ser um estado de direito democrático.
Depois, o art.º 6.º - que apresenta a forma que o Estado Português deve adotar -, e o art.º 7.º - que
diz que Portugal deve estar empenhado na construção da identidade europeia – completam estes
princípios fundamentais.
De todos eles, os mais importantes são os que estão contidos no art.º 2.º: o princípio de estado de
direito e o princípio democrático.
A afirmação deste art.º 2.º “A República portuguesa é um Estado de Direito Democrático” é
fortíssima, por ser a primeira escolha do legislador constituinte; por isso, é dotado de uma força
nomogenética máxima. Tal explica o facto de haver uma enumeração, que parece fazer crer que
“Estado de Direito Democrático” é algo que resulta de uma justaposição de coisas como “soberania
popular”, “pluralismo de expressão e organização política democráticas”, “respeito e garantia da
efetivação de direitos e liberdades fundamentais”, e “separação de poderes”.

1. Origem e diferenças dos princípios


Na versão original da CRP, a expressão Estado de Direito democrático só constava do preâmbulo.
Na realidade, a epígrafe do art.º 2.º apenas dizia “estado democrático e transição para o
socialismo”. Tal só viria a mudar com a RC82.
Assim, apreendemos um dado importante: nem sempre o “Estado de direito” e o “Estado
democrático” andaram associados, como se encontram hoje na CRP. Por isso, merecem ser
estudados separadamente.
E a verdade é que constituições mais antigas – italiana, austríaca, francesa - referiam o princípio
democrático, mas nunca o “Estado de Direito”. Só nas mais recentes – espanhola – se conjugam
estes dois princípios.

Yehoshuah 69
Vemos então que são dois princípios com significados diferentes. Nesse sentido:
1. “Estado democrático” é um conceito mais formal, organizativo, e diz respeito à titularidade
do poder. “Estado de Direito” tem um conteúdo substancial, e diz respeito ao modo e
conteúdo do poder que é exercido.
2. O princípio do Estado de Direito pode ser enunciado de modo mais universal, enquanto o
princípio democrático está dependente de pressupostos históricos – afinal, a democracia é
um processo, que ora regride ora progride, consoante o contexto histórico e social em que
estejamos.
Nesse sentido, percebe-se porque é que nem sempre andam juntos: o princípio do Estado de Direito
é muito mais vasto e complexo do que o princípio democrático.

2. Estado de Direito
Antes de definirmos o que queremos dizer com “Estado de Direito”, importa entender o que é um
“Estado de não-Direito”, isto é, o seu oposto: um Estado de poder arbitrário – em que os Homens
com poder são superiores às leis -, sendo a legitimidade dos seus governantes proveniente de algo
transcendente, e onde não há segurança jurídica.
Assim, um Estado de Direito será aquele em que a lei – geral e abstrata, o que só por si já é um
garante contra o arbítrio - é soberana face aos Homens. É a ideia de “Rule of Law and not of men.”
Um Estado de Direito também será aquele em que embora sejamos livres, a nossa liberdade é
limitada, nomeadamente por leis com as quais nós consentimos – através do direito de voto, por
exemplo.
Significa também que o poder do Estado só pode ser exercido com fundamento na Constituição, e
as leis que deste emanem devem sempre ser conformes a ela. Assim, será aquele que se paute pelo
princípio da legalidade da administração – que determina a prevalência da lei sobre atos da
administração -, princípio da independência e inamovibilidade do poder judicial, e também pela
submissão do poder judicial à lei. Tal é visto nos nossos artigos 3.º e 268.º/2 da CRP.
Importa ainda referir que este Direito a que o Estado se submete não é um direito qualquer –
arbitrário -, mas antes um que prossegue certos fins, como a dignidade humana e a liberdade.
Como tal, os elementos do Estado de Direito serão:
1. Separação de poderes;
2. Constitucionalidade das Leis;
3. Legalidade da administração;
4. Independência do poder judicial;
5. Dignidade Humana.
6. Liberdade.
7. Justiça.
8. Segurança.

Yehoshuah 70
Em suma, o Estado de Direito é aquele cujo poder se exerce com fundamento na Constituição, e
com o fim de garantir a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a justiça, e a segurança.
Do princípio do Estado de Direito (enquanto princípio nomogenético) decorrem os princípios da
não retroatividade da lei e da proteção da confiança.

3. Estado Democrático
O princípio democrático determina quem tem o poder político em Portugal, e qual a justificação
para essa posse.
O art.º 3.º diz que a soberania reside no povo, e que este deverá exercê-la de modo conforme à
CRP. Assim, este princípio é caracterizado pela soberania popular, pelo direito ao voto, e pela
regra da maioria.
Assim, este princípio garante que o poder político pertence ao povo é exercido de acordo com a
regra da maioria.

4. Estado de Direito democrático: o equilíbrio virtuoso


No entanto, a vontade maioritária popular não pode querer tudo. E é justamente por isso que
Portugal, mais do que um Estado Democrático, é também um Estado Direito: a vontade popular
não pode anular os elementos de Estado de Direito suprarreferidos.
Estes princípios são, pois, inseparáveis. Sem a ideia de um governo legitimado pelo povo –
conseguida pelo princípio democrático – o Estado de Direito resultaria em nada. Afinal, é sabido
que a lei deve ser a expressão da vontade geral e não instrumento de arbítrio dos poderosos.
Paralelamente, sem o princípio do Estado de Direito, o governo (ainda que legitimado por eleições
e pelo voto) tornar-se-ia arbitrário, e levaria a uma violação (ainda que democrática) de conteúdos
essenciais dos direitos fundamentais.
A junção destes dois princípios faz com que o poder político pertença ao povo e seja exercido de
acordo com a regra da maioria, mas se encontre vinculado à CRP. Um equilíbrio obtido através da
conjugação de interesses e valores.
Assim, o princípio do Estado de Direito exclui certas matérias e decisões do âmbito do soberano.
O que está no domínio do poder da maioria (princípio Democrático) é limitado pelo princípio do
Estado de Direito.

Yehoshuah 71
VI. CRONOLOGIA DOS GOVERNOS E MANDATOS
Presidente da Primeiro Ministro Governo Maioria
República
Ramalho Eanes Mário Soares – PS I Governo MS
(1976-1980) (MCo não aprovada) (6/1976 – 12/1977)
Mário Soares – PS + CDS II Governo MA
(demissão pelo PR) (1/1978 – 7/1978)
Nobre da Costa – GIP III Governo -
(Programa Gov. rejeitado) (8/1978 – 9/1978)
Mota Pinto – GIP IV Governo -
(pedido de demissão) (11/1978 – 6/1979)
M. Lurdes Pintassilgo - GIP V Governo -
(demissão por realização de (7/1979 – 12/1979)
eleições intercalares)
ELEIÇÕES INTERCALARES
Ramalho Eanes Sá Carneiro – PSD + CDS + VI Governo MA
(1981-1986) PPM (6/1980 – 12/1980)
(morte do PM)
Pinto Balsemão – PSD + CDS VII Governo MA
(pedido de demissão) (1/1981 – 8/1981)
Pinto Balsemão – PSD + CDS VIII Governo MA
(pedido de demissão) (9/1981 – 12/1982)
ELEIÇÕES ANTECIPADAS
Mário Soares – PS + PSD IX Governo MA
(pedido de demissão e (6/1983 – 6/1985)
dissolução AR)
ELEIÇÕES ANTECIPADAS
Mário Soares Cavaco Silva – PSD X Governo MS
(1986-1991) (MCe aprovada) (11/1985 – 4/1987)
ELEIÇÕES ANTECIPADAS
Cavaco Silva – PSD XI Governo MA
(término normal) (8/1987 – 10/1991)
Mário Soares ELEIÇÕES
(1991 – 1996) Cavaco Silva – PSD XII Governo MA
(término normal) (10/1991 – 10/1995)
ELEIÇÕES
Jorge Sampaio António Guterres – PS XIII Governo MA
(1996 – 2001) (término normal) (10/1995 – 10/1999)
ELEIÇÕES
António Guterres – PS XIV Governo MS
(pedido de demissão) (10/1999 – 12/2001)
Jorge Sampaio ELEIÇÕES ANTECIPADAS
(2001 - 2006) Durão Barroso – PSD + CDS XV Governo MA
(pedido de demissão) (4/2002 – 7/2004)

Yehoshuah 72
Santana Lopes – PSD + CDS XVI Governo MA
(pedido de demissão e (7/2004 – 12/2004)
dissolução AR)
ELEIÇÕES ANTECIPADAS
Cavaco Silva José Sócrates - PS XVII Governo MA
(2006 – 2011) (pedido de demissão) (3/2005 – 10/2009)
ELEIÇÕES ANTECIPADAS
José Sócrates - PS XVIII Governo MS
(pedido de demissão) (10/2009 – 3/2011)
Cavaco Silva ELEIÇÕES ANTECIPADAS
(2011 – 2016) Passos Coelho – PSD + CDS XIX Governo MS
(término normal) (6/2011 – 10/2015)
ELEIÇÕES
Passos Coelho – PSD + CDS XX Governo MS
(demissão por rejeição do (10/2015 – 11/2015)
programa do Gov.)
Marcelo Rebelo de Anthony Coast - PS XXI Governo MS
Sousa (término normal) (11/2015 – 10/2019)
(2016-2021) ELEIÇÕES
Marcelo Rebelo de Anthony Coast - PS XXII Governo MS
Sousa (demissão e dissolução da AR) (10/2019 – 3/2022)
(2021 – momento) ELEIÇÕES ANTECIPADAS
Anthony Coast - PS XIII Governo MA
(3/2022 – momento)

Yehoshuah 73
VII. BIBLIOGRAFIA
Esta Sebenta Yehoshuah foi elaborada com recurso aos materiais listados infra.

Livros
1. Semipresidencialismo – Teoria Geral e Sistema Português, de Jorge Reis Novais.
2. Curso de Direito Constitucional - Tomo 2, de Jorge Miranda.
3. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, de J.J. Gomes Canotilho.
4. A Forma da República, de Maria Lúcia Amaral.
5. Manual de Direito Constitucional – Tomo II, de Jorge Miranda.
6. Constituição Portuguesa Anotada – Tomo II, de Jorge Miranda e Rui Medeiros.
7. Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I, de Jorge Miranda e Rui Medeiros.
8. Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume I, de J.J. Gomes Canotilho e Vital
Moreira.
9. Casos e Materiais de Direito Constitucional, de Tiago Fidalgo de Freitas e Mariana Melo Egídio.
10. As Constituições Portuguesas – de 1822 ao texto actual da Constituição, de Jorge Miranda.

Sebentas
1. Direito Constitucional E/F – Inês Cruz Teixeira.
2. Sebenta de Direito Constitucional – Daniela Parreira.
3. Histórias Políticas para o Sancho – Diogo Sá Leão.

Yehoshuah 74

Você também pode gostar