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DE
do autor THOMAS MARKY, nas aulas das disciplinas de Direito Romano Atual I e II da FDUSP
Resumo pessoal das obras (1 e 2.º Semestres de Direito, DCV0127 e DCV0132)
PARTE INTRODUTÓRIA
UTILIDADE DO ESTUDO DO DIREITO ROMANO
No mundo contemporâneo, dentre os muitos sistemas
legais, os dois mais importantes são:
• Civil Law: países que adotam o Direito Romano Ger-
mânico, e.g., Europa continental (Alemanha, França,
etc.), América Latina (Brasil, Argentina, etc.), e alguns
países da Ásia (Japão, Coréia do Sul, China).
• Common Law: países que adotam o Direito Anglo-Sa-
xão1, e.g., Inglaterra, EUA, Canadá, Austrália, etc.
Foi o Direito Romano Civil que influenciou a atual
Civil Law, de forma que 2/3 do Código Civil Brasileiro
(excluído o Direito Empresarial) têm influência romana.
Esse direito cuidava das áreas diversas da vida privada
dos indivíduos – cidadãos (cives), particulares (privi), ou
não –, a saber, os direitos civis2:
• Das coisas ou real: posse, propriedade, usufruto, etc.;
• Das obrigações: compra e venda, locação, indenização
por danos, etc.;
• De família: filiação, adoção, matrimônio, etc.;
• Das sucessões: herança, testamento, legado, etc.
Os romanos inovaram em relação aos outros povos por
terem criado um ciência do direito, i.e., uma construção
lógico-sistemática do fenômeno jurídico – pela obra de ju-
ristas e magistrados. Assim podemos dizer que o estudo do
direito romano hoje não é por mero interesse histórico ou
arqueológico; ele serve como modelo de comparação, para
que, por meio dele (e sua análise), possamos interpretar e
aperfeiçoar os nossos códigos legais.
Esse direito, por ter influenciado os códigos posterio-
res, permanece vivo (em constante mudança), daí a no-
menclatura da disciplina, Direito Romano Atual.
OBS. 1: Serão usadas caixas de texto azuis como esta
para adicionar comentários, observações, explicações
não contidas no livro, ou discussões trazidas durante as
aulas pelos PROFS. MARCHI e HÉLCIO.
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Embora haja discussões quanto à pertinência do uso desse 2
Em Roma, “direito privado” e “direito civil” eram tidos como
termo, visto que a Common Law se desenvolveu após o período sinônimos. Hoje, consideramos “direito civil” um dos ramos do
anglo-saxônico do direito inglês, a partir da conquista pelos nor- Direito Privado — que rege a vida privada dos indivíduos.
mandos.
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Sanctu (palavra latina de onde vem “sanção”) significa “esta-
belecido por lei” e “que se tornou sagrado”, mostrando a ligação
romana entre direito e religião.
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É importante não confundir estes três termos: sem consultar os patrícios.
Tribuno da Plebe: era um tipo de cargo político com a função Plebiscito: a decisão em si, resultado da reunião; as normas cri-
de defender a plebe. adas pela plebe que depois ganharam universal obrigatoriedade.
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Comissão da Plebe: reunião da plebe para decidir seus direitos, Alguns magistrados podiam fazer parte também do Senado.
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Brocardo é um axioma, aforismo ou máxima jurídica.
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CAP. 4 – SUJEITOS DE DIREITO Também era possível uma quase “morte civil” em vida.
2. Capacidade de direito
OBS. 1: Ressalta-se que concepções abstratas, e.g., “su-
jeito de direito”, “personalidade jurídica”, “capacidade de OBS. 3: O PROF. HÉLCIO nos trouxe uma análise com-
direito”, são classificações atuais, que serão utilizadas parativa entre os direito romano antigo e o atual:
apenas para fins didáticos no estudo do Direito Romano. – ROMA: era, basicamente, um “sistema de ações” –
estudava-se pelo aspecto processual (das actiones);
Quando estudamos as relações jurídicas, notamos que
elas ocorrem entre dois sujeitos de direito: o sujeito ativo – ATUAL: é, basicamente, um “sistema de direitos
(que exige uma conduta alheia) e o sujeito passivo (que subjetivos” – estudam-se os direitos objetivos que ge-
deve cumprir com tal conduta). A personalidade jurídica ram os direitos subjetivos.
(ou civil) é a característica dada pelo direito às pessoas, Diz GAIO que o direito romano antigo (tal qual o atual
tornando-as capazes de serem sujeitos de direito. direito civil) baseava-se em três elementos:
Diz-se, assim, que pessoas têm personalidade jurí- 1.º 2.º 3.º
dica. Há dois tipos de pessoas: pessoa (persona) coisa (res) ação (actione)
• Pessoa física: um ser humano, pessoa natural em si, que Reforçando a importância do 1.º pilar, apresentou-se
existe concretamente. E.g.: em Roma, a personalidade o brocardo “todo direito é constituído por causa dos ho-
começava com o nascimento e terminava com a morte mens” (“hominum causa omne ius constitutum est”, HER-
(em alguns casos extremos, era possível uma quase MOGENIANO).
“morte civil” ainda em vida);
Vimos uma parte do 1.º pilar: a persona do direito an-
• Pessoa jurídica: uma entidade ou organização, artifi-
tigo, análoga ao sujeito de direito do direito atual. Mas
cial, que existe enquanto conceito abstrato. E.g.: hoje, há
são todas as pessoas juridicamente iguais?
a pessoa jurídica do Estado, a da empresa, etc.
Para o direito moderno, todos têm igual capacidade de
OBS. 2: A partir dessas definições e de uma compara- direito (ou capacidade jurídica de gozo), que a aptidão da
ção histórica, o PROF. HÉLCIO trouxe um debate sobre a pessoa para ser sujeito de direitos e deveres. Assim, hoje,
responsabilidade dos tipos de pessoas: “todos têm igual capacidade (ou seja, potencial) jurídica
– ROMA: primariamente eram as pessoas físicas juri- de gozo” (princípio da isonomia).
dicamente responsáveis por seus atos. E.g.: os indiví-
duos dentro das corporações receberiam a ação judi- Para o direito romano antigo, porém, o estado (status)
cial em casos de transgressão à norma. diferenciava as pessoas e suas capacidades – nem todos ti-
nham igual capacidade.
– ATUAL: em algumas situações (não todas), as pes-
soas tornam-se juridicamente irresponsáveis por de- Havia três tipos de status no direito antigo:
terminados atos, ao transferirem sua responsabilidade a) Status libertatis: liberdade – dicotomia (ou tricoto-
à pessoa jurídica. E.g.: em alguns casos de transgres- mia) “livre” x “servo” (x “escravo”);
são à norma, é a empresa que recebe a ação judicial, b) Status civitatis: cidadania – dicotomia “cidadão” x
não seus funcionários. “estrangeiro”;
c) Status familiae: independência do pátrio poder – di-
1. Pessoa física
cotomia entre “sui iuris” e “alieni iuris”.
Em Roma, uma pessoa (persona) iniciava sua vida ci-
Nos aprofundaremos sobre cada um deles.
vil ao nascimento. Segundo MARKY, o nascituro ainda
não é pessoa,7 mas, para assegurar seus direitos, os roma- a) Status libertatis (estado de liberdade)
nos adotavam a ficção de considerá-lo já nascido, ainda SERVOS E ESCRAVOS:—
durante a gestação – definida entre 180 e 300 dias.
Segundo um brocardo romano, “a principal divisão do
Porém, para ser considerado pessoa, o nascituro deve- direito das pessoas é a de que todos os homens ou são li-
ria nascer com (1) vida e (2) “forma humana” – nati- vres ou são servos.” (GAIO). Então, que o SERVO era con-
mortos e crianças com deformações graves (chamadas de siderado pessoa, porém, com capacidade muito limitada.
monstra, “monstros”) não tinham personalidade civil.
Seriam, porém, “servo” e “escravo” a mesma coisa?
O fim da personalidade civil era a morte, que, por não
Em Curso Elementar de Direito Romano, THOMAS
ter registro civil, não tinha formalidades. Não havia pre-
MARKY usa os termos como sinônimos. Ele prioriza o uso
sunções de morte (nem se houvesse ausência), porém, ha-
do termo “escravo”, sem distingui-lo de “servo”.
via um complexo sistema de presunções de comoriência
(quando duas ou mais pessoas morrem simultaneamente). Durante a aula e, a partir dos roteiros, porém, o PROF.
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O PROF. HÉLCIO discorda dessa afirmação, que, para ele, é ape- considerado pessoa; a única ficção, de fato, seria considerá-lo já
nas uma interpretação equivocada. Para ele, o nascituro já era nascido ainda durante a gestação.
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HÉLCIO defendeu uma “diferenciação histórica” entre Os escravos estavam, então, numa situação “transicio-
“servo” e “escravo” como duas instituições ou momentos nal” entre “pessoas” e “coisas”. Apesar de serem conside-
históricos diferentes (mas relacionados). rados “pessoas”, escravos não podiam ser sujeitos de di-
reito; eles eram objetos do direito – na República, não
OBS. 4: O PROF. HÉLCIO esclareceu a situação dos tinham direitos ou deveres, até em relação às questões fa-
“servos” e “escravos” em Roma:
miliar e sucessória; em contraste, participavam do culto e
• Servo (servus): a instituição mais antiga entre as seus túmulos seriam tão sagrados quanto dos livres.
duas, datada da Monarquia. Inicialmente, os servos OBS. 6: Na transição entre a República e o Principado,
eram prisioneiros de guerra conSERVAdos (“servo” os escravos passaram a ganhar alguns direitos: ele po-
vem de “conservar”, “poupar”). Os romanos viam a
dia administrar um pequeno pecúlio8 e tornou-se um
servidão como instituição humanitária do direito das crime um dono torturar ou matar seu escravo – apesar
gentes (ius gentium), para conservá-los em vida. das proibições não serem tão respeitadas.
Enquanto, na teoria (pelo direito), o servo tinha capa- A condição de escravo era permanente mesmo que ele
cidade limitada e seu dono teria direito até sobre sua
fosse abandonado por seu dono – ele seria considerado
vida (porém, tais execuções eram raras), na prática, os “coisa sem dono” (res nullius). Ele só sairia dessa condi-
servos viviam relativamente bem, e participavam da ção se fosse liberto (algo que não era “automático”).
família de seu dono como subordinados.
LIVRES:—
Um brocardo dizia, “quanto ao direito civil, os servos
não são considerados; mas, quanto ao direito natural, Já os LIVRES eram, literalmente, as pessoas não es-
todos os homens são iguais.” (ULPIANO) cravas (GAIO). Eles dividiam-se em dois tipos:
Escravo (sclavus): a instituição da servidão foi se • Ingênuo (ingenuus): aquele nascido livre e que nun-
“degenerando” com as expansões na República e o ca deixou de sê-lo; sua liberdade não tinha nenhuma
número de servos – agora, “escravos” – aumentou ex restrição.
ponencialmente. Na teoria (pelo direito), as regras • Libertos (libertus ou libertinus): aquele que já foi es-
melhoraram sensivelmente em favor dos escravos, cravo, e conquistou sua liberdade (“ex-escravo”). Os
porém, os donos passaram a agir como se as antigas libertos tinham direitos limitados e, caso seu ex-dono
normas ainda estivessem em vigor (e.g., o antigo di- ainda estivesse vivo, ainda permaneceriam dependen-
reito sobre a vida do escravo) e desumanizaram a an- tes a ele numa relação de patronato (patronatos) – en-
tiga instituição: os escravos receberam uma piora tre patrono e liberto.
substancial nas condições de vida e de tratamento. — O ato de libertação (alforria) era chamado de ma-
Começam, então, diversas revoltas (sécs. Ⅲ–I a.C.), numissão (manumissio). Ele poderia ocorrer de três
e.g., Espártaco (séc. I a.C.). formas:
A situação dos escravos em Roma só melhorou sécu- a) Manumissio testamento: pelo testamento do ex-
los depois, no Dominato, com a oficialização do Cris- dono, garantindo a liberdade após a morte dele;
tianismo e declínio da servidão. b) Manumissio vindicta: por meio de um processo ju-
dicial;
Daí, seguindo o entendimento proposto pelo PROF.
HÉLCIO, quando MARKY fala sobre “servos” ou “escra- c) Manumissio censu: pela inscrição do escravo na
vos” como sinônimos – e equivalentes a uma situação ex- lista dos cidadãos livres durante um recenseamento.
tremamente degradante –, ele se refere, geralmente, ao se- — Se a alforria fosse feita conforme o ius honorarium
gundo momento ou instituição. (direito pretório), i.e., expedida por um pretor, o li-
Como visto, havia escravidão por guerra (cativos berto ficaria em condição inferior ao cidadão romano –
conservados) e, além disso, escravidão por nascimento: seria considerado estrangeiro da categoria “latino”.
era escravo o filho da escrava, independentemente da li- — Se a alforria fosse feita conforme o ius Quiritium
berdade ou não do pai. (direito quiritário), i.e., expedida pelo ex-dono, sem
OBS. 5: Após o direito justinianeu (de Justiniano), po- contrariar as restrições legais, o liberto ganhava, simul-
rém, caso a mãe estivesse em liberdade em algum mo- tânea e automaticamente, a cidadania romana.
mento da gravidez, adotava-se a ficção do nascituro b) Status civitatis (estado de cidadania)
como já nascido em favor da liberdade dele. CIDADÃOS E ESTRANGEIROS:—
Apesar das condições desumanas, o escravo tinha per- Em princípio, o direito quiritário, público ou privado,
sonalidade humana como “pessoa servil” (persona servi- valia apenas para os cidadãos romanos (Quirites ou cives).
lis), mas não personalidade jurídica-civil. Em outras pa- Aos estrangeiros (peregrini) aplicava-se o ius gentium.
lavras, os escravos eram pessoas.
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Pecúlio é uma pequena soma de dinheiro.
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Um cidadão ou nascia cidadão ou se tornava cidadão 3. Mudanças na capacidade de direito (capitis demi-
– na última opção, como vimos, pela alforria quiritária. nutio)
A cidadania pelo nascimento poderia ser pelo “nasci- Mudando-se a liberdade, cidadania ou condição na fa-
mento em justas núpcias” (ambos pais cidadãos), ou até mília, havia uma mudança no status da pessoa – a capitis
fora do casamento, caso a mãe fosse cidadã. Se a mãe deminutio (lit., “diminuição da cabeça”, fig., “diminuição
fosse estrangeira, segundo a lei Minícia (lex Minicia), os do poder, da capacidade”).
filhos seriam estrangeiros.
A pessoa perde seu status para adquirir outro tipo de
Caso algum cidadão romano perdesse a liberdade (e.g., status – ela pode até, em casos extremos, perder sua per-
punição), ele automaticamente perderia sua cidadania. sonalidade jurídica (ficando apenas com personalidade hu-
Porém, em casos de exílio voluntário, deportação ou re- mana), numa quase “morte civil”.
núncia da cidadania, era possível que a pessoa perdesse
sua cidadania, ainda assim, mantendo-se livre. Havia três tipos de diminuições:
Com o tempo, Roma foi expandindo a abrangência da I. Capitis deminutio maxima: perda da liberdade.
cidadania – primeiro a todos os moradores da Península Quando o cidadão romano caia prisioneiro e se tornava
Itálica (89 a.C.) e, depois, a TODOS os habitantes livres escravo dos inimigos (ele sofria quase uma morte civil,
do Império (212 d.C.); esta última expansão ocorreu pela em que perdia sua capacidade de direitos).
Constituição Imperial de Antonino Caracala, também Caso ele voltasse para sua pátria, recuperaria TODOS
chamada de Édito de Caracala. os seus direitos perdidos, pelo chamado direito de pos-
c) Status familiae (estado familiar) limínio (ius postliminii) – mas não recuperava auto-
INDEPENDENTES DO PODER PÁTRIO:— maticamente as situações (e.g., matrimônio e posses).
Distinguem-se, no direito romano, as pessoas sui iuris Caso ele morresse prisioneiro, adotava-se a ficção Cor-
(“de direito seu, próprio”), independentes do poder pátrio nélia (legis Corneliae) – a ficção de que ele teria mor-
(i.e., do poder do paterfamilias), e as pessoas alieni iuris rido antes de ser capturado – e se nulificavam quaisquer
(“de direito alheio”), sujeitas ao poder pátrio. testamentos seus.
O paterfamilias era o homem mais velho da família, Uma pessoa também podia perder sua liberdade como
independentemente da idade. E.g.: um recém-nascido com punição (e.g., roubo pego em flagrante).
pai morto e nenhum tio ou irmão seria o paterfamilias, en- II. Capitis deminutio media: perda de cidadania.
quanto um idoso de 60 anos que ainda tivesse seu pai vivo Além da perda de liberdade – que automaticamente fa-
não seria o paterfamilias. zia perder-se a cidadania –, havia perda de cidadania
Poderiam ser sui iuris o paterfamilias, ou, em situações romana por punição ou exílio voluntário.
extremas, uma mulher que não tivesse nenhum ascendente III. Capitis deminutio mínima: perda de independência
ou descendente homem que fosse seu paterfamilias. do pátrio poder.
DEPENDENTES DO PODER PÁTRIO:— Um alieni iuris poderia passar de sua família de origem
Os alieni iuris eram aqueles dependentes do pátrio po- para uma família nova (por casamento ou adoção) ou
der, fossem todos os homens exceto o mais velho, ou as se emancipar (virando, assim, sui iuris).
mulheres dentro da família. Um sui iuris poderia ser adotado e se tornar alieni iuris
Eles não eram, porém, absolutamente incapazes: eles na nova família.
tinham capacidade plena no direito público (e.g., podiam Note que, nessas mudanças, as pessoas perdem as re-
votar e ser magistrados, caso homens), mas recebiam res- lações jurídicas, mas não perdem a consanguinidade.
trições no direito privado (e.g., precisavam do consenti-
mento do paterfamilias para se casar – nesse caso, homens 4. Outras causas restritivas da capacidade
e mulheres tinham direitos privados relativamente iguais). Eram outras circunstâncias que restringiam, no direito
Com a evolução jurídica, os paterfamilias foram cada romano antigo, a capacidade de direito:
vez mais responsabilizados pelas obrigações contraídas • Mulheres: como vimos, mulheres tinham capacidade
por familiares; além disso, as posses dos alieni iuris, que de direito quase igual à dos homens no direito privado
originalmente pertenciam ao paterfamilias, foram cada (exceto não poderem ser paterfamilias), mas eram in-
vez mais se tornando independentes dele. capazes quanto ao direito público.
• Intestabilidade (intestabilitas), infâmia (infâmia) e a
CONCLUSÃO: Juntando-se os diferentes estados, a torpeza (turpitudo): penalidades para atos ilícitos,
pessoa com plena capacidade de direitos é o homem li- acarretavam restrição da honorabilidade e capacidade.
vre, cidadão romano e independente do poder pátrio.
• Religião: restrições na capacidade de direito dos sacer-
dotes, quanto ao matrimônio ou heranças.
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Erário: fazenda, tesouro.
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e) Coisas divisíveis e indivisíveis Efeito jurídico: apenas frutos não pendentes podem fa-
Quanto à divisibilidade (num sentido ligado ao valor zer parte de relações jurídicas separados da coisa frugífera.
econômico e jurídico, já que tudo é fisicamente divisível): i) Benfeitorias
• Divisível: pode ser repartida sem perder seu valor pro- Benfeitorias são gastos ou despesas com coisas aces-
porcional, e.g., um terreno ou uma quantidade de trigo. sórias ou pertenças acrescidas à coisa principal. Podem ser
• Indivisível: quando são repartidas perdem ou reduzem- imprescindíveis (necessárias à sua existência), úteis (au-
se em valor, e.g., uma estátua, um carro. mentam sua utilidade) ou voluptuárias (mero luxo).
Efeitos práticos: na resolução de conflitos envolvendo Efeitos práticos: o possuidor de boa-fé tem direito a
partilha de bens, coerdeiros em um processo de inventário, reembolso por benfeitorias necessárias ou úteis agregadas
sócios após a extinção de uma sociedade. à coisa alheia, mas não pelas voluptárias.
f) Coisas simples, coletivas e compostas
Uma distinção romana, quanto à unidade das coisas
• Simples: quando “consistem em um todo único”, res-
tritas a uma unidade, e.g., uma ovelha.
• Compostas: quando “se compõem de coisas unidas,
i.e., ligadas entre si”, formando uma nova coisa, e.g.,
um edifício ou um carro (feitos de várias peças).
• Coletivas ou universais: quando coisas simples ou
compostas são colecionadas, de modo a serem destina-
das juntas a uma mesma finalidade (mas podem existir
separadas), e.g., um rebanho de ovelhas (as ovelhas
existem fora do rebanho).
Efeitos práticos: as coisas coletivas ou universais po-
dem ser tratadas como uma só coisa para efeitos jurídicos,
e.g., é possível tanto negociar ovelhas por unidade, como
também todo um rebanho num único contrato.
g) Acessórios e pertenças
A coisa composta, união de coisas simples, pode fundi-
las numa coisa completamente nova e que absorva todos
os componentes. Mas também é possível haver uma sepa-
ração essencial entre acessório (accessio) e principal
(principalis), e.g., uma plantação em relação a um terreno.
O acessório é parte da união e segue a sorte do princi-
pal sem autonomia, mesmo reconhecido como elemento
separado.
A pertença (instrumentum) é uma exceção à regra:
apesar de ser tipo de coisa acessória, ela conserva sua au-
tonomia física e não segue a sorte do principal, e.g., ins-
trumentos de trabalho destinados ao cultivo da terra.
h) Frutos
Frutos (fructus) são coisas novas produzidas periodi-
camente por outra, de forma natural ou civil.
• Naturais: frutas, leite e cria de animais.
• Civis: renda obtidas com locação ou arrendamento.
Obs.: filhos de escravos, por razões filosóficas, não
eram frutos; pertenciam ao dono da escrava-mãe.
O fruto só adquire independência jurídica quando deixa
de fazer parte da coisa frugífera (pendente): ele pode es-
tar a ser colhido (percipiendi), a ser colhido (percepti),
consumido (consumpti) ou colhido e armazenado (ex-
tantes).
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Esse quadro explicativo é diferente daquele usado na dou- Geral do Direito Privado (TGDP II).
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trina moderna, como por BERNARDES DE MELLO em Teoria Tácito é algo silencioso, implícito, subentendido.
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A representação poderia ocorrer de duas formas: mancipatio (ato solene que era realizado na transferên-
• Direta (perfeita): o representante age por conta e em cia de propriedade com diversas finalidades, não neces-
nome de outrem; ESTA ERA UMA FORMA ESTRANHA AO sariamente algo fixo ou preciso).
DIREITO ROMANO, exceto para a aquisição de posse por OBS. 1: Dentro da classificação de negócio abstrato,
meio do procurador e do tutor (ideia posteriormente de- o PROF. MARCHI elencou, no direito atual, o cheque (o
senvolvida no direito moderno); ato do cheque pode ser realizado para diversas finalida-
• Indireta (imperfeita): o representante age em seu pró- des, não necessariamente algo fixo ou declarado — você
prio nome, mas de acordo com o interesse do repre- preenche o destinatário, mas não preenche normalmente
sentado; o efeito jurídico recaía sobre o representante qual o motivo/finalidade da transferência).
que, obrigatoriamente, transferia-o ao representado.
Poderia ocorrer de três formas: • Quanto à origem jurídica do instituto:
a) Pela norma jurídica: cabe aos que têm incumbên- — Negócio quiritário (ius civile): institutos típicos do
cia de tratar dos interesses alheios de uma pessoa direito quiritário, e.g., mancipatio, in iure cessio;
jurídica, e.g., tutor, curador, gestor (síndico); — Negócio pretório (ius honorarium): institutos san-
b) Pela vontade das partes: ocorre a partir de um cionados pelo pretor, e.g., pacta paetoria.
acordo entre as partes; daí, o representante trata dos • Quanto à cidadania das partes:
interesses da outra parte, e.g., procurador, procura-
dor de todos os bens; — Negócio dos cidadãos (ius civile): negócios que só
poderiam ser realizados por cidadãos romanos, e.g.,
c) Pela vontade unilateral do representante: o re- mancipatio;
presentante, espontaneamente, prontifica-se a cui-
dar dos interesses do representado, e.g., gestor de — Negócio das gentes (ius gentium): negócios que
negócios. poderiam ser realizados tanto por cidadãos romanos
quanto por estrangeiros em Roma, e.g., contratos con-
3. Classificação dos negócios jurídicos sensuais em geral.
Podemos, então, classificar os negócios jurídicos de 4. Discussões sobre os negócios jurídicos
várias formas, dependendo do critério:
Atenção: este tópico não está no livro de MARKY. Ela
• Quanto à manifestação das partes: foi elaborada com base nas discussões apresentadas pelos
— Unilaterais: partindo de uma só pessoa, e.g., manu- PROFS. MARCHI e HÉLCIO.
missão do escravo, nomeação do tutor, testamento,
OBS. 2: O PROF. HÉLCIO definiu negócio jurídico
aceitação ou renúncia da herança;
como “declaração de vontade que visa a um fim prático
— Bilaterais: depende de duas ou mais pessoas, e.g., tutelado pela ordem jurídica, socialmente reputada
contratos de compra e venda, locação, e até doação (o como vinculante.” Esta definição traz três pilares do ne-
doador e o donatário têm que concordar com a doação). gócio jurídico:
• Quanto ao momento de eficácia negócio: • Declaração de vontade — define o negócio;
— Inter vivos (“entre vivos”): gera efeitos durante a • Ordem jurídica — tutela seu fim prático;
vida das partes, e.g., contratos; • Aceitação social — confere-lhe vinculação.
— Mortis causa (“por causa da morte”): gera efeitos
somente após o falecimento de uma das partes, e.g., tes- OBS. 3: No direito dispositivo moderno, influenciado
tamento. pelo liberalismo atual, pode-se criar contratos quaisquer,
• Quanto à prestação e contraprestação: desde que não contrariem a lei (sob a máxima “se a lei
não proíbe, está permitido.”) — liberdade contratual.
— Onerosos: aqueles em que a prestação e a contra-
prestação têm o mesmo valor, e.g., compra e venda; Porém, a situação não era exatamente a mesma para o
direito romano antigo. Desde o séc. ⅩⅧ, os estudio-
— Gratuitos: gera efeitos somente após o falecimento sos romanistas trouxeram diferentes interpretações sobre
de uma das partes, e.g., testamento. as possibilidades do negócio jurídico naquele direito:
• Quanto à identificação da causa ou finalidade: • Interpretação liberal (defendida, e.g., pelos Pandec-
— Causais: a causa ou finalidade prática pode ser fa- tistas, séc. ⅩⅨ): enxerga uma maior autonomia pri-
cilmente identificada, e.g., contrato de compra e venda vada no negócio. Propôs, à semelhança do direito dis-
(há um propósito específico e claro: a troca de merca- positivo moderno, que o direito romano antigo seria
doria por dinheiro); liberal, permitindo contratos quaisquer dentro da lei.
— Abstratos: a causa ou finalidade prática não é tão • Interpretação anti-liberal (defendida, e.g., pelos ro-
facilmente identificada ou não é tão importante, preva- manistas modernos, dentre eles o PROF. HÉLCIO, séc.
lecendo mais a forma externa do negócio, e.g., o ⅩⅪ): enxerga uma maior influência social e estatal
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no negócio. Propôs que, ao contrário do que afirma- Respeitados esses requisitos (validade), classificam-se
vam os pandectistas, havia requisitos e pontos impor- os elementos (existência e tipicidade contratual) dentro do
tantes na construção e aplicação de contratos: conteúdo do contrato em:
1) Por definição, só havia contratos pré-autorizados a) Essenciais: elementos necessários e obrigatórios
e socialmente aceitos — tipicidade contratual. para a existência jurídica de qualquer negócio (e.g.,
manifestação da vontade), ou de um negócio em
2) Por consequência, alguém só poderia entrar em ju- particular (e.g., preço num contrato de compra e
ízo para exigir o cumprimento de contratos que venda). Fazem parte, então, do direito cogente.
fossem socialmente aceitos.
b) Naturais: elementos que são naturalmente incluí-
dos porque o ordenamento jurídico os considera ine-
OBS. 4: O PROF. HÉLCIO também ressaltou a relação
rentes à sua estrutura (e.g., responsabilidade do ven-
entre os contratos e a norma — a força vinculante do
dedor por vícios ou defeitos ocultos na coisa ven-
contrato como “lei” aos particulares.
dida), mas que podem ser excluídos pelas partes in-
Em geral, define-se lei (lex) como aquilo que o povo teressadas caso expressamente combinado (e.g., é
aprovava em comícios (as assembleias populares con- possível excluir essa responsabilidade por combina-
vocadas por magistrados) e que todos devem obedecer. ção). Fazem parte, então, do direito dispositivo.
Mas os romanos também chamavam de lei às normas c) Acidentais: elementos eventuais e secundários que
do contrato (lex contratum, lex testamenti), pois elas as partes estão livres para inserir (ou não) no con-
são vinculantes aos particulares, que se comprometeram trato por meio de cláusulas (e.g., disposições sobre
a obedecê-las. Há um brocardo que diz “aquilo que foi a forma de pagamento).
declarado solenemente com a língua, faz-se lei” (Uti
lingua nuncupassit ita ius esto). Se uma pessoa declarou, OBS. 5: O PROF. HÉLCIO salientou dois elementos es-
combinou, ou prometeu algo, ela está obrigada a cumprir. senciais do contrato: a intenção (voluntas) e a declara-
ção (verba) — ambas intimamente relacionadas com a
Daí, sendo o contrato uma declaração de vontade,
manifestação da vontade.
ele funciona como lei para as partes. Assim, quando for
julgar o negócio, o juiz deixará a lei civil de lado; ele A “intenção” é aquilo que as partes queriam, e a “de-
deverá julgar através das estipulações e combinados do claração” é aquilo que foi expressamente dito e/ou es-
contrato (exceto, é claro, quando o contrato ferir uma crito no contrato.
norma cogente ou de ordem pública — nesse caso, a A declaração é o ponto de partida; presume-se que a
norma cogente, superior a qualquer outra norma, deverá declaração corresponde à intenção, i.e., que a intenção
ser aquela a partir da qual o juiz julgará). foi corretamente expressa na declaração. Porém, como
Por causa desse controle social do negócio jurídico procederia o direito romano caso isso não ocorresse?
(muito maior do que uma sociedade liberal), havia pou- No direito romano arcaico predominava o forma-
cas instituições de contratos em Roma, e.g., compra e lismo e, nesse sentido, a declaração verbal ou escrita era
venda, locação, sociedade etc. muito mais importante do que a vontade — como já dito,
a validade seria prejudicada caso as formalidades não
5. Elementos dos negócios jurídicos fossem seguidas à regra.
Alguns negócios tinham forma e conteúdo predetermi- Isso se estendeu em certa medida ao direito romano
nados pelo direito, e.g., mancipatio, manumissão etc. Ou- clássico, mas houve uma grande mudança após o célebre
tros, porém, tinham liberdade quanto ao seu conteúdo e processo da Causa Curiana (92 a.C.) — na qual foi jul-
forma predeterminada, e.g., stipulatio e contratos. gada uma causa do direito das sucessões.
Havia limites quanto ao conteúdo dos negócios jurídi- A partir daí, pela concepção do fim do direito ro-
cos – ele precisava preencher quatro requisitos (validade). mano clássico e pós-clássico, adotou-se o princípio de
• Fisicamente possível: é inválido um negócio cujo ob- que “a intenção vale mais do que a declaração”. Assim,
jeto seja algo fisicamente inexistente ou impossível de se eventualmente as duas não corresponderem, e se for
se atingir (e.g., vender uma estrela); possível provar a verdadeira intenção (sendo ela dife-
rente da declaração), então as coisas deverão ser julga-
• Juridicamente possível: é inválido um negócio cujo
das, nesse caso, pela intenção.
objeto seja algo juridicamente impossível (e.g., vender
um cidadão romano como escravo);
Ademais, o PROF. MARKY salientou três elementos ou
• Lícito: é inválido um negócio ilícito (e.g., contratar um cláusulas acidentais do contrato:
sicário para matar alguém);
a) Condição (condicio);
• Determinado: o conteúdo do negócio jurídico deve ser
determinado de forma objetiva, seja pelas partes ou por b) Termo (dies, “dia”);
terceiros (e.g., um amigo comum das partes arbitrar). c) Modo (modus) ou encargo.
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4. Devido à sua importância (pois afetam todos da socie- 4. Afetam apenas os vinculados às obrigações e, por isso,
dade), são limitados e determinados pela lei (numerus permitem certa “criatividade” dos particulares (dentro
clausus). da tipicidade publicamente reconhecida).13
5. Tendem a produzir efeitos por prazos breves ou limita-
5. Tendem a produzir efeitos por prazos longos ou perpé- dos, extinguindo sua validade quando for cumprida pelas
tuos, permanecendo válidos indeterminadamente (a me- partes, ou quando não for exigida tempestivamente (su-
nos que haja uma causa extintiva). jeitos, assim, à prescrição e à decadência).
12
Há uma pequena diferenciação entre as doutrinas: a nomenclatura “direitos obrigacionais” é aquela adotada pelo PROF. MARKY (p.
91) e “direitos pessoais” é aquela adotada pelo PROF. MOREIRA ALVES (top. 138).
13
Releia o quadro OBS. 3 e 4 do cap. 6, “Negócio jurídico”.
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Há uma elasticidade desse direito: o direito pode ser absoluto, No primeiro caso, terminado o prazo da limitação, os direitos
mas também pode ser limitado pela vontade do dono ou pela lei. retornam ao dono e o poder volta a ser absoluto.
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Adjudicar significa atribuir propriedade a alguém.
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CAP. 13 – DIREITOS REAIS SOBRE COISA ALHEIA direito de “usar”. O usuário não tem direito de “fruir”
nem de “dispor” (não tem a faculdade nem de transferir
1. Direitos reais sobre coisa alheia esses direitos, nem transferir o exercício desses direi-
Direitos reais sobre coisa alheia (iura in re aliena) tos).
são direitos reais em que o titular não é proprietário, mas • Habitação: uso de uma casa para habitação, ou de ser-
recebe do proprietário alguns direitos. viços de escravos ou animais de carga.
Há dois tipos de direitos reais sobre coisa alheia:
Eram normalmente constituídas pela iure in cessio, e
a) Direitos reais de gozo
extintas pela confusio (reunião na mesma pessoa da servi-
b) Direitos reais de garantia
dão e do domínio). Protegidas por uma ação legal seme-
São de direitos reais de gozo: servidões prediais, ser-
lhante ao vindicatio.
vidões pessoais, superfície e enfiteuse.
2. Servidões prediais
“Prédio”, na linguagem técnico-jurídica, quer dizer
imóvel em geral (construído ou não).
Nesse tipo de servidão, há dois prédios próximos: um
dominante e um serviente, no qual a servidão existe. O
titular do direito de servidão é o dono do prédio domi-
nante, mas a relação está no domínio entre os dois prédios.
Eram perpétuas (pela relação jurídica entre os prédios)
e indivisíveis (não partilhadas entre condôminos).
Poderiam ser rústicas (mais antigas) ou urbanas, de-
pendendo do caráter do prédio dominante.
Normalmente, as urbanas eram negativas (proibiam o
proprietário do terreno serviente de fazer algo) e as rústi-
cas eram positivas (autorizavam o proprietário do prédio
dominante a fazer algo).
As servidões rústicas eram as servidões de passa-
gem: a pé (iter), a pé e com animais (actus), a pé, com
animais e com veículos (via) e o aqueduto (aquaeductus).
Eram normalmente constituídas pela mancipatio e ex-
tintas pelo não uso ou perecimento do prédio serviente ou
dominante.
3. Servidões pessoais
Há três tipos de servidões pessoais:
• Usufruto: direito real sobre coisa alheia, inaliená-
vel, limitado no tempo, que atribui ao titular apenas
os direitos de “usar” e de “fruir”. O usufrutuário não
tem direito de “dispor” (não tem faculdade de transferir
seu direito de usufruto, mas pode transferir o exercício
desse direito). No final da limitação temporal, o usufru-
tuário vai retornar a propriedade ao proprietário (por
isso, a coisa deveria ser inconsumível).
OBS. 1: A propriedade marcada pelo usufruto é cha-
mada de “nua propriedade” e o proprietário (que
cede direitos ao usufrutuário), de “nu proprietário”.
OBS. 2: O usufruto e a locação, apesar de conferirem,
na prática, os mesmos direitos ao usufrutuário e ao lo-
catário, porém, são diferentes, visto que a primeira faz
parte do direito real (portanto, com proteção erga om-
nes, incluindo o proprietário), e a segunda, um direito
obrigacional (portanto, com proteção somente contra
o proprietário, aquele com quem se estabeleceu o con-
trato, e não contra terceiros).
• Uso: direito real sobre coisa alheia, inalienável, li-
mitado no tempo, que atribui ao titular apenas o
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Aqui, vemos obrigação em sentido ainda mais estrito; pode- gação [relação obrigacional].” A distinção era mais explícita no
ríamos pensá-la como uma “obrigação [dever] dentro da obri- latim: obligatio (vínculo jurídico) e oportere (dever do devedor).
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1) DOLO (dolus): é a intenção de descumprir a lei ou a • Aumenta a responsabilidade do devedor: faz com
obrigação; é o agir de má-fé, com conhecimento do que o devedor se responsabilize não só pelo dolo,
comportamento ilícito. Não há graduações do dolo. mas também pela culpa e causa maior – daí, “a obri-
— O devedor sempre responde por dolo – tanto quando gação se perpetua” mesmo que haja uma impossibi-
o contrato é útil para o devedor quanto quando não o é. lidade (ainda assim o devedor é responsável).
Não é possível disposição contrária (norma cogente). • Nas obrigações baseadas na boa fé: o devedor tem
2) CULPA (culpa): é a negligência, falta de diligência ne- que pagar por juros da dívida e entregar os frutos
cessária; é o agir de boa-fé, não prevendo algo que é adquiridos durante a mora.
previsível. Há graduações da culpa: b) Mora do credor (mora creditoris): quando o credor se
a) Culpa leve: quando não se tem o cuidado que o ho- atrasa ou se recusa a receber (mora accipiendi).
mem médio (bonus paterfamilias) deve ter – negli- • Diminui a responsabilidade do devedor: faz com
genciar algo que a média se preocupa; dependendo que o devedor se responsabilize só pelo dolo, e
dos contratos, pode assumir duas formas: possa exigir indenização por despesas e danos sofri-
• “Culpa leve em concreto”: quando o ponto de re- dos em consequência da mora do credor.
ferência é a diligência do bonus paterfamilias; A purgação da mora (purgatio mora) é quando o de-
• “Culpa leve em abstrato”: quando o ponto de refe- vedor ou credor “limpa” a obrigação, livrando-se dela.
rência é a diligência costumeira do própria devedor; A mora do devedor é purgada quando este oferece a
b) Culpa lata: quando não se tem o cuidado que qual- prestação devida e o credor a aceita, ou ele a recusa sem
quer pessoa deve ter – negligenciar algo “óbvio”; motivo justificado (“sem justa causa”).
— Geralmente, o devedor só responde por negligência A mora do credor é purgada quando ele oferece aceitar
quando o contrato é útil ou proveitoso para ele (e.g., o pagamento do devedor e o indeniza por eventuais danos.
comodato) ou para ambos (e.g., locação). Há possibili- 5. Obrigações naturais
dade de disposição contrária (norma dispositiva); Obrigações naturais são aquelas em que, embora te-
• Alguns contratos responsabilizam culpa leve in con- nham formalmente o aspecto de obrigação perfeita, o cre-
creto, e.g., sociedade, tutela, curatela matrimônio; dor não pode exigir do devedor o cumprimento da presta-
• Outros, responsabilizam tanto a culpa leve quanto a ção por meio de ação — o cumprimento deverá ser natu-
culpa lata, e.g., mandato. ral, espontâneo (de livre vontade do devedor).
• Certifique-se da responsabilização no caso concreto! E.g. 1: os alieni iuris, sendo relativamente incapazes de
direito, não podiam obrigar-se juridicamente; daí, seus pa-
3) CASO FORTUITO (casus): é a impossibilidade inevi- terfamilias seriam responsabilizados por seus negócios.
tável ou imprevisível, mesmo havendo diligência de
um bonus paterfamilias. Há graduações do caso: E.g. 2: os infantes maiores, sendo relativamente inca-
pazes de agir, podiam praticar negócios jurídicos favorá-
a) Caso fortuito maior (casus maior) ou força maior veis, mas não podiam obrigar-se sem intervenção do tutor.
(vis maior): quando não há meio de defesa, e.g.,
raio, incêndio, desastres, guerra, morte. Apesar de não haver constrangimento de ação (Haf-
tung), um cumprimento da prestação natural (Schuld) é to-
b) Caso fortuito menor (casus minor): quando há talmente válido e, assim, o devedor não poderá pedir de-
meio de defesa, e.g., furto, estrago, quebra, perda volução do pagamento (ele não tem direito de “repetição”).
acidental ou fortuita.
Hoje, também são obrigações naturais: as dívidas de jo-
— O devedor não responde por caso maior (a não ser gos e apostas, e as dívidas que já prescreveram. O devedor
que haja mora), mas alguns contratos específicos (e.g., não está juridicamente obrigado a pagar o preço, mas há
hoteleiro, transportador marítimo, tintureiro, alfaiate, uma obrigação social e moral — preza-se pelas promessas
comodatário, depositário, credor pignoratício), por e compromissos (nesse caso, a moral reflete-se no direito).
custódia, responsabilizam o devedor por caso menor.
Caso ele não cumpra com a prestação, não haverá con-
b) Mora sequências jurídicas, porém pode haver sanção social.
Geralmente há um prazo para o pagamento da dívida
(i.e., “solução ou liquidação do débito”). Caso não haja o CAP. 16 – FONTES DAS OBRIGAÇÕES
pagamento da dívida dentro do vencimento, diz-se que há Na divisão clássica, de GAIO, as fontes das obrigações
“mora” (mora) ou “demora”. são duas: os contratos (responsabilidade contratual) e os
A mora aumenta a responsabilidade de um dos lados delitos civis (responsabilidade extracontratual). JUSTI-
e diminui a responsabilidade do outro lado. NIANO inclui outras fontes: os “quase contratos” (quasi
a) Mora do devedor (mora debitoris): quando o devedor ex contractu) e os “quase delitos” (quasi ex maleficio).
se atrasa ou não consegue prestar/pagar (mora solvendi). Nos próximos capítulos, estudaremos essas fontes.
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Assim, o contrato cria uma RELAÇÃO DE OBRIGAÇÃO pretores foram criando contratos semelhantes.
(direito obrigacional) entre o devedor e o credor — re- A segunda fase dos contratos romanos foi chamada de
forçada pelo uso da força, ou por uma ação jurídica. “REALISMO CONTRATUAL” — foi a época dos “contra-
Primeiro, havia a transferência formal da coisa por tos reais”, pois os contratos reais se referiam à transferên-
mancipatio; depois, o contrato garantia que a transferência cia de propriedade, posse ou detenção de uma coisa (res).
informal do dinheiro ocorreria dentro do prazo. Os contratos reais funcionavam geralmente como em-
O contrato era feito publicamente, numa cerimônia so- préstimos gratuitos: o credor empresta uma coisa ao de-
lene de promessa: o devedor juraria perante a sociedade e vedor e, logo depois, espera que este lhe restitua esta coisa
os deuses, comprometendo-se a cumprir sua obrigação (caso infungível) ou uma coisa de igual gênero, quantidade
para com o credor. Por causa disso, o contrato não era um e qualidade (caso fungível). Da simples entrega (traditio)
assunto particular, mas envolvia a sociedade e a religião; da coisa, resultava a obrigação do devedor à devolução.
o devedor punha-se sob pena de dupla punição: humana
Contratos reais:
(reprovação social e castigo jurídico) e divina.
ACORDO DE VONTADES + CAUSA CIVIL
Obs. 1: A rigor, ninguém está obrigado a fazer algo + ENTREGA DA COISA + OBRIGAÇÃO DE RESTITUIR
contra sua vontade — o próprio contrato depende do — Ações de restituição
acordo entre vontades. Quando um contrato não é cum-
prido por falta de vontade, o ideal é resolver este não cum- A ação típica dos contratos reais era a ação de restitui-
primento com “perdas e danos” (veremos adiante). Porém, ção (que podia ser uma “actio” ou uma “condictio” — não
o juiz pode determinar uma multa pelo não cumprimento confunda esta última com condicio, “condição”!). Quanto
para pressionar o devedor a cumprir sua prestação. à origem, estas ações eram geralmente classificadas em:
a) Actio in ius: ação criada pelos juristas ou pela lei;
Devido à solenidade, a primeira fase dos contratos ro- b) Actio in factum: ação criada ou admitida pelo pretor,
manos foi chamada de “FORMALISMO CONTRATUAL” — mesmo que não esteja na lei ou no edito.
foi a época dos “contratos formais”. O fundamento destes
— Classificação dos contratos
contratos era a formalidade, que garantia segurança e esta-
bilidade jurídica. CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS
Contratos formais: Em primeiro lugar, TODO contrato é um ato jurídico
ACORDO DE VONTADES + CAUSA CIVIL + ATO SOLENE bilateral (ou até multilateral, em sociedades), pois re-
Neste sentido, inicialmente, os “contratos” derivaram quer o acordo entre vontades das partes.
seu vocabulário e lógica dos “delitos”. Eles têm algo em — Obs. 3: Porém, o termo “bilateral” é usado em ou-
comum: ambos são fontes de relações obrigacionais (cf. tro sentido para classificar um tipo de contrato, como
CAP. 16). A lógica contratual derivou da lógica penal. veremos; por isso, devemos notar o contexto em que
se estão usando os adjetivos “unilateral” e “bilateral”.
Havia dois tipos de contratos formais, com forma limi-
tada, mas conteúdo ilimitado: Classificação dos contratos:
a) Quanto à forma (menos importante):
a) Contrato formal de nexum
• Formal escrito (ou literal): por meio de uma fórmula
Nexum era uma espécie de empréstimo realizado em escrita; eram pouquíssimos, e caíram em desuso;
um ato formal: na presença das partes, do objeto (geral-
• Formal verbal (ou solene): por meio de uma fórmula
mente dinheiro), de uma balança e de cinco testemunhas,
verbal de promessa, usando palavras específicas;
pronunciavam-se fórmulas verbais e solenes. O credor
transferia a propriedade do objeto ao devedor, que tinha • Informal verbal: por meio de uma fórmula verbal de
obrigação de devolver outro tanto equivalente. Logo na promessa, porém mais flexível quanto às palavras.
próxima fase do direito romano, o nexum caiu em desuso. b) Quanto ao tipo (as necessidades além da causa civil e
do acordo entre vontades para gerar obrigação):
b) Contrato formal de stipulatio
• Formal: precisa revestir-se de forma fixa e solene;
Stipulatio era a promessa solene (spondere) de uma
• Real: precisa da entrega da coisa;
prestação qualquer. A obrigação tinha caráter sagrado e
• Consensual: só precisa de causa civil e acordo.
força obrigatória. Manteve-se nas próximas fases do di-
reito romano; as formalidades logo foram caindo, e os con- c) Quanto às vantagens das partes:
tratos constituídos pela promessa solene passaram a se • Gratuito: gera vantagem para uma das partes, com a
chamar “contratos verbais”. prestação;
4. Segunda fase dos contratos romanos: Realismo • Oneroso: gera vantagem para ambas as partes, com
(séc. V – II a.C.) a prestação e contraprestação.
O primeiro dos contratos sem tal formalidade foi criado
por uma lei votada em comício. Depois, aos poucos, os
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c) Contrato real de depósito (depositum) ❖ Responde por dolo e custódia (culpa lata e leve);
No depositum, o credor (“depositante”) entregava — O comodante-credor eventualmente deve “ressarcir
coisa móvel infungível ao devedor (“depositário”), espe- as despesas e indenizar danos providos pela coisa” e até
rando que este guardasse a coisa, para devolvê-la depois. “suportar o direito de retenção do devedor”;
• Tratava-se de uma transferência de detenção de uma • Ações possíveis:
coisa móvel infungível do credor (e.g., livro, quadro), — Foi criada uma actio in factum, que se tornou duas
para o devedor, que devia guardá-lo; algum tempo de- actiones in ius. Uma era faculdade do comodante-cre-
pois, o credor exigirá que o devedor devolva a coisa. dor, e outra era faculdade do comodatário-devedor:
• Contrato gratuito: só o depositante-credor tem vanta- a) Actio commodati directa (“ação depositária di-
gens; o depositário-devedor faz um favor; reta”) – em favor do comodante-credor;
• Contrato bilateral imperfeito: gera uma obrigação b) Actio commodati contraria (“ação depositária
principal (do devedor) e uma secundária (do credor): contrária”) – em favor do comodatário-devedor.
— O depositário-devedor deve “guardar a coisa sem e) Contrato real de penhor (pignus) ou
usar, e restituir com os frutos”; contrato pignoratício (contractus pignoraticius)
❖ Se ele usar a coisa enquanto a guarda, está come- No contractus pignoraticius, o devedor (“devedor
tendo o delito de furto de uso (furtum usus); pignoratício”) entregava coisa móvel (ou até imóvel) ao
❖ Responde por dolo e culpa lata na perda ou ava- credor (“credor pignoratício”), para servir de garantia
ria; real de outra obrigação entre os dois. Se o devedor cum-
— O depositante-credor eventualmente deve “ressarcir prisse sua prestação na obrigação primária, o credor pig-
as despesas e indenizar danos providos pela coisa” e até noratício deveria devolver a coisa.
“suportar o direito de retenção do devedor”; • Tratava-se de uma transferência de posse ad inter-
• Ações possíveis: dicta de uma coisa móvel (ou imóvel) do devedor para
o credor, que devia guardá-la sem o usar; esse credor
— Foi criada uma actio in factum, que se tornou duas pignoratício eventualmente devolveria a coisa.
actiones in ius. Uma era faculdade do depositante-cre-
• Este contrato pressupõe a existência de um outro con-
dor, e outra era faculdade do depositário-devedor:
trato (real ou consensual) do qual ele serve de garantia.
a) Actio depositi directa (“ação depositária direta”)
• Contrato gratuito: só o devedor pignoratício tem van-
– em favor do depositante-credor;
tagens (a garantia em si);
b) Actio depositi contraria (“ação depositária con-
• Contrato bilateral imperfeito: gera uma obrigação
trária”) – em favor do depositário-devedor.
principal (do credor) e uma secundária (do devedor).
d) Contrato real de comodato (commodatum)
Há certa “inversão de papéis” (compare com os demais
No commodatum, o credor (“comodante”) entregava contratos reais, e veja como aqui as maiores obrigações
coisa móvel inconsumível ou coisa móvel consumível recaem sobre o “credor”):
(desde que não seja consumida) ao devedor (“comodatá-
rio”), que deve usá-la de forma gratuita e de boa-fé (sem — O credor pignoratício deve “conservar a coisa sem
a consumir), para devolvê-la depois. usar (exceto se for um uso convencionado)”;
• Tratava-se de uma transferência de detenção de uma ❖ Se usar a coisa além do convencionado, está co-
coisa móvel inconsumível (e.g., quadro, estátua) ou metendo o delito de furto de uso (furtum usus);
coisa móvel consumível (e.g., garrafas de vinho) do ❖ Pode responder por custódia;
credor (e.g., livro, quadro) para o devedor, que devia — O devedor pignoratício eventualmente deve “ressar-
usá-la conforme estipulado no contrato; algum tempo cir as despesas e indenizar danos providos pela coisa”;
depois, o credor exigirá que o devedor devolva a coisa.
• Ações possíveis:
• Contrato gratuito: só o comodatário-devedor tem
vantagens; o comodante-credor faz um favor; — Foi criada uma actio in factum, que se tornou duas
actiones in ius. Uma era faculdade do depositante-cre-
• Contrato bilateral imperfeito: gera uma obrigação dor, e outra era faculdade do depositário-devedor:
principal (do devedor) e uma secundária (do credor):
a) Actio pigneraticia directa (“ação pignoratícia di-
— O comodatário-devedor deve “conservar a coisa e reta”) – em favor do que entregou a coisa e contra o
usá-la somente dentro do convencionado”; credor pignoratício que não cumpriu sua obrigação;
❖ Se usar a coisa além do convencionado, está co- b) Actio pigneraticia contraria (“ação pignoratícia
metendo o delito de furto de uso (furtum usus); contrária”) – em favor do credor pignoratício e
❖ Pode ser julgado quanto a seu comportamento, contra o que entregou a coisa e que se recusa a cum-
pelo exercício de boa-fé (bona fides); prir as obrigações eventuais.
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5. Terceira fase dos contratos romanos: Consensua- a) Contrato consensual de compra e venda (emptio ven-
lismo (séc. II a.C. – I d.C.) ditio)
Já havendo passado o período do FORMALISMO CON- — Obs. 6: Vimos que a compra e venda já foi um con-
TRATUAL e do REALISMO CONTRATUAL, vemos no séc. trato formal e, depois, real. Aqui, referimo-nos à compra e
II a.C. uma outra mudança nos tipos contratuais romanos. venda após ser transformada em contrato consensual.
A República de Roma venceu Cartago nas Guerras Pú- Na compra e venda, há um acordo de vontades baseado
nicas (264–146 a.C.). Com o maior influxo de estrangei- na entrega de uma mercadoria (merx) em troca de di-
ros, surgiram novas necessidades; o crescimento do co- nheiro (pretium).
mércio aumentava o número de contratos — então, fica- • Mercadoria: deve ser uma coisa corpórea ou incorpó-
ram evidentes as limitações dos contratos formais e reais. rea, própria ou alheia, presente ou futura;
Como agilizar esse processo? Como ter garantia em ❖ O vendedor pode vender coisa que ainda não existe,
contratos sem precisar de solenidades como stipulatio? ou que ainda não é sua — negócios com tais objetos
Para resolver essa questão, em 140 a.C., o pretor pe- seriam válidos. Porém, ele deve garantir que conse-
regrino se inspirou no costume geral dos povos para in- guirá fornecer ao comprador esta coisa e garantir-
troduzir no seu edito os “contratos consensuais”. Logo lhe a posse pacífica. Se ele não conseguir, não cum-
depois, o pretor urbano se inspirou nele e introduziu priu com sua promessa, e o comprador pode entrar
ações para proteger estes contratos. com uma ação contra ele.
Assim, com as novas necessidades, veio a terceira fase ❖ Caso o vendedor tenha agido por má-fé, será res-
dos contratos romanos, chamada de “CONSENSUALISMO ponsabilizado pela inadimplência por dolo.
CONTRATUAL”. Os romanos “liberaram” três contratos ti- — Obs. 7: Diferenciamos “dolo” como vício de
picamente comerciais — compra e venda, locação e so- consentimento (no momento inicial do contrato) e
ciedade (e, mais tarde, o mandato) —, permitindo que o “dolo” como motivo de responsabilização pela ina-
simples acordo, havendo causa civil, gerasse obrigação. dimplência (durante a execução do contrato).
— Obs. 5: Os demais contratos ainda precisavam da for- ❖ A venda de coisa futura pode ser uma emptio rei
malidade, ou da entrega da coisa para gerar a obrigação. speratae (“de coisa esperada”), quando o compra-
Havia uma abertura nestes contratos, retirando forma- dor paga o dinheiro se a coisa vier a existir; ou uma
lidades excessivas e permitindo gerar-se a obrigação a par- emptio spei “da esperança”), quando o comprador
tir da promessa convencionada (como predomina HOJE). paga o dinheiro independentemente de a coisa vir a
existir ou não (ele submete-se à aleatória).
Contratos consensuais:
ACORDO DE VONTADES + CAUSA CIVIL • Preço: deve ser em dinheiro, real, certo e justo.
— Equilíbrio contratual e contratos sinalagmáticos ❖ Se o preço não for em dinheiro, mas com coisa, di-
zemos que houve uma troca (permutatio);
Logo no final da República, os juristas procuraram
criar um novo mecanismo que (assumindo a função do for- ❖ “Real” – não simulado;
malismo) garantisse a segurança e o equilíbrio contratual. ❖ “Certo” – determinável por um terceiro ou fixado
Além disso, o juiz também precisava analisar os detalhes no ato, mas nunca por arbítrio de uma das partes;
e as cláusulas dos contratos, para que fosse justo quando — Características da compra e venda:
uma das partes exigisse o cumprimento da promessa.
• Contrato oneroso: tanto o vendedor quanto o compra-
A doutrina jurídica que analisava o consenso e equilí- dor têm vantagens ou interesses;
brio entre as partes vinha da retórica grega; por isso, usou-
se o termo grego “sinalagmático” para denominar contra- • Contrato bilateral perfeito: gera duas obrigações re-
tos equilibrados. O termo “synallagma” tem a etimologia: cíprocas e correspondentes:
syn (“com, junto de”) + allagma (“trocar [por algo seme- — O vendedor (venditor) “transfere a posse da mer-
lhante]”). Ele transmite a ideia do “contrato de troca, ha- cadoria” ao comprador e “garante seu uso pacífico”
vendo semelhança entre as partes”, i.e., prestação e con- (praestare rem habere licere);
traprestação. ❖ O vendedor tem a faculdade de exigir do com-
Já vimos que contratos podem ser unilaterais, bilate- prador a entrega do dinheiro;
rais imperfeitos (obrigações não correspondentes, uma ❖ Risco do vendedor = turbação e evicção.
essencial e outra eventual) ou bilaterais perfeitos (obri-
gações recíprocas e correspondentes). O termo “sinalag- Se aparecer alguém com direito mais forte que o
máticos” aplica-se a contratos bilaterais perfeitos. direito de posse do comprador (e.g., o direito real
do antigo dono da mercadoria) e tira dele a coisa,
Nestes contratos, há sempre duas relações simultâneas turbando seu direito, o comprador pode mover
de credor–devedor: cada um é credor de uma obrigação e uma ação contra o vendedor para que este lhe
devedor de outra.
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Isso no direito romano. No direito moderno, locador é quem “realiza a obra (=empreiteiro)” e o locatário é o “dono da obra”
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6. Outras situações
a) Pactos (pacta)
Como já vimos, a convenção, sem causa civil, era ape-
nas um “pacto” (pactum), que não gerava obrigação. Al-
gumas exceções eventualmente obtiveram tutela jurídica:
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Onerosidade Gratuito Gratuito Gratuito Gratuito Gratuito Oneroso Oneroso Oneroso Oneroso
Lateralidade
Bilateral Bilateral Bilateral
• Há quantas Bilateral Bilateral Bilateral Bilateral Bilateral
obrigações?
Unilateral imperfeito imperfeito imperfeito
imperfeito perfeito perfeito perfeito imperfeito
•Obrigações equi- • 1 • 2≠ • 2≠ • 2≠
valentes (= ou ≠)?
• 2≠ • 2= • 2= • 2= • 2≠
• mutuário • depositá- • comodatá- • credor
• De quem é a • fiduciário • ambos • ambos • todos • mandatário
rio rio pignoratício
obrigação principal?
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• Exercia vingança por si mesmo, determinando qual a 3. Dano (Damnum iniuria datum)
proporção de sua vingança; ou “Dano causado ilicitamente” é toda lesão ilícita ao
• Decidia voluntariamente o assunto de forma pacífica patrimônio de alguém (quebrar, estragar, perder coisa
com a outra parte: fazendo um acordo de composição alheia). Ultrapassando a esfera da vingança privada, o
voluntária (compositio), estabelecia uma compensação princípio da reparação pecuniária pelo dano se baseou nas
pecuniária voluntária. disposições da lei Aquília (lex Aquilia), no séc. III a.C.
b) XII Tábuas (sécs. V–II a.C.) Inicialmente, a lex Aquilia exigia do ofensor a indeni-
As leis das XII Tábuas delimitaram a “injúria” como zação quando ele matasse o escravo ou o animal do ofen-
uma ofensa física e/ou moral a uma pessoa; ela tipificou dido; o ofensor ficava obrigado a pagar o maior valor que
quatro tipos de injúrias dentro do crime privado: tal coisa tivera no ano anterior.
I. Membrum ruptum: ofensa física por desmembramento: O dano só se aplicava se causado por conduta positiva
(excluindo o caso de morte por falta de alimentação) que
— Pena: compositio ou talião; levasse ao estrago físico e material da coisa corpórea (ex-
II. Fractum: ofensa física por fratura dos ossos: cluindo o caso de deixar animal alheio simplesmente fu-
— Pena: 300 asses, se o ofendido fosse livre, ou 150 gir). Ele deveria ocorrer por iniuria: deveria ser algo ilí-
asses, se o ofendido fosse servo; cito, havendo a culpabilidade do autor do dano (fosse por
dolo ou por qualquer tipo de culpa, até levíssima).
III. Iniuria: ofensa física e/ou verbal, porém, sem causar
um dano físico grave: Depois, outros casos foram punidos com tal indeniza-
ção: prejuízos por omissão, ou até prejuízos sem estrago
— Pena: inicialmente, eram 25 asses; os romanos per- físico e material da coisa.
ceberam que as compensações fixas privilegiavam os
ricos e permitiam que ofensores se livrassem de duras O valor do dano era originalmente calculado pelo valor
consequências; assim, usando o princípio da equidade objetivo da coisa. No direito clássico, passou a incluir todo
(aequitas), os pretores criavam novas fórmulas (pro- o interesse do proprietário, incluindo o “dano emergente”
cesso formulário) para criar compensações que varia- (damnum emergens) e o “lucro cessante” (lucrum ces-
vam de acordo com o caso concreto; sans) sofridos por ele.
IV. Carmen malum: ofensa moral e religiosa pela prática 4. Furto (Furtum)
de magia oculta (invocando maus espíritos): “Furto” é a subtração (contrectatio) fraudulenta de
— Pena: fustigação (chicotes) até a morte. coisa alheia contra a vontade de seu dono; posteriormente,
o uso indevido de coisa alheia passou a ser caracterizado
PENA: As leis das XII Tábuas limitaram a vingança pri- como furto (furtum usus). Para se caracterizar o furto, a
vada, permitindo-a apenas dentro da proporção legalmente pessoa precisa ter consciência de que age ilicitamente.
determinada — tal era o princípio do talião (talio): “[ape-
nas] olho por olho, [apenas] dente por dente...”. Inicialmente, o ofendido pelo furto tinha direito de vin-
gar-se fisicamente do ladrão colhido em flagrante (fur ma-
Leis posteriores tornaram em alguns casos a composi- nifestus), podendo matá-lo ou torná-lo escravo. Depois, o
ção obrigatória: ofendido e ofensor entrariam em um direito passou a exigir do ladrão uma multa pecuniária.
acordo pacífico para a compensação pecuniária, com valor
fixado pela lei: para cada delito, uma multa. Havia três meios processuais facultados ao ofendido:
Verificamos aqui uma crescente intervenção da esfera a) Actio furti (“ação de furto”) – para exigir multas;
pública na vingança privada. A partir das leis das XII Tá- b) Rei vindicatio (“ação de reivindicação”) – para exigir
buas, os delitos mais graves migraram da esfera privada a recuperação da coisa, com base na sua posse ilícita;
para a pública, tornando-se crimes públicos, e.g.: traição c) Condictio furtiva (“ação de restituição da coisa fur-
à pátria (perduellio), homicídio (parricidium) e incêndio. tada”) – para exigir a recuperação da coisa, com base
Estes crimes públicos, mais graves, sofreriam punições no enriquecimento ilícito do ladrão.
públicas e exemplares: execução, chicotes, etc.
A primeira delas era uma ação penal (visando punir e
c) Direito Clássico (sécs. II a.C. – III d.C.) ressarcir) — com a qual se buscava de duas a quatro vezes
Generalizou-se a composição obrigatória. A punição o valor da coisa furtada —, enquanto as outras duas eram
consistia na condenação do ofensor à compensação pecu- ações reipersecutórias (visando recuperar a coisa) — com
niária (pagamento em dinheiro). Daí surgiu a noção da as quais se buscava o “valor simples” da coisa furtada.
“obrigação decorrente do delito” (obligatio ex delicto); 5. Roubo (Rapina)
a pena pecuniária torna-se o objeto da obrigação.
“Roubo” é um furto qualificado por violência. O ofen-
Manteve-se o sentido específico de “injúria” como dido persegue o ladrão com uma actio vi bonorum rapto-
ofensa física e/ou moral a uma pessoa. O ofendido tinha rum (“ação dos bens arrebatados com violência”), pena-
a faculdade de exigir do ofensor a indenização pela actio lizando-o com quatro vezes o valor da coisa.
iniuriarum (“ação de injúrias”).
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CAP. 20 – GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES Ao fiador cabiam todas as exceções processuais (pedi-
dos de defesa no caso concreto) que o devedor principal
O cumprimento da obrigação pelo devedor depende, tinha contra o credor.
do ponto de vista subjetivo, da sua vontade, e do ponto de
O fiador respondia acessoriamente, quando o devedor
vista objetivo, da sua capacidade econômica ou física.
principal fosse insolvente. Se, porém, o fiador cumprisse a
O interesse do credor é de assegurar o cumprimento da obrigação que garantia, tinha uma ação de regresso contra
obrigação contra ambos os tipos de inadimplemento. o devedor principal caso ele não o indenizasse dentro de
1. Garantias contra o inadimplemento voluntário seis meses: a actio depensi (“ação daquilo que foi pago”).
Eram feitos acordos acessórios para reforçar a obriga-
ção principal. Podia ser de dois tipos:
a) Arras (arrha)
Arras era a entrega, pelo devedor ao credor, de uma
coisa ou quantia, para que ela servisse de confirmação da
conclusão de um acordo (arras confirmatórias) ou de ga-
rantia de seu cumprimento (arras penitenciais – caso não
houvesse o cumprimento ou o contrato fosse rescindido, a
parte sofreria a pena de perder o valor das arras).
b) Multa contratual (poena conventionalis)
Multa contratual era a promessa, por meio de stipula-
tio, do pagamento de uma indenização pecuniária, prede-
terminada, no caso de inadimplemento de uma obrigação.
2. Garantias contra o inadimplemento pela incapaci-
dade econômica ou física
Os meios que visavam garantir o adimplemento da
obrigação contra a superveniente incapacidade econômica
ou física do devedor eram importantíssimas. Podiam ser
garantias reais ou pessoais.
As garantias pessoais eram a solidariedade dos devedo-
res principais, ou a inclusão de um fiador.
c) Fiança (sponsio, fideipromissio, fideiussio)
Fiança é o contrato pelo qual um devedor acessório
(fiador) junta-se a um devedor principal, a fim de garantir
o adimplemento da obrigação por este assumida, caso ele
não a cumpra.
Havia três tipos diferentes de fiança, feitos pelo con-
trato verbal e solene da stipulatio:
a) Sponsio: pelo uso do verbo spondere (“prometer sole-
nemente”); só poderia ser usado por cidadãos romanos
e estrangeiros latinos;
b) Fideipromissio: pelo uso do verbo promitto (“pro-
meto”), em resposta à pergunta “prometes, fielmente, o
mesmo?”; poderia ser usado tanto por cidadãos quanto
por estrangeiros quaisquer;
c) Fideiussio: pelo uso do verbo iubeo (“garanto”), em
resposta à pergunta “garantes o mesmo, por tua fé?”.
A obrigação por sponsio ou fideipromissio extinguia-se
com a morte do fiador; a obrigação por fideiussio era trans-
mitida a seus herdeiros.
A fiança devia ser menor ou igual à obrigação princi-
pal. Havendo diversos fiadores, eles poderiam dividir o va-
lor da obrigação entre si — responsabilizando-se parcial-
mente pelo “benefício da divisão” (beneficium divisionis).
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2. Hoje
Não somente há, hoje, as instituições da “pessoa jurí-
dica” e da “representação”, como também há formas de
transmitir obrigações de credores e de devedores por atos
diretos entre vivos.
— CESSÃO DE CRÉDITO (“transmissão ativa”):
• “Cessão de crédito” é quando o credor (“cedente”)
transmite seu crédito para um novo credor (“cessioná-
rio”) por meio de um contrato; como regra geral, o de-
vedor não pode negar o pagamento ao novo credor.
— ASSUNÇÃO DE DÍVIDA (“transmissão passiva”):
• “Assunção de dívida” é quando um novo devedor as-
sume a dívida de um devedor anterior; porém, não basta
somente um contrato, mas também a anuência do cre-
dor na transmissão dessa dívida; como regra geral, o
credor, assim que der seu consentimento, não pode ne-
gar o recebimento do pagamento do novo devedor.
❖ Nesse sentido, o credor pode dar sua anuência a
qualquer momento (antes, depois ou no momento
do contrato de assunção).
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