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THAÍS SOARES DE CARVALHO

Os hospitais brasileiros em tempos de pandemia covid-19 e o uso das


visitas virtuais.

Trabalho pré-requisito para obtenção


de nota na Disciplina Corpo, saúde e
doença: Abordagem das Ciências
Sociais.
Professora Responsável: Jaqueline
Ferreira

Rio de Janeiro
2022
1 INTRODUÇÃO
A organização das práticas em saúde no Brasil passa atualmente por
uma crise em que humanização e integralidade do cuidado parecem ser a
resposta. Diante das limitações que confrontam as práticas de saúde têm-se a
humanização da atenção à saúde como uma proposta de reconstrução destas
práticas. (AYRES, 2004)

Um usuário do sistema de saúde está necessariamente incluído nas


relações de poder que se distribuem no espaço organizado da unidade de
saúde. Em um hospital o poder disciplinar se organiza por meio de três pilares
(individual, classificatório e hierarquizado) que servem a este poder. Neste
espaço a vigilância sobre os corpos (realidade concreta do homem) é
constante e as ações e reações são registradas meticulosamente pelos
profissionais de saúde. (FERREIRA E FIGUEREDO, 1977)

No Brasil a história por trás do aprimoramento das políticas de cuidado a


saúde da população inicia com movimentos sociais reivindicadores de direitos.
Em 1963 a terceira Conferência Nacional de Saúde exibiu diversos estudos
sobre a criação de um sistema de saúde para todos os cidadãos, que tivesse
uma organização descentralizada e que tornasse protagonistas os municípios.
A promulgação da lei 8.080 de 1990 afirmou a saúde como um direito
fundamental do ser humano, atribuiu ao Estado o dever de prover as condições
indispensáveis para seu pleno exercício e inseriu a organização hierarquizada.
Em 24 de maio de 2000, o projeto piloto do Programa Nacional de
Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) foi aprovado, na ocasião a
avaliação desses serviços indicou a qualidade da atenção ao usuário como
uma das questões mais críticas do SUS. (SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA A
SAÚDE, 2001)

Em 2003 o Ministério da Saúde implementou a Política Nacional de


Humanização da Atenção e Gestão do Sistema Único de Saúde, evocando a
transversalidade, o protagonismo dos sujeitos e dos coletivos e a
indivisibilidade entre atenção e gestão. Outro marco importante no avanço da
busca por um cuidado humanizado é a elaboração da Carta de Direitos dos
Usuários, aprovada pela Portaria MS/GM nº 675, de 30/3/2006 e publicada no
DOU em 31/3/2006, nela estão contidas diretrizes norteadoras para o
cumprimento dos direitos dos usuários nos serviços de saúde no Brasil. Seus
princípios defendem o direito a ser atendido com qualidade por meio de um
cuidado humanizado e livre de discriminações. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2007)

O advento da Pandemia coronavírus se deu em meados de março de


2020, logo o Sistema de Saúde brasileiro precisou, assim como toda a
sociedade, readaptar as suas rotinas e práticas. O vírus SARS-CoV-2 provocou
a mais importante pandemia da história recente e teve grande impacto na
economia mundial, na saúde mental das populações e na saúde pública como
um todo (DOURADO, 2020).

Até o início da semana da segunda quinzena do oitavo mês no ano de


2022, segundo o Painel Coronavírus do Ministério da Saúde (2022), o país
acumulava 682.010 óbitos causados pelo vírus, destes 327.122 localizados
apenas na região sudeste do país e mais de 34.223.200 casos confirmados em
todo o território nacional. Como consequência da disseminação do vírus Covid-
19 no ano de 2020 diversas mudanças ocorreram na sociedade e nos
hospitais, como a implementação de novos e mais rigorosos protocolos de
segurança, contratação de mais profissionais, abertura de leitos para atender
inúmeros pacientes diagnosticados com Sars-Cov-2 e a constante necessidade
de reflexão e construção de estratégias para lidar com os desafios impostos
pelo novo coronavírus.

Nas vivências as pandemias a saúde física das pessoas e o


enfrentamento ao agente patogênico vigente são os focos dos gestores e
trabalhadores de saúde, segundo Ornell et al (2020), essa é a razão pela qual
os aspectos de saúde mental tendem a ser negligenciados ou subestimados, o
que pode causar prejuízos a perspectiva de humanização do cuidado. No
espaço hospitalar os pacientes vivenciam uma negação de suas experiências
de sofrimento e seus corpos são tratados, com frequência, sobre a leitura
unilateral de ordem biomédica. No entanto é fato conhecido que o
comportamento adotado pelo doente está diretamente relacionado ao seu
contexto sociocultural e a sua interpretação fenomenológica singular a respeito
do adoecimento. (FERREIRA, 2022)
2 OS DIREITOS DO PACIENTE HOSPITALIZADO EM TEMPOS DE
PANDEMIA
Se a dimensão psicossocial do sujeito está necessariamente incluída na
sua experiência de internação e influência diretamente nas suas reações diante
do tratamento proposto pela equipe de saúde, garantir os direitos do paciente,
mesmo diante de uma calamidade pública como uma pandemia, é uma
questão ética e demonstra compromisso com os princípios filosóficos do SUS.
O coronavírus provoca repercussões clínicas que podem variar de leves a
letais, segundo Dantas et al (2020), seus sintomas são desconfortáveis e
dolorosos, tais como dor aguda, dispneia, vômitos, diarreia e hipertermia.

A vivência da dor na leitura antropológica considera três fundamentais


ideias: primeiramente o fato de que a experiência da dor demonstrar a relação
do individuo com a sociedade, se inscrevendo coletivamente através de um
sistema de significação (o corpo como uma realidade que não pode existir sem
a condição social); em segundo lugar a dor vista como uma construção
histórica transmitida através de significados socializados que advém das
referencias simbólicas da cultura; e por fim, a percepção da dor e sua
expressão singular relacionadas aos códigos culturais com os quais se
inscreve nos sujeitos socialmente. (FERREIRA, 2022)

O desafio colocado pela situação pandêmica aos pacientes


hospitalizados, a ser tratado nesse texto, foi semelhante ao do resto da
população no auge da pandemia, a necessidade de isolamento social, que
provocou mudanças na rotina de visitação hospitalar e por um longo período a
impossibilidade da realização delas. Nos mais diversos setores do hospital
pacientes foram privados do convívio social, o que despertou o interesse de
profissionais na busca de alternativas para que o direito à visitação, previsto na
carta de direitos do usuário (terceiro princípio, inciso IV), que afirma o direito a
acompanhante e/ou visita diária, não inferior a duas horas durante as
internações, o mesmo inciso prevê a possibilidade da suspensão do
acompanhamento familiar e das visitas devido situações técnicas que a
recomendem, na pandemia covid-19 esta suspensão se fez necessária.
(PORTARIA Nº 1.820, 2009)
A solução foi encontrada com auxílio da tecnologia, utilizando aparelhos
smartfones e a internet para realização de chamadas de vídeo entre pacientes
e familiares. Os atuantes na linha de frente do cuidado em saúde na pandemia,
de diversas categorias profissionais (com exceção da médica), tornaram-se
mediadores desses encontros dos pacientes com seu ciclo social e ampliou as
possibilidades de presença nesse encontro, o conectando com diferentes
grupos sociais (familiares, amigos e representantes de templos religiosos).

Apesar de se mostrar eficiente como alternativa para a manutenção do


vínculo do paciente com seu meio social a solução provocou questionamentos
do ponto de vista legal, ético, regulatório e de gestão. Um parecer do Conselho
Médico Paulista (CREMESP) proibiu a realização de visitas virtuais a pacientes
com Covid-19 em UTIs ou emergências no dia 23 abril de 2021, alegando que
desde pareceres anteriores (2016) a filmagem e fotografia de pacientes nas
emergências e UTIs já eram proibidas. Além disso o conselho justificou a
medida com o fato de não haver interação entre pacientes em coma ou
intubados com seus familiares. (COLLUCCI, 2021)

As visitas virtuais são aliadas do processo de humanização do paciente


internado e impedido de receber visitas presenciais. Segundo Ayres (2004), o
que é relevante para a humanização das práticas de cuidado humanizado é a
capacidade do conhecimento técnico se colocar de forma permeável diante
daquilo que é “não-técnico” e favorecer o diálogo entre essas duas dimensões
que são interligadas. Serafim, Bu e Nunes (2020), discorrem que no contexto
pandêmico, a Atenção Psicológica Hospitalar é um fator de proteção para a
saúde mental da equipe de saúde, para pacientes e familiares hospitalizados
que apresentam quadros reativos ao COVID-19, bem como para aqueles que
manifestam outras intercorrências psicológicas.
Durante uma visita virtual é possível focar nos aspectos emocionais e
psicossociais que envolvem a internação daquele paciente, na relação entre os
familiares e a equipe de saúde, na oferta de acolhimento ao sofrimento de
paciente e familiares, e a promoção de momentos em que paciente e família
possam se comunicar independentemente da forma viável naquele momento,
valorizando mais a potência do encontro familiar como cuidado. Nesse
diapasão, destaca-se a necessidade da escuta e observação de todos os
aspectos ligados ao adoecer, respeitando os temores, crenças e fragilidades do
paciente, de sua família e da equipe de saúde.

No dia 26 de abril de 2021, entidades médicas de cuidados paliativos,


medicina intensiva e psico-oncologia se posicionaram contra o parecer do
CREMESP, o principal argumento foi o agravamento do sofrimento mental dos
pacientes críticos e de seus familiares devido ao afastamento compulsório. Em
razão disso, segundo as entidades citadas, as visitas virtuais servem para
mitigar esse sofrimento e por meio de um manejo adequado da atividade a
segurança que salvaguarda a confidencialidade do paciente é preservada.
(COLLUCCI, 2021)

Finalmente em 21 de setembro de 2021 é sancionada a lei 14.198, que


ficou conhecida como lei das visitas virtuais e que dispõe sobre videochamadas
entre pacientes internados em serviços de saúde impossibilitados de receber
visitas e seus familiares. Composta por quatro artigos, a lei 14.198 normatiza a
exigência aos serviços de saúde, de oferecerem ao menos uma videochamada
por dia para os pacientes, considerando o momento oportuno a ser definido
pela equipe de saúde do setor. Ela encerra as dúvidas éticas entorno da
atividade e garante o direito de realização das visitas mesmo com pacientes
inconscientes, mediante a autorização do próprio (concedida enquanto ele
estava desperto e capaz de manifestar o desejo) ou de membro da família.
(AGÊNCIA SENADO, 2022)

Em um trecho polêmico a lei 14.198 (Art. 2, § 1º) estabelece o poder da


classe médica sobre a realização das visitas, que passam a necessitar da
autorização do profissional responsável pelo acompanhamento do paciente
(médico), e que determinando que este poderá proibir a realização do contato
com os familiares, desde que justifique e tome nota no prontuário do paciente.
(PLANALTO, 2021)

Ainda conforme a lei, as visitas precisam respeitar os protocolos


sanitários e de segurança no manejo dos equipamentos utilizados pela equipe
de mediadores de visitas virtuais, e o serviço de saúde é declarado
responsável pela preservação da confidencialidade dos dados e das imagens
produzidas durante o trabalho. Nenhuma orientação quanto ao sentido
humanizador desta prática de cuidado em saúde foi implementada pela lei, ela
não contempla a complexidade da relação humana intrínseca as práticas de
cuidado e realização desta atividade hospitalar. Desta maneira, a estratégia
utilizada durante as visitas fica a cargo de cada um dos serviços e de seus
profissionais.

3 IMPLICAÇÕES SOCIAIS DE UMA CRISE PANDEMICA

No Brasil questões de gênero tem afetado a resposta e o impacto da


pandemia, segundo Pimenta et al (2021, p. 159), elas se dividem em cinco
categorias: “1) emergências sanitárias; 2) trabalho e renda; 3)
enquadramentos sobre masculinidade, paternidade, cuidado, violência e
comportamentos de risco; 4) repercussões sobre saúde sexual e
reprodutiva, contracepção, planejamento reprodutivo e aborto legal,
demandando reflexão sobre direitos e justiça reprodutiva e; 5)
apontamentos para o futuro, ressaltando a importância de ativismos e
lideranças comunitárias femininas no enfrentamento da pandemia.”

Os afetamentos relacionados a pandemia se distribuem


desigualmente entre homens e mulheres. Para as mulheres são mais
comuns sofrimentos relacionados ao efeito secundário do surto
(consequências socioeconômicas etc.), enquanto que para os homens os
efeitos primários são a causa mais frequente de sofrimento (risco de morte,
adoecimento etc.). Pessoas não binárias e transgêneros também são
afetadas de maneira distinta pelos surtos, em um cenário onde o gênero se
entrecruza com outros estratificadores sociais como raça, etnia, classe
social, religião, espaço geográfico etc. Por isso, a realização de novas
pesquisas se faz necessária para trazer a luz essa interseção entre a
marginalização e os processos de vulnerabilização que afetam os usuários
do sistema de saúde (PIMENTA ET AL, 2021).

Geralmente as questões de gênero não são levadas em conta durante a


idealização de planos de enfrentamento às emergências sanitárias. Garantir
que as políticas sejam construídas por meio de um trabalho reflexivo que
considere as afetações ligadas ao gênero e o contexto social urbano, é
fundamental. Isso se justifica pelo fato de que ao nascer o ser humano passa a
ter toda a sua existência determinada por meio das relações de gênero, sendo
elas as mais importantes determinações hierárquicas e mediações que moldam
o perfil epidemiológico da sociedade (BARATA, 2009).

A construção social do feminino e do masculino tem implicações


diversas na manifestação da organização social e na configuração do papel
atribuído a homens e mulheres nesta organização. Segundo Barata (2009),
compreender as dimensões da determinação e mediação dos processos
sociais é uma difícil tarefa. As relações sociais de gênero se expressam na
divisão sexual do trabalho, poder, e na própria construção social do feminino e
do masculino nas dimensões sociais, culturais e políticas.

O grupo mais afetado pela pandemia é o de mulheres negras,


enquanto homens bancos exibem os menores índices. As mulheres negras
demonstram em maior nível o medo de ser contaminada (84,2%) e
declaram despreparo para lidar com a crise em 58,7% das vezes. As negras
também declaram um maior índice de assédio moral sofrido durante a
pandemia (33,5%), elas são menos testadas (apenas 26%) e recebem
menos suporte de seus superiores no trabalho (54%). Quando a observação
se dá sobre grupos de homens e mulheres autodeclarados amarelos,
indígenas, transexuais e não binários, os índices são ainda mais críticos do
que os relacionados as mulheres negras. Dos membros desse grupo, penas
40,3% receberam treinamento para lidar com a pandemia, enquanto o
índice é de 44% em relação as mulheres negras. (PIMENTA ET AL, 2021).

Nas visitas virtuais as questões de gênero denunciam as discrepâncias


sociais presentes na vida daqueles que estão adoecidos. Os homens são
frequentemente visitados por diversas mulheres membros do seu núcleo
familiar (esposas, filhas, netas, mães e irmãs), enquanto as mulheres
dificilmente recebem visitas de homens, e quando estas ocorrem, geralmente
os homens são filhos e quase nunca cônjuges. Segundo Prado e Cunha
(2019), as mulheres têm seis vezes mais chances de ser abandonada após a
descoberta de uma doença em relação aos homens.

4 A PRÁTICA DAS VISITAS VIRTUAIS E O TRABALHO COM A MORTE NO


HOSPITAL

Nas sociedades complexas contemporâneas o convívio com a morte não


é corriqueiro, a morte é recalcada no curso normal da vida tanto no plano
individual quanto no social, o que segundo Elias (2001, p.11), é um aspecto do
impulso civilizador, que conforme as novas relações de poder, associa os
sentimentos de vergonha, embaraço e repugnância a cada um dos aspectos
elementares e animais da vida humana. São considerados assim uma ameaça
a vida comunitária e por isso são regulados de maneira mais equilibrada pelas
regras sociais e pela consciência.

Na primeira metade do século XX a morte torna-se o principal tabu


social, posição ocupada anteriormente pelo sexo. Segundo Menezes (2004,
p.26), na sociedade moderna o sentimento a respeito da própria morte se
traduz como apego às coisas da vida. A partir do tempo em que os homens
vivem com o pensamento voltado para a morte, ocorre a produção ideal de
uma morte bela e edificante. A morte dos pares se torna um evento dramático e
insuportável, com consequente afastamento social da morte. As novas
maneiras de encará-la a abordam como um fenômeno escamoteado, oculto,
vergonhoso e sujo. Desta maneira, a morte sofreu intensa institucionalização e
rotinização dos cuidados aquele que está morrendo, além do ocultamento e
segregação destes. (MENEZES, 2004, p.27)
A pandemia do novo coronavírus provocou morte em massa na
população mundial, além da rápida lotação de leitos em UTIs, e hospitais em
geral, os necrotérios e cemitérios das cidades mais afetadas entraram em
colapso. Os canais de comunicação passaram a abordar a morte diariamente,
várias vezes ao dia, com números que não paravam de crescer (e continuam
crescendo, porém em menor ritmo graças a vacinação da população). Segundo
Kind e Cordeiro (2020), essa ênfase no número de mortes se refere a narrativa
clássica nas práticas biopolíticas (numa análise foucaultiana), que impulsiona
os governos e confronta a sociedade com o aspecto social da morte. Ainda
segundo as autoras, os números de mortes que são atualizados e divulgados
diariamente, acabam por desatualizar e constranger as tentativas de narrar a
morte no cotidiano.

No interior dos hospitais os profissionais se mostraram vulneráveis aos


efeitos psicossociais da pandemia, e a evolução grave do quadro dos pacientes
foi apontada como uma das fontes de estresse que configuravam essa
vulnerabilidade. Segundo Menezes (2005), os profissionais da saúde são
formados conforme o modelo biomédico notadamente curativo, e que não
privilegia as habilidades de expressão emocional durante a formação, que deve
preparar o sujeito para o exercício diário da profissão. Os profissionais de
saúde são naturalmente confrontados com o sofrimento e a morte no seu
cotidiano, no entanto a pandemia do novo coronavírus agudizou o impacto
desta presença nos serviços, por meio das inúmeras mortes que ocorriam
simultaneamente a cada dia.

O surgimento das visitas virtuais atingiu a rotina destas equipes já


sobrecarregadas, com novas responsabilidades (como monitorar possíveis
instabilidade nos sinais vitais dos pacientes durante a execução das visitas) e o
contato compulsório com o material emocional manifesto dos familiares ao
verem seus doentes, muitas vezes em estado crítico, através da tela da
videochamada, sem que os profissionais recebessem qualquer preparo ou
treinamento orientado a este fim. Mediar visitas virtuais significa mediar uma
série de despedidas, marcadas por forte comoção emocional por parte dos
familiares, pacientes e profissionais. As equipes de saúde solicitam a execução
de visitas em várias situações: para que pacientes se despeçam de suas
famílias antes de serem submetidos a intubação orotraqueal; para que as
famílias os confortem em momentos de crise subjetiva; outras vezes solicitam
prioridade em visitas virtuais específicas devido a possibilidade do óbito de
determinados pacientes ocorrerem naquele mesmo dia.

A contribuição das visitas virtuais ao cenário do morrer no hospital é


também um processo de humanização do cuidado dos pacientes, no lugar da
mencionada exclusão e isolamento daqueles que estão morrendo, têm-se
encontros regulares entre os pacientes e diversos personagens de seus ciclos
sociais. A morte ou reestabelecimento de sua saúde podem ser compartilhadas
coletivamente, mesmo quando o paciente está inconsciente e participa apenas
passivamente desses encontros com sua comunidade. Destaca-se neste
contexto a relevância da eficácia simbólica de Lévi-Strauss (1958), que explica
como a confiança do doente em relação ao seu instrumento de cura repercute
na sua recuperação, na medida em que o paciente crê e faz parte de um
contexto social que também crê. Desta forma os pares do convívio social do
doente, tem muito a contribuir com o seu processo de hospitalização e
recuperação.

O impacto emocional do adoecimento por coronavírus é complexo,


segundo Soares et al (2020), o adoecimento por covid-19 evoca uma série de
questões, a mencionar: a progressão da patologia; aumento do sofrimento do
doente; surgimento de comorbidade psicológica e/ou psiquiátrica; risco de
suicídio; e possíveis implicações na vida do sujeito pós-hospitalização. Como
dito anteriormente, as visitas virtuais convocam a base comunitária do paciente
a partilhar dessas vivências advindas da hospitalização, e dessa relação deriva
uma série de materiais arraigados de simbolismo e valor inconsciente/
consciente, essenciais para o conforto e acolhimento da situação vivida pelos
pacientes e por todos os envolvidos em sua história de internação, cura ou
morte.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pandemia pelo Covid-19 nos hospitais suscita uma série de situações


em que a comunicação com os familiares pode auxiliar os profissionais e
contribuir na humanização do cuidado de pacientes e familiares. Investigações
que busquem as formas de utilização das visitas e as características
particulares advindas das especificidades de cada categoria profissional que as
realiza, poderá contribuir com o aprimoramento do trabalho e com a reflexão a
respeito dos impactos alcançados por meio dele.

A implementação das visitas virtuais é de baixo custo para as unidades


de saúde, no entanto a organização de recursos humanos para o trabalho
impacta nas rotinas das instituições e dos profissionais. Em momentos de crise
é preciso valorizar medidas para além das que buscam um de combate direto
do vetor patologizante, dando foco também as medidas de prevenção e de
planejamento das ações de cuidado. O preparo dos profissionais para atuar
nas visitas virtuais contribuem para reduzir o sofrimento de todos os envolvidos
na difícil trama da pandemia.
Referências Bibliográficas

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