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Prof.

ª Ivana Maria Saes Busato


BIOÉTICA
AULA 5
Aluno: ADRIANO DUARTE DE MELO
Email: adrianosnow@gmail.com
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Aluno: ADRIANO DUARTE DE MELO

BIOÉTICA E OS SERVIÇOS DE SAÚDE

A sofisticação tecnológica dos hospitais e dos serviços altamente


especializados tem sido uma das motivações mais evidentes para desenvolver a
bioética (Zoboli; Fortes, 2004, p. 1691). Contudo, a bioética, como ciência global
que busca a ética nas ciências, não pode ser excluída das discussões da atenção
básica, das situações do trabalho em saúde, tampouco das preocupações
macroestruturais da política pública brasileira de saúde. Ela deve ter suas
preocupações para além do nascer e do morrer, como aborto, eutanásia, entre
outros. Nesta aula, estudaremos a questão do viver e suas relações com os
serviços de saúde.
A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos traz, nos arts.
3º e 4º, os princípios para respeitar a dignidade humana, os direitos humanos e a
liberdade individual (Unesco, 2006). Portanto, o cuidar em saúde deve seguir
esses princípios em todos os seus momentos.
As políticas públicas correspondem, principalmente, aos princípios éticos
da justiça distributiva e igualdade com equidade, priorizando as camadas sociais
e pessoas desfavorecidas (Rodrigues; Bedrikow, 2016, p. 479). Nessa
consonância, a legislação brasileira para a política de saúde aponta a saúde como
direito social, especificamente no art. 194, e os arts. 196-200 definem a política
de saúde do Brasil, com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS)
(Brasil, 1988).
Nesta aula, vamos estudar os temas da atenção básica – pilar do SUS –, a
perspectiva do trabalho em saúde e seus aspectos do ponto de vista bioético.
Os serviços hospitalares e a agregação de tecnologia em saúde devem ser
observados pela bioética. Finalizaremos a aula com a proposta da bioética de
proteção para dirimir os conflitos bioéticos em relação à obrigação do Estado em
cuidar da integridade física e patrimonial dos cidadãos.

TEMA 1 – BIOÉTICA E ATENÇÃO BÁSICA

A saúde pública visa proteger a coletividade por meio de ações


consideradas eticamente corretas, que resultam em mais saúde para o maior
número de pessoas (Rodrigues; Bedrikow, 2016, p. 479), tendo como
característica principal intervir no processo saúde-doença utilizando os princípios

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do SUS: equidade, universidade, integralidade, descentralização, hierarquização,


regionalização e participação da comunidade.
O SUS foi instituído pela Constituição Federal de 1988, sendo
regulamentado na Lei Federal n. 8.080/1990, que define as condições para
promover, proteger e recuperar a saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços (Busato; Vidigal; Hack, 2019, p. 11). Zoboli e Fortes (2004) refletem sobre
o desafio de concretizar o SUS, alertando para a necessidade de transpor as
questões de ordem ética vivenciadas nos serviços de saúde, especialmente na
atenção básica, e os autores reforçam que ela não tem sido o principal ponto de
estudos da bioética.
Os desafios éticos da saúde pública são abarcados por determinantes
macro e microssociais: aqueles se vinculam à intersetorialidade e à integração de
diversas políticas públicas, como educação e saneamento; estes, às relações
interdisciplinares, na apropriação do território de abrangência e nas necessidades
da população (Junges; Barbiani, 2013, p. 207).
Para definir e entender o papel da bioética na saúde pública, cabe ressaltar
as preocupações da bioética latino-americana, com suas reflexões na abordagem
da bioética cotidiana, que valoriza a vida digna, e na luta por uma saúde pública
que contraponha a desigualdade social com a desigualdade na saúde
(Barchifontaine; Trindade, 2019, p. 444).

1.1 Atenção básica

O conceito de “atenção básica” ganhou impulso e afirmação mundial depois


da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, feita em 1978
pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em Alma-Ata (Cazaquistão), numa
parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O evento
propôs uma alternativa para organizar os sistemas de saúde num modelo
altamente abrangente, na ideia de saúde para todos e universalização de acesso
(Busato; Vidigal; Hack, 2019, p. 11).
A Política Nacional da Atenção Básica regulamenta esse nível de atenção
no SUS, compondo o Anexo XXII da Portaria de Consolidação n. 2/2017, cuja
definição de “atenção básica” é:

conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que


envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento,
reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em
saúde, desenvolvida por meio de práticas de cuidado integrado e gestão

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qualificada, realizada com equipe multiprofissional e dirigida à população


em território definido, sobre as quais as equipes assumem
responsabilidade sanitária. (Brasil, 2017)

Starfield (2002) aponta que a atenção básica de saúde é a entrada do


sistema de saúde para todas as necessidades e problemas da população, e suas
diretrizes voltam-se ao trabalho em território (Busato, 2017). Conforme Lima e
Yasui (2014), o território é um espaço geográfico com capacidade de potencializar
o cuidado e a atenção à saúde.
O território é o resultado de uma acumulação de situações históricas,
ambientais e sociais, com condições particulares na produção de doenças
(Barcellos et al., 2002). Nessa atenção, as necessidades em saúde e os
problemas éticos decorrem da tentativa de dar resposta a elas, além da relação
entre usuário e profissionais, da interface do território ambiente e dos contextos
socioculturais (Junges; Barbiani, 2013, p. 208).
A bioética na saúde pública se preocupa com a dignidade da vida,
passando pela busca da igualdade social, o que na prática se conquista pela
solidariedade (Barchifontaine; Trindade, 2019, p. 444).

A bioética, na sua vertente intervencionista, preconiza como moralmente


justificável, na esfera pública, a priorização de políticas que privilegiem
o maior número de pessoas, por maior tempo possível, e que resultem
no bem comum, ou seja, nas melhores consequências para toda a
coletividade. (Rodrigues; Bedrikow, 2016, p. 479)

A bioética de intervenção apresenta propostas para concretizar os direitos


da população marginalizada pelo seu estado de pobreza e exclusão, pelas
dificuldades de acesso aos serviços de saúde, pelo abandono social associado à
excessiva concentração de renda e pela restrição de sua liberdade primária –
condições que ilustram a estratificação social dos países periféricos (Fagundes
et al., 2007, p. 223).

TEMA 2 – TRABALHO E SAÚDE: CONFLITOS BIOÉTICOS

O trabalho é o meio de sustento pessoal e familiar, devendo ser fonte de


satisfação. Porém, no complexo contexto saúde-doença, é espaço com alto
potencial de gerar sofrimento (Fachini; Scrigni; Lima, 2017, p. 118), e com esse
sofrimento podem surgir dilemas bioéticos.
A Revolução Industrial promoveu o desenvolvimento científico e
tecnológico, trazendo profundas transformações sociais (Oguisso; Schmidt,

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2012), intensificando a exploração de mão de obra e alienando o trabalhador


perante seu ofício ao ir trabalhar na indústria (Oliveira, 2004).
O trabalho ocupa papel central na sociedade, e o trabalho em saúde é
sempre feito coletivamente, em equipes multidisciplinares. Lins e Vasconcelos
(2015) correlacionam a importância da bioética para identificar problemas
persistentes e emergentes no mundo do trabalho. Na área da saúde, temos várias
vertentes de reflexões bioéticas no processo de trabalho: avanços tecnológicos,
pressão de demanda, precarização do trabalho, dimensionamento de recursos
humanos etc.
No trabalho em saúde, o conceito de sofrimento moral tem sido estudado
pela bioética. Trata-se de sentimentos dolorosos e distúrbios psicológicos que
resultam de uma ação baseada na ética, em que o trabalhador em saúde é
impedido de agir adequadamente devido a obstáculos como falta de tempo,
autoridade, estrutura, política institucional restritiva, ou ainda estatuto legal
(Corley et al., 2001).
Para equacionar os conflitos do trabalho em saúde, recorremos à bioética
como disciplina que condensa a ideia de uma ética aplicada, na medida em que
propõe reflexões acerca de valores humanos relacionados ao “fazer” em saúde
(Oliveira; Ayres; Zoboli, 2011, p. 365). Com as propostas de reflexão da bioética,
podemos traçar relações laborais mais harmoniosas, pautadas no diálogo, no
respeito ao outro e a seu trabalho, e na mediação de conflitos (Nascimento;
Daibem; Anjos, 2019, p. 674).
Em linhas gerais, a bioética está cada vez mais presente na rotina das
instituições de saúde, em associação com a humanização que melhora o
atendimento aos pacientes e com as condições de trabalho (Stigar et al., 2017).
Diante de profissionais de saúde na linha de frente de serviços de alta
complexidade, convivendo com diversos dilemas, a bioética propõe o “cuidado do
cuidador” para diminuir o sofrimento moral em profissionais de saúde que
trabalham em UTI. Essa foi a conclusão de um estudo com profissionais de uma
UTI pediátrica, cujos autores indicam a necessidade do apoio entre os pares, o
compartilhamento de experiências e responsabilidades que diminuirão o
sofrimento moral (Fachini; Scrigni; Lima, 2017, p. 119).
O objetivo dessa discussão pela bioética visa reduzir a intensidade e a
incidência de sofrimento moral, buscando minimizar suas consequências na

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saúde do prestador de cuidados, pacientes e sistema de saúde (Victorino; Wilson,


2020).

2.1 Dilemas complexos para trabalhadores

A seleção de trabalhadores vem se aprimorando ao longo dos tempos; a


Revolução Industrial priorizava a capacidade laboral e técnica, e isso já habilitava
os profissionais ao emprego. Desde então, a seleção de profissionais se torna
cada mais excludente, exigindo entrevistas, jogos, dinâmicas de grupo,
diversificação e estratégias em etapas.
Hoje o recrutamento e a seleção se ampliaram, indo além do mero
preenchimento de vagas. Conforme Ferreira e Vargas (2014), hoje as empresas
selecionam candidatos que completam suas necessidades, agregando valor ao
seu conhecimento, enriquecendo o quadro de colaboradores. Mas será que é
aceitável utilizar mapeamento genético e traçar perfis genéticos para selecionar
trabalhadores?
Ossege e Garrafa (2015) estudaram os problemas do mapeamento
genético de trabalhadores, apontando, em primeiro ponto, a obrigatoriedade do
consentimento do trabalhador. Deve-se ressaltar também outros princípios, como
a vulnerabilidade do trabalhador nas relações de trabalho, a confidencialidade das
informações, a não discriminação e não estigmatização, entre outros.
Os mesmos autores ressaltam que o mapeamento genético de
trabalhadores ocorre somente “por ações de inclusão e acolhimento do
empregado no processo de trabalho. O direcionamento ético defensável desse
procedimento somente poderá ser admitido se a utilização do conhecimento for
empregada em prol do trabalhador e não como forma de exclusão e
discriminação” (p. 228).
A pandemia do coronavírus desvendou diversos dilemas bioéticos: a
possibilidade de contagiar a si mesmo e familiares; a falta de tratamento; a
fragilidade que envolve o cuidar das pessoas; a obrigatoriedade ética de exercer
a profissão; a necessidade de manter os serviços de saúde abertos etc. Tudo isso
trouxe à tona valores divergentes entre pessoas, mudanças nas relações
pessoais, além de problemas éticos que a bioética pode ajudar a resolver.
Ainda não temos publicações a respeito, mas já sabemos que a pandemia
do coronavírus trará grandes mudanças aos profissionais de saúde e, conforme
Maciel e Nogaro (2019), os dilemas bioéticos da atuação profissional em saúde

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devem se pautar no conhecimento dos temas para se chegar a soluções


adequadas.

TEMA 3 – BIOÉTICA HOSPITALAR

O hospital é uma organização que presta serviços, integra um setor da


atividade econômica e incorpora algumas características empresariais em sua
estruturação; contudo, lida com a vida de pessoas (Anunciaçâo; Zoboli, 2008). A
sofisticação tecnológica dos hospitais e dos serviços altamente especializados
tem sido a principal preocupação da bioética, em contraponto à atenção básica
em saúde (Zoboli; Fortes, 2004, p. 1691).
O hospital, mesmo tendo elementos tecnológicos, materiais, humanos e
financeiros em sua estrutura (específicos do modelo empresarial), deve incorporar
e exteriorizar uma dimensão ética no compromisso primordial com o bem-estar e
com a vida das pessoas (Anunciação; Zoboli, 2008, p. 527). Por isso iniciamos as
discussões sobre bioética hospitalar com as reflexões da finitude da vida, serviços
de UTI, cuidados paliativos, emergências e agregação de tecnologia. Controlar e
aliviar a dor e o sofrimento é competência e responsabilidade ética fundamental
dos profissionais da saúde, vindo daí seu dever ético, para valorizar o paradigma
do cuidar além do curar, sem mencionar a polêmica questão da ortotanásia, em
busca de um final de vida sem dor ou sofrimento, mas em paz e com dignidade
(Pessini, 2016).
Cogo et al. (2016), estudando as dificuldades e limitações relacionadas à
implementação das Diretivas Antecipadas de Vontade no contexto hospitalar,
revelaram que os conflitos e dilemas relacionados às questões de final de vida
não têm respeitado os desejos dos pacientes e familiares.
A UTI é uma unidade especial de cuidados críticos que interna pacientes
com possibilidade de cura e recupera a saúde de pessoas em situação crítica.
Contudo, cabe ressaltar que não podemos promover a obstinação terapêutica
(distanásia) e adiar o inevitável, acrescentando somente mais sofrimento e vida
quantitativa do que qualidade de vida; daí as principais reflexões bioéticas nesse
nível de cuidado (Pessini, 2016).

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3.1 Comitês de bioética em hospitais

Os comitês de bioética se originam dos comitês de casos judiciais


paradigmáticos que mobilizaram a opinião pública dos Estados Unidos, em
decisões que buscavam alinhar os avanços na saúde e os critérios de escolha dos
beneficiários, contrapondo condutas indicadas em casos clínicos limite (Marinho
et al., 2014, p. 106).
Conforme Goldim e Francisconi (1995), o primeiro comitê de bioética
brasileiro foi o do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em novembro de 1993,
seguido por outras instituições: Universidade de Londrina, o Hospital São Lucas,
da PUC-RS, e o Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo.
O hospital é uma entidade ética vivente e deve atuar como agente moral
consciente, explícito, sensível, presente na sociedade com uma atitude de zelo
pela saúde e pelo bem-estar das pessoas, devendo promover a ética
compartilhada entre seus colaboradores (Anunciação; Zoboli, 2008, p. 528); vem
dessa necessidade um dos principais objetivos dos comitês de bioética. Essa
estrutura ganhou força com o apoio da Associação Médica Americana (AMA) e da
exigência no Manual de acreditação para hospitais (1992), da Joint Commission
on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO). Em 2005, foi proclamada
a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, que recomenda a
criação e o apoio aos comitês, tanto para pesquisas com seres humanos como
para problemas éticos em contextos clínicos (Marinho et al., 2014, p. 107). A
Recomendação do Conselho Federal de Medicina n. 8/2015 delibera a criação, o
funcionamento e a participação dos médicos nos comitês de bioética, apoiando
sua implantação nos serviços hospitalares.
Marinho et al. (2014, p. 113) concluem que as comissões têm sido uma
ferramenta útil para encaminhar casos que exigem avaliação ética, ao possibilitar
abordá-los de maneira mais rica, pela ampla discussão que lhes é característica,
identificando e conduzindo dilemas éticos tanto para os envolvidos no ambiente
hospitalar (pacientes, família e profissionais) quanto para a sociedade em geral.
As comissões de bioética não têm função deontológica, como julgar ou
punir profissionais; seu maior princípio é respeitar a dignidade humana diante dos
elementos intra-hospitalares e seus envolvidos (Abreu, 2018).

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TEMA 4 – BIOÉTICA E A TECNOLOGIA EM SAÚDE

A evolução da tecnologia biomédica também provoca conflitos bioéticos. A


rapidez do progresso tecnocientífico modifica valores e normas, cria novas
necessidades e traz discordâncias entre profissionais de saúde, tanto entre
colegas quanto entre pacientes e familiares (Malagutti, 2007).
A tecnologia impõe que os empregados usem novas ferramentas laborais
e aperfeiçoem seu trabalho, o que também muda a gestão do trabalho (Ossege;
Garrafa, 2015, p. 228). Essas alterações constroem barreiras entre as profissões,
produzem conflitos, iniquidades de acesso e diferenças entre serviços de saúde.
Nesse contexto, a bioética pode ajudar na sua identificação, reflexão e discussão
ampliada, envolvendo a formação profissional e sua capacitação, instituições e
representações.
A reprodução humana assistida é uma importante tecnologia no
planejamento familiar. Um estudo sobre esse acesso revelou que o “direito de
acesso presente nos documentos oficiais é excludente, restritivo e moralmente
induzido por uma categoria profissional e suas arbitrariedades” (Medeiros; Verdi,
2010, p. 3137). Essa conclusão contrapõe os princípios bioéticos emanados da
Declaração Universal sobre a Bioética e Direitos Humanos, mostrando que não
adianta ter tecnologia se ela não for para todos, com o princípio da justiça,
igualdade e equidade (art. 10) (Unesco, 2006).
O art. 24 da Declaração indica a cooperação internacional entre as nações
para difundir a informação científica e encorajar a livre circulação e a partilha de
conhecimentos científicos e tecnológicos (Unesco, 2006), na tentativa de evitar
que a utilização excessiva de tecnologia sofisticada desumanize a prestação de
cuidados de saúde pelo seu uso desproporcional e abusivo.
Toscas e Toscas (2015) propõem uma racionalização no uso das
tecnologias e uma avaliação adequada de sua necessidade. Eles também
destacam o papel dos profissionais de saúde, sobre estarem dispostos a renunciar
ao uso injustificado de inovações tecnológicas se não houver evidências clínicas
de sua efetividade.
Nesse campo, o uso indiscriminado de tecnologias pode provocar o
sobrediagnóstico que, no estudo dos autores, tem “claras implicações nos
princípios de justiça, beneficência e não maleficência” (p. 539). A engenharia
clínica deve contribuir para tornar os serviços de diagnóstico mais seguros à

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tomada de decisão, priorizando sempre o bem-estar e a segurança do ser humano


e da coletividade, em conjunto com a categoria médica.
A bioética é apta a ponderar sobre os avanços tecnológicos e suas
possibilidades de interferência na vida das pessoas e do planeta, oferecendo
metodologias e procedimentos que possibilitem uma análise multifacetada no
manejo de conflitos que envolvem valores humanos, ciências e técnicas aplicadas
à vida (Oliveira; Ayres; Zoboli, 2011, p. 365).

TEMA 5 – BIOÉTICA DE PROTEÇÃO

O princípio de proteção vem da obrigação do Estado em cuidar da


integridade física e patrimonial dos cidadãos. Entenda por “proteção” a atitude de
dar resguardo ou cobertura às necessidades essenciais humanas, que devem ser
satisfeitas em nome do bem-estar da população (Schramm; Kottow, 2001). Nesse
contexto, a bioética de proteção é uma ética da responsabilidade social, em que
o Estado deve assumir suas obrigações sanitárias para com a população
(Schramm; Kottow, 2001).
Oliveira, Villapouca e Barroso (2006), ao pesquisarem a perspectiva
epistemológica da bioética brasileira, abordam o princípio da proteção nesse ramo
da bioética, fundamentado no papel mais elementar do Estado. Schramm e
Kottow (2001, p. 954) sugerem políticas embasadas “num princípio de proteção
que seria mais adequado aos propósitos de uma ética para a saúde pública,
permitindo identificar claramente os objetivos e atores implicados em uma
implementação de políticas estatais moralmente corretas e pragmaticamente mais
efetivas”.
Schramm (2017, p. 1537) destaca que o Estado moderno,

só tem legitimidade se tiver a competência de oferecer uma proteção


adequada a seus cidadãos, mesmo quando esses decidam, por boas
razões, não aceitar tal proteção. De fato, nesse caso, os interesses do
bem comum podem tornar legítimas as medidas compulsórias que
limitam a liberdade individual e que, se não foram acatadas, podem
implicar em sanções para com os transgressores.

Na pandemia do coronavírus de 2020, uma das medidas que os países


adotaram para prevenir o adoecimento das pessoas e o colapso do sistema de
saúde foi imprimir o isolamento social, vertical e horizontal, em detrimento da
economia, utilizando claramente a bioética de proteção para efetivar essa decisão.
Fagundes et al. (2007) já destacavam a importância do papel regulador do Estado,

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com base na bioética de intervenção e visando proteger a sociedade. Os autores


estudaram a função da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na
fiscalização da propaganda de medicamentos que reforçavam medidas concretas
com base na ética da proteção (para beneficiar a sociedade) e na bioética de
intervenção (que justifica o papel qualitativo e controlador do Estado). Essa
reflexão é pertinente em relação às medidas para combater o coronavírus em
2020.

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REFERÊNCIAS

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