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Reflexões sobre a educação em saúde como uma possibilidade de apoiar

transformações em nossa sociedade


Eliana Goldfarb Cyrino
FMB/UNESP/2023

Segundo a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável das nações unidas, de


2015, para promover a saúde e aumentar a expectativa de vida para todos, devemos
requerer a cobertura universal de saúde e acesso a cuidados de saúde de qualidade,
com o compromisso de redução da mortalidade neonatal, infantil e materna e
viabilizar o fim das mortes evitáveis antes de 2030 (Nações Unidas, 2015). Devemos
estar comprometidos com a promoção da saúde, a prevenção e o tratamento de
doenças transmissíveis e não transmissíveis, com problemas de desenvolvimento,
psicossociais e neurológicos que persistem como um grande desafio para o
desenvolvimento sustentável.
O Sistema Único de Saúde (SUS) presenciou entre 2020 e 2021 um dos maiores
desafios desde a sua criação em 1988. No contexto da atenção primária em saúde
(APS), por representar a porta de entrada do sistema e o local de maior atendimento
da população, esses desafios foram ainda maiores. A pandemia na “perspectiva
sindêmica” (Lollas, 2020) considera suas consequências nos níveis social, econômico,
político e psicológico. Isso significa uma alteração da ordem social. Consideramos o
termo sindemia como aquele que implica em uma rede complexa de determinantes
sociais e ambientais que causam e ampliam efeitos negativos de interações entre
doenças (Wenham, 2020).

Com a intensificação da desigualdade social e da miséria nos últimos anos, os


processos de saúde-doença tornaram-se extremamente díspares dentre as distintas
classes sociais (SHAH et al., 2020). Em um país com profunda desigualdade social
como o Brasil, determinados grupos e comunidades são submetidos a maiores
vulnerabilidades em relação ao processo saúde-doença, tal como testemunhado na
pandemia de 2020 (COSTA, 2020). O papel da Atenção Primária à Saúde (APS) é
estruturante nesse momento (ALVES, 2020; NEDEL, 2020). A APS no Sistema Único de
Saúde (SUS) está presente em quase a totalidade dos municípios brasileiros,
refletindo a potência e a extensão desse nível de atenção. A APS pode responder com
a máxima efetividade e responsabilidade à realidade. Devemos enfatizar o papel das
vacinas, frente a desinformação sobre a COVID-19 e as teorias da conspiração,
entendendo as opiniões da comunidade e definindo estratégias adequadas para
evitar a falta de confiança nas vacinas.

Assim, se faz necessário, entre outros atributos fundamentais, investirmos nas


ações e atividades direcionadas a educação em saúde nas redes de atenção à saúde
e na formação dos profissionais de saúde, valorizando a educação e o trabalho
interprofissional.
Para o Ministério da Saúde (2012) a educação em saúde é definida como: um
“Conjunto de práticas do setor que contribui para aumentar a autonomia das
pessoas no seu cuidado e no debate com os profissionais e os gestores a fim de
alcançar uma atenção à saúde de acordo com suas necessidades... A educação em
saúde potencializa o exercício do controle social sobre as políticas e os serviços de
saúde para que esses respondam às necessidades da população. A educação em
saúde deve contribuir para o incentivo à gestão social da saúde” (p18 e 19).
Para Falkenberg e colaboradores (2014) “A educação em saúde como processo
político pedagógico requer o desenvolvimento de um pensar crítico e reflexivo,
permitindo desvelar a realidade e propor ações transformadoras que levem o
indivíduo à sua autonomia e emancipação como sujeito histórico e social, capaz de
propor e opinar nas decisões de saúde para cuidar de si, de sua família e de sua
coletividade” (p. 849).
Assim podemos afirmar que embora “as práticas de educação em saúde são
inerentes ao trabalho em saúde, muitas vezes estão relegadas a um segundo plano
no planejamento e organização dos serviços, na execução das ações de cuidado e
na própria gestão” (p.849).
A educação em saúde não se limita “à prevenção de doenças, mas amplia-se para a
esfera dos direitos e da construção da cidadania, procurando discutir as raízes dos
problemas de saúde nos moldes de um processo político e dialógico que possibilite
a reflexão sobre a realidade social e a sua transformação” (Trapé, 2007). O
pressuposto para sua realização é sua inserção no processo de mudança das
práticas sanitárias voltadas para a efetivação do SUS, compreendendo-se que a
formação de profissionais da saúde deve pautar-se no entendimento de que saúde é
um processo de trabalho coletivo, do qual resulta como produto, a prestação de
cuidados de saúde (Santana, 1977). O cuidado é aqui compreendido como “saber
ouvir e falar com atenção e respeito à vida humana, não só no sentido do
atendimento ao usuário” (Ferreira, 2008), não só na cura da doença, mas também
na participação do planejamento e avaliação do serviço ofertado, do
empoderamento e maior autonomia da comunidade. Assim, reafirmamos que o
objetivo final do sistema de formação de profissionais para a saúde não é formar
profissionais, mas melhorar a saúde da população.
REFERÊNCIAS
I. ALVES, MTG. Reflexões sobre o papel da Atenção Primária à Saúde na
pandemia de COVID-19. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2020;15(42):2496.
II. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília:
Ministério da Saúde, 2012.
III. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria de Gestão do
Trabalho e da Educação na Saúde. Glossário temático: gestão do trabalho e
da educação na saúde / Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Secretaria
de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. – 2. ed. – Brasília : Ministério
da Saúde, 2012. 44 p.
IV. COSTA, M. F. Modelo de crença em saúde para determinantes de risco para
contaminação por coronavírus. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 54, p.
1-12, 2020.
V. FALKENBERG MB ET AL. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos
e implicações para a saúde coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, 19(3):847-852,
2014.
VI. FERREIRA, MLM; COTTA, RMM; OLIVEIRA, MS. Reconstrução teórica do
cuidado para as práticas de saúde: um olhar a partir da produção de alunos
de curso de especialização a distância. Rev. bras. educ. med., Set 2008, vol32,
n3, p291-300.
VII. LOLAS Stepke F.Perspectivas bioéticas en un mundo en sindemia. Acta
bioethica Agencia Nacional de Investigacion y Desarrollo (ANID); 2020
May;26(1):7–8.
VIII. NAÇOES UNIDAS, 2015. Retirado e modificado de : https://brasil.un.org/pt-
br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustent%C3%A1vel
IX. NEDEL FB. Enfrentando a COVID-19: APS forte agora mais que nunca! APS EM
REVISTA [Internet]. Lepidus Tecnologia; 2020 Apr 15;2(1)
X. SANTANA, J. P.(org) Desenvolvimento gerencial de unidades básicas do
Sistema Único de Saúde (SUS) Brasília: Org. Pan-Americana da Saúde, 1977.
XI. SHAH, G. H. et al. The detrimental impact of the COVID-19 crisis on health
equity and social determinants of health. Journal of Public Health
Management and Practice, Hagerstown, v. 26, n. 4, p. 317-319, 2020.
XII. TRAPÉ, CA; SOARES, AB. A prática educativa dos agentes comunitários de
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vol. 15, no. 1, pp. 142-149.
XIII. WENHAM C, LOTTA G, PIMENTA D. Mosquitos e Covid-19 são uma bomba-
relógio para a América Latina. LSE Latin America and Caribbean Blog; 2020
Abril 6. https://blogs.lse.ac.uk/latamcaribbean/2020/04/06/ mosquitos-e-
covid-19-sao-uma-bomba-relogio-para-a-america-latina/

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