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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIA JURÍDICAS E ECONÔMICAS

FACULDADE NACIONAL DE DIREITO

BEATRIZ NERI CARDOSO

TURMA C

RESENHA CRÍTICA DOS CAPÍTULOS 3 E 4 DA OBRA “ELIZABETH


COSTELLO” E DO EPISÓDIO Nº 6 DO PODCAST ABSTRATAMENTE

RIO DE JANEIRO

2021
I - INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar a obra do sul africano John Maxwell Coetzee,
responsável por desenvolver a narrativa de ficção que aborda a vida da personagem
Elizabeth Costello.
Além disso, abordar-se-á o episódio nº 6 do podcast “Abstratamente”, que trata
sobre a necessidade de reforma das disposições legais que versam sobre o direito dos
animais não humanos, bem como o Projeto de Lei nº 6.054, de 2019, que, atualmente,
segue em tramitação no Congresso Nacional.

II – DA OBRA DE COETZEE

Os capítulos em comento versam sobre os direitos dos animais. Coetzee narra


que a escritora Elizabeth Costello é convidada pelo fictício Appleton College para
proferir a Palestra Gates. Em sua palestra, a famosa escritora não aborda temas ligados a
literatura, como era esperado, mas prefere discutir sobre os direitos dos animais. As
falas de Costello têm como finalidade denunciar o tratamento dispensado aos animais,
descrevendo os horrores vividos nas fazendas, nos abatedouros, nos zoológicos, etc.
A fictícia autora apresenta uma analogia comparando as condições degradantes
em que os animais são submetidos com a crueldade e matança vivida no Terceiro Reich.
Para ela, não há diferenças entre o sofrimento humano e o sofrimento animal, porquanto
o que nos permite desrespeitá-los e maltrata-los é a sensação de “superioridade”, por
serem seres desprovidos de alma e razão.
Seu propósito é demonstrar que:

“(…) estamos cercados por uma empresa de degradação, crueldade e morte que rivaliza
com qualquer coisa que o Terceiro Reich tenha sido capaz de fazer, que na verdade
supera o que ele fez, porque em nosso caso trata-se de uma empresa interminável, que
se auto-reproduz, trazendo incessantemente ao mundo coelhos, ratos, aves e gado com o
propósito de matá-los (COETZEE, 2002, p. 26-27)”.
Indo além, Costello critica os velhos filósofos, pois defendem que a estrutura da
filosofia é a razão e o que distingue o homem dos demais seres humanos, o que torna o
ser humano superior é sua capacidade de pensar. A razão, portanto, seria a justificativa
para a exclusão dos demais animais, uma exclusão que busca excluir o pathos (a
sensibilidade).
Costello afirma que a razão “não é a essência do universo, nem a essência de
Deus. Ao contrário, e de forma bem questionável, a razão parece ser a essência do
pensamento humano; pior ainda, a essência de apenas uma tendência do pensamento
humano” (COETZEE, 2002, p. 29). A condição humana, marcada principalmente pela
razão, isto é, pela subjetividade moral e jurídica, é o que classifica e segrega animais
não humanos, se apresentando como fundamento para o tratamento a eles dispensado.
Considera-se apenas a razão, ignorando o sofrimento.
Por considerarmos seres inferiores, escolhemos não saber o motivo pelo qual os
julgamos irracionais, o que legitima nosso poder sobre eles.

III – DO EPISÓDIO Nº 6 DO POADCAST ABSTRATAMENTE

Nesse episódio, discutiu-se o artigo “Bentham and the Famous Footnote”, de


Randall Otto, publicado na revista Between the Species, v. 23, i. 1, de 2020. A questão
examinada é a relação entre Bentham e a Ética Animal. Para Otto, Bentham é entendido
como defensor do direito dos animais, no entanto, não era particularmente ligado à
discussão travada na ética animal.
Ao contrário do que se pensa, Bentham entende não haver problema moral no
abate de animais para alimentação humana. Isso porque a vida de um animal não
humano não teria a mesma relevância que a vida de uma animal humano. Por isso, Otto
afirma a necessidade da leitura integral da nota de rodapé, que indica a verdadeira
posição de Benthan: o abate de animais sem crueldade.

IV – DO PROJETO DE LEI Nº 6.054/2019

O Projeto de Lei nº 6.054/2019, de autoria dos deputado federais Ricardo Izar e


Weliton Prado (PROS/MG), ficou conhecido como Projeto de Lei Animais Não São
Coisas. Esse projeto busca alterar o Código Civil para dispor sobre a natureza jurídica
dos animais não humanos, devendo ser reconhecida sua natureza sui generis.
A natureza sui generis possibilita o reconhecimento dos direitos dos animais,
que poderão ser representados a fim de obter tutela judicial, em prol de defender
direitos, podendo, enfim, punir agressores.
Afirmar que os animais possuem natureza jurídica sui generis significa
reconhecer que os animais não são como humanos, nem são coisas, dado o
reconhecimento que possuem "natureza biológica e emocional e são seres sencientes,
passíveis de sofrimento" (artigo 2º, III, do PL).
Importante destacar que os animais utilizados na agropecuária, em pesquisas
científicas e que participem de manifestações culturais registrada como bem de natureza
imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro são excluídos da tutela jurídica
proposta no projeto. Conclui-se, portanto, que os animais domésticos serão os
beneficiados pela mudança legislativa.
Deve-se atentar, portanto no parágrafo que passa a permitir o uso e a disposição
de animais na experimentação animal, na agropecuária e nas manifestações ditas
"culturais" e a retirar-lhes o direito de acesso ao Judiciário, de modo a beneficiar de
modo inédito e inconstitucional os respectivos setores econômicos que se utilizam
desses animais, em violação de seus direitos fundamentais e dos próprios valores
democráticos ao enfraquecer a proteção constitucional que veda a submissão de animais
à crueldade e que reconhece todos os animais como sujeitos de direitos.

V – CONCLUSÃO

A primeira vista, pode-se parecer que o projeto de lei animais não são coisas é
de grande importância para os direitos dos animais. No entanto, causa maior
desproteção legal dos animais e grande retrocesso ao reconhecimento de direitos de
animais verificados na seara do Poder Judiciário. Muito pelo contrário, o PL não inova
no sentido protetivo, pois a jurisprudência já estava consolidada no sentido de
reconhecer a dignidade do animal e a necessidade de sua proteção, mas promove
retrocesso ao permitir práticas cruéis com animais não domésticos.
REFERÊNCIAS

COETZEE, John M. Elizabeth Costello. São Paulo. Editora Perspectiva, 2007.

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