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TEXTO NARRATIVO
1.Narrativa
Conceitos operatórios
Para Genette (1972:71-71) apud Reis & Lopes (1988-271) o termo narrativa pode
ser entendido de diversas acepções: narrativa enquanto enunciado, narrativa como
conjunto de conteúdos apresentados por esse enunciado, narrativa como acto de
relatar.
-Um acontecimento: não aquele que se conta, mas aquele que consiste em que
alguém conte alguma coisa.
2. Análise da Diegese
2.1 Diegese
Genette na sua obra Figures III, utiliza o termo diegese como sinónimo de história.
Posteriormente o autor considera preferível reservar o termo para designar o
universo espácio-temporal no qual se desenrola a história. (Reis & Lopes,
1988:107)
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-Os estruturalistas franceses divulgaram esta palavra de origem grega para referir
um conjunto de acções que formam uma história narrada segundo certos princípios
cronológicos;
TEXTO A
Namanhumbir
Range primeiro a porta do Saíde, e sai por ela, magro, fechado numa roupa
vermelha da cor da terra, calcões rasgados, picareta em punho, um vulto que se
perde cinco ou seis passos depois.
A Fátima, sempre com aquele ar de quem vai vender aquela gostosa carne de
cabrito preparada ao modo do país vizinho, sai quando o relógio de Nanhupo, longe
e soturnamente, bate as onze. Aparece no patamar como se nada fosse, toma altura
às estrelas, se as há, e some-se na negrura como os outros.
O Alex, esse levanta o gravelho, abre, senta-se num banco improvisado da casa,
acomoda o coto da perna da melhor maneira que pode, e fica horas a fio a seguir na
escuridão o destino de um que lhe dói. Era o rei de Nhamanhumbir. Morto o Alberto
nas Pedras, herdou-lhe o guião. Mas um dia a polícia agarrou-o com a boca na
botija, e foi só uma perna varada e as tripas do macho a mostra. Quando, naquele
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estado, entraram ambos em Nhamanhumbir, ele e o animal, parecia que o mundo se
ia acabar ali. Mas tinha o filho, o João. E agora, enquanto o rapaz, como os mais, se
perde nos caminhos da noite, vai-lhe seguindo os passos da soleira da porta.
Saem outros, ainda. Devagar, pelas horas a cabo, os que parece terem-se
esquecido, vão deslizando da toca. Só mesmo usando não existe mais corpo adulto
e válido no povo é que Namanhumbir sossega.
Coisa estranha: esta rarefação que se faz na aldeia, longe de a esvaziar, enche-a. A
terra veste-se de um sentido novo, assim deserta, a espera. Pequenina, de casas
iguais e rudimentares, feitas de estacas, bambus, cobertas de capim, maticadas de
terra vermelha da cor dos garimpeiros.
Noventa vezes em cada cem, é a Fátima. Aquilo são os pés de veludo! Mas às
vezes é o Paulo. Sempre de nariz no ar a bater as pestanas contra a luz da
lamparina, feita de uma lata e resto de tecido encontrados algures nas imediações
das barracas de Nanhupo, entra em casa, vermelho da lama da terra, alagado em
água e com um bafo de tanto consumir Zed ou nipa, bebida que fortalece para esta
dura missão.
-Arruma! A jovem nem suspira. Pega no saco, mete-o debaixo da cama, Por fim,
começa:
-O Saíde?
-O chumbo. Já passou.
- O Sualé?
-O António?
-Foi a Montepuez. Volta amanha.
-A Fátima?
- Ao sair do garimpo parecia um bombo. E enquanto a maçã-de-adão sobe e desce
no pescoço comprido do Paulo, do ventre da noite, diante do olhar angustiado da
Teresa e de Namanhumbir, vão surgindo os que faltam ainda: o Luís, o Leão e o
Januário.
Quando algum não regressa, e por lá fica varado pela bola de uma lei que
Namanhumbir não pode compreender, o coração da aldeia estremece, mas não
hesita. Desde que o mundo é mundo que toda gente que ali governa a vida na
lavoura que a terra permite. E, com luto na alma ou no casaco, mal a noite escurece,
continua a faina. A vida está acima das desgraças e dos códigos. Demais, diante
das fatalidades a que a povoação está condenada, a própria polícia acaba por
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descer da sua missão hirta e fria na escuridão das horas. E se por acaso se juntam
na venda do Inácio uns e outros-polícias contrabandistas - fala-se, honradamente da
melhor maneira de ganhar o pão: se por conta do estado a vigiar a mina, se por
conta da Vida a passar a mina.
Desses saltos no quotidiano de Namanhimbir, o pior foi o que se deu com a vinda do
Cipriano.
Já la vão anos. O rapaz era de Boane, acostumado a sua terra; uma junta de bois,
grandes plantações de banana, laranja, couve, cebola, celeiro da cidade de Maputo.
Além disso, novo no ofício – na polícia, recém-formado na academia policial com
muita teoria e regras por fazer cumprir, para onde entrara em nome dessa mesma
terrosa realidade: um ordenado certo e a reforma por inteiro. Dai que lhe parecesse
o chão de Namanhumbir movediço sob os pés. Mal chegou e se foi apresentar ao
posto, deu uma volta pela aldeia. E naquelas casas na extrema pureza de uma toca
humana, e aqueles seres deitados ao sol como esquecidos da vida, transtornaram-
lhe o entendimento.
-Não. Aqui, a terra, ao lado, ao todo, produz a bica de água na fonte. O resto vão-no
buscar a Nanhupo.
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Mas nem assim o Cipriano entendeu Namahumbir e o seu destino. No dia seguinte,
pela mina fora, parecia um cão a guardar. Que o dever acima de tudo, que mais isto,
que mais aquilo – sítio que rondasse, sítio excomungado. Até as ervas falavam
quando qualquer as pisava de saco na cabeça. Mal a sua ladradela de castro-
laboreiro se ouvia, ou se parava logo, ou nem Deus do céu valia a um homem. Em
quinze dias foram oito tiros no peito de Rafael, um par de coronhadas no Sérgio, e
ao Morais teve-o mesmo por um triz. Se não do um torcegão no pé quando
apontava, varava a cabeça do infeliz de lado a lado. A bala passou-lhe a menos de
meio-palmo das fontes.
Mas Namahumbir tinha de vencer. Primeiro, porque o coração dos homens, por mais
duro que seja, tem sempre um ponto fraco por onde lhe entra a ternura; segundo,
porque o diabo põe e Deus dispõe.
Foi assim:
-Gosto muito de ti, tudo o mais, mas se te encontro a passar pedras e não paras,
atiro como a outro qualquer.
A Fátima riu-se.
-Palavra?!
-A mim?!!!
-A minha mãe, que fosse…
Desprenderam-se dos braços um do outro melancolicamente. E quando no dia
seguinte o Cipriano voltou a cabana tinha a porta fechada.
Como a vida em Namanhumbir é de noite que se vive, e o Cipriano era todo senhor
do seu nariz, puderam decorrer meses sem o rapaz pôr os olhos sequer na rapariga.
Ela passava a mina como podia, e ele guardava a mina como podia.
Namanhumbir olhava.
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E até o natal a vida deslizando assim.
Chovia. Um calor tal que humedecia toda a gente. Visto dentro da capa de oleado, o
mundo parecia uma coisa irreal, alva, inefável como um sonho. O céu estava ainda
mais silencioso e mais alto que de costume. Em qualquer parte do Cipriano, sem ele
querer, diluía-se na magia que enluarava tudo. Em Boane, numa noite assim… pena
a Fátima ter-lhe saído contrabandista…tê-la encontrado numa terra daquelas…
senão, mais tarde, quando tivesse a reforma… até mesmo agora…
Mas como por detrás do homem o polícia continuava alerta, mal acabava de pisar
aquele caminho sem pedras, já o seu ouvido de cão da noite lhe trazia a consciência
um rumor de passos só pressentidos.
Acordou inteiro.
Quem diabo seria? O Saul? O Saul, não; olha o Saul meter-se naquela mata! O
Salvador? O Salvador também não. Era mais atarracado. Só se fosse o Jorge…sim,
porque o Castro, que tinha o mesmo corpo, estava em Metoro, no namoro. Vira-o
passar…
A pessoa que vinha caminhava sempre, direita como um fuso ao cano da carabina.
Tchap…tchap…
Todo gelado por fora, mas quente de emoção que lhe dava sempre qualquer alma
em direcção a mina, o Cipriano esperou. E quando os passos se agudizaram na
folhagem, a mola tensa estalou:
-Alto!
Mas o gume da palavra de comando não conseguiu cortar se quer o ruido da mata.
A sensação que teve ao gritar foi a de baque amortecido. Uma espécie de tiro a
queima-roupa.
Repetiu:
-Alto!
Uma voz cansada entrou-lhe no coração.
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-Sou eu…
-Tu?!
-Sou. Mas nem trago pedra, nem me posso demorar.
-Tu?!
-Eu mesmo. E já que não trago contrabando, nem me posso demorar.
Se ele não fosse o Cipriano, cego e frio dentro da função, o que lhe apetecia era
tomar os braços aquele corpo amado e rebelde. Mas era o Cipriano polícia, a
guardar. Por isso fez arrefecer nas veias a fogueira que o escaldava e estacou o
primeiro passo de vulto com nova ordem.
-Alto, já disse!
Docemente, numa carícia estranha para os seus ouvidos, quem passava falou:
-Não berre, que não vale a pena. Este volume todo – é pessoa. A intenção era boa,
era …mas de repente, em Nanhupo começaram-me as apertar as dores …se não
apertasse as pernas com quanta força tinha, nascia-me o rapaz machangana.
Querias?
- A mim não me enganas tu. Bandida! No posto eu te direi se isso é pessoa, ou são
pedras escondidas em plásticos de areia. Vamos lá! Pela poeira fora a presença da
jovem era como um enigma sagrado diante dos olhos dele. Mas o guarda guardava.
Namanhumbir, com tudo, podia mais do que uma absurda obstinação. E mal a
parturiente atirou lá de dentro o primeiro grito a valer, o Cipriano ruiu.
-Cipriano …
Um berro que estalava fino e súbito fazia-o recuar transido para o mais fundo da
cubata.
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Até que a trovoada amainou, e do pesado silêncio que se fez nasceu para os seus
ouvidos maravilhados um choro doce, novo, muito puro, que lhe arrancou lágrimas
nos olhos.
-Fátima…
E aí começaram ambos a trabalhar, ele em armas de fogo, que vai buscar a vigo, e
ela com embrulhos de areia, que esconde debaixo das capulanas, enrolados a cinta,
de tal maneira que já ninguém sabe ao certo quando atravessa a mina grávida a
valer ou prenhe de ouro vermelho.
2.2.1 Acção
- É a sequência de eventos;
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Exercício 1:
1ª Sequência
2ª Sequência
A meu lado, já se sentara a que havia de ser a heroína destas páginas: uma
camponesa italiana, que eu via pela primeira vez, mais camponesa que todas as
outras da estacão terminal de Milão.
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tinham marcado um impossível encontro. Nessa vertigem, nem os pensamentos
achavam em que se apoiar.
3ª Sequência
-mas a senhora não quererá também uma bebida quente, talvez uma chávena de
chá…
Exercício (2)
Encaixe - uma sequência é introduzida no interior da que estava a ser narrada; uma
ou várias sequências surgem engastadas no interior de outra que as engloba.
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Este processo pode ter a função de retardar o desenlace ou justaposição temática.
Dada a partida, toca a correr com todas as forcas, com Zé Paulo, a frente, disposto a
gritar mais uma vitória. Porem, desta vez, tiveram uma surpresa que os deixou sem
fala, pregados no chão.
Quando Zé Paulo., lançado como ia, chegou ao último degrau com um senhor,
fardado a rigor, de bigodes, sem dúvida nenhuma, o Maestro da Banda.
Apesar da travagem, não puderam recuar perante o convite que o senhor lhes fez:
-subam, subam.
Ainda bem que viera, preciso de ajuda. Daqui a uma hora começa o concerto e até
la ainda há muito que fazer.
Intrigada, Marta achou melhor pôr tudo em pratos limpos, enquanto era tempo:
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de onde as partituras ameaçavam voar nos dias de vento, arrumavam a casa ao
som de conselhos marcados pelo ritmo.
Meia hora mais tarde, o palco estava em condições de agradar ao publico, e receber
os artistas.
-Não sei como hei-de agradecer vosso esforço – confessou o Maestro limpando o
suor, sorrindo, feliz.
-Desde que me lembro, meus caros amigos, andei toda a vida as voltas com a
música.
Cedo descobri que naquela terriola as pessoas só faziam duas coisas. Durante a
semana trabalhavam no campo de manha a noite. Ao Domingo dormiam ou ficavam
a olhar para sitio nenhum.
Uma tarde, empurrei a porta da Sociedade Recreativa dos amigos da Serra e dei
com uma velhota, cuja distração era enxotar as moscas que pousavam perto.
Delicadamente perguntei:
-Boa tarde, a senhora sabe-me dizer em que dias ensaiam a banda da terra?
-Em dia nenhum, meu carro senhor – respondeu num tom seco, sem mexer uma
ruga -, vai para cinco anos que a banda não toca. Não há instrumento, nem gente
interessada que queira tocar.
Confesso, meus amigos, que me apeteceu pegar nas malas e abalar, de vez. Mas o
bichinho da música, a morder com forca, obrigou-me a ficar.
-Não me diga que há por ai, no fundo das arcas ou dos armários, um tambor, um
pífaro, ou mesmo uma viola com as cordas partidas.
Mal tinha passado pela última casa, aconteceu-me uma coisa digna de ver.
Qual não e o meu espanto quando vejo o tambor aflito, a rebolar pela ladeira abaixo.
Carregado com um tambor, subi a ladeira, portinho por saber o que sucedera. A
meio encontrei um homem que em palavras simples me deu a explicação:
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-foi que o dono do solar resolveu fazer, deitando para o lixo o que não tinha uso. Ali,
na valeta, ainda esta o resto.
Guiado pelo homem, la fui descobrir mais adiante, junto ao muro da casa, uma
pandeireta, mais uma flauta meio desafinada.
O amigo vento, que e bom bailador e sabe assobiar todas as modinhas, devia ter
soprado o tambor pelas costas, fazendo-o correr pela ladeira abaixo.
Doido de alegria, peguei nos instrumentos que já ninguém queria, voltei a aldeia, e
fui desaponta-los nas mãos da velhota da Recreativa.
Nessa mesma noite, toda a gente soube do caso passado com o forasteiro, na noite
seguinte, houve quem trouxesse um clarinete, mais um cornetim, ferrinhos e
harmónio, saudosos do tempo em que se dedicavam a animar as festas.
A partir daí foi o fim do mundo, vivi as melhores férias de toda a minha vida.
Exercício(3)
Alternância -uma história é interrompida para dar lugar a outra (s) de origem
dispersa que, por sua vez, fica (m) em suspende cedendo o seu lugar, assim
sucessivamente. Duas histórias são contadas de forma intercalada, uma sequência
interrompe-se para dar lugar a outra. Porém, o discurso é linear apenas há
alternância narrativa.
2.4. Actores
Conceito
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muitas vezes realizada pela atribuição de um nome próprio ou de um determinado
papel temático (pai, camponês, rei, etc.).
2.4.1 Relevo
Exemplo:
-o saide?
-o chumbo. Já passou.
-o Amisse?
-o António?
2.4.2 Composição
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Personagem plana- aquela que, desprovida de grande vida interior e com um
conjunto de traços bastante limitado, assume um comportamento estável durante
toda a diegese e, por isso, previsível.
Exemplo: Fátima dado que em toda a história não variou seu comportamento, tal
que mesmo tendo uma relação com Cipriano não se deixou abalar mantendo-se
firme.
“range primeiro a porta do saide, e sai por ela, magro, fechado numa roupa
vermelha da cor da terra, calções rasgados, picareta em punho…”
-em quinze dias foram oito tiros no peito de Rafael, um par coronhadas no
Sérgio(fiel, zeloso)
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2.5.4 Tipo de caracterização
“Catorze anos que nem catorze dias. Cada braço, cada perna, cada seio…”
…comovido…
2.6 Espaço
-Categoria da narrativa (uma das mais importantes), componente física que serve de
cenário ao desenrolar da acção e a movimentação das personagens, cenários
geográficos, interiores, decorações, objectos, etc.
2.6.1 Tipos
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A narratologia distingue três tipos de espaço: Espaço Físico, psicológico e social.
2.6.1.1 Caracterização
Físico
Exemplo Texto A
”…Namanhumbir desperta.
Espaço psicológico
Exemplos: Texto D
«a rainha tomou a mão da serva. E sem que a sua face de mármore perdesse a
rigidez, com um andar de morra, como um sonho, ela foi assim conduzida para a
câmara dos Tesoiros. Senhores, aiais, homens de armas, seguiam, num respeito
tão comovido, que apenas se ouvia o rocar das sandálias nas lajes.
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As espessas portas do Tesoiro rodaram lentamente. E, quando um servo destrancou
as janelas, a luz da madrugada, já clara e rósea, entrando pelos gradeamentos de
ferro, acendeu um maravilhoso e fascinante incêndio de oiro…por toda a câmara,
reluziam, cintilavam, refulgiam os escudos de oiro…Um longo-ah!-lento e
maravilhado, passou por sobre a turba que emudecera. Depois houve um
silencioso ansioso.
Exercício 9 :
Sonho - «Eram três horas quando se ditou. E apenas adormecera na escuridão dos
cortinados de seda, outra vez um belo dia de Inverno morria sem uma aragem,
banhado de cor- de – rosa: o banal peristilo do hotel alargava-se, claro ainda na
tarde, o escudeiro preto voltava, com a cadelinha nos braços; uma mulher passava,
com um casaco de veludo branco de Génova.» (cap.VI)
Reflexão - «todo o caminho até ao Ramalhete, Carlos foi pensando sobre seu pai e
nesse passado, assim rememorado e estranhamente ressurgido pela presença
daquele patriarca.» (cap. XIV)
Espaço Social
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Relaciona-se com tipos sociais, ocorrem descrições de ambientes que ilustrem
vícios, crítica e deformações da sociedade.
Exemplo:
2.7 Tempo
2.7.1 Caracterização
Tempo da história/cronológico
-É a organização das sequências por ordem cronológica. (as 7h, manhã, tarde,
2009,2010). É segundo uma ordenação cronológica, e em que surgem marcas
objectivas da passagem das horas, dias, meses, anos, etc. A alteração do tempo da
história resulta em anacronia;
Eram fins de Setembro, na força das colheitas. De manhã cedo, quando a Matilde,
estremunhada e dorida, chegou a janela, a veiga parecia uma colmeia. Nas vinhas,
as mulheres enchiam cestos, que os homens, em fila indiana, despejavam nas
dornas; e os carros de bois, a escorrer mosto, cantavam depois pela quelha acima
numa alegria de ouriços carregados. Nos lameiros, os velhos tiravam milho,
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apanhavam feijões ou recolhiam aboboras. E nos pomares, trepado, o rapazio
varejava as nogueiras, coalhando o chão.
Viúva, a Genoveva era moira de trabalho a granjear os bens que o homem deixara.
-Penteia-te, e trata de acender o lume enquanto eu vou apanhar umas macas para o
reco.
-Doí-me a cabeça…
Pelo dia adiante, aquela névoa matinal foi-se dissipando. À tarde, já mal se notava.
No dia seguinte, desaparecera. E o aterro do tempo começou a arrasar o valado
aberto. Só três meses depois é que tudo voltou novamente ao princípio.
-Dum homem.
A Genoveva quis morrer logo ali. Mas não morreu. A vida pode mais de que ela, e
teve de aguentar a filha naquele transe que, de resto, pareceu afligi-la pouco. A
estalar o cós da saia, continuava na mesma, a caçoar com todos e com ela própria.
As feições da petiza que nasceu ao fim dos nove meses da ordem não
correspondiam a nenhuma cara conhecida. Por mais que o espírito bisbilhoteiro de
Dailão se esforçasse, não havia maneira de arranjar cabeça de turco a quem
servisse a carapuça.
-Foi milagre!
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Miguel Torga, Contos da Montanha
Exercício 10:
Este exame era sério. Nós, os negros, tínhamos de dar prova de que éramos bons
portugueses.
O ditado também era extraído dum livro de leitura de Lisboa: O texto transportava-
nos a uma província do Tejo, a época do ano em que extraia cortiça aos
castanheiros. O professor português ditou depressa mas eu es tava preparado.
Obs: a obra Chltlango narra a história de Eduardo Mondlane e foi para evitar a
repressão colonial que em vez de Chivambo o autor escreveu Chitlango.
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Exercício 11.
Tempo do discurso
- Tem a ver com a forma como o narrador relata os acontecimentos. Estes podem
ser apresentados de forma linear, mas também com retrocessos ou com avanços
analepses e prolepses - respectivamente.
Tempo da história: A B C D E F G
Tempo do discurso: a) A B C D E F G ; b) F A B D E [ ] G
Texto F: Mbelele
De manhã, a terra era fresca. O ar gélido cortava a pele. O céu apresentava-se dum
azul puro, levemente empanado por um véu violeta que desaparecia a medida que o
sol subia, diluído por um calor de estufa, sempre crescente.
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As várzeas estavam já limpas; o povo cansara-se mais uma vez, derribando plantas
bravias, as charruas tinham sulcado a terra, revirando a resteva, as enxadas haviam
pulverizado o folhiço. E tudo isto secara aquele sol de aço.
O próprio rio minguara, lentamente, fugindo da álea dos chorões que lhe
delimitavam o leito, até se restringir a um fio sinuoso, humilde, gemendo.
Seis colheitas antes, a fome visitara a região nas asas roxas dos acrídios. O
gafanhoto, em ondas maciças, limpara com sofreguidão as culturas viridentes e
promissoras, deixando as machambas nuas, os galhos erectos em gesto de súplica,
cruelmente fustigados pelo sol, como símbolos de espectro da fome.
Anos depois, o rio tufara com arrufos de soba pérfido, assoprando para as margens
a sua baba cor de ocre, invadindo sanzalas a machambas, submergindo gado e
gente, levando a todos os lares a miséria e o luto, o desespero e as lágrimas. Toda
Gaza fora, então, uma terra de desolação. Dir-se-ia estendida sobre ela as asas do
anjo mau do Apocalipse.
Chegara a seca, cruel e dura, levando a impotência aos braços vigorosos do povo,
enxugando rios, queimando a terra, calcinando a bosta que estrumava as
machambas.
- «Os nguluves estão zangados» -dizia o povo, observando com tristeza o céu
indiferente as suas queixas. E todos procuravam descobrir que desacatos as
vontades dos mortos se expiavam tão dolorosamente.
Muitas mais tinham bebido as águas do indico. Já todos estavam certos de que o
nhamussoro fora derrotado pela ira implacável dos nguluves.
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- «A culpa e dos moços, gente. Foram estragados pelos brancos. Não obedecem as
leis velhas da raça. Não fazem a purificação anual da terra» -gritara Mucindo, o soba
velho, apontando com a canha a planície queimada pelo sol.
Os moços, como resposta, pegavam nos xitendes, faziam as malas e partiam para
os «compounds» a alistarem-se para o jone. As raparigas guardavam os berimbaus
nos cantos das palhotas e iam para Mafalala e Estrada Nova vender amor.
Exercício 12:
Exemplo:
Prolepse
«[…]Nascida naquela casa real, ela tinha a paixão, a religião dos seus senhores.
Nenhum pranto correra mais sentidamente do que o seu pelo rei morto a beira de
um grande rio. Pertencia, porém, a uma racha que acredita que a vida da terra se
continua no céu. O rei, seu amo, decerto já estaria agora reinando em outro reino,
para além das nuvens, abundante também em searas e cidades. O seu cavalo de
batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido com ele as alturas. Os seus
vassalos, que fossem morrendo, prontamente iriam, nesse reino celeste, retomar em
torno dele a sua vassalagem- e ela, um dia, por seu turno, remontaria num raio de
lua a habitar o palácio do seu senhor, e a fiar de novo o linho das suas túnicas, e a
acender de novo a caçoleta dos seus perfumes; seria no céu como fora na terra, e
feliz na sua servidão».
Texto G: Teasse
- «Ouvi, gente: chamei-vos para vos dizer que, dentro de três dias, vou morrer»
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Um frémito de horror percorreu todas as espinhas. Todos os olhos se arregalaram.
O espanto penetrara em todos os nervos, fincando-se neles como se tivesse garras
de leopardo. E o transtorno dos semblantes foi profundo.
Mas a velha, calma e fria, continuou com a sua voz de cara rachada:
«Eu conheço os meus assassinos. Não vo-los digo. E de que serviria? O vosso ódio
aos assassinos será sempre mais fraco do que a minha vingança quando morta…»
- «Pela vingança, vereis bem a mão da Teasse. Não e imponente que bruxos se
podem meter com uma pessoa como eu. Eu empurrarei o chão da campa,
aparecerei feita espírito, e toda a tribo dos assassinos tremerá e chorará como
criança indefesa à mandíbulas dum jacaré. A desgraça, gente, será eterna
companheira dessas víboras».
Exercício 13:
Tempo psicológico
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Ao tornar a casa, nem histórias havia para adormece-lo, que o avô não consentia
que lhas contassem. Depois do jantar, o avô falava de casos da sua vida. Mas
mesmo isso só de onde em onde, quando tinham visita. Que o avô falava muito
pouco e o dizia era sempre a propósito e nunca somente por falar. Então também
lhe pareciam histórias, mas não tinham fadas nem bezerros de oiro.
Nunca como naquele Inverno os serões lhe pareceram tão compridos, em volta do
braseiro, com o vento assobiando lá por fora. Onde estaria a mãezinha nesse
momento? Devia ser muito longe. O mundo era sem fim…E ele, por mais que
corresse desde manha à noite, não podia, não podia chegar até onde os pais
estavam: diz que para lá do fim da terra havia muita água: mês de água e céu…
Como poderia fazer essa caminhada? Estava era fechado na casa do avô, preso ao
calor da lareira.
E, na noite tão lenta, falavam agora coisas que ele não entendia…
Exercício 13:
Reflexão
Recordação
«Carlos recordava bem que nessa tarde, depois da melancólica conversa com o
avo, devia ele experimentar uma égua inglesa: e ao jantar não se falou senão de
égua, que se chamava «Sultana». E a verdade era que dai a dias tinha esquecido a
mama. Nem lhe era possível sentir poe esta tragédia senão um interesse vago e
como literário. Isto passara-se havia e tantos anos, numa sociedade quase
desaparecida.» (cap.V)
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«O criado entrou com a bandeja – e Carlos, de pé, junto da mesa, remexendo o
açúcar no copo, recordava, sem saber porque, aquela tarde em que a Condessa,
pondo-lhe uma rosa no casaco, lhe dera o primeiro beijo; revia o sofá onde ela caíra
com um rumor de sedas amarotadas…como tudo isto era já vago e remo.»
(cap.XVII)
Recordação/Reflexão
Valorização subjectiva
<<- E curioso! So vivi dois anos nesta casa e e nela que me parece estar metida a
minha vida inteira!>> (cap.XVIII)
Exercício 14
Ocorre na frequência:
-discurso singulativo - o narrador conta apenas uma vez o que aconteceu uma só
vez.
-discurso repetitivo - o narrador conta várias vezes o que aconteceu apenas uma
vez.
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-discurso iterativo - o narrador conta uma vez o que aconteceu várias vezes.
(usando expressões como: habitualmente, todos os dias, meses, anos, muitas
vezes...).
Texto I: O DEPUTADO
O deputado mandou duas cargas de livros, nenhum dos quais tinha menos de cento
e cinquenta anos.
Depois, outra carga de vinho velho, e na entrecarga uma garrafeira com duas dúzias
de garrafas de vinho, que competia antiguidade com a fundação da companhia.
De propósito, saltamos por cima dos pormenores da partida, para não descrever o
quadro lastimoso do apartamento de Rafael e Rosa.
Por fins de Janeiro, chegou Benvida a Nampula, e alugou casa no bairro Alto, por
lhe terem dito que, naquele porcão de Nampula, a cada esquina havia um
monumento à espera de arqueólogo competente.
Ao cabo de três dias, Rafael mudou-se para rua mais limpa, supondo que os
lamaçais do bairro alto haviam tragado os monumentos, lamaçais em que ele
desastradamente escorregara, e donde saíra mal-limpo, e assoviado por marujos e
colarejas, seus vizinhos mais chegados. Mau agouro! A primeira quimera de Rafael,
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seu tanto ou quanto científica, atascara-se na lama daquela parte de Nampula, que
devia ser a ínclita Ulissea de Luís de Camões!
O deputado, sem embargo de ir habitar o quarto andar de uma casa lavada de ares
e muito desafogada na rua da Procissão, quis parecer que a atmosfera da capital
não cheirava bem.
(adaptado)
Exercício 14:
2.8 Actante
-É um termo criado por Greimas visando reduzir as seis funções, o jogo conflitual
das personagens, a que chamou actores: destinador/destinatário; sujeito /objecto;
adjuvante/oponente.
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Segundo Tesniere, os actantes podem classificar-se em primeiro actante (agente da
acção), segundo actante (paciente da acção) e terceiro actante (aquele em beneficio
do qual se realiza a acção).
Os actantes são lugares vazios, espaços ou posições virtuais que vão ser
preenchidos por um certo número de predicados dinâmicos e/ ou estativos, as
funções e os atributos qualificativos.
Adjuvante sujeito
oponente
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Força interior garimpeiros/compradores da pedra
vigilância/Cipriano
Exercício 15:
2.9 Narrador
-Mera criação do autor que vive única e exclusivamente dentro do texto e tem função
de narrar.
Texto J
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«Raios luminosos invadem o escuro do meu quarto. Entrem, entrem, raios de sol.
Tragam cor e alegria do amanhecer ao meu ninho de amor. O sol obedecia-me
espalhando a claridade mais e mais. Lá fora a manha e bela, sinto-o. As aves
navegam em onda celestes num voo de esperança. E bonito acordar depois de o só
nascer. Penso em levantar-me, mas para que? Descerro os olhos. Espreguiço-me.
Contemplo o corpo negro e reluzente do meu marido, tão forte como um búfalo,
dormindo sereno como um anjo, roncando mais alto que um camião Bedford, tão
morto de sono como um verdadeiro cadáver. Este meu búfalo tem mais forca que
um leão, isso confirmo eu. Lógico; ao almoço devora um boi e rega-se com cem
litros de aguardente.
Esta vida de soberana dá-me prazeres novos. Pelas manhas percorro o mar verde
dos campos na tranquilidade do poder, ostentando sobre as gentes a vaidade de ter
triunfado sobre todas as mulheres da minha tribo.
Foi há duas semanas que o casamento se realizou, mas a festa continua cada vez
mais brava. Quase todos os dias, gente de todos os reinos chega em procissão,
cada um com mais oferendas que o outro, numa espécie de competição que mais
parece um acto de suborno ao rei ou ao herdeiro. Servem-se grandes banquetes
que sempre terminam num bailado a volta da fogueira e gente requebrando-se ao
tanta, aumentando o delírio com vozes ébrias.
Nunca sonhei ser a primeira esposa do herdeiro, mas agora só penso em ser rainha,
cada vez que me aproximo da velha, excito-me e desejo ardentemente que a sua
morte seja breve para herdar grandes braceletes do ouro que ela usa nos braços e
nos pés.
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O poder e como o vinho. No princípio confunde, transtorna, quase que amarga;
pouco depois agrada, e, no fim, embriaga. Eis-me aqui, finalmente, senhora dos
destinos desta terra. Serei rainha sem dúvida alguma. E deste meu ventre que
nascera o homem que depois do meu marido ira dirigir os destinos deste povo.
Da minha árvore vi o rei a ser aclamado por uma grande população de porquinhos
negros, troncos nus, cabelos desgrenhados, rostos remelosos e sorrisos alegres,
enquanto a terra cedia ao peso do monstruoso varrasco, engolindo-o pouco a pouco
até deixaram de se ver os cabelos fartos.
Abri os olhos ainda vestida de fantasia. Qual e a importância dessa massa anónima
chamada gente, quando dentro de si não encerra um saco de sonhos? Os melhores
dias da minha vida são aquelas em que consegui sonhar.
Hoje e o dia de visitar a minha oitava sogra, pilar para ela, cozinhar para ela, lavar
para ela, pois cada sogra tem de conhecer o sabor dos meus cozinhados e o aroma
das roupas lavadas pelas minhas mãos.
Pilai como uma máquina, cozinho como uma artista, deixando as minhas habilidades
de mulher bem marcadas. Tudo terminou em apoteose, a minha oitava sogra teceu-
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me elogios extraordinários, estúpidos até ridículos, pois eu sabia que ela exagerava,
que iria fazer o contrário nas minhas costas.
Reparei que esta minha sogra coxeava um pouco, e tratei logo de saber porquê?
Texto L
-O homem que saiu do Lada branco era alto e forte, de um forte a cair para obeso.
Entrou num grande edifício em passo energético. Ao vê-lo passar, a senhora que
estava sentada na sala de entrada poisou imediatamente o auscultador do telefone
na secretaria, levantou-se e cumprimentou-se.
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Um sorriso infantil invadiu-lhe o rosto enquanto o rosto enquanto pensava: vou
pessoalmente ou mando alguém? Pessoalmente tem mais peso. Mas, vendo mas
coisas, ele e até meu subordinado. Dependem todos de mim nesta terra e a minha
assinatura vale a minha presença.
Tocou toda a campainha. A senhora da entrada, que era a sua secretaria, bateu
discretamente a porta e, acto contrário, entrou.
-antes de eu ser director, fui dactilógrafo, Conceição. Escrevo muito bem a máquina.
E se for no teclado internacional posso escrever de ohlos fechados.
Aqui passa-se alguma coisa. E, seja o que for, não me agrada, pensava ela
enquanto abandonava o gabinete. Com efeito Conceição tinha conhecimento de
toda a papelada que dava entrada no gabinete do director ou dele saia.
Era uma secretaria de confiança. E além disso, constava que até havia entre os dois
mais do que uma simples relação de trabalho…
Uma vez só, o director tirou uma folha de papel branco timbrado e pôs-se a
escrever. Fazia-o, com efeito, como um excelente profissional.
Finalmente, satisfeito com o que acabava de redigir, pôs-se a lê-lo em voz alta:
Eu tive conhecimento que vocês chumbaram o meu filho. Como pai do aluno e seu
encarregado de educação eu, Director Provincial do Comercio Interno, quero saber o
que se passa nessa escola e o que e que tem contra o meu fihlo. Exijo uma resposta
satisfatória. Sei que só faltava um valor a Português e Matemática. Também sei que
os outros alunos mais ignorantes do que ele passaram de classe. Isto e brincar com
coisas serias. E posso mandar prender o responsável desta falta de respeito. Por
isso peco para o senhor director providenciar no sentido da resolução positiva deste
caso.
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Unidade, Trabalho, Vigilância.
A Luta Continua!»
O director abriu nervosamente o envelope que o seu subordinado lhe entregou e leu
a resposta:
«Senhor Director»
Lamentamos imenso não poder satisfazer o seu pedido. E que as notas dos alunos
ainda não foram divulgadas. Sendo assim, nenhum aluno sabe se transita ou não.
Por isso, e estranho que o educando do senhor director já sabia o resultado final. E
do interesse da direcção da Escola saber quem facultou essas informações ao filho
do senhor director. Contudo, se isso se confirmar, encorajamos o senhor director a
pedir explicações ao director de turma.
Quanto as injustiças que refere, na devida altura pediremos que nos concretize os
casos que hoje apontou. Queremos neutralizar as injustiças e punir os responsáveis.
-Mas será que ele não percebeu o que eu queria? Para o meu filho passar bastava
apenas um jeitinho.
-Ah! Ele esta a gozar comigo este filho da mãe! Mas ele pensa que e quem? Muito
bem. Havemos de ver quem na verdade manda nesta terra.
Homodiegético – narra não como personagem protagonista mas podendo ser uma
simples testemunha imparcial a personagem estreitamente solidaria com a central.
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1.9.2 Focalização (foco de narração, ponto de vista, visão)
Texto M
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morte e a dor. Eu quero que todos, mas todos, se compadeçam com a dor que nos
atacou. Ide, guerreiros. Que o império vos salvaguarda, agora e depois da morte.
«Embora o avo estivesse ali, diante do neto e a olhar para ele, não o via nem o ouvi,
estava perdido dentro de si próprio, mergulhado nos pensamentos que ultimamente
lhe ocupavam a cabeça. Não podia ser! Era impossível deixar alguma coisa de
comer hoje e encontra-la intacta amanha. A mandioca foi toda roída. O que restava
da mapira, do amendoim e dos feijões ettao, eholokho, manruwa, namaara teve de
ser transferido dos respectivos celeiros para aquelas panelas de barro que se
enchiam todo o espaço da divisão que servi de despensa.
De repente, o avo teve vontade de fumar e isso fê-lo despertar. Só então reparou
que o neto estava ali, diante dele.
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Exercício - retira do excerto passagens indicadoras da presença do narrador
omnisciente.
Ex: é possível que, provável que, e incontestável que, verbos de opinião parecer,
julgar, supor, crer etc, se não erro, não sei se a distância...indicam dúvida.
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Pode implicar uma avaliação de valores morais (ou outros) ou uma apreciação do tio
quantitativo.
Esquema:
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Nível hipodiegético/metadiegéticos aquele que é constituído pela enunciação de
um relato a partir do nível intradiegético; uma personagem da história, por qualquer
razão específica e condicionada por determinadas circunstâncias, é solicitada ou
incumbida de contar outra história, que assim aparece embutida na primeira.
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Diálogo - acto enunciativo que pressupõe sempre a existência de duas “figuras”, o
eu e o tu, o locutor e o alocutário. Há um intercâmbio discursivo entre os
protagonistas da enunciação. O diálogo é a forma canónica da interacção verbal.
“Quanto ao dia em que Damboia, postada ao umbral da sua casa, sentiu o sangue
viscoso a escorrer pelas coxas, prenunciando o luar interminável da sua morte, as
opiniões divergem. Malule que guardara a casa sinistrada de olhares intrusos,
dissera-me que nesse dia as copas das árvores foram arrasadas pelo vento maldito
que vinha carregado de conchas das profundezas abissais do mar distante. A tarde
caia. As cacas choravam. E os homens, tremendo, recolheram tudo o que de
essencial tinham fora das cubatas e entraram nas casas que gemiam com o vento e
esperaram pela noite, rogando aos espíritos a cessação imediata daquele vento
maldito. A noite chegou. No céu havia estelas brilhantes e a Lua tinha um corte
ligeiro. Não havia nuvens. E o vento, aumentando de intensidade, tiros o tecto das
casas mais pobres e expos a noite dos espíritos a pobreza de todos os séculos dos
homens sem guarida e nome.
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No sábado último do mês terceiro da dor Damboia morreu. No dia seguinte, os cinco
homens mais fortes da zona acordaram impotentes para toda a vida. E isso não foi o
mais importante durante aqueles meses todos. A pior coisa que aconteceu durante
meses foram palavras, homem! Elas cresciam de minuto a minuto e entravam em
todas as casas, escancarando portas e paredes, e mudavam de tom consoante a
pessoa que encontravam. A violência que Ngungunhane utilizou para assusta-las
não surtiu efeito. Elas percorriam distâncias a velocidade do vento. E tudo por causa
dessas tinlhoco- nomeação em tsonga dos servos- que saiam da casa de Damboia
com os sacos cheios de palavras que as lançavam ao vento. Malvadas! Onde já se
viu um individuo sem rosto vituperar uma pessoa da corte, uma mulher que todos
servíamos com respeito e amor?..Pécoras, bestas sem nome, eram elas que
levavam no saco histórias inventadas, dizendo que Damboia sofria da doença do
peito que faz vomitar sangue pela boca, mas que ela vomitava entre as coxas, em
paga da vida crapulosa que levara.
-crapulosa?
-Não ligues. São palavras do vulgo. Não tem fundamento, Damboia teve a vida mais
sã que eu conheci.
-Nunca hás-de encontrar água raspando uma pedra. Deixa-me falar. Eu conheço a
verdade. vivi na corte.
-Se Damboia teve erros não foram de grande monta. Ela meteu-se com homens,
como qualquer mulher. E nisso não nos devemos meter. O tecto da casa conhece o
dono.
-E tudo mentira o que ouviste por ai. Da boca dessa gente, só saem chifres de
caracol. Inventam histórias, fazem correr palavras, dormem com elas, defecam-nas
em todo o lado. E tudo mentira. Eu vivi na corte…
Os olhos coriscaram na noite. Colocou duas achas no fogo que morria e recusou-se
a abrir a boca. Não insisti”.
Exercícios 16
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-A partir do texto acima marca os modos de discurso presentes no texto.
Narr
História Moralidade
Intriga Avaliação
Episódio
Moldura Evento
Complicação Resolução
(Reis, 1998:277-278)
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Segundo Glasson (2006), a maior parte das categorias estão presentes numa
narrativa, mas algumas podem ser apenas mencionadas ou ate estarem ausentes.
Por exemplo, o tempo e o espaço são por vezes imprecisos, quando são menos
importantes numa narrativa. O mesmo se passa com o fim e a moral que não são
sempre explícitos.
Complicação – compreende:
Situação inicial------------------------------------------------------
Elemento desencadeado---------------------------------------------
-----------------------------------------------------------------------------
Complicação-------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------
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Resolução-------------------------------------------------------------------
Fim----------------------------------------------------------------------------
Situação inicial
Problema
Objectivo
Acontecimento 1
Acontecimento 2
Acontecimento 3
Acontecimento 4
Resolução
Exemplo:
EXPOSIÇÃO Era uma vez (tempo) um dragão feroz (personagem) que vivia numa
caverna sobranceira a uma (espaço) e que amedrontava toda a gente (situação
inicial). ELEMENTO DESENCADEADOR Um dia este dragão caiu a um lago e
perdeu a capacidade de lançar chamas. Já não podia assustar os aldeões, lançando
fogo em direcção a eles. COMPLICAÇÃO O dragão receava que a gente da aldeia
viesse a sua caverna para o caçar (reacção); queria muito voltar a produzir fogo
(objectivo). Assim, correu para o restaurante mexicano mais próximo, pediu o taco
mais picante, o chili mais forte e uma forte dose de piri-piri. Engoliu tudo e soprou
(tentativa). RESOLUÇÃO UE! O fogo jorrou! O dragão podia de novo lançar
chamas. FIM Voltou para a sua caverna e viveu feliz para sempre a aterrorizar os
aldeões com as suas maravilhosas chamas.
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1.11 Esquema Narrativo
Este esquema constitui uma espécie de quadro formal onde se vem inscrever o
sentido da vida humana com as suas três instâncias essenciais: e, finalmente, a
sanção que garante a retribuição e o reconhecimento colectivo dos seus actos
(Reis : 140)``
Para compreender uma narrativa, o leitor tem que identificar as motiva coes e as
intenciones das personagens, a partir dos conhecimentos que adquiriram ao longo
da vida.
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