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Extensão de Cabo Delgado

Sita na Av. 25 de Junho, nº 5 Cidade de Montepuez, Telefax 27251160

DEPRTAMENTO DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS


FICHA INFORMATIVA 1. LPIV JANEIRO 2021

TEXTO NARRATIVO

1.Narrativa

Conceitos operatórios

Para Genette (1972:71-71) apud Reis & Lopes (1988-271) o termo narrativa pode
ser entendido de diversas acepções: narrativa enquanto enunciado, narrativa como
conjunto de conteúdos apresentados por esse enunciado, narrativa como acto de
relatar.

Termo que deriva do sânscrito”narus” (saber, ter conhecimento de algo) e “narro”


(contar, relatar) tendo chegado até nós a partir do latim;

-Narração de todos os acontecimentos passados, presentes e futuros;

-Exposição pormenorizada de um facto verdadeiro ou inventado;

-Enunciado narrativo, discurso oral ou escrito que assume a relação de um


acontecimento ou de uma série de acontecimentos;

-Sucessão de acontecimentos, reais ou fictícios, que constituem o objecto desse


discurso, e as suas diversas relações de encadeamento , de oposição, de repetição
etc,

-Um acontecimento: não aquele que se conta, mas aquele que consiste em que
alguém conte alguma coisa.

2. Análise da Diegese

2.1 Diegese

Genette na sua obra Figures III, utiliza o termo diegese como sinónimo de história.
Posteriormente o autor considera preferível reservar o termo para designar o
universo espácio-temporal no qual se desenrola a história. (Reis & Lopes,
1988:107)

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-Os estruturalistas franceses divulgaram esta palavra de origem grega para referir
um conjunto de acções que formam uma história narrada segundo certos princípios
cronológicos;

- É o universo espácio-temporal no qual se desenrolam a história e o universo do


significado, o “mundo possível” que enquadra, válida e confere inteligibilidade à
história;

- É a Dimensão ficcional de uma narrativa.

2.2 Elementos da Diegese

-O universo espácio-temporal é o centro da diegese, em que acontece uma


história. Constitui, portanto, todo um conjunto de elementos da diegese, tais como: a
acção, o relevo das personagens, entre outros.

TEXTO A

Namanhumbir

Quando a noite desce e sepulta, Namanhumbir desperta.

Range primeiro a porta do Saíde, e sai por ela, magro, fechado numa roupa
vermelha da cor da terra, calcões rasgados, picareta em punho, um vulto que se
perde cinco ou seis passos depois.

A seguir, aponta a escuridão o nariz afilado do Paulo. Parece um rato a surgir do


buraco. Fareja, fareja, hesita, bate as pestanas meia dúzia de vezes a acostumar-se
as trevas, e corre silenciosamente a desamarrar a corda que segura a porta da
cabana.

O Sualé, de braço deficiente da navalhada que o José, lhe mandou à traição, dá


sempre uma resposta torta a mãe, quando já no quintal ela lhe recomenda não sei
que lá de dentro.

O António que parece anão, esgueira-se pelos fundos da casa, chega ao


cruzamento, benze-se, e desaparece que nem um pássaro.

A Fátima, sempre com aquele ar de quem vai vender aquela gostosa carne de
cabrito preparada ao modo do país vizinho, sai quando o relógio de Nanhupo, longe
e soturnamente, bate as onze. Aparece no patamar como se nada fosse, toma altura
às estrelas, se as há, e some-se na negrura como os outros.

O Alex, esse levanta o gravelho, abre, senta-se num banco improvisado da casa,
acomoda o coto da perna da melhor maneira que pode, e fica horas a fio a seguir na
escuridão o destino de um que lhe dói. Era o rei de Nhamanhumbir. Morto o Alberto
nas Pedras, herdou-lhe o guião. Mas um dia a polícia agarrou-o com a boca na
botija, e foi só uma perna varada e as tripas do macho a mostra. Quando, naquele

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estado, entraram ambos em Nhamanhumbir, ele e o animal, parecia que o mundo se
ia acabar ali. Mas tinha o filho, o João. E agora, enquanto o rapaz, como os mais, se
perde nos caminhos da noite, vai-lhe seguindo os passos da soleira da porta.

Saem outros, ainda. Devagar, pelas horas a cabo, os que parece terem-se
esquecido, vão deslizando da toca. Só mesmo usando não existe mais corpo adulto
e válido no povo é que Namanhumbir sossega.

Coisa estranha: esta rarefação que se faz na aldeia, longe de a esvaziar, enche-a. A
terra veste-se de um sentido novo, assim deserta, a espera. Pequenina, de casas
iguais e rudimentares, feitas de estacas, bambus, cobertas de capim, maticadas de
terra vermelha da cor dos garimpeiros.

Quem regressara primeiro?

Noventa vezes em cada cem, é a Fátima. Aquilo são os pés de veludo! Mas às
vezes é o Paulo. Sempre de nariz no ar a bater as pestanas contra a luz da
lamparina, feita de uma lata e resto de tecido encontrados algures nas imediações
das barracas de Nanhupo, entra em casa, vermelho da lama da terra, alagado em
água e com um bafo de tanto consumir Zed ou nipa, bebida que fortalece para esta
dura missão.

-Arruma! A jovem nem suspira. Pega no saco, mete-o debaixo da cama, Por fim,
começa:

-O Saíde?
-O chumbo. Já passou.
- O Sualé?
-O António?
-Foi a Montepuez. Volta amanha.
-A Fátima?
- Ao sair do garimpo parecia um bombo. E enquanto a maçã-de-adão sobe e desce
no pescoço comprido do Paulo, do ventre da noite, diante do olhar angustiado da
Teresa e de Namanhumbir, vão surgindo os que faltam ainda: o Luís, o Leão e o
Januário.

Quando algum não regressa, e por lá fica varado pela bola de uma lei que
Namanhumbir não pode compreender, o coração da aldeia estremece, mas não
hesita. Desde que o mundo é mundo que toda gente que ali governa a vida na
lavoura que a terra permite. E, com luto na alma ou no casaco, mal a noite escurece,
continua a faina. A vida está acima das desgraças e dos códigos. Demais, diante
das fatalidades a que a povoação está condenada, a própria polícia acaba por

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descer da sua missão hirta e fria na escuridão das horas. E se por acaso se juntam
na venda do Inácio uns e outros-polícias contrabandistas - fala-se, honradamente da
melhor maneira de ganhar o pão: se por conta do estado a vigiar a mina, se por
conta da Vida a passar a mina.

De longe em longe. Porém, quando há transferências ou rendições, e aparecem


caras e consciências novas, são precisos alguns dias para se chegar a esta
perfeição de entendimento entre as duas forças. O que vem teima, o que está teima,
e parece aço a bater em panderneia. Mas tudo acaba em paz.

Desses saltos no quotidiano de Namanhimbir, o pior foi o que se deu com a vinda do
Cipriano.

Já la vão anos. O rapaz era de Boane, acostumado a sua terra; uma junta de bois,
grandes plantações de banana, laranja, couve, cebola, celeiro da cidade de Maputo.
Além disso, novo no ofício – na polícia, recém-formado na academia policial com
muita teoria e regras por fazer cumprir, para onde entrara em nome dessa mesma
terrosa realidade: um ordenado certo e a reforma por inteiro. Dai que lhe parecesse
o chão de Namanhumbir movediço sob os pés. Mal chegou e se foi apresentar ao
posto, deu uma volta pela aldeia. E naquelas casas na extrema pureza de uma toca
humana, e aqueles seres deitados ao sol como esquecidos da vida, transtornaram-
lhe o entendimento.

-Esta gente que faz? – Perguntou a um companheiro já maduro no ofício.


-Contrabando.
-Contrabando!?
-Sim. Garimpo. Pedras! Irmão.
-Que pedras?
-Rubi!
-Todos!? E as terras, a agricultura?
-Terras!? Estas penedias?
Cipriano queria falar de qualquer hortaliça, fruta que não vira ainda na sua terra, mas
tinha forçosamente de existir, pois que na sua ideia um povo não podia viver se não
de cultivo.

Insistiu por isso na estranheza. Mas o outro lavou dali as mãos:

-Não. Aqui, a terra, ao lado, ao todo, produz a bica de água na fonte. O resto vão-no
buscar a Nanhupo.

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Mas nem assim o Cipriano entendeu Namahumbir e o seu destino. No dia seguinte,
pela mina fora, parecia um cão a guardar. Que o dever acima de tudo, que mais isto,
que mais aquilo – sítio que rondasse, sítio excomungado. Até as ervas falavam
quando qualquer as pisava de saco na cabeça. Mal a sua ladradela de castro-
laboreiro se ouvia, ou se parava logo, ou nem Deus do céu valia a um homem. Em
quinze dias foram oito tiros no peito de Rafael, um par de coronhadas no Sérgio, e
ao Morais teve-o mesmo por um triz. Se não do um torcegão no pé quando
apontava, varava a cabeça do infeliz de lado a lado. A bala passou-lhe a menos de
meio-palmo das fontes.

Mas Namahumbir tinha de vencer. Primeiro, porque o coração dos homens, por mais
duro que seja, tem sempre um ponto fraco por onde lhe entra a ternura; segundo,
porque o diabo põe e Deus dispõe.

Foi assim:

Apesar de inconveniente e duro, num domingo em que havia festa de iniciação


feminina em Namanhumbir, o Cipriano que estava de folga, não resistiu: chegou-se
aos bons. E quem havia de lhe entrar pelos olhos dentro ao natural, cobertinha da
luz doirada do sol? A Fátima que acabada de “donzelar”, trazia os ensinamentos do
ritual! A rapariga tirava a respiração a qualquer homem. Catorze anos que nem
catorze dias. Cada braço, cada perna, cada seio, muita pureza que era de agente se
lamber. Ora como ele andava também na mesma conta de primaveras, e não era de
pedra. O lume da virgem incendiou Cipriano. De tal sorte, que, quando o dia acabou,
o Cipriano não parecia o mesmo. Evapora-se-lhe o ar de salvador do mundo, e até
já via Namanhumbir doutro jeito. Para correr-lhe aquilo no sangue, de guardar.
Tempos depois, apesar de os amores com a Fátima irem de vento em pompa, cama
e tudo, ainda o ladrão se lhe sai com esta:

-Gosto muito de ti, tudo o mais, mas se te encontro a passar pedras e não paras,
atiro como a outro qualquer.
A Fátima riu-se.
-Palavra?!
-A mim?!!!
-A minha mãe, que fosse…
Desprenderam-se dos braços um do outro melancolicamente. E quando no dia
seguinte o Cipriano voltou a cabana tinha a porta fechada.

Como a vida em Namanhumbir é de noite que se vive, e o Cipriano era todo senhor
do seu nariz, puderam decorrer meses sem o rapaz pôr os olhos sequer na rapariga.
Ela passava a mina como podia, e ele guardava a mina como podia.

Namanhumbir olhava.

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E até o natal a vida deslizando assim.

Na noite da passagem do ano, porém, aconteceu o que se já esperava. Parte da


guarnição tinha ido de licença. Todos se chegavam ao calor da lareira familiar,
saudosos de paz e harmonia fazendo planos para o ano que se avizinha. Mas o
Cipriano ficara firme no seu posto.

Chovia. Um calor tal que humedecia toda a gente. Visto dentro da capa de oleado, o
mundo parecia uma coisa irreal, alva, inefável como um sonho. O céu estava ainda
mais silencioso e mais alto que de costume. Em qualquer parte do Cipriano, sem ele
querer, diluía-se na magia que enluarava tudo. Em Boane, numa noite assim… pena
a Fátima ter-lhe saído contrabandista…tê-la encontrado numa terra daquelas…
senão, mais tarde, quando tivesse a reforma… até mesmo agora…

Comovido, deixou-se perder por momentos na vaga mansidão do vermelho.

Mas como por detrás do homem o polícia continuava alerta, mal acabava de pisar
aquele caminho sem pedras, já o seu ouvido de cão da noite lhe trazia a consciência
um rumor de passos só pressentidos.

Acordou inteiro.

Tchap, tchap, tchap…pela neve fora, da outra banda, aproximava-se alguém.

Quem diabo seria? O Saul? O Saul, não; olha o Saul meter-se naquela mata! O
Salvador? O Salvador também não. Era mais atarracado. Só se fosse o Jorge…sim,
porque o Castro, que tinha o mesmo corpo, estava em Metoro, no namoro. Vira-o
passar…

A pessoa que vinha caminhava sempre, direita como um fuso ao cano da carabina.

Tchap…tchap…

Todo gelado por fora, mas quente de emoção que lhe dava sempre qualquer alma
em direcção a mina, o Cipriano esperou. E quando os passos se agudizaram na
folhagem, a mola tensa estalou:

-Alto!

Mas o gume da palavra de comando não conseguiu cortar se quer o ruido da mata.
A sensação que teve ao gritar foi a de baque amortecido. Uma espécie de tiro a
queima-roupa.

Repetiu:

-Alto!
Uma voz cansada entrou-lhe no coração.

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-Sou eu…
-Tu?!
-Sou. Mas nem trago pedra, nem me posso demorar.
-Tu?!
-Eu mesmo. E já que não trago contrabando, nem me posso demorar.

Se ele não fosse o Cipriano, cego e frio dentro da função, o que lhe apetecia era
tomar os braços aquele corpo amado e rebelde. Mas era o Cipriano polícia, a
guardar. Por isso fez arrefecer nas veias a fogueira que o escaldava e estacou o
primeiro passo de vulto com nova ordem.

-Alto, já disse!

Docemente, numa carícia estranha para os seus ouvidos, quem passava falou:

-Não berre, que não vale a pena. Este volume todo – é pessoa. A intenção era boa,
era …mas de repente, em Nanhupo começaram-me as apertar as dores …se não
apertasse as pernas com quanta força tinha, nascia-me o rapaz machangana.
Querias?

O coração do Cipriano não aguentava tanto. Um filho! Um filho seu no ventre de


uma contrabandista!

Regalou-se ainda mais.

- A mim não me enganas tu. Bandida! No posto eu te direi se isso é pessoa, ou são
pedras escondidas em plásticos de areia. Vamos lá! Pela poeira fora a presença da
jovem era como um enigma sagrado diante dos olhos dele. Mas o guarda guardava.

O Cipriano, porém, tinha de levar a cruz ao fim. E já com a Fátima fechada na


pobreza da tarimba, esperou ainda o milagre de a sua obstinação acabar em pedra,
em seco e peco contrabando posto a nu.

Namanhumbir, com tudo, podia mais do que uma absurda obstinação. E mal a
parturiente atirou lá de dentro o primeiro grito a valer, o Cipriano ruiu.

Desesperado, parecia um doido por toda a casa. De quando em quando, arrastado


por uma força que não conseguia dominar, chegava-se a porta do quarto, humilde,
rasgado de cima abaixo de ternura:

-Cipriano …

Um berro que estalava fino e súbito fazia-o recuar transido para o mais fundo da
cubata.

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Até que a trovoada amainou, e do pesado silêncio que se fez nasceu para os seus
ouvidos maravilhados um choro doce, novo, muito puro, que lhe arrancou lágrimas
nos olhos.

Chegou-se a porta outra vez.

-Fátima…

A voz cansada da jovem mãe mandou-a entrar.

E quando o dia rompeu Namanhumbir tinha de todo ganho a batalha. Demitido, o


Cipriano juntou-se com a jovem. Ora como a lavoura de Namanhambir não era
outra, e a boca aberta, que remédio se não entrar na lei da terra! Garimpo-
Contrabando de pedras: O Rubi.

E aí começaram ambos a trabalhar, ele em armas de fogo, que vai buscar a vigo, e
ela com embrulhos de areia, que esconde debaixo das capulanas, enrolados a cinta,
de tal maneira que já ninguém sabe ao certo quando atravessa a mina grávida a
valer ou prenhe de ouro vermelho.

Miguel Torga-Novos contos da Montanha (adaptado)

2.2.1 Acção

- É a sequência de eventos;

-É o processo de desenvolvimento de eventos singulares, podendo conduzir ou não


a um desfecho irreversível. A acção depende de 3 elementos: sujeito, tempo,
transformação, evidenciados pela passagem de certos estados a outros;

-A acção varia de acordo com os diversos géneros da narrativa, dando lugar a


análises diversas. No conto a acção é singular e concentrada, no romance há um
desenrolar paralelo de várias acções e na novela há concatenação de várias acções
individualizadas e protagonizadas pela mesma personagem;

-As acções são constituídas por acontecimentos provocados ou experimentados


pelas personagens podendo ser abertas ou fechadas e ocorrem num tempo e
espaço.

2.2.2 Quanto ao Relevo

2.2.2.1 Acção principal, ou central

- É o conjunto das sequências narrativas que assumem, no texto, uma maior


importância. Sumariamente, é a história principal.

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Exercício 1:

Identifica uma acção principal no texto A.

2.2.2.2 Acção secundária

-A sua importância é definida em relação a acção principal da qual, na maior parte


das vezes, depende.

-Consiste na narração de sequências de menor relevo na diegese. Em narrativas


curtas, como contos tradicionais ou fábulas, não chega a existir.

2.2.3 Sequências Narrativas

-Sequências são unidades narrativas mínimas (proposição e função), compreendem


uma sucessão de “átomos narrativos unidos por uma relação de solidariedade
’(Reis, 1986).

-Os acontecimentos sucedem-se segundo uma ordem simultaneamente lógica e


cronológica.

2.3 Sequências complexas

Encadeamento -seguem a ordem cronológica linear, tal que o final de uma é o


início de outra.

Texto B- Mais camponesa que todas as outras

1ª Sequência

Chegávamos a paragem. Apeávamo-nos num desassossego. Todos tínhamos


pressa de nos desembaçarmos de nova e reforçada dose de formalidades, de
traduzirmos em língua de gente as indicações dos altifalantes, tão abstrusas como
as de Milão, de abordarmos os ciais de embarque. Éramos afervorados pela
sensação de que a rapidez da viagem só dependia agora da nossa ligeireza.ai
estava, na pista, o vulto maciço do avião transatlântico: um pássaro diluviano que
adormecera havia séculos e iria despertar dai a nada, para nos conduzir a um
fabuloso universo nocturno. Já haviam açambarcado os melhores lugares, que se
escolhiam previamente numa planta do avião exposta no átrio do embarque.

2ª Sequência

A meu lado, já se sentara a que havia de ser a heroína destas páginas: uma
camponesa italiana, que eu via pela primeira vez, mais camponesa que todas as
outras da estacão terminal de Milão.

Entretanto, nas escassas horas da travessia, ela viveria uma eternidade de


espantos, ali fechada numa gaiola onde dois universos, o dela e o dos outros,

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tinham marcado um impossível encontro. Nessa vertigem, nem os pensamentos
achavam em que se apoiar.

Seguia, atónita, cada gesto de hospedeira e dos passageiros, o modo de pagarem


nos talheres, o liquido amarelo vertido nos copos. Mas quando a carrinha e abeirou
dos nossos lugares, na sua expectativa só o medo permaneceu. No entanto, os
sentidos da camponesa, gulas antiquíssimas e nunca satisfeitas, tinham-se
centrado, irresistivelmente, no bolo forrado de chocolate, e, num movimento
instantâneo de larápio, ela ainda foi a tempo de surripiá-lo do prato, escondendo-o,
num rufo, debaixo da manta, nem se arriscou a sondar-me para averiguar se eu teria
dado pelo furto.

3ª Sequência

A hospedeira, atenta, foi ao encontro do constrangimento da mulher, insistindo com


doçura:

-mas a senhora não quererá também uma bebida quente, talvez uma chávena de
chá…

A campónia provou a bebida, um regalo de cheiro, e fez um esgar de amargueza.


Não, não gostara. De sabor, era peste. Pôs-se a resmungar. Na sua terra. O chá ou
o café eram adoçados com açúcar. Ou então com mel. Ah, a sua terra. Onde ficava
isso agora? Parecia-lhe a séculos de distância, a memória perdera-lhe o lugar.

Peguei ostensivamente no saquinho que me fora distribuído e, mais ostensivamente


ainda, cortei-lhe um dos ângulos, deixando escorrer para a chávena o granizo
branco. Para ela saber sem que fosse preciso dizer-lho, para que ela prendesse sem
que fosse preciso ensinar-lhe. A minha vizinha esbugalhou os olhos, que riam,
travessos e maravilhados. Copiou logo o estratagema. Encarando-lhe com súbita
familiaridade, depois de sorver uns golos, quis dar-me a entender que o chá, a tal
bebida odorosa mas amarga, tinha, afinal, um gosto suportável.

Fernando Namora, Resposta a Matilde (adaptado)

Exercício (2)

1.Justifica a delimitação das três sequências narrativas.

2.Faz o levantamento das acções de cada uma das sequências.

Encaixe - uma sequência é introduzida no interior da que estava a ser narrada; uma
ou várias sequências surgem engastadas no interior de outra que as engloba.

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Este processo pode ter a função de retardar o desenlace ou justaposição temática.

O Maestro da Banda- Texto C

- O primeiro a chegar ao coreto tem direito a fazer o papel de maestro. A tarde de


sábado começava bem.

Dada a partida, toca a correr com todas as forcas, com Zé Paulo, a frente, disposto a
gritar mais uma vitória. Porem, desta vez, tiveram uma surpresa que os deixou sem
fala, pregados no chão.

Quando Zé Paulo., lançado como ia, chegou ao último degrau com um senhor,
fardado a rigor, de bigodes, sem dúvida nenhuma, o Maestro da Banda.

Apesar da travagem, não puderam recuar perante o convite que o senhor lhes fez:

-subam, subam.

Ainda bem que viera, preciso de ajuda. Daqui a uma hora começa o concerto e até
la ainda há muito que fazer.

Intrigada, Marta achou melhor pôr tudo em pratos limpos, enquanto era tempo:

-Mas nós não sabemos uma nota de música.

-E mesmo que soubessem não tocavam na banda da Recreativa, sem terem


ensaiado- esclareceu o Maestro no puro ar profissional. – A ajuda que lhes peco e
outra bem diferente.

-Talvez vocês não saibam – prosseguiu o Maestro, puxando o lustro a um botão


mais amarelado -, mas o guarda do coreto, grande amigo meu, deu parte de doente
com um ataque de reumático. Vejam só o azar, mérito na cama num dia de festa, ele
que assobia de uma ponta a outra a Rapsódia Húngara que vamos tocar. Nem
podem calcular a falta que ele me faz.

-Nesse caso, vamos a isso, não há tempo a perder – decidiu o Maestro.

-Temos de por o coreto em ordem, antes que os músicos comecem a chegar.

-E para já – adiantou André.

De facto, o palco abeto sobre a avenida não estava em condições de receber um


simples quarteto, quanto mais uma banda com trinta figuras.

Então, a um gesto de maestro, o grupo entregou-se a um agitado bailado, assustado


a passarada que morava no teto. Seguindo as indicações transmitidas pelo mestre,
os três ajudantes tiravam as cadeiras empilhadas a um canto, trouxeram as estantes

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de onde as partituras ameaçavam voar nos dias de vento, arrumavam a casa ao
som de conselhos marcados pelo ritmo.

Meia hora mais tarde, o palco estava em condições de agradar ao publico, e receber
os artistas.

-Não sei como hei-de agradecer vosso esforço – confessou o Maestro limpando o
suor, sorrindo, feliz.

- Conte-nos uma história passada com músicos.

-Com o maior prazer – respondeu o Maestro, tentando lembrar-se de um caso


famoso do seu reportório.

-Desde que me lembro, meus caros amigos, andei toda a vida as voltas com a
música.

Há anos, fui passar as férias numa aldeia perdida, la do Morão, em de um amigo


que andava em viagem.

Cedo descobri que naquela terriola as pessoas só faziam duas coisas. Durante a
semana trabalhavam no campo de manha a noite. Ao Domingo dormiam ou ficavam
a olhar para sitio nenhum.

Uma tarde, empurrei a porta da Sociedade Recreativa dos amigos da Serra e dei
com uma velhota, cuja distração era enxotar as moscas que pousavam perto.

Delicadamente perguntei:

-Boa tarde, a senhora sabe-me dizer em que dias ensaiam a banda da terra?

-Em dia nenhum, meu carro senhor – respondeu num tom seco, sem mexer uma
ruga -, vai para cinco anos que a banda não toca. Não há instrumento, nem gente
interessada que queira tocar.

Confesso, meus amigos, que me apeteceu pegar nas malas e abalar, de vez. Mas o
bichinho da música, a morder com forca, obrigou-me a ficar.

-Não me diga que há por ai, no fundo das arcas ou dos armários, um tambor, um
pífaro, ou mesmo uma viola com as cordas partidas.

Se calhar há, todos embrulhados em teias de aranha.

Mal tinha passado pela última casa, aconteceu-me uma coisa digna de ver.

Qual não e o meu espanto quando vejo o tambor aflito, a rebolar pela ladeira abaixo.

Carregado com um tambor, subi a ladeira, portinho por saber o que sucedera. A
meio encontrei um homem que em palavras simples me deu a explicação:

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-foi que o dono do solar resolveu fazer, deitando para o lixo o que não tinha uso. Ali,
na valeta, ainda esta o resto.

Guiado pelo homem, la fui descobrir mais adiante, junto ao muro da casa, uma
pandeireta, mais uma flauta meio desafinada.

O amigo vento, que e bom bailador e sabe assobiar todas as modinhas, devia ter
soprado o tambor pelas costas, fazendo-o correr pela ladeira abaixo.

Doido de alegria, peguei nos instrumentos que já ninguém queria, voltei a aldeia, e
fui desaponta-los nas mãos da velhota da Recreativa.

Nessa mesma noite, toda a gente soube do caso passado com o forasteiro, na noite
seguinte, houve quem trouxesse um clarinete, mais um cornetim, ferrinhos e
harmónio, saudosos do tempo em que se dedicavam a animar as festas.

A partir daí foi o fim do mundo, vivi as melhores férias de toda a minha vida.

Como veem, amigos – concluiu o Maestro - a música e um bichinho teimoso.


Quando entra no corpo das pessoas, nunca mais de la sai.

-Agora, adeusinho, que os músicos da banda começam a chegar.

-Bom concerto – gritam os três a uma só voz.

Fernando Bento Gomes Sábado EE Um Dia Tocado pela Magia

Exercício(3)

1.Indica a sequência encaixada.

2.Que assunto é abordado na sequência encaixada?

Alternância -uma história é interrompida para dar lugar a outra (s) de origem
dispersa que, por sua vez, fica (m) em suspende cedendo o seu lugar, assim
sucessivamente. Duas histórias são contadas de forma intercalada, uma sequência
interrompe-se para dar lugar a outra. Porém, o discurso é linear apenas há
alternância narrativa.

2.4. Actores

Conceito

Designação de personagem, pode ser uma entidade figurativa ou não (destino).


Pode ainda apresentar-se como individual ou colectivo. A individuação do actor é

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muitas vezes realizada pela atribuição de um nome próprio ou de um determinado
papel temático (pai, camponês, rei, etc.).

Actor é a manifestação discursiva de uma categoria actancial. Assim, actor é o local


onde a sintaxe narrativa se articula com a componente semântica.

O actor é variável e o modelo actancial é invariável.

O actor perpetua-se ao longo do discurso mantendo a sua identidade, graças


sobretudo aos mecanismos de conferência anafórica, (nome próprio, pronome
deíctico, perífrases, indicação do papel temático) garantindo a coesão e legibilidade
à sequência discursiva.

Os actores conferem ao texto representatividade temática, ideológica e sociocultural

Exercício 4: faz o levantamento de todos os actores presentes no texto C.

2.4.1 Relevo

Personagem principal - é a protagonista da história, desempenhando um papel


central na mesma. A sua actuação é fundamental para ao desenvolvimento da
diegese, dado que são elas que modelam e fazem avançar a intriga.

Exercício 5: indica a personagem principal do texto C

Personagem secundária - participa activamente na intriga e pode ter um papel de


relevo na mesma, mas não a decide. Naturalmente, é menos importante que o
protagonista.

Exemplo:

-o saide?

-o chumbo. Já passou.

-o Amisse?

-o António?

Exercício 6: indica as personagens secundárias do texto C.

Personagem figurante - o seu papel é irrelevante na acção.

Exemplo: “ao sair do garimpo parecia um bombo[…]Paulo, do ventre da noite[…]


Teresa[…]Luís, o Leão e o Januário.”

Exercício 7: indica a (s) personagem (s) figurante (s) do texto C.

2.4.2 Composição

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Personagem plana- aquela que, desprovida de grande vida interior e com um
conjunto de traços bastante limitado, assume um comportamento estável durante
toda a diegese e, por isso, previsível.

Exemplo: Fátima dado que em toda a história não variou seu comportamento, tal
que mesmo tendo uma relação com Cipriano não se deixou abalar mantendo-se
firme.

Personagem modelada/redonda- a que é dotada de uma grande densidade


psicológica e cujo comportamento se altera ao longo da narrativa. Por conseguinte,
pode ter, por vezes, comportamentos inesperados.

Exemplo: Cipriano pois ao longo da diegese mostrou-se firme e irredutível,


entretanto o nascimento do filho fê-lo mudar bruscamente de atitude tornando-o
contrabandista, facto que surpreendeu ao leitor tendo em conta aquilo era o seu
percurso.

Personagem-tipo- é a que representa uma classe social ou profissional, sendo-lhe


atribuídas as características típicas que a definem.(tipo social: burguês, capitalista,
jornalista, etc,; tipo psicológico: avarento, ambicioso, fanfarrão, ingénua).

Exemplo: Fátima, representa os contrabandistas.

2.5.3 Processo de caracterização

Directa- as características da personagem são proferidas directamente:

- autocaracterização - é a própria personagem que refere explicitamente os seus


traços característicos.

-heterocaracterização - os traços distintivos da personagem são apresentados


explicitamente pelo narrador e/ou outra(s) personagem(ens).

“range primeiro a porta do saide, e sai por ela, magro, fechado numa roupa
vermelha da cor da terra, calções rasgados, picareta em punho…”

A caracterização de Saide é feita pelo narrador

Indirecta - é o resultado de deduções feitas a partir de atitudes, comportamentos,


reacções, actos de fala, etc., da personagem ao longo da acção.

Exemplo: “…parecia um cão a guardar (atento),

-em quinze dias foram oito tiros no peito de Rafael, um par coronhadas no
Sérgio(fiel, zeloso)

15
2.5.4 Tipo de caracterização

Física - são abordadas as características corporais da personagem.

“Catorze anos que nem catorze dias. Cada braço, cada perna, cada seio…”

Psicológica - há uma referência as características de índole mais pessoal, como o


carácter, o comportamento ou os valores morais.

“Apesar de inconveniente e duro…

…Cipriano era senhor do seu nariz…

-mas Cipriano ficara firme no seu posto…

…comovido…

…Cipriano cego e frio dentro da função …

-desesperado, parecia um doido por toda a casa.chegava-se a porta do quarto, humilde

c) Social - quando se verifica a inserção de uma personagem no grupo social a que


pertence, através da identificação da sua profissão ou da vida em sociedade.

Exercício 8: caracteriza física, psicológica e socialmente a personagem principal do


texto C.

2.6 Espaço

-Categoria da narrativa (uma das mais importantes), componente física que serve de
cenário ao desenrolar da acção e a movimentação das personagens, cenários
geográficos, interiores, decorações, objectos, etc.

-ambiente ou elementos da paisagem exterior (espaço físico ou interior) espaço


psicológico) onde se situam as acções das personagens.

O espaço na narrativa não se resume apenas ao lugar onde o(s) evento(s) se


realiza(m), possuindo também uma dimensão psicológica e social , importante para
a interpretação textual.

-designa uma das categorias da narrativa, o lugar ou os lugares onde decorre a


acção.

2.6.1 Tipos

16
A narratologia distingue três tipos de espaço: Espaço Físico, psicológico e social.

2.6.1.1 Caracterização

Físico

- Espaço geograficamente localizado onde se movimentam e actuam as


personagens. (exterior ou interior)

-espaço real que serve de cenário à acção, onde as personagens se movem.

O espaço físico pode revelar o carácter e o comportamento das personagens


através da localização da acção num espaço rural ou num espaço urbano.

Exemplo Texto A

”…Namanhumbir desperta.

-…Sai quando o relógio de Nanhupo…bate as onze

Espaço psicológico

- Espaço no íntimo dos actantes onde vivem as reflexões, os sonhos, as memorias,


as emoções. Qualquer manifestação textual deste âmbito configura um espaço
psicológico que caracteriza o ambiente a elas associado. Evidencia atmosferas
densas e perturbantes, projectadas sobre o comportamento, também ele,
normalmente conturbado das personagens.

-abarca as suas vivências, os seus pensamentos e sentimentos.

-compreende sentimentos das personagens (tristeza, admiração, infelicidade,


imponência, ternura, antipatia, desprezo, carinho, solidariedade, odio, medo,

-vivência do espaço físico pelas personagens (euforia, disforia), o mesmo cenário


pode ser objecto de atracção ou de rejeição conforme o estado de espírito da
personagem.

Exemplos: Texto D

«a rainha tomou a mão da serva. E sem que a sua face de mármore perdesse a
rigidez, com um andar de morra, como um sonho, ela foi assim conduzida para a
câmara dos Tesoiros. Senhores, aiais, homens de armas, seguiam, num respeito
tão comovido, que apenas se ouvia o rocar das sandálias nas lajes.

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As espessas portas do Tesoiro rodaram lentamente. E, quando um servo destrancou
as janelas, a luz da madrugada, já clara e rósea, entrando pelos gradeamentos de
ferro, acendeu um maravilhoso e fascinante incêndio de oiro…por toda a câmara,
reluziam, cintilavam, refulgiam os escudos de oiro…Um longo-ah!-lento e
maravilhado, passou por sobre a turba que emudecera. Depois houve um
silencioso ansioso.

Exercício 9 :

-Que sensações ou sentimentos o espaço «câmara dos Tesoiros» provoca na


turba?

Alguns exemplos do espaço psicológico nOs Maias

Sonho - «Eram três horas quando se ditou. E apenas adormecera na escuridão dos
cortinados de seda, outra vez um belo dia de Inverno morria sem uma aragem,
banhado de cor- de – rosa: o banal peristilo do hotel alargava-se, claro ainda na
tarde, o escudeiro preto voltava, com a cadelinha nos braços; uma mulher passava,
com um casaco de veludo branco de Génova.» (cap.VI)

Imaginação - «Agora, já ela estava em Lisboa; e imaginava-a nas rendas do seu


peignor, com o cabelo enrolado à pressa…» (cap.VIII)

Memória - «imagens do avo, do avo vivo e forte, cachimbando ao canto do fogão,


regando de manha as roseiras, passavam-lhe na alma em tropel…» (cap.XVIII)

Reflexão - «todo o caminho até ao Ramalhete, Carlos foi pensando sobre seu pai e
nesse passado, assim rememorado e estranhamente ressurgido pela presença
daquele patriarca.» (cap. XIV)

Espaço Social

- Recriação das ambiências nas quais as personagens se inserem, sejam elas de


ordem cultural, social ou económica. Normalmente reproduz valores, hábitos, e
comportamentos, recorrendo a personagens-tipo e/ ou figurantes representativos
desses espaços. Consiste no ambiente social vivido pelas personagens e cujos
traços ilustram a atmosfera social (características culturais, económicas, politicas,)
em que se movimentam.

-construído pelo ambiente social vividos pelas personagens e é muitas vezes


representado pelos personagens figurantes.

-montra das relações económicas, políticas e culturais entre as personagens em que


o conflito entre classes sócias e grupos profissionais, empresas e instituições revela
na narrativa um mundo polémico e instável na complexidade do homem social.

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Relaciona-se com tipos sociais, ocorrem descrições de ambientes que ilustrem
vícios, crítica e deformações da sociedade.

Exemplo:

Quando a noite desce e sepulta, Namanhambir desperta…era o rei de


Namanhumbir. Morto o Alberto nas Pedras, herdou-lhe o guião...saem outros, ainda.
Devagar, pelas horas a cabo, os que parece terem-se esquecido, vão deslizando da
toca. Só mesmo usando não existe mais corpo adulto e valido no povo e que
Namahumbir sossega.

Namanhumbir e caracterizada por uma ambiência de ociosidade, inadequação de


comportamentos, a mediocridade mental, pobreza em suma sociedade
contrabandista e pobre.

2.7 Tempo

É uma categoria da narrativa que designa uma sucessão de momentos.

Numa narrativa distingue-se sempre o que se conta (tempo da história) e o modo


como se conta (tempo do discurso).

2.7.1 Caracterização

Tempo da história/cronológico

-duração dos acontecimentos

- Tempo matemático propriamente dito, sucessão cronológica de eventos


susceptíveis de ser datados com maior ou menor rigor;

-É a organização das sequências por ordem cronológica. (as 7h, manhã, tarde,
2009,2010). É segundo uma ordenação cronológica, e em que surgem marcas
objectivas da passagem das horas, dias, meses, anos, etc. A alteração do tempo da
história resulta em anacronia;

- Tempo em que a acção acontece.

Texto E : Foi Milagre

Eram fins de Setembro, na força das colheitas. De manhã cedo, quando a Matilde,
estremunhada e dorida, chegou a janela, a veiga parecia uma colmeia. Nas vinhas,
as mulheres enchiam cestos, que os homens, em fila indiana, despejavam nas
dornas; e os carros de bois, a escorrer mosto, cantavam depois pela quelha acima
numa alegria de ouriços carregados. Nos lameiros, os velhos tiravam milho,

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apanhavam feijões ou recolhiam aboboras. E nos pomares, trepado, o rapazio
varejava as nogueiras, coalhando o chão.

-Arranja-te, rapariga! Ou queres ficar ai pasmada toda a vida?

Viúva, a Genoveva era moira de trabalho a granjear os bens que o homem deixara.

-Penteia-te, e trata de acender o lume enquanto eu vou apanhar umas macas para o
reco.

Foi, voltou, e a filha no mesmo preparo e no alheamento.

-Tu que tens, mulher.

-Doí-me a cabeça…

-Faz uma pinga de chá.

Pelo dia adiante, aquela névoa matinal foi-se dissipando. À tarde, já mal se notava.
No dia seguinte, desaparecera. E o aterro do tempo começou a arrasar o valado
aberto. Só três meses depois é que tudo voltou novamente ao princípio.

-Pareces-me mais grossa da cinta!...

-Que admiração! Estou prenha…

-Prenha?! Prenha de quem?

-Dum homem.

A Genoveva quis morrer logo ali. Mas não morreu. A vida pode mais de que ela, e
teve de aguentar a filha naquele transe que, de resto, pareceu afligi-la pouco. A
estalar o cós da saia, continuava na mesma, a caçoar com todos e com ela própria.

-Diz-me ao menos quem é o pai!

-Não é o rei, sossegue.

-Excomungada! Com tantos que te queriam para bem…Aquele pobre Artur…

-Não lhe faltam burras de carga. E só escolher.

As feições da petiza que nasceu ao fim dos nove meses da ordem não
correspondiam a nenhuma cara conhecida. Por mais que o espírito bisbilhoteiro de
Dailão se esforçasse, não havia maneira de arranjar cabeça de turco a quem
servisse a carapuça.

-Foi milagre!

20
Miguel Torga, Contos da Montanha

Exercício 10:

-Faz o levantamento de todas as expressões que estabelecem a cronologia da


história.

Tempo histórico -conjunto de referências a acontecimentos e a personagens que


conferem a cor epocal ao texto (tempo histórico medieval, dos descobrimentos, da
luta de libertação, etc). Consiste na época ou período histórico em que se
desenrolam as sequências narrativas.

Texto E: A viajante cor de gafanhoto

Regresso da circunscrição de Manjacaze com o diploma da escola primária. Passei


nos meus exames.

Pequenos grupos de alunos, chegados de todas as escolas do mato mantidas nesta


época pelo governo, tinham sido reunidos na sala grande do colégio europeu. O
meu antigo professor de música, de listas na mão, procedeu à uma chamada
minuciosa e angustiante.

Este exame era sério. Nós, os negros, tínhamos de dar prova de que éramos bons
portugueses.

O ditado também era extraído dum livro de leitura de Lisboa: O texto transportava-
nos a uma província do Tejo, a época do ano em que extraia cortiça aos
castanheiros. O professor português ditou depressa mas eu es tava preparado.

Na prova de redacção, tivemos de escrever um requerimento à autoridade,


excelente oportunidade para expor o assunto numa linguagem polida…

Terminou com o exame oral de leitura explicada. Certos candidatos deram-se ao


luxo de ler passando por cima de algumas sílabas de cada palavra, dando-se assim
ares de verdadeiros Portugueses brancos. Eu não podendo fazer o mesmo,
também não me saí mal. No vocabulário é que perdi o pé. Mas não falemos mais
nisso!

Enfim, tenho, na mão, este primeiro certificado de civilização!

Excerto do capXVIII da obra CHITLANGO FILHO DE CHEFE

Obs: a obra Chltlango narra a história de Eduardo Mondlane e foi para evitar a
repressão colonial que em vez de Chivambo o autor escreveu Chitlango.

21
Exercício 11.

-Retira do texto expressões indicadoras de tempo histórico.

-A que tempo histórico se refere o texto ?

Tempo do discurso

- Tem a ver com a forma como o narrador relata os acontecimentos. Estes podem
ser apresentados de forma linear, mas também com retrocessos ou com avanços
analepses e prolepses - respectivamente.

-É a representação narrativa do tempo da história, o narrador estabelece


prioridades, narrando sucessivamente as ocorrências individuais dessa pluralidade
de tempos. Anacronia- ana”inversão”, cronos”tempos”, alteração da ordem dos
eventos da história, quando da sua representação pelo discurso.

Um acontecimento que, no desenvolvimento da história, se situe no final da acção


pode ser relatado antecipadamente pelo narrador (prolepse/flash forward), por outro
lado a compreensão de factos da presente da acção pode obrigar a recuperar os
seus antecedentes remotos (analepse/flash back).

A prolepse e a analepse podem ser interna, externa ou mista.

Tempo da história: A B C D E F G

Tempo do discurso: a) A B C D E F G ; b) F A B D E [ ] G

c)A B [sonho /profecia/vaticínios] C E F G

Em a) há coincidência entre o tempo da história e tempo do discurso.

Em b)há um recuo no tempo em relação a história principal

Em c) há um antecipação de acontecimentos futuros.

Texto F: Mbelele

De manhã, a terra era fresca. O ar gélido cortava a pele. O céu apresentava-se dum
azul puro, levemente empanado por um véu violeta que desaparecia a medida que o
sol subia, diluído por um calor de estufa, sempre crescente.

Os homens erguiam os olhos para o firmamento, aterrados pela perspectiva da


fome, como que em súplica muda aos deuses da chuva. Mas a abóboda continuava
cerúla, sem uma nuvem, com uma pureza quase turquesa.

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As várzeas estavam já limpas; o povo cansara-se mais uma vez, derribando plantas
bravias, as charruas tinham sulcado a terra, revirando a resteva, as enxadas haviam
pulverizado o folhiço. E tudo isto secara aquele sol de aço.

O próprio rio minguara, lentamente, fugindo da álea dos chorões que lhe
delimitavam o leito, até se restringir a um fio sinuoso, humilde, gemendo.

Seis colheitas antes, a fome visitara a região nas asas roxas dos acrídios. O
gafanhoto, em ondas maciças, limpara com sofreguidão as culturas viridentes e
promissoras, deixando as machambas nuas, os galhos erectos em gesto de súplica,
cruelmente fustigados pelo sol, como símbolos de espectro da fome.

O povo sofrera muito.

Anos depois, o rio tufara com arrufos de soba pérfido, assoprando para as margens
a sua baba cor de ocre, invadindo sanzalas a machambas, submergindo gado e
gente, levando a todos os lares a miséria e o luto, o desespero e as lágrimas. Toda
Gaza fora, então, uma terra de desolação. Dir-se-ia estendida sobre ela as asas do
anjo mau do Apocalipse.

Chegara a seca, cruel e dura, levando a impotência aos braços vigorosos do povo,
enxugando rios, queimando a terra, calcinando a bosta que estrumava as
machambas.

A amplidão térmica era singular: ao ar gélido matinal sucedia um bafo de siroco,


quando o sol, do zénite, dardejava sobre a terra os seus raios de fogo. Então, os
galhos crepitavam como chamiços numa queimada; a miragem voluteava,
caprichosamente, na várzea ampla, qual neblina ondulando rente a terra cansada.

- «Os nguluves estão zangados» -dizia o povo, observando com tristeza o céu
indiferente as suas queixas. E todos procuravam descobrir que desacatos as
vontades dos mortos se expiavam tão dolorosamente.

Cansados de sofrer, sobas e povo se reuniram em solene banja. Unanimemente


acordaram na purificação da terra, olvidada, havia muitos anos, não obstante tantas
desgraças seguidas.

Um nhamussoro imolara carneiros e bodes; matara galinhas, separando-lhes os


bicos, e volteando-as no ar muitas vezes e batendo com elas os corpos dos sobas
acocorados com ar submisso. Bichanara esconjurações, cozera mbambas e dormira
com a pisana em a palhota grande do mais velho dos sobas e retirara-se
prometendo fartura de chuva ainda naquela lua.

Mas não chovera!

Muitas mais tinham bebido as águas do indico. Já todos estavam certos de que o
nhamussoro fora derrotado pela ira implacável dos nguluves.

23
- «A culpa e dos moços, gente. Foram estragados pelos brancos. Não obedecem as
leis velhas da raça. Não fazem a purificação anual da terra» -gritara Mucindo, o soba
velho, apontando com a canha a planície queimada pelo sol.

Os moços, como resposta, pegavam nos xitendes, faziam as malas e partiam para
os «compounds» a alistarem-se para o jone. As raparigas guardavam os berimbaus
nos cantos das palhotas e iam para Mafalala e Estrada Nova vender amor.

Vendo a ruina ameaçando a terra e o povo, os sobas mandaram uma deputação


consultar Nengueuassuna (o homem de perna de mosquito), o mais famoso
nhamussoro de que havia memória em toda Gaza.

- «Ide fazer mbelele…» -tal a sentença de nhamussoro…

Exercício 12:

-Reescreve a história seguindo a ordem cronológica dos acontecimentos.

-Indica a (s) expressão (s) que introduz a analepse no texto.

-Justifica a resposta dada questão anterior.

Exemplo:

Prolepse

«[…]Nascida naquela casa real, ela tinha a paixão, a religião dos seus senhores.
Nenhum pranto correra mais sentidamente do que o seu pelo rei morto a beira de
um grande rio. Pertencia, porém, a uma racha que acredita que a vida da terra se
continua no céu. O rei, seu amo, decerto já estaria agora reinando em outro reino,
para além das nuvens, abundante também em searas e cidades. O seu cavalo de
batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido com ele as alturas. Os seus
vassalos, que fossem morrendo, prontamente iriam, nesse reino celeste, retomar em
torno dele a sua vassalagem- e ela, um dia, por seu turno, remontaria num raio de
lua a habitar o palácio do seu senhor, e a fiar de novo o linho das suas túnicas, e a
acender de novo a caçoleta dos seus perfumes; seria no céu como fora na terra, e
feliz na sua servidão».

Texto G: Teasse

Teasse, verificando a tensão que se estava a formar, disse então:

- «Ouvi, gente: chamei-vos para vos dizer que, dentro de três dias, vou morrer»

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Um frémito de horror percorreu todas as espinhas. Todos os olhos se arregalaram.
O espanto penetrara em todos os nervos, fincando-se neles como se tivesse garras
de leopardo. E o transtorno dos semblantes foi profundo.

Mas a velha, calma e fria, continuou com a sua voz de cara rachada:

«Eu conheço os meus assassinos. Não vo-los digo. E de que serviria? O vosso ódio
aos assassinos será sempre mais fraco do que a minha vingança quando morta…»

Riu-se e calou. Fitou os olhos demoradamente nos parâmetros do mandiqui, coo se


lhes pedisse inspiração. Súbito, a calma desapareceu daquele rosto. As rugas
alisaram-se um pouco. O olhar voltou a ser incisivo como verruma, mergulhando-se
nas meias sombras da palhota. E lampejos de ódio espadanaram, acompanhadas
destas palavras que a tribo escutou com medo:

- «Pela vingança, vereis bem a mão da Teasse. Não e imponente que bruxos se
podem meter com uma pessoa como eu. Eu empurrarei o chão da campa,
aparecerei feita espírito, e toda a tribo dos assassinos tremerá e chorará como
criança indefesa à mandíbulas dum jacaré. A desgraça, gente, será eterna
companheira dessas víboras».

A tensão continuava a crescer naquela palhota. O medo ganhava intensidade. Dos


olhos das mulheres começaram a deslizar lágrimas silenciosas. Os homens,
confusos, simulavam coragem, embora estivessem por um lado atordoados pelo
aviso e, por outro, confortados com a certeza da vingança póstuma que Teasse iria
exercer sobre os criminosos».

Exercício 13:

-Indica as expressões introdutórias de analepse no texto mbelele.

-Retira a sequência que marca a analepse.

Tempo psicológico

-Tempo subjectivo sentido pelas personagens, a forma como estas o vivem, o


sentem e o experimentem na sua individualidade.

-Tempo subjectivo filtrado pelas vivências e pelas emoções das personagens.

Texto H: FECHADO NA CASA DO AVÔ

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Ao tornar a casa, nem histórias havia para adormece-lo, que o avô não consentia
que lhas contassem. Depois do jantar, o avô falava de casos da sua vida. Mas
mesmo isso só de onde em onde, quando tinham visita. Que o avô falava muito
pouco e o dizia era sempre a propósito e nunca somente por falar. Então também
lhe pareciam histórias, mas não tinham fadas nem bezerros de oiro.

Nunca como naquele Inverno os serões lhe pareceram tão compridos, em volta do
braseiro, com o vento assobiando lá por fora. Onde estaria a mãezinha nesse
momento? Devia ser muito longe. O mundo era sem fim…E ele, por mais que
corresse desde manha à noite, não podia, não podia chegar até onde os pais
estavam: diz que para lá do fim da terra havia muita água: mês de água e céu…
Como poderia fazer essa caminhada? Estava era fechado na casa do avô, preso ao
calor da lareira.

E, na noite tão lenta, falavam agora coisas que ele não entendia…

Exercício 13:

-Que expressões indicam o tempo psicológico?

-Quais as circunstâncias levam ao aparecimento desse tempo?

Outros exemplos de tempo psicológico presentes n’Os Maias.

Reflexão

«Carlos e Ega continuaram até ao portão do Cruges. As janelas do 1º andar


estavam abertas, sem cortina. Carlos, erguendo para lá os olhos, pensava nessa
tarde das corridas em que ele viera no faetonte, de Belém, para ver aquelas
janelas.» (cap.XV)

Recordação

«Carlos recordava bem que nessa tarde, depois da melancólica conversa com o
avo, devia ele experimentar uma égua inglesa: e ao jantar não se falou senão de
égua, que se chamava «Sultana». E a verdade era que dai a dias tinha esquecido a
mama. Nem lhe era possível sentir poe esta tragédia senão um interesse vago e
como literário. Isto passara-se havia e tantos anos, numa sociedade quase
desaparecida.» (cap.V)

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«O criado entrou com a bandeja – e Carlos, de pé, junto da mesa, remexendo o
açúcar no copo, recordava, sem saber porque, aquela tarde em que a Condessa,
pondo-lhe uma rosa no casaco, lhe dera o primeiro beijo; revia o sofá onde ela caíra
com um rumor de sedas amarotadas…como tudo isto era já vago e remo.»
(cap.XVII)

Recordação/Reflexão

«Ega sentara-se também no parapeito, ambos se esqueceram num silêncio. Em


baixo o jardim, bem areado, limpo e frio na sua nudez de Inverno, tinha a melancolia
de um retiro esquecido, que já ninguém ama.» (cap.XVIII)

Valorização subjectiva

<<- E curioso! So vivi dois anos nesta casa e e nela que me parece estar metida a
minha vida inteira!>> (cap.XVIII)

Exercício 14

-Retira dos excertos acima expressões indicadoras de tempo psicológico nas


diferentes dimensões

1.4.2 Ordem, Velocidade e Frequência

a) Ordem - confrontamos a ordem de disposição dos eventos ou segmentos


temporais no discurso narrativo com a ordem da sucessão desses eventos ou
segmentos temporais na história. (analepses/prolepse-anisocronia temporal; ordem
linear-isocronia temporal)

b) Frequência – é a capacidade ou disponibilidade manifestada pelo narrador para


realçar a repetição de certas acções, carácter repetitivo evocando anaforicamente
eventos singulares.

Ocorre na frequência:

-discurso singulativo - o narrador conta apenas uma vez o que aconteceu uma só
vez.

-discurso repetitivo - o narrador conta várias vezes o que aconteceu apenas uma
vez.

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-discurso iterativo - o narrador conta uma vez o que aconteceu várias vezes.
(usando expressões como: habitualmente, todos os dias, meses, anos, muitas
vezes...).

Velocidade - definir-se-á pela relação entre uma duração, a da história, medida em


segmentos, minutos, horas, dias, meses e anos, e uma extensão a do texto,
medidas em linhas e em páginas.

O tempo da diegese pode ser maior do que o do discurso (o narrador omite-elipse-


ou sumaria o que aconteceu em determinado período temporal; pode ser menor
quando procede a descrições, divagações, reflexões...-pausas narrativas-; pode ser
idêntico nos diálogos.

Texto I: O DEPUTADO

Chegou o tempo de partir para a capital.

O deputado mandou duas cargas de livros, nenhum dos quais tinha menos de cento
e cinquenta anos.

Seguia-se também uma carga de frango e carne, ementa quotidiana da alimentação


de Rafael António.

Depois, outra carga de vinho velho, e na entrecarga uma garrafeira com duas dúzias
de garrafas de vinho, que competia antiguidade com a fundação da companhia.

O guarda-roupa do procurador dos povos era modesto, salvo o chapéu armado,


calcão de tafetá e espadim, com que ele, na qualidade de fidalgo cavaleiro,
costumava contribuir para a majestade das processões de Gaza, pegando ao pálio.

A pessoa de Rafael António e Benvinda em liteira, e chegou a Nampula ao décimo


dia de jornada, trabalhada de perigos, superiores à descrição de que somos capaz.

De propósito, saltamos por cima dos pormenores da partida, para não descrever o
quadro lastimoso do apartamento de Rafael e Rosa.

O apartamento de Rafael e Rosa era título para dois capítulos de lágrimas.

Por fins de Janeiro, chegou Benvida a Nampula, e alugou casa no bairro Alto, por
lhe terem dito que, naquele porcão de Nampula, a cada esquina havia um
monumento à espera de arqueólogo competente.

Ao cabo de três dias, Rafael mudou-se para rua mais limpa, supondo que os
lamaçais do bairro alto haviam tragado os monumentos, lamaçais em que ele
desastradamente escorregara, e donde saíra mal-limpo, e assoviado por marujos e
colarejas, seus vizinhos mais chegados. Mau agouro! A primeira quimera de Rafael,

28
seu tanto ou quanto científica, atascara-se na lama daquela parte de Nampula, que
devia ser a ínclita Ulissea de Luís de Camões!

O deputado, sem embargo de ir habitar o quarto andar de uma casa lavada de ares
e muito desafogada na rua da Procissão, quis parecer que a atmosfera da capital
não cheirava bem.

Camilo castelo branco. A Queda dum anjo.

(adaptado)

Exercício 14:

a)Sublinha no texto as passagens introdutórias de elipse.

b)Constrói um texto que preencha o espaço da elipse.

2.8 Actante

-É um termo criado por Greimas visando reduzir as seis funções, o jogo conflitual
das personagens, a que chamou actores: destinador/destinatário; sujeito /objecto;
adjuvante/oponente.

-São os seres ou as coisas que de algum modo, mesmo a título de simples


figurantes e da forma mais passiva, participam no processo, directamente
subordinados ao verbo, no quadro da estrutura sintáctica da frase.

-É uma unidade do plano semionarrativo que vai ser concretizada, no plano


discursivo, pelo (s) actor(es), unidade lexical de tipo nominal cujo conteúdo mínimo é
o sema de individuação.

29
Segundo Tesniere, os actantes podem classificar-se em primeiro actante (agente da
acção), segundo actante (paciente da acção) e terceiro actante (aquele em beneficio
do qual se realiza a acção).

Os actantes são lugares vazios, espaços ou posições virtuais que vão ser
preenchidos por um certo número de predicados dinâmicos e/ ou estativos, as
funções e os atributos qualificativos.

O actante pode objectivar-se, ao nível da manifestação discursiva, por uma série de


entidades susceptíveis de individualização, os actores (seres humanos, animais,
objectos, conceitos, valores morais).

Fala-se de três tipos de relações:

Isoformismo- quando a um actante corresponde um actor.

Sincretismo- acumulação de dois ou mais actantes num só actor.

Desmultiplicacao- distribuição das virtualidades funcionais de um só actante por


diversos actores.

Modelo actancial proposto por Greimas: Texto Namanhumbir

Destinador objecto destinatário

Bem estar social pedras garimpeiros/compradores da


pedra

Adjuvante sujeito
oponente

30
Força interior garimpeiros/compradores da pedra
vigilância/Cipriano

Observa-se no modelo acima uma relação de sincretismo, pois dois actantes


(destinatário e sujeito) correspondem a um actor (garimpeiros/compradores de
pedra).

Destinador- promotor da acção do sujeito, entidade ou força superior que permite


(ou não) ao sujeito alcançar o objecto.

Destinatário personagem ou entidade a quem recaem os benefícios ou malefícios da


decisão do destinador.

Sujeito- personagem ou entidade que procura alcançar determinado objecto.

Objecto- personagem, entidade ou aquilo que o sujeito procura alcançar.

Adjuvante- personagem ou entidade que ajuda o sujeito a alcançar o objecto.

Oponente- personagem ou entidade que dificulta a obtenção do objecto por parte do


sujeito.

Exercício 15:

-A partir da história principal narrada no texto mbelele, preenche o modelo actancial


proposto por Greimas.

2.9 Narrador

-Entidade fictícia que, numa narrativa, tem a função de contar a história

-Mera criação do autor que vive única e exclusivamente dentro do texto e tem função
de narrar.

2.9.1 Narrador quanto à presença

Autodiegético – narra o acontecimento na 1ª pessoa, relatando as suas próprias


experiências, como protagonista.

Texto J

31
«Raios luminosos invadem o escuro do meu quarto. Entrem, entrem, raios de sol.
Tragam cor e alegria do amanhecer ao meu ninho de amor. O sol obedecia-me
espalhando a claridade mais e mais. Lá fora a manha e bela, sinto-o. As aves
navegam em onda celestes num voo de esperança. E bonito acordar depois de o só
nascer. Penso em levantar-me, mas para que? Descerro os olhos. Espreguiço-me.
Contemplo o corpo negro e reluzente do meu marido, tão forte como um búfalo,
dormindo sereno como um anjo, roncando mais alto que um camião Bedford, tão
morto de sono como um verdadeiro cadáver. Este meu búfalo tem mais forca que
um leão, isso confirmo eu. Lógico; ao almoço devora um boi e rega-se com cem
litros de aguardente.

Esta vida de soberana dá-me prazeres novos. Pelas manhas percorro o mar verde
dos campos na tranquilidade do poder, ostentando sobre as gentes a vaidade de ter
triunfado sobre todas as mulheres da minha tribo.

Não me canso de apreciar o meu requintado quarto de nupciais na penumbra da


manha. Os olhos incrédulos deliciam-se com o conforto e todas as relíquias. Esta
casa de quatro compartimentos onde vivemos, a mais bonita de Mambone depois
das casas dos colonos, foi construída exclusivamente para nele residir o herdeiro e a
sua primeira esposa. Oi mobilizado um efectivo de vinte homens para se ocuparem
da sua construção. Outros tantos foram encarregados da decoração, e não há
dúvida de que esses homens utilizaram o máximo do seu bom gosto para o arranjo
desta casa. Mandaram vir de Lourenço Marques este mobiliário de madeira
esculpida, que se diz ter custado cerca de trinta vacas, quase o preço do meu
lobolo. Gosto de poisar os pés neste chão fofo, todo coberto de peles de leopardo,
que o meu marido coleccionou em todas as suas cacadas.

Tenho um roupeiro invejável; a minha primeira sogra veste-me de capulanas


vermelhas, luxuosíssimas, blusas bordadas com fios de ouro, colares de marfim,
ouro e cobre, coisas que ela coleccionou durante longo tempo, só para presentear a
primeira nora, a futura rainha. Cada vez que recebo visitas tenho de usar um traje
novo, diferente.

Foi há duas semanas que o casamento se realizou, mas a festa continua cada vez
mais brava. Quase todos os dias, gente de todos os reinos chega em procissão,
cada um com mais oferendas que o outro, numa espécie de competição que mais
parece um acto de suborno ao rei ou ao herdeiro. Servem-se grandes banquetes
que sempre terminam num bailado a volta da fogueira e gente requebrando-se ao
tanta, aumentando o delírio com vozes ébrias.

Nunca sonhei ser a primeira esposa do herdeiro, mas agora só penso em ser rainha,
cada vez que me aproximo da velha, excito-me e desejo ardentemente que a sua
morte seja breve para herdar grandes braceletes do ouro que ela usa nos braços e
nos pés.

32
O poder e como o vinho. No princípio confunde, transtorna, quase que amarga;
pouco depois agrada, e, no fim, embriaga. Eis-me aqui, finalmente, senhora dos
destinos desta terra. Serei rainha sem dúvida alguma. E deste meu ventre que
nascera o homem que depois do meu marido ira dirigir os destinos deste povo.

Continuei devaneando, espreguiçando. Fechei novamente os olhos e vesti-me de


sonhos. Voei até aos pássaros, até as nuvens até ao sol. Fiz uma descida
vertiginosa, minhas asas de sebo derretiam ao sol. Pousei nas nuvens e voei com
elas. Mergulhei num bando de pássaros e, do alto, observei aldeia real onde o meu
corpo cansado repousava, esta pequena cidade que passaria a ser minha depois da
morte do rei. Vi outros pássaros a esvoaçarem na savana que orla a pequena cidade
de palha. Ao lado da grande figueira ergue-se o palácio onde repousam os corpos
do rei e sua rainha. Outros dois palaciozinhos, mesmo ao lado do palácio maior,
pertencem as duas rainhas de segunda classe. As outras habitações, dispostas em
círculo, em nada se distinguindo das vulgares, pertencem as doze rainhas, da
terceira a ultima categoria. É cidadezinha bela, vista do alto. Mas cidade não. É
antes uma enorme pocilga com dezasseis compartimentos onde cada fêmea pare as
suas fêmeas. É uma enorme pocilga, sim senhor, onde o povo vai despejar a ração
para que o varrasco engorde e segregue mais sémen para fecundar as suas quinze
porcas reluzentes de gordura, de ócio, de lixo que os seus braços ociosos não
conseguem limpar. Não exagero, não. As minhas quinze sogras são mais gordas
que as porcas e mais preguiçosas do que elas, essas porcas inúteis a quem o vulgo
considera sobrenaturais.

Da minha árvore vi o rei a ser aclamado por uma grande população de porquinhos
negros, troncos nus, cabelos desgrenhados, rostos remelosos e sorrisos alegres,
enquanto a terra cedia ao peso do monstruoso varrasco, engolindo-o pouco a pouco
até deixaram de se ver os cabelos fartos.

As minhas asas derretiam, voei poisando no tecto do palácio principal. Todos os


porcos se espantaram por ver uma porca em cima de uma casa. E que eu já não era
pássaro, mas uma porca tão porca como todas as outras.

Abri os olhos ainda vestida de fantasia. Qual e a importância dessa massa anónima
chamada gente, quando dentro de si não encerra um saco de sonhos? Os melhores
dias da minha vida são aquelas em que consegui sonhar.

Saúdo o sol, saúdo o vento e toda a natureza trajada de sonhos.

Hoje e o dia de visitar a minha oitava sogra, pilar para ela, cozinhar para ela, lavar
para ela, pois cada sogra tem de conhecer o sabor dos meus cozinhados e o aroma
das roupas lavadas pelas minhas mãos.

Pilai como uma máquina, cozinho como uma artista, deixando as minhas habilidades
de mulher bem marcadas. Tudo terminou em apoteose, a minha oitava sogra teceu-

33
me elogios extraordinários, estúpidos até ridículos, pois eu sabia que ela exagerava,
que iria fazer o contrário nas minhas costas.

Reparei que esta minha sogra coxeava um pouco, e tratei logo de saber porquê?

-Sarnau, minha filha, estas a revolver-me o fel…».

Heterodiegético – narra os acontecimentos na 3ª pessoa, como estranho a história


que narra, uma vez que não integra nem integrou, como personagem, a história.

Texto L

-O homem que saiu do Lada branco era alto e forte, de um forte a cair para obeso.

O seu fato azul-escuro, de balalaica a «Homem Novo» assentava-lhe tão


perfeitamente que revelava ser uma obra primorosamente executada por um bom
alfaiate.

Entrou num grande edifício em passo energético. Ao vê-lo passar, a senhora que
estava sentada na sala de entrada poisou imediatamente o auscultador do telefone
na secretaria, levantou-se e cumprimentou-se.

Ele correspondeu a saudação com um sorriso que acompanhou a inclinação ligeira


na cabeça. Abriu uma porta a meio do corredor, entrou e fechou-a. Guardou a pasta
diplomática na secretária e sentou-se na cadeira giratória. Pôs os óculos, que
imediatamente deslizaram para a ponta do nariz. Rodou a cadeira e consultou um
calendário colocado na parede atrás dele, oferta da IFA. Anotou qualquer coisa
ilegível na sua agenda. Levantou o auscultador do telefone, mas logo o pousou.
Estava indeciso. Ergueu-se e foi para junto da janela. Abriu-a e deixou-se estar, a
frescura do jardim vizinho. Preferia o ar livre ao ar condicionado. Absorvia o ar com
avidez, vendo os peões que passavam diante dele sem no entanto o verem, quando
lhe ocorreu uma ideia. Fechou a janela e correu as cortinas. Com alguma relutância,
foi ligar o ar condicionado. Sentou-se de seguida. Assim que a primeira lufada de ar
fresco bafejou o gabinete, o director teve uma crise de espirros, deixando a
secretária salpicada de gotículas. Enquanto apanhava os papéis que os seus
violentos espirros tinham atirado ao chão, interrogava-se como e que os outros
directores se aguentavam varias horas naquela estufa fria. Não consigo habituar-me
a esta porcaria, murmurou, desiludido consigo próprio. Mas tinha mesmo de se
habituar aquilo. De resto, além de não ser ele a pagar as despesas com a energia,
não podia de usar uma máquina que era sinal de conforto e estatuto social. Caia mal
um director provincial estar no seu gabinete sem ligar o ar condicionado.

34
Um sorriso infantil invadiu-lhe o rosto enquanto o rosto enquanto pensava: vou
pessoalmente ou mando alguém? Pessoalmente tem mais peso. Mas, vendo mas
coisas, ele e até meu subordinado. Dependem todos de mim nesta terra e a minha
assinatura vale a minha presença.

Tocou toda a campainha. A senhora da entrada, que era a sua secretaria, bateu
discretamente a porta e, acto contrário, entrou.

-empresta-me a tua máquina de escrever, Conceição.

Ela correu a recepção e trouxe-a. Pousou-a na secretaria e prontificou-se:

-eu posso escrever, senhor director.

O superior olhou para ela com um sorriso tranquilizador e disse-lhe:

-antes de eu ser director, fui dactilógrafo, Conceição. Escrevo muito bem a máquina.
E se for no teclado internacional posso escrever de ohlos fechados.

Embora não se advinha qualquer gravidade no rosto do seu chefe, Conceição


estava inquieta. Se era ela a escrever todos os documentos do director…

Aqui passa-se alguma coisa. E, seja o que for, não me agrada, pensava ela
enquanto abandonava o gabinete. Com efeito Conceição tinha conhecimento de
toda a papelada que dava entrada no gabinete do director ou dele saia.

Era uma secretaria de confiança. E além disso, constava que até havia entre os dois
mais do que uma simples relação de trabalho…

Uma vez só, o director tirou uma folha de papel branco timbrado e pôs-se a
escrever. Fazia-o, com efeito, como um excelente profissional.

Finalmente, satisfeito com o que acabava de redigir, pôs-se a lê-lo em voz alta:

«A Direcção da Escola Secundaria

Assunto: Pedido de Informação

Eu tive conhecimento que vocês chumbaram o meu filho. Como pai do aluno e seu
encarregado de educação eu, Director Provincial do Comercio Interno, quero saber o
que se passa nessa escola e o que e que tem contra o meu fihlo. Exijo uma resposta
satisfatória. Sei que só faltava um valor a Português e Matemática. Também sei que
os outros alunos mais ignorantes do que ele passaram de classe. Isto e brincar com
coisas serias. E posso mandar prender o responsável desta falta de respeito. Por
isso peco para o senhor director providenciar no sentido da resolução positiva deste
caso.

Agradeço a sua atenção e compreensão.

35
Unidade, Trabalho, Vigilância.

A Luta Continua!»

Enquanto lia afagava o bigode saboreando antecipadamente o susto que o director


da escola teria de ler a sua carta. E assim que se deve lidar com esta gente,
pensava. Se não se usa a autoridade, abusam.

Chamou o motorista e entregou-lhe a mensagem, ordenando:

-vai entregar isto ao director da Escola Secundaria. Pessoalmente! E não venhas


sem resposta. Na volta passa da Avícola para dizer ao director que quero o plano
económico da Empresa hoje, sem falta. Senão a gente manda punir!

Muito tempo depois, Mwaako, o motorista, voltou.

O director abriu nervosamente o envelope que o seu subordinado lhe entregou e leu
a resposta:

«Senhor Director»

Lamentamos imenso não poder satisfazer o seu pedido. E que as notas dos alunos
ainda não foram divulgadas. Sendo assim, nenhum aluno sabe se transita ou não.
Por isso, e estranho que o educando do senhor director já sabia o resultado final. E
do interesse da direcção da Escola saber quem facultou essas informações ao filho
do senhor director. Contudo, se isso se confirmar, encorajamos o senhor director a
pedir explicações ao director de turma.

Quanto as injustiças que refere, na devida altura pediremos que nos concretize os
casos que hoje apontou. Queremos neutralizar as injustiças e punir os responsáveis.

Agradecemos a sua valiosa colaboração. Ela insere-se no âmbito da ligação Escola-


Comunidade.

E acabava assim: a luta pela elevação da qualidade do Ensino continua!

Depois de ler, murmurou, pegando numa pasta com a indicação «Requisições


Indeferidas»:

-Mas será que ele não percebeu o que eu queria? Para o meu filho passar bastava
apenas um jeitinho.

Voltou a ler a carta e só então compreendeu o alcance do seu conteúdo.

-Ah! Ele esta a gozar comigo este filho da mãe! Mas ele pensa que e quem? Muito
bem. Havemos de ver quem na verdade manda nesta terra.

Homodiegético – narra não como personagem protagonista mas podendo ser uma
simples testemunha imparcial a personagem estreitamente solidaria com a central.

36
1.9.2 Focalização (foco de narração, ponto de vista, visão)

Externa – O narrador confina a narrativa a uma representação das características


concretamente observáveis de uma acção; características superficiais e
materialmente observáveis de uma personagem, de um espaço ou de certas acções.
O narrador vê o que um espectador hipotético veria, não é privilegiado. É
denunciada, muitas vezes, pelo pendor acentuadamente descritivo de que se
reveste a narrativa.

Um dos lugares estratégicos de inscrição da focalização externa é o início da


narrativa, quando o narrador descreve uma personagem desconhecida.

A análise da focalização externa permite detectar, muitas vezes, uma espécie de


dialéctica entre o ver e o visto, o interior de quem contempla e o exterior
contemplado.

Texto M

Tirando o dia, a hora, e pequenos pormenores, todos foram unânimes ao afirmar


que Damboia, irmã mais nova de Muzila, morreu de uma menstruação de nunca
acabar ao ficar três meses com as coxas toldadas de sangue viscoso e cheiroso que
sãos em jorros contínuos, impedindo-a de se movimentar para além do átrio da sua
casa que ficava a uns meros da residência do imperador destas terras de Gaza que,
a seu mando, colocou guardas reais em redor da casa de Damboia, impedindo
olhares intrusos e queimando plantas aromáticas que não tiravam o odor
nauseabundo do sangue que cobriu a aldeia durante aqueles meses fatídicos em
que o nkuaia (ritual anual e sagrado em que os súbditos, provenientes de todos os
cantos do império, a corte se dirigiam, cantando e ofertando iguarias e outras coisas
diversas ao soberano dos soberanos que tudo aceitava, no meio de cânticos de
louvor ao imperador que no dia ultimo de mês se dirigia ao lhambelo, nomeação do
local sagrado, nu e acompanhado, para os rituais que culminavam com a matança
de gado e de dois jovens, de ambos os sexos, que entrariam no prato mágico que
revigoraria o império e lhes daria forcas para a bebedeira que se seguia e ao untento
da manha seguinte onde tudo se discutis com o protocolo e a moderação na
linguagem como nos actuais parlamentos e assembleias) não se realizou, apesar de
ser num ano de tumultos e guerras, porque a mulher da corta fora acometida de uma
doença estranha , nunca vista nestas terras desde que o tempo em que outra
mulher, de nome Misiui, perdera leite pelos seus seios durante anos sem fim,
enchendo potes e barris e levando gente de aldeias distantes e dos pântanos
impenetráveis a visitarem-na e tu Maguiguane, vai por essas terras espalhar a

37
morte e a dor. Eu quero que todos, mas todos, se compadeçam com a dor que nos
atacou. Ide, guerreiros. Que o império vos salvaguarda, agora e depois da morte.

Exercico -retira do texto todas as passagens indicadoras de focalização externa.

Interna - (a partir de uma personagem) corresponde a instituição do ponto de vista


de uma personagem inserida na ficção, o que normalmente resulta na restrição dos
elementos informativos a relatar, em função da capacidade de conhecimentos dessa
personagem. O narrador observa e relata através do olhar de uma personagem
inserida na diegese. A quantidade de informação é reduzida.

Omnisciente - O narrador possui um conhecimento integral de todo o universo


envolvente a narrativa, incluindo o íntimo das personagens.

Toda a representação narrativa em que o narrador fez uso de uma capacidade de


conhecimento praticamente ilimitada, podendo, por isso, facultar as informações que
entender pertinentes para o conhecimento minudente da história.

Trata-se de facultar um conjunto de informações relativamente minuciosas e


judicativas, que o narrador, recorrendo as prerrogativas de uma focalização
omnisciente, julga pertinentes para se compreender o desenrolar de história.

«Embora o avo estivesse ali, diante do neto e a olhar para ele, não o via nem o ouvi,
estava perdido dentro de si próprio, mergulhado nos pensamentos que ultimamente
lhe ocupavam a cabeça. Não podia ser! Era impossível deixar alguma coisa de
comer hoje e encontra-la intacta amanha. A mandioca foi toda roída. O que restava
da mapira, do amendoim e dos feijões ettao, eholokho, manruwa, namaara teve de
ser transferido dos respectivos celeiros para aquelas panelas de barro que se
enchiam todo o espaço da divisão que servi de despensa.

De repente, o avo teve vontade de fumar e isso fê-lo despertar. Só então reparou
que o neto estava ali, diante dele.

-Namilepe! Vai la puscar-me foco para eu comer a minha tapaco-pediu».

38
Exercício - retira do excerto passagens indicadoras da presença do narrador
omnisciente.

1.9.3 Voz do narrador

Segundo REIS (1986:442), é a manifestação da sua presença observável ao nível


do enunciado narrativo (intrusões do narrado/registos do discurso)- conceito
mais amplo.

Entende-se por intrusões do narrador toda a manifestação da subjectividade do


narrador projectada no enunciado. Essa presença é manifestada nos planos
ideológico e afectivo.

O narrador homo e autodiegético serão desde logo mais propensos a expressão de


subjectividade. A sua posição relativamente a história constituem factores
determinantes de atitudes intrusivas, e por registos de discurso um tipo de
discurso marcado pela presença de certas propriedades linguísticas; sempre que um
discurso manifesta predominância quantitativa de certos recursos linguísticos que
permutem individualizá-lo.

1.9.4 Tipos de discurso:

Objectivo - cunho intencionalmente impessoal

Pessoal - presença explícita do locutor do enunciado (deícticos, formas linguísticas


que localizam objectos, eventos, pessoas etc); o indicativo utiliza-se para criar um
universo de referência considerado pelo locutor como certo, ou altamente provável).

Ex: narrativas autobiográficas, o narrador assume integralmente a condução da sua


própria história.

-Subjectivo – modalizante - detecta-se indirectamente a presença do sujeito de


enunciação através dos modalizadores, expressões linguísticas que assinalam a
atitude do locutor em relação ao conteúdo proposicional do seu enunciado.

Ex: é possível que, provável que, e incontestável que, verbos de opinião parecer,
julgar, supor, crer etc, se não erro, não sei se a distância...indicam dúvida.

Avaliativo- caracteriza-se pela presença indirecta do sujeito de enunciação no


discurso.

39
Pode implicar uma avaliação de valores morais (ou outros) ou uma apreciação do tio
quantitativo.

Ex: adjectivo (grande, quente, numerosos, difícil, etc).

É através do adjectivo que se manifesta o discurso avaliativo, mas também certos


verbos, substantivos, advérbios.

-Figurado - relevância de figuras de retórica.

A presença do sujeito de enunciação manifesta-se através de um conjunto de


escolhas estilísticas intencionais, etc, material verbal seleccionado.

-Conotativo - designa as franjas significativas de ordem emotiva, volitiva e social


que se agregam aquele núcleo.

-Abstracto - emprego insistente de “ reflexões gerais que enunciam uma “verdade”


fora de qualquer referência espacial ou temporal.

O eu dissimula-se pela utilização de uma 3ª pessoa ou de um sujeito indeterminado,


de modo a que o discurso passa a ser interpretado como portador de uma verdade
universal ou como veículo da opinião pública.

1.9.5 Nível narrativo

Posição em que se situa o narrador: níveis extradiegéticos, intradiegéticos e


hipodiegéticos.

Esquema:

N (extradieget) [ P1/N2 (intradieget) [P2/N3 (hipodieget) historia


imbutida] ]historia principal

a) N= narrador de nivel extradiegético, relatando uma história em que pode ter


tomado parte ou noção.
É aquele em que se situa o narrador “exterior” à diegese que narra, colocando-se
quase sempre (não sempre) numa posição de ulterioridade que favorece essa
posição de exterioridade. (narrador é que conta a história).

N (extradiegético) [personagem/espaço/acções etc].

O narrador extradiegético pode ser autodiegetico (narra suas vivências como


personagem central); homodiegético (narra não como personagem central, mas
como figurante desde testemunha imparcial até a solidária a central; heterodiegético
(relata uma história a qual é estranha).

40
Nível hipodiegético/metadiegéticos aquele que é constituído pela enunciação de
um relato a partir do nível intradiegético; uma personagem da história, por qualquer
razão específica e condicionada por determinadas circunstâncias, é solicitada ou
incumbida de contar outra história, que assim aparece embutida na primeira.

Nível intradiegético/diegético localização das entidades (personagens, acções,


espaços) que integram uma história. Um personagem conta outra história dentro da
principal, com suas categorias.

Nível intradiegético as entidades do nível intradiegético são as que se colocam no


plano imediatamente seguinte ao nível extradiegético e precedendo imediatamente
ao nível hipodiegético.

N1 (extradiegético) [P1/N2 (intradiegético) [P2/N3 (hipod)]] H1

P1 é uma personagem colocada no nível intradiegético a qual cabe


circunstancialmente o papel de narrador dentro da história, abrindo o nível
hipodiegético em que se encontram personagens (P2) e acções, espaços da história
embutida no nível intradiegético.

1.9.6 Análise do Discurso/Modos de Representação Discursiva

O discurso consiste no conjunto de elementos linguísticos que fazem parte de um


universo narrativo e que serve objectivos diferentes, consoante a forma como se
apresentam os enunciados.

Descrição – Na descrição, ocorrem fragmentos discursivos portadores de


informação sobre as personagens, os objectos, o tempo e o espaço que configuram
o cenário diegético.

Fragmentos tendencialmente estáticos, proporcionam momentos de suspensão


temporal, pausas na progressão linear dos eventos diegéticos; expansão dos
núcleos narrativos propriamente ditos, retardar a ocorrência de determinados
eventos acumula informantes, surgem os indícios, elementos que asseguram a
previsibilidade das acções das personagens -função explicativa.

A descrição é o lugar onde a narrativa se interrompe, onde se suspende etc.

Narração - processo de enunciação narrativa, componente dominante, aquela em


que se executa a qualidade propriamente narrativa do género em causa (relato de
comportamentos heróicos, de episódios mitológicos, de eventos históricos, etc)
momento dinâmico incutido a narrativa perfeita, presente histórico (variante
estilística).

41
Diálogo - acto enunciativo que pressupõe sempre a existência de duas “figuras”, o
eu e o tu, o locutor e o alocutário. Há um intercâmbio discursivo entre os
protagonistas da enunciação. O diálogo é a forma canónica da interacção verbal.

Monólogo interior - discurso mental, não pronunciado, das personagens. O


narrador desaparece e a “voz” da personagem atinge o limite possível da sua
autonomização. O monólogo interior, consubstanciado uma radical focalização
interna. (marcado gramaticalmente pela 1ª pessoa e pelo presente.

“Quanto ao dia em que Damboia, postada ao umbral da sua casa, sentiu o sangue
viscoso a escorrer pelas coxas, prenunciando o luar interminável da sua morte, as
opiniões divergem. Malule que guardara a casa sinistrada de olhares intrusos,
dissera-me que nesse dia as copas das árvores foram arrasadas pelo vento maldito
que vinha carregado de conchas das profundezas abissais do mar distante. A tarde
caia. As cacas choravam. E os homens, tremendo, recolheram tudo o que de
essencial tinham fora das cubatas e entraram nas casas que gemiam com o vento e
esperaram pela noite, rogando aos espíritos a cessação imediata daquele vento
maldito. A noite chegou. No céu havia estelas brilhantes e a Lua tinha um corte
ligeiro. Não havia nuvens. E o vento, aumentando de intensidade, tiros o tecto das
casas mais pobres e expos a noite dos espíritos a pobreza de todos os séculos dos
homens sem guarida e nome.

Ao amanhecer começou a cair uma chuva amarela, forte, de gotas grossas e


pegajosas como a baba do caracol. Durante sete dias e sete noites as populações
dos arredores de Mandlakazi, nome que as capitais do império levavam, sentiram na
pele aquela chuva anormal. Na aldeia real havia sol e vento calmo. Nos primeiros
dias era normal ver Ngungunhana dirigir-se aos arredores, acompanhado pelos
maiores do reino, e contemplar aquela chuva azeda, apelando para calma, tudo vai
passar, a gazela não dança de alegria em dois lugares, homens, e preciso calma,
muita calma.

Os que queriam refugiar-se na aldeia real recebiam chicotadas da guarda. E com


razão, pois ninguém sabia que doença e que transportavam, assim porcos, cobertos
daquela massa pastosa como se de ranho se tratasse. O rei tinha razão em afasta-
los. Ele teria que viver para todo o sempre, nem que isso custasse a vida de todos
os súbditos. Ao quarto dia os homens da corte refugiaram-se nas casas e deixaram
de aparecer a rua. Um fenómeno estranho passava-se nos arredores: cadáveres
sem nome e rosto apareceram a superfície das águas lodosas, se e que era água
aquele liquido pastoso e espesso. Tinomba, chefe da aldeia circunvizinha, percorreu
casa por casa a povoação, contando os vivos e perguntando pelos mortos que todos
desconheciam, durante três dias e três noites, tempo igual de permanência dos
cadáveres que desapareceram misteriosamente com a cessão da chuva, na ultima
noite, o que levou os curandeiros chamar a atenção aquele povo que nada
respeitava, e que murmurava tudo o que via e o não via.

42
No sábado último do mês terceiro da dor Damboia morreu. No dia seguinte, os cinco
homens mais fortes da zona acordaram impotentes para toda a vida. E isso não foi o
mais importante durante aqueles meses todos. A pior coisa que aconteceu durante
meses foram palavras, homem! Elas cresciam de minuto a minuto e entravam em
todas as casas, escancarando portas e paredes, e mudavam de tom consoante a
pessoa que encontravam. A violência que Ngungunhane utilizou para assusta-las
não surtiu efeito. Elas percorriam distâncias a velocidade do vento. E tudo por causa
dessas tinlhoco- nomeação em tsonga dos servos- que saiam da casa de Damboia
com os sacos cheios de palavras que as lançavam ao vento. Malvadas! Onde já se
viu um individuo sem rosto vituperar uma pessoa da corte, uma mulher que todos
servíamos com respeito e amor?..Pécoras, bestas sem nome, eram elas que
levavam no saco histórias inventadas, dizendo que Damboia sofria da doença do
peito que faz vomitar sangue pela boca, mas que ela vomitava entre as coxas, em
paga da vida crapulosa que levara.

-crapulosa?

-Não ligues. São palavras do vulgo. Não tem fundamento, Damboia teve a vida mais
sã que eu conheci.

-Para onde vai o fumo, vai o fogo, Malule.

-Nunca hás-de encontrar água raspando uma pedra. Deixa-me falar. Eu conheço a
verdade. vivi na corte.

-Mas qual e o homem que não tem ranho no nariz, Malule?

-Se Damboia teve erros não foram de grande monta. Ela meteu-se com homens,
como qualquer mulher. E nisso não nos devemos meter. O tecto da casa conhece o
dono.

-Mas o caracol deixa baba por onde passa.

-E tudo mentira o que ouviste por ai. Da boca dessa gente, só saem chifres de
caracol. Inventam histórias, fazem correr palavras, dormem com elas, defecam-nas
em todo o lado. E tudo mentira. Eu vivi na corte…

-Mesmo que caminhes numa baixa, a corcunda há-de ver-se, Malule.

Os olhos coriscaram na noite. Colocou duas achas no fogo que morria e recusou-se
a abrir a boca. Não insisti”.

Damboia de Ungulane Ba Ka Khosa (cap II)

Exercícios 16

43
-A partir do texto acima marca os modos de discurso presentes no texto.

-indica as características de cada modo discursivo presentes nas sequências pro ti


seleccionadas.

2.10 Representação sintáctica da superstrutura

-história e moralidade; intriga e avaliação; episódio; moldura e evento -


complicação e resolução.

Toda a narrativa revela de uma superestrutura articulada do seguinte modo: no


desenrolar de uma acção verifica-se uma complicação solicitando uma resolução;
estas duas categorias formam o núcleo narrativo designado como evento, o qual,
juntamente com a moldura em que e desenvolve, forma a intriga, por sua vez
englobada na historia; completando estas categorias com as atitudes valorativas
(avaliativas) suscitadas pela intriga e com a moralidade eventualmente explicitada,
teremos o seguinte diagrama para representar a superestrutura de um texto
narrativo:

Narr

História Moralidade

Intriga Avaliação

Episódio

Moldura Evento

Complicação Resolução

(Reis, 1998:277-278)

44
Segundo Glasson (2006), a maior parte das categorias estão presentes numa
narrativa, mas algumas podem ser apenas mencionadas ou ate estarem ausentes.
Por exemplo, o tempo e o espaço são por vezes imprecisos, quando são menos
importantes numa narrativa. O mesmo se passa com o fim e a moral que não são
sempre explícitos.

Exposição – descrição da ou das personagens, do tempo, do lugar, bem como da


situação inicial, isto e, a situação na qual se encontra a personagem no inicio da
história. E, muitas vezes introduzida por: Era uma vez…”

Acontecimento desencadeador – apresentação do acontecimento que faz arrancar


a história. E, muitas vezes, introduzido por “um dia…”

Complicação – compreende:

-a reacção da personagem: o que a personagem pensa ou diz como reacção ao


elemento desencadeador;

- o objectivo: o que a personagem decide fazer a propósito do problema central da


narrativa;

-a tentativa: o esforço da personagem para resolver esse problema.

Resolução – revelação dos resultados frutíferos ou infrutífero da tentativa da

personagem, isto e, a resolução do problema.

Fim – consequência a longo prazo da acção. (facultativo).

Ex: E viveram felizes para sempre.

Moral – preceito ou ligação que se pode tirar da historia. (facultativa)

Há narrativas compostas por vários episódios que levam a resolução da intriga.

Nessas narrativas cada episódio comporta uma tentativa da personagem ou das


personagens para resolver o problema e o resultado dessa tentativa.

Narrativas que contenham um único episódio.

Situação inicial------------------------------------------------------

Elemento desencadeado---------------------------------------------

-----------------------------------------------------------------------------

Complicação-------------------------------------------------------------

-------------------------------------------------------------------------------

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Resolução-------------------------------------------------------------------

Fim----------------------------------------------------------------------------

Narrativas com vários episódios.

Situação inicial

Problema

Objectivo

Acontecimento 1

Acontecimento 2

Acontecimento 3

Acontecimento 4

Resolução

Exemplo:

EXPOSIÇÃO Era uma vez (tempo) um dragão feroz (personagem) que vivia numa
caverna sobranceira a uma (espaço) e que amedrontava toda a gente (situação
inicial). ELEMENTO DESENCADEADOR Um dia este dragão caiu a um lago e
perdeu a capacidade de lançar chamas. Já não podia assustar os aldeões, lançando
fogo em direcção a eles. COMPLICAÇÃO O dragão receava que a gente da aldeia
viesse a sua caverna para o caçar (reacção); queria muito voltar a produzir fogo
(objectivo). Assim, correu para o restaurante mexicano mais próximo, pediu o taco
mais picante, o chili mais forte e uma forte dose de piri-piri. Engoliu tudo e soprou
(tentativa). RESOLUÇÃO UE! O fogo jorrou! O dragão podia de novo lançar
chamas. FIM Voltou para a sua caverna e viveu feliz para sempre a aterrorizar os
aldeões com as suas maravilhosas chamas.

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1.11 Esquema Narrativo

Modelo hipotético da organização geral da narratividade elaborado por Greimas.

Para Greimas, a regularidade sintagmática que parecia revelar a existência de um


esquema narrativo canónico era a iteração, em todos os contos, de três sequências
com a mesma estrutura formal, as provas.

Prova qualificante – o sujeito adquire a competência modal que lhe permitira


futuramente agir

Prova decisiva/principal – o sujeito conquista o objecto que constitui o alvo de toda a


sua acção, através de um confronte com o anti-sujeito.

Prova glorificante – verifica-se o reconhecimento e a sanca da acção levada a cabo


pelo sujeito.

Este esquema constitui uma espécie de quadro formal onde se vem inscrever o
sentido da vida humana com as suas três instâncias essenciais: e, finalmente, a
sanção que garante a retribuição e o reconhecimento colectivo dos seus actos
(Reis : 140)``

Segundo Glasson (1993:137), o esquema da narrativa diz respeito ao leitor e pode


ser definido como “uma representarão interna idealizada das partes de uma
narrativa típica”

O esquema da narrativa e relativo a uma estrutura cognitiva geral no espírito do


leitor, que este utiliza para tratar a informarão da narrativa. o leitor utiliza este
esquema para prever o que se vai passar, na historia, para determinar os elementos
importantes da mesma…

Para compreender uma narrativa, o leitor tem que identificar as motiva coes e as
intenciones das personagens, a partir dos conhecimentos que adquiriram ao longo
da vida.

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