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Museu e memória biográfica: um estudo

da Casa de Cora Coralina


ANDRÉA FERREIRA DELGADO*

Resumo: A disputa pela fabricação da biografia de Cora Coralina envolve uma rede de
memórias que se apóiam, se cruzam ou se excluem: a autobiografia tecida pela poeta; a
memória biográfica produzida pelo Museu Casa de Cora Coralina; a biografia escrita pela
filha, Vicência Brêtas Tahan; a memória subterrânea engendrada na cidade de Goiás. Nesse
campo de conflitos, pretendo investigar o trabalho de construção e gestão da memória
promovido pelo discurso museológico biográfico. No museu Casa de Cora Coralina, a
disposição, o contexto e a configuração espaço-temporal dos móveis, objetos, fotografias
e poesias constroem a biografia da poeta em simbiose com a memória da cidade e
representam o projeto de promover sua imortalização como Mulher-Monumento de
Goiás.
Palavras-chave: museu; memória; gênero.

Em 2001, a cidade de Goiás recebeu o título Vicência Brêtas Tahan; a memória subterrânea
de Patrimônio da Humanidade, ao passar a engendrada na cidade de Goiás (Delgado, 2003).
integrar a seleta Lista do Patrimônio Mundial, Esse artigo pretende delinear essa intriga
elaborada pela Organização das Nações Unidas com base na investigação do trabalho de cons-
para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). trução e gestão da memória promovido pelo
Este é o mais recente episódio de uma trama discurso museológico biográfico da Casa de
que instituiu Goiás como cidade histórica e Cora Coralina, local mais visitado pelos turistas
turística. Nesse campo da memória, Cora Cora- na cidade de Goiás. Nosso foco de análise
lina é personagem principal: o processo de compreende desde a sua inauguração, em 1989,
monumentalização da poeta como símbolo até o final de 2001, quando uma grande enchente
emblemático da cidade de Goiás constituiu peça fez com que o Rio Vermelho transbordasse e
estratégica na construção desse “lugar da inundasse a Casa Velha da Ponte, causando
memória” (Nora, 1993). grandes estragos ao acervo. Depois de seis
A disputa pela fabricação da biografia da meses de reformas, nos quais o museu continuou
Mulher-Monumento envolve uma rede de parcialmente aberto à visitação, ocorreu a sua
memórias que ora se apóiam ou se cruzam, ora reinauguração, com alterações na composição
se excluem: a autobiografia tecida pela poeta; a da exposição decorrentes do agenciamento de
memória biográfica produzida pelo museu Casa outras concepções de museologia.
de Cora Coralina; a biografia escrita pela filha, Logo após o falecimento da poeta, ocorrido
em abril de 1985, um pequeno grupo de
moradores de Goiás começou a organizar a
* Doutora em História pela Universidade Estadual de Cam- Associação Casa de Cora Coralina, com o
pinas e professora do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada
à Educação (Cepae), da Universidade Federal de Goiás. E- objetivo imediato de lutar pela preservação da
mail: andreadelgado@uol.com.br. Casa Velha da Ponte, herdada pelos filhos da

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poeta, que manifestavam o desejo de vender o desde a infância” (Vellasco, 1999, p. 1) – e a


imóvel. Na ata da assembléia de fundação da elaboração de uma dissertação de mestrado a
Casa de Cora Coralina, realizada no dia 28 de respeito da obra poética de Cora Coralina confe-
setembro de 1985, justifica-se a criação da enti- rem autoridade ao seu discurso. No exercício
dade pela “necessidade da realização de um de suas tarefas, Vellasco é constantemente
trabalho sério, visando à preservação dos bens assediada para reconstruir suas lembranças e
imóveis e móveis, assim como dar prossegui- as trabalha constantemente, repetindo de forma
mento à concretização dos ideais da nossa maior incansável e incessante determinados episódios
poetisa” (Livro de Ata da Casa de Cora Coralina, que compõem uma versão solidificada (Pollak,
p. 1). Nos estatutos aprovados nessa ocasião, 1992) da poeta e reforçando determinados
constam como finalidades da Casa de Cora marcos de interpretação da vida e da obra que
Coralina: estabelecem determinados contornos para a
Mulher-Monumento.
projetar, executar, colaborar e incentivar A primeira ação da associação foi viabilizar
atividades culturais, artísticas, educacionais e a compra da Casa Velha da Ponte. A aquisição
filantrópicas visando sobretudo à valorização foi efetuada pela Prefeitura Municipal de Goiás,
da identidade sociocultural do povo goiano, com recursos da Fundação Nacional Pró-
bem como preservar a memória e divulgar a obra
Memória e da Construtora Alcindo Vieira, de
de Cora Coralina. (Capítulo I, art. 2. Livro de
Ata da Casa de Cora Coralina, p. 5, grifos meus) Belo Horizonte. Em 1988, após as obras de
restauração, coordenadas pelo Instituto do Patri-
Articula-se, assim, o trabalho de gestão da mônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o
memória de Cora Coralina com o a promoção imóvel foi doado à Associação Casa de Cora
do conjunto de valores culturais que pretendem Coralina, entidade mantenedora do museu desde
delinear a identidade do povo goiano. Tomando a sua inauguração, que ocorreu no dia 20 de
a goianidade como pressuposto, a criação dessa agosto de 1989, durante as comemorações do
entidade revela-se peça estratégica não apenas centenário do nascimento de Cora Coralina.
no processo de monumentalização de Cora Historiar os dezesseis anos de funciona-
Coralina, mas na construção simbólica (Ortiz, mento do museu ultrapassa os limites deste texto,
1985) da identidade regional. A produção de cujo objetivo é refletir sobre os significados da
indivíduos-monumento (Abreu, 1994) revela-se, transformação da Casa Velha da Ponte em
portanto, como um importante mecanismo de “casa da memória” (Abreu, 1996), onde inte-
constituição da memória coletiva na sociedade ragem aspectos materiais, simbólicos e funcio-
contemporânea. nais para “parar o tempo, bloquear o trabalho
Na primeira assembléia da Associação do esquecimento, fixar um estado de coisas,
Casa de Cora Coralina foi eleita a primeira dire- imortalizar a morte, materializar o imaterial para
toria, de “caráter provisório com mandato de prender o máximo de sentidos num mínimo de
sessenta dias”: presidente – Marlene Gomes de sinais” (Nora, 1993, p. 22), reinventando cons-
Velasco; vice-presidente – Idelmar de Paiva tantemente a Mulher-Monumento como patri-
Neto e secretária – Salma Saddi de Paiva. mônio da cidade de Goiás.
Conforme as atas das assembléias da instituição, No Guia dos imóveis tombados em Goiás,
desde 1985 até 2003, repetiu-se essa compo- de autoria do arquiteto Gustavo Coelho, a Casa
sição da diretoria. Velha da Ponte é descrita como representante
Efetivamente, a direção e a representação do “modelo típico da arquitetura residencial” do
da instituição estão centralizadas pela “guardiã período colonial e a data da construção é apon-
da memória” (Gomes, 1997) de Cora Coralina, tada como anterior a 1782, correspondendo a
a professora de literatura Marlene Vellasco, uma das primeiras casas edificadas na Vila Boa
pessoa fundamental na trama da memória de Goiás. O imóvel não é tombado individual-
biográfica da poeta: a convivência com Cora – mente, mas faz parte do conjunto arquitetônico
uma “vivência cotidiana”, ela afirma, de “comu- e urbanístico incorporado ao Patrimônio Nacio-
nhão permanente de idéias e convívio íntimo nal, pela ação do Iphan, em 1978. O autor

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justifica o destaque da “Casa de Cora Coralina” histórias e fantasias. Ela sabe que eles estão
no seu inventário, “pela importância sociocultural no seu porão e diz que, por mais de uma vez,
que representa no contexto da cidade, como fez contatos com eles: “não me preocupo se as
pessoas acreditam ou não nesse fato. Eu os
residência de sua poeta maior” (Coelho, 1999,
vejo e falo com eles. Por certo outras pessoas,
p. 67-68). também, poderão vê-los, e o fato fica no julga-
Mais do que pelo valor histórico, é como mento de cada um” (Diário da Manhã, Goiâ-
residência da Mulher-Monumento que a Casa nia, 7 a 13 de abril de 1975, grifos no original)
Velha da Ponte é singularizada no conjunto do
patrimônio instituído pelo Iphan. No entanto, o Essas e outras histórias são narradas em
amálgama entre a poeta e a casa é muito mais detalhes pela escritora nos livros Estórias da
complexo, pois constitui um dos mecanismos Casa Velha da Ponte (1986) e O tesouro da
fundamentais do processo de monumenta- Casa Velha (1996). Ao longo da obra de Cora
lização: Cora Coralina converteu a Casa Velha Coralina, a escrita da memória tece a rede de
da Ponte em templo da memória autobiográfica, significados que investe os espaços da Casa
familiar e coletiva. Velha da Ponte de espessura temporal, conver-
Quando voltou para Goiás, em 1956, depois tendo-a em um lugar singular, lendário e mítico.
de 45 anos de ausência, ela abriu as portas da
Casa Velha da Ponte para vender seus doces e CASA VELHA DA PONTE [...]
conversar com os visitantes, transformando sua Olho e vejo tua ancianidade vigorosa e sã.
casa em um dos pontos turísticos mais procu- Revejo teu corpo patinado pelo tempo, marcado
rados da cidade. Aos visitantes, ela contava das escaras da velhice, desde quando ficaste
assim? [...]
“estórias” de tesouros, fantasmas e poderes mila-
MINHA CASA VELHA DA PONTE [...] assim
grosos da biquinha d’água localizada no porão. a vejo e conto, sem datas e sem assentos. Assim
a conheci e canto com minhas pobres letras.
No porão da casa de Cora Coralina tem um Desde sempre. [...]
tesouro enterrado. Onde, ninguém sabe. “Quem CASA VELHA DA PONTE
quiser procurá-lo, pode” diz ela. “Se achar Velho documentário de passados tempos,
alguma coisa, dividiremos meio a meio”. Esse vertente viva de estórias e de lendas.
tesouro vem sendo procurado há uns dois Minha bisavó falava de seus antigos ances-
séculos. Cora conta a sua história para as trais. [...]
visitas mais curiosas, a mesma história (ou Estórias, fantasias de “enterro do ouro”, muito
estória, como ela gosta de grafar). [...] No porão, ouro que se pesava às arrobas, [...] e assim se
entretanto, tem a famosa biquinha, de uma água criou a mística do “enterro do ouro” na Casa
que vem detrás da Igreja do Rosário, um lugar Velha da Ponte.
chamado Morrinho, pelo povo. A biquinha foi Nesta casa me criei e me fiz jovem. Meus anseios
construída no séc. XVIII e acredita-se que quem extravasaram a velha casa. Arrombaram portas
bebe de sua água, na própria mão, se livra dos e janelas, e eu me fiz ao largo da vida. Pobre,
azares por muito tempo. (Cinco de Março, vestida de cabelos brancos, voltei à CASA
Goiânia, 4 a 10 de fevereiro de 1974) VELHA DA PONTE, barco centenário enca-
lhado no Rio Vermelho. [...]
Quatro fantasmas guardam um tesouro que CASA VELHA DA PONTE, és para o meu
estaria escondido nalgum canto dos porões da cântico ancestral uma benção madrinha do
casa onde reside a escritora Cora Coralina, na passado. (Coralina, 1986, p. 7-11)
Cidade de Goiás. Os fantasmas, segundo afir-
mação da escritora, só deixarão o porão no dia Seja por meio da produção literária, seja
em que o tesouro for achado, comunicação que
através de reportagens veiculadas em jornais,
lhe foi feita pelos entes desencarnados: “São
fantasmas familiares que não me amedrontam,
revistas e emissoras de televisão, a Casa Velha
apesar de que, às vezes, provocam algum da Ponte foi associada a Cora Coralina e vice-
incômodo fazendo barulho e dando pancadas versa. Na rede discursiva que monumentaliza a
nas tábuas do assoalho”, comenta Cora Corali- poeta, essa simbiose testemunha a ligação da
na. A escritora vilaboense garante que os qua- ilustre moradora com o passado imemorial
tro fantasmas nada têm a ver com as suas configurado na cidade colonial.

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O discurso daqueles que dirigiram a trans- memória de Cora Coralina. Em contrapartida,


figuração da casa em museu produz a idéia que outros tantos objetos, imagens e discursos são
a exposição museológica eterniza a poeta ao descartados, ocultados, silenciados, em um
representar a continuidade do cotidiano domés- trabalho de produção do esquecimento. Afinal,
tico: o Monumento precisa ser constantemente
esculpido, divulgado e protegido das interpre-
Tudo continua como no tempo de Cora, só que, tações que questionam a exemplaridade da poeta
agora, transformada em museu, a Casa ganhou como artesã e guardiã da memória coletiva.
ares de administração, com funcionários e tudo
Mais do que celebrar o passado, a institui-
bem distribuído, para os olhos atentos e curio-
sos dos turistas. O importante é que a presença ção trabalha o presente ao empenhar-se na
de Cora está viva, em cada canto da casa. visibilização simbólica da Mulher-Monumento
(Telles, 1991, p. 34) por meio de uma série de eventos que marcam
o calendário da cidade histórica que se volta
Os espaços da Casa Velha da Ponte estão
para o turismo. Como lugar da memória, o museu
impregnados da presença de Cora Coralina, os
significados se entrelaçam. As pessoas conti-
exerce a “vigilância comemorativa” necessária
nuam procurando a Casa Velha, buscando ali para estabelecer, manter e reinventar o culto a
Cora Coralina que, de certa forma, nos seus Cora Coralina por meio das comemorações
objetos, nos seus espaços, mantém-se presen- anuais associadas às datas biográficas. Nesses
te. (Folder “Casa Velha da Ponte”. Fundação rituais, reproduzem-se os marcos discursivos
Pró-Tur Cidade de Goiás, 1998) estabelecidos pela própria Cora Coralina,
tornando-a artífice não apenas da invenção de
O museu é instituído como um espaço si mesma pela prática autobiográfica, mas
situado fora do tempo, capaz de capturar vários também da sua posteridade.
recortes do passado, tornando-os imunes à O museu também promove eventos artís-
corrosão da passagem do tempo e conservando- ticos, incentivando e divulgando a literatura, a
os em um presente eterno. Assim como os
música, as artes plásticas, o teatro e o artesanato
lugares “heterotópicos” designados por Foucault
goianos. Com as cerimônias de celebração da
(1994), o museu Casa de Cora Coralina confi-
memória da poeta e de afirmação da goianidade,
gura um projeto de organização e acumulação
a Casa de Cora Coralina (re)produz continua-
de todos os tempos da vida da poeta, constituindo
mente os eixos da monumentalização ao agen-
um arquivo geral de objetos, imagens e discursos
ciar a criação de novos discursos textuais e
presentificados para evocar Cora e promover
sua imortalização. iconográficos que, por meio de múltiplas estra-
O trabalho de produção e gestão da memó- tégias, reafirmam a biografia oficial e a simbiose
ria é omitido pelo discurso que propõe o resgate com a cidade de Goiás.
da essência de uma história de vida por meio de
uma exposição auto-significante e auto-expli- A liturgia e a exposição museológica da
cativa. No entanto, a organização do acervo Casa de Cora Coralina
resulta do projeto museológico de Célia Corsino
e Virgínia Papaiz, que foi elaborado e executado Vamos voltar nossa atenção para o interior
para atender às expectativas da associação da Casa Velha da Ponte, buscando elementos
mantenedora do museu. Portanto, a narrativa para desvelar os mecanismos de construção da
material da Casa de Cora Coralina é fruto de narrativa material que produz a memória bio-
uma seleção material e simbólica, cujo interesse gráfica. Na exposição museológica, “tudo conta,
não é reproduzir “tudo como no tempo de Cora”, tudo simboliza, tudo significa”, configurando o
mas enquadrar o passado dentro dos limites da lugar da memória como “fechado sobre si
biografia que se quer fabricar e oficializar. mesmo, fechado sobre sua identidade e recolhi-
Na montagem da exposição museológica, do sobre seu nome” (Nora, 1993, p. 27). Em
determinados objetos, imagens e discursos são outras palavras, é na investigação das práticas
escolhidos como documentos biográficos, cujo museológicas que devemos buscar as estraté-
conjunto pretende delinear e perpetuar a gias de produção da biografia oficial.

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No “Corredor de Entrada” da Casa de “Um dia, houve.


Cora Coralina, além dos dois quadros com Eu era jovem, cheia de sonhos
cartazes, produzidos por empresas que homena- Rica de imensa pobreza
gearam a poeta, nos quais se destacam grandes que me limitava
retratos, quatro painéis introduzem o visitante entre oito mulheres que me governavam.
E eu partir em busca do meu destino”.
no templo da memória:
Cora Coralina
A casa tinha sido de grande pompa. Os
antepassados tiveram mineração e escravos na A criação literária ressignifica a casa, anun-
batéia sob vigilância implacável de feitores. O ciando para o visitante que, na perenidade do
ouro das lavras chegava cada Sábado em espaço, está inscrita a possibilidade de encontrar
cargueiros, trazidos em surrões de couro. o passado no presente. Esse conjunto de
Na sala da frente, de janelas fechadas para a excertos reproduz o amálgama entre memo-
rua e abertas sobre o rio, fazia-se a medição e o
rialismo e autobiografia, principal característica
peso.
Entregava-se na Casa da Real Fundição, da obra de Cora Coralina: ao mesmo tempo,
pagava-se o quinto del Rei e dava-se a tara. momentos de construção de uma memória
Recebia-se em barras equivalentes com o autobiográfica e uma forma específica de cria-
carimbo legal, mais fáceis de serem guardadas. ção da memória coletiva. A escriba apresenta
Trocava-se parte por cruzados para os gastos a Casa Velha da Ponte como monumento da
triviais. cidade, cujos alicerces remontam ao tempo
Quando me entendi por gente, esse ouro mítico da exploração do ouro, e a si mesma como
achava-se evaporado, apesar de seu peso e
quantidade, e a grandeza da casa acabara-se
“última sobrevivente de gerações passadas”,
com os antigos donos. depositária da memória familiar que reconstrói
Cora Coralina a trajetória dos antepassados ilustres. A casa
também emerge como centro das reminiscências
Minha bisavó falava de seus antigos ances- autobiográficas, e a poeta vai esboçando um
trais. auto-retrato à medida que revela os personagens
O primeiro lembrado de outro bisavó, um certo do seu universo familiar.
Thebas Ruiz, recebedor dos quintos reais, antes Esse conjunto de painéis, tal como os outros
de morrer enterrou no porão da casa ouro
que estão presentes em todos os aposentos,
avultado, grossas barras e mais lavrados. [...]
Depois veio um Sargento-mor, bisavô de demonstra a apropriação da literatura para a
muitos, português colonial. Um Cônego Couto, composição de um discurso museológico espe-
liberal e dono de moedas, montes de ouro cífico. Cora Coralina criou enredos que entrete-
prataria. [...] Um capitão da guarda nacional, ceram a casa com a cidade, com a história dos
que diagonou milhares de homens felizes e antepassados e com a própria vida, construindo
analfabetos, capitães, majores e coronéis, múltiplos passados interligados. Musealizada,
enfeitados com galões dourados e vitalícios
essa escrita da memória adquire novos signi-
sem percalços de reforma. Um desembargador
da Monarquia – meu pai –, minha mãe viúva.
ficados. A museóloga, ao selecionar os excertos
Minhas irmãs, eu, afinal a última sobrevivente e escolher a localização de cada painel, com-
de gerações passadas. binando-o com os outros elementos da coleção,
Cora Coralina produz possibilidades polissêmicas de leitura.
Ao longo da exposição, os painéis exercem
“Vivíamos na casa, minha mãe, minha bisavó, papel fundamental na atribuição de sentidos e
Eu, minha três irmãs e a cozinheira Lizarda”. valores aos objetos e ao conjunto do espaço do
“Minha mãe, muito viúva, isolava-se no seu museu, visto que são utilizados para caracterizar
mundo de frustrações”.
o atributo biográfico dos objetos e também para
“Valeu muito minha mãe madrinha de carregar:
Mãe Didi” circunscrever os ambientes reconstituídos no
“Minha irmã mais velha governava. Regrava”. museu ao universo doméstico vivenciado por
“Duas criaturas me deram seus carinhos: minha Cora Coralina em diferentes momentos de sua
bisavó e minha Tia Nhorita.” vida.

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No final do “Corredor de Entrada”, uma do Couto Brandão. Ele é de 1881. Couro puro e
porta mantida sempre aberta dá acesso à contém as iniciais em cima. Ali atrás, a Cora,
“Varanda”, local de recepção dos visitantes e com 20 anos. Dois anos depois, em 1911, a Cora
também uma das salas de exposição do museu. casou. Ela casou e teve quatro filhos, 15 netos
A recepcionista informa o preço do ingresso e e 29 bisnetos. Ela morou 45 anos no interior de
orienta o visitante para esperar o guia que vai São Paulo: Avaré, Jaboticabal e Andradina.
acompanhá-lo na visita. Viúva e os filhos criados, em 56, Cora voltou a
essa casa. Cora faleceu em 10 de abril de 85,
Penetrar nesse universo museológico exige
com 95 anos, em Goiânia. Agora, nós vamos
a construção de um texto que permita ao leitor
pra “Sala de Escrita”, pra conhecer as obras de
o contato com a configuração espaço-temporal Cora.
do discurso visual da exposição. Para nos apro-
ximar da memória biográfica instituída pela
narrativa museológica, produzi seqüências
iconográficas de cada um dos aposentos e as
organizei, acompanhando o roteiro imposto ao
público.
No Museu Casa de Cora Coralina, o deslo-
camento do visitante é controlado, acompanhado
por um guia, e obedece a um único roteiro: o
“Quarto da Cora”, a “Sala de Escrita”, a “Sala
de Condecorações”, a “Biblioteca”, o “Porão”,
a “Sala de Vendas”, a “Varanda”, a “Cozinha”
e a “Sala de Memória da Obra”. Em cada ponto
do trajeto, o guia relata informações específicas, Sala de Escrita: Cora começou a escrever com
cujo núcleo se manteve praticamente inalterado 14 anos de idade, mas só veio a publicar o
desde a inauguração. primeiro livro dela, que é Poemas dos becos de
Com o intuito de percorrer a Casa de Cora Goiás, com 75 anos. Dez anos depois, foram
publicados Meu livro de cordel, Vintém de
Coralina, vamos “ouvir” a guia Maria José,
cobre, que é autobiográfico e, após a morte de
funcionária da Casa de Cora Coralina há quinze
Cora, foram publicados História da Casa Velha
anos, em uma gravação realizada em 20 de da Ponte, Meninos verdes, que é literatura
agosto de 1999: infantil, Tesouro da Casa Velha e A moeda de
ouro que o pato engoliu, que é também litera-
tura infantil. Nessa mesa, ela escrevia os poemas
... todos os objetos que a Cora usou. A Cora
estudou só até a terceira série primária. O único
curso que ela fez foi datilografia, aos 75 anos.
Aos 93 anos ela não conseguia mais datilogra-
far. O “Selo do Centenário”... Dia 20 de agosto
é o dia do aniversário de Cora. Nesse dia, ela
criou o “Dia do Vizinho” e o “Dia do Cozi-
nheiro”. O “Dia do Vizinho” porque Cora dizia
que o vizinho é o parente mais próximo nosso.
E o “Dia do Cozinheiro” porque é a pessoa que
prepara nossa mesa. Aqui na cidade de Goiás é
Quarto: Em 20 de agosto de 1889, Ana Lins comemorado o dia 20 de agosto. Aqui atrás,
dos Guimarães Peixoto Bretas, Cora Coralina, temos o Troféu Juca Pato que a Cora recebeu
nascia neste quarto. A Cora passou toda a da União Brasileira de Escritores. Ela é ainda a
infância nesta casa. Essas são algumas das única mulher no Brasil a ter recebido esse troféu.
roupas que pertenceu [sic] a Cora. Essa muleta O capacete que ela ganhou de um engenheiro
Cora usou a partir de 74, quando ela sofreu do metrô de São Paulo, que esteve na casa
uma queda e quebrou o fêmur direito. Cora fazendo uma visita e deixou como doação.
usou muleta até o último dia de vida. O baú em Agora, nós vamos conhecer a “Sala de
couro pertenceu à mãe de Cora, Jacintha Luísa Condecorações”.

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era conhecida por Maria Grampinho, porque


usava mais de 100 grampos na cabeça. Ela
faleceu cinco meses depois da Cora.

Sala de Vendas: Essa é uma “Sala de Venda”,


onde temos os livros de Cora, livros de outros
escritores goianos, cartões postais, pôsters,
camisetas e trabalhos artesanais feitos pelas
pessoas da cidade.

Sala de Condecorações: A beca preta Cora usou


quando ela discursou e recebeu o Diploma
Honoris Causa da Universidade Federal de
Goiás, em 83. Aqui, ela com os acadêmicos e
com os familiares: filha, nora e genro. A outra
beca azul Cora usou quando ela recebeu o
diploma da Academia Feminina de Letras e Varanda: Essa é a sala onde a Cora recebia os
Artes de Goiás, cadeira número 5. Ao lado, a turistas, sentada naquela poltrona. Aqui, ao
Cora declamando. Vamos conhecer a “Bibliote- lado, nós temos o pai da Cora ... ele está morto
ca”, agora. nesta fotografia. A Cora não conheceu o pai.
Ela tinha 25 dias de nascida quando o pai
faleceu. Ao lado, o bando de Lampião e Padre
Cícero, porque Cora sempre falava que tinha
admiração pelo bando de Lampião. O pai era
paraibano. Esse aqui é o aparelho azul-
pombinho... que conta o poema e a história
desse aparelho está [sic] no primeiro livro da
Cora, Poemas dos becos de Goiás. E, agora,
nós vamos conhecer a “Cozinha”.

Biblioteca: Essa é a biblioteca de Cora. Tem os


diplomas, placas, manuscritos, cartas de Carlos
Drummond de Andrade, Jorge Amado, Mon-
teiro Lobato, do Vaticano, e os livros que a
Cora lia. Alguns recentes doados para a Casa.

Porão: Essa bica... essa água vem de uma


nascente de cima do morro, ela passa por
debaixo da Igreja do Rosário. Ela é uma água
potável [sic] e tem desde a construção da casa. Cozinha: Essa é a cozinha da Cora. A Cora foi
Tem mais de duzentos anos essa bica aqui na doceira durante 14 anos, fazendo doces
casa. Ali embaixo, os pertences de uma senhora cristalizados. Hoje, tem quem dá continuidade.
que vinha todas as noites dormir no porão. Ela Os doces estão à venda. Aqueles foram os

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tachos usados por Cora ... a geladeira ... todos Para os objetos-testemunho do cotidiano de
os objetos da cozinha. Cora Coralina, os suportes constituem também
parte da coleção biográfica: utilizam-se peças
Sala de Memória da Obra: E essa é uma “Sala de mobiliário e utensílios que compunham os
de Memória da Obra”. Faz parte da restauração
ambientes domésticos da Casa. Ou seja, os
da casa. Quando a Cora faleceu, a casa tava do
jeito que estão [sic] nos quadros. A restauração objetos são contextualizados pela composição
durou três anos, pra depois ser aberta como museológica do “Quarto”, da “Varanda”, da
museu. “Cozinha”, da “Sala de Escrita”.
Para além da existência banal de artefatos
Na composição da exposição museológica, geralmente produzidos em série, cada um desses
um conjunto de móveis, objetos, fotografias, objetos, deslocado do universo privado para o
pinturas e painéis com trechos da produção espaço público, passa a ser considerado único e
literária da poeta entrelaça-se ao discurso do singular, “auráticos” na expressão benjaminiana
guia, construindo uma narrativa biográfica que (Benjamin, 1994), exatamente por terem perten-
estabelece os contornos da Mulher-Monumento. cido a Cora Coralina e interligarem-se entre si,
Em cada um dos aposentos, determinados mar- formando uma trama narrativa que compõe tanto
cos biográficos são estabelecidos, de modo a o cotidiano quanto a imagem pública da poeta.
promover um enquadramento da memória Os objetos que são as insígnias da consa-
(Pollak, 1989) e a produzir uma biografia oficial. gração da Mulher-Monumento – troféus, diplo-
Ao mesmo tempo, as imagens e os discursos mas, medalhas, condecorações, becas – estão
evocam a cidade de Goiás e, mais especifi- majoritariamente expostos em mobiliário museo-
camente, a Casa Velha da Ponte. Ou seja, lógico: armários e vitrines, que formam a “Sala
mecanismos de transferência de sentidos atuam de Condecorações” e a “Biblioteca”.
para promover a simbiose da poeta com a cidade Essas estratégias diferentes de contextua-
e instituir a memória individual como represen- lização dos objetos, tal como destaca Ulpiano
tação da memória coletiva. Meneses (1994; 1998), são fundamentais para
Na narrativa delineada ao longo do per- a construção do olhar do visitante: a composição
curso, “os objetos são suportes de significações dos ambientes domésticos desloca a apreensão
que a própria exposição museológica propõe” dos significados dos objetos para a esfera
(Meneses, 1994, p. 86). No Museu Casa de Cora privada, enquanto a “vitrinização” remete à
Coralina, os conteúdos social e historicamente interpretação, em última instância, para os
construídos para o gênero feminino em nossa sentidos engendrados no espaço público ao longo
cultura são agenciados continuamente por meio do processo de monumentalização da poeta.
da exibição de um conjunto de artefatos femi- Na casa da memória da Mulher-Monu-
ninos que funcionam como vetores de cons- mento, diferentemente do que ocorre em museus
trução do gênero e de instituição da Mulher- construídos em torno de personagens mascu-
Monumento. linos, os espaços privados da cozinha e do quarto
Na coleção exposta, encontramos objetos são valorizados e o ambiente feminino é
pessoais – roupas, chinelos, valises de viagem, reconstruído com a utilização dos objetos do
muletas, óculos, leques, canetas – e objetos de cotidiano.
trabalho, como a máquina de costura, a máquina Na “Cozinha”, os instrumentos que moldam
de escrever, a balança e os tachos de cobre. a prática culinária de fazer doces são transfor-
Além de uma infinidade de objetos domésticos: mados em objetos biográficos e modulam o ofício
louças, panelas, utensílios de cozinha, toalhas e de doceira como marco da história de vida
guardanapos. O gênero está incrustado nesses (Delgado, 2002): o fogão a lenha, os tachos de
objetos biográficos (Bosi, 1987) que nos contam cobre, a presença das frutas da região, a balança
histórias femininas, pois são artefatos de que as e os próprios doces à venda reinventam a prática
mulheres se servem, mantêm e conservam dia- de fazer doces. Com essas peças singularizadas
riamente. pelas marcas deixadas pelo fazer cotidiano,

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reconstruímos os gestos e as vivências daquela lho como marco biográfico com base nas marcas
que os manipulou, investindo-as de intenso valor inscritas no próprio corpo. Entrelaçadas com a
simbólico. Sacralizados pelo ambiente museoló- linguagem espaço-temporal do discurso museo-
gico, os doces tornam-se alimentos-signo da lógico que nos desloca para as antigas cozinhas
tradicional arte da doçaria, constituindo apelo goianas, as poesias falam do trabalho das
irresistível para o turista. mulheres, aproximando-nos do conjunto de
Nesse espaço socialmente considerado gestos, códigos, saberes femininos envolvidos
como domínio feminino, o tempo acumula-se no na execução dos afazeres domésticos que se
mobiliário e nos utensílios, tecendo vínculos entre desdobravam em ofícios femininos para a
um passado muito antigo e o presente fugidio obtenção dos “abençoados vinténs, tão valedo-
do trabalho cotidiano das mulheres. Nos painéis res, tão indispensáveis”.
ali expostos, o discurso literário da poeta é O “Quarto”, espaço doméstico que costuma
agenciado na construção dos sentidos para a ser ocultado aos olhares estranhos, é composto
exposição: museograficamente de forma a recompor a
intimidade feminina. Significativamente, é o
Minhas mãos doceiras primeiro aposento do roteiro estabelecido para
Jamais ociosas, o visitante, constituindo o lugar escolhido para o
Fecundas. Imensas e ocupadas. discurso museológico estabelecer os fatos
Mãos laboriosas. fundamentais da trajetória de vida de Cora
Abertas sempre para dar, Coralina.
ajudar, unir e abençoar. O perfil biográfico traçado pelo guia é
[...] (In: Meu livro de cordel) pontuado pelas grandes datas de uma vida – o
nascimento, em 1889; o casamento, em 1911; a
A pobreza em toda a volta, a luta obscura de
transferência para São Paulo; o retorno para
todas mulheres goianas. No pilão, no tacho,
Goiás, em 1956, e o falecimento, em 1985. A
fundindo velas de sebo, no ferro de brasas de
engomar. Aceso sempre o forno de barro. intersecção do tempo cronológico com o tempo
As quitandas de salvação, carreadas pelos social instaura os conteúdos culturais da iden-
tabuleiros, os abençoados vinténs, tão tidade feminina, apoiando-se em ciclos: infância,
valedores, indispensáveis. juventude, casamento, maternidade, viuvez,
Eram as costuras trabalhadas, os desfiados, os velhice. Atravessando as referências temporais,
crivos pacientes. A reforma do velho, o o espaço emerge como núcleo: a Casa Velha
aproveitamentos dos retalhos. da Ponte é o centro simbólico, espaço existencial
Os bordados caprichados, os remendos e sagrado (Bachelard, 1993), que funda o mundo
instituídos, os cerzidos pacientes ... de Cora Coralina – é o centro do seu destino,
Tudo economizado, aproveitado. Tudo ajudava onde ela nasceu, passou a infância e a juventude.
a pobreza daquela classe média, coagida,
Desse lugar ela partiu para viver o casamento e
forçada a manter as aparências de decência,
a maternidade, retornando na velhice para tecer
compostura, preconceito, sustentáculos da
pobreza disfarçada. Classe média de após treze
a imortalidade.
(13) de maio. Geração ponte, eu fui, posso De forma mais intensa que nos outros
contar. ambientes, no “Quarto”, as marcas que o uso
Cora Coralina imprimiu aos objetos biográficos recordam mais
do que a passagem do tempo, pois constituem
Nessas duas poesias, assim como em toda vestígios materiais que ganham significado ao
sua obra, Cora Coralina engendra, em um duplo incorporar a interação com o corpo que os
movimento de escrita da memória, o passado manipulou em práticas cotidianas rotineiras: os
coletivo e o individual: “Moinho do tempo” chinelos furados, o leque gasto, o castiçal
(Coralina, 1984), poesia memorialista, revela a quebrado, as muletas rotas que apoiaram o corpo
pobreza do passado configurada na labuta cansado, a fronha furada que tantas vezes
cotidiana das mulheres goianas; “Estas Mãos” guardou o sono da poeta evocam a presença de
(Coralina, 1994), autobiográfica, recria o traba- Cora Coralina, seu toque e seus gestos.

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DELGADO, ANDRÉA FERREIRA. Museu e memória biográfica: um estudo...

Nesse lugar privilegiado da vida íntima, as poeta construída pela mídia, na década de 1970
peças do vestuário da poeta formam um conjunto e, principalmente, no início da década de 1980.
de objetos que são vetores da subjetividade No processo de monumentalização, essas
feminina (Perrot, 1989) e tornam-se estratégicos imagens-símbolo são evocadas recorrentemente,
para a construção da narrativa de cunho pois a produção, a circulação e a recepção dos
autobiográfico. Diferentes composições são discursos de Cora Coralina são indissociáveis
realizadas com os vestidos simples, a maioria da figura humana: a velhinha de cabelos brancos,
de uso doméstico, combinados ao chapéu, ao magra, face enrugada, de aparência frágil,
guarda-chuva e aos diferentes lenços, echarpes, locomovendo-se com dificuldade, encantava
chales e bolsas. Inseridos na exposição museo- quando transformava a voz trêmula em um
lógica, esses elementos representam a dimensão torrencial de palavras fortes. A ancianidade
privada da vida feminina e mobilizam o desejo constitui, portanto, peça fundamental na teia
do espectador de apreender a intimidade que discursiva que institui a poeta como Monumento,
essas roupas denotaram outrora. socialmente investida do poder de recordar,
Outra prática feminina no trabalho com o testemunhar e eternizar o passado.
passado é a materialização da memória familiar A inscrição de Cora Coralina como arqui-
em artefatos cuidadosamente preservados, vista e arauto da memória constitui matéria
alguns guardados e outros exibidos ao olhar primordial da narrativa museológica, na qual
público (Barros, 1989). Essa estratégia de me- objetos, imagens e poesias vão urdindo uma
mória do espaço doméstico é apropriada pelo trama com os fios entremeados do passado
museu, e a “Varanda” é o lugar privilegiado da individual, familiar e coletivo, construindo o
memória familiar, recriada por Cora nos seus poder de evocação da Mulher-Monumento.
livros. Dentro da cristaleira, por exemplo, encon- Nesse processo, a memória de Cora Cora-
tram-se cacos das peças que compunham um lina é amalgamada com a Casa Velha da Ponte,
aparelho de jantar que foi âncora da memória em uma prática estratégica para celebrar, come-
nas poesias “Estória do aparelho azul-pombinho” morar e perpetuar a poeta como monumento da
e “O prato azul-pombinho”, do livro Poemas dos cidade de Goiás. O discurso material, o icono-
becos de Goiás e Estórias mais (Coralina, gráfico e o literário engendram o espaço da Casa
1993), nas quais a poeta traça um painel dos Velha da Ponte como síntese de todos os tempos
costumes e dos rituais das famílias goianas da cidade, tal como está sintetizado na “Sala de
tradicionais. Os objetos expostos nesse aposento Memória da Obra”, e a Mulher-Monumento
configuram signos da genealogia, que eviden- como artesã e guardiã dessa memória ancestral.
ciam e destacam a importância da linhagem e o A exposição da Casa de Cora Coralina
papel das relações de parentesco na construção expressa o princípio orientador da biografia
biográfica da Mulher-Monumento. institucionalizada: a narrativa museológica é a
Ao longo da análise dos espaços domésticos solidificação da autobiografia produzida por Cora
reconstituídos, percebe-se que o gênero atribui Coralina, na qual presente e passado são cons-
significados à exposição museológica, configu- truídos, entrelaçando os tempos da vida à cidade
rando uma narrativa material engendrada por de Goiás. Podemos, portanto, afirmar que tal
móveis e objetos biográficos pessoais e fami- concepção museológica pretende construir a
liares que falam do cotidiano, dos afetos e das memória individual como símbolo da memória
práticas da Mulher-Monumento. da cidade, consagrando e imortalizando a Cora-
Outro importante componente da coleção Monumento.
biográfica é o conjunto de imagens da poeta
espalhadas pela Casa, distribuídas em múltiplos A narrativa biográfica do museu no
suportes: fotografias, quadros, objetos. Com confronto da batalha das memórias
exceção de duas fotografias da década de 1920,
que estão no “Quarto”, a iconografia retrata a No processo de consagração da imortal,
poeta na velhice. O acervo museológico repro- duas construções póstumas lutam pela produção,
duz, com isso, a personagem da anciã doceira e pelo controle e pela divulgação da biografia

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oficial da Mulher-Monumento: a narrativa dos casos, convivem desde a infância, encon-


biográfica do Museu Casa de Cora Coralina, tram-se quase diariamente e guardam um
que reproduz a autobiografia tecida pela poeta repertório de histórias que são relembradas
na sua obra e nos seus depoimentos, confronta- constantemente.
se com a biografia Cora coragem, Cora poesia, Na memória subterrânea, os significados e
escrita pela filha caçula Vicência Brêtas Tahan, sentidos da vida de Cora Coralina, ou Aninha/
que esmiúça acontecimentos não revelados Anica como era chamada na juventude, estão
publicamente por Cora Coralina e provoca a concentrados ou cifrados em um momento
ruptura com a memória de si instituída pela crucial, contado com elementos invariáveis:
literata. “Todo mundo sabe que Cora fugiu com um
Essas estratégias divergentes que se digla- homem casado, viveu com um homem sem ser
diam para a construção da Mulher-Monumento casada, acho que nunca casou mesmo”, afirma
contrapõem-se com a memória dissidente uma depoente. Outro repete: “Todo mundo sabe
engendrada por uma parcela dos moradores e que Cora saiu fugida, montada num burro, na
moradoras de Goiás que contestam a monu- garupa de um burro, com um homem casado. E
mentalização da poeta. foi lá para São Paulo.”
Para analisar essa batalha das memórias, “Foi quando ela deu aquele passo de
vamos perscrutar os mecanismos de construção, escandalizar uma sociedade fechada como a
divulgação e preservação de uma memória nossa”, analisa uma depoente, “vovó é que
subterrânea na cidade de Goiás. contava para mamãe. [...] O povo antigo da
Durante as entrevistas com os vilaboenses cidade não esqueceu, todo mundo conhece esse
– como são conhecidos aqueles que nascem e/ histórico de vida dela, que eu acho que foi um
ou moram na cidade de Goiás, perpetuando a determinismo de vida.”
referência à denominação anterior de Vila Boa Assevera um morador: “Nossa cidade tem
–, quando eu solicitava que conversássemos a o escol da cultura goiana, e o povo sabe posi-
respeito de Cora Coralina, muitos depoentes cionar-se nos seus moldes morais. Como estimar
mudavam o tom da narrativa, alguns pediram um mulher que todo mundo sabe que montou na
para desligar o gravador em muitas passagens garupa de não sei quem, um homem de fora,
e outros solicitaram a interrupção da entrevista, que era casado e foi embora?”
alegando temer represálias. Foi necessário Uma parente de Cora considera que essa
prescindir de informações importantes para história maculou também os familiares:
caracterizar a fonte e assegurar que não utili-
zaria qualquer parâmetro de identificação, como Quando Anica namorou com um homem
nome, profissão ou idade. Essa atitude de temer casado, ela não contou nem para mamãe que
era íntima dela, mamãe não sabia de nada. Foi
gravar depoimentos, mesmo depois de ter
uma mágoa muito grande, todos da família
conversado informalmente com a pesquisadora ficaram mal com aquilo. A mãe dela ficou
sobre o assunto, denota a eficiência dos meca- doente, envergonhada de Cora ter feito aquilo.
nismos de silenciamento dos discursos dissi- A mãe dela ficou sem sair na rua muito tempo,
dentes. ficou trancada em casa.
A memória subterrânea, na acepção de
Michel Pollack, opõem-se à memória instituída Poderíamos “ouvir” essa história contada
como oficial e “prossegue seu trabalho de por mais pessoas, porém, os padrões da narrativa
subversão no silêncio” (1989, p. 4). Os conflitos e o enredo continuariam os mesmos: a noite em
e a competição entre a biografia oficializada pela que Aninha/Cora fugiu de Goiás com um homem
Casa de Cora Coralina que cria a Mulher- casado, em um lombo de burro. A identidade do
Monumento e a memória que produz a Cora homem interessa muito pouco, sua condição de
estigmatizada são ininterruptos na cidade de casado é que constitui o aspecto fundamental
Goiás. A preservação dessa memória divergente desse enredo resumido.
está interligada a uma rede de sociabilidade, A maneira sintética como o acontecimento
unindo grupos de moradores que, na maior parte é narrado encerra seu significado, pois a reve-

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DELGADO, ANDRÉA FERREIRA. Museu e memória biográfica: um estudo...

lação de um só momento, de uma única cena, cidade entre ele e o biógrafo numa atividade
de um único ato converte-se no resumo biográ- excitante e proibida: atravessar o corredor na
fico com base no qual instituem o estigma que ponta dos pés, parar diante da porta do quarto
marca Cora Coralina e pela qual sua imagem é e espiar pelo buraco da fechadura. (Malcon,
1995, p. 17)
construída por parte da memória subterrânea.
Os depoentes consideram desnecessário acres-
A história romântica narrada por Vicência,
centar outros elementos além da fuga de uma
que termina por exaltar a coragem e a deter-
jovem com um homem casado, pois aí se
minação de Ana/Cora em enfrentar os precon-
condensa o valor emblemático da transgressão
ceitos da época, adquire outros sentidos na
feminina.
memória subterrânea, configurando um estigma,
Em poesias e depoimentos, entretanto,
na acepção de Erving Goffmann (1975), uma
Cora Coralina imprimiu uma versão para sua
marca socialmente instituída, que configura uma
vida que corresponde ao destino que ela apren-
mácula no status moral e determina práticas de
deu a atribuir ao gênero feminino, contando sobre
exclusão do indivíduo.
o noivado, o casamento em 1910 e a mudança
Quando a poeta retorna para a cidade de
para São Paulo em 1911, citando as respectivas
Goiás, as quatro décadas de ausência não tinham
datas dos eventos tal qual ocorre no resumo
apagado a lembrança desse episódio e ela
biográfico apresentado no Museu Casa de Cora
reencontra-se com a história da fuga da jovem
Coralina durante a visita ao “Quarto”.
Aninha, transmitida de geração para geração.
Esse episódio da fuga para São Paulo,
Conforme resume um depoente, “essa história
silenciado e/ou ocultado pela poeta e pela
narrativa museológica, torna-se o ponto central ficou na cidade, essas coisas o povo não esquece
da composição da narrativa biográfica do livro não”.
Cora coragem, Cora poesia (Tahan, 1989), O conjunto de histórias, com as quais uma
que esmiúça o romance entre Cora Coralina e parcela dos moradores compõe a memória dos
Cantídio Bretas: a aproximação entre os dois; o anos em que a poeta morou na Casa Velha da
namoro com o consentimento da família; a Ponte, faz sentido à medida que se relaciona
decisão materna de proibir o relacionamento com o mesmo momento crucial e simbólico que
depois da descoberta que Cantídio havia funda uma identidade. A mecânica da estigma-
abandonado a esposa e os três filhos em São tização estabelece-se nas relações sociais e
Paulo, além de ter uma filha com outra mulher; associa valores e conceitos depreciativos aos
os encontros de Cora e Cantídio às escondidas atos e à personalidade de Cora Coralina.
e a gravidez; a decisão de passar a viver com A memória subterrânea é composta por um
Cantídio, rejeitada pela mãe de Cora; o plane- conjunto de lembranças dissidentes da imagem
jamento e os detalhes que marcaram a fuga oficial, transmitidas e preservadas nas redes
empreendida pelo casal na madrugada do dia familiares e de amizades. Tanto que elas foram
25 de novembro de 1911. expressas com mais facilidade em entrevistas
Ao tornar este o fato central do livro, a coletivas, nas quais as pessoas recorriam umas
autora propôs-se a contar um segredo guardado às outras para referendar o que estavam contan-
por sua mãe, algo desconhecido, um ponto do, encadeando histórias que fazem parte de um
obscuro da sua vida privada. Com essa estra- repertório comum, demonstrando que foram
tégia, Vicência procura estabelecer um pacto muitas vezes recordadas pelo grupo. Há muito
com os leitores baseado naquilo que Janet tempo, histórias a respeito de Cora Coralina
Malcom chama de “natureza transgressiva da mantêm girando, como diria Norbert Elias e Jonh
biografia”: Scotson (2000, p. 92), as rodas do moinho da
fofoca na cidade de Goiás.
a incrível tolerância do leitor (que não se A utilização do termo “fofoca” não desva-
estenderia a um romance mal escrito como a loriza nem questiona o discurso dos depoentes,
maior parte das biografias) só faz sentido se mas explicita uma rede de comunicação que tem
for entendida como uma espécie de cumpli- importante função na dinâmica social da cidade

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SOCIEDADE E CULTURA, V. 8, N. 2, JUL./DEZ. 2005, P. 103-117

de Goiás e que constitui um instrumento de Muitos repetem: “Cora nunca se integrou


poder. Para nossa investigação, interessa que na cidade”. Ou seja, ao mesmo tempo que os
esses discursos têm a força de construir uma relatos mostram como a Cora estigmatizada é
biografia e delinear uma personalidade para a excluída do convívio da “boa sociedade” – como
poeta, digladiando-se com a biografia oficial definiu uma moradora –, também a censuram
instituída pela Casa de Cora Coralina. por essa não-participação.
O relacionamento conflituoso que a poeta Enquanto alguns depoentes estabelecem
estabelecia com os moradores da cidade é uma interpretação depreciativa para a obra da
substrato de muitos acontecimentos narrados. poeta, valorizada pela biografia oficial, outros
Como conta uma vilaboense, “Cora era gros- tratam de questionar o ofício de doceira, marco
seira com o povo de Goiás, ela era bem grosseira. da monumentalização.
O povo de fora ela tratava muito bem, mas o Quando realizei uma pesquisa acerca das
povo de Goiás, não, conosco não”. doceiras da cidade (1999), ao entrevistar uma
Outra moradora assegura que “Cora não senhora muito idosa, ela conta, espontanea-
tinha absolutamente nenhum respeito pelo povo mente, a história da fuga e afirma que Cora não
da cidade, inclusive com os parentes dela, ela fazia doces, que ela comprava das outras docei-
não se dava com nenhum parente”, evocando ras para vender aos turistas. Ela enfatiza que
as contendas em torno do inventário da Casa começou a fazer doces, “muito antes dessa Cora
Velha da Ponte. Coralina”, e exclama: “Imagina, uma mulher que
“Ela tratava muito bem o turista, agora, fugiu com um homem casado!”. Outra doceira
quando era uma pessoa daqui, ela era mais questionou a fama de Cora, colocando uma série
áspera”, afirma outra vilaboense. Esse aspecto de defeitos nos doces que ela preparava. No
foi recorrente em vários depoimentos, alguns entanto, nesse mesmo conjunto de depoimentos,
enfatizados com a afirmação que a doceira- duas doceiras destacam que só começaram a
poeta não gostava de fazer doces para os mora- fazer doces depois que Cora Coralina tornou o
dores de Goiás, pois só se interessava em vendê- ofício reconhecido e transformou-o em trabalho
los aos turistas. Essas pessoas estabelecem, rendoso em razão do atrativo que exerce sobre
assim, um contraponto entre o tratamento que o turista.
Cora dispensava ao turista e o modo como se As narrativas que menosprezam os doces
relacionava com os moradores da cidade. da poeta, ou mesmo rejeitam a idéia de que ela
Várias histórias são contadas para confir- os fizesse, demonstram que um dos mecanismos
mar a idéia de que Cora não “tinha educação, da memória subterrânea é a criação de uma
amabilidade, não sabia receber em sua casa”, imagem, para a mulher que desrespeita as
confrontando seu comportamento “rude, às normas de conduta esperadas para o gênero
vezes hostil” à hospitalidade que caracteriza os feminino, diametralmente oposta à identidade
vilaboenses e analisando-o com base em padrões positiva que as mulheres depoentes têm de si
que as depoentes acreditam compor os códigos mesmas. Ou seja, essas doceiras recusam-se a
femininos de receber e fazer visitas. compartilhar o ofício com uma mulher que elas
Uma depoente sintetizou a interpretação denigrem moralmente.
subjacente aos relatos: “Ela ficou fora da cidade Conforme Elias também percebeu na comu-
e então não tinha uma mentalidade muito goiana. nidade que investigou, “os mexericos de censura
[...] na realidade, o povo goiano não se dá muito apelavam mais diretamente para o sentimento
com o jeito dela. Ela era independente, ela se de retidão e de virtude daqueles que os trans-
acostumou na vida de São Paulo, naquele mitiam”. Ao construir a Cora estigmatizada,
temperamento”. Essa “independência” configu- homens e mulheres “reforçam a comunhão dos
ra-se no fato de Cora viver sozinha na Casa virtuosos. O fato de mexericar com os outros
Velha da Ponte, afastada da família e com sobre tal assunto era prova da própria irrepreen-
poucos amigos, interpretado como rompimento sibilidade” (Elias e Scotson, 2000, p. 124), pois
com os “laços sagrados da família” e com a a censura grupal imposta aos que infringem as
rede de sociabilidade construída na cidade. regras tem uma vigorosa função integradora.

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DELGADO, ANDRÉA FERREIRA. Museu e memória biográfica: um estudo...

É preciso destacar, no entanto, que a monu- Referências


mentalização da poeta é reconhecida mesmo por
ABREU, Regina. Emblemas da nacionalidade: o culto
esses depoentes que discordam do processo e a Euclides da Cunha. Revista Brasileira de Ciências
produzem os marcos da memória subterrânea. Sociais. São Paulo, n. 24, p. 66-84, 1994.
Questionar a biografia hegemônica não significa, _____. A fabricação do imortal: memória, história
porém, negar que o “mito” ou o “fenômeno” e estratégias. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
Cora Coralina, como se referiram alguns
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São
depoentes, é a principal atração da cidade e que Paulo: Martins Fontes, 1993.
o museu, que guarda sua memória, é o local mais
BARROS, Myriam Moraes Lins de. Memória e
visitado pelos turistas. Comentando a hegemonia família. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3,
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“O mito Cora já é muito forte, e a gente não vai BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e
derrubar mesmo”. política. São Paulo: Brasiliense, 1994.
Tanto a prática autobiográfica de Cora BOSI, Ecléia. Memória e sociedade, lembranças de
Coralina quanto as produções discursivas que velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1987.
instituem a imortal ganham novos contornos COELHO, Gustavo Neiva. Guia dos bens imóveis
quando consideramos esse campo de conflitos tombados em Goiás. Goiânia: Instituto de Arquitetos
configurado em Goiás e que constitui o palco do Brasil, 1999.
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batalha das memórias. Ponte. São Paulo: Global, 1986.
A lembrança e o esquecimento, como _____. Meu livro de cordel. São Paulo: Global, 1994.
mecanismos indissociáveis da memória, são
_____. O tesouro da Casa Velha. São Paulo: Global,
faces do processo de monumentalização: o 1996.
passado é manipulado para esculpir as lembran-
_____. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais.
ças que perpetuam os contornos da Mulher- São Paulo: Global, 1993.
Monumento, ao mesmo tempo que estratégias
_____. Vintém de cobre – meias confissões de
de poder urdem o esquecimento configurado no Aninha. Goiânia: Editora da Universidade Federal
silêncio, na omissão e no ocultamento das de Goiás, 1984.
memórias dissidentes que, entretanto, mantêm- DELGADO, Andréa Ferreira. Memória, trabalho e
se latentes na cidade de Goiás. identidade: as doceiras da Cidade de Goiás.
Cadernos Pagu. Campinas, n. 13, p. 293-325, 1999.
_____. A invenção de Cora Coralina na batalha
das memórias. Campinas, 2003. Tese (Doutorado) –
Abstract: The contest by the fabrication of Cora
Programa de Pós-Graduação em História, Univer-
Coralina’s biography involves a memory network which
support, cross and exclude themselves: the autobiography sidade Estadual de Campinas.
weaved by the poetess, the biographical memory written _____. Cora Coralina: a poética do sabor. Ilha.
by her daughter – Vicência Brêtas Tahan, the underground Revista de Antropologia. Florianópolis, v. 4, n. 1, p.
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I intend to investigate the building work and the memory
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ELIAS, Norbert e SCOTSON, Jonh. Os estabelecidos
speech. In the Cora Coralina’s House Museum, the e os outsiders: sociologia das relações de poder a
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