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Resenha do Capítulo “The Difference Between


Science and Tecnology” do Livro “Science since
Babylon” de Derek de Solla Price
Elison Oliveira, Graduando do Curso de Engenharia Naval e Oceânica, DRE:112085481

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE encontrei um número grande de discordâncias das minhas


JANEIRO ideias com a do autor, que se fossem para ser discutidos
apenas no final do texto, seria necessário reescrever
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E praticamente todo resumo feito. Por isso utilizei anotações em
ECONÔMICAS vermelho para momentos em que questiono a visão míope da
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E realidade do autor do texto, segundo minha humilde opinião.
CIÊNCIAS CONTÁBEIS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM II. RESUMO DO CAPÍTULO
BIBLIOTECONOMIA E GESTÃO DE A. Edison e os Problemas Gerados de seu Sucesso
UNIDADES DE INFORMAÇÃO O autor afirma que Thomas Edison apesar da sua pouca
EEI206 – HISTÓRIA DA TECNOLOGIA – 2018.2 educação e origem pobre tinha grande ganância – no bom
Professor: Edison Serejo Neto sentido – e com isso acabou se interessando pelo fenômeno da
eletricidade, que era febre na época (não a amarela) e tendo
I. INTRODUÇÃO muito conseguido muito sucesso e fama com isso, acabando
por virar a imagem do capitalista, um exemplo (junto a
C OM O OBJETIVO de se estabelecer uma relação entre
ciência e tecnologia e definir as diferenças e limites de
seus campos, o autor do livro “Science since Babylon”,
Franklin) do “American Dream” tão alardeado e inspirador.
Com isso, e com o sucesso de tantos outros americanos que
Derek de Solla Price (22 de janeiro de 1922 — 3 de setembro seguiram Edison, a tecnologia virou referência no século
de 1983) escreveu o capítulo, presente no acima citado livro, passado e o autor evidência isso. É tanta a influência
intitulado “The Difference Between Science and Tecnology” a americana (do notório poder transformador da geração de
qual será o assunto dessa resenha. Antes disso, devemos tecnologia) que o autor afirma que governos diversos países
certificarmos de duas coisas básicas para a boa interpretação (por não entender como a ciência funciona) fizeram de
de um texto: quem é o autor e qual a finalidade do texto. Price maneiras tresloucadas incentivo a tecnologia de ponta em
foi quem criou a ideia da Cienciometria, que pela primeira detrimento das tecnologias de base. O autor reclama da falta
vez, seja para analisar o retorno dos investimentos do governo de recursos para a área (consequentemente devido à falta de
em educação e pesquisa (inclusive ele demonstra essa retornos reais a sociedade) e que os EUA ficaram refém de
preocupação no final do capítulo), seja para quantificar em mentes “menos brilhantes”, e que os recursos para a área de
termos de citações, trabalhos e retornos monetários o trabalho P&D começam e ser questionados.
de seus colegas acadêmicos, mensurou de forma numérica e
exata a produção científica. Não podemos ignorar o efeito B. A Errônea Separação da Ciência da Tecnologia
principal do seu trabalho e consequentemente seu efeito O autor afirma que a ciência não é mais acessível como
colateral: Se por um lado é bom avaliar a produção acadêmica anteriormente e é mais difícil dada a sua rápida evolução,
em termos numerais e evitar que grande parte das pesquisas ficando mais fechada a círculos acadêmicos e de forma
feitas com o dinheiro público seja “desperdiçada” em pura nostálgica o próprio autor reclama das mentes atuais.
masturbação mental, por outro, como efeito colateral, devido a O autor atribui a isso a uma dasassociação entre ciência e
existência de pesquisadores “não tão talentosos” que queria se tecnologia, onde muitos deixam de relacionar uma com a
“manter no jogo”, gerou o que se pode se chamar de uma outra. Afirma que a relação entre eles não é simples.
“indústrias dos diplomas”, dos títulos, das citações, em que O mesmo afirma que não é a ciência que gera a tecnologia,
um pedaço de papel pode valer mais que conhecimento mas ao mesmo tempo é ela que fornece material para a
prático, uma distopia que domina boa parte da sociedade tecnologia, não havendo atributos que desmereçam uma em
atualmente, haja vista que, como o próprio autor afirma, o
ralação a outra.
número pessoas que se interessam pela ciência graças ao
Ele comenta que as duas atividades são altamente
incentivos financeiros hoje cresceu muito e, em sua opinião, o
competitivas e que os cientistas e inventores “perdedores”
número de talentos diminuiu.
Sobre a intenção do texto, deixaremos para a acabam virando professores e técnicos, o que não parece ser
conclusão, pois pareceu-me parte crítica. Particularmente, tão ruim. O que realmente é decisivo na definição de ciência e

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tecnologia é o estado da arte de cada um, nos vencedores, o D. Diferença Entre Ciências e Não-Ciências
que ele chama de “front”. É ali que as diferenças se fazem O autor afirma que é justificável o gasto do governo com
gritantes. não-ciências pois elas pagam, em suas palavras “carga de
O autor afirma (o que descordo totalmente) que os cientistas ensino particularmente pesada que deve ser ministrada aos
e inventores são mais entusiasmados pela competição do que estudantes que se acham abaixo do nível de doutoramento”,
pelo bem maior ou curiosidade. O troféu de cada um é a mas que não é justificável o da ciência, pois ela é paga para
publicação e a patente, respectivamente, de modo que a produzir, haja visto que 80% dos formandos vão para o
diferença é que no paper está apenas a conclusão de um ciclo mercado (o autor comete um erro nessa simplificação,
de ideias, sendo ele apenas á valor de conclusão e a invenção primeiro porque a carga de ensino em ciências é muito maior
trabalha secretamente e o lançamento e sua correspondente que a de um curso de não ciência (por experiência própria, sou
publicidade é que são o grande auge. formado em administração e estou cursando engenharia),
Em seguida, ele afirma (erroneamente, mais uma vez) que segundo que é a ciência pela ciência que mostra o valor da
Boyle e Einsten tiveram que fazer publicidade do seu trabalho sociedade pela ciência (que é exatamente o que o autor vem
para serem aceitos (não o fizeram por isso, fizeram pelo criticando) e a falta exatamente desses valores que fazem
pessoas buscarem tecnologias em vez de ciências (algo que o
compartilhamento de suas ideias, e devido a isso que o
autor diagnosticou logo no início) sem relacionar uma com a
trabalho dos dois sofreu rejeição por anos) e que isso mostra o
outra e o recorrente apelo em pseudociências (algo que o autor
lado impessoal da ciência que atrai jovens tímidos (se isso
também diagnosticou antes). O amor e cuidado pela ciência é
fosse verdade isso mostraria o lado pessoal da ciência, ao justificável e além disso, é mais justificável do que o cultivo
contrário do que é na realidade). das não-ciências, pois é a ciência que busca as melhores
O autor reclama que atualmente pessoas normais estão verdades disponíveis, que explicam nossa relação com o
sendo atraídos devido a incentivos do governo (por dinheiro) cosmos, com a natureza, com a vida e com o próximo
pela ciência enquanto antigamente, era pela curiosidade e (como dizia o filósofo Spinoza), enquanto as não-ciências
status (essa visão é tanto antiquada quanto míope, pois pessoas registram um quadro panorâmico sobre um objeto de estudo e
que gostam de ciência afirmam acintosamente que é tentam dar valoração (e como disse o filósofo Foucault, a
necessário atrair pessoas de qualquer forma, pois como o valoração é sempre pessoal) de modo a criar ideologias da
próprio autor fala, há poucas mentes brilhantes e, quantos mais realidade. É são essas ideologias que as vezes em certos
mentes começarem a se debruçar em ciência, maior a lugares e tempos, por estarem erradas, distorcem a realidade e
probabilidade de se encontrar uma mente genial, alguém criam seguidores de uma seita, que não tem nada com a
acima da média, especialmente pessoas vindas de fora da realidade, uma verdadeira masturbação mental passada de
academia, como pessoas menos abastadas e minorias, pois professores para alunos, sem pensamento crítico, dentro da
possuem origens culturais e influências diferentes (que o autor universidade. É tão verdade, que países como China e Japão,
fala logo adiante mas ignora aqui) e que possuem grande mais conservadores optaram, erroneamente, pelo fechamento
potencial ). de cursos de humanas, devido tal improdutividade que o autor
tanto acha necessário).
C. Afastamento Entre a Academia e a Indústria O autor afirma com exemplos que a especialização, e a
No “front”, autor define que se o resultado do trabalho é divisão das pessoas que estudam ciência e tecnologia deveria
uma pesquisa o indivíduo é um cientista e se o resultado for ser erradicada e uma abordagem multidisciplinar seria muito
uma coisa, um dispositivo o indivíduo é um inventor (o que mais útil e mais importante. O autor vai além em seu
também não é 100% válido atualmente, vide o exemplo das raciocínio, avançando não só na ideia de quem quer fazer
academias de crossfit, que criaram não somente mais uma ciência tem que ser multidisciplinar, como também tem que
academia, mas uma ideia e, com isso, podem ser considerados saber bastante de ciência (acredito que essa seja a afirmação
mais contundente desse trabalho, pois a especialização era
são inventores). O autor afirma (só que não com as palavras
predominante na sua época e a multidisciplinaridade, que tem
certas) que a tecnologia é indissociável da ciência e vai contra
tanto potencial, como vimos nas últimas décadas, não era
essa separação, que ocorre na nossa sociedade e prejudica os abordada).
dois lados. Ele relata que as duas caminham juntas numa
interação fraca e quando há uma interação forte há momentos E. Ciência e Engenharia
históricos (isso realmente pode ter acontecido no passado, mas É aqui, apenas no final que o autor que o autor revela sua
a partir da revolução tecnológica, as maiores invenções vieram verdadeira preocupação, no caso, o “divórcio” entre físicos e
de cientistas que são pesquisadores e vice-versa, vide engenheiros. O autor tanto culpa a falta de interesse entre o s
computadores e genética). que fazem ciência de torna-las mais acessíveis, quanto culpa
O autor afirma que a relação existe, mas é frouxa e que a os tecnólogos que querem o mesmo tipo de material que
ciência as vezes gasta dinheiro público sem obter resultados aprenderam na faculdade. Ocorrendo na sua época,
sucintos para a sociedade. Pode haver, segundo o autor, a paradoxalmente, físicos que não sabem como aplicar o que
ciência pela ciência, mas há de haver também, sempre, uma estão aprendendo e engenheiros que não sabem nada de física
tênue conexão que seja, com a realidade. para tocar seus inventos. Médicos que não sabem apenas de
medicina e físicos e engenheiros que não sabem produzir
equipamentos médicos (acredito que essa separação inútil já

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não exista mais nos EUA e nos demais países desenvolvidos, A “Crise dos Doutorandos Desempregados” que passou
com a evolução da tecnologia que acabou por surgir nas pela a Espanha e Portugal e que brevemente assolará o Brasil
últimas décadas, promovendo a multidisciplinaridade. Vale-se mostra esses quatro problemas: Pessoas que se especializaram
dizer que ela ocorreu mais por parte dos inventores do que dos tanto que se seus nichos de mercados e pesquisa tiverem uma
cientistas, que acabaram sendo carregados para dentro dessa mudança brusca estram desempregados. Falta de
revolução, mas são os cientistas por fim, que acabaram por conhecimento de áreas correlatas e interdisciplinaridade, que
sustentar tal revolução, coisa que não acontecia nas épocas de permitem a interação entre as ciências. Falta de conhecimento
Edison. A gritante questão é que no Brasil isso ainda existe, de Leis, Negócios e TI que impedem pessoas que tem
tanto o desperdício de dinheiro em não-ciências, como o vasto conhecimento de empreender. Excesso de formação de
número de profissionais de tecnologia e não-ciências que se “estudantes profissionais” ao invés da formação de
formam sem uma boa base de ciência e, portanto, profissionais, por falta de entendimento do método científico,
improdutivos). O autor termina o texto o autor descrevendo sabem repetir, mas não sabem produzir conhecimento e
uma ideia de sua própria criação, a Cienciometria, e pensamento crítico). Excesso de formação de “estudantes
observando que além de se ensinar ciência e tecnologia é profissionais” ao invés da formação de profissionais, pelo
necessário ensinar o lugar das mesmas (que segundo ele simples fato que foram levados para tal área do conhecimento
mencionou anteriormente, é apenas produzir), ensinar a por programas de incentivos (o que é bom), mas por falta de
história de cada uma e suas relações. amor ao que fazem são péssimos profissionais (na maioria dos
casos porque também foram ensinadas por pessoas que não
III. CONCLUSÃO amam o que fazem e que também não sabem aplicar seu
O autor acerta no diagnóstico, mas erra na prescrição da conhecimento e como ele afeta a sociedade).
solução. Vivemos hoje, assim como nos EUA de sua época,
um enorme bombeamento de novas tecnologias. Nunca na REFERÊNCIA
história da humanidade o mundo evoluiu tão rápido e nunca as [1] DE SOLLA, Derek Price. Science Since Babylon . Enlarged Edition.
ed. Inc., Chelsea, Michigan: BookCrafters, 1975. 215 p.
pessoas souberam tão pouco sobre o mundo em que vive. Mas
definitivamente não é tirando o mudando das ciências naturais,
das ciências de base, fazendo elas tomarem caminhos mais
voltados para a sociedade que conseguiremos melhores
resultados. O descolamento total da realidade pode parecer
inaceitável, mas muitas vezes (por exemplo, Kepler) cientistas
ao tentar encontrar uma resposta e falhando, acabam
descobrindo algo muito mais importante.
O que realmente necessário, na minha opinião, é divulgação
científica popular, na base, para que mais pessoas se
apaixonem pelas áreas de exatas. E sim, é uma questão de
paixão, pois somente por status e dinheiro ninguém suportaria
seguir tal área, ao contrário do que afirma o autor. E
necessário a divulgação da história da ciência entre os jovens,
pois é muito mais importante o que o cientista ou físico estava
buscando responder quando a encontrou e como a encontrou e
o porquê de ele estar buscando tal resposta, do que
simplesmente uma fórmula lançada num quadro negro. É mais
importante se divulgar o método cientifico e suas maravilhas
do que fazer um estudante um absorvedor de fórmulas.
Além disso, a mercantilização das faculdades particulares e
a concorrências por títulos e diplomas é decorrência dessa
conclusão precipitada de que a solução para o dilema
levantado entre dinheiro investido e retorno a sociedade é o
mensuramento estatístico da produção acadêmica. De fato,
essa é uma solução muito positiva, mas de longe irá solucionar
os problemas apresentados, que passam por especialização
dramática das profissões (que o autor identifica, mas não
propões solução), falta de divulgação científica para jovens,
foco no ensino no resultado do método cientifico (fórmulas e
equações) ao invés de focar no ensino do poderoso método
científico em si, alienação por parte dos poderosos através do
monopólio do conhecimento (caso da idade média e países
árabes e demais comunidades que desdenham da ciência).

12 de Setembro de 2018

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