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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS


TÓPICOS ESPECIAIS EM PROCESSOS COGNITIVOS I

ANÁLISE DO FILME “PINA”

Raimundo Ícaro Vieira da Silva


Débora Cristina de Rezende Sant’Ana

INTRODUÇÃO

Como proposta de atividade da disciplina de Tópicos Especiais em Processos


Cognitivos I, o presente trabalho pretende analisar o filme biográfico “Pina”,
apresentando reflexões acerca das emoções, da sensibilidade e dos movimentos
sob a dimensão do corpo afetivo. Para tanto, faz-se necessária uma breve
introdução acerca do filme a ser analisado.

“Pina”, roteirizado e dirigido por Win Wenders, trata-se de uma cinebiografia que
retrata a vida e a carreira de Philippine Bausch, mais conhecida como Pina Bausch,
uma coreógrafa alemã que contribuiu de forma significativa para a ruptura dos
limites entre o teatro e a dança contemporânea. Interessante notar que Wenders,
distanciando-se da habitual forma de produção biográfica, aborda a trajetória de
Pina de maneira não cronológica, dando destaque às obras produzidas pela artista,
as quais são intercaladas com a exposição de relatos de dançarinos que
trabalharam com ela durante a sua vida.

ANÁLISE

Na exibição do primeiro espetáculo, é possível notar que em dado momento da


coreografia, os bailarinos realizam gestos bastante distintos uns dos outros, contudo
parece haver uma estranha harmonia manifestada em meio ao caos. Nesse sentido,
cada movimento, em sua singularidade, expressa o que todos experienciam naquele
instante. Apesar de distintos, os gestos se articulam em um mesmo ritmo, de modo a
propiciar a manifestação do comum na heterogeneidade. É nesse cenário que se
produz o que alguns estudiosos denominam como sintonia afetiva. Tal como
proposto por Stern, a sintonia afetiva se dá no instante em que os sujeitos
compartilham uma experiência subjetiva comum. Desse modo, por meio da
gesticulação e da exteriorização emotiva, a sintonia afetiva se constitui como uma
experiência de equivalência de ritmos vitais. A dança, nesta perspectiva, foi o que
propiciou aos sujeitos o acesso a um lugar comum, onde afetos, sentimentos e
desejos são simultaneamente compartilhados pelos corpos.

Ao longo do filme, observa-se que a figura de Pina aparece de forma ambígua em


alguns relatos. Essa aparente ambiguidade se manifesta na percepção da
coreógrafa como uma pessoa forte e ao mesmo tempo frágil. Todavia, embora
pareça paradoxal, é justamente na fragilidade de Pina que se revela a sua força.
Nesse aspecto, a coreógrafa expressa uma peculiar sensibilidade tanto em sua
produção artística, quanto em sua relação com os bailarinos. Alguns chegam a
mencionar que o olhar de Pina era capaz de “penetrar a alma”. Outros afirmam que
ela conseguia produzir neles sentimentos que antes não consideravam possíveis de
serem expressos na dança. As emoções são constantemente evocadas por Pina na
elaboração dos espetáculos, de modo que ela solicitava aos dançarinos que
realizassem movimentos de alegria, de tristeza, de dor, de leveza e assim, construía
as coreografias de forma conjunta. Vale salientar que ela propunha não apenas uma
encenação, mas uma vivência das emoções.

Diante disso, reflete-se a respeito do que Latour destaca como antônimos da palavra
corpo: a insensibilidade e a morte. Ao utilizar-se das ideias de Vinciane Despret e
William James acerca das emoções, ele discorre sobre a capacidade que um corpo
tem de ser afetado. Assim, adquirir um corpo envolve sensibilizá-lo para aprender a
ser afetado, a ser posto em movimento por outras entidades. Logo, um corpo que
não se ocupa dessa aprendizagem torna-se insensível e morto. De maneira análoga,
nota-se que a sensibilidade de Pina residia nesse “aprender a ser afetada”, o que
permite ao corpo a produção de um meio sensorial e um mundo sensível. Um corpo
afetado implica um não lugar, um campo movente, onde as coisas não são, mas
estão sendo. Dessa forma, a estabilidade, a imobilidade e a permanência são
antagônicas à existência e à vida. O que deve permanecer é a mudança, é o devir.

Sobre o devir da dança, Uno, aludindo ao trabalho de Hijikata, afirma que não se
trata de imitar ou simular, mas sim de lançar-se entre você e o que você será.
Semelhantemente, a dança de Pina se expressa como uma linguagem que vai se
constituindo à medida que os movimentos são realizados. Nesse sentido, o que está
em questão não é o que os movimentos representam ou o que querem dizer, mas o
que eles de fato são. Pina não pedia aos dançarinos para que realizassem gestos
que remetessem a uma emoção, mas que dançassem a própria emoção. É a partir
disso que alguns afirmam que a coreógrafa constituiu a dança como uma “nova
língua”.

Por fim, uma das dançarinas revela que após a morte de Pina, ela continuava
visualizando seus movimentos enquanto dançava. Outra revela que ela aparece
constantemente em seus sonhos. Sendo assim, entende-se que o corpo de Pina
continua a existir, continua a ser em lugares distintos. Não se trata, portanto, de um
corpo biológico, mas de um corpo que ainda é capaz de afetar.

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