Você está na página 1de 8

Bianca Petrut Poder, Política e Governação

Poder, Política e Governação

Ensaio Final

A representatividade das mulheres nos altos cargos

Ensaio realizado no âmbito da cadeira Poder, Política e Governação lecionada pelo


Professor Doutor Daniel Neves Costa.

Bianca Eusebia Petrut


2018306196

1
Bianca Petrut Poder, Política e Governação

A importância da representatividade tem vindo a tornar-se num tópico cada vez


mais pertinente ao longo dos últimos anos, ganhando cada vez mais visibilidade, tendo
em conta que as nossas sociedades se encontram cada vez mais atentas e envolvidas
naquilo que são as questões relativas à defesa dos próprios interesses e dos interesses da
comunidade. No entanto, dentro desta esfera da representatividade, há todo um conjunto
de questões que lhe estão diretamente associadas e que acabam por se realçar, sendo
uma das principais a desigualdade entre géneros. Com o surgimento de movimentos
políticos e sociais como o feminismo, ativistas dos movimentos de mulheres de todo o
mundo apontaram exemplos como o das legislaturas ocupadas por homens que não
conseguem representar devidamente as mulheres (Young, 2006). É evidente que a
esfera política não é a única que apresenta este tipo de desigualdades, nas quais os
homens se encontram no desempenho de funções de maior poder, já que estamos a fazer
face a uma sociedade que foi e continua a ser ‘’programada’’ através de uma
mentalidade extremamente patriarcal, na qual os homens representam a força, a maior
capacidade, o poder e o domínio, estando a mulher, em contrapartida, a representar a
imagem da vulnerabilidade e fraqueza, encontrando-se assim igualmente presentes na
gerência de empresas e negócios multinacionais, na área do desporto, na área da cultura,
entre outras.
Deste modo, é importante tentar compreender de que modo estão
representadas as mulheres nos altos cargos hoje em dia e que relação tem essa
representatividade com a desigualdade de géneros?
Para responder a esta questão, começarei por, numa primeira parte, fazer uma
breve contextualização acerca da representatividade das mulheres, dos desafios e do
foco sobre a criação de algumas dinâmicas que têm como objetivo a redução da
desigualdade e a valorização da representatividade da mulher, para que, numa segunda
parte, ter as ferramentas necessárias para explorar dois casos de estudo muito concretos
e, principalmente, muito distintos, nomeadamente do Afeganistão e do Ruanda.
Alguns conceitos importantes para uma melhor compreensão deste trabalho são:
representatividade, que passa por representar os interesses de determinado grupo
social ou de uma comunidade, através da competência atribuída a um indivíduo ou uma
entidade (político, partido, etc.) com base na habilidade apresentada para desempenhar
tal papel; desigualdade, que consiste na ausência de um equilíbrio com foco na
diferença; feminismo, como movimento social protagonizado maioritariamente por
mulheres, apesar de em transformação, reivindicativo da igualdade política, jurídica e
2
Bianca Petrut Poder, Política e Governação

social entre homens e mulheres; patriarcado, como um sistema sociopolítico que


atribui o poder aos homens e poder, que consiste no exercer da autoridade, da
soberania, da posse de um domínio, da influência ou da força.

Vivemos numa sociedade na qual as mulheres têm a constante necessidade de


defender os seus direitos e provar que têm tanta legitimidade como os dos homens, que,
ironicamente apresentam os mesmos, mas não são questionados. E, para haver a total
defesa e representação dos direitos e interesses das mulheres, é imperativo essa
representatividade possa partir de alguém que compreenda a 100% aquilo que está a
apresentar e a defender, para que possa desempenhar corretamente a sua função. ‘’A
representação é necessária porque a rede da vida social moderna frequentemente vincula
a ação de pessoas e instituições num determinado local a processos que se dão em
muitos outros locais e instituições. Nenhuma pessoa pode estar presente em todos os
organismos deliberativos cujas decisões afetam sua vida, pois eles são numerosos e
muito dispersos’’ (Young, 2006). Assim, o ideal seria ter mulheres a representar as
restantes mulheres (mas com o apoio de homens também, pois é imperativo que haja
uma compreensão geral da importância e a necessidade de alcançar a igualdade de
géneros. No entanto, as mulheres ocupam menos de um quarto dos lugares
parlamentares à escala mundial, estando assim extremamente sub-representadas na
esfera dos líderes políticos (Dahlerup, 2017).

A luta por um igual papel no contexto democrático tem vindo a ser travada pelas
mulheres há centenas de anos, tendo como maior feito o sufrágio universal, que
permitiu finalmente às mulheres a participação na área mais política, aquando das
votações. No entanto, apesar desta pequena vitória, continua a existir um défice
democrático (Dahlerup, 2017) no sentido em que continua a existir uma dominação
masculina a nível da representatividade política. A mulher acabou por ser vista como
uma espécie de intruso, principalmente depois de ter conseguido o direito a fazer parte
da assembleia e de tomar lugares parlamentares, já que esta mudança veio desafiar a
tradicional e patriarcal distribuição de poder. Um exemplo desta ‘’invasão de espaço’’
sentida pelos homens quando as primeiras mulheres se juntaram à política foi o facto de
muitos bares em algumas casas do Reino Unido terem passado a ser consideradas e

3
Bianca Petrut Poder, Política e Governação

permitidas apenas a homens, criando ainda salas específicas no Palácio de Westminster


apenas para as mulheres (Dahlerup, 2017).

Tendo em consideração a participação feminina mais atual nos altos cargos,


principalmente dentro da esfera política, apesar de as mulheres poderem efetivamente
votar e participar nas eleições há mais de 100 anos, como mencionado previamente, e de
haver muita discussão em torno da ideia de que o número de mulheres a exercer cargos
de liderança tanto a nível político como administrativo, a nível global, tirando algumas
exceções como o caso do Ruanda, que será abordado de seguida.
Segundo o World Ranking of the Inter-Parlamentary Union (2020), que nos
permite ter uma melhor noção da percentagem de mulheres que se encontram nos altos
cargos e nos assentos parlamentares a nível mundial, em Outubro de 2020 havia apenas
14 Estados em 193 tinham uma mulher a ocupar o cargo mais alto, correspondendo
assim a menos de 10% da totalidade. Ainda, apesar de ser um valor duas vezes superior
do valor obtido em 1995, apenas 24,9% das mulheres são eleitas nos parlamentos,
continuando assim a apresentar valores muito baixos. No entanto, como mencionado
previamente, há efetivamente países como o Ruanda onde mais de 60% dos lugares
parlamentares são ocupados por mulheres. Outros casos semelhantes, ainda que com
valores ligeiramente mais baixos, são Cuba (com 313 lugares em 586, correspondendo a
53.4%), Nicarágua (com 47 lugares em 91, correspondendo a 51.7%), México (com 250
lugares em 500, correspondendo a 50%) e, por mais surpreendente que pareça, os
Emirados Árabes Unidos (com 20 em 40 lugares, tratando-se igualmente de uma
participação de 50%).

Com o crescimento do movimento feminista, a luta pela igualdade em todos os


campos tem sido cada vez mais crescente, ainda que, aquilo que se encontra por trás da
discriminação contra as mulheres sejam as associações mentais feitas sobre as mulheres,
os homens e a ideia de líderes (Eagly e Carli, 2007), remetendo para a ideia de que o
contexto social dentro do qual estamos inseridos molda a nossa personalidade e forma
de pensar consoante os ideais da sociedade que, ainda que tenha havido algum
desenvolvimento gradual ao longo dos últimos anos, continua a passar muito por
preconceitos bastante tradicionalistas que limitam a mulher, não sendo visto com bons
olhos quando ocupa cargos considerados para ‘’homens’’. Os estereótipos continuam
extremamente presentes, através da ideia de fragilidade no caso da mulher, com traços
4
Bianca Petrut Poder, Política e Governação

como a empatia e a bondade e, no caso dos homens, traços como a confiança, a


agressividade e a autonomia (Heilman, 2001).

Assim, o feminismo desempenha um papel fulcral no progresso da participação


feminina nos altos cargos e na aspiração aos mesmos, principalmente no que toca aos
modelos a seguir. Um fator muito importante que o feminismo tem trazido consigo é a
questão da existência de ‘’role models’’ que acabam por passar muito a ideia de que as
mulheres têm características mais que suficientes para ocupar altos cargos, quebrando as
barreiras institucionais existentes e os estereótipos negativos com os quais são
confrontadas diariamente tanto no plano pessoal, social como profissional.
No entanto, é evidente que cada caso é um caso e, apesar de a nossa sociedade se
encontrar em constante desenvolvimento, o mesmo não ocorre de igual modo em todas
as partes do globo. Para uma melhor compreensão desta questão, é importante ter em
conta dois casos, como previamente estabelecido: o caso do Ruanda e o caso do
Afeganistão.

O Ruanda é um caso extremamente peculiar visto que se trata de um pequeno


país no leste africano que sofreu uma enorme mudança estrutural na década de noventa,
devido a um dos piores motivos possíveis. Em 1994 o Ruanda enfrentou um massacre
conhecido como ‘’o Genocídio do Ruanda’’ desencadeado pela morte do presidente do
país, um Hutu, cujo avião terá sido abatido. A morte do mesmo levou a que houvesse
uma campanha preparada e sistemática contra a minoria Tutsi. O genocídio registou
cerca de 800 mil mortos, na sua grande maioria homens. Assim, no período após o
massacre, cerca de 70% da população do país era composta por mulheres, pelo que estas
começaram a ocupar cargos que eram previamente ocupados apenas por homens,
alterando consideravelmente a estrutura social do país.
Após o genocídio, o presidente Paul Kagame, que ainda hoje se encontra no
poder, procurou criar um conjunto de medidas de incentivo à formação e educação das
mulheres, de modo a que estas pudessem ter um mais fácil e preparado ingresso no
mercado de trabalho. Estas medidas acabaram por resultar igualmente numa nova
legislação que determinava a igualdade entre géneros em vários campos pessoais,
sociais e económicos, como no acesso à educação, na posse te propriedade e mesmo a
nível económico e, ainda, determinava que, pelo menos 30% dos cargos políticos
fossem necessariamente preenchidos por mulheres, passando assim por medidas de
5
Bianca Petrut Poder, Política e Governação

incentivo à participação feminina no mercado e na formação das mesmas para que estas
pudessem alcançar cargos que talvez não fossem aceites previamente, funcionando
também como uma espécie de motivação.
Já no caso do Afeganistão, ao longo dos últimos meses temos observado
exatamente o contrário. A intervenção (invasão) norte americana no Afeganistão
durante 20 anos, apesar de ter tido como objetivo afastar o regime Talibã e fortificar a
guerra contra o terrorismo (ainda que de uma forma muito questionável) acabou por
trazer consigo um pouco da ocidentalização que abriu algumas portas às mulheres
afegãs. Algumas pequenas vitórias começavam a ser alcançadas, como o acesso à
educação, a permissão para dar aulas ou mesmo tirar a carta. No entanto, estes três
direitos, entre outros, acabaram por se perder aquando da queda de Cabul. A 15 de
agosto de 2021 os Talibã retomaram Cabul e, consequentemente, grande parte do
Afeganistão, após a ofensiva que começou em maio e que teve sucesso logo depois da
retirada das tropas norte americanas do país. Após esta tomada do país, o governo
Talibã emitiu um decreto especial sobre os direitos da mulher, segundo o Diário de
Notícias, a 3 de dezembro de 2021, no qual se focava principalmente sobre os direitos
matrimoniais, colocando foco sobre o facto de a mulher não ser uma propriedade, pelo
que não poderia ser trocada em nome de um acordo, sobre o facto de não poderem ser
obrigadas a casar, seja por coação ou pressão, tendo ‘’direito’’ a escolher o próprio
futuro. Já em janeiro, entre várias outras obrigações e restrições, o acesso das estudantes
afegãs ao ensino médio e superior foi restringido e passou a haver uma modificação dos
currículos de modo a que estes se adaptassem às regras islâmicas e dessem um maior
foco à religião. Tratando-se de um regime composto por homens, o papel da mulher
nesta comunidade é extremamente ínfimo e os direitos que lhe são atribuídos são
efetivamente alguns dos direitos mais básicos, pelo que a mulher acaba por não ter a
capacidade de representar nem ser representada por se tratar de uma estrutura social tão
masculinizada.

Assim, é possível concluir que apesar do desenvolvimento que tem vindo a ser
observado ao longo dos últimos anos no que concerne o papel da mulher na sociedade e
principalmente na esfera política, ainda há muitas questões que estão por resolver e lutas
para travar, principalmente contra as conceções mais patriarcais e, consequentemente,
mais tradicionais, daquilo que é a estrutura social e o papel que a mulher ocupa na
6
Bianca Petrut Poder, Política e Governação

mesma. Observa-se que a nível dos altos cargos ocupados por mulheres, seja a nível de
lugares parlamentares como a nível do mais alto cargo – presidencial – as percentagens
são ainda muito baixas em comparação à percentagem de homens. A quebra dos
preconceitos e das barreiras às quais uma grande maioria das mulheres ainda fazem face
hoje em dia é extremamente necessária e, a corrente feminista tem desempenhado um
papel muito importante na luta contra os mesmos. É relevante mencionar igualmente
que, apesar de o feminismo ser muitas vezes visto (erradamente) como um movimento
apenas de mulheres para mulheres, este necessita urgentemente de uma maior
participação dos homens a favor do mesmo, que compreendam a diferença que é ainda
atribuída aos géneros e que se demonstram interessados a reduzi-la ou mesmo eliminá-
la.

Referências Bibliográficas

EAGLY, A.; CARLI, L. Women and the labyrinth of leadership. Harvard Business
Review, v. 85, n. 9, p. 62-71, 2007.
HEILMAN, M. Description and prescription: how gender stereotypes prevent women’s
ascent up the organizational ladder. Journal of Social Issues, v. 57, n. 4, p. 657-
674, 2001.
Amnistia Internacional. (2021). Afeganistão: Mulheres Afegãs apelam pelos seus
direitos. https://www.amnistia.pt/afeganistao-mulheres-afegas-direitos/
Dahlerup, D. (2017). Has Democracy Failed Women? (Polity Press (ed.)).
EXAME. (2021). Entenda o que é o Talibã e saiba o que aconteceu no Afeganistão.
https://exame.com/mundo/entenda-o-que-e-o-taliba-e-saiba-o-que-aconteceu-no-
afeganistao/
IPU Parline. (2022). Monthly ranking of women in national parliaments.
https://data.ipu.org/women-ranking?month=5&year=2022
Lusa. (2021). Decreto talibã exclui direito das mulheres ao trabalho e educação.
https://www.dn.pt/internacional/decreto-taliba-sobre-mulheres-exclui-direito-ao-
trabalho-e-educacao-14375999.html
Pinto, P. S. (2017). Os Dias da História - Início do genocídio no Ruanda.
https://ensina.rtp.pt/artigo/o-genocidio-no-ruanda/
7
Bianca Petrut Poder, Política e Governação

Você também pode gostar