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Regressar
ao Líbano
para o almoço
de domingo
Com os
gorilas
do Uganda
LÍBANO: VIAGEM A UM PAÍS ÚNICO
O turismo
vai recomeçar.
Mas como?
SÃO TOMÉ
E PRÍNCIPE
N.º 318 MAIO 2021
NO LUGAR DA
FELICIDADE
N . º 3 1 8 | M A I O 2 0 2 1
V O LTA A O M U N D O . P T @jornaisPT
@jornaisPT
Maio
O N D E , C O M O, Q UA N D O E P O RQ U Ê . O Q U E T E M OS PA R A PA RT I L H A R N E STA E D I ÇÃO.
14
Myanmar
Para lá das notícias, a antiga
Birmânia é a desconhecida terra
da luz e do ouro.
W I T T H AYA P R A S O N G S I N /G E T T Y I M AG E S
44 80
32 74
NO RADAR
É um comboio, é azul e atravessa
a África do Sul com um luxo que
nos remete para o Expresso do
Oriente. É o que sobra de um projeto
megalómano que iria da Cidade do
Cabo até ao Cairo, mas que ficou pelo
caminho e se contentou com 1 400
quilómetros muito cénicos na ponta
austral de África.
32
74
E DEPOIS DA COVID?
O turismo vai sobreviver. Mas como?
80
LÍBANO
João Sousa escolheu o Líbano para
viver. Ou foi escolhido. É repórter
fotográfico e convida quem quiser
a conhecer o país por que se apaixonou.
38 88
PARAGENS A 33 ROTAÇÕES PORTEFÓLIO
...em Okinawa, no Japão
Afastados das pandemias, os gorilas
de Ryuichi Sakamoto.
e os chimpanzés vivem em paz nas
florestas do Uganda. Gonçalo Ferreira
14 26 PELA LENTE DE
MYANMAR Artur Machado mostra-nos 88
um dos picos dos Himalaias.
Para lá das notícias de tumultos
e repressão, há todo um país em
tons de sonho por descobrir em
Myanmar. Acompanhemos 44
Cristina Pavão nessa revelação. TEMA DE CAPA
São Tomé e Príncipe é o nome
26
composto da felicidade entre as ruínas
do passado e a alegria do presente.
PLANETA VERDE
Costuma dizer-se que somos aquilo
que comemos, mas, cada vez mais,
66
o Planeta é que é aquilo que come- PASSAPORTE VIP
mos. E estamos a fazer-lhe mal com A atriz Isabel Figueira foi descansar
hábitos alimentares faustosos para os de meses de filmagens para o Rio
recursos que ele nos dá. Em viagem, de Janeiro, olhar o mar e fruir
aprende-se a tradição respeitosa. a vida tranquila.
4 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
8-9 MAIO
+100 LOJAS
NORTE A SUL AÇORES E MADEIRA
E EM ABREU.PT
ATÉ
65%
DESCONTO
RNAVT 1702
DESTINO OFICIAL
@jornaisPT
EDITORIAL
A
melhor recordação que guardo de S. Tomé e Príncipe… esperem, tenho
de reformular. Não é honestamente possível guardar apenas uma boa re-
cordação de S. Tomé e Príncipe. De novo: de entre as incontáveis recor-
dações memoráveis que guardo de S. Tomé e Príncipe, a que ficou mais
entranhada na pele está traduzida no sorriso luminoso com que emoldu-
ramos a capa desta edição. A alegria exuberante dos são-tomenses é um atributo natu-
ral, mas contagia tudo à sua passagem. Como um vendaval bom. Talvez porque nessa
terra húmida estacionada na linha do equador tudo pareça ter resposta na Natureza.
Naquilo que o mar e a terra providenciam. Por isso nos sentimos atores principais num
documentário de domingo. Juraram-me que, no meio daquela abundante e agreste ve-
getação, há mais de 50 tons de verde. Não os contei, mas faço fé na crença popular.
A generosidade cultural deste paraíso quase virgem é adoçada pela lengalenga que ser-
ve de resposta a tudo. “Leve-leve”, que é como quem diz, vai com calma, que a per-
feição exige tempo e nós aqui exigimos muito pouco do tempo.
Já sabemos que em África os ponteiros caminham à velocidade das tartarugas, mas
em S. Tomé o conceito é elevado a outra dimensão. O tempo, porém, acaba também
por marcar o atraso a que está votado aquele arquipélago, como podemos ler na belís-
sima reportagem do Rui Barbosa Batista. Estima-se que, só no Príncipe, possam ser cin-
A ALEGRIA EXUBERANTE co décadas de desvantagem para nós. Isso pode ser mau? Na verdade, pode ser bom,
D O S S Ã O -T O M E N S E S É pode ser uma vantagem. Pode ser, afinal, a melhor recordação que dali se traz.
U M AT R I B U T O N AT U R A L , Fiquemos por África, mas numa geografia diversa da tropicalidade são-tomense. Gon-
C O N TA G I A T U D O À S U A
çalo Ferreira foi despedido pela pandemia e decidiu pegar na mochila e na câmara fo-
PA S S A G E M . C O M O
U M V E N D AVA L B O M . tográfica e meter-se num avião. Destino? Uganda. Moveu-o o espírito de aventura
T U D O PA R E C E T E R e a paixão pelos animais. Fotografou gorilas e chimpanzés na selva, cores e gentes tri-
R E S P O S TA N A Q U I L O Q U E bais, fazendo de uma viragem forçada na vida uma oportunidade única na vida. Como
O M A R E A T E R R A DÃO tão bem escreve a Ivete Carneiro, a paixão também pode ser o rosto de um gorila.
Superlativa é, também, a qualidade das imagens do repórter fotográfico João Sousa.
E de certa forma une-o a Gonçalo esse ímpeto pelo desconhecido, saltar sem páraque-
das. Foi o que fez, quando decidiu transformar Beirute, no Líbano, na sua casa perma-
nente. É lá que vai fazer-se guia de viagens para todos os que considerem conhecer uma
nação que é muito mais do que religião e guerra. E o mesmo podíamos dizer de Myanmar,
a Terra Dourada que não se esgota na abertura dos noticiários internacionais e num re-
gime militarista que gere o país com rédea demasiado curta. Cristina Pavão visitou a an-
tiga Birmânia e veio de lá encantada com o pôr do sol e com a afabilidade das gentes.
Enquanto o Mundo não pula e avança à velocidade ansiada, aproveitamos ainda para
refletir sobre a forma como será viajar depois (e durante, até quando?) a pandemia. Há
uns meses, o ponto de partida era uma sala escura, sem janelas e com pouco oxigénio,
como nos conta o Pedro Emanuel Santos. Hoje, e à medida que o mercado e as rotinas
se adaptam à perseverança de um vírus maldito, constatamos que os agentes turísticos
souberam adaptar-se. E, sobretudo, que os viajantes que nunca deixaram de o ser não
desistiram de fazer as malas e embarcar. A coisa vai. Adotemos o mantra: leve-leve.
6 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
Redação: Rua de Gonçalo Cristóvão, 195-219, 4049 -011 Porto. Tel.: (+351) 222096100
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O sorriso contagiante
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de São Tomé e Príncipe Pedro Fernandes (diretor comercial Sul)
Fotografia: Rui Barbosa Batista
MARKETING E COMUNICAÇÃO Carla Ascensão
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circulação), Jaime Mota, João Pires, José Gonçalves
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QUATRO COISAS QUE APRENDEMOS poldina, 2745-553 Barcarena. Embalagem, circulação e distribuição porta a porta: Notícias
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1| MYANMAR
O TAMANHO DA FÉ
O Buda reclinado de Chauk Htat Gyi
mede quase 70 metros. É o segundo
maior do Mundo. Editor e proprietário: GLOBAL NOTÍCIAS – MEDIA GROUP, S.A.
Sede: Rua Gonçalo Cristóvão, 195-219, 4049-011 Porto. Tel.: (+351) 222 096 100 Fax: (+351) 222 096 200
do que o café e o cacau e está a destruir Matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Almada.
a biodiversidade do arquipélago. Capital social: 28.571.441,25 euros. NIPC: 502535369
Conselho de Administração: Marco Galinha (Presidente), Domingos de Andrade,
3| GASTRONOMIA
PAELHA PARA A ALMA
O famoso prato de arroz com todos
Guilherme Pinheiro, António Saraiva, Inês Cardoso, João Pedro Rodrigues, José Pedro Soeiro,
Kevin Ho, Phillippe Yip, Rosália Amorim, Rui Moura
Secretário-geral: Afonso Camões
nasceu porque era preciso dar sustento
aos camponeses nos arrozais. Capital social: Páginas Civilizadas, Lda. - 29,75%/ KNJ Global Holdings Limited - 35,25%
José Pedro Soeiro - 24,5% / Grandes Notícias, Lda. - 10,5%
4| LÍBANO
O IRMÃO DE ESCOBAR
Há um eremita colombiano no Vale
de Kadisha que dá pelo nome de Dario I NTERDITA A REPRODUÇÃO DE TEXTOS E IMAGENS POR QUAISQUER MEIOS .
Escobar. Como Pablo. Tiragem deste número: 12.100
O EDIFÍCIO DEMOCRÁTICO
QUE SE DERRETE
Entrar em Hong Kong era
entrar num lugar à margem
do continente a que está preso.
A pegada de Pequim está
a torná-lo menos diferente.
P O R IVETE CARNEIRO
E
ntre-se da forma que se en-
trar, Hong Kong é isto: uma
lufada. No caso, entrou-se de
ferry, vindo de Macau, que já
fora, por si, uma lufada. A de
Hong Kong é maior. É uma
lufada que não ousaremos dizer de ar fres-
co, mas de diferença incontornável depois
de um mês a atravessar a China, das metró-
poles à ruralidade, passando pelo esmaga-
mento do planalto tibetano. Esmagamento
em todos os sentidos, do ar que nos falta, do
chão que nos foge, do bloqueio que nos tra-
va, da pequena mentira sobre uma profis-
são malquista naquelas alturas. Macau foi,
depois de tudo e com o seu aroma a pastel
de nata, a primeira lufada. Hong Kong, a gi-
gante, seria o espanto maior.
A começar pelo idioma, mais inglês que
cantonês ou mandarim, mais francês ou cas-
telhano, até, o Mundo ali enfiado em ruas tor-
nadas estreitas pela sombra de prédios sem
fim, em bares de porta aberta para caminhos
cosmopolitas, em artérias de comércio pe-
queno, daquele que faz da China o que ela é,
mas com aquela aragem que não deixa esque-
cer que, ali, não é a China. Não era. Era a Re-
gião Administrativa Especial de Hong Kong.
É a Região Administrativa Especial de Hong
A N T H O N Y WA L L AC E /A F P
8 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
que ordenado. Protestavam contra uma
proposta de lei que permitiria extraditar
para o território chinês condenados ou sus-
peitos de crimes à luz da lei de Pequim. Que
não é, ainda, a que rege Hong Kong, fruto À SAÍDA DO FERRY RÁPIDO
do acordo de devolução da região à China QUE NOS ENTREGA A HONG
pela coroa britânica. Por 50 anos, de que já KONG, O GIGANTISMO DA
se cumpriram 23, ali seria um reduto de res- LIBERDADE QUE NOS ENCHE
peito pela liberdade de expressão e pela for- A VISTA E A SENSAÇÃO
ma de sociedade que os colonizadores ti- DE ESTARMOS NUM
nham imprimido.
PAÍS COMPLETAMENTE
DIFERENTE DERRETEM-SE
A ideia de extraditar incómodos – entre-
tanto abandonada por pressão das ruas – não
cabia nessas premissas. Marchou-se, na
maioria das vezes pacificamente. Até que a
pandemia suspendeu os protestos e o Gover-
no de Hong Kong, ponta de lança de Pequim,
permitiu que a capital desenhasse legislação
que seria da sua competência. O Governo de
Xi Jinping criou uma lei de segurança nacio-
nal para o território, porque a liberdade de
expressão e a democracia tinham, até agora,
travado textos que feririam a essência da re- tos fundamentais de Hong Kong. E reduziu o
gião. Macau, do outro lado do estuário do Rio já curto número de assentos parlamentares
das Pérolas, aprovara o ditoso texto funda- decorrentes da eleição direta. Eram 35, se-
mental sem precisar de ter Pequim a puxar- rão 20, numa câmara que viu crescer o total
lhe as orelhas. Porque Macau, lá está, é uma de deputados de 70 para 90. A Assembleia
lufada mais tímida. Hong Kong ganhou um Legislativa era o púlpito da Oposição pró-de-
assinado no Congresso Nacional do Povo, que mocracia. Fica reduzido à insignificância.
veio prever prisão para quem subverta os di- Do outro lado do Rio das Pérolas, foi a Te-
tames do poder central. ledifusão de Macau que viu impostas regras
Retroativamente, foram há dias condena- de “patriotismo” que afugentaram vários jor-
dos deputados eleitos pela Oposição, acusa- nalistas. As lufadas tornam-se cada vez mais
dos de impulsionar o maior de todos os pro- despercebidas. Aquele ar a pastel de nata que
testos de 2019. Enquanto decorria o julga- inundava a alma mal se cruzava o Arco das
mento, Pequim continuava a mexer nos tex- Portas do Cerco e que arrastava a dita dife-
rença desvanece-se. À saída do ferry rápido
que nos entrega a Hong Kong, o gigantismo
da liberdade que nos enche a vista e a sensa-
ção de estarmos realmente num país com-
pletamente diferente derretem-se. A altura
HONG do Victoria Peak e a vista sobre a megaloma-
Macau
KO N G nia que fez da cidade um ícone do modernis-
mo tornam-se curtas. A palavra é essa. Cur-
tas. E o charme sépia dos velhos Star Ferries
perde-se nas águas que nos transporta até
Kowloon e à estátua de Bruce Lee, o ícone da
cultura pop que foi uma verdadeira ponte en-
tre Leste e Oeste... Z
viagens
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10 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
C A R TA D O L E I T O R
NOUDAR, NOUDAR!
UM ENCANTO PERDIDO
NO ALENTEJO
TEXTO DÉBORA PEIXOTO, VILA NOVA DE GAIA
D
ia 22 de abril de 2019, Dia Mundial da Terra e dia do
meu 31.º aniversário. Partimos sem hesitar rumo a
Noudar. Pouco sabíamos sobre este destino e após
algumas pesquisas percebemos que Noudar foi,
em tempos, uma antiga vila alentejana pertencente ao con-
celho de Barrancos. O povoado situava-se exatamente no in-
terior do Castelo de Noudar, que havia sido mandado cons-
truir pelo Rei Dom Dinis e concluído em 1308. Hoje, permane-
cem o castelo e a história.
Mas afinal o que nos levou a Noudar? Liberdade.
A liberdade de mergulhar profundamente no coração do
Alentejo, sentir a terra quente nos nossos pés, cheirar os
aromas variados de uma primavera sorridente, testemunhar
cada pôr do sol como se não houvesse amanhã, escutar o
prosear do rio numa elevação de gratidão à mãe Natureza,
tocar a lua que ilumina o trilho até ao castelo, alcançar o uni-
verso com o olhar, passear livremente pelos campos flori-
dos, acompanhados da mais bela melodia trazida até nós
por centenas de passarinhos.
Já em Noudar, ficamos alojados na Herdade da Coitadinha,
dentro do Parque de Natureza de Noudar. Aqui fomos anima-
damente recebidos pela Fiúza e pelo Dior, dois cães extrema-
mente amigáveis e anfitriões da herdade. Rapidamente per-
cebemos que seriam os nossos companheiros de longas ca-
minhadas e aventuras durante a nossa estadia.
Rodeado da mais bela fauna e flora, o Parque de Natureza
de Noudar é hoje um oásis para a proteção e conservação de
algumas espécies ameaçadas, entre elas o lince ibérico. Aqui
são feitos todos os esforços para manter esta espécie a salvo
da extinção e proteger o seu ecossistema – o montado.
Foram poucos os dias para as imensas emoções que vive-
mos e sentimos. O Parque de Natureza de Noudar é um recan-
to único no país, aqui a Natureza tem alma, tem voz. Aqui er-
guem-se as mais belas melodias à Natureza! Z
OS LEITORES JAPONESES
À
noite, depois do jantar, os ja- parava em toda a gente. A música não estava
poneses que me convidaram e muito alta, apenas o suficiente para preen-
que me acompanhavam sem- cher o silêncio. Guiando os meus ombros de
pre descansavam de sorrir. Ao lado, entre outras pessoas que escolhiam ca-
deixarem-me na porta do ho- minhos oblíquos, cheguei ao balcão. Encon-
tel, certificavam-se de que lhes trei lugar num banco alto que, por sorte, fi-
acenava antes de entrar no elevador. Chovia cou livre no momento em que ia a passar por
em Tóquio. No quarto, descalcei os sapatos, ele. Ainda estava a sentar-me quando, do
abri dois centímetros de janela e deitei-me outro lado do balcão, me fizeram uma per-
na cama, de barriga para cima, com os bra- gunta. Respondi: “Whisky”. Pareceu-me a
ços estendidos, a camisa fora das calças. Os possibilidade mais fácil e internacional. Com
sons da cidade entravam pela janela entrea- gestos, voltou a fazer-me uma pergunta. Em
berta. Levantei-me da cama, lavei a cara, português, respondi: “Simples”. E cortei o ar
voltei a calçar-me e saí. Não pensei em nada com a mão. Olhei um pouco à volta e perce-
enquanto desci no elevador. Não me sur- bi que a maioria das pessoas não reparava na
preendi com a luz da receção, nem com uma minha presença. À minha frente, no balcão,
família de australianos encostados ao balcão, chegou a base circular de copos e, logo a se-
nem com as plantas verdes e tropicais. Re- guir, o copo de whisky com duas pedras de
fletido pelo mármore do chão, caminhei até gelo. Ele não percebeu que eu não queria
ao bar do hotel. Sob as luzes mortas, sob uma gelo. Esse era um mal-entendido menor até
música americana de voz rouca, estava um porque a primeira coisa que fiz quando se-
homem, levantou os olhos com o mesmo es- gurei o copo foi agitar as pedras de gelo e
forço com que teria erguido um braço. Fingi aceitar o conforto desse som familiar e ple-
UMA CRÓNICA
DO ESCRITOR procurar alguma coisa, passei o meu olhar namente justificado.
JOSÉ LUÍS PEIXOTO pelas mesas de vidro à altura dos joelhos, ro- Senti uma mão a tocar-me no braço. Era
deadas de sofás vazios. Atrás do balcão, ou- um escritor sueco que estava a participar no
tro homem folheava o jornal. Não tirei as mesmo festival literário que eu. Conhecía-
mãos dos bolsos e saí. Após a receção, avan- mo-nos das fotografias do programa: uma
cei em direção às portas de vidro, que se afas- brochura com páginas de caracteres tornea-
taram à minha frente como se me lançassem dos, como os manuais de instruções das cal-
num mundo vasto, onde apenas eu seria res- culadoras de bolso. Em inglês, disse: “És o
ponsável, onde podia fazer qualquer coisa. escritor português, não és?”. Confirmei com
Não andei mais do que cem metros, atraves- a cabeça. Sorrindo, ele disse em português:
sei a rua e entrei num bar. “Bom dia, obrigado”. Sorri-lhe também.
Ninguém reparou em mim enquanto des- Nesse momento, já estava quase encostado a
cia as escadas. Apoiado no corrimão, eu re- mim, a dizer-me que no início dos anos oi-
tenta tinha vivido perto de Sagres durante
quatro meses, vendeu pulseiras e trabalhou
numa padaria. Depois, voltou para a Suécia,
mas nunca se esqueceu de “bom dia” e de
“obrigado”. Perguntou: “É a primeira vez
que vens ao Japão?”. Falava como se fosse um
ancião e conhecesse o Mundo todo. Não es-
perou pela minha resposta, disse que tinha
quatro livros traduzidos em japonês. Fez uma
pausa. Disse: “Os leitores japoneses são tudo
aquilo que se pode desejar num leitor”. O es-
critor sueco tinha o cabelo feito de palha e fi-
xava-me com olhos que pareciam não acer-
12 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
ESPERA ATÉ UM LIVRO vem os livros que leem. Quando estás numa A TRADUTORA
TEU CHEGAR ÀS MÃOS
DE UM ESTUDANTE
livraria, sentado atrás de uma mesinha,
mantêm-se à distância, são como sombras.
JAPONESA
DE MESTRADO JAPONÊS. Com as duas mãos, pousam-te o livro à fren-
SÓ NESSE DIA PERCEBERÁS te. Se lhes sorrires, eles sorriem-te. Se fica-
A VERDADEIRA DIMENSÃO res sério, eles ficam sérios. Não te pergun-
DE CADA UMA DAS tam se o narrador dos livros és tu. Não te per-
PALAVRAS QUE ESCOLHES
guntam se gostas mais de escrever de dia ou
de noite. Não te perguntam se escreves à mão
ou se escreves no computador. Não se sen-
tem donos de ti e não ficam à espera de um
tar bem nos meus, e disse: “Os leitores japo- pretexto para se dececionarem. Sabem que
neses são fiéis. Se, num momento, consegui- tu não és a ilusão que têm de ti. Os leitores
res chegar a eles, nunca te deixarão cair. É japoneses preservam as suas ilusões. São
PAT R Í C I A SA N TO S P I N TO
como se fossem teus amigos e, acredita, se muito mais sábios do que nós”. Voltou a er-
há uma coisa que vais precisar ao longo da guer o copo e disse: “Aos leitores japoneses”.
vida, essa coisa são os amigos”. Ergueu o Brindámos mais duas vezes até os copos fi-
copo à minha frente e disse: “Aos leitores ja- carem de novo vazios. Voltou a segurar-me
poneses”. Brindámos, bebemos, e ele disse: o braço, mas eu, com o outro braço, não o
“Os leitores japoneses não esperam nada. deixei fazer o gesto que nos traria mais duas
Quando começam a ler, são os seus olhos que bebidas e, possivelmente, mais brindes aos
Há pessoas com quem parece não haver dis-
procuram significados e reflexos nos carac- leitores japoneses. Despedimo-nos. Em por-
tância, mesmo que seja a primeira vez que nos
teres em que transformaram o que escreve- tuguês, ele disse “bom dia” e “obrigado”.
encontramos. É raro que isso aconteça com
mos. Espera até um livro teu chegar às mãos Nunca aguentei bem o álcool. Quando saí, uma japonesa em Tóquio. Nessa primeira vez,
de um estudante de mestrado japonês. Só a música parecia mais alta, as marés de clien- Maho Kinoshita nunca tinha traduzido qual-
nesse dia perceberás a verdadeira dimensão tes do bar pareciam mais densas e impene- quer livro, mas chegou logo a falar em portu-
de cada uma das palavras que escolhes”. Vol- tráveis, mas consegui sair. À chuva, fiz em guês perfeito, a falar de saudades e de luga-
tou a erguer o copo e disse: “Aos leitores ja- segurança os cem metros que me separavam res que conheço bem e que estavam a milha-
poneses”. Pousámos os copos vazios no bal- do hotel. Não me lembrei de fechar a janela res de quilómetros dali.
cão. Enquanto me segurava o braço, como se do quarto. Nessa noite, adormeci com a fres- Depois disso, já existia a tecnologia que nos
quisesse impedir-me de movê-lo, pediu ta da janela aberta e, de manhã, ao acordar, permite manter conversas à distância. Mas, em
presença, apenas nos reencontrámos um par
mais duas bebidas com um gesto simples que foi como se a cidade inteira de Tóquio tives-
de anos mais tarde, justamente num lugar que
memorizei. Disse: “Os leitores japoneses vi- se acordado comigo. Z
conheço bem: o Alentejo. Nesse dia, aprendi
a expressão “naruhodo” ( ), que signi-
fica “entendo” ou “estou a perceber” e que ela
repetia quando via ou ouvia alguma coisa que
reconhecia de um livro que eu tinha escrito e
que ela estava a traduzir.
A tecnologia continuou a trazer-nos notícias
um do outro e, pouco depois, voltámos a en-
contrar-nos em Tóquio. Perante assembleias
de leitores japoneses, apresentámos esse li-
vro, do qual éramos autores em conjunto.
Hoje, a Maho tem já vários livros traduzidos de
PAT R Í C I A SA N TO S P I N TO
U G U R H A N /G E T T Y I M AG E S
“Bagan surge
ao pôr do sol como
uma multidão de
agulhas que se
elevam para o céu
rosado do fim de
tarde, envoltas
numa névoa púrpura”
@jornaisPT
ANMAR
A TERRA DOURADA
A antiga Birmânia não tem que soar aos nossos ouvidos
apenas pelos piores motivos, que a têm colocado
diariamente nas notícias. Porque a “Golden Land” é
muito mais do que um regime militar repressivo que
volta e meia retoma as rédeas do país. É o país que
Cristina Pavão viu do nascer ao pôr do sol com tons de
sonho, o país que cintila por todos os poros, o país das
gentes simples e mais afáveis que conheceu e que nos
conta neste roteiro.
TEXTO CRISTINA PAVÃO
@jornaisPT
A
R OT E I R O M YA N M A R
X AV I E R A R N AU/G E T T Y I M AG E S
sobressaltado por sucessivas crises políticas, é
surpreendente que as populações, na sua imensa
devoção a Buda, paguem promessas ou peçam favores
oferecendo folhas de ouro puro (que são vendidas em
quiosques envidraçados, fiscalizados e protegidos
com polícia, dentro dos mosteiros). São depois
colocadas em altares onde só os homens podem
entrar, sobre Budas que ficam ainda mais gordos,
deformados e resplandecentes. E por dentro e por
J
fora dos edifícios, onde não se podem dar ao luxo de O Pagode Shwedagon de fiéis que chegam de todo o lado, para rezarem pelo
usar o ouro, pintam paredes, tetos e cúpulas com é o ponto nevrálgico menos uma vez na vida. É absolutamente deslum-
de todo o brilho
purpurina dourada. Onde quer que se vá, para onde da cidade de Yangon, brante, com uma cobertura de mais de 70 toneladas
quer que nos viremos, o ouro está por todo o lado. para onde devotos em placas de ouro puro.
convergem de todo
Não admira que Ralph Fitch, pioneiro inglês em o país O Shwedagon insere-se num imenso recinto e está
narrativas sobre a Índia e Burma, lhe tivesse chamado rodeado por uma multitude de pagodes menores,
a “terra mais dourada do Mundo”, ou que o templos, altares com estátuas de Buda, estupas com os
romancista e poeta britânico Rudyard Kipling a tenha pináculos coroados de sininhos de prata e outros
apelidado de “maravilha cintilante”. pavilhões, alguns com sinos que chegam a pesar 40
toneladas, onde os fiéis batem com paus para lembrar
O PAGODE SHWEDAGON aos deuses a sua presença e fé.
Em Yangon (a Rangoon dos tempos coloniais), o Tive a sorte de chegar na véspera da celebração da
icónico pagode em forma de cone, que com o seu Lua Cheia. Começa antes de o Sol se pôr e, à medida
colossal campanário se eleva a 99 metros e é visível de que vai escurecendo, vão-se acendendo milhares de
todos os pontos da cidade que era capital até luzes que dão um ar feérico de conto das mil e uma
recentemente ser substituída por Naypyidaw, é a noites. E tudo entre centenas de monges, peregrinos e
estrutura mais sagrada da Birmânia: une o país inteiro visitantes que deambulam pelas ruas estreitas
numa devoção budista em romarias e peregrinações rezando, oferecendo flores e queimando incenso.
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Estátuas nas bancas
de um dos mercados
de Yangon. Em baixo,
um pormenor do
riquíssimo templo
Ananda, em Bagan
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A história da ocupação britânica está nas avenidas uma amabilidade sem subserviência e com um
largas com edifícios coloniais, rodeadas de parques, e enorme sorriso no rosto pintado com “thanaka”, uma
há até uma igreja católica, a Santíssima Trindade, pasta feita com um pó branco que acreditam ser
numa cidade com muito para visitar, da zona das adstringente, hidratante e protetor solar. Enquadram-
embaixadas ao Sule Pagode, passando pelo Bogyoke -se na beleza das paisagens, na tranquilidade e na paz
Market, o mercado noturno da China Town junto ao rio de um mundo sem poluição e sem stress, onde tudo
Yangon, o Pagode Chauk Htat Gyi, que num imenso corre devagar e impera um silêncio só cortado pelo
pavilhão alberga um Buda reclinado com feições ruído dos remos na água, o coaxar das rãs ou o
femininas e 70 metros de comprimento, o lago chilreio das aves.
Kandawgyi, onde vale a pena ir assistir a um Aqui é o reino dos Inthas, os pescadores do lago que
espetáculo de danças tradicionais, enquanto se janta remam só com uma perna e que constroem jardins em
um buffet de especialidades birmanesas no Karaweik ilhas flutuantes, onde cultivam toda a espécie de
Palace Royal, uma magnífica réplica de uma barca real legumes e vegetais, especialmente tomate.
dos reis birmaneses feita em pedra, que está dentro do Situado entre montanhas, o vasto lago Inle – 20
lago e à noite é profusamente iluminada. km de comprimento por 10 de largura – tem um
clima ameno e uma beleza cénica sem igual. As suas
LAGO INLE margens albergam 17 aldeias construídas sobre
Mas foi quando chegámos ao lago Inle, nos Estados estacas, pagodes, templos e alguns mosteiros muito
Shan, que descobri o encanto desta terra e a sua maior antigos e lindíssimos. E acordar às 5.45 horas,
valia: as gentes. Sempre vestindo os tradicionais sentar-me no terraço do meu bungalow do Inle
longyis (saias redondas até aos pés usadas por homens Princess Resort, debruçado sobre as águas e rodeado
n e mulheres, diferindo apenas a forma de atá-las na de flores, ainda com a lua cheia, e ver o amanhecer
O Buda cintura) e calçadas de chinelos de enfiar o dedo, ou doce em tons rosados no meio de um silêncio
reclinado do
Pagode Chauk
todas de negro com um turbante colorido na cabeça, profundo, é uma recordação que guardo para sempre
Htat Gyi como na etnia Shan, são de uma imensa gentileza, de com imenso carinho.
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Os rostos com expressões sempre
afáveis são uma encantadora
característica do povo birmanês
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Os monges chegam E antes de falar sobre Bagan, porque não cabe tudo o
muito jovens ao mosteiro
de Mahagandayon,
que vi neste artigo, menciono as muitas aldeias que
onde os rituais diários visitámos ao longo do percurso, pobres, com chão de
passam por uma refeição
oferecida por doadores
terra batida, casas de madeira de teca e vime, com
paredes de tiras de bambu entrançado, algumas com
varandas e vasos de flores pendurados, tudo muito
limpo e arrumado, onde até as mais humildes latrinas
construídas nos campos têm um rolo de papel
pendurado, como na aldeia de Pakkoku. Ou o
Mosteiro Mahagandayon, o maior da Birmânia,
composto por inúmeros edifícios com ruas e jardins,
onde os mais de mil monges residentes chegam
pequeninos para aprender a ler e escrever, técnicas de
meditação e os ensinamentos de Buda – a Birmânia
orgulha-se desde sempre de ter uma das mais
elevadas taxas de alfabetização da Ásia –, onde as
refeições, preparadas em tachos enormes, são
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Destaca-se o Templo Ananda, talvez o maior exemplo Os Intha têm uma técni- populações locais se vão abastecer e que, de todo, não
ca de pesca única: pes-
da velha Pagan. Com quatro imensas entradas que dão cam de pé para conse-
é para turistas, mas fica no caminho do colossal Pagode
acesso ao bloco quadrado central, com 53 metros de guir ver o peixe, com Shwezigon, o mais afastado de Bagan. É o primeiro
uma perna na ponta da
altura e, em cada um dos seus lados, um nicho canoa e outra a gerir o
templo da Birmânia que incorpora a veneração “Nat”
albergando estátuas de Buda douradas de 20 metros remo, enquanto manu- de que Indra é o rei dos espíritos.
seiam a rede
de altura. Nos corredores interiores, a tranquilidade Depois do almoço à beira do rio Ayeyarwaddy,
paira através da luz dourada que se filtra das altas visitámos a fábrica da mais importante indústria
janelas ogivais. artesanal de Bagan. Os lacados. Um espantoso trabalho
Mas se o pôr do sol é tão falado e reconhecido, o de infinita paciência executado por jovens que passam
nascer do sol é uma hora abençoada tão eterna e horas sentadas com as pernas cruzadas, gravando
antiga como os templos que povoam esta terra. Subir pacientemente desenhos que parecem existir apenas
ao último terraço do Shwesandaw depois de um nas suas cabeças.
percurso de caleche, às 5.30 horas da manhã, ainda E muito fica ainda por contar sobre um destino que
noite estrelada, é absolutamente magnífico. Às 6 voltou a mergulhar na incerteza. Mais uma vez, os
horas, como que por magia, a luz vai-se insinuando, poderosos generais e a junta militar tomaram o poder
apagando as estrelas e trazendo aos poucos a com um golpe de Estado em que acusaram Aung San
definição, mostrando os contornos das agulhas de Suu Kyi de ter recebido um suborno de cerca de meio
templos e estupas elevando-se para o céu. Por volta milhão de euros em material eletrónico. Nobel da Paz
das 6.20 horas, o Sol aparece timidamente por detrás em 1991, altura em que estava em prisão domiciliária por
da névoa e vai crescendo numa bola vermelha até se encabeçar a luta pela democracia depois de assumir a
transformar no ouro que cobre as cúpulas dos liderança da Liga Nacional pela Democracia, seria
templos. Momento encantado que nunca vou libertada em 2010. Vencedora das eleições em 2015, era
esquecer, num lugar único e místico rodeado de até fevereiro conselheira de Estado, cargo que foi criado
silêncio e paz, maravilha de um Mundo passado e para ela por estar impedida de ser presidente – porque
esquecido durante muito tempo, que é preciso ver tem filhos com nacionalidade estrangeira... Está de novo
para se sentir a magia do lugar. presa, longe de ruas ensombradas por protestos e, outra
A cerca de 30 km para norte, a vila de Nyuang-U vez, uma repressão sangrenta. À sombra do ouro que
esconde um mercado cheio de colorido, onde as espreita dos pagodes. Z
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W E ST E N D 6 1 /G E T T Y I M AG E S
T H AT R E E T H I T I VO N GVA R O O N /G E T T Y I M AG E S
GUIA DE VIAGEM
• Documentos: Passaporte de nove noites a partir de 2 092€. nalistas e políticos. Só lá fui Na Old Bagan fiquei no The Tha-
e seguro de viagem. Excelente, muito bem organizado, tomar café. rabar Gate, excelente, com bun-
• Moeda: Kyat de Myanmar pude escolher hotéis da minha galows que se dispersam entre
1 EUR = 1680 MMK preferência, com grande conforto Não menos requintado e luxuoso, jardins floridos e um restaurante
• Fuso horário: +6:30 horas e imenso requinte. Para quem pre- o Governor’s Residence é uma "Al fresco" à borda de uma piscina
• Idioma: Birmanês fere um estilo mais aventureiro, mansão colonial de 1920, que foi de sonho, rodeada de pequenos
com caminhadas e preços mais residência do governador dos Es- elefantes de pedra, porque o ca-
em conta, a GAdventures tem um tados Shan. Um oásis de frescura lor é imenso e sabia tão bem mer-
tour de 14 dias a partir de 1 849€. e onde tudo é bom gosto, que fez gulhar depois das visitas.
parte da famosa cadeia de hotéis
Viajei na KLM até Banguecoque e Orient-Express.
IR na Bangkok Airways para Yangon.
A melhor maneira de visitar Moderno, mas excelente, o Cha-
Myanmar é através de um opera- trium Hotel Royal Lake está situa-
dor turístico, em que estão incluí- do junto ao lago Kandawgyi e CONSULTAR
dos, além dos hotéis e serviços, com uma vista espetacular para Para quem tiver interesse em
as deslocações e todas as visitas o Shwedagon. compreender Myanmar, sugiro
aos locais e monumentos, mostei- algumas obras de literatura rela-
ros, etc., sempre com guia que DORMIR No lago Inle, o Inle Princess cionadas, que nos transportam ao
nos presta todas as indicações, Começo por mencionar o que Resort é um encanto que se passado e à história da coloniza-
porque num país tão desconheci- foi considerado o melhor hotel espalha em bungalows sobre as ção britânica: “Dias da Birmânia”,
do é fácil perdemo-nos do que da Ásia. The Strand, em Yangon. margens, construídos na forma de George Orwell, “O afinador de
vale a pena visitar e dos melhores Construído em 1901 e renovado tradicional, em madeira de teca pianos”, de Daniel Manson, e “The
lugares onde comer ou ficar. em 1989, continua a ser um dos com as paredes de bambu en- Glass Palace”, de Amitav Gosh.
ícones mais inspiradores e dura- trançado, os tetos muito altos
Eu fiz a viagem com as Viagens El douros da época colonial, man- com ventoinhas, camas de dossel Espero ter sido uma inspiração
Corte Inglés, que atualmente ofe- tendo o charme, o luxo e o re- e enormes terraços rodeados de para os leitores, de uma viagem
recem dois pacotes, um de sete quinte dos tempos em que era flores sobre a água, de onde não que vale a pena fazer uma vez
noites a partir de 1 810€ e outro frequentado por escritores, jor- apetece sair nunca mais. na vida.
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@jornaisPT
PL ANETA VERDE
LU L A SA M PA I O/A F P
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Z
O desmatamento da
Floresta Amazónia para
a produção bovina ultrapas-
sou, em 2020, uma área
superior ao tamanho de
Israel, segundo a Amazon
Conservation Association.
O Brasil é o segundo
maior produtor de carne
(10,3 milhões de toneladas)
U
m suculento bife na grelha
põe qualquer carnívoro com
água na boca. Mas vamos di-
gerir alguns factos, antes da
primeira garfada. Esquece-
mo-nos, muitas vezes, de que somos parte da
Natureza e que o que é mau para a saúde tam-
bém o é para o Planeta. Uma dieta rica em
proteínas da carne tem altos custos para o co-
lesterol, já o sabemos. Faltará só conhecer o
impacto para o ambiente. Preparem, por isso,
o estômago para o que vem a seguir.
A investigação científica já demonstrou
que 30% do total de emissões diretas de car-
bono são produzidas pela indústria alimen-
tar. O setor, segundo os dados da World Wi-
de Fund for Nature (WWF), é responsável por
60% da perda global da biodiversidade. E a
pecuária, por si só, contribui com até um
quarto das emissões globais de gases de efei-
to estufa, ultrapassando também o volume
de CO2 dos transportes.
O metano produzido durante a digestão
das vacas é uma questão particularmente
sensível, tendo em conta que se trata de um
dos quatro gases com efeito de estufa e com
potencial poluente 25 vezes superior ao dió-
xido de carbono. Mas esse não é o único
problema. A criação de gado ruminante
provocou 80% do desmatamento das flo-
restas com a produção de carne e laticínios
a ocupar três quartos de todas as terras agrí-
colas do Mundo disponíveis para pastagens
e cultivo de ração animal. Tão devastador
ainda é o uso de aproximadamente 30% da
água doce do Planeta, segundo as estimati-
vas da Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e a Agricultura.
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AS M E D I DAS AG R E S S I VAS
D E F R A N ÇA PA R A C O M BAT E R
O D E S P E R D Í C I O D E A L I M E N TOS,
P RO M OV E R E ST I LOS D E V I DA
SAU DÁV E I S E A D OTA R T ÉC N I CAS
D E AG R I C U LT U R A EC O LÓ G I CA
C O LO CA R A M O PA Í S N O TO P O
D O Í N D I C E D E SUST E N TA B I L I DA D E
A L I M E N TA R 2 0 2 0, DA R E V I STA
I N G L E SA “ T H E EC O N O M I ST”
I Z Z E T K E R I B A R /G E T T Y I M AG E S
J
B I M /G E T T Y I M AG E S
Vaca
27 / 101,39 km
Lentilhas
0,9 / 2 km
Fruta
1,1 / 2,5 km
Leite
1,9 / 4 km
Hortículas
Queijo
2 / 4,5 km
13,5 /
49,89 km
Feijões/tofu
2 / 4,5 km
10
GESTOS ECOLÓGICOS
NA COZINHA
YA M I L L AG E /A F P
ladas de alimentos vão para o lixo todos os
anos em Portugal. O combate ao desperdí-
cio passa também pela cozinha, aproveitan-
do cascas e talos das verduras, reciclando
sobras ou congelando refeições.
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5
3
1 2
9
6
8
PEQUENO ATLAS
DA GASTRONOMIA 10
SUSTENTÁVEL
Na gastronomia típica estão não só os sabores da terra,
como os hábitos alimentares equilibrados para o ambiente
e para a saúde. Viaje pelos pratos tradicionais de dez países,
começando pelo nosso.
F OTO S : M A R C O LO N GA R I /A F P
THE BLUE TRAIN | ÁFRICA DO SUL
U
m hotel em movimento, de jane- serão, consultar um livro da pequena biblioteca
las abertas para a paisagem ou jogar uma partida de xadrez.
metamórfica da costa ao interior A rota que liga a Cidade do Cabo, na costa sul
sul-africano, infundido em luxo e do país, até Pretória, a nordeste, inclui uma para-
elegância. Assim é o icónico Blue gem em Kimberley para visitar o Open Mine Mu-
Train. O azul vibrante que reveste seum e o Big Hole, uma antiga mina de diaman-
as carruagens serviu de mote tes que é o maior buraco feito à mão do Mundo.
para o nome por que ficou conhecido, mas o Já o percurso entre Pretória e o Parque Nacional
charme estende-se ao interior, forrado a madeira Kruger, habitat de elefantes, leões, rinocerontes,
e com decoração clássica, onde os passageiros leopardos, búfalos e um grande número de
se acomodam para uma experiência única. outras espécies, tem previsto um safari ao nas-
O comboio executa duas rotas, ambas com cer do sol e outro ao anoitecer.
duração de duas noites. Ao longo da viagem, os O luxuoso comboio tem as suas raízes num
hóspedes podem contar com o serviço de um sonho do século XIX: ligar sobre carris o vasto
mordomo pessoal, refeições gourmet prepara- continente africano, da Cidade do Cabo até ao
das com ingredientes locais, como avestruz, Cairo. A linha nunca chegou ao Cairo, mas o Blue
veado e ostras, e suítes elegantes, que tanto ser- Train acabou por se tornar um ícone da África do
vem o propósito de sala de estar durante o dia O luxuoso comboio nasceu com o sonho, datado do Sul, atravessando as suas paisagens contrastan-
como se transformam num quarto confortável séc. XIX, de ligar o continente africano da Cidade tes, desde a região semidesértica do Karoo, às
do Cabo até ao Cairo. Ficou-se pela África do Sul
ao cair da noite, com casa de banho forrada a montanhas de Western Cape. Z
mármore e apontamentos dourados. À dispo-
sição dos passageiros está ainda uma car- Bilhetes (tudo incluído) a partir de 1 320€
ruagem-bar, para tomar um digestivo durante o por pessoa - Web: bluetrain.co.za
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S E É N OV I DA D E O U S E JÁ L Á E ST I V E M OS E VA L E A P E N A E STÁ N A N OSSA L I STA
Um restaurante
gourmet e um
bar completam
a experiência
Dormir sobre
o Vale Sagrado
Três suítes suspensas numa escarpa sobre
o Vale Sagrado de Cusco, no Peru, convidam
a passar a noite mais próximo do céu.
D. R .
D. R .
A
s Skylodge Adventure Suítes são um conjunto de
cápsulas transparentes fixadas numa parede ver-
tical a mais de 400 metros de altitude, com vista
para o Vale Sagrado dos Incas, na localidade de
Pachar, arredores de Cusco. Para lá chegar é ne-
cessário escalar a parede montanhosa ou descer de slide
pela escarpa, protegido com arneses de segurança e com
o acompanhamento dos instrutores da Natura Vive, o
operador turístico responsável pelo alojamento e por
atividades de montanhismo.
Cada uma das três suítes, feitas de alumínio aeroespacial
e policarbonato de alta resistência, tem capacidade para
quatro pessoas, possui casa de banho e sala de refeições, é
iluminada através de painéis solares e dispõe de todas as
comodidades para garantir uma noite quente e agradável.
A cúpula transparente permite apreciar a vista sobre o vale,
mas também tem cortinas para fugir do olhar curioso dos
vizinhos do alojamento, os condores. A experiência inclui
jantar e pequeno-almoço. Z
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HENRY’S TOWNHOUSE | REINO UNIDO
A CASA ONDE
M O RO U H E N RY
AU ST E N
O
número 24 de Upper Berkeley Street,
em Marylebone, foi em tempos o des-
tino das regulares visitas de Jane ao ir-
mão Henry, grande apoiante da carrei-
ra literária da irmã. A casa no epicen-
tro londrino teve até direito a uma passagem no
famoso romance “Sensibilidade e Bom Senso”.
Agora, foi restaurado de forma fiel à época,
numa reinterpretação glamorosa do estilo do
período da Regência, inspirada na vida social de
Henry e da mulher, Eliza, no início do século XIX.
O Henry’s Townhouse está disponível para uso
exclusivo e acomoda até 14 pessoas em quartos
inspirados na família Austen.
As sete suítes contam histórias diferentes na sua
decoração elegante de tecidos ricos, mobiliário de
época e peças originais, com cores que vão do bor-
dô profundo do quarto Henry ao azul-celeste da suí-
te Cassandra. O ambiente sumptuoso é transver-
sal às áreas sociais, como a Monsieur Halavant's
Pantry, uma cozinha e sala de refeições com uma
grande mesa para o pequeno-almoço inglês
e jantares privados; a sala de leitura de Jane Aus-
ten, ideal para o chá da tarde; e o terraço para o
aperitivo noturno. Tudo com uma equipa prepa-
rada para ajudar à imersão no mundo de Austen,
entre paredes feitas de história e literatura. Z
D. R .
CALILO | GRÉCIA
A reabertura do resort Calilo, na ilha grega de Ios, traz novas suítes com piscinas privadas,
espreguiçadeiras que balançam sobre a água e varandas abertas para o mar.
C
onstruído na linha costeira de uma das mais tras com acesso direto à praia e cada qual criada indivi-
belas Cíclades, vizinha das conhecidas Santo- dualmente como uma obra de arte, com interiores co-
rini e Mykonos, este hotel em pedra, estendi- bertos de mármore. Alguns quartos têm piscinas priva-
do ao longo dos 300 metros da praia de Pa- das revestidas de mosaicos, espreguiçadeiras que balan-
pas, confunde-se na paisagem, mas esconde çam sobre a água em varandas abertas para o mar, ou-
um interior repleto de cor e caráter. O resort foi criado tros têm cascatas e chuveiros ao ar livre. E nasceram ba-
pela família Michalopoulos, que ao adquirir parte da ilha loiços e espreguiçadeiras dentro da água para um des-
queria preservá-la e protegê-la do turismo massivo. Por- canso refrescante na piscina e as Rock Pools para refei-
que a ilha é morada do Skarkos, um dos mais antigos po- ções privadas com vista elevada sobre a praia. Z
voados da Idade do Bronze. A reabertura, prevista para o
final de maio, traz sete novas suítes, algumas com vista Suítes a partir de 340€ por noite
panorâmica para o mar e terraço privado, ou- Web: calilo.com
D. R .
36 @jornaisPT
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D. R .
C
THE LONDONER MACAO | CHINA otai Strip é morada dos maiores ho- há uma representação do tradicional render da
téis, casinos e clubes de Macau, Guarda Real do Palácio de Buckingham.
SAU DAÇÃO AO aos quais se junta agora o novo re- Os visitantes podem também contar com o
sort da Sand China. O The Londo- famoso fish and chips num pub & grill do chef
REINO UNIDO ner é uma saudação ao Reino Uni- Gordon Ramsay e mais de 20 estabelecimen-
do, onde, entre outras atrações, se encontram tos de restauração, que não só celebram a gas-
recriados alguns dos pontos de referência tronomia britânica, como abrem portas a cozi-
Macau tem um novo mais famosos da capital britânica, da fachada nhas do Mundo – o restaurante Chiado, desen-
empreendimento turístico inspirada na Abadia de Westminster à réplica volvido em parceria com chef Henrique Sá Pes-
inspirado na história e cultura em tamanho real da Elizabeth Tower, mais co- soa, é o representante da cozinha portuguesa.
nhecida por Big Ben. O empreendimento de- Do rol de experiências sobressai ainda um chá
britânicas, no qual cabem
verá abrir progressivamente ao longo deste da tarde à Alice no País das Maravilhas, lojas com
hotéis, lojas, restaurantes ano, com um leque de hotéis, restaurantes e criações dos mais conceituados designers bri-
e recriações de alguns dos lojas, para além de um centro de convenções, tânicos, recriações da Bond Street, Mayfair e Sa-
ícones londrinos. salas de conferências e exposições, spas, tea- vile Row e ainda cinco hotéis de luxo, com um
tro e casino. total de seis mil suítes, cuja decoração não foge
A entrada para o resort faz lembrar a Victo- ao tema e inclui sofás Chesterfield, poltronas e
ria Station e dá passagem para o Crystal Pala- banheiras ao estilo vitoriano. Z
ce, um átrio luminoso que realça a construção
vitoriana de vidro e ferro e onde todos os dias Web: londonermacao.com
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QUANDO A MÚSICA É VIAGEM
LÍNGUA FRA(N)CA
POR EMANUEL CARNEIRO
“
N
eo geo”, álbum do nipónico Ryui- O termo “neo geo” serviria, segundo Sakamoto,
chi Sakamoto, é a cara chapada da para descrever a diversidade musical a nível pla-
ilha japonesa Okinawa. Não porque netário, no que seria um novo Mundo, interligado.
um traduza em música as idiossin- Premissa que se afigura incompreensível após es-
crasias da outra. Antes porque am- cutar-se o álbum: o que a agulha reproduz é ape-
bas as instâncias representam o falhanço – tem- nas um quarteto de instrumentais de aroma pre-
porário no caso do autor de “Hidari ude no yu- dominantemente nipónico, um trio de canções in-
me”, disco de 1981 reeditado no ano passado – da terpretadas em japonês e um tema vocalizado pelo
convivência com a sombra dos Estados Unidos. norte-americano Iggy Pop, previsivelmente, em
Dos destroços, eleva-se um LP mediano e uma inglês. “A diversidade musical a nível planetário”
resistência agridoce. terá chegado atrasada ao estúdio.
38 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
DEIXEMO-NOS FICAR
À M E R C Ê D E “O K I N AWA
S O N G - C H I N N U K U J U U S H I I ”,
C A N Ç ÃO I N FA N T I L Q U E
S A K A M OTO I N C LU I U N O
D I S C O. U M A B R I S A F R E S C A
E M F I M D E TA R D E L E N TO
NOS JARDINS DE NAHA,
P R I N C I PA L C I DA D E DA I L H A .
OU UM LEMBRETE DE QUE A
I N O C Ê N C I A N ÃO T E M I DA D E
40 @jornaisPT
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VO LTA AO M U N D O. P T MAIO 2021 @jornaisPT 41
PELA LENTE DE
ESTA IMAGEM
DISTÂNCIA FOCAL
40 mm
ISO
320
TEMPO DE EXPOSIÇÃO
1/5000 s
ABERTURA
f/4
ARTUR MACHADO
C A P TA R A A U T E N T I C I D A D E D O M O M E N T O
Fotojornalista há mais de 20 anos, o portuense viu na profissão a oportunidade
de conhecer outras realidades e fugir ao trabalho de escritório. Procura
fotografar com a maior discrição possível para captar momentos genuínos.
N
a verdade, foi a incerteza que condu- po Global Media, incluindo a “Volta ao Mundo”,
ziu Artur a uma vida atrás da câmara. com a qual tem vindo a descobrir vários destinos.
“Acabei o 12.º ano e fui trabalhar du- Mas a viagem que até hoje mais o marcou foi a de
rante algum tempo, mas não sabia umas férias no Nepal, em outubro de 2006. “Esta-
bem o que queria fazer”, assume o fo- va no computador a pesquisar sobre um trekking
tógrafo de 48 anos. A fotografia era algo que já lhe na Roménia e apareceu-me um trilho nos Hima-
agradava, é certo, e até chegou a comprar uma re- laias. Eu sempre tive uma certa fixação por mon-
flex para fazer umas brincadeiras. “Era um peque- tanhas e não estive com meias-medidas, procurei
no hobby, fazia umas imagenzinhas, mas não sa- saber como é que o podia fazer e fui. Andei lá duas
bia nada. Queria muito perceber, mas naquela al- semanas a caminhar”, conta Artur.
tura não havia assim tanta informação.” A beleza natural da paisagem foi o que mais o
Anos mais tarde, em 1994, falaram-lhe do curso deslumbrou. O percurso que fez até ao acampa-
de fotografia da Escola Superior Artística do Porto mento-base do Evereste teve quase sempre como
e decidiu arriscar. “Pareceu-me que era uma coi- cenário de fundo a montanha Ama Dablam – o
sa que ia gostar de fazer, concorri e entrei.” Seguiu- nome significa “colar da mãe” porque a silhueta
-se um estágio no “Jornal de Notícias” em 1998 – da montanha faz lembrar uma mãe a abraçar um fi-
antes, ainda trabalhou uns meses como assistente lho, e o glaciar ao redor do cume assemelha-se a
num estúdio de fotografia de publicidade –, onde um colar – que captou nesta fotografia, tirada ao fi-
ficou a colaborar até aos dias de hoje. O fotojorna- nal de um dia de caminhada. “Fui dar uma volta e
lismo sempre foi o que mais lhe interessou. “Eu sa- parei, a ver a montanha, entretanto um senhor pas-
bia que não queria estar fechado num estúdio ou sou à minha frente e eu tirei a foto.” Sempre o mais
num escritório, e este trabalho dá-me oportunida- discreto possível, para captar a autenticidade do
de de conhecer outras realidades.” momento. “Importa-me conseguir fotografar sem
Com a criação da Global Imagens, o fotojornalis- que reparem em mim e apanhar o que está à minha
ta passou a colaborar com todos os títulos do gru- frente sem que a minha presença interfira.” Z AC instagram.com/artmac
CÂMARA OBJETIVA
Canon Canon EF 24 105 mm
EOS 5D f/4L IS USM
42 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
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TEMA DE CAPA
São Tomé
e Príncipe
A FELICIDADE VESTE O TEU NOME
VEJA AQUI
A REP ORTAGEM
VÍDEO E A
ENTREVISTA
COM O AUTOR
44 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
Em São João dos
Angolares, crianças
improvisam jangadas
de madeira com as quais
fazem canoagem e SUP
SAUDOSO QUOTIDIANO
Os dias respeitam o ciclo do Sol e às 5 horas já os galos
espalham entusiasmo. Depois, o latir dos cães, o baru-
lho das motas e os diálogos familiares entre quem se
cruza na rua. Começam a surgir catraios fardados para
a escola, alguns com mais de uma ou duas horas a pé
montanha abaixo, desde as suas aldeias. Há mulheres
espalhadas por Santo António, a pequena capital, a
vender pão e peixe. Antes de se dedicarem a várias ou-
tras obrigações.
Delongo-me na cavaqueira com Natália – Zinha é o
seu nome de casa, algo que todos os são-tomenses se
3 orgulham de ter. Como muitos, veio, ainda menina, de
Hugo Olim prepara
o almoço no varandim
Cabo Verde, aonde não conseguiu voltar. Há sempre
da sua cabana uma certa intimidade nas suas conversas com os fre-
gueses, munidos de saco próprio, de pano. A campanha
A
contra o plástico faz sentido. Fala-me dos “tempos di-
té me cruzar com o Hugo, só conhecia fíceis antes da independência”, elogia uma sociedade
eremitas das histórias de ficção. Este “sem maldade” e diverte-se a apresentar-me como o
madeirense largou uma vida folgada – seu “novo marido”.
“Passado algum tempo, o conforto traz A igreja matriz testemunha o maior alvoroço e é a seus
desconforto, atrofia-nos” – para se en- pés que são recolhidos os trabalhadores dos empreendi-
contrar no Príncipe. Aguçou o engenho mentos turísticos. Vejo senhoras a varrer a soleira da por-
com a ousadia dos animais e construiu uma cabana “se- ta – mais ou menos modestas, as casas são todas asseadas
gura e inviolável” numa sedutora colina defronte do mar. – e outras que já lavam a roupa em tanques comunitários.
Nos seus parcos metros não faltam livros nem a melodia Bastantes homens andam de catana, como uma extensão
de aves, em harmonia com o murmúrio do Oceano. Não do seu corpo. “É brinquedo que os miúdos, criados na
tem energia, lava-se num regato ali perto, cozinha pa- rua, já manejam aos três ou quatro anos”, dizem-me.
cientemente no fogo o que colhe da Natureza e o que cul- Ao fim de semana as rotinas são imutáveis. As crianças
tiva na horta, o seu maior desafio. O vizinho mais próxi- improvisam engenhosos brinquedos de madeira, os mo-
mo está a quase meia hora de caminhada. Um só homem destos lares continuam bem cuidados e a única novida-
e a Natureza, numa relação cada vez mais perfeita. de é a indumentária mais aprumada.
“Estou confortável porque me sinto em casa, no meu “Esta sociedade está 50 anos atrasada em relação à Eu-
habitat natural. Tenho tempo para introspeção, perce- ropa”, exalta Fernando, que recentemente se estabele-
ber a minha essência, encontrar-me com o que sou. Não ceu no Príncipe. “Lembra-me a minha meninice na casa
preciso de mais do que tenho. Tudo o resto é ruído. Há dos meus avós. As habitações são de madeira e as latri-
extrema pureza no Príncipe. A simplicidade desta vida fi- nas ficam fora. As pessoas cozinham na rua, ao lume. É
xou-me cá”, confessa-me o professor universitário. como regressar à infância. Uma existência simples e fe-
A conversa é subitamente interrompida por um vio- liz. Com seres humanos bons e rodeados da Natureza e da
lento trovão. sua relaxante musicalidade”.
Nestas latitudes, um sol esplendoroso cede facilmen- No Príncipe somos sequestrados numa intemporalida-
te a chuva convicta anunciada por poderosos relâmpa- de que se entranha em todos os nossos sentidos.
46 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
O imponente pico
Cão Grande, imagem
de marca de São Tomé
e Príncipe
48 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
Perspetiva interior
da beleza decadente
da Roça Boa Entrada.
Em baixo, jovens em
brincadeiras de outros
tempos, na ilha
do Príncipe
A SUSTENTABILIDADE DO PARAÍSO
O isolamento da pequena ilha tem-na mantido pura, in-
tocável, com características específicas que o sul-africa-
no Mark Shuttleworth potencia no seu sonho de torná-
la um ícone mundial do desenvolvimento sustentável.
É essa a filosofia que aplica aos seus hotéis Bom-Bom,
Sundy Praia e Roça Sundy, onde em 1919 Sir Arthur
Eddington liderou uma expedição de observação de um
eclipse solar que veio comprovar a Teoria da Relativida-
de de Albert Einstein. A HBD, que também tem o Oma-
li, em São Tomé, adquiriu bastantes terrenos que preten-
de manter virgens. Ofereceu à ilha o pequeno aeródro-
mo e várias outras infraestruturas.
No Príncipe há a firme convicção de que a biodiver-
sidade prevalecerá aos interesses económicos que a po-
deriam perverter. Não acreditam em desflorestação
como no sul de São Tomé a favor da Agripalma – a em-
presa produz óleo de palma, tem 88% de capital belga
e 12% do Estado e é a maior do país –, num negócio
com impacto negativo no ambiente e custos para o fu-
turo que parecem estar a ser subavaliados. O óleo de
palma tornou-se mesmo a exportação de referência de improvável prazer de ter as praias Banana, Abelha e
São Tomé e Príncipe (STP) – em 2020, superou o ca- Bom-Bom só para mim. Depois, saboreio o bom café do
cau e o café – e os cinco mil hectares autorizados para alto da esplanada da roça Belo Monte, com vista subli-
exploração significam a destruição de uma colossal me até onde mar e céu se fundem.
mancha verde que é habitat de várias espécies autóc- Acidentalmente, descobrirei todo um hospital engolido
tones em vias de extinção, como a galinhola (Bos- pelo mato na roça Porto Real. Não sei se estou mais impres-
trychia bocagei), o canário gigante “anjolô” (Neospiza sionado ou chocado por este estado de abandono. Regres-
concolor) e o picanço-de-são-tomé (Lanius newtonii). sarei à cidade em improvisada boleia de trator e nesse exa-
No Príncipe tudo é mais sereno e vou usufruindo do to dia recebo um convite para voltar para um aniversário.
A comunidade ajuda
a retirar o barco
da praia, em São João
dos Angolares
50 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
VO LTA AO M U N D O. P T MAIO 2021 @jornaisPT 51
TEMA DE CAPA SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
J
A “aldeia” junta-se em peso, a música ecoa em decibéis lavadeiras são relevantes na sua identidade cultural. Pacientes pescadores
preparam-se para
festivos e sobra dança, comida e vinho de palma… Onde houver um curso de água certamente veremos mu- a faina
No dia seguinte vou ao Terreiro Velho, um diamante por lheres às dezenas a cuidar da colorida roupa, que esten-
lapidar e onde me imagino a passar umas boas semanas. dem nas soalheiras margens, construindo vibrantes mo-
Uma aldeia que cativa por tudo o que é rudimentar, da pai- saicos com o matiz do seu quotidiano.
sagem urbana ao estilo de vida, à porta da zona ecológica. À saída do aeroporto, entre a multidão de propostas,
Está mais do que decidido que voltarei ao Príncipe, negoceio por 25 euros/dia um todo-o-terreno, a opção
onde todos se conhecem pelo nome. Onde sou perma- certa para as estradas menos recomendáveis. Para co-
nentemente entregue ao relaxe, à contemplação, à paz nhecer a capital, São Tomé, e os seus arredores bastam
interior. E onde testemunho um equilíbrio entre a con- os populares ‘moto-boy’. É assim, conduzido por sorri-
servação e o desenvolvimento, uma convivência har- dentes estranhos, que visito o imperdível espaço CACAU
moniosa entre o Homem e a Natureza, intocada, exu- – Casa das Artes Criação Ambiente Utopias. E que, per-
berante, intensa. to, aprendo bastante no Museu Nacional, no Forte de
São João, o primeiro edifício defensivo aqui erguido pe-
O DESCOMPLICADO MODO DE EXISTIR los portugueses, em 1575. Um cru encontro com o nos-
A paixão por estas terras que os exploradores portugue- so passado colonialista, que me deixa com mais per-
ses João de Santarém e Pedro Escobar descobriram em guntas do que certezas. O grande mercado, transferido
1470, na altura desabitadas, surge mal aterro em São To- para fora do centro urbano, justifica madrugar e deslo-
mé, antes das 6 horas da manhã. Sobrevoo sucessivos cação nas mesmas duas rodas.
tons vivos até a aeronave se imobilizar na pista, ante o Já de carro, em meia hora podemos alcançar a casa-
olhar ávido de uma imensidão de gente de queixo preso museu de Almada Negreiros (1893), para o interior. La-
à rede que protege o aeroporto: a chegada de aviões é ain- mento que a drástica perda de receitas tenha impacto
da uma festa, principalmente em período de pandemia. no auxílio social deste projeto às crianças da Roça Sau-
Do céu vejo senhoras a carregar cestas e bacias à cabe- dade. Os visitantes evaporaram-se. A guesthouse, com
ça, que mais tarde confirmo serem produtos para vender vistas airosas, está estranhamente vazia, o salão de chá
nos mercados ou roupa para lavar no rio. Aliás, esse é um vai sendo remodelado e a sala-museu avança devagar.
dos mais carismáticos postais sociais deste país, pois as Aprecio o menu de degustação de pratos típicos, a úni-
VULCÃO
52 CONCEPCION, ILHA OMETEPE, LAGO NICARÁGUA. @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
O PEIXE E O DIA A DIA.
NA CAPITAL, A VENDA DIÁRIA
FAZ-SE À FACE DA ESTRADA.
OU NO MERCADO DA TRINDADE
As típicas lavadeiras
pintam a paisagem
num rio que cruza
a EN2
54 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
ca opção. Será uma das mais saborosas experiências gas- No extremo norte, a roça Diogo Vaz (1880), envolta em
tronómicas, num varandim para uma paisagem com as floresta de cacaueiros, tem matéria-prima de excelência
quentes cores do costume. e já foi o maior exportador de cacau do Planeta. Em 2014
A dois quilómetros, detenho-me na portentosa casca- foi remodelada e tornou-se num modelo na agricultura
ta de São Nicolau e, subindo a montanha, impressiono- biológica, apostando na sua herança e know-how an-
me no semi-abandonado jardim botânico, com inúme- cestrais. Será uma jovem engenheira etíope a servir-me
ras espécies que nos são desconhecidas. de cicerone. Na capital, a Diogo Vaz tem um dos espaços
mais emblemáticos, onde podemos provar criativa pas-
ROÇAS, A CULTURA QUE NOS UNE telaria e magnífico chocolate, ao nível do Corallo, que já
Estou próximo da roça Monte Café, uma das mais anti- produziu o melhor do Mundo.
gas (1858) e exemplares, com um museu à altura da sua Perder-me-ei também na pequena Vista Alegre, onde
história e que nos ajuda a compreender este organismo apenas se embalavam e armazenavam os produtos de ou-
vivo que ditava a economia de STP. Sem dúvida um es- tras roças. Recuperou de um incêndio, mas já precisa de
paço de cruzamento de povos e culturas, no que era uma nova intervenção. Mais para sul, ainda no centro, a roça
“roça cidade” com toda a edificação a organizar-se à vol- Água-Izé é das que tem mais intensa vida comunitária e
ta de um amplo terreiro murado, para onde convergia é visita obrigatória, particularmente o seu hospital adap-
toda a atividade. Quando penso no infindável potencial tado a habitação. Pouco antes de a alcançar, tinha para-
de STP, associo-o invariavelmente ao aproveitamento do o carro numa festa. Meia centena de familiares e ami-
deste valioso legado. gos a celebrar o 83.º aniversário de D. Berta com muita
É domingo e decorre um apaixonado culto de uma igre- música, dança e sorrisos. É aqui que me certifico dos pe-
ja evangélica. Em tecido social carente de educação – rigos do vinho de palma.
atualmente, as crianças vão tendo melhores condições –
torna-se mais fácil a penetração de todo o tipo de credos, MUCUMBLI, O PARAÍSO DO NORTE
quase unânimes no louvar a necessidade do dízimo. Tiziano Pisoni visitou “mais de 90 países” até que em
“Deus vê TUDO e sabe se os envelopes estão vazios”, 1992 assentou em Ponta Figo, Neves. “Viajei imenso até
vocifera o possante e bem vestidinho pastor, para que aterrar neste país especial, ainda muito genuíno e dife-
ninguém ouse “benzer o dinheiro” sem dobras (moeda rente de todos os outros. Não estava contaminado por in-
local) nos invólucros. Não me apaziguará a alma, contu- fluências exteriores e era carenciado de quase tudo. Vim
do asseguram-me que a razoável diversidade e o respei- dois anos como voluntário de um acordo de cooperação
to inter-religioso facilitam a pacificação da sociedade. italiana e fiquei definitivamente.”
Aconselham-me a levar guia à roça Agostinho Neto, que n Em 2010 começou a erigir o Mucumbli, que abriu em
Lavar roupa
não será bom exemplo de segurança. Avançarei por minha é atividade
2013. Mais do que um sonho turístico, é um ideal am-
conta, sem qualquer risco. Na verdade, só perturbaria as de rio e de... praia biental. Aos 15 hectares agrícolas e à parte pecuária, com
sucessivas prosas nas quais me vou demorando. O impo-
nente hospital ao cimo da larga avenida – praticamente to-
das as roças tinham estes cuidados de saúde próprios – foi
tomado por famílias. Sem espanto, não encontro sinais de
reabilitação. Aventuro-me pelas suas entranhas, seguindo
o som do hip-hop de intervenção em língua portuguesa.
Vem de Angola, de onde chegou farta mão de obra.
O interior da roça Boa Entrada, ainda mais a norte, é
poesia na decadência. Pelo seu maravilhoso chão de mo-
saicos pincelados por catraios a brincar, entre paredes
abatidas, cordas com roupa, audível banda sonora afri-
cana… São condições de sobrevivência abaixo do acei-
tável. Como em quase todo o lado, a escola é salvação.
No garante de (pelo menos) uma refeição e, sobretudo,
da educação, a única forma de fugir a um destino de mi-
séria. E de enraizar noções de igualdade de género, ain-
da bem deficitárias.
Segredam-me que os chineses querem comprar todo
o complexo para o reconverter à indústria e ao turismo,
realojando toda a gente num outro lugar. Temem esse ce-
nário. Que a democracia não fraqueje e que a solução te-
nha sempre em conta a vontade destas pessoas.
os quais satisfaz as necessidades do restaurante panorâ- pólito seguiu o caminho inverso ao do pai, um “grande
mico – sazonalmente, podemos apreciar da sua espla- capturador”, e tem dedicado a vida a proteger a espécie,
nada a migração de baleias e golfinhos –, juntou-lhe três trabalhando num projeto dirigido por biólogas portugue-
mi plantas e árvores, criando um habitat favorável para sas que em dezembro recebeu o Prémio de Conservação
a nidificação de umas 40 espécies de aves. Tusk, da Fundação Príncipe William.
Daqui podemos começar vários trilhos para as zonas “Há perto de 30 anos que me dedico a isto, tendo pas-
virgens interiores do Parque Natural Obô e, inclusiva- sado por várias associações. A lei de 2014 foi uma impor-
mente, para o icónico pico Cão Grande. E há um projeto tante vitória na sensibilização das populações, pois inte-
com burros que o veterinário Tiziano resgatou do aban- grou as autoridades, a polícia, as autarquias... e agora es-
dono do Ministério da Agricultura, um presente do anti- tamos a receber este reconhecimento internacional”,
go presidente de Angola. congratula-se o guarda-florestal, agora uma estrela pelas
A beleza do cenário, associada ao permanente contac- aparições na televisão que valorizam o programa Tatô.
to com a Natureza e a gastronomia com os sabores da ter- Apreciar as tartarugas do mar é possível – e recomen-
ra fazem do Mucumbli um lugar de eleição. Os seus en- dável – nas duas ilhas. E é sem dúvida uma das experiên-
cantos sobressaem ao nascer e ao pôr do sol… cias mais marcantes.
56 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
Z
Um menino brinca com
um triciclo de madeira
na Roça Vista Alegre
3
O imponente hospital
da Roça Agostinho
Neto
n
Uma habitual referên-
cia aos clubes de fute-
bol portugueses, no
ilhéu das Rolas, e o
abandono que nos
transporta para o pas-
sado na ilha do Príncipe
58 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
A pequena localidade em plena EN 2, que por cá não é
devidamente potenciada, ganhou nome com João Car-
los Silva, popula rizado em Portugal com o seu programa
de TV “Na Roça com os Tachos”. É com jazz que sou re-
cebido na sua roça onde, neste dia, não verei mais clien-
tes. Mau para toda a equipa de uns 60 colaboradores que
o “cozinhador” emprega no seu multidisciplinar em-
preendimento, que inclui pousada, restaurante, galeria
de arte, jardim de infância, horta, pecuária… mas um pri-
vilégio para mim o convívio com este sonhador, que se
ocupa a transformar utopias em realizações.
“Pensar global e agir local”, ou GLOCAL, como lhe
chama. Defende que STP tem um papel no futuro da hu-
manidade, como um “laboratório do Atlântico”. A exem-
plo da sua OLGA – Oficina, Laboratório de Gastronomia
de Angolares, um dos seus orgulhos e que se revela a mais
J desafiante experiência que o nosso palato pode ter nes-
O Omali é talvez a praia onde moram famílias de pescadores, pelo que es- te entreposto de sabores que é STP.
maior referência hote-
leira de São Tomé.
ses 50 metros exigem um barco. Com a maré baixa, há
E almoçar no Almada quem opte por colocar a trouxa à cabeça e atravessar, com O EQUADOR É MAIS DO QUE UM TROFÉU
Negreiros é uma expe-
riência a não perder
a água ao nível do pescoço. Essa altura é aproveitada, dia- O ilhéu das Rolas é um marco no espírito de viajantes,
riamente, por uma vara de porcos que cruza a nado em conhecedores do facto de a linha do equador estar aqui
Z busca de alimento. pomposamente assinalada. No extremo sul de STP, os
O passadiço pedonal
para o ilhéu Bombom, Indiferentes a isso, miúdos despidos recreiam-se com barquitos a motor partem de Porto Alegre para uma via-
no Príncipe
as suas jangadas artesanais, quais precursores da canoa- gem de uns dois quilómetros, na qual sou arrebatado por
gem e do SUP (stand up paddle). Do outro lado da baía estranha coreografia no mar. Pescadores com máscaras
ergue-se um edifício histórico que já foi depósito comer- de mergulho e grandes barbatanas organizam-se a bater
cial e onde mais crianças brincam e me mostram as suas com estrondo na água, criando as condições perfeitas
destrezas, em acrobáticos mergulhos para o mar desde o para conduzir o peixe às redes que outros companheiros
decrépito cais de embarque. Em grupo, adultos e jovens seguram nas tradicionais e cambaleantes pirogas.
unem-se para recolher as pequenas embarcações para o Queixam-se que o mar já não é tão fértil e dizem que
areal, fazendo-as avançar sobre troncos. os barcos chineses (os europeus também cá andam) le-
vam a faina maior. A abertura dos recursos marítimos à dos que o momento exige. Depois, ter novos amigos como
ambição piscatória do gigante asiático – uma das mais o Pedro e a Ana, apaixonados a dar uma nova vida à Re-
agressivas frotas do Planeta e que mais acusações enfren- sidencial Micaval, é ter a certeza de que nada me faltará
ta por pesca ilegal – é um desafio para STP, que se tem dis- nesta noite especial, que toda a necessidade contará com
tinguido pela sustentabilidade ambiental. a sua incansável ajuda e atenção.
O hotel Pestana Equador fechou e é notório o impacto A 30 de dezembro estou oficialmente são. Passado o
na comunidade de cerca de 200 habitantes, que tinha pior, decido ficar mais uns dias, usufruindo do fim do ano.
uma boa fonte de emprego e fazia negócio com o turis- A Fátima tem a amabilidade de reunir no seu lar os meus
mo. Virou-se novamente para a terra e para o mar, re- novos amigos em STP para celebrarmos esta noite espe-
gressando às suas tradições ancestrais. cial. Na primeira madrugada, estrelada, de 2021 saímos à
É bem recompensador um passeio em torno do ilhéu, rua e acabo a nadar em liberdade na baía Ana Chaves.
um mergulho numa das suas baías desertas e a subida ao Ao raiar do dia, vamos à praia de Messias Alves, que
icónico marco. No fim, deixe-se ficar e partilhe uma “na- beija o Club Santana, uns 10 quilómetros a sul. Contem-
cional” (Rosema, cerveja sem rótulo) com os locais en- plarei jovens a jogar futebol no areal antes de desapare-
quanto ouve as suas histórias e planeia o dia seguinte nas cerem na mata e voltarem em segundos com grandes pe-
idílicas praias Piscina e Jalé. daços de jaca e de outros frutos que devoram entre sor-
risos e piruetas no mar. Recordam-me o miúdo que no
A TRAIÇÃO DO VÍRUS Príncipe saltava para a água gritando sistematicamente
O final feliz desta viagem, em dezembro, fica em suspen- “estou na vida boaaaa”.
so quando, a horas de partir, percebo que estou infetado “Não temos PIB. O PIB é uma coisa poucochinha, pois,
com o novo coronavírus. Em STP, o distanciamento so- apesar das adversidades, a nossa Felicidade Interna Bru-
cial não é exequível e a máscara praticamente só se usa ta (FIB) é uma coisa estonteante, brilhante”, dissera-me
em hotéis, restaurantes e nos estabelecimentos. João Carlos Silva.
O Natal, que marcaria o primeiro abraço aos meus pais Sem turismo, STP está mais genuíno do que nunca. In-
desde o início deste pesadelo acaba confinado num quar- n tenso, das cores aos sorrisos. Desafia-nos a uma mudan-
Piruetas e saltos
to do Omali. No meio do azar, tenho a sorte de estar num mortais fazem parte ça de paradigma. O ideal é visitar sem bilhete de regres-
da diversão diária
empreendimento de referência. As regras de higiene e dos jovens são-
so. Delongarmo-nos neste estilo de vida “leve-leve” pelo
segurança são rígidas e sou tratado com todos os cuida- tomenses na praia tempo que nos apetecer… Z
60 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
GUIA DE
VIAGEM
VISTO
Necessário somente se ficar mais
de duas semanas.
VOOS
A STP Airways tem voos diretos
ao sábado, a TAP à quinta-feira
e ao sábado, com escala no
Gana. Sempre de Lisboa. Neste
período de pandemia tem havido
alterações aos dias dos voos que,
adquiridos com antecedência,
poderemos encontrar a rondar
os 400 euros. Não esquecer que,
para o regresso a Portugal e para No norte E as sobremesas. César Café, decoração africana
voar para o Príncipe, há dias e Hotel Mucumbli, um paraíso eco- Xico’s café, para comer bem muito interessante.
local específicos para fazer tes- lógico, uma experiência de Natu- e tomar um copo. Diogo Vaz, degustar chocolate
tes à covid-19. reza que não deve perder. Ronda Omali, o local certo para e a melhor pastelaria da ilha.
os 60 euros/noite. cozinha de autor. Contentor, petiscos e uma boa
caipirinha de maracujá.
No sul Fora da capital
Eco Lodge Inhame, ideal para Roça Chef João Carlos Silva, Príncipe
os amantes de praia. É local de o lugar e os desafios ao palato Bar Última Estação para acabar
TRANSPORTE ninhos/desova de tartarugas. valem cada euro. a noite.
Na capital, São Tomé, aventure- Tem barco para o ilhéu das Rolas. Casa-Museu Almada Negreiros,
se a explorar de “moto-boy”, o Ronda os 70 euros/noite. a experiência gastronómica
mais típico e acessível. De resto, e vistas.
devido ao estado de algumas es- Príncipe Micoló, compre polvo, chocos
tradas, aconselha-se viatura 4x4. O Bom Bom, a Roça Sundy e todo o tipo de peixe junto
Em dezembro foi negociada por e o Praia Sundy devem reabrir à estrada e deixe-os a grelhar GUIAS
25 euros/dia. em junho. A Roça Belo Monte num dos vários restaurantes • Em São Tomé, Levisinho
tem sido a única opção de maior locais. dos Santos (+2399993537).
luxo aberta. A confirmar. Santola, em Neves, é outro dos • No Príncipe, Joaquim Andrade
Ronda os 250 euros/noite. lugares a experimentar. “Branquinho” (+2399925114).
Há pouca oferta a preços econó-
micos. O ideal é saber junto dos Príncipe
DORMIR locais ou de um guia. Complexo Beira Mar,
tem o melhor polvo.
São Tomé Tia Zinha, para experimentar
Na capital pratos típicos.
Hotel Omali: em frente à praia, Associação Rosa Pão, pela SEGURO
em zona calma entre a cidade comida e ambiente festivo. Mais do que nunca, viajar
e o aeroporto, com excelente COMER com seguro é obrigatório e
piscina e todas as comodidades. essencial para eventuais so-
Gastronomia muito interessante. São Tomé bressaltos pandémicos. Verifi-
Ronda os 180 euros/noite. Na capital que bem as condições, para
Hotel Central: como o nome indi- Dona Dió, se quiser experiência não ser surpreendido posterior-
ca, está onde tudo acontece. local profunda. BEBER UM COPO mente.
É ponto de encontro de culturas Dona Tetê, para se maravilhar
e tem um restaurante com poesia com o melhor peixe grelhado. São Tomé Autor: Rui Barbosa Batista
nas paredes que nos lembra Por- Papa Figos, experimente Pico Mocambo Bar Café, www.bornfreee.com
tugal. Ronda os 40 euros/noite. as tábuas de carne ou peixe. em cativante casa colonial. Instragram: _bornfreee_
GAST R O N O M I A
PROVAS
V I L A N O VA D E G A I A
Na frente ribeirinha de Gaia, a es-
cassos metros das águas do Dou-
ro, serve-se uma paelha de baca-
lhau com gambas e presunto, em
dose reforçada para duas pessoas.
É uma das especialidades da casa,
ao lado das lulas grelhadas, da
francesinha e do hambúrguer em
D. R .
massa folhada.
Avenida Ramos Pinto, 310, Vila
Nova de Gaia - 223744297.
Preço médio: 20 euros
J
O ARROZ QUE CASA A panela rasa, plana,
redonda e com asas
62 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
“A S V I A G E N S À Á S I A Ainda se lembra da primeira
viagem que fez?
a
SOLIDARIEDADE
E MENUS CANINOS
De menus criados em exclusivo para cães às iniciativas
solidárias para ajudar restaurantes vizinhos, passando por
duas mulheres que estão a dar cartas na gastronomia, uma
delas conhecida da sétima arte: eis quatro espaços que têm
dado que falar lá fora. Por boas razões.
64 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
A máscara de batata
doce é das criações
mais apropriadas
de Christy Strever
TORNAR
ALIMENTOS
EM ARTE
Uma chef e fotógrafa autodidata usa
ingredientes da sua despensa e quintal para criar
chapéus de morangos e colares de cenouras.
No Instagram, a Food Selfie Queen já captou
a atenção de Gordon Ramsay.
Energias renovadas
entre a Barra e o Leblon
Cumprido mais um papel na ficção nacional, a atriz
C A R L D E S O U Z A /A F P
66 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
D. R .
M
al terminou as gravações da novela
da “TVI” “Amar demais”, Isabel Fi-
gueira fez as malas e voou até ao Rio
de Janeiro. No início do ano, as férias
ajudaram “a desligar e despir de vez
a personagem”, assume a atriz, re-
conhecendo que “o Brasil foi o destino perfeito, na altu-
ra ideal, para recarregar energias e voltar pronta para no-
vos projetos”. Porque “foi um papel muito marcante,
D. R .
quer visual como psicologicamente”, adiciona.
“Esta viagem foi de última hora e tudo muito organi- J
zado em cima do joelho, com algumas reticências por Isabel Figueira
procurou sítios
causa da pandemia”, reconhece Isabel, garantindo que mais isolados
valeu a pena a escolha. O bom tempo e os locais por onde e trilhos na
Natureza
passou foram aprovados e o regresso está já a ser consi-
derado. “Quero muito voltar, depois desta pandemia, tino. O clima de insegurança que pauta o quotidiano ca-
para conhecer locais incríveis e ter liberdade para andar rioca é uma realidade, mas a atriz não sentiu “medo ne-
de um lado para o outro.” nhum”. “A zona para onde fui é muito segura, havia po-
Por causa da covid-19, a também apresentadora pre- lícias por todo o lado, uma sensação que não tinha sen-
feriu “sítios mais isolados”, mas conseguiu ir a uma que- tido há uns anos quando lá tinha estado. Senti-me bem,
da de água e fazer um trilho, num roteiro “muito estu- muito leve, e regressei a Portugal também com essa le-
dado”. Isabel foi com amigos com quem organizou tudo, veza e energia”, assegura a protagonista. Na bagagem,
contando com “a ajuda preciosa de quem já conhecia trouxe “amizades para a vida” com quem mantém con-
bem o Brasil”. Admitindo alguns receios durante a esta- tacto através de videochamadas.
da, a modelo não se deixou “vencer pelo medo”. Com Bom garfo, Isabel aprovou toda a gastronomia, mas foi
todos os cuidados e testes realizados, Isabel aproveitou os pelos pastéis que se deixou levar. E “um arroz de feijão”
dias com “a máxima descontração possível”. Alojada que ainda lhe deixa água na boca. Sem esquecer “os su-
numa casa “linda e maravilhosa” de uma amiga, na Bar- mos naturais e, claro, a famosa água de coco”. Biquínis,
ra, “com piscina e muito perto da praia”, minimizou os protetor, “earpods para as caminhadas” e “roupa leve”
riscos de contágio. Em solo brasileiro, ainda reencontrou foram numa mala que dispensou maquilhagem, para dias
a também atriz Sofia Ribeiro, de quem foi irmã na ficção, sem agenda ou despertador a pressionar.
O Rio de Janeiro
o que “foi muito bom”. é a segunda maior Renovada e de volta a Portugal, aguarda por novos pro-
A par da Barra, adorou o Leblon, Teresópolis. “Não fo- cidade do Brasil jetos na televisão, numa altura em que ainda pode ser
(a seguir a São
ram muitos dias, mas senti-me em casa nos sítios que co- Paulo) e a sexta da vista como Estela em “Amar demais” e continua a fazer
nheci e gostaria muito de, um dia, também poder traba- América. E é a mais parte dos programas das tardes de domingo da TVI, “So-
visitada de todo
lhar lá”, confessa Isabel, inegavelmente rendida ao des- o Hemisfério Sul mos Portugal”. Z
ESPÍRITO
AVENTUREIRO
POR TERRAS
AFRICANAS
Cores quentes como o ocre,
o castanho, o bege ou o verde
predominam neste continente.
Terra multicultural onde o estilo
étnico pode ser
encontrado em
elementos decorativos
feitos em madeira ou
em fibras naturais, bem como
em tecidos de tons terra. Inspire-se
e parta à descoberta deste mundo
africano que tem tanto para
oferecer, do deserto às ilhas
paradisíacas, passando
pela vida selvagem.
POR RUTE CRUZ
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68 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
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FREEPIK
70 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
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1 2
1
São flores, senhores, são flores.
Mas que flores são? E onde?
a) Túlipas, na Holanda
b) Lavanda, em Espanha
c) Jacintos, em França
2
Com águas destas haverá poucas par-
tes do Planeta. Uma dica: são pescado-
res no Oceano Índico. Em que nação?
a) Nas Seychelles
b) No Iémen
3
c) Em Madagáscar
3
O título pertence ao Glacier Express,
que liga Zermatt a St. Moritz, na Suíça,
mas o troféu de comboio mais lento
está noutra linha. Qual?
a) Fianarantsoa-Côte Est, Madagáscar
b) Nilgiri Express, Índia
c) Windhoek-Swakopmund, Namíbia
4
É uma corrida sui generis, mas tradi-
5
5
Não é mais famosa passadeira do Mun-
SOLUÇÕES
fim do dia, é um absurdo. ção desses animais. km/h, o de Madagáscar, nos a sul do país e, portanto, su-
72 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
A TERRA DO CÉU
DE MÃOS DADAS
PELO MUNDO
Dar as mãos e ultrapassar
os muros que separam a
humanidade é o nome do
projeto efémero do franco-suíço
Saype, que escolhe fazer arte
para ser vista do céu. Chama-se
“Beyond Walls” e já pintou
pedaços de lugares estranhos.
VA L E N T I N F L AU R AU D F O R SAY P E /A F P
VIAJAR DEPO
M A RV I N R E C I N O S /A F P
@jornaisPT
OIS DO MEDO
Destinos condicionados, rotinas novas, procedimentos inéditos vieram para ficar e para
tomar conta dos dias dos viajantes. Quem fizer as malas terá que se confrontar com uma
realidade diferente. Mas é possível continuar a sonhar. As ofertas não morreram tanto como
chegou a temer-se. Os atores turísticos adaptaram-se aos tempos estranhos para melhor
acolherem quem não resistiu a sair de portas.
TEXTO PEDRO EMANUEL SANTOS
@jornaisPT
TURISMO PÓS-PANDÉMICO
N
ova normalidade. A expressão entrou nos ou-
vidos, na vida, no quotidiano, nas rotinas,
nos gestos. Há mais de um ano que a pande-
mia condiciona comportamentos e predo-
mina na atualidade. Viajar passou a ser um
(mais um) capítulo do grande livro dessa es-
pécie de besta invisível que demora a dissi-
par pesadelos e impede sonhos de fluírem
dentro da liberdade que merecem. A verda-
de é que, por negra que a realidade se apre-
sente, ela vai dando sinais de esmorecimen-
to e a palavra impossível resiste a desapare-
cer do dicionário dos viajantes, que ganha-
ram nova esperança com o anúncio do fim
gradual das restrições habituais às desloca-
ções internacionais.
O grande desafio, agora que o verão se
aproxima e os planos agitam agendas, é per-
ceber como viajaremos, para onde viajare-
mos, que cuidados deveremos ter quando
viajarmos, que comportamentos será dese-
jável que alteremos enquanto viajantes. Afi-
nal, o que vem aí?
A covid-19 veio redesenhar o mapa dos
destinos possíveis. Desde março de 2020 que
praticamente todos os países fecharam as
fronteiras a visitantes estrangeiros com fins
turísticos. Boa parte têm-nas aberto gradual-
mente, embora com medidas extremas de
J AC K G U E Z /A F P
76 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
to, para facilitar as deslocações entre o Bra-
sil e Portugal, e que desde então não mais
CÂNDIDA cessou atividade, ganhando assim o estatu-
to da mais antiga agência de viagens de todo
ABREU o Mundo.
dá conta de um “Há muitos hotéis fechados, muito menor
aumento da procura capacidade aérea, picos e fases pandémicas
da consulta do diferentes em várias geografias, produtos
viajante no serviço ainda com pouca acessibilidade a curto pra-
que dirige, no zo, como parques temáticos ou cruzeiros”,
Centro Hospitalar enumera Pedro Quintela.
de São João Perante tão emaranhado cenário, para que
latitudes se podem e devem virar os que
mantêm o legítimo de desejo de partir para
fora de portas nacionais? As alternativas
apresentam-se variadas. Com limitações, é
certo, embora o leque não seja tão reduzido
como chegou a temer-se. “Estão disponíveis
operações para destinos como as Caraíbas e
uma delas, é o passaporte sanitário estuda- ilhas espanholas, assim como para a Grécia,
do pela Comissão Europeia, que Bruxelas Turquia ou Cabo Verde”, desfia o responsá-
pretende disponibilizar a 21 de junho e que vel da Abreu. As praias exóticas também es-
poderá facilitar as deslocações dos cidadãos tão em alta, nomeadamente nas Maldivas,
dentro da Europa comunitária. Conterá in- Tailândia, Seychelles ou Zanzibar.
formações sobre testes individuais à covid- Uma pesquisa recente levada a cabo pela
19, se os viajantes foram ou não inoculados plataforma e-Dreams ODIGEO revelou que
e até que vacina tomaram. Um livre-trânsi- 77% dos portugueses pretendem alterar o
to para embarcar rumo a outras paragens. modo de planear viagens, com foco numa
Os voos transatlânticos também vão ga- variedade abrangente de escolhas de com-
nhando forma. A companhia aérea Emira- panhias aéreas e também de possibilidades
tes, por exemplo, anunciou que vai retomar múltiplas de alojamento no destino escolhi-
as ligações entre os aeroportos de Malpensa, do. Os consumidores vão passar a privilegiar
em Milão (Itália), e John F. Kennedy, em quem lhes ofereça um menu alargado de es-
Nova Iorque (EUA), já a partir de 1 de junho. colhas para então poderem marcar definiti-
As empresas de cruzeiros planeiam igual- vamente na agenda a data da partida.
mente o regresso aos mares, como é o caso Dado curioso sinalizado por aquela que é a
da Norwegian Cruise Line, que a partir de 25 maior companhia de viagens online dispo-
de julho, apesar de limitada a uma frota de nível na Europa é que a procura por viagens
três dos 17 navios disponíveis, irá desbravar ao estrangeiro para julho próximo, aponta-
águas na Grécia e em ilhas da América Cen- do como o mês em que as restrições às des-
tral, como a Jamaica e a República Domini- locações internações serão atenuadas ou
cana. A bordo apenas poderão entrar passa- mesmo levantadas, subiu... 117%.
geiros vacinados. Os hotéis, esses, há muito se prepararam
Apesar de todas as condicionantes, a ver- para adaptar funcionalidades às novas cir-
dade é que o turismo esmoreceu mas não cunstâncias. O primeiro grande teste acon-
morreu e continua a ser possível pensar em teceu o ano passado, este verão será apenas
férias, diversão, escapes à realidade dos dias uma questão de afinar detalhes. “Existem
A testagem já passou
a fazer parte da pre- habituais. “A indústria e os seus atores estão novos modelos de operação”, confirma Jo-
paração de qualquer ainda a reconfigurar-se”, admite Pedro sé Theotónio, CEO do Grupo Pestana. Me-
viagem e permitiu a
abertura tranquila de Quintela, diretor de Vendas e Marketing da didas aparentemente simples que permitem
muitos destinos Agência Abreu, fundada pelo minhoto Ber- salvaguardar a saúde dos hóspedes e evitar
nardo Luís Vieira de Abreu, em 1840, no Por- contágios, como check-in realizados atra-
K E N T N I S H I M U R A / LO S A N G E L E S
T I M E S V I A G E T T Y I M AG E S
LO U I SA G O U L I A M A K I /A F P
J
vés de uma aplicação para smartphone de forma a de- A Grécia e as praias birmo-nos de fazer viagens mais longas, porque assim o
sencorajar filas nos balcões dos hotéis, colheres indivi- exóticas estão entre regresso a casa é mais curto e seguro no caso de suceder
os destinos mais
duais nos buffets para impedir partilhas ou maior distan- procurados este ano algo negativo”, sugere Cândida Abreu.
ciamento em espaços ao ar livre, sobretudo em piscinas Estas e outras ponderações deverão pesar na hora de
e jardins das unidades de alojamento. equacionar viajar. Porque há interrogações cujas respos-
“São procedimentos já normalizados em Portugal e no tas tardam. Ainda. Até no que diz respeito ao que se deve
Brasil, países em que o Grupo Pestana está implantado”, esperar da parte de quem nos irá receber e acolher. Fili-
explica José Theotónio. A inspiração veio do Oriente, pe Morato Gomes, autor há 20 anos do blogue de viagens
onde os profissionais “estudaram as melhores práticas”. “Alma de Viajante”, no qual relata experiências pessoais
Opção aconselhada, em tempos tão conturbados e in- e inspira quem o lê a viajar de forma independente, não
certos como estes, é realizar um seguro antes de partir sentiu esmorecer o desejo de soltar amarras e entrar Mun-
para férias (ver entrevista nestas páginas). Para prevenir do dentro mesmo em período pandémico.
eventualidades pouco desejáveis, evitar contratempos e “Será que os habitantes locais passarão a olhar os es-
remediar situações de desconforto que possam ocorrer trangeiros da mesma forma que dantes? A hospitalidade
durante o período de descanso. genuína será substituída por olhares de hostilidade?”, in-
Também não será de somenos consultar um médico an- terroga-se Filipe Morato Gomes. “Temo que as pessoas se
tes de fazer as malas. “As Consultas do Viajante têm regis- voltem mais para dentro, que optem por uma postura de-
tado uma afluência maior este ano em relação a anos an- fensiva em relação ao outro, ao estranho.”
teriores”, constata Cândida Abreu, coordenadora da es- No fundo, o desafio que fica para os viajantes de amanhã
pecialidade do Centro Hospitalar de São João, no Porto. é um só: “Quem nos recebe vai continuar a abraçar-nos da
“A covid mudou de forma indelével as preocupações mesma forma?”. Seja em que latitude for, a questão perti-
dos viajantes. Há, claramente, um antes e um depois. O nente lançada por Filipe Morato Gomes é a base do que se-
risco deste coronavírus é mais enigmático porque não o rão as viagens depois do medo. Aquelas viagens que sobre-
domamos completamente”, observa. Conselhos? “Coi- vivem a receios maiores e se sobrepõem a tudo e todos. Z
78 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
“Paradigma das
viagens mudou”
João Horta e Costa é Chief Commercial Officer da Europ Assistance
para Portugal e explica como os seguros de viagem ganharam nova
importância no atual contexto. Ofertas variadas que vão de encontro
a um perfil de viajante que privilegia a segurança sanitária a tudo o resto.
O sítio onde
se regressa para
o almoço de domingo
80 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
Beirute, por fora
e por dentro,
um segredo
bem guardado
N
uma das grutas feitas templo semeadas rar ao Líbano. Não era suposto. Visava Istambul, uma
pelo bíblico Vale de Kadisha, nas alturas do meta independente das curvas do percurso. Era 2015,
Líbano, vive um eremita. Diz-se que é ir- para trás ficavam anos de apoio educativo na Universi-
mão de Pablo Escobar, é Escobar de facto, dade de Bornemouth, Inglaterra, anos de ioga, de uma
mas Dario, e colombiano como o outro. vida que se desviou cedo do trilho, mandando às urtigas
Seja como for, é o suficiente para ser temido por muitos, o curso de Linguística da Nova de Lisboa.
num lugar de cedros milenares de onde saiu madeira para A estrada, as boleias, o couchsurfing, o voluntariado
as bases de Jerusalém, ainda que Dario, na verdade, só em troca de estadia (três mil euros esgotam-se como fu-
goste de falar de futebol e de Julio Iglesias quando o can- marolas) trouxeram-lhe em retorno “a imersão total na
tor era guarda-redes e de como se encontraram, de Ma- viagem”. “Apercebi-me de que gosto de passar tempo,
radona ou com Maradona quando este vivia. João encon- sem planos, com as pessoas de quem goste, por tempo in-
trou-o assim, certa vez, ao telefone com “El Pibe de Oro”, definido.” Ao fim de quase um ano, uns amigos convo-
porque sim, porque, para Diego, Dario era um santo. Para caram-no a Loughborough para um mês de “cat sitting”.
n outros, poderá ser a encarnação do “Profeta” de Khalil João estava a viver com “okupas” na Eslovénia, ainda sem
Padre Dario Escobar,
o colombiano que Gibran, poeta e ensaísta nascido ali, na cidade que se dei- chegar a Istambul. O tempo encurtou, decidiu adiar a
dizem ser irmão
de Pablo Escobar, vive
ta à sombra daqueles cedros inspiradores e que deixou, Turquia e procurar “um país de que falavam bastante
no Vale de Kadisha entre muitos dos ensinamentos, este: “Quando o amor mal” para gastar dois meses. Só para ver como era.
vos acenar, sigam-no, ainda que Calhou de ser sentado no avião ao lado de um casal li-
os seus caminhos sejam difíceis banês que se aterrorizou quando João lhes disse que iria
e íngremes”. acampar no Líbano. “Deram-me o número deles, con-
Os caminhos de João Sousa te- vidaram-me para jantar, levaram-me conhecer a noite li-
rão ou não sido difíceis e íngre- banesa” e acabou a quebrar uma série de preconceitos,
mes. Nas voltas que a vida dá – encontrando em Beirute uma cidade cosmopolita e oci-
“Talvez tenha sido aquela pré- dentalizada e a hospitalidade inesperada daquele casal
crise de meia-idade, havia al- que até casa lhe ofereceu. E a liberdade de ir e vir e ficar
gum tempo que queria lançar- e deixar-se ir na paixão da fotografia de rua, na ida aos
me à estrada, mochila às costas, bairros de refugiados, na descoberta da sociedade única
e aliar isso à fotografia que fazia que é a mistura libanesa, “sempre regressando a Beirute
como amador, juntei três mil eu- para o almoço de domingo”.
ros e fui para a estrada” – foi pa- A vida de João seguiu o curso tortuoso que lhe decidi-
82 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
TEMPLO DE JÚPITER, BAALBEK
SAIDA (SIDON)
ATÉ HOJE
De três semanas João passou ao tempo indefinido que
gosta de despender com as pessoas de quem gosta e foi
apanhado nisso no trágico dia 4 de agosto de 2020. Esta-
va em casa, a fumar tranquilamente a sua shisha num dia
de calor absurdo e de prolongado corte de eletricidade
fruto da profunda crise em que o Líbano se enfiou, jane-
las abertas para dar passagem a alguma brisa.
“Ouvi a explosão e pensei: guerra? Trinta segundos de-
pois, veio a primeira grande onda. A falta de eletricida-
de salvou-me a vida. Teria sido esfaqueado por centenas
MAR MEDITERRÂNEO
84 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
J
histórias pela vida extrema que carrega, passando pela Os campos de canábis
para uso medicinal
gastronomia, uma pérola do Médio Oriente no cruza- em Yammoune, na
mento de todas as influências. “O Líbano é feito pelas região de Baalbek
pessoas”, pela “variedade em termos humanos, de tra-
dições, religiões, de sítios para descobrir, novas comi-
das, um meio artístico vibrante talvez decorrente da re-
siliência libanesa. Uma pessoa não se aborrece.” Até pelo
que se aprende.
Financeiramente “sequestrado” (os bancos tomaram
conta dos dólares dos clientes, a moeda depreciou-se à
exaustão, o câmbio à taxa legal é um roubo, tudo o que
se consome, ou quase, é importado, é a definição perfei-
ta de colapso), “o país acaba por se ir sustentando atra-
vés dos libaneses e não do Governo”, dos que estendem
as mãos uns aos outros nas ruas e dos da diáspora que, de
lá fora, contribuem com o que podem. “Continua a ser
um dos países mais seguros onde eu já estive.”
ANFEH
TRIPOLI
86 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
Z
Retratos de um país GUIA DE
VIAGEM
com bolsas do passado.
As rosas colhidas nas
montanhas são transfor-
madas em chá e água
floral em casa. O narguilé
é parte da paisagem.
O bairro Bourj Hammoud,
em baixo, enche-se de A recém-criada agência 100 Rota define-se as-
descendentes de armé- sim: procurar sítios menos óbvios e mostrá-los
nios fugidos do genocí- a quem queira ver o que são do ponto de vista
dio do Império Otomano
humano. Como são vistos por quem lá vive.
O que escondem das massas. E o Líbano foi
dos primeiros destinos que saltaram à mente.
A proposta é descobri-lo pela mão do repórter
fotográfico João Sousa (instagram.com/joaocb-
sousa), já de 3 a 10 de julho.
Web: www.100rota.pt
VOAR
jantes que não é preciso ir para lugares exóticos ou turís-
Como em quase todas as viagens de aventura,
ticos ou mediáticos, no sentido cor-de-rosa da palavra, o voo é por conta do viajante. Pode encontrar-se
e sensibilizar as pessoas para um tipo de viagem mais al- por valores que arrancam perto dos 300 euros.
ternativo, menos comum e bastante humano”, explica li-
minarmente o futuro líder de viagem.
Um Líbano feito de imperdíveis, da variedade arquite-
tónica da Beirute que foi a Paris do Médio Oriente às tra- PERCURSO
dições multiplicadas pelas confissões que coexistem no São oito dias para ver Beirute, Saida, Tiro,
o Museu do Hezbollah, Anjar, Balbeek, o Vale
país, apesar do cosmopolitismo, com cantos e recantos de Kadisha e os cedros, Tripoli e Byblos, trans-
que pararam no tempo, com remanescências da guerra portados em táxis e miniautocarros e alojados
civil, com testemunhos do êxodo palestiniano primeiro em hotel e guesthouse. Os transportes locais,
e do sírio depois, com o que deixou a explosão e a recons- as dormidas, os pequenos-almoços e as entra-
das em museus e sítios estão incluídas no pre-
trução que se faz. Das cidades como Tripoli, a norte, os ço da viagem, que deixa de fora a alimentação
mercados, a “corniche” com vendedores de baguetes, a (calculada em 15 euros diários), os transfers
cultura com Oscar Niemeyer, os artesãos de tudo, o ca- de e para o aeroporto e o seguro de viagem.
lor humano “vibrante”, “sente-se na arquitetura, na for- Preço: 1 070€ por pessoa em grupos de quatro
a dez elementos.
ma como a vida corre...” Ou como Baalbek e o seu tem-
plo romano, paredes-meias com a Síria e com os campos
de canábis para fins médicos do vale de Bekaa. Ou como
Byblos, Saida (Sidon) e Tyr (Tiro), “lindíssimas à beira-
A SABER
mar”, a comida de rua, os pescadores, os mercados an- Para lá de incluir visitas a antigos campos de
tigos. Ou o Vale de Kadisha do eremita e aqueles cedros. refugiados palestinianos e espreitadelas aos
“Tudo feito com as pessoas. O Líbano deve ser vivido com resquícios de 15 anos de uma guerra fratricida,
a proposta de João Sousa é fazer perceber o sis-
as pessoas e através das pessoas. Seria impensável fazer
tema por que se rege um país único no Mundo:
o Líbano sem interagir com as pessoas. O Líbano é as pes- o confessionalismo. Foi a fórmula encontrada
soas.” E é “um espaço tão pequeno de terreno que se con- para assegurar a paz num país que é composto
segue ter acesso a todas estas realidades tão discrepan- por uma miríade de confissões religiosas, as
maiores das quais viveram (e vivem) em particu-
tes num curto espaço de tempo, com o luxo de não ter que lar tensão: muçulmanos xiitas, muçulmanos su-
viajar durante dias e dias para chegar a um sítio e ver uma nitas e cristãos maronitas. Tratou-se de garantir
realidade completamente diferente”. a representação de cada confissão no sistema
A proposta de João é quebrar preconceitos em relação político. Assim, para lá de todas as confissões
terem assentos parlamentares (respeitando a
ao Médio Oriente e desfazer a ideia de que é “mau e in- divisão equitativa entre confissões cristãs e
seguro”. E sim, o Líbano pode ser a melhor porta de en- confissões muçulmanas), a partilha do poder
trada para a região, porque alia a influência ocidental à faz-se entregando a presidência a um cristão
tradição oriental e isso filtra os choques. E porque é o tal maronita, a chefia do Governo a um sunita e a
do Parlamento a um xiita, enquanto os ministros
lugar onde, como João, se fica. Por todas as razões para devem ser metade cristãos e metade muçulma-
trás e a mais importante de todas: João casou e tem, ago- nos. Um sistema que garante um lugar no poder
ra, uma família libanesa xiita para almoçar ao domingo. a cada uma das fações é atualmente apontado
como o responsável pela situação em que o
Porque, como ensina Khalil Gibran, “quando o amor vos
Líbano se encontra, arruinado pela corrupção
acenar, sigam-no, ainda que os seus caminhos sejam di- das elites políticas e da banca e afundado numa
fíceis e íngremes”. Z das piores crises económicas da atualidade.
GONÇALO FERREIRA
88 @jornaisPT
MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
H
á males que vêm por bem e o ditado
serve o lisboeta Gonçalo Ferreira em
dose dupla. Despedido do emprego
num hostel pela pandemia, agarrou na
indemnização e meteu-se num avião
para o Uganda. Porque era dos poucos países que es-
tava aberto, porque pedia apenas um teste negativo à
covid-19 e porque o coronavírus parecia poupar a ver-
dejante nação africana.
Cumpriu o sonho de ver os gorilas, juntou-lhes chim-
panzés e teve o raro privilégio de ser o único elemento
do grupo diário de visita aos bons gigantes da selva tro-
pical. Ele e os guardas, atrás de quem seguiu ao longo
de duas horas de caminhada íngreme e húmida, ao som
das catanadas na vegetação, nas pegadas que os ani-
mais deixam nas suas deambulações pelo Parque Na-
cional da Floresta Impenetrável de Bwindi. O nome é
quase tão real quanto o ambiente, um teto de árvores
densas debaixo das quais continua a chover 12 horas de-
pois de a chuva parar.
Gonçalo seguia de máscara, a proteção dos gorilas im-
põem-na agora mais do que nunca, são seres frágeis e
são poucos. Até que viu um gorila jovem, irrequieto, cu-
rioso. Estacou. E depois, o dorso prateado, esse mila-
gre da Natureza de que somos uma repetição, mãos
grandes e perfeitas, tanto que eram o motivo pelo qual
eram caçados e mortos quando a caça furtiva não era
perseguida como agora. Pelas suas mãos, exóticos cin-
zeiros para as elites provincianas deste Mundo. “É uma
horinha que passa depressa”, armado da pesada teleob-
jetiva que carregou às costas através da floresta. É, mas
é uma hora irrepetível. Como as três que passou com os
chimpanzés no Parque Nacional da Floresta de Kibale.
Os animais fascinam-no desde que se apaixonou pela
fotografia, que hoje o move através do Planeta. Como o
fascinam os rostos puros das pessoas. No Uganda, per-
deu-se entre as tribos Karamojong, que se assemelham
aos Maasai quenianos. Outra paixão cumprida. Com
África como cenário, um continente que o encantou
mal nele aterrou. A pandemia, está à vista na viagem
que são estas páginas, não trava paixões. Z
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O dorso prateado
é uma marca
distintiva do gorila
macho dominante,
o maior de todos
os primatas
Criança da tribo
Karamojong
na busca diária
por água
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Vilas da tribo
Karamojong
no nordeste
do Uganda
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Jovem pastor
Karamojong
no nordeste
do Uganda
Aldeões
da tribo
Karamojong
e, em baixo
à direita,
uma menina
de um bairro
de Kampala,
a capital
do Uganda
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Próxima Paragem
PORQUE É VERÃO,
ÁGUA PRECISA-SE
C H R I STO P H E S I M O N /A F P/G E T T Y I M AG E S
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MAIO 2021 VO LTA AO M U N D O. P T
Esperamos por si
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