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E, ENTÃO, PRA QUÊ?

A educação da criança pequena envolve simultaneamente dois processos


complementares e indissociáveis: educar e cuidar.

Simultaneamente, nesta etapa, as crianças tomam contato com o mundo que as cerca, através das
experiências diretas com as pessoas e as coisas deste mundo e com as formas de expressão que nele
ocorrem. Esta inserção das crianças no mundo acontece através de atividades voltadas
simultaneamente para cuidar e educar.

Quando uma sociedade faz exigências de trabalho aos responsáveis de crianças pequenas tem a
obrigação de prover ambientes acolhedores, seguros, alegres, instigadores

cuidar inclui preocupações que vão desde a organização dos horários de funcionamento da creche,
compatíveis com a jornada de trabalho dos responsáveis pela criança, passando pela organização do
espaço, pela atenção aos materiais que são oferecidos como brinquedos, pelo respeito às
manifestações da criança até a consideração de que a creche não é um instrumento de controle da
família,

No entanto, A noção de experiência educativa que percorre as creches e pré-escolas tem variado
bastante. Quando se trata de crianças das classes populares, O que se tem verificado, na prática, é
uma visão estreita: a visão do Cuidar na maioria das vezes, com atividades voltadas para os cuidados
primários: higiene, sono, alimentação, e práticas voltar para um educar para a submissão, o
disciplinamento, o silêncio, a obediência. De outro lado, mas de forma igualmente perversa, também
ocorrem experiências voltadas para o que chamamos de “escolarização precoce”, igualmente
disciplinadoras, no seu pior sentido. Refiro-me a experiências que trazem para a pré-escola, as
atividades com lápis e papel, os jogos ou atividades realizadas na mesa, a alfabetização ou a
numeralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos horários e da distribuição das
atividades, as rotinas repetitivas e empobrecedoras.

Assim, na prática, a dimensão educativa, tem desconhecido um modo atual de ver as crianças: como
sujeitos que vivem um momento em que predominam o sonho, a fantasia, a afetividade, a
brincadeira, as manifestações de caráter subjetivo.

A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO UM PERCURSO OU CAMINHADA (OU ISTO, OU AQUILO...)

Cada época tem a sua maneira própria de considerar o que é ser criança e de caracterizar as
mudanças que ocorrem com ela ao longo da infância. Nos últimos três ou quatro séculos, a criança
que era considerada um pequeno adulto, passou a viver outras experiências da infância, uma
questão histórica.

Segundo a alemã Hannah Arendt, Com a concepção e o nascimento, os pais não deram somente a
vida a seus filhos, eles, ao mesmo tempo, introduziram-nos em um mundo. Educando-os, eles
assumem a responsabilidade da vida e do desenvolvimento da criança mas também da continuidade
do mundo.

A responsabilidade pela criança é cheia de conflitos, ela envolve protegê-la do mundo, cuidar para
que ela não sucumba aos seus perigos, mas, também, garantir que as novas gerações preservem o
mundo que receberam para assegurar que ele e a humanidade sobrevivam;

as crianças chegam a um mundo que já está lá, pronto, o mundo da cultura (formas de se expressar,
tradições, costumes, histórias, objetos, modos de conviver...). Portanto, a experiência que elas vão
viver não é uma experiência de descoberta, como querem alguns, mas de “recriação”, a criança
trabalha sobre elementos já presentes na cultura de seu grupo de origem (aqui está presente a ideia
de que nada é absolutamente original. A criança não cria a partir do nada, mas de significados que
fazem parte da linguagem e do patrimônio cultural do seu grupo. Portanto, estes significados, ao
mesmo tempo em que são transmitidos e ativamente incorporados por ela, também a constituem e
conformam de uma determinada maneira.)

A responsabilidade pela entrada da criança no universo cultural que ela compartilha com seu grupo
social tem, cada vez mais, envolvido outros sujeitos e instituições fora da família. Hoje a experiência
de educação das crianças deve ser compartilhada pelas famílias e pelas instituições educativas, mas
também pela sociedade. Este processo de constituição dos sujeitos no mundo da cultura é o que
chamamos de educação – o fenômeno pelo qual o ser humano passa não apenas a absorver a cultura
do seu grupo, mas também a produzir e a ativamente transformá-la, o que ocorre pela troca entre os
sujeitos. Portanto, a educação não é um processo de transmissão cultural, mas de produção de
sentidos e de criação de significados. A forma como as instituições escolares, entre elas as creches e
pré-escolas, se organizam para produzir estes processos é o currículo.

O currículo precisa ser enfatizado em seu aspecto produtivo e interativo. Isto é, não está constituído
por informações, conceitos, princípios que são passados para os/as alunos/as (geralmente
organizados sob a forma de listas de “conteúdos” – aquilo que deve ser ensinado).

O currículo é o que crianças e professoras/es produzem ao trabalhar com os Educação Infantil – os


objetos de estudo que podem incluir os mais diversos elementos da vida das crianças e de seu grupo
ou as experiências de outros grupos e de outras culturas que são trazidos para o interior da creche e
da pré-escola.

Portanto, não é o conhecimento preexistente que constitui o currículo mas o conhecimento que é
produzido na interação educacional. A ideia atual de currículo é de uma caminhada, de uma
trajetória, da direção que toma o processo de produção de determinados saberes.

Assim, a experiência de educação das crianças já desde a creche implica a existência de um currículo.
Até muito recentemente – mais ou menos até os anos 60 – as questões curriculares não constituíam
motivo para grandes conflitos, apesar de discussões a respeito do que se deveria ensinar às crianças
pequenas das classes populares terem já ocupado educadores do início do século XIX.

O currículo é político, muito mais comprometido com a ideia de que a educação é o processo pelo
qual nos tornamos o que somos, a educação constitui os indivíduos de uma determinada maneira,
portanto, importa muito neste processo aquilo que é ensinado na escola infantil. O que o exame de
muitas propostas curriculares tem mostrado é que os conhecimentos selecionados para fazerem
parte da experiência curricular geralmente estão organizados em blocos que não se comunicam uns
com os outros.

Os conteúdos são organizados a partir de uma distribuição artificial – as disciplinas – e acabam sendo
trabalhados com as crianças de forma fragmentada – aos pedaços.

Assim, BNCC vem ao encontro de uma visão contrária a essa fragmentação. Ao criarmos o ponto de
vista sobre o mundo não temos apenas a visão matemática ou linguística por exemplo. Esta
perspectiva disciplinar é uma das piores heranças que recebemos de nossa educação e ela tem
impedido que formas mais criativas de organizar o conhecimento escolar possam substituí-la. Outro
erro é o fato dos currículos terem a pretensão neutralidade, isto é, servir igualmente a todos, sem
considerar que o sujeito que aprende é menina ou menino, negro/branco/amarelo/mestiço, nasceu
na zona rural ou urbana, vem de uma família de migrantes ou de outra que vive há muito tempo na
comunidade...

Não existe apenas um conhecimento, uma tradição que deve ser compartilhada por todos, na
sociedade. Portanto, não existe apenas um currículo, válido para todos.

Quero ressaltar que da experiência curricular não resultam apenas o que temos considerado
tradicionalmente como conhecimento: o domínio de informações e o desenvolvimento do raciocínio,
de formas de pensar, que a gente quer cada vez mais complexas, aperfeiçoadas, abstratas. A
experiência que a criança vive na escola infantil é muito mais completa e complexa. Nela a criança
desenvolve modos de pensar, mas também se torna um ser que sente de uma determinada maneira.

ESCOLA INFANTIL, PRA QUE TE QUERO?

E educação infantil deve incluir o acolhimento, a segurança, o lugar para a emoção, para o gosto,
para o desenvolvimento da sensibilidade; não deixando de lado o desenvolvimento das habilidades
sociais, nem o domínio do espaço e do corpo e das modalidades expressivas; deve privilegiar o lugar
para a curiosidade e o desafio e a oportunidade para a investigação. Por tais razões, as instituições de
educação infantil são hoje indispensáveis na sociedade. Espaço de descoberta do mundo”

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